O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 571

REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 38 ANO DE 1954 10 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 38, EM 9 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs Gastão Carlos de Deus Figueira
Manuel Marques Teixeira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 36 e 37 do Diário das Sessões, com uma rectificação do Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu quanto ao Diário das Sessões n.º 36.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação Ho requerimento do Sr. Deputado Galiano Tavares; os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Paulo Concílio de Abreu; os elementos fornecidos, também pelo Ministério das Finanças, em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Amaral Neto; os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Miguel Bastos, e os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga.
Todos estes elementos foram entregues aos respectivos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente informou também que se encontrava na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia sobra as Contas Gerais do Estado relativas ao exercício de 1958, que foi distribuído aos Srs. Deputados.
Igualmente se encontra na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca do Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro.
Enviado pela Câmara Corporativa, foi também recebido na Meia o parecer acerca da proposta de lei sobre o plano rodoviário.
A Comissão de Obras Publicas e Comunicações do Assembleia foi convidada para apreciar este parecer.
Recebeu-se na Meta um oficio da comissão distrital do Porto da Ordem dos Advogados a comunicar haver eido designado o próximo dia 13 do corrente para inquirição do Sr. Deputado Vasco Mourão.
Sobre este assunto o Sr. Deputado Pavio Cancella de Abreu pediu explicações, que foram prestadas pelo Sr. Presidente, pondo-se à votação da Assembleia o pedido da Ordem dos Advogados.
Submetido à votação, foi indeferido.
Para os efeitos do § 3.º do artigo 100.º da Constituição, foram recebidos na Meta os Decretos-Leis n.º 39 541, 89 543, 39 544, 39 547, 39 548, 39 549, 39 551, 39 552 e 39 554.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Daniel Barbosa, sobre assuntos de interesse para a cidade do Porto; Elísio Pimenta, acerca da questão das expropriações levadas a efeito pela Hidra-Eléctrica do Cávado; Pereira Jardim, que se referiu a aspectos tio interesse para a província de Moçambique, enviando para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério do Ultramar; Pinho Brandão, para te referir à recusa da concessão de alvarás para indústrias isentas de condicionamento industrial por parte do Direcção-Geral dos Serviços Industriais; Sócrates da Costa, que louvou o Governo pela recente assinatura do contrato da construção do aeródromo de Mormugão e enviou para a Mesa um requerimento, dirigido ao Ministério do Ultramar; Duarte Silva, para se congratular com a recente promulgação de medidas legislativas em Cabo Verde tendentes a promover a arborização e defesa do solo.
O Sr. Presidente anunciou terem chegado a Mesa explicações fornecidas pelo Ministério das finanças acerca da proposta de lei n.º 5, ou seja a proposta de lei mareada para a ordem do dia de hoje. Essas explicações serão publicadas na integra no Diário das Sessões.
Igualmente se recebeu na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia acerca da Conta da Junta do Crédito Publico referente a 2952, que vai ser publicado no Diário das Sessões.
Chegou também à Mesa o relatório e a declaração do Tribunal de Contas sobre o mesmo assunto. Este relatório vai ser distribuído à Assembleia.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei referente à isenção de contribuição por benfeitorias.
Usou da palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 30 minutos.

Página 572

572 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Presidente:-Estuo presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.º 36 e 37 do Diário das Sessões.

O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Peço a V. Ex.a, Sr. Presidente, que seja feita a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 36:
A p. 542, col. 2.º, 1. 14, onde se lê: «grandemente», deve ler-se: «gradualmente».

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero aprovados os referidos números dos Diário das Sessões, com a rectificação apresentada.
Deu-se conta da seguinte

Expediente

Telegramas

Das Associações Comerciais de Lourenço Marques e da Beira, do Fomento Agrícola da Província de Moçambique, e dos Proprietários da Colónia de Moçambique, da Camará de Comércio de Lourenço Marques e de outras entidades ultramarinas a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pereira Jardim sobre a proposta de lei de coordenação da indústria de seguros.
De representantes das freguesias de Assolna, Ambelim, Velim e Chuncolim Sul, do concelho de Salsete, mas ligadas judicialmente à comarca de Quepém, a pedir que na futura reorganização fiquem completamente integradas aquelas freguesias na comarca de Salsete.
Do presidente da Junta de Freguesia de Santo André das Tojeiras, em nome dos povos atingidos pela barragem do Ocreza, Alvito, a apoiar a exposição constante do Diário das Sessões n.º 33.
De operários chapeleiros de Braga a solicitar ajuda para a reorganização da indústria de chapelaria.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Galiano Tavares na sessão de 17 de Fevereiro último; os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu na sessão de 23 de Fevereiro último; os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Amaral Neto na sessão de 29 de Janeiro passado; os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Miguel Bastos na sessão, de 3 de Fevereiro último; os elementos fornecidos pelo

Página 573

10 DE MARÇO DE 1954 573

Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 26 de Janeiro passado.
Todos estes elementos vão ser entregues aos respectivos Srs. Deputados.
Está na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia sobre as Contas Gerais do Estado relativas ao exercício de 1952, que boje mesmo foi distribuído pelos Srs. Deputados. Lembro à Camará que a discussão das Contas Gerais do Estado deverá ser efectuada ainda dentro da actual sessão legislativa.
Está também na Mesa o parecer da Camará Corporativa acerca do Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro.
Também enviado pela Câmara Corporativa, encontra-se na Mesa o seu parecer acerca da proposta de lei sobre o plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas, conhecido por «plano rodoviário».
Comunico à Câmara que foi convocada a Comissão de Obras Públicas e Comunicações para se reunir amanhã, pelas 14 horas e 30 minutos.
Está ainda na Mesa um oficio da comissão distrital do Porto da Ordem dos Advogados a comunicar que foi designado o próximo dia 13 do corrente, pelas lá horas, para inquirição do Sr. Deputado Vasco Mourão.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: tenho a impressão de que as autorizações desta natureza têm de ser pedidas apenas pelos tribunais, e não pelas Ordens. A meu ver, deliberar no sentido contrário será um mau precedente.

O Sr. Presidente: - A autorização que está pedida à Assembleia emanou da Ordem dos Advogados, conselho distrital do Porto, e creio que há aqui dois aspectos a considerar. Propriamente no aspecto de garantias e de regalias para Deputados, o que a Ordem dos Advogados solicita favorece a extensão dessas regalias, porque nesse entendimento os Srs. Deputados não seriam obrigados a comparecer como testemunhas, mesmo quando se tratasse de instituições não judiciárias, como a Ordem dos Advogados.
Quer dizer, portanto, que se ampliava a garantia dada pela Constituição aos Deputados, mesmo para os casos em que a sua comparência para depor não fosse solicitada por organismos judiciais.
No aspecto jurídico, essa garantia não deve manter-se restrita ao caso de serem testemunhas ou peritos perante os tribunais, dada a generalidade com que está expressa na letra da Constituição e do Regimento da Assembleia a regalia em cansa.

O Sr. Vasco Mourão: - Como era esse o meu raso, de ser chamado a depor, entendi que o não devia fazer sem autorização da Assembleia.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Parece-me que isso pode importar uma restrição.

O Sr. Presidente: - Não parece que essa seja rigorosamente a interpretação que deva dar-se ao caso, porque esta disposição funciona como uma garantia para o Deputado, visto que a Assembleia deve ser o juiz a decidir se o acto de depor prejudica por qualquer forma o exercício do mandato do Deputado:
Por isso, dada a generalidade com que está redigido o preceito regimental, submeto à Assembleia o pedido da Ordem dos Advogados, salientando que o Sr. Deputado Vasco Mourão julga inconveniente para a sua função parlamentar comparecer no dia 13, em virtude de nesse dia haver sessão nesta Câmara.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para efeitos do § 3.º do artigo 100.º da Constituição, os n.os 35, 36, 39, 40, 41, 42, 43 e 45 do Diário do Governo, respectivamente de 16, 19, 23, 24, 25 e 26 de Fevereiro e de 3 e 5 do corrente más, que inserem os Decretos-Leis n.os 39541. 39542, 39544, 39 547, 39 548, 39 549, 39 551, 39 552 e 39 554.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, untes da ordem do dia, o Sr. Deputado Daniel Barbosa.

O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: como tive ocasião de afirmar aqui pouco tempo depois de iniciados os trabalhos desta legislatura, é meu desejo contribuir dentro do que me for possível para o desenvolvimento, bem-estar e progresso da minha cidade natal; e, por isso mesmo, procurarei analisar algumas das realizações mais importantes que o Porto deseja ver começar, continuar ou concluir.
É longo esse trabalho critico, em que porei, como sempre, seriedade, imparcialidade e devoção; longe de mim, portanto, fazê-lo duma vez só, porque o tempo regimental seria para tanto escasso e estudar devidamente os problemas leva sen tempo também.
Começarei hoje por fazer considerações que me parecem de interesse sobre os palpitantes assuntos que estão na base do requerimento por mim apresentado nesta Camará em 12 de Janeiro findo, requerimento que o Governo satisfez com agradável prontidão, pelo que se tornou credor do meu agradecimento.
Sr. Presidente: de uma leitura atenta dos elementos fornecidos, da sua cuidadosa apreciação quando integrados na história que há que fazer dos problemas em curso, do exame directo do estado actual de certas obras, e até porque não dizê-lo?- da hesitação que se traduz em algumas das respostas formuladas, tiro como tese a demonstrar, nesta minha primeira intervenção, a certeza de que a certas obras do Porto tem, de um modo geral, faltado aquela coordenação, indispensável para se tirar todo o proveito do dinheiro que se gasta e aquele interesse e entusiasmo construtivos que são, na realidade, imprescindíveis para se passar rapidamente de uma programação equilibrada para às realizações que através dela se procuram.
Ditei mesmo mais: há qualquer coisa de tão estranho no arrastar de certas obras, na demora em se encontrar soluções adequadas, na desconjugação que se observa entre alguns empreendimentos, nas incompreensíveis paragens que levam a retardar, por causa de uma pequena parte, a boa utilização do todo, que somos levados a pensar que em certos casos, pelo menos, não chegou ainda ao Porto a sua hora, aquela hora que vem esperando de há muito, por direito nobremente adquirido no passado e o qual todas as razões levam a firmar no presente.
De quem a culpa? Não sei, nem isso tão-pouco interessa para a análise que vou fazer de assuntos do meu distrito; limitar-me-ei, unicamente, a apontar os factos que melhor evidenciem a tese que me propus, na esperança de que as realidades nos sirvam para assentar novos rumos, em que, aliás, a própria política local - que às vezes ouço dizer ser delicado problema - se possa apoiar melhor.
Tenho para mim, de resto, que sofremos as consequências de circunstâncias que francamente ultrapassam meras questões pessoais; por isso mesmo ponho a melhor esperança - direi melhor: tenho a plena certeza - de que as altas qualidades das pessoas quo poderão, ao fim e ao cabo, remover as velhas pechas que o Furto suporta ainda são mais que suficientes para abrir novos horizontes as soluções desejadas para os nossos arrastados problemas citadinos.

Página 574

574 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

E destacando, entro elas, a figura do engenheiro Frederico Ulrich, estou certo de praticar, com isso, um acto da mais elementar justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Vejamos, então, e seguindo tanto quanto possível a ordem do meu requerimento, quais os argumentos e os dados que ofereço para demonstrar a tese que enunciei, na certeza antecipada de que as minhas alegações -repito-o- se não prendem com pessoas, mas com factos, que todos nós conhecemos e podemos facilmente controlar.
Datam de 1939, segundo creio, os primeiros estudos de urbanização do Porto em que se possa encontrar um caracter de esquematização geral; foi a necessidade evidente de programar em conjunto, para realizar com vista a um todo, que levou em boa hora a tal política, por iniciativa ou proposta do nosso ilustre colega Prof. Mendes Correia e sob o patrocínio e superior direcção desse grande homem de Estado que foi Duarte Pacheco.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Recordo o acordo então estabelecido com o célebre arquitecto urbanista de Roma Marcelo Piacentini, quo se traduziu praticamente na apresentação dum esquema do plano regulador indispensável e de alguns projectos -ou anteprojectos- respeitantes as zonas mais importantes da cidade.
Sem viabilidade de interesse para o problema em causa, e dada a impossibilidade da vinda de Piacentini ao Porto, outro acordo se buscou, depois, com o professor e académico de Itália Giovani Muzio, que nos visitou, em consequência e salvo erro, por meados de 1940.
Era eu então assistente do professor da Faculdade de Engenharia Antão de Almeida Garrett e vivi, por isso mesmo, a intensidade do trabalho que este ilustre engenheiro estava já realizando; partiu-se, pode dizer-se, do zero para chegar ao anteplano de urbanização da cidade que a Câmara apreciou em reunião de 29 de Dezembro de 1947 e aprovou em sessão pública de 10 de Agosto seguinte.
Tinham, assim, passado já uns nove anos entre a formulação duma proposta e a aprovação do anteprojecto capaz de a materializar.
O tempo foi decorrendo, e em Agosto de 1951 (três anos depois, portanto) o Conselho Superior de Obras Públicas emitiu sobre ele o seu parecer, que o Ministro, por sua vez, homologou em 23 de Setembro seguinte.
Em face das objecções superiormente formuladas, e nos termos do contrato existente, determinou-se ao autor daquele anteplano a elaboração do plano regulador da cidade, cuja aprovação e envio, para apreciação, ao Ministério das Obras Públicas o presidente da Câmara propôs, depois, na sua reunião de 11 de Novembro de 1952, com os seguintes considerações, entre outras:
Este trabalho (plano regulador da cidade) acaba de ser apresentado à Camará; os serviços competentes prestaram já a sua informação ...
Basta apenas que sobre a parte regulamentar se pronunciem os serviços jurídicos. Mas, porque esta não é essencial e convém não protelar a aprovação, de princípio, do plano regulador, e atendendo a que às instâncias superiores tal peça não é indispensável à apreciação de todas as restantes, proponho:
1.º Que esta Câmara aprove o plano regulador da cidade, elaborado pelo Sr. Engenheiro Antão de Almeida Garrett, com exclusão do respectivo regulamento, que constitui o capitulo vi das peças escritas;
2.º Que a Câmara envie ao Ministério das Obras Públicas, para apreciação, o plano regulador da cidade do Porto, com exclusão do sen regulamento, que, na sua redacção definitiva, lhe será oportunamente remetido.
Diz-se na informação que recebi do Governo que não se julgou possível, como o Município sugeria, proceder à aprovação das peças desenhadas sem, simultaneamente, apreciar a parte regulamentar; e esta não fora ainda remetida pela Câmara.
Ora vejo que na proposta da Câmara se propunha a apreciação pelo Ministério das Obras Públicas do plano regulador enviado o que na informação que o Ministério, de forma tão amável, me prestou se diz não ter sido possível proceder à sua aprovação.
Como, por outro lado, nunca este fez qualquer objecção, a traduzir-se em resposta, à proposta apresentada (e já lá vai mais de um ano), tudo me leva a crer que a apreciação já está feita, dentro do velho aforismo de que quem cala consente, e como, por outro lado, também a Câmara já finalmente enviou ao Ministério a parte regulamentar, considerada indispensável (aprovada em sessão camarária de 9 do mês passado), nada já há que obste a uma imediata aprovação.
O Porto aguarda-a, portanto, na justificada certeza de já não haver razões que a possam mais demorar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Ora, integrando-se ou ligando-se à urbanização da cidade, encontramos uma série de realizações importantíssimas, sem as quais -pode bem dizer-se - o Porto não progredirá, acrescendo até que, para muitos, a aprovação que se espera do plano regulador não condiciona nem retarda a sua efectivação.
Pelo contrário, poderíamos mesmo dizer que, sendo algumas delas peças mestras da própria urbanização em si, esta só se poderá desenvolver, com projecção e largueza, depois de as topar não só realizadas, mas em plena utilização também.
A cidade do Porto continua a ser hoje em dia, como o tem sido de há muito, um centro de distribuição, espécie de «central», onde convergem, para divergir depois, os meios de comerciar das regiões circunvizinhas; demonstra-o sobejamente a sua elevada densidade de transportes, rodoviário, ferroviário e marítimo.
Quer isto dizer, portanto, que a sua solução-chave envolve a solução dum problema delicado como é o das suas comunicações.
Por tal razão afirmei, no meu requerimento de 12 de Janeiro findo, que dentro dum plano de urbanização, ou em consequência dele, como melhor se quisesse, teríamos de «atender com particular interesse às grandes vias de comunicação rodoviária que servem não só a cidade mas o País também, visto que para servirem o Porto o atravessam totalmente, ligando com rapidez o Norte e o Sul do Pais». Desta forma os elementos de comunicação rodoviária em causa constituíam mesmo problema de carácter nacional, a ultrapassar abertamente os problemas estritamente camarários.

Vozes: -Muito bem!

O Orador:-Vejamos então, para começar, o que se passa com a tão prometida e tão esperada ponte da Arrábida, que se impõe, como é legitimo, aos olhos de toda a gente.
Há que anos esta obra indispensável, não só à urbanização da cidade, mas também a uma ligação directa e

Página 575

10 DE MARÇO DE 1954 575

eficiente entre estradas ao sal do rio Douro e o Norte do Pais, vem a constituir uma ansiedade local, a transformar-se porém, desde há uns tempos, numa espécie de realização fantasiosa, com que se vem embalando o desejo de desenvolvimento e progresso do velho burgo do Porto.
É preciso, de facto, recuar talvez uma quinzena de anos para se ouvirem as primeiras afirmações a tal respeito, indo mesmo até ao ponto de a encontrarmos incluída no plano geral de urbanização, que se poderia considerar como assente, em suas linhas preliminares, desde Setembro de 1941; transcrevo do Boletim da Câmara Municipal do Porto n.º 341, e para demonstrar o que afirmo, estas palavras do presidente substituto, em exercício ao tempo, Dr. João de Espregueira Mendes, na reunião ordinária de 10 de Setembro de 1942:

O plano geral (de urbanização), nas suas linhas preliminares, pode dizer-se fixado desde Setembro de 1941, quando numa das visitas do arquitecto Muzio, e após a critica de S. Ex.a o Ministro das Obras Públicas e Comunicações.........

Também nessa ocasião foram escolhidos os terrenos do Campo Alegre como devendo constituir, dadas as condições locais favoráveis e a proximidade de uma ponte a construir sobre o Douro, a primeira e principal zona de expansão urbana que ao gabinete (do plano de urbanização) competiria estudar em todos os seus pormenores.
Juntamente com esta zona foi igualmente determinado o estudo de uma via rápida, que, partindo da nova ponte, constituísse uma ligação directa e fácil para o Norte
Estávamos, repito, em 1942!
Permito-me destacar o facto de só considerarem já então -há quase doze anos, como vimos- os terrenos do Campo Alegre como a «primeira e principal zona de expansão urbana da cidade», em grande parte por motivo da proximidade da ponte; daqui o comprovar-se que, sob o ponto de vista da sua urbanização, a ponte da Arrábida constituía factor determinante do delineamento geral do sen plano.
E a prova de que não fantasio nesta interpretação reside ao facto, por exemplo, de ter o Ministro Duarte Pacheco contrariado a construção de um vasto bloco de habitações operárias, com anexos de função social, que um grande industrial nortenho pretendia edificar ao tempo em terrenos situados entre a Rua de Santos Pousada e o Campo de 24 de Agosto, com o argumento, entre outros, de que tais construções não eram recomendáveis no centro da cidade, mas sim nos amplos, terrenos da área do Campo Alegre, próximo da nova ponte, para onde se devia procurar encaminhar iniciativas como essa, a que se não podia negar um enormíssimo alcance.
E sob a preocupação de evitar, por outro lado, á valorização desses terrenos circundantes, o Ministro das Obras Públicas e Comunicações de então opôs-se também ao prosseguimento da já iniciada construção das linhas de carros eléctricos para Lordelo do Ouro.
Passava-se isto, se bem me recordo, entre fins de 1941 e meados de 1942; entretanto, foi o tempo decorrendo, e um desastre brutal rouba à Nação um dos seus mais dinâmicos realizadores.
Pouco ou nada, entretanto, vinha levando-se a cabo em matéria de urbanização, perdendo-se aquela iniciativa de tão valiosa construção habitacional, que ainda ninguém, até hoje, foi capaz de retomar; e, por seu lado também, os habitantes da zona de Campo Alegre e de Lordelo, afastados mais de l a 2 km da rede de tracção eléctrica, protestaram contra a paralisação dos trabalhos de assentamento da linha interditada.
Só ao fim de trás anos, no interregno das presidências camarárias do engenheiro Albano Sarmento e do Dr. Luís de Pina, o então presidente substituto em exercício, que foi digníssimo membro desta Casa - Jorge Viterbo Ferreira-, comunicava na reunião da Camará de 8 de Fevereiro de 1945, com o despacho favorável do Ministro das Obras Públicas e Comunicações de então - o engenheiro Cancela de Abreu, nosso ilustre e prestigioso colega -, que fora determinado se retomassem os trabalhos de assentamento da linha eléctrica em questão.
Transcrevo do relato da reunião, que consta do Boletim da Câmara n.º 466, os períodos seguintes:
A suspensão das obras, há três anos, fundamentou-se em razões imperiosas. Como, porém, desde então para cá não se encontrou solução que justificasse a medida tomada, e como o mesmo estado de coisas se pode prolongar, com manifestos inconvenientes para a cidade, impunha-se a solução que foi tomada. Assim se efectiva uma obra repetidas vezes solicitada e se acaba com o deplorável
espectáculo que se estadeia aos olhos de quem passa na Praça da Galiza ou se dirige ao Campo Alegre.
Deve desde já dizer-se, porém, que esta decisão não foi consequência de qualquer outra solução que ao problema em causa tivesse, porventura, sido dada, visto ele continuar na mesma, como praticamente continuava desde então até agora: foi imposta única e simplesmente pelas circunstancias que nasciam dos direitos tão justamente invocados pelos habitantes do bairro.
E tão pouco surgiu em consequência de se ter posto de lado a ideia, tão defendida e apregoada à cidade, da construção daquela ponte, visto que ainda bem pouco tempo antes -no Outono de 1944- o Porto fora oficialmente visitado pelo Ministro Cancela de Abreu, o qual, como consta da acta da reunião camarária de 9 de Outubro desse ano - e que VV. Ex.as poderão encontrar no Boletim n.º 457 -, manifestou também um grande interesse pela construção da nova ponte que ligará a margem esquerda com a Arrábida; pela urbanização da zona de Campo Alegre e de outras zonas da cidade. E julgo mesmo que S. Ex.a inclusivamente visitou os locais previstos para a implantação dos encontros, tanto na margem direita como na esquerda do rio Douro.
Sobre tudo isto vão decorridos dez anos, durante os quais a ponte da Arrábida continuou a ser uma das mais aliciantes promessas com que se embalou o coração dos Portuenses ...
E qual a situação actual do problema? Pela informação dada ao requerimento que em Janeiro apresentei posso concluir que:
1.º Realizada uma primeira campanha de sondagens, segundo as indicações do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, julga-se indispensável, agora, uma segunda fase de estudos geológicos e geotécnicos para bem se determinarem as características dos terrenos da fundação; prazo previsto para tais trabalhos, autorizado em 29 de Janeiro findo: 120 dias;
2.º Em face dos dados obtidos, elaborar-se-ão os anteprojectos; prazo contratual para o efeito: cento e oitenta dias;
3.º Após a escolha feita superiormente do anteprojecto a aproveitar, elaborar-se-á o projecto definitivo; prazo contratual: trezentos e sessenta e cinco dias.

