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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 86 ANO DE 1955 30 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.°86, EM 29 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia.- Foi aprovado o Diário das Sessões n.º85, com uma rectificação do Sr. Deputado Almeida Garrett,.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre servidões militares. Será publicado no Diário das Sessões e baixará às Comissões de Legislação e Redacção da Política e Administração Geral e Local e de Defesa Nacional.
Usou da palavra o Sr. Deputado Urgel Horta, que se referia à personalidade do falecido bispo do Porto D. António Augusto de Castro Meireles; o Sr. Deputado Galiano Tavares enviou para a Mesa um requerimento, dirigido ao Ministro da Educação Nacional, e o Sr. Deputado Pinto Barriga enviou outro, dirigido aos Ministros das Finanças e da Economia. O Sr. Deputado Pinto Cardoso referia-se à própria viagem do Chefe do Estado às províncias ultramarinas da Guiné e Cabo Verde. O Sr. Deputado Cid dos Santos falou do funcionamento do Hospital de Santa Maria.

Ordem do dia.- Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett referente à protecção à família.
Usaram das palavras os Srs. Deputados João Porto e D. Maria Margarida Graceiro Lopes dos Reis.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 30 minutes.

Câmara Corporativa.- Parecer n.º 19/VI, acerca da proposta de lei n.º 20 (revisão e actualização do regime jurídico das servidões militares).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.

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Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.

osé Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.

uís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 85.

O Sr. Almeida Garrett: -Sr. Presidente: peço a rectificação de alguns números que sairam errados nos quadros publicados a pp. 683 e 684 do Diário das Sessões n.° 85. Devo declarar que a culpa não foi da Imprensa Nacional, mas minha, por não ter conferido as operações aritméticas. Do erro cometido em duas dessas operações derivou a inexactidão de vários números. Se não fosse uma parte deles atingir a conta da despesa com crianças e adolescentes, nem valeria a pena emendar, por serem insignificantes as diferenças. A tal respeito, porém, a correcção é indispensável, pois a média sobe de 171$15 para 219$75, pelo que o alvitrado subsidio de 120$ corresponde a pouco mais de metade da despesa média, mínima com cada filho, e não a perto de dois terços, como havia dito.
Segue a errata:

[Ver tabela na imagem]

As despesas com crianças e adolescentes foram por lapso incluídas no quadro n.° 2, quando, como é intuitivo, deviam formar um quadro à parte, com o titulo: «Discriminação da despesa com os filhos».

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero aprovado o referido Diário com as rectificações apresentadas.

Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Do Sindicato Nacional dos Profissionais Têxteis de Coimbra, a manifestar reconhecimento pelo oportuno aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett e a fazer votos pela resolução do problema.
Da Casa do Povo de Jugueiros, a pedir a legalização das videiras plantadas anteriormente ao Decreto n.° 38 525 e a anulação das multas impostas.

Carta

De D. Laura Franco de Sousa, a agradecer em nome da família do escultor Francisco Franco a homenagem prestada na Assembleia Nacional à sua memória.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre servidões militares. Vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar às Comissões de Legislação e Redacção, de Política e Administrarão Geral e Local e de Defesa Nacional.

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Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: um imperativo dever de consciência obriga-me neste instante a pedir a V. Ex.ª a palavra, levantando mais uma vez a minha voz - e com que emoção o faço! - para render a mais justa homenagem a alguém que na vida foi grande, misericordioso e bom.
Nunca a palavra me pareceu tão imperfeita e a construção da frase tão difícil, como expressão do sentimento albergado na minha alma de português e do católico.
Nunca as ideias dimanadas do meu cérebro se revelaram e mostraram tão confusas, tão apagadas, falhas de inspiração para exteriorizarem na sua máxima grandeza o meu pensamento acerca de personalidade tão rica de virtudes, cuja memória é digna de ser honrada e exaltada.
E as dificuldades que povoam e inferiorizam o meu espírito profundamente conturbado nascem da pesada responsabilidade que voluntariamente assumo ao traçar em palavras singelas, mas adequadas e próprias, o perfil do grande bispo do Porto D. António de Castro Meireles, na data do 13.° aniversário do seu falecimento.
Cumpro obrigação imposta ao meu espírito, radicado fortemente ao mandato que a Nação me confiou, rememorando essa alta figura de português, que tanto amou e dignificou a sua terra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador : - Sr. Presidente : no coração da cidade, no Largo do Carvalhido, praça demasiadamente pequena para guardar, através dos tempos, monumento de simbolismo tão precioso e tão eloquente, ergue-se e descerrou-se hoje a estatua do grande bispo, obra do ilustre estatuário portuense Henrique Moreira, trabalhada com desvelado amor e perfeito conhecimento da personalidade do homem que o bronze eternizará.
O Porto, que ele tanto amou, representado por todas as suas classes, desde as mais ilustres às mais modestas, com a presença de S. E. o Sr. Cardeal Patriarca e das autoridades do distrito, associou-se devotadamente, com o mais sentido respeito, no integral cumprimento de uma divida, à bem merecida consagração do saudoso e venerando bispo, que no desempenho do seu magnifico sacerdócio trabalhou ardorosamente pela glória da Igreja - trabalho e luta, alimento de uma vida inteiramente dedicada a Deus e dedicada à Pátria.
Honrando a memória de tão fecunda e bondosa personalidade, o Porto, cidade da Virgem, brioso nas suas atitudes, espontâneo nos seus gestos, mostrou mais uma vez, e sempre, que sabe querer, que tem direito a querer, e que sabe mostrar o seu reconhecimento àqueles que, pelas suas virtudes, se mostram inteiramente dignos da sua gratidão e da sua admiração.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: D. António de Castro Meireles foi individualidade de uma actividade mental extraordinária no delicado aperfeiçoamento do seu espírito, na propaganda da Fé e no culto da Ciência, orientadora da Humanidade aberta pela Igreja.
Desde o alvor da sua mocidade revelou-se na posse das mais exuberantes qualidades de trabalho, inteligência e bondade, claramente demonstradas na sua elevada formação doutrinária, na sua obra educativa e evangelizadora, nos actos de justiça e caridade que enobreceram a sua vida inteiramente dedicada ao apostolado católico.
Com distinção realizou todo o seu curso teológico e com as mais altas classificações se doutorou em Direito e Teologia na velha Universidade de Coimbra, constantemente remoçada pela criação dos mais altos valores da intelectualidade portuguesa.
Deputado da Nação em pleno vigor da sua actividade física e mental, a Santa Sé elevou-o à alta dignidade de bispo para Angra do Heroísmo, promovendo-o, decorridos alguns anos, a bispo da diocese do Porto.
Homem de leis, orador eloquente e brilhante, Deputado pela Nação, professor e educador, bispo de alta estirpe e da maior envergadura, marcou com extrema galhardia e desassombro a sua alta personalidade em todas as funções que apaixonadamente serviu e desempenhou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como professor o educador, pós todo o saber nessa nobre missão, formando caracteres, cinzelando inteligências, modelando almas, dentro dos princípios em que assentava tão sólida formação moral e espiritual, detentora dos mais nobres e enriquecidos tesouros cristãos.
Eloquência viva, dominadora, aliada a uma serenidade de espírito, revelando toda a sua cultura humanística o filosófica, a sua voz foi ouvida o escutada dos mais altos púlpitos das velhas catedrais, em orações fervorosas, encerrando labaredas de fé trasbordante de amor e de bondade, na exaltação das virtudes eternas do Evangelho.
Como bispo, bispo de Deus, foi dos maiores - e tantos foram eles dentro da diocese do Porto.
«Na coragem, no desassombro, na lealdade, na clareza foi bom um lutador medieval. Era grande de mais para poder medir-se com pigmeus serpentinas; nobre de mais para poder usar as armas dos seus adversários; leal de mais para poder suportar na sombra a urdidura de uma citada», assim o afirmava, com toda a verdade, nas exéquias do seu falecimento, o actual e ilustro bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes.
D. António de Castro Meireles foi sumamente grande, intensamente querido. Soube como nenhum outro, em tempos difíceis, fazer ouvir a palavra da Igreja, que é palavra de ordem, palavra de justiça, palavra de caridade, para bem de todos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Aqui, na Assembleia Nacional, ocupou com a maior dignidade e nobreza a sua cadeira de Deputado. Eleito pelo circulo no qual V. Ex.ª, Sr. Presidente, tinha já bem marcada a sua influência e havia firmado a sua reputação política, que o levou, com todo o merecimento, às mais altas situações hierárquicas da Nação, D. António de Castro Meireles desempenhou nesta Camará papel de notável responsabilidade. Sozinho, alheio às lutas partidárias que dividiam os homens, vendo nas suas querelas fonte de desagregação e anarquia, vivendo uma época dominada por um agnosticismo e um materialismo satânicos, o venerando bispo do Porto lutou, defendendo intimoratamente os direitos da Igreja e da pessoa humana, tornando-se lídimo precursor dos dias de libertação da fé e da crença em Deus.
Nesta tribuna, proclamando a verdade, foi a voz da Igreja, exortando os Portugueses à concórdia, à união, à paz, ao respeito pela omnipotência divina, tão pródiga em bênçãos lançadas sobre a terra português.

Os seus discursos -verbo caudaloso da mais pura doutrina, cheios de vibração, transbordando cintilações deslumbrantes, afirmações talentosas do seu querer e do seu sentir, torrente de conceitos donde brotava bondade

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e caridade - eram peças de oratória modeladas na eloquência divina, bem compreensiva pêlos homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: o Porto cumpriu o sou dever. Nós julgamos ter cumprido o nosso. O bronze da sua estátua lembrá-lo-á na terra, como o lembram todos os seus actos, todas as suas virtudes. No Infinito, junto de Deus, o grande bispo velará por Portugal. Velará pela glória desta pátria, que desde Ourique a Fátima foi, é e será sempre pátria cristã.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: creio interpretar os sentimentos da Camará associando-a à homenagem que o Sr. Deputado Urgel Horta acaba de prestar à memória do antigo bispo do Porto D. António Augusto de Castro Meireles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - É justíssima essa homenagem a um grande vulto da recente história da igreja católica o da pátria portuguesa, que foi, além de um eminente orador, uma alta figura do episcopado e um digno representante da Nação nesta Câmara, exibindo em todos os elevados cargos e funções que exerceu as melhores qualidades de inteligência e de carácter, aliando a uma fé intrépida, que em todas as circunstâncias defendia corajosamente, um esclarecido e sólido patriotismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Não quero, finalmente, deixar de me associar em nome da Câmara, certo de corresponder aos seus mais sinceros votos, as palavras com que o Sr. Deputado Urgel Horta pôs em justo relevo a cidade do Porto, no que ela possui de culto dos seus mais lídimos valores, dos que melhor a exprimem no sen acrisolado civismo, nos seus profundos sentimentos, na sua fé e na sua devoção patriótica, que a homenagem que justifícadamente acaba de prestar a um dos seus mais preclaros prelados eloquentemente atesta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: pedir palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo das disposições do Regimento, requeiro que me sejam fornecidos os seguintes elementos de informação :
Número de colégios do ensino secundário ou liceal que no Pais exerceram a sua actividade docente nos últimos cinco anos e população escolar, por anos lectivos e diferenciada por sexos; noticia acerca dos edifícios adrede construídos ou eficazmente adaptados; número de professores e professoras com Exame de Estado, no caso de os haver, e licenciados do 1.° ao 8.° grupos, e professores de desenho (com diploma da Inspecção do Ensino Particular) em exercício no período de tempo mencionado, bem como o de professores e professoras sem preparação universitária e com diploma da Inspecção do Ensino Particular, tudo relativo ao mesmo ensino particular».

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Por ter verificado no exame dos balanços anuais das sociedades por acções, obrigatoriamente publicados na 3.º série do Diário do Governo, uma certa desfiscalízação técnica e uma completa desnormalização da contabilidade de algumas dessas sociedades, com a remultiplicação das rubricas relativas aos fundos em reserva e com umas substituições, alterações e remodelações multíplices de nomenclatura contabilística, com a consequente opacidade para a leitura atenta, comparativa e elucidativa de tais balanços, requeiro, nos termos do n.° 2.° dos artigos 91.° e 96.° da Constituição e dos aplicáveis do Regimento desta Assembleia, pêlos Ministérios das Finanças e Economia, me seja dada informação sobre se foram efectuadas quaisquer diligências para a execução da hei n.° 1995, destinada à fiscalização das referidas sociedades, e das razões pelas quais esta lei ainda não foi posta em execução».

O Sr. Pinto Cardoso: - Sr. Presidente: desejo novamente referir-me à viagem de S. Ex.ª o Presidente da República, agora já marcada para o próximo dia 2 do mês de Maio.
Não tinham ainda terminado as ecos da feliz e triunfal viagem do Chefe do Estado, Sr. General Craveiro Lopes, a S. Tomé e Príncipe e a Angola, quando em 10 de Julho no ano findo a imprensa diária anunciava já o propósito de S. Ex.ª de visitar no corrente ano as províncias ultramarinas da Guiné e de Cabo Verde e, no ano próximo, a de Moçambique.
Depois de S. Tomé e Príncipe e Angola, cabe agora à Guiné e a Cabo Verde tão distinguida honra.
Será depois Moçambique.
Índia, Macau e Timor anseiam também por render as suas homenagens ao Sr. Presidente da República.
É consolador e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, merece especial registo a forma como, sem se poupar a sacrifícios e canseiras, o Sr. General Craveiro Lopes vem pondo em prática e dando continuidade ao seu pensamento, traduzido nas palavras pronunciadas nesta Assembleia em mensagem que S. Ex.ª dirigiu à Nação em 28 de Novembro de 1953:
Por mim nada mais desejo com tanto ardor que poder iniciar, na devida oportunidade, as minhas visitas ao ultramar, para viver o seu portuguesismo, certificar-me do seu desenvolvimento e congratular-me pêlos seus progressos com aqueles a cujo trabalho, sacrifício e dedicação especialmente se devem. Estou bem certo de poder levar-lhes, com a minha presença, a reafirmação do sentir unânime dos portugueses espalhados pelo Mundo à volta da unidade e grandeza da sua pátria.
Estas palavras de S. Ex.ª o Presidente da República marcam iniludivelmente o desejo de bem servir e, se marcam ainda o desejo de levar às províncias ultramarinas a reafirmação do sentir unânime de todos os portugueses na unidade e grandeza dos destinos da Pátria, traduzem também, na sua execução, altos e patrióticos serviços que por S. Ex.ª vêm sendo prestados à Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com a viagem que brevemente vai realizar, o Sr. General Craveiro Lopes, através do seu prestígio pessoal, da figura de militar distinto e mercê das suas altas qualidades de carácter, de brio, rectidão e firmeza moral, novo e assinalado serviço vai prestar.

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Aqui, nesta Assembleia, que representa a Nação, não quero deixar de evidenciar estes factos, reiterando a S. Exa, em nome da província que represento e em meu próprio nome, as mais sinceras e calorosas homenagens e os melhores agradecimentos.

Vozes: -. Muito bem!

O Orador:-A visita de S. Exa o Presidente da República à Guiné reveste-se, como já tive ocasião de referir nesta Câmara, de um significado muito especial.
É a primeira vez que a província recebe a visita do Chefe do Estado. Se outros motivos não houvesse, bastava tal facto para justificar as horas de ansiedade e exaltação que ali se vivem.
Vai a Guiné abrir as suas portas de par em par, vestir as suas melhores galas para festejar um acontecimento único nos seus quinhentos anos de história, feita de lutas e de sacrifícios, de fé e de patriotismo.
Terá ensejo de mostrar o seu progresso e afirmar a sua fé no futuro.
E, certamente, achará bem pouco o tempo para exteriorizar a S. Exa o seu quente e carinhoso acolhimento, render as suas homenagens e afirmar o seu grande fervor patriótico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Nào deixará ainda a Guiné - sempre reconhecida a quem a serve - de manifestar a sua gratidão ao Sr. Presidente do Conselho, ao Governo da Nação e ao Sr. Ministro do Ultramar, seu antigo, sempre querido e lembrado governador, pelas facilidades que lhe têm sido concedidas e lhe têm permitido um rumo de acentuado progresso.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Termino, Sr. Presidente, com a desvanecedora certeza de que dia a dia mais se vão fortalecendo e estreitando os laços da unidade moral deste nosso Portugal uno e indivisível.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente: os problemas relativos ao Hospital-Faculdade de Lisboa acabam de sofrer uma evolução. É para me referir a ela que vos pedi a palavra.
Permito-me recordar a V. Exa, antes de mais, o significado essencial do aviso prévio que tive a honra de apresentar a esta Assembleia em 29 de Janeiro do ano passado.
Em primeiro lugar, a criação deste edifício e os erros de que ele está eivado e que agora exigem correcções difíceis constituem um aviso quanto à forma como devem ser conduzidas as construções hospitalares futuras. Um hospital constrói-se em virtude de um plano funcional e financeiro bem estabelecido e não se erguem os edifícios com algumas ideias gerais para depois se lhe adaptarem as funções.
Em segundo lugar, a passagem para o Hospital-Faculdade das instalações dos institutos da Faculdade do Campo de Santana, dos serviços clínicos do Hospital Escolar de Santa Marta e a abertura de serviços que até agora não existiam coincidiu com uma profunda alteração funcional e orgânica, determinada pela transferência para a jurisdição do Ministério do Interior de toda a parte hospitalar.
Ficaram assim dois Ministérios a dirigir em comum muitos aspectos da vida do novo hospital. A falta de um entendimento prévio e cuidadosamente estudado entre os dois Ministérios tornou mais evidente a necessidade de serem revistos e remodelados dois aspectos essenciais da vida médica:

a) O ensino da Medicina;
b) O funcionamento hospitalar.

