O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 825

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215

ANO DE 1953 12 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 215 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou, alerta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 212, com uma rectificação do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu; quanto ao Diário das Sessões n.º 213, foi aprovado com uma, rectificação do Sr. Deputado Salvador Teixeira.
Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas acerca das contas da Junta do Credito Público referentes ao ano de 1951, que vai ser publicado no Diário das Sessões, em suplemento.
O Sr. Presidente anunciou, estar na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 135.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Daniel Barbosa, sobre o problema da cultura do linho no Norte do País; Melo Machado, para se referir a assuntos de interesse, para a vinicultura, e Pinto Barriga, acerca do ensino superior farmacêutico em Portugal.
O Sr. Presidente, chamou a atenção dos Srs. Deputados para o relatório e declaração do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 1951, insertas no Diário do Governo, 2.ª série, de 6 do corrente, que deverão ser tidas em consideração ao apreciar a Assembleia Nacional essas contou.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho, relativo aos melhoramentos rurais.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pimenta Pregado, Marques Teixeira, Elísio Pimenta e Miguel Bastos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.

Página 826

826 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 210

Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Cadilho Serpa do Rosário Coronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Moio e Castro.
José Luís da Silva Dinis.
José Pinto Menores.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Toso Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte. Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 212 e 213 do Diário das Sessões.

O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: peço que seja rectificada a palavra «escrituração», que não proferi e vem inscrita a p. 78o, col. 1.ª, 1. 5.ª e 6.ª, do Diário das Sessões n.º 213, de 7 do corrente, para «estruturação», que é a própria.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - No Diário das Sessões n.º 212, a p. 772, col. 2.ª, 1. 45.ª onde se lê: «Quase desde o alvorecer da República, circunstâncias ocasionais ou políticas, e não provenientes de méritos revelassem iniciação da vida profissional», deve ler-se: «Quase desde o alvorecer da República, circunstâncias ocasionais ou políticas, e não provenientes de méritos que revelasse na iniciação da vida profissional».
No mesmo Diário, a p. 776, col. l.1, 1. 39.a, onde se lê: «Todavia, estavam excluídos da Lei n.º 2 039», deve ler-se: «Todavia, não estavam excluídos da Lei n.º 2039».

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre estes números do Diário, considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Das comissões de província e concelhias da União Nacional do Estado da Índia, a apoiar as sugestões feitas pelo Sr. Deputado Sócrates da Costa aquando da discussão da lei orgânica do ultramar.
Subscritos por vários médicos-veterinários do Porto, a discordar das palavras proferidas pelo Sr. Deputado Manuel Domingues Basto na sessão de 5 do corrente.
De médicos-veterinários de Coimbra, no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1951, que vai ser publicado no Diário das Sessões, em suplemento.
Está também na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 125, publicado no Diário do Governo n.º 44, 1.ª série, de 6 do mês corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Daniel Barbosa.

O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: soube-se pelos jornais de há poucos dias que cerca de cinquenta agricultores nortenhos se avistaram com alguns membros do Governo para lhes transmitirem as suas preocupações quanto a suspensão da laboração industrial do linho, que uma empresa industrial do Norte vinha praticando há já alguns anos em benefício indiscutível do País e dando satisfação plena a uma parte importante da lavoura portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio poder afirmar, Sr. Presidente, que raro será encontrar, pelo menos no nosso meio, uma colaboração tão estreita entre a indústria e a agricultura como aquela, que esteve a ponto de romper-se em consequência de restrições que surgiram a coberto de determinações superiores.
Senti a gravidade do caso como diminuto lavrador que sou numa região em que a propriedade se divide em parcelas bem pequenas e onde a exiguidade das quantidades colhidas mal chega, na maioria dos casos, para permitir que, embora pobremente, as terras se mantenham na posse dos que as cultivam com sacrifício persistente e humilde resignação.

Página 827

12 DE MARÇO DE 1953 827

Foi portanto compreensível o desânimo com que todos receberam a informação de que a cultura do linho - que já espalha, sem prejuízo do resto, uns largos contos de réis pela lavoura do Norte - estaria suspensa este ano, em que se vive ainda o peso dos dias maus de colheitas sem interesse ou sem valor.
Tenho sempre acompanhado com a maior atenção as expressões de ansiedade, as manifestações de protesto, as reclamações e os apelos, a defesa de soluções, que ficam a atestar, até mesmo nesta Câmara, a tenacidade inquebrantável, o entusiasmo persistente com que a grande lavoura portuguesa tem defendido - e, quantas vezes, muito bem - a produção das suas terras; não podemos nós, porém, pequenos lavradores minhotos, por exemplo, ter como aquela, e para os efeitos desejados, o peso e a penetração suficientes, visto ser tão grande a modéstia em que vivemos que raras vezes se conseguem representações de vulto para ajudar às decisões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As nossas razões vivem assim, e quase sempre, só por si, no direito com que invocam medidas de defesa ou protecção.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, não quero deixar passar este momento sem reconhecer que o Governo tomou as medidas conducentes àquilo que em plena justiça se pediu, entregando aos lavradores do Norte uma possibilidade valiosa para a sua economia e seu trabalho.
Bem hajam, pois, quantos contribuíram para manter, com utilidade e com vida, a solução que permitiu renovar e fomentar a cultura o a industrialização do linho, defendendo ao mesmo tempo a ocupação e o bragal de uma parte numerosa da lavoura portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: tive o prazer na passada segunda-feira -a propósito de considerações feitas por mim nesta Assembleia em defesa da genuinidade do vinho - de ver reunido à minha volta um numeroso grupo de viticultores, que por essa forma quis dar o peso do seu apoio às palavras que proferi aqui.
Não tiro de tal facto nenhum motivo de vaidade pessoal. A minha pobre voz mal se faria ouvir se a Assembleia Nacional não lhe desse eco, não lhe desse ressonância.
Assim, Sr. Presidente, suponho que melhor será encabeçarmos essa manifestação como de apoio à Assembleia Nacional, onde o assunto foi tratado.
As aspirações mais que legítimas da viticultura nacional, defendendo a homogeneidade do produto que fabrica, encontraram em S. Ex.ª o Ministro da Economia uma concordância perfeitamente compreensível.
O que é preciso, Sr. Presidente, é que S. Ex.ª. conforme prometeu, aja rápida e vigorosamente para dar satisfação às reclamações que lhe foram presentes.
Efectivamente, Sr. Presidente, para solucionar este assunto o que é preciso é agir rápida e eficientemente. Àqueles que dizem que adiar também é resolver, eu direi que essa é uma forma caduca, que se não pode compreender nestes tempos em que se vive apressadamente.
Torna-se necessário estar sempre atento a este problema do vinho, e ainda agora acabo de receber da África Oriental uma reclamação de vendedores de vinho, com o seguinte fundamento: no distrito da Beira e seus subúrbios os negociantes que se dedicam à venda deste produto nacional, e que interessa a uma das culturas agrícolas mais importantes da sua economia, queixam-se de que lhes aumentaram as contribuições em mais de vinte vezes, e que tudo conduz no encerramento dos seus estabelecimentos.
Assim, Sr. Presidente, enquanto no distrito de Lourenço, Marques existem 270 casas que vendem vinho, em Gaza e Inhambane, com 1235 mil habitantes, 454, em Quelimane, com 1235 mil habitantes, 38 na Beira e Tete, para 1028 mil habitantes, há apenas 7 e na Xampula, Cabo Delgado e Lago, para 2062 mil, apenas 1.
Chamo para o facto a atenção do Sr. Ministro do Ultramar e ainda a do governador, o nosso ilustre antigo colega Gabriel Teixeira.
Não faz sentido, Sr. Presidente, até porque, se o pensamento é combater o alcoolismo, que se impeça a venda de vinho, pois é sabido que o alcoolismo é muito raro através deste produto, e que as populações indígenas, desde que não tenham vinho de que gostem, entregam-se ao fabrico e consumo das bebidas cafreais, que são muito mais nocivas.
Sr. Presidente: queria ainda fazer uma rectificação ao relato, aliás excelente e minucioso, do meu banquete de segunda-feira, feito pelo jornal O Século. É um pormenor insignificante para o jornalista, que trabalhou com toda a boa vontade, mas importante para mim, motivo por que vou referir-me ao assunto.
Diz essa notícia, referindo-se às palavras que proferi: «depois afirmou que tem tomado sempre a defesa da lavoura, embora desacompanhado de alguns Deputados, lavradores como ele».
VV. Ex.ªs que me conhecem, já fizeram, de moto próprio, a rectificação, porquanto sabem ser eu absolutamente incapaz de fazer esta afirmação ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... que não se coadunava com o meu carácter e que de forma alguma podia corresponder à verdade.
Nesta Assembleia só tenho recebido atenções que não mereço (não apoiados) e que me têm animado a continuar no caminho que tenho seguido.
O que afirmei foi que, muitas vezes, nas minhas intervenções nesta Assembleia a favor da lavoura me tem faltado o apoio, sentindo-me desacompanhado dessa própria lavoura.

VV. Ex.ªs não estavam presentes para me poderem responder. Por isso não poderia ter feito semelhante afirmação, mas a lavoura é que estava presente e me poderia responder; daí a razão por que pronunciei aquelas palavras.
Foi para fazer estas curtas observações que pedi a palavra e tomei tempo a VV. Ex.ª
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: na sequência da intenção que manifestei de esgotar os avisos prévios não efectivados por intervenções sucessivas e parcelares, vou hoje abordar o problema farmacêutico em Portugal, no complexo das suas relações com a Universidade e o corporativismo e previdência social.
Vejamos em primeiro lugar o ensino, que se desdobrou em preparação profissional e no ensinamento científico, ficando apenas uma Faculdade e transformando-se as outras em escolas de farmácia.

