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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72

ANO DE 1955 26 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 72, EM 25 DEI JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aurorado o Diário das Sessões n.º 70.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou acharem-se na Mesa as contas de gerência da Junta do Crédito Público relativas a 1933, que baixarão à Comissão de Contas Públicas da Assembleia, e, enviados pela Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 15 e 17 do Diário do Governo, contendo os Decretos-Leis n.ºs 40 038 e 40 043.
Fornecidos pelo Ministério da Economia, foram recebidos igualmente na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta e os elementos fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros a requerimento do Sr. Deputado Manuel Maria Vaz.
Estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados referidos.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel Cerqueira Gomes, que se referiu ao recente caso sucedido com uma parturiente falecida no trajecto entre a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital de S. José; Castilho Noronha, sobre factos ligados à presente situação no Estado da índia; Urgel Horta, acerca de determinados problemas de interesse para as regiões do Norte do Pais; Augusto Simões, que se referiu a alguns assuntos respeitantes à indústria da camionagem, e Santos da Cunha, para solicitar ao Governo o melhoramento do estuário do Cávado.

Ordem do dia. - Apreciou-se o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paiva Brandão, Galiano Tavares, Armando Cândido, Venâncio Deslandes e Sebastião Ramires, que apresentou uma proposta de resolução, que, posta à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.

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Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquiu de Sousa Machado.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís do Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymhron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebestião Garcia Ramires.
Teóftlo Duarte.
Tito Castelo Branco Arautos.
Urgel Abílio Horta.
Verâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 70.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Vai ler-se o

Expediente

Ofício

Da Câmara Municipal de Celorico da Beira, a apoiar as considerações feitas pelo Sr. Deputado António Rodrigues na sessão de 13 do corrente mês, mormente sobre o queijo da serra.

Telegramas

Dos Grémios de Lavoura de Évora e Viana do Alentejo e de Montemor-o-Novo, a agradecer a intervenção dos Srs. Deputados sobre o novo Código da Estrada.
Da Casa do Povo de Oledo, a apoiar as considerações feitas pelo Sr. Deputado Santos Carreto na sessão de 19 deste mês.
De funcionários da Administração-Geral do Porto de Lisboa em serviço no Entreposto e Cais de Santos e no Cais de Alcântara, a agradecer a intervenção feita pelo Sr. Deputado Galiano Tavares na sessão de 13 deste mês sobre a situação dos mesmos em referência à reforma.
Da Associação Cultural Amigos do Porto, a apoiar as considerações do Sr. Deputado Urgel Horta quanto à compra pelo Estado da casa do infante D. Henrique.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa o relatório e contas da gerência da Junta do Crédito Público relativos a 1953.
Vão ser publicados no Diário das Sessões e baixar à Comissão de Contas Públicas desta Assembleia.
Estão na Mesa também, enviados pela Presidência do Conselho para efeitos do disposto n.º § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 15 e 17 do Diário do Governo, respectivamente de 19 e 21 do corrente mês, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 038 e 40 043.
Encontram-se também na Mesa, fornecidos pelo Ministério da Economia, os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta na sessão de 9 de Dezembro findo.
Também se encontram na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 24 de Março do ano findo pelo Sr. Deputado Manuel Maria Vaz.
Os elementos que mencionei vão ser entregues aos respectivos Srs. Deputados.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Manuel Cerqueira Gomes.

O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: foi largamente noticiado que na madrugada do passado dia 15 uma mulher em trabalho de parto se apresentou no serviço de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, para efeito de ser admitida, e que, por não haver camas vagas no serviço, se mandou internar no Hospital de S. José, tendo falecido pelo caminho no táxi que a transportava.
O caso impressionou fortemente a opinião pública; por muitos lados suscitou alarme, originou críticas, levantou suspeitas - e, para o esclarecer, o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, imediatamente, sem qualquer perda de tempo, mandou proceder a um inquérito, incumbindo dos seus passos e comentários o ilustre professor da Faculdade de Medicina de Lisboa Dr. Joaquim Fontes.
Tem merecido justos louvores esta rápida actuação do Sr. Subsecretário. A eles me junto muito gostosamente, convencido de que a atitude é o correlativo lógico da fé, da rectidão, da inteligência, da juventude vigorosa e independente que nesta Casa tantas vexe? nos revelou o nosso colega Dr. Melo e Castro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Veio agora a público o relatório do inquérito. E sobre ele o Sr. Subsecretário despachou no sentido de que fosse instaurado processo disciplinar ai porteiro e a dois médicos da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, para desfazer «em exame mais demorado e controvertido» as dúvidas levantadas no inquérito.

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Compreendo perfeitamente a delicada posição do Sr. Subsecretário em frente das conclusões hesitantes. Mas a verdade é que o sincero desejo de procurar melhor luz e a clara afirmação de que não se hesitaria na aplicação de sanções revigoraram, por muitos lados, e em efeito despolarizado, a convicção de que se estava na pista dos culpados.
E para desfazer esta confusão que decidi intervir no caso, tanto mais que já outro ilustre Deputado, o nosso muito querido coronel Durão, o deixou aqui envolto em emocionante ansiedade. Sou médico, como médico estudei o caso, e vou dizer o que sobre ele a medicina permite. Não estranhem VV. Ex.ªs que eu me antecipe aos resultados do processo disciplinar. É que as peças fundamentais do caso estão apuradas e, em meu juízo, como vão ver, definitivamente apuradas.
Encontram-se apensas ao inquérito: a papeleta dos vários exames a que a mulher foi repetidamente submetida durante a gravidez nos serviços do Instituto Maternal; a ficha dos médicos que a observaram no serviço de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa e que com ela seguiu para o Hospital de S. José; o depoimento dos médicos da Maternidade e do operador do hospital; o depoimento das enfermeiras de um e de outro lado; o depoimento do porteiro da Maternidade; o depoimento do marido e da irmã que acompanharam a parturiente desde a sua casa até à Maternidade e, depois, desde a Maternidade até ao Hospital de S. José, e também o relatório da autópsia.
Acabou a oportunidade de colher mais dados objectivos; o julgamento médico tem de basear-se nas observações já feitas e que se não podem repetir. Nem se dirá que não fica o sossego de que o julgamento clínico se movimenta neste caso com elementos de valor, entre os quais bem se pode fazer sobressair o conhecimento dos antecedentes.
Resumamos o caso: era uma mulher de 36 anos de idade, que estava no termo da sua quarta gravidez e que vinha sendo seguida com frequência, ultimamente em observações quase quinzenais, nos serviços do Instituto Maternal; fizera-se com regularidade o desenvolvimento do útero e nenhuma tara orgânica ou insuficiência funcional se apurou; nada de alarmante ocorreu durante a gestação e se uma vez a tensão arterial se alterou, elevando apenas a máxima para 16, logo se corrigiu até números satisfatórios; as gravidezese os partos anteriores decorreram normalmente e com filhos vivos; às 5 horas do dia 15 de Janeiro apresentou-se no serviço de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, porque sentia ligeiras dores - moinhas - e suspeitava estar em trabalho de parto; foi observada por um médico, que verificou haver realmente trabalho de parto, com dilatação de um a dois dedos e não rotura da bolsa de águas; as camas do serviço de urgência estavam ocupadas e havia apenas uma vaga, que se destinava a casos complicados ou em ameaça de complicação; regia no serviço a norma, e assim se tinha feito em milhares de casos, de transferirem, uma vez esgotada a lotação da Maternidade, para os Hospitais Civis as parturientes que não oferecessem perigo.
Como a situação obstétrica não era premente, deu-se guia para o Hospital de S. José, contendo o registo da observação médica, tal como nessa mesma noite já se havia procedido com duas parturientes em idênticas condições ; a parturiente entrou e saiu da Maternidade pelo seu pé, descalçou-se e calçou-se sem qualquer ajuda; enquanto esperava pelo táxi, que o seu marido foi buscar à Praça do Duque de Saldanha teve vómitos e sentiu romper-se a bolsa de águas; a irmã foi dizer ao porteiro da Maternidade para avisar o médico destes factos, tendo o porteiro respondido, sem notificar os médicos, que, uma vez indicado o caminho do Hospital de S. José, assim se devia fazer; a parturiente entrou pelo seu pé no táxi e no Campo de Sant'Ana, a poucos metros do Hospital de S. José, desmaiou e não deu mais acordo de si; no banco deste Hospital foram sentidos pelas enfermeiras movimentos intra-uterinos do feto e foi chamado o médico de vela, que, depois de verificar o óbito, praticou uma cesariana imediatamente, na própria maca, o que permitiu extrair uma criança com sinais de asfixia, mas que pôde recuperar-se; a autópsia do cadáver não revelou lesões dos órgãos que explicassem a morte e formulou-se o diagnóstico de colapso cardíaco.
Estes são os factos; e, repito, objectivamente não há maneira de colher outros. O que dizem estes factos? De que morreu a parturiente? Foi vítima da situação obstétrica? Faleceu por falta de assistência obstétrica? Surgiu alguma complicação do parto que bruscamente lhe roubasse a vida? Nessas circunstâncias uma intervenção a tempo evitaria o desenlace?
Em nome dos factos respondo desde já a estas interrogações. É claro, é terminante, que a morte não resultou da situação do parto ou de qualquer das suas complicações.
O parto pode, por várias razões, levar a um estado de choque. Mas o quadro não é de um estado de choque; a mulher desmaiou bruscamente, nunca mais deu acordo e, poucos instantes decorridos, entrou sem vida no banco do Hospital de S. José.
O quadro é duma morte brusca, repentina. E nenhuma, absolutamente nenhuma, das condições que produzem a morte repentina durante o parto se encontrou ou na intervenção ou na autópsia, seja a hemorragia, seja a rotura uterina, seja a embolia pulmonar.
O parto evolucionou sem qualquer complicação desde que os médicos da Maternidade a observaram, mesmo desde que, à porta da Maternidade, se rompeu a bolsa de águas. Mais, o parto não se rematou até à chegada ao Hospital de S. José; continuou o feto dentro do útero, e um feto em condições de viver.
Quer dizer: a morte não derivou do parto. E, portanto, não se evitava com a vigilância obstétrica exercida desde a chegada à Maternidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por este lado é perfeita a posição dos médicos da Maternidade ao considerarem o parto dentro da rotina que transferia para os Hospitais Civis as parturientes sem complicações e sem urgência e guardando a cama de reserva para outra necessidade, como aconteceu com nova parturiente que pouco depois foi procurar o socorro da Maternidade. E por este lado fica também ressalvada a posição do porteiro, já que o parto continuou sem complicações e com tempo, mesmo depois da rotura da bolsa de águas, e indiferente os vómitos, que são, durante o trabalho do parto, um fenómeno frequente e banal.
Façamos, então, outras perguntas:
Faleceu a parturiente por motivo de doença estranha à situação obstétrica, mas por ela agravada ou precipitada?
E, nestas circunstâncias, internada a tempo, os cuidados profilácticos poderiam ter evitado a morte, como, por exemplo, nos casos mais frequentes de doenças de coração?
Tudo quanto se colheu e se arquiva de objectivo deixa responder negativamente: na história da mulher, até na normalidade das anteriores gravidezes e partos; na cuidada vigilância que precedeu o parto, através de repetidas consultas feitas nos postos do Instituto Maternal, e mesmo na autópsia, não se descobrem sinais de padecimentos ou lesões de órgãos, nomeadamente do coração e do sistema nervoso central. E mais uma vez ficam ili-

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bados os médicos da Maternidade que não internaram urgentemente a parturiente e confiaram, como era seu direito científico, na falta de taras e de insuficiências orgânicas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- De que morreu, afinal, esta mulher? Notem VV. Ex.ªs que eu não digo esta doente, o perdoem-me se insisto na banalidade; é que uma gravidez ou um parto que se apresentam e decorrem, como este, normalmente não são doenças, são actos fisiológicos na vida duma mulher. Não se pode deixar de concluir que estamos em frente dum caso de morte súbita. O próprio inquirido, movendo-se no campo das hipóteses, acaba por ser atraído neste sentido: «do estudo atento de todos os elementos dos autos o inquiridor aceita mais a hipótese dum caso de morte súbita» (conclusão 21.ª).
E qual a razão da afirmativa? Vejamos primeiro o que em medicina legal se entende por morte súbita* Está aqui uma consideração primacial do nosso raciocínio. A morte súbita não é simplesmente sinónimo de morte instantânea ou repentina, porquanto a morte súbita pode não ser instantânea. Para que não seja eu a definir, vou ler a VV. Ex.ªs o que aprendi nos meus tempos de medicina legal pelo compêndio de Vibert:

Compreende-se, em medicina legal, sob o nome de morte súbita os casos em que a morte sobrevêm mus ou menos rapidamente em alguns segundos, algumas horas ou mesmo alguns dias, mas duma maneira imprevista, ferindo sem causa aparente um indivíduo até aí em bom estado ou tendo apresentado apenas perturbações de saúde muito ligeiras ou pelo menos assim parecendo às pessoas do seu convívio.

O conceito anda aproximado por outros lados; Thoinot, no livro que ainda hoje serve de base ao estudo da medicina legal na minha Faculdade, escreve: «Deve entender-se por morte súbita a morte rápida, sem ser nacessàriamente instantânea, imprevista, sobrevindo quer excepcionalmente em indivíduos de boa saúde real, quer ordinariamente em indivíduos atingidos de doenças crónicas ou agudas latentes». E o conceito repete-se pelos tratados mais novos da disciplina, pois que nele e em outra doutrinação a medicina legal é, substancialmente, o que era há trinta e seis anos, que são tantos como os que levo de vida clínica.
O muito distinto professor de Medicina Legal da minha Faculdade, Dr. Francisco Coimbra, ensina pouco mais ou menos nestes termos, quando nas aulas aborda a morte súbita:

Suponham que têm um doente muito grave, com uma doença aguda; ao terminar a visita diária, a família, que acompanha o médico até à porta, pergunta sobre a marcha da doença e os senhores respondem que a gravidade se mantém, e, embora o doente vá resistindo, pode haver de um momento para o outro uma falência; se o doente morre repentinamente, a sua morte não é uma morte súbita, porque foi considerada e prevista a sua ocorrência. Mas imaginem um homem ou uma mulher que sai de sua casa depois de uma refeição habitual, vai para o trabalho, para o passeio ou para qualquer distracção e cai bruscamente sem vida; esta é morte súbita, uma morte que surgiu sem ser considerada, que não foi prevista.