Assim:
Como ainda nos encontramos, por um lado, na fase inicial da reconstrução hospitalar e como, por outra parte, estas duas reformas a que me referi não podem deixar de se repercutir sobre os mesmos aspectos da vida dos grandes centros de assistência e ensino do País, isso conferiu ao aviso prévio um carácter nacional.
A necessidade destas reformas já se fazia sentir há muito tempo. A construção do novo edifício escolar e hospitalar e a sua subordinação aos dois Ministérios provocaram a crise.
A forma como esta crise foi considerada pelo Governo deu a impressão de que ela constituiu uma surpresa para os que tiveram de a enfrentar, e resultou daí uma série de atitudes e decisões bastante confusas, instáveis e por vezes incompreensíveis.
Assim, o Ministério da Educação Nacional deu a impressão de se ter desinteressado da questão - pelo menos na aparência-, deixando-a evolucionar por si mesma. E o Ministério do Interior, tomado de um súbito fervor de realização, mas dispondo de poucos meios para isso; animado de um espírito de desconfiança e suspeita para com a classe médica de carreira, adquiridos através das faltas, atitudes insólitas e incoerências de alguns ou talvez de muitos; embebido de novas ideias, que devem presidir à administração hospitalar, mas exagerando-as e deturpando-as - porque lhe faltava a experiência do conhecimento de causa-, procurou estabelecer um novo estado de coisas, que veio a criar a pouco e pouco uma situação de insegurança colectiva e individual, de inversão e adulteração de poderes, que pôs em risco toda a organização.
Não voltarei a repetir tudo quanto apontei no aviso. Apenas acrescentarei que em Novembro passado, quando reabriu a Assembleia e que dez meses já tinham decorrido sobre a minha intervenção, a situação se agravara consideràvelmente. Do que fora criticado pouco se corrigira no campo material. A criação do laboratório central, dos postos laboratoriais periféricos e a aprovação do regulamento deste sector representa o que mais se torna digno de ser mencionado.
Mas no campo da organização o agravamento foi pronunciado. Não havia enfermeiras suficientes. O pessoal de raios X estava mal preparado.
A Comissão Administrativa abriu concursos sem regulamentos, para lugares sem finalidade definida. Nomearam-se internos sem concurso, embora provisoriamente. Não se deram quaisquer indicações aos candidatos sobre as possibilidades futuras da carreira, as quais não estavam previstas. Nomeou-se um director de serviço clinico por simples decisão e nomeação do Ministério do Interior. Chegou-se mesmo a duvidar se os serviços pertenciam por direito aos professores das respectivas cadeiras, como se uma coisa pudesse estar separada da outra. Admitiu-se a possibilidade de o pessoal universitário clinico ficar sob a vigilância e as ordens do pessoal médico não universitário nomeado pelo Ministério do Interior, etc.
Parecia ter-se assim aberto uma nova era de arbítrio, cm que as carreiras, as categorias, as hierarquias, as competências, os métodos normais de recrutamento e os direitos inerentes tinham perdido a sua significação.

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E então, tal como nos barcos que estão prestes a afundar-se, surgiram os ratos. As pressões, os empenhes e as amizades julgaram que chegara o seu momento. Felizmente assim não sucedeu.
Que uma reforma era indispensável, todos nós o sentíamos, sobretudo aqueles cuja vida profissional se fizera sempre a descoberto. Mas, porque alguns homens falharam, porque alguns não cumpriram os seus deveres, porque se estabeleceram maus hábitos, porque, numa palavra, se tornou necessário reformar os próprios costumes, nào se entende por isso que essa reforma consista em rebaixar e fragmentar uma organização superior do Estado, como a dos Hospitais Civis ou do Hospital Escolar de Santa Maria.
As organizações do Estado têm forçosamente uma categoria que lhes é inerente. Uma Universidade é sempre uma Universidade. Aos elementos dessas organizações correspondem planos diversos, com responsabilidades e direitos definidos. Quando um dos seus sectores importantes claudica ou necessita ser reformado, o Estado devo sustentá-lo e reforçá-lo, nunca diminui-lo. Procedendo doutra forma o Estado desprestigia-se a si próprio.
Perante esta situação julguei que tinha chegado a um triste final o meu mandato e comecei a pensar na minha renúncia. Mas sobreveio por mero acaso nessa ocasião uma circunstância que abriu novas prospectivas sobre a questão.
Tive de procurar o Sr. Ministro do Interior para tratar de alguns aspectos relativos à transferência do meu serviço para o novo Hospital de Santa Maria.
Nesse primeiro encontro, que se desenrolou num ambiente de franqueza e clareza absolutas, S. Exa deu-me a honra de abordar a questão do aviso prévio. Mostrou o desejo de conversar comigo sobre o assunto. Eu respondi-lhe que me encontrava à sua disposição com toda a minha alma e boa vontade.
>Sei que fui criticado por não procurar entrar em contacto com o Governo após o encerramento do debate sobre o aviso prévio. Bem ou mal, sempre considerei que isso não me era permitido.
Recusei por isso várias propostas de um amigo comum para provocar um encontro cera o Sr. Ministro do Interior.
Convidado a levantar os problemas na Assembleia, sempre considerei que só ao Governo competia tomar qualquer iniciativa de contactos directos. Ainda hoje assim o julgo.
Mas uma vez convidado pelo Sr. Ministro, a situação tornou-se outra. É com grande prazer que recordo agora o ambiente em que decorreram as numerosas e prolongadas entrevistas que S. Exa me concedeu. Nunca me senti limitado na liberdade com que exprimi as minhas ideias perante um Ministro que apagou as hierarquias e aceitou sem vacilar e sempre com um elevado espírito de compreensão tudo quanto entendi ser meu dever exprimir-lhe e explicar-lhe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Logo a primeira entrevista nos revelou quanto as nossas ideias e conceitos pareciam distantes e opostos. Se qualquer de nós perdesse a paciência, o que é humano, ou não procurasse compreender o outro, o que ainda é mais humano, creio que os nossos encontros teriam logo terminado.
Mas rapidamente nos apercebemos ambos de que, se os pontos de vista eram divergentes, a convicção com que os defendíamos não era interessada. O desejo de resolver com eficiência era o mesmo. A vontade de justiça igual. Muito do que estabelecia o nosso afastamento residia, sobretudo, na forma diferente de encarar a solução do problema e na filosofia do caso.
Foi esse estado de espirito que permitiu a criação laboriosa, mas progressiva, de um plano de entendimento aceitável, sem sacrifícios impossíveis ou compromissos que desvirtuam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse plano foi por mim concretizado da seguinte forma:

Princípios:
1) O Hospital Escolar de Santo Maria é destinado ao funcionamento dos serviços da Faculdade. Os serviços que não correspondam a funções docentes poderão ser dirigidos por pessoal médico não pertencente à Faculdade.
2) Os serviços que impliquem ensino são inerentes às respectivas cadeiras ou cursos.
3) Nos quadros médicos dos serviços as funções que impliquem docência são hierarquicamente superiores às outras, e por isso as categorias e as hierarquias e seus acessos serão revistos nesse sentido.
4) Estabelecer-se-á o Internato de Lisboa, comum aos hospitais centrais e que passará a ser considerado como a base necessária e comum para o acesso aos cargos clínicos mais elevados da carreira civil ou universitária.
5) As direcções e supervisões dos serviços clínicos e auxiliares que dependem da Faculdade ficarão sempre a cargo de um professor.
6) A direcção do Hospital será entregue a um director clínico e um director administrativo.
7) É criado um conselho técnico obrigatòriamente consultado e que por sua vez pode levantar qualquer questão, estudá-la e apresentar as sugestões que entender.

Criação das condições de funcionamento do Hospital:

Criação de uma comissão competente com autonomia e capacidade suficientes para organizar e colocar o Hospital em condições de funcionar. Estudaria, portanto, toda a orgânica hospitalar, procederia a todas as reformas necessárias, quer pedagógicas quer puramente hospitalares, e procederia à revisão e estudo de tudo quanto fosse necessário para adaptar o novo edifício às suas funções.
Nesse plano estavam encarados os aspectos mais importantes a atender, mas não julgo necessário prolongar esta exposição com o seu enunciado.
Embora aceite como base de trabalho, mas não aprovado incondicionalmente pelo Sr. Ministro, julguei que chegara o momento de alargar o âmbito das discussões ao Ministério da Educação. Desse passo tive eu a iniciativa, pois que não era possível conceber uma discussão coerente e útil com um só Ministério sobre uma questão que interessa igualmente a dois.
Com o Sr. Ministro da Educação Nacional encontrei um ambiente tão acolhedor como no Ministério do Interior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Os problemas a abordar eram mais circunscritos, mas não menos importantes. As aposições bastante menos violentas e menos marcadas.
Nesta fase, a que poderei chamar biministerial, a proposta inicial sofreu uma modificação no que respeita à constituição da comissão especial. Esta abrangeria representantes das três Faculdades e não atenderia aos aspectos relacionados com o edifício. Este sector ficaria especialmente a cargo do conselho técnico.

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Assim, com o encontro dos dois Ministros para procurar lima solução para os problemas comuns terminou esta primeira fase, que se desenvolveu desde Janeiro deste ano até agora.
As consequências práticas foram as seguintes:

a) Nomeação da direcção clínica do Hospital, constituída por um director clínico, um director dos Serviços de Medicina e Problemas de Medicina Interna do Banco e um director dos Serviços de Cirurgia, Bloco Operatório e Banco, ao qual fica ligado um adjunto encarregado especialmente da direcção do banco;
b) Nomeação de um conselho técnico presidido pelo director clínico do Hospital. Este conselho é apenas ouvido, mas, além de ser obrigatoriamente consultado, pode por sua vez apresentar as sugestões que entender sobre qualquer assunto da vida hospitalar. O conselho poderá reunir na totalidade ou em comissões especiais. Poderão ser convidados a intervir nas discussões quaisquer técnicos que o conselho julgue conveniente. O conselho poderá reunir sempre que o presidente ou a maioria dos vogais assim o entender;
c) Criação pelos Ministérios do Interior e da Educação Nacional de uma comissão, especial destinada a estudar e propor aos Ministros interessados tudo quanto diga respeito aos quadros dos serviços da Faculdade e do Hospital; princípios e métodos de recrutamento; estabelecimento das inter-relações e equiparações entre os cargos da Faculdade e dos Hospitais Civis de Lisboa, considerando a criação de um internato de Lisboa. Estudo dos quadros, recrutamentos e preparação do pessoal de enfermagem e técnico. Esta omissão especial é presidida pelo director-geral da Assistência e tem como vogais representantes das Faculdades e hospitais de Lisboa, Coimbra e Porto.
d) O Ministro ido Interior confiará, enfim, ao conselho técnico a missão de estudar especialmente tudo quanto diga respeito a remodelações, revisões e construções no edifício hospitalar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As propostas para o estabelecimento de uma direcção clínica e para a criação do conselho técnico foram também apresentadas ao Sr. Ministro por uma comissão do conselho da Faculdade.
Como V. Ex.ª se pode dar conta, Sr. Presidente, estas quatro decisões representam um passo muito importante para a solução dos problemas relativos ao assunto do aviso prévio.
Ainda nos encontramos, todavia, muito longe do fim. Muitos aspectos essenciais apresentam-se ainda com uma consistência tão fluida que ninguém poderá dizer por agora qual a forma que vão revestir definitivamente. Existe um esboço de acordo, não uma comunidade de pensamento. Não se pode saber até que ponto as propostas e pontos de vista do conselho técnico e da comissão especial vão ser aprovados superiormente.
Por outro lado, nada se sabe ainda sobre a direcção administrativa e sobre os campos de acção desta e da direcção clínica. É de esperar que na sua organização o Governo saiba manter o equilíbrio indispensável para evitar choques e conflitos. E claro que a li III das leis, a escolha do director administrativo reveste um aspecto essencial. Esperemos que nessa escolha o Governo seja tão feliz como o foi na do director clínico, o Prof. Freitas (Simões.
É cedo, portanto, para se considerar a questão definitivamente orientada e não deixarei de pediu- novamente a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para analisar as realizações que forem surgindo e concluir de acordo com essa análise.
Mas, pondo agora de parte estas restrições, é a primeira vez que falo nesta Assembleia com um sentimento de satisfação íntima. Antevejo agora a possibilidade de se atingir o nível em que os problemas da assistência e do ensino medico devem ser considerados e discutidos. Não sinto, sinceramente, qualquer vaidade pessoal, que séria deslocada. «Mas admiro e presto a minha homenagem àqueles que souberam libertar-se de qualquer amor-próprio e foram sensíveis aos argumentos e aos factos. Isso só os engrandece.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Confirma-se assim o que me escreveu «no ano passado um amigo ilustre e distante que se encontrava ao facto das minhas tribulações: o bom senso acaba sempre por vencer, mesmo nos países latinos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett, referente à protecção à família.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto: - Sr. Presidente: é digna dos maiores louvores a iniciativa do Exmo. Prof. Almeida Garrett em trazer a esta Assembleia o momentoso problema da instituição da família. Felicito-o sinceramente pela oportunidade, elevação e carácter objectivo que lhe imprimiu. Felicito também Mons. Santos Carreto pela pureza de conceitos com que versou, aqui, na última sessão vários aspectos do problema.
Com efeito a família desempenha incomparável papel social, económico, político, moral e religioso.
Só são florescentes as sociedades onde as famílias forem de igual modo florescentes. É na família, pois, que a Nação e o Estado encontram a fonte natural e fecunda da sua grandeza e do seu poder.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: para todos os povos os períodos de grande prosperidade foram os períodos de forte população.
Ela é uma das mais fortes garantias da força e prosperidade da Nação. E se a Nação não vale apenas pelo número, todavia sem população numerosa é que esta não prospera.
E, contudo, desde alguns decénios a esta parte assiste-se a uma queda quase vertiginosa da natalidade por virtude da leitura de tantas publicações, oriundas de todos os quadrantes do Mundo, acerca de práticas anticoncepcionais, do materialismo ateu mais soez, da moralidade mais que duvidosa e algumas até do cinismo mais tranquilo e que levam o desregramento sexual até às últimas consequências, com desprezo da moral tradicional, da moral cristã e, até, da vida humana.

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Esqueceu-se o casamento e a família crista, e até os sentimentos mais espontâneos do homem e as necessidades mais manifestas da sua natureza, e se descemos a procurar as raízes de tais razões encontramo-las nas doutrinas e nas condições da civilização moderna.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria tarefa difícil enumerar a série destas causas e de determinar mesmo a quota-parte da responsabilidade que cabe a cada uma delas. É perfeita a síntese de Ravaud:

A Reforma negou a sacramentalidade do casamento e certos reformadores haviam já proclamado a irresistibilidade da concupiscência.
As pretensões do Estado anteriores à Reforma, mas por esta favorecidas, em fazer do casamento um contrato civil, subtraindo-o da autoridade da Igreja, abalaram em muitos espíritos a convicção sobre o seu carácter sagrado e abriram o caminho às doutrinas subversivas, imorais.
O naturalismo e o racionalismo, recusando as luzes da revelação acerca do destino real do homem, tornavam possível a multiplicação dos sistemas filosóficos, cada qual com a sua concepção do Mundo e do homem, com os seus prolongamentos (políticos e sociais e com ideias pervertidas acerca do casamento e da família.
O liberalismo erigia em valor supremo a liberdade individual; e, confundindo o indivíduo e a pessoa, estabelecia o princípio de todas as opressões do homem pela sociedade.
O romantismo divinizava a paixão, colocava o amor e a emoção da carne acima da noção do bem e do mal.
O materialismo, sob todas as suas formas, favorecia a exaltação do instinto à custa do espírito.
As teorias económicas de Malthus preparavam os caminhos (para o neomalthusianismo, sem que aquele o (pressentisse, mas que a lógica das coisas
explica e justifica.
O regime do trabalho da época capitalista desorganizava a família, subtraía a mulher do lar, expunha a riscos da virtude a jovem rapariga e preparava a revolta feminista. Tais são, duma maneira sumária, os venenos que corroem a família contemporânea e favoreceram a rebelião do sexo contra a família, até mesmo contra o amor, apesar de ser esta a palavra que eles sempre traziam na boca.