Página 828

828 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215

O ensino de Farmácia gastou em 1951 2 345 contos, as escolas de Coimbra e Lisboa, respectivamente, 604 e 683 contos, e a Faculdade do Porto 1 058 contos. Se ainda hoje vigorasse a Lei de 1907, que criou o imposto do selo sobre as especialidades farmacêuticas para custear as despesas do ensino farmacêutico, sobraria dessa verba tributária uma quantia aproximada a 450 contos, visto o imposto ter rendido 2790.
A redução de categoria no ensino de Farmácia nas Universidades de Coimbra e Lisboa foi destinada a evitar uma superabundância de farmacêuticos, o que não conseguiu, deixando inteiramente irresoluto o problema das farmácias nas localidades afastadas.
A concentração do ensino universitário na Faculdade do Porto não deu os resultados precisos, pela exiguidade de verbas- com que foram dotados os seus laboratórios, apesar da elevada competência dos seus professores.
Em Lisboa o problema agravou-se porque parte dos seus estudantes, estimulados pelo seu bom aproveitamento, tiveram de ir licenciar-se ao Porto. Em Lisboa concentra-se a grande massa dos laboratórios farmacológicos privados. Este problema foi posto nos seus devidos termos, com o seu habitual talento e clareza, pelo Sr. Heitor da Universidade Clássica de Lisboa.
Há que restabelecer a Faculdade de Farmácia em Lisboa e dotar os laboratórios do ensino farmacêutico de modo a cumprirem a sua missão de uma forma devidamente actualizada, senão teremos óptimos professores nas Faculdades e escolas meramente teóricas de Farmácia.
O problema agravou-se económicamente para as farmácias quando a previdência social e o seu corporativismo passaram, não a fornecer remédios, mas apenas ... descontos, e apenas por conta dos outros!
Os descontos sucederam-se numa cascata económicamente infernal e inconcebível numa boa industrialização e comercialização deste ramo. Se assim continuar, não nos admiremos de que o desconto real se passe a fazer ... sobre a dosagem e qualidade.
A previdência tem-se reduzido a uma nova forma par atributa ria e com um pouco de...burocratismo. Assim é que o abono de família se desenrola com tais exigências burocráticas que se transformou num verdadeiro... desabono de família.
A Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos tem uma orientação a retardamento, sem ter uma política definida de reabastecimento, coordenação e preçário de medicamentos, prejudicando assim a indústria, o comércio e o consumidor. Com mais latitude debateremos este assunto nas contas públicas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o relatório e declaração do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 11)51, insertos no Diário do Governo, 2.a série, de 6 de Março corrente.
Como os Srs. Deputados sabem, segundo os termos da Constituição, a Conta Geral do Estado deverá vir acompanhada do relatório e da declaração do Tribunal de Contas, sempre que isso seja possível.
Esse relatório e declaração deverão ser tidos em consideração na apreciação pela Assembleia das Contas Gerais do Estado relativas a 1951, que deverá efectuar-se antes do encerramento da actual sessão legislativa.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho, relativo aos melhoramentos rurais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Prezado.

O Sr. Pimenta Prezado: - Sr. Presidente: na última sessão do período legislativo de 1950 tive a honra de usar da palavra nesta Assembleia sobre alguns problemas de salubridade o acção dos delegados de saúde e não esqueci citar a lei dos melhoramentos rurais, fazendo sincero elogio, como me competia, ao falecido colega médico e Deputado Dr. Antunes Guimarães.
Depois das fundamentadas exposições feitas pelos meus colegas e amigos Dr. Manuel Lourinho e Dr. Galiano Tavares, poderia evitar a VV. Ex.ªs a maçada de me ouvirem.
Impunha-mo a deliberada colaboração com os Deputados do distrito de Portalegre, estimulou-me o desejo de mais uma vez prestar justiça ao falecido homem de bem Dr. Antunes Guimarães, moveu-me o pensamento de que alguma coisa poderia apresentar como meu depoimento.
É a fala do médico, de fracos conhecimentos científicos, mas de forte vontade de servir a região em que vive, é o rural e rústico a expor os seus anseios, a transmitir os queixumes dos íncolas da sua região, é o lavrador acabrunhado com problemas de que não antevê solução.
Na minha intervenção de 28 de Abril de 1950 falei especialmente sobre os desgastes provocados pela febre tifóide e apresentei alguns números: disse que nos anos de 1947, 1948 e 1949 tinham sofrido as graves consequências da agressividade da Ebertella thyphosa 15 120 habitantes de Portugal continental e, desses, 2120 tinham desaparecido do número dos vivos. Esclareci que estes números pecavam por defeito e acrescentei: «Se o Governo quiser continuar a olhar pelo sector da saúde, estou convencido de que, decorridos mais uns anos, teremos alcançado a posição desejada e reduzido as taxas de morbilidade e mortalidade, como se conseguiu com a varíola».
E como o problema da febre tifóide é, essencialmente, um problema de salubridade, atrevo-me a lembrar ao Governo que uma verba concedida à Direcção-Geral de Saúde para ser aplicada em pequenas obras de salubridade iria remediar grandes males.
Continuando a servir-me do exemplo da febre tifóide, esclareço que em grande parte a doença é contraída pela água de bebida. Impõe-se que se forneça às povoações água boa, potável e em condições de não sofrer inquinações. Pois muito bem, melhor, pois muito mal, se esse fornecimento alcançou nos grandes meios uma posição óptima - como em Lisboa, por exemplo -, nas povoações rurais está ainda em péssimas condições na sua grande parte.
As miseráveis e vergonhosas fontes de chafurdo ou de mergulho são ainda regra.
As vezes acontece que numa povoação se fazem obras quantiosas para o perfeito abastecimento de água; boas captações, perfeitas canalizações, um fontanário todo catita, obra de fachada perfeita a culminar para rija festança. Começa a consumir-se liberalmente a água e com toda a confiança. Surgem as primeiras chuvadas de Inverno e os casos de febre tifóide vêm ensombrar a vida da população e fazer descrer na afirmação dos técnicos, que lhes garantiam a absoluta potabilidade da água.

Página 829

12 DE MARÇO DE 1953 829

O que aconteceu? Como faliram todas as garantias dos técnicos? Muito simplesmente: além de todas as indicações da captação, canalização, etc., os técnicos tinham apontado uma zona de protecção à volta da nascente. Mas, por desleixo, por ignorância ou ato porque o terreno dessa zona é várzea de amigo ou protegido, o responsável não cumpre, a obra fica por executar, no local cultiva-se, horteja-se, estruma-se e as infiltrações das primeiras águas arrastam os bacilos, que vão entrar nas canalizações, vão poluir as águas do abastecimento que a população confiadamente bebia e que são agora portadoras do terrível germe, que arrasta a prolongada doença e até à morte.
Os serviços de saúde, aos primeiros casos notificados, deslocam-se ao local, fazem rápido inquérito, chegam à fácil conclusão de onde deriva o mal. Oficiam aos responsáveis. Todos concordam, todos sentem responsabilidades, todos se alarmam, todos prometem.
O tempo passa, com ele vem a amnésia das promessas, e no futuro ano mais vítimas - vão cair, mercê do abandono das indicações dos técnicos. Como remediar? Entregando o Governo à Direcção-Geral de Saúde uns escassos contos, que, imediatamente aplicados, limitariam a tal zona de protecção da nascente e valorizariam a obra que custara dezenas, centenas de contos, eliminando o ponto frouxo, invisível à observação dos leigos, descoberto com facilidade pelos técnicos, mas nunca mais remediado pela ignorância ou incúria dos responsáveis.
Modificando o regime de comparticipações para melhoramentos rurais, melhor, concedendo subsídios para esses melhoramentos, conseguiríamos, de certeza, um abastecimento de água no País, que é sem dúvida uma das grandes medidas sanitárias que mais se repercutem na melhoria da saúde da população.
«E a saúde não tem preço, nunca será cara», dizia o grande sanitarista Ricardo Jorge e o seu discípulo e continuador afirma: «É o fundamento em que assenta a felicidade do povo e o poder do Estado» e noutra passagem escreve: «É por isso que em minha opinião deve o cuidado pela saúde pública ser o primeiro dever do homem de Estado».
Mas as consequências dum bom abastecimento de água não se traduzem apenas na notável diminuição ou desaparecimento das doenças de origem hídrica (febre tifóide e outras); modificam notável e surpreendentemente os dados estatísticos da mortalidade geral.
O facto é de tal saliência que deu motivo a afirmações de sanitaristas notáveis: o teorema de Hazen diz: «por cada morte por febre tifóide que se evitar ficam evitadas simultaneamente duas ou três devidas a outras doenças», e o chamado fenómeno Mills-Reincke: «quando numa colectividade se estabelece um sistema de abastecimento de água que corresponde às exigências sanitárias, não só se produz uma considerável descida da mortalidade por febre tifóide (e das doenças hídricas em geral), mas ainda se produz também descida na mortalidade por outras causas, ou seja, na mortalidade geral».
Que não se poupem subsídios para terminar de vez com as fontes de mergulho ou de chafurdo; o segundo nome envolve bem a ideia da imundície, total falta de asseio, que infelizmente são ainda, nalgumas povoações, as únicas formas de abastecimento de água.
Ainda uma nota sobre uma outra modalidade de melhoramento rural. Em todas as freguesias agrárias se deviam montar postos de socorros médicos. Modestos postos, onde os módicos fizessem as suas consultas, executassem pequenos tratamentos. Eu sei que algumas Casas do Povo os têm montado, mas impõe-se a sua generalização.
No concelho em que exerci clínica durante mais de vinte anos consegui montar nas freguesias da minha área uns modestos postos, que prestaram grandes serviços à saúde da população; algumas vidas se salvaram porque se tinha à mão a injecção de urgência que levaria algumas horas a chegar da farmácia mais próxima, ou porque se podia utilizar o instrumento de pequena cirurgia, mas de grande valor do momento, para um socorro indispensável.
Alguns desses postos instalaram-se em casa própria, construída por subscrição entre u população compreensiva e colaboradora. Faz parte da Assembleia Nacional o Sr. Coronel Vaz Monteiro, que na sua passagem pelo distrito de Portalegre, como governador civil, teve ocasião de assistir à inauguração de um desses postos.
Antes de terminar a minha apagada intervenção não quero deixar de me referir ainda a uma outra grande necessidade para a vida rural do País: a segurança das pessoas e bens, tanto à mercê de todos os perigos e atentados.
Problema grave, que várias vozes tom sido focado na Assembleia Nacional, agitado na imprensa - principalmente por O Século -, motivo de inúmeras reclamações, mas ainda longe de uma solução conveniente.
A prestimosa e prestigiosa corporação que é a Guarda Nacional Republicana não deviam ser regateados os meios suficientes para o substancioso aumento de efectivos e de material adequado às suas múltiplas funções de guarda rural. Não se compreende que neste século de progresso e velocidades a nossa única guarda rural se mantenha com os mesmos meios das recuadas épocas, que em grandes concelhos, entregues à vigilância de uma escassa dezena de guardas, se tenha de deslocar a pé quilómetros e quilómetros.
Se as forças da Guarda Nacional Republicana fossem em grande parte montadas, de cavalaria, a sua acção tornava-se muito mais eficaz e tínhamos assim também resolvido um outro problema, o da crise de produção equina, a que já tive oportunidade de me referir nesta Assembleia e que foi também focado, e brilhantemente, pelo Sr. Deputado Engenheiro Amaral Neto.
Mas para dificultar a acção da Guarda Nacional Republicana ainda surgem outros obstáculos. Para se instalar e manter um posto é a Câmara que tem de fazer as despesas, e todos nós sabemos as dificuldades com que lutam as câmaras para atenderem as suas necessidades mais instantes.
Até se me afigura desprestigiante para a situação de independência que deveríamos desejar para a Guarda Nacional Republicana que esta corporação tenha-de recorrer às câmaras até para as despesas mais insignificantes.
A Guarda Nacional Republicana, comandada por um dos generais mais prestigiosos do nosso Exército, com um grupo de oficiais dos mais distintos, com serviços relevantes prestados ao País e à manutenção da ordem, deve ser dotada de meios que lhe permitam uma acção eficiente.
Em nome da população rural do País, que constitui 08 por cento do total da população, peço ao Governo que se lhe doem meios de vida, de salubridade, de comodidade, de segurança...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ...para que se possam fixar as suas gentes, que esses meios possam ter condições de receber os seus médicos, os seus engenheiros, os seus funcionários, proporcionando-lhes possibilidades de instalação, com permanência, sem as constantes preocupações da falta de recursos, que são tormento de todos aqueles que, educados nos grandes centros, julgam a

