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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 93

ANO DE 1955 20 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.° 93, EM 19 DE ABRIL.

Presidente: Ex. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 92.

Deu-se conta ao expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho uma proposta de lei de alteração à Lei Orgânica do Ultramar e, para efeitos de ratificação, os Decretos-Leis n. 40124, 401-25 e 40126.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu informações sobre a panificação e a organização económica do ultramar,
O Sr. Deputado Camilo Mendonça preconizou a uniformização dos preços do gasóleo e petróleo.
O Sr. Deputado Rebelo de Sousa sugeriu a criação de um instituto de higiene e medicina social.
O Sr. Deputado Botelho Moniz evocou a revolução de 18 de Abril e a figura do marechal Carmona.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Cerveira Pinto efectivou o seu aviso prévio sobre o formato piscícola e a pesca fluvial.
O Sr. Deputado Baptista Felgueiras requereu a generalização da debate, a qual foi concedida pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.

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João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 65 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 92.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado. Vai ler-se o

Expediente Telegrama

Do Sr. Governador Civil de Vila Real a informar que de todo o distrito lhe chegam manifestações de apoio ao discurso do Sr. Deputado Manuel Maria Vaz relativamente ao problema da electrificação de Trás-os-Montes.

O Sr. Presidente:-Está na Mesa uma proposta de lei relativa a alterações à Lei Orgânica do Ultramar, proposta que tem já o parecer da Câmara Corporativa.
Vai baixar às Comissões de Legislação e Redacção e do Ultramar desta Assembleia.
Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo n.° 82, 1. série, de 13 deste mês, que insere os Decretos-Leis n.01 40 124, 40 125 e 40 126.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado em 30 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, a quem vão ser entregues.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Ex. para enviar para a Mesa dois requerimentos, que vou passar a ler.

O primeiro é o seguinte:

Requerimento

«Tendo requerido há tempos os elementos informatórios de que carecia para poder tratar nesta Assembleia do magno problema do pão, e não os tendo ainda recebido do Ministério da Economia, renovo esse pedido, solicitando que essas informações sejam completadas, nos termos constitucionais e regimentais, por esse mesmo Ministério de forma a poder ser elucidado:
1.º Se foi alterada a taxa industrial de panificação, de modo a dar a necessária rendabilidade económica a essa indústria, ora agravada com os encargos do novo contrato colectivo de trabalho ;
2.° Se foram tomadas providências de ordem técnica, que não simplesmente repressivas, para assegurar um regular fornecimento ao consumidor de um pão extra de qualidade suportável».
O segundo a quo aludi é o seguinte:

Requerimento

«Tendo em consideração que constitucionalmente - artigo 158.°- a organização económica do ultramar se deve integrar na organização económica geral da Nação e, consequentemente, como preceitua o § único desse mesmo artigo, para a realização dos fins aí indicados se deve facilitar, poios meios convenientes, incluindo a gradual redução e suspensão dos direitos alfandegários, a livre circulação dos produtos dentro do território nacional, e que, embora por condições peculiares a cada um dos territórios ultramarinos não possa Portugal constituir tecnicamente um único território aduaneiro, e que assim cada província ultramarina tenha de formar um território especial aduaneiro, com pautas e tarifas diferentes, desejaria, nestas condições e nos termos constitucionais e regimentais, informar-me se o Governo, por intermédio dos seus Ministérios das Finanças, da Economia e do Ultramar, já mandou fazer quaisquer estudos ou diligências que se destinassem à realização do referido desiderato constitucional, facilitando, consequentemente, que artigos importados em qualquer província ultramarina, como, por exemplo, automóveis, pudessem de novo ser importados em qualquer outro ponto do território português, embora tivessem de satisfazer a diferença de direitos alfandegários dos já cobrados na zona de primitiva importação, se nesta fossem menores».

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo Mendonça: -Sr. Presidente: desde a minha primeira intervenção nesta Assembleia, tenho procurado insistente, talvez até impertinentemente, chamar a atenção do Governo para a situação das regiões rurais, tantas vezes esquecidas, tantas vezes abandonadas a sua sorte, a sua triste sorte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Embora comece a ter consciência de que nas actuais condições me arrisco a pregar no deserto, não desistirei, não deixarei de, pela minha parte, cumprir o meu dever, continuando a pugnar por uma política firme, sensata e vigorosa de valorização e defesa dos nossos distritos rurais, que também poderia chamar do interior.

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Dentro desta orientação, espero, se V. Ex.a, Sr. Presidente, mo consentir, apresentar nos começos da próxima sessão legislativa um aviso prévio sobre a política do Governo no que respeita aos distritos rurais, abrangendo naturalmente os vários e complexos aspectos de que o problema se reveste.
Entretanto, não desejava deixar para essa oportunidade a questão da uniformização dos preços do gasóleo e petróleo, sobre a qual, em Janeiro último, solicitei elementos do Ministério da Economia, elementos que já me foram fornecidos.

Sr. Presidente: o problema .apresenta-se-me assim: em consequência do Decreto-Lei n.° 37 445, de 9 de Junho de 1940, por despacho ministerial da mesma data foram uniformizados em todo o País os preços da gasolina. Todavia, volvidos quase seis anos, os preços do gasóleo e do petróleo continuam a variar consoante a região, chegando as diferenças a £60 e a £40 por litro, respectivamente, nos distritos de Bragança e da Guarda.
Ora, por mais que procure uma justificação séria para este estado de coisas, não consigo encontrá-la. Efectivamente: por que razão, depois da uniformização dos preços da gasolina, hão-de continuar a verificar-se tão grandes diferenças nos do gasóleo e do petróleo? Se ocorresse o contrário ainda poderia encontrar-se, senão uma justificação, pelo menos uma atenuante para a diferença de procedimento, mas, nestas condições, é 'que não parece possível apresentar qualquer explicação aceitável. Em caricatura o problema poderia pôr-se assim: enquanto ao turista se faculta a gasolina ao mesmo preço em todo o Pais, para um motor, quer seja de rega ou de uma debulhadora, para um camião de transporte ou para um tractor o custo dos combustíveis é mais elevado nas zonas onde os recursos são menores, onde as possibilidades de utilizar a electricidade são escassas ou nulas, nas regiões que carecem de maior protecção e mais amparo,

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi por estes motivos que inquiri do Ministério da Economia quais as «Razões económicas que justificam a persistência de diferença de preços destes combustíveis nos vários pontos do País, enquanto os da gasolina se encontram unificados?».
Mas, Sr. Presidente, mais perplexo fiquei depois da resposta: «Não são conhecidas razões económicas que justifiquem a persistência da diferença de preços do gasóleo e petróleo nos vários pontos do Pais, enquanto os da gasolina se encontram unificados, e tanto assim que se tem proposto superiormente a unificação do preço do gasóleo, estando em estudo a forma de obter igual procedimento em relação ao petróleo».
Quer dizer: não há razões técnicas nem económicas. Haverá razões políticas? Por exclusão de partes, parece não ser possível outra conclusão.
É certo que Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas também é verdade que seis anos são tempo mais que suficiente para resolver problemas bem mais complexos.
Todavia, o problema tem o maior interesse, tanto para a produção agrícola como para a comercialização dos produtos das regiões rurais, cuja situação difícil não é necessário encarecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Por estas e outras razões semelhantes é que vamos assistindo ao progressivo êxodo das populações, à crescente diferenciação da região litoral, ao agravamento relativo das condições de vida das gentes do interior, ao aumento das dificuldades da lavoura dessas regiões.
Mas há mais. Durante estes últimos seis anos o Pais evoluiu. Hoje por toda a parte existem já bombas de venda de gasóleo, como há de gasolina. O número de motores utilizados pela agricultura multiplicou-se, num admirável esforço de progresso, que nem sempre é devidamente apreciado c menos ainda recompensado. A percentagem de veículos de transporte a gasóleo represento hoje a maioria. Todavia, excepção feita à Direcção-Geral dos Combustíveis, que, sentindo e vivendo o problema, insistentemente vem defendendo a uniformização dos preços, parece ignorar-se esta alteração das circunstancias ou menosprezar-se a importância da resolução deste pequeno grande problema, que até às companhias distribuidoras interessa.
Por sobre tudo isto acresce ainda que, em virtude da política seguida com os preços do gasóleo, do desequilíbrio dos preços da gasolina e do gasóleo, só está verificando em desenvolvimento desproporcionado de consumo do gasóleo, que no ritmo presente em breve excederá a capacidade de refinação nacional.
Pois a uniformização de preços resolveria, em grande parte, também este aspecto do problema, dado que se traduziria numa elevação de preços nas regiões de maior consumo -aquelas que têm largas possibilidades de recorrer a outras fontes de energia -, ao mesmo tempo que auxiliaria as regiões mais pobres, de menores recursos e maiores necessidades.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Os diferenciais vigentes, que foram estabelecidos pela Portaria n.° 12 748, de 28 de Fevereiro de 1949, vão de ,$30 a £60 por litro de gasóleo no continente, chegando, assim, a representar um ónus de 00 por cento do valor do produto! Se partirmos destes diferenciais e entrarmos em linha de conta com os consumos aparentes nas diversas regiões, chegamos a um diferencial médio ponderado para o continente inferior a £40 por litro, o que representaria: uma redução de £20 em Bragança e Guarda; de £15 em Castelo Branco, Faro e Viseu; de £10 em Beja, Vila Real, Portalegre e Viana do Castelo; a manutenção dos actuais cm Aveiro, Braga, Coimbra, Porto, Santarém e parte de Setúbal; um agravamento de £05 em Lisboa - excepto na cidade - e na maior parte de Setúbal e de £10 na cidade de Lisboa.
E não parece despropositado admitir que uma redução das margens de distribuição, que no mínimo montam a £30, ou seja cerca de 25 por cento do valor do produto, para custear os encargos entre os fornecimentos a granel nas instalações das companhias distribuidoras, em Lisboa, e a venda ao público, na cidade, não parece descabido admitir que uma indispensável revisão dos encargos de distribuição permitisse fazer face a qualquer deslocação dos consumos aparentes, compensando o provável aumento de vendas nas regiões mais afastadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: por todos os ângulos que analise a questão, por todos os aspectos que possa encará-la não consigo descobrir razoes reais ou aparentes para a persistência desta anomalia, que nada justifica e ninguém compreende.
Procurei saber dos motivos desta situação. Não me apresentaram nenhuma razão objectiva e ninguém me deu ainda qualquer justificação aceitável.
Razões que aconselhem ou determinem a uniformização é que existem muitas, é que parecem ser todas, desde uma orientação iniciada há cerca de seis anos até à justa defesa das regiões rurais.