Como se vê, em medicina legal a morte súbita tem um carácter essencial, digamos necessário: é uma morte inesperada, uma morte que aparece de supetão, de maneira imprevista. Foi sem dúvida alguma o caso desta mulher; nada nos antecedentes, nada no decorrer do parto deixava prever a morte. Assim o escreveu o próprio inquiridor na sua vigésima conclusão:

De qualquer modo, deve afirmar-se que, já na história pregressa de Esmeralda Henriques, já na história da actual gravidez, não há qualquer dado que explique o incidente considerado neste processo.

Ora bem: aprofundemos um pouco mais. Que mecanismo teria desencadeado a morte súbita? Já vimos que não há doença anterior ou acontecimento obstétrico que possam corresponder-lhe. E o que revela a autópsia? Não mostrou lesões de doença latente por qualquer dos órgãos, lesão capaz de sofrer um episódio adicional de natureza a explicar a morte. «Vê-se - diz o inquiridor - ter-se verificado na autópsia um colapso circulatório, situação da mais alta gravidade». Esta afirmação pede cuidado.
Primeiro, é preciso discutir como na autópsia se objectiva o colapso circulatório. Se o colapso dura, em investigações experimentais, como fez Meesen, e em homens, como encontraram Kienle e Fishberg, podem estabelecer-se pequenos focos de necrose do miocárdio, explicando as alterações electrocardiográficas então obtidas. Se o colapso fulmina em poucos instantes, não deixa sinais anátomo-patológicos que o identifiquem. Em muitas situações cardíacas o colapso que leva à morte repentina é devido à fibrilação ventricular e pela autópsia nenhuma lesão se descobre que explique o êxito letal.
No caso desta mulher a morte deve ter sido repentina: é curtíssimo o tempo que medeia entre o desmaio e a verificação do óbito à entrada do Hospital de S. José. E para que o feto tenha sido extraído com condições de vida é requerido também que a morte sobreviesse em poucos instantes. Está escrito no relatório, e é certo, que, se a mãe, colapsada circulatòriamente e pulmonarmente, continua a viver alguns instantes, o filho morre primeiro, como se, num curioso sacrifício, cedesse em última tentativa o seu próprio oxigénio.
Em breves palavras, o colapso circulatório não se figura na autópsia por uma expressão anátomo-patológica. Assim aconteceu com os próprios peritos, que não verificaram lesões para explicar a morte e aventaram a hipótese de colapso circulatório justamente pela falta de lesões.
Depois, dizer colapso circulatório não é propor um mecanismo suficiente de morte súbita; o colapso é o afundamento brusco das funções circulatórias, e falta esclarecer o primacial, ou seja a razão que levou à depressão circulatória, e que pode ser muito variada, ir desde as causas principalmente cardíacas às causas exclusivamente periféricas. Pela autópsia nem umas nem outras se encontraram.
Sem suporte lesionai suficientemente esclarecedor, o que temos obrigatoriamente de dizer é que neste caso desconhecemos a causa da morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -E não se espantem VV. Ex.ªs que assim seja: a ocorrência verifica-se uma vez ou outra nos institutos de medicina legal, onde são levados para autópsia muitos casos de morte súbita que pelo imprevisto ou inesperado despertam suspeitas. É este o interesse judiciário dos casos de morte súbita.
Os textos de medicina legal voltam a falar bem claro. Encontra-se em Vibert a determinação seguinte:

Há casos de morte súbita em que, apesar do exame mais atento e mais minucioso de todos os

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órgãos, não se acha nenhuma explicação anatómica das cansas da morte ...
Em tais circunstâncias, o perito deve evitar atribuir demasiado valor a lesões pouco pronunciadas e pouco significativas e procurar seja como for uma causa de morte.
É do seu dever estrito, assim como do real interesse da sua reputação, confessar a sua impotência e declarar formalmente que a autópsia não revelou lesões ou marcas de doença capazes de explicar a morte.
E Thoinot, que consagra a determinação, acrescenta:

Para esta categoria de casos o perito confessará, sem procurar dissimular, a sua ignorância das causas da morte, qualquer que seja o espanto que esta resposta possa provocar no magistrado instrutor.

Perguntemos agora: desde que a morte súbita é uma morte imprevista, a quem vamos lançar a culpa de a não ter previsto ? Desde que no caso presente se desconhece a causa da morte súbita, com que legitimidade médica vamos poder aventar que em outra determinação a morte não sucederia? Sem sinais clínicos e sem factos anatómicos que esclareçam a causa da morte, quais razões médicas permitem sugerir que uma cama armada de urgência e uma medicação apropriada poderiam evitar a morte? Que prevenção há para o que se não pode prever? Que medicação se apropria ao que se não espera? Existe uma medicação geral do colapso? Mas, nos colapsos que assim fulminam em poucos instantes, a clínica ensina que, mesmo nas melhores condições de meio e de assistência, a terapêutica nem tem tempo de intervir, quanto mais de actuar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Em rigorosa análise final temos de concluir que o acontecimento não se fixa na responsabilidade de ninguém: nem dos médicos, nem do porteiro, nem dos próprios serviços da Maternidade. Regozijemo-nos com que os serviços de urgência se melhorem; é de grande vantagem que se aumente o número de camas; é de natural humanidade que as parturientes se encontrem com uma assistente social nos seus passos pela Maternidade e que disponham de uma ambulância para o seu transporte até aos Hospitais Civis, quando assim for necessário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas, mesmo no funcionamento em que estavam pelo dia 15. os serviços não são culpados desta morte.
Como na sua nota diz a ilustre directora do Instituto Maternal e nossa antiga colega na Assembleia, Dr.ª Maria Luísa Van Zeller, e contam-se por milhares as mulheres que nestas circunstâncias têm sido enviadas aos serviços de urgência dos Hospitais Civis, sem que se hajam registado acidentes graves». E morre-se de morte súbita em todas as partes: na cama, na rua, à banca do trabalho, na cadeira do teatro.
A ocorrência em nada desmerece, porque em nada afecta o alto valor dos benefícios prestados pela Maternidade Dr. Alfredo da Costa: em vinte e um anos deram entrada nos seus serviços de urgência 66 699 mulheres, com uma percentagem de resultados favoráveis que nada fica a dever às melhores estatísticas do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Em suma, a morte súbita desta infeliz mulher não se deve à sua situação obstétrica; tão pouco resultou de doença de outro foro que o parto agravasse ou precipitasse; é um caso de morte súbita por causa desconhecida.
Estamos, sem dúvida, em frente de uma desgraça. A personalização da culpa é um anseio que sempre referve alto ao eclodir uma desgraça; e, sejam quais forem as cansas - pessoais, gerais ou indeterminadas -, a consciência colectiva só acalma quando o culpado se executai
Mas nem sempre a desgraça exige cabeças responsáveis ; e esta é uma desgraça sem culpados, uma desgraça que, como tantas outras da vida, os nossos conhecimentos actuais não podiam prever nem evitar.
Está certa a comoção pública; e, se no caso presente todos lhe devemos associar o nosso próprio sentimento, também temos obrigação de a guiar e de a esclarecer, nós, que somos responsáveis por saber até onde vai e onde se limita o pouco que sabemos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Castilho de Noronha: - Sr. Presidente: motivos imperiosos que não pude vencer impediram-me de estar em Lisboa a tempo de poder tomar parte no debate que o oportuno aviso prévio do ilustre Deputado Sr. Capitão Teófilo Duarte sobre a presente situação dos territórios portugueses da Índia suscitou nesta Assembleia.
A minha intervenção, é certo, não daria mais brilho a esse debate nem as considerações que eu fizesse mais vigor às que aqui foram expostas na ocasião.
Não apoiados.
Mas eu teria a satisfação de me associar aos Sr s. Deputados que com tanta elevação, com tanto patriotismo, se referiram aos trágicos e dolorosos acontecimentos que nos últimos meses se desenrolaram na Índia Portuguesa.
Não tendo podido fazê-lo na altura própria, o que muito me penaliza, nem por isso me julgo desonerado do dever de afirmar perante esta Assembleia a minha solidariedade e a minha inteira adesão ao Governo da Nação numa tão dura e grave emergência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: não é a voz dum indo-português que se faz ouvir neste momento. Levanta-se mas é a voz da Razão e da Justiça, tão amarfanhadas pela União Indiana no chamado «caso de Goa», ficando abrangidos, é claro, nesta designação os territórios de Damão e Diu.
A inglória campanha em que, de há anos, a União Indiana está empenhada tem a impulsioná-la um único móbil: possuir os territórios portugueses na Índia.
O colonialismo, que, aliás, no caso não existe, como repetidas vezes o Governo Português fez ver, é um pretexto com que se tenta camuflar a hediondez da pretensão.
Não será fora de propósito observar que o colonialismo, ainda mesmo que existisse, não seria tão funesto como o intervencionismo que o Sr. Nehru parece querer erigir em norma nas suas relações internacionais, tratando-se, pelo menos, de países pequenos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Uma prova triste e frisante de um tal intervencionismo temo-la na última nota do Governo da União Indiana ao nosso, na qual declara que se recusa

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categòricamente a admitir o direito do Governo Português a considerar como criminosos, sob a alçada exclusiva das autoridades portuguesas, os Indianos, incluindo Goeses, que marchem sobre Goa, acrescentando que, se eles ferem condenados ou deportados para fora da índia, o facto terá sérias repercussões naquele país.
Há alguma coisa mais extravagante e desarrazoada do que isso?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode admitir mesmo que a União Indiana, que não tem hostilidade contra Portugal, como afirmo a o Sr. Nehru no relatório anual que, como presidente do Congresso Indiano, apresentou ainda não há muito, permita, como permitiu, que no seu território se organizem grupos de desordeiros para a invasão dos vizinhos territórios portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora o Governo da União Indiana pretende transpor as suas fronteiras e penetrar num pais, que ião é seu, para cobrir com o seu manto protector não só os Indianos mas ainda os Goeses, ainda mesmo que eles perturbem a tranquilidade e o sossego público, não tom justificação possível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E, no entanto, é isto o que o Governo da União Indiana pretende.
Querem a libertação de Goa do «jugo agressor» de Portugal? Mas quem a pediu? Se os próprios «oprimidos» a não querem?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- É o que, pelo menos, se deduz dos comícios que, após a agressão de Dadrá, se realizaram em Goa e que, pelo grande número dos que neles tomaram parte, foram uma eloquente e oportuna manifestação do sentir do povo.
Além disso, a «libertação» não implica necessariamente a integração de Goa, na União Indiana.
Goa geogràficamente é Índia. Mas a União Indiana não é a Índia toda.
Sendo assim, não se vê a razão de tão solícito interesse da União Indiana na «libertação» de Goa e outros territórios portugueses na Índia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O movimento da «libertação», que, como acentuei, de há muito vinha esboçando-se, deflagrou em franca hostilidade na noite de 21 a 22 de Julho último, em que um numeroso grupo dos chamados «satyagrahis», a coberto ainda com o auxílio de tropas da União Indiana, tomou para campo de suas vis e ignóbeis façanhas o minúsculo território português de Dadrá.
Poucas horas antes desse atentado, o Sr. Nehru, no seu discurso a propósito da cessação da guerra na Indochina, apresentava a União Indiana como uma potência modelar no seu convívio com as outras nações, esforçando-se por manter a paz e a concórdia entre elas.
Dir-se-ia que esse discurso do Sr. Nehru era um canto de Sereia com que o Primeiro-Ministro indiano pretendia adormentar a consciência internacional, para esta se não insurgir contra as barbaridades que logo depois seriam praticadas com franco apoio da União Indiana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É no território desta que se organiza o negro plano de ataque a Dadrá. É ela que para esse fim fornece numerosos contingentes, aos quais se associa um reduzidíssimo grupo de Goeses. E o que é mais revoltante é que a esse movimento, em que - é bom frisá-lo mais uma vez - iam tomar parte elementos recrutados na sua quase totalidade entre os Indianos, se chamou «satyagraha», isto é, luta pela resistência passiva em prol da verdade! Onde estava a verdade? E onde a resistência passiva desses «satyagrahis» que fizeram correr tanto sangue?
Ao Sr. Nehru não passou, decerto, despercebido um tão flagrante ilogismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- É assim talvez que se explica a sua curiosa declaração de que só pelos jornais ficou sabendo o que se passara em Dadrá.
Por mais estranha que seja essa declaração, não a comentaremos.
Mas qual teria sido a atitude do Sr. Nehru depois de ter tido conhecimento dos factos ocorridos em Dadrá? Aceitou-os como factos consumados. Ainda mais: solidarizou-se com os agressores.
E a conclusão a que se chega em face da sua teimosa e injustificada insistência em não permitir a passagem de forças portuguesas para pôr termo a uma tão anómala situação, ou a de delegados desarmados de autoridades portuguesas, ou ainda a de observadores internacionais escolhidos pelo Governo Português para examinarem a situação.
O tão apregoado «pacifismo» da União Indiana não impede que continue o mesmo regime de violências, com intensidade cada vez mais crescente, avultando entre elas as dificuldades que se levantam para a entrada dos Goeses na União Indiana e o bloqueio económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - São estes os «meios pacíficos» de que a União Indiana se serve na sua campanha contra os territórios portugueses na Índia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Foge-me neste momento o pensamento para o que o Sr. Nehru, numa das suas cartas escritas da cadeia onde se encontrava para sua filha, disse sobre o bloqueio económico da Alemanha pela armada britânica, ainda depois de terminada a guerra. Dizia o Sr. Nehru nessa sua carta:

A guerra terminara. Mas o bloqueio da Alemanha pela armada britânica continuava e não se permitia que chegassem os géneros alimentícios às mulheres e crianças que morriam à fome. Esta espantosa exibição de ódio e desejo de punir ainda as criancinhas era apoiada pelos estadistas britânicos e homens públicos de reputação, pelos grandes jornais, ainda chamados liberais ... O registo de quatro anos de guerra - continua o Sr. Nehru - está cheio de brutalidades e atrocidades. E, contudo, nada mais excede em brutalidade do que esta continuação do bloqueio da Alemanha depois do armistício ...

