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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

ANO DE 1953 9 DE FEVEREIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 200 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 1O DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mo Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRI0:-O Sr. Presidente, declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados ou n.º 197, 198 e 199 do Diário das Sessões, tendo o Sr. Deputado Jacinto Ferreira usado da palavra acerca de uma sua anterior intervenção publicada no Diário das Sessões n.º 197.

O Sr. Presidente comunicou catarem na Mesa dementou enviados pelo Ministério do Exército em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Cariou Moreira e os elemento» remetidos pelo Instituto Nacional de. Estatística a requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga.

Para o disposto no § 3.º do artigo 100." da Constituição, recebeu-se o Decreto-Lei n.º 39997.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel Cerqueira Gomes, que anunciou um aviso prério sobre previdência social: Galiano Tavares e Pinto Barriga, para enviarem, requerimentos à Mesa e Manuel Vaz, que se referiu, com elogio, à contribuição de Portugal no auxilio aos ministrados da Holanda.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta, de lei orgânica do ultramar.

Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Leonor Correia Botelho, Mascarenhas Gaivão e Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente declarou encerrada, a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram l5 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.

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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estrio presentes 65 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.º 197, e figura do Diário das Sessões.

O Sr. Jacinto Ferreira : - No Diário das Sessões n.º 197 figura, a propósito da minha intervenção sobre condições de trabalho na marinha mercante, um aparte do Sr. Deputado Henrique Tenreiro, o qual pode levar alguém a pensar que eu teria proferido palavras desprimorosas para oficiais da Armada - palavras depois omitidas no relato do Diário das Sessões.

E a demora na distribuição deste Diário das Sessões poderia contribuir para radicar essa suspeição.

Ora eu desejo que fique consignado ser o relato a reprodução fiel das palavras que pronunciei, e nelas ninguém de boa fé poderá encontrar ofensa seja para quem for.

Eu sei bem que certas frases são como as jóias falsas: chamam a, atenção para quem as usa, mas não tem valor.

Não obstante isso, desejo repeli? aquele aparte com toda a energia, porque o considero - este sim 1 - ofensivo para a minha pessoa.

E se não o fiz imediatamente foi porque V. Ex.ª já então havia dado a palavra a outro Sr. Deputado e também porque supus que o Sr. Deputado Henrique Tenreiro, ponderada a frase em questão, se dispensasse de lhe dar o relevo da sua inserção no Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Não se trata, pois, de uma rectificação ao Diário dou

O Sr. Jacinto Ferreira: - uma explicação ao que contém o Diário das Sessões.

Mas V. Ex.ª pensa que não era a altura própria de dar esta explicação?

O Sr. Presidente: - Desde que o Diário das Sessões reproduz fielmente o que V. Ex.ª disse, não era necessária esta explicação.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Este Diário está realmente exacto.

O Sr. Presidente: - Sabe V. Ex.ª que a exactidão do Diário das Sessões não carece do testemunho dos Srs. Deputados que usam da palavra. Contra a inexactidão é que podem reclamar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra para reclamação sobre os referidos Diários, considero-os aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Presidência do Conselho a comunicar que o Ministério do Exército, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de 13 de Novembro de 1952, informa não ter na sua dependência companhias ou empresas concessionárias de serviços públicos ou de utilidade geral.

Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto

Barriga na sessão de 15 de Janeiro findo.

Está igualmente na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3." do artigo 109.º da Constituirão, o Diário do Governo n.º 21, 1.ª série, do 5 do corrente mês, que insere o Decreto-Lei n.º 89 097.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes.

O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Aviso prévio

«Desejo tratar em aviso prévio, nos termos regimentais e constitucionais, da previdência social.

No desenvolvimento deste aviso prévio procurarei demonstrar:

1.º Depois de uma montagem e de uma, expansão rápidas, a previdência social foi detida quando começaram u patentear-se os erros doutrinários com que vinha estruturada e quando as realizações ameaçaram atingir volume incomportável de despesas e isolar-se em discordância dos restantes serviços sanitários. Detida há mais de três anos, a previdência social, que é um dos mais vultosos problemas da nossa hora; continua ainda sem revisão;

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3.º Figurada assim a previdência, o seu exame, e por isso mesmo a sua revisão, deve considerar:

a) Estrutura administrativa;

b) Campo de aplicação do seguro social;

c) Esquema de benefícios;

d) Regime financeiro;

e) Prestação dos serviços médicos.

a) Estrutura administrativa. - As caixas de previdência começaram por prestar directamente, em acção imolada, os benefícios do seguro, especialmente os serviços médico-sociais. A certa altura criaram-se as federações; das caixas extraíram-se serviços que foram concentrados em novos organismos. A mais importante foi a de Serviços Médico-Sociais - Federação das Caixas de Previdência.

Como as caixas continuaram a existir com o mesmo sistema de encargos (mesmos edifícios, pessoal, etc..) e como se fundaram outras instituições (novos edifícios, novo pessoal, etc.), em vez de diminuições de despesas e de superior eficiência deu-se o encarecimento do sistema, pela sobreposição de dois organismos para. o mesmo fim. O beneficiário fica mais caro quando transita das caixas para a Federação e perde, muitas vozes, em amplitude assistêncial.

As caixa» resistem à integração na Federação, e algumas continuam independentes ao provar, em voz mais alta, que pelo regime directo gastam menos e dão mais.

Porque há interesse real em concentrar a organização, devem as caixas federar-se, logo de entrada, numa caixa única que preste directamente os serviços sem necessidade de órgão intermediário.

O esquema da caixa única, mais rápido e mais barato, é adoptado em outros países. Defendo as caixas únicas distritais, para onde revertam a totalidade das contribuições operárias e patronais da área, com maleabilidade para se adaptarem à defesa, quer da patologia local, quer das doenças profissionais mais em relação com as peculiaridades do trabalho regional, ligadas por representantes à Caixa Nacional Central, onde se assegure a unidade do plano geral de previdência e o equilíbrio financeiro dos diversos ramos do seguro.

b) Campo de aplicado do seguro social. - Para os trabalhadores assalariados determinou-se que o âmbito de uma caixa é extensivo a todo o pessoal, qualquer que seja a sua posição e preste Serviços em empresas contribuintes da mesma caixa, e alargou-se o conceito do trabalhador a todo o indivíduo que receba uma remuneração, de forma a abranger os administradores, os gerentes e outros em situação paralela ou equiparada.

Até agora, o seguro social e respectivas caixas de previdência abrangem especialmente o comércio e a indústria. Com tão ampla extensão do seguro nestes dois ramos da produção excedeu-se o espírito da nossa, política social e fez-se puro socialismo.

Antes de incorporar na previdência, como está para breve, outros grupos de trabalhadores assalariados, deve rectificar-se o campo de aplicação, abandonando o conceito colectivista da generalização do seguro social é limitando-o aos economicamente débeis, definido por um salário limite.

A Associação Médico Mundial exprimiu já, com votos gerais, que o seguro de doença se deve limitar aos economicamente débeis. Entre os trabalhadores assalariados não deve haver ramos com privilégio; o seguro tem de chegar a todos, em bom se compreenda, por situações criadas ou por condições especiais da profissão, que alguns não entrem n«i fórmula gorai. Deve fazer-se a melhor diligência para levar o seguro social aos trabalhadores rurais.

Se o esforço contributivo que tinha de impor-se à lavoura para o esquema geral do seguro é incomportável, com a organizai, ao das caixas únicas distritais, mediante aceitável contribuição, seria possível, pela solidariedade de todos os contribuintes, prestar, ao menos, o seguro de doença aos trabalhadores rurais, que excedem o milhão.

Os trabalhadores independentes, especialmente médicos, advogados e engenheiros, foram também compelidos ao seguro obrigatório. E se vai crescendo, mesmo em poises sem a nosso doutriaia, a corrente de tornar facultativo o seguro dos trabalhadores independentes entre nós deve desde já acabar a anomalia de as caixas de previdência, dos médicos e engenheiros, com base no atraso de pagamento de quotas, terem o direito de considerai médicos e engenheiros como não inscritos nus respectivas Ordens, suspendendo-os do exercício da profissão e pondo-os sob a alçada da lei que castiga a prática ilegal da medicina e do engenharia.

c) Esquema de benefício. - Pelo seguro social os trabalhadores assalariado gozam de: assistência na doença, pensões de invalidez, de reforma e de sobrevivência o abono de família.