Página 576

576 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

Total de dias previstos: seiscentos e sessenta e cinco, ou sejam praticamente dois anos! Simplesmente há que contar ainda com o tempo indispensável para obter o visto do Tribunal de Contas referente ao contrato para a execução das sondagens para se apresentar o relatório e conclusões do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, para escolher entre os anteprojectos, para aprovação superior do projecto definitivo, para obtenção das verbas necessárias à execução da obra, para realização do concurso indispensável à sua efectivação. Creio, portanto, que um ano para todo isto não será exigir de mais; atendendo, ainda, a que o trabalho mais complicado, neste caso, é o das fundações, poderemos admitir como hipótese duma ordem de grandeza para tempo da execução - seja qual o anteprojecto escolhido entre as soluções que parecem mais viáveis - qualquer coisa como três anos, possivelmente.
Quer dizer: se não perdermos mais tempo, além do muito que se perdeu já, talvez que em 1960 se possa inaugurar a ponte!
Por outras palavras: se a pessoa com responsabilidades políticas que primeiro lios falou a sério na realização da nova ponte do Porto o tivesse feito num dia comemorando desvanecidamente o nascimento de um filho, por exemplo, poderia vir a comemorar para si a maioridade do jovem com a abertura ao trânsito da ponto que prometera ...
Creio que o engenheiro distintíssimo que é o Prof. Edgard Cardoso poderá, graças aos seus estudos já feitos, reduzir apreciavelmente o tempo que as condições contratuais lhe conferem para apresentação dos seus projectos e poderemos admitir também que as coisas se encaminhem de tal forma que a boa vontade obrigue a acelerar, se se quiser, certos trabalhos que se mostram habitualmente demorados.
Mesmo assim não julgo que em menos de cinco anos seja, na realidade, possível ter concluída esta importantíssima pedra mestra da nossa urbanização.
Perdemos todo este tempo, sabe bem lá Deus porquê!
E, contudo, não se encontra uma razão de peso para este atraso tão grande, inclusivamente por ter ficado há dois anos já claramente definido o desinteresse de uma ponte mista e definida, portanto, a forma da solução, e também, por outro lado, 70 ou 80 mil contos não constituem para o Estado, em caso de tanto interesse e de tão larga contrapartida económica, um impedimento de vulto: tem-no mostrado felizmente e de uma maneira larga de norte ao sul do País, do continente às ilhas, das ilhas ao ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Por isso mesmo os Portuenses, ao admirarem outras obras, outras pontes, que se vão realizando pelo Pais, sentem-se como que esquecidos em face de direitos que acarinham; ao verem, por exemplo, a magnífica ponte de Vila Franca de Xira, que custou talvez o dobro do que poderá custar a nova ponte da Arrábida, no saberem que afanosamente se estuda outra ponte sobre o Tejo, orgulham-se, como Portugueses, de tão grandes e notáveis realizações. Mas é justo que anseiem pelo seu dia, que será, como é evidente, um dia para Portugal também.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acresce até que circunstâncias muito especiais justificavam plenamente um acréscimo de interesse ainda quanto a tal realização; de facto, Sr. Presidente, há muito que se sabia que a Ponte D. Luís I se mostrava precisada de grandes reparações para oferecer as garantias que a boa segurança impõe. Via de penetração importantíssima na cidade da zona suburbana de Vila Nova de Gaia, é evidente que a mais elementar das cautelas deveria conduzir a procurar proceder de forma que, a dar-se uma interrupção no seu trânsito, os inconvenientes consequentes se reduzissem a um mínimo.
Trata-se, como todos sabem, de uma velha ponte inaugurada, salvo erro, antes de 1890, época em que as características do trânsito rodoviário não tinham comparação com as características actuais; e só por isto, quando olhamos à densidade de tráfego e, principalmente, às cargas solicitantes provenientes do aumento do peso bruto dos veículos transportadores, compreendíamos a necessidade imperiosa de uma nova ponte sobre o Douro para servir o Porto ou para facilitar, pelo Porto, o serviço do País.
Por isso mesmo sempre julgámos que se andasse mais depressa, tanto mais que o trânsito por ela se caracteriza como o de maior densidade horária média em Portugal continental.
A juntar-se a estas razões de grande peso, imperativas de si paru se dever actuar com mais decisão e vontade, há ainda a necessidade, agora inadiável, de substituir o pavimento do tabuleiro superior da ponte, cujo estado, como bem se diz na informação prestada, origina reclamações constantes. Poderíamos mesmo dizer, mais claramente, que está longe de oferecer a segurança precisa.
Ora uma melhor conjugação de trabalho poderia ter levado a que uma interrupção desta ordem se fizesse com a nova ponte em serviço; assim se poderia, decerto, facilitando, aliás, unia maior e melhor reparação, evitar todos os precalços, todas as dificuldades, todos os inconvenientes do trânsito automóvel, desviado por meses para o tabuleiro inferior da ponte, cujos acessos nem de longe podem facilitar o escoamento que se impõe.
E falo só no trânsito automóvel porque tenho a melhor esperança de que dentro deste mal agora inevitável se consiga praticar o mal menor ainda, isto é, que toda a reparação se faça - como, aliás, já foi sugerido - sem interrupção, pelo tabuleiro superior, do trânsito de peões e dos carros eléctricos, reduzidos a uma via que seja, pura facilitar os trabalhos da nova pavimentação.
Julgo que as condições técnicas, poderão permitir tal solução, que não será a mais cómoda ou a mais barata, talvez, mas que é, com certeza, aquela que, sendo possível, melhor defende os interesses de muitos que, vivendo na zona suburbana de Gaia, vêm diariamente ao Porto para buscar, polo seu trabalho, o dinheiro para o seu pão, e para muitos dos quais, dado o local em que habitam e o local onde trabalham, um desvio obrigatório pelo tabuleiro inferior constituiria, decerto, uma penosa, se não mesmo incomportável, solução.
E para terminar este assunto, para a qual haja fé que melhores dias virão, uma referência apenas à ligação da futura ponte da Arrábida com a estrada nacional do lado de Vila Nova de Gaia, ou seja com a estrada nacional n.º 109, em Valadares; posso, aliás, fazê-la em pouquíssimas palavras: tudo o que há-de constituir a ligação de Valadares à Madalena e da Madalena à ponte está ainda por estudar totalmente.
Diz-se na informação prestada que já foi ordenado o seu estudo, de forma que, a ser incluído no próximo plano de trabalhos da Junta Autónoma de Estradas, se possa iniciar antes de um ano.
Deus queira que seja assim, visto que, mesmo em questões de estradas, mais vale tarde do que nunca.

Vozes: - Muito bem!

Página 577

10 DE MARÇO DE 1954 577

O Orador: - Muito embora a informação que recebi fosse por completo omissa no que respeita à pergunta formulada quanto à chamada «via rápida de Leixões» , não deixarei também de fazer algumas considerações acerca desta importantíssima artéria rodoviária, mesmo quando considerada momentaneamente separada da sua função de ligação à ponte denominada «da Arrábida».
Partindo da Rua de 5 de Outubro, com vista a desviar o trânsito das Avenidas da Boavista e Marginal, entre o centro da cidade e o porto de Leixões, cova viabilidade de prolongamento, ainda por estudar, até ao Aeroporto de Pedras Rubros, constitui uma das realizações mais importantes da urbanização portuense; já tive ocasião de lembrar aqui que o desenvolvimento portuário de Leixões se vem dia a dia acentuando de forma notabilíssima, quer no que respeita ao tráfego de mercadorias, quer no que respeita à tonelagem de navios que acostam com vista a operações comerciais. Se nos lembrarmos - repito-o agora - de que quase l milhão de toneladas a cerca de 2 800 000 foram os números que em 1953 ficaram, respectivamente, a defini-los, e de que cerca de 70 por cento do transporte das mercadorias destinadas ao porto de Leixões, ou dele expedidas por via terrestre, circulam pela cidade, compreenderemos facilmente o interesse daquela artéria rodoviária, que poderá substituir 9 km de transito em arruamentos citadinos por cerca de 6,5 km de via rapidíssima.
Se admitirmos, como parece lógico, que a contrapartida económica desta redução apreciável de percurso e das melhores condições de velocidade se pode computar em cerca de 4 mil coutos anuais, vemos também que ela se mede pelo valor correspondente à amortização, no período certo de dez anos, dum capital superior a 30 mil contos, ao juro de 4 por cento!
Mais considerações, julgo eu, não vale a pena fazer.
Pois bem: apesar de tudo isto tem-se uma sensação de profundo desânimo quando se percorre, como ainda o fiz há uns dias, aquilo que já se fez; construíram-se cerca de 2,5 km de via, desde a Bua de 5 de Outubro até á Circunvalação, cuja pavimentação definitiva me consta estar a ser - ou ir ser - adjudicada. Depois de cruzar de nível aquela estrada, numa solução que tem os seus «quês» de inconveniente e precário, outro quilómetro se encontra mais ou menos construído, em zona que já pertence à Câmara de Matosinhos; e no topo deste lanço, a dividi-lo dos 800 m já abertos para o seguimento da via, encontramos o cruzamento com a linha férrea, via estreita, da Senhora da Hora a Leixões.
É evidente que a situação actual é, só por si, impeditiva da entrada em serviço da via rápida referida, visto lhe criar uma solução de continuidade, que é, por completo, incompatível com a própria natureza e fins desta realização.
Não sei, nem tenho elementos seguros para o saber, se há ou não interesse económico para manter esta linha de via reduzida; mas se há, não se compreende porque ainda se (não definiu ou tratou do seu deslocamento, por exemplo, para a plataforma da via larga da linha de cintura que conduz a Leixões, ao longo do vale do rio Leça.
Resolvido este problema, e construído mais l km de via, poderíamos tirar toda a utilidade duma obra de tão grande alcance; assim para nada serve ou para pouco servirá, a não ser para se encontrar nela um exemplo, em tempos de hoje, daquilo que tanto aos feria num passado que morreu: obras começadas, que ficavam depois ao abandono, ou, pelo menos, incompletas, em pura perda de todas e de dinheiro também.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: no que respeita às grandes artérias rodoviárias de interesse para a cidade, e que, embora servindo o Porto, são também parte integrante e basilar - nunca é demais repeti-lo - da rede e circulação do País, não faltam, infelizmente, também, reparos a apresentar; diz-se, de facto, na informação prestada, em referência às vias norte e nordeste e estrada marginal até à Pala, que as datas da entrada em serviço dos troços destas vias, que ainda não estão em construção, dependem do escalonamento que os respectivos trabalhos possam vir a ter nos planos da Junta. «Se for possível» incluí-los a todos nos dois próximos anos, acrescenta-se, «poderá admitir-se» que dentro e seis meses se possam lançar e concluir troços da via norte e da estrada marginal; os restantes trabalhos «poderão ser iniciados» em prazos que se podem computar entre seis meses e um ano «após a sua inclusão em qualquer plano», prevendo-se que a entrada em serviço de qualquer destas estradas «se possa fazer» no prazo de dois anos «após o início» dos respectivos trabalhos.
Outros troços ou lanços, por sua vez, foram já mandados incluir, segundo a informação prestada, ou no próximo programa de estudos da primeira brigada ou no da Direcção de Estradas do Porto, pelo que, «salvo qualquer imprevisto», podem ser os respectivos trabalhos incluídos «num dos próximos planos da Junta». Ponhamos de lado todo este condicionalismo a traduzir-se nos «se for possível», «poderá admitir-se», «poderão ser iniciados após a sua inclusão em qualquer plano», etc., que nos- leva a sentir nitidamente o interesse que (haveria de estender a obras tão importantes como estas, que se integram num programa que se deveria cumprir num certo tempo, o princípio magistralmente posto pelo Sr. Presidente do Conselho de nada começar sem um plano e, depois, não parar até acabar; vejamos unicamente as posições relativas destas obras no seu estado actual.
No que respeita à via norte vamos encontrar, como se sabe, cerca de 2 730 m em construção e quase 5 200 estudados, com todo o ramo para Barreiros, de aproximadamente 3 200, por estudar ainda; quanto à via nordeste, desde a Circunvalação à Palmilheira e da Palmilheira a Alfena - ou seja na sua totalidade - nada ainda se estudou também.
Devo dizer, Sr. Presidente, que se destaquei o estado actual das suas diversas parcelas não o fiz no intuito duma crítica em valor absoluto, mós sim em valor relativo, visto pretender unicamente evidenciar a falta de coordenação que me parece existir no modo como se está trabalhando num conjunto duma importância como este destinado exactamente a facilitar comunicações.
De facto, a via rápida é, como já se viu, a mais adiantada de todas e creio que a mais susceptível, apesar de tudo, de se acabar em menos tempo; mas, porque não está feita nem começada sequer, a nossa ponte da Arrábida não pode dar-nos partido na sua ligação com o Sul. Das três estradas Porto-Viana do Castelo, Porto-Braga e Porto-Amarante não há dúvida de que é a terceira aquela que em condições francamente piores só encontra quanto à saída da cidade; sabem-no todos quantos têm de percorrer Costa Cabral e, principalmente, S. Roque da Lameira em direcção a Trás-os-Montes ou Douro. A via norte procura substituir-se às saídas das duas primeiras e a via nordeste, assegurando a ligação com Guimarães e Amarante, substituirá a terceira.
Mas ainda as vias nascem da Estrada da Circunvalação e, portanto, um novo problema surge, que é o de as ligar à cidade.
Ora bem ! ... - e aqui encontro o paradoxo da questão ... Vemos que para a via norte, já em franco desen-

Página 578

578 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

volvimento, nada há por enquanto definitivamente assente, creio bem, quanto u sua ligação ao centro do Porto, atoavas de uma via de penetração por Salgueiros, Coronel Pacheco e Carlos Alberto; em contrapartida a via nordeste, cuja artéria de penetração dentro da cidade se encontra praticamente completa -pela Avenida de Fernão de Magalhães-, nada apresenta feito, nem estudado sequer, para além da Circunvalação.
Só uma falta lamentável de coordenação pode, de facto, criar um paradoxo assim, que é o de construir aos pedaços, sem ligação com um todo: muito maior interesse para a cidade e regiões vizinhas, com certeza, haveria em construir desde já a via nordeste -retardando muito embora a via norte- do que estar já construindo esta e, para aquela, não se encontrarem ainda sequer feitos os indispensáveis estudos.
O caso é, de facto, mais grave do que parece, dada a situação criada pela incompreensível paragem que a chamada estrada marginal sofreu de há uns tempos para cá; se pudéssemos já utilizar essa ligação comodíssima do Freixo à Pala estaria em grande parte resolvido o problema rodoviário, tão importante para a economia do Porto e de certas regiões circunvizinhas, como é o da ligação com o Douro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É já que falamos nesta estrada diga-se quanto é incompreensível que o seu troço de Lixa a Melres esteja por construir ainda, quando é certo que tudo deveria estar pronto à data da inauguração da ponte da Foz do Sousa.
Pode-se defender, possivelmente por meras razões de ordem técnica, a demora que se tem notado em terminar nesta estrada o lanço entre as Pontes de D. Luís I e de D. Maria Pia, que há-de permitir a circulação desde o túnel da Ribeira até ao Freixo; mas difícil será justificar, de qualquer forma, que os 56 km construídos, com os 2 que se estão construindo já, tenham de esperar ainda pelas obras do rio Mau e pelo lanço de Lixa a Melres, com menos de 9 200 m, para poderem servir!
Todo o esforço despendido e todo o dinheiro gasto não chegam assim para permitir duma forma económica e comodíssima a nossa ligação com o Douro, que é das mais importantes para o Porto e para ele; limitamo-nos, por enquanto, a aproveitar menos de 10 Km desta estrada em passeios familiares de domingo, de visita à Foz do Sousa. E ao para isto pouco interessa, e ficou cara demais.
Por isso mesmo não poderia manter sem reparo o carácter de eventualidade que se traduz na informação prestada quanto à data da conclusão desta estrada; não se trata de uma nova estrada a construir sequer, mas sim do acabar aquilo que ao todo é um pouco, mas que, como um pouco, para a utilização da estrada é, na realidade, muitíssimo.
Deixemos, Sr. Presidente, todo este conjunto rodoviário, por onde ainda, infelizmente, se circula muito mal, e entremos na cidade, para meditar um pouco sobre algumas das suas obras mais urgentes, ou atentar na lição que mereça ser colhida em face do que se fez ou se está fazendo em certos casos.
No que respeita às casas económicas, limito-me por agora a fazer votos de que as 314 moradias que ainda faltam para cumprimento do programa fixado pelo Decreto-Lei n.º 35 602, de 17 de Abril de 1946, se construam prontamente, tão necessárias são.
Em relação, porém, as casas para famílias pobres, quero fazer um apontamento, embora curto, dado que este caso, tão palpitante e urgente, já foi abordado aqui; desejo unicamente lembrar que, autorizada por Decreto de 16 de Maio de 1946, a construir 500 casas de habitação com aquele fim, a Gamara Municipal do Porto levou quase oito anos -o que é lamentável - a gastar dois terços do subsídio concedido, visto que até agora se construíram 328 somente.
Para 1954 prevê-se a construção das 172 restantes, segundo se diz na informação do Ministério; mas nada se sabe ainda quanto aos futuros subsídios, sem os quais se não pode pensar em construir. Aponto o facto para lembrar que, em face do plano previsto para este ano, a Câmara Municipal do Porto deve ter possibilidades financeiras e de organização para construir anualmente 150 a 200 dessas casas.
Simplesmente, tem de se apetrechar para tanto e para o futuro, não só com dinheiros, mas com terrenos e projectos também, o que implica quase sempre uns dois anos de espera.
Por outro lado, se considerarmos o número de 10 000 casas como um mínimo indispensável para melhorar a situação aviltante e intolerável de certas zonas habitacionais inconcebíveis, que são vergonha para o Porto, vemos que naquele ritmo, e na melhor das hipóteses, teríamos de esperar ainda mais de meio século para se cumprir esse mínimo do programa, que é nosso dever cumprir, de alojar dignamente as sete ou oito dezenas de milhares de habitantes que vegetam em tugúrios infectos nas miseráveis «ilhas» da cidade! Temos de andar, como se torna evidente, muitíssimo mais depressa, porque assim o obriga não só o aumento normal da população citadina, mas até os mais elementares princípios da moral, da dignidade e da higiene, que precisamos defender, e os quais não se coadunariam, decerto, com a solução do problema a ultrapassar no seu fecho o longínquo ano de 2 000!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É uma obra, na realidade, modesta no seu aspecto exterior e apagar-se-á, talvez por isso mesmo, quando entrar na rotina, na história das vereações; o, de um modo geral, os que dela aproveitarem não saberão, ao fim e ao cabo, quem a conseguiu, quem a projectou ou quem a fez.
Mas é obra grandiosa que nos cria a satisfação insuperável de termos na consciência a certeza de trabalharmos «por Bem»!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofremos neste caso, como aliás em tantos outros, as consequências de uma falta de coordenação, pecado na realidade imperdoável quando há tanto para fazer e os meios nem sempre abundam; seria inclusivamente a maneira mais segura de evitar rigidamente improvisações incompatíveis com uma programação cuidada, que a cidade acolheria com entusiástica compreensão. E sem corrigirmos tal defeito não vejo que se possa progredir com equilíbrio, eficiência e economia.
Cabe aqui, e unicamente como razão demonstrativa dessa necessidade imperiosa, uma referência ligeira àquilo que se passou quanto à construção do Palácio dos Desportos, que tão vivamente apaixonou a opinião dos portuenses.
Ponho agora de lado a sua localização, ou, melhor dizendo, a sua realização nos terrenos do antigo Palácio de Cristal, que muita gente do Porto gostaria de ver aproveitados de outra forma e para outros fins; e deixemos também a discussão do seu aspecto estético, considerado em si mesmo ou em relação comparativa com o conjunto característico em que se integra. Sobre tudo isto as opiniões divergem, e divergem fortemente, mas

Página 579

10 DE MARÇO DE 1954 579

não creio que assunto tão delicado deva ser tratado aqui.
Ora é evidente que, dentro destas restrições e em valor absoluto, a obra pode vir a satisfazer plenamente ao fim que medianamente a motivou: uma grande área coberta, capaz de espectáculos desportivos importantes, que hoje muitos procuram como melhor distracção, sem prejuízo de nela se poderem levar a cabo grandes exposições concertos, sessões públicas ou manifestações cívicas de particular grandiosidade. E acresce até que, sob o ponto de vista técnico, constitui obra de grande vulto, que atesta, sem discussão, a capacidade e o valor da engenharia portuguesa. Direi mesmo mais: dentro das condições em que foi feita e das dificuldades que teve afirma-se como demonstração valiosíssima, em qualquer parte do Mundo, de uma verdadeira elite no cálculo e na construção.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: -Simplesmente, a obra, para ser realizada, obrigou a preterir, como é evidente, outras obras necessárias, dado que, sendo limitadas as verbas da Câmara ou do Estado, nem tudo quanto se quer se pode sempre fazer.
Numa febril impaciência, que a boa administração não convém, lançou-se uma obra para a frente a qual amanhã, quando acabada, e só nesta primeira parte, terá consumido 25 000 coutos, pelo menos; e pode perguntar-se então: desarticulado de um conjunto sem apoio num plano de realizações em que a sua preferência ficasse devidamente demonstrada, como aceitar que, em boa lógica, se encontrem razões para a defender sacrificando o restante?
Pode tecnicamente n obra ter sido apaixonante como foi, podem razões de ordem desportiva aconselhá-la ou impô-la, mas a técnica nunca deve deixar do ser um meio para pretender ser um fim, nem os razões poderosas do desporto se podem sobrepor sempre a outras razões morais, sociais e económicas que a Câmara tem de atender para defesa e prestígio da cidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma maior ponderação, uma reflexão mais calma poderiam ter evitado, sem prejuízo da construção em si, a enorme sensação de desagrado que a forma da solução causou em muitos; e julgo que uma solução que atendesse a tudo, ponderando devidamente os prós e contras, uniria a cidade em sua volta, em vez de a dividir da forma que a dividiu.
E depois, 25 000 contos que sejam já é muito dinheiro, na verdade, capaz de permitir realizar muitas mais obras também; por isso mesmo, e dados os recursos limitados da nossa Câmara do Porto, impunha-se compará-las friamente no seu valor relativo, na sua precedência no tempo.
Eu sei que um campeonato mundial é caso de muita monta, e que tudo felizmente correu bem, desde a vitória obtida até ao bom tempo que fez; mas com 25 000 contos poderiam fazer-se umas 800 casas para pobres, pelo menos, senão umas l 000 ou l 100 até, se o Estado comparticipasse com um terço; ou então poderíamos dispor do necessário para acabar o novo edifício dos Paços do Conselho, cuja construção se arrasta há quase trinta e cinco anos, sem prejuízo de ter sobrado dinheiro para completar agora a Avenida da Ponte, que em pleno centro do Porto, pelo estado em que se encontra, nem embeleza nem serve.
E como estas obras muitas outras poderiam consumir esse largo montante de dinheiro em proveito da cidade.
É evidente, portanto, que a simples necessidade de ponderar todos os dados e de os integrar num conjunto para poder escolher mostra que o processo não convém, visto facilitar soluções que podem não ser as melhores; impõe-se, por tal razão, evitar que se repita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, pelo que respeita à obra levada a cabo, agora o caso é já outro: o que interessa é acabar rapidamente o que está feito -e que, como obra, é indiscutivelmente uma obra notável-, completá-lo no que for preciso, tirar todo o proveito, e em toda a sua extensão, daquilo que já se fez; mas fique também a lição do facto como demonstrativo da necessidade imperiosa de se actuar coordenadamente, avaliando friamente as posições relativas das obras a realizar.
E procuremos igualmente, dentro dessa coordenação que se precisa, orientar as coisas de tal forma que nau que o tempo a consumir a esperança da realização; e isto tem sido, Sr. Presidente, um motivo de desânimo, diria mesmo uma das causas mais vivas da descrença da cidade.
Vejo, por exemplo, uma informação prestada relativamente à construção do Palácio dos Correios, de que foi agora incumbido um conhecido arquitecto de elaborar o seu projecto; e, contudo, consta do Boletim da Câmara Municipal do Porto n.º 606 um despacho do Ministro das Comunicações, com data de 16 de Agosto de 1947, definindo já então doutrina bem clara a tal respeito.
Dele transcrevo, com a devida vénia, os períodos seguintes: «Os serviços dos CTT da cidade do Porto estão insuficiente e impropriamente alojados e qualquer melhoramento ou ampliação das actuais instalações é praticamente impossível. O mal actual, que é evidente e notório, tende a agravar-se em proporções que podem vir a ser, tanto sob o ponto de vista técnico como até no do decoro nacional, graves.
É urgente, por tudo isto, tomar uma decisão e passar imediatamente à sua execução». E depois de afirmar que «a situação actual dos CTT no Porto e o conjunto e trabalhos já levados a cabo para a resolução de tão importante problema impõem uma solução - a do edifício único- e a sua construção no local já escolhido- a Avenida dos Aliados» -, solução que constituiria, portanto, a que se impunha adoptar, acrescentava, após várias considerações cheias de interesse, ser fácil concluir que a resolução deste problema se não podia protelar por mais tempo. Seguem-se estas palavras suas: «a Administração-
Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones deve estudar a forma de dar início desde já às obras, mesmo independentemente do reforço do empréstimo destinado a obras e da conclusão das expropriações ...».
E terminava dizendo: apara que o início da construção do edifício dos CTT no Porto possa ser uma realidade dentro do mais curto prazo de tempo possível, afirmo o procedimento proposto, etc... ».
Creio, salvo erro, que por alturas de 1949-1950 os CTT no Porto, ainda sem nada feito, começaram a ter de comprar prédios, a ter de alugar outros, a reformar os existentes, num espírito que a muitos pareceu não se quadrar inteiramente com aquele que se traduz do despacho, visto representar um fraccionamento dos serviços centrais.
Concluímos agora que se incumbiu um arquitecto de elaborar o projecto, após sete anos praticamente decorridos sobre o despacho que referi.
É velha pecha do Porto estas frequentes demoras mas que, aliás, o não azedam quando vê que, finalmente,

Página 580

580 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

sempre se vai construir. O Porto vive ainda na plana poesia das esperanças mais radiosas, resquícios dum romantismo em que tanto brilhou. For isso mesmo, aguardará agora a realização dessa obra que há tantos anos espera, com aquela fidelidade que traduz o soneto de Camões:

Sete anos de pastor Jocob servia
Labão, pai do Baquol serrana bela
.................................