As consequências estão à vista. E até mesmo num dos Estados onde as práticas anticoncepcionais eram mais apregoadas e onde mais livre curso tivera a propaganda sobre o estancamento das fontes da vida - a Rússia -, mesmo aí se verificou que as necessidades vitais precisavam de triunfar sobre a ortodoxia comunista. Por isso, depois de um período de desregramento da vida sexual e por virtude da desnatalidade progressiva a que era conduzido, passou-se a legislar sobre a estabilidade das famílias e a garanti-las contra os perigos do divórcio, para que os filhos recebessem dos seus geradores o mínimo de educação ou, pelo menos, os suficientes cuidados materiais.
Enquanto os velhos Estados liberais, a despeito, muitas vezes, de textos legislativos severos, deixam praticamente o individualismo e o imoralismo, bem como os doutrinários e propagandistas dos diversos movimentos da reforma do casamento, prosseguir a sua obra dissolvente e não tornam, a favor da família, senão meias medidas pouco eficazes, o porque elas não tem a virtude da verdade nem a força dos mitos», a Rússia comunista, sabendo o preço dos lares estáveis, procura deter a decadência do casamento numa acção mais enérgica e mais acompanhada. Em documento solene dá força de lei civil à lei canónica do casamento, opõe-se energicamente ao divórcio e toma. medidas para impedir a na introdução nas leis; exulta, as virtudes sociais, Sobretudo para-a mulher, e a grandeza da maternidade.
Simplesmente, a absorção do homem no Estado, proclamado este como sendo a única entidade legítima, a pretender educar todo o homem e a pô-lo, sem reserva alguma, ao seu serviço, é fazer das famílias instrumento do ideal pagão, do imperialismo. Impõe-se, assim, de tal modo o assento no aspecto fisiológico da natalidade que se não vê já na mulher a esposa, mas sim a mãe de futuros soldados, a mãe da mole de guerreiros do paganismo antigo. Deste modo, pois, se o casamento e a família são destruídos pelo individualismo, também não podem ser salvos pelo estatismo.
Se o desfecho do individualismo é a deliquescência, a destruição total do casamento e da família, também não são os sistemas totalitários capazes de os restaurar integralmente à custa dos destroços e ruínas que o próprio individualismo criou.
Na constituição da família entre o individualismo dissolvente e o totalitarismo extreme se situa a doutrina seguida pelo Estado português. É ao profissionalismo, ao humanismo integral da filosofia cristã, que é necessário pedir a verdadeira noção, a doutrina autêntica do casamento e da família.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diz-nos o Prof. Almeida Garrett que, embora nos últimos quarenta anos a natalidade tenha decrescido de 35,3 para 24,8, todavia o índice de mortalidade baixou de modo proporcionalmente mais acentuado, ide 20,9 para 12,9, compensando este aquele e por forma a oferecer-nos favorável movimento fisiológico.
Em Portugal a natalidade é ainda suficiente para compensar as de funções sofridas e a população cresce, como no-lo mostram eloquentemente as estatísticas.
A baixa de mortalidade é já entrenós de molde a não nos envergonhar perante a maioria das nações europeias, o que significa dizer que não temos dormido sobre a aplicação das medidas higiénicas e terapêuticas à população do nosso país.
Com efeito, se as populações são a mais fonte expressão da existência e da riqueza das nações, é necessário ainda que a sua gente seja sadia e vigorosa sob o tríplice aspecto físico, fisiológico e espiritual.
Por isso concordo com os meios que propõe no seu aviso prévio para a valorização da família, dos prémios de nupcialidade e do abono familiar, sobre os quais vou dizer uma palavra.
Os prémios de nupcialidade visam o número e qualidade da população; o abono familiar, apenas a qualidade, mas de modo mais frisante. Por isso, numa ordem de prioridade, não tentaria resolver aquele problema sem que previamente pudesse ser atribuído abono familiar suficientemente substancial às famílias pobres.
Henri Sellier, quando Ministro da Saúde Pública, e em data em que a crise da natalidade em França era maior do que hoje -a ponto de ele próprio dizer que em França se fabricavam mais caixões que berços-, pretendia que o abono de família tivesse como principal objectivo o aumento da natalidade. E é esta uma afirmação que as estatísticas elaboradas em vários países impugnam.

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Assim, na Inglaterra, diz-nos Edward Danvin que, num estudo sobre o recenseamento na Inglaterra, e distribuída a população por três grupos sociais, se apurou que para uma média de 100 lares da classe superior nasciam 190 crianças; para a mesma percentagem da classe média, constituída, por artífices e trabalhadores qualificados, nasciam 279 crianças; na terceira, classe, constituída, por trabalhadores não qualificados, contavam-se 377. Verificava-se assim, que a natalidade decrescia na proporção inversa das possibilidades materiais dos lares.
Douglas, professor de Economia da Universidade de Chicago, na sua obra A Teoria dos Salários, chega a conclusões equivalentes em interessantes dados estatísticos.
Na França, Dumont, no seu combativo livro Das Populações c Civilizações, baseado principalmente na observação da vida francesa, também defendeu a tese de que uma melhoria da situação económica era acompanhada, de um decrescimento da população.
O abono de família é uniu prestação vertida a favor do assalariado com intuito de o aliviar dos seus encargos de família. E produto de um sentimento de justiça, antes uma medida de equidade social do que um encorajamento directo à natalidade.
Bonvoisin chegou à mesma conclusão: de que o abono de família não é suficiente para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento positivo da natalidade. Já o mesmo não acontece quanto à qualidade da população. Escreve o mesmo autor que o abono familiar permite ao trabalhador criar os seus filhos, vesti-los e alimentá-los convenientemente. Contribui para o desenvolvimento da higiene nos lares dos trabalhadores, melhora a saúde de cada um dos seus membros, as crianças criam hábitos de asseio, as mães têm outro cuidado no arranjo do lar, na preparação da cozinha, etc.
O abono de família, se exerce, pois, uma influência nula ou duvidosa sobre a população do ponto de vista quantitativo, exerce-a decerto, e favorável, numa certa medida, do ponto de vista qualitativo.
Não confundir abono matrimonial com o abono de família e salário familiar. Aquele institui-se para que haja mais filhos, e filhos legítimos. Estes instituem-se porque há filhos e para que as condições de vida permitam no metabolismo social mais intensa corrente ascensional da classe proletária, por maiores possibilidades materiais de ascensão na vida social dos que nasceram com naturais disposições físicas, e sobretudo intelectuais, para o conseguir. Aquele, até certo ponto, força a natureza, estes contribuem para a fortificação dos seres que u natureza livremente concede.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal como pelo Mundo se encontram organizadas as sociedades, o metabolismo social é deveras acentuado. Consiste este na passagem de elementos das classes inferiores da sociedade para as classes superiores e, por outro lado, a de elementos destas últimas para as primeiras. Este fenómeno depende de diferente natalidade diferencial, isto é, menor reprodutividade das classes superiores em comparação com a das classes inferiores. Não podendo as primeiras manter o seu valor numérico, devem ser continuamente renovadas por elementos das segundas, que assim irão ocupar os lugares vagos. A corrente ascendente correspondo outra descendente, formada por indivíduos que pertenciam às classes superiores, as quais, não possuindo já as qualidades necessárias, vão tombando nas camadas mais baixas da sociedade.
A corrente ascendente é bem mais intensa que a descendente. E um mal? E um bem? Conforme a primeira ou a segunda hipótese, assim o metabolismo social representa um factor de degenerescência ou, antes, um factor de renovação eugénica. Consoante, uma ou outra hipótese, assim deveriam ser adoptadas e propagadas, segundo alguns eugenistas, medidas no sentido de deter ou de favorecer o seu desenvolvimento natural.
Ora a verdade é, porém, que a passagem de indivíduos das classes inferiores para as superiores da sociedade não é fortuita, mas sim se produz através de uma selecção rigorosa, de modo que entre os elementos das primeiras só os mais capazes, isto é, os possuidores de qualidades próprias para triunfar entre as classes superiores, aí têm entrada, pois os que as não possuem permanecem nas classes onde nasceram. As classes superiores enriquecem-se assim com novas estirpes vigorosas que pouco a pouco tomam o lugar dos velhos, votados ao lento desaparecimento.
Não podemos, pois, aceitar os pontos de vista de alguns eugenistas, entre os quais Edward Darwin, segundo os quais deveríamos empregar os meios possíveis para restringir a natalidade das classes inferiores e aumentá-la nas classes superiores, nem tão-pouco acompanhá-lo no temor que manifesta quanto à honra e renome do seu país, se porventura assim não fizer. Se elaborássemos o cadastro dos maiores valores da nossa terra, daqueles que constituem a verdadeira elite que nos governa e dirige, e procurássemos saber a sua proveniência, haveríamos de verificar que a mais elevada percentagem tem origem na gente humilde que moureja e sofre para lá das capitais de província e de distrito, e ainda para além dos pelouros municipais.
Para além destes a população atinge cerca de 58,3 por cento da totalidade da população portuguesa, segundo estudo minucioso feito pelo Dr. José Lopes Dias. E aí que a polinatalidade subsiste em abundância bastante para sarar a regressão biológica, que é, no seu dizer, a maior das chagas do urbanismo a sombrear o futuro. O abono ou salário familiar constitui, quando ele fosse suficientemente substancial, medida eugénica de primeira grandeza, pois permitiria a ascensão de tantos que, providos de dotes naturais, os conservam permanentemente escondidos, envoltos na pobreza em que sempre viveram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E devido a estas razões que proponho se estude maneira do tornar mais generaliza-lo e mais substancial o abono familiar - que este possa tornar-se extensivo até à classe rural, pois vejo nele um dos meios mais poderosos de valorização da nossa gente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas a razão principal que [...] traz a esta tribuna é o desejar ocupar-me dum outro problema: o da possibilidade da aquisição da casa de habitação pelas famílias mais modestas. Embora o Ex.ma Prof. Almeida Garrett tenha declarado vir a ocupar-se do assunto em outro aviso prévio, todavia, não deverá levar a mal que agora o refira, porque julgo urgentes as soluções a dar-se-lhe e receio que S. Exa. não tenha possibilidade de o tratar ainda neste período legislativo.
Trata-se da casa por autoconstrução. Já o nosso Exmo. (Colega Sr. Engenheiro Amaral Neto o abordou no aviso prévio que .nesta Assembleia magistralmente desenvolveu na sessão de 39 de Março de 19053, que muito de VV. Exas. ouviram e discutiram e que eu só pude ler, mas com muito proveito.
Do mesmo assunto se ocupou já neste ano legislativo o nosso Exmo. Colega e meu muito prezado amigo

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Dr. Sousa Machado, na sessão de 10 de Março corrente, e com a autoridade que lhe dá o facto de ser sócio fundador da U.C.I.D.T. e ser dos mais entusiásticos propugnadores da M.O.N.A.G.
O assunto continua a merecer a atenção de tantos que se interessam pelo bem-estar das classes pobres, e ainda ùltimamente a isso se referiu o Dr. Nunes Barata, numa notável conferência - «Sobre o problema da habitação» - que pronunciou no C.A.D.C. e está sendo publicada no Correio de Coimbra.
E elevado o número de casas de renda económica construídas em Portugal durante a actual situação política. E problema que ocupa constantemente o espírito do Exmo. Presidente do Conselho, a avaliar pelas afirmações que já há anos pronunciou:

A família é a mais pura fonte dos factores morais da produção. Quem diz família diz lar, diz atmosfera moral e económica própria. A família exige duas outras instituições - a propriedade particular e a herança.
A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra, exige casa, casa independente, casa própria, a nossa casa!
E naturalmente mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio, casa pequena, independente, habitada em plena propriedade de família.

A casa é, pois, um dos mais fortes factures de valorização da família.

Vozes: - - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há já quem tenha tomado a casa como simples célula ou elemento do plano urbanístico de qualquer aglomerado habitacional, seja ele aldeia ou uma das nossas maiores cidades. Mas a casa tem, em meu entender, um significado mais amplo e mais profundo. Desde sempre procurou o homem descobrir ou construir uma habitação, à qual ligou um significado de natureza moral ou espiritual, sobrepondo-o ao simples conceito urbanístico.
A casa é o suporte material da família. Nela desenrola-se a vida dos indivíduos e sucedem-se as gerações. A ela regressam os que a vida levou para longe, a fim de retemperar forças e criar novos ânimos. Não há sacrifício que não mereça ser feito para que cada um possua, em propriedade plena, a sua casa. O homem trabalha para ter uma casa, como a ave para tecer o ninho ou o animal selvagem para escavar a toca.
E, se é assim para toda a gente, o problema assume particular gravidade para as classes que, por sua debilidade económica, estão incapacitadas de solver, com rapidez e por seus próprios meios, tão importante questão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não há dúvida de que o problema da habitação entre os operários é neste momento pungente e está na origem de muitos males com que os poderes constituídos gastam uma grande parte doa dinheiros da Nação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Podemos dizer, grosseiramente embora, que, para darmos uma solução a tal problema, haveríamos de construir imediatamente cerca de duzentas mil casas, tal é o número de famílias sem lar indicado pêlos últimos cálculos.
Não obstante a obra meritória do Governo neste campo, temos de reconhecer que não é com os processos até hoje usados que tal problema se resolve, até porque as somas a investir seriam incompatíveis com as possibilidades imediatas do Tesouro. Também não seria justo que o Estado, por si só, resolvesse um problema que diz respeito a particulares. Sem dúvida, compete ao Estado ajudar, e com isso lucrará materialmente no nível sanitário e económico da Nação e moralmente na melhoria do ambiente social e no estabelecimento duma vida equilibrada e sã.
Quem deve então construir as casas de que a Nação precisa?
Várias soluções são possíveis, mas entre estas havemos de dar preferência, sempre que isso seja viável, aquela que transforme todos os carecidos de casa em proprietários da sua habitação. Bem sei que nem sempre esta solução será exequível, mormente naqueles casos em que, por virtude da completa indigência económica, da idade avançada ou da falta de saúde, não podemos exigir dinheiro ou trabalho aos indivíduos sem abrigo. Neste caso tem plena justificação a intervenção da caridade cristã, da qual surgiu a magnífica obra do Património dos Pobres, pensada, criada e executada por essa extraordinária figura de sacerdote que é o padre Américo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Voltando, porém, ao caso de trabalhadores por conta de outrem ou pequenos trabalhadores autónomos, poderemos indicar três soluções possíveis para o problema da habitação:

1.º Construção totalmente a cargo e por iniciativa dos patrões ou empresários, ou ainda de colaboração entre estes e o Estado;
2.º Construção totalmente a cargo do Estado;
3.° Construção pelos próprios trabalhadores, com auxílio dos patrões e do Estado.

Destas três soluções apontadas, a última é, indiscutivelmente, a melhor. Dêmos ao homem o direito e a responsabilidade das iniciativas que hão-de criar o meio material e espiritual em que há-de viver, ele e os seus. Evitemos que se radique o conceito do Estado-Providência, que tudo pensa, tudo faz e tudo dá. Finalmente, neguemos o conceito estritamente paternalista do empresário, que dá ou retira, a seu bel-prazer, as condições materiais indispensáveis à vida dos seus mais directos colaboradores.
Perguntar-se-á: mas é possível, no estado actual da organização e remuneração das classes trabalhadoras, conseguir que elas próprias construam, edifiquem as habitações de que necessitam?
A resposta tem de ser afirmativa, não só com fundamento em teorias, mais ou menos perfeitas, mas com base em experiência já vitoriosamente ensaiada. Quero referir-me, ao falar numa experiência «vitoriosamente ensaiada» no Movimento Nacional de Autoconstrucão, ao qual se devem já algumas dezenas de casas autoconstruídas.
Este Movimento nasceu em Coimbra, no seio da U.C.I.D.T. (União Católica dos Industriais e Dirigentes do Trabalho), pensado, no espírito e na sua técnica, pelo presidente daquele organismo, engenheiro Horácio de Moura, que o traduziu no primoroso livro que é Um Estado Social. A publicação desta obra marca, com efeito, o movimento inicial do novo Movimento e foi ele que acendeu em todo o País a enorme ansie-

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dade de conhecer e realizar o sistema de autoconstrução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Baseia-se no aproveitamento das horas livres dos trabalhadores e na obrigação de ajuda mútua que entre eles deve existir. Tem como remate extraordinário e pleno de significado a intervenção moral e económica dos empresários e patrões, verdadeiramente conscientes da sua posição e dos seus deveres.
O Movimento adoptou a fórmula de cooperativa, da qual são associados beneficiários os trabalhadores por conta de outrem que obedeçam a certos requisitos pessoais e familiares. Os patrões e dirigentes do trabalho são associados cooperadores. Os primeiros dão ao Movimento o trabalho prestado nas suas horas livres; os segundos, além da orientação, conselho e amparo, fornecem os fundos necessários à aquisição dos terrenos e materiais.
Nesta cooperativa, modelo perfeito de entendimento e realização dos princípios expressos nas encíclicas sociais da Igreja, a responsabilidade do Movimento cabe por igual a empresários e aos trabalhadores, já que uns e outros põem em comum, não só os seus bens e trabalho, mas ainda tomam assento, em plano de perfeita igualdade, nos vários órgãos de administração.
Os elementos primários da organização são os chamados «estaleiros de autoconstrução », grupos de patrões e trabalhadores, dotados de administração privativa, embora sujeitos à orientarão e fiscalização dos órgãos regionais e nacionais. Os estaleiros agrupam-se em regiões e, sobre estas, orientando-as e unificando-as, situam-se o conselho superior e a assembleia geral, cuja jurisdição abrange toda a área de Portugal continental.
Em cada estaleiro, os autoconstrutores trabalham na edificação das casas de todos os associados, de harmonia com as aptidões profissionais de cada um. Assim, o trabalho dado por cada um dos autoconstrutores em benefício dos seus camaradas é recebido com a contrapartida, resultante do trabalho de todos os outros. Os planos técnicos, cuidadosamente elaborados, estabelecem a proporção entre o valor do trabalho de profissionais especializados e o prestado por associados sem categoria profissional diferenciada.
Este é o processo da autoconstrução.
Por ele os operários constroem as casas por suas próprias mãos, com os materiais e o terreno que o Movimento lhes adianta e que eles pagarão a largo prazo - vinte anos no máximo -, com pequenas prestações mensais. Uma vez paga a última prestação, a propriedade da habitação é-lhes transmitida em escritura pública.
Deve acrescentar-se que o Movimento não visa apenas construir casas novas, mas também reparar as antigas, dando-lhes melhores condições de habitabilidade, melhorando a família no seu ambiente material e moral.
Ainda na fase experimental, foram instalados alguns estaleiros, modestas nas suas dimensões. O primeiro, no alto de Fala, edificou uma única, casa. Os autoconstrutores foram dois noivos, que com as suas próprias mãos e as dos seus parentes e amigos e ainda com a ajuda do patrão do noivo, antigo e conceituado industrial de Coimbra, levantaram as paredes airosas em que a sua família futura veio abrigar-se.
O risco forneceu-o a Direcção distrital de Urbanização. Depois foram construídas quatro casas na Conchada e uni edifício colectivo para o Centro Operário Católico. Ainda em Coimbra, na freguesia de Tovim, foi construída mais uma habitação. No Porto estão em curso noventa e nove casas, das quais já estão prontas dezoito e em adiantado estado de construção vinte. Em Aguiar da Beira um estaleiro tem doze casas, quase completas. Neste momento estão a organizar-se novos estaleiros no concelho da Figueira da Foz e em Coimbra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos agora qual poderá ser a intervenção do Estado e a sua ajuda no Movimento de Autoconstrução.
Três são as pedras angulares sobre que terá de apoiar-se o Movimento:

a) Organização;
b) Financiamento;
c) Orientação técnica.