No bloqueio económico de Goa pela União Indiana temos a mesma exibição de ódio, o mesmo desejo de punir as mulheres e as criancinhas da Índia Portuguesa; as mesmas brutalidades, as mesmas atrocidades.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador:- Há apenas uma diferença. A exibição do ódio, as atrocidades e as brutalidades do bloqueio da Alemanha, o Sr. Nehru condena-as; a exibição do ódio, as atrocidades e as brutalidades do bloqueio da Índia Portuguesa pela União Indiana, o Sr. Nehru apoia-as com a sua autoridade de Primeiro-Ministro.
Quantum mutatus ab illo! ...

Vozes: - Muito bem!

(Nesta altura assumiu a Presidência da Mesa o vice-presidente, Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).

O Orador: - Verifica-se que o bloqueio económico de Goa - cujos efeitos as nossas autoridades têm podido neutralizar em grande parte - repercute-se funestamente no próprio pais que o estabeleceu.
É o que afirma o político indiano Chohotubhai Dessai numa sua recente carta escrita ao Sr. Nehru. São dessa carta estas palavras que o insuspeito Times of Índia transcreve:

Temos de admitir que a política do bloqueio económico, em vez de embaraçar a potência estrangeira, está a privar o nosso próprio povo dos elementos primários para a vida.

Mas nem por isso os dirigentes da União Indiana põem termo a uma tão odiosa represália. Não o permite a «pacífica» sanha de que eles estão possuídos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não era difícil prever que a União Indiana enveredaria por um tão tortuoso caminho. E isto não obstante a declaração do Sr. Nehru - repetida frequentes vezes no Parlamento e em outros lugares - de que a situação dos territórios portugueses da Índia seria resolvida por negociações.
É que a essa declaração, trauteada em todos os tons, faltava a sinceridade que um discípulo de Gandhi devia ter nas suas afirmações de homem público.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E, de facto, que valor podia ter a afirmação do Sr. Nehrn de que o caso de Goa seria resolvido por meio de negociações pacíficas? O chefe do Governo Português já declarara, por sua vez, que no caso de Goa não admitia nenhumas negociações acerca da transferência da soberania. E tanto assim que o Governo da União Indiana encerrou a sua legação em Lisboa, afirmando que a única razão de ser dessa legação era resolver a questão dos territórios portugueses da índia. Sendo assim, era lógico que se encerrasse a legação da índia, desde que o Governo de Portugal se recusava a entrar em negociações.
Em face de uma tão intransigente atitude do nosso Governo, como é que o Sr. Nehru insistia em dizer, ainda depois do encerramento da sua legação em Lisboa, que a questão que tanto o preocupava se resolveria por negociações pacificas, sem violências, sem medidas odiosas que desmentissem o pacifismo que se diz ser o lema do Governo da União Indiana?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Está-se mesmo a ver, em face dos factos que aponto, a dose de sinceridade que o Sr. Nehrn punha nas afirmações que fazia em relação aos territórios portugueses na Índia.
Se há meios pacíficos para quebrar a resistência do Governo Português, porque é que o Sr. Nehrn os não adopta, em vez de consentir que se exerçam tão revoltantes violências, de tão triste repercussão para os créditos do seu país em todo o Mundo?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Como o seu procedimento de hoje contende com o sen passado!... Quão longe vão os tempos em que Jawarlahal Nehru era o ídolo dos seus conterrâneos !...
Dir-se-ia que estamos em face de um curioso desdobramento da personalidade do Sr. Nehru - Nehru fora do Poder e Nehru no Poder.
«Goa é uma borbulha que afeia o rosto da índia» - disse-o um dia o Sr. Nebru.
Esta frase, quando foi proferida, exprimia a opinião pessoal do Sr. Nehru sobre a sujeição política de Goa a uma potência não indiana ou não asiática - opinião, como é óbvio, muito discutível.
Hoje, porém, essa frase exprime uma realidade indiscutível. As autoridades da União Indiana encarregaram-se de a ajustar às circunstâncias que presentemente condicionam a coexistência dos dois países vizinhos.
De facto, Goa é e será uma borbulha na índia, a recordar a «guerra fria» que esta lhe move, com desdoiro dos seus pergaminhos de «pacifismo» e «não violência».
Não é a Goa dominada por Portugal que afeia o rosto da Índia. O que o afeia é a Goa perseguida, oprimida por processos desumanos que os «pacifistas» indianos adoptaram para a obrigar a render-se à sua vontade soberana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A ideia da chamada «libertação»» não encontrou ambiente favorável nem em Goa nem entre os milhares de emigrantes goeses que vivem na União Indiana, principalmente em Bombaim, Poona e Belgão.
Ante o fracasso do plano de recrutamento dos Goeses para a invasão de Goa, mobilizam-se, com consentimento das autoridades da União Indiana, milhares de «satyagrahis», que deviam marchar sobre Goa.
Porém, uns dias antes do fixado para a agressão já se sabia que o movimento não teria o alcance e a amplitude que se atribuíam.
É que o Sr. Nehru, à última hora, resolveu não consentir que os. Indianos se incorporassem na campanha.
Não se contesta que essa proibição teve uma profunda repercussão no movimento, que, como é sabido, teve as ridículas e desconcertantes proporções de uma ignóbil farsa.
Verdade é que os poucos «satyagrahis» que entraram em Goa eram, na sua quase totalidade, indianos.
Estes - dizem os defensores do Sr. Nehru - murcharam sobre Goa iludindo a vigilância da polícia indiana. Oxalá que nas futuras incursões que já se anunciam a polícia esteia mais vigilante ...
Apoiados.
Mas voltando à proibição da inscrição dos Indianos no movimento dos «satyagrahis» contra Goa , teria o Sr. Nehru adoptado essa medida de iniciativa própria?
Tudo leva a dizer que não. O Sr. Nehru não ignorava, decerto, que nos territórios da União Indiana, designadamente em Bombaim e em Belgão, se planeava uma marcha sobre Goa. A imprensa e a rádio espalharam essa notícia aos quatro ventos com estranha persistência.
O Sr. Nehru não interpunha a sua autoridade para coibir uma tão destemperada manifestação de hostilidade contra Goa. Pelo contrário. Contribuiu para que se engrossassem as fileiras dos a satyagrahis» com a declaração que fez de que não toleraria que nenhum

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indiano que entrasse em Goa fosse maltratado ou julgado.
Quem quer vê que esta declaração é uma prova inequívoca de que até então o Sr. Nehru não queria proibir a inscrição dos Indianos no movimento.
Só mais tarde é que veio a medida à qual venho referindo-me.
Tudo isso deixa ver que ela não é da exclusiva responsabilidade do Sr. Nehru.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não concluirei sem citar uma outra frase do Sr. Nehru referente a Goa. «Goa - disse-o o Primeiro-Ministro indiano - é pedra de toque».
Pois é, não há dúvida. Goa é pedra de toque que habilitou o Mundo a avaliar a pureza do «pacifismo» da União Indiana. Não é ouro; é pechisbeque ...
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: duas palavras para encerrar alguns pedidos e sugestões.
Todas as verdadeiras manifestações de cultura e de arte têm merecido do Governo a atenção que lhe é devido, pelo que são e por tudo quanto representam, como
meio altamente educativo da população portuguesa. Os moderes do Estado têm-lhe dedicado sempre valiosa prelecção, generoso auxílio, não podendo nem devendo ser-lhe regateado o merecido louvor e apoio, de que essas medidas são inteiramente dignas.
Lisboa, como capital do Império, grande cidade europeu, encruzilhada - de vários mundos, tem sido, e é inteiramente justo que assim seja, a mais beneficiada das cidades portuguesas, sob este notável aspecto.
Não nos cansaremos de tecer os maiores louvores a essa orientação, tão inteligentemente delineada e seguida, tão amplamente justificada. No entanto, o Porto, capital do Norte, situada numa região em que a densidade populacional se traduz num grande esforço tributário, num número tão considerável de radiouvintes, com tradições artísticas e especialmente musicais, que é preciso continuar, não tem, até agora, gozado da mesma generosa protecção, a que tinha direito incontestável, dentro das proporções devidas.
Três importantes distritos, intensamente ligados pelas suas actividades - Porto, Aveiro e Braga -, representam, se os números podem dizer alguma coisa, quase dois terços dos radiouvintes existentes no País. E não se incluem neste número outros distritos que fazem parle da zona aquém-Vouga: Viana, Vila Real, Bragança, Viseu e ainda o da Guarda.
Não seria razão suficiente para que a generosidade com que o Governo considera os problemas de arte e cultura o levasse a facilitar no Porto, em ligação com a temporada lírica agora iniciada no Teatro Nacional de S. Carlos, uma pequena, curta, uma amostra de temporada de ópera?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Existem naquela cidade casas de espectáculos que, com muita satisfação e entusiasmo, acederiam a abrir as suas portas para poderem gozar-se algumas noites da arte sublime do canto e da música. Possuímos um teatro - o Teatro de S. João -, que para representações líricas foi edificado, obedecendo a todos os requisitos de construção indispensáveis a semelhante finalidade.
E ternos ainda o Rivoli e o Coliseu, onde tantas manifestações artísticas se têm podido admirar. Infelizmente não possuímos um teatro municipal, cuja criação, aqui, nesta tribuna, apoiado pelo Porto inteiro, defendi, por julgar indispensável a sua existência numa cidade como é o Porto, o que muito viria facilitar a sugestão de agora e de outros problemas da mais alta importância na cultura artística da sua população.
Mas, Sr. Presidente, não me parece que a despesa ocasionada pela ida ao norte da companhia de ópera que trabalha no Teatro de S. Carlos, subvencionada pelo Estado, fosse improfícua ou deixasse de obter a mais larga e proveitosa compensação em benefícios que, sob o aspecto cultural e artístico, traria à cidade. Seria forte motivo de regozijo, de agradecimento e eloquente prova de consideração, demonstrada por todos quantos à cultura do espírito dedicam o melhor do seu interesse.

Vozes: - Muito bem!

I

O Orador:- Sr. Presidente: o Porto possui uma orquestra sinfónica, que o Governo tem ajudado a manter. Mas o principal sacrifício para a sua manutenção cabe à cidade, atravessando, contudo, vida atribulada, que a Emissora Nacional bem poderia, pelos notáveis recursos materiais que possui, aliviar nas suas múltiplas dificuldades. É orquestra digna de ser escutada, ser ouvida, admirada.
Pois, Sr. Presidente, os seus concertos que, pode bem afirmar-se serem brilhantemente executados, poucas vezes são retransmitidos, tantas são as dificuldades a vencer. A deslocação que a companhia de ópera promovesse ao Porto seria, além do valor de soberba realização, motivo de justo auxílio a prestar à Orquestra Sinfónica do Conservatório portuense, auxílio que bem merece e de que está verdadeiramente carecida.
Atenda o Governo em todas estas circunstâncias, e especialmente ao Sr. Ministro da Educação nos dirigimos, chamando a sua apurada atenção para o pedido que formulamos em nome do Norte do País. E, como sempre, confiamos em S. Exa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há dias falei desta tribuna acerca das escolas técnicas do Porto, das suas instalações, algumas boas e outras muito deficientes. Mas esqueci referir uma velha aspiração de Matosinhos, vila populosa, progressiva e trabalhadora, de grande labor comercial e industrial, que tanto necessita de uma escola técnica, cujo interesse e valor não será demais encarecer.
E, falando de Matosinhos, que tira o seu maior rendimento da pesca e, consequentemente, da conserva, vem imediatamente à imaginação outra necessidade que a sua população anseia ver satisfeita: o seu porto de pesca.
Trata-se de uma urgente necessidade, não havendo palavras que possam com justeza traduzir o quanto de útil teria esta obra de protecção e abrigo para os pescadores, obra semelhante, mas ainda inacabada, na Póvoa de Varzim, que ouso lembrar neste momento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A imprensa portuguesa tem feito, por mais de uma vez, eco vibrante e sentido dessa realização. E, na época corrente, o número elevado de gravíssimos desastres ocorridos no desembarque do peixe é factor demonstrativo da sua importância e da sua falta.
A gente do mar tem recebido, através da Junta Central dos Pescadores, a que preside o nosso ilustre colega