Sr. Presidente: julgo ter suficientemente demonstrado que o Porto tem sofrido, e sofre ainda, da falta de coordenação em muitas das suas obras e da falta de entusiasmo e decisão em algumas realizações de que depende o seu desenvolvimento.
No fundo, todos vêm a sofrer com isso, não ao a cidade e a sua gente, mas até os próprios serviços, que aguardam, ou legitimam, as próprias realizações.
É o caso, por exemplo, do Palácio da Justiça, agora sou franco andamento, mas que não impede já de ser necessária uma solução de expediente para instalar, precariamente, a Relação, visto o prazo da requisição do prédio que actualmente ocupa se medir por cinco anos e estar terminado agora.
Por tudo isto que disse, pelas razões que apontei, apelo confiantemente para o Governo e para todos os responsáveis pelos problemas da cidade, a fim de se ver dar rapidamente uma volta em hábitos e em processos que não convêm a ninguém: nem ao Estado nem a nós.
O Porto sabe ser grato a quem o considerar como merece e sabe orgulhar-se das obras que o nobilitam ou das realizações que o favorecem; só deseja, portanto, estender a um campo muito mais vasto o orgulho e a grata satisfação que sente por várias obras de vulto que já tem entro os seus muros ou ligadas à sua vida económica, como o porto de Leixões.
O Porto é cabeça de um distrito que largamente contribui para o erário nacional, mantendo a segunda posição da metrópole, por exemplo, no que respeita às contribuições industriais e prediais que paga.
Mas, sobretudo, merece o melhor carinho, exactamente por aquelas características de bairrismo serem capuzes de o levar aos maiores sacrifícios, não pelo interesse egoísta de querer sobrepor-se a todos, mas pela vontade firmo de ter a posição que lhe é devida, para poder contribuir, no máximo que lhe compete, para o brilho, valor e projecção do conjunto português.
O Porto repudia altivamente aquela interpretação precipitada de que só se encontrará satisfeito quando lhe derem também aquilo que dão aos outros; pelo contrário, ao Porto somente interessam as obras de que precisa, e satisfeito estará no dia em que vir definido um plano criterioso e coordenado que as escalone e execute com interesse e decisão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Por isso mesmo, termino, Sr. Presidente, esta minha primeira intervenção afirmando o que afirmei ao terminar o discurso da minha candidatura pelo Porto, isto é, confiando em que os homens que nos souberam erguer da ruína e da desgraça, realizando uma obra que já tem lugar na história, nos hão-de ouvir com cuidado, para que nos não falte aquilo que lhes pedirmos: não esmolas nem favores, mas justiça e nada mais.

isse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: na sessão de 9 de Fevereiro findo, há precisamente um mês, falei a V. Ex.a e à Assembleia, deste meu lugar de Deputado da Nação acerca das expropriações destinadas à construção dos obras de aproveitamento hidroeléctrico dos rios Cávado e Rabagão, que o Governo concedeu à Companhia Hidro-Eléctrica do Cávado.
Apelei então para alguém, a quem todos os portugueses se dirigem quando vítimas de injustiças, permitindo-me pedir ao Sr. Presidente do Conselho que se dignasse dedicar alguns momentos do seu precioso tempo ao assunto exposto e promovesse com urgência a modificação de leis que, embora propostas e aprovadas com as melhores intenções, não previram determinadas situações resultantes dos grandes obras de fomento empreendidas pelo Governo e destinadas a elevar o nível de vida da população, obras essas que constituirão legítimo orgulho para aqueles que as concebera e também para os que as realizarem.
No Diário das Sessões n.º 33, de 19 do mesmo mês -dez dias depois -, foi publicada uma exposição da Hidro-Eléctrica do Cávado, datada de, 17 e relativa àquela minha intervenção.
E em 24 seguinte, na véspera da suspensão dos trabalhos da Assembleia para as férias do Carnaval, O Primeiro de Janeiro -e, que eu saiba, nenhum outro jornal publicou- transcreveu na íntegra, e na primeira página, em lugar destacado, a mesma exposição sob o título de a As expropriações para a albufeira da Caniçada. Em documento dirigido à Assembleia Nacional a Hidro-Eléctrica do Cávado esclarece o assunto».
Simultâneamente com essa publicação algumas pessoas receberam pelo correio cópia da exposição.
Sr. Presidente: enquanto na minha intervenção pedi ao Governo que encarasse com urgência o aspecto legal das expropriações, para que os processos em curso e aqueles que viessem posteriormente a ser requeridos não acarretassem para os expropriados prejuízos irremediáveis, a exposição da Hidro-Eléctrica do Cavado refere-se insistentemente às expropriações extrajudiciais ou as negociações - empreendidas para a aquisição dos prédios e com um optimismo à altura do padrão de generosidade em que se louva.
Ouso recordar a V. Ex.a, Sr. Presidente, a preocupação que tive de não tratar deste último aspecto do problema, acentuando até expressamente que me abstinha de falar nele, não que isso pudesse causar prejuízo à gente de quem quis ser o intérprete, mas no interesse da própria expropriante, cujo prestígio como concessionária de um serviço público está ligado ao próprio prestígio do Estado.
Procurei ser tanto quanto possível objectivo na minha exposição.
Tentei sustentar, e creio que o consegui, que os leis que regem as expropriações no nosso país levam a situações injustas quando aplicadas aos casos de expropriações em massa, como as empreendidas mós aproveitamentos do Cávado-Rabagão.
Que leis como essas são verdadeiramente iníquas, pois consentem que o património dos expropriados sofra diminuição, por não considerarem a mais valia resultante da necessidade de substituição dos bens em espécie; lançam os mais débeis na miséria, com a faculdade atribuída ao expropriante de entrar na posse e propriedade dos bens expropriados logo a seguir à arbitragem, mediante o simples depósito da indemnização, que só poderá ser levantada findo o processo; por tornarem ilusória a garantia da inspecção judicial e da peritagem, que as próprias leis consideram obrigatórias, visto que pela entrega dos bens ao expropriante este pode, se

Página 581

10 DE MARÇO DE 1934 581

quiser ou disso tiver necessidade, destruir os elementos neles existentes ou até inundá-los total ou parcialmente. E agora acrescentarei que essa crítica se baseia em factos reais e perfeitamente comprovados e não em fantasias, que a minha dignidade de Deputado e o respeito devido a V. Ex.a proibiriam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a sua oportunidade está precisamente nos números que a Hidro-Eléctrica do Cávado - única detentora dos inúmeros, note-se- pôs à nossa disposição e que por ei próprios eliminam qualquer exagero ou fantasia.
Que interessa que, em vez de metade e mais uma, falte negociar - acentuo negociar, e não expropriar- uma quarta parte das- parcelas cadastradas, correspondente a um terço do valor total, valor de avaliação que há razões sérios para julgar diferente do valor real, e precisamente aquelas que estão situadas na sua quase totalidade, senão totalidade, no local da futura albufeira e donde os queixumes são mais clamorosos!
Que interessam os números se as negociações decorrem em ritmo demasiado vagaroso, repito, para que seja de recear justificadamente que aconteça o mesmo que na Venda Nova e em Salamonde, onde processos houve que terminaram depois das inundações e não sei se todos terão sido julgados já definitivamente?
Não; tudo o que disse se mantém de pé e nem o optimismo da expropriante poderá dar sossego e tranquilidade à gente das Veigas de Vilar e de Rio Caldo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: a opinião pública segue sempre com vivo interesse as grandes questões nacionais aqui tratadas e talvez por vezes mais ainda as de alcance regional, sobretudo, quando envolvem razões de justiça.
Não por mim, evidentemente, mas pela justiça da causa, a minha intervenção de 9 de Fevereiro teve alguma repercussão, que ultrapassou o meio directamente interessado.
Senti-o através das pessoas que sé me dirigiram, pulo número e pela qualidade dessas pessoas.
Não esqueço a bondade e a benevolência com que me falaram o venerando prelado da Arquidiocese, profundo conhecedor dos problemas espirituais- e materiais do rebanho que pastoreia, o ilustre governador civil de Braga e alguns dos competentes técnicos que intervieram em avaliações judiciais e extrajudiciais.
Agradeço-lhes a espontaneidade e a perfeita compreensão do problema que aqui tratei.
Valha-me isso como compensação dos aborrecimentos que já sofri e daqueles que, porventura, venha a sofrer.
Sr. Presidente: a exposição enviada a esta Assembleia pela Hidro-Eléctrica do Cávado e por ela levada ao conhecimento do grande público através de o O Primeiro de Janeiro força a encarar o problema dos expropriações para a albufeira da Caniçada sob um aspecto diferente do focado há dias.
A expropriante, de cuja boa fé não duvido, e para isso bastará atentar a que na sua administração, a por de pessoas que não conheço, estuo outras que pela sua integridade moral se impõem ao respeito e consideração de toda a gente, deve laborar num lamentável equívoco, e digo lamentável porque esse equívoco é, em minha opinião, o causador de tudo o que se tem passado na zona da Caniçada.
E esse equívoco é o da realidade da avaliação dos terrenos a que ela própria mandou proceder.
Os números agora conhecidos dizem-nos alguma coisa, explicam-nos talvez muitas coisas.
Ficou a saber-se pela exposição da expropriante que no total das parcelas cadastradas corresponde um valor de 32 000 contos.
E logo em mim, como em todas as pessoas de boa fé, que conhecem bem a área dos terrenos a inundar, a sua riqueza e o critério de determinação do valor da propriedade no Minho e em outras regiões de características idênticas, surgiram fortes dúvidas só esse quantitativo por que, segundo diz, a expropriante tem pago os campos, as bouças, as casas, as indústrias e o comércio estaria conforme as realidades.
E pareceu-nos que não.
Vou explicar porquê:
A simples apreciação da grandeza da área a inundar, que deve andar por 500 ha - não possuo números exactos, mas reporto-me à área da albufeira de Salamonde, que abrange 242 há -, causa-nos logo a incerteza sobre se aquela vastidão de terra com tudo o que nela está implantado possa valer tanto como, por exemplo, um prédio na capital do Império.
Mas, verdadeiramente, o argumento só por si pouco vale.
Procuremos outro melhor. Vamos ao critério do rendimento.
É sabido que o valor da propriedade na região minhota, se determina pelo seu rendimento em cereal, entrando como elementos de valorização, que o podem fazer aumentar em muito, as restantes produções, como o vinho - que é excelente em Vilar da Veiga -, o azeite, a fruta - finíssimas cerejas e laranjas que lá só cultivam - e as construções.
Segundo os entendidos - e houve o propósito de determinar com a possível aproximação o número que apresento -, as veigas inundáveis de Vilar e de Rio Caldo devem produzir uns 600 carros de cereal. Atribuindo-se ao carro de cereal - terra equivalente a carro de cereal - naquelas terras ricas um valor de 40 contos, teremos que o valor daquelas anda à roda de 24 000 contos.
E pergunta-se então: será possível que todas as terras cadastradas nas restantes oito freguesias - e muitas delas são de lavradio -, as habitações e demais construções existentes em todas elas e ainda os moinhos, os lagares de azeite e os estabelecimentos comerciais só possam valer os 8 000 contos restantes?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há um outro elemento muito de considerar sobre a realidade da avaliação mandada fazer pela expropriante, e demais a mais sob um padrão de acentuada generosidade, como afirma 35 o que resulta dos processos judiciais de expropriação, nos quais os valores de avaliação determinados pelos tribunais têm sido sempre superiores aos oferecidos pela expropriante, e por vezes até superiores em um terço e em metade desses valores.
Enfim, Sr. Presidente, subsistem fortes dúvidas sobre se a avaliação mandada fazer pela expropriante - e só por ela, sem intervenção dos expropriados - corresponde ao valor real dos prédios.
Os números revelados pela expropriante parecem explicar-nos que as queixas dos expropriados não são tão fantasiosas como nos quer fazer crer.
Demais, nem os números que nos fornece estão certos.
Informa na sua exposição dirigida a V. Ex.a que das parcelas cadastradas, num valor total de avaliação de 32 000 contos, foram expropriadas judicial e extrajudicialmente l 230, num volume de 22 500 contos, faltando 470, equivalentes a 9 500 contos.

Página 582

582 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

Como os 22 500 contos somados nos 9 500 totalizam 32 000 contos, fica-se a saber que nem nos tribunais nem nas negociações particulares deixou de ser respeitada religiosamente a avaliação da expropriante, o que, como ficou dito, não é verdade, pelo menos quanto aos tribunais.
Houve manifesto lapso ou falta de clareza da expropriante na sua informação.
Pena foi que, para melhor determinação do critério que presidiu à sua avaliação, não tivesse esclarecido a que moldes obedeceu: se a simples inspecção ocular feita por quem conhecesse bem a região ou a ignorasse, se a medições, se à produção, se ao rendimento dos prédios; e também se, na verdade, houve correcções para mais ou para menos nos tribunais outras negociações e quais os valores definitivamente pagos.
E seria ainda útil e interessante saber-se quantas das transacções foram reduzidas a escritura pública, até 17 de Fevereiro, e quais os valores constantes das escrituras.
Em boa justiça, impõe-se que a avaliação seja revista- e ainda há tempo; mas revista em conjunto pela expropriante, pelos expropriados, representados pela sua autoridade legítima, o ilustre presidente da Câmara de Terras de Bouro, e pelo próprio Governo.
Dessa forma ninguém se poderá queixar.
Mas o que acabo de dizer está em contradição, pelo médios aparente, com o facto, que se não pode pôr em dúvida, de que a maioria das parcelas cadastradas e do seu valor já se encontram negociadas -não expropriadas, note-se - extrajudicialmente.
E conclui a expropriante, com certa lógica, que se assim acontece é porque os preços são bons.
Confesso que o facto apresentado dessa maneira me perturbou. E voltei à Caniçada.
Falei sobre ele com numerosas pessoas, umas que já concluíram as negociações, outras que andam nelas e ainda mais algumas, e bastantes, que aguardam a vez de serem chamadas aos escritórios da expropriante, na Portela de Valdosende, para saberem as condições em que lhes compram os prédios.
Sim, porque a expropriante nas conferênciass como os homens do lado de lá da «cortina de ferro», perdoe-me ela a comparação: não gosta de sair de casa ...
Inquiri delas com o maior cuidado; ouvi também o ilustre presidente da Câmara de Terras de Bouro - corajoso defensor dos direitos do seu povo -, presidente de juntas de freguesias e párocos.
E de tudo o que ouvi ficou-me a consolação da justiça e da realidade das palavras que aqui proferi em 9 de Fevereiro, ao pedir ao Governo que modificasse com urgência as leis das expropriações.
E que o seu efeito ultrapassa os próprios casos sujeitos aos tribunais.
Exerce sobre todos os que se encontram na perspectiva de serem expropriados um efeito tal - e todos eles vivem sob o domínio dos casos concretos que conhecem - que a sua vontade se não pode manifestar livremente.
Sabem pelos casos concretos, é certo, que os tribunais lhes darão uma indemnização superior à que lhes é oferecida, mas não ignoram os trabalhos, as canseiras, as despesas e, sobretudo, a perspectiva de ficarem sem os bens antes de receberem o dinheiro, o que será para muitos a miséria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não surpreendem assim os bons êxitos da expropriante, que na generalidade nada têm que ver com os bons preços.
Eu não ignoro as excepções. Claro que existem, até pura confirmar a regra.
São apontadas e algumas explicadas.
Mas são apenas excepções e dizem quase sempre respeito aos mais ricos, ou, melhor, aos menos pobres.
Dos pobres, sim, é que tenho profunda pena, porque estive com eles - não fantasio nem sou dominado pela paixão, que não tenho - e a muitos perguntei para onde iriam depois de os seus parcos bens terem sido inundados.
Que fariam ao dinheiro? Olhavam em redor e não subiam responder. Talvez uma cabana no monte ... e como única riqueza, que a água lhes não levará, as reses, porque para o gado já não terão posto. A miséria, enfim!
Peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para em conclusão desta parte, ler um artigo publicado no Gaiato de 1 de Agosto de 1953. Assina-o o padre Américo, o que dispensa a menor justificação ou comentário.

Os campos da Veiga de Vilar ainda se não encontram inundados. A Sr.ª Rosinha, ervanária, enquanto me oferece um braçado de ervas da serra e garante o seu poder, vai-me explicando a seu modo e palavras suas o que pensa daqueles trabalhos. São mais de quatro freguesias. É muita gente que fica sem as suas terras. Uns apelam e ganham, mas tornam a perder. As obras da Caniçada. As obras de Rio Caldo. Os desastres no trabalho, onde gente perde a vida. E depois de dizer, como ramo de erva no braço, a Sr.ª Rosinha do Gerês, como que a resumir tudo, acaba: «Aquilo é uma grande mastigada».
É sim, mas depois de engolido é força e luz. Nós precisamos de toda aquela mastigada, para dar uma resposta às chamadas da vida actual. O progresso. Dizem que na barragem do Rabagão foi preciso retirar um velho, pronto a ir para o fundo com a casa onde nasceu! Se os outros não levam tão alto a saudade do passado, o certo é que todos choram e o que recebem não compensa nem recompensa. E o progresso!
Às vezes aparece em Paço de Sousa um vendedor de máquinas para descascar batatas e máquinas para lavar pratos e máquinas automáticas para a tipografia. Eu oiço e mando embora. Eu quero braços; muitos braços e trabalhos. O tempo não é o nosso problema. O ocupar muita gente e muitas horas, isso sim. De resto, vistas as coisas à luz do Sol, a, máquina tem enriquecido meia dúzia e empobrecido multidões.
Isto vim eu ruminando do sítio onde falei com a Sr.ª Rosinha até ao hotel e tudo a propósito daquela grande mastigada.
Sr. Presidente: se o tempo me chegasse e á paciência de V. Ex.ª não tivesse limites, falaria de outras coisas, como dos treze processos entregues no tribunal, segundo a expropriaste, até 17 de Fevereiro e relativos à zona da Caniçada, e pediria licença para acrescentar que a coda processo corresponde em regra mais de um expropriado e várias parcelas.
Direi também que a informação prestada por ela à Assembleia sobre três processos cujos prédios foram submergidos antes de o tribunal se poder pronunciar é manifestamente insuficiente. Pelo menos um deles está pendente de recurso e no outro ainda em 17 de Fevereiro não havia sentença, e creio que ainda a não há. E neste último nunca se fez a expropriação - é o do homem que morreu pouco depois da inundação - e os herdeiros do proprietário, para não ficarem na miséria, viram-se na necessidade, perante a inércia da expro-

Página 583

10 DE MARÇO DE 1954 583

priante, de intentar uma acção de indemnização de perdas e danos, julgada há dias. Mas há outros casos de apropriação arbitrária, segundo até documentos subscritos pelo Sr. Presidente do conselho de administração da expropriante, que estão em meu poder.
Sr. Presidente: desejo tratar ainda de um outro aspecto do problema, e terminarei.
Disse na minha anterior intervenção que a expropriante havia descurado o aspecto social da deslocação dos habitantes das veigas e afirmei que a solução justa e humana me parecia ser a resultante da obrigação para a expropriante de instalar os expropriados em condições de refazerem as suas vidas, dando-lhes casa e terras equivalentes aos rendimentos auferidos anteriormente, e não dinheiro. Lá diz a sabedoria do povo: «se queres ver o homem pobre, põe-lhe a fazenda em cobre».

O Sr. Sousa Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Fosso informar que na Suíça, por exemplo, em casos semelhantes não se fazem expropriações, antes, sim, se indemnizam as pessoas com terras do mesmo valor.

O Orador: - Tenho conhecimento de que não é só na Suíça, mas também em França, na Áustria e- até no nosso país.
Mas, continuando:
Informou a expropriante que voluntariamente estabeleceu contacto com a Junta de Colonização Interna, tendo-se dirigido também em 1952 aos presidentes das juntas de freguesia e aos párocos pedindo a indicação dos pequenos proprietários que quisessem beneficiar da distribuição de novas casas e de novas terras.
De boas intenções, como costuma dizer-se, está o Inferno cheio, e a expropriação prova também que neste aspecto do problema teve ... muito boas intenções. A poucos meses da inundação, espera ainda os nomes dos voluntários.
Mas alguma vez se lembrou de esclarecer essa gente, que na sua maior parte nunca saiu dos limites do concelho, sobre essas intenções, dizendo-lhes onde e como seriam as novas casas e as novas terras? Nem o diz nem consta que alguma vez o tenha dito. Ficou-se no aviso, lido à missa dominical ...
Mas, em verdade, para onde pretendia mandar essa gente?
Se para os baldios do concelho de Terras de Bouro, não me parece viável. Do reconhecimento dos baldios do continente feito pela Junta de Colonização Interna consta que nesse concelho e nos vizinhos não existem baldios com aptidão colonizável.
Seria antes para os casais agrícolas do Barroso, como ouvi dizer?
Não faço à expropriante a injúria de acreditar que alguma vez lhe tivesse ocorrido tal solução, mesmo contando com a proverbial ignorância dos seus agentes sobre a vida e costumes dos habitantes das veigas.
Gente que viveu sempre, e viveram os seus antepassados, nas terras, amenas dos contrafortes do Geres - terras de floresto, e de pastos mimosos, e de milho, e de vinho, e de frutas, e de hortas -, só por castigo - e eles não praticaram nenhum crime - poderia ir morrer para as terras frias da batata e do centeio, onde a lenha nem sequer chega para acender a lareira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tão-pouco a solução ofereceria viabilidade legal, pois a concessão dos casais agrícolas só pode ser feita a quem tiver menos de 30 anos e for do sexo masculino. E os maiores e as mulheres, qual seria o seu destino?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- O problema das deslocações, encarado sob o tríplice aspecto moral, social e económico, excede em importância todos os outros que surgiram por via da albufeira da Caniçada.
Resolvido ele, todos os restantes ficam solucionados.
Resolva-o a expropriante com humanidade e sentido das realidades e terá a gratidão dos beneficiados.
Quem não antepõe a economia à equidade - e eu acredito que assim seja- não deixará de o fazer, até para que à volta das suas magníficas instalações, da sua monumental barragem, não surjam novos problemas de ordem social, que terá muito maior dificuldade em resolver. Se não acredita no que digo, mande lá os seus agentes, mas gente de consciência e de coração, perguntar, como eu fiz, aos habitantes das veigas, absolutamente desnorteados, para onde tencionam ir depois da inundação.
Está em tempo de agir e dispõe de recursos para isso.
Pois não dizem os relatórios que a Companhia Hidro-Eléctrica do Cávado teve em 1952, quando apenas estava ao serviço o escalão da Venda Nova, nada mais nada menos que um saldo de gerência de 24 261 contos- menos somente 7000 e tal contos que o total avaliado dos terrenos a submergir?
E desses 24261 contos, 16800 destinou-os ao pagamento de um dividendo cie 8 por cento aos accionistas logo no primeiro ano da exploração.
Sr. Presidente: ao dominar com a vista num destes últimos dias aquela vastidão imensa do vale do Cávado e dos terrenos férteis - férteis como poucos do País - de Vilar da Veiga e de Rio Caldo, perguntei a mim mesmo se a técnica, que também move montanhas, não teria encontrado solução que poupasse à economia do País a perda de tanto pão.
E lembrei-me que, por contraste, lá para o Sul, o Governo da Nação não regateia esforços nem meios para tirar das terras pobres o alimento de que os Portugueses precisam e não produzem.
Mas o facto está consumado, e não vale a pena falar nele senão como desabafo.
Quero somente manifestar a minha confiança em que o Governo resolverá os problemas que na qualidade, que muito me honra, de Deputado da Nação trouxe à sua consideração. E a solução conveniente será a que permita tirar todo o proveito da grande obra de fomento confiada à Hidro-Eléctrica do Cávado sem as lágrimas de muitos portugueses dignos de consideração.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: é minha intenção trazer a esta Câmara alguns problemas que se apresentam intimamente ligados no fomento da província de Moçambique e que, em meu entender, se torna indispensável considerar para que se atinja naquela terra portuguesa do Indico o estado de desenvolvimento que permuta criar as condições indispensáveis à natural fixação de muitos portugueses que, em vão, buscam na metrópole possibilidades de aplicarem as suas aptidões e qualidades de iniciativa e trabalho.
Pretendo fazê-lo hierarquizando a urgência e importância desses empreendimentos, condicionando às disponibilidades de recursos, em intervenções sucessivas, que possivelmente conduzirão aio final, e se necessário, a que formule perante a Câmara aviso prévio adequado.
De entre todos, porém, quereria referir-me muito em breve ao aproveitamento do rio Revué nos seus aspectos de fornecimento de energia eléctrica e utilização para fins agrícolas da água turbinada.

