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20 DE MARÇO DE 1954 757

vam em contradição com as instruções da Presidência do Conselho, ao interporem aquilo que eu classifiquei de «cortina de ferro» entre o Sr. Deputado Pinto Barriga e o esclarecimento da questão.

Fui ontem, pessoalmente, à Junta Nacional dos Produtos Pecuários a fim de desvendar o mistério. Ali verifiquei, sem surpresa, que o Sr. Deputado Pinto Barriga, que nunca solicitara quaisquer elementos anteriormente a 13 de Dezembro de 1952, só ontem, poucas horas antes da sua intervenção parlamentar, visitou a Junta ...

O Sr. Pinto Barriga: - Necessitava de autorização.

O Orador: - Não precisava de autorização.

O Sr. Pinto Barriga : - Nos termos constitucionais precisava de uma credencial.

O Orador: - Não precisava de outra credencial além do seu cartão de identidade de Deputado.

O Sr. Pinto Barriga: - A minha experiência demonstra que nem sempre basta para ser bem recebido e tratado.

O Orador:- Conforme VV. Ex.as verificaram, somente se interessava por generalidades.

O Sr. Pinto Barriga : - Como se vê, é um aviso prévio ao Pinto Barriga e não ao leite.
Risos.

O Orador: - Como V. Ex.ª nunca faz os avisos prévios que promete, tenho eu de os fazer.
Risos.

Assim, explicam-se suficientemente as razões por que preferi que o Sr. Deputado Pinto Barriga tivesse a primazia em versar um assunto que eu, muito anteriormente, prometera abordar.

Demonstrei que eu não recebera uma preferencia indevida, e que seria possível, sem o requerimento de 12 de Dezembro do Sr. Deputado Pinto Barriga, que o assunto tivesse sido debatido na Assembleia Nacional, com a amplidão indispensável, alguns meses mais cedo.

E pus a nu as desvantagens de um método demagógico que não convém vulgarizar.

O Sr. Pinto Barriga : - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - Posto isto, nos poucos minutos que me restam, entremos objectivamente na questão.

O estado caótico do abastecimento de leite à cidade de Lisboa impunha solução decisiva.

Todas as tentativas realizadas, meritòriamente, por várias empresas privadas - Alpina, Nestlé, Central Láctea, Lacticínios da Estremadura (leite Vigor) - com o fim de se melhorar o abastecimento de leite à cidade haviam fracassado, com prejuízos avultados para as empresas citadas, porque as suas iniciativas não tinham sido amparadas e defendidas oficialmente com o carinho que efectivamente mereciam.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - A escassez de tempo não me permite entrar agora na análise pormenorizada das causas da ruína, que podem resumir-se desta forma: excesso de concorrência na compra e na venda, impossibilidade de um produto bom concorrer em preço com mixórdias, tabelamentos não remuneradores, deficiência de fiscalização, etc.

A um período de falta de leite em Lisboa, que dera origem a preços altos em beneficio dos produtores dos arredores, sucedera, em 1952, o excesso de oferta, que, principalmente nos meses de Verão, prejudicara gravemente os lavradores.

Surgiu assim, naturalmente, o despacho do Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, de 8 de Julho de 1952, aprovando o regulamento do comércio de leite na chamada zona abastecedora de Lisboa, que abrange os concelhos de Cascais, Oeiras, Sintra, Mafra, Loures, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal e, parcialmente, os de Sobral e Arruda dos Vinhos, além da freguesia de Samora Correia, do concelho de Benavente.

Logo de início, dois reparos podem apresentar-se quanto à génese deste regulamento:

1.º O de não ter sido ouvido o Conselho Técnico da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, onde se acham competentemente representados o comércio, a indústria e a produção de leite;

2.º O de haver sido dado o monopólio efectivo do abastecimento de leite a Lisboa à zona agrícola mais próxima, em detrimento de toda a restante lavoura nacional.

Dir-me-ão ser justa a destrinça entre uma zona natural de abastecimento e outras que, por muito afastadas, não permitiriam transportes rápidos e económicos. Responderei que era tradicional, ou normal, em épocas de escassez, a vinda de leite do Norte para Lisboa. E acrescentarei que, embora Deputado eleito por Lisboa, cumpro, em consciência, o preceito constitucional que me obriga a considerar-me Deputado da Nação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Sempre pugnei pela liberdade de transito das mercadorias. Sempre me insurgi contra as tentativas de fazer reviver o feudalismo económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Entretanto, em teoria, o regulamento publicado visava três objectivos principais muito louváveis : melhoria da qualidade do leite entregue ao consumo, maior retribuição à lavoura e pontualidade de pagamento aos produtores.

Na prática, logo ao começo, nem houve melhor leite nem maior pontualidade de pagamentos. Quanto à alta de preços, só alguns produtores a conseguiram, aliás em detrimento de outros.

Enquanto as cooperativas podiam receber o leite em casebres imundos, denominados postos de recepção, aos outros compradores de leite não foi permitida a abertura de novos postos higiénicos, o que visava, evidentemente, a impedir-lhes que obedecessem às determinações do regulamento e, portanto, a eliminá-los de um comércio de leite baseado na existência de postos de recepção e no transporte separado do leite de cada estábulo.

Todavia, os abastecedores não cooperativos colocaram-se dentro do regulamento e mandaram fazer milhares de bilhas, a fim de receberem o leite separadamente de cada fornecedor, para que pudesse legalmente dar entrada nos postos.

E assim começou aquilo a quê eu chamaria a «guerra das bilhas», se pudesse haver ironia em coisas sérias.

Risos.

A União das Cooperativas Abastecedoras de Leite, que engloba cada uma das cooperativas concelhias da nova criação feudal, compreendeu que o regulamento, afinal, nem lhe dava o monopólio da compra e da venda, nem, consequentemente, aniquilava os abastecedores