O seguro do doença está mal concedido; ampara a doença de curta duração e não protege a doença de longa duração, exactamente u mais incomportável. Passado o período de garantia de um ano, o beneficiário tem direito a trezentos duas de assistência sanitária e económica; depois, se a doença- continua, fica sem prestação sanitária e com um espaço em branco sem qualquer auxílio económico, pois que só volvidos dez anos de contribuição pode ser pensionado pelo seguro invalidez.

Deve inverter-se o sentido do plano assistencial: não atender as doenças de curto prazo, que pela tentação das baixas são o pesadelo das tesourarias, e cuidar das doenças, de longo curso. Deve também providenciar-se para. que o segurado entre no risco invalidez desde que tenha sido julgado medicamente incapaz e seja qual for o período de garantia das suas quotizações.

O risco doença e o risco invalidez devem ficar em gestão comum, pelo interesse de que os actos médicos de um e de outro se enlacem e continuem no mesmo pessoal técnico e em direcção unificada.

As prestações médica e farmacêutica são quase sempre insuficientes, marcadamente as da Federação: devem completar-se, garantindo os meios de diagnóstico, assistência nocturna, pagando cirurgia e o tratamento dos tuberculosos e outros doentes infecto-contagiosos, dos cancerosos e dos mentais, e ampliando os medicamentos para além dos actuais injectáveis. Na prestação dos cuidados gerais, médicos e farmacêuticos, é de toda a vantagem que uma parte do custo seja levada a cargo do segurado.

O subsídio pago por morte deve ser reduzido. No risco velhice impõe-se ampla modificação: a idade da reforma não deve continuar aos 65 anos, mas passar para os 70 e nunca ser obrigatória. Os operários que assim quiserem, enquanto tiverem capacidade, devem poder seguir no trabalho.

O abono de família pode bem ficar dentro do «osso seguro social; é hoje um verdadeiro seguro familiar obrigatório.

O ideal era que a administração de todos os nossos seguros sociais, incluindo o próprio seguro do desemprego, se concentrasse numa articulação comum, como acontece em outros países.

Não se vê necessidade de corrigir os escalões iniciais do abono de família. Só há que retomá-los se já estão cumpridas as circunstâncias especiais que determinaram B sua resolução provisória.

d) Regime financeiro. - Está doutrinàriamente certo o nosso sistema de financiamento dos seguros sociais.

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que se deve exclusivamente às contribuições profissionais.

Para os trabalhadores assalariados, as contribuições devem, por agora, manter-se na quota patronal e na quota operária. Sendo preciso completar o esquema assistêncial e querendo modificar-se os riscos sobrevivência, invalidez e velhice, o que precisamos é alterar a distribuição das taxas: o mesmo paru o abono de família, menos para o subsídio de morte e para a reforma, mais para o agregado doença-invalidez. Ganho nos seguros imediatos e redução nos seguros a longo prazo. O que equivale a distribuir mais e a capitalizar menos. Estamos em regime de capitalização excessiva.

Se o financiamento do Plano de Fomento supõe para a previdência, durante seis anos, a manutenção da capitalização actual, há que arranjar os dispositivos para que se possam cumprir com eficiência os riscos segurados, nomeadamente a assistência sanitária.

É para considerar se à previdência convém mais uma certa autonomia no investimento dos fundos, financiando directamente as empresas, podendo dispor dentro delas de representantes próprios ou deixar a uma entidade oficial de crédito a colocação da totalidade das reservas.

Progredindo nos mesmos termos a capitalização, e, com ela, a intervenção directa nos quadros administrativos das empresas, as nossas caixas de previdência, que nasceram para corrigir o desamparo da economia capitalista, vão tornar-se, em alguns anos, as mais fortes instituições capitalistas.

e) Prestação dos serviços médicos. - A nossa previdência, especialmente a Federação das Caixas, cumpre o encargo das prestações sanitárias com médicos privativos. Tem um quadro de médicos contratados, com vencimento fixo, para ver os doentes, em horas certas, nos postos que ela construiu ou para visitar em casa, durante o dia, os doentes que não puderem vir aos postos. Procura ainda a construção de serviços privativos.

Tá intentou erguer hospitais próprios, no que foi superiormente impedida.. Quer agora impor a criação de serviços de radiologia.

O investimento de grandes somas em serviços próprios é uma defesa- da sua burocracia. Não tem razão o sistema. Não é esta a função do seguro nem u nossa doutrina. E não é justo que o seguro aspire, com carácter de generalidade, de obrigatoriedade e de exclusividade, os doentes de muitos sectores da produção, para os entregar a uni. corpo de médicos privativo.

Muitas centenas «lê médicos foram privados dos seus doentes, sem que o seguro lhes permita que, mesmo em condições tabeladas, continuem a prestar assistência.

A situação é ainda mais dramática paira os médicos que começam a vida profissional: o campo de trabalho está absorvido pelo seguro e o seguro não lhes abre as portas porque tem os quadras completos. Criou-se uma grave perspectiva à população das nossas Faculdades de Medicina.

A ameaça dos serviços privativos, radiológicos e analíticos, podendo, pelo favor da sua condição oficial, baratear os autos médicos em relação aos encargos da iniciativa particular, pesa também sobre importantes sectores.

A crise da classe médica, além do que tem de geral na hora presente, é particularmente agravada pelo sistema tia nossa previdência. E nada se lucra com ele: perdem os beneficiários, prejudicam-se os médicos, inferioriza-se a medicina. A burocratização dos médicos há-de trazer, inevitavelmente, com a mentira da medicina, a mentira da assistência.

A nossa previdência deve renunciar a funcionalizar os médicos com um vencimento certo e a instalar serviços privativos . Todos os médicos devem ter o direito
de prestar serviços no seguro de doença, como todos os segurados devem ter o direito de escolher o médico da sua confiança.

É assim que se faz, mesmo nos países em que o seguro social mais fortemente se estruturou no sentido socialista: colectivizaram-se os riscos, mas respeitou-se o carácter individual dos actos médicos.

Também os médicos devem receber vencimento como nos outros países, segundo os serviços que prestam; uns remuneram por capitação, outros por unidade de serviço.

É de verdadeira excepção a posição de médicos portugueses em relação ao seguro social. E, mais importantemente, o seguro entre nós quebra a individualidade dos actos médicos, como em nenhuma parte, desumaniza a medicina, massifica o seu exercício, como se fôssemos um país ou servíssemos uma doutrina essencialmente comunizante.

4.º Os problemas enunciados, porque traduzem o amparo aos mais importantes riscos de centos de milhares de trabalhadores, porque ameaçam de grave dano as condições de viria e o nível científico da classe médica, porque representam a administração de capitais fixados na altura de milhões de contos - carecem de solução rápida, e tanto a nossa como a alheia experiência ,já nos dão luzes bastantes para romper a indecisão actual, e de momento construir um novo sistema».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Perante a extensão de áreas não cultivadas, Alexandre Herculano, incitando porventura à adopção das «sesmarias», no intuito de trazer à terra o gozador atraído pela cidade, uma vez que o sentido social da vida exige que a terra deixe de ser um «bem de renda» para se converter em «bem de trabalho», escrevia que o «rural, quando chega a poder proferir as palavras mágicas: «eis o meu foro!», a sua fronte, habitualmente inclinada para o solo, se ergue e se ilumina de esperanças no futuro e confiança no presente».

Tendo sido feita a divisão do baldio conhecido pela denominação de «Sobral a Carvalhal de Tolosa», no distrito de Portalegre, e atribuído em glebas, requeiro que pela Junta de Colonização Interna me seja dada informação, quer quanto a plantio de oliveiras e fruteiros, quer quanto ao número de poços já abertos e em utilização e outros melhoramentos».

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa os seguintes

Requerimentos

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Em tempo mineiro também a indicação pormenorizada das medidas que estejam a ser tomadas ou já estabelecidas para atrair a navegação a esse porto, pelo aumento de rapidez e diminuirão do custo das necessárias operações de tráfego terrestre».