Quanto à organização, parece que não deve o Estado torná-la a seu cargo; antes a deixará à livre iniciativa dos particulares. As linhas gerais que deixo apontadas demonstram bem que este aspecto está já solucionado em moldes notavelmente felizes.
O financiamento deve também, na sua parte mais volumosa, pertencer às entidades particulares. A estas cabe, sem dúvida, o cuidado e o sacrifício de garantirem os fundos necessários à marcha do Movimento. No entanto, sem excluir esta responsabilidade directa e natural, sou de parecer - e vai nisto um instante pedido ao Governo - que deverá o Estado estabelecer prémios de construção, não com a intenção de tomar sobre si encargos que em boa verdade lhe não pertencem, mas de incentivar o recrutamento de autoconstrutores. É, aliás, prática muito seguida noutros países estrangeiros, tais como a França e a Bélgica. Conceda o Estado a cada autoconstrutor um pequeno prémio, a entregar nos cofres do Movimento no final de cada construção e ver-se-á crescer o entusiasmo, suscitarem-se novos interesses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, quanto à orientação técnica, está aí um campo que só o Estado pode trabalhar e fazer frutificar. Efectivamente a construção ou a reparação de habitações exigem estudos criteriosos e planos devidamente estruturados, que nem o Movimento nem os autoconstrutores estão em condições de preparar.
Já o Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich, quando sobraçou a pasta das Obras Públicas, autorizou que as direcções de urbanização fizessem gratuitamente os planos necessários ao início da autoconstrução.
Mas o desenvolvimento crescente da organização e o trabalho assoberbante que existe em todas as direcções de urbanização tornam neste momento impossível a atribuição de tais tarefas a título exclusivo.
Impõe-se por isso, que o Governo estabeleça, em dependência do Ministério das Obras Públicas e pago por este - talvez do Fundo de Desemprego -, um gabinete técnico, pelo qual o Estado oriente e fiscalize a construção de habitações para us classes economicamente débeis.
Quer dizer: nesta magnífica empresa de edificar casas de habitação para trabalhadores deve deixar-se aos particulares o encargo da organização, o fornecimento da mào-de-obra e a realização dos meios financeiros que sejam indispensáveis. Ao listado caberá unicamente a orientação e vigilância técnicas e o papel de estimulador de interesses, mediante uma, equilibrada política de

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(...) prémios de construção que me parece urgente estabelecer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: - Sr. Presidente: é com a maior satisfação que venho tomar parte num debate que tão de perto diz respeito às preocupações daqueles que entenderam por bem confiar-me o mandato e às razões que me levaram a aceitá-lo.
Antes de pronunciar quaisquer considerações, quero louvar vivamente a iniciativa do ilustre Deputado Almeida Garrett e agradecer a S. Exa., em nome da família, a magnífica oportunidade deste aviso prévio. Veio, deste modo, permitir que não só um ou outro Deputado isoladamente fosse abordando o problema familiar, mas que nos congregássemos em maior número um torno da sua voz, para chamar a atenção do Governo sobro uma questão que é essencial à vida da Nação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Quis S. Exa. que primeiro fosse posta em relevo a importância da instituirão familiar, para assim justificar todo o minucioso exame das condições em que vive, e para que, depois desse exame leal e objectivo, se possam encontrar e adoptar melhores caminhos de futuro.
O plano é tão vasto, o tema tão apaixonante, a necessidade de o abordar tão premente, que o muito que venha aqui dizer-se será ainda pouco em relação ao que fica por trazer à apreciação desta Assembleia.
Todos não seríamos de mais para tomar parto neste debate . . . Todos, repito.
Porque está tudo mal? Poderia perguntar-se. Não. Consoladoramente não, aqui em Portugal.
Melhor, decerto, do que em países de tendências modernas, em que o lar está reduzido a tecto onde se vai buscar apenas algum repouso. É lícito admitir que as vantagens materiais que o progresso lhes trouxe, apesar de lhes conferir o rótulo de nações mais avançadas, têm comprometido perigosamente a união da família e a formação da mocidade, logo, a própria essência da vida familiar.
Melhor, incomparavelmente melhor do que no Portugal de há umas décadas, onde tantas e tantas famílias foram arruinadas pela introdução do divórcio na legislação portuguesa, medida cujas funestas consequências ainda se fazem sentir, onde o ambiente político social, desordenado e de acentuado cunho anticristão, tantas dificuldades criou à acção educativa das famílias fiéis às nossas tradições seculares, onde a governação pública tornava impossível assegurar quaisquer garantias de ordem económico-social e encontrar meios de prestar a mais elementar assistência aos casos necessitados.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Mas não seríamos todos de mais a trazer aqui o nosso depoimento, porque a família está intimamente ligada a todos os problemas da vida nacional sem excepção, e a tal ponto que o seu equilíbrio é indispensável ao bem-estar da Nação, e um e outro são imprescindíveis à felicidade de todos e de cada um.
Tem-se dito inúmeras vezes, e já aqui foi recordado, que ela é a célula da sociedade, pois que esta não é somatório de indivíduos, mas um conjunto vivo, estruturado pelas famílias que o compõem.
E tanto assim que o estado de vitalidade de unia sociedade, em qualquer domínio por que a consideremos, é o fruto de vitalidade - saúde ou doença, força ou debilidade - dessa célula-base que é a família, que, como num só organismo, a vivifica e alimenta ou infecta perniciosamente.
E tanto assim que, em todas as nações, em todos os tempos, e hoje mais do que nunca, aqueles que têm cm mente remodelar a sociedade põem os olhos na família e procuram atingi-la por todos os meios para assegurar o fim em vista.
Querem elevá-la? Torná-la melhor?
Ei-los que não medem cuidados, trabalhos, gastos, a dispensar àquela que lhes há-de fornecer os homens reconstrutores da vida social: os homens de pensamento e de acção, os chefes, os operários de todos os estaleiros.
Querem rebaixá-la, vencê-la, subjugá-la? Começam por minar o centro de irradiação da vida como quem envenena a raiz duma árvore para assegurar a morte de todos os seus frutos ou, ainda, inquina a fonte com que se abastece uma população, para a comprometer irremediàvelmente.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: a família tem direito a chamar-se «família». Para além das suas fraquezas e defeitos, tem querido ser fiel às suas tradições, manter-se digna dos seus antepassados; logo, bem merece que o Mundo conte com ela para reconstruir o futuro.
Não se esqueceu ainda de que tem unia missão a desempenhar: a de trazer ao Mundo novas vidas, não apenas até à hora em que elas vêem o dia e a estatística acusa mais um português, mas até à hora de ter esse português à altura de tornar grande a sua pátria, cumprindo no seu posto! Quer este seja humilde, quer elevado, todo é de honra, desde que seja cumprido integralmente e com amor e devoção. Missão que é sempre a mesma. Missão que é sempre nova, porque novo é cada ser que nasce, nova é cada tarefa que há a preencher, novo é cada dia que desponta.
A família portuguesa não só não se esqueceu da sua missão, como por vezes vai mais longe: tem plena consciência de que está ligada a uma vocação sobrenatural que lhe confere tal grandeza que está pronta a corresponder com heroísmo, se preciso for, às responsabilidades que dela advêm.
Mas, Sr. Presidente, há que ter em conta que a atmosfera do século transporta, por cima de todas as latitudes, erros que vão ganhando adeptos entre os de ideal menos elevado e até entre alguns dos melhores. Há que ter em conta que a fraqueza humana é grande, e que a modéstia do nível económico da família portuguesa, sobretudo da família numerosa, abre rasgadamente a porta à tentação de deixar correr a vida na mediocridade contemporizadora com erros e comodismos. Nomeadamente a limitação da família e a desunião dos esposos são males que se têm infiltrado em muitas famílias, levando-as à própria desagregação. E uma o outra são, em grande parte dos casos, lamentável consequência da escassez de meios de vida.
E rifão muito velho que «onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão». Ao que poderá replicar-se que nem sempre são aqueles a quem mais falta o pão que dão o triste exemplo de não corresponder às suas responsabilidades. Mas à medida que o nível social se eleva, ou que se tem mais contacto com a vida moderna, como sucede às populações dos grandes meios - e estes são os mais contaminados-, as aspirações aumentam de certo modo legitimamente, os encargos

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(...) somam-se, e, portanto, maior é a dificuldade em satisfazer aquelas e assumir estes.
Para que em Portugal a família seja uma presença com que se conte, para que ela esteja à altura da sua missão, há que dar-lhe condições para que ela cumpra alegremente o seu dever, para que este se torne atraente aos mais vacilantes, e não surja em tantos e tantos casos como um heroísmo à margem das possibilidades da maioria.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: para além daqueles que o dever deixa indiferentes, tenho encontrado lares fundados sob o signo do ideal e constituídos por almas de boa vontade, que vão perdendo ânimo ao contacto com as realidades da vida e as dificuldades quotidianas ...
Se é preciso criar uma mentalidade sã - e é de justiça dizer-se que muito se tem feito nesse sentido-, há que assegurar eficientemente as condições necessárias para viver coerentemente com essa mentalidade.
Eu considero como condições indispensáveis para uma vida sâ das famílias, além dessa mentalidade esclarecida, a criar e a manter pela formação directa e pelo ambiente social coerente com os princípios que nos informam, aquelas que vou enunciar resumidamente:

1.º O salário à altura duma vida digna. .Salário familiar como vem expressamente indicado na nossa Constituição? Salário compensado por abonos? Por subsídios na doença? Por subsídios de educação, isenções de propinas, bolsas de estudo?
2.º A habitação que torne o ambiente simultaneamente íntimo e acolhedor. Este assunto é tão importante que o ilustre Deputado avisante entendeu que deveria reservar-se para outro aviso prévio. É de esperar que nele se encarem com visão rasgaria as necessidades do todas as famílias, sem temer ir ao encontro directo dos obstáculos que têm até hoje dificultado a pronta e eficiente solução do problema.
3.º As condições económico-sociais duma educação integral da juventude, incluindo a recuperação dos que possam vir a ser pesos mortos na sociedade, como os anormais e delinquentes;
4.º A previdência para evitar a crise na doença e na velhice;
ã." A assistência aos casos difíceis.

Sr. Presidente: entre nós nem tudo o que diz respeito à questão familiar está mal. Temos leis e instituições nascidas de pensamentos orientadores cheios de justiça e elevação. Mas é tempo de remodelar o que está feito, numa inquietação de mais e de melhor, de apagar o que é injusto, de fazer cumprir sem desleixos culpáveis o muito que há de bom, para que as responsabilidades familiares se encarem cada vez mais a sério e mais confiadamente.
É certo que Portugal é terra de heróis, mas é lícito duvidar se, a querermos que todos sejam heróis, muitos se tornem desertores.
Sr. Presidente: se muitos vêm trazer gostosamente a este debate a sua colaboração, cada um de nós se sente obrigado a limitar-se, a focar um ou outro ponto deste tão apaixonante tema, não porque julgue que tudo se resolveria ao encarar essa parcela fixada, mas porque a querer abranger tudo, não se atenderia a coisa alguma.
De entre as condições que acabo de apontar resolvi trazer à apreciação desta Câmara, e através dela à atenção do Governo, aquelas que se prendam mais directamente com a valorização das gerações novas, com o grande problema da educação, um daqueles que, entre todos, as famílias encaram com maior ansiedade.

Vozes : - Muito bem!

A Oradora: - A educação da juventude é obra de tal modo gigantesca que, só por si, é suficiente para definir a importância da instituição familiar a quem ela incumbe por direito natural e inviolável, como consequência directa do poder procriador.
E ainda suficiente para compreender devidamente a solicitude maternal da Igreja, cujos direitos sobrenaturais lhe advêm da maternidade espiritual adquirida pelo baptismo.
Suficiente é também para justificar a preocupação do Estado em protegê-la e garantir-lhe condições de eficiência, sobretudo nesta hora de renovação nacional, que se vai levando a cabo com tanto prestígio para o nosso país.
Não creio que seja exagero dizer que para formar os portugueses que hão-de continuar esse Portugal maior não há lugar para indiferenças, para divisões, para preguiça,, para injustificadas preocupações económicas.
Ë obra começada desde sempre. Há que prossegui-la com redobrada energia, não com o olhar circunscrito a um ou outro pormenor, mas bem rasgado na visão conjunta do ideal a realizar, das realidades autênticas de cada português a formar, do meio a que pertence o da vida de amanhã a que se destina.
Ë obra da família e da Igreja por primazia de direitos, do Estado, porquanto está em causa o bem comum, o porque é necessária a da maior utilidade a sua cooperação com a família e acção supletiva nos casos em que, esta seja deficiente. Todos numa só obra, num só zelo.

Vozes : - Muito bem!

A Oradora: - Perdoai que o repita. A querer formar homens medíocres, sem visão do seu destino sobrenatural o da sua missão humana, não se formam homens, apenas se acrescentam unidades anónimas à massa da população. Só na conquista de valores reside uma obra verdadeiramente educacional.
Formar valores é dar a este chão bendito de Portugal, que vai dos Açores a Timor, homens que saibam bem utilizar e fazer render os dons particulares que Deus nos prodigalizou, homens conscientes das suas responsabilidades, que se disponham a dizer «presente» à tarefa que lhes for entregue um dia.
Formar valores, que importa, aliás, uma das maiores aspirações do século, exige, porém, a colaboração séria, leal, desinteressada, de todos os que se empenham nesta obra que bem pode dizer-se a maior obra que Deus confiou a esta pobre humanidade.

Vozes : - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: na formação do futuro homem influem, com marca indelével, os meios em que a criança e o adolescente vão peregrinando. Mais do que a formação teórica, cantam para a sua vida futura os hábitos que se lhe vão comunicando, os exemplos que observa, o ambiente que respira.
Destes meios, o primeiro de todos é o lar. As suas responsabilidades são por isso enormes, e bem hajam aqueles que têm procurado que a gente de hoje tome cada vez mais consciência da sua missão. Mas, para a tornar operante, para que o meio familiar seja foco de vida e influência, para que, seja sinónimo de conforto e de