Página 830

830 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215

vida impossível som os confortos e os recursos a que se habituaram.
Parece-mo necessário e urgente que o Governo olhe cada vez mais pelas populações rurais ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... que lhe dó condições de vida, contrariando a grave tendência para a deslocação para os centros populosos. Todos sentimos os inconvenientes dessa corrente; o problema tem sido focado e estudado nos seus pormenores, mas, quanto a mini, penso que está muito longe de ser resolvido.
O Sr. Prof. Sousa da Câmara, numa conferencia proferida no Ateneu de Madrid, disse:

Afirma-se que o destino das nações está, em grande parte, nas mãos do povo do campo. Diz-se que são os valores rurais, mantidos tradicionalmente, os que constituem a armadura das sociedades e os que garantem a sua estabilidade e resistência. Por isso em muitas partes do Mundo se dedicam os maiores cuidados para que a agricultura prospere e se desenvolva constantemente nos variados sectores da sua actividade, proporcionando aos que dela vivem as melhores condições de segurança e bem-estar.

Palavras lapidares a iniciar essa sua formosíssima oração, hino à terra, à vida simples do rural, expressão do sentir de quem vive e estuda os problemas nacionais com paixão o inteligência.
Aproveito estar no uso da palavra para cumprir um dever que se me impõe, oportunidade que provavelmente não mais se me deparará, para enaltecer a acção dos Srs. Ministros que se deslocam à província para auscultar os anseios das suas populações, para observar as suas dificuldades, para dar remédio aos seus males.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quero significar o meu agradecimento muito especial ao Sr. Ministro das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, pela sua visita ao concelho de Avis, às obras da barragem do Maranhão, agradecer-lhe as suas determinações, ousando lembrar-lhe ainda a premente necessidade da fixação dos desalojados das terras submersas pelos regolfos das barragens do Maranhão e Montargil, problema de largo alcance social, a que tive a honra de me referir nesta Assembleia e que me pareceu merecer de S. Ex.ª a sua atenção.
Termino com os meus votos muito sinceros para que os justos apelos da Assembleia Nacional sejam escutados e atendidos numa necessária e compreensiva colaboração, para fortalecimento do Estado Novo e prestígio cada vez mais alto dos seus máximos dirigentes, Sr. Presidente da República, general Craveiro Lopes, nosso querido colega nesta Assembleia, e Sr. Prof. Doutor Oliveira Sala/ar, o Chefe do Governo de quase vinte e cinco anos de ordem e engrandecimento nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: sinceramente e por imperativo de justiça, começarei por louvar o distinto Deputado Manuel Lourinho, em consequência de ter posto à consideração da Assembleia uma matéria de extraordinário interesse e indiscutível projecção no País inteiro. Gostosamente assinalo, pois, a feliz iniciativa do Dr. Manuel Lourinho.
Prestada a homenagem devida ao autor do aviso prévio em debate, logo o sentimento me conduz à evocação da memória saudosa do que foi, com raro brilho e marcada elevação, colega inolvidável de todos nós nesta Câmara e que em vida se chamou João Antunes Guimarães.
A tal propósito, se bastava, para exactamente definir essa grande figura de nortenho e de português, fazer a reprodução do que dele dissera, nesta Casa, a linguagem forte e precisa do ilustre Prof. Doutor Mário de Figueiredo, todavia, reporto-me ainda a um editorial do Diário da Manhã que, em verdade, fielmente soube retratar o generoso e belo espírito desse esforçado Deputado pelo círculo do Porto, considerando-o, de forma lapidar, como o defensor natural, o advogado oficioso dos que vivem do amanho da terra, daquela grande maioria do País que ganha o pão de cada dia consoante o velho preceito bíblico.
Com efeito, citar o Decreto n.º 19 502, de 20 de Março de 1931, criador da obra dos melhoramentos rurais, no intuito de iniciar a política de colaboração do Estado t- das populações rurais na realização de trabalhos públicos destinados a benefício directo destas, como se lê no prólogo do Decreto n.º 21 696, de 19 de Setembro de 1932, leva à menção do nome respeitado e querido do Dr. Antunes Guimarães, ao tempo titular da pasta do Comércio e Comunicações. Sobre a sua memória uma vez mais me curvo comovida e respeitosamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ao pronunciar breves palavras sobre o objecto do aviso prévio do nosso muito prezado colega Dr. Lourinho, não resisto à tentação de repetir e de tornar a meditar sobre a essência destes pedaços de ouro de alta filosofia política, fruto da generalidade do Sr. Presidente do Conselho:

... a vida administrativa deve ser dominada pelos princípios de concentração e continuidade; a concentração não poderia garantir resultados úteis SP o esforço não fosse dotado de continuidade: acabar o que se começa; não começar sem se estar seguro de se chegar ao fim ...
... é necessária a política do governo das nações, mas fazer política não é governar. Para além do ambiente moral de confiança e de apoio criado à volta de quem dirige há a realidade viva dos problemas desse mesmo país, e estes ou são resolvidos ou não, e, se não são, o povo não é governado ...
A maior dificuldade que se tem encontrado em pôr em ordem alguns sectores de administração pública é proveniente da verdadeira hostilidade do nosso espírito a um programa de acção ...
A disciplina dum plano estudado, aprovado, assente, que se executa anos sucessivos, custa-nos u suportar, como violência ao nosso temperamento ...
... Temos sustentado ser pura ilusão - e bastos exemplos estranhos o confirmam - reparar o social do económico, como se a vida ide nós iodas pudesse ser independente do trabalho e da riqueza que se produz ...
Pará além do Estado está a nação - a vida da comunidade nacional, com as suas necessidades, o seu trabalho, as suas aspirações. Para ela existe o Estado, isto é, em seu benefício se organiza o Poder, se criam e funcionam serviços ...

Insisto: na compreensão profunda, na séria meditação e escrupulosa observância do que está contido nestes lu-

Página 831

12 DE MARÇO DE 1953 831

gares selectos da nossa doutrina governamental está a explicação do muito que a Revolução Nacional vem fazendo, numa multiplicidade de benefícios de toda a ordem, em prol dos pequenos aglomerados populacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas nele se encerra também a posição-chave, direi, da qual é preciso partir-se, com afoiteza, à busca de uma maior intensificação do ritmo de execução de obras de carácter rural, com urgência possível, obras que impliquem a modificação da fisionomia de muitos dos nossos pequenos meios, obras que conduzam à abertura de vias de comunicação de que inadiàvelmente carecem, obras de fomento e de natureza sanitária que possibilitem uma vida de mais conforto, mais higiene, mais salubridade a todas quantos neles vivem e trabalham, desfiando as contas de um rosário que é, muitas vezes, sacrifício alegremente suportado e sempre heroísmo de um trabalho árduo e probo abençoado por Deus.
Solicitando-se ao Governo um redobrar de interesse e de carinho, condicionado, como é evidente, pelo império das circunstâncias ocasionais, para a melhor solução do importante problema que está sendo tema da ordem do dia dos trabalhos desta Assembleia, tenho o maior gosto em manifestar a homenagem respeitosa do meu apreço aos ilustres Ministro e Subsecretário de Estado das Obras Públicas, Srs. Engenheiros Frederico Ulrich e Saraiva e Sousa, os quais, no cume duma hierarquia que abarca colaboradores preciosos, credores também do testemunho da minha admiração, de há muito se vêm revelando e impondo ao País como estadistas de acção extraordinária que vivem com intensidade as responsabilidades dos elevados cargos que com tanto lustre e a bem da Nação servem e honram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas já que de melhoramentos rurais trata a sessão de hoje da Assembleia Nacional, não ficaria de bem comigo próprio se não tivesse desta tribuna uma especial palavra de admiração para a apurada visão e grande capacidade realizadora do ilustre director dos Serviços de Urbanização, Sr. Engenheiro Sá e Melo, e para o Sr. Engenheiro Venade, que está à frente da Repartição dos Melhoramentos Rurais.
Também ele é competente e muito distinto técnico, que vive com ardor a natureza e fins do cargo que, em hora feliz, lhe foi confiado; da mesma sorte ainda ficaria de mal com a minha consciência, Sr. Presidente, se não recordasse desta tribuna, como tributo da minha sentida consideração, toda a teoria de dedicações ao bem comum, de esforços, de canseiras, de sacrifícios que, às vezes, poucos agradecem, de incompreensões e de desgostos que, porventura, muitos vilmente exacerbam, desses homens bons que, com isenção, por bairrismo, por devoção ao Estado Novo, e com fidelidade a Salazar, minimizando, subalternizando amiúde os legítimos interesses da sua vida privada às exigências mais altas da colectividade, estão à frente, não só das grandes, mas, e sobretudo, das pequenas autarquias locais.
Apraz-me consignar-lhes igualmente o preito do meu mais veemente apreço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não tendo nunca o nosso Governo descurado o necessário aperfeiçoamento do condicionalismo moral, espiritual e cultural da Nação, embora se torne inevitável e seja premente que leve mais ao largo e mais longe a primeira e nobre tarefa que lhe incumbe da revitalização da tábua dos altos valores da vida, é também já longo, imensamente longo, o caminho andado na realização da política valorizadora e renovadora das condições materiais do País.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - No entretanto, afigura-se-me ser ainda actual e digna de generalizar-se e de seguir-se a doutrina expressa no preâmbulo do Decreto n.º 21 698, de 19 de Setembro de 1932, que, sobre o auxílio a dispensar pelo Estado às autarquias locais, com vista à efectivação do melhoramento das condições de saneamento das povoações, reza por esta forma:

... encarando, porem, o problema no seu conjunto, tem de se reconhecer que a sua enorme vastidão leva a considerar a necessidade imprescindível de o confinar nos limites de um critério técnico-económico que sistematize os variados aspectos sobre que ele se apresenta, conforme as regiões ou locais. Nestes termos, a acção do Estado tem de só iniciar por um largo inquérito às condições das localidades, quanto às suas necessidades e possibilidades, para sobre estes elementos basilares, seguidamente se organizar o programa de coordenação e realização com que deverá prestar o seu auxílio às autarquias locais.
Parece-me que esta continua a ser, na realidade, a boa doutrina, pois deve ter-se, sempre previamente em conta a extensão, a importância e a utilidade eeonómica e social das obras de carácter rural a empreender.
Mas logo surge, em toda a sua agudeza, o preocupante problema da míngua, regra geral, das finanças municipais, o caso das comparticipações do Estado e o regime e medida da sua concessão - aquelas oneradas ainda com a incidência de encargos que, pela sua natureza, não lhes deviam ser razoavelmente atribuídos, por vezes sem grandes possibilidades de melhoria, porque a capacidade económica, local não dá ensanchas para mais; estas outorgadas proporcionalmente - mal, a meu ver - ao volume das receitas dos corpos administrativos que as requerem.
É de assinalar e muito de louvar o aumento que só fizera em 1945 da comparticipação do Estado para efeitos de obras de carácter rural. Como VV. Ex.ªs sabem, até 1945 era de 50 por cento do valor dos trabalhos a realizar a verba a conceder pelo Estado às autarquias locais com vista à realização do melhoramentos rurais (estradas municipais e caminhos).
Depois, em 1945, o Governo, de que fazia parte como ilustre Ministro das Obras Públicas o distinto engenheiro Sr. Augusto Cancela do Abreu, e por sua meritória iniciativa, nunca por demais enaltecida, marcou o princípio, através do Decreto-Lei n.º 34 924, de 19 de Setembro de 1945, de que a comparticipação passasse a ser de 75 por cento, mantendo-se até 1950 esse regime, o qual foi por sua vez prorrogado para 1952, por força do Decreto n.º 36 875, do Novembro de 1947. De igual modo o Decreto-Lei n.º 36 575, de 4 do Novembro de 1947, autorizou o Fundo de Desemprego a comparticipar até 75 por conto o valor das obras de abastecimento de água por fontanários até fins de 1952.
Recentemente, a validade da doutrina contida neste último decreto e no que tem o n.º 36 875, de 1947, já citado, foi, com a publicação do Decreto n.º 39 097, de 5 de Fevereiro de 1953, ampliada até ao termo do actual ano.

Página 832

832 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215

Não ignoro, portanto, e até já o acentuei em declarações há pouco pronunciadas, que, a partir do momento em que Salazar levou a cabo a patriótica tarefa do saneamento das finanças públicas, base do quase milagre do nosso ressurgimento, a acção colaborante e operosa do Ministério das Obras Públicas junto das câmaras municipais e juntas de freguesia tem sido, sem dúvida, notável, concretizando-se no auxílio em dotações através dos fundos do Estado e do Desemprego, traduzindo-se na mais apreciada e útil assistência técnica.
Deixo aqui o apontamento eloquente de que só do Tesouro Público saiu de 1932 a 1951, apenas para o investimento em melhoramentos rurais, a cifra de 338 750 contos, e de 231 256 contos foi a importância das comparticipações concedidas para obras da mesma natureza no septénio 1945-1951.
O artigo 16.º da proposta de lei do Governo sobre a autorização de receitas e despesas para o presente ano económico não só seria a prioridade do financiamento das obras de carácter rural em harmonia com um critério que, na verdade, é susceptível de discutir-se, mas também faz menção das fontes que irão irrigar esses financiamentos.
Além das verbas orçamentais, as ajudas que visam à realização dos melhoramentos rurais traduzir-se-ão, como se lê no douto parecer da Câmara Corporativa, através de várias espécies de ajuda financeira, que podem tomar o nome de auxílios, financiamentos, empréstimos e comparticipações: empréstimos às autarquias locais, auxílios prestados por outros serviços do Estado, como a Junta de Colonização Interna, e financiamentos e comparticipações do Fundo de Desemprego.
Cumpre ainda frisar que a linha ziguezagueante da verba orçamental consignada àqueles melhoramentos, tendo sido pelo Decreto n.º 38 586, de 29 de Dezembro de 1951, nivelada pelo estalão que já atingira em 1951, isto é, tendo sido então fixada na casa dos 30 mil contos, se mantém agora na mesma posição.
E não deve esquecer-se o contributo de largas centenas de contos dado pelas Casas do Povo para a realização de obras daquela natureza.
Com respeito ao Fundo de Melhoramentos Rurais, lerei a VV. Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que consta de um quadro de dotações orçamentais, em contos, desde 1940 a 1953, com a indicação de reforços dignos também de registo:

1945 ............................ 10 000
1946 ............ 15 000
Reforço ........... 5 000 20 000

1947 ............ 35 000
Reforço......... 5 000 40 000

1948(a) ........... 35 000
Reforço............ 5 000 40 000

1949 (a) ......... 20 000

1950 ....... ... . 20 000
Reforço ........... 3 300 23 300

1951 ............... 30 000

1952 ............ 30 000
Reforço ........... 6 000 36 000

953 ................ 30 000

(a) Neste ano, pelo Decreto n.º 37 450, de 29 de Junho de 1949" através do Comissariado do Desemprego foi concedida a verba de 30 mil contos.

Mas pergunta-se: a aludida verba de 30 mil contos é o bastante? E muito? É pouco? Deliberadamente julgo que é pouco, muito pouco. Nunca é de mais tudo d que se invista no real enriquecimento do património da Nação; nunca é de mais tudo o que contribua para ajudar a elevação do nível de vida do nosso povo; nunca é de mais quando é premente o dever de ter em consideração sérias conveniências de ordem económica, social e política que conduzem à necessidade de valorizar cada vez mais as condições de existência da nossa gente: nunca é de mais para que a vida dos pequenos meios se transforme e para que a vida rural (como foi expressão do desejo de V. Exa., Sr. Presidente, contido no seu magistral discurso político de Novembro de 1949, segundo o relato feito num diário da capital), para que a vida rural - repito - efectivamente se enriqueça, se anime e se enobreça, e não seja aquela apagada servidão de que as populações se afastam em massa para as fábricas "para as cidades; para que o mal do urbanismo seja detido e a avalancha dos pedidos de emigração afrouxe de volume e de tumulto".
Claro que nem VV. Ex.ªs nem eu esquecemos a profundeza e a justeza de sempre das palavras de Salazar, por meio das quais, com a sua consabida autoridade indiscutível e indiscutida, nos adverte de que "não está nas mãos do Governo fazer tudo o que quer em prazo curto, e que a economia nacional é que, em última análise, condiciona a realização dos nossos planos", Jogo u seguir insinuando judiciosamente "que não sabe se admirar a pressa que parece não permitir esperem breves anos coisas que já esperaram largos séculos".
Todos convimos em que o nosso país fatalmente tem de sentir os efeitos, embora mitigados, de uma crise quase universal, em cujo aparecimento, aliás, não tem a mínima responsabilidade; todos estamos de acordo em que a paz armada que sobressalta o Mundo e põe de sobreaviso os governantes absorve largas disponibilidades do nosso Tesouro sem qualquer espécie de reprodução económica; todos nós, enfim, compreendemos e aderimos às fortes razões que levaram o Sr. Ministro das Finanças a escrever já no brilhante relatório da chamada Lei de Meios para o ano findo que "os dinheiros públicos são sempre módicos perante as reais e crescentes necessidades colectivas", lamentando S. Exa. que "a política de investimentos seja forçada a moderar a marcha do progresso tão laboriosamente encetada e a suportar o peso de novos encargos improdutivos para satisfazer necessidades de defesa impostas por circunstâncias externas de que não é responsável". Bem sabemos e compreendemos tudo isto.
Austeridade de gastos - eis a divisa e norma que reconhecemos ser de boa prudência seguir à risca. Mus assente que continuamos a confiar, sem reservas, nos provados sentimentos cívicos que inspiram e animam e comandam o nosso Governo, não lhe inculcamos só a ideia de que se gaste mais, mas pedimos, sim, que se gaste melhor, e exortamos a que prossiga e leve até às suas finais consequências a observância do já em boa hora encetado critério revisionista da aplicação dos dinheiros públicos em função do seu mais útil destino: que o supérfluo e o sumptuário nunca se sobreponham ao necessário e ao fundamental; que o essencial não se minimize ante o acessório; que haja prioridade do principal sobre o secundário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - "Distinga-se o que pode ser adiado do que exige imediata realização, o que pode traduzir-se a breve trecho em aumento directo ou indirecto de riqueza daquilo que representa apenas melhoria de serviço, maiores comodidades ou despesas de luxo", como