«Absolutamente convencido das vantagens sociais das medidas, recentemente promulgadas, relativas à frequência das crianças e adolescentes nos espectáculos públicos, mas desejando avaliar através dos respectivos impostos as directas repercussões económico-tributárias que essas determinações directamente acarretaram, tenho a honra de pedir, nos termos constitucionais, a devida autorização para consultar nas competentes repartições dos Ministérios das Finanças, do Interior e da Educação Nacional os elementos necessários para formular um juízo seguro e pertinente sobre esse problema».

Já que estou no uso da palavra, tenho muito prazer e a honra de agradecer ao Sr. Ministro das Finanças os elementos que me mandou fornecer pelo Instituto de Estatística acerca dos índices de preços.

Aproveito também o oferecimento que me foi feito pelo referido Instituto para esclarecimentos complementares, que, pessoalmente, nos termos constitucionais, terei ocasião de lhe pedir e formular directamente.

Tenho dito.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: desde que em Portugal se teve conhecimento da tremenda catástrofe que atingiu alguns países do Norte da Europa, uma onda de piedade invadiu o País de um extremo ao outro.

V. Ex.ª, Sr. Presidente, logo nessa mesma altura propôs nesta Assembleia um voto de profundo pesar pela pavorosa tragédia que enlutou essas nações, voto esse que ela aprovou por unanimidade.

Em poucas horas, o medonho cataclismo roubara a esses países milhares de vidas, destruíra inúmeros haveres e inutilizara um trabalho de séculos.

Nesses terríveis momentos de angústia, a orgulhosa obra dos homens cedera vencida ante o ímpeto das aguas e a fúria louca da tempestade.

Em toda a parte do mundo livre um sentimento de imensa piedade e de fraterna solidariedade comprimiu as almas, levando os respectivos países a acudir à desgraça das populações sinistradas, que viram desaparecer no torvelinho das águas muitos dos seus entes mais queridos, submergirem-se, desfeitos, os seus lares e desaparecerem na voragem das correntes furiosas todos os seus haveres.

De estranho, apenas a atitude sintomática, no Parlamento francês, dos deputados comunistas, negando o seu voto à moção do Governo para socorrer essas regiões.

A Nação Portuguesa, fiel, como sempre, às suas tradições, foi das primeiras a sentir e a partilhar a dor dessas populações martirizadas por tamanho infortúnio. E é esta a nótula que desejo salientar nesta intervenção.

A Assembleia Nacional, manifestando e transmitindo o seu pesar, exprimiu com fidelidade os sentimentos nacionais de simpatia e compaixão pelas vítimas da tragédia que as esmagou.

Mas a generosidade e o sentido cristão, que desde os alvores da nacionalidade sempre dominaram a vida portuguesa, não lhe consentiam limitar-se à expressão verbal dos seus sentimentos.

A caridade não se confina no âmbito inoperante das lamentações.

Porque é activa, traduz-se em actos e materializa-se em obras.

Não está no ânimo da gente portuguesa olhar confrangida para a desgraça alheia sem agir. Nas mais profundas raízes da alma portuguesa cresce o desejo e determina-se a vontade de ajudar materialmente aqueles que foram atingidos pela desventura.

E espontaneamente, obedecendo aos impulsos generosos do seu coração, o povo português e o sou Governo, porque a urgência de socorros não admitiu delongas, dispuseram-se a trabalhar com denodo, para que esses socorros chegassem ao seu destino o mais rapidamente possível.

A sua consciência, a consciência colectiva da Nação, sentia que esse era o seu dever.

Aos seus ditames nunca soube fugir a boa gente da nossa terra.

De todas as nações atingidas, a Holanda fora a mais sacrificada.

Apavora recordar a extensão enorme das suas perdas.

Era também, de todas elas, a mais necessitada de um auxilio imediato.

O Governo Português estudou rapidamente a situação e resolveu dar-lho, conjugando todos os esforços: os seus, por intermédio dos organismos oficiais, e os dos particulares, que prontamente acorreram.

A todos movia o desejo de tornar mais rápidos e mais eficientes os socorros a prestar, dando ao empreendimento características de verdadeiro movimento nacional em favor dos sinistrados.

Para esse efeito, tomou conhecimento do que importava fazer e assumiu a direcção dos trabalhos a executar e das medidas a tomar.

Sob a orientação experimentada do Sr. Ministro do Interior, que em matéria de assistência é um verdadeiro mestre, nomeou-se uma comissão, que tomou a seu cargo reunir todas as vontades e concentrar todos os esforços dispersos para atingir o objectivo comum de acudir aos sinistrados, e acudiu depressa.

O trabalho por ela realizado foi surpreendente. Em pouco mais de uma noite e um dia, o denodado esforço dessa comissão conseguiu o milagre de fazer embarcar num navio português milhares de contos de artigos e géneros de primeira necessidade, num total de cerca de 150 toneladas.

Foi um trabalho magnífico de organização que convém destacar. Dele se pode essa comissão justamente orgulhar, e com ela todos nós, Portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Nesse curto espaço de tempo anuíram, ao cais de embarque, no porto de Lisboa, de todos os pontos do País os mais variados artigos, devidamente embalados, etiquetados e acondicionados, e foram carregados nos porões do paquete Índia, cuja empresa proprietária se prontificou a transportá-los gratuitamente, num gesto que nobilita essa entidade. E o barco português antecipa a sua saída e parte horas depois.

Todos trabalharam incansavelmente.

Neste admirável esforço colaboraram os Srs. Ministros do Interior e do Exército, que contribuíram largamente para os socorros prestados por intermédio das Oficinas Gerais de Fardamento e Calçado e da Manutenção Militar, Direcção-Geral da Assistência, Instituto de Assistência à Família, Cruz Vermelha e a Caritas portuguesas, os organismos corporativos, como a Federação Nacional dos Produtores do Trigo e os Grémios dos Produtores de Arroz o dos Armadores da Pesca do Bacalhau, em conjunção com outros organismos e numerosas entidades particulares.

E não faltou nesta generosa, cruzada de bom fazer a nota magnífica de ternura o compreensão, que exprime o sentir profundo dos trabalhadores portugueses, no

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oferecimento de um dia de salário, dos humildes estivadores e conferentes, que procederam com entusiasmo ao embarque das mercadorias expedidas.

Bem se vê que os tempos mudaram.

Sr. Presidente: o movimento generoso continua na modesta casa portuguesa.

A caridade cristã da nossa gente não conhece limites nem fronteiras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Os socorros chegam de toda a parte, num ritmo impressionante.
Todos se esforçam por dar.

Abençoada freima essa, que nos dá a consoladora certeza de que do seu coração se não apagou, nem apagará tão cedo, a chama viva da fé e o sentido universal do amor do próximo, que nos fez descobrir mundos para dar a Deus e nos tornou grandes entre os maiores.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Leonor Correia Botelho.

A Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho: - Sr. Presidente: deve parecer estranho que, não possuindo credenciais que me apresentem como conhecedora das coisas ultramarinas, eu tenha ousado pedir a palavra para intervir na discussão da proposta, da lei orgânica do ultramar.

Perdoem-me os Ex.mo Colegas que me precederam no uso da palavra que eu venha fazer algumas considerações nu sequência dos seus magníficos trabalhos. Porque u messe é de todos, não me sinto aqui na posição de quem mete a foice em seara alheia. São poucos os obreiros do trabalho social, embora o sentimento da sua utilidade esteja mais, e cada vez mais, generalizado. Segura da utilidade do que pretendo de certa da compreensão de todos, não podia deixar de subir a esta tribuna, por imperativo da minha consciência de assistente- social.

Na verdade, eu não poderia calar-me, nem calar um problema que se impõe a consciência de todo o Portugal ultramarino e que, em última análise, se traduz na defesa do espírito secular que nos fez grande através do Mundo e que mergulha as suas raízes no amor de Deus, da Pátria, da Família e do Trabalho.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Quero referir-me, Sr. Presidente, ao problema do serviço social no ultramar. Será talvez uma deformação profissional esta de não me limitar II procurar resolver problemas que imediata e tão proximamente se põem aqui na metrópole.

Sim, estou a proceder como se o serviço social metropolitano estivesse já perfeito na sua estrutura e realizações e se pudesse iniciar nova tarefa relativa à solução dos problemas sociais do ultramar!