Página 584

584 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

Para quem conheça, ainda que superficialmente, as condições naturais que se reúnem neste curso de água e os primeiros resultados dos estudos preliminares levados a efeito, apresenta-se em verdade o caso do Revué como merecedor da maior atenção e justificativo de que, desde já, se lhe dedique o (maior interesse na realização urgente dos estudos técnicos indispensáveis.
Sei que o Governo mão descura este problema, mas desejaria referi-lo expressamente, e de forma actualizada, perante a Câmara, para sublinhar certos aspectos fundamentais.
Para isso, porém, necessário se torna dispor de elementos que melhor me esclareçam e mais concretamente me permitam esclarecer a Câmara.
Assim, requeira, nos termos regimentais, que pelo Ministério do Ultramar antes sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Estado actual e previsível evolução dos estudos relativos no aproveitamento hidroeléctrico do Revué;
b) Orientação que haja sido definida para os trabalhos a realizar e seus fundamentos;
c) Directrizes previstas quanto aos aspectos relativos ao regadio das tenras, fornecimento de energia para indústrias, abastecimento de energia a territórios vizinhos e electrificação do Caminho de Ferro da Beira.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: em Junho do 195M publicaram os jornais diários o seguinte aviso:

Para os devidos efeitos se comunica que, por despacho de S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria de 11 do corrente mês e ano, foi determinado que, para as indústrias isentas do condicionamento industrial, nos termos da legislação reguladora do trabalho caseiro e familiar autónomo: 1.º O alvará de licença referido no Regulamento das Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas ou Tóxicas, aprovado pelo Decreto n.º 8 364, de 25 de Agosto de 1922, só seja concedido nos casos em que não houver dúvidas que a instalação e a exploração da indústria se encontram de harmonia com a definição do trabalho caseiro e familiar autónomo; 2.º Seja considerada ilegal e impedida a exploração das indústrias (sujeitos a condicionamento) que venham a ser montadas ao abrigo do regime de isenção concedida ao trabalho caseiro e familiar autónomo, enquanto o respectivo processo de licenciamento, quanto aos estabelecimentos que forem abrangidos pelas disposições do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 8 364, de 25 de Agosto de 1922, não tenha sido despachado, nos termos do artigo 17.º

Com base no despacho a que este aviso deu publicidade têm sido indeferidos pelo Sr. Director-Geral dos Serviços Industriais pedidos de alvarás de licença feitos em cumprimento do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 8 364 (Regulamento das Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas ou Tóxicas), alegando-se nos respectivos despachos que os indústrias a que esses pedidos dizem respeito são inconsentâneas com o trabalho caseiro e familiar autónomo.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Industriais, ao indeferir os pedidos de alvarás de licença, não invoca, é certo, o despacho cio Sr. Subsecretário a que se refere o aviso transcrito, mas, porque anteriormente aquele alto funcionário concedia os alvarás de licença e posteriormente passou a negá-los, com o fundamento de a respectiva indústria estar fora da isenção do condicionamento industrial concedida ao trabalho caseiro e familiar autónomo, conclui-se que é com base no mencionado despacho governamental que são negados os alvarás de licença.
Sr. Presidente: este procedimento por parte da administração pública afigura-se-me, nas circunstâncias actuais, manifestamente ilegal. De facto, o Decreto n.º 38 783, de 16 de Junho de 1952, veio dizer-nos, no seu artigo 1.º, o que deve legalmente entender-se por trabalho caseiro e familiar autónomo, considerando como tal o que é realizado na própria residência ou dependências anexas, por parentes que, vivendo em comunhão de mesa e habitação, exerçam a indústria por conta do chefe de família; e, no artigo 3.º, que os decretos a publicar para execução da base V da Lei n.º 2 052, de 11 de Março do mesmo ano, votada por esta Assembleia Nacional, indicarão expressamente se a indústria condicionada é consentânea com o trabalho no domicílio. Mós esse mesmo decreto preceituou, no artigo 8.º, que o trabalho caseiro e familiar autónomo, licenciado nos termos da legislação em vigor, se considera legalizado nas condições nela previstas e, no artigo 9.º, que, enquanto não fossem publicados os decretos de execução da base V da citada Lei n.º 2 052, o trabalho caseiro e familiar autónomo podia exercer-se nas indústrias em que a legislação então vigente o autorizava.
Ora era a própria administração pública que reconhecia que n legislação vigente à data da publicação do citado Decreto n.º 38 783 autorizava o exercício do trabalho caseiro e familiar autónomo na indústria a que me vou referir, como o comprova o facto de posteriormente a este decreto conceder alvarás de licença aos respectivos estabelecimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: até à publicação do referido despacho governamental, despacho este de natureza genérica, a administração publica permitiu o exercício do trabalho caseiro e familiar autónomo na indústria do fabrico de papel e posteriormente àquele despacho passou a proibir esse exercício nos estabelecimentos que, embora já instalados com o seu conhecimento e alguns já há mais de quatro e de sete anos, ainda não possuíam o alvará de licença previsto no Regulamento das Indústrias Insalubres, embora oportunamente requerido, sucedendo até, em grande número de casos, que a falta do alvará se deve exclusivamente a demoras burocráticos e que a essa falta são estranhos os próprios interessados; e, em consequência, manda encerrar esses estabelecimentos.
Estas proibições e encerramentos, Sr. Presidente, afectam enormemente a economia de muitas famílias do Norte do País, algumas das quais gostaram o produto do seu trabalho de muitos anos com as instalações dos estabelecimentos para o exercício da indústria caseira do fabrico de papel. Só na área da 1.ª Circunscrição Industrial, com sede na cidade do Porto, há mais de sessenta estabelecimentos desta natureza, encontrando-se em laboração cerca de quarenta, nos quais se investiram, em cada um, cerca de 400.000$. No distrito de Aveiro, segundo informações que colhi, existem cerca de cinquenta estabelecimentos destinados ao fabrico caseiro de papel.
O encerramento destes estabelecimentos representa a ruína económica dos seus proprietários e, consequentemente, a miséria destes e de suas famílias.

Página 585

10 DE MARÇO DE 1954 585

Eu creio, Sr. Presidente, que os altos interesses da economia da Nação não exigem nem impõem o encerramento destes estabelecimentos, que funcionaram durante anos, repete-se, com o conhecimento da administração pública; e creio ainda que os sentimentos de humanidade cristã ditam o dever de impedir que as famílias que até aqui têm vivido do referido trabalho caseiro morram de fome e à miséria ou fiquem arruinadas economicamente, não se sabe por quantos anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tais estabelecimentos, Sr. Presidente, podiam ser instalados e laborar sem alvará de licença, desde que os seus proprietários tivessem requerido esse alvará, conforme se permitia por despacho ministerial publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 22 de Abril de 1932; e só poderiam ser encerrados se da sua laborarão resultassem graves inconvenientes sob os aspectos previstos no Regulamento das Indústrias Insalubres. Por isso os seus proprietários os instalaram e neles investiram capitais avultados; e agora surge o despacho do Sr. Subsecretário de Estado do Comercio e Indústria à sombra do qual esses estabelecimentos são encerrados!
Não me parece, Sr. Presidente, que isto seja humano ou justo, tanto mais que estabelecimentos de igual natureza, amas para os quais a administração pública foi mais diligente na concessão dos respectivos alvarás, não serão encerrados e poderão, por isso, continuar em laboração.
A situação grave, gravíssima, assim criada a tontos famílias do extremo norte do meu distrito não pode, nem deve, ser indiferente ao Sr. Ministro da Economia. Ouso, pois; desta Casa, chamar a atenção de S. Ex.ª para essa situação, ma esperança de que os seus sentimentos de justiça e de humanidade lhe darão remédio eficaz.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: antes de mais, congratulando-me por ver V. Ex.ª investido de novo na elevada função de dirigir os trabalhos desta Assembleia, apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos de muita admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: li nos jornais, com a maior satisfação, a notícia de ter sido assinado no Gabinete do Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, o contrato para a execução da empreitada de terraplanagens, drenagem e pavimentação que constitui a 1.ª fase do aeroporto de Mormugão, obra importante, no valor de mais de 13 000 contos.
Julgo desnecessário encarecer a vantagem de se dotar urgentemente Goa com um aeroporto que permita assegurar as suas ligações com o exterior e com os outros territórios do Estado da Índia, visto que ninguém ignora que, ao lado dos transportes, os comunicações constituem um elemento fundamental do desenvolvimento e da melhoria das condições económicas e sociais dos territórios que servem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Goa possui uma grande riqueza no seu subsolo.
A exploração das reservas de ferro, avaliadas entre 500 a 600 milhões de toneladas, cujo teor oscila entre 56 e 62 por cento, e de manganês, cuja riqueza está compreendida entre 48 e 62 por cento, tomou um apreciável incremento, tendo as suas exportações em 1951 totalizado já 280-610 t, com o valor de 47 501 contos, para o primeiro, e 61 8471, com o valor de 45 627 contos, para o segundo.
Esta indústria, que teve propriamente o seu início em 1948, atingiu um grande desenvolvimento e põe o problema não só de transportes, que terá, decerto, breve solução, mas também o de mais livre e fácil circulação das pessoas, para a melhoria das condições económicas e sociais do Estado da Índia, o que em boa hora se começa a dar solução com a construção do aeroporto a que me referi.
Eis porque presto rendidas homenagens ao Sr. Ministro do Ultramar, que, com serenidade e firmeza, tão necessárias nos tempos que decorrem, vem dando solução aos mais prementes problemas que suscitam a situação actual do histórico Estado da Índio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Afãs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, n facto transcende, a meu ver, o mero campo de realizações materiais, para ser ele mesmo uma expressão da vocação histórica da Nação. O aeroporto de Mormugão, assim como acontece hoje com o seu porto e caminho de ferro, vai servir outros povos e estreitar, se quiserem, laços de boa vizinhança em amigável colaboração, pois a Nação Portuguesa, da sua parte, demonstra, ao realizar aquela obra com a prata da casa, a sua fidelidade nos preceitos da sua Constituição Política, que lhe impõem o dever de cooperar com outros Estados na (preparação e adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao progresso da Humanidade».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio, por isso, que a Assembleia pode congratular-se com aquele empreendimento e prestar mais uma vez calorosa homenagem ao Homem que tornou possível o engrandecimento da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Feitas estas brevíssimas considerações, tenho a honra, Sr. Presidente, de enviar pura a Mesa o seguinte

Requerimento

«Requeiro que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:

1.º Se foram iniciados os trabalhos de rega em Sanguém e Quepém e os de abastecimento de água à cidade de Goa. E, no caso negativo, as razões;
2.º Se já começou a prospecção geológico-mineira do Estado da índia e se estão em curso estudos para uma intervenção estadual no sentido de auxiliar a indústria mineira incipiente;
3.º A razão da demora da remodelação de vencimento» dos funcionários públicos do Estado da Índia, referida no preâmbulo da Portaria n.º 14 468».

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Página 586

586 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: mimas breves palavras que aqui proferi no dia 2 de Fevereiro último sugeri que fossem aplicadas ao arquipélago de Cubo Verde as providências recentemente votadas pela Assembleia no intuito de promover, o desenvolvimento da arborização e defesa do solo.
Alguns dias depois recebi o Boletim Oficial de Cabo Verde e verifiquei com prazer que o Governo daquela província se havia antecipado ao meu pedido, promulgando em Janeiro um diploma legislativo sobre o assunto.
Sem ter ainda estudado as disposições desse diploma, é-me, todavia, grato registar a concordância do. pensamento do Governo da província com o do representante da mesma nesta Assembleia e formular votos muito sinceros pelo brim resultado das providências adoptados.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Chegaram à Mesa, há pouco, explicações fornecidas pelo Ministério das Finanças com respeito à proposta de lei n.º 5, que isenta de contribuição predial, em certos casos, o aumento de rendimento de prédios rústicos.
Trata-se da proposta de lei que está marcada para ordem do dia de hoje e, para esclarecimento da Assembleia, vou mandar publicar, na íntegra as referidas explicações.
Está também na Mesa o parecer da Comissão de Contas Publicas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes a 1952. Vai ser publicado no Diário das Sessões, para oportunamente ser submetido à apreciação da Assembleia.
Quando, no início da sessão, anunciei à Câmara a presença na Mesa do parecer da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia sobre as Coutas Gerais do Estado relativas a 1952, não mencionei que estava também na Mesa o relatório e a declaração do Tribunal de Coutas sobre o assunto.
Este relatório será também distribuído à Assembleia como fazendo parte integrante do processo das Contas Gerais do Estado relativas a 1952.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia: discussão na generalidade da proposta de lei referente à isenção de contribuição por benfeitorias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: ao subir agora a esta tribuna desejo renovar as homenagens que prestei a V. Ex.ª quando pela primeira vez falei na Assembleia, homenagens a que, muito sentidamente, já neste momento posso juntar profunda gratidão, que julgo ser a de todos os novos Deputados, pelo acolhimento tão generoso que V. Ex.ª nos dispensou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nova proposta de lei presente à Assembleia Nacional destina-se a eximir, durante certo tempo, ao cálculo do valor colectável para efeitos de contribuição predial o aumento de rendimento dos prédios rústicos proveniente de determinadas benfeitorias.
Costumam, em doutrina, qualificar-se de económicas as isenções desta espécie, e, certamente, em assinalável valor de fomento económico se traduzirão, na prática, as providências contidas nesta proposta.
Eu desejaria, porém, acima de tudo, saudá-la como índice que é duma preocupação do Governo em consciente serviço daquele sentido social que os fundamentos doutrinários do regime consagram e uma política coerente tem de promover com firmeza e realismo. Com tanto realismo quanto exijam, em cada momento, as circunstâncias da vida social e o complexo de factores quo nela influem; com tanta firmeza quanta impõe a segura confiança que temos no valor dos princípios que servimos.
O corporativismo comanda, perante os problemas sociais e jurídicos, determinada atitude de espírito.
Vimos de uma época em que o mito individualista desenraizara o homem da família e dos demais corpos integrantes da vida real.
E as leis, hipertrofiando o valor de uma pretensa liberdade individual, foram enfraquecendo as instituições em que se firma o verdadeiro sentido da liberdade humana e da grandeza da vida, acabando assim por trair o próprio homem.
Na aplicação da doutrina que em Portugal inspira a renovação da hora presente -hora de que é timbre em quase todos os países o sentido e a preocupação do social não é possível afastar subitamente de todas as leis os males que nelas verteu um século de individualismo. Mas pode-se - e penso que se deve - manter sempre bem viva a intenção de renovar-lhes o espírito e a letra, segundo a ética e o rigor dos princípios, naquele ritmo do segura prudência que se faz mister.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A consagração do rumo certo está feita, quanto à essência do que respeita ao social, na Constituição vigente.
Mas a natureza meramente programática de muitas das suas disposições não lhes confere, por si mesmas, a eficiência prática que cumpre assegurar.
Inspirado, em grande parte, nas fontes inquinadas da Declaração dos. Direitos do Homem e do Código Napoleónico, o nosso Código Civil de 1867 oferece ainda o maior campo para uma salutar actualização, nomeadamente no que se refere a alguns aspectos do direito da família e das sucessões e quanto ao regime da propriedade e de certos institutos afins.
Está em curso, como se sabe, a revisão do código, e podemos regozijar-nos de que, a propósito dela, se tenha reconhecido já expressamente a necessidade de dar aos direitos dos indivíduos uma feição social, de sorte que não possam ignorar os laços de solidariedade que os prendem aos demais. O individualismo estreme o código de 1867 deve dar lugar a um direito mais social, que tenha em couta não só os interesses gerais da comunidade, mas os daqueles que, colocados em situação de inferioridade de facto carecem de protecção contra os abusos do mais forte ou mais astucioso. Tanto mais quanto é certo existir patente desacordo entre a Constituição, socialmente orientada, e o código, individualista».
Na consagração desse direito novo - que se firma na noção e respeito do bem comum, no reconhecimento da natureza institucional e transcendente da família, na função social que a propriedade exerce, nos benefícios da iniciativa privada e da autodisciplina da produção, na dignidade do trabalho, na estruturação orgânica da vida nacional, na visão ortodoxa do destino natural e sobrenatural do homem - muito se fez já em Portugal.
Pode dizer-se que não há sector da vida do direito onde não tenha chegado alguma luz desta alvorada.

Página 587

10 DE MARÇO DE 1954 587

Assim, notoriamente, em certos campos do direito civil, no direito administrativo, na legislação processual civil e penal, na organização judiciária, e na profunda reforma prisional. No direito financeiro, donde se partiu pura tudo o mais, e na Constituição, que consagrou alguns dos princípios basilares. Na legislação corporativa das actividades económicas, do trabalho e da previdência e nos novos caminhos da assistência social. Nestes e noutros sectores, serenamente, sem perigosas improvisações, se tem feito, segundo a boa doutrina e ao amparo da nossa melhor tradição, revigoramento notável da vida jurídica portuguesa, em que cumpre perseverar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na sequência duma série do medidas que se prendem com o regime de utilização da terra, insere-se a proposta de lei em apreciação.
O sistema de isenções temporários, com um fim imediato de fomento económico e um objectivo imediato de valorização social, que a proposta de lei estrutura, sendo em si mesmo simples, exige certo cuidado no seu estudo, ma função da diversidade dos regimes que disciplinam algumas situações com que, na sua aplicação, o mesmo sistema virá a interferir.
Na verdade não existe perfeita uniformidade quanto no regime tributário a que estão sujeitos os prédios rústicos, constituindo diferençais essenciais as que se verificam, relativamente ao critério de avaliação do rendimento colectável, entre os dois métodos aplicáveis: o do Decreto-Lei n.º 36 505, de 11 de Setembro de 1947, para os concelhos onde funciona o cadastro geométrico, e o do Código da Contribuição Predial, de 5 de Julho de 1913, para os restantes concelhos.
Assim sendo, afigura-se que os benefícios da nova lei só serão equitativamente sentidos em todo o País desde que na impossibilidade de generalizar subitamente o sistema, de cadastro que procure, através de providência legal bastante, uniformizar quanto possível, na parte em que possam interessar ao regime Aos isenções em estudo, os critérios de avaliação.
É este um ponto que, dada a natureza dos diplomas vigentes sobre a matéria, excede o âmbito da simples regulamentação da mova lei.
Ao problema, de resto, procura a Câmara Corporativa acudir com certas alterações à redacção da proposta sugeridas no seu douto parecer.
Segunda dificuldade resulta de existirem já, para importantes sectores de benfeitorias agrícolas, regimes próprios de isenção.
Um dos mais notáveis é o consagrado na Lei n.º 2 017, relativamente ao aumento de valor dos prédios rústicos resultante dão obras feitas ao abrigo da disciplina que a mesma lei institui para os melhoramentos agrícolas.
No domínio da dita lei a isenção da maior valia, na medida em que esta não exceda o quantitativo anual da amortização do empréstimo feito pelo Estado, pode atingir a duração de trinta anos.
Outro é o regime da isenção - aqui isenção total, e não apenas relativa à maior valia - concedida durante trinta anos a favor dos prédios que forem arborizados inteiramente u custa dos proprietários, nos termos do artigo 12.º da lei recentemente votada sobre revestimento silvícola.
Atenua, portanto, a proposta, embora a não elimine, a diferença de Tratamento até agora existente, por um lado, entre os proprietários que realizem certas benfeitorias socorrendo-se das facilidades concedidas pela Lei n.º 2017 e os que, sem esse recurso, efectuem as mesmas benfeitorias, e, por outro lado, entre os proprietários que à sua custa arborizem com o fim de evitar a erosão, consoante o façam dentro ou fora da área definida pelos perímetros de arborização.
Não me parece indefensável a distinção apontada, que, quanto ao primeiro caso, porventura encontrará fundamento na presumível diferente capacidade económica das duos espécies de proprietários e, quanto ao segundo, no diverso grau de interesse público dos revestimentos arborícolas em cada uma das hipóteses contempladas.
Contudo, julgo que cumpre ficar bem claro que, como e óbvio, a nova lei vem apenas criar o benefício da isenção onde ele não existia, e nunca diminuir o alcance daquelas isenções mais amplas já estabelecidas e que se mantêm nos termos em que outras leis especialmente as consagram.
E, sem pretender entrar em matéria a discutir na especialidade, anotarei apenas, dado que contende com matéria essencial na economia da (proposta, o que respeita às isenções dos prédios até agora incultos.
Quanto aos prédios incultos insusceptíveis de serem cultivados, é difícil fixar com rigor o quadro das isenções vigentes e sem interesse quanto ao domínio da nova lei.
O mesmo não acontece, porém, acerca dos incultos cultiváveis, os quais se regem por um de dois sistemas: na zona submetida ao cadastro são tributados, com um justo fim de fomento, com base no presumível rendimento da sua racional exploração económica; nas restantes regiões são colectados pelo que realmente produzem. E, nesta última hipótese, a própria não tributação dos que nada produzam seira uma simples situação de facto que não reveste a natureza duma isenção.
Parece, portanto, que, neste ponto, a proposta visa algo mais do que poderia inferir-se da sua simples letra.
De qualquer forma, importa que na regulamentação da lei se não deixe de ter presente o alto objectivo que a inspira e, ainda, que na sua execução, sobretudo uns zonas não sujeitas no cadastro e onde a própria natureza do processo de avaliação concede maior discricionaridade ao critério do funcionário, não venha algum zelo intempestivo inutilizar-lhe o alcance.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Integrada naquele sentido social de que fiz ligeiro apontamento, a proposta de lei em apreciação - conforme se diz no seu relatório e no douto parecer da Câmara Corporativa se realça - visa à defesa da terra e, indirectamente, à protecção da família.
Estas duas preocupações têm, na verdade, de estar presentes, como seguro fundamento, em toda a obra séria de valorização nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se muito, por esse mundo, no perigo comunista. Mas nele, por toda a parte e também entre nós, creio que se pensa de menos.
É que na inteligente e eficiente técnica de actuação marxista não se ultrajam directamente as instituições: corrompem-se; não se negam as virtudes: pervertem-se os critérios. Assim, aos movimentos de ordem genérica dirigidos a abadar a formação das próprias consciências juntam-se as acções específicas destinadas a destruir na sua base, sem as atacar de frente, certas instituições essenciais da nossa civilização.
E na primeira linha delas está a família como fundamento mais firme que é e será de toda a vida do homem sobre a terra.

Vozes:- Muito bem!