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Todavia, a situação persiste, mesmo quando tudo mudou ..., e parece que persistirá, à espera de melhor oportunidade, que não atino bem qual venha a ser.
Entretanto, deste estado de coisas resulta, com frequência maior do que se pode calcular, a falta de gasóleo e petróleo em dadas épocas do ano, criando por vezes sérios embaraços à pequena lavoura, que não pode constituir com antecedência reservas, nem recorrer à compra a granel em Lisboa, pois tão depressa o abastecimento local é leito aproveitando retornos de fretes, como fica dependente da remessa ordinária aos distribuidores locais.
Mostrei não existirem razões técnicas nem económicas que justifiquem a diferença de procedimento para os vários combustíveis e advirem da uniformização vantagens directas e indirectas de vária ordem.
Perante isto, admiti até que as razões que obstam à uniformização de preços pudessem ser de ordem política, ou seja o desejo de evitar uma subida de preços em certas regiões, embora sem significado e largamente compensada pelas reduções noutras. Mas nem essa explicação parece poder sustentar-se, por quanto ainda há poucos dias foi determinada, certamente por pressão das circunstâncias, a elevação de £10 por litro de petróleo, gasóleo e fuel-oil, elevação que para o gasóleo teria bastado para no trimestre anterior se proceder à uniformização de preços na cidade de Lisboa, onde o aumento teria de ser, como disse, maior.
Se há outras razões, Sr. Presidente, desde já declaro que as desconheço, e certamente não estarei em má companhia.
Sr. Presidente: não desejo alongar-me mais, ato porque não encontro motivos para tanto. Não o farei sem render homenagem ao realismo e perseverança da Direcção-Geral dos Combustíveis, que, com clara noção dos reais interesses do Pais, estudou e vem pugnando pela uniformização dos preços do gasóleo e do petróleo.
E termino insistindo na necessidade de proceder a imediata uniformização dos preços do gasóleo, do petróleo e ainda do tractol como medida da maior importância para os nossos meios rurais mais desfavorecidos, exigida até pela conveniência de manter o equilíbrio de preços relativos entre os diferentes combustíveis, como medida imposta pela continuação duma política iniciada há seis anos para a gasolina, que, não tendo sido alterada, não foi também prosseguida, termino convicto de que a. justiça e a razão acabarão por vencer, que a oportunidade que se aguarda ... acabará por chegar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rebelo de Sousa: - Sr. Presidente: na sequência do que nesta Camará tenho defendido, sempre que encontro oportunidade para o fazer, quanto à necessidade de se organizar em termos de maior eficiência e com o indispensável planeamento a defesa da saúde e o combate à doença, no que ao Estado deve competir, permito-me hoje chamar a atenção do Governo para um aspecto que é verdadeiramente fundamental na consecução daquele objectivo.
Refiro-me à indispensabilidade de possuirmos, com um mínimo de condições satisfatórias em pessoal, instalações e material, com a precisa actualização, um instituto de higiene e medicina social, onde se prepare, no nível e em número convenientes, o pessoal médico e não médico que as circunstancias e os serviços exigem ; onde se efectuem, em laboratórios e gabinetes de estudo, os trabalhos que sirvam a rotina da organização sanitária, os de pura investigação neste campo e os da recolha e interpretação de dados que, em cada momento, dêem a expressão do panorama da nossa saúde pública, considerada em sentido lato, e abram perspectivas quanto às necessidades, métodos e programas de acção a ponderar e a empregar no presente e no futuro.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A indispensabilidade deste organismo
- aliás reconhecida na nossa lê. e exemplificada nu relevância que lhe foi concedida era muitos países - torna-se mais imperiosa na medida em que o nosso ensino médico continua divorciado, na generalidade, dos conceitos e das práticas da higiene e da medicina social, disciplinas que nas Faculdade» ocupara envergonhadamente o seu lugar junto das outras, se é que chegam a ocupá-lo.
E, no entanto, é universal a aceitação do primado da medicina preventiva, da política da saúde sobre a política da doença, como preconiza a Organização Mundial da Saúde.
E no entanto, possuímos uma alta tradição no campo da higiene e da medicina social, em que abrimos caminho antes de outros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem nos alongarmos em referencias que poderiam multiplicar-se, recordemos Ribeiro Sanches e o seu Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, que em 1956 perfaz 200 anos, o c uai, no dizer de um autor contemporâneo, se adiantou um século aos outros higienistas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ele afirmava já, sabiamente, ca necessidade que tem cada estado do leis e regimentos para preservar-se de muitas doenças e conservar a saúde dos súbditos», acrescentando: ase estes faltarem, toda a ciência da medicina será do pouca utilidade».
Preservar da doença; conservar, robustecendo, a saúde - eis o tema enunciado há dois séculos e que tem plena actualidade.
Entre nós, como todos cabem, deve-se a Ricardo Jorge, mestre dos sanitaristas portugueses, a criação do Instituto Central de Higiene, em 1902. O regulamento desse Instituto, incluído no Regulamento Geral de Saúde e Beneficência Pública do mesmo ano, assinava-lhe as funções, segundo os conceitos mais recentes naquela época.
Cabia-lho o «ensino sanitário destinado a médicos o engenheiros, indispensável para estos serem admitidos nos serviços de saúde pública»; a realização de «estudos e trabalhos de carácter prático e sugestões, estímulos ou subsídios para aperfeiçoar os serviços sanitários»; «a educação sanitária da população, vulgarizando os conhecimentos higiénicos, propagando a adopção dos seus processos e doutrinas «a investigação e análises laboratoriais, principalmente no campo da bromatologia, não se incluindo a bacteriologia sanitária certamente em virtude da criação ainda recente do Instituto Bacteriológico.
Não vou demorar-me no relato do longo e atribulado período decorrido desde então até há coreu de doz anos; apenas direi quo, por razões várias, o Instituto teve uma existência que não foi positivamente brilhante, vivendo quase só do prestígio cientifico, nacional e internacional, do seu fundador e director, até à remodelação que sofreu em 1945.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador:-Do aprofundado estudo de que surgiu o Estatuto da Assistência saiu revigorado o Instituto, iniciando-se a sua reorganização.
Podemos, pois, dizer que a situação do instituto, de então para cá, é consideravelmente diferente: apraz-nos registar o facto e saudar o distinto corpo de técnicos que o serve, na pessoa do seu dedicadíssimo director.
Mas, ainda que a situação tenha melhorado, ela está muito longo de corresponder àquele mínimo de requisitos de que atrás falei. Faltam ao Instituto serviços laboratoriais e de estudo imprescindíveis, como os de bioquímica o de biofísica, de engenharia sanitária, de higiene e medicina do trabalho, de epidemiologia, de pesquisas médico- sociais, de estatística e demografia sanitárias, se quisermos, de sociologia médica.
Falta-lhe o pessoal suficiente em número e preparação, limitado o quadro a um reduzidíssimo grupo de técnicos e auxiliares, 40 por cento dos quais estão fora dele, na situação de contratados ou estagiários, e todos com remunerações que não os vinculam ao serviço nem lhes permitem aprofundar a especialização, como se requer.
Faltam-lhe instalações adequadas, já que as actuais desmentem até a sua própria designação e finalidade: deficientes, superlotadas, inadaptáveis, não correspondendo às funções que possui e cumpre e muito menos àquelas que lhe devem caber.
Impõe-se, portanto, no interesse da saúde pública, como base primária do seu incremento, que a sua escola, o seu laboratório, o seu centro de estudos se organize, instale e apetreche convenientemente o com urgência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Nem este apelo é novo na Assembleia: fê-lo o relator das contas públicas de 1900, o nosso ilustre colega Araújo Correia, acompanhado pêlos Deputados Calheiro Lopes, João das Neves, Linhares de Lima e Aguedo de Oliveira, nos seguintes termos:
Parece que a forma mais eficaz de efectuar economias e de minorar o sofrimento é intensificar a intervenção dos serviços que possam concorrer para a medicina preventiva, e dentre estes destacam-se,
Sela sua influência no diagnóstico e no estado geral a saúde, os da análise sistemática e rápida. Os institutos de higiene são hoje, em quase todos os países, os elementos fundamentais da defesa da saúde, através dos seus cursos de aperfeiçoamento e dos seus laboratórios de investigação e prevenção. Devem estar por isso bem equipados, de modo a poderem actuar com rapidez e em qualquer emergência endémica e a darem aos clínicos, periodicamente, por meio de cursos práticos, os elementos subsidiários da medicina preventiva ...
E, depois de se referir ao movimento do serviço de análises do Instituto, prossegue:
Este tão grande desenvolvimento, que certamente também se deu noutras actividades, é absolutamente incompatível com as actuais instalações do Instituto, sobretudo se prosseguir a ideia de fazer dele um verdadeiro centro de educação de cultura sanitária, que há-de requerer espaço suficiente e condições adequadas.
Conviria estudar o assunto, de modo a que no mais curto espaço de tempo possível fosse construído um edifício próprio.
E a terminar:
A sugestão feita nos pareceres anteriores sobre os problemas de saúde nunca poderá ter forma definitiva sem um Instituto central de Higiene apto a desempenhar rapidamente a sua função ...
Apelando para o Governo, em especial para o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência - que sei conhece o problema e se empenha na sua resolução, tendo ordenado já o correspondente estudo, que merece também a compreensão do Sr. Ministro das Obras Públicas-, venho repetir o voto já formulado c exactamente com as mesmas palavras, que são as adequadas: nos nossos anseios, as nossas sugestões sobre os problemas da saúde não poderão ter forma definitiva sem um Instituto de Higiene apto a bem desempenhar a sua função».

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Celebrar-se-á, dentro de três anos o centenário do nascimento de Ricardo Jorge. Como seria feliz, apropriado e útil comemorar essa data oferecendo ao Instituto que o tem justamente como patrono as condições de eficiência e dignidade que se impõem, homenageando assim, melhor do que por outra qualquer forma, o nosso primeiro sanitarista e, naturalmente, nele a medicina portuguesa!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A medicina portuguesa, que, para além de quaisquer vicissitudes a que todos os grupos profissionais estão sujeitos e que neste mais se evidenciam, pelo «carácter por assim dizer sagrado que envolve a sua acção» - como afirmou há poucos dias S. S. Pio XII na exortação que dirigiu aos médicos latinos -, bem merece que lhe não regateiem os instrumentos de trabalho profícuo, que é, verdadeiramente, a bem da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: passou com uma data que não pode ficar esquecida dentro desta Assembleia.
E, para dizer alguma coisa simples sobre ela, hasta contar uma pequena história, história sem nomes próprios e tanto quanto possível sem adjectivos.
Situa-se num velho país, que em linguagem política alguém classificou de jardim da Europa k beira-mar plantado, esquecendo-se de que, ao longo da sua história, esse pais tinha atravessado muitos mares e muitos continentes, indo assim para além das praias e dos mares. Foi teatro dela uma cidade que, talvez por ironia também poética, se chamou de mármore e granito, quando ao tempo era feita quase só do estuque e de lamas da rua. Nessa cidade, e nesse pais, um grupo de homens, que não se conformava com o destino que o Governo imprimia a sua terra, ousou revoltar-se contra ele.
Quatro ou cinco unidades, das de mais destaque na guarnição da urbe, ocuparam, para simples demonstração militar, que se presumia sem tiros, um local já assinalado por luta heróica que, ao final, somente havia conduzido à morte de um Chefe de Estado não menos heróico do que essa luta, não menos heróico do que a sua pátria.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Um general, em nome do Exército, vai, perante o Governo reunido, pedir-lhe que se demita. E, embora esse general fosse revestido da qualidade de parlamentado, ela não mereceu, pelo quo imediatamente foi preso à ordem do Governo.
E então, inesperadamente para alguns, começaram os tiros, começou a luta. Ao fim de vinte o quatro horas, apesar do todos os esforços daqueles que combatiam,

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revoltados em nome da ardam, rebeldes em nome da Pátria, veio a derrota.
Com a derrota a condução às prisões: primeiro a Penitenciária, depois a fragata D. Fernando, presidio de Santarém, Forte da Graça, em Eivas, presidio Trafaria e Torre de S. Julião da Barra. E há aqui uma nota singela n salientar nesta pequena história vivida: quando os oficiais derrotados foram conduzidos, à frente dos seus soldados, à Cadeia- Penitenciária de Lisboa, o Governo de então, forte tia sua vitória, teve - honra lhe seja! - um gesto de nobreza. Entendeu que esses soldados, que haviam simplesmente cumprido ordens dos oficiais seus superiores, não deviam sofrer castigo. Isto porque esses oficiais, logo na primeira hora, souberam definir responsabilidades, souberam dizer que elos eram os únicos culpados do sucedido. Foi comunicado aos soldados, no pátio da Penitenciária, que o Governo da República tivera tido esse gesto generoso.
Em liberdade, os soldados foram conduzidos imediatamente para os antigos aquartelamentos.
Mas antes assistiu-se a esta coisa singular: os soldados, em vez de darem vivas ao Governo da República, que os libertara, voltaram-se para as janelas da Penitenciária e deram vivas aos seus oficiais.
Dois gestos bem portugueses: um, do Governo, que perdoava; outro, o daqueles soldados orgulhosos, que, acima de tudo, queriam significar que continuavam solidários com os homens que até então os tinham comandado.
Quase uni uno depois, eles vieram ainda demonstrar essa solidariedade, seguindo os mesmos oficiais noutro movimento: o 28 de Maio de 1026.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seguem-se as prisões e, naturalmente, o julgamento. Mas entre as prisões e o julgamento houve algo que exprimia os costumes jurídicos desse tempo: a demissão, anterior a formação de culpa, de alguns dos oficiais reputados mais responsáveis. Respeito pela justiça, respeito pela democracia, do qual já haviam sido dados exemplos na repressão dos movimentos monárquicos, na repressão de quaisquer revoltas que se dessem contra a tirania democrática.
Mau exemplo, que as vezes tem sido seguido por outros; mau exemplo, que não devia ser seguido por ninguém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Julgamento - Sala do Risco. Um júri de cinco generais austeros, serenos e impassíveis, de tal modo que não era possível adivinhar-se a decisão que iam tomar.
Trinta dias de debate, e o Pais aguardava ansiosamente o que ia sair desse julgamento. Porventura, seria elo somente o julgamento dos homens que estavam a responder -oficiais, sargentos e civis do 18 de Abril? Ou seria mais do que isso, muito mais que isso- o julgamento de uma política, o julgamento até do próprio regime, que não tinha sabido corresponder às esperanças que o povo havia posto nele ?
Foi uma e outra coisa. E os cinco austeros generais do júri permaneceram calmos e impassíveis perante o borbulhar das multidões, perante os escritos apaixonados dos jornais do Governo de então e perante o que diziam certos dirigentes, grandes figuras políticas dessa época, como o (Pintor» e o «Ai ó linda».

Risos.

Os cinco generais do júri, por unanimidade, absolveram os réus. A absolvição dos réus era justa, porque eles tinham sabido assumir responsabilidades, porque
tinham ido ali, não como réis, mas como apóstolos, porque não tinham procurado desculpas nem inventado romances.
Com essa absolvição, afinal, o júri condenava o Governo. Condenava -vamos com Deus!- um regime que não tinha sabido ser República,.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas ao falarmos desse julgamento não teremos de colocar acima dos próprios generais do júri um outro general? Recordemo-lo: o promotor de justiça, aquele que devia ser o acusador.
Ali! Que momento de beleza sublime quando vimos erguer-se da sua cadeira esse oficial general para começar o debate, aquilo que se presumia dever ser a acusação.
Ergue-se uma figura gentil, um homem magro, quo parece velho mas tem dentro da alma a coragem e o carácter da mocidade, que parece pela linguagem um diplomata mas sabe ser duro quando é preciso ser duro, sabe ser valente quando õ preciso ser valente, sabe, dar exemplo da energia a um país inteiro quando esse pais de tal exemplo necessita.

Vozes: - Muito bom!

