Página 757
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
ANO DE 1953 5 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 211 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 209, com rectificações propostas pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo e António Maria da Silva.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei de defesa do património artístico nacional, que baixou à comissão respectiva.
Foi recebido na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 117.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes, sobre assuntos de interesse para a zona dos Estoris; Salvador Teixeira, que se referiu às variações de preços de determinados produtos, nomeadamente o petróleo e o gasóleo, e Tito Arantes, para se congratular com as afirmações do Sr. Ministro da Economia na sua recente conferência de imprensa e também para se referir a determinados manejos de inimigos da Situação, a que urge pôr cobro.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade da proposta de lei em que se converteu o decreto-lei sobre a tributação das mais valias dos produtos ultramarinos.
Iniciou-se a discussão pela artigo 3.º e foi aprovada a proposta de lei, com alterações apresentadas por alguns Srs. Deputados.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados Mascarenhas Gaivão, Cariou Manterá e Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 4 L/V, acerca, do projecto de lei n.º 242 (defesa do património artístico nacional).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Gazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteres Mendes Correia:
António Bartolomeu Gromicho.
António Gaiteiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Página 758
758 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
Frederico Alaria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel do Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cynbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
ntes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 209.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não quero referir-me a outras inexactidões; quero referir-me só à que aparece na p. 739, col. 1.ª, 1. 11.ª, a um aparte meu, em que o orador diz: «E também a Nação, que exporta, e imporia e consome». Não foi isto que foi duo, pelo menos não foi isto que eu ouvi.
E não use - aferiria ao caso se realmente não ficasse no ar a minha resposta, que aparece assim: a Mas os avises prévios não se dirigem ao povo». A resposta que eu ouvi foi esta: «É o povo», e não:«É também a Nação, que exporta, e imporia e consome».
Mas os avisos prévios não se dirigem ao povo.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado com a rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo a um projecto de lei sobre a defesa do património artístico nacional.
Vai baixar à Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses. Espirituais e Morais.
Está na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n. 39 117, publicado no Diário do Governo n.º 39, 1.ª série, de 28 do mês de Fevereiro passado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: com aplausos de todos os Srs. Deputados tem sido referenciada, muitas vezes, nesta Casa, a obra de reconstrução e engrandecimento do País levada a cabo pelos vários sectores da Administração neste último quarto de século.
Pelo que respeita a melhoramentos rurais, isto é, á melhoria das condições de vida das povoações, é rara, já não direi a sessão desta Assembleia, mas a semana, em que deixa de ser focado o que sob tal aspecto se tem conseguido realizar. E é, sobretudo, ([liando se pede maior esforço aos responsáveis pela Administração, no desejo veemente do se ir sempre mais adiante, que mais saliente se torna a importância do caminho já percorrido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta insatisfação, que caracteriza todos os que anseiam por bem servir, tem sido estimulada, como não podia deixar de ser, pelos próprios governantes, pois só a má fé ou a traição, a inépcia ou a incapacidade, gostam do conformismo ou indiferentismo à sua volta, emprestando-lhes, nèsciamente, a alcunha de disciplina.
A experiência ensina-nos que é nesse pesado e silencioso ambiente, sem luz e sem ondulações, que se geram as grandes tempestades sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É evidente que não deve confundir-se esse tenebroso e aparente sossego, em que ouvidos experimentados distinguem, de quando em vez, ranger de dentes, com a, serena paz que nasce da confiança nos chefes, na certeza do dia de amanhã.
O quebrar daquela suspeita tranquilidade é como o revolver das águas de um pântano; um brado, no meio da confiante paz, é como um sopro de brisa que mostra a limpidez da água até ao fundo e... desperta.
Pensando assim, ergo a voz, mais uma vez, nesta Casa, para mostrar a minha insatisfação, mas, como sempre, no sentido de colaborar com os chefes e responsáveis pela obra da nossa geração, que tantos males passados procura remediar e tão largos horizontes tem rasgado para os vindouros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: só quem não quer ver pode negar que, dia a dia, há em Portugal menos povoações sem luz, sem água e sem esgotos, elementos tão necessários à vida de hoje e que há vinte anos ainda algumas cidades não possuíam. Também cada dia que passa a rede de comunicações - as artérias e as veias das povoações, como muito bem lhes chamou, há pouco, nesta Casa, o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu - se multiplica sem cessar.
Vozes: - Muito bem!
Página 759
5 DE MARÇO DE 1953 759
O Orador: - Mas quando se pensa em tanto esforço despendido neste sentido e percorremos mentalmente o País de norte a sul, a ninguém passa pela cabeça que em certas regiões, que todos consideram privilegiadas, os problemas da água, da luz, dos esgotos e das estradas não estejam completamente resolvidos.
De facto, essas regiões, que os entendidos classificam como as melhores zonas climatéricas do País, julga-se terem merecido sempre um especial tratamento pelo interesse turístico que representam, isto é, como fontes, de riqueza e de projecção do nome português no Mundo.
E não há, pelo menos nunca encontrei, quem não pense que deve ser assim.
A propaganda feita à sua volta tem chegado às mais remotas aldeias de Portugal e a todos os países do Mundo.
Crê-se, entre nos, que são regiões aparte da vida portuguesa, onde nada falta pelo que respeita a conforto material e onde não se vê o espectáculo triste da pobreza nas ruas ou no desagradável amontoado de barracas e casas feitas ad hoc, até porque tudo ali tem a chancela de amais valia».
Julga-se, enfim, que se trata de admiráveis estâncias de repouso, a que não faltam as divertidas «sombras» duns tantos «sobas».
De entre essas regiões, uma há que o País inteiro conhece e que, mais do que outra qualquer, o estrangeiro tem visitado e admirado.
Refiro-me aos Estoris.
Pois bem: nesse recanto privilegiado da natureza, apontado como a primeira estância de turismo do País, há faltas que em muitas regiões sertanejas já não se verificam.
Assim:
1.º Nenhuma casa possui gás para combustível;
2.º A água falta com frequência e há ainda casas que a não possuem;
3.º Os esgotos estão por concluir;
4.º A iluminação das ruas é pior do que em qualquer aldeia onde já chegou a electrificação;
5.º Todas as casas têm de arcar com uma despesa mensal importante causada pelo, corrente eléctrica que as serve, a qual dá origem a constantes avarias nos aparelhos caseiros e faz fundir frequentemente as lâmpadas de iluminação.
O silêncio à volta deste estado de coisas é confrangedor.
Ele define um estado de espírito que ofende - repito, ofende - quem não enjeita a responsabilidade de servidor da Revolução Nacional.
Todavia, queixas constantes chegam até mim frequentemente.
Pelo que respeita às vias de comunicação, o que se passa é ainda mais chocante.
Numa faixa do 100 a 130 m a norte da marginal tudo está nas melhores condições. Daí para cima, quem é da minha idade julga-se transportado ao tempo em que se demorava um dia a ir de Lisboa a Santarém.
Estradas de limitada importância, quer dizer, pequenas transversais, estão, assim, asfaltadas, cuidadas devidamente; estradas que são do interesse público de toda a região, porque conduzem a locais que a todos servem, que ligam entre si aglomerados populacionais importantes, mais, que já não devem ser classificadas como estradas municipais, fazem lembrar as dos velhos tempos em que as juntas de bois tão utilizadas foram.