Página 588

588 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

O Orador: - Aliás, neste como noutros campos, temos de convir que o comunismo não atirou a primeira pedra: aperfeiçoou métodos e planificou técnicas, aumentando assim até limites nunca imaginados - pela natureza da doutrina e unidade de acção - a virulência dum ataque que o liberalismo e a fúria jacobina, romântica e dispersivamente, se haviam proposto antes.
Entre nós a laicização do casamento e a sua dissolubilidade pelo divórcio, que as leis de 1910 impuseram, encontraram de certo modo preparado o caminho na orientação a que se acolhera o Código Civil. E esta fora inspirada no decreto liberal do registo civil, que, por sua vez, se limitara a reproduzir as ideias da lei francesa de 1792.
Com o regime concordatário de 1940 e sua legislação complementar remediou-se, corajosamente, quanto à essência do que nas leis que de modo directo e imediato respeitam à constituição da família e regime jurídico de instituição familiar se opunha no seu verdadeiro fim humano e social e à sua transcendente origem e missão.
É este um dos aspectos em que podemos orgulhar-nos de termos sabido reagir contra os males que o individualismo trouxera ao nosso direito e retomado o rumo certo do verdadeiro interesse do homem integral e da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porém é tão essencial à vida da sociedade o bem da família e tão complexo o conjunto de factores que nele influem, próxima ou remotamente, que nunca neste campo poderá o legislador considerar-se dispensado de cuidados e preocupações.
A presente proposta de lei integra-se no espírito daquela dará Unha de conduta -que a Constituição estabelece quando entre as atribuições do Estudo inclui, precisamente em ordem à defesa da família, a de regular os impostos de harmonia com os seus encargo? legítimos.
É, de resto, o critério já expendido nas primeiras encíclicas sociais dos tempos modernos ao definir-se que importa ao bem da família «não vir o Estado a esmagar sob o peso de tributos incomportáveis a propriedade privada».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A esta luz de defesa o serviço da família cumpre não esquecer que o autor da proposta em apreciação é o mesmo ilustre Ministro das Finanças que subscreveu a última proposta de Lei de Meios trazida a esta Assembleia - proposta onde se consigna (e recolheu aplauso unânime da Câmara) o princípio segundo n qual o Governo deverá promover a revisão do regime legal de abono de família.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando feita com a necessária amplitude, tal revisão será uma pedra importante nesse conjunto da obra ingente de protecção à família que em Portugal vimos construindo e que importa manter com fé e alargar com renovado ímpeto.
Que essa obra está na primeira linha das preocupações da Assembleia Nacional provam-no as sugestões já feitas na presente sessão legislativa quanto às facilidades a conceder às famílias numerosas para educação dos filhos e quanto ao problema, aliás exaustivamente tratado durante a última legislatura, da crise habitacional das famílias pobres.
Sr. Presidente: a outra linha inspiradora da doutrina da proposta é a protecção à economia agrícola.
Com serem os valores da vida rural a garantia mais segura da resistência moral da grei, tudo quanto vise à sua defesa será obra benemérita.
Fomentar o apego à terra, pelo incremento e melhoria das condições económicas da sua exploração, equivale sempre a integrar na vida nacional os frutos benéficos que advêm da maior estabilidade e saúde moral dos agregados familiares e sociais da gente dos campos.
E, sem me deter na análise da outra face do problema - os perigos do urbanismo e do êxodo rural -, já tão notavelmente feita nesta tribuna aquando do estudo da lei de colonização, limito-me a apontar a orientação antes referida, para tirar dela um dos motivos do louvor que, a meu ver, merece a presente proposta.
Creio ainda que poderá o Governo tomar o aplauso que na Assembleia dermos a proposta em discussão como um estímulo para promover a reforma de fundo que reclama o hoje disperso e desconexo regime das benfeitorias agrícolas.
Não apenas no âmbito fiscal, mas nos próprios institutos que regulam certas formas de propriedade e no regime da sua transmissão, terá de atentar quem pretenda resolver, com a amplitude que se impõe, os problemas jurídicos da nossa renovação social no seu aspecto agro-económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda lia pouco, quando tratámos da colonização interna, nós vimos surgir com renovado e actualíssimo interesse - pelos amplos horizontes que faculta aos objectivos sociais da proposta - o velho instituto da enfiteuse que aquele individualismo, a que me referi de início, tratara com tanto desfavor. Do mesmo modo a parceria (como já brilhantemente aqui se disse) e até, em certos casos, o direito de quinhão, que o Código Civil regulou apenas para o pretérito, deveriam ser objecto de estudo consciente em vista duma revisão completa do problema enunciado. E, ainda que de modo complementar, haveria, porventura, que retomar também o estudo de certos pontos da legislação do trabalho e de certos aspectos do condicionamento industrial.
Por maior que seja a tarefa, vale sempre a pena lutar pelos valores agrários - cidadela e refúgio de muitas forças de uma tradição magnífica e da mais sã resistência moral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No espírito do quanto dito fira, darei o meu voto, na generalidade, à proposta de lei em discussão.
Releve-se-me que por vezes tenha andado, ao menos na aparência, longe da matéria em causa.
Mas, porque firmemente acredito que, na nossa terra e no nosso tempo, a revolução corporativa continua a ser no plano social a «grande batalha do futuro», entendo que, no estudo e cumprimento daqueles rumos que ela há-de imprimir nas relações jurídicas e na disciplina das instituições, importa sempre pensar e agir de harmonia com a pureza dos princípios.
Creio que, assim, poderemos efectivamente «reacender o antigo fogo e continuar caminho».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.
Para ele estão inscritos hoje apenas os Srs. Deputados Cymbron Borges de Sousa e Marques Teixeira. Para

Página 589

10 DE MARÇO DE 1954 589

amanhã, portanto, marco como ordem do dia a discussão na generalidade e na especialidade, se for possível, da presente proposta de lei.
Em seguida à discussão e votação desta proposta de lei designarei para ordem do dia a proposta de lei que contém o plano rodoviário.
Amanhã haverá sessão, com a ordem do dia já indicada.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
José dos Santos Bessa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João da Assunção da unha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Jorge Botelho Moniz.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Venâncio Augusto Deslandes.

REDACTOR - Luís de Avillez.

PARECER N.º A/VI

Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Relações internacionais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores José Caeiro da Mata e Júlio Dantas, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. O notável instrumento diplomático assinado em 16 de Novembro último, no Rio de Janeiro, pelo Embaixador de Portugal e pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, reveste dois consideráveis aspectos que marcam, na actual conjuntura do Mundo, o seu relevo histórico.
O primeiro é o do seu alto significado intercontinental e luso-brasileiro. Pela primeira vez, as afinidades existentes entre Portugal e Brasil, pelos laços do sangue, por uma comum filiação de raça, pela herança das mesmas glórias, pela unidade da língua, de espírito e de civilização, pela solidariedade dos interesses criados na economia brasileira, pela colaboração da imigração portuguesa, por todas as relações do estreito parentesco atlântico que fazem de Portugal, na frase de um brasileiro ilustre, ca pátria do Brasil e do Brasil a projecção sul-americana do génio lusíada - pela primeira vez, essas afinidades são juridicamente consagradas numa solene afirmação internacional.
Este encontro de dois Povos, irmãos e independentes, para lançarem as bases de uma Comunidade no Mundo, seria, por si, suficiente para dar ao Tratado de Amizade e Consulta, trazido ao exame desta Câmara, a sua alta e excepcional significação. A existência, agora internacional e oficialmente declarada, de uma Comunidade Luso-Brasileira, representaria sempre, em qualquer momento, um importante e expressivo acontecimento espiritual e histórico na vida de relações dos povos.
Neste momento, porém, a sua expressão excede as fronteiras das duas Nações, imperecivelmente ligadas na sua missão universal, para se integrar, pela sua inspiração e pelas suas repercussões, no quadro mais vasto da política de solidariedade ocidental do nosso tempo.

2. E é esse o segundo aspecto, a que acima aludíamos, do presente Tratado: a oportunidade da sua contribuição, como estímulo e como exemplo, para a obra de consolidação ocidental, em que evidentemente se integra.
A Comunidade Luso-Brasileira, baseada na gloriosa herança do Passado e preparada para as contingências do Futuro, deixa de ser, pelo presente Tratado, uma expressão histórica ou uma ficção sentimental para se transformar numa criação política, numa realidade internacional.
As duas Altas Partes Contratantes obrigam-se, pelo artigo 8.º, a e estudar, sempre que oportuno e necessá-

Página 590

590 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

rio, os meios de desenvolver o progresso, a harmonia e o prestígio» dessa Comunidade. Pica assim aberto o caminho para uma regulamentação jurídica das perspectivas agora criadas, por forma a dar-lhes a sua plena eficiência.
E esse grande acontecimento ocidental, sem precedentes, vem, na hora própria -que é a actual -, ocupar o seu lugar na evolução política do Mundo.
Não pode a Câmara Corporativa deixar de se regozijar com o facto, assinalando a sua inequívoca importância e a anã larga projecção.

II

Exame na especialidade

3. O Tratado abrange, nas suas cláusulas, três disposições essenciais:

a) A primeira refere-se ao compromisso que os Governos Português e Brasileiro tomam de se consultarem sobre os problemas internacionais «de seu manifesto interesse comum»;
b) A segunda estatui o «tratamento especial« concedido, em cada um dos Estados, aos nacionais do outro Estado pelos Governos respectivos sem tudo o que não estiver directamente regulado «nas disposições constitucionais das duas Nações»;
c) A terceira estabelece a «livre entrada e saída», o estabelecimento de domicílio e o «livre trânsito» em Portugal e Brasil, respectivamente, aos nacionais brasileiros e portugueses», observadas as disposições estabelecidas «para a defesa de segurança nacional e protecção da saúde pública».

4. Na sua declaração feita à imprensa no momento da dar publicidade ao Tratado, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros definiu nos termos seguintes a amplitude do compromisso de «consulta recíproca» estabelecido no artigo 1.º:

Os dois Estados deverão consultar-se sobre os problemas internacionais que a ambos digam respeito. Assim se pode concertar uma política externa de interesse recíproco, com. um mínimo de dispersão de esforços fortuitamente divergentes. Em não poucos domínios, e, de modo particular, pelo que toca aos interesses que se projectam nesse grande mar Atlântico em que os territórios das duas potências tão extensamente se debruçam, não faltarão de futuro oportunidades para tirar proveito desta providência.

Esta reciprocidade de consulta entre os dois Estados sobre os «problemas internacionais que a ambos digam respeito» é um corolário da criação da Comunidade Luso-Brasileira no Mundo - e dela directamente deriva. Reconhecendo-se uma afinidade de interesses históricos, políticos e geográficos, Portugal e Brasil têm logicamente de aceitar que essa condição obriga, «nos casos que envolvam a conveniência mútua duma conduta comum, a um entendimento de pontos de vista e de possível acção.
«Assim se aproximam agora os nossos Povos, mas também se aproximam os nossos problemas» - disse, com nítido senso das realidades, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil no seu discurso no Itamaraty, acrescentando ao Brasil ultrapassa a fase do seu continentalismo, toma posição na política mundial de mãos dadas com a gloriosa Nação Portuguesa».
Não se nos afigura necessário sublinhar o alcance desta condição de consulta, que pode dar lugar, em muitas circunstâncias decisivas, a uma valiosa unidade de acção internacional, acrescendo, para os dois Países, a autoridade de cada um deles com o peso duma solidária intervenção diplomática. De todas as formas, ela é a primeira consequência da (repercussão do Tratado.

5. A segunda disposição do Tratado, cujo excepcional significado internacional não é mister encarecer, diz respeito à condição jurídica dos nacionais portugueses no Brasil e dos brasileiros em Portugal, estatuindo no artigo 2.º:

« Cada uma das Altas Portes Contratantes acorda em coiiceder aos nacionais da outra tratamento especial que os equipare aos respectivos nacionais em tudo que, de outro ânodo, não estiver directamente regulado nas disposições constitucionais das duas Nações, quer na esfera jurídica, quer nas esferas comercial, económica, financeira e cultural, devendo a protecção das autoridades locais ser tão ampla quanto a concedida aos próprios nacionais».
A doutrina estabelecida neste artigo consagra um princípio que, sob diferentes aspectos, tem sido objecto de negociações diplomáticas o de várias tentativas e fórmulas de adaptação nas legislações dos dois Países.

6. A concessão de um tratamento especial aos Portugueses mo Brasil s aos Brasileiros em Portugal andou muito tempo no domínio das conversas oficiosas e das sugestões doutrinárias. Por ocasião da visita da embaixada especial que em 1941 foi agradecer ao Brasil a sua participação nos comemorações centenárias portuguesas do ano anterior, teve o Prof. Barreto Campeio ensejo de sugerir que, em lugar de dupla nacionalidade, se considerasse a hipótese de uma quase nacionalidade (veja-se a revista portuguesa O Direito, ano 73.º, n.º 8, de Outubro de 1941, e ano 74.º, n.º 8, de Outubro de 1942). Essa sugestão sustentou-a o mesmo professor em conferência realizada em 1942 na Faculdade de Direito do Recife, embora o título dela seja A dupla nacionalidade dos Portugueses no Brasil.
Em 1943 foi discutido no Brasil um projecto de decreto criando o «Estatuto Especial dos Portugueses no Brasil». Tratava-se de uma lei interna, que deveria preceder uma Convenção Luso-Brasileira sobre esta importante matéria - Convenção de cujas bases as duos chancelarias se ocuparam.
Esse estatuto continha várias disposições, que iam desde a definição da «naturalidade portuguesa», para efeitos da aplicação da nova lei (definição divergente da do nosso Código Civil), até à equiparação dos Portugueses aos Brasileiros sem todos os privilégios concedidos por lei ordinária». A palavra «privilégio» era, evidentemente, empregada no sentido de «direitos».
O projecto do decreto de 1943 não logrou no Brasil ser transformado em lei e a Convenção, simultaneamente projectada, para o estabelecimento da natural reciprocidade das suas disposições em Portugal não chegou também a ser concluída, nem assinada.
O reconhecimento, que o projecto acima citado e a Convenção que se lhe seguiria procuravam tornar legal, de que à realidade de factos duma situação especial dos Portugueses no Brasil deveria corresponder uma realidade jurídica foi várias vezes proclamado na Pátria Brasileira pelas mais autorizadas vozes dos seus estadistas e jurisconsultos.

7. O Tratado actual, estabelecendo em Portugal e no Brasil em tratamento especial recíproco para os nacionais dos dois países, adoptou sensivelmente o critério do projecto do decreto de 1943.

Página 591

10 DE MARÇO DE 1954 591

Esse tratamento especial será concedido em tudo o que de outro modo não estiver directamente regulado nas disposições constitucionais das duas Nações, «devendo a protecção das autoridades ser tão ampla quanto a concedida aos próprios nacionais».

8. As restrições feitas ao exercício dos direitos dos estrangeiros - quer no Brasil quer em Portugal - são do duas ordens: as consignadas na Constituição e as estabelecidas pelas leis ordinárias.
Pelo Tratado actual, estas últimas cessam de se aplicar aos nacionais portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal, ficando apenas em vigor, como acima dizemos, as restrições directamente reguladas nas disposições constitucionais dos dois países».
É isso o que constitui o a tratamento especial» agora, pela primeira vez, legalmente estatuído e que «abrangerá não só os Portugueses que tenham o seu domicílio no território brasileiro e os Brasileiros que o tiverem em território português, mas também os que neles permanecerem transitoriamente» (artigo 4.º).
A equiparação entre nacionais portugueses e brasileiros nos dois países abrangerá:

a) A esfera jurídica;
b) A esfera comercial e económica, financeira e cultural.

9. O artigo 3.º do Tratado prescreve que, neste último campo, comercial e financeiro «levadas em conta as circunstâncias do momento em cada um dos Países, as Altas Partes Contratantes concederão todas as possíveis facilidades no sentido de atender os interesses particulares da outra parte». E de esperar que a limitação deste artigo, referente às «circunstâncias do momento» e à expressão possíveis anteposta à palavra «facilidades», encontre em próxima e futura regulamentação uma interpretação que permita precisá-las e completá-las, nos termos do artigo 7.º, pelo qual os dou Governos se obrigam a promover «a expedição das disposições legislativas e regulamentares que forem necessárias e convenientes para melhor aplicação dos princípios consignados neste instrumento».
O Tratado actual não fixa critério algum, como o fazia o projecto de 1943, que defina as condições a que deva obedecer a nacionalidade portuguesa reconhecida no Brasil e, reciprocamente, a nacionalidade brasileira em Portugal. A definição adoptada tem, pois, de ser aquela que as respectivas legislações fixam.

10. Resta, pois, determinar as restrições que as respectivas Constituições Brasileira e Portuguesa consignam para os direitos dos Portugueses no Brasil e dos Brasileiros em Portugal - únicas a que, pelo Tratado, ficam sujeitos. Essas restrições são ais seguintes, no Brasil:
1) Os direitos políticos, regulados na Constituição Brasileira de 1946, pelos artigos 38.º, § único (elegibilidade para o Congresso Nacional); artigo 90.º, § único (elegibilidade para a Presidência da República); artigo 131.º (que se refere, de uma forma geral, à capacidade de eleitor).
2) Os direitos públicos relativos:

a) À concessão ou autorização para aproveitamento de recursos minerais e de energia hidráulica, reservados exclusivamente aos Brasileiros ou a sociedades organizadas no país (artigo 153.º, § 1.º);
b) À propriedade de navios brasileiros ou à qualidade de armador e comandante dos mesmos, assim como & prática da navegação de cabotagem - direitos igualmente apenas atribuídos a Brasileiros (artigo 150.º e § único);
c) A propriedade ou à orientação intelectual e administrativa de empresas jornalísticas, políticas ou simplesmente noticiosas, compreendendo a posse de nações das mesmas, inteiramente reservadas a Brasileiros (artigo 160.º).

11. Vejamos agora o regime estabelecido pela Constituição Portuguesa para os estrangeiros em Portugal.
O artigo 7.º da lei constitucional portuguesa confere aos estrangeiros em geral residentes em Portugal, se a lei não determinar o contrário, os mesmos direitos e garantias de que gozam os nacionais, exceptuando, todavia:
I) Os direitos políticos e II) os direitos públicos a que se traduzam num encargo para o Estado». Como, porém, o final desse artigo determina que, quanto a estes últimos, se deve observar a reciprocidade de vantagens concedidas aos súbditos portugueses por outros Estados, o regime dos direitos públicos aplicados aos Brasileiros residentes em Portugal ou que nele permaneçam transitoriamente (artigo 4.º do Tratado) será automaticamente regulado pelas concessões feitas pelo regime estabelecido no Brasil aos Portugueses.

12. O Tratado estabelece em terceiro lugar (artigo 5.º):

a) A livre entrada e saída dos Portugueses no território brasileiro e dos Brasileiros em Portugal;
b) O direito de domicílio e livre trânsito em Portugal e no Brasil, respectivamente, aos nacionais de um e de outro país. Exceptuam-se apenas desta regra as disposições relativas à segurança nacional e à protecção da saúde pública - que a cada um dos países é lícito fixar.

13. As duas Altas Partes Contratantes comprometem-se ainda pelo presente Tratado a:

a) Considerar ipso facto extensivos aos nacionais da outra Parte Contratante os benefícios concedidos por uma delas a quaisquer estrangeiros no seu território.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, na sua já citada declaração a imprensa, definiu este princípio como o «de aplicação do estatuto mais favorável». Fica assim assegurado que, para além da equiparação de direitos e benefícios estabelecidos ou enunciados neste Tratado, não haverá de futuro estrangeiros (nacionais de outros países) com melhor tratamento do que o atribuído em Portugal e no Brasil aos Brasileiros e aos Portugueses. Este regra não sofre, em qualquer matéria ou aspecto, excepção.

b) Promover a expedição das disposições legislativas e regulamentares necessárias e convenientes para a melhor aplicação dos princípios do Tratado;
c) A estudar, sempre que oportuno e necessário, os meios de desenvolver o progresso, a harmonia e o prestígio da Comunidade Luso-Brasileira no Mundo.

14. O Tratado abre um caminho. Compete agora aos dois Países segui-lo. E é de esperar que o mesmo espírito que dá ao actual instrumento diplomático uma significação internacional e um sentido histórico dignos do comum e glorioso passado dos dois povos complete, na indispensável aplicação regulamentar dos princípios agora proclamados e das regras gerais estabelecidas, a continuidade e as generosas intenções da obra iniciada.

Página 592

592 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

III

Conclusões

15. Em resumo, o Tratado de Amizade e Consulta, assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro último pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil e pelo Embaixador de Portugal, consagra, jurídica e politicamente, & grande realidade histórica e étnica duma Comunidade Luso-Brasileira no Mundo. Esse facto considerável, que reata a tradição do Tratado de Paz, Amizade e Aliança, de 29 de Agosto de 1825, em que Portugal -reconhecendo u independência do Brasil - e o Império Brasileiro, independente, proclamaram, ambos, a existência para o futuro de «paz e aliança e a roais perfeita amizade» entre os dois povos, lança .as bases duma política cujo alcance, não só para a projecção dos dou Países, mas para o reforço da acção ocidental e atlântica, não pode ser posto em dúvida.
Perante a acuidade dos problemas que agitam a nossa época e as forças políticas desencadeadas no Mundo, a tendência do nosso tempo é incontestavelmente para a formação de grandes blocos internacionais. Os povos procuram agrupar-se para fazer face às necessidades da sua sobrevivência e defesa, como da sua própria vida económica e da sua expansão. Alargam-se os horizontes humanos. As afinidades de cultura, de civilização, de raças e de interesses criam dentro das soberanias nacionais e para além delas formas novas de entendimento, de resistência e de projecção.
Aproximando-se mais intimamente neste declive da História, unindo-se melhor para as contingências do Presente e as interrogações do Futuro, Portugal e Brasil dão mais uma prova daquele sexto sentido internacional que foi sempre, em todas as contingências, uma das grandes forças desse génio nacional que é nosso comum património. A existência, juridicamente afirmada, de uma Comunidade Luso-Brasileira no Mundo é susceptível de constituir uma força e uma convergência diplomáticas capazes de exercerem uma acção de seguras repercussões na política intercontinental do Ocidente. A transcendência desse acontecimento reconheceu-a expressamente para o Brasil o seu Ministro das Relações Exteriores, Prof. Vicente Hão, declarando que, pelo Tratado, e o Brasil ultrapassa a fase do seu continentalismo e toma posições na política mundial de mãos dadas com a gloriosa Nação Portuguesa ».
O mesmo reconhecimento poderemos proclamar para os vastos interesses e direitos de Portugal no Mundo.
A simples proclamação de existência de uma Comunidade Luso-Brasileira cria já um facto novo, do qual nos é lícito tirar para benefício dos. dois Países Irmãos as consequências que ele implica.
Não se trata de uma simples e simbólica apoteose de um Passado que teria já a sua significação e a sua grandeza. Trata-se de uma construção nova, de uma realidade política em que as raízes as comum civilização e o sentido das perspectivas do futuro se unem na afirmação de uma identidade de destino e numa solidariedade de raça, abrindo clareiras novas ao caminho ocidental dos dois povos, que, historicamente, atlânticamente, se completam.
As cláusulas do Tratado agora submetido ao exame desta Câmara Corporativa, e que rapidamente passamos em revista, desenvolvem juridicamente o princípio de amizade e de entendimento que o Tratado contém e que constituem a sua vasta inspiração e a sua estrutura. Precisarão, naturalmente, essas cláusulas de ser regulamentadas por disposições de ordem interna em ambos os Países, de forma a realizar o pensamento dos negociadores do acordo.

16. Volvendo o seu pensamento para a Grande Nação Brasileira, para os redivivos laços de sangue, de espírito e de sentimento que a ligam a Portugal e que no presente instrumento diplomático encontram uma elevada e viva expressão, é esta Câmara de parecer que a Assembleia Nacional deve aprovar o Tratado de Amizade e Consulta com o Brasil, para ratificação pelo Chefe de Estado, na forma de Constituição.

Palácio de S. Bento, 19 de Fevereiro de 1954.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queira.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso,
Luís Supico Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Manuel António Fernando.
José Caeiro da Mata.
Júlio Dantas.
Augusto de Castro, relator.

PARECER N.º 5/VI

Proposta de lei n.º 9

A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103." da Constituição acerca da proposta de lei n.º 9, emite pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e Administração-Geral, Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral), sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. A Assembleia Nacional submeteu ao parecer da Câmara Corporativa, nos termos do artigo 103.º da Constituição, a proposta de lei que define o novo plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas para o período de 1956 a 1970, num total de 6 milhões de contos.
O despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho que remeteu a proposta à Assembleia Nacional tem a data do 17. de Fevereiro e, declarando a urgência, Ex.ª o prazo de oito dias para apresentação do parecer da Câmara Corporativa. Os documentos deram entrada na Secretaria em 13 do mesmo mês. A reunião das subsecções, convocadas para designação do relator, teve lugar em 19 do referido mês.

2. Depreende-se da leitura da proposta de lei e respectivo preâmbulo que o seu único objectivo é habili-

Página 593

10 DE MARÇO DE 1954 593

tar o Governo a estabelecer novo plano de financiamento à Junta Autónoma de Estradas, não só com o fim de não ser perturbado o ritmo da sua actividade como também o de facultar a esse organismo possibilidades financeiras mais latas que lhe permitam, quer acompanhar o progresso verificado na utilização das nossas estradas, em consequência do aumento do tráfego automóvel cada vez mais acentuado, quer prosseguir os trabalhos de construção de novas estradas nacionais, cuja rede está ainda longe de completar-se.