O Orador:-Ergue-se o acusador público, olha para o júri, olha para a assistência, olha para os réus. põe as mãos em cima da secretária e começa assim:
Quando, num julgamento como este, se vir no banco dos réus militares tão distintos, a explicação só podo ser uma: a Pátria está doente.
Para quo citar o nome deste homem, para que continuar a reprodução do sen discurso, se esse nome a temos todos dentro do coração?!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Esse discurso foi o princípio de uma carreira política - não a do autor, quo já havia começado a sua havia muitos anos -, rias a carreira política do regime do 28 de Maio, iniciada naquele dia naquela sala. não só com a condenação de um regime aviltante, mas também com as palavras de esperança de quo a doença algum dia viria a ser curada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E por coincidência que está nas coisas de Deus, o que, como está ias coisas Deus, não pode ser simples coincidência, esse general, promotor de justiça no 18 de Abril, morreu, fez ontem anos, como Chefe do Estado Português.
Honremos a memória do marechal Oscar Carmona, o único nome que cito, por ser o nome que todos veneramos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia é a efectivação do aviso prévio do Sr. Depurado Cerveira Pinto sobre a pesca fluvial.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Cerveira Pinto.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: como no período legislativo que está decorrerá esta a primeira vez que subo à tribuna, quero cumprir o dever gratíssimo de novamente expressar a V. Ex. os sentimentos da minha constante o sempre viva admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: quem há trinta ou quarenta anos já tinha atingido idade do uso da razão deve estar lembrado de que os rios de Portugal se encontravam tão pletóricos de peixes que se era naturalmente levado Q acreditar ser inesgotável aquela riqueza, que, sem nenhum esforço das suas criaturas, o bom Deus ali colocara para abastança e regalo dos homens.
As condições excepcionalmente favoráveis que à vida animal ofereciam as águas interiores do País; a sua pureza ainda não corrompida pêlos dejectos das actividades mineiras e industriais, então muito reduzidas, e talvez os antigos privilégios de pesca existentes em alguns lugares e que automaticamente arvoraram os respectivos senhores em guardas de rios e ribeiras, privilégios que, após a sua extinção legal, se foram mantendo, durante largo tempo, na tradição e no respeito populares, poder fio explicar a abundância de peixe que, há escassas dezenas de anos, ainda se verificava nas correntes de água de Portugal.
E para essa abundância também contribuiu com certeza a noção viva que tinham as populações de constituir crime grave o lançamento às águas de substâncias venenosas para matar peixe, noção que adviria - quem sabe?!- da lembrança, transmitida de pais a filhos, das severas penalidades com que, mim passado ainda não muito distante, se puniam os delitos desta natureza.
Lá diziam as velhas Ordenações (livro v, título LXXXVIII,7) que ... pessoa alguma não lance nos Rios e lagoas, em qualquer tempo do ano (posto que seja fora dos ditos três meses da criação), trovisco, barbasco, cocca, cal, nem outro algum material, com que se o peixe mata. E quem o fizer, sendo Fidalgo, ou Sendeiro, ou dali para cima, pela primeira vez seja degradado hum ano para África, e pague três mil réis. E pela segunda haja a dita pena do dinheiro e degredo em dobro: E assim por todas as vezes que for compreendido, ou lhe for provado. E sendo de menor qualidade seja publicamente açoutado com baraço e pregão, e por qualquer outra que nisso for compreendido, ou se lhe provar, haverá as mesmas penas, e será degradado do lugar, onde for morador, e dez legoas ao redor, per tempo de hum ano. O que assim havemos por bem, para que se não mate a criação do peixe, nem se corrompam as aguas dos Rios e lagoas, em que o gado bebe».
Com leis assim era naturalíssimo que houvesse respeito pêlos seus mandamentos.
Por este ou por aquele motivo ou por todos juntos, ou por outros que não conheço e não vale a pena averiguar, era coisa admirável de ver a intensíssima vida ictiológica que existia no nosso país.
Nessa altura não havia, nem era necessário que houvesse, repovoamento piscícola.
Os peixes cresciam e prodigiosamente se multiplicavam apenas- scy.ujn.lo a 'boa lei da natureza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Volvidos, porém, trinta mi quarenta anos, o aspecto que oferecem as alguns interiores do País é simplesmente desolador.
A fauna piscícola em muitos rios ou nalguns troços deles, e precisamente os melhores, está praticamente extinta e noutros está muito próxima da extinção.
A que é devido este autêntico desastre nacional?
As causas são várias, anãs ao fim e ao cabo quase se podem reduzir todas a unia só, como mais adiante mostrarei.
Existe legislação vária sobre a pesca fluvial e protecção das espécies piscícolas, e quem tiver de a ler e estudar não tem outro remédio senão o de percorrei-os vários números do Diário da Governo por onde ela se encontra empalhada, pois não se consegue encontrar à venda, em parte nenhuma, uma colectânea com um simples folheto que facilite a consulta das leis e regulamentos que contemplam esta matéria. Afinal de edições, oficiais ou particulares, da legislação sobre esto assunto já institui, a meu ver, um índice bastante significativo do medíocre interesse com quo se tem olhado para o problema da pesca fluvial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De entre a vária- legislação continua a ser diploma fundamental o velho Regulamento Geral dos Serviço Agrícolas, de 30 de Abril de 1S93.
Este regulamento, aliás muito bem escrito, como o era toda a legislação daquele tempo, satisfez as necessidades da época com que foi publicado o. representou até, nessa altura, um certo avanço sobre a legislação de outros países.
Com algumas, poucas mas importantes, alterações, ainda agora seria um regulamento perfeito.
Tal como se encontro emitem algumas imperfeições, que não vou expor em pormenor para não tornar muito fastidioso o meu discurso. Limitar-me-ei a apontar n mais grave de todas, e que consiste em permitir a pesca à rode nos rios e lagoas habitados por salmoníacos, prática que há muito se encontra banida da legislação em todos os países que têm olhado a sério para a conservação da sua riqueza piscícola.
E já agora também não deixarei de referir que o velho regulamento também permite, por exemplo, que na lagoa Comprida, da serra da Estrela, estejam armadas, de dia e de noite, dezenas e até centenas de canas para a pesca da truta.
Vias eu e tem-nas visto toda a gente que lá leni ido. Ë este um barbarismo que em nenhum país civilizado se admite.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Pode objectar-se que a este mal da pesou à rode de certo modo se obviou com a publicação do Decreto n.° 17 900, de 27 de Janeiro de 19-30, da autoria do nosso ilustre e saudasíssimo colega Dr. Antunes Guimarães, quando Ministro do Comércio c Comunicações, pois aí se previu a proibição temporária da pesca por todos os processos, exceptuando, quando assim só entender, a da linha de mão flutuante, m» primeiro troço de quaisquer correntes de uso público, até ao máximo de 30 km, a contar da respectiva origem. E poderá dizer-se que principalmente nos últimos tempos, se tem usado com certa largueza desta medida. E verdade; mas também é certo que estas proibições têm sido tomadas, de um modo geral, tardiamente e quando o empobrecimento dos rios atingiu já um limite muito avançado.
Tem-se tentado remediar, tarde, e por forma aliás muitíssimo defeituosa, o que poderia ter sido prevenido a tempo.

Vozes: - Muito bem!

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826 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 93

O Orador: - Mas o caso não se compadece com proibições temporárias e em troços limitados dos rios; exige medida mais radical, como dentro em pouco exporei.
E os perniciosos efeitos da pesca à rede são ainda muito agravados pelo pouco ou nenhum respeito que se tributa ao que no regulamento se prescreve quanto ao tamanho das malhas, ao comprimento das redes, ao espaço do rio que deve fitar livre e aos intervalos que entre umas e outras devem ser observados.
Além disso, e em muitos lugares, a pesca à rede é praticada quase sempre em trocos de rios cujo nível de água se fez artificialmente baixar.
É contra o regulamento, mas ninguém faz caso disso.
É sabido que, quando se permite a rede, a pesca se faz de qualquer forma, pois que o único fito a atingir é torná-la, de momento, o mais rendosa possível.
O uso imoderado, legal e ilegal, das redes é uma das causas que muito têm contribuído para o despovoamento dos nossos rios e lagoas.
E, se isto é assim em todos os cursos de água habitados por trutas das diferentes espécies, o caso assume proporções verdadeiramente trágicas no rio Minho, o único rio salmoneiro que possuímos.
Na sessão de 3 de Abril de 1951 o Sr. Deputado Ricardo Durão lançou na Assembleia Nacional o grito de alarme, denunciando a próxima extinção do salmão no rio Minho, se não se obviar a tempo a esta calamidade.
A sua voz clamou no deserto, e os factos posteriormente verificados confirmam infelizmente a razão que assistia a este nosso ilustro colega.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na sessão de 23 de Março do ano passado o Sr. Deputado António Felgueiras, que a este assunto tem dedicado especial .interesse, mostrou, de forma impressionante, a necessidade de, sem perda de tempo, salvar o rio Minho e referiu que, se o Sr. Deputado Ricardo Durão ainda pôde indicar a centena como número aproximado dos salmões capturados nessa época, volvidos três anos esse número não deve ter excedido a dezena.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não há dúvida de que no rio Minho está próxima e à vista de toda a gente a completa extinção dos salmões.
E, no entanto, este prodigioso curso de água poderia ter, segundo cálculos feitos pêlos entendidos na matéria, um coeficiente biológico de 60 000 a 90 000 salmões por ano.
As afamadíssimas trutas mariscas (salmo truta), de que o rio Minho já foi e poderia continuar a ser um formidável manancial, vão também a caminho do desaparecimento.
São causas desta catástrofe as artes de pesca que estupidamente se têm usado e continuam a usar até que a voz do bom senso determine que se faça alto nesta virtiginosa corrida para a perda do que poderia ser, e tenho esperança de que ainda venha a ser, um dos melhores nos salmoneiros do Mundo.
São as redes, que, lançadas de margem a margem, têm causado prejuízos enormes nos salmões, pelo facto de estes príncipes das águas não encontrarem espaço livre para subir, quando se encaminham para a desova.
São as redes denominadas "algerifes", que na foz do Minho têm causado verdadeiras razias, não só nos salmões que entram para a desova, mas também - o que é pior - nos alevins que descem o rio e se preparam para a sua misteriosa viagem através do mar, donde voltariam dentro de pouco tempo transformados em peixes corpulentos.
Pescam-se desta forma alevins com 200 g de peso, que, dentro de dois a três anos, seriam salmões de 8 kg, 1O kg e mais.
Já se pescaram alguns com 24 kg de peso.
Vêm depois as redes chamadas "varredouras", que nos poços, onde as trutas mariscas se juntam para desovar, varrem, a partir de 15 de Setembro, tudo o que lá se encontra.
Houve um dia em que num desses poços, e com uma só rede, se pescaram 500 kg do trutas mariscas que estavam juntas para desovar e, claro, não desovaram.
A esta acção destruidora das redes acrescem ainda os malefícios causados pêlos aparelhos chamados "butirões", que, nas "pesqueiras" - a maior porte das quais foram ilegalissimamente construídas de novo ou aumentadas ou aperfeiçoadas -. destroem quantidades enormes de alevins que descem o rio a caminho do mar.
São estas, assim sucintamente enumeradas, as principais causas do estado catastrófico a que chegou o belo e prodigioso rio Minho.
Tem sido também o inconcebível uso de redes na lagoa .Comprida, aliado às tais centenas de canas permanentemente armadas, que tem dizimado até à exaustão as apreciadíssimas trutas arco-íris, de que aquela lagoa já foi e ainda hoje poderia ser uni reservatório maravilhoso.
Mas há mais.
Estabelece o artigo 43.° do [Regulamento de 1893 que é defesa a pesca da truta no espaço de tempo que vai de 1 de Novembro a 15 de Fevereiro.
É um período demasiado curto, mas nem esse ao menos é respeitado.
Pesca-se desaforadamente durante o defeso, sem que o facto provoque escândalo nas autoridades a quem incumbe obrigar ao cumprimento da lei.
Durante a época de proibição da pesca servem-se trutas nos restaurantes caros de Lisboa e quando algum freguês, conhecedor da lei, faz a observação de que os peixes têm forçosamente de ser de conserva o criado, que não gosta de discussões, vai buscar a travessa cheia destes salmonídeos para objectivamente demonstrar que soo fresquíssimos e pescados pouco tempo antes.
Isto ninguém mo disse. Vi-o eu, e o Sr. Deputado Santos da Cunha também viu.
Tenho aqui o Diário de Lisboa de 28 de Janeiro deste ano, onde um restaurante da capital anuncia trutas e salmões.
Mas até em banquetes oficiais se têm servido trutas também em pleno período; de defeso, o que é de muitíssimo mau gosto, por todos os motivos e até porque estes peixes, pescados na época da desova, perdem muitos dos seus dons culinários por estarem doentes.
E liga-se tão pouca importância à proibição da pesca à truta na época do defeso que o próprio Secretariado Nacional da Informação, que, por dever de ofício, deve estar sempre bem informado, nesta bem apresentada publicação que V. Ex.ª aqui vêm, intitulada Pousadas do Secretariado Nacional da Informação, ao exaltar a região em que se encontra a Pousada de S. Gonçalo, no Marão, informa textualmente do seguinte:

Quanto à pesca, pode-se também, desde 1 de Novembro a 16 de Fevereiro, aos domingos (e nos outros dias com uma licença especial), descer às ribeiras do Raumalhoso e da Aboadela, molhando bragas na pesca de boa truta.