Ainda há pouco, alguém que tinha de pronunciar-se sobre a importância de duas estradas num cruzamento daquela região, pensou, por isso, que era de maior categoria uma bela transversal, asfaltada, embelezada, que poucos metros tem do extensão, embora a outra dê acesso à estação de caminho do ferro, ao cemitério de toda a zona dos Estoris, a povoação de grande volume populacional, a centros de desporto e ... a Sintra.
Diz-se que os Estoris estão a atravessar uma grave crise. Trata-se, creio eu, do problema turístico, que não desejo agora abordar. Ela merece, pelo que representa de interesse nacional, um mais cuidadoso estudo, mas julgo que não pode sor indiferente, a essa questão que se mantenham as faltas que acabo do apontar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença ?
Para confirmar as palavras de V. Ex.ª aponto um outro facto muito grave, sobretudo pela influência que tem no turismo. Refiro-me à falta de policiamento, que é tal que os roubos e os assaltos são frequentes nos Estoris.
O Orador: - Muito obrigado. É absolutamente como V. Ex.ª diz.
Os nossos adversários políticos, para apoucarem o labor realizado neste quarto de século, afirmam que se trata de uma obra de «fachada» e nada mais.
O que se passa nos Estoris, tenhamos a franqueza do confessá-lo, é muito obra do fachada, é a melhor, talvez a única materialização do que afirmam.
Apelo para quem de direito para que não deixemos aos adversários essa pequena razão, para que ali também, como em muito do que se tem feito, se siga o caminho aberto, rasgado, duma política de verdade que só o bem comum impulsiona, duma política que, redimindo as faltas dum passado sem grandeza, não cessa de trabalhar de forma a merecer a gratidão da gente de bem da nossa terra, e o respeito de outros povos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: em Lisboa o preço do petróleo é actualmente, para venda ao consumidor, de 1$80 o litro.
Fora de Lisboa sofre um acréscimo pela aplicação do diferencial de transporte, fixado para cada concelho, e que é para os doze concelhos do distrito de Bragança (despacho de 14 de Abril de 1943, publicado no Diário do Governo n.º 84, 1.ª série, de 28 de Abril de 1943) de $40, o que o eleva para 2$20.
Coisa semelhante acontece com o gasóleo, que, vendido em Lisboa a 1$20 o litro, vê o seu preço acrescido de um diferencial de transporte, variável com os distritos, o que é para os de Bragança e Guarda de $60 (Portaria n.º 12748, de 28 de Fevereiro de 1949, publicada no Diário tio Governo n.º 40, 1.º série), pelo que se vende naquelas regiões a 1$80, ou seja mais 50 por cento do que em Lisboa.
No prosseguimento da política de unificação de preços, já praticada para vários produtos, dos quais destaco pelo seu volume a gasolina, os adubos químicos e o enxofre, parece-me de todo o ponto justo que o Ministério da Economia unifique dentro em breve em todos os distritos do continente os preços daqueles dois combustíveis, de larga aplicação na vida agrícola, aliviando assim a sobrecarga das regiões mais afastadas, que são as menos progressivas e as mais carecidas de estímulo para o seu progresso.
O sacrifício que de tal medida adviria para as regiões actualmente mais beneficiadas, e que são as de
Página 760
760 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
mais largo consumo daqueles combustíveis, será bem pequeno e de inteira justiça. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. António Maria da Silva: - Ontem, quando foi submetido a reclamação o Diário n.º 207, ainda eu não tinha lido esse Diário, e, por isso, não pedi a palavra para rectificar o que estava escrito na minha resposta ao ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Estão aqui frases no Diário que eu próprio não compreendo, além de outras palavras que estão aqui a mais e que eu gostaria que fossem eliminadas.
Se esta questão não fosse tão importante para a terra que represento, eu não pediria a palavra para solicitar alterações ao Diário, pois não costumo fazer isso.
Por exemplo, há aqui uma frase que diz: «S. Exa. sabe muito bem mais que eu». Ora eu não disse isso.
Eu disse que «S. Exa. sabia mais que eu». Desaparece a palavra «bem».
A 1. 37, onde se diz: «Não mais haverá, pois, escudos, nem angolares, nem rupias, nem coisa nenhuma, desde que haja uma expressão legal nos termos que se pretende», deve ler-se: «Não haverá, pois, nem patacas, nem angolares, nem rupias, mas escudos apenas».
A 1. 49, onde se diz: «Continuarão a fazer aquelas contas que só nos prejudicarão», deve ler-se: «Passarão a fazer umas contas de câmbio que só nos prejudicarão».
Eram estas as rectificações, pelo menos, que eu teria feito no Diário n.º 207.
Tenho dito.
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para fazer uma ligeiríssima nota à margem de dois acontecimentos registados pela imprensa de ontem e de hoje, e que, sendo absolutamente dispares, suscitam, como é natural, também comentários absolutamente opostos.
A primeira referência que desejo fazer diz respeito à conferência da imprensa realizada pelo Sr. Ministro da Economia.
Considero da mais alta vantagem política o estabelecimento deste contacto entre os governantes e a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só há que louvar, por isso, o Sr. Dr. Ulisses Cortês, nosso ilustre companheiro nesta Casa, por ter reatado a sua tradição de conceder periodicamente entrevistas à imprensa, onde faz o ponto acerca dos assuntos mais importantes que correm pelo seu departamento.
Estas palavras de satisfação e de louvor são no caso presente tanto mais devidas quanto é certo que, com aquela clareza, rigor e sinceridade que são seu timbre, o Ministro da Economia pôde apresentar com igual nitidez perante a Nação o panorama da vida económica nacional no ano transacto, nos seus principais sectores, como pôde também dar-lhe a visão do que será, se Deus permitir, a actividade do seu Ministério durante os próximos meses.
Quer quanto à análise do passado, quer quanto às perspectivas do futuro, só temos que nos congratular pela exposição feita pelo Ministro, que num período internacional, grandemente conturbado, tem sabido, com rara segurança, independência e inteligência, dirigir as actividades englobadas no seu departamento do Estado.
Cuido interpretar os sentimentos desta Assembleia significando a S. Ex.ª o nosso agradecimento e a nossa admiração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O outro ponto que desejaria anotar não tem, como já disse a V. Ex.ª nenhum ponto de contacto com o que precede.
É um simples fait divers, que terá passado despercebido a muita gente, mas sobre o qual me parece vantajoso chamar a atenção de todos, para que reflictam, não no próprio facto em si, que é quase ridículo, mas naquilo que ele significa, naquilo que ele esconde atrás de si.
Trata-se duma notícia pequenina que veio ontem em alguns jornais acerca dos chamados «amigos do Farrusco», aquele grupo de rapazes da rua que há uns meses atrás andou com o retrato nos jornais porque tinha tido a generosa ideia de abrir uma subscrição para salvar a vida do seu cão colectivo, que fora apanhado pela sinistra carroça municipal.
Com este feitio sentimentalão dos portugueses, logo os simpáticos pequenos foram homenageados de várias formas e feitios.
Pois bem, a notícia ontem vinda a público era no sentido de que os amigos do Farrusco, passando dos animais às pessoas, tinham tomado a iniciativa de se dirigir à Embaixada dos Estados Unidos para instarem pelo indulto do casal Rosemberg, condenado à pena última, pela independente justiça da livre América, como traidor à pátria.