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Henrique Tenreiro, e cuja obra ficará assinalada como das mais belas do Estado Novo, a melhor e a mais valiosa protecção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com dedicação, com entusiasmo, com fé, animada por notável espírito de justiça social, essa obra está sendo continuada com o mais sentido carinho.
Pois bem! O porto de pesca de Matosinhos é obra que se impõe, e para ela chamamos a atenção do esclarecido espírito do Sr. Ministro das Obras Públicas, que bem compreende os seus anseios. Vão dentro em pouco iniciar-se as obras da nova doca de Leixões. Ê obra de grande valor material.
Desconhecemos a existência de qualquer plano sobre o porto de pesca que à construção da doca possa estar ligado, mas a oportunidade seria magnífica para rever problema de tanta magnitude, de tanta humanidade e de tanto interesse para a classe piscatória. Ao Governo nos dirigimos, pedindo-lhe não esqueça a satisfação de necessidade tão premente e indispensável à vida tão perigosa e tão acidentada dos homens do mar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: as ásperas funções de dirigente da câmara municipal dum concelho modesto forçam, quem tenha de as viver na gama variadíssima da sua larga latitude, ao conhecimento de muitos dos problemas com que se topam os valores humanos que o formam, quer quando os açoitam as dificuldades provocadas pelo complexo sistema de normas condicionadoras do viver geral e local, quer quando se enredam na disciplina específica desta ou daquela actividade que se decidiram a seguir.
Esta, Sr. Presidente, a razão do algum conhecimento que tenho do mundo de problemas que afligem a indústria de camionagem, que me chegou através da denúncia que deles me têm feito os industriais do meu concelho, bastante numerosos, e do interesse que tiveram de merecer-me quando, em mais larga indagação, me certifiquei de que as dificuldades, tantas vezes relatadas, se projectam por mais largos horizontes, afectando todos quantos neste lícito ramo da humana actividade inverteram e comprometeram os seus bens e até os alheios, supondo que, como seria normal, ali encontrariam possibilidades de vida.
Deixou, assim, de me ser lícito aquietar-me em passividade quando as circunstâncias- me forçaram a reconhecer que há sede de justiça neste importante sector da actividade industrial do meu país, a que ninguém poderá furtar o reconhecimento da sua saliente importância na economia da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isso me levou a ter marcado já a minha posição nesta Câmara, trazendo-lhe a humilde achega de algumas considerações tendentes à demonstração das temíveis dificuldades que tanto ensombram a vida duma generalidade de trabalhadores, alinhando, muito embora no modesto lugar que me cabe, ao lado dos ilustres Deputados que a este assunto já dedicaram o valor inquestionável dos seus cabidos depoimentos.
E que a denúncia dos defeitos dum sistema, aliás já abundantemente deduzida em numerosos e conscientes artigos da imprensa, e nomeadamente no jornal O Século, tinha cabimento inteiro demonstra-o ainda neste momento o doutíssimo parecer da Câmara Corporativa emitido sobre o projecto de decreto n.º 503, elaborado pelo Governo em satisfação duma representação do Grémio dos Industriais de Transportes em Automóvel, parecer cujo preâmbulo, depois de larga análise da vida difícil da indústria transportadora de carga, aponta as suas causas especiais, concluindo pela urgente necessidade de ser revista a legislação em vigor que a disciplina, consentindo as anomalias perturbadoras da sua vida e do seu desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A premissas idênticas, senão mais impressionantes, deve ter igualmente chegado S. Ex.ª o Ministro das Finanças, através das conclusões do oportuno inquérito que ordenou nos começos do ano transacto - inquérito há muito completado -, que não poderiam ter deixado de o cientificar, bem como ao ilustre titular da pasta das Comunicações, de que a real capacidade tributária das indústrias de camionagem de carga se encontra cada voz mais excedida, facto cuja premência conduziu ao depauperameuto da indústria, permeabilizando-a, por isso mesmo, a nefastas interferências de actividades semelhantes, gozando da mais ampla liberdade para alargarem, cada vez mais, a sua vida parasitária.
Por outro lado, a pesada incidência de tributos torna paradoxalmente necessária uma desprestigiante concorrência entre os próprios industriais transportadores, que bem se compreende quando se tenha em conta que em cada mês se vence o robusto imposto de camionagem e mais um vultoso conjunto de encargos para que se não encontra efectiva compensação.
A razão tributária não alinha, porém, entre aquelas que no douto parecer se expressam como determinantes do afogado viver da indústria referida, pelo que me parece de certa utilidade dar-lhe o destaque que ela merece para que, não se teimando em desconhecê-la, na revisão proposta pela Câmara Corporativa - que tem necessariamente de ser feita, e com a maior brevidade - não continue a atribuir-se a César mais do que a César seja devido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: por se haver reconhecido que o desenvolvimento da vida económica da Nação exigia um conjunto de medidas tendentes a disciplinarem convenientemente a circulação das pessoas e dos bens, por forma a que essa real valorização não fosse tolhida, e antes favorecida tanto quanto possível, fixaram-se nas bases de uma lei as ideias mestras a que deveria obedecer o sistema de coordenação dos transportes terrestres.
Pelo que concerne aos transportes rodoviários, e, dentro destes, aos transportes públicos, ou fossem colectivos ou de aluguer e de pessoas ou de mercadorias, preceituou-se na base XII dessa lei, a que no ordenamento coube o n.º 2008 e foi publicada em 7 de Setembro de 1945, que lhes deveria ser aplicado um sistema tributário escalonado para conduzir ao equilíbrio económico em que teria de assentar a decretada coordenação.
Sob tal desígnio, e para se equipararem na tributação geral os que estavam favorecidos por poderem utilizar carburantes de proveniência estrangeira, de mais baixo preço e ainda não onerados com qualquer sobrecarga fiscal, que já atingia a gasolina, foi desde logo criado o imposto de compensação, a que ficariam sujeitas as viaturas que os utilizassem.
Por esta altura o sistema tributário da indústria de transportes em automóvel distinguia os concessionários de carreiras regulares de passageiros ou de mer-

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cadorias daqueles que exerciam a indústria em regime de aluguer das suas viaturas.
Para os primeiros, cujas possibilidades eram mais líquidas, dado que a especialidade do serviço público que desempenhavam lhes conferia rendimento mais certo fixara-se, além da obrigação do pagamento de contribuição industrial pelo grupo C, como se determinara no Decreto n.º 16 731 e pelas tabelas aprovadas pelo Decreto n.º 18 222, de 18 de Abril de 1930, mais a do imposto de camionagem, que, tendo sido criado pelo Decreto n.º 18 406, fora mandado liquidar e cobrar, sómente a estes industriais, pelo Decreto n.º 23 498, de 24 de Janeiro de 1934.
Quanto aos restantes industriais, apenas sobre eles recaía a obrigação de contribuição industrial pelo grupo A, segundo o preceituado no citado Decreto n.º 16 731 e segundo as tabelas constantes do Decreto n.º 18 270, de 1 de Maio também do ano de 1930.
Este sistema tributário apresentava a virtude de reconhecer a evidente desproporção de possibilidades entre aqueles que, concessionários exclusivos de carreiras regulares, tinham assegurado um rendimento mais certo, segundo o qual eram tributados, pois que a contribuição industrial derivava, do rendimento definido pelo imposto de camionagem efectivamente pago, e os que, viviam ida eventual prestação de serviços e, por isso mesmo, sujeitas as contingências da procura, que, por eventual, lhes tornava o rendimento em verdadeira incógnita.
Foi deste sistema tributário que se partiu quando, pelo Decreto n.º 37 191, publicado em 24 de Novembro de 1948, se fez a primeira regulamentação da aludida base XII da Lei n.º 2008, para se alcançar através do imposto o preconizado equilíbrio económico da indústria transportadora.
Partindo de pressupostos que a lição dos factos impressionantemente tem demonstrado terem desconhecido as verdadeiras possibilidades do ramo desta indústria, que especialmente se afectou, o Decreto n.º 37191 começou por alargar consideràvelmente a incidência do imposto de camionagem, tornando dele passíveis todos os automóveis pesados destinados aos transportes públicos e ainda os ligeiros de aluguer afectos ao transporte de mercadorias, mandando liquidá-lo e cobrá-lo mensalmente segundo determinadas fórmulas, que têm a expressão de I = 960 X Tm x K x C para as viaturas
12
pesadas de aluguer e de I = 800 x Tm x C para as da última espécie.
12
Nessas fórmulas, em que o símbolo K é um coeficiente variável com a natureza dos transportes e com a área dentro da qual os mesmos se efectuem, se consubstancia a idea do escalonamento antevisto, uma vez que a expressão numérica de tal coeficiente será de 0,3 para as viaturas que se mantenham em trabalho numa área circular até 30 km de raio, contados da sede da exploração, 1,0 se a área circular se alargar até ao raio de 50 km, 1,2 quando não ultrapassar o raio de 100 km e 2,0 se a área de exploração exceder os limites dos 100 km de raio.
No mesmo decreto se determina o montante das taxas do imposto de compensação, fixando-as em 2.800$ para os automóveis ligeiros, em 3.000$ para as camionetas e em 3.000.$ para os camiões.
O sistema assim criado não podia fomentar o equilíbrio económico preconizado pela Lei n.º 2008, porque, perante o agravamento das condições de vida da indústria transportadora em geral, e muito especialmente do da camionagem de carga em regime de aluguer, ou em veículos pesados ou em ligeiros, não a deixou suficientemente defendida, nem lhe criou a indispensável possibilidade de rendimento compatível com o pesado farda tributário que lhe impunha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, a exigência mensal dum pesado tributo a uma indústria cujo rendimento está, em larga medida, dependente da procura de serviços e da remuneração mais ou menos satisfatória que por estes se obtenha havia de forçosamente criar larga medida de dificuldade; e assim sucedeu, efectivamente.
Sem embargo das críticas, sugestões e queixumes que de toda a parte afluíram, o sistema tributário do Decreto n.º 37 191 manteve-se inalterado na segunda regulamentação da Lei n.º 2008, que veio a ser feita pelo Decreto n.º 37 272, de 31 de Dezembro de 1948, no qual, como num estatuto, se procurou disciplinar largamente a actividade da indústria dos transportes em automóvel.
Diploma de inegável merecimento em determinados aspectos, especialmente quando evidencia um firme propósito de definir campos de acção e de erigir regras de condicionamento para estruturarem uns quantos ordenamentos que viviam fora do conhecimento daqueles a quem especialmente interessavam, pecou este decreto, além do mais, pela incompleta e artificial definição de transportes particulares que faz no artigo 3.º, em que diz que tais são aqueles realizados em veículos da propriedade de entidade singular ou colectiva, da sua exclusiva conta e sem direito a qualquer remuneração directa ou indirecta.
Os termos imprecisos, e quiçá benevolentes, de tal definição importaram para os industriais de transportes em automóvel de mercadorias em regime de aluguer - tão sacrificados pela pesada carga tributária que se manteve -, e não só para estes como ainda para os próprios caminhos de ferro, as maiores contrariedades e prejuízos, porque possibilitaram a criação e o larguíssimo desenvolvimento de temível concorrência que lhes vem fazendo um numeroso grupo de oportunistas, que, usando de meios fraudulentos dos mais variados matizes, sob especiosa, legalidade, lhes furtam as cargas e os retornos, perturbando-lhes a justa remuneração dos serviços.
Por outro lado, o citado decreto desconsidera também a situação das entidades singulares ou colectiva? que transportam em veículos da sua propriedade até aos mercados consumidores os produtos criados ou transformados pelas suas indústrias, onde são entregues por preços em cuja formação entrou a tarifa normal - às vezes mesmo a mais alta - praticada pela indústria transportadora, rodoviária ou ferroviária, o que não deixa de integrar a figura do transporte remunerado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a estes, que na economia do decreto se têm de considerar como particulares, e cuja acção tanto se justifica no plano económico, a sua interferência na vida daquela indústria assume valores consideráveis, porque, possuindo viaturas próprias, deixaram de ocupar as viaturas dos industriais, que, desta sorte, vêem amplamente diminuído o seu campo de acção e o seu rendimento bruto.
E que muitos são aqueles que vivem no exacto conhecimento das vantagens da ampla isenção de tributos e de todo o estreito condicionalismo criado à indústria transportadora em veículos automóveis pelo decreto referido e por outras disposições legais afere-se pelo facto do constante aumento do parque de viaturas pesadas que circulam em regime de serviço por conta própria ou transporte particular, que, de cerca de 6800 unidades em 1946, atingiu em fins de 1953 a cifra de

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aproximadamente, 14 600 viaturas, enquanto o parque de viaturas industriais não ultrapassou ainda o número de 4500 unidades ...
Este desnível demonstra, com impressionante nitidez, que as dificuldades da mais variada ordem criadas a uma indústria que vive sem defesa eficaz - anote-se que o sistema de repressão aos transportes fraudulentos é extremamente difícil por não se encontrar convenientemente assegurado no citado Decreto n.º 37 272 - fez deslocar para outras indústrias larga parte da sua actividade económica específica, fomentando uma concorrência que a facilidade de amortização do capital invertido na compra de viaturas robustecerá cada vez mais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, muito embora as possibilidades económicas da indústria de transportes em automóvel fossem efectivamente diversas daquelas de que se partiu quando, pelo Decreto n.º 37 191, se fez a primeira regulamentação da base XII da Lei n.º 2008, criando o sistema tributário pela forma que deixei relatada, sistema mantido no Decreto n.º 37 272, segunda regulamentação dessa base, e que muito especialmente afectou a camionagem de carga em viaturas de aluguer, nem por isso se ficou por aqui na sua tributação.
Efectivamente, por se haver reconhecido que esse sistema tributário não tinha conseguido conduzir ao equilíbrio económico em que deve assentar a coordenação dos transportes terrestres, foi publicado o Decreto n.º 38 248, de 9 de Maio de 1951, que, depois de afirmar no seu relatório o propósito de remodelar esse sistema «de modo a atingir tanto quanto possível o fim que se teve em vista com a sua instituição, embora sem prejuízo da legítima, expansão do transporte em automóvel», altera as taxas do imposto de compensação, elevando-as para 3.750$, 4.000$ e 6.750$, respectivamente para automóveis, camionetas e camiões, e nas fórmulas já aludidas do imposto de camionagem eleva também os valores do coeficiente K, que sobem de 1,2 para 1,8 e de 2 para 4, para as viaturas de transporte de carga em regime de aluguer que sejam exploradas em áreas circulares até 100 km de raio e superiores a essa distância.
Como parece óbvio, Sr. Presidente, este substancial aumento na tributação exigida a uma indústria que vivia já sem qualquer desafogo, longe de conduzir ao equilíbrio económico, que fora afinal a sua razão justificativa, mais ainda o comprometeu.
E quem mais sentiu a tremenda repercussão da medida foi, como não podia deixar de ser, a economia do pequeno industrial, que ficou colocado na maior das dificuldades, muito embora as grandes empresas também se houvessem sentido profundamente afectadas, podendo aferir-se a extensão do alegado desequilíbrio económico pelo número sempre crescente de execuções fiscais que mensalmente se instauram nas repartições competentes.
Bem se compreenderá, de resto, o acervo de afirmações já feitas se se tiver em conta- que os encargos de uma viatura de 6.t de carga útil, com um raio de acção superior a 100 km, orçam anualmente por 160 contos - dos quais cerca de 37 contos correspondem a contribuições,- impostos q previdência -, e, para lhes fazer face, se essa viatura tiver trabalho em ritmo verdadeiramente satisfatório, não produzirá de rendimento bruto - em média francamente favorável - mais do que 140.000$, representando uma movimentação anual de cerca de 60 000 km.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: quanto vai alegado, e mais não é do que uma superficial e desvaliosa apreciação de um conjunto de problemas, cuja importância transcendente tem segura repercussão na vida económica nacional, interferindo no viver de quase uma vintena de milhares de portugueses, torna absolutamente necessária uma apropriada, conveniente e urgentíssima revisão de quanto se legislou sobre a coordenação dos transportes terrestres.
Reconheço que não será tarefa fácil reconduzir ao seu valor os direitos legítimos daqueles que tanto se têm sacrificado em ordeira mus penosa contribuição para o engrandecimento da Pátria; mas também sei, Sr. Presidente, que, podendo contar-se com a indesmentida dedicação, lúcida inteligência e compreensão altíssima de SS. Exas. os Ministros das Finanças e das Comunicações, que muito respeitosamente daqui saúdo, em breve haveremos de ver enfileirar, ao lado de muitos outros relevantíssimos serviços que tão abnegadamente vêm prestando à Nação, mais o de concederem à sacrificada indústria de camionagem a possibilidade de ocupar, no concerto dos valores indispensáveis ao engrandecimento da grei, o lugar a que tem um direito irrecusável.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