Ora o período de 1 de Novembro a 15 de Fevereiro é precisamente aquele em que é proibida a pesca da truta.

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Diga-se, porém, em abono da verdade, que esta errada informação do Secretariado Nacional da Informação não causou dano apreciável aos peixes porque, pelo menos no rio Ramalhoso a jusante da confluência do rio Gaiva, não existe uma única truta. Não existe uma única truta nem qualquer outro ser vivo, pois que foram todos metodicamente, exterminados pelo sulfato ferroso de umas minas que existem no Marão. Daqui a momentos contarei como isso fui.

Por agora continuemos.

O n.º 3.° -do artigo 32.º do Regulamento de 1893 torna obrigatória a construção de escadas ou planos destinados à subida dos peixes em todos os ajudes de represas estabelecidas nos leitos de águas públicas.

Este preceito legal tem sido praticamente letra morta.

Têm-se feito muitas represas de águas por esses rios fora e, segundo informações que me foram prestadas, só existe uma em que se construíram escadas para a subida de peixes. Foi na barragem de Belver, no Tejo. Mas para que tudo esteja torto neste desgraçado assunto, essas escadas são inteiramente inúteis, pois foram construídas para a subida de salmonídeos e não existem no Tejo estas espécies piscícolas.

O que era necessário era construir nesta barragem uma vala para a subida de sáveis e lampreias, pois que. se isto não for feito, será faial o completo desaparecimento destas espécies do rio Tejo.

O Sr. Rui Andrade: - O sável está a desaparecer no Tejo.

O Orador: - E está exactamente, porque não se construiu essa vala.

A construção de uma barragem no Cávado, aliás para uma empresa fabril, sem que nela fossem feitas escadas para a subida, de peixes constituiu a principal causa de os salmões, que neste rio existiam antigamente, dele lia verem desertado por modo completo e definitivo.

No Lima aconteceu a mesma coisa.

O que fez com que este curso de água, antigamente frequentado por salmões, esteja - completamente deserto desta espécie foi a construção da barragem do Lindoso, sem que nela tenham sido abertas as necessárias escadas pura a subida de peixes.

Mas há pior ainda!

O artigo 38.º do velho regulamento preceitua ser expressamente proibido o lançamento nos leitos de águas públicas de substâncias nocivas à vida dos -peixes (esgotos de casas, povoações, fábricas e minas. etc.).

Este comando legal também tem sido letra morta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na poluição das águas pêlos detrito? e resíduos das fábricas e minas e pelo emprego de substâncias venenosas nu pesca criminosa é que reside a parte mais trágica da questão.

Há grandes troços de rios, outrora povoadíssimos de peixes, que estão completamente esterilizados pelas substâncias nocivas que neles lançam fábricas e minas.

Há cursos de águas, outrora límpidos e com grande abundância de espécies ictiológicas, que -certas fábricas transformaram em monstruosos fossos de toda a espécie de dejectos, onde nem os cristãos se podem banhar nem o gado pode beber.

E ninguém olha para esta calamidade.

Ainda há pouco tempo as trutas que se encontravam nos esplêndidos viveiros do Marão, construídos pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e

que custaram o melhor de 400 contos, morreram todas de um dia para o outro.

Fizeram-se todas as análises possíveis às águas do rio Ramalhoso, que abastece os viveiros, e não se encontraram substâncias tóxicas que explicassem a morte dos peixes.

Repovoaram-se novamente os viveiros e outra vez se verificou a morte da totalidade das trutas que lá se encontravam.

Feito um estudo, esgotante do caso pelo eminente professor Laroze, da Universidade do Porto, e em que chegou a participar o Dr. Maurice Vouga, conselheiro técnico e inspector-geral da pesca e da caca da Suíça, chegou-se à conclusão de que era o ferro arrastado por um veio de água que havia sido cortado pela lavra de umas minas existentes na serra que impregnando as guelras das trutas, as matava -por asfixia.

O problema dos viveiros resolveu-se pela captação de água no Ramalhoso em lugar superior ao da confluência do veio que trazia o ferro. Mas o rio no seu curso natural, ficou completamente esterilizado e sem vestígios de vida animal.

A pesca criminosa com explosivos e substâncias venenosas faz o resto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Principalmente durante o Verão pode dizer-se que são raros os dias em que o" jornais se na o fazem eco de notícias alarmantes sobre mortandades maciças de peixes provocadas pela poluição das águas com substâncias nocivas.

A magnífica revista Diana tem feito uma ardorosa e meritória campanha contra a, poluição dos rios de Portugal e contra a escandalosa impunidade do que gozam os seus autores. As suas palavras têm sido lançadas ao vento.

Ninguém procura entravar a acção vandálica dos envenenadores dos nossos cursos de água.

Lady 0'Malley que há poucos anos foi embaixatriz da Inglaterra em Lisboa e que na sua adolescência já tinha vivido no nosso país. escreveu, sob o pseudónimo de Ann Bridge, este livro que se intitula The Selective Traveller in Portugal. A p. 159 lê-se o seguinte, que me permito traduzir:

A pesca da truta no Norte de Portugal, magnífica há cerca de cinquenta anos. é hoje praticamente inexistente, porque os engenhosos camponeses descobriram que o sulfato de cobre, com que tratam os vinhedos, deitado aos rios, mata os peixes, que, segundo eles dizem, com manhosa satisfação, são muito bons para comer, visto que não ficam venenosos, desde que se lhes tire a pele!

A parte a equitação, as touradas e principalmente o futebol, os Portugueses não gostam de praticar o desporto; por isso, a destruição das trutas nos seus cursos de água não provoca nem particular num público sentimento de desgosto ou indignação.

Estas palavras singelas de Lady 0'Malley acerca da pesca da truta em Portugal retratam bem, embora por forma muito eufemistica, como convinha a uma sincera amiga do nosso país. o que, neste capítulo, se pode justiceiramente chamar a selvajaria nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Lei n.º 1083, de 8 de Dezembro de 1920 pune estes crimes de envenamento dos rios com o mínimo de três meses de prisão correccional.

A verdade, porém, é que os criminosos só rarissimamente são apanhados e punidos. Porquê?

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828 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 93

Porque, como disse, quando anunciei este aviso prévio, e agora reafirmo, a fiscalização de que dispõe a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos é pouco menos do que inexistente.
Os guarda-rios são muito poucos e os cantões sobre que devem exercer a sua acção suo muito grandes. Segundo li muna publicação do engenheiro Augusto Ferreira Machado - um dos técnicos dos serviços Florestais e Aquícolas que com mais competência e paixão tem trabalhado no repovoamento dos nossos cursos de água - há regiões do País em que os guarda-rios têm o encargo de fiscalizar troços de 50 km de extensão!
É evidente que assim a fiscalização tem de ser inoperante.
Por outro lado, os guarda-rios são sapateiros e alfaiates e trabalhadores do campo, só se dedicando ao ofício de fiscalizar nas horas vagas. E. como não há ninguém que os fiscalize a eles, muito naturalmente entendem que também não vale a pena fiscalizar os manejos dos transgressores e criminosos.
Tenho reparado que não é possível - percorrer um troço de estrada nacional, de qualquer classe, sem que se deixe de encontrar um cantoneiro entregue ao seu trabalho.
Pois quem andar, mesmo com frequência, pelas margens dos rios, só por grande maravilha topará com um guarda no exercício da sua função.
A razão deve ser esta: aqueles são fiscalizados e a estes não há quem os fiscalize.
Pelo que resumidamente acabo de referir se vê que os poluidores das águas dos nossos rios andam à solta na execução da sua obra destruidora.
A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas tem realizado uma obra de repovoamento pisei cola que, considerada em si própria, é altamente benemérito. Simplesmente os resultados têm sido praticamente nulos, pela destruição sistemática da sua obra, levada a efeito pêlos dinamitadores e envenenadores das águas em que têm sido feitos os repovoamentos.
Nesta luta desigual, travada entre os que repovoam e os que destroem, os primeiros têm sido vencidos pêlos segundos. O motivo principal deste catastrófico resultado é a falta de fiscalização dos nossos cursos de água.
O dinheiro gasto no repovoamento tem sido, sem imagem literária, dinheiro deitado à água.
Disse há pouco que as causas do estado lastimoso em que se encontram os rios do País eram várias, mas que ao fim e ao cabo quase se podiam resumir todas numa só, e é esta: não cumprimento do que nas leis se estatui, por falta de fiscalização.
Embora velha e antiquada a legislação sobre pesca fluvial, houvesse respeito pêlos seus mandamentos e os nossos cursos de água não teriam chegado do estado miserável em que actualmente se encontram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há alguns anos atrás os cursos de água da Espanha tinham atingido um estado de empobrecimento que deveria ser comparável ao que actualmente se verifica nos rios portugueses.
Finda n guerra civil e terminados que foram as primeiras e mais urgentes obras de reconstrução nacional, o Governo da mação vizinha, verificando que estava a extinguir-se a riqueza- piscícola das águas interiores do país, encarou resolutamente o problema e resolveu-o pela forma mais brilhante.
A publicação da Lei de 20 de Fevereiro de 1942 inicia o processo de fomento e recuperação da riqueza piscícola do País.
Mas a lei não ficou nas páginas inertes da gazeta oficial.
Foi aplicada com todo o rigor e a fiscalização do seu cumprimento tem sido e é feita pela forma expedita e enérgica de que os nossos vizinhos costumam usar na resolução de problemas que entendem dever mesmo ser resolvidos.
Daqui resultou que, em pouco tempo, a Espanha se transformou, de país depauperado, num país rico em fauna fluvial, principalmente em trutas e salmões.
Esta grande riqueza, além de (poderosamente contribuir para a- alimentação das populações, constitui um dos mais valiosos elementos de atracção turística para o país vizinho.
Todos nós conhecemos o espantoso desenvolvimento turístico que nos últimos tempos se tem operado em Espanha. Pois a sua riqueza piscícola ocupa um destacado lugar no turismo espanhol.
Os nossos vizinhos não se cansam de proclamar esta verdade, apontando números e cifras impressionantes. Ainda me recordo de um artigo de fundo, publicado no Verão de há quatro ou cinco anos o grande jornal O Século, intitulado, se a intitulado em não falha. "O salmão das Astúrias", e no qua o jornalista, em digressão pelo Norte de Espanha, conta as maravilhas do que lá observou e faz a comparação, terrível para nós do que a este respeito se passa nos dois países peninsulares.
Chegámos ao ponto de que, quando os pescadores desportivos portugueses querem praticar a sério o seu desporto favorito, é u Espanha que tom de ir, pois que das águas de Portugal já não se consegue sacar peixe que valha. Mas é doloroso que tenha de se ir buscar a país estranho o que, em copiosa abundância, poderia haver na nossa terra.
Em conversa com um espanhol, na Primavera do ano passado, dizia-me aquele senhor que em Portugal deveria haver mais trutas do que em Espanha, visto nós termos fama de ser mais rigorosos do que eles no cumprimento das leis.
Não cheguei a saber se dizia aquilo com ingenuidade ou com ironia. Respondi-lhe, no entanto, com patriótico orgulho, assente, alvas, na mais pura e indesmentível verdade, que nestes últimos vinte e cinco anos tínhamos operado verdadeiros prodígios na reconstrução e engrandecimento do nosso país, mas que ainda não tinhamos tido tempo de pensar no problema da pesca fluvial, mas logo que puséssemos o problema em equação .não tivesse dúvidas de que, em pouco tempo, transformaríamos o Pais num autêntico paraíso de pescadores.
E porque não havemos de o transformar? - pergunto eu agora. Condições naturais para tanto possuímo-las, e das melhores.
As águas interiores do País são óptimas. Embora, e ao contrário do que lá fora se faz, não tenham sido estudadas as suas qualidades biogénicas, pode dizer-se afoitamente que as águas são admiráveis: e Ião admiráveis que, não obstante as brutalidades e vandalismo que nelas se têm perpetrado, os peixes ainda não desapareceram completamente. Teimam em resistir a tudo.
Há muito poucos, mas ainda há alguns.
O que é necessário é encarar o problema a fundo, tom vontade decidida de o resolver. E é fácil resolvê-lo. Para isso, toma-se necessário actualizar e aperfeiçoar a velha legislação, o que não demanda grande esforço.
Impõe-se tornar efectiva a obrigação de se construírem. no menor prazo de tempo possível, escadas, planos ou valas para a subida dos peixes um todos os açudes, represa.-; ou barragens existentes; nas águas públicas.

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O Sr. Ricardo Durão: - Isso não basta. Suponho que V. Ex.ª não se tenha esquecido dos tanques de sedimentação, que são indispensáveis.

O Orador: - Não me esqueci desse assunto: porém, agora, estava a referir-me às escadas. Esse problema da poluição da» águas é ir problema número um e a ele me referirei dentro de momentos.

O Sr. Ricardo Durão:--Os Espanhóis já o resolveram.