E, para tal efeito, convidavam as outras crianças lisboetas para se reunirem hoje à tarde. Local da reunião: o Jardim da Estrela. Não podia, com efeito, escolher-se ambiente mais inocente, mais puro, mais infantil - com árvores, lagos, baloiços, flores, arquinhos.
Contudo, pareceu-me bastante extraordinário que aquele grupo de garotitos, formado à roda do cãozinho da sua rua, se interessasse tanto pela política internacional, a ponto de saber que do outro lado do Atlântico havia um casal de espiões que fora condenado à morte pelo crime de alta traição, e que tivesse espontaneamente tomado a deliberação de se interessar pelo seu indulto ...
Em O Século de hoje -jornal dirigido por alguém a quem me une a mais sólida amizade e que sempre se distinguiu, desde os tempos já esquecidos da Legião Vermelha, pela sua coragem, moral e física, na luta anticomunista- se dá, porém, a explicação do caso.
Afinal, os «meninos» que na véspera tinham aparecido no jornal dizendo fazer parte do grupo dos amigos do Farrusco não faziam parte de tal grupo!
Os autênticos, os pobres e simpáticos garotitos da rua desconheciam em absoluto a démarche realizada em nome deles por dois garotões, à roda dos 15 anos, que tinham aparecido no jornal, pretendendo aproveitar-se da aura de simpatia popular que cercou os jovens salvadores dum cão e escolhendo para ponto de reunião um dos jardins mais aprazíveis e ridentes de Lisboa...
Este é o facto, contado em toda a sua singeleza.
Mas atrás dele todos sabemos o que se esconde:
Estes «meninos» têm atrás de si uma organização que não cansa e não perdoa.
Aproveita todos os ensejos para fazer a sua propaganda - e tão depressa recorrem à bomba e ao atentado pessoal, como recorrem às crianças inconscientes e à poesia dos jardins, ou às mulheres, que atiram para a frente nas suas manifestações, para serem as primeiras a ser feridas pela força pública, que, quando atacada, se defende!
Para eles os julgamentos são sumários: resumem-se muita vez a um tiro na nuca, dado após uma «autocrítica», ou uma «confissão espontânea», ou mesmo sem nada disso.
Nunca ninguém pensou em apelar para qualquer poder moderador duma sentença proferida pelos da sua seita!
Página 761
5 DE MARÇO DE 1953 761
Mas connosco, os ocidentais, as coisas são diferentes. Temos a justiça organizada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos os tribunais de recurso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos as possibilidades de indultos extraordinários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E temos, acima de tudo, julgamentos públicos, realizados com todas as garantias para a defesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas mesmo assim, quando tudo se passa com toda a normalidade e justiça, não se profere uma decisão por um crime que os mais altos tribunais dessa pátria livre julgaram passível duma pena última - desencadeia-se nos amigos da paz, nos antigos amigos da Sérvia e nos modernos amigos do Farrusco falsificados uma campanha enternecedoramente sentimental a favor de réus de alta traição!
Certamente a polícia terá comparecido hoje no Jardim da Estrela para conhecer os papás dos «meninos» que queriam ir à Embaixada da América.
Mas, duma forma ou doutra, creio que a lição a tirar deste caso do dia é apenas esta: estejamos sempre unidos, porque o inimigo n.º 1, esse nunca desarma!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua a discussão na especialidade da proposta de lei em que se converteu o decreto-lei sobre a tributação das mais valias dos produtos ultramarinos.
Ontem tinha-se discutido e votado o artigo 2.º do contraprojecto da Câmara Corporativa. Vai passar-se agora a discussão do artigo 3.º, que vai ser lido, com as propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado Lopes Alves e outros Srs. Deputados.
Foram lidas. São as seguintes:
Que o artigo 3.º tenha a seguinte redacção:
É autorizado o Ministro do Ultramar a tributar 80 por cento das sobrevalorizações das mercadorias produzidas e exportadas pelas províncias ultramarinas, não devendo a taxa exceder 50 por cento da parte tributável.
Que o § 1.º do artigo 3.º seja eliminado.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. Presidente: uma vez aprovado o artigo 2.º e seus parágrafos, conforme a proposta da Comissão do Ultramar, resta apreciar a consequente alteração proposta pela mesma comissão no que respeita ao artigo 3.º
Esta é consequência daquela.
Devo esclarecer a Assembleia que o Decreto n.º 38 704 previa as seguintes taxas a aplicar às sobrevalorizações:
Um imposto de 20 por cento;
Uma retenção de 50 por cento;
Depois de estabelecido, uma isenção de base de 25 ou 15 por cento.
Tal como agora se propõe, o imposto poderia ir até 50 por cento da sobrevalorização, estabelecendo-se uma isenção de base de 20 por cento, esta destinada a cobrir os encargos provenientes do aumento do custo da mão-de-obra e variação da moeda provincial, elementos de correcção que foram excluídos do § 1.º do artigo 2.º
Se em regulamento adequado não for devidamente ponderada a situação, afigura-se-me que para o contribuinte a situação fica pior do que estava. Julgo, por isso, não ser descabido lembrar a conveniência de se encarar a hipótese de se estabelecer que a aplicação da taxa até 50 cento dos 80 por cento da sobrevalorização deverá ser feita por forma progressiva e por escalões, isto é, quanto menor for a sobrevalorização verificaria, menor será a taxa a aplicar.
Julgo poder-se assim obter uma situação mais equitativa e mais justa.
Tenho dito.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: a Assembleia, ao aprovar ontem o artigo 2.º conforme a proposta emanada ida Comissão do Ultramar, talvez não tivesse atentado em que assim destruíra a economia, do parecer da Câmara Corporativa.
Com efeito, o parecer fia Câmara Corporativa arquitectou-se sobre dois princípios basilares: a verificação tão exacta quanto possível do excesso de lucro contido ma diferença entre as cotações ide 1949 e as do mês da tributação e a aplicação de taxas móveis até 50 por cento sobre esse excesso de lucro.
Assim se estabelece uma distinção entre o conceito empírico - que vê uma quase coincidência entre o excesso de lucro e a diferença das cotações - e o conceito mais exacto - que considera que apenas unia parte dessa, diferença poderá vir a constituir lucro adicional, enquanto o restante é absorvido pelo aumento dos custos.
Era sobre aquela pequena parte da diferença de cotações - o excesso de lucros - que incidiria a taxa, e por isso parecera à Câmara Corporativa que, uma vez a base diminuída substancialmente, deveria deixar ao Governo uma maior latitude na fixação da taxa. Essa a ideia que estava atrás do aumento da taxa. Essa a economia do parecer da Câmara Corporativa..
Agora as coisas mudaram inteiramente. A Assembleia eliminou os factores de correcção obrigatórios, reinstalando no artigo 2.º a doutrina da proposta de lei.
A Assembleia para ser coerente deveria agora fazer regressar a taxa do imposto aos 20 por cento que o Governo propusera. Nem outra coisa faz sentido.
Senão vejamos.
Se se mantivesse a taxa máxima de 50 por cento preconizada pela Câmara Corporativa para um dispositivo inteiramente diferente daquele que ontem foi criado pela Assembleia, seria o encargo tributário aumentado em 166 por cento sobre o previsto no decreto-lei.