(Nesta altura voltou a ocupar a Presidência da Mesa o Sr. Presidente, Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: pedi hoje a palavra a V. Ex.ª para fazer um breve apontamento sobre política portuária.
A natureza do assunto e a particular posição funcional de quem o trata podiam fazer supor, a V. Ex.ª e à Câmara, que nos propúnhamos dar desde já resposta a uma das perguntas do extenso questionário aqui apresentado há dias pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Daniel Barbosa.
A extensão e pormenorização desse questionário deram a todos a certeza de que as perguntas visavam menos o conhecimento duma resposta, cujo conteúdo visivelmente não se ignorava, do que provocar a obrigação, para os sectores oficiais, de a darem, com a sua autoridade e responsabilidade próprias.
Até por isto, e sem autoridade bastante, não podemos responder a qualquer das perguntas formuladas.
Diremos, no entanto, e pelo que respeita a aparentes inquietações quanto aos problemas da construção da doeu n.º 2 e do porto de pesca em Leixões, o seguinte:
A construção daquela doca foi incluída, como todos sabem, no Plano de Fomento.
Estão em curso trabalhos sérios, de técnicos competentes, para a breve apresentação do seu projecto definitivo.
Prossegue a compra dos terrenos necessários, num plano de expropriações há muito definido.
Técnica e administração conjugam esforços para realizar a tarefa que, pelo Governo, lhes foi confiada.
Apesar de alguns embaraços e contrariedades, naturais em empreendimentos de tal envergadura, não há razão para supor que a obra se não realize no prazo marcado (1958).
Só haverá que aguardar e confiar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que toca. ao porto de pesca, também todos sabem que não foi possível, por carência de verba bastante, incluí-lo no Plano de Fomento, embora

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se houvesse reconhecido expressamente a necessidade da sua construção.
Não é, pois, uma obra votada ao abandono. É um empreendimento que aguarda, como tantos outros de indiscutível interesse, a sua oportunidade de realização, por conta de disponibilidades adequadas.
Até lá confiemos, por um lado, no desafogo que para o tráfego da pesca pode resultar do alargamento das instalações portuárias na doca n.º 2 e, por outro, na possível melhoria das actuais instalações e no seu melhor apetrechamento técnico.
São problemas a que os serviços competentes estão votando - como ao mais - todo o seu interesse e entusiasmo.
Também aqui, e por parte da boa gente do Norte, não haverá razões para desesperar e descrer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: esperamos que V. Ex.ª nos relevará o pecado de havermos - sem autoridade bastante, repetimos (não apoiados) - dito, afinal, um pouco do muito que poderia dizer-se sobre algumas das apreensões de que se fez eco nesta Casa o Sr. Deputado engenheiro Daniel Barbosa.
A fundamentar a absolvição que «pedimos, poderão estar as determinantes da própria falta: um desejo igual de contribuir para o desaparecimento daquelas apreensões e o legítimo empenho de não deixar manter por muito tempo duvidas ou incertezas sobre problemas a que estamos muito intimamente ligados.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?
Das palavras de V. Ex.ª pode inferir-se que, quando fiz aqui algumas perguntas acerca de questões relativas ao Porto, partia do princípio de que tudo estava votado ao abandono. Não é assim.
Sinto-mo muito feliz por que entre as perguntas que formulei - e sabia-o de antemão - muitas vão ter resposta favorável.

O Orador: - De resto, V. Ex.ª o disse.

O Sr. Daniel Barbosa: - De facto, vinquei-o no discurso que então fiz.
Não venho para aqui com a preocupação, portanto de fazer unicamente perguntas em que o Governo fique mal. Folgo em fazer também perguntas em que o Governo possa ficar bem, e desta maneira, por não esquecer a função política que é inerente ao Deputado, posso servir também de elemento catalisador entre o Governo e o meu distrito.
Foi isto o que me sugeriram as respostas de V. Ex.ª, que não podem invalidar, como é evidente, as que do Governo espero e ao Governo compete dar-me.

O Orador: - Nem foi esse o meu objectivo. Isso o disse há pouco.

O Sr. Daniel Barbosa: - Fiz este pequeno apontamento, como diria o nosso leader, para que se não julgue que a minha posição nas perguntas que fiz seria outra.

O Orador: - Sr. Presidente: na sessão de 24 de Março do ano passado tive a honra de enviar para a Mesa um requerimento, no qual solicitava, do Ministério das Obras Públicas, determinadas informações acerca do porto de pesca de Esposende.
Logo anotei a necessidade e urgência de trabalhos de melhoria, da barra e do porto daquela vila, porquanto eram - e são - precaríssimas as condições em que ali trabalham os seus pescadores, com a morte a espreitá-los a cada instante.
No interregno parlamentar (24 de Abril de 1954) teve V. Ex.ª a bondade de mandar remeter-me a informação recebida daquele Ministério.
Ora, Sr. Presidente, não posso considerar satisfatórios os termos daquela informação, sem embargo de muito a agradecer, pois que é sempre bom conhecer-se a verdade dos problemas.
Foi-me comunicado não existir projecto elaborado para o melhoramento do estuário do Cávado, muito embora tenham sido feitos, recentemente, minuciosos estudos para a sua elaboração, que os serviços do Ministério retomarão na primeira oportunidade, dentro das suas disponibilidades de pessoal, naquele momento, acrescentava-se, inteiramente ocupado no Plano de Fomento.
Sr. Presidente: o País vive interessadamente o desenvolvimento das realizações do Plano de Fomento, cuja alta importância se torna escusado encarecer.
Seria estulto minimizar a sua extraordinária projecção, ou não reconhecer as muitas e sérias preocupações e canseiras que a sua execução traz aos serviços respectivos.
No entanto, talvez não seja ousado pôr em dúvida se, presos e fascinados pelos grandes empreendimentos, nos não esquecemos de cuidar das grandes pequenas coisas, tantas vezes a condicionar o trabalho e o bem-estar de extensos e sacrificados sectores da população portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não que sejamos contra o planeamento das grandes realizações, mas queríamos que nesse planeamento tomassem lugar todas as realidades da nossa vida económica e social, que também são feitas de necessidades menores, mas muito importantes - porque algumas até vitais -, das pequenas comunidades da nossa terra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É legítimo admitir que o alheamento desses pequenos problemas, o retardar de soluções urgentes de problemas simples, gere a desconfiança e a incompreensão, comprometa o próprio significado das realizações maiores, que aqueles a quem falta o estritamente necessário não podem, e humanamente, entender.
Não vemos razões que, com procedência, possam invalidar o acerto do sentido que propugnamos para as nossas realizações materiais.
De resto, limitamo-nos a apoiar uma orientação defendida e sustentada por muitos que, com competência, se têm debruçado sobre estes problemas.
Pelo que se refere aos empreendimentos portuários, e no próprio quadro do Plano de Fomento, temos presente o que sobre as obras dos pequenos portos se escreveu no parecer subsidiário da secção de Obras públicas e comunicações da Câmara Corporativa, recomendando que no Pia ao se incluísse uma dotação especial para cobrir os dispêndios com aquelas pequenas obras.
Esta avisada recomendação não foi aceita, mas nem por isso deixa de constituir uma adesão autorizada ao critério acima exposto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E acontece até - para bem nosso - que esse parecer, tão atento às realidades, a todas as realidades da. nossa, vida económica, foi relatado por quem, continuando uma tradição de desvelado carinho pelos interesses dos pequenos agregados populacionais, sobraça, com tanto luzimento e superior visão dos ho-

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mens e das coisas, a pasta das Obras Públicas: o Sr. Engenheiro Eduardo de Arantes e Oliveira, ao tempo mui digno Procurador à Câmara Corporativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, parece estarem assim reunidas condições óptimas para se fazer confiado apelo ao Governo da Nação no sentido de com urgência, se procurar estudar e realizar a necessária melhoria da barra e porto de Esposende, cujo estado, comprometendo a cada hora a segurança e a vida dos seus bravos pescadores, não garante um mínimo de condições para o ressurgimento económico daquele outrora tão importante centro de actividades marítimas e limita, se não inutiliza, as largas possibilidades turísticas das suas praias, tão cheias de atractivos e encantos naturais.
As difíceis condições de vida de toda aquela esforçada gente não se compadecem com demoras e adiantamentos.
Por isso diremos que a oportunidade é esta, e só esta.
Sr. Presidente: o simples pedido de informações, aqui formulado o ano passado, despertou o mais vivo interesse nos elementos responsáveis pela vida política e social de Esposende.
O problema, na verdade, reveste-se para aquela terra e suas gentes de um interesse vital.
O semanário local O Cávado, pela pena do seu ilustre director, publicou, em sucessivos números, interessantes achegas sobre o porto de mar de Esposende.
A história certifica-nos da sua importância e valor passados: na pesca, no tráfego costeiro e na construção naval.
O condicionalismo económico-social daquela região, de que o mar e o rio suo dados predominantes, grita-nos hoje a necessidade de restaurar o porto, sem o que condenamos à miséria e à fome muitas operosas famílias, sem actividade remuneradora em que empreguem seus braços e ganhem seu pão.
Não se trata, como já vi salientado, de uma aspiração ambiciosa. Não!
«Esposende não pede experiências duvidosas. Não deseja ter o que nunca teve nem tão-pouco ser o que nunca foi. Deseja apenas ser aquilo que já foi». (O Cávado n.º 1739, de 23 de Maio de 1954).
Estamos, assim, postos perante um legítimo pedido, cuja satisfação, para ser proveitosa e justa, tem de ser imediata.
A solução urgente do problema é-nos imposta por sérias razões de ordem humana, social e económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: por entre os desvarios de um mundo que se perde no esquecimento dos valores espirituais e das verdades eternas, ergue-se, serena e dominadora, a voz augusta de Sua Santidade o Papa Pio XII, apontando aos homens de boa vontade o caminho seguro da sua salvação e resgate.
O predomínio do económico é um caminho errado, proclama Sua Santidade na sua notabilíssima mensagem do Natal de 1954.
Não o esqueçamos, e procuremos dar verdadeiro sentido humano e social a todas as nossas realizações produtivas.
Não podemos querer o homem escravo da economia, pois esta não é senão um meio que temos à nossa disposição para alcançar os fins superiores e transcendentais daquele.
Sr. Presidente: o melhoramento do estuário do Cávado é obra que o Governo da Nação terá de realizar sem demora.
A gente de Esposende, e com ela o distrito de Braga, em que se integra, poderia, pela improficuidade de anteriores e antigas petições, ser tocada pela descrença e pelo desânimo.
Mas o seu espírito mantém-se confiante, pelas sólidas razões em que fundamenta o seu pedido e pela idoneidade daqueles a quem o formula.
As obras hão-de fazer-se - e com brevidade -, não porque um Deputado em representação daqueles povos as solicita; não porque o problema foi trazido à tribuna da Assembleia Nacional; não porque o Governo se disporá fazer um favor; mas tão-sòmente porque quem no? governa aceita, para a sua actuação, determinados imperativos morais e doutrinários, a que, certamente, desejará manter-se fiel.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E porque se trata - e só porque se trata - da segurança, do pão e da vida duma disciplinada e honrada comunidade de trabalhadores portugueses, o Governo de Salazar vai, com certeza, debruçar-se sobre o problema e, dando mais uma vez provas do seu poder realizador, vai também resolvê-lo.
Cumprirá o seu dever.
Sentimos que já cumprimos o nosso.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em apreciação o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paiva Brandão.