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(...) bem-estar, para que seja preferido a qualquer outro, é indispensável que possa, assegurar-se adentro das suas paredes a presença da mãe de família. É preciso, é indispensável que esta não esteja comprometida no ganha-pão, no reboliço exterior, nas canseiras e na dispersão da vida moderna, incompatíveis, pela absorção de tempo, de forças e de atenção que ocasionam, com a sua vida de educadora dedicada, de guardiã vigilante da harmonia e da felicidade do lar, pois é dela, como aqui foi afirmado com tanta elevação pela voz autorizada do ilustre Deputado Mons. Santos Carreto, que depende na maior medida o rendimento de toda a missão familiar.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Permita Deus, Sr. Presidente, que esta aspiração do progressivo regresso da mulher ao lar se torne em breve uma realidade, e essa seria a melhor protecção prestada à família. Não se esqueça, porém, que essa protecção só será verdadeiramente eficiente por uma acção conjunta da mais esclarecida formação e da melhoria sensível da situação económica familiar. A falta duma e doutra é que tem provocado a constante procura de empregos por parte da mulher e de outras ocupações, que a afastam da sua principal missão.
Não quero alongar-me por este sector, a que de resto já fiz referência. Mas tanto se tem dito a esse respeito, através da opinião pública e nesta tribuna, que é justo confiarmos em que a nossa voz unânime será ouvida.
Como resolver, porém, um problema que, aliás, preocupa cada vez mais todas as nações? Não haverá decerto uma solução única a adoptar para a cidade, a vila, o campo . . . Mas não poderá contribuir em larga escala a valorização dos elementos da família?
Por um lado, valorização humana e profissional do chefe, daquele que tem obrigação de manter o lar e cujos desmandos, falta de saúde e falta de competência profissional são tão nocivos à vida e à economia familiar.
Por outro lado, valorização da mãe de família, para que adentro da casa não venha a sentir-se como uma profissional falhada da actividade exterior ou a escrava do trabalho mais duro, mas a profissional competente do mais valioso trabalho para a economia doméstica, a ordenadora dessa mesma economia e, sobretudo, aquela que se sente feliz por se ver entregue à sua verdadeira vocação de mulher.
A presença actuante da mãe de família no lar aumentaria o rendimento educacional dos filhos, evitando ao mesmo tempo os danos morais e físicos, a que se torna necessário suprir por meio de instituições educacionais e que forçosamente adviriam da sua ausência.
Sr. Presidente: conheço de perto as dificuldades das famílias. Não é raro, infelizmente, encontrá-las. E, dentre os casos já considerados normais, ocorrem-me alguns, aliás frequentes, que passo a citar: são famílias em que o chefe na idade de ser operário especializado, merecedor de justo salário, se encontra como servente ou ajudante de qualquer ofício, como trabalhador de acaso, sem poder auferir ganhos que mantenham dignamente a família, sujeita à miséria logo que qualquer circunstância o iniba desses misteres eventuais.
Suo famílias em que o chefe é um daqueles falhados em cursos que empreendeu sem critério nem qualquer orientação profissional, e anda sempre em busca de qualquer remedeio que lhe permita angariar para os filhos o pão de cada dia.
São famílias em que a mãe onera o talvez escasso orçamento pelo desperdício, pela falta de zelo, pelo constante recurso a outrem para satisfazer as necessidades da vida doméstica, ainda que, por vezes, no fundo da gaveta, esteja enrolado um diploma que apenas lhe faz apetecer outros misteres . . .
Onde falha si valorização do chefe é ao trabalho de recurso da mãe e até dos filhos, na idade em que comprometem a sua própria valorização, que se vai buscar o essencial. Onde falha a valorização da mãe de família não há salário do chefe que suporte os seus prejuízos. E num e noutro caso, quando surgem quaisquer emergências, é aos subsídios assistenciais que há que recorrer-se. Estes, porém, deveriam estar reservados àqueles casos não evitáveis, que, infelizmente, como diz o Evangelho, sempre havemos de ter connosco, e em que obras do Estado, obras particulares e, sobretudo, a caridade cristã praticada através delas ou na humildade do silêncio sempre hão-de unir-se para converter as lágrimas em sorrisos.
Para que o lar corresponda ao que a sociedade tem o direito de lhe pedir - e bom é que se lhe peça muito e não se julgue que o Estado possa suprir a sua missão, segundo os erros do totalitarismo - há que enveredar pelo caminho da valorização dos seus membros, adequada ao homem e à mulher, e ainda orientada criteriosamente segundo os dons particulares de cada um; espiritual e moral acima de tudo, mas rendo em conta as realidades humanas, logo prática e profissional. Se não podemos desde já remediar todas as dificuldades das famílias actuais, mais razões encontramos para não pouparmos energias e despesas que redundem na valorização das gerações novas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - E de acordo com este pensamento é talvez tempo de enveredar por uma ordem económica em que progressivamente seja possível coutar com verbas que haveriam de gastar-se em remediar desgraças, para evitá-las por meio de melhor preparação dos homens de amanhã. Quanto é possível referir a uma comparação este pensamento, eu creio que é mais económica a profilaxia da incompetência profissional, da doença, da imoralidade, do vício, do que o remédio indispensável para acudir aos efeitos da sua epidemia. E são aqueles males os principais causadores dos casos sociais, tão numerosos hoje em dia.
Eu creio que corresponde a uma aspiração legítima que a assistência, sem deixar de cumprir a sua missão junto dos lares em crise, num plano económico nacional, cuja visão esteja acima, das divisões indispensável à boa ordem dos serviços, vá cedendo lugar a uma maior previdência, e ainda dentro deste pensamento de prevenir o futuro seja encarado a sério, com largueza de vistas e de meios, o problema geral da educação.
Sr. Presidente: para além do lar, a escola é o meio que mais influi na formação da criança e do adolescente, porque nela vive horas e horas na idade receptiva por excelência, em que o espírito se grava como cera mole, a vontade se fortifica, as mãos se adestram e as forças físicas se desenvolvem. A escola, quer oficial, quer privada, é também o auxiliar a que a família mais recorre para educação da juventude, hoje mais do que outrora, em que as classes mais humildes a dispensavam e as mais abastadas a supriam.
Pede-lhe os conhecimentos especializados, que não pode nem sabe dar, a cultura geral concordante com a época e com o meio, a formação técnica e profissional, para garantia do futuro, a educação física necessária a um equilíbrio do desenvolvimento.
Pede-lhe que transmita esta educação com o conhecimento adequado das realidades da criança a que se destina e com a devoção que despeite na juventude o apetite pela sua valorização pessoal - que tanto se

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(...) tem perdido! - e a disponha também a uma colaboração voluntária, sem a qual fica improfíqua toda a acção dos mestres e dos livros.
Pede-lhe, sobretudo, a educação moral concordante com a fé cristã, professada por 90 por cento da população, não só através de aulas de Religião e Moral, como por meio de toda a actuação da vida escolar.
Pede-lhe ainda que seja acessível aos orçamentos das famílias a que se destina e, quando não seja gratuita, ao menos razoável no custo das propinas e do material escolar e em, despesas acessórias.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Só assim pode cooperar verdadeiramente com as famílias que correspondem as suas responsabilidade e está em condições de suprir as deficiências daquelas que, por qualquer motivo, as desconhecem ou não as podem assumir.
A designação do actual Ministério da Educação Nacional, a que a escola está directamente ligada, corresponde ao pensamento de compreensão exacta deste problema, fazendo esquecer a confusão que se poderia ter levantado sobre a possibilidade de uma instrução desligada da educação integral, tão inverosímil afinal como a possibilidade de viver uma cabeça independentemente do corpo a que pertence.
E, para além desta designação formal, vemos melhorar sensivelmente o ambiente educacional do País, escolar e paraescolar, em todos os sectores que hoje são dependentes daquele Ministério.
Se há hora em que podemos estar gratos ao Estado pela compreensão deste grave problema, se podemos honrar-nos da actuação do Ministério da Educação Nacional, é esta em que vemos levada a cabo a magnífica campanha contra o analfabetismo, deficiência esta que tanto no» envergonhava a olhos estranhos estranhos prejudicava pela desvalorização de toda a ordem que significava. São escolas novas que se erguem em todos os recantos do País; é a preocupação de atingir todas as crianças - as isoladas, as doentes, as ambulantes, as atrasadas. E a preocupação de atingir a maioria dos adultos susceptíveis de aprendizagem. São bibliotecas que se fundam, revistas que começam a divulgar-se. Vemos o problema compreendido em toda a sua profundidade e extensão, observado o pormenor dentro da esclarecida visão de conjunto, tudo atendido com carinhosa dedicação. Vimos seguindo a par e passo a actuação do ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional em contacto directo com as realidades de cada região, pedindo a melhor colaboração aos professores e às famílias, assegurando a do Governo. É obra que define um chefe, que honra uma nação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Bem razão temos, Sr. Presidente, para afirmar que onde quer que exista um grande pensamento, uma vontade perseverante, não há dificuldades e incompreensões que não se vençam.
Razão temos, Sr. Presidente, para alimentar hoje mais do que nunca a esperança de que tenha chegado a hora de ver o Governo interessar-se a fundo pela educação dos novos, que, no dizer de S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, é o problema que está na base de todo o problema nacional.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora:

São as ideias que governam os povos e são os grandes homens quem tem as grandes ideias. E nós não temos homens porque os não formamos, porque não nos importaram nunca métodos de educação.

Estas são palavras de Salazar em 1909.
E em 1934 afirma:

Nós não compreenderíamos - nós não poderíamos admitir - que a escola, divorciada da Nação, não estivesse ao serviço da Nação e não compreendesse o altíssimo papel que lhe cabe nesta hora de ressurgimento, na investigação e no ensino, a educar os Portugueses para bem compreenderem e bem saberem trabalhar. E é pouco ainda.

Permita-me V. Exa. Sr. Presidente, que venha aqui lembrar também as palavras que S. Exa. O Sr. Dr. Veiga de Macedo pronunciou há algumas semanas em Faro:

Não se julgue que estamos plenamente satisfeitos. Sabemos que não se alcançaram ainda, os objectivos em vista. Por isso, e até porque em matéria de educação nunca se chega ao fim - não estará aí porventura o mais alto título de glória dos educadores? -, por isso aqui nos encontramos de novo prontos a recomeçar, esquecendo o muito que há feito, para nos preocuparmos apenas com o muito que há a fazer e se oferece à nossa ânsia de realização e renovação.

Sr. Presidente: que este muito que há a fazer seja cada vez mais a visão de conjunto do problema educacional português, da escola infantil à Universidade, escolar e pura escolar, com atenção cuidada aos pormenores necessários . . .
E não, como até há pouco tem sucedido, reduzi-lo a meras e locais modificações de programas, de cursos, de regime de exames, etc., pormenores desintegrados da visão conjunta do problema, em que não são ouvidos em proporção justa todos os que têm responsabilidades de educadores, isto é, a Família, a Igreja, os Mestres; estas alterações constantes ao que já existe, salvo algumas medidas de excepção, vão melhorando aqui, piorando acolá, mais não resolvem cabalmente nada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - De facto, corresponde a escola portuguesa, quer privada, quer oficial, ao esboço traçado há momentos? Corresponde ela ao pensamento de Salazar?
Corresponde ainda o cinema, a orientação desportiva, a literatura acessível à mocidade, o ambiente das diversões, a uma coerência com a doutrina ensinada na escola?
Sr. Presidente: há dias, em sessão solene comemorativa do 20.º aniversário da publicação da encíclica Divini [...] Magistri, foi apresentada, com clareza magnífica, pelo insigne Prof. Dr. Braga da Cruz, não só a doutrina expressa nessa encíclica, como o panorama geral português respeitante à posição da Igreja e das famílias em relação à escola. As palavras que ali se ouviram, e a cujo sentido me vou reportar nas considerações que seguem, porque de tal forma vão ao encontro do que tencionava aqui dizer, correspondem integralmente à consciência das famílias cristãs, da esmagadora maioria das famílias portuguesas. Talvez não encontrem sequer oposição da parte de muitas famílias que não professam a fé cristã e que, não raramente, enviam os seus filhos às instituições educacionais confiadas à Igreja.
Note-se, Sr.. Presidente: é com maior confiança, é sem a mais pequena reserva, que nós hoje entregamos a educação dos nossos filhos às escolas oficiais, tão notável tem sido a obra renovadora realizada nos últimos tempos, merecedora do nosso inteiro louvor.

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Mas é preciso que a sua opção seja motivada por uma inteira liberdade de escolha, independente de circunstâncias que a limitem.
E é forçoso reconhecer que essa liberdade não é completa, enquanto só for possível às famílias e à Igreja fundar escolas cujos encargos as tornam acessíveis só às classes privilegiadas, a menos que sejam cobertos por esmolas e alguns subsídios de assistência, por se destinarem à educarão das classes mais necessitadas.
As classes médias, e são essas n maioria das que frequentam o ensino secundário e técnico, em que o problema da educação integral atinge maior acuidade, essas não têm possibilidade duma escolha totalmente livre.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Há que lembrar que a educação é um verdadeiro sacerdócio, que as instituições da Igreja são depositários duma missão divina e duma experiência de séculos; por estes motivos, e pela natureza da vocação daqueles que a servem, estão em condições óptimas para formar a juventude adolescente e a dos meios moral o socialmente mais difíceis.
Para estas instituições, que já deram provas de rara competência, e para algumas outras que ofereçam garantias, é de justiça que se concedam subsídios que lhes permitam equiparar o custo das propinas escolares nos das instituições oficiais, que sejam oficializados os seus diplomas e que tenham liberdade de organizar cursos cuja oportunidade se reconheça.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora:-Sr. Presidente: as famílias, enquanto confiem os seus filhos às escolas oficiais, precisam ainda assim de ser ouvidas, consultadas, aconselhadas. Infelizmente estão no hábito de se dirigir às instituições para matricular os filhos, para saber as notas, para interceder pelas crianças. Há professores primários que desconhecem os pais dos alunos, ainda que isto pareça inverosímil. Das escolas secundárias e médias, cuja população escolar está em plena crise de adolescência e a acusar as primeiras tendências vocacionais, nem se fala. Culpa da escola? Da família? Possivelmente de uma e outra. Mas pode chamar-se a isto cooperar? Como pode a escola cumprir a sua missão educadora enquanto o aluno for para ela o indivíduo cujos antecedentes desconhece, cuja reacção familiar não acompanha, cuja orientação de vida se passa à margem da sua acção? E que dizer da atitude da família?
Porque não enveredar pela prática habitual das reuniões de pais de família, incluídos na vida das instituições como uma obrigação? Os benefícios incalculáveis que adviriam da colaboração leal e directa dos educadores justificam plenamente a generalização desta prática, até hoje raramente usada.
Porque não pugnar também pela revivescência do espírito de discípulo, único que traduz uma colaboração activa entre o educador e o que vai fazer render o trabalho deste pelos seus próprios recursos? Este seria de alimentar também por meio de encontros entre professores e alunos, a proporcionar sobretudo nos últimos anos idos cursos secundários e médios, e indispensàvelmente nos cursos superiores.
Sr. Presidente: seria impossível analisar no tempo em que me é permitido usar da, palavra pelas disposições do Regimento todo o problema da educação, ou sequer todo o problema escolar. Por isso é meu intuito pôr em relevo apenas um ponto, que me parece de tal importância que justifica a atenção especial que lhe
presto, e que eu peço seja tido em consideração por aqueles que têm o poder e a competência para lhe dar solução.
Falei há pouco da campanha contra o analfabetismo. Tacitamente vem a propósito falar da escola primária, a quem está especialmente confiada, e que tão importante está a tornar-se na vida nacional, por ser frequentada pela quase totalidade da população do País.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, uma brevíssima indicação numérica, que poderá elucidar esta Assembleia:

(ver tabela na imagem)

Ela é a única para a maioria dos portugueses. Única para aqueles que a deixam aos dez, onze e doze anos, pois que o limite de catorze anos apenas veio beneficiar os alunos que antes dessa idade não conseguiram vencer os programas escolares. Tão mal compreendida por aqueles que não conhecem de perto o trabalho esgotante que se passa adentro das suas salas de aula.
Tão mal agradecida por aqueles que lhe usufruem os incalculáveis benefícios. E ainda de longe em longe insuficientemente amada por alguns daqueles que a servem e esquecem a responsabilidade do sacerdócio educativo que lhes é confiado.
Mas se ela é ponto de partida para a vida, será suficiente como ponto de chegada? Concretizando: para além de uma ou outra deficiência de programas - não vem a propósito fazer-lhe a critica - e há que reconhecer que a opinião pública é em geral mais severa do que de justiça - para além de uma ou outra deficiência de horário, esta remediável quando a suficiência de professores e salas revogar em definitivo o regime de desdobramento -, será suficiente a escola primária para que corresponda a um ponto final na vida escolar da maioria dos portugueses?
Dos futuros homens? Das futuras mulheres?
Transmite ela porventura os conhecimentos essenciais para a vida? Forma ela o carácter de tal maneira que a criança possa resistir a todos os perigos da vida social, da rua, para muitos?
Estará a criança ao sair da escola em condições de produzir trabalho útil: pela idade, pela preparação adquirida?
Eu deixo a pergunta em aberto.
Vejamos qual a população que constitui os 70 por cento (número aproximado) das crianças que depois do exame de 1.º ou 2.º grau não voltará à escola.
É a grande massa da população rural; daqueles que, uma vez deixada a escola, vão entregar-se, aos trabalhos acessórios da vida agrícola, leves uns, como guardar as ovelhas, fazer recados, etc., desproporcionados com as forças físicas da criança outros; na maioria de fraquíssimo poder educativo.
É também aquela população infantil das aldeias e vilas, não forçosamente ligada à vida agrícola, oriunda de famílias médias, como as dos pequenos lavradores e comerciantes, que, pela permanência na província, está forçosamente desviada das escolas secundárias e médias.
A outra classe, que só conhece a escola primária, é a população mais pobre, melhor diria, mais desorgani-

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zada socialmente, que habita os grandes meios. São adolescentes que se debatem com uma crise de idade que as condições do meio tornam precoce e incomparàvelmente mais grave do que é habitual, que vão passar dois a quatro anos, por vezes mais, na rua. Ali arruinam a saúde física e moral, desaprendem tudo quanto a escola ensinou, indisciplinam-se em absoluto. São crianças que ficam perfeitamente ao abandono, pois nem sequer se pode esperar que o lar -seja ele barraca, quarto alugado ou casa independente - possa conter durante as vinte e quatro horas do dia a exuberância da sua idade. Alguns empregam-se, como paquetes, no comércio, como eles chamam à venda de limões ou dos jornais, como pequenos caixeiros . . . nas únicas profissões que de profissão só têm o nome, e que, no entanto, apesar dos prejuízos que acarretam, são menos nocivas do que a total ociosidade.
O que se faz, pois, à criança de 10, 12 anos, que fez exame de 2.º grau, ou apenas de 1.°, e que não é possível encaminhar para qualquer dos cursos médios ou secundários? O que se faz à criança de meio econòmicamente débil que está longe das escolas onde este ensino é ministrado e que não faz parte dos casos de disposições excepcionais, esses salvaguardados pela existência de bolsas de estudo? . . .
O que se faz à criança que não tem as qualidades intelectuais necessárias para prosseguir os estudos, mas tem forçosamente outras não monos úteis?
Sr. Presidente: tenho ouvido esta pergunta da boca dos pais e educadores de todas as regiões do País. Tenho-a ouvido particularmente. Tenho-a ouvido através de apelos tornados públicos. Tenho-a ouvido da boca dos grandes educadores, que se preocupam com a mocidade de Portugal.
Ouvi-a, já há muito, através da minha consciência de mãe de família, com responsabilidades de poder contribuir para facilitar a muitas outras o cumprimento da sua missão.
Sr. Presidente: na Argentina o ensino primário é obrigatório até aos 12 anos; em França até aos 14; na Bélgica até aos 14; na Alemanha até uns 16. Escolhi propositadamente estes exemplos, de entre outros, por se referirem a países que se debatem com problemas de educação, que, graças a Deus, não constituem a nossa preocupação de momento. E nós? Continuaremos a aceitar que as crianças mais inteligentes das nossas escolas possam abandoná-las definitivamente com 10 anos incompletos?
Onde vão ocupar-se?
Em que ambiente vão viver?
Onde vão aprender o trabalho a que se destinam?
Volto a insistir: O que se faz a estas crianças?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Porque continua a criança de meio rural a voltar-se para a terra quase tão mal preparada para a cultivar como o analfabeto? Porque continua a desgostar-se da vida agrícola e a considerá-la qualquer coisa de inferior, de rotineiro, sem horizontes?
Porque continua a rapariga da aldeia a dedicar-se as pequenas indústrias que lhe são confiadas, como a avicultura e outras, com a mais completa ignorância, sem possibilidade de valorizar o seu trabalho e de aplicar a sua inteligência a aptidões com algum interesse?
Queixamo-nos da falta de amor à terra, da deserção dos campos por parte de todos os que têm quaisquer aptidões, da falta de produtividade do trabalhador rural, da rotina dos métodos usados. E para remediar este mal temos três escolas elementares agrícolas, desconhecidas da massa da população (cerca de 250 alu-
nos), três escolas médias de limitada frequência (cerca de 400 alunos) e em desproporção assombrosa saem do Instituto Superior de Agronomia mais de 50 engenheiros agrónomos e silvicultoras por ano (o que corresponde a uma frequência de mais de 50O alunos).