Ficariam os capitais e os colonos sabendo que acima dos preços de 1949 teriam de partilhar com o Estado o excedente e que nessa partilha o Estado poderia levar tudo, uma vez que cessou a obrigação para ele de considerar as diferenças ocorridas nos custos de produção.
Se VV. Ex.ªs me permitirem, exemplifico: exprimindo por 100 o preço-base de 1949 e supondo que no mês da tributação o preço seria de 140 e o custo da produção de 130, obter-se-ia o seguinte resultado:
Montante da sobrevalorização: 40 menos 20 por cento, ou seja 32;
Montante do imposto à taxa de 50 por cento sobre 32 = 16.
Página 762
762 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
Portanto, o resultado final seria este:
Preço de custo antes do imposto 130, mais imposto de sobrevalorização 16, igual a 146, contra um preço de venda de 140.
Quer dizer que o produtor não só não beneficiou em coisa alguma da sobrevalorização - chamemos-lhe assim do produto como ainda é condenado por efeito dela a receber menos do que o preço-base. Em vez dos 100 do preço-base, só receberá 94.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V- Exa. dá-me licença? V. Ex.ª podia até raciocinar assim: 100, 150; aumento no custo da mão-de-obra 30 por cento. O que acontece?
Se o custo da mão-se-obra absorve toda a sobrevalorização, supondo que a taxa é de 50 por cento, e aplicando-a sobre 80 por cento da sobrevalorização, o exportador e o produtor ficam colocados numa posição de prejuízo completo.
V. Ex.ª, em vez de estar a raciocionar para a taxa de 30 por cento, pode raciocinar logo para a de 50 por cento, e a questão então aparece mais nítida.
Mas os exemplos são como a gente os inventa, e não se argumenta com exemplos. Eles servem para esclarecer o espírito da Assembleia quanto à posição das questões, mas não como argumento.
Se o fenómeno se passasse assim - e é difícil pensá-lo dentro de um só ano -, isso seria tido em consideração, e o Ministro, em vez de fixar a taxa de 50 por cento, fixaria, dentro dos seus poderes, 40, 30 por cento ou nada, não incluindo mesmo os produtos na portaria como sujeitos ao decreto das sobrevalorizações. Torno a dizer: um exemplo pode servir para esclarecer a posição duma questão, mas nunca pode servir como instrumento de argumentação. Isto, com a devida vénia do Sr. Deputado Cónego Castilho Noronha, é o que aprendi na escolástica, na lógica.
O Orador: - Não me parece que as observações do Sr. Deputado Mário de Figueiredo peçam qualquer resposta da minha parte.
É um ponto de vista de S. exa. sobre a maneira de argumentar, e cada um argumenta à sua maneira.
Entendo que a minha maneira de argumentar serve perfeitamente para esclarecer a minha tese e a Assembleia.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Serve, sobretudo, os propósitos de V. Ex.ª
O Orador: - Pode ainda argumentar-se com a faculdade reservada ao Estado de aplicar à sobrevalorização uma taxa mais baixa, que poderá até ser simplesmente estatística e não representar na prática coisa alguma, ou mesmo que poderá o Estado excluir da tributação tal produto.
Esta última hipótese viria confirmar as minhas objecções quando digo que a lei se não pode aplicar som ter em atenção os casos peculiares de cada produto e os casos particulares de cada contribuinte.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso está previsto na economia da lei, porque é por portaria que hão-de indicar-se os produtos sujeitos a tributação.
O Orador: - Mas fica de pé o arbítrio, a incerteza, a dúvida sobre o que sucederá, sobre qual será a atitude das entidades que determinam as sobrevalorizações ou a orientação do Governo de então em matéria de taxas.
Tal incerteza, que é um dos pontos miais graves da lei, a que constantemente me tenho referido, exercerá perigosa influência sobre os novos investimentos.
O imposto de sobrevalorização, que foi imaginado como um imposto sobre o excesso de lucros, é de facto uma taxa móvel sobre o preço, podendo levar o colono a descuidar ou mesmo abandonar as explorações, com a perda total dos capitais investidos, se, por imprudência ou simples deficiência de informação, o Estado teimar em aplicar a lei a determinados produtos.
Ainda está na lembrança de todos o que sucedeu recentemente nu metrópole com os resinosos, em consequência das pesadas sobretaxas que sobre eles incidiam, e veio-nos agora reavivar a memória o ilustre Deputado Sousa Campos, chamando a atenção desta Câmara para o que se está a passar com a mineração no distrito de Vila Real por efeito das sobretaxas de exportação sobre o volfrâmio: encerramento de minas e desemprego, sem falar da perda dos investimentos e de divisas o mesmo é dizer: perda do poder de compra externo e redução do nível de vida interno.
O Sr. Manuel Vaz: - O aumento de taxa a que V. Ex.ª se está a referir não impede a laboração das minas no concelho de Ribeira de Pena; o que a impede - e isso já foi esclarecido pelas declarações de ontem do Sr. Ministro da Economia - é o facto de o mercado do volfrâmio estar apenas reduzido a dois países: Inglaterra e Estados Unidos da América.
Recentemente o Governo deu maior elasticidade à exportação, de modo a que os importadores daqueles países não possam jogar com o preço do produto.
Se o Governo mantivesse a taxa, ou mesmo a eliminasse, quem beneficiava com isso eram os importadores estrangeiros, e não os proprietários das minas.
O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª; não creio, porém, que a sua conclusão seja legítima.
Ao referir aqui de novo o caso de Vila Real baseei-me nas palavras pronunciadas há dias pelo Sr. Deputado Sousa Campos, que não mereceram reparos.
Trouxe este exemplo apenas para comprovar que não só no ultramar mas igualmente na metrópole as pesadas taxas de exportação podem reduzir o preço líquido da venda abaixo do custo, afectando a produção, o emprego, o poder de compra exterior e o nível de vida interno.
O Sr. Manuel Vaz: - Está bem, mas o Governo terá a prudência de não elevar excessivamente a taxa.
O Orador: - Lembro a V. Ex.ª que o Governo manteve a taxa de 40$ por quilograma sobre o volfrâmio e que o preço de venda deste produto anda por 65$, segundo creio. A taxa é quase dois terços do preço.
E agora, voltando ao assunto, se me for permitido, vou ser mais concreto ainda.
Começarei pela análise da margem de segurança de 20 por cento.
Pensarão alguns Srs. Deputados que é para fazer face às diferenças de custo ou à desvalorização da moeda que se propõe a margem de segurança.
Sabem VV. Ex.ªs o que significam esses 20 por cento na realidade?
Tomemos o caso do cacau.
Os preços médios de 1949, segundo averiguação do governo provincial, variaram conforme o destino (deixando de haver unidade na base). Vou-me servir de qualquer deles; do da exportação para o estrangeiro, por exemplo, fixado em 14.639$ por tonelada, e da sobrevalorização no mês corrente, fixada em 5.099$ por tonelada.