O Orador: - Exactamente. E quando qualquer fábrica se esquece e lança nas águas qualquer substância venenosa as multas são grandes, andam à roda das 500 000 pesetas.
As empresas proprietárias ou concessionárias desses açudes, represas ou barragens não terão de que se queixar, pois foram «Ias que deixaram de cumprir uma obrigação legal já existente quando levaram a efeito aquelas obras
Desta forma, seria possível que o Lima e porventura o Cávado voltassem a ser, como foram outrora, bons rios salmoneiros.
Lá fora todos os dias se fazem escadas para a subida dos peixes nas represas construídas nos cursos de água..
Ainda há pouco li a notícia de que em Outubro último começou a construção no rio Rana, ao norte da Noruega, de uma escada salmonífera com 47 m, a qual fará aumentar de 70 t a 80 t a quantidade de salmões numa extensão de 53 km.
Tudo se pode fazer: o que é preciso é boa vontade.
Mas quando se verificar que é de facto impossível levar a efeito tais obras, pela grande altura das barragens, ou quando se chegar à conclusão de que os interesses das empresas, pela sua projecção na economia nacional, devam prevalecer sobre os interesses piscícolas, imponha-se então a essas empresas, como se faz em Espanha, por exemplo, uma contribuição proporcional aos danos causados à fauna aquática, contribuição essa que deve inteiramente reverter para o repovoamento dos cursos de água do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E também necessário ser-se implacável na exigência do cumprimento da obrigação que sobre fábricas e minas impende de não lanharem nas águas públicas substancias nocivas à vida dos peixes.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Torna-se, pois, indispensável obrigar as empresas fabris e mineiras a fazer as obras necessárias e a adquirir a aparelhagem precisa, para depuração eficaz dos esgotos, dejectos v águas que devolvem aos rios, de modo a torná-las inteiramente inócuas para as espécies piscícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É também imperioso declarar guerra sem cartel aos pescadores criminosos, aos que, com dinamite e com embude, trovisco, coca, bar basco, cal, sulfato de cobre e outras substâncias tóxicas, têm esterilizado muitos dos nossos cursos de água.
Nos rios habitados por salmonídeos o uso de redes e outros utensílios, com excepção - claro está - da linha de mão flutuante, deverá ser pura e simplesmente proscrito como norma geral e permanente. A esta regra só deverão abrir-se as excepções, mas com a designação precisa de tempo e de lugar e sempre sob a vigilância directa e efectiva da entidade fiscalizadora, que forem aconselháveis, ou pela extrema abundância de peixe, ou porque não é possível pescá-lo à cana ou pela necessidade de destruir espécies inferiores prejudiciais à vida das que têm foros de nobreza.
No rio Minho, que pelas suas excepcionais possibilidades constitui sempre um caso à parte, o uso de «butirões» e redes «varredouras» deverá ser banido de uma vez para sempre.
São tão antigos e conhecidos os malefícios desta espécie de redes que já el-rei D. Sebastião ordenara que, ainda fora dos três meses de veda, «... pessoa alguma não tenha «m sua casa nem fora delia, posto que não pesque, rede varredoura. de nenhuma qualidade que seja, nem pesque com elhr . . .».
Poderá transigir-se, pelo menos temporariamente, com as redes chamadas «algerifes», mas deve o seu - emprego ser regulamentado por forma racional e de modo a causar o mínimo de prejuízos.
Além disso, deve prescrever-se veda completa destas redes durante o período de tempo - um ou dois meses por ano - em que os alevins de salmão descem o rio para se fazerem ao mar.
Com o fim de regular, por convenção internacional, a pesca no rio Minho, nomearam os Governos Português e Espanhol as suas respectivas delegações para procederem aos necessários estudos preliminares.
Essas delegações puseram-se imediatamente em contacto, fizeram o estudo da questão e chegaram a completo acordo.
Já há muito que entregaram os seus trabalhos e toda a gente pensava que a assinatura da convenção entre Portugal e Espanha seria um facto dentro de pouco tempo.
São volvidos, porém, já muitos meses sem que da convenção haja notícia, o que já está a causar justificada inquietação em todas as pessoas que anseiam pela recuperação do rio Minho.
Que entrave tora sido posto à resolução definitiva do problema ?
Não sei. e por isso limito-me a formular o voto mais fervente no sentido de que a convenção seja assinada quanto antes, de harmonia com o que foi proposto pelas delegações dos dois países.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Oxalá que este ano de 1950 seja o do início da recuperação do rio Minho e que já em Setembro próximo não assistamos à hecatombe das trutas mariscas, perpetrada pelas redes «varredouras», quando estes famosos salmonídeos estão para desovar.
Eu sei que, quando se fala na necessidade de proibir o uso de rodes nos rios ha-bitados por salmonídeos, surge sempre a choradeira dos pescadores profissionais, que ficam sem modo de vida e sem ter com que adquirir o pão para dar aos filhos.
Na posição diametralmente oposta estão aqueles que convictamente opinam de que na pesca fluvial de salmonídeos não deveria haver lugar para profissionais.
Julgo que uns outros ai nem outros têm razão.
Todas as profissões, sejam elas quais forem, (desde que do seu exercício não advenha dano para o bem comum, são respeitáveis e devem merecer, portanto, a mossa consideração.
Eu penso que não advirá mal nenhum à colectividade do facto de haver pessoas que, na época própria, exerçam a pesca fluvial com fins lucrativos. Seria, aliás, perfeitamente insensato que só os pescadores desportivos e as suas famílias e os seus amigos tivessem o privilégio de comer trutas e salmões.

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Ora, se o problema Já recuperação da riqueza piscícola for convenientemente resolvido, como espero, haverá lugar paru todos. Os amadores poderão praticar, com gosto, o seu desporto e os profissionais terão larga possibilidade de, com proveito, pescar e vender o sou peixe.
O que é necessário é educar o pescador profissional, não com palavras, porque essas leva-as o vento, mas com factos que o convençam de que tudo tem a lucrar tom o abandono de artes que levam à exaustão das águas fluviais.
O que é preciso é mostrar ao profissionalismo que, com a áusia insofrida de um grande lucro imediato, está a matar a galinha dos ovos de- ouro.
O que é indispensável é, numa palavra, defender os interesses do pescador profissional, contra a sua própria vontade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Depois, toma-se mister intensificar o repovoamento dos tão depauperados cursos de água nacionais.
Para o efeito, possuímos técnicos competentíssimos e dispomos de estações e viveiros aquícolas que, dentro das suas pequenas possibilidades económicas, podem considerar-se modelares.
Mas para que o problema seja bem resolvido é absolutamente indispensável guardar e defender o repovoamento.
Sem isto, nada feito.
Sem guarda e defesa eficaz das águas interiores do Pais não vale a pena perder tempo em legislar nem gastar dinheiro com o repovoamento piscícola. O estado em que se encontram as rios portugueses é demonstração cabal e irrefragável desta verdade. Ë preciso, portanto, organizar una fiscalização eficiente dos nossos cursos de água.
Em todos os países civilizados a fiscalização dos rins pertence à entidade que tem a seu cargo o repovoamento piscícola. Portugal, segundo - as informações que consegui obter, constituiu a único, excepção a esta regra.
Quem repovoa é a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, do Ministério da Economia. Quem finaliza é a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, do Ministério das Obras Públicas.
E claro que este sistema é mau e tem dado os resultados que estão à vista de toda a gente.
A Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos é servida por técnicos distintíssimos, aos quais me apraz prestar a minha homenagem. Mas são engenheiros civis que se interessam principalmente, e sobretudo, pelas obras hidráulicas. A i etiologia dos cursos de água está fora do pendor da sua actividade e da sua formação intelectual e profissional.
Estamos na cidade da técnica; só se ouve falar em técnica. Os técnicos são quem tudo sabe e tudo resolve. As velhas humanidades, que criaram o maravilhado equilíbrio da civilização heleno-latina, estão a ser postergadas pela técnica. Pois a técnica mais elementar na que o repovoamento- piscícola e a sua defesa estejam a cargo da mesma entidade, e esta é a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os- que criam os peixes, os fazem reproduzir; os que estudam o seu habitat, os seus costumes, a sua vida e a sua morte é que são as pessoas indicadas para ao mesmo tempo que repovoam as águas, fiscalizar e defender a sua obra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E essas pessoas são os técnicos da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Diz o nosso povo que só rende o trabalho que é feito com amor. Mais um motivo para a fiscalização dos nossos cursos de água- ser entregue à Direcção-Geral dos Serviços Florestais - e Aquícolas, pois só ela saberá defender com amor o repovoamento piscícola, que é obra sua.
Isto é a evidência mesma. Por isso não posso nem devo insistir na sua demonstração.
No rio Minho a fiscalização não pertence à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, pois tem estado a cargo do Capitania do Porto de Caminha. Mas, como acontece-nos outros cursos de água, a fiscalização neste rio também tem sido e é praticamente nula. E era fatal que assim fosse. As mesmas causas geram sempre os mesmos eleitos.
É mister pois, acabar também com este absurdo.
Por isso não me canso de proclamar que a fiscalização de todos os rios portugueses deve pertencer só a uma entidade :a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: com legislação actualizada, intensificação do repovoamento piscícola e repressão eficiente dos vandalismos que têm esterilizado os nossos cursos de água conseguir-se-á recuperar, em pouco tempo, uma grande riqueza nacional, hoje quase extinta. Ter-se-á dado por esta forma, um passo decisivo - para a melhoria da alimentação dos Portugueses.
E esta finalidade já seria por si só suficiente para justificar o estudo e resolução do importante assunto de que me estou a ocupar.
Mas não seria apenas este objectivo que se atingiria com a solução do problema.
A vida dos dias de hoje é tão esgotante e absorvente que os que são obrigados a permanente sedentarismo e principalmente são coagidos a intenso trabalho intelectual sentem a necessidade incoercível de fugir de vez em quando do mefítico ambiente citadino em que vivem e vão muitos deles procurar na pesca desportiva o meio de redoiçar o espírito e de se evadirem de si próprios, dos seus problemas profissionais e das suas inquietações individuais. O número de praticantes desta modalidade de desporto tem aumentado constantemente, embora cada vez haja menos peixes para pescar. O Governo da Nação, que tem dedicado tanto interesse a outras espécie» de desporto e com elas tem gasto somas enormes, o que aliás, só é de louvar e de exaltar, não deve desinteressar-se desta modalidade desportiva, tão bela e tão salutar, por ser exercida em plena madre-natureza.
Há muito boa gente que pensa que pescar desportivamente consiste em estar um maduro com uma cana. de cima de um penedo, calado e quieto durante horas e horas a fio, à espera que pique qualquer peixinho. .Mesmo que assim fosse!. não seria de despregar este exercício da virtude, da grande virtude da paciência, tão necessária nos irados tempos que atravessamos. Mas não.
A pesca dos salmonídeos é um desporto violento e movimentado , um desporto para homens, como com tanta expressão e a respeito do futebol costuma dizer o nosso querido Icader , Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
É portanto, a pesca fluvial uma modalidade desportiva- que, como tem acontecido com outras, deve merecer o apoio do Governo da Nação.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador:- Por outro lado, é indiscutível que o turismo constitui hoje uma grande fonte de receita e um valioso motivo de prestigio nacional para os países que o sabem cultivar.
No seu notável aviso prévio sobre turismo, efectivado na sessão de 3 de Março de 1950, o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu mostrou à Câmara, ao Governo e ao País a grande necessidade de atrair a Portugal os turistas estrangeiros e evitar a saída dos nacionais. Para isso torna-se necessário criar em Portugal motivos de interesse e agrado para os estrangeiros que viajam e que sirvam também para que os nacionais não tenham necessidade de ir procurar lá fora o que cá dentro podem encontrar. Ora, entre as atracções turísticas que alguns países oferecem aos seus visitantes, a pesca desportiva ocupa um bem merecido lugar.
Se queremos, portanto, desenvolver o nosso turismo, e não há dúvida que queremos, e alguma coisa já estamos a fazer nesse sentido, é de elementar bom senso que se cultive a pesca desportiva, como um dos melhores motivos de atracção dos estrangeiros ao nosso belo País.
Ainda há dias me contava um amigo meu que este ano um inglês escreveu a um seu compatriota, comerciante de vinhos em Vila Nova de Gaia, a dizer-lhe que era seu costume ir passar as férias a. pescar na Noruega. Como, porém, ultimamente tinha ouvido falar na Península e eslava desejoso de conhecer novas terras e outras gentes, pedia-lhe o favor de lhe comunicar se valeria a pena vir até cá e, em caso afirmativo, a que entidade se deveria dirigir para obter informações precisas sobre o exercício da pesca desportiva.
Respondeu-lhe o súbdito britânico, que há muito vive em Portugal, a informá-lo de que, sim senhor, poderia vir à Península, onde encontraria muito que pescar, e que se deveria dirigir à Direcção-Geral de Turismo, em Madrid, pois que ali lhe dariam todos os esclarecimentos de que necessitava.
Ora o que é preciso é criar as condições indispensáveis para que este inglês e muitos outros estrangeiros sejam alva idos ao u osso país. Isto será fazer turismo, e do melhor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta obra de enriquecimento piscícola custará dinheiro? Certamente que custará.
Nós estamos a gastar somas avultadíssimas na execução do- grandioso Plano de Fomento, há pouco aprovado nesta Câmara, para penosamente, heroicamente, criarmos riquexa, a fim de maior riqueza, poder ser distribuída pelos Portugueses.
E então, se, por um lado, estamos a desenvolver um esforço ingente para enriquecer o País - « nunca serão suficientes os agradecimentos e louvores a quem tornou possível esse esforço -,_ não será rematado desacerto estarmos, por outro lado, a aniquilar, até ao último extremo, uma riqueza que a Providência tão liberal e gratuitamente nos concedeu?
O fomento piscícola é também uma grande obra de fomento e o que nela se despender será larguissimamente retribuído. A água, bem guardada e defendida, retribuirá, em cem por um, o dinheiro que a ela for lançado.
Hoje em dia n licença anual de pesca para todo o país custa 35$. E um preço ridículo. A verdade, porém, é que, dada a existente penúria de peixe, a licença nem tanto vale. Mas, desde que a abundância ictiológica seja grande, o preço das licenças pode subir enormemente. Quase que se poderá vir a pagar por dia o que hoje se paga por ano.
Quanto custa um bilhete para um teatro ou para um desafio de futebol? Pois há muitíssimas pessoas que preferem pagar por um dia de boa pesca desportiva o que custa o bilhete para um espectáculo.
E aqui está como o Estado poderia cobrar uma boa receita para ajudar ao custeio do fomento piscícola e da guarda dos cursos de água.
E já que falei em licenças não posso deixar de me referir à necessidade que há de revogar o preceito legal que isenta desse encargo a pesca fluvial nos domingos e dias de feriado nacional lista isenção vem prescrita no § único do artigo 14.º do Decreto n.º 17 900, de 27 de Janeiro de 1930.
Ora essa isenção não aproveita nem aos pescadores profissionais nem aos pescadores desportivos, por dela não necessitarem, como é óbvio. Só poderá servir para os rurais que vivem perto dos cursos de água e que não são nem uma coisa nem outra. E como os rurais, que não são nem profissionais nem desportivos, nada pescarão ao domingo ou dia de feriado, esta isenção de licença só servirá para os tentar à. dinamitarão ou ao envenenamento dos cursos de água para fazerem boas pescarias.
Todos os que, em vida conhecemos ou admirámos o Sr. Antunes Guimarães, sabemos que ele esteve sempre preso por um profundo e simpatiquíssimo sentimento romântico a tudo o que fosse rural. Nesse sentimento deve filiar-se a isenção que ele fez inserir no decreto de que foi autor.
Mas não obstante a belíssima intenção do legislador, a isenção deu péssimos resultados na prática.
De resto, os rurais, no dia do descanso dominical, não necessitam de ir à pesca. Descansar é mudar do ocupação.