O Sr. Paiva Brandão: - Sr. Presidente: para aprovação desta Assembleia foi-lhe presente, nos termos da Constituição, o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã, documento que na actual conjuntura europeia e mundial reveste um transcendente significado.
Sofrendo das consequências do último conflito, o Mundo sofre ainda duma paz que, ao gorar-se, lhe roubou as melhores perspectivas de estabilidade económica, política e social.
Múltiplos pontos de atrito, qual deles o mais perigoso e irritante, colocam em permanente sobressalto povos e governos, levando os mais pessimistas a ver desenhar-se, no conturbado horizonte internacional, o espectro da própria guerra.
Não é altura de proferir recriminações, mas de olhar atentamente a situação, buscando-lhe soluções objectivas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E indubitável que da última conflagração mundial saiu notavelmente fortalecida uma grande potência continental - a Rússia -, tornada factor de perturbação em largos espaços, submetidos a bem ou a mal, directa ou indirectamente, à sua influência.
Ao invés da velha Europa, que durante sucessivas gerações viveu sob a alçada de tratados que lhe garantiram um equilíbrio de forças, surgiu em 1945 outra Europa, em que o equilíbrio se rompeu ao deslocar-se

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para leste o centro de gravidade do seu potencial de guerra.
A União Soviética, para subtrair o seu povo, e aqueles que pela violência submeteu a influências externas, isolou-se por detrás de uma densa «cortina de ferro» que a ternária invulnerável. Mas, a par deste aspecto puramente defensivo, sucede que o seu extraordinário poderio bélico se encontra à disposição de um partido, cujo objectivo supremo é o domínio mundial através da revolução comunista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para sobreviver, para manter uma civilização cimentada através dos séculos e baseada nos mais elevados princípios que o homem soube conceber, a Europa, apoiada pelo mundo livre, de que a grande nação americana tem sido a pioneira, encontrou uma fórmula: muniu-se de um instrumento político que lhe permitiria cobrir as suas populações e os seus territórios de ambiciosas investidas.
Assim nasceu o Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington em 4 de Abril de 1949.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A partir do momento em que se firmou a solidariedade atlântica como instrumento defensivo, deu-se um poderoso passo no sentido da manutenção da paz mundial e abriu-se uma nova concepção do equilíbrio europeu, então e agora ainda dependente do estacionamento de forças americanas no velho continente.
O esforço para a organização da defesa passou, no entanto, a exigir à economia das nações signatárias enormes sacrifícios, tornados necessários como meio de desanimar ou suster a agressão.
Negociar uma paz estável tem sido a suprema aspiração de todos aqueles a quem incumbe tão árdua responsabilidade.
O gesto convincente da União Soviética - boa-fé e boa vontade nos colóquios internacionais, desmobilização de classes, solução dos problemas austríaco, ale não, do desarmamento - podia abrir o caminho da paz, tão arduamente procurado.
Ao analisar os factos, porém, chega-se à conclusão de que a política russa, demonstrada nos principais acontecimentos a que o Mundo tem assistido a partir de 1945, foi dominada por características de agressividade e expansionismo que justificam as mais graves apreensões. Tudo leva a crer que a União Soviética só consentirá em negociar quando o mundo livre, afirmando uma organização defensiva conveniente, possa ostentar meios e recursos susceptíveis de se oporem aos que ela acumulou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se situa no ambiente desta Casa a discussão dos problemas estratégicos que advêm da presente conjuntura e respeitam à segurança da Europa.
Pode, no entanto, afirmasse que a contribuição alemã para a defesa comum é verdadeiramente imprescindível, dado o seu alto valor nos aspectos político, militar, económico e moral.
Com efeito, perante a Rússia e países europeus que gravitam a sua órbita, num total de 250 milhões de homens, o Ocidente não podia dispensar nem o potencial humano nem as possibilidades industriais da República Federal Alemã. A sua cooperação na defesa conjunta atinge o efectivo de 500 000 homens, dos quais 400 000 se destinam ao exército. Permitem estes a mobilização de 12 divisões, contingente que em relação às 47 divisões imediatamente disponíveis pela O. T. A. N. se traduz pela elevada percentagem de cerca de 26 per cento.
Meditando nestes números, torna-se evidente o valor do esforço militar da República Federal na causa comum, sobretudo se atendermos à aptidão excepcional do Alemão para instruir, formar e conduzir soldados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A importância do rearmamento da Alemanha Ocidental é ainda manifesta para quem, ao pesquisar as possibilidades de mobilização da comunidade atlântica e da Rússia, verifica a preponderância da potência continental e dos seus satélites, afirmada, respectivamente, por cerca de 175 e 80 divisões que imediatamente podem entrar em acção.
Nem se suponha que a supremacia dos países associados no domínio atómico possa dar lugar a dúvidas quanto ao interesse ou à oportunidade da acessão da República Federal ao Pacto.
Se considerarmos o aspecto económico, verificamos não ser menor o grau daquele interesse, unia vez que as produções alemãs de carvão, aço e alumínio - para ratar apenas algumas das fundamentais -, em relação ao conjunto França, Reino Unido, Itália e Bélgica, representam cerca de 38, 40 e 53 por cento, respectivamente.
Acresce ainda que, adicionando as produções de carvão e aço do Alemanha Ocidental às das potências mencionadas, se obtêm totais superiores às previsões russas para 1955.
Por outro lado, olhando aos valores morais e à mística que deve animar o Ocidente, e considerando o aspecto primordial desta força, também não pode deixar de atender-se as altas qualidades dum povo, dotado como poucos de espírito organizador, trabalhador incansável e persistente, cuja recuperação neste agitado pós-guerra, tem sido motivo de admiração para todo o Mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é lícito aguardar que as consequências da aprovação, pelos Parlamentos interessados, do Protocolo que se discute agora se registem imediatamente.
Passando, porém, a dispor-se duma força potencial que, dentro de cerca de três anos, se espera seja efectiva, mantém-se a esperança de salvaguardar a paz tão ardentemente desejada por todos os que, ao respeitá-la, estão também decididos ao máximo sacrifício que ela possa exigir.
Sr. Presidente: há outro aspecto, não menos relevante, que se espera advenha da ratificação do Protocolo. É que o conflito ideológico alimentado pela Rússia exige, para lhe fazer face com êxito, uma melhor compreensão, um mais sério entendimento da comunidade europeia; necessita que povos e governantes se não situem em pontos da história já de há muito ultrapassados. Só assim poderá ser frutuoso o reforço de segurança que se tem em vista.
Estou certo de que a acessão da República Fedem. Alemã ao Pacto do Atlântico facilitará o convívio, atenuará divergências, tornará mais unida e, portanto, mais eficiente uma comunidade cujo valor se medirá sobretudo pela coesão espiritual do conjunto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se for este o princípio que a todos sobreleve, pode afirmar-se que se estará de posse de um

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sistema de cooperação ocidental extremamente eficaz, apto a enfrentar qualquer injustificado ataque à civilização que lhe cabe defender.
Sr. Presidente: para que possamos continuar a viver, sem quebra de ritmo, a presente época de ressurgimento nacional é indispensável que simultaneamente se verifiquem a tranquilidade no País e o apaziguamento entre as nações.
Ao dar o meu voto de aprovação ao Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para a acessão da República Federal Alemã, em que esta potência se compromete «a abster-se de qualquer acção incompatível com o carácter estritamente defensivo deste tratado-o, estou convencido de que a comunidade atlântica caminhará mais rápida e firmemente para atingir uma verdadeira paz baseada na justiça. Apraz-me também verificar que, aprovando o diploma em discussão, seguiremos na linha tradicional da história do nosso país, que sempre encontrou no bom entendimento e cooperação entre os povos um dos fundamentos seguros da sua gloriosa existência.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: a República Federal Alemã, cuja política interna se esboça e se reafirma, não obstante a ocupação que subsiste numa das zonas do seu território, desperta para a vida em comum com as nações ocidentais.
Notàvelmente industrial e criadora, a Alemanha desempenhou, principalmente após a sua unificação - aglutinados os diversos estados autónomos, em que sobressaía a Áustria, da dieta federal de Francoforte, sob o influxo de Bismarck, cuja consolidação o Zollverein facilitou -, predominantemente industrial, repito, logo marcou uma situação de relevo, mercê da riqueza do seu subsolo e da reputação dos seus homens mais representativos.
Durante o século XIX, apesar do despertar das nacionalidades, não obstante as guerras, sentia-se e havia, na verdade, um certo sentimento de solidariedade.
Em 1937 o panorama político definia-o já Roosevelt nesta dolorosa confissão: a Reconhecemos a profunda necessidade de encontrar no exercício do poder os meios de resolver para o indivíduo os problemas sempre crescentes de uma civilização complexa. Os esforços repetidos - acentuava - que tentamos resolver sem auxílio do Governo desconcertaram-nos. Porque sem tal auxílio fomos incapazes de criar e impor aos serviços da ciência os controles morais que são necessários para fazer da ciência a serva útil que idealizámos, e não uma dominadora tirânica e implacável da Humanidade. Para o conseguir sabíamos - acentua Roosevelt - que era necessário impor controles práticos às forças económicas cegas e aos homens cegamente egoístas».
É que, com efeito, sob o delírio das ideologias que se opunham, se percebiam os «imperialismos» que se impacientavam.
Perante a expansão dominadora de um génio militar que já havia conturbado o continente europeu, também a Europa se coligara, com o epílogo em Waterloo, depois da Aboukir e Trafalgar.
No concerto das nações europeias a Alemanha tornou-se, pois, como ia dizendo, um país de inegável prestígio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Evoquemos num passado, que não é muito longínquo, Essen e Dusseldórfia, centros de metalurgia do aço e do ferro, além das indústrias químicas, bem como os institutos científicos Akademie der Wis-senschaften, Gesellschaft der Wissenschaften, Sachsische Akademie e ainda as cidades universitárias Leipzig, Berlim e Edelberga.
Creio que será ocioso descrever, no desenvolvimento, já histórico, da sua vida política, as vicissitudes por que passou depois, desde a retumbante proclamação em Versalhes, em Janeiro de 1871.
Quem estude a Alemanha actual e se aperceba dos seus anseios e inquietações não pode deixar de se mostrar sensível ao pugente drama da sua vida, no coração da Europa, desta Europa que tem de conquistar na solidariedade e na força da sua organização a perpetuidade de uma missão libertadora, intrínseca garantia da paz.
A Alemanha será, por isso, um importantíssimo comparticipante do Pacto do Atlântico Norte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio, com o ilustre autor do parecer da douta Câmara Corporativa, que, resolvido o problema da cooperação da Alemanha na defesa do Ocidente - posto pela primeira vez em Nova Iorque há quatro anos e que Portugal desde logo apoiou e defendeu -, a aliança da República de Bona é não só útil como indispensável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com arguta clarividência escrevia há dias um ilustre e sagaz comentador da política internacional que, adentro das actuais zonas ocidentais de tufões e incertezas, a polémica sobre o rearmamento alemão afigura-se ser tão bizantina e estéril como unia discussão sobre as vantagens das fatalidades cósmicas». «Diante dos problemas humanos - acrescenta - resultantes duma Rússia militarmente armada contra um Ocidente dividido e dos 600 milhões de amarelos arregimentados pelo novo imperialismo asiático, o resto do Mundo ou se une para fazer face à ameaça ou está condenado u inevitável absorção».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a nós próprios, Portugueses, de tempos remotos e longínquos data a cooperação estimável de figuras de proveniência alemã, quer nas lutas da constituição da nacionalidade, quer até na época da nossa epopeia marítima, de que Martim Behaim foi, como geógrafo, sagaz cooperador, tal como Schonherg ardoroso companheiro de armas nas guerras da independência.
Carolina Michaëlis era alemã e Luísa Ey consagrou-se, com acrisolado carinho, à difusão da nossa cultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Alemanha de hoje, banido o Nazi Weltauschauung, não pode deixar de ser recebida com agrado no seio das nações ocidentais. Parafraseando o ponderado parecer da Câmara Corporativa, «uma contribuição militar da Alemanha, restituída à soberania no território em que é livre, pode, em dadas circunstâncias, ter para os nossos interesses nacionais uma decisiva importância»; uma Alemanha, embora mutilada, mas de novo investida na sua maioridade política, constituirá, em caso de guerra, um obstáculo poderoso à subversão da Europa, perante a realidade do actual poder militar de Weimar, sob o influxo soviético, e no

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momento em que o bolchevismo internacional se infiltra no próprio Mediterrâneo.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Se a França, não quiser abdicar, é preciso, pois, que se defenda.
No artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte estabelece-se:

As Partes concordam em que um ataque armado centra uma ou várias delas na Europa ou aia América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.º da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando, sem demora, individualmente, e de acordo com os restantes Países, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para retomar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
O Tratado foi assinado em Washington e continha a adesão de doze países, a que posteriormente se juntaram um Protocolo Adicional a Grécia e a Turquia, países que ela primeira vez intervieram nos trabalhos de coligarão na sessão do Conselho de Lisboa, em Fevereiro de 1952.
Dentro do espírito do Pacto «todos os cidadãos podem desempenhar a sua parte na tarefa de construção de uma verdadeira comunidade atlântica», e tal concepção deve associar todos os povos não oprimidos, para evitar a agressão ou até para a defrontar e resistir.
À Alemanha Ocidental não podia, pois, logicamente, ser excluída.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: ao terminar a segunda grande guerra - eu antes queria dizer a última guerra - do lado dos vencidos nenhum ficou de pé, e do lado dos vencedores ficaram dois.
Não pretendo, com a afirmativa, atribuir a mais absoluta inutilidade internacional aos que puderam levantar-se e sair do campo da luta, cambaleando, apesar das muitas feridas. Refiro-me aos que sobreviveram com a necessária força para se medirem um ao outro: a América e a Rússia.
A consciência desta posição teve-a o Mundo e tiveram-na, melhor do que o Mundo, os dois países em particular.
Creio que o resumo do que se passou depois servirá, pelo menos, para avivar a memória dos que esquecem a história e dos que têm interesse em esquecê-la.
Recalcada e decidida no propósito de aproveitar tudo paia ganhar o máximo, a Rússia, que já tinha lançado no derradeiro assalto à Alemanha de Hitler todas as reservas do seu peso militar, na ânsia de chegar primeiro aos centros científicos onde se forjavam as novas armas e às zonas estratégicas consideradas indispensáveis para um ulterior avanço na Europa, a Rússia, essa Rússia que fora ajudada com abundante material bélico - aliás escusado na opinião de certos observadores -, força na carta da amizade norte-americana, faz-se valer como um dos dois poderes mundiais existentes, anima a tese que defende o entendimento entre os dois poderes como o único meio de preservar a harmonia entre os povos, entra no grande quadro de definições e organizações para o arrumo e consolidação dos tratados de paz, julga sem o mínimo sobressalto de consciência os criminosos de guerra, recrutados entre os vencidos, e, depois de se assegurar do clima propício, usa e abusa do veto para destruir e envergonhar a acção das Nações Unidas; paralisa e embaraça as decisões de conjunto sobre os problemas do pós-guerra; mantém em armas milhões de homens; começa, em 1945, a dirigir os seus esforços de expansão contra a Turquia e, em 1946, contra o Irão; desencadeia na Grécia uma sublevação de grande estilo; fomenta nos países ocupados pelas suas tropas o contágio da ideia comunista; promove golpes de estado e eleições «infalíveis»; arranja partidários que, em 1947, tomam conta do poder na Hungria, na Bulgária, na Roménia, na Polónia e, em 1948, na Checoslováquia.
O Kominform e vinte e quatro tratados de assistência mútua assinados entre a Pérsia e os seus satélites e entre os próprios satélites adiantam e acreditam a política soviética.
O próprio solo nacional tem mais meio milhão de quilómetros quadrados à custa dos países bálticos, da Finlândia, da Prússia Oriental, da Polónia, da Checoslováquia e da Roménia.
E é então e só então que a teia das aparências cede à construção das realidades.
A América do Norte sente-se iludida, compreende o imenso erro da sua boa fé. A «ilha» de Berlim, rodeada de russos por todos os lados, emergiu deste tremendo drama.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora a América já não podia considerar a propósito o desgosto ou a insatisfação da Rússia.
Tornava-se necessário dar à Europa uma estrutura capaz de resistir a todas as tentativas de subversão e absorção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem sequer a ideia de unidade era nova, se. remontarmos ao império de Carlos Magno e à comunidade de fé que na antiguidade medieval uniu o nosso continente no espírito das cruzadas e se levantarmos do curso dos séculos o rumor com que a preencheram alguns filósofos e homens de estado.
A monarquia universal, com os dois chefes - o Papa e o Imperador-, sucederam-se no domínio da pura teoria as soluções federalistas.
Recordo, entre muitas, a do abade Saint Pierre, o maior precursor, no seu «Projecto de tratado para tornar a paz perpétua entre os soberanos cristãos», publicado em 1712, e a do conde de Saint-Simon e A. Thierry, na sua «Reorganização da unidade europeia ou da necessidade de reunir os povos da Europa em um só corpo político, conservando cada um a sua independência nacional», datada de 1814, e onde se pode ler:

É preciso fazer sair o patriotismo para fora dos limites da pátria, considerar os interesses da Europa, construir o patriotismo europeu.

Recordo ainda a tirada de Vítor Hugo perante o primeiro congresso para a paz, realizado em 21 de Agosto de 1849:

Teremos os Estados Unidos da Europa, que coroarão o Velho Mundo, como os Estados Unidos da América coroam o Novo. O espírito da conquista transformado em espírito da descoberta, a pátria sem a fronteira, o comércio sem a alfândega, a juventude sem a caserna, a coragem sem o combate, a vida sem a morte, o amor sem o ódio.

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E passo em revista a indiferença do público, entusiasmado com os temas nacionalistas, e dos governos, mais dispostos ao sistema de alianças para segurança dos estados do que aos processos de cooperação para o entendimento dos povos; o ambiente transformado pela primeira guerra mundial, a pressão dos factos que desperta o verdadeiro movimento de opinião, a Europa fragmentada, com mais 6 000 km de fronteiras sobre os 12 000 km existentes em 1914; a União Pan-Europeia, o Conselho Económico Pan-Europeu, a União Económica e Aduaneira Europeia; a atitude de Herriot, Presidente do Conselho do Governo Francês, no discurso que proferiu em 25 de Janeiro de 1920 na Câmara dos Deputados - a primeira atitude oficial; a fórmula da «entente europeia», também de Herriot, no livro Europa, publicado em 1930; o projecto de união europeia apresentado por Aristides Briand e o célebre memorando de 1 de Maio de 1930; a reacção hostil do Secretariado da Sociedade das Nações em relação ao projecto e o frouxo acolhimento por parte dos diversos governos em relação ao memorando; a ausência de um forte e razoável acordo geral; os acordos regionais; o eixo Roma-Berlim; a guerra, a guerra que continua, fria ou quente, mas guerra, apesar de tudo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não é nova a ideia da unidade europeia, não é nova a ideia, e eu só dei uma incompleta e resumida nota do seu desenvolvimento, para se ver como as vozes isoladas às vezes crescem no espaço e vingam, e como a opinião pública às vezes engrossa e forma corrente, a ponto de obrigar os governos a darem-lhe a maior atenção.
Se a história fosse sempre lembrada e sempre entendida ...
E porquê, porquê esta vontade de realizar - sem propósitos ofensivos e excluídas certas proposições, como a de supressão total de fronteiras - aquilo que na essência tantos pensadores construíram e defenderam através das suas teorias?
Porquê?
A premeditada deliberação russa, a premeditada deliberação, dizia, não se limitou às palavras artificiosas, à duplicidade de processos, aos atentados contra a soberania de alguns estados, às violações de compromissos assumidos, tudo dentro dos factos que determinaram a reacção norte-americana e com ela a reacção do Ocidente: nunca mais deixou de se empenhar no afã clandestino de excitar em determinados povos, mesmo nos mais atrasados, o apetite nacionalista, de instigar revoltas sangrentas, de manter agentes secretos na tarefa de minar os alicerces políticos, sociais e económicos das nações decididas à resistência; está na origem do episódio coreano, da tragédia da Indochina; alimenta o avanço da onda comunista por toda a Ásia, o incessante abrir fogo sobre alvos novos ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nunca mais parou: ontem deu alguns passos para a frente, hoje deu mais, amanhã dará outros, se não lhe impedirem o rolar do presente sobre o futuro, marcado, dia a dia, por realidades triunfantes.
O menos que ganha é metade do que exige: metade na Coreia, metade no Vietname. Primeiro a orla marítima,, mais tarde o Laos, o Camboja, e quem sabe ...
Não, Sr. Presidente, o mundo livre não podia por mais tempo cruzar os braços em atitude de inacção suicida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Já não se trata da Europa dos três, dos cinco, dos seis, dos dez, dos doze, do comité dos dezoito, do comité dos Ministros, das comissões preparatórias, dos planos postos e depostos, das divergências sem remédio; o que existe, o que se ergue, o que se dispõe a defender a vida e a honra de viver já não é o tumulto sem disciplina, sem força e sem comando, é uma verdadeira comunidade sem brechas, sem falhas, sem abismos.
Sem brechas, porque não quero admitir que na altura própria aqueles que dificultaram nos parlamentos francês e italiano a ratificação dos acordos de Paris possam deixar cair na lama o ideal de pátria e o conceito de Europa livre.
Sem falhas, porque seria ilógico e indesculpável que novos erros pudessem vir a ser cometidos contra a experiência dos factos, tão clara e tão dolorosa.
Sem abismos, porque todo o sinal de fraqueza só serviria a força do inimigo, cavando a ruína e a queda totais do nosso continente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não fujo à oportunidade de reproduzir esta justa observação de Paul Valery:

Os Europeus não têm compreendido a tempo que cada batalha travada na Europa, qualquer que fosse o resultado, era uma derrota para todos, uma diminuição do seu futuro comum, uma dilapidação do seu capital real.

Repugna-me acreditar na divisão da Europa nesta hora decisiva em que se lhe põe um problema de sobrevivência pelo revigoramento do seu espírito de iniciativa, da sua acção civilizadora, da sua concepção de dignidade humana.
É que a Comunidade Europeia de Defesa não existe só para prevenir uma guerra com a Rússia e para evitar mais guerras na Europa; existe ainda para reconduzir a Europa ao lugar que lhe compete no esforço de cooperação mundial.
O forte é que a comunidade maior em que ela só integra não dê mostras de tibieza perante as arremetidas disfarçadas ou abertas da política de expansão soviética.
Ai de nós se chegarmos a cair num estado de depressão e de cepticismo mortais.
Ai de nós se passarmos o tempo a deliberar, enquanto os outros preparam em silêncio a pronta execução dos seus projectos.
Ai de nós se não formos bons soldados às ordens de chefes capazes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- No dia 4 de Outubro de 1953, na pequena cidade de Kesan, tropas gregas e turcas que tomavam parte no exercício Weldfast, cheias de entusiasmo fraterno, confraternizaram, abraçando-se.
Tomando a palavra, o general Baransel, comandante do 1.º exército turco, disse:

Estamos aqui reunidos para ver pela primeira vez na história cooperar forças gregas e forças turcas. Esta manobra vai mostrar ao Mundo inteiro o que valeria em caso de guerra a colaboração dos Turcos e dos Gregos, e não só dos exércitos grego o turco, mas das nações grega e turca.

Quem conhecer a história da velha rixa greco-turca, história sangrenta com o seu início em 1456, não pode deixar de reconhecer o extraordinário significado que o facto encerra.

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Inimigos de ontem, inimigos de sempre, reconciliados na consciência do perigo comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em 23 do Outubro findo a República Federal Alemã foi convidada a aceder ao Tratado do Atlântico Norte.
É outro facto da mais alta importância.
A Alemanha representa no Centro da Europa um poder que conta, um poder indispensável.
A sua capacidade de recuperação, as suas energias depressa a hão-de pôr em condições de cooperar nesta batalha sem descanso que o Ocidente está travando para não soçobrar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã faz parte dos grandes acontecimentos postos à consideração desta Assembleia na presente sessão legislativa.
Ouvimos aqui com indizível emoção o Sr. Presidente do Conselho falar da Índia Portuguesa e do Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro.
Alguns de nós exprimiram nesta tribuna o que lhes ia na alma.
Ressalvada a natureza especial da nossa reacção como portugueses em face dos casos particulares que nos dizem respeito, por tocarem mais de perto o âmago dos nossos sentimentos pátrios, a ordem geral das razões de consciência que nos determinaram então são as mesmas que nos determinam agora.
Em nenhum dos casos fomos e somos estranhos à ideia da unidade europeia de defesa através da unidade ocidental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sempre me hei-de lembrar de uma viagem que fiz há cerca de oito anos em certo navio que procedia dos Estados Unidos da América do Norte.
A bordo encontrei um ex-diplomata polaco, pessoa distintíssima, pertencente à melhor aristocracia da sua terra.
Conversámos. O seu estado de abatimento era mais do que visível. Estivera no México, onde fundara e dirigira uma colónia de refugiados do seu país.
Um dia chegaram a essa colónia dois naturais de uma das repúblicas bálticas, que se tinham evadido de certa província-presídio, para onde os Russos mandavam viver em relativa liberdade muitos daqueles que não lhes inspiravam toda a confiança.
Os dois evadidos, na sua trabalhosa e aflitiva peregrinação, haviam percorrido uma grande parte da Sibéria.
Queriam dar conta do que viram, e tanto disseram sobre a preparação bélica comunista no Extremo Oriente que o diplomata exilado pôs a si próprio a obrigação de avisar com toda a urgência o representante americano no México.
Assistimos depois à preparação americana no Alasca, nos gelos polares.
Estou a ver as lágrimas que saltaram dos olhos do mau interlocutor quando me falava da casa que perdera em Varsóvia, da sua casa-museu profanada e saqueada pelos Russos.
Não esqueci essas lágrimas, jamais as poderei esquecer, e tiro delas, Sr. Presidente, a redobrada vontade, o redobrado ardor, a redobrada consciência com que voto para ser ratificado pelo Chefe do Estado o Protocolo
Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: ao tomar pela primeira vez a palavra nestu Casa quero começar por apresentar a V. Ex.ª a expressão da minha muita admiração e profundo respeito.
Faço-o não tanto pela força da tradição como por imperativo de consciência. Ocupa V. Ex.ª um dos mais destacados postos da vida política portuguesa, e difícil seria encontrar quem o preenchesse com tanta dignidade e tanto brilho. É-me, por isso, extremamente grato neste momento render a V. Ex.ª as minhas melhores homenagens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, quero também aproveitar este ensejo para vos testemunhar a minha mais viva simpatia e vos afirmar todo o espírito de colaboração que me anima.
Sr. Presidente: com o final da guerra passada a República Soviética transportou a sua fronteira militar 2000 km mais para o ocidente, instalando-a no próprio coração da Europa, e, contra tudo o que era natural a quem terminava uma luta esgotante, continuou a desenvolver a sua capacidade militar.
Na negação total dos próprios princípios porque afirmara bater-se, absorveu os pequenos países da sua periferia, fomentou conflitos sociais e militares, sabotou a paz e a tranquilidade das nações, criando estados de tensão internacional que levaram vantagem aos que no passado foram origem de guerras.
Sabe-se como as nações ocidentais, suas antigas aliadas na vitória tão duramente conseguida, foram apanhadas de surpresa. Tendo desmobilizado rapidamente e readaptado a sua economia às exigências da paz, encontraram-se perante o novo inimigo pouco menos que sem defesa, pois na verdade não dispunham de possibilidades reais de se lhe oporem por uma acção séria e eficaz.
Tornou-se então evidente que a política de guerra das nações anglo-saxónicas não fora feliz porque, buscando eliminar um perigo para alcançar a paz, criara, por suas próprias mãos, condições de expansão para outro ainda maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Alemanha, grande potência do Centro da Europa, foi sempre ao longo da história factor de equilíbrio entre o Ocidente e o Oriente, barreira a vedar ao Eslavo o caminho do Atlântico, impedindo-o de ser completamente europeu. Fazendo ruir essa barreira, eliminou-se o único obstáculo que se opunha ao seu expansionismo e era garantia de segurança do Ocidente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É ocioso recordar a par e passo todo o insano esforço que desde então foi preciso desenvolver para, através duma fórmula política, criar a coligação militar capaz de se lhe opor e para sucessivamente a potenciar.
Não fique, no entanto, sem referência o excepcional contributo da grande nação americana, primeiro pelo auxílio económico, destinado a impedir que os países empobrecidos pela guerra se tornassem fácil terreno