Página 833

12 DE MARÇO DE 1953 833

em linguagem avisadamente directiva e esclarecedora se exprime o eminente Chefe do Governo, de contínuo acrescentando «que o Tesouro não tem um centavo que possa ser mal gasto».
Pois, Sr. Presidente, por mim creio, conscientemente creio, que não será nunca acto de desperdício canalizar um maior caudal das disponibilidades do Tesouro a favor da amplitude e intensificação das obras de carácter rural, quer se trate do saneamento das povoações, da eliminação total idas fontes de chafurdo, quer digam respeito a trabalhos de electrificação ou de alargamento da rede telefónica - felizmente trabalhos estes que, para nosso grande júbilo, são já considerados no notabilíssimo Plano de Fomento guiado pelo Governo Nacional, e que a Assembleia - discutiu e votou recentemente -, quer interfiram com a abertura e conservação de caminhos vicinais e de estradas.
Afirmando que só no ano de 1901 foi de 230 o número de quilómetros construídos e reparados em estradas municipais e caminhos, em parêntesis poderei aditar que creio haver ainda no nosso país mais de 7 000 povoações, muitas delas tendo entre 1000 e 2000 habitantes, que estão absolutamente sem comunicações rodoviárias ou outras de qualquer espécie.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta afirmativa monta a dizer que provavelmente um número superior a 1 milhão de portugueses sofre os danosos efeitos, bem compreensíveis, de uma situação mais do que de precariedade, de total inexistência de vias de comunicação.
A essa lamentável situação urge pôr cobro, e tal conseguir-se-á, ao que parece, logo que ao nosso Tesouro Público venha a ser possível o dispêndio, como é evidente ao longo do tempo, e, portanto, parcelarmente, ano a ano, da vultosa, cifra de mais de 1 500 000 contos.
Mas fazê-lo, proceder por este modo é não só vir um dia dar satisfação aos desejos instantes dos administradores locais, tão esforçados que todo o amparo e colaboração superiores merecem, é, sobretudo, continuar a dar devida satisfação às mais legítimas aspirações das mais diversas localidades, é dar testemunho do respeito que a eminente dignidade da pessoa humana a todos indistintamente merece, é contribuir para a valorização não só da economia regional, mas nacional, é, numa palavra, enriquecer a Pátria. Filho de uma modesta aldeia, Sr. Presidente, que se aconchega junto às faldas da serra da Gralheira, lá para as bandas da cidade de Viseu, cuja província é justamente tida como o velho solar da raça, oriundo de uma aldeia - dizia -, onde nasci, constituí família, resido e onde, querendo Deus, morrerei, não conheço melhor, mas conhecerei, decerto, tanto como muitos de VV. Ex.ªs, as característicos do meio ambiente que enquadra, a existência dos que vivem e labutam nas nossas pequenas vilas, nas nossas humildes povoações, nos nossos campos.
E, se admiro o estoicismo da sua vida, o ardor da sua fé, a pureza dos seus costumes, o seu apego ao trabalho, enfileiro ao lado daqueles que consideram o povo das aldeias como o suporte e factor da nossa estabilidiade política e social, assevero que nele reside as melhores reservas morais - sólida garantia do futuro da Nação - e possuo, outrossim, um saber de experiência feito que me habilita a declarar também por minha vez que o seu amor às mais belas tradições nacionais e o seu puro portuguesismo o têm mantido impermeável à voz de sereia dos falsos, profetas do nosso tempo ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Lá são quase todos por Salazar, que o mesmo é dizer - por Portugal.
E porque, Sr. Presidente, me falecem o engenho e a arte, quero, ao menos, recordar neste momento a justiça e a rara beleza das palavras de um alto dignitário da nossa igreja «o proclamar que onde «a alma de Portugal - crente e trabalhadora, simples e forte, fazendo admiravelmente a aliança do braço humano com a confiança na Providência. - se conservou mais fiel a sei própria foi no campo.
Não há decerto duas opiniões esclarecidas sobre o facto, tão manifesto ele é. E dizer que o campo é escola de virtudes, celeiro da Nação e viveiro e reserva de valores humanos é simplesmente consagrar a verdade.
Nele se cultiva a terra e o homem - no hábito e no amor ao trabalho, na sobriedade do alimento e do vestuário e do repouso e do recreio, na comunhão de esforços e de interesses e de riscos, na lealdade austera e sã do sentir e da palavra e das acções, na fé simples e prática e poderosa, na constância do recomeçar a sementeira com lágrimas, na satisfação jubilosa ou resignada das colheitas fartas ou pobres, na comunicativa alegria das festas do lar, na compartilhada provação dos lutos de todos por cada um e de cada um por todos, na simplicidade com que vivem e na confiança com que morrem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A escola de disciplina dos músculos e dos nervos dá no concreto de cada vida a medida do homem como utilidade social, quase sempre sem nome, é certo, mas com honra, que vale mais do que o nome sem honra ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ali se tem do buscar, sem o empobrecer, a maior parte dos homens que tornaram realidade a nossa Marinha e os descobrimentos que fizeram a massa compacta e disciplinada do nosso Exército glorioso de tantas vitórias, e até muitos daqueles que iluminam o céu de Portugal e do Mundo na religião ou na ciência ou nas letras ou nas artes ou na política ou em outros pontos de comando e de larga projecção patriótica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todas as classes são beneméritas da Nação. Nenhuma, porém, se basta a si mesma. E cada uma é a melhor na sua espécie e função, porque aí insubstituível. Cada qual pode legitimamente ter o brio do seu progresso e o orgulho do seu valor. A nenhuma fica bem o desprezo de qualquer outra. Uma só, suprimidas as outras, pouco vale. Todas juntas, na harmonia do trabalho e da confiança- e da tranquilidade da ordem, fazem feliz uma pátria.
No entanto estas verdades não contradizem estoutra: em Portugal a classe que marca pelo número e como alicerce de todas e como expressão mais espontânea da alma nacional é a gente dos nossos campos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Neste aspecto ela é o primeiro valor humano do País. O Estado faz obra digna de todo o louvor e da gratidão do País inteiro respeitando-a, acarinhando-lhe as pessoas, protegendo-lhe as actividades, proporcionando-lhe meios de progresso, reconhecendo-lhe o mérito público...».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: não quero, não devo perturbar a grata sensação de deleite espiritual que a ressonância das palavras ponderosas e belas

Página 834

834 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 216

agora reproduzidas com certeza despertou e gravou na mente de VV. Ex.ª E, portanto, termino já, renovando, com fervor, o meu apelo ao Governo de Salazar, em que seguramente confio, quanto à necessidade premente de ser intensificado e extensificado o plano de melhoramentos rurais, cuja integral execução deve apressar-se tanto quanto seja possível.
Fazê-lo, Sr. Presidente, é obra de gratidão, é obra de justiça, é, segundo o lema do Estado Novo, continuar trabalhando a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: o relatório da actividade do Ministério das Obras Públicas no ano de 1951 revelou ao País que de 1932 a 1952 se gastaram em obras públicas mais de 10 milhões de contos.
Tais números, na sua singela e fria eloquência, falam por si próprios, dispensam comentários.
Há, porém, um comentário a que não resisto: será porventura possível que tudo quanto se nos depara por esse Portugal fora, de norte a sul, das estradas rodoviárias aos raminhos vicinais, dos grandiosos edifícios públicos às pequeninas e acolhedoras escolas primárias, da higienização e urbanização das vilas e cidades aos melhoramentos rurais, de tudo, enfim, quanto nos fez acertar o passo com os países civilizados da velha Europa, represente em dinheiro apenas o dispêndio de 10 milhões de contos, menos do que o custo do plano sexenal de fomento que há pouco foi votado por esta Assembleia?
Não. Para nós, os que conhecemos o Portugal de há mais de vinte anos - e mesmo para aqueles que vieram depois - e nos habituámos a ver surgir por toda a parte, em ritmo crescente, as grandes obras a os pequenos melhoramentos, os números, até os dessa ordem, nunca nos poderão parecer demasiado grandes.
Sentimos, sim, que o ritmo das construções não possa aumentar, que o Estado se veja por vezes obrigado a reduzir o número e o valor dos empreendimentos e das comparticipações, que essa admirável e fecunda febre que domina a administração dos nossos municípios tenha de ser acalmada.
E para quê?
Para que a guerra, esse monstro que nos devora as fazendas, não tenha de se sustentar com o sangue e a vida dos Portugueses.
Sr. Presidente: é indiscutível que sem o condicionalismo financeiro e político da obra de Salazar não teria sido possível a renovação material do País e a política de obras públicas que se define através dos números do seus custo.
Mas não nos é lícito esquecer que tal política se deve também à lúcida inteligência, à larga visão e ao labor incansável dos Ministros que têm gerido a pasta das Obras Públicas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria ingratidão não o salientar.
Disse o Sr. Presidente do Conselho em 1948 «que tem pairado sobre nós à sombra de um grande morto - Duarte Pacheco».
E, para bem do País, o discípulo e colaborador do grande Ministro soube ser o seu digno continuador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há anos - perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, referir-me a um caso pessoal, mas citando-o presto homenagem ao actual Ministro das Obras Públicas e deixo apontado através dele o método de governação que está na base da sua obra -, há anos soube que o concelho a cuja câmara eu presidia iria receber a visita do Ministro.
Mas não ignorava que o Ministro tinha gosto em conhecer os problemas do concelho no próprio local e com o menor dispêndio de tempo, que a mais não permitia a longa e fatigante peregrinação que empreendera pelo Norte do País.
Coloquei de parte a sessão solene de boas vindas devida à pessoa e à função do ilustre visitante, o que julgo ter sido motivo para o seu reconhecimento...
Em compensação visitou ele tudo quanto trazia no seu propósito visitar, viu tudo aquilo que lhe interessava ver e com um conhecimento dos problemas do concelho que foi motivo da mais profunda admiração de todos quantos o ouviram.
Recordo-me que pouco tempo depois da visita era concedida uma comparticipação, há muito pedida, para reparação de uma estrada de interesse vital para a economia de determinadas freguesias rurais e na qual o automóvel ministerial andara em riscos de partir as molas..
E não esqueço também que, quinze dias depois desta frutuosa visita, surgiu inesperadamente uma brigada de técnicos e de operários dos monumentos nacionais, que iniciaram as obras de restauração de uma igreja do século XIII, jóia preciosa do românico, em risco de se perder definitivamente, mau grado os apelos da Câmara e das autoridades religiosas.
Mas o Ministro tudo quis ver e não foi sem risco que percorreu o que restava do velho mosteiro, mais velho do que a própria nacionalidade, e que, dessa forma, logrou a salvação da ruína a que o tempo e o desmazelo dos homens o haviam votado.
Sr. Presidente: o aviso prévio que o nosso ilustre colega Sr. Dr. Manuel Lourinho em boa hora trouxe a esta Assembleia - o que o torna credor de todos quantos se interessam pela nossa vida rural - respeita a um sector importante da obra de reconstrução material do País, talvez o primeiro, pelo menos na ... ordem cronológica.
E digo em boa hora, pois nesta legislatura, que vai no seu termo, foram agitados alguns dos principais problemas da vida rural portuguesa, desde as crises do Alentejo ao plantio da vinha e ao condicionamento ou não condicionamento das indústrias complementares da exploração agrícola, mas ainda ninguém encarara em profundidade esse outro problema importantíssimo, que, uma vez resolvido, modificará as modestíssimas - ia a dizer precárias - condições da vida das nossas aldeias.
O problema é de uma enorme complexidade.
Qualquer dos seus aspectos daria margem a largas considerações.
Não me sinto com coragem, com competência para as fazer, nem tão-pouco quero tirar conclusões do conjunto dos pequenos apontamentos que me atrevo a apresentar à nunca desmentida paciência da Assembleia e à esclarecida consideração de quem se associa - e basta ler o relatório - do coro das insatisfeitos, entre os quais tenho a honra de me contar.
O melhoramento das condições de vida das nossas populações rurais está na base do decreto que instituiu o Fundo de Melhoramentos Rurais, que tem a assinatura do Dr. João Antunes Guimarães, que em 1931 sobraçava a pasta do Comércio e Comunicações.
Que pena eu tenho, Sr. Presidente, de já não poder ver nesta tribuna, a falar dos seus melhoramentos ru-