O Sr. Manuel Vaz: - Não serão só os rurais, certamente, que beneficiarão dessa isenção, mas o funcionalismo e iodas as pessoas que durante os dias úteis estão ocupadas e só estuo livres ao domingo.

O Orador:-A falta de licença acarreta uma falta de moção de responsabilidade. Aos domingos pode arranjar-se uma licença mais barata. Mas exija-se sempre uma licença que faça ver ao que dela se utiliza que os rios não são coisa mantinha em que tudo é permitido.

O Sr. Manuel Vaz: - Os funcionários estão presos toda a semana e como só têm o domingo livre é preciso dar-lhes condições para que eles se evadam da sua vida sedentária. Isto justifica o motivo da isenção.

O Orador:-Aqueles que levam uma intensa vida intelectual não são pròprimente os funcionários que V. Ex.ª está referindo. Escrever «à rasa» não cansa a cabeça.
No dia de descanso os intelectuais devem desentorpecer o corpo e os trabalhadores braçais devem cultivar o espírito.
Ao domingo os intelectuais devem caçar e pescar - e os trabalhadores do campo devem ler, e demais a mais agora, que até os adultos, que há pouco eram analfabetos, já sabem cortar letra de forma.
Em resumo: a isenção de licença de pescar nos domingas e feriados não é necessária e só tem dado resultados maléficos; deve, por isso, ser pura e simplesmente abolida.
Sr. Presidente: pode dizer-se que só tenho falado de; salmonídeos e que, por isso, o problema que vim pôr à. consideração da Assembleia só ao Norte do País pode interessar.
Efectivamente tenho-me referido, através do meu discurso, quase exclusivamente às trutas e salmões pela razão simples de que, entre todas as espécies ictio-lógicas. são estas as mais categorizadas e portanto.

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a elas se deve ligar uma importância muito especial. No entanto o problema do fomento piscícola e da pesca fluvial interessa a lodo o País. Tudo quanto se disse sobre a devastação dos nossos rios levada a efeito pela pesca, criminosa e pela poluição das águas e sobre a deficiente ou, melhor, inexistente fiscalização aplica-se infelizmente a Portugal inteiro.
É certo que no Sul não poderá haver salmonídeos, mas outras espécies ictiológicas existem cujo fomento e defesa nesta parte do País constituirão riqueza que não pode nem deve abandonar-se. Além do barbo, boga, escalo e outras qualidades dos chamados peixes brancos, e cuja valor alimentício não é, de modo nenhum, desprezável, existe a carpa indígena, que na hierarquia ictiológica já ocupa lugar de certo destaque.
Além destas poderiam introduzir-se e aclimatar-se nos cursos de água do Sul do País outras espécies piscícolas, como a carpa real. o black-blasse americano e, principalmente, o lúcio, que em pouco tempo adquire grande tamanho ó esplêndido para alimentação e magnifico para a pesca desportiva, por ser um valente lutador.

O Sr. Carlos Borges: - E dar-se-á aqui hem?

O Orador: - Ele dá-se bem no Tejo em Espanha e creio que não conhece fronteiras. E tanto que não conhece que já têm sido pescados lúcios no Tejo português vindos do Espanha.
Seria ainda possível povoar os rios do «Sul com o precioso esturjão e em consequência, iniciar-se a indústria nacional do caviar.
Em Espanha, seguindo informações que me foram prestadas, essa indústria já está em franco progresso.
Porque não havemos nós de fazer o mesmo?
O fomento piscícola e a pesca fluvial são pois um problema nacional.
Sr. Presidente: é tempo de dar o meu discurso por findo, e vou já terminar.
Eu conheço bem os limites do razoável e sei perfeitamente o que é lícito pedir e o que é possível receber.
Sei portanto, que não se pode fazer a recuperação simultânea de todos os rios de Portuga] e que não é possível improvisar, de um momento para o outro, um corpo de guardas para realizar, com eficácia, a fiscalização de todos os nossos cursos de água. Reconheço que não pode fazer-se tudo ao mesmo tempo. Não peço milagres, nem subi a esta tribuna, para fazer demagogia.
O que eu lembro, o que eu sugiro, o que eu peço ao Governo, é que inicie quanto antes a obra de recuperação dos nossos cursos de água. Escolham-se para já meia dúzia de rios. Se for muito, elejam-se, para este efeito, só dois ou três; e se este número ainda parecer exagerado escolha-se um só, apenas um, um somente. Não posso pedir menos. Menos é a vergonha que para aí está.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Recupere-se já este ano um só rio de Portugal. Repovoa-se esse rio e da nascente até à foz exerça-se sobre ele fiscalização oficiante. Para o ano que vem faça-se, o mesmo com outro curso de água. E depois outro; mais outro ainda; outro a seguir e assim até final.
Dentro de alguns anos teremos ressuscitado pura a vida os cursos de água que deixámos morrer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nossa .geração vai legar aos vindouros, espantosamente aumentado, milagrosamente acrescido, o património que recebeu das gerações passadas.
Não é de mais que entregue aos que depois de nós vierem uma riqueza que herdou e até hoje não tem sabido conservar e defender.
Sr. Presidente: no curto espaço de uma hora que o Regimento me concede não poderia fazer o estudo profundo do problema que nesta tribuna me propus tratar em aviso prévio.
De resto, não seria capaz de o levar a cabo, embora dispusesse de muito mais tempo.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

O Orador: - Isso fica para os técnicos.
Quando anunciei este aviso prévio e subi à tribuna para o efectivar tive um único objectivo em vista: chamar, por forma instante e veemente, a atenção do Governo para a necessidade inadiável de encarar e resolver a sério o problema, que continuo a chamar grande problema, do fomento piscícola e da pesca fluvial.
Oxalá tenha conseguido dar realização ao meu propósito.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Baptista Felgueiras: - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Declaro generalizada o debate.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Há ainda algum oradores inscritos para este debate, o qual continuará, portanto, na sessão de amanhã, constituindo ;a primeira parte da ordem do dia. Na segunda parte, se houver tempo para tal, far-se-á a apreciação do Acordo internacional acerca da fronteira de Moçambique com a Niassalândia e da proposta de lei sobre servidões militares.
Convoco a Comissão do Ultra mar para se unir na próxima quinta-feira, dia em que não deverá haver sessão, pelas 15 horas.

Está encerrada a sessão.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Rui de Andrade.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.

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Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.

oão da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Proposta de lei e parecer da Câmara Corporativa, a que se referiu o Sr. Presidente no decorrer da sessão:

Proposta de lei n.º 24/506

1. A Lei Orgânica do Ultramar (Lei n.° 2066, de 27 de Junho de 1903), em complemento do artigo 134.° da Constituição Política, determinou que as províncias ultramarinas tenham organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do meio social, definida num estatuto especialmente promulgado para cada uma delas (base v), por meio de decreto do Ministro do Ultramar, ouvidos o governador, o Conselho de Governo e o Conselho Ultramarino [bases x, n.° I, alínea- e), e XCII, n.° I, alínea d)].
No decurso das diligências prescritas por estes preceitos legais verificou-se a conveniência de modificar algumas disposições da Lei Orgânica, de modo a conseguir-se mais perfeita realização das finalidades que a própria lei se propôs.

2. Assim, quanto ao Estado da índia, reconheceu-se que as circunstâncias a que a base v, n.° I, manda atender aconselham que o estatuto desta província se afaste nalguns pontos do disposto na Lei Orgânica, quanto ao funcionamento de certos órgãos de governo e a alguns pormenores administrativos.

3. A delegação de funções dos governadores-gerais nos secretários provinciais e no secretário-geral é regulada pela base XXIII, sem restrições quanto aos primeiros e com a limitação do expediente geral e do domínio da administração política e civil quanto ao último. Considera-se acertado, na verdade, reservar para o secretário-geral estes assuntos, mas pode haver conveniência em atribuir-lhe outros cumulativamente.

4. Também a frase «O secretário-geral é um funcionário de carreira com a categoria de inspector superior de administração ultramarina» tem suscitado dúvidas, havendo quem pense só poder ser nomeado secretário-geral quem já possuir a categoria de inspector superior de administração ultramarina, o que restringiria muito o recrutamento daqueles funcionários. Como se julga que o verdadeiro alcance daquele preceito consiste na contraposição à parte final do n.° II da mesma base, melhor será expor claramente esta ideia.

5. Ao dispor que «a competência legislativa dos governadores-gerais será por eles exercida sob a fiscalização dos órgãos da soberania e, por via de regra, conforme o voto do Conselho Legislativo da província, nos termos dos números seguintes», teve a Assembleia intenção - segundo pensa o Governo - de permitir que nos intervalos das sessões daquele Conselho o governador-geral publique os diplomas legislativos indispensáveis.
Como, porém, o citado n.° II da base XXIV termina com a restrição «nos termos dos números seguintes» e estes prevêem hipóteses especiais em que o governador podo deixar de seguir o voto do Conselho Legislativo, convém tornar clara a legitimidade dos diplomas a publicar nos intervalos das sessões daquele.

6. A referência da alínea a) da base XXV a pessoas colectivas, contribuintes recenseados com determinado mínimo de contribuição directa, permitiria conceder o direito de voto a numerosas sociedades comerciais, que, por natureza, não devem possuir este direito político.

7. Apesar de o Conselho de Governo não ser muito numeroso, pode revestir dificuldades a sua consulta em casos que, por natureza, se apresentem com extrema urgência. Difícil seria, portanto, o exacto cumprimento do disposto na alínea b) do n.° II da base XXX.

8. Pensa o Governo que, relativamente às províncias de governo simples, foi intenção da Assembleia Nacional atribuir à secção permanente do Conselho de Governo as funções consultivas que o Conselho de Governo possui nas províncias de governo-geral. Como, porém, a base XXXIV fala em «Conselho de Governo» em vez do c secção permanente do Conselho de Governo» e pode dizer-se que, na técnica desta lei, estes órgãos são distintos, julga-se conveniente esclarecer este ponto, não só nesse preceito genérico como noutros especiais.
Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

Artigo único. As bases V, XXIII, XXIV, XXV, XXX, XXXIV, XXXV e LVIII da Lei n.° 2066, de 27 de Junho de 1900, passam a ter a seguinte redacção:

BASE v

I .............................................................
II ............................................................
III - Na medida em que as circunstâncias peculiares do Estado da índia o aconselhem, poderá o respectivo estatuto dispor diferentemente do preceituado na presente lei, pelo que respeita ao funcionamento e às atribuições de órgãos de governo e a outras regras de administração.

BASE XXIII

I -........................................................................
II - Nas províncias de Angola e de Moçambique poderá haver dois secretários provinciais, nomeados e exonerados pelo .Ministro do Ultramar, sob proposta do governador-geral, e equiparados a inspectores superiores, mas cujas funções cessam com a exoneração do respectivo governador.
III - Nas províncias a que se refere o n.º I desta base haverá um secretário-geral, com a categoria de inspector superior de administração ultramarina.