É certo, Sr. Presidente, que aqui à nossa porta, porventura no prédio que habitamos, na rua, no bairro em que VI vemos, tanto há ainda que fazer em matéria de serviço social. Mas é certo também que não é nem pode ser norma do trabalho social a sua realização progressiva por zonas que geometricamente se traçaram e que prévia e cuidadosamente se numeraram paira um trabalho cuja sequência se sujeitará à mesma ordem numérica.

Não é a aproximação nem a lei do menor esforço que devem impulsionar e impor a urgência da intervenção do serviço social, unas sim a lei da justiça social, a ordem das maiores necessidades. E agora pergunto: onde se porá com mais acuidade a solução de determinados problemas sociais? Aqui ou no ultramar?

Se é lá que urge acudir, não invertamos, apenas por uma razão de lógica organicista, a lei da justiça social, a ordem das valores sociais e humanos. Por isso me parece, Sr. Presidente, que na proposta de lei que agora se discute terá oportunidade e profunda justificação uma palavra que marque a arrancada para a efectivação do serviço social ultramarino.

Insisto, Sr. Presidente: não é com conhecimento, profundo das necessidades das populações ultramarinas que ponho o problema; mas néon por isso me falta a coragem e a convicção para o fazer e o sentido da utilidade da minha intervenção.

É que no campo do social há constantes que se põem para além-fronteiras, que subsistem apesar dos problemas rácicos, que predominam aias ,mais elevadas civilizações, que não desaparecem com as técnicas mais aperfeiçoadas, que resistem a todas as audácias do movimento económico, são as constantes postas pelo problema do humano. «A salvação não pode vir unicamente da produção e da organização. -S.S. o Papa Pio XII tomou este tema para a sua notabilíssima radiomensagem do Natal, e vem a propósito lembrar aqui um passo desse magnífico documento de doutrina social.

«O trabalho destes» -disse Pio XII, referindo-se aos técnicos da produção e da organização- «só quando unido ir orientado para melhorar e fortalecer os verdadeiros valores humanos poderá contribuir, e notavelmente, para resolver os graves e vastos problemas que angustiam o Mundo. Em caso nenhum, porém, conseguirá estabelecer um imundo sem misérias. Quanto desejaríamos que todos se convencessem disso, aquém e além oceano».

Regozijo-me, Sr. Presidente, por ver que na lei em discussão, no título IV, a propósito da vida económica e social das províncias ultramarinas, a par dos princípios da técnica, estão consignados os fundamentos do verdadeiro engrandecimento dessas mesmas populações, ou seja a realização da justiça social compatível com as condições económicas e políticas e a sua elevação moral e intelectual, como lá se diz. Numa lei portuguesa, para portugueses, haviam forçosamente de preponderar os valores espirituais e morais.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Neste Portugal, que vive ainda hoje, como escreveu alguém, da «herança dos santos», nunca se poderá dar a absorção do espírito; pela técnica, porque havemos de considerar sempre o homem com os seus valores humanos e sobre-humanos.

Há-de ser na rota desses valores que nós havemos de ir, não já à descoberta de novas terras e novos mares, como outrora, mas à descoberta do homem; o homem com toda a sua grandeza e miséria, o homem nas suas justas aspirações, o homem na sua sede de infinito que saudavelmente nos atormenta. Na luta pela conservação desses valores teremos que defender-nos do ateísmo sociológico em que caíram já algumas nações da Europa e que sub-repticiamente vai minando as sociedades.

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Não basta, n» entanto, reconhecer a existência dessa ordem superior; é necessário pô-la, de facto, ao serviço de cada indivíduo. É preciso, à semelhança do que Deus fez na sua obra redentora (e lembro ainda a mensagem de Pio XII), «é preciso estabelecer contado imediato com os homens, lançar a ponte sobre a distância que medeia entre a entidade auxiliadora e o necessitado e «harmonizar entre si a eficácia imutável da lei geral com as exigências próprias de cada indivíduo».

Essa ponte a que se refere Pio XII é, necessariamente, o serviço social, com o seu elevado sentido de compreensão humana, com a sua preocupação de criar as condições necessárias à realização da pessoa, com a sua preocupação de fomentar a harmonia social através da eliminação de tudo quanto possa dificultar as relações do homem com o homem desde os conflitos de interesses até aos conflitos de sentimentos, com a sua preocupação, enfim, de justiça social, procurando para cada um aquilo de que cada um necessita ou a que tem direito.

Por isso, tendo em vista, estes princípios e sempre dentro daquele plano em que me coloquei, de tratar o assunto apenas nas suas características gerais, vou pró- curar, a traços largos, apontar alguns aspectos que devem condicionar o trabalho social nas várias províncias ultramarinas.

Teremos de dividi-las em dois grandes grupos:

a) As que têm uma civilização própria, milenária: Índia e China;

b) As que receberam influência marcante da metrópole.

Comecemos por apreciar o problema social de Macau.

Sabemos que a cidade de Macau pode equiparar-se a qualquer cidade europeia em tudo quanto diga respeito às exigências da civilização moderna.

Numa população de cerca de 200 000 chineses há cerca de 3 000 portugueses. Pois bem, é esta minoria que dá a estrutura à província. Vive-se portuguêsmente em Macau. Mas viver como português não é só manter os costumes, falar a língua da mãe-pátria; é sobretudo, e acima de tudo, viver as nobilíssimas virtudes desta terra profundamente cristã. Assim, enquanto ao lado, na grande China, a população se encontra cindida em grupos que se hostilizam da maneira mais dura, aqui, no território português, as duas Chinas, vermelha e nacionalista, vivem discordantes embora, mas na paz e na harmonia. Virtude da terra que pisam?... Exemplo e virtudes da gente portuguesa, que não chega porventura a dar-se conta de todo o bem que faz nem da grandeza do seu exemplo.

A Misericórdia de Macau, que data de 1569, fundada por D. Belchior Carneiro, diz-nos como as bases da assistência macaísta são de profundas tradições cristãs e portuguesas.

Há já em Macau bairros para pobres com 1 254 casas, mas fazer a política, da habitação não é só construir. Construir é um meio; o verdadeiro objectivo só pode ser «tingido fazendo, afinal, a política, do lar.

Sabemos que a família aqui é uma força; sabemos que a rede de assistência está praticamente completa. Mas sabemos também que não deixa de ser necessária a coordenação e o melhor aproveitamento de todo esse armamento social. Sabemos ainda que, a par da riqueza dessa civilização de séculos, haverá também conceitos e concepções a rever e a adaptar às exigências da vida moderna. Assim, ainda se procede em Macau a distribuições de esmolas a indigentes, distribuições feitas pelas autoridades administrativas. Ao ler há dias um relatório da actividade assistêncial daquela província, feriram-me a atenção as múltiplas instituições asilares onde ainda, simultaneamente se albergam crianças e velhos ...
Pergunto, empenhados como estamos na realização dum plano du aperfeiçoamento e elevação social e moral das populações ultramarinas, não lerá aqui o serviço social o leu papel a desempenhar? Não poderá, na missão coordenadora que lhe compete, valorizar o que está feito e promover o preenchimento das lacunas- na rede de assistência social? Não será o serviço social familiar quem? poderá e deverá .fazer u verdadeira política da família como Deus a quer e Portugal a exige?

Não deverá procurar substituir-se os, asilos por instituições abertas, ou, à semelhança do que já se faz entre nós, evitar a asilagem, com todos os seus irremediáveis erros, substituindo-a por colocações em famílias ou subsídios de educação a pessoas que estejam em condições morais de os educar, sob vigilância do serviço social?

Vamos agora abrir outro tesouro de civilização milenária- a índia.

Quantos aspectos sociais revestirá esta terra quo, dir-se-ia, já viveu duas vidas! Aqui, como em Macau, haveria, que trabalhar sem quebrar um elo da cadeia dos costumes que os séculos fortaleceram. Logo a Escola Médico-Cirúrgica de existência secular nos fala das preocupações culturais e assistenciais da velha Goa. A secular Misericórdia e o seu velho hospital são testemunho de como sempre o bem-fazer esteve ligado à acção social da Igreja.