O Sr. Almeida Garrett: - E um estado-maior sem soldados.

A Oradora: - Queixamo-nos dos perniciosos efeitos da vadiagem, onde pululam os casos de delinquência infantil, quase sempre precursora da delinquência de adultos quando não seja prontamente remediada, pela sã reeducação.
E continuamos a cruzar os braços e a permitir que a ociosidade impere em muitos milhares de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Sr.(Presidente: esta é a lacuna grave que existe no regime escolar português. É uma autêntica vala onde soçobra muito, muitíssimo, do que o lar dera à primeira infância e a escola conseguira durante a instrução primária.
Vejamos agora se há maneira de trazer qualquer remédio eficaz a tão importante questão.
Consultando a legislação portuguesa, encontrei dois diplomas que parecem prever, pelo menos parcialmente, a solução deste mal: as Leis n.º* 1895 e 1918 , cujo texto passo a reproduzir.
Lei n.º 1895, datada de 23 de Abril de 1935:

BASE I

Nas reformas de instrução ou assistência a realizar o Governo instituirá o ensino agrícola elementar nos estabelecimentos oficiais.

BASE II

É o Governo autorizado a subsidiar as corporações ou as instituições particulares que realizem ou possam realizar eficientemente esse mesmo ensino.

Lei n.º 1918, datada de 27 de Maio de 1935:

Base I

O ensino primário nas escolas rurais compreenderá noções gerais de agricultura, quanto possível adaptadas à actividade agrícola das regiões em que essas escolas funcionem.

BASE II

Os fins c os métodos do ensino rural serão definidos em instruções elaboradas e expedidas por acordo entre as Direcções-Gerais do Ensino Primário e do Ensino Técnico. As noções gerais de agricultura a ministrar nas escolas rurais obedecerão especialmente ao duplo objectivo de criar no espírito da criança o amor à terra e aos trabalhos do campo e de lhe facultar os conhecimentos rudimentares tendentes à compreensão dos fenómenos e operações que interessam à vida agrícola.

BASE III

O Ministério da Instrução Pública, pelas Direcções-Gerais do Ensino Primário e do Ensino Técnico, estudará a forma de preparação do pessoal docente a utilizar no ensino agrícola que deve ser ministrado nas escolas rurais.

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Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, formular uma pergunta:
Deu-se acaso algum cumprimento a estas leis? Que motivos houve que impediram a entrada em vigor ao menos dalguma disposição relacionada com o pensamento que as ditou?
Porque continua a deixar-se ao cuidado exclusivo do Ministério da Economia o aperfeiçoamento técnico do trabalhador rural, por meios que resolvem um problema de competência técnica, mas desintegrados do problema educacional?
Porque não se tem proporcionado sequer a realização de cursos agrícolas muito simples e elementares, como ainda há pouco lembrava o jornal A Voz, através da sua colaboração?
Há dias foi levado a efeito em Lisboa, por feliz iniciativa do Ministério da Educação Nacional, um curso de formação rural para professores primários. Poderá relacionar-se esta ocorrência com a matéria contida na Lei n.°1918, atrás citada?
Admitir-se-á a possibilidade de virem a associar-se os professores das esfolas rurais à iniciação agrícola das crianças que lhes forem confiadas?
Significará este pormenor a preocupação de um ensino pós-primário tão importante e oportuno?
De facto, só me parece remediar-se em parte a grande lacuna que apontei quando a escola primária - a única que está disseminada por todos os recantos do País - estender a sua acção educativa por mais dois anos, pelo menos, numa actividade simultâneamente complementar da instrução, que inclui nos seus programas a pré-profissional, em relação às actividades domésticas e às que são próprias de cada região.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Para que um rapaz ou uma rapariga se tornem úteis a si e à sociedade, para que se sintam felizes e se desviem do mal, para que não sejam inaptos em relação aos que os rodeiam e vão definindo-se as suas aptidões pessoais, há que iniciá-los nos conhecimentos práticos necessários à sua vida, há que acompanhar as primeiras iniciativas próprias, há que ajudá-los a vencer as dificuldades com que lutam. Numa palavra: há que estabelecer uma vida escolar com um cunho de transição entre o ensino exclusivamente teórico e as ocupações exclusivamente práticas. Enfim, há que criar o ensino complementar da escola primária.

Vozes: - Muito bem !

A Oradora: - Os benefícios deste ensino estender-se--iam não só à população agrícola, como às outras crianças dos meios rurais, a que já fiz referência, desde que os programas tivessem a adaptabilidade às condições de lugar e meio. Há vilas em que o número de escolas permitiria inclusivamente que obedecessem a tipos de actividade de diversa orientação: pré-aprendizagem de ofícios. artesanato, etc.
E como encaminhar aquelas crianças dos grandes centros urbanos que apenas frequentam o ensino primário? Teria para elas algum interesse prolongar este ensino, isto é, seria útil a escola complementar, ou seria de aconselhar que ingressassem em número cada vez maior no ensino secundário e técnico? Não me referi propositadamente ao artístico por este se destinar aos alunos de manifestas disposições neste sentido.
A esta dúvida, no que respeita ao ensino secundário, respondo com outra: corresponde já hoje a frequência de mais de 50 000 alunos deste ensino - o que significa um aumento de 18 000 inscrições em doze anos- às necessidades e aspirações daqueles que frequentam? Correspondem aqueles números ao escol intelectual que se destina à Universidade, aos que pretendem uma cultura geral média e a preparação necessária para o ingresso em muitos empregos? Ou não significam, pelo seu alto valor em relação à população escolar total (mais de metade do ensino médio), um processo fácil de arrumar durante uns anos muitos rapares e raparigas, sem qualquer critério de orientação profissional?
No que respeita ao ensino técnico, esse, acusado duma baixa, em relação aos valores estatísticos do último decénio, e de aumentos insignificantes em alguns sectores durante os últimos anos, tem possibilidade de abranger muito mais crianças, e foi esse o pensamento que ditou, entre várias medidas a tomar, o plano de construções para o ensino técnico.
No entanto, para que aquilo que o Estado vai despender seja compensador em todo o sentido, creio que não será inoportuno, antes de avançar resolutamente pelo caminho de alargar este ensino, que se faça um inquérito muito objectivo e leal -digamos o termo: um verdadeiro exame de consciência - aos resultados obtidos até hoje.
Como explicar, por exemplo, o fraco rendimento educacional de grande parte das escolas técnicas? Como ter em conta o seu baixo nível moral, que as torna tão pouco acessíveis às crianças de meio social elevado com acentuadas disposições técnicas? Como explicar que sejam algumas vezes preferidos na indústria, aos alunos diplomados, aqueles que são provenientes de oficinas onde trabalharam como aprendizes? Como explicar que o operário diplomado, pelo facto de se considerar superior, se adapte tão mal à própria vida operária?
Porque não estão as crianças em condições de aproveitar bolsas de estudo e os 25 por cento de isenções do propinas que as escolas oficiais concedem? Que resultados se têm obtido dos cursos complementares de aprendizagem, cuja regulamentação merece o nosso inteiro louvor (artigos 52.° a 65.º do Estatuto do Ensino Técnico ).
Creio que só depois deste exame seria aconselhável fazer afluir um maior número de rapazes e raparigas ao ensino técnico, recrutados tanto entre aqueles que hoje não frequentam qualquer escola, como entre os que se encaminham para o ensino secundário mais por preconceitos de ordem social do que por este corresponder ao rumo que lhes é aconselhável. E nem sequer a estes se pode muitas vezes assegurar uma situação mais brilhante, por virem a competir em posição de inferioridade com classes profissionais em que a concorrência é assustadora. Suscitar-se-ia até possivelmente a dúvida de ser conveniente elevar um pouco o nível de uma parte do ensino técnico e de conferir à outra um cunho acentuadamente profissional, equiparável ao que têm as escolas de pesca, que tão meritórios resultados têm permitido obter.
Mas, para além do alcance destes sectores do ensino, creio que a escola complementar seria da maior utilidade para atender à população urbana que não pode pertencer ao escol artístico, intelectual e técnico, que deveria constituir a principal população destes cursos.
E ainda, Sr. Presidente, para educar aquelas crianças e adolescentes seria indispensável fomentar e subsidiar as iniciativas privadas que têm dado melhores provas de competência educacional.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - As casas salesianas, por exemplo, que se têm dedicado ao ensino técnico e à reeducaçào de menores delinquentes, com êxito não contestado, são pro-

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curadas, em afluência impossível de atender, por católicos e não católicos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Bem podia aspirar-se a que alargassem o âmbito da sua acção não só ampliando os cursos técnicos, como pela fundação de outras escolas de grau de ensino mais elementar. Confiado à sua iniciativa e orientação, desde que lhes fossem assegurados com garantias de continuidade os meios materiais necessários para semelhante empreendimento .

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A obra do ardina, existente em Lisboa e em Coimbra, é também um testemunho vivo do que pode a acção educativa, integral, em meios que tão prejudicados são pela lacuna a que tenho estado a referir-me, pois tem levado o autêntico garoto da rua à categoria de operário competente no seu ofício e de sã formação moral.

Para a educação de raparigas, o semi-internato» depende da Assistência aos menores (secção da Casa Pia) e dirigido pelas Irmãs Missionárias de Maria é também um exemplo colhido dentre outros - este, em regime oficial de cooperação com o Estado - para levantar sugestões sobre este importantíssimo problema, dados os resultados magníficos que tem sido possível obter.

A acção educativa realizada a maneira destas instituições - estas citações não invalidam os méritos de algumas outras - em que predomina o externato e semi-internato, seria suficientemente completa para que ficassem reservados os internatos para os casos em que a família não existe ou é extremamente deficiente do ponto de vista educacional.

Dentre as instituições desde natureza não há obra que sobreleve a magnífica «Obra do Gaiato», fruto de uma imensa caridade, cujo fundador, o padre Américo, merece a veneração e o reconhecimento de todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - É, no entanto, sabido que a família, quando existe e apenas dela se afastaram os filhos por motivo de pobreza, esquece facilmente os seus direitos e os seus deveres. E a criança, o adolescente criado em ambiente de asilo, em regime de internato, só com dificuldade se forma eficientemente para a vida real em que há-de tomar um dia o seu lugar; consegue-o, porém, quando as instituições em que faz a sua educação têm o cunho de lar, o ambiente da família que lhe falta, e o amparam como seu próprio filho, carinhosamente, ainda depois do dia em que ele as abandona.

Sr. Presidente: alonguei-me excessivamente, abusando da paciência e da atenção da Câmara (não apoiados). É que eu tenho vivido tão apaixonadamente este assunto que só lamento não o ter tratado com a largueza que desejava.
É tão consolador ouvir da boca dos estrangeiros e dos portugueses que se ausentaram e hoje regressam à Pátria a afirmação do espírito renovador que anima o País, é tão grato, sobretudo, sentirmos a verdade que existe nas suas palavras, que bem podemos dizer que a Revolução faz lembrar as grandes conquistas de outrora, os grandes empreendimentos que nos deram a conhecer ao Mundo.
E nós sabemos, nós confiamos em que a «Revolução há-de continuar enquanto houver um lar sem pão»!
Quando nós tombarmos outros hão-de seguir-me no render da guarda, com novas luzes, novas energias e o mesmo amor à Pátria. Há que merecê-los, há que prepará-los.
Os rurais, os pescadores, os operários, os técnicos, os intelectuais, os missionários ... um a um, todos os portugueses.
Esta é a preocupação do País.
Esta é a nossa, das famílias.
Pobres e ricos, ignorantes e cultos, todos nos unimos na mesma inquietação: o futuro dos filhos. Podemos pensar com naturalidade em dispensar o supérfluo, em
reduzir o essencial, em dividir em minguadas fatias o
último bocado de pão, em trabalhar sem repouso, e ainda seremos felizes se nos luzir como uma esperança radiosa o futuro daqueles que são uma parcela da nossa vida.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Este é o problema educacional português, em toda a sua medida.
Resolver-se-á, querendo Deus, quando desaparecerem os compartimentos estanques entre aqueles que o têm nas mãos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Quando ele se tornar cada vez mais objectivo na solução do pormenor, mais amplo na visão conjunta.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Quando a unidade de pensamento, a perseverança de sistema, a continuidade de actuação sobre a criança, façam dela um valor.
Trabalharemos, pois, todos e cada um como se tudo dependesse de nós, confiando em Deus, porque tudo depende D'Ele, nós, as famílias, na vanguarda, esclarecidas e amparadas pela Igreja, que é a dispensadora das luzes e graças necessárias à nossa missão; auxiliadas, protegidas, social e económicamente, pelo Estado, com a eficácia de quem tomou como sua a nossa preocupação.
Assim poderemos estar cada vez mais à altura da nossa missão.
Assim poderemos responder «presente», e essa será a nossa maior honra e alegria.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas c 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Gaiteiros Lopes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

VI LEGISLATURA

PARECER N.°19/VI

Proposta de lei n.° 20

A Câmara Corporativa, consultaria, nos termos do artigo 103.° da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 20, emite, pelas suas secções de Indústrias extractivas e de construção (subsecção de Construção e materiais de construção) e interesses de ordem administrativa (subsecções de Defesa nacional, Justiça e Obras públicas e comunicações), às quais foi agregado o Digno Procurador Afonso Rodrigues Queiró, sob a presidência do Digno Procurador José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, o seguinte parecer:

I
Apreciação na generalidade

1. A proposta de lei n.° 20, sobre que a Câmara Corporativa é chamada a pronunciar-se, tem em vista fazer a revisão e actualização do regime jurídico das servidões militares.
Esse regime ainda se contém hoje, fundamentalmente, na Carta de Lei de 24 de Maio de 19021.
Tal diploma encontra-se elaborado, duma maneira geral, em termos cuidadosos, e pode dizer-se que deu conveniente satisfação às exigências de ordem militar, nesta matéria de servidões, na época em que foi publicado e ainda depois disso durante largos anos. O facto de estar em vigor, sem alterações de maior, há mais de meio século é índice bastante claro da verdade desta afirmação.

1) Tornada extensiva ao ultramar, na parte aplicável, pelo Decreto n.º 28 324, de 14 de Agosto de 1980.

Mas nos últimos tempos o seu inevitável envelhecimento tem-se verificado de forma particularmente acentuada e rápida.
As razões desse envelhecimento são tão evidentes que quase parece escusado enunciá-las e, sobretudo, seria descabido insistir nelas.
Não há possibilidade de confronto entre os processos de guerra usados nos começos do século e no momento que vivemos. O progresso operado neste domínio é extraordinário e está patente aos olhos de todos.
Tão profunda evolução, principalmente pêlos caracteres de que se tem revestido ultimamente, determina a necessidade de alterar a regulamentação jurídica a que estão sujeitas as servidões militares.
Essas servidões devem adaptar-se quanto possível aos fins de utilidade militar que visam satisfazer; e, apresentando hoje estes fins aspectos completam ente novos, pondo exigências muito diferentes, há que modificar correlativamente na sua disciplina legal as servidões a eles afectas.
Tal é o objectivo da proposta de lei em estudo.
Tanto basta para que a Câmara Corporativa a considere inteiramente justificada na generalidade.

2. Ainda na generalidade a mesma proposta também se justifica por procurar estabelecer uma técnica mais simples e mais maleável do que a adoptada pela lei vigente.
Define-se e regula-se nela um número restrito de tipos fundamentais de servidão ajustados às situações a que dizem respeito e a que se aplicam.
Pretende-se que a servidão a concretizar para cada caso satisfaça o melhor possível os correspondentes fins, segundo as exigências peculiares desse caso.