Os 20 por cento livres corresponderiam a 1.020$ por tonelada. Ao mesmo tempo a queda do valor da moeda,
Página 763
5 DE MARÇO DE 1953 763
medida pelo índice de preços por grosso do Instituto Nacional de Estatística, foi de 13 por cento (250 para 282) entre Dezembro de 1949 e Dezembro de 1952. Isto quer dizer que só a desvalorização monetária correspondeu neste período, escolhido pelo Governo, a 1.903$ por tonelada de cacau (13 por cento sobre 14.639$) - mais 883$ do que a margem de segurança de 20 por cento.
Esses 20 por cento não cobrem, portanto, a simples desvalorização da moeda. Assim foi em 1952. Mas o que será este ano e nos anos futuros?
A desvalorização da moeda correspondeu, de facto, quanto ao cacau, a cerca de 38 por cento da sobrevalorização verificada (l 903 :5 099).
O caso é muito sério para ser tratado de ânimo leve.
Vamos agora ver o que resultaria para o contribuinte se uma vez eliminados da lei os factores de correcção da sobrevalorização, fosse aprovada a taxa máxima de 50 por cento.
Seja-me permitido que tome como exemplo o café, que é o sujeito n.º 1 da sobrevalorização.
Calculando em 50 000 t a exportação média anual de Angola e em 10 000 o consumo da metrópole e considerando as sobrevalorizações fixadas para o mês de Fevereiro, o café pagaria por efeito do Decreto-Lei n.º 38 704, aproximadamente, 65 000 contos de imposto de sobrevalorização e pela proposta em discussão cerca de 160000 contos, à taxa máxima-mais 95000 contos; duas vezes e meia a tributação a que havia sido submetido pelo Decreto-Lei n.º 38 704!
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex. ª refere-se sempre aos,20 por cento representativos do imposto no decreto e aos 50 por cento agora previstos como limite do imposto, comparando «penas estas duas taxas.
O Orador: - Estou a fazer a comparação na hipótese da taxa máxima.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex. ª elimina o capital de fomento e povoamento, que representava mais 50 por cento que se retiravam, pelo menos provisoriamente, à produção ou à exportação.
Se bem me recordo - e digo isto para que fique no Diário das Sessões, e não como simples aparte -, a maior campanha que se levantou a propósito do decreto não foi contra o imposto propriamente, mas contra esse capital de fomento e povoamento, porque o proprietário não podia suportar que alguém fosse senhor da aplicação dos seus dinheiros.
Esta foi, repito, então a grande campanha contra a solução do decreto, aqui e no ultramar, pelo menos tanto quanto eu vivi as realidades ambientes.
O Orador: - Este aspecto do decreto-lei teve solução favorável no parecer da Câmara Corporativa, mas não invalida o que eu estou dizendo. Os 50 por cento do capital de fomento eram propriedade dos exportadores. O imposto adicional que agora se pretende lançar passa a ser propriedade do Estado.
Há, portanto, uma diferença fundamental.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu lembro-me de ter ouvido a muitas pessoas altamente representativas das nossas províncias ultramarinas estas palavras: «Levem mais do que os 20 por cento, levem o que quiserem, mas não nos venham dizer que o dinheiro que fica aqui e é nosso vai ser aplicado por nós, porque a outrem pertencerá fixar-lhe o destino». Esta era a grande crítica quanto ao decreto, melhor direi, o fundamento invocado e todas as críticas.
O Orador: - O que não se entende com a mesma clareza é como, pretendendo o Estado receber 20 por cento de imposto de sobrevalorização, nos termos do decreto-lei, venha agora a Assembleia oferecer-lhe, de mão beijada, 50 por cento, depois de ter recusado a ratificação para e simples do decreto-lei.
Talvez o Plano, de Fomento sirva de explicação a esta estranha proposta.
Não nos devemos esquecer de que o Plano de Fomento para Angola prevê uma receita de 540 000 contos do imposto de sobrevalorização e que poderá ser necessário, para se liquidar a verba prevista, se as exportações ou as cotações baixarem, aplicar a taxa máxima ao café, uma vez ,que é este, na prática, o único produto com que a lei das sobrevalorizações pode por agora contar.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex. ª sabe o que significa, no Plano ,de Fomento, o dizer-se: pensa-se ir buscar tanto aqui, tanto acolá? V. Ex. ª sabe o que quer dizer: Quer dizer que não se tem a certeza de quais serão realmente as fontes do financiamento desse Plano de Fomento Pode ser o que se previu, mas também pode ser o que o não seja.
O Orador: - E essa incerteza é coisa muito séria.
Pede reservar-nos dolorosas surpresas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O raciocínio de V. Ex. ª conduz a isto: suponhamos que nenhum produto estava sobrevalorizado. Não havia base para a tributação, e onde se iam buscar os 530 000 contos?
Eu concluo, em face disto, que o raciocínio que V. Ex. ª está a pôr não tem vigor nenhum.
O Orador: - Eu poderia dizer o mesmo dos argumentas de V. Ex. ª, mas não digo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não digo que os raciocínios de V. Ex. ª, de uma maneira geral, não tenham vigor; o que eu digo é que, depois de explicar como as coisas se podem passar, depois de mostrar que há uma fonte de rendimentos onde por força da lei amanhã pode suceder nada se poder retirar porque não há sobrevalorização, eles não têm vigor; só o teriam se da própria mecânica da aplicação da lei não resultasse em mais do que uma hipótese que era impossível ir buscar as quantias previstas pelo Plano de Fomento. Aponto só esta hipótese: se não houver sobrevalorização, nada daqueles 550:000 contos previstos pode ir buscar-se para o Plano de Fomento.
O Orador: - De um momento para o outro pode não render coisa alguma.
Y. Ex. ª está confirmando toda a argumentação que eu despendi aqui sobre a parte doutrinária do novo imposto.
Pela proposta em discussão o tributo seria duas vezes e meia mais do que o estabelecido no decreto-lei contra o qual se levantou a Assembleia. Como é possível pretender que a Câmara se negue agora a si própria, aprovando um tributo muito mais gravoso do que o anterior?
Mas há mais: é que, não estando definido na proposta como se escalonam as taxas até aos 50 por cento, se não pode saber se o imposto será progressivo ou regressivo; se será o escalonamento referido ao montante unitário das sobrevalorizações ou ao volume de exportações de cada empresa.
Nenhuns escalões se fixarão e deixar-se-á antes ao Governo a liberdade de escolher as taxas que entender, guiado apenas pelas necessidades da tesouraria em cada ano, para acudir às despesas do Plano de Fomento? Neste caso poderia correr-se o risco de ver
Página 764
764 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
a taxa aumentar à medida que os preços baixassem, transformando o imposto da sobrevalorização num imposto regressivo, verdadeira aberração fiscal.
É tudo tão vago e impreciso que eu temo. Sr. Presidente, que estejamos a preparar dias sombrios à economia ultramarina e a criar graves dificuldades ao Governo se não atalhamos a tempo este mundo de incertezas.
Uma lei que está ad perpetuum suspensa sobre os colonos, a lembrar-lhes constantemente que: se os preços sobem, ao Estado fica cabendo a parte de leão, não só desanima as iniciativas, como perverte a função económica do preço e do lucro e a função política do colono africano.
Para povoar as nossas terras de além-mar temos de permitir que operem os incentivos económicos. Se os atrofiamos, nem se povoará de brancos a África nem será impulsionada a produção.
É com os lucros extraordinários que se cobrem os prejuízos dos anos maus, se constituem as reservas das empresas e se formam os novos capitais que hão-de alimentar as iniciativas privadas no ultramar.