3. A ninguém é estranha hoje em dia a importância dos meios de comunicação terrestres, por tal forma a todos se depara a exigência imposta pela vida moderna do transporte rápido de pessoas e mercadorias, que só pode assegurar-se em condições de comodidade, segurança e economia mercê das redes do comunicação
- estradas ou caminhos de ferro - delineadas, construídas e equipadas segundo os mais recentes preceitos da técnica.
E pode afirmar-se que, perfeitamente coordenadas na sua função, constituem essas redes de transporte os fulcros da vida económica de um país, denunciando índices seguros do progresso nacional o grau do seu desenvolvimento e qualidade dos serviços que facultam.
De uma maneira geral em todos os países, o extraordinário incremento verificado na viação motorizada - cada vez com exigências mais insistentes - e o correlativo aumento de tráfego fazem com que se procure afanosamente reorganizar - essas redes de transportes de forma a torná-las aptas a satisfazer cabalmente aos requisitos da sua utilização.
No que respeita à rede rodoviária isto conduz a completá-la e a modernizar os antigas estradas construídas na época de tracção animal, adaptando-as convenientemente n circulação acelerada, que hoje constitui percentagem dominante do seu tráfego.
Paralelamente, a rede do caminho de ferro - cuja utilidade se mantém indiscutível -, para poder enfrentar a concorrência dos transportes mecânicos por estrada, terá de reapetrechar-se e modificar profundamente os seus processos de exploração, no intuito de modernizar e embora tecer os seus serviços, condição indispensável para poder readquirir e manter o tráfego que »e desviou pura a estrada e por sua natureza lho deve pertencer.
Ambos estes objectivos, dada a envergadura dos problemas em causa, exigem a solícita atenção e o apoio dos Poderes Públicos, a fim de que o desenvolvimento da economia nacional possa acompanhar o ritmo marcado pelos países progressivos e não estagne, privada do contributo vital das suas redes de comunicação terrestres.
A proposta do Governo, de que se ocupa o presente parecer, ajusta-se perfeitamente a este princípio, no que se refere à rede rodoviária. Certamente que outras medidos além das já adoptadas serão oportunamente promulgadas para continuarem a ser atendidas as necessidades do desenvolvimento paralelo da rede ferroviária nacional.

4. A política de fomento dos transportes rodoviários marcou o seu início no nosso país com a criação da Junta Autónoma de Estradas, organismo cuja activa e prestante actuação, através dos recursos que lhe têm sido facultados, nunca é demais realçar.
O panorama oferecido pelo problema rodoviário nacional à data da criação da Junta Autónoma de Estradas está expressivamente esboçado no texto justificativo da proposta de lei que se aprecia.
Após vinte e cinco anos de um labor exaustivo e despendidas verbas no montante de 4 440 000 contos, foi possível, num ritmo de cerca de 105 km por ano, construir à voltar de 4 000 km de estradas, reparar os itinerários mais importantes do País, sem menosprezo da tarefa de conservação das restantes estradas e da sua conveniente sinalização e equipamento. Naquele montante de encargos estão ainda incluídas verbas correspondentes à construção de pontes, entre elas algumas de grande vulto (Vila Franca 124 000 contos; Entre-os-Rios, cerca de 6000 contos; Viaduto Duarte Pacheco, cerca de 19 000 contos, etc., e também a de estradas especiais (Estrada Marginal, cerca de 62000 contos, Auto-Estrada 32 500 contos, Marginal do Douro, de que vão gastos cerca de 20 000 contos, etc.).
Nota-se que cerca de 1 000 km, englobados no total mencionado na alínea b) do n.º 1 da proposta de lei, correspondem a estradas municipais que foram integradas em percursos das estradas nacionais.
Com a preocupação inicial de se conseguirem rapidamente condições razoáveis de circulação e também porque o tráfego automóvel nas estradas do País era ainda então pouco intenso (17 741 era o número de automóveis registados em 31 de Dezembro de 1928) a obra que se realizou durante a primeira fase da actividade da Junta Autónoma de Estradas na recuperação dos pavimentos não pôde ser, na generalidade, acompanhada de beneficiações das características de traçado, pelo que os trabalhos levados a efeito não deviam considerar-se logo definitivos.
Uma vez restabelecida a possibilidade de se circular pelas principais estradas do País o tráfego de veículos motorizados foi aumentando sucessivamente e em fins de 1939 era já de 53 285 o número total desses veículos registados no continente, compreendendo 10 775 automóveis pesados e 4 639 motociclos.
De 1939 a 1953 o parque automóvel nacional elevou-se de 71 690 unidades, atingindo em 31 .do Novembro de 1953 o valor de 124 975 veículos, dos quais 23 589 pesados e 9 752 motociclos. Assim esse parque aumentou de cerca de 134 por cento naquele período e, em relação no de 1928, foi de COO por cento o aumento que se apurou.
Partindo de um percurso médio anual de 5 000 km por veículo em 1928, de 10 000 km em 1939 e de 12 000 km em 1953, poderá computar-se a circulação automóvel no nosso país nesses referidos anos, respectivamente, em 88 700 000 km, 530 000 000 km e 1 500 000 000 km.
De 1948 a 1953 fui de 58,5 por cento o aumento verificado para o parque automóvel nacional.
Estimando em 40 contos o valor unitário médio dos veículos automóveis hoje em circulação, pode avaliar-se em 5 milhões de contos o parque automóvel nacional.
Regista-se que a distribuição per capita dos veículos automóveis no nosso País é, apesar de tudo, ainda muito reduzida: l veículo por cerca de 70 habitantes.

5. As considerações contidas no n.º 2 do preâmbulo justificativo da proposta de lei são baseadas em dados de informação de proveniência norte-americana sobre os encargos que uma rede de estradas inadequada ao tráfego automóvel pode ocasionar para a economia de um país, por virtude do agravamento do custo do transporte rodoviário, quer por mau estado dos pavimentos, quer por deficiência das suas características técnicas. Tais considerações, aliadas ao facto de na nossa rede rodoviária existirem ainda bastantes estradas que enfermam desses inconvenientes, evidenciam a necessidade de, nos planos de trabalhos da Junta Autónoma de Estradas, as obras necessárias para satisfazer às exigências efectivas da circulação automóvel serem consideradas no mesmo plano em que se situam outras obras inadiáveis, tais como as que visam assegurar a permanente manu-

Página 594

594 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

tenção em bom estudo da rede existente de forma a evitar a destruição progressiva desta parcela tão importante do património nacional.
Sublinhe-se ainda que o facto de uma rede rodoviária não satisfazer às exigências de uma perfeita circulação automóvel, independentemente das repercussões sobre o preço do custo do transporte, se traduz sempre num notável aumento do numero de acidentes.
Não se dispõe ainda no nosso paia de elementos estatísticos e de outra índole indispensáveis para o confronto entre os investimentos aplicados num vasto plano de trabalhos de adaptação da rede nacional ao tráfego moderno e a redução de encargos assim obtida para a exploração rodoviária.
Não será destituído de interesse referir-se que em Inglaterra, tendo sido estabelecido um plano para construção de estradas de grande tráfego e calculada a economia que resultaria para o país dessa obra, se concluiu que seria de 8 milhões de contos anuais e que, nestas condições, o custo total das estradas projectadas seria totalmente amortizado no prazo de dois anos. Para estradas secundárias chegou-se a conclusões da mesma ordem.
É lícito prever que um cálculo semelhante aplicado à reforma da rede rodoviária nacional haveria de conduzir a conclusões da mesma natureza sobre a alta rentabilidade dos investimentos necessários.
Em plano bem mais modesto pode valer a pena referir os resultados de um estudo levado a efeito pelos serviços da Junta Autónoma de Estradas a propósito de um caso restrito de melhoria de traçados das variantes introduzidas na estrada nacional n.º 10, que constitui um dos itinerários classificados principais [Lisboa (Cacilhas)-Setúbal-Vila Franca de Xira-Lisboa ({Encarnação}]. A primeira, designada por «variante de Cacilhas», cuja construção importou em 7 500 contos, suportava, à data do estudo referido, um tráfego médio diário d« 1200 veículos. A respectiva extensão, de cerca de 1 800 m, é sensivelmente a do troço de estrada que foi abandonado. No entanto, atendendo à economia do tempo -que se cifra em sessenta horas/dia do um veículo- proporcionada à circulação por esta variante e à redução de paragens e arranques na travessia de Cacilhas, calculou-se que esta obra representava uma economia anual de exploração de 500 contos.
A segunda variante, a 6 km desta, no lugar denominado «do Fogueteiro», custou 3 080 coutos e suportava na ocasião do estudo um tráfego diário de 633 veículos. Determinou a sua construção um encurtamento de 1 800 01 em relação ao traçado antigo, ocasionando para camionetas das carreiras de transportes colectivos uma redução de quatro minutos no tempo do percurso, o que se calculou traduzir-se numa economia anual de 635 contos para a exploração.
As vantagens de ambas estas obras cifraram-se na redução de 1$ no (preço tarifário correspondente ao percurso Lisboa-Setúbal nas carreiras estabelecidas entre essas duas cidades. Sendo de cerca de 495 000 o número de passageiros beneficiários de tal redução, conclui-se que o público obteve uma vantagem directa à volta cie 500 contos por ano em consequência das melhorias introduzidas no traçado e no pavimento de uma estrada existente.
Verifica-se, além disso, que em pouco mais de uma década as economias directas obtidas na exploração saldarão totalmente os encargos das obras executadas.

6. As novas estradas construídas pela Junta Autónoma de Estradas e as que mais recentemente sofreram grandes reparações, incluindo o alargamento da plataforma e correcções de traçado, apresentam já boas condições de circulação para os veículos automóveis. E, todavia, relativamente pequena - apenas 5 000 km - a extensão dos troços nestas condições, e, sendo por vezes bastante dispersos, resulta não apresentarem certos percursos a desejada homogeneidade de características, o que é manifestamente inconveniente para a viação acelerada.
Com pavimentos já revestidos existem, por outro lado, cerca de 4 000 km de estrada, que carecem todavia de urgente beneficiação, imposta não só pela exagerada curvatura que apresenta a faixa de rolagem como pelo estado do próprio pavimento, já bastante irregular e muito desgastado pelo tráfego que tem suportado.
No que respeita à largura da faixa de circulação (ver quadro), apenas 9 por cento da rede atinge ou excede 6 m. Na parte restante grande parte das estradas apresentam uma largura apenas de 5 m (nalguns casos ainda mais reduzida), ao passo que o gabarit dos veículos de carga o de passageiros pode atingir legalmente 2,50 m.

Larguras das estradas nacionais em Julho de 1953

(Ver tabela na imagem)

7. Fará bem ajuizar do grande número de obras prementes que é necessário u Junta Autónoma do Estradas levar a cabo para dotar a rede rodoviária nacional de todos os melhoramentos que exigem as estradas modernas há ainda a referir as seguintes:
a) Construção de variantes para evitar a travessia dos aglomerados populacionais pelas vias de circulação de longo curso, como se impõe não só para facilidade do trânsito como para segurança e tranquilidade dos respectivos habitantes;
b) A supressão de passagens de nível, ainda em número de 361, das quais 107 nos itinerários principais e nas estradas nacionais de 1.ª classe, 87 nas estradas nacionais de 2.ª classe e 167 nos estradas nacionais de 3.ª classe.
Desnecessário é encarecer a importância destas obras para salvaguarda da segurança da circulação;
c) Nas proximidades dos grandes centros (Lisboa, Porto e Coimbra) haverá necessidade, imposta pelo volume e heterogeneidade do tráfego, de construir alguns troços de novas estradas com características apropriadas, dada a impossibilidade de uma satisfatória adaptação das actuais ao escoamento desse tráfego com a devida rapidez e indispensável segurança das diversas categorias dos seus usuários.
Constituem estas duplicações de via obras sempre muito dispendiosas, mas, perante as considerações já anteriormente apresentadas acerca do agravamento do custo do transporte automóvel e notável aumento do número de acidentes por falta de estradas com características adequadas ao tráfego que deverão escoar, será de admitir a amortização a curto prazo dos encargos com a execução dessas obras. Mesmo na simples adaptação de certas estradas às exigências da viação moderna

Página 595

10 DE MARÇO DE 1954 595

haverá quo dotá-las, quando condições especiais o imponham, com faixas privativas para a circulação de peões e ciclistas, com o objectivo do os proteger dos veículos automóveis, evitando ao mesmo tempo que estes sejam estorvados no seu célere andamento pelos usuários de deslocação mais lenta.
A todas estas exigências há que atender judiciosamente, a fim de que a melhoria das condições de circulação nas estradas do país corresponda, agora e no futuro, no volume do tráfego ti escoar e à comodidade e segurança de todos quantos delas hajam de utilizar-se;
d) Conforme se deduz de um gráfico elaborado pela Junta Autónoma de Estradas, relativo à natureza dos pavimentos, a extensão de macadames é ainda actualmente cerca de 60 por conto da do conjunto da rede, havendo alguns distintos em que esta percentagem anda por 70 por cento ou mais da respectiva rede.
Embora aquele extensão corresponda em grande parte a estradas secundárias, a verdade é que o tráfego automóvel também as utiliza, e esse tipo de pavimento não se coaduna nem com as exigências da viação moderna nem com o propósito de diminuir os gravosos encargos provenientes da adopção dos macadames não revestidos, de tão curta duração e difícil manutenção quando sujeitos mesmo a fraca circulação de veículos motorizados.
É pois problema a enfrentar também com urgência este de melhorar os pavimentos das estradas macadamizadas;
e) Apesar de se ter persistido sempre em melhorar, reparar ou substituir as antigas pontes das estradas nacionais, são ainda em grande número aquelas que, pela escassa largura do seu perfil e precário estado das suas condições de robustez ou de estabilidade, necessitam de ser urgentemente substituídas, pondo assim termo aos entraves e restrições que determinam à livre circulação dos veículos e cargas consentidas pela legislação vigente.
Justifica-se por isso cabalmente que se procura prosseguir nessa orientação, facultando-se os recursos para realização de tão premente tarefa.

8. Como se depreende dos dados menciona dos no preambulo da proposta de lei sobre o novo plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas, é ainda de 3 668 km a extensão que resta construir das estrados classificadas pelo Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1940.
Não vale a pena esclarecer a pequena divergência entre aquele número e o resultante da diferença entre a extensão da rede - 20 597 km - indicada no citado diploma e os 17 000 km que se mencionam como já construídos. De facto, não tendo significado preciso aquele lotai, visto ser somatório de parcelas sujeitas, algumas, a rectificação, porque envolvem extensões aproximadas de certas estradas quo ainda nem projectadas foram, qualquer imprecisão no apuramento da extensão das estradas ainda por construir não tem, por agora, importância de maior.
Deverá aceitar-se, assim, que a indicação de s4000 km aproximadamente» deve fornecer a ordem de grandeza dos trabalhos de construção ainda a executar para ser completado o total da rede classificada, tanto mais que o quantitativo que se (fixa no novo plano de financiamento para realização dentro do respectivo prazo de vigência fica ainda bastante aquém do termo a atingir. Prevê-se de facto que apenas 1 800 km de estradas e respectivas pontes se construam por conta das dotações que, conforme escalonamento prefixado, serão concedidas u Junta Autónoma de Estradas no período do 1956-1970.
Em mapa organizado pela Junta Autónoma de Estradas fui representado o esquema destas obras de construção de novas estradas, disseminadas por todo o País, e que, conjugadas com os trabalhos a realizar de alargamento e pavimentação, figurados também no referido mapa, deverão assegurar satisfatoriamente a resolução dos problemas rodoviários mais instantes nas diversas regiões do País.

9. Todavia, a função da rede nacional, que assim se vai desenvolvendo, só será totalmente preenchida quando seja possível fazer afluir a ela o número necessário de estradas municipais que das regiões mais recônditas do País possam drenar, para distribuir, os produtos de que disponham e fazer chegar até elas os indispensáveis recursos ao seu desenvolvimento económico e social.
Fomentar, pois, a construção simultânea da rede das estradas municipais será contribuir para o maior rendimento da rede nacional e para a valorização da riqueza pública.
A Câmara Corporativa não desconhece que o Governo desde há anos vem dedicando a sua atenção ao problema da viação municipal, como pode verificar-se pelas disposições que no plano rodoviário (Decreto-Lei n.º 34593, de 11 de Maio de 1945) determinam a classificação de todos os estradas municipais do continente, ponto de partida essencial para poder providenciar-se metódica e progressivamente no sentido do desenvolvimento e indispensável manutenção de uma rede rodoviária municipal.
E, nessa orientação, será dentro em breve apresentado a apreciação superior o relatório da comissão de apreciação das reclamações dos municípios, em relação ao plano de classificação provisória publicado com o Decreto n.º 38 051, de 13 de Novembro de 1950, e cujo prazo de elaboração foi mais tarde prorrogado pelo Decreto n.º 39 086, de 22 de Janeiro de 1953.
De harmonia ainda com aquelas mesmas referidas disposições e visando idênticos objectivos, foi já também nomeada uma comissão incumbida da elaboração de um plana provisório de classificação dos caminhos municipais.
A Câmara Corporativa, sem ignorar a excepcional envergadura da tarefa, faz votos por que as diligências em curso dêem lugar, em prazo breve, à adopção de medidas que orientem no caminho de uma definitiva resolução o problema da viação municipal, complemento indispensável ao perfeito rendimento, sob todos os aspectos, da rede nacional.

10. Tendo em conta o avultado custo do material mecânico para a mais eficiente construção o reparação das estradas sob a direcção de técnicos especializados em contraste com os minguados réditos dos municípios, que só mercê de subsídios do Estado, também modestos, têm podido - e muito lentamente - ampliar as redes dos respectivos concelhos, e ainda assim à custa do abandono da ampliação e conservação da viação vicinal, específica das autarquias locais e não menos indispensável, ocorre pôr a questão de se ponderar se não será apenas com a adopção de disposições idênticas às que se têm dedicado às estradas nacionais, e agora mais uma vez se efectivam com o plano em apreciação, que poderá atingir-se aquele almejado objectivo, logo que seja aprovada a rede das estradas municipais na extensão de cerca de 16 000 km, dos quais 6 500 km por construir.
É certo que os encargos inerentes às redes dos comunicações terrestres rodoviárias são pesadíssimos para o erário de ura país, e quase sempre há sérias dificuldades em satisfazê-los com a suficiência, regularidade e oportunidade indispensáveis à execução dos planos de de-

Página 596

596 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

senvolvimento, aperfeiçoamento e conservação dessas redes, com manifesto prejuízo para a sua prosperidade económica, sobretudo quando a totalidade dos fundos para execução desses planos provém, como no nosso caso, das suas receitas gerais.
Estas dificuldades e correlativos inconvenientes em atender aos gastos cada vez mais avultados com o equipamento das redes rodoviárias levaram alguns países a procurar fórmulas de financiamento que permitissem atender não só à preocupação de assegurar os necessários recursos, mas também a perenidade dessa assistência financeira.
Tais fórmulas têm por base a cobrança de taxas especiais sobre a circulação rodoviária, cujo produto se destina a aplicar directamente ou, em casos de plano" de maior envergadura, servir de caução a empréstimos.
Seria esta porventura a maneira de, com regularidade e garantia, assegurar os créditos bastantes aos serviços incumbidos da resolução dos problemas rodoviários nacionais e facilitar aos Governos a resolução de uma das suas mais prementes preocupações financeiras, cuja projecção sob os aspectos económico, social, político e militar supérfluo é pôr em relevo.
O volume já boje atingido pelas receitas do Estado provenientes da circulação rodoviária favorece este ponto de vista. Em qualquer caso a importância manifesta do problema induz a Câmara Corporativa a emitir o voto de que o Governo prossiga no seu estudo com o objectivo de prover às necessidades do desenvolvimento, aperfeiçoamento e constante conservação não só da rede rodoviária nacional, mas também da viação municipal.

11. Da necessidade e urgência de se dotar a Junta Autónoma de Estradas com novos recursos financeiros, a fim de que possa orientar o plano das suas realizações no biénio 1954-1955, se citam, no n.º 3 do relatório que precede a proposta de lei em estudo, as ponderosas razões justificativas.
É, por estimativa das obras mais prementes exigidas pelo aperfeiçoamento e manutenção das estradas já existentes da rede nacional e dos encargos ria construção rins que faltam para a concluir, avaliou-se em 6 milhões de contos o custo do conjunto desses trabalhos.
Quanto ao seu quantitativo, foi ele apurado mediante estudo dos problemas, que, desde há muito, preocupam a Junta Autónoma de Estradas, e de grande parte dos quais tem vindo a ser diferida a respectiva resolução por deficiente capacidade financeira para os solucionar.
Os preços-base do montante estimado são valores médios de custo, que a longa experiência dos serviços sanciona.
Essa estimativa pode assim apresentar-se:

Contos
Alargamento e pavimentação de 4 000 km de estradas importantes . ...1 600 000
Pavimentação de 5 000 km de estradas secundárias ............... 750 000
Construção de 3 668 km de estradas s respectivas pontes ......... 2 900 000
Supressão de 361 passagens de nível....... 360 000
Construção de novas pontes em substituição dos antigas ......... 200 000
5 810 000
isto é, cerca de 6000000 de contos.
A estes encargos haverá de adicionar-se os que anualmente correspondem às despesos gerais da Junta - 75 000 contos - e à conservação corrente das estradas - 55 000 contos, à base de cerca de 3 contos por quilómetro -, num total de 130 000 coutos.
Não considerou o Governo asado o momento para o financiamento da execução em prazo curto do volume global das obras que se incluíram na estimativa apresentada, dados os avultados compromissos assumidos com a execução do Plano de Fomento, e, assim, houve por bem estabelecer uma primeira fase de realizações mais urgentes a levar a efeito no prazo de quinze anos, incluindo-se nela apenas as seguintes obras:

Contos
Alargamento e pavimentação de estradas importantes - 4 000 km .... 1 600 000
Pavimentação de estradas secundárias - 5 000 km .............. 750 000
Construção de estradas (incluindo pontes) - 1800 km ... ... ... . 1 450 000
Supressão da passagem de nível - 100........ 120 000
Substituição de pontes - 100 ........... 100 000
4 020 000
Imprevistos ............ 180 000
Total ...... . 4 200 000

A acrescer a este montante haverá n considerar aqueles encargos anuais de 130 000 contos, correspondentes às despesas gerais da Junta e da conservação corrente das estradas, representando um total de 2 080 000 contos, compreendida a anuidade desses encargos correspondente ao ano de 1955, anuidade que se considera dever ser também já de 130 000 contos.
Assim, a importância global ascenderá a 6 280 000 contos, que, deduzida da dotação já assegurada para o ano de 1955, mas ainda não comprometida, se reduzirá a 6 000 000 de contos, por arredondamento, e tal será o montante dos encargos do plano.
Resumindo:

Contos
Estimativa dus obras ........ 4 200 000
Total dos encargos anuais relativos a despesas gerais e
a conservação corrente 16x130 000...... ........ 2 080 000
6 280 000
Dedução da dotação pura 1955........ 256 000
6 024 000

ou seja, em números redondos, 6 000 000 de coutos.
A dotação média anual da Junta Autónoma de Estradas será, pois, no período de 1956-1970, de 400 000, que excede em 144 000 aquela de que actualmente dispõe.
Tem o Governo como bastante avultada esta diferença, mas bem a aceita, mesmo em detrimento de outras despesas de menor urgência, em presença da magnitude e oportunidade do problema a enfrentar e da convicção dos indiscutíveis benefícios que da sua resolução devem advir para a economia geral do País.
No escalonamento das dotações anuais do plano de financiamento foram fixados três períodos, tendo-se em consideração não só a coincidência dos três primeiros anos da respectiva vigência com os três últimos da do Plano de Fomento, como ainda o propósito de graduar a intensificação da actividade da Junta de forma a facilitar-lhe a elaboração dos projectos relativos ao grande número de obras que terá de executar.
Prevê-se, no entanto, a faculdade de o Governo, em casos que o justifiquem, reforçar as verbas dos primeiros períodos, compensando-se essas alterações à custa do montante total do último.

12. Finalmente deixa-se neste parecer um simples comentário ao prazo de execução do plano, que a pro-

Página 597

10 DE MARÇO DE 1954 597

posta de lei fixa em quinze anos. Parece, na realidade, muito contingente uma previsão das possibilidades do erário e das necessidades da rede rodoviária a tão longa distância. A própria flutuação do valor da moeda e do custo dos trabalhos contribui para que se afigure à Câmara Corporativa que teria sido preferível estabelecer um prazo sensivelmente mais curto.