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Tudo isto faz da presente proposta de lei, no seu conjunto, um diploma bastante mais breve, manuseável e dúctil do que a extensa Carta de Lei de 24 de Maio de 1902, extremamente minuciosa e regulamentar.
Estas circunstâncias são também de ordem a suscitar o aplauso da Câmara Corporativa quanto à orientação geral seguida pela mencionada proposta.
É de salientar ainda a louvável directriz que consistiu em encarar e resolver o problema no plano de conjunto da defesa nacional, atenta a estreita e cada vez maior interligação dos diferentes ramos das forças armadas - o Exército, a Marinha e a Aeronáutica.

3. Outro princípio orientador invocado no relatório da proposta é o de "não perder nunca de vista, ao considerar a necessidade militar, a conveniência de impor o mínimo de restrições sobre os diferentes campos de actividade nacional em que elas hajam, por força das circunstâncias, de vir a reflectir-se".
Esse princípio merece, como os anteriores, a inteira concordância da Câmara Corporativa.
O direito de propriedade é um dos direitos fundamentais do homem. Como já se escreveu noutro parecer desta Câmara, "a propriedade é um dos redutos principais da liberdade, e esta não pode legitimamente sofrer sacrifícios maiores do que os exigidos de forma imperativa pêlos interesses superiores da comunidade"1.
ror conseguinte, as restrições a esse direito básico, imposto pela própria natureza humana, devem reduzir--se ao mínimo compatível com as exigências supremas do bem comum, o que quer dizer, no nosso caso particular, que as servidões militares, restritivas da propriedade privada, só devem ir até onde as conveniências a defesa nacional imperiosamente o reclamarem.
Por outro lado, a disciplina legal desta matéria tem de ser tanto quanto possível definida e concreta. As restrições ao direito de propriedade têm de constar de lei formal e expressa (Constituição Política, artigo 8.°, n.° 15.°, Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 13.°, e Código Civil, artigo 2170.°). Para diplomas de natureza subordinada ou subalterna só se pode deixar o que constituir mera execução ou desenvolvimento de normas expressamente consignadas em textos com o valor de lei formal.
Neste ponto entende, a Câmara que a proposta deve ser aperfeiçoada, em ordem a dar-se nela consagração mais clara e mais completa à doutrina que se acaba de expor, como melhor se concretizará ao fazer-se o exame na especialidade.

4. Quanto à sistematização da proposta, é ela de manter fundamentalmente, apenas com alteração da colocação de alguns preceitos e diferente redacção das epígrafes dos capítulos.
A proposta está dividida nos cinco capítulos seguintes:
CAPÍTULO I - Princípios gerais;
CAPÍTULO II - Servidões militares ligadas à realização de operações;
CAPÍTULO III - Servidões militares ligadas à preparação e manutenção das forças armadas;
CAPÍTULO IV - Outras servidões militares;
CAPÍTULO V - Estabelecimento e aplicação das servidões militares.

Este esquema, nas suas linhas gerais, é útil e deve conservar-se.

Há, porém, vantagem em que a matéria da constituição (ou estabelecimento) das servidões, que a proposta1 regula no seu último capítulo, transite para o primeiro, a fim de se ficar desde logo sabendo como se constituem as servidões e assim de estar habilitado a melhor compreender o desenvolvimento do seu regime jurídico, exarado nos artigos subsequentes.
Por esta razão, e pelo mais que resultará do exame na especialidade, propomos que a sistematização se passe a fazer nos seguintes termos:

CAPÍTULO I - Disposições gerais;
CAPÍTULO II - Servidões afectas à realização de operações militares;
CAPÍTULO III - Servidões afectas à preparação ou manutenção das forças armadas;
CAPÍTULO IV - Outras servidões militares e outras restrições de interesse militar no direito de propriedade;
CAPÍTULO V - Efeitos das servidões militares.

5. Do exame na especialidade, a que se vai proceder, resultará um texto em grande parte novo, pelo menos no aspecto formal da redacção e da arrumação dos preceitos.
Por isso, no referido exame ir-se-á fazendo n apreciação das disposições da proposta e enunciando ao mesmo tempo o sentido em que há-de orientar-se a formulação do texto a propor finalmente.

II
Exame na especialidade

CAPITULO I

6. Artigos 1.ª da proposta e 1.º do texto da Câmara:
O artigo 1.º da proposta procura definir o objecto ou âmbito da mesma e qualifica como servidões militares todas as restrições ao direito de propriedade nela: estabelecidas e reguladas.
Mas, em boa técnica jurídica, nem todas as aludidas restrições merecem o nome de servidões.
A servidão supõe uma relação entre duas coisas de natureza imobiliária, a utilidade de uma das quais, chamada serviente, se encontra afecta à outra, chamada dominante.
A restrição ou gravame que limita a propriedade da primeira existe no interesse da segunda.
Sem este vínculo entre dois objectos, um subordinado ao outro, não há servidão.
Assim, o Código Civil define servidão, no seu artigo 2267.°, c um encargo imposto em qualquer prédio, em proveito de outro prédio pertencente a dono diferente: o prédio sujeito à servidão diz-se serviente e o que dela se utiliza dominante".
Este é o conceito de servidão em direito privado.
Esse conceito, ao transplantar-se para o direito público e ao aplicar-se, pois, às chamadas servidões administrativas, a cujo número pertencem as militares, sofre inevitáveis transformações, impostas pelo carácter específico deste outro ramo do direito.
Mas há um mínimo que se tem de conservar, sob pena de se abandonar a própria ideia de servidão, e esse mínimo é a sujeição de uma coisa imobiliária (serviente) a outra coisa imobiliária (dominante).
Se falta esta relação, se a propriedade de uma coisa sofre limites estabelecidos pela lei em vista de um interesse público, mas tal interesse não está concretizado na utilidade de outra coisa, existem restrições ao direito de propriedade, sim, mas não existo servidão. Falta a coisa dominante, beneficiária da servidão, sem a qual esta se não concebe.

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As restrições de utilidade pública ao direito de propriedade constituem um género, de que as servidões administrativas representam uniu espécie1.

7. Só haverá servidão administrativa se a coisa dominante pertencer ao domínio público?
Á resposta é duvidosa.
No entanto, parece não se dever excluir aquele conceito pelo simples facto de a coisa dominante não fazer parte deste domínio.
O essencial será que a coisa dominante, (pertencendo embora ao domínio privado do Estado ou até a um mero particular, desempenhe uma função considerada de interesse público, e que seja precisamente um vista dessa função, para a facilitar e valorizar, que a lei sujeite a servidão outra coisa.

8. As considerações precedentes levam a distinguir na matéria da proposta as servidões militares, propriamente ditas, e as outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade.
ÀS servidões militares recaem sobre zonas confinantes com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional.
Às outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade serão estabelecidas eventualmente, e nos termos a precisar adiante, em zonas não confinantes comas referidas organizações ou instalações, mas integradas nos planos das operações militares.
Na primeira hipótese existe uma coisa dominante - a organização ou instalação beneficiária da servidão decretada-, que falta na segunda hipótese.
Isto justifica a redacção sugerida, no texto da Câmara, para o artigo 1.°, que na proposta não formula a distinção acabada de explicar e a todas as restrições aí estabelecidas ou previstas dá indistintamente e sem rigor o nome de servidões militares.
Entre as duas redacções ainda se notam outras alterações, que se não torna necessário referir expressa e pormenorizadamente, para não alongar em excesso o presente parecer, pois são apenas, pode dizer-se, de forma e compreendem-se e justificam-se por si mesmas.
Igual critério se adoptará no exame dos artigos subsequentes.

9. Artigos 2.º da proposta e 2.º do texto da Câmara: Mantém-se fundamentalmente a doutrina da proposta.
Apenas se sugere que a matéria das alíneas b) e c), na redacção da proposta, passe para primeiro lugar, por ser específica das servidões propriamente ditas, de que a proposta e o texto da Câmara se ocupam primeiramente.

10. Artigos 17.º da proposto e 3.º do texto da Câmara:
Desloca-se para este lugar a matéria do artigo 17.° da proposta, pela razão já explicada de se tornar de grande conveniência, para a boa inteligência da lei, indicar logo no capítulo I, entre as disposições preliminares, o modo como as servidões se constituem - e também como se modificam ou extinguem.
As servidões estão previstas abstractamente na lei.
Mas, para que se tornem realidade em cada caso, é preciso que a autoridade as concretize, mediante um acto de constituição.
Esse acto deverá ser, no capítulo das servidões militares, um decreto referendado pelo Ministro da Defesa Nacional, como se especifica no texto da Câmara.
Por um decreto da mesma natureza se poderá depois modificar ou extinguir a servidão assim estabelecida.

11. Artigos 18.º da proposta e 4.º do texto da Câmara:
Os dois artigos correspondem-se. Apenas há entre os dois diferenças de forma.

12. Artigo 5.º do texto da Câmara:
Este artigo, que é novo justifica-se para evitar dúvidas, que poderiam ser suscitadas sobretudo pelo artigo 3.º da Lei n.° 2030, de 22 de Junho de 1948.
Esse artigo 3.°, depois de declarar que poderão constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública previstos na lei, distingue as servidões derivadas directamente da lei e as constituídas por acto administrativo, e estabelece que as primeiras não dão em regra direito a indemnização, ao passo que as segundas dão esse direito, quando envolverem diminuição efectiva no valor dos prédios servientes.
Não cabe aqui discutir, à face dos princípios, a legitimidade da referida distinção de servidões.

as, para que não fiquem subsistindo dúvidas a respeito das servidões militares sobre este importante ponto do seu regime jurídico, qual é o de saber se elas outorgam ou não direito a indemnização, sugere-se o preceito novo constante do artigo 5.° do texto da Câmara, extensivo às outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade, e conforme com o regime já vigente.

13. Artigos 3.º da proposta e 6.º do tacto da Câmara:

Os dois textos praticamente coincidem.
Há a notar apenas o seguinte:
Eliminou-se na alínea b) a referência aos "estabelecimentos industriais privados destinados a fins militares", que se deslocou para o artigo 15.° do texto da Câmara, correspondente ao artigo 15.° da proposta, sobre as organizações ou instalações não militares, mas de interesse para a defesa nacional: é aí, com efeito, que aquela referência tem cabimento.
Por outro lado, aditou-se um § único, onde se esclarece que também são de considerar, para efeito de servidão, as organizações ou instalações militares cujo projecto se encontre, ou venha a encontrar, aprovado.
Por virtude deste parágrafo, toda a doutrina das servidões relativas a organizações ou instalações militares se torna aplicável, automaticamente, às zonas confinantes com futuras organizações ou instalações militares, que, todavia, já têm um começo de realidade, porque estão a construir-se ou, pelo menos, estão projectadas.
O parágrafo assim aditado, em conjugação com o disposto no artigo 4.º do texto da Câmara -18.º da proposta-, torna designadamente dispensável o artigo 11.° desta última, cuja eliminação por isso se preconiza.

14. Artigos 4.º da proposta e 7.º do texto da Câmara:
Substitui-se o artigo 4.º da proposta pelo artigo 7.º do texto da Câmara.

1 Cf. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 3.ª edição, pp. 596 e seguintes; Prof. Guilherme Moreira. Das Aguas no Direita Civil Português, vol. ir, pp. 52 e seguintes; Planiol e Ripert, Traitó Elémentaire de Droit Civil, 4.º edição, tomo I. pp. 1195 e seguintes: Zanobini. Corsa di Diritto Administrativo, vol. IV. pp. 212 e seguintes; Girola, Lê Sercitá Prediali Publiche, pp. 40 e seguintes; Rigaud, La Théorie des Droits Réels Administratif, pp. 283 o segintos.
1 cf. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito administrativo 3.ª edição p. 599 nota.

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714 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 86

Aí se define de modo mais rigoroso e mais completo, em harmonia com os princípios jurídicos, o regime jurídico das organizações ou instalações militares, tanto das afectas à realização de operações militares como das afectas à preparação ou manutenção das forças armadas.
O novo texto, conforme está redigido, dispensa o disposto no artigo 22.° da proposta, que por isso se elimina.

CAPÍTULO II

15. Artigos 5.º da proposta e 8.º do texto da Câmara:
Mantém-se a distinção formulada na proposta entre servidões gerais e servidões e articulares, como espécies das servidões estabelecidos em zonas confinantes com organizações ou instalações afectas à realização de operações militares.
É duvidoso o alcance exacto que a proposta atribui àquela distinção; e pode também duvidar-se da conveniência de a conservar, mesmo depois de devidamente definida, pela complicação de ordem técnica que representa e, portanto, maior dificuldade que pode trazer à interpretação da lei.
No entanto, reconheceu-se-lhe utilidade, uma vez concretizada nos termos constantes do texto da Câmara, e por isso decidiu-se conservá-la.
Dentro da orientação preconizada e expressa nesse texto, servidões gerais são aquelas a que se aplica, quanto às proibições que envolvem, o estatuto constante do artigo a examinar no número seguinte, ou seja o artigo 9.° do texto da Câmara; servidões particulares são aquelas que implicam as proibições especificadas no correspondente decreto constitutivo, dentre as previstas no mesmo estatuto.
O citado artigo 9.° contém ao mesmo tempo um regime supletivo e um regime limitativo: indica as proibições aplicáveis no silêncio do decreto que constituir a servidão e o máximo de proibição que esse decreto poderá ordenar.

decreto não especifica as proibições compreendidas na servidão?
Observa-se supletivamente a doutrina do artigo 9.º e a servidão é geral.
O decreto especifica as proibições?
Tem de respeitar os limites, do artigo 9.º, não podendo consignar servidões nele não previstas, e a servidão é particular.

16. Artigos 6.° da proposta e 9.º do texto da Câmara:
Os dois textos correspondem-se, com pequenas alterações de forma.
Destacam-se para o § 1.° os trabalhos ou actividades aí referidos, porque a sua proibição não afecta só o proprietário e sim quaisquer indivíduos ou entidades.
No § 2.°, por simples razão de clareza, determina-se que a proibição exarada no artigo não abrange as obras de conservação das edificações, à semelhança do que já hoje faz o Decreto n.° 31 350, de 28 de Junho de 1941.

17. Artigos 7.º da proposta e 10.º do texto da Câmara: No novo. texto definem-se as servidões particulares, em harmonia com a doutrina formulada atrás no n.º 15
deste parecer.

18. Artigos 8.°, 9.º e 10.° da proposta e 11.º do texto da Câmara:
Reúne-se num artigo único a matéria compreendida nos artigos 8.°, 9.° e 10." da proposta (com excepção, quanto no último, da parte final), por se tratar de aspectos de um só problema - a determinação da área da zona sujeita a servidão militar.
Como inovação a assinalar, deve referir-se a determinação de um limite máximo para a largura da mesma área, limite que se fixa em 3 km, na partir do perímetro da área da organização ou instalação considerada.

sta Câmara reputa absolutamente essencial proceder a essa fixação, visto tratar-se de um aspecto importantíssimo do regime das servidões, e em obediência a orientação geral definida no n.º 3 do presente parecer.
Tal é, aliás, o exemplo da legislação vigente.
A Carta de Lei de 24 de Maio de 1903 fixa, do mesmo modo, em 3 km a largura máxima da faixa circundante das organizações ou instalações beneficiários de servidão militar.
A própria proposta em exame seguiu este mesmo método, no seu artigo 9.°, com relação às servidões afectas a infra-estruturas aeronáuticas e respectivas instalações de radiocomunicações eléctricas ou electrónicas1.
No texto da Câmara não se faz senão generalizar esse método, como cumpre, a todas as servidões militares2.

9. Artigo 11.º da proposta:
Fica substituído pelo § único do artigo 6.° (em conjugação com o artigo 4.°) do texto da Câmara, como já se explicou no n.° 13 deste parecer.

CAPITULO III

20. Artigos 12° da proposta e 12.º do texto da Câmara:
Simplificou-se a redacção, eliminando designadamente a referência à finalidade deste outro tipo de servidões militares, finalidade já expressa no artigo 2.° tanto da proposta como do texto da Câmara.

21. Artigos 13.º da proposta e 13.º do texto da Câmara:
Quanto às servidões que suo objecto deste capítulo III - em zonas confinantes com organizações ou instalações afectas à preparação ou manutenção das forças armadas, ou sejam as chamadas zonas de segurança - não se adopta no texto da Câmara, como já se não adoptava na proposta, a distinção entre servidões gerais e servidões particulares.
Será essa a melhor orientação?
Não deveria a mesmo distinção utilizar-se aqui?
Pode acontecer que ao constituir-se; por decreto uma servidão, das contempladas neste capitulo III, se queira atribuir-lhe, quanto às inerentes probições, toda a extensão demarcada no artigo 13.º
Não deveria esse artigo 13.º funcionar, em tal caso, como estatuto supletivo, originando-se assim uma servidão geral, no sentido definido no n.º 15 do presente parecer?
Embora semelhante orientação fosse possível, julgou-se apesar de tudo preferível não a seguir.
Estabelece-se, pois, entre as servidões do capítulo II e as do capítulo III a seguinte diferença: as primeiras têm um regime legal supletivo, as segundas não o têm.
Querendo-se dor à servidão a extensão -máxima definida na lei, não é preciso dizer nada no correspondente decreto, se se trata de servidão do primeiro tipo; é preciso, porém, especificar nele todas as proibições consignadas no artigo 13.°, se se trata de servidão do segundo tipo.
Acusar-se-á este sistema de puramente formalista, mas ele tem a justificação seguinte:
As servidões reguladas no capítulo III obrigam, mais do que as outras, a uma especialização.