Se impedirmos que esses capitais se formem, a produção estabiliza-se primeiro e logo retrocede.
Tudo isto é tão sério que ouso pedir à Câmara que pondere na gravidade da deliberação que vai ser chamada a tomar, porque ela envolve no seu próprio prestígio alguma coisa do futuro da nossa colonização africana.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o essencial do que tinha a dizer já o disse em apartes ao Sr. Deputado Carlos Mantero. No entanto não quero deixar de fixar -através de um discurso mais unido - tudo o que tinha a observar relativamente ao que acaba de ser dito, tanto pelo Sr. Deputado Carlos Mantero como pelo Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão, a propósito do artigo 3.º em discussão.
Em primeiro lugar quero dizer que sempre supus que este parecer da Câmara Corporativa, com as alterações que foram apresentadas pelo Sr. Deputado Vasco Lopes Alves e que traduzem a orientação marcada na Comissão do Ultramar, fosse, de um modo geral, acolhido pela Assembleia, tão grande era a minha convicção de que do seu dispositivo ressaltava claramente vir ele dar satisfação a tudo o que apareceu no ambiente das reclamações, tanto dos meios ultramarinos como daqui da metrópole, na altura em que foi publicado o decreto.
Da vá-se completa satisfação a esse conjunto de reclamações, e só não se podia dar nem era razoável que se desse, satisfação à reclamação que agora aparece e que estava fora do elenco possível das reclamações de agora. Esta reclamação consiste em não se admitir de todo o imposto da sobrevalorização.
É claro que tal reclamação não podia nem devia ser considerada, como já tive ocasião de afirmar, desde que o decreto se converteu na proposta de lei que estamos a discutir: o decreto foi ratificado com emendas, o que quer dizer que havia de manter-se o princípio fundamental que o dominava.
De resto, as reclamações que então se fizeram, supunha eu, são reclamações que, pelo dispositivo desta contraproposta, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Comissão do Ultramar, recebiam completa satisfação.
Verifico ainda que, quanto a um ou outro Deputado, isso não sucede, e só dou como explicação o facto de não
se ter compreendido ou apreendido completamente todo o conteúdo da proposta. Tenho visto raciocinar assim: esta proposta convertida em lei é mais gravosa do que o decreto tal como estava. Mais gravosa porquê?
Mais gravosa porque como estava no decreto o imposto a que se ficaria sujeito era de 20 por cento e o imposto a que agora se fica sujeito é, tem-se dito, de 50 por cento, o que não é exacto. O que é exacto é que o imposto pode ir até 50 por cento.
Claro que, se pelo decreto convertido em proposta de lei não tivessem de suportar-se outros encargos, o que se disse podia ser exacto em um caso limite.
Simplesmente, como V. Ex. ª, Sr. Presidente, e toda a Assembleia sabem, pelo decreto convertido em proposta de lei as taxas eram duas: uma taxa de imposto fixo de 20 por cento e uma taxa de 50 por cento que incidia sobre 75 por cento ou 8õ por cento das sobrevalorizações, conforme se tratasse de simples exportador ou de produtor-exportador.
No decreto dizia-se que a segunda taxa constituiria o capital de fomento e povoamento, a aplicar pelos próprios interessados, isto é, por aqueles que tinham sofrido esta dedução.
Ouviu-se então, como há pouco notei, que era precisamente contra este capital de fomento e povoamento que se levantavam os meios coloniais de lá e de cá, com o fundamento, a que há pouco aludi, de que se tratava de uma disposição inadmissível num estado que não é socialista e que, portanto, não deve guardar para si o direito de determinar qual deve ser a aplicação de dinheiros que não são seus.
Ouvi mesmo a mais do que uma pessoa representativa dos meios coloniais que era essa disposição que particularmente as magoava; mais do que a respectiva ou relativa ao imposto de 20 por cento.
Portanto, tratava-se de retirar da sobrevalorização, ou definitivamente ou para aplicação pelos exportadores ou produtores para fins autorizados pelo Estado, 20 por cento e mais 50 por cento de 75 por cento ou de 85 por cento.
Não sei bem, pois agora não me recordo, se os 20 por cento incidiam sobre toda a valorização ou não; os 50 por cento é que incidiam sobre os 75 por cento ou 85 por cento. O que sei é que agora, em vez de os 50 por cento incidirem sobre 75 por cento ou 85 por cento, incidirão, conforme a proposta do Sr. Comandante Vasco Lopes Alves, sobre 80 por cento.
E a taxa? A taxa é de 50 por cento? Não é. A taxa é até 50 por cento e será fixada, conforme os casos, naturalmente pelo Sr. Ministro do Ultramar.
Isto significa que a taxa pode ser de 50 por cento - é o limite.
Quando eu estudava, no 4.º ano dos liceus, uma teoria que então não cheguei a compreender completamente, ensinaram-me que o limite é uma coisa para que se tende, mas que nunca se atinge.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Mas não é verdade.
O Orador: - Não é verdade, diz o meu mestre Pacheco de Amorim. Uma coisa é verdade: que me ensinaram assim.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Com base talvez num compêndio; mas estava errado.
O Orador: - O limite pode atingir-se, e eu aqui não digo que se não atinja, mas devo observar o seguinte: raciocina-se sobre este limite como sendo o definitivo, que é a taxa de 50 por cento que se vai aplicar sempre, e isso não está de maneira alguma na contraproposta da Câmara Corporativa. O que lá se diz é que o Minis-
Página 765
5 DE MARÇO DE 1953 765
tro do Ultramar pode determinar uma taxa que não excederá 50 por cento. Mas essa taxa pode ser de 50, 40, 30 por cento, ele.
De maneira que, na verdade, posta esta ordem de considerações, nada vejo que justifique as observações que têm sido feitas - a não ser a existência do próprio imposto, mas sobre o assunto já se pronunciou a Assembleia.
Diz-se depois (eu recuso-me a considerar demoradamente o argumento): «Pois sim, está bem, mas o Ministro agora é um, amanhã pode ser outro e não devemos deixar tal discricionaridade nas mãos do Ministro, porque (inclusivamente vai-se buscar o Plano de Fomento para raciocionar em certa base) no Plano de Fomento estão previstos 550 000 contos deste imposto de sobrevalorização para ajudar o financiamento do mesmo Plano, e, portanto, quanto menor for a sobrevalorização, para se atingirem aqueles 550 000 contos, maior terá de ser a taxa, visto que de outra maneira não se pode obter aquela verba».
Ora, há-de compreender-se que é muito bonito raciocinar por absurdo, mas também eu, utilizando o sistema, e para empregar uma palavra que me era muito familiar quando ensinava, «esticando» os dados do problema, chego a isto: se não houver sobrevalorização, o Estado, já não com base no que está na contraproposta, se for aprovado, mas com base na circunstância de não ter os 550 000 contos, vai naturalmente tributar a subvalorização, porque de outra maneira não encontra os meios suficientes para financiar o Plano de Fomento.
O Sr. Carlos Mantero: - Ou então suspende as obras.
O Orador: - Ou então vai pedir dinheiro emprestado.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Está previsto.