II

Exame na especialidade

13. A proposta de lei em estudo contém apenas três bases.
O texto do corpo da base I institui o montante do financiamento a assegurar à Junta Autónoma de Estradas - 6 000 000 de contos - e o prazo da sua vigência - período do 1956-1970 - e fixa a proveniência orçamental e o modo de distribuição das dotações anuais nos três períodos em que, para o efeito, se escalonam os quinze anos da duração do plano: 1.º período de 1956 a 1958; 2.º período de 1959 a 1961; 3.º período de 1962 a 1970.
O § único desta base atribui ao Governo a faculdade, já referida, de, em determinadas circunstâncias, reforçar os dotações extraordinárias dos primeiros períodos, deduzindo esses reforços da verba total do terceiro.
As razões explicativas apresentadas, por parte do Governo, da impossibilidade, de momento, de se financiar mais amplamente a Junta Autónoma de Estradas a fim de, em ritmo mais acelerado, se executar o volume de trabalhos considerados mais urgentes para beneficiação das estradas existentes da nossa rede, e ainda para conclusão desta, são persuasivas.
A Câmara Corporativa, reconhecendo o elevado interesse que a Administração tem dedicado ao problema rodoviário, emite todavia o voto de que, em todas as oportunidades propícias que surjam, se procure proporcionar novos recursos àquele organismo para que as obras rodoviárias - que são essencialmente obras de fomento, e das mais remuneradoras - possam ser levadas o mais rapidamente possível àquele estado de desenvolvimento e aperfeiçoamento que assegurem a extensão da rede nacional a todas as regiões do País e a respectiva explorarão nus melhores condições económicas e de segurança.

14. Sobre a forma como se estabelece a distribuição das dotações anuais a Câmara Corporativa considera que a possibilidade que é estabelecida no § único desta base permitirá atender facilmente a emergências que impliquem inesperados afluxos de encargos a Junta. Afigura-se desnecessário encarecer a vantagem desta disposição.
No que respeita à natureza e quantitativo dos trabalhos incluídos na estimativa apresentada, verifica-se que foi nas obras de construção de novas estradas que especialmente incidiu a redução feita nas realizações mencionadas como indispensáveis, de momento, para se completar e adoptar convenientemente às exigências actuais do tráfego a rede rodoviária nacional. E diz-se «de momento» porquanto é fora de dúvida que a obra das estradas jamais será concluída, porque novas necessidades se manifestarão sem cessar.
Desde que se verifica a impossibilidade financeira de se atender a tudo quanto se apurou conveniente realizar, afigura-se defensável que fosse nas obras novas que se diferisse o que, desde já, não pode o erário comportar e se atendesse, de preferência, À manutenção das vias rodoviárias já existentes, em parte com pavimentos carecidos de imediata assistência, para não caírem em breve em estado de ruína, e numa grande percentagem com características impeditivas de uma exploração acautelada por efectiva segurança e favorável à economia da Nação. E facto que certas populações verão assim protelada ainda por mais alguns anos a satisfação dos seus anseios por uma via que vá servir e beneficiar as respectivas regiões. Mas poderão ser atenuados, em. parte, esses inconvenientes, procurando, na medida do possível e mediante judicioso critério de preferência, não só construir as novos estradas nacionais servindo povoações ainda desprovidas de qualquer meio de transporte acelerado, como também, dentro do conceito já anteriormente expendido de intensificar a construção de estradas (municipais, ligar por uma destas vias tais povoações à estrada nacional ou ú estacão ferroviária mais próximas.
Um outro ponto que também justifica a preocupação de preferência, no tempo, a observar quanto à execução dos trabalhos de rectificação de traçados é o que respeita aos percursos, no nosso país, das grandes estradas e tráfego internacional.
Pelo Decreto-Lei n.º 39 451, de 24 de Novembro de 1953, o nosso país exprimiu a sua adesão à Declaração Relativa à Construção de Grandes Estradas de Tráfego Internacional, assinada em Genebra em 16 de Setembro de 1950, impondo-se assim que naqueles percursos se efectuem, com a possível brevidade, as necessárias obras de adaptação, em obediência às características fundamentais estabelecidas na referida Declaração.
A Câmara Corporativa, por virtude de não colidirem. estos suas considerações com a essência do texto da base I e respectivo parágrafo, que em si mesmo considera aceitáveis, dá a sua concordância à respectiva redacção.

15. O objectivo do preceito contido na base II é o de generalizar às dotações concedidas pelo novo plano de financiamento disposição legal que já condiciona a execução das obras a cargo da Junta Autónoma de Estradas e cujo teor é o seguinte:

A Junta Autónoma de Estradas promoverá a execução das obras a seu cargo por forma que em cada ano económico não haja que satisfazer quantia superior à sua dotação adicionada dos saldos dos anos anteriores, podendo, porém, realizar contratos cujos encargos sejam satisfeitos em vários anos, desde que os compromissos tomados caibam dentro das verbas que lhe forem asseguradas no ano económico que estiver correndo e no ano seguinte.

Afigura-se à Câmara Corporativa que estas normas, sujeitando a Junta Autónoma de Estradas às regras, de aplicação genérica aos serviços públicos, de satisfação de encargos anuais com limite no montante das respectivas dotações, continuarão, no entanto, a facilitar, em elevado grau, a organização sistemática dos planos com antecipação que evitará perturbações na cadência de realização dos trabalhos a seu cargo.
E assim considera também de manter o texto desta base II.

16. A base III faculta que, durante todo o período do plano de financiamento, a dotação ordinária da Junta se aplique apenas a trabalhos de conservação corrente, reconstrução e grande reparação, com a restrição, porém, de que, no respeitante aos trabalhos de conservação corrente, o respectivo montante não exceda o limite fixado no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 35 434, de 31 de Dezembro de 1945.
Através desta disposição visa-se a que, em mais curto prazo, possam executar-se os trabalhos de reconstrução e grande reparação de maior urgência que, por insufi-

Página 598

598 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

ciência de recursos financeiros, têm vindo sucessivamente a ser diferidos.
Reconhecesse de facto que insignificante vantagem resultaria da pulverização, por outros trabalhos mais além daqueles, da verba de 20 000 contos disponível para obras a custear pela dotação ordinária, depois de deduzidas as despesas gerais e encargos da conservação corrente, enquanto que melhor rendimento poderá dela obter-se utilizando-a integralmente nos obras de recuperação de pavimentos que estão a arruinar-se, isto, especialmente, durante os primeiros anos do novo financiamento, em que as respectivas dotações globais atingem menor volume.
E desta orientação nenhum prejuízo advirá paru a completa execução dos obras abrangidas no plano, pois que, como é óbvio, por conta das dotações provenientes do orçamento da despesa extraordinária poderão ser levados a efeito trabalhos incluídos em qualquer das rubricas previstas nesse plano.
O artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 35 434, a que se alude 110 texto desta base III, proscreve o seguinte:

Da verba atribuída à Junta no ano de 1946, e satisfeitos os restantes encargos, serão destituídos 40 por cento para conservação das estradas, 10 por cento para construção e conservação de pontes e 50 por cento para construção, reconstrução e grande reparação de estradas.
Nos anos seguintes a verba destinada à conservação será aumentada com 3.000$ por cada quilómetro de estrada entregue aos serviços de conservação, abatendo-se quantia correspondente na verba destinada à construção.
§ único. Da verba destinada aos trabalhos do construção, reconstrução e grande reparação serão atribuídos até 40 por cento dos primeiros e o restante aos de reconstrução e grande reparação.

Em 1946 a dotação da Junta Autónoma de Estradas era de 100 000 contos e as despesas gerais ascendiam a 40 000, restando assim para obras a verba de 60 000 contos, de que 40 por cento, ou seja 24 000 contos, se destinavam à conservação de estradas.
A extensão das estradas construídas era então de 16 200 km.
Segundo as prescrições do referido artigo 23.º, sendo actualmente a extensão da rede nacional rodoviária de cerca de 17 000 km, isto é, superior em 800 km à de 1946, a dotação de que os serviços de conservação deveriam dispor presentemente seria de 24:000.000$ + (800 x 3.000$) = 26 400 contos, manifestamente insuficiente para atender às exigências actuais dos trabalhos a seu cargo, pois se considera indispensável para tal fim u importância de 55 000 contos, como anteriormente se mencionou ao fixar o montante dos encargos a financiar u Junta Autónoma de Estradas no período de 1956-1970.
Ainda que aplicado fosse o critério prescrito no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 35 434, de 31 de Dezembro de 1945, u verba de 150 000 contos que pelo orçamento da despesa ordinária anualmente agora se fixa àquele organismo no novo plano de financiamento, uma vez que o encargo autuai das suas despesas gerais atinge 75 000 contos, a dotação que caberia à conservação corrente de estradas cifrava-se em 32:400.000$=40 por cento (150:000.000$-75:000.000$) +2:400.000$, bastante aquém ainda daquela exigida pela boa eficiência dos serviços.
Em tais condições parece não apresentar já agora significado adequado o critério de limitação da verba a destinar à conservação das estradas referido na base III, e à Câmara Corporativa afigura-se que outro mais simples e lógico seria de estabelecer de futuro com base no custo atribuído anualmente aos encargos de conservação por quilómetro de estrada, que a prática e o confronto com índices congéneres adoptados noutros países levam a fixar em 3.000$, como aliás se aceitava já naquele referido Decreto-Lei n.º 35 434.
E, sendo assim, é a Câmara Corporativa induzida a propor que a redacção da última parte da base m em apreciação seja substituída pela seguinte:

... sendo no entanto vedado, quanto aos primeiros, despender anualmente verba excedente ao produto de 3.000$ pelo número de quilómetros de extensão da rede de estradas existente.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo presente o exposto nos números anteriores e no preâmbulo da proposta de lei, considera este diploma de flagrante oportunidade e orientado em princípios de criteriosa administração, pelo que é de parecer que merece aprovação na generalidade.
Quanto à especialidade e pelas razões aduzidas no n.º 16, propõe que a redacção da base III do texto seja substituída pela seguinte:

BASE III

Durante o período referido na base I poderá a dotação ordinária da Junta ser destinada apenas a trabalhos de conservação corrente, reconstrução o grande reparação, sendo no entanto vedado, quanto aos primeiros, despender anualmente verba excedente ao produto de 3.000$ pelo número de quilómetros de extensão da rede de estradas existente.

Palácio de S. Bento, 3 de Março de 1954.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Eduardo de Arantes e Oliveira.
José de Queirós Voz Guedes.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos.
António Passos Oliveira Valença, relator.

Página 599

10 DE MARÇO DE 1954 599

Explicações do Sr. Ministro das Finanças

Ilmo. Sr. Presidente da Comissão de Finanças da Assembleia Nacional. - Foi em 26 de Janeiro de 1954 no Diário das Sessões n.º 19 um extenso e douto parecer da Câmara Corporativa (n.º 3/VI) sobre a proposta de lei n.º 5, que isentava de colecta as mais valias do rendimento líquido dos prédios rústicos onde tivessem sido efectuadas obras, plantações e outras benfeitorias agrícolas destinadas a tomar reprodutivo o capital fundiário.
Não se formulam no parecer críticas muito vivas à proposta deste Ministério nem se desenvolvem contra a sua economia argumentos nitidamente contrários, mas é certo que por citações, analogias e factos se podem autorizar hermenêuticas que se não contêm nos intuitos originários. E por isso se acuou indispensável dar explicações a este propósito.
A matéria é vasta, mas as principais afirmações do douto parecer podem condensar-se assim:

1.º São de prever desde já as dificuldades que a regulamentação do objectivo legal da proposta há-de trazer como consequência do rigor fiscal existente;
2.º A propriedade rústica encontra-se desvalorizada e até em retrocesso como base de riqueza tributável;
3.º Cotejando a legislação cadastral (Decreto-Lei n.º 36 505, de 11 de Setembro de 1947) e fazendo referencia ao Decreto n.º 14 162, sem se explicar completamente, aventa-se quanta aos concelhos cadastrados:

a) Que as plantações, obras de defesa contra cheias, culturas em terraços, etc.. são puro encargo descurável na noção de rendimento líquido;
b) Que as dependências agrícolas são um abate na conta estabelecida.

4.º Socorrendo-se depois do Código da Contribuição Predial de 1913, considerado nos seus comandos jurídicos como vago e impreciso quanto à determinação do rendimento líquido tributável, parece admitir que a regularidade das avaliações pressupõe a isenção das plantações e que os obras de drenagem, beneficiação e socalcos não são encargos, havendo omissão no tocante a encanamentos, ohms de regadio, etc.;
5.º As matrizes são uma negação da verdade (simplesmente não se diz qual a verdade relativa no debate: a do contribuinte ou a do fisco!);
6.º O benefício de anulação por sinistro teórico é anulado pelo aumento de colecta prático, em que caem os incautos;
7.º Na proposta não interessa considerar só os intuitos, mas também o zelo excessivo do funcionalismo das finanças, tão característico.

Por fim, redobrando-se em acauteladas recomendações, dá-se aprovação às directrizes propostas e adopta--se o texto bastante aproximado da proposta do Governo.
Como, além destes tópicos, muitos outros são fornecidos e desenvolvidos dentro da orientação firmada, de desconfiança das finanças e seu funcionalismo, citam-se agora alguns textos mais vivos, mas sem grande preocupação de escolha, os quais acentuam a direcção tomada e os objectivos postos no parecer:

... na previsão de uma futura regulamentação, certas dificuldades que podem resultar dos rigores do fisco.
... que sejam ainda mais largos os horizontes com que se encare o problema do fomento agrário.
... Do ponto de vista pericial as nossas matrizes são uma autêntica negação da verdade.
... O proprietário, porém, conclui que é preferível não requerer quaisquer benefícios ao fisco, dado que afinal em muitos casos não os recebe e por vezes tem até de suportar novos encargos.
... As facilidades e possibilidades que se oferecem ao proprietário pela sua defesa são muitas vezes anuladas na prática pelo rigor do fisco ...
... O estímulo pelo benefício fiscal que o Estado oferece ao proprietário rústico para atingir o objectivo desejado deverá ser acompanhado duma compreensiva actuação por parte do fisco, de forma a que sejam postas de parte certas práticas de que já se deu conta e se evite por parte do contribuinte o receio do aumento dos rendimentos colectáveis.
... excesso de zelo, tão peculiar nos funcionários que nesses serviços superintendem.
... Esclarecem-se agora as circunstâncias que levam a poder afirmar-se que, em muitos casos, esses melhoramentos não suo mais que simples obras de conservação de um rendimento anteriormente estabelecido e, noutros, simples operação de rotação de culturas.
As obras contra a erosão em terrenos cultivados têm o único sentido da sua conservação.
... A Camará Corporativa dá a sua aprovação às directrizes apresentadas pelo Governo nesta proposta de lei.
... a) A finalidade do fomento económico se sobrepõe a todo o espírito fiscal; ...

Estas e outras passagens foram troçadas com evidente preocupa-lo de realismo financeiro, mas estão em desacordo com a lição de crítica fiscal que autorizam.

Parecem registar singular capítulo da chamada revolta dos factos sociais contra as leis, mas deslocam o eixo do problema legislativo para um plano distante dos intuitos iniciais e permitem interpretações que julgamos diferentes da proposta.
Por isso se entende como dever e se tem como útil prestar explicações à muito digna Comissão de Finanças a Assembleia Nacional, para que possa tomar em conta os nossos verdadeiros propósitos e, mais do que isso, conheça por nós as razões que nos moveram.

I

Rendimentos prediais e colectas

1.º A solidariedade e a justiça social impõem que uma parte dos rendimentos derivados das terras seja deduzida para custear os encargos dos serviços públicos indivisíveis, por ser essa uma, das principais medidas tradicionais e compreensíveis de definir as possibilidades fiscais do contribuinte. Seria, portanto, iníquo que a riqueza mais lata e difundida, mais sólida e apetecida, não contribuísse para as despesas do Estado.

Página 600

600 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

Esta riqueza é ostensiva, define facilmente a situação dos seus proprietários e exploradores e permite presunções bastante rigorosas dos valores dela derivados ou produzidos.
Por outro lado, do contribuinte progressivo que melhora os seus prédios ao que explora a terra como se ela fosse puro capital, de que há alguns que receber um interesse ou uma renda reduzida a percentagem, vai distância enorme, que o imposto não pode ignorar - colhendo com mais vigor os abstencionistas ou indiferentes, ou, em lugar disso, limitando-se a poupar os proprietários mais construtivos. Assim, a adaptação à capacidade de pagar, dentro do dever geral de satisfazer os encargos públicos, pode fazer-se com a relativa justiça e com certo rigor económico nos princípios, mas não sem grandes complexidades e trabalhos na técnica, como é geralmente sabido.
Se esta adaptação da justiça tributária se levar mais longe, então tem de entrar-se em linha de conta com as classes, a situação familiar, o peso das dívidas, o equilíbrio entre regiões e grupos sociais, que não tornam fácil a tarefa do legislador e de quem administra, ao pretender que a adaptação se faça com uniformidade e igualdade de sacrifícios, princípios jurídicos irremovíveis na vida fiscal.
2.º A história da contribuição predial está feita pelos ilustres professores da cadeira de Finanças: desde as décimas e quintos, substituídos no Decreto de 31 de Dezembro de 1852, que mandou repartir em dois graus e que facilitou a organização de matrizes, até à Lei de 17 de Maio de 1880, que estabeleceu a ponte de passagem para o método da quotidade; desta à legislação republicana de 4 de Maio de 1911 e ao Código da Contribuição Predial de 1913, que, recorrendo às avaliações por inspecção directa, impôs taxas progressivas e depressivas e fez outras correcções tendentes a determinar aproximadamente os rendimentos normais líquidos; e daí até ao presente, em que, pela reforma fiscal de 13 de Abril de 1929 e legislação cadastral, com novas correcções, se procurou presumir ou averiguar mais aproximadamente da realidade dos factos económicos.
3.º Tem sido criticada - e com certa razão - a economia portuguesa pela modéstia dos seus investimentos, impondo-se ao Estado substituir-se aos particulares de limitada iniciativa, demasiado propensos à liquidez, ou previdentes em excesso. Haverá que discutir sobre certos ângulos a política financeira porque, formado o capital, ele não é canalizado ou não tem sido compelido a sobrevalorizar a riqueza nacional pelo aproveitamento mais rápido e intenso dos recursos naturais e da mão-de-obra.
Pareceu por isso defensável que nos campos se promovesse uma obra paralela e de mais lata rentabilidade do que a realizada nos grandes centros ao abrigo dos Decretos n.ºs 15 289, de 30 de Março de 1928, 16 731, de 13 de Abril de 1929, e 18 738, de 9 de Agosto de 1980.
Formulou-se assim uma proposta de isenções prediais, sujeita agora ao alto critério da Assembleia com as evidentes cautelas e apuros e depois de estudo minucioso das disposições paralelas anteriores ou vizinhas. Fez-se isto com o evidente e rectilíneo intuito de promover a iniciativa nos campos pela tranquilidade fiscal e elevar o nível de produção portuguesa, moderando os deveres que à riqueza actual incumbem.
4.º Não parece, pois, inteiramente justificado que se fale em imoderação do fisco. O que se chama tantas vezes rigor fiscal, espírito fiscal, violência do fisco é sobretudo na história dos factos económicos destes tempos, a defesa da Administração contra a fraude tributária. For isso impressiona menos o argumento do que à primeira vista se podia pensar.
De todos os tempos esta malícia no cumprimento dos deveres fiscais existe, esta malícia que esta revestindo novas formas e desafia a execução das leis. Tem havido mesmo progresso no nosso tempo nesta matéria, onde o engenho pode mais que o sacrifício leal e as faltas de sinceridade obtêm duplo prémio sobre a renúncia. A fraude fiscal consentida, tolerada e consagrada não pode obter nem transigências nem acomodações da parte de quem administra; assim, há que desculpar alguma coisa na severidade da tributação, mas não deve esconder-se e premiar-se ainda o que todos sabemos e já não se esconde.
Mas estas preocupações estão no pólo oposto ao plano da proposta.

II

Tributação objectiva

1.º Não se pode argumentar em nome do dia a dia, da primeira realidade dos factos tributários, do rendimento real disponível dos contribuintes, para fazer a crítica a um sistema que se baseia numa normalidade dos resultados da .propriedade rústica e que ainda não atingiu esse estado de evolução. Não se pode argumentar em nome da tributação subjectiva do rendimento contra a tributação objectiva ou parcial dos rendimentos das terras, casas, indústrias, capitais e comércios.
Desde a aplicação do método da quotidade pela Lei de 17 de Maio de 1880 que, por avaliações comparativas, correcções de matrizes, actualizações- e aplicação de coeficientes de depreciação, tais como os da Lei n.º 1 668 - à parte os concelhos - já cadastrados, onde se firma o princípio da avaliação por classes -, a nossa tributação do rendimento predial rústico atinge uma certa normalidade dos rendimentos líquidos e os concebe por aproximações e presunções que respeitam o segredo da vida de cada um.
Não procura, pois, os rendimentos realmente obtidos pela empresa agrícola nas lenhas, madeiras, colheitas e vendas de gado, nos seus resultados disponíveis para gastar, mas uma certa mediania que a lei presume, de harmonia com a tradição e os processos técnicos das avaliações matriciais e cadastrais.
Estão assim os contribuintes da predial rústica a coberto de ter de organizar e prestar contas de cultura, sofrer avaliações permanentes, apresentar declarações complexas, ter devassas na escrita, suportar estudos no trem de vida e toda a espécie de inquisições pretendendo definir fotograficamente tudo quanto as terras assegura mm em benefício, produtos e rendas ao proprietário, ao rendeiro, ao explorador como resultado final.
Os dois sistemas - o primeiro da tributação objectiva de rendimento e o segundo da tributação pessoal - são antagónicos, excluem-se mesmo, apresentam vantagens e inconvenientes e fornecem à justiça fiscal fórmulas e caminhos diferentes; não podem, por isso, ser objecto dos mesmos argumentos e críticas. Não se deve, pois, argumentar em nome de uma forma de tributação contra a outra.
Do primeiro sistema, que é o nosso, se entende afirmar que, apesar do seu empirismo, do desconhecimento das safras e contra-safras, da sua menor justiça social, é simples, cómodo, moderado e, sem atingir um grande nível de justiça, consegue ficar numa equidade rudimentar.
O segundo sistema, o da tributação subjectiva, obtém um rigor quase completo, requer grande civismo, põe nas mãos da Administração uma máquina formidavelmente poderosa e dispensa de revisões, porque todos os anos se vai aperfeiçoando; de alguma maneira repugna aos nossos hábitos e modo de viver.

Página 601

10 DE MARÇO DE 1954 601

Se alegarmos, pois, que o nosso sistema é poderoso e cruel, esquecemos as realidades que nos rodeiam ou ignoramos o que pode vir no dia em que o princípio subjectivo se não reduza apenas ao imposto complementar.
Como veremos adiante, tem de declarar-se que, se os métodos subjectivos substituíssem em matéria fiscal os nossos velhos métodos liberais, os rendimentos líquidos colectáveis subiriam descompassadamente e tudo quanto se acusa se veria altamente multiplicado.
2.º Não distinguimos ainda entre a renda da terra e o lucro resultante da exploração agrícola: são categorias económicas diversas. A primeira é o preço de utilização do capital fundiário ou do valor consolidado na propriedade; o segundo é a remuneração do trabalho e do empreendimento investidos na cultura ou na exploração.
Se o fizéssemos, haveria dois tributos onde existe um só, pois que não merece menção a obrigação excepcional imposta a alguns rendeiros de pagar a contribuição pelo senhorio.
Distinguindo entre renda e lucro, tributar-se-iam as faculdades resultantes dos interesses regulares obtidos da propriedade e tributar-se-iam os réditos mistos que o negócio da terra assegura como qualquer outro.
Portanto, não existindo o desdobramento, a nossa tributação ignora uma categoria importante de réditos ou um relevante adicional de rendimento que outros sistemas recolhem implacàvelmeute, permitindo-se um sistema de exploração e de arrendamentos que só redundam em vantagens menos onerosas para os capitalistas e proprietários.
3.º A base da contribuição predial está no rendimento colectável dos respectivos prédios, determinado num limitado número de casos pelo sistema de cadastro e, na grande maioria, pelas avaliações efectuadas por inspecção, nos termos do Código da Contribuição Predial.
Em qualquer desses sistemas, embora divirjam os processos de determinação do rendimento, chega-se sempre ao resultado da tributação do rendimento normal colectável, ou seja do rendimento líquido depois de deduzidas as respectivas despesas de cultura, despesas que no sistema do cadastro compreendem também o juro do capital utilizado na exploração agrícola.
Esse rendimento colectável, calculado em termos de moeda, é função, não só das produções atribuídas aos prédios, como ainda das percentagens atribuídas para despesas de cultura e dos preços dos géneros utilizados para a conversão da produção em dinheiro.
O primeiro benefício deferido a favor da propriedade rústica reside, salvo raras excepções, no facto de as produções serem atribuídas em quantitativos inferiores à produção normal. Fica-se aquém intencionalmente, para maior segurança.
E isto que se verifica com frequência nas avaliações efectuadas por suspensão directa e não andaremos longe da verdade se o dermos como verificável igualmente nas avaliações pelo sistema cadastral, em que a distribuição das parcelas e árvores permite da mesma forma chegar a resultados finais que se traduzem por um rendimento inferior ao verdadeiro rendimento dos prédios. Isto se confirma porque do estudo feito no Ministério se concluiu que as avaliações efectuadas pelos dois sistemas conduziram praticamente a resultados sensivelmente iguais.
Mas temos de lamentar que o cadastro, com seus aperfeiçoamentos, maior exactidão e englobamento de omissos, nos produza um mínimo de acréscimo nos resultados esperados.
4.º Embora não seja nítida a distinção no rigor da técnica fiscal, não se confundem as isenções com os métodos de determinação do rendimento colectável.
Estas isenções funcionam em plano diverso e para num dos processos técnicos de chegar à base de colecta.
A isenção dirige-se propriamente à obrigação de pagar o imposto, estando esta perfeitamente determinada ou determinável e fazendo-se cessar pelo benefício excepcional concedido na lei. A sua origem e carácter histórico está mas regalias e privilégios conferidos a certas classes que limitavam o poder real. Agora as isenções funcionam como atenuação ou irrelevância da capacidade de pagar. Elas podem ser assim permanentes ou temporárias e a prevista na proposta é decenal e, como tal, pressupõe um dever fiscal de que se fica durante esse tempo desobrigado. Esse dever já estava apurado s definido pelos processos de avaliação por cadastro ou inspecção directa.
A isenção, à face da proposta, garante benevolência e desconhecimento aos valores futuros e não interessa aos valores presentes. Os processos técnicos de graduação dos rendimentos funcionam para esse momento, mesmo que a lei lhes atribua fixidez, como no cadastro.
Estabelecendo coincidência entre determinação do valor colectável e a mais valia isenta, misturando o presente com o futuro, tornou-se fácil considerar como eufemismo ou pretexto a garantia de tranquilidade e fixidez decenal dada àqueles que compõem, melhoram e aperfeiçoam n s suas terras cultivadas e que não o tinham até aqui.