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de cultura para o vírus comunista, depois pelo auxílio militar, para que as economias em recuperação não se afundassem de novo perante a necessidade de reconstituição da força.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Embora seja evidente que, apoiando a Europa Ocidental, a América trabalha pela sua própria segurança, é certo que não poderá ter mais desejo de que subsistamos do que nós próprias o devemos ter. Concorrendo largamente para aumentar a nossa capacidade defensiva, indispensável à nossa sobrevivência, presta-nos o inestimável favor de nos permitir continuar dedicando parte importante dos nossos recursos no fomento da riqueza e do bem-estar do nosso povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com o correr dos anos a mobilização progressiva e cautelosa das possibilidades ocidentais tem sabido criar pouco a pouco novas condições de resistência, e por isso podemos hoje dizer que desapareceram em grande parte as probabilidades de um eventual ataque inimigo na Europa se transformar num simples passeio militar até ao Atlântico.
Não quer isto dizer que o perigo tenha desaparecido. Paralelamente ao esforço desenvolvido pelo Ocidente, também o potencial militar do Leste tem crescido, e tudo leva a crer que, mesmo no próprio campo das armas especiais, embora aqui não disponha da vantagem do número, os «eus progressos sejam importantes. Poderia a Rússia, como nação, como povo, ter aspirações dê paz e, portanto, a força que cultiva ser essencialmente defensiva; porém, a União das Repúblicas Soviéticas é portadora de uma Concepção de vida que mostra bem, no próprio afã com que se isola, como teme o confronto, e essa é que para subsistir tem de se expandir e impor, criar largos espaços em sua volta onde a luz da civilização cristã não possa penetrar - e conhecem-se bem os métodos e processos com que usa fazê-lo, tantas vezes os pôs já em prática na Europa e na Ásia.
Deve, portanto, concluir-se que o perigo não desapareceu e nem mesmo diminuiu de maneira apreciável, embora os meios para o deter tenham indubitavelmente aumentado. Nós, Latinos, gostamos, no entanto, de situações mais definidas, com evolução mais rápida, pois o entusiasmo com que as vivemos não se quadra com a monotonia dos esforços persistentes. Eis porque, cansados da parte emocional dos problemas, por vezes nos dispomos a descrer da sua gravidade e a considerar talvez supérfluos, escusados, os sacrifícios que no início das crises nos pareceram até aquém das necessidades.
Por isso se deve repetir que subsistem as mesmas preocupações que deram origem ao Pacto das nações ocidentais e se têm de desenvolver e apoiar todas as medidas políticas e militares que o reforcem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entre essas medidas está a acessão da República Federal Alemã e, consequentemente, o seu contributo militar para o dispositivo defensivo criado.
A Alemanha Ocidental, como vencida da guerra, tem estado até ao presente ocupada militarmente e sem dispor de forças próprias.
Ao ser-lhe agora conferida completa autonomia, quais poderiam sei sob o ponto de vista político-militar em relação ao conflito potencial entre o Leste e o Oeste as suas posições?
Ou se mantinha desarmada e, portanto, sob a garantia das nações ex-ocupantes, o que corresponderia à criação de um novo campo de fricção, tipo Coreia em ponto grande, e por isso susceptível de conduzir rapidamente à guerra; ou se rearmava como potência neutral, de início na medida em que a defesa da sua soberania o exigisse, depois na medida em que o espírito militarista alemão, de novo revivido, julgasse necessário para, explorando o despique em sua volta, se embalar de novo nas ambiciosas miragens que foram a causa dos infortúnios da Europa nos últimos oitenta anos; por fim, ou se rearmava integrando-se na coligação ocidental.
As duas primeiras posições eram, pela própria evidência, contrárias à paz e à segurança do Ocidente. Resta, por isso, a terceira.
Sob o ponto de vista material, a coligação ocidental reforça-se de forma importante com a inclusão da República Federal Alemã entre os seus membros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São os soldados, dos melhores que o Mundo conhece; são as fábricas e a técnica, de valor excepcional; são as matérias-primas essenciais, em importantes quantidades; é uma inteira população, extremamente viril e laboriosa; são os inúmeros recursos duma extraordinária nação que se vêm somar aos do conjunto.
Aumentam-se ainda, em valores apreciáveis, as forças imediatamente disponíveis para a detenção inicial do inimigo, melhorando-se a possibilidade de se dispor de tempo para mobilização de todo aquele enorme potencial, e leva-se a linha de defesa para a própria linha de contacto, ganhando-se definitivamente 500 km de profundidade na passagem do Reno para o Oder.
Sob o ponto de vista moral não é menos importante o contributo.
São mais umas dezenas de milhões de homens que vão afirmar ao mundo oriental, indiferentes aos cantos de sereia, que preferem a liberdade; é a segurança no empenho que o povo alemão saberá pôr na defesa do solo pátrio; é, enfim, mais lima probabilidade de se poder tratar com o bloco comunista em condições de se obter, senão uma mudança radical de atitude, pelo menos um sinal de apazigua mento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E certo que o rearmamento alemão causa preocupações a muita gente. Compreende-se especialmente que o francês, que viu a sua casa assaltada e invadida em três gerações sucessivas, sinta como um enorme peso a responsabilidade de ter de se manifestar por ele ou contra ele.
Mas pergunto a mim próprio: pode-se acreditar que um país coma vitalidade que a Alemanha Ocidental uma vez mais demonstrou no seu espantoso ressurgimento fique desarmado para sempre?
Seria também possível que quando, com o correr dos anos, adquirisse a plenitude da sua soberania admitisse a imposição de restrições nos seus armamentos e efectivos que não quisesse aceitar de livre vontade?
Deixo as perguntas propositadamente em aberto, mas penso ainda que, se existe latente no sangue germânico o perigo do militarismo prussiano, se encontrou talvez a forma de o neutralizar com a solução original, inédita na história, de fazer entrar a Alemanha na coligação ocidental, isto é: tornando-a aliada e fazendo-a ligar o seu destino ao das nações que tradicionalmente eram levadas a unirem-se para se lhe oporem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: — Sr. Presidente: pessoalmente não tenho quaisquer dúvidas de que o transcendente documento sobre que nos vamos pronunciar é um magnífico instrumento de paz. Perante o bloco das nações comunistas, om os seus milhões de homens em armas e os inesgotáveis recursos dos seus imensos territórios e massas populacionais, o Ocidente vai colocar mais uma valiosa pedra na barreira que lhe opõe. Creio firmemente que este facto é forte motivo de confiança para o presente e de esperança para o futuro.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sebastião Ramires: — Sr. Presidente: encontra-se na Mesa, para apreciação e ratificação da Assembleia, um novo texto em português de um Protocolo Adicional ao Pacto do Atlântico Norte.

Creio serem desnecessárias largas considerações para justif car um voto da Assembleia em favor da respectiva ratificação, muito principalmente depois das brilhantes orações dos ilustres Deputados que tomaram parte no debate.

Terminado o último grande conflito internacional, as potências aliadas ensarilharam as armas e descansaram na vitória, no convencimento de que a vitória significaria a paz. A Rússia, contrariamente, continuava a melhorar as suas posições, a aumentar e a reforçar os seus dispositivos de ataque, como se a guerra houvesse de continuar.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Daqui o mal-estar, as incertezas e as apreonsões das nações livres, nos anos que se seguiram ao termo do conflito.

Em Abril de 1948 dizia Salazar, ao agradecer os cumprimentos dos representantes das forças armadas:

Somos lógicos defendendo a reabilitação da Itália e votando pela admissão da Alemanha na obra de reconstituição europeia, ao mesmo tempo que propomos se estude a maneira de conseguir a cooperação da Espanha naquela obra.

Mais uma vez, como tantas outras tem acontecido nas últimas décadas, Salazar analisava serenamente as rea-lidases e traçava a orientação e o rumo de uma política n seguir no futuro.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Um ano depois, contado quase dia a dia, na reunião realizada em 4 de Abril de 1949, em Wash-ington, sob o impulso das realidades e com a intervenção directa do Governo dos Estados Unidos, reconhece-se a preexistência de uma comunidade atlântica e assina--se o Pacto do Atlântico Norte. Ele traduz, na sua essência, a vontade deliberada das potências signatárias de assegurarem a paz, resistindo pela força, se for mister, íi força que ameaça as respectivas soberanias, pretendendo subverter a civilização ocidental e cristã

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Foi assim possível associar, em íntima aliança com as duas grandes nações da América do Norte, a quase totalidade das nações livres da Europa.

Na reunião realizada em Nova Iorque em Setembro de 1950 foi levantado pela primeira vez o problema

da participação da Alemanha na defesa do Ocidente, e logo Portugal se pronunciou favoravelmente.
Pouco depois, em Outubro de 1950, foi apresentado ao Parlamento francês, pelo então Presidente do Conselho, Sr. René Pleven, um plano para a criação de um exército europeu, pela integração das forças que nele participassem, sob instituição supranacional, que mais tarde se designaria «Comunidade Europeia de Defesa» (C. E. D.). Logo se reconheceu a necessidade dos mais estreitos contactos entre a C. E. D. e o Tratado do Atlântico Norte.
Decorreu o ano de 1951 em complicadas conversações diplomáticas e em porfiados esforços atinentes a resolver graves dificuldades internas, em alguns dos países signatários, mas pouco se avançou no sentido de concretizar uma fórmula para a defesa comum.
Na reunião do Conselho do Pacto do Atlântico realizada em Lisboa, em Fevereiro de 1952, foi aprovada por unanimidade a proposta defendendo a integração da República Federal Alemã na organização defensiva da Europa.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Em Paris, em Maio de 1952, é finalmente assinado o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte, criando um exército europeu, sob a designação de «Comunidade Europeia de Defesa».
A Assembleia Nacional, numa das últimas reuniões bleias políticas das nações signatárias impossibilita-a ratificação daquele Protocolo.
As dificuldades levantadas em algumas das Assembleias políticas das Nações signatárias impossibilitaram a sua ratificação, e foi assim frustrada a primeira fórmula da incorporação da República Federal Alemã na defesa do Ocidente, conforme voto unânime emitido na reunião do Conselho realizada em Lisboa.
Quaisquer que tenham sido as vicissitudes da história e os erros ou os desmandos dos homens, o «Germano representa historicamente a fronteira da Europa em face do Eslavo invasor». A Alemanha é de direito, pela sua formação, pela sua cultura, pelo seu espírito, um país membro da comunidade europeia do Atlântico, essa comunidade que a O. T. A. N. se propõe defender e conservar.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — A Alemanha, embora mutilada, constitui um obstáculo sério à subversão da Europa e com a sua incorporação no sistema preconizado para a sua defesa a fronteira da Europa deslocar-se-á para leste o mais possível.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Pelo novo Protocolo, assinado em Paris, em Outubro de 1954, por catorze Ministros dos Negócios Estrangeiros, e agora sujeito à apreciação da Assembleia, procura-se conseguir finalmente a acessão da República Federal Alemã à O. T. A. N.
Nós nada temos que alterar ou corrigir nas posições tomadas anteriormente, quer pelo Governo, quer pela Assembleia, e apenas formular o voto de que não surjam novos embaraços ou quaisquer dificuldades que demorem a realização do que constitui clara afirmação dos sentimentos que unem as nações livres para a defesa e salvaguarda dos seus legítimos direitos e justos anseios de continuarem a viver independentes e em paz.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

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O Orador: — Ao ratificar o novo Protocolo, Portugal não aumenta as suas responsabilidades, porquanto, conforme resultou da oportuna e brilhante intervenção do nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros na reunião de Outubro último, Portugal não está abrangido pelo Comando Supremo Aliado na Europa, por não dispor de forças na área sujeita à sua autoridade.

A Câmara dos Deputados italiana votou em 23 de Dezembro pela ratificação do Protocolo, como igualmente a Assembleia Nacional francesa em 27 de Dezembro. Há poucos dias o Parlamento belga deu também, e por impressionante maioria, o seu acordo.

Dando a nossa aprovação, não somos dos primeiros, mas não seremos dos últimos.

Nestes termos, em nome da vossa Comissão dos Negócios Estrangeiros e por amável incumbência da Comissão da Defesa Nacional, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte proposta de resolução:

A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Fe-deral Alemã, assinado em Paris em 23 de Outubro de 1954, resolve aprovar, ipara ratificação, o referido Protocolo Adicional, conforme os textos oficiais.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: — Como não está mais ninguém inscrito, considero encerrado o debate sobre o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã.

Vai ser lida a proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado Sebastião Ramires.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta

A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte ipara acessão da República Federal Alemã, assinado em Paris em 23 de Outubro de 1954, resolve aprovar, para ratificação, o referido Protocolo Adicional, conforme os textos oficiais.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 25 de Janeiro de 1955. — O Deputado, Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se a proposta que acaba de ser lida.

Submetida à votação foi aprovada.

O Sr. Augusto Cancella de Abreu: — Peço a V. Ex.ª que fique registada a aprovação por unanimidade da proposta que acaba de ser votada.

O Sr. Presidente : — Ficará registado que a votação da referida proposta foi feita por unanimidade.

Vou encenar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo por ordem do dia a efectivação do aviso prévio sobre o problema da vinha, anunciado pulo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Luís Augusto das Neves.
José Dias de Araújo Correia.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.

O REDACTOR — Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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