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IV - Os governadores-gerais poderão delegar as suas funções executivas, exceptuadas as de administração financeira, nos secretários provinciais e no secretário-geral, cabendo, neste caso, ao último especialmente as respeitantes à administração política e civil e ao expediente geral.

BASE XXIV

I - ...................
II -...................
III -...................
IV -...................
V - No intervalo das sessões ordinárias do Conselho Legislativo, e não estando este reunido em sessão extraordinária, poderá o governador publicar diplomas legislativos, ouvido o Conselho de Governo.

BASE XXV

I-.................................................................
II-................................................................
III-...............................................................
a) Aos contribuintes, pessoas singulares de nacionalidade portuguesa, recenseados com o mínimo de contribuição directa indicado no mesmo estatuto.

BASE XXX

I -..................................................................
II - O governador-geral deverá ouvir o Conselho de Governo para o exercício das atribuições seguintes e das que forem especificadas no estatuto político-administrativo da província:
a) Regulamentar a execução das leis, decretos-leis, decretos e mais diplomas, vigentes na província, que disso careçam;

b) Exercer a acção tutelar prevista na lei sobre os corpos administrativos e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

BASE XXXIV

O Conselho de Governo será ouvido pelo governador para o exercício da sua competência legislativa, de acordo com a Constituição, a presente lei e o estatuto da respectiva província.

BASE XXXV

I - Em cada província funcionará, junto do governador e por ele presidida, uma secção permanente do Conselho de Governo, à qual compete emitir parecer nos casos previstos na lei, designadamente nos referidos pe. o n.° n da base XXX, e sobre todos os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados pelo governador.
II-............................................................................

BASE LVIII

II - ..........................................................................
III -..........................................................................
IV - De harmonia com o diploma legislativo a que se refere o número anterior, organizar-se-á o orçamento, que, votado pulo Conselho de Governo, nas províncias de governo-geral, ou pela secção permanente do Conselho de Governo, nas outras, será mandado executar pelo governador.

Lisboa. 17 de Fevereiro de 1955. - O Ministro do Ultramar, Manuel Maria Sarmento Rodrigues.

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CÂMARA CORPORATIVA VI LEGISLATURA

PARECER N.° 21/VI

Proposta de lei n.° 24/506

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 506, elabora/Io pelo Governo sobre alterações n Lei Orgânica do Ultramar, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e economia ultramarinas), a qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso Rodrigues Queiró, Luís Supico Pinto e António da Silva Rego, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Cumaru, o seguinte parecer:

I
Apreciação na generalidade

1. Vem o Governo propor à Assembleia Nacional um certo número de modificações à vigente Lei Orgânica do Ultramar, destinadas a conseguir mais perfeita realização das 'finalidades que a própria lei se propôs alcançar.
Nada há a objectar ao princípio de que a Lei Orgânica não é nada de tão estável que se lhe não possam a todo o momento introduzir, com a intervenção do órgão legislativo competente, as alterações que a experiência, as necessidades ou simples objectivos de clareza tornem aconselháveis.
E tudo o que, de um modo geral, sobro a proposta se pode dizer. O essencial deste parecer está necessariamente no exame na especialidade, ao qual se passa, sem mais delongas.

II

Exame na especialidade BASE v

2. O significado profundo ido aditamento que à base v se pretende agora fazer está certamente em que se reconhece que o governo e a administração do Estado da índia só constrangidamehte se poderiam amoldar a todas as regras do regime geral de governo doa províncias ultramarinas, fixadas na Lei Orgânica do Ultramar Português (Lei n.° 2066, de 27 de Junho de 1953).
Foi esta lei inicialmente concebida pelo Governo como devendo vir a constituir um limite à legislação a editar pelo Ministério do Ultramar sob a forma de estatutos político-administrativos de nada uma das províncias ultramarinas - e a esta orientação se subordinou a Câmara Corporativa - no seu parecer sobre o respectivo projecto de proposta. Mas a Assembleia Nacional, ao votar o preceito do n.° n da base v da Lei Orgânica, alterou fundamentalmente a índole desta, lei, na medida em que facultou a instituição, para qualquer província, de um regime divergente do regime geral de governo das províncias ultramarinas nela estabelecido. Pensou-se nesse momento especialmente na. província de Cabo Verde, mas deixou-se a possibilidade de proceder de modo parecido em relação a outras províncias.
Chegada a altura de elaborar o estatuto do Estado da índia, verificou o Governo que não era o caminho que lhe ficou aberto pelo n.° ir da base v que deveria ser trilhado, julgando-o certamente menos apropriado às

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condições especiais dessa província. Como, na forma como a base v se encontra lio j e redigida, a não se utilizar a faculdade concedida pelo n.° II, só seria lícito elaborar um estatuto para a índia com respeito integral pela Lei Orgânica, tornou-se imperativo criar a possibilidade legal de um terceiro caminho - aquele segundo o qual a Lei Orgânica, a exemplo do que, em relação a todas, se projectou em 1881 com o Código Administrativo das províncias ultramarinas (Júlio de Vilhena), sofrerá as modificações reclamadas pelas circunstâncias especiais do Estado da índia.
Desta sorte, a Lei Orgânica continuará a ser, COMO até aqui, o regime geral de governo das províncias ultramarinas, sem. embargo de admitir excepções e especializações, que, aliás, no seu próprio texto originário não faltaram. Esse regime, efectivamente, não era tão geral que não se compadecesse com a - partição das províncias ultramarinas em províncias de governo-geral e províncias de governo simples, de regimes de governo diferentes, e com múltiplas disposições especiais a esta ou aquela província espalhadas pelo seu texto, as quais, por bem conhecidas, inútil é recordar aqui.
Nada há, por conseguinte, a objectar, do ponto de vista jurídico, ao aditamento proposto pelo Governo para a base v e muito menos se poderá argumentar contra ele no plano da política a observar para a província do Estado da índia, cujo estatuto deve ser elaborado de forma a atenderem-se todas as sus aspirações de um bom governo e de uma eficiente e justa administração, guardadas apenas, necessariamente, as limitações e directrizes constitucionais. A Lei Orgânica poderá e deverá, por seu turno, ser observada- na medida, que ainda assim será naturalmente muito ampla, em que se mostrar de acordo com o condicionalismo muito especial desta província portuguesa.
A Câmara aprova, pois, o aditamento e permite-se apenas sugerir a simplificação da sim redacção.

BASE XXIII

3. a) Na redacção que se pretende ver adoptada para o n.° II desta base não há fundamentalmente nada que se oponha ao já hoje disposto nesse número. A proposta é no sentido de se dizer expressamente que os secretários provinciais se equiparam, em categoria, ao secretário-geral, o qual, segundo o n.º III, tem a categoria de inspector superior de administração ultramarina. Quem conheça a discussão parlamentar sobre os n.os II e III da base XXIII saberá que houve da parte do legislador a preocupação de não estabelecer distinção de hierarquia entre o secretário-geral e os secretários provinciais. Não está mal que se diga expressamente que os secretários provinciais, enquanto durarem as suas funções, estão equiparados a inspectores superiores.
A Câmara entende, fora isto, que se deve aproveitar a presente oportunidade para alterar a base XXIII no sentido de eliminar o limite estabelecido à nomeação de secretários provinciais. Conforme as informações de que dispõe tem-se verificado uma certa dificuldade em conseguir adequada repartição dos serviços pêlos dois secretários provinciais que a Lei Orgânica permitiu nomear para Angola e Moçambique, os quais ficam necessariamente muito sobrecarregados e com a obrigação de interferir e superintender em tarefas muito heterogéneas, nem todas próximas da sua especial preparação técnica ou profissional. Ë certo que a proposta vem permitir que no próprio secretário-geral se deleguem funções executivas mais amplas do que até agora. Mas nem assim o objectivo de uma boa distribuição das tarefas governativas será talvez realizado.
A Câmara é, por consequência, de opinião que se deve deixar para os estatutos de Angola e Moçambique a fixação do número de secretários provinciais que competirão a cada uma destas províncias, propondo, por isso, a supressão do limite de dois que hoje se encontra estabelecido na base XXIII.
Quanto à redacção, a Câmara entende que a adversativa, na última parte do n.º II, na redacção proposta pelo Governo não tem cabimento. Preferível c a redacção perfilhada na versão actual do n.º II.
b) A Câmara Corporativa versou no seu parecer sobre o projecto de proposta de lei I° 517 (parecer n.º 35/V) o problema das condições que deveriam reunir as pessoas a prover nos cargos de secretários-gerais. Aí se disse que tais funcionários teriam a categoria de inspectores superiores de administração ultramarina, sem com isto se querer dizer que só poderia ser nomeado para tais cargos quem já possuísse tal categoria. Na verdade, expressamente se consignava que a nomeação (para esses cargos) recairia em pessoas com um curso superior e que já tivessem desempenhado cargo ultramarino de categoria não inferior à de chefe de serviço. Esta sugestão traduzia-se, aliás, em manter o que já era, na altura, direito vigente.
A Assembleia Nacional não perfilhou esta ideia, não indicando condições para o provimento dos cargos de secretário-geral. Esta omissão pode interpretar-se como significando que o legislador pretendeu que em tais cargos só pode ser provido quem já possuir a categoria de inspector superior de administração ultramarina, ou como significando que em tais lugares podem ser providos quaisquer funcionários e mesmo pessoas estranhas ao funcionalismo, nos termos da base XLI, n.° v, que ficarão tendo a sobredita categoria, ingressando desde então no respectivo quadro nas condições gerais estabelecidas por lei para os chefes de serviço. Esta última interpretação parece a melhor e o Governo sugere, muito bem, que não fiquem dúvidas a tal respeito.
c) Verifica-se que o Governo pretende agora e pela primeira vez:

1.º Tornar indelegável a, competência financeira dos governadores-gerais;
2.° Tornar delegável nos secretários-gerais, no que respeita a Angola e a Moçambique, qualquer capítulo das funções executivas;
3.° Tornar delegáveis exclusivamente no secretário-geral as funções respeitantes à administração política e civil e ao expediente geral.

1.º A competência financeira dos governadores exprime-se especialmente na organização do orçamento, na iniciativa dos empréstimos e na aplicação das dotações orçamentais, ou seja, no ordenamento das despesas.
Repugna, de facto, que os governadores deleguem noutrem a competência para a organização do orçamento, como também se compreende mal que a iniciativa dos empréstimos pertença a outras pessoas que não aos governadores, embora actuando em nome destes. Igualmente choca que eles deleguem a sua competência para a execução do orçamento das despesas, pelo ordenamento destas. De um modo geral, deve dizer-se que só uma cabeça deve ter intervenção efectiva na orientação da vida financeira de cada província, sob pena de se poder cair em desregramentos indesejáveis, por comprometedores das finanças locais. A visão do conjunto só pode ser conseguida o as repercussões de cada acto de execução do orçamento nas finanças e na economia da província só podem ser consideradas se as funções de administração financeira couberem ao governador e só ao governador.
2.º Não se descobre qualquer razão forte para negar aceitação à proposta, enquanto pretende legitimar a possibilidade de o governador distribuir ao secretário-

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- geral tarefas diferentes do expediente geral e da administração política e civil. Pode, desta forma, fazer-se melhor repartição de funções entre os mais directos colaboradores do governador e concorre-se para prestigiar a figura do secretário-geral, que poderia parecer diminuída pelo estatuto que lhe foi dado na base XXIII da Lei Orgânica, em relação à posição de que desfrutava perante o disposto na Carta Orgânica.
3.º Do confronto dos n.os II e III da base XXIII da Lei Orgânica resulta que os governadores de Angola e Moçambique podem delegar as funções de expediente geral e de administração política e civil, não exclusivamente no secretário-geral, mas nos próprios secretários provinciais, se o acharem preferível. «Neste caso (como foi posto em destaque por um Sr. Deputado) o secretário-geral converte-se num peso morto».
Na redacção agora proposta para o n.º IV da base XXIII esta consequência deixa de ser possível, pois, desde que o governador decida delegar as suas funções de administração política e civil e as funções de expediente geral, não o poderá fazer senão no secretário-geral.