Página 835

12 DE MARÇO DE 1953 835

rais, o Dr. Antunes Guimarães, esse outro grande morto, homem bom no verdadeiro significado da palavra, que viveu no amor pelos humildes e pelos seus eternos problemas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que esse homem, cuja voz, cheia de bom senso, o País e a cidade do Torto, a que ele tanto se dedicara, já não podem ouvir, ao traçar o diploma que o consagrou tinha na sua frente o quadro rural do Entre Douro e Minho.
Eram poucas ou mal conservadas às estradas municipais e os caminhos vicinais da sua querida província, que conhecia a palmo, como o eram, aliás, os de todo o resto do País.
O transporte dos géneros e dos produtos agrícolas fazia-se com dificuldade, sem segurança, sem rapidez e em péssimas condições económicas.
O seu acesso aos mercados e às vias de comunicação nacionais tornava-se tantas vezes impossível.
Deparavam-se-nos com frequência lugares e povoados isolados ou mal servidos por carreiros de pé ou calçadas irregulares, encharcados pelas águas das chuvas e das regas, pelas quais apenas os carros de bois ou os animais de carga transitavam e à custa de tremendos esforços; gente que se bastava a si própria trocando trabalho por trabalho e produtos por produtos, mal conhecendo o dinheiro, por dificuldade em o obter; enfim, uma economia impressionantemente fechada, que o andar dos tempos, o decorrer dos séculos, não modificara.
Pode dizer-se, com verdade, que este quadro já não existem mal de nós, ainda não.
Mas o que se pode afirmar com satisfação, e até com orgulho, é que, graças à obra dos melhoramentos rurais, já se modificaram as condições em que lamentavelmente viviam muitas das nossas populações rurais.
Muito embora no diploma de 1981 se falasse em edifícios destinados a escolas primárias II outros melhoramentos, o certo é que o Governo de então teve em vista, como se diz no respectivo relatório, criar as condições para o aumento do nível de vida das populações «través da melhoria de comunicações que permitisse a venda dos produtos agrícolas fora do meio em que se produzissem.
Um ano depois, o Ministro Duarte Pacheco, no Decreto n.º 21 696, que substituiu ou completou o diploma do Ministro Antunes Guimarães, considerou melhoramentos rurais as obras de interesso local e vantagens colectivas a executar fora dos centros urbanos e sedes de concelhos, compreendendo a construção ou reparação de estradas municipais, estradas não classificadas, caminhos vicinais, pavimentos, chafarizes, tanques, lavadouros ou obras semelhantes.
Nota: fora dos centros urbanos e sedes de concelhos.
E noto porque isto é que define com precisão e clareza o que são melhoramentos rurais, pelo menos, como os quero encarar, dentro do critério legal.
Essencialmente, obras de construção e reparação de vias públicas e de abastecimento de água, fora dos centros urbanos e sedes de concelho.
E assim na orgânica dos serviços, e o que se tem considerado na prática, muito embora as obras de abastecimento de água por meio de fontanários estejam hoje subordinadas, à Repartição de Abastecimentos de Água e de Saneamento da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, e não à Direcção dos Serviços de Melhoramentos Rurais.
E se procurarmos nas diferentes rubricas dos relatórios, sempre tão bem organizados, daquela Direcção-Geral, não encontraremos além das referidas duas, de caminhos e fontanários, quaisquer outras que directamente respeitem a melhoramentos fora dos centros urbanos.
Sr. Presidente: ao falar de melhoramentos rurais, julgo que não é possível deixar de encarar antes de tudo o aspecto orçamental do problema, com o que julgo Ioda a gente está de acordo.
Diz o Sr. (Ministro das Obras Públicas no seu notável relatório da actividade do Ministério no ano de 1951:

Salienta a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, na parte deste relatório que se lhe reporta, que em 31 de Dezembro de 1951 aguardavam comparticipação nada menos de 3 312 pedidos, a saber:

[Ver Tabela na Imagem]

e destes números - continua - deduz-se claramente o imenso volume de .estradas e caminhos -praticamente as únicas obras que são hoje comparticipadas pela verba destinada a melhoramentos rurais - que seria prontamente executado se para o efeito fossem concedidos auxílios financeiros do Estado. A manter-se a ínfima dotação anual de 30 mil contos, levará onze anos a dar seguimento sr. ao que estava pendente no fim do ano em revista.

Desde o ano de 1931 até ao de 1950 foram concedidas comparticipações para melhoramentos rurais no valor total de cerca de 350 mil contos.
Nos seis últimos anos, isto é, de 1945 a 1950, essas comparticipações somaram mais de 180 mil contos, o que significa que a partir da criação da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, nos fins da 1944, o auxílio do Estado às autarquias locais para obras de carácter rural teve incremento sensível, muito embora a partir de 1949 se haja entrado em linha descendente, que alterou o rumo, felizmente, em 1950 e mais acentuadamente em 1951.
Será muito, será pouco o que se tem feito, perante os número que acabei de apontar?
E muito, mesmo muito, na verdade.
E muito mais ainda em confronto com o que se fizera antes de 1931.
Foram milhares de obras que se executaram graças à intervenção do Estado, que, além do capital, forneceu também a assistência dos seus técnicos.
Veja-se, por exemplo, que os 180 mil contos gastos no sexénio de 1945-1950 aproveitaram a 3633 obras do construção e reparação de caminhos e outras pequenas obras e às de abastecimento de água por fontanários.
E essas obras foram beneficiar milhares de aldeias, que sem ajuda, por vezes substancial, do Estado - em comparticipações que vão até 75 por cento do seu custo - continuariam a ver sem solução os seus problemas de salubridade e de trânsito.

Página 836

836 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215

Mas tudo isso, sendo muito, repito, é muito pouco perante a grandeza da obra a executar.
Nas zonas rurais do País vive mais de 70 por cento da população total e, segundo um inquérito feito há anos, chegou-se u conclusão de que mais de 80 por cento das nossas freguesias são caracterizadamente rurais.
Não obstante tais conclusões, as freguesias urbanas beneficiam de 70 por cento das comparticipações concedidas pelo Estado. Eis o segundo aspecto do problema, que entendo necessário encarar.
Num total aproximado de 650 mil contos de comparticipações concedidas de 1945 a 1949 os melhoramentos urbanos e as obras de abastecimento de água ao domicílio e de saneamento beneficiaram de cerca de 400 mil contos e os melhoramentos rurais, incluindo sempre o abastecimento de água por fontanários, somente de pouco mais de 190 mil contos.
Eu sei das fortes razões que justificam a preferência dada até agora aos melhoramentos de carácter urbano sobre os de carácter rural.
Sei também que certos melhoramentos considerados urbanos aproveitam a conjuntos populacionais que ultrapassam os limites estritos das sedes dos concelhos, e que desta forma se não pode dizer com rigor que as chamadas populações rurais foram excluídas de dois terços do valor das comparticipações concedidas durante aquele quinquénio.
Mas é aninha convicção de que na altura em que muitos dos principais problemas das sedes dos concelhos e dos centros urbanos estão resolvidos ou em vias de resolução, se poderá começar a olhar um pouco mais pana os que interessam a uma grande parte da população portuguesa, precisamente a maior parte e a que vive anais afastada dos benefícios da civilização, problemas que, aliás, o Governo não desconhece, pois os tem considerado sempre, posto que subordinados a preferências que seria justo rever.
Oxalá que as dotações orçamentais para melhoramentos rurais, mesmo com sacrifício dos melhoramentos de carácter urbano, sejam aumentadas nos próximos anos, para que se satisfaçam os legítimas anseios de tantas as delas e povoados, cujos humildes habitantes esperam há muito ver construídos ou reparados os seus caminhos ou os chafarizes a jorrar água.
Que isso está no pensamento do Governo não me restam dúvidas.
Bastará ler-se o passo do citado relatório para chegar a tal conclusão:

Manteve-se baixa a verba distribuída para estradas e caminhos, em consequência de ser muito reduzida a dotação orçamental correspondente - melhoramentos rurais -, mas o problema, desta feita, não criou embaraço de maior pelo já mencionado facto de ter havido regularidade na absorção de braços pela lavoura. O assunto, porém, merece ser ponderado no sentido de se aumentarem substancialmente as verbas em questão, pele a verdade é que elas se destinam a obras do maior interesse pura, a economia nacional.
Há ainda um outro aspecto do problema que não quero deixar de focar, embora somente nos seus traços gerais.
É ele o da subordinação das obras a efectuar em cada concelho a um plano geral e a sua coordenação, por forma a ser dada preferência absoluta, sem distinção do seu carácter urbano ou rural, às que representarem unia maior utilidade pública e urgência de execução.
E essa utilidade pública e urgência não será difícil de determinar.
Entre as obras de salubridade, as vias de trânsito, as casas para pobres, os edifícios públicos e os jardins poder-se-á estabelecer em qualquer momento uma ordem de preferência baseada na sua utilidade pública e urgência de execução.
Tara que as minhas palavras não possam ser mal interpretadas, quero lembrar neste momento aqueles que, com um desinteresse e uma dedicação sem limites, à custa tantas vezes do sacrifício dos seis mais legítimos interesses e sofrendo a incompreensão dos seus concidadãos e do próprio Estado, souberam e sabem acompanhar o passo dos impulsionadores da obra de reconstrução material do País, transformando os concelhos que lhes foi dado administrar em terras progressivas.
Sòmente quem já passou pelos postos da administração municipal poderá avaliar da grandeza da luta entre u febre de desenvolvimento e a insatisfação que domina as nossas pequenas terras da província e um Estado que não pode dar tudo quanto se lhe pede ou tão depressa quanto se deseja.
Mas a verdade, a grande verdade, é que a administração municipal, na generalidade dos casos, tem ligado maior importância à resolução dos problemas da sede do concelho ou dos meios urbanos do que das freguesias rurais.
Eu compreendo perfeitamente a premente necessidade que existia de modernizar as nossas cidades e as nossas pequenas vilas, urbanizando-as, abrindo-as ao ar e ao sol, dando melhores condições de vida aos seus habitantes, tirando a esses centros urbanos o aspecto tristonho e desmazelado que tantas vezes os caracterizava.
Mas terão essas obras e esses melhoramentos obedecido a planos organizados com a intervenção do Estado, segundo uma ordem de preferências, rigorosamente subordinada ao seu interesse e utilidade públicas?
E terão esses planos, que o Ministério das Obras Públicas tem mandado organizar, encarado em pé de igualdade todas as necessidades dos concelhos, independentemente das suas características urbanas ou rurais?
Nem sempre assim tem acontecido, porque então não encontraríamos câmaras municipais que se tivessem abalançado a construir grandiosos edifícios para as repartições públicas, tantas vezes instaladas em razoáveis condições e ooni a modéstia própria ou compatível com os seus rendimentos, e a meter-se em obras nitidamente sumptuárias, quando todos ou a maior parte dos problemas das freguesias rurais, e até das sedes dos concelhos, como vias públicas e abastecimentos de água, estão por resolver.
A propósito destes abastecimentos, suponho que o problema das aldeias ou povoações rurais se poderá resolver em moldes idênticos aos adoptados para as sedes dos concelhos.
Já aqui em tempos abordei o assunto e creio que ele tem um interesse cada vez maior.
Apesar do que se tem feito pelo Ministério das Obras Públicas - e muito se tem feito -, apesar das medidas de profilaxia tomadas pela Direcção-Geral de Saúde, e que representam, na verdade, um esforço notável em defesa da saúde pública, as estatísticas acusam ainda numerosos casos de febres tifóide e paratifóides.
E não restam dúvidas de que a maioria dessas febres foram e são de origem hídrica e que uma grande percentagem das perturbações digestivas de natureza infecciosa ocorridas em crianças durante a estação estival é atribuída justamente ao mau estado das águas em muitas aldeias e povoações do País.
São as águas inquinadas dos poços de mergulho e das minas de chafurdo, tão numerosas ainda, as principais responsáveis das graves e lamentáveis doen-

Página 837

12 DE MARÇO DE 1953 837

ças que, apesar do esforço das autoridades, continuam a envergonhar-nos.
Mas não nos iludamos, elas só acabarão quando todas as povoações do País tiverem nos seus chafarizes água devidamente captada.
Lê-se no relatório atrás citado:

... vai procurar estabelecer-se a orientação a seguir de futuro nesta matéria - abastecimento de água por fontanários -, com base nos elementos dos registos epidemiológicos do País, que a Direcção-Geral de Saúde mantém sempre actualizados. Só mediante íntima colaboração com este serviço será possível, na verdade, ir atacando os principais focos de doenças hídricas que, infelizmente, ainda existem em grande número, sobretudo nos meios rurais.

Mas a verdade é que as comparticipações concedidas para esses abastecimentos representam menos de 5 por cento do total de todas as comparticipações concedidos para obras municipais.

O Governo, pelo Decreto n.º 21 698, encarou o problema do abastecimento de água com o propósito de o resolver definitivamente, mas ... quanto aos centros urbanos.
Porque não tomar idênticas disposições no que respeita aos meios rurais?
Antes de tudo impõe-se que se proceda a um inquérito consciencioso destinado a averiguar quais as povoações de cada concelho cujo abastecimento de água seja deficiente.
Julgo que será por aí que se deva começar.
E será difícil, demorado ou dispendioso tal inquérito?
Também me parece que não.
Bastaria que dele fossem encarregados os subdelegados de saúde nos respectivos concelhos, com a colaboração dos serviços das câmaras municipais.
E, feito o inquérito, estabelecer-se-ia então o plano das obras a executar em cada ano obrigatoriamente pelas câmaras, com o subsídio ou a comparticipação do Estado, que forneceria a assistência técnica, especialmente os projectos, que tanto sobrecarregam a economia das pequenas obras.
E não se deixaria também de aproveitar a inesgotável dedicação, tantas vezes posta à prova, das populações interessadas nas obras, que, sempre prontas a contribuir com trabalho, materiais, transportes e dinheiro, simplificariam bastante o aspecto financeiro da questão, o óbice mais importante à sua solução definitiva.
O problema dos melhoramentos rurais é essencialmente um problema orçamental e um problema de coordenação.
Se o Ministério das Obras Públicas puder dispor nos futuros orçamentos do Estado de verbas mais elevadas do que as que têm sido destinadas a melhoramentos rurais, caminhos e fontanários e se se conseguir fazer a necessária coordenação das obras a efectuar em cada concelho e em cada ano, pela ordem da sua utilidade pública e urgência de realização, independentemente do seu carácter urbano ou rural, pouco haverá que alterar no regime jurídico criado pelos Decretos n.ºs 19 502 e 21 696.
Vinte anos passados, quando tantas reformas, nascidas sob signos favoráveis, dormem para sempre nas folhas amarelecidas do Diário do Governo, o Fundo de Melhoramentos Rurais, verdadeiro diploma reformador, que reconciliou o Estado com as populações rurais, continua em pleno vigor e animado do mesmo magnífico espírito benéfico que presidiu à sua criação.
E não se esqueça sobretudo que o melhor estímulo para o extraordinário desenvolvimento por que têm passado muitos dos nossos concelhos está precisamente na concessão de comparticipações e subsídios àqueles cujas administrações bem o merecerem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que o auxílio do Estado chegue a toda a parte, aos pequenos e aos grandes concelhos, aos concelhos ricos e aos que dispõem de poucos recursos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas entre a inércia ou a preocupação das obras de fachada, características da administração de certos Concelhos, e o labor constante na resolução dos verdadeiros problemas de interesse público, que domina felizmente o maior número, ao Estado não é lícito hesitar: terá com justiça de continuar a voltar-se para os últimos.
E para isso o Ministério das Obras Públicas não pode estar sujeito a regras que o obriguem o tratar como iguais as boas e as más administrações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: não era minha intenção, confesso, intervir neste debate, mas é de tão grande interesse o problema posto e toca tão de perto a vida que apaixonadamente vivo que também me atrevo a dizer aqui umas palavras.
Do pouco que vou dizer quero guardar o primeiro lugar para saudar vivamente o Deputado Dr. Manuel Lourinho pelas justíssimas palavras que proferiu, ao abrir o seu aviso prévio, sobre a necessidade de se cuidar com a maior e a melhor atenção pela vida rural, olhando-a com o carinho e justiça que bem merecem aqueles que, pela sua patriótica actividade, servem num dos mais importantes sectores da vida económica nacional.
O clima e o nível em que vive o homem das nossas vilas e aldeias devem merecer do Governo uma especial atenção, e em relação ao que lhes diz respeito não pode nem deve afrouxar o esforço nacional que há, vinte e cinco anos vem sendo feito neste País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Saudando e louvando as palavras do Deputado Dr. Manuel Lourinho, com sincero entusiasmo lhes dou o meu modesto voto de inteira e absoluta concordância.
Dentro da linha geral destas minhas considerações também eu apelo para o Governo para que a dotação que todos os anos é destinada a melhoramentos rurais seja convenientemente aumentada, permitindo-se, assim, que a ajuda do Estado, tão inteligentemente decretada em 1931, se alargue e aprofunde em benefício daqueles que, ligados à terra, prestam ali à Nação um dos maiores serviços.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vejo vantagem em alterar substancialmente o regime em vigor, pois que dentro dele ainda temos muito a realizar e só haveria, julgo, prejuízo em dispersar o que já não chega para a tarefa inicial.
Permitam-me este apontamento: em 31 de Dezembro aguardavam comparticipação pelo Fundo de Melhora-