Aqui também a cristandade portuguesa opera o milagre da união e da paz, enquanto que no resto da Índia a- hostilidade é manifesta. No nosso território vivem fraternalmente indus, cristãos e mouros, que estudam e acamaradam indistintamente na escola e cujas famílias avizinham na maior solidariedade social no bairro ou em sítios isolados.

«Em Goa -dizia-me há dias alguém que conhece profundamente a Índia Portuguesa- a família é o Estado». Não tora problemas esta família que vivo assim estruturalmente unida, que abre a porta quando vai comer, como quem convida franca e liberalmente a participarem da refeição todos os que passam e precisam? Parecerá que não à primeira, vista, mas não porá problemas a situação da mulher que casa aos poucos anos, o que faz com que na grande Índia as viúvas se contem aos milhares?

Pela mãe que às refeições serve todos os membros da família e que come depois os restos, dos quais dá ainda e sempre as sobras aos pobres, não haverá nada que fazer socialmente? Não haverá neste ponto nada a reformar, a reforçar ou a defender?

Sabe-se que atenções tem merecido na Índia a assistência aos tuberculosos e aos louco. Mas a sua recuperação? A profilaxia dessas doenças? Não haverá que higienizar, disciplinar, cristianizar?

E passemos rapidamente pelas Africas - continental e insular.

Cabo Verde. - Este arquipélago sofrerá naturalmente de todos os problemas inerentes à sua situação geográfica, que é bem conhecida e que por isso não vale a pena referir. Mas, a agravá-los, está a falta de subsistências, terrivelmente condicionada pelo problema do clima e apenas compensada pela emigração. Se não cai água do céu, caem lágrimas dos olhos dos cabo-verdianos. O problema é de sempre.

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Reparemos agora no problema social específico de S. Tomé: os serviçais das roças vindos de Angola e de Moçambique.

Abertas as portas ao missionário, o que só lia pouco aconteceu, o serviço social daria, ao lado da missão e sempre com ela, a resolução dos problemas materiais e morais daquelas populações.

Debrucemo-nos da seguida, sobre as províncias com indigenato: Guino, Angola, Moçambique e Timor.

Na Guiné, a variedade antropológica põe com certeza um problema social. Verdadeira manta de retalhos esta nossa província, ultramarina!

Em l947 S. Ex.ª o Sr. Ministro do Ultramar dizia a, respeito da Guiné, muna magnífica conferência na Escola. Superior Colonial:

Homens, plantas e bichos, raças, religiões e costumes, tudo ali se apresenta como um mostruário maravilhoso do continente africano. Um pouco de tudo, desde o árabe, o berbere, o sudanês -do lado setentrional-, ao banto feiticista das partes equatoriais e do Sul; os pássaros e as plantas, vindos dos extremos dessa África portentosa, marcam no nossa Guiné as suas fronteiras expansionistas ou o seu berço donde dispersam.

Sr. Presidente: o grande ponto a atacar será sem dúvida, o da cristianização dos muçulmanos, que sempre nos foram favoráveis, mormente nas guerras da ocupação.
Tem de ir para eles a nossa especial atenção. São ainda, a esse respeito, de S. Ex.ª o Sr. Ministro do Ultramar as seguintes palavras, na citada conferência:

Penso, pois, que é tempo de chamar a nossa comunhão, com todas as forças da nossa actuação persuasiva, aqueles que dela foram afastados: os muçulmanos portugueses. Para que aqueles, que tão devotados servidores da Nação têm sido, sejam cada vez mais portugueses, pelo espírito e pelo coração!

Apoiados na missão, sempre com a missão à vista, poderia sem dúvida aqui o serviço social, servindo o muçulmano em todas as suas necessidades, ser precioso colaborador na obra evangelizadora que ali se impõe.

Só uma palavra a respeito de Timor, de vida caracteristicamente rural. A docilidade da sua população decerto facilitaria toda a acção social no campo educativo que ainda aqui está por realizar. Bravo povo de Portugal que, fortalecido pelo amor pátrio, acaba de resistir a uma das maiores crises da História.

Ao lado da Obra das Irmãs Canocianas, tão notável já pela sua profundidade e extensão, trabalharia o serviço social, completando e alongando a sua acção missionária.

Foquemos, finalmente, os problemas sociais de Angola e Moçambique. Naturalmente, desde o pagão da selva as famílias estabilizadas, passando pelos indígenas e mestiços, há toda uma gama de problemas que teriam de ser atentamente estudados para especificamente serem solucionados. Desde construir a família (pois regiões há onde ela não existe) a defendê-la das modernas doutrinas antifamiliares muito haverá que trabalhar junto dessas massas populacionais.

Desde o respeito pela medicina da selva (onde, quem sabe, quantos segredos da ciência estarão guardados) à introdução das modernas técnicas da medicina preventiva e curativa vasto campo se abre à acção médico-social.

Desde o específico problema da destribalização (negros que deixaram a palhota e caíram sobre as cidades) aos problemas sociais gerais dos meios urbanos metro-
politanos, haverá que estabelecer programas de acção variados e adaptados.

Desde o problema do colono - a sua fixação - até ao problema do emigrante da Rodésia e Transval, donde volta viciado e debilitado pela silicose contraída nas minas, desde as classes dos mal alimentados ao mau aproveitamento das fortunas dos novos ricos, haverá que estabelecer a justiça social.

Desde o problema da mão-de-obra ato à educação para o trabalho alguma coisa haverá que propor e rever.

Numa palavra, haverá que troçar um plano especial e estudado in loco para a solução do problema angolano e moçambicano, que começa na cristianização e termina na defesa de infiltrações avançadas.

Parece-me estar na razão dizendo que pelo serviço social se poderá ajudar consideravelmente a obra colonizadora de Portugal social e cristão.
E agora, Sr. Presidente, que me seja lícito em duas palavras propor como, praticamente (aproveitando o que se está a fazer na metrópole), se poderia levar às províncias ultramarinas a eficiente acção do serviço social, do qual julgo ter dado uma ideia, imperfeita embora.

Está criado entre nós um organismo -o Instituto de Assistência à Família- cuja rede de serviços se estende já por todo o Portugal continental e insular. Este Instituto (que tem por fim favorecer a família na sua constituição e promover a melhoria das suas condições morais e sanitárias), que se rege pelo Decreto-Lei n.º 35 108 (que não é afinal senão a concretização do título III da parte I da Constituição), poderia, sem dúvida, com vantagem para ambas as partes, estender-se até ás províncias ultramarinas, adaptando-se em tudo aos seus problemas específicos.

Não poderia no regulamento das províncias ultramarinas - que, creio, se seguirá imediatamente à promulgação da lei orgânica que agora se discute - ficar consignada a expansão deste mesmo Instituto? Deixo o alvitre, confiando em quem de direito, certa de que este seria um passo para a efectivação dos objectivos das alíneas b), c), d) e e) do artigo 7.º do título IV da lei em discussão.
Há dois meses, quando, em missão social, visitei a França e a Bélgica, tive ocasião de tomar conhecimento do que esses países realizam já em matéria de serviço social colonial. O Congo Belga, que sei se encontra em condições especiais e diferentes, semeado de centros sociais. Deixaremos nós, um país que assumiu responsabilidades colonizadoras perante o Mundo, os créditos por mãos alheias?

Sabemos do trabalho heróico das nossas missões.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sabemos como têm trabalhado bem os serviços oficiais de saúde, mas todos não seremos muitos para salvar Portugal.

E não chegará a acção do Estado e dos missionários; haverá mesmo que fazer apelo a todos os que queiram ir levar mais Portugal ao Portugal de além-mar.

Lembro por isso a necessidade de, para suscitar vocações e para aperfeiçoar os trabalhadores sociais que se destinam ao trabalho ultramarino, a criação de um centro de formação social ultramarina, onde, à semelhança do que já se faz nos países que citei, se prepararão social e até espiritualmente todos os trabalhadores sociais, leigos ou religiosos, profissionais ou voluntários.

Está já feita uma experiência entre nós: a Escola do Curso de Enfermagem e Acção Colonial, inaugurada sob os aupícios do Ministro Teófilo Duarte, dirigida pelas Irmãs Fransciscanas Missionárias de Maria, e que tem dado o melhor resultado. Mas é preciso ir mais

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e mais além. Também aqui deixo o alvitro certa de que ele será aproveitado oportunamente.