BASE XXIV

4. A nova disposição que, sob o n.º v, se pretende inserir na base XXIV da Lei Orgânica baseia-a o relatório da proposta em determinada interpretação do n.º II dessa base, interpretação que o Governo supõe ter estado no pensamento da Assembleia. Segundo tal entendimento, seria lícito aos governadores-gerais publicar, no intervalo das sessões do (Conselho Legislativo, os diplomas legislativos indispensáveis.
Se essa interpretação cabe na letra do artigo 152.º da Constituição, não cabe seguramente nem na letra nem do espírito do n.º 11 da base XXIV. Ë verdade dizer-se neste número que a competência legislativa dos governadores-gerais será por eles exercida por via de regra conforme o voto do Conselho Legislativo da província ; mas é também verdade que na Lei Orgânica se não prevê a possibilidade de uma legislação local da responsabilidade exclusiva dos governadores-gerais: a competência dos governadores-gerais será, no dizer do n.° n da base XXIV, exercida nos termos dos números seguintes (III e IV) e nestes não está consignada a legitimidade de uma legislação da autoria exclusiva dos governadores-gerais.
Isto quer dizer que na base XXIV da Lei Orgânica se fez do artigo 152.º da Constituição uma interpretação que não faculta aos governadores-gerais legislarem sem o voto dos conselhos legislativos.
Não se nega, no entanto, como se começou por dizer, que a letra da lei constitucional permite que se providencie no sentido de dar aos governadores-gerais competência para legislar sem o voto do Conselho Legislativo, fazendo deste, não um órgão de funcionamento permanente, mas, como é tradicional, um órgão com sessões legislativas ordinárias e extraordinárias.
Será, porém, aconselhável modificar neste sentido a Lei Orgânica ?
A Câmara compreende que seja muito pouco prático, ao menos nas maiores províncias de governo-geral, manter o Conselho Legislativo por assim dizer em sessão permanente - do mesmo modo que não seria prático na metrópole manter-se a Assembleia Nacional sempre aberta.
Por outro lado, a estatística da produção legislativa local, nas províncias de governo-geral, revela-nos que não é viável pedir aos conselhos legislativos o estudo e ponderação minuciosos de todos e cada um dos diplomas legislativos a publicar.
Parece dever seguir-se aqui uma orientação semelhante à metropolitana, a qual, como é bem sabido, faz do Governo, no intervalo das sessões legislativas, o legislador exclusivo, sob a forma de decretos-leis. A Câmara decide-se por que não há razão para, neste domínio, se consagrar no ultramar uma solução divergente da adoptada na metrópole e aconselha por isso a aprovação da alteração proposta pelo Governo. Foi considerada uma variante desta solução, segundo a qual os governadores poderiam legislar no intervalo das sessões do Conselho Legislativo, ficando, porém, os diplomas publicados nesse intervalo sujeitos, sem prejuízo da sua vigência, a ratificação do mesmo Conselho na sessão imediata, ratificação que não teria de ser expressa, havendo-se por concedida quando, decorrida a sessão, nenhum dos vogais do Conselho requeresse que tais diplomas fossem submetidos à sua apreciação. Esta variante não obteve a maioria de votos necessária para a sua adopção como parecer da Câmara, ante a consideração de que se impõe equiparar, na medida do possível, o regime da legislação provincial e o da legislação metropolitana.

BASE XXV

5. O que se propõe merece aprovação, não tanto, porém, pela razão dada no relatório da proposta de lei («as sociedades comerciais, por natureza, não devem possuir este direito político»), uma vez que a alínea a) do n.° III da base XXV visa facultar capacidade eleitoral activa aos contribuintes na qualidade de tais, e não aos cidadãos. Não tanto por isso, pois, mas porque, com a redacção actual da alínea c), se dá essa capacidade, inclusive, a sociedades comerciais só formalmente portuguesas, efectivamente estrangeiras pelo lado dos sócios e pelo lado do capital. Esta razão de fundo é que nos parece decisiva em favor da proposta. A Câmara dá-lhe por isso o seu apoio.

BASE XXX

6. No parecer da Câmara, merece aprovação a proposta do Governo respeitante à base XXX, que consiste em desobrigar o governador-geral de ouvir o Conselho de Governo para o exercício da sua competência de declarar provisoriamente o estado de sítio em um ou mais pontos do território da província. A consulta do Conselho passará nesta ponto a ser facultativa. Certamente que, se as circunstâncias de tempo lho permitirem, o governador-geral não deixará de procurar o parecer do Conselho de Governo, até porque esse parecer concorrerá para esbater a sua responsabilidade perante o Governo Central e para salvaguardar a sua posição perante a população da província. Em casos de particular urgência, não pode razoavelmente exigir-se que, para decretar regularmente o estado de sítio, o governador-geral tenha de ouvir o Conselho de Governo.

BASES XXXIV E XXXV

7. Esclarece-nos o relatório da proposta sobre o alcance da modificação que o Governo pretende ver introduzida nestas bases. Segundo esse relatório, fundamentalmente, não se trataria agora de alterar estes preceitos, mas de tornar explícita a pretendida intenção da Assembleia Nacional, ao votar a base XXXIV, de atribuir à secção permanente do Conselho de Governo das províncias de governo simples as funções consultivas que o Conselho de Governo possui nas províncias de governo-geral, isto é, funções que se traduzem na assistência ao governador no exercício das suas funções executivas. Desta forma, segundo o Governo, terá sido propósito da Assembleia fazer do Conselho de Governo as províncias de governo simples um órgão de consulta do governador para o exercício da sua competência legislativa - e só para este.

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Não existe nenhum indício de que este tenha sido realmente o propósito da Assembleia Nacional. Não se vislumbra ele em qualquer dos elementos preparatórios a ter em conta na interpretação das bases XXXIV e XXXV. Não se nos depara na discussão parlamentar nenhuma objecção à maneira como esta Câmara entendera o projecto de proposta do Governo. «Para as restantes províncias (províncias de governo simples), disse-se no parecer n.º 35/V, em comentário ao artigo 46.º do projecto de proposta de lei n.° 517, o projecto, à semelhança do que em relação a todas se prevê hoje na Carta Orgânica, prevê um Conselho de Governo, simultaneamente com, junções legislativas e com funções executivas. Estas últimas poderão ser desempenhadas por uma secção permanente do Conselho de Governo». E logo no comentário feito pela Câmara ao artigo 47.°: «A secção permanente há-de competir emitir parecer, nos. casos previstos na lei e em todos os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados, como hoje sucede, aliás».
A Assembleia não introduziu qualquer alteração de fundo ao que esta Câmara propôs para figurar na Lei Orgânica a tal respeito, e a proposta desta Câmara não se afastou, senão formalmente, do projecto de proposta do Governo. Não se pode, pois, de modo nenhum, pretender que com a nova redacção das bases XXXIV e XXXV se reconstitui a intenção presumível da Assembleia Nacional.
Mas, se a razão invocada no relatório da proposta não serve para justificar a alteração sugerida, haverá porventura outra que a abone?
Não se vê por que é que o Conselho de Governo não há-de poder ser consultado pelo governador sobre, de um modo geral, os assuntos respeitantes ao governo e administração da província, para só o poder ser a sua secção permanente, mais restrita e necessariamente menos representativa. De resto, já assim era no regime da Carta Orgânica, segundo a qual para todas as colónias existia um Conselho de Governo e uma secção permanente, idênticos aos que hoje existem só nas províncias de governo simples. O seu artigo 38.º dispunha, efectivamente, que o governador podia consultar o Conselho de Governo ou a secção permanente sobre todas as matérias ligadas com o governo ou a administração da colónia, sempre que o julgasse conveniente. Parece que na base da proposta do Governo está a ideia de que, nas províncias de governo simples, deve haver entre o Conselho de Governo e a sua secção permanente a mesma relação que existe entre o Conselho Legislativo e o Conselho de Governo nas províncias de governo-geral, com idêntica distribuição de funções. Não foi essa a ideia que esteve presente na mente do legislador de 1953 e não parece que faça grande sentido atribuir à secção permanente do Conselho de Governo uma competência que não pertença também ao próprio Conselho, cumulativamente.
Isto, porém, não quer dizer que as bases XXXIV e XXXV tenham ficado redigidas em termos adequados, deforma, sobretudo, a deixar claro que a secção permanente poderá ser ouvida, em vez do próprio Conselho de Governo, nas hipóteses de consulta obrigatória, designadamente nas enunciadas no n.º II da base XXX, para a qual a base XXXIV remete. E tanto que parece ter-se formado nas estâncias oficiais o entendimento de que em tais hipóteses só o Conselho, não a secção permanente, poderá e deverá ser ouvido pelo governador. Não foi esse, porém, o propósito do legislador de 1953. o qual não desejou alterar quanto se encontrava disposto no artigo 84.°, n.°1.°, da Carta Orgânica, que se referia a matérias idênticas às do n.º II da base XXX, sobro as quais, sem dúvida nenhuma, o Conselho de Governo podia ser ouvido, tanto como a secção permanente.
Deverá, por conseguinte, perfilhar-se agora uma redacção que deixe claro terem os dois órgãos competência cumulativa e poder a secção permanente ser ouvida, em vez do conselho, nas hipóteses de consulta obrigatória, designadamente do n.º II da base XXX.

BASE LVIII

8. O parecer da Câmara sobre o proposto pelo Governo quanto a esta base será uma consequência lógica do que se disso sobre as bases anteriormente referidas: não deve tornar-se obrigatória a intervenção do plenário do Conselho de Governo das províncias de governo simples para apreciar a forme, como o orçamento foi organizado pelo governador, tem obediência à lei, às indicações do Ministro e ao diploma legislativo por ele mesmo votado. Em boa medida, o orçamento é obra de simples execução destes cânones, e vem a ser constituído por simples tabelas, sem nada de discricionário em relação a elas. Basta que intervenha a simples secção permanente; mas o governador poderá ouvir o próprio Conselho se o achar preferível.
Aproveita a Câmara esta oportunidade para notar o seguinte: pôr a secção permanente (e quem diz esta diz o Conselho de Governo) a votar o orçamento, como no texto actual da lei se diz e o Governo novamente propõe, cria o problema de saber quid iuris se o não votasse e, pelo contrário, o rejeitasse. Tal intervenção deliberativa está fora da índole atribuída pela Lei Orgânica à secção permanente e ao Conselho de Governo enquanto órgão de consulta e, de qualquer modo, deixaria os governadores mais manietados do que o Governo Central no que toca à elaboração do Orçamento Geral do Estado.
Convirá redigir, portanto, este número da base LVIII de forma a não deixar dúvidas sobre a índole consultiva da intervenção do Conselho ou da sua secção permanente.

III
Conclusões

9. Nada se pode opor, na generalidade, a que se introduzam na Lei Orgânica do Ultramar Português, em qualquer oportunidade, alterações profundas ou simples alterações de pormenor, ditadas pela experiência, por novas necessidades ou meramente pelo propósito de a tornar mais clara. Por isso, a Câmara dá, na generalidade, parecer favorável à proposta do Governo, fruto de determinantes de todas estas espécies. Já, porém, na especialidade não pode ir tão longe, sugerindo algumas modificações, expressas no texto seguinte:

BASE V

I- ......................................................................
II -.....................................................................
III - O estatuto do Estado da índia poderá dispor diferentemente do preceituado na presente lei no que respeita ao funcionamento e as atribuições cie órgãos de governo e a outras regras de administração.

BASE XXIII

II - Nas províncias de Angola e de Moçambique poderá haver secretários provinciais, nomeados e exonerados pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador-geral, equiparados a inspectores superiores, cujas funções cessam com a exoneração do respectivo governador.

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III - Nas províncias a que se refere o n.° I desta base haverá um secretário-geral, com a categoria de inspector superior de administração ultramarina.
IV - Os governadores-gerais poderão delegar as suas funções executivas, exceptuadas as de administração financeira, nos secretários provinciais e no secretário-geral, cabendo ao último especialmente as respeitantes à administração política e civil e ao expediente geral.

BASE XXIV

I-.......................................................................
II-......................................................................
III-....................................................................
IV- .....................................................................

V - No intervalo das sessões ordinárias do Conselho Legislativo, e não estendo este reunido em sessão extraordinária ou sendo inconveniente a sua convocação, poderá o governador publicar (diplomas legislativos, ouvido o Conselho de Governo.

BASE XXV

I- .......................................................................
II -......................................................................
III -.....................................................................
a) Aos contribuintes, pessoas singulares de nacionalidade portuguesa recenseados com o mínimo de contribuição directa indicado no mesmo estatuto.

BASE XXX

I -.....................................................................
II - O governador-geral deverá ouvir o Conselho de Governo para o exercício das atribuições seguintes e das que forem especificadas no estatuto político-administrativo da província:
a) Regulamentar a execução das leis, decretos-leis, decretos e mais diplomas na província, que disso careçam;
b) Exercer a acção tutelar prevista na lei sobre os corpos administrativos e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

BASE XXXIV

O Conselho de Governo será ouvido pelo governador para o exercício da sua competência legislativa, de acordo com a Constituição, a presente lei e o estatuto da respectiva província,« pertencem-lhe as funções consultivas atribuídas no n.° I da base XXX ao Conselho de Governo das províncias de governo-geral.

BASE XXXV

I - Em cada província funcionará, junto do governador e por ele presidida, uma secção permanente do Conselho de Governo, à qual compete emitir parecer, em lugar do mesmo Conselho, sempre que lhe seja pedido e designadamente nos casos referidos pelo n.º II da base XXX, nos outros em que o seu parecer seja exigido na lei e sobre os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados pelo governador.
II-.........................................................................
IV - De harmonia com o diploma legislativo a que se refere o número anterior, organizar-se-á o orçamento, que, ouvido o Conselho de Governo, nas províncias de governo-geral, ou a secção permanente do Conselho de Governo, nas outras, será mandado executai pelo governador.
II-..........................................................................

BASE LVIII
I-...........................................................................
II-..........................................................................
III-.........................................................................
IV- De harmonia com o diploma legislativo a que se refere o número anterior, organizar-se-á o orçamento, que ouvido o Conselho de Governo, nas províncias de governo-geral ou a secção permanente do Conselho de Governo, nas outras, será mandado executar pelo governador.

Palácio de S. Bento, 4 de Abril de 1955.

Albano Rodrigues de Oliveira.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco Monteiro Grilo.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
Vasco Lopes Alves. António da Silva Rego.
Luís Supico Pinto.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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