Página 838

838 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 210

mentos Rurais 1 430 pedidos, a que correspondia a verba de 359 358 contos, como valor de comparticipações a conceder. A manter-se a ínfima dotação anual de 30 mil contos, teríamos de aguardar cerca de onze anos para que se tornasse possível satisfazer todos aqueles pedidos.
Repito, pois, Sr. Presidente, que não vejo necessidade de se alterar o regime, alargando o seu âmbito; o que peço - e isso faço-o com a maior vivacidade - é que o Governo, ao organizar os seus orçamentos, pondere o que há de interesse e de justiça em aumentar substancialmente as verbas que todos os anos destina aos melhoramentos rurais.
Tenha-se presente que estas verbas se destinam a obras do maior interesse para a economia nacional, porque fixam populações indispensáveis ao trato da torra e constituem, no horizonte das suas vidas, quase que os únicos lenitivos que se lhes pode oferecer numa existência árdua e difícil de trabalho.
Tem-se já dito também que se poderia melhorar o sistema actual, modificando-o por forma a que o valor das comparticipações variasse consoante se tratasse de concelhos urbanos ou rurais.
Devo dizer que tenho algumas dúvidas sobre a justiça desta pretensão. Muitos dos concelhos classificados de urbanos têm vastas zonas rurais a seu cargo, e outros, classificados de rurais, tom a seu cargo reduzidas áreas propriamente agrárias.
Sei, por exemplo, de um concelho urbano que possui treze freguesias rurais e, logo perto, um concelho rural que tom apenas uma freguesia propriamente rural.
Acresce que o fenómeno do urbanismo é um fenómeno inevitável dos nossos dias. Ele nasceu da necessidade que houve de se lançar mão da industrialização como nova fonte de riqueza capaz de absorver os excedentes demográficos, lutando-se por esta forma para que não só não baixasse o nível de vida, mas até para que elo aumentasse em termos de dar à generalidade dos homens uma vida digna.
Ora o problema da industrialização é - como é evidente - dominado pelo factor económico e, consequentemente, não nos podemos admirar que as indústrias procurem montar-se nos locais onde exista a matéria-prima para a sua laboração, os portos de mar, as grandes vias de comunicação, os principais centros de consumo, etc. E entre todos estes problemas avulta, como não pode deixar de ser, o da mão-de-obra.
Não se deslocam populações operárias sem que isso traga inconvenientes gravíssimos que têm de ser considerados. Nem se atrai, também, a grandes centros já superlotados de população novas ondas humanas sem que se pondere na situação que se vai criar com tal procedimento.
Sobre estes problemas se debruçaram todos os grandes economistas e sociólogos deste século e até algumas das mais trágicas páginas da literatura moderna foram escritas com os olhos postos na dureza aviltante da vida de muitos daqueles que a indústria arrebanhou inesperadamente para o seu sonho dourado sem pensar na própria natureza daqueles que a iam servir.
Nas multidões o homem perdeu-se e foi esquecido. Um louco individualismo procurou a riqueza, mas tapou a cara a certezas que, por serem eternas, a ninguém cabe discutir ou olvidar. Não é humana nem cristã uma organização económico-social que esqueça, na sua efectivação, a dignidade da pessoa humana.
A habitação digna, a salubridade, a assistência médica e religiosa, a segurança pessoal, as próprias distracções, são factores que não podem deixar de estar presentes no espírito daqueles que estudam qualquer problema da vida. São factores que se dirigem ao primeiro valor da vida - ao homem.
A indústria criou a cidade e nela vivem igualmente muitos milhares de homens cuja segurança e condições de vida hão-de ocupar nas nossas preocupações lugar idêntico às que temos em relação aos que honesta e laboriosamente continuam no campo a sua tarefa de todos os dias.
Não seria sincero, por conseguinte, se fizesse distinção entre o homem que trabalha, vive e sofre na cidade e o que trabalha, vive e sofre no campo. Para um e outro tem que ir a nossa melhor atenção e o nosso mais vivo carinho do homens responsáveis.
No entanto, devo notar - e faço-o com alegria - que o Governo, na distribuição global do seu auxílio para obras, tem beneficiado os centros onde as características rurais são, de certo modo, mais acentuadas.
Na verdade, vejo no notável relatório do ilustre Ministro das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, estos números, que me parece tem interesse repetir aqui:

Aveiro recebeu de comparticipações com relação ao total gasto em obras 21,6 por cento; Ovar, 68,8 por cento; Beja, 36,5 por cento; Barrancos, 72,7 por cento; Braga, 70,4 por cento; Terras do Bouro, 73,3 por cento; Bragança, 17,9 por cento; Miranda do Douro, 67 por cento; Castelo Branco, 36,2 por cento; Vila de Rei, 74,6 por cento; Coimbra, 48,6 por cento; Oliveira do Hospital, 56,4 por cento; Évora, 19,3 por cento; Alandroal, 65 por cento; Faro, 56,3 por cento; Monchique, 66,5 por cento; Guarda, 34,1 por cento; Almeida, 69,5 por cento; Leiria, 32,3 por cento; Alvaiázere, 63,2 por cento; Lisboa, 4,6 por cento; Azambuja, 61,7 por cento; Portalegre, 34,3 por cento; Gavião, 68,8 por cento; Porto, 16,8 por cento; Penafiel, 58,9 por cento; Santarém, 52,7 por cento; Ferreira do Zêzere, 61,4 por cento; Setúbal, 44,1 por cento; Montijo, 60,4 por cento; Viana do Castelo, 25,5 por cento; Caminha, 57,8 por cento; Vila Real, 40,3 por cento; Sabrosa, 67,9 por cento; Viseu, 10,7 por cento; Oliveira de Frades, 65,7 por cento; Funchal, 33 por cento; Ponta do Sol, 48,1 por cento.
Este quadro confirma bem que o Governo se tem orientado no sentido de mais favorecer nos auxílios financeiros os municípios que, por princípio, se podem considerar mais pobres. O caso de Braga, em que os valores se aproximam, explica-se pelos subsídios especiais concedidos para o Estádio 28 de Maio.
Se bem que atrás tenha feito leves considerações para justificar as minhas dúvidas sobre tratamento diferente para os diversos municípios, sem que isso resulte duma forte base justificativa, compreendo e louvo a orientação do Governo e não tenho dúvidas em calorosamente a aplaudir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Não desejava terminar estas minhas considerações sem falar dum aspecto do problema, que também já aqui foi tratado - o das estradas e caminhos municipais.
Segundo o inventário concluído em 1951, verificou-se que existem 5840 km de estradas municipais e 7 683 km de caminhos municipais. Desta extensão de quilómetros estão: em bom estado, 16 por cento dos classificados como estradas municipais e 17 por cento dos considerados como caminhos municipais; em regular estado de conservação, respectivamente, 40 e 39 por cento, e em mau estado, 44 por cento em cada uma das duas espécies.
Estes números dispensam comentários e bem justificam uma especial intervenção do Estado neste assunto,

Página 839

12 DE MARÇO DE 1953 839

visto que é indiscutível a importância que a rede municipal tem para a economia, da Nação.
Não me repugna nada aceitar e apoiar a campanha, que se tem leito no sentido de obter que as estradas e os caminhos municipais passem para o poder do Estado. Confesso, no entanto, que receio que tal mudança não traga as vantagens que à primeira vista parece oferecer.
Eu digo porque. A Junta Autónoma de Estradas já está sobrecarregada com serviços hoje enormes e importantíssimos. Tem que se sujeitar, nas suas tarefas, a planos pròviamente estabelecidos e a orçamentos estudados com a devida antecedência; ser-lhe-ia, com certeza, na prática, muito difícil acorrer nos pequenos problemas que estão constantemente surgindo nas estradas e nos caminhos municipais para resolver pequenos interesses locais, que o homem ligado à administração municipal pode quase sempre prontamente solucionar.
A tudo isto acresce que, sendo o Estado a fazer a obra e a conserva Ia, se perdia o valiosíssimo concurso, que hoje facilmente se obtém dos próprios proprietários, em materiais, mão-de-obra, transportes, etc., e ainda não se esqueça que seria mais um serviço centralizado a fazer perder tempo o a complicar a vida nos campos. Estou a recordar-me das complicações com os guarda-rios por causa duma vala que atravessa uma pequena propriedade que administro e por causa de cuja vala paguei a primeira multa da minha vida ..
Salvo o devido respeito pelas opiniões em contrário, também neste aspecto tudo se poderia remediar se, como se mostra imperiosamente, fossem reforçadas as verbas para melhoramentos rurais, única forma de se permitir encarar a sério o grave problema da conservação da rede rodoviária municipal.
Por outro lado tornava-se indispensável rever, como já acentuou nesta tribuna - e muito bem - o ilustre Deputado engenheiro Amaral Neto, o regime da compensação aos municípios pelo imposto de trânsito.
Se esta compensação regressasse aos termos justos em que inicialmente foi decretada, já as câmaras poderiam - e até deveriam ser obrigadas - investir essa compensação, ou parte dela, na reparação das suas estradas e caminhos.
Faça o Estado a justa restituição do que cobra em cada concelho de imposto e terá criado óptimas condições para ter no País uma esplêndida rede de estradas municipais.

O Sr. Manuel Vaz: - Não acha V. Ex.ª preferível que essas obras de estradas e caminhos municipais sejam feitas por administração directa das respectivas câmaras, pois com isso ficam mais em conta?

O Orador:- Sim. Acho até um sistema a generalizar, porque, assim, existe a possibilidade de a administração municipal fomentar a ajuda e colaboração dos proprietários que têm grande interesse nessas vias de acesso.
Termino felicitando o ilustre Deputado Dr. Manuel Lourinho por ter levantado debate sobre assunto tão interessante e confio em que o Governo, ouvindo os
nossos apelos, considere de futuro, com a possível generosidade, as dotações que vai passar a inscrever no orçamento do Ministério das Obras Públicas para melhoramentos rurais.
O meu velho amigo e saudoso Prof. Doutor Magalhães Colaço dizia-me muitas vezes que «o que é justo está na lei» ; esperemos que nos futuros orçamentos em matéria de dotações para melhoramentos rurais também o que é justo lá esteja ...
Desejei tanto ser breve e afinal fui tão longo. A todos, e em especial a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas desculpas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará na sessão de amanhã.
A segunda parte da, ordem do dia, no caso de se esgotar o debate, que continua amanhã, será constituída pela discussão da proposta de lei sobre educação física.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Herculano Amorim Ferreira.
Manuel França Vigon.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 840

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×