Sr. Presidente: julgo que, tendo cansado, muito embora, a paciência da Câmara (não apoiados), não consegui dar, mesmo palidamente, nem o sentido nem a grandeza do problema que nos preocupa. Sinto, nesta hora crucial do Mundo, o grande problema que é o problema de sempre: o da salvação do homem; o da integrarão do homem nas suas possibilidades e destino; o da realização dos seus fins espirituais - os únicos que lhe emprestam grandeza e que da sua vida constituem razão de ser. Verificam-se na vida moderna fenómenos igualmente angustiosos. Um é o batido e rebatido problema da técnica pela técnica, que atrás de si arrasta o da riqueza pela riqueza e o do poder pelo poder! Perderam-se, ou estão em risco de se perder, todos os valores que ampararam o homem na jornada dos séculos: Deus, a Pátria, a Família, o Trabalho, a Caridade, a Justiça Social.

Não podemos por forma alguma consentir que Portugal - o criador de civilizações, o semeador de cristandades - os deixe perecer.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - O segundo dos fenómenos a que me refiro é o da dessensibilização do homem perante esses valores. Embora o homem os reconheça pela inteligência, não consegue integrá-los na sua vida, harmonizando com eles o seu dia a dia.

Em Portugal temos procurado sempre conjugar a doutrina com a acção, e é essa a nossa glória.

Sr. Presidente: faço votos por que estas minhas descoloridas palavras sejam ouvidas por quem de direito e que mais uma vez, e à semelhança do que se passa na metrópole, se harmonizem lambem no ultramar o pensamento e a vida.

Que se elabore para o ultramar um esquema completo e sistemático de assistência social, em ordem a atender todas as necessidades, quaisquer que elas sejam e onde quer que se verifiquem. Que o serviço social, valorizando esse plano de acção, possa reforçar o bem-estar e a justiça social dos portugueses do ultramar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Mascarenhas Galvão:-Sr. Presidente: os meus afazeres profissionais não permitiram, bem contra minha vontade, deslocar-me mais cedo a Lisboa para poder acompanhar de perto a apreciação nesta Assembleia da lei orgânica do ultramar.

Na verdade, não só como Deputado, mas também como português que tem sempre dedicado a sua vida a Moçambique, olho para o diploma em discussão com um real e verdadeiro interesse, que se traduz no desejo, em todos nós imanente, de ver progredir o ultramar sob a égide de uma organização eficiente e construtiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A minha ausência desta sala não significou, porém, alheamento, e assim é que através do Diário das Sessões tenho seguido o debate que ao redor do problema se suscitou.

É me grato, antes de mais, dirigir aos meus colegas as mais calorosas felicitações pela forma elevada como têm orientado as suas intervenções, não podendo deixar de destacar a do Sr. Dr. Sousa Pinto, meu colega por Moçambique, que, a par de algumas críticas ponderosas a certos pormenores do diploma,
nos deu, embora a traços largos, uma visão perfeita do que podemos chamar o panorama psicológico das massas populacionais do ultramar.

O debate na generalidade está prestes a findar. Não quero, no entanto, deixar de lhe trazer o ou modesto concurso, e, nesta ordem de ideias, vou passar a enumerar algumas observações que o exame do diploma me suscitou, curto de que com elas posso contribuir para uma mais perfeita ordenação do sistema administrativo ultramarino.

I) Estabelece-se no projecto de lei a diferenciação entre províncias de governo-geral e províncias de governo simples. Dou o meu aplauso a esta diferenciação, mas entendo que nas províncias de governo-geral a acção do governador-geral deve ser facilitada com secretários provinciais, cujo número seria a fixar nos respectivos estatutos provinciais.

Está fora du qualquer discussão a grandeza dos territórios de algumas províncias e bem assim a complexidade dos seus problemas económicos. Um governador-geral, assoberbado com todos os importantíssimos problemas que dominam a sua acção governativa, não pode, como é mister, dedicar-se atenta e cuidadosamente to ao seu estudo, nem tão-pouco deslocar-se com a frequência necessária aos diversos pontos da província onde a sua presença seja aconselhada pela necessidade de estudo no local dos problemas que lhes estejam directamente ligados.

Torna-se, portanto, indispensável libertá-lo do trabalho absorvente que lhe acarreta um sem-número de problemas a assuntos de somenos importância, o que se conseguirá com os secretários provinciais, a quem ele poderá delegar a direcção de parte da complicada máquina burocrática, sendo eles a despachar directamente com todos ou alguns dos departamentos públicos;

II) Prevê-se na lei a divisão em distritos das províncias de Angola e Moçambique. Pelo que respeita a Moçambique, tendo em atenção as áreas do seu desenvolvi mento mais evidente, sou de opinião de que, pelo menos, deverão ser criados nove distritos: Lourenço Marques, Gaza, Inhamhane, Beira, Tete, Quelimane, Nampula, Lago e Cabo Delgado;

III) Os diferentes departamentos- das províncias de governo-geral devem ter a designação de «direcções», devendo designar-se por «directores de serviço» os que nelas superintendam.

Não faz, afectivamente, sentido que, por exemplo, em Moçambique, cujo progresso e riqueza se baseiam fundamentalmente na agricultura, o respectivo departamento seja uma repartição, e não uma direcção, como sucede com tantos outros departamentos;

IV) No que se refere à presidência das câmaras municipais, dou o meu mo is caloroso aplauso às considerações constantes do parecer da Digna Câmara Corporativa. O sistema constante da proposta, de lei, em que se atribui a presidência dos municípios, ao administrador do concelho, não se coaduna- com o notório desenvolvimento de alguns municípios. Basta que citemos os municípios de Lourenço Marques e do Beira, na província, de (Moçambique, que abrangem áreas em crescente desenvolvimento, para aios convencermos da necessidade de aos seus destinos presidir um munícipe, se possível até com funções remuneradas, tal como se verifica nas cidades de Lisboa e do Porto.

Estes poucos pontos que tive por bem salientar são, por assim dizer, como que a expressão de uma voz no rescaldo de um debate onde tantos outros já foram realçados e que, por isso mesmo, me abstenho de referir.

Não quero, porém, terminar sem transmitir a V. Ex.ª uma observação que julgo oportuna:

Tem-se, a propósito desta proposta de lei, falado muito com visível insistência, no que posso chamar o

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«portuguesismo» da população do ultramar. Eu faço parte dessa população, e, ao ler essas referências, como que surge dentro de mim um certo sentimento de desgosto e quiçá de revolta, pois que parece que alguém pode ainda pôr em dúvida o nosso portuguesismo.

Todos nós, habitantes do ultramar, conhecemos o caminho que trilhamos e temos o orgulho da consciência como o percorremos. Ora sentimo-nos tão portugueses como os da metrópole, para quase exigirmos que não se teçam encómios àquilo que nem pensamos que poderíamos deixar de ser.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu, do nosso ultramar, só conheço -e tenho disso sincera pena- Bolama, onde estive nem chegou a vinte e quatro horas.

Dos contactos com a política conheço algumas das questões que se põem a respeito do ultramar dum modo geral e a respeito de cada unia das províncias em particular. Conheço, como disse, da convivência da vida política, os problemas que no movimento dessa vida se agitam.

Compreenderão, pois, o embaraço que experimento ao intervir na discussão de um diploma fundamental em relação ao ultramar.

Falta-me a experiência, que só o contacto directo dá, falta-me -desculpem-me a palavra- a vivência imediata das circunstâncias, das realidades do ambiente.
Sinto, por isso, torno a dizer, um certo embaraço ao intervir na discussão de um problema fundamental para o ultramar português.

Tenho receio de emitir proposições que logo denunciem ser produzidas por um homem que olha para as questões em abstracto e que primeiro se não informou suficientemente do condicionamento concreto sobre que devem assentar as respectivas soluções.

É um embaraço, Sr. Presidente, parecido com o que tive já lá vão bem há volta de trinta anos, quando em Coimbra fui incumbido de reger o curso de Direito Colonial.

Direito Colonial era uma disciplina que não pertencia ao meu grupo: estava incluída nas ciências políticas e administrativas, e eu pertencia ao grupo das ciências jurídicas. Mas na minha escola havia o hábito -que creio não era mau e está muitíssimo generalizado - de descarregar sobre os mais novos as disciplinas que vagavam e para as quais não havia professor da especialidade, mus era preciso que fossem regidas.

Eu era então o mais novo; não havia professores da especialidade para o- curso de Direito Colonial, e fui convidado pela Faculdade para o reger.

Como me faltava a tal experiência de que falei há pouco, disse de mim para comigo: há um curso que eu naturalmente posso fazer - é um curso de Administração Colonial. Pego nas leis, analiso as leis, e digo qual é a orgânica, o sistema jurídico da administração.

E assim fiz.

E aconteceu-me o que, humildemente, vou confessar a VV. Ex.ª

Eu era novo, não gostava de fazer má figura, e como o programa era duma aridez total, desatei a trabalhar, a estudar. E, se disser a VV. Ex.ª que para preparar cada uma das lições gastei em trabalho o mínimo de vinte horas, não minto.

Isto passava-se em 1920 ou 1921 e sucedeu o seguinte: é que me cerquei de todos os diplomas legislativos e comecei a analisá-los, podendo, porém, verificar que a lição seguinte me servia para dizer ao curso que estava revogada a lição que eu tinha ensinado dois dias antes.

Trago isto para declarar a VV. Ex.ª que não tenho a experiência que resulta de ter vivido as realidades do meio, para dizer a VV. Ex.ª que me desculpem se, porventura, em vez de me referir à legislação em vigor, me referir antes à legislação revogada.

Há uma parte da legislação que vou considerar que sei estar com certeza em vigor: é a legislação constitucional; mas não tenho a segurança de, ao trabalhar sobre ela, a interpretar rigorosamente. Vou, no entretanto, dar a minha versão de qual é o conteúdo dessa legislação constitucional.

VV. Ex.ª, os que conhecem a vida do ultramar e os que cultivam particularmente o ramo do direito constitucional, poderão dizer depois se a interpretação que fiz é ou não realmente correcta.

Feita esta prevenção, vou entrar propriamente no objecto da minha intervenção.

Foi aqui comparado o regime da proposta com o regime instituído em 1920, e comparado com a nota de que os regimes que se sucederam ao de 1920, inclusivamente o regime instituído na proposta em discussão, representava - para empregar a própria frase que já foi colhida de um autor que pôde legislar para o ultramar - um movimento no sentido de marcha à ré quanto ao âmbito das atribuições que pertenciam aos governos do ultramar. Será isto exacto?

Para responder a esta pergunta importa naturalmente confrontar o regime instituído em 1920 pela Lei n.º 1005 com o regime sugerido pela proposta em discussão. Qual era esse regime?

Devo começar por esclarecer o seguinte: no regime do 1920 havia apenas dois órgãos legislativos normais para o ultramar português. Esses dois órgãos legislativos normais eram o congresso e os conselhos legislativos.

Havia, além destes dois órgãos legislativos normais - o congresso e os conselhos legislativos-, um órgão legislativo que tinha competência constitucional para legislar, mas competência que, nos próprios termos da lei constitucional, não era originária, mas delegada: o Poder Executivo, como nessa lei se dizia.

Portanto, dois órgãos com competência legislativa constitucional para legislar para o ultramar - o congresso e os conselhos legislativos»- e um órgão -o Poder Executivo- com competência legislativa para legislar para o ultramar, mas competência legislativa que nos termos da própria lei não era originária, mas que existia por delegação do Congresso.

A competência do Poder Executivo é que neste momento interessa.
De harmonia com a Lei n.º 1005, a competência legislativa dos conselhos legislativos exercia-se em termos tais que os diplomas respectivos ficavam na dependência da sanção do Poder Executivo.

A lei diz expressamente que compete ao Poder Executivo, para orientar e fiscalizar a administração legislativa dos conselhos coloniais, sancionar ou rejeitar as providências legislativas desses governos.

Portanto, torno a dizer: os diplomas legislativos emanados dos conselhos legislativos estavam, quanto à sua vigência, na dependência da sanção do Poder Executivo.

Peço muita desculpa desta análise técnica, jurídica demais, mas suponho que não deve deixar de ser feita para mostrar, em definitivo, se estamos ou não em presença, em relação a 1920, de uma marcha à ré.

Assim, se o diploma fosse votado no conselho legislativo, o problema estava arrumado nos termos da lei constitucional: a sua vigência dependia de sanção do

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Poder Executivo; se este o não sancionasse, é porque o rejeitava, e então não vigoraria.

Mas podia dar-se a hipótese de o diploma não ser mesmo votado, e portanto não havia que submeter ao Poder Executivo um diploma votado, e aquela competência que eu acabo de referir -sanção ou rejeição pelo Poder Executivo- não tinha objecto para se exercer. E então a lei dizia que o Podei Executivo podia suprir o voto do conselho legislativo. Mas nesta hipótese diz-se: poderia suprir a recusa do Poder Legislativo, se isso fosse urgente ou imposto por exigências imperiosas da administração pública.

Note-se: urgente ou imposto por imperiosas exigências de administração pública.

Agora poderá dizer-se: porque não vamos para uma solução paralela, que só seria de admitir em caso de recusa?

Pode dar-se uma razão de ordem puramente f técnica, portanto formal, e razões de outra ordem. É que a competência do Ministro do Ultramar é hoje, constitucionalmente, ao contrário do que acontecia na legislação de 1920, uma competência normal; nesta legislação era delegada e o Poder Legislativo ao qual pertencia a competência normal, era aquele que, em última análise, vinha a pronunciar-se sobre a legitimidade dos motivos invocados de urgência e imperiosas exigências da administração pública.

Agora cabe ao Ministro do Ultramar, por força da Constituição, nesta matéria a competência que então pertencia ao Congresso.

Compreende-se assim que, tal como acontecia com o Congresso, se não vá exigir a um órgão que tem competência normal e que só a deve exercer, por definição, quando o interesse público o exigir, que proceda desta ou daquela maneira quando for urgente ou quando os interesses superiores da administração pública o exigirem.

Devo acrescentar, de resto, que a afirmação é mais teórica que prática: dizer «quando for urgente e os interesses superiores da administração pública o exigirem», se o juiz da urgência e dos interesses superiores da administração pública é o Ministro, significa o mesmo que não dizer coisa alguma.

Esta é a análise jurídica que entendi dever fazer diante desta Assembleia, paru que ela possa julgar se, em face do regime proposto pelo Governo na proposta em discussão, estamos ou não em presença de um caso de marcha à ré.

Podíamos estar em face de um caso de marcha à ré, porque se podia ter verificado quo, na verdade, o regime de 1920 se adaptava mal ao sistema de relações entre a metrópole e o ultramar. Isso, pois, nada significava.

Mas estamos? VV. Ex.ª, diante da análise feita, o concluirão.

Creio que, se interpreto bem o nosso direito constitucional, não é pelo facto de o Ministro do Ultramar poder suprir, sem a invocação da urgência ou dos superiores interesses da Administração, o voto dos conselhos legislativos que se denuncia estarmos em presença de um sistema de marcha à ré.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador:-Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - Terei pena se, porventura, for antecipar considerações que V. Ex.ª pretenda fazer, mas pus ao meu espírito o seguinte problema: não sei se, para bem concluir sobre se estamos de marcha à ré, não será conveniente analisar o regime intermédio.

Não desconhece V. Ex.ª que entre o regime de 1920 e o actual há um outro, que vigorou durante largo tempo no nosso ultramar e é em comparação com os três regimes que se pode ver o valor do regime actual, que, sob certos aspectos, volta ao sistema de 1920.

O Orador:-Creio não poder discutir-se, posta a relação que existe entre o regime previsto na proposta, e o vigente, que vamos dar um passo adiante. E evidente.

Eu quis antes fazer a comparação entre o regime da proposta e o regime de 1920.

O Sr. Carlos Moreira: - Se V. Ex.ª me permite, eu creio que quanto ao funcionamento legislativo - sendo certo que no aspecto dos órgãos centrais ele pode pôr-se sobre diversos pontos de vista -, estamos a abandonar o sistema de 1929 para aceitarmos o de 1920.

Veja-se a multiplicidade de conselhos que existe.

O Orador:-Eu quero apenas pôr diante da Assembleia este problema: quando se fala em alargar o âmbito das atribuições das províncias ultramarinas, estamos afinal a caminhar para trás em relação ao que se passou em 1920.

Podíamos estar a caminhar para trás, e isso não significaria que estivéssemos a caminhar pior.

Se na questão que acabo de pôr -e foi aquela que aqui foi suscitada- estamos ou não a caminhar para trás, concluam VV. Ex.ª, em face dos dois regimes que acabo de confrontar.

O Sr. Castilho Noronha: - Referi-me mais à Carta Orgânica de 1907 do que à de 1920.

O Orador:-V. Ex.ª referiu-se a essa e à Lei n.º 1005, de 1920.

O Sr. Castilho Noronha: - Falei mais sobre a Carla do Estado da Índia e referi-me também à Lei n.º 1005.

V. Ex.ª diz então que o Ministro tinha um poder delegado?

O Orador:-É o que diz a lei.

Leu.

Portanto, não há dúvida nenhuma de que a competência, por força expressa da lei constitucional - e esta lei é constitucional-, a competência, repito, do Poder Executivo era uma competência delegada do Poder Legislativo.

O Sr. Castilho Noronha:-Eu sugeriria que essa competência, que era exercida por delegação do Congresso e é agora dada a um Ministro, fosse concedida ta f como está aqui.

O Orador:-Porque é que ela era atribuída ao Poder Executivo naqueles termos? Porque, como já expliquei, a competência constitucional normal era do Congresso.

O Sr. Castilho Noronha: - Hoje é do Ministro.

O Orador:-Exacto.

Ora, como o Congresso, na nossa orgânica constitucional, está substituído pelo Ministro, também do mesmo modo não deve exigir-se ao Ministro mais do que se exigia ao Congresso.

Eu admito que me digam que é uma razão puramente formal. Mas acrescento o que já disso: que vantagem há se é o Ministro o juiz da urgência e da qualificação do interesse em jogo, que vantagem há, repito, em es-

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626 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

crever na lei uma frase que não tem, praticamente, conteúdo, em primeiro lugar porque é inconcebível que quem está na alta função de Ministro decida num certo sentido sem que isso corresponda ao interesse nacional, e em segundo lugar não pode considerar-se limitação a qualificação de um interesse que pertence ao Ministro definir sem possibilidades de qualquer fiscalização.

Portanto, não me parece que, na verdade, as afirmações feitas a este respeito pelo Sr. Cónego Castilho Noronha tenham razão de ser.

Há, porém, outras afirmações, direi mesmo reclamações, que foram feitas pelo mesmo ilustre Sr. Deputado, e, essas, dum modo geral bem fundadas, e que não valo a pena enumerar agora porque vamos encontrá-las na discussão na especialidade. Aí se pensa apresentar propostas de alteração que dão satisfação a essas reclamações, por se entender que são justas.

Isto mostra que do confronto dos regimes nada resulta donde possa concluir-se que este regime é melhor do que aquele, que dá uma satisfação mais larga às exigências das províncias ultramarinas do que aquele.

Uma coisa só não mostra: é que os regimes, o actual ou o da Lei de 1920 ou outro, sejam os melhores. Este problema podemos pelo agora e discuti-lo, se quiserem, mas sem eficiência no terreno prático, justamente porque esta Assembleia não é constituinte e as soluções tocam a própria ordem constitucional.

Em todo o caso não fujo ao problema do saber se o nosso regime constitucional vigente, de que a proposta de lei orgânica pretende ser projecção, é melhor ou pior do que outro regime qualquer.

Eu esclareço melhor o meu pensamento:

Podemos pôr diante dos olhos dois regimes como «tipo-limite» do organização das províncias ultramarinas - «tipo-limite» no sentido do ponto para que se tende: um, segundo o qual a organização deve fazer-se em condições de as províncias ultramarinas caminharem no sentido de uma autonomia cada vez mais marcada, até -no limite - se constituírem como estados independentes; outro, segundo o qual o regime das províncias ultramarinas deve organizar-se por forma a que se caminho no sentido de essas províncias virem a integrar-se na administração metropolitana, até ao ponto de desaparecer o próprio Ministério do Ultramar.

Agora, uma outra nota para nos ajudar a caminhar na discussão do problema.

Quando a questão apareço nos termos em que a pus, o que se discute não são problemas de administração, melhor direi, não é a questão de saber se a administração deve estar centralizada ou descentralizada.

O problema que se põe, conformo os termos em que acaba de apresentar-se, toca o acto mais elevado de soberania - a lei.

Quem tem competência para emanar a lei?

Vou mais longe. Quem deve ser competente para definir a competência quanto ao exercício das funções legislativas?

Devemos procurar uma orientação que tenda cada vez mais para a autonomia da própria legislação, atingindo-se como último limite um estado independente?

Creio que basta pôr a questão nestes termos para desde logo se concluir que não é esta, que não tem sido esta, a nossa política, e para que se possa concluir desde logo, sem objecções de ninguém dentro desta Casa, que não é esta a política para que devemos ir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Mas, se não é esta a política para que se deve ir, então parece que, realmente, o caminho a seguir é no sentido de, sem excluir as especialidades de legislação, fatais quando se trata de grupos populacionais diferentes, com problemas diferentes, com tendências diferentes, não irmos para a autonomia a caminho de estados independentes.

Nas propostas de alteração que se pensa apresentar à votação da Assembleia há uma no sentido de que, quando as circunstâncias o aconselhem, se possa dar às províncias ultramarinas uma organização administrativa paralela à organização atribuída às ilhas adjacentes e outra atribuindo competência ao Ministro que preside a determinados serviços comuns à metrópole e ao ultramar sobre estes serviços.

São aspectos de integração possível das províncias ultramarinas na organização administrativa metropolitana.

Quer isto dizer que se caminha no sentindo da integração, do caminha-se bem.
Estou convencido de que, neste momento, ainda não é possível prescindir da especialização da legislação, conforme a província ultramarina a que essa legislação se destina.

Podemos perfeitamente aceitar uma grande descentralização no ponto de vista administrativo e financeiro, sem que isso toque o sentido da nossa evolução.
Disse há pouco que o domínio da autonomia é antes o da legislação do que o da administração.

Seria possível, no nosso direito constitucional vigente, estabelecer um regime segundo o qual fossem executórias, por si e independentemente do acordo dos governos das províncias, os actos legislativos dos conselhos legislativos ou de governo? Vimos que isto não era possível na organização constitucional de 1920; será possível agora? Eu creio que não.

O artigo 152.º da Constituição diz:

Leu.

Ou eu, do tão longo que estou da Universidade, já não sei ler as leis, ou o que aqui se diz é que, se o Governo das províncias ultramarinas está de acordo com o voto do Conselho, a deliberação deste torna-se lei. É isto que significa a afirmação de que as funções legislativas dos governos são exercidas conforme o voto do Conselho.

Se há divergência entre o voto do Conselho Legislativo e o Governo da província, como é a este que pertence a competência legislativa, conforme o voto daquele, só fica uma alternativa: pôr a questão aos órgãos, ao órgão competente da soberania. O Governo não pode legislar sem o Conselho o as decisões deste não podem converter-se em lei sem a colaboração do Governo da província.

Quer isto dizer que, numa interpretação razoável - a única que reputo possível - do texto constitucional, a Assembleia não pode, na lei orgânica, ir para a solução de tornar executórias por si mesmas as decisões do Conselho Legislativo ou dos conselhos de governo quando funcionem no exercício da sua competência legislativa.

Eu tinha apontado para tratar hoje, entre outros assuntos, o orçamento e a instrução nas províncias ultramarinas; mas parece-me ser mais conveniente que a Assembleia tome contacto com propostas de alteração que se têm em vista para depois poder acompanhar a discussão destes assuntos.

Guardo-os, pois, para a especialidade.

Peço me desculpem de, em vez de ter feito um discurso propriamente de política ultramarina, ter feito antes um discurso, pelo menos na aparência, de pura análise jurídica.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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11 DE FEVEREIRO DE 1953 627

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Aproxima será amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a continuarão da discussão na generalidade e na especialidade.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Calheiros Lopes.
António Maria da Silva.
Carlos Mantero Belard.
Délio Nobre Santos.
Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda. Alberto Cruz.
António Bartolomeu Gromicho.
António Júdice Bustorff da Silva.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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