III

A situação da propriedade rústica no que diz respeito â contribuição predial

1.º Um factor igualmente importante e que apresenta certa dose de benevolência na forma como vem sendo tributada a (propriedade rústica é o que diz respeito aos preços médios dos géneros utilizados na conversão em dinheiro dos rendimentos atribuídos em géneros.
Nos termos do n.º 11.º do artigo 173.º do Código da Contribui vão Predial, com a redacção dada pelo artigo 28.º do Decreto n.º 9 040, de 9 de Agosto de 1923, a redução a dinheiro efectuar-se-á pela média dos preços correntes dos géneros nos últimos três anos.
Isto no que diz respeito às avaliações efectuadas nos termos do referido código, visto que, tratando-se de avaliações pelo sistema cadastral, determina o artigo 84.º do Decreto n.º 36 505, de 11 de Setembro de 1947, que a redução dos géneros a dinheiro, paru efeitos de organização das matrizes, será feita normalmente com base nos preços que serviram para a organização das tarifas, isto é, e de harmonia com o artigo 36.º do mesmo decreto, nas médias dos últimos cinco unos, excluídos aqueles em que se tenham registado oscilações consequentes de fenómenos que afectem a economia geral.
Tem no entanto de explicar-se que, não obstante estas disposições, vêm sendo adoptados nas conversões desses rendimentos a dinheiro preços que ficam bastante abaixo, não só dos legalmente previstos, mas dos próprios preços correntes.
Como princípio, têm sido aplicados nus avaliações efectuadas de 1940 para cá os preços médios do triénio 1938, 1939 s 1940, preços que, só por si, constituem uma apreciável benevolência dispensada à propriedade rústica.
Para bem se poder ajuizar quanto estão afastados da realidade os preços que vêm sendo adoptados, junta-se o mapa I, donde constam os concelhos em que houve avaliação geral da propriedade rústica nos anos de 1951, 1952 e 1953 pelo sistema cadastral ou pelo sistema do Código da Contribuição Predial, com indicação dos preços que foram adoptados na conversão a dinheiro nas produções em géneros e das médias dos

Página 602

602 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

últimos três anos que correspondam aos mesmos géneros seguindo os registos organizados nas secções de finanças da harmonia com o artigo 29.º do Decreto n.º 9 040.
2.º Confrontando por outro lado a contribuição predial liquidada em cada um dos anos de 1939, 1950, 1951 e 1952 com a contribuição industrial liquidada nos mesmos anos, verifica-se dos mapas estatísticos que, enquanto aquela contribuição aumentou, de 1939 para 1932, 13,2 por cento, a industrial, na verba principal paga, passa para o dobro.
O confronto dos numerou e a noção que todos temos de que o País continua por ora a ser mais um país agrícola do que comercial e industrial dispensam comentários.
3.º Servindo-nos, por outro lado, dos dados do Boletim do Instituto Nacional de estatística respeitante à estatística agrícola, organizou-se o mapa II que conduziu ao impressionante resultado do rendimento líquido médio dos quatro anos de 1948 a 1951 no continente, na importância de 3.979.662.413$, calculado apenas em relação ao trigo, milho, centeio, arroz, aveia, cevada, fava, feijão, grão-de-bico, batata, vinho, azeite, resina e cortiça e tomando para despesas de cultura, com excepção do azeite, em que foi considerada a percentagem de 50 por cento, o máximo de percentagem de 60 por cento permitida, pela alínea c) do n.º 6.º do já referido artigo 173.º do Código da Contribuição Predial, com a redacção dada pelo artigo 23.º do Decreto n.º 9 040. Portanto, pela grande segurança, servimo-nos dum máximo - muito além da realidade!
Note-se, porém, que essas produções não são todas as que a terra dá, visto que faltam outras igualmente importantes, como sejam: as lenhas e madeiras, os pastos e pastagens, estes com aproveitamento na exploração pecuária e de que é índice a produção de lã manifestada nos anos de 1948, 1949, 1950 e 1951, nos quantitativos em quilogramas, respectivamente, de 4 420 000, 4 476 000, 5 133 000 e 4 759 000 (como se pode ver dos respectivos boletins da estatística agrícola, últimos que foram publicados), além das frutas, hortaliças, figo e outros produtos.
Comparando esse resultado com o do mapa III, verifica-se que, enquanto a média da produção daqueles produtos no continente em quatro anos deu o rendimento de 3.979:662.413$, as matrizes prediais rústicas da mesma parte do território nacional acusam apenas o rendimento total de 1.030:898.675$, de 1.032:533.808$ e de 1.055:665.553$ nos encerramentos das matrizes, respectivamente, em 1949, 1950 e 1951.
E salienta-se que para a obtenção daquele resultado valorizou-se a cortiça ao preço de 4$ o quilograma, a que corresponde 60$ por arroba, média dos preços de 1951, 1952 e 1953 informados pela Junta Nacional da Cortiça, média que se sabe ser inferior ao preço por que, pelo menos de Lá dois anos para cá, estão a ser efectuadas as vendas deste produto.
Quanto aos preços médios dos géneros, note-se também que apenas em 64 concelhos avaliados de 1940 para cá (30 pelo sistema cadastral e 34 nos termos do Código da Contribuição Predial), dos 303 em que se divide o País, estão considerados o& preços médios de 1938, 1939 e 1940, visto que nos restantes os preços são ainda inferiores.
4.º Dir-se-á, portanto, que a uma benevolência se acrescentará um favor e que a uma justiça moderada se aditará novo e imerecido privilégio, não sendo caso nem a forma de caminhar para a justiça absoluta nem a de adregar com a relativa.
Estes e outros favores tem de ser vistos considerando a situação em que vive a lavoura com a fraqueza económica da organização como empresa e entrando em linha de conta com os enormes encargos que se justapõem à contribuição predial.
Dos 14,5 por cento de taxa que recaem, os seus valores anuais sobem nalguns concelhos a cerca de 25 por cento e este peso se faz sentir sobre as pequenas courelas, hortas familiares, minifúndios e retalhos da terra cultivada, e podem ser assim discriminados:

Percentagens
Estado, verba principal........ 14,5
Câmaras municipais, média (artigo 706.º do Código Administrativo) ..... 5,075
Junta de Província, 2 por cento (artigo 784.º do Código Administrativo)... 0,29
15 por cento sobre a taxa do Estado e corpos administrativos (Decreto n.º 39 506, artigo 3.º) ..... 2,97975
Taxa de compensação, 1,5 por cento (Decreto n.º 36 494, artigo 8.º) ... 1,5
Fundo de Desemprego, 2 por cento (Decreto n.º 21 699, artigo 22.º) ... 0,29

24,63475

Além destes encargos recaem outros: turismo, juntas dos portos, licenças de carros, animais, quotas para os grémios da lavoura e para os Casas do Povo, que nalgum concelhos atingem nível muito elevado, sendo compreensível a reputação de benevolência deste Ministério que existe nos meios rurais.

IV

Como e quando vão funcionar as isenções

Em sentido inverso àquele que pareceu manifestar-se no douto parecer, a favor fiscal constante da proposta de lei tem razão de ser e virá a ser praticável em número apreciável de casos.
Sempre que, por quaisquer circunstâncias, se dê revisão ou actualização dos rendimentos colectáveis dos prédios rústicos, estes, uma vez corrigidos, não englobarão durante dez anos as várias hipóteses de isenção a decretar em que o rendimento colectável continua como se o mesmo fosse.
Não queremos referir-nos os hipóteses de reforma fiscal, de correcção geral de matrizes, de cadastro geral do País em período curto, de entrada em vigor dum sistema de conservação cadastral que ainda não existe, onde certos favores da lei seriam de agradecer.
Queremos referir-nos a várias operações, já previstas no sistema jurídico actual, que, além da garantia moral do tranquilidade durante certo tempo dada aos proprietários progressivos, lhe assegurem, no mesmo espaço de anos, que as mais valias não constam como elemento determinante das suas colectas.
Nesses casos - e são vários - o rendimento determinar-se-á como se as obras de melhorias agrícolas não existissem, ou o fisco tivesse perante elas os olhos vendados.
São várias essas operações, convindo discriminá-las cautelosamente, apontar-lhes a origem, amplitude o formas de realização:

a) Avaliação ordenada com fundamento na existência do rendimento matricial inferior ao verdadeiro - artigo 151.º do Código da Contribuição Predial de 1913;
b) Avaliações de prédios omissos, incluídos na proposta de que trata o referido artigo 151.º;

Página 603

10 DE MARÇO DE 1954 603

c) Avaliações gerais do concelho ou apenas de determinada ou determinadas freguesias;
d) Avaliação requerida, por exagero de rendimento colectável, nos termos do artigo 143.º, § 1.º, alínea A), do Código da Contribuição Predial;
e) Avaliação para efeitos de imposto sobre as sucessões e doações e sisa, por contestação de valores por parte dos interessados;
f) Avaliações de prédios omissos para efeitos do imposto sobre as sucessões e doações e sisa;
g)Avaliações gerais pelo sistema cadastral;
h)Avaliações pelo sistema cadastral provenientes da alteração de culturas.

O aumento de rendimento proveniente das novas plantações fica sujeito a contribuição predial a partir das seguintes datas:

1) Nas avaliações de que tratam as alíneas a), c), g) e h), a partir do ano seguinte àquele em que a avaliação é efectuada.

Estas avaliações nem sempre são efectuadas logo de seguida à plantação, nem mesmo, em muitos casos, do seguida à entrada das árvores em franca produção, pelo facto de não estarem as avaliações referidas nos alíneas c) e g} relacionadas com o aumento de rendimento {proveniente das plantações, nem ser possível, quanto à alínea a), por desconhecimento dos serviços, que a avaliação seja efectuada logo de seguida à criação desse aumento.
O que se diz para os aumentos de rendimento provenientes de plantação de árvores tem-se por igualmente aplicável aos aumentos de rendimento provenientes das obras a que se refere a proposta de lei apresentada à Assembleia Nacional.
A isenção concedida pela proposta depende, portanto, para o contribuinte da data em que a avaliação viesse a ser efectuada, ficando no entanto o mesmo assegurado com a isenção pelo período de dez anos, a contar da plantação das árvores ou da realização das obras.
Nas avaliações de que trata a alínea h) - avaliações do sistema cadastral com fundamento em alterações e cultura ou por revisão dos elementos cadastrais, revisão que não foi efectuada até hoje, não obstante haver matrizes cadastrais que datam de há mais de cinco anos - tudo depende também da data em que as plantações tenham sido efectuadas ou as obras realizadas, ainda mesmo que se pretenda - o que se julga duvidoso à face da lei - que o rendimento dos prédios que têm mudança de cultura é inalterável durante cinco anos, a coutar daquela a que se referir o primeiro lançamento da contribuição predial pelo rendimento cadastral.
Da mesma forma que para as restantes avaliações, a proposta pretende conceder ao aumento de rendimento proveniente das novas plantações ou das obras uma isenção até ao fim dos dez anos, contados do das plantações ou da realização das obras.

2) Nas avaliações de que tratam as alíneas b) e f), e desde que se trate de plantações já existentes à data da avaliação, desde p ano anterior àquele em que foi reconhecida a omissão (artigo 214.º, § único, do Código da Contribuição Predial).

Como essa omissão tanto pode ser verificada imediatamente às plantações ou realização das obras como muitos anos depois, segue-se que a isenção a conceder de harmonia com a proposta tanto pode ser de dez anos como não ser de nenhum, por ter já decorrido o período à data em que é reconhecida a omissão.
A proposta tem no entanto a vantagem de assegurar ao contribuinte a isenção pelo período de dez anos.

3) Nas avaliações a que se referem as alíneas d) e e) o aumento de rendimento produz logo liquidação de contribuição predial a partir do ano em que a avaliação transita em julgado.

E, como esta avaliação não está relacionada com as datas das plantações nem da realização das obras, segue-se que, tal como para os prédios omissos, tanto pode a isenção constante da proposta vir a traduzir-se num efectivo benefício para o contribuinte como não.
Tudo depende de haver ou não decorrido já o período da isenção è, data em que a avaliação começar a produzir efeitos na contribuição predial.
Seja no entanto como for, com a proposta assegura-se ao contribuinte a isenção durante um período certo.
E, se se tiver em atenção que, a cumprir-se a lei, há que proceder à avaliação dum prédio sempre que se beneficia de aumento de rendimento, tem de concluir-se que a proposta concede isenções efectivas para um grande número de casos.

V

Aproximações e ilações tiradas da legislação cadastral

Convém dar explicações, ponto por ponto, sobre o verdadeiro alcance das disposições citadas, seguindo, nesta parte, a ordem encontrada no citado documento constitucional.

Plantações de errores frutíferas, tais como pomares, amendoais e olivais

Os concelhos já cadastrados são 30, e não 28. Mas, sendo o seu número total de 303, e não se podendo prever a conclusão do cadastro antes de decorridas algumas décadas, há-de forçosamente concluir-se que a legislação sobre avaliações cadastrais não basta para atingir o fim proposto - favorecer as benfeitorias agrícolas.
No n.º 4.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 36 505 não ficou estabelecida necessariamente qualquer isenção de contribuição predial. Verifica-se, assim, que se trata da forma de determinar a 'produção, produção que é calculada em relação a vida inteira da plante, quando compreendida entre dez e cem anos, e pela média aritmética das produções de toda a vida da planta.
Quer dizer: na determinação da produção da planta, obtida aquela, média aritmética, que é tomada como produção anual e desde o início da vida da planta, essa produção é logo tributada em contribuição predial.
Com a proposta de lei apresentada não se pretendeu alterar a determinação dessa produção; simplesmente se pretende conceder a isenção de contribuição predial durante os primeiros dez anos pelo aumento de rendimento proveniente da plantação das árvores de fruto, contribuição que é devida nos termos da lei vigente.
Mas quanto à forma de determinar a produção, e, consequentemente, o rendimento colectável, mantém-se o que determina o referido Decreto-Lei n.º 36 505.

Obras permanentes de defesa dos prédios ribeirinhos contra as cheias e drenagem e beneficiações, socalcos e terraços de defesa contra a erosão.

Quanto a estas obras, pode ter havido equívoco também quando se concluiu que as obras em referência não só não aumentam o rendimento colectável, mas, antes,

Página 604

604 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

pelo contrário, são motivos para deduções a efectuar no produto dos parcelas pana a obtenção do rendimento líquido colectável.
Tem outra vez de notar-se em primeiro lugar que aquilo que a proposta pretende isentar é o aumento de rendimento proveniente daquelas obras, quer dizer: o rendimento não considerado aquando da avaliação e que as obras efectuadas vieram aumentar.
As despesas de que tratam os artigos 23.º s 28.º são as que se torna necessário efectuar, não para aumentar o rendimento, mas para manter o já considerado na avaliação.
Compreende-se pois que, se na avaliação se considerou um rendimento que para poder ser obtido é necessário fazer despesas com certas obras, essas despesas sejam consideradas na determinação dos tarifas como encargo anual ou periódico que são.

Dependências agrícolas

Na proposta de lei do Ministério das Finanças não se fazia referência às dependências agrícolas.

Diz-se que do relatório do Decreto n.º 14 162 se podia concluir que a existência das dependências agrícolas dava motivo a deduções e que o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 36 505 é que veio esclarecer o assunto.
A verdade, porém, é que a redacção do citado artigo 32.º se apresenta, com ligeiras modificações, em tudo análoga à do n.º 11.º do artigo 21.º do Decreto n.º 14 162.

Terrenos Incultos que não produzem quaisquer rendimentos

Os terrenos incultos a que se referem os períodos transcritos no douto parecer produzem rendimento, pois se alude aos «incultos não estáveis».
Os incultos de que trata a proposta correspondem aos incultiváveis, de que tratam o n.º 8.º do artigo 5.º do Código da Contribuição Predial e o artigo 2.º do Decreto n.º 9 040, e não produzem qualquer rendimento nem são susceptíveis de o produzir, como se determina no § 3.º do artigo 3.º do Decreto n.º 15 289, e gozam, portanto, de isenção de contribuição predial, quer nas avaliações efectuadas pelo sistema cadastral, quer nas realizadas nos termos do Código da Contribuição Predial.

VI

Referências ao Código da Contribuição Predial

Alegando-se a imprecisão e o aspecto vago das normas formuladas no Código da Contribuição Predial, não pode tirar-se daí qualquer desvantagem em relação aos favores que a proposta acentua.

Plantações de Arvores frutíferas, tais como pomares, amendoais o olivais

Nota-se, em primeiro lugar, que o n.º 13.º do artigo 173.º do código não pode levar u conclusão de que as árvores frutíferas não são de colectar enquanto não atingirem o período de desenvolvimento para poderem frutificar normalmente, como se concluiu.
O que no referido n.º 13.º se determina é que o rendimento anual será avaliado segundo o que os mesmos prédios produzirem em anos regulares.
Produção em anos regulares é bem diferente de produção normal, e parece que só o entendimento de que uma e outra expressão representam a mesma coisa é que levou à conclusão tirada no parecer, distanciada do entendimento e práticas habitualmente adoptadas pelas secções fiscais.
Também neste capítulo se deve salientar que a proposta apenas pretende isentar o aumento de rendimento quando resulte aumento da plantação - mais uma vez. Se não há aumento em virtude de p rendimento das árvores não ter suprido o que o prédio deixou de produzir no terreno ocupado com as árvores, não há, evidentemente, isenção.

Despesas com obras permanentes de defesa, drenagem e beneficiação; socalcos e terraços contra a erosão e encanamentos e obras de Iniciativa privada destinadas a condução de águas para conversão dos prédios de sequeiro em prédios de regadio.

Quanto a estas epígrafes, há que notar que, se bem que a lei não mande expressamente deduzir estas despesas do rendimento bruto para determinar o rendimento colectável, temos que, dada a forma como se procede à inspecção directa com apreciação das condições especiais de cada prédio, aquelas despesas são consideradas nas despesas de cultura de que trata a alínea d) do n.º 61.º do referido artigo 173.º do código.
Mas ainda que assim não fosse, também neste caso o que se pretende isentar é apenas o aumento de rendimento não considerado na matriz e que as obras produzem.

Terrenos incultos e que não produzem qualquer rendimento

O que se escreveu quanto a este número confirma* o que dizemos a propósito do mesmo assunto nas avaliações pelo sistema cadastral, onde nos parece ter sido mantido o mesmo princípio do Código da Contribuição Predial quanto u isenção de contribuição predial dos prédios iucultiváveis que não produzam qualquer rendimento.

N.ºs 6,10, 14 e 18

6. Quanto às considerações feitas sobre este número do douto parecer, torna-se necessário esclarecer que a avaliação só é extensiva a todos os prédios que o contribuinte possua no concelho quando se trate de avaliação requerida por exagero de rendimento colectável, e não de petição de uma isenção, como é o caso da concedida pela proposta de lei.
Desde que um prédio tem aumento de rendimento, cumpre ao chefe da secção de finanças incluí-lo, nos termos do artigo 151.º do referido Código da Contribuição Predial, na respectiva proposta de avaliação, com o fundamento de se tratar de prédio com rendimento inferior ao verdadeiro.
Deste modo, o prédio será sempre avaliado mesmo que o contribuinte não requeira a isenção da contribuição relativa ao aumento.

10. Se o que se pretende isentar é «o aumento de rendimento dos prédios proveniente de ... », parece evidente que as isenções só funcionarão quando das obras e plantações resulta aumento de rendimento. Deste modo, as considerações acerca de obras que não produzem necessariamente aumento de rendimento afiguram-se descabidas.

14. Não compreendemos como, nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 36 505, se poderá obter uma isenção de dez anos no rendimento médio, uma vez que a produção anual é calculada na média aritmética das produções de toda a vida da planta.

18. Repetiu-se aqui a confusão; já notada anteriormente, de que no regime cadastral as dependências agrícolas não pairam contribuição predial.
Essas dependências pagam sempre contribuição por rendimento próprio, atribuindo nos termos do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 36 505 (regime de cadastro, ou por

Página 605

10 DE MARÇO DE 1954 605

menor dedução de despesas de cultura e consequente aumento de rendimento colectável nas avaliações pelo sistema do Código da Contribuição Predial (n.º 2.º do artigo 173.º).
Só com a lei proposta é que passarão a beneficiar de isenção durante dez anos.

N.ºs 19 e 20

19. Diz-se neste número que não se devem confundir incultos com incultiváveis, não susceptíveis de produzir qualquer rendimento ou estéreis, mas, como já se disse, é exactamente a estes últimos que se pretende aplicar a isenção.

20. As bases propostas pela Câmara Corporativa levam as isenções mais longe do que a proposta inicial, havendo que notar sobretudo que, enquanto na base II da proposta se retendia manter apenas a isenção dos terrenos incultiváveis, que não produziam qualquer rendimento ou estéreis, .pela redacção da Câmara Corporativa proposta para as bases II e III a isenção vai muito mais longe, abrangendo mesmo os prédios incultos susceptíveis de serem cultiváveis e que, por consequência, deviam estar tributados.
Quanto ao início das isenções, falta consignar o que diz respeito à alínea a) da base I e que na proposta se mandava contar desde o ano em que foram efectuadas as plantações.
Quanto base IV, parece-nos que deveria dizer que as isenções referidas nas bases anteriores serão concedidas:

a) As constantes das bases I e II alínea a) da base III ex officio e quando se proceder à avaliação ou inspecção do prédio;
b) Igual à redacção proposta.

A ser aprovada a isenção proposta na base II com a redacção da Câmara Corporativa, haveria que intercalar entre «anos» e «os prédios» estes dizeres: «a contar da data da conversão à cultura».
Sou com a mais elevada consideração.
A bem da Nação.

9 de Março de 1954. - Artur Águedo de Oliveira.

Página 606

Página 607

10 DE MARÇO DE 1954 607

considerados na organização das matrizes prediais e dos preços médios dos últimos três anos (1951,1952 e 1953)

MAPA I

Mapa dos concelhos em que foi efectuada a avaliação da propriedade rústica nos anos de 1951, 1952 e 1953, com indicação dos preços médios dos géneros

[Ver Mapa na Imagem]

Página 608

Página 609

10 DE MARÇO DE 1954

MAPA II

Mapa das principais produções agrícolas dos prédios sitos no continente constantes dos boletins de produção agrícola do Instituto Nacional de Estatística dos anos de 1948,1949, 1950 e 1951, últimos publicados, e sua redução a dinheiro, com indicação das percentagens para despesas de cultura que se consideram normais

(Ver tabela na imagem)

(a) Preço médio informado pela Junta Nacional da Cortiça.

Página 610

610 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 88

MAPA III

Rendimento colectável rústico

constante do encerramento das matrizes prediais do continente em 30 de Setembro de cada um dos anos de 1949, 1950 e 1951

(Ver tabela na imagem)

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×