O Orador: - Eu utilizo esto processo de raciocinar para pôr em evidência que há pouco afirmei: a falta de vigor do raciocínio do Sr. Deputado Mantero Belard sobre o assunto.
Quando digo falta de vigor do argumento, Sr. Presidente, não quero de maneira alguma referir-me ao vigor de espírito de quem o produziu, a quem presto as maiores homenagens. Digo apenas: aliquando dormitai bónus Homerus ... O tal que tem um grande vigor de espírito às vezes dorme e cai-lhe um verso mal medido ...
Ainda há um outro ponto sobre o qual desejava fazer uma reflexão, que é este: de mais a mais o imposto aplica-se por percentagem, e o que era natural era que, em vez do sistema de percentagem - que é, ia eu dizer, antidemocrático -, se fosse para uma solução de imposto progressivo, conforme escalões, que foi assim enunciado: a taxa variaria conforme escalões determinados, de harmonia com o montante das sobrevalorizações. É uma ideia. Como é uma ideia, a que alude a Câmara Corporativa, aquela em que os escalões variassem conforme o volume da exportação de cada exportador ou produtor. Quer dizer: que iria agravar a situação, carregar o ambiente, que, de modo geral, não é criado pelos pequenos.
Dou por concluídas as minhas considerações, e não parece que tenha sido tocada a própria existência do imposto de sobrevalorização, isto é, o regime instituído no artigo 3.º em discussão.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 3.º Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votarão.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de substituição do corpo do artigo 3.º apresentada pelo Sr. Deputado Lopes Alves e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § 1.º do artigo 3.º Há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Lopes Alves e outros Srs. Deputados no sentido de ser eliminado este § 1.º
Foi aprovada a eliminação do $ 1.º
O Sr. Presidente: - Submeto à votação o § 2.º do artigo 3.º tal como se contém na contraproposta da Câmara Corporativa.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.º, sobro o qual foi apresentada uma proposta de substituição ao corpo do mesmo artigo e também uma proposta de eliminação dos seus §§ 1.º e 2.º, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Que o artigo 4.º tique com a seguinte redacção:
As receitas provenientes do imposto a que se refere o artigo 3.º serão escrituradas na conta do Tesouro do banco emissor da província, em capítulo especial, sob a rubrica «Imposto das sobrevalorizações», e serão destinadas, em primeiro lugar, à contribuição que lhe couber no Plano de Fomento de 1953-1958 para a respectiva província, e o excedente - se o houver - a reforço das verbas extraordinárias destinadas a melhoramentos de interesse público da província.
Que sejam suprimidos os §§ 1.º e 2.º do artigo 4.º Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado deseja pronunciar-se, vai votar-se.
Sucessivamente foram aprovadas a proposta de substituição do corpo do artigo e a proposta de eliminação dos §§ 1.º e 2.º
O Sr. Presidente: - Estão em discussão o artigo 5.º e sou § único.
Sobre este artigo há uma proposta de substituição do corpo desse artigo e sobre o seu § único li á outra de eliminação, ambas apresentadas pelo Sr. Deputado Lopes Alves e outros Srs. Deputados.
Foram lidas. São as seguintes:
Que o artigo 5.º fique com a seguinte redacção:
Art. 5.º (transitório).-As quantias que à data da publicação desta lei constituírem o capital de fomento e povoamento a que se refere o § único do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 138 704 poderão ser, à escolha do contribuinte, restituídas a quem o requerer ou transformadas em títulos de dívida pública.
Que seja eliminado o § único do artigo 5.º
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo esclarecer a Assembleia relativamente ao seguinte: como se vê na proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Lopes Alves e outros Srs. Deputados, a
Página 766
766 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
solução é diferente da prevista polo artigo 5.º (transitório) da Câmara Corporativa. É diferente o suponho que a Comissão -suponho não, tenho a certeza, porque assisti, por convite amável do Sr. Presidente dessa Comissão, a algumas reuniões- não achou razoável que se retirasse o correspondente à diferença entre o imposto de 20 por cento do decreto-lei e o imposto que visa a fixar-se. Entendeu-se que era pouco prático e desagradável que se retirasse àqueles que ainda tinham o dinheiro depositado o correspondente à diferença entre as duas taxas, e por isso se foi para uma solução que, embora tenha como consequência certa desigualdade entro os que receberam o dinheiro que haviam depositado e aqueles que não o tinham ainda levantado, pareceu mais prática.
Aqui tom VV. Ex.ªs como se procurou uma solução que, repito, me parece mais prática, muito embora, olhada em abstracto, pareça menos justa do que a sugerida pela Câmara Corporativa.
Espero que, quanto a esta alteração, todos estejam de acordo, porventura até aqueles que já receberam o dinheiro, com a aplicação destinada.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado o corpo do artigo 5.º tal como consta da proposta apresentada.
O Sr. Presidente: - Quanto ao § único deste artigo existe na Mesa, como já foi dito, uma proposta do Sr. Deputado Lopes Alves e de mais quatro Srs. Deputados para eliminação deste parágrafo.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta de eliminação do § único.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação dos artigos 6.º e 7.º da contraproposta da Câmara Corporativa. Sobro eles não existe na Mesa nenhuma proposta do alteração.
Submetidos à votarão, foram aprovados sucessivamente, e sem discurso, do artigos 6.º e 7.º da contraproposta da Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão e votação desta proposta de lei.
Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanha será constituída por aquela que tinha sido designada para 2.ª parte da
ordem do dia de hoje, ou seja a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu sobre a execução da lei do amnistia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Página 767
5 DE MARÇO DE 1943 767
CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 41/V
Projecto de lei n.º 242
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 242, emite, pelas suas secções de Belas-Artes. e Justiça, sob a presidência do Digno Procurador assessor Júlio Dantas, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
Embora a análise deva exclusivamente recair sobre o artigo em questão, o exame de uniu nova redacção ao pode ser feito à luz do espírito do decreto-lei em cujo articulado é destinado a integrar-se.
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906 está assim redigido:
Sempre que o entender necessário poderá o Ministro da Educação Nacional determinar que os móveis inventariados ou em via de inventariação sejam transferidos para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.
Assim a transferência deponde apenas de o Ministro ao entender necessário».
A nova redacção proposta procura tirar ao artigo 5.º o carácter arbitrário que aquela redacção poderia sugerir e dar ao proprietário da obra inventariada a garantia de que só por insuficiência ou desleixo na sua conservação o Estado intervirá para impor as necessárias medidas.
O problema comporta, porém, uma tríplice análise:
1.º Que obras se encontram hoje atingidas por este artigo, isto é, qual o critério que preside actualmente á inventariação;
2.º Condições que justificam a intervenção do Estado;
3.º Garantias da eficiência e legitimidade dessa intervenção, tanto para o património nacional como para o proprietário.
O critério da inventariação legalmente definido foi ultimamente objecto de dúvidas de interpretação a que adiante nos referiremos.
E, todavia, o critério da inventariação é fundamental para a interpretação do artigo 5.º, que passará a ter aplicação restrita ou ampla, conforme a hierarquia artística dos objectos inventariados for excepcional ou secundária.
Durante muito tempo isenção Ac direitos aduaneiros e arrolamento artístico obedeceram a critérios diferentes na escala dos valores considerados. O artigo 10.º do Decreto de 19 de Novembro de 1910 isentava de direitos alfandegários a as obras de arte ou com valor histórico, portuguesas, que como tais fossem consideradas pela (então) Academia de Belas-Artes», juízo que hoje cabo à 6.ª secção da Junta Nacional da Educação.