1 Cf. Decreto n.° 19081. de 2 de Maio de 1931.
2 Cf. a Lei italiana n.° 1849, de 20 de Dezembro do 1932, aumentada por Milazzo, Servitá Publiche Militari, no Nuovo Digesto Italiano, vol. XII. parte 1.º, pp 211 e seguintes e em especial p. 214, col. 2,ª

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Por disso, e a fim de chamar mais fortemente a atenção para a necessidade dessa especialização, convém que se torne obrigatório, em cada caso, especificar as proibições compreendidas na servidão, mesmo quando elas sejam todas as autorizadas por lei.

22. Artigos 14.º da proposta e 14.º do texto da Câmara: Em vez de reproduzir doutrina já enunciada para as servidões do capítulo II, julgou-se preferível remeter para as disposições respectivas.

CAPITULO IV

23. Artigos 15.º A proposta e 15.º do texto da Câmara: Apenas se modificou a redacção, tendo em conta, quanto aos estabelecimentos industriais privados destinados a fins militares, a observação feita no n.° 13 deste parecer.

24. Artigos 16.º da proposta e 16.º do texto da Câmara:
Este artigo regula as meras restrições de interesse militar ao direito de propriedade, anunciadas no § único do artigo 1.° do texto da Câmara e diferentes das servidões militares propriamente ditas, como já foi explicado no comentário a esse artigo 1.º
O artigo 1.° da proposta fala, a este propósito, de "parecer favorável do Conselho Superior da Defesa Nacional".
Afigura-se, todavia, mais indicado estabelecer que as referidas restrições serão objecto de deliberação deste Conselho, que é um Conselho interministerial com funções deliberativas, constituído pelo Presidente do Conselho de Ministros, que preside, pêlos Ministros da Defesa Nacional, do Exército, da Marinha, doa Negócios Estrangeiros, das Finanças e do Ultramar, Subsecretário de Estado da Aeronáutica, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e secretário adjunto da Defesa Nacional, como tudo se vê da base II da Lei n.° 2001,de 15 de Janeiro de 1952.

CAPITULO V

25. O conteúdo da servidão militar é representado tanto pelo direito a prestações negativas, ou omissões, como pelo direito a prestações positivas, ou acções. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma servitus in non faciendo e de uma servitus in faciendo. A servidão militar obriga a não fazer e a fazer: envolve proibições e ordena.
O primeiro aspecto, dos encargos negativos, que é o primacial e permanente, ficou logo definido, como era mister, nos capítulos II e III, artigos 9.°, 10.º e 13.°
Há agora que prever e disciplinar o segundo aspecto dos encargos positivos, que apresentam, aliás, carácter acidental ou eventual.
Ë esse o objecto dos dois artigos seguintes.

26. Artigos 19.º da proposta e 17.º do texto da Câmara:
Substituiu-se a fórmula "em caso de emergência", de significação vaga e equívoca, por outra mais concreta e precisa - cem caso de guerra ou na iminência dela, e se "e tornar imperiosamente necessário"-, substituição que também se operou na redacção do artigo subsequente (na numeração do texto da Câmara) e que plenamente se justifica, dada a gravidade destas disposições, a que só se deverá recorrer em extrema necessidade e cuja formulação convém, por isso, tornar tão certa e definida quanto possível.
Além disso, aditou-se um parágrafo respeitante ao registo predial.
O § 4.° do artigo 949.° do Código Civil declara as servidões militares sujeitas a esse registo.
Mas tal registo só faz sentido e só é praticado com respeito ao ónus de demolição, que a proposta contempla no seu artigo 17.º e o texto da Câmara no seu artigo 19.ªl.
Constitui-se uma servidão militar sobre determinada zona. A lei que a prevê e o decreto que a concretiza obrigam os proprietários dos prédios pertencentes a essa zona.
Obrigam, independentemente de registo, aqueles que têm essa qualidade ao tempo da constituição da servidão. Seria absurdo que só obrigassem, mediante registo, os que viessem a adquirir a mesma qualidade ulteriormente. Trata-se de encargos gerais, impostos unilateralmente pela autoridade, com a publicidade que é própria de leis e decretos. Essa publicidade tanto deve dispensar a do registo para os proprietários presentes como para os proprietários futuros.
Isto no que respeita à generalidade dos encargos inerentes às servidões militares.
Diverso é o caso particular do ónus de demolição, que representa apenas um desses encargos, de natureza eventual.
Supõe ele que a autoridade militar competente permite a realização de algum dos trabalhos previstos nos artigos 9.° e 13.º (do texto da Câmara), que os fazem depender dessa permissão, e que a dá em termos condicionais ou precários, isto é, sujeita a cessar quando se verificar o condicionalismo previsto no artigo agora em exame.
Constitui-se, em tal hipótese, o referido ónus de demolição; é quanto a ele, e só quanto a ele, que se justifica o registo, destinado a dar conhecimento a terceiros de que o trabalho foi autorizado já na vigência da servidão e condicionalmente, estando, pois, submetido ao regime exposto.

27. Artigos 21.° da proposta e 18.º do texto da Câmara:
Manteve-se fundamentalmente a mesma doutrina, com óbvias modificações de redacção.

28. Artigos 20.° da proposta e 19.º do texto da Câmara:
Restringiu-se a doutrina do artigo às zonas de segurança, como resulta da própria natureza dessas zonas e das outras sujeitas a servidão militar.

29. Artigo 20.º do texto da Câmara:
Neste artigo, que é novo, prevê-se a hipótese de, à data da constituição ou modificação da servidão militar, estarem em curso trabalhos, nela abrangidos mas antes não proibidos, cuja continuação as autoridades não consintam.
Determina-se que em tal hipótese os interessados terão direito a indemnização, como é justo.

30. Artigo 21.º do texto da Câmara:
Este artigo, que também é novo, tornava-se necessário para estabelecer que a indemnização prevista, quer no artigo 18.°, quer no artigo 20.°(do texto da Câmara), será fixada, na falta de acordo, nos termos da legislação sobre expropriações por utilidade pública.

31. Artigo 22.º da proposta:
Eliminou-se pela razão explicada no n.º 14 deste parecer.

32. Artigo 23.° da proposta:
Eliminou-se por ser desnecessário.

1 Cf. Dr. Lopes Cardoso, Registo Predial, p. 143.

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III Conclusões

33. Pêlos fundamentos expostos, e em resumo, entende a Câmara Corporativa que a proposta de lei n.º 20, elaborada pelo Governo sobre servidões militares, e a respeito da qual foi consultada, se justifica na generalidade.
Essa proposta, com efeito, corresponde a uma necessidade evidente de revisão e actualização do regime jurídico desta matéria, ainda hoje consignado fundamentalmente na Carta de Lei de 24 de Maio de 1902, necessidade imposta pela profundíssima evolução da ciência militar.
Oferece, além disso, o novo diploma proposto a vantagem sobre o antigo de adoptar uma técnica mais simples e mais maleável.
E é ainda de assinalar como seu mérito o proceder a revisão do problema no plano de conjunto da defesa nacional, atendendo às imprescindíveis e cada vez mais estreitas correlações entre os diferentes departamentos das forças armadas.
Quanto à especialidade, entende a Câmara Corporativa que a proposta deve sofrer as alterações de forma e de fundo que ficaram explanadas e justificadas e que têm expressão no texto adiante sugerido.
Por tudo isto, e em conclusão, a Câmara Corporativa emite parecer no sentido de que:

1.° Seja aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 20 do Governo, sobre servidões militares;
2.º Seja dada a essa proposta a seguinte redacção:

CAPITULO I

Disposições gerais

ARTIGO 1.º

Às zonas confinantes com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional, do carácter permanente ou temporário, ficam sujeitas a servidão militar nos termos da presente lei.
§ único. Também poderão ser estabelecidos, nos termos adiante declarados, outras restrições ao direito de propriedade, em zonas não confinantes com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa -nacional, mas integradas nos planos de operações militares.

ARTIGO 2.º

As servidões militares e as outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade têm por fim:
a) Garantir a segurança das organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional;
b) Garantir a segurança das -pessoas e dos bens nas zonas confinantes com certas organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional;
c) Permitir às forças armadas a execução das missões que lhes competem, no exercício da sua actividade normal ou dentro dos planos de operações militares;
d) Manter o aspecto geral de determinadas zonas com particular interesse para a defesa do território nacional, procurando evitar o mais possível a denúncia de quaisquer organizações ou equipamentos militares nelas situados.

ARTIGO 3.°

As servidões militares são constituídas, modificadas ou extintas, em cada caso, por decreto referendado pelo Ministro da Defesa Nacional.

ARTIGO 4.°

Logo que o Ministro da Defesa Nacional proferir despacho, mandando lavrar decreto para a constituição ou modificação de uma servidão militar, o departamento das forças armadas competente comunicará o conteúdo desse despacho à câmara municipal do concelho a que pertencer a zona sujeita, a fim de se tomarem providências tendentes a prevenir maiores prejuízos dos particulares.
§ único. A câmara municipal dará publicidade ao referido despacho, para que os interessados possam, dentro do prazo de vinte dias, representar o que houverem por conveniente.

ARTIGO 5.°

As servidões militares e as outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade não duo direito a indemnização.

ARTIGO 6.°

As organizações ou instalações milhares distinguem-se em:
a) Organizações ou instalações afectas à realização de operações militares, como locais fortificados, baterias de artilharia fixa, estradas militares, aeródromos militares ou civis, instalações de defesa aérea de qualquer natureza, e quaisquer ou troe integradas nos planos de defesa;
b) Organizações ou instalações afectas à preparação ou manutenção das forças armadas, como aquartelamentos, campos de instrução, carreiras e polígonos de tiro, estabelecimentos fabris militares, depósitos de material de guerra, de munições e explosivos, de mobilização ou do combustíveis, e quaisquer outras que tenham em vista o equipamento e a eficiência, das mesmas forças.
§ único. Também são de considerar, para efeito de servidão, as organizações ou instalações militares cujo projecto se encontre, ou venha a encontrar, aprovado.

ARTIGO 7.°

As organizações ou instalações militares pertencem ao domínio público do Estado, do qual só podem ser distraídas mediante desafectação.
§ 1.° A desafectação dos bens do domínio público militar será feita por decreto.
§ 2.º A cessação da dominialidade das organizações ou instalações militares, nos termos declarados neste artigo, faz caducar as servidões respectivas.

CAPITULO II
Servidões afectas à realização de operações militares

ARTIGO 8.°

As servidões em zonas confinantes com organizações ou instalações afectas à realização de operações militares, nos termos dos artigos 1.° e 6.°, alínea a), classificam-se em:
a) Servidões gerais;
b) Servidões particulares.

ARTIGO 9.°

As servidões gerais compreendem a proibição de executar, sem licença das autoridades militares competentes, todos os trabalhos e actividades seguintes:
a) Construções de qualquer natureza, mesmo que sejam enterradas, subterrâneas ou aquáticas;
b) Alterações de qualquer forma, por meio de escavações ou aterros, do relevo e da configuração do solo;

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c) Vedações, mesmo que sejam de sebe e como divisória de propriedades;
d) Plantações de árvores e arbustos;
e) Depósitos permanentes ou temporários de materiais explosivos ou perigosos que possam prejudicar a segurança da organização ou instalação.
§ 1.º As referidas servidões também implicam, para qualquer pessoa, a proibição de executar, sem licença a autoridade militar competente:

a) Trabalhos de levantamento fotográfico, topográfico ou hidrográfico;
b) Sobrevoes de aviões, balões ou outras aeronaves;
c) Outros trabalhos ou actividades que possam inequivocamente prejudicar a segurança da organização nu instalação ou a execução das missões que competem às forças armadas.

§ 2.° A proibição exarada neste artigo não abrange as obras de conservação de edificações.

ARTIGO 10.°

As servidões particulares compreendem a proibição de executar, sem licença das autoridades militares competentes, aqueles dos trabalhos e actividades previstos no artigo anterior que forem especificados no decreto respectivo, em harmonia com as exigências próprias da organização ou instalação considerada.
§ único. Sempre que não se fizer essa especificarão, a servidão considera-se geral.

ARTIGO 11.°

A área sujeita a servidão deve ser perfeitamente definida.
§ 1.º A largura dessa área é de 1 km na servidão geral, se outra não for indicada no decreto que constituir a mesma servidão ou em decreto posterior, e será a que constar do decreto respectivo na servidão particular.
§ 2.º Num caso e noutro a referida largura determina-se, em toda a extensão, a partir do perímetro da área ocupada pela organização ou instalação considerada, e não pode exceder 3 km.
§ 3.º Quanto às infra-estruturas aeronáuticas, militares ou civis, e as correspondentes instalações de rádio comunicações eléctricas ou electrónicas, a zona de servidão poderá abranger, em qualquer dos casos, e no máximo, a área delimitada por um círculo de raio de [...] km, a partir do ponto central que as define, prolongada, em relação aos aeródromos, por uma faixa até 10 km de comprimento e 2,5 km de largura, na direcção das entradas ou saídas das pistas.

CAPITULO III

Servidões afectas à preparação ou manutenção das forças armadas

ARTIGO 12.°
Denominam-se zonas de segurança as zonas confinantes com organizações ou instalações afectas à preparação ou manutenção das turvas armadas, nomeadamente em períodos de manobras ou de concentração, e onde forem constituídas servidões, nos termos dos artigos 1.° e 6.° alínea b).

ARTIGO 13.º
As servidões respeitantes a anuas do segurança compreendem a proibição de executar nessas zonas, sem licença das autoridades militares competentes, os trabalhos ou actividades que forem especificados no respectivo decreto e que poderão ser todos ou alguns dos seguintes:
a) Movimento ou permanência de peões, semoventes e veículos nas áreas terrestres e movimento ou permanência de embarcações ou lançamento de redes ou outro equipamento nas áreas fluviais e marítimas, nas condições e durante os períodos de tempo considerados necessários;
b) Depósitos permanentes ou temporários de materiais explosivos em inflamáveis;
c) Trabalhos e actividades previstos nas alíneas a) e b) do artigo 9.º e no seu § 1.°;
d) Outros que possam inequivocamente prejudicar a segurança das pessoas ou bens na zona confinante.

ARTIGO 14.°

Ë aplicável a estas servidões o disposto no § 2.° rio artigo 9.°, no artigo 11.°, no seu § 1.º, segunda parte, e no seu 2.º

CAPÍTULO IV

Outras servidões militares e outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade

ARTIGO IV

As servidões em zonas confinantes com organizações ou instalações não militares do interesse para a defesa nacional, como refinarias, depósitos de combustíveis, fábricas de armamento, pólvoras e explosivos, estabelecimentos industriais privados destinados a fins militares, estão sujeitas ao regime constante do capítulo III.

ARTIGO 16.°

O direito de propriedade pode ainda, se se tornar imperiosamente necessário, sofrer restrições transitórias em zonas não continantas com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional, mas integradas nos planos de operações militares, desde que o Conselho Superior da Defesa Nacional, para cada caso, assim, o delibere.
§ único. O Conselho Superior da Defesa Nacional especificará os trabalhos ou actividades proibidas, de entre os previstos nos artigos 9.º e 13.°, a área e delimitação da zona sujeita às restrições e a duração destas.

CAPÍTULO V
Efeitos das servidões militares

ARTIGO 17.°

Em caso de guerra ou na iminência dela e se se tornar imperiosamente necessário, os proprietários autorizados condicionalmente a efectuar trabalhos abrangidos pelas disposições sobre servidões militares ficam obrigados a demoli-los ou destruí-los, restituindo as respectivas zonas ao aspecto que tinham à data da autorização, uma vez que assim lhes seja determinado pelas autoridades militares competentes, dentro do prazo por elas marcado a sem direito a qualquer indemnização.
§ único. Este ónus de demolição, compreendido na servidão militar, está sujeito a registo predial.

ARTIGO 18.º

Também em caso de guerra ou na iminência dela, e se se tornar imperiosamente necessário, os proprietários ou usufrutuários ficam obrigados a demolir ou destruir as construções, culturas, arborizações ou outros trabalhos já existentes nas zonas sujeitas a servidões

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militares quando estas se tornaram efectivas, ou os depois autorizados incondicionalmente, desde que assim lhes seja determinado pelas autoridades militares competentes, dentro do prazo por elas marcado e mediante justa indemnização.

ARTIGO 19.°

Não dão direito a qualquer indemnização os danos causados a pessoas e bens, nas zonas de segurança, pela prática de manobras e exercícios militares, se esses danos resultaram da inobservância de avisos prévios que hajam sido feitos com o fim de evitá-los.

ARTIGO 20.°

Estando em curso, à data da constituição ou modificação de uma servidão militar, trabalhos nela abrangidos mas antes não proibidos, e se as autoridades militares competentes não autorizarem a sua continuação, terão os interessados direito a ser indemnizados de todos os prejuízos que padecerem.

ARTIGO 21.º

Na falta de acordo, a indemnização prevista noa artigos 18.° e 20.° será fixada nos ter-nos da legislação sobre expropriações por utilidade pública.
Palácio de S. Bento, 24 de Março de 1955.

José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
Virgílio Preto.
Frederico Gorjão H enriques.
António de Carvalho Xerez.
Inácio Peres Fernandes.
Fernando Quintanilha e Mendonça Dias.
Frederico da Conceição Costa.
José Viana Correia Guedes.
José Augusto Voz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
António Passos Oliveira V alenta.
Afonso Rodrigues Queira.
Inocência Galvão Teles, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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