E o seu § único acrescenta que «esta isenção aproveitará também às obras de arte estrangeiras que se imponham pelo seu valor artístico ou histórico».
O objectivo desta lei era favorecer o enriquecimento do património nacional, tão escasso, e, com ele, a educação e cultura, artísticas do País. Isenção tanto mais justificável quanto sem ela, dentro da actual pauta aduaneira, a importação onerosa era proibitiva.
Sem a isenção que o decreto protegia o Estado não aumentava as receitas, porque a obra de arte não entrava, e perdia as possibilidades de enriquecer o património.
A isenção de direitos, quaisquer que fossem os abusos, sempre inevitáveis, foi um bem.
Para a classificação e inventariação artísticas o critério era diferente e de mais elevadas exigências. Regulava-o o Decreto n.º 20 985, de 7 de Março de 1932, que dos móveis pertencentes a particulares só mandava incluir no inventário os que fossem de subido apreço, reconhecido valor histórico, arqueológico ou artístico, e cuja exportação constituísse prejuízo grave para o património nacional (artigo 3.º, § único). Depois o Decreto-Lei n.º 2611 de 19 de Maio de 19:16, impôs à 6. ª secção da. Junta Nacional da Educação o encargo de promover o inventário dos móveis que tenham, notável valor estético ou histórico, sejam quais forem a sua natureza e possuidor, exceptuadas as obras de autores vivos, e orientar os trabalhos de conservação ou tratamento de que carecessem (artigo 24.º. § 1.º, n.º 5.º).
Assim, só se consideravam as obras de excepcional hierarquia.
Página 768
768 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
Mas uma determinação ministerial enviada à 6. ª secção, entidade encarregada de dar parecer sobre a isenção de direitos e sobre a classificação e arrolamento, equipara, na categoria de exigências isenção e arrolamento. E foi sobre este nivelamento de hierarquia artística para as obras que entravam e para as obras que se classificavam, que as duas secções da Junta Nacional da Educação, a 6.º secção e o Conselho Permanente cia Acção Educativa, emitiram pareceres opostos. Assim, ou se elevam as exigências para a isenção, e empobrece-se o património artístico, que não pode ser constituído apenas por obras excepcionais, ou se baixa a hierarquia da obra a inventarias, e trai-se o espírito do Decreto n.º20985, que só restringia a exportação quando constituísse prejuízo grave para o património nacional.
Nesta situação de controvérsia e dúvida, a aplicação do artigo -5.º, que se refere às obras inventariadas, poderá ser exagerada ou restrita, conforme as exigências que inspirem o critério de arrolamento.
Seria, pois, de aconselhar a discriminação dos dois objectivos, de forma que a aplicação do artigo n.º - qualquer que seja a sua redacção - só fosse legítima para as obras de importância excepcional.
O segundo ponto a considerar é a legitimidade da intervenção do Estado nas obras arroladas..
Essa, intervenção justifica-se perante obras de excepcional valor artístico, histórico ou arqueológico, que a Nação tem direito a não deixar deteriorar, extraviar ou exportar. Compete, porém, ao Estado revestir-se de autoridade -moral pela forma como conserva as do seu próprio património, livros, obras de arte ou monumentos, de maneira tornar legítima a sua intervenção nas alheias. E a experiência dos monumentos nacionais aconselha a não empreender restauros nem impô-los aos outros senão fundados no parecer idóneo das entidades que a lei criou para esse fim.
O terceiro ponto é o da redacção do artigo 5.º dentro do espírito das leis que actualmente regem a protecção do património nacional.
Esta redacção deve evitar o alarme de que «e fez eco a Assembleia Nacional; mas com isso transitamos para M segunda parte deste parecer.
II
Exame na especialidade
A redacção do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38906 preconizada no projecto em apreciação não enferma dos inconvenientes da actual e procura justificadamente corrigir a latitude com que esta se encontra concebida.
Mas suscita, por seu turno, novas dúvidas ou apresenta novos inconvenientes ou omissões, que cumpre evitar ou suprir.
Assim:
A)Estabelece uma distinção, cujo significado não se alcança bem, entre «providências cautelares» e «medidas conservatórias ».
Porque não se descobre para as duas expressões conteúdos diversos, demarcados com suficiente nitidez, há que substituir essa dualidade por uma fórmula única, que pode ser a de «providências conservatórias».
A dualidade justifica-se tanto menos quanto é certo que o nome de «providências cautelares» tem hoje significação específica na terminologia legal portuguesa: a de determinados processos judiciais preventivos ou conservatórios, instaurados como preliminar ou inci-
dente de um processo principal (Código de Processo Civil, artigos 405.º e seguintes). Essa significação não se encontrava certamente no espírito do autor do projecto e não teria cabimento algum no preceito de lei cuja redacção está em causa.
b) Já resulta da lei que sobre as providências a adoptar deve ser ouvida a 6.a secção da Junta Nacional da Educação, à qual compete, como vimos, orientar os trabalhos de conservação ou tratamento de que carecerem os móveis sujeitos a inventariação.
Mas, a fim de tornar o ponto ainda mais claro e categórico, convém expressá-lo na nova redacção.
c) Finalmente, é de notar que o projecto propõe novo texto para o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38906, sem esclarecer se ele substitui todo o artigo, incluindo o respectivo parágrafo, ou só o seu corpo ou proémio.
Há que dissipar esta dúvida.
Pensa a Câmara Corporativa que não estava na intenção do autor do projecto eliminar o § único. E, na verdade, a doutrina desse parágrafo justifica-se plenamente.
Por isso, no texto adiante proposto se esclarece em tal sentido a dúvida acima formulada.
III
Conclusões
Em resumo, a Câmara Corporativa emite o voto de que ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906 seja dada nova redacção, dentro do espírito do projecto de lei n.º 242.
Mas propõe uma redacção diferente da constante desse projecto, donde se elimine a distinção equívoca entre «providências cautelares» e «medidas conservatórias», onde expressamente se mande ouvir a 6.º secção da Junta Nacional da Educação sobre quaisquer providências a adoptar e onde se torne clara a subsistência do actual § único do citado artigo 5.º
O texto que a Câmara Corporativa sugere é o seguinte:
Artigo único. O corpo do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 906, de 10 de Setembro de 1952, passa a ter a seguinte redacção:
Sempre que os móveis inventariados ou em via de inventariação se encontrem em perigo manifesto de extravio, perda ou deterioração, deverá o Ministro da Educação Nacional, ouvida a 6. ª secção da Junta Nacional da Educação, prescrever as providências conservatórias a adoptar pelos proprietários, como em cada caso couber.
Se essas providências não forem adoptadas, dentro do prazo e nas mais condições estabelecidas, poderá o Ministro ordenar que os móveis sejam confiados, em depósito, à guarda de bibliotecas, arquivos ou museus do Estado.
Palácio de S. Bento, 2 de Março de 1953.
Inácio Peres Fernandes.
Mário Luís de Sampaio Ribeiro.
Samuel Dinis.
António Pedro Pinto de Mesquita.
Inocência Galvão Telles.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Reinaldo dos Santos, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA