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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 101
ANO DE 1955 30 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO n.° 101, EM 29 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Cancella de Abreu
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 98.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado João Valença falou nobre a situação de alguns pescadores na zona marítima do Norte.
O Sr. Deputado Pereira Jardim congratulou-se com a criação do Liceu da Beira.
O Sr. Deputado Almeida Garrett apresentou um aviso prévio nobre a habitação das classes pobres e remediadas e um requerimento.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu pediu informações sobre o habeass corpus e o movimento de processos na Polícia Judiciária:
O Sr. Deputado Urgel Horta falou sobre a localização da indústria siderúrgica.
O Sr. Deputado Pereira da Conceição ocupou-se de problemas da defesa civil do território.
O Sr. Deputado Camilo Mendonça tratou do problema cerealífero e do pão.
O Sr. Deputado Cortês Pinto falou sobre a vacina contra a paralisia infantil.
Ordem do dia.- Foi submetido à apreciação o pedido de autorização para o Chefe do Estado visitar a Inglaterra.
Falaram os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Sebastião Ramires.
A autorização foi concedida por unanimidade.
Prosseguiu a discussão do parecer nobre as Contas Gerais do Estado de 1953.
Falaram os Srs. Deputados Proença Duarte e André Navarro.
Foram submetidos à apreciação os textos das Convenções entre os Esatdos Partes no Tratado do Atlântico Norte.
Usou da palavra o Sr. Deputado Pereira da Conceição.
Os textos foram aprovados pela Assembleia.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão em 19 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Trigueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
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Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Finto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 98.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado. Vai ler-se, o
Expediente
Telegramas
Do Grémio do Comércio de Braga, a apoiar as considerações feitas na Asssembleia pelo Sr. Deputado Alberto Cruz sobre a crise da indústria de chapelaria naquela, cidade.
Da Câmara Municipal de Mafra, a apoiar as considerações feitas na Assembleia pelo Sr. Deputado Melo Machado acerca de turismo e em especial da falta de vias de comunicação para aquela vila, que prejudica as visitas turísticas ao convento de Mafra.
Do Grupo Desportivo e Cultura, da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, em nome dos empregados daquele organismo, a agradecer a intervenção feita na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Galiano Tavares acerca dos seus vencimentos e promoções.
Dos habitantes do concelho de Castro Daire, a agradecerem as considerações dos Srs. Deputados Azeredo Pereira e Marques Teixeira relativamente ao lamentável estado das estradas daquele concelho.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um telegrama do Sr. Presidente do Conselho, a agradecer os votos formulados em nome dela a propósito do seu aniversário natalício.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governa n.º 89, 1.ª série, de 20 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 40 142.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado João Valença.
O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: na zona marítima do Norte, no litoral, existem desde tempos remotos, que se contam por muitas dezenas de anos, umas modestas e pobres barracas de pedra e cal, ligadas e unidas umas às outras por paredes meias, que uma colónia de pescadores mandou construir, a fim de nelas guardar pequenas embarcações, destinadas, sobretudo, à recolha de algas ou plantas marinhas para adubo das terras.
Nas referidas barracas, além daqueles barcos, recolhem também os pescadores as redes, velas, reinos e outros utensílios do seu ofício.
Não tendo mais de 90 ou 100 m2 cada uma, foram edificadas ao abrigo de licenças das autoridades que naquela época tinham jurisdição sobre o terreno onde foram assentes.
Encontram-se tais barracas inscritas na matriz predial e, por isso, sempre pagaram ao Estado a respectiva contribuição.
Foram objecto de partilha, em escrituras notariais e em inventários homologados por sentenças judiciais, preenchendo quinhões hereditários e passando, por efeito de sucessão, de pais a filhos e de filhos a netos.
Por essa transmissão sempre os herdeiros pagaram também ao Estado o imposto sucessório devido.
Afectadas deste modo ao uso particular e sujeitas aos principais encargos que oneram a propriedade privada, arreigou-se justificadamente no espírito dos humildes pescadores a convicção de que desfrutavam de uma situação legítima e inatacável e de que as referidas barracas se encontravam integradas no património dos seus titulares.
E há-de convir-se que designadamente o pagamento da contribuição urbana, que lhes tem vindo a ser exigida, concede, no plano ético-jurídico, fundada solidez à sua persuasão e firme expectativa.
Sucede, porém, que a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicas pretende agora que os donos destas barracas legalizem a sua situação, requerendo licença para construir o que, afinal, já está construído há muitos anos, apresentando uma planta em triplicado e sujei-
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tando-os ao pagamento de uma taxa anual de 2$ por cada metro quadrado de terreno ocupado.
O não cumprimento destas condições obriga os pescadores a demolirem sem demora as mesmas barracas, sob pena de, não o fazendo, serem mandadas demolir pelo Estado, ficando o cargo dos seus proprietários as respectivos despesas, que serão cobradas coercivamente, se tanto for necessário.
Ora todas estas exigências, representam um pesado sacrifício para os pobres pescadores, nomeadamente os 200$ anuais pela ocuparão do terreno, que, juntamente com outras alcavalas, como contribuição predial, licença de encalhe à capitania do porto, licença de pesca, imposto de socorros a náufragos, quota obrigatória da Casa dos Pescadores, etc., perfaz e totaliza uma avultada cifra, que a sua modesta condição não comporta nem permite pagar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que aquelas exigências são feitas ao abrigo de disposições legais, e por isso contra elas não podem reagir os humildes pescadores.
É certo ainda que o terreno onde estão implantadas as barracas pertence ao domínio público marítimo, e por isso não podem eles invocar o direito de propriedade.
Mas é verdade também que esta última consideração se me afigura largamente prejudicada pela cobrança sistemática que vem fazendo-se da aludida contribuição predial.
Prescindo, no entanto, de analisar o aspecto jurídico do problema, porque antecedem neste caso razões de humanidade e de justiça tão inadiáveis que impõem necessariamente a atenção urgente e cuidada do Governo.
Foi desde o início do Estado Novo norma e instante preocupação dos seus governantes conceder à classe piscatória o amparo material e moral de que ela tanto necessitava, quer pela exiguidade dos seus recursos e carência dos seus meios de trabalho, quer pela dureza da sua faina e escassez e incerteza dos seus rendimentos.
A vasta obra realizada neste domínio, traduzida na extensão da organização corporativa aos pescadores, documenta suficientemente o carinho, desvelado interesse e funda compreensão das necessidades, desses modestos obreiros de um importante sector da riqueza nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora o sacrifício que agora se impõe a estes pescadores constitui, em boa verdade, um rude golpe nos seus interesses, com grave repercussão nas suas parcas economias, pelos enormes prejuízos que os ameaçam.
A taxa de 200$ que se exige, não podendo ser paga por falta, de meios, deixará muitos pescadores na emergência de verem demolidas as suas barracas, ficando sem guarida para os seus apetrechos marítimos e demais instrumentos do trabalho quotidiano.
Torna-se, por isso, necessário rever cuidadosamente esta questão, em ordem a obter-se uma solução justa e equitativa, que se adeqúe devidamente aos interesses em jogo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A meu ver, seria aconselhável ressalvar para os seus donos os direitos às barracas existentes, na medida em que tal solução não contenda com o bem público e com as restrições por este impostas.
Mas quando não se verifique este condicionalismo, importa considerar o gravame representado pela exigência daquela taxa anual de 2$ por metro quadrado, que é manifestamente incomparável com a limitada bolsa dos pobres pescadores, devendo, por isso, ser reduzida a proporções que se ajustem na realidade às suas possibilidades económicas.
Como Deputado eleito por um distrito que faz parte de uma região marítima, interpretando os anseios e o sentir da sua boa gente, peço ao Governo que, por intermédio do Ministério competente, suspenda desde já qualquer procedimento contra os pobres e humildes pescadores, evitando a demolição das suas barracas, e que seguidamente reveja o problema em causa, ressalvando os direitos dos donos das barracas já há muitos anos existentes ou reduzindo a taxa de ocupação a proporções justas e equitativas.
Procedendo assim o Governo prosseguirá na sã política de protecção e amparo à classe piscatória e cometerá um acto de inteira justiça e humanidade.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: ao conhecer a notícia de que o Chefe do Estado se dignou promulgar o decreto em que o Governo cria o novo Liceu da Beira, não posso deixar de exteriorizar nesta Assembleia o júbilo e agradecimento que tão justa medida provoca na laboriosa população daquela cidade portuguesa do Índico e em toda a província de Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que o Liceu da Beira constituía uma das mais prementes necessidades e uma das aspirações mais vivas de quantos ali se fixaram e ali realizam a tarefa maior de continuar e engrandecer Portugal em terras de África. Vivendo a seu lado, como simples companheiro de trabalho e ideais, nessa terra que cada dia mais me prende e que em cada momento mais merece o nosso amor, sinto-me autorizado a transmitir os seus sentimentos com a mesma sinceridade que tenho usado ao procurar fazer-me eco das suas aspirações.
Para quem resida nas nossas grandes províncias de África, onde as distâncias se medem por padrão que na Europa mal se entende, e ali tenha o seu lar enriquecido pelos filhos que Deus se sirva conceder-lhe, o problema da educação constitui uni dos mais sérios que se lhe oferecem. A deslocação das crianças para longe da casa paterna, com os reflexos económicos c morais que isso pressupõe, constitui uma triste regra a que não podem fugir muitos dos pais.
A difusão do ensino secundário e técnico, enquanto outros passos não tenham de ser encarados, impõe-se como necessidade premente para que se possa realizar em condições dos nossos dias a ocupação indispensável do território.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem o evidenciou o Governo - a honra seja ao ilustre Ministro do Ultramar - ao determinar a criação ou ampliação das escolas técnicas de Lourenço Marques e da Beira e das escolas elementares de Quelimane, Nampula e Inhambane -que prevê elevar ao grau imediato logo que se revele necessário -, bem como a - instalação de novo liceu na capital da província.
Neste conjunto de medidas se enquadra o decreto que vem agora criar o Liceu da Beira, para cujo patrono se escolheu a figura grandiosa de Pêro de Anaia, que aqueles mares e terras demandou.
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Há longos anos que esta justificada pretensão aguardava o momento de ser satisfeita, competindo a vivacidade dos anseios com o zelo e interesse dos governantes. Tendo acompanhado o problema, tomo a sua premência impunha, é meu dever sublinhar o cuidado sempre atento, a diligência incansável e a ponderação inteligente que o Sr. Comandante Sarmento Rodrigues lhe dedicou e com que veio a resolvê-lo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com esta decisão beneficia largamente a cidade da Beira, pletórica duma população escolar que não encontrava possibilidades lotais de seguir o seu rumo, mas com ela beneficiam também apreciavelmente os habitantes de Manica e Sofala, Zambézia e Niassa, que sem este liceu se viam forçados a enviar os filhos para a capital, no extremo sul de Moçambique. Enquanto não chega o momento de ser possível alargar ainda mais a rede do ensino liceal, terão os pais nessas regiões ao menos encurtada a distância que os afasta daqueles que desejariam manter junto de si, mas de quem as exigências do ensino os forçam a separar.
As medidas já tomadas pelo Sr. Governador-Geral de Moçambique, sempre atento aos problemas da província, para que a decisão do Governo Central possa ter pronta execução asseguram, por outro lado que a realização prática deste importante decreto não tarde em concretizar-se mais tempo do que o indispensável.
A Beira bem o merece e bem sabe ser reconhecida à justiça que se lhe fez.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste momento de júbilo tem de haver lugar para uma palavra de louvor e agradecido apreço à prestimosa acção que S. Ex.ª Rev.ma o Bispo da Beira sempre desenvolveu para a solução do problema e à forma como o Instituto Liceal D. Gonçalo da Silveira, da diocese, procurou suprir esforçadamente a grave lacuna que se verificava. A dedicada e persistente acção do Sr. D. Sebastião de Resende, a quem Portugal tanto deve na obra civilizadora desta nossa África, permitiu que o problema do ensino naquela região não assumisse mais graves proporções e contribui ainda agora para que seja possível resolvê-lo sem improvisações inconvenientes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Representa verdadeiro acto de justiça o propósito revelado pelo Governo de contribuir com os fundos necessários para que, simultâneamente com a criação e construção do liceu, possa a diocese da Beira erguer um internato onde se ministre o ensino liceal e se conduza a educação dos alunos que as famílias lhe desejem confiar.
Este é outro passo que traduz o reconhecimento oficial pelos méritos que, em mais este campo, a diocese da Beira evidenciou e é mais um motivo de jubilosa alegria para os que hão-de receber os seus benefícios.
Sr. Presidente: ainda recentemente o ilustre Ministro do Ultramar, na visita que fez a Moçambique, teve ensejo de na Beira ouvir o pedido gentil e vibrante das mães, que procuravam ver satisfeitos os seus anseios e arredadas as suas preocupações.
A mulher portuguesa no ultramar é, mais ainda do que em qualquer outro ponto da Nação, o verdadeiro símbolo da continuidade das virtudes do nosso povo. Quando pede - quando exige com a força de quem sabe dar -, nada pretende para si, mas muito ambiciona para seus filhos, para essas crianças que ensina a serem portuguesas e que, carinhosamente, modela para serem de Portugal.
As mesmas vozes que o Ministro ouviu são as que me chegam agora e que de mim sobem ao Governo para lhe afirmar com emoção:
Bem ha já por nos ajudar a continuar Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: ao anunciar o aviso prévio sobre protecção à Família, há pouco efectuado, declarei omitir da respectiva matéria a parte respeitante à habitação, reservando-os para nova intervenção.
Desejando realizar esta no próximo período da legislatura, nos termos do disposto no § 1.º do artigo 49.° do Regimento, tenho a honra de solicitar seja incluído na ordem do dia o aviso prévio sobre o problema da habitação para famílias, que subordinarei ao seguinte esquema:
1.º Importância da habitação para a vida normal das famílias e necessidades portuguesas em casas para famílias pobres e remediadas:
2.º Realizações já levadas a efeito neste sentido e inventário da legislação respeitante;
3.° Sugestões para o incremento da habitação familiar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: aproveitando estar no uso da palavra, para completar elementos estatísticos que me são indispensáveis para a efectivação do aviso prévio que acabo de anunciar, requeiro me sejam fornecidas as seguintes informações, desde já agradecendo a brevidade com que espero me sejam entregues:
Pelo Ministério do Interior:
Relação, por distritos, dos grupos de casas de habitação económica ou para pobres construídas até 31 de Dezembro de 1954, indicando-se, para cada concelho onde existam, quais as entidades, públicas ou particulares, que promoveram ou repuxaram os mencionados grupos e, se for possível, o número de prédios e de fogos em cada grupo.
Pelo Ministério das Finanças:
Indicação das cooperativas construção, com os respectivos nomes, que até 31 de Dezembro de 1953 contrataram empréstimos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, indicando-se o montante de cada empréstimo efectuado.
Nota dos empréstimos da mesma natureza concedidos em 1954, com menção dos nomes das cooperativas em questão, montantes dos empréstimos e condições de juro e amortização.
Relação dos empréstimos concedidos pela mesma Caixa Geral até 31 de Dezembro de 1954 a sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada, com indicação dos nomes dessas sociedades e da data do montante e das condições financeiras desses empréstimos.
Pelo Ministério das Obras:
Relação dos bairros de casas económicas existentes em 31 de Dezembro de 1954, completos e habitados, com as seguintes indicações para cada um deles: localização ano em que ficou concluído, número de prédios e fogo
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De cada classe e tipo e prestações mensais respectivas, custo do terreno e da edificação.
Relação das casas para alojamento de famílias pobres, desmontáveis ou não, construídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 28 912 e legislação posterior sobre a matéria, até 31 de Dezembro de 1954, indicando-se: localizações, número de casas em cada local, seus tipos, entidades construtoras e importância das comparticipações respectivas, pelo Estudo e pelo Fundo de Desemprego.
Pelo Ministério das Corporações e Previdência Social:
Relação dos investimentos realizados em 1954 na construção de casas de renda económica, através das habitações económicas da Federação de Caixas de Previdência, indicando-se para cada um deles: localização, número de prédios por classe e tipo, ídem de fogos por tipos e respectivas rendas mensais um vigor e valor dos investimentos respeitantes.
Relação semelhante, também relativa a 1954 das obras em curso, sendo de estimativa as vendas e investimentos previstos.
Lista dos nomes das caixas que administram bairros e localização dos bairros administrados directamente pela federação e ainda dos nomes das entidades que administram os restantes bairros, tom os locais em que se situam, tudo em relação a 31 de Dezembro de 1954.
Relação das moradias para trabalhadores construídas pelas Casas do Povo até 31. de Dezembro de 1954, mencionando-se para cada uma destas o número de casas, as despesas feitas com a sua construção e as importâncias das respectivas comparticipações.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa os dois seguintes
Requerimentos
«Completando-se no corrente ano um decénio sobre a promulgação do Decreto-Lei n.° 35 043, que instituiu no nosso país o regime de habcas corpus, que a República democrática se limitara a prometer na Constituição de 1911 e não existiu em nenhum outro país europeu, em excepção da Inglaterra, interessa conhecer o número de casos em que no tempo decorrido foi utilizada aquela importante regalia e as decisões proferidas, para sobre eles se considerar a vantagem de alterações no diploma que a experiência, porventura, tenha aconselhado.
Por isso roqueiro que, pelo Ministério da Justiça, me sejam fornecidos as seguintes informações:
1.ª Número de petições de habcas corpus distribuídas no Supremo Tribunal de Justiça a partir da vigência do Decreto-Lei n.º 35 043, de 20 de Outubro de 1945;
2.ª Número de petições de habcas corpus apresentadas desde a referida data nas Relações do continente que não tiveram seguimento por se haver verificado a hipótese do § 1.º do artigo 9.° do mencionado decreto ou por desistência dos interessados;
3.ª Número de casos em que, desde a origem até fim de Abril corrente, o Supremo Tribunal de Justiça deferiu as petições de habcas corpus e número das ainda pendentes, com indicação dos números dos respectivos de umas e outras».
«Desejando apreciar a marcha dos processos perante a Política Judiciária e especialmente a relevância das providências tomadas em 1954 pelo Ministro
Prof. Doutor Cavaleiro de Ferreira, em ordem a abreviar o seu andamento, requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecido o mapa anual do movimento de processos relativo a 1954 nas Polícias Judiciárias de Lisboa, Porto e Coimbra, para o deu confronto com o de 1953, que já passou.
Em referência aos processos arquivados, deve a informação indicar, em complemento, quantos o foram em 1953 e1954 com fundamento na prescrição, especificando-se o número dos que já estavam prescritos antes da denúncia ou participação».
Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Respeitantes ao continente:
1.º Produção, nos últimos cinco anos, de leite, manteiga, queijo e outros lacticínios, por distritos;
2.º Quantidades consumidas no País e exportadas, com a indicação do seu destino;
3.º Preços oficiais, máximos e mínimos, fixados para a manteiga;
4.º Possíveis esclarecimentos sobre a quantidade de leite distribuído em natureza.
b) Respeitantes às ilhas adjacentes:
1.º Idênticos elementos aos requeridos para o continente, por ilha;
2.º Número de cabeças de gado bovino existentes nos últimos cinco anos em cada ilha o número das que foram exportadas;
3.º Cópias de estudos, relatórios ou despachos que servem de base para a fixação dos preços do pão e açúcar naquelas ilhas, designadamente na do distrito da Horta».
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª me fosse concedida a palavra a um de formular um requerimento, que encerra um pedido de informações, de que tenho necessidade para orientar a minha acção futura acerca de um problema de máximo interesse nacional: o problema da siderurgia. Mas permita que antes de o formular dê a indicação dos nossos mais importantes jazigos de ferro espalhados de norte a sul do País.
Assim, existem:
Na zona norte: as magnetites, donde se extrai ferro da mais fina qualidade (fórmula química representada por O´ F´), cujas reservas certas, prováveis e possíveis estão computadas em 16 000 000 t e se encontram situadas em Vila Cova.
As hematites, jazigos calculados em 500 000 000 t e sendo 450 000 000 t na serra do Reboredo e 50 000 000 no Cabeço da Mua, um e outro do concelho de Moncorvo. Estes são, de longe, os mais abundantes jazigos do País, com uma valorização muito superior à soma de todos os outros.
As limonites à superfície (óxido de ferro hidratado, da fórmula 20ª Fe2, 3 OH2} e siderites em profundidade (C02 Fe), situados em Guadramil, no extremo noroeste do distrito de Bragança.
Vejamos agora a existência de minério no Sul do País:
As magnetites de Évora e de Beja, concelhos de Moura, Serpa, Ferreira do Alentejo, etc., jazigos cujas reservas poderão somar 4 500000 000 t.
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Os jazigos de ferro manganês de Odemira-Cercal.
A faixa piritosa do Alentejo, estendendo-se de Mértola a Alcácer do Sal, faixa com cerca de 20 km de largura, tendo as mais importantes minas em S. Domingos, Aljustrel e serra da Caveira.
A faixa de pirites cupríferas, exploradas para a obtenção do cobre, com oficinas em S. Domingos (fórmula Sa Fe), e de cujas escórias se extrairá depois o ferro.
As calcapirites (S.º Cu.Fe) que contêm grande quantidade de cobre e boa reserva de ferro.
Diremos, em resumo, que para o fabrico de ferro possuímos minério, energia eléctrica, castinas ou calcários, na Estremadura e em Trás-os-Montes, muito possivelmente no Marão, e redutores, carvão e madeiras, posto que em quantidade julgada insuficiente, em S. Pedro da Cova, Pejão, cabo Mondego e Torres Vedras.
Ora, Sr. Presidente, na suposição de que ainda, não esteja definitivamente decidida a instalação da siderurgia nacional junto de Matosinhos, que julgo oferecer as maiores vantagens, e aventando-se a hipótese de vira ser instalada no Sul, do que inteiramente discordamos; tendo em consideração a importância fundamental da localização da indústria, que se fará sentir pesadamente sobre o custo do produto acabado, e convindo evitar a repetição de erros cometidos noutros ramos industriais em matéria de localização:
Requeiro que, pelo Ministério da Economia:
1.º Me sejam fornecidos elementos acerca das matérias primas a empregar no fabrico do ferro e seu custo de transporte, desde a origem até Leixões e até Lisboa;
2.º Que me seja indicada qual a superfície a ocupar necessária para as instalações ria siderurgia c da medida em que os preços do terreno, da energia eléctrica, dos redutores, da água, dos cais de acostagem, ele, podem influir sobre o custo de produção do ferro num e noutro local;
3.º Quais as possibilidades técnicos de atenuação ou de eliminação dos fumos e das poeiras e o custo dessas operações;
4.º E, finalmente, tendo em consideração todos estes factores, a indicação, tanto quanto possível exacta, do custo da tonelada de ferro na hipótese de a indústria de siderurgia vir a ser instalada junto de Matosinhos ou em Setúbal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: as graves calamidades públicas, que ocorrem muitas vezes em tempo de paz, e bem assim as consequências terríveis que podem resultar para as populações civis de perturbações imprevisíveis da mesma paz na harmonia das nações, têm conduzido os governos a tomar medidas e a promover a organização da sua defesa civil.
Por o seu campo 'de acção ser vasto e complexo é que, na sua estruturação, devem ser considerados não só os serviços públicos do Estado, dependentes de vários órgãos da Administração, como ainda instituições humanitárias de carácter oficial, e até mesmo de carácter privado, que possam contribuir para os mesmos fins de interesse nacional.
Por outro lado, a defesa civil, interessando ao todo da Nação, interessa a cada cidadão individualmente, constituindo, por isso, fundamentado interesse da colectividade.
O Governo Português, ciente, destes princípios e da alta finalidade patriótica de que deve ser animada uma organização deste género, confiou-a à Legião Portuguesa.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Na recente visita que fez ao nosso país, o conselheiro da defesa civil da O. T. A. N.. Sir John Hodsoll, proferiu palavras do melhor apreço por aquilo que está feito e tem sido feito por nós, dentro das possibilidades que- neste campo têm sido concedidas àquela organização.
É porém, evidente que muitos problemas inerentes à defesa civil não estão na alçada exclusiva daquela organização.
Assim, oportunamente, ao tratar nesta Assembleia dos problemas do trânsito na cidade de Lisboa, chamei a atenção pública para a necessidade da construção dos túneis rodoviários, já previstos e estudados, e que, com ampla utilização de tempo de paz, poderiam constituir abrigos públicos em caso de alteração da mesma paz.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Por outro lado, no domínio da construção civil, é aflitivo ver levantar edificações novas na capital sem que sejam obrigados os seus construtores a adaptarem as caves às condições necessárias para satisfazerem aos princípios do abrigo doméstico. Com uma despesa mínima satisfar-se-ia um problema importantíssimo, que apenas visa à protecção de vidas, e que, de outro modo, amanhã não será possível encarar de improviso.
Vozes : - Muito bem !
O Orador : - Prova-se, pois, que o assunto está longe, nos seus vários campos, de se considerar suficiente e completamente organizado; e, porque oferece o maior interesse nacional, exigindo a melhor colaboração do todos, só me não disponho agora tratá-lo, em aviso prévio, por nos encontrarmos no fecho deste período parlamentar. Reservo-me, porém, para o fazer na reabertura da Assembleia, se verificar que as razões que me levam hoje a levantar a voz se continuam a verificar.
O meu fim, hoje, é exclusivamente o de chamar a atenção do Governo para o assunto e sugerir-lhe apenas
1.º A incentivação da organização da defesa civil nos termos gerais da Organização do Tratado do Atlântico Norte, dispensando-lhe as facilidades e meios necessários;
3.º A conveniência de promulgar as leis que sobre o assunto devem regular as obrigações gerais dos cidadãos, corporações, serviços públicos autarquias e empresas privadas, e bem assim a coordenação a fixar entre eles para perfeito rendimento do fim em vista ;
3.º A necessidade de impulsionar na capital construção dos túneis rodoviários que podem servir de abrigos públicos, e bem assim a impor à construção civil de Lisboa e Porto, regras obrigatórias relativas ao aproveitamento das caves dos edifícios, de modo a estas satisfazerem como abrigos domésticos.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: era minha intenção, desde o começo da presente sessão legisl
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tiva, ocupar-me do problema do chamado «regime cerealífero», para o que pedi, e obteve em Outubro findo, o relatório da comissão nomeada para o seu estudo por portaria de 9 de Março de 1954.
Todavia, a circunstância de o nosso colega Prof. Pinto Barriga ter anunciado que iria ocupar-se do problema em aviso prévio fez com que me decidisse a aguardar esse ensejo.
Dado, porém, que estamos a dois dias do encerramento dos trabalhos, não sendo já possível efectuar-se agora o aviso prévio e não desejando deixar de fazer algumas considerações sobre este grave (problema, antes de vir a ser promulgado novo regime, permito-me, com vénia do Prof. Pinto Barriga, referir-me desde já aos aspectos anais salientes desta questão.
A primeira coisa que impressiona qualquer pessoa que se debruce sobre o problema é a falta de uma directriz clara, lógica, permanente depois de remendos sucessivos, da alteração do condicionalismo, da inadaptação doa meios aos objectivos iniciais.
A economia da «guerra, com as suas necessidades, impôs medidas de emergência, que, nalguns casos, parecem haver-se institucionalizado, com. graves- prejuízos para o País e marcado desprestígio para o sistema antes montado, que não pode ser responsabilizado pelas desvirtuações, os usos ou abusos que dele se têm feito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O pior é que da persistência do erro resultaram já inconvenientes impossíveis de remediar ou, pelo menos, só lenta e dificilmente remediáveis, inconvenientes que tomam cada vez mais difícil sanear a situação e restruturar firmemente o problema.
Sr. Presidente: o regime cerealífero restringe-se ao regime do pão de trigo. Daí parecer que a política do pão é a política do trigo, que se entende possível, não obstante o crescente aumento do consumo de trigo em relação aos outros cereais panificáveis, que se considera possível resolver o problema do pão para os portugueses através do trigo. Todavia, a política- de incorporação de outros cereais1, que atingiu perto de 20 por cento em 1950-1951, e o aumento da extracção, em relação à praticada antes da guerra, que representou cerca de 2,5 por cento naquela campanha, e, no mesmo sentido, a garantia de preços unitários relativos1 mais. favoráveis para o milho e centeio do que para o trigo, e portanto de fomento indirecto destes cereais, fazem crer que o objectivo é diferente, a orientação diversa.
Qual será, pois, neste emaranhado de medidas díspares nas intenções e nos efeitos 01 verdadeiro1 objectivo, a verdadeira política do pão?
Poderá, acaso, pensar-se, como talvez tenha chegado a supor-se quando se estabeleceram primeiro regimes proteccionistas e depois preços de autêntico fomento para a cultura do trigo, que poderemos alguma vez resolver o problema do pão nacional com base no pão de trigo?
(Creio ser esta a primeira questão, que importa definir com clareza, para que se possa seguir uma orientação clara, harmónica, firme, que os interesses deste ou daquele interveniente não possam desvirtuar nem comprometer.
Para mim - e não estou certamente em má companhia - a política do pão não pode ser a política do trigo e a política do trigo não pode menosprezar realidades técnicas, nem. ignorar as terríveis consequências do alargamento da cultura a regiões onde nunca deveria pensar-se em que pudesse ser feita, pondo em causa a riqueza futura da terra portuguesa.
Todavia, rodam os anos e nem se atalha o anal nem se toma uma decisão clara.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O pão nacional terá de ser simultaneamente o pão de milho, de centeio, de trigo e, porventura, de outros produtos; se quisermos que seja fundamentalmente nosso, terá de ser talvez menos de trigo do que é hoje.
Sei bem que a dietética aconselha a substituição do pão de milho e de centeio pelo trigo, mas sei também que estamos muito longe de ter uma situação alimentar que nos permita considerar esse aspecto como essencial e imediato. O problema do pão, para ser do pão nacional, terá de assentar por muito tempo no pão de milho e de centeio, ao lado do pão de trigo com incorporação daqueles cereais e talvez até de féculas e amidos de outra natureza.
É, pois, dentro desta orientação que vou analisar alguns aspectos do problema.
É dentro desta orientação que desejo acentuar que considero a política de bónus de adubos, iniciada timidamente em 1937 e sucessivamente alargada nos anos seguintes até ao (último, como uma política séria, do maior alcance, tanto no que respeita à melhoria das condições técnicas e económicas de exploração como susceptível de promover a intensificação cultural. Política que, em vez de ser restringida - a redução de bónus a partir de 1 de Março do ano passado deve constituir um ónus de cerca de 50 000 contos por ano -, tudo aconselha que se intensifique. (Política que não deve dirigir-se apenas à triticultura, mas a todas as culturas, não menos carecidas de protecção, algumas bem mais pobres que a do trigo. É esta, segundo penso, a orientação que se insere no quadro de uma política de intensificação cultural, que por coincidência pouco antes fora proclamada. É esta, indiscutivelmente, a orientação que pode conduzir a um aumento de produção unitária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que a bonificação efectuada não foi nunca equilibrada, nem técnica nem economicamente. Durante anos conduziu a um fomento desproporcionado dos superfosfatos, em detrimento dos azotados e dos potássicos, a um desequilíbrio no consumo de adubos fosfatados, exactamente aqueles de que, desde sempre, se abusou nas adubações correntes. A necessidade de alterar esta situação era evidente; porém, não me parece que, se outras razões não houvera, fosse solução mais adequada, agravar, pura e simplesmente, os preços dos superfosfatos e nitratos, mas outrossim reduzir os dos potássicos e azotados ou, pelo menos, não alterar a economia do sistema com um ao agravamento que já tem significado para uma lavoura nada próspera.
De resto, se estava dentro das intenções do Governo elevar o preço do trigo para compensar a triticultura do agravamento determinado, solução que, não tendo sido adoptada, custou à lavoura mais de 100 000 contos, que custou mais à pequena exploração, à agricultura intensiva, do que à grande cultura extensiva, que utiliza menos quantidade de adubos por hectare, porque não se atendeu a diferença de situações e se não procurou defender a sorte daqueles que, talvez por terem maiores preocupações sociais ou serem mais modestos no pedir, nunca se manifestaram contra as medidas que a grande lavoura, por si só, rejeitou?
A pequena exploração, a agricultura nortenha foi, pois, a que suportou a maior parte do agravamento,
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embora fosse também aquela que, por ser modesta, não teria recusado, antes agradeceria, que lhe tivessem dado qualquer compensação, ainda que pequena, no preços do trigo, até porque não poderia deixar de ser acompanhada de uma melhoria paralela nos preços do milho e centeio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esclarecido este ponto, vejamos como a política do pão contrairia u orientação preconizada de persistência do consumo de pão de milho e de centeio. Os preços artificiais estabelecidos para as farinhas espoadas de tipo torrente fazem com que farinhas idênticas obtidas a partir das ramas saiam a preço mais elevado.
Por outro lado, a, taxa de panificação estabelecida para as padarias de ramas d
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas há ainda um outro aspecto do problema u que desejava referir-me: o do regime de distribuição de farinhas.
Até no período de economia de guerra, o industrial do panificação tinha liberdade de escolher o seu fornecedor. Depois entrou-se em regime de condicionamento total, e em consequência cessou toda a liberdade de escolha. Quando terminaram as restrições impostas pela escassez, parece que deveria voltar-se ao mesmo sistema. Não aconteceu assim. Foram cessando todas as restrições, mas persistiu uma: a distribuição obrigatória das farinhas nos industriais de panificação.
O Sr. Pinto Barriga: - Felicito V. Ex." pela sua magnífica intervenção, mas a verdade é que V. Ex.ª não consegue que oficialmente seja explicada a posição do Instituto Nacional do Pão em relação a este problema. Tenho tentado obter dados oficiais, mas ainda não consegui que me dessem a explicação desse fenómeno, mais financeiro do que económico!
O Orador: - Confesso que não a procurei.
O Sr. Pinto Barriga: - Pela minha, parte tenho-a procurado instantemente, mas ainda não a. obtive . . .
O Orador: - A Federação Nacional dos Industriais de .Moagem soubera antecipar-se à extinção de uma restrição que só não justificava, estabelecendo, a exemplo do que se passa com os trigos, um sistema de compensação de fretes de farinha, para defender, por esse lado, a persistência de uma situação que. SP interessa realmente à moagem de espoadas, não convém a mais ninguém e é lesiva do superior interesse do País.
Conheço todos os argumentos usados para justificar a. permanência deste sistema, sei também não serem inteiramente justas algum a>s críticas que se lhe fazem e ainda não darem os industriais de panificação todas as razões por que pretendem a extinção desta sobrevivência. Mas é com este conhecimento que sustento não ser admissível, nem moral nem econòmicamente, a continuação do actual estado de coisas, que tem como consequência o desinteresso pela qualidade das farinhas fabricadas, o estrangulamento industrial, a possibilidade de, com relativa impunidade, ultrapassarem em proveito próprio as taxas de extracção e certas regras técnicas de produção, apesar de todas as fiscalizações, que tem como resultado piorar a qualidade do pão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E tanto é assim que se tem procurado, por medidas de vária ordem, medidas onerosas para n equilíbrio do sistema, contrariar a tendência para a má qualidade das farinhas e do pão. E tanto a situação é insustentável que, ainda recentemente, pelo Decreto-Lei n.º 40 083, se procurou dar satisfação a algumas reclamações apresentadas pêlos industriais de panificação, no que respeita à qualidade das farinhas que lhes são distribuídas. Cuido, porém, que a solução adoptada não i era senão efeitos formais, não permitindo, de facto, resolver o problema que só é solúvel pelo regresso à indispensável liberdade de escolha do fornecedor.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A liberdade de o industrial de panificação escolher o fornecedor trará como resultado imediato a melhoria da qualidade cias farinhas e, por acréscimo, do pão, restabelecerá uma concorrência salutar v o estímulo do progresso industrial fará reverter para a economia do sistema e puro. o consumidor aquilo que hoje constitui margem de uso e abuso de uma actividade enquistada, liara a qual o interesse em produzir melhor foi substituído pela conveniência em fabricar pior.
Vozes: - Muito bem I
U Orador: - A solução deste problema urge!, até porque é indispensável o Estado mostrar que ó independente perante os interesses, mesmo quando nesses interesses está também o seu.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: julgo ter apresentado algumas das contradições cm (pie o actual regime cerealífero se debate, alguns dos aspectos em que os efeitos são díspares, as medidas incongruentes, em problema de tanta importância para o País e para a sua independência económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Urge! rever este emaranhado, definir uma orientação e prosseguir com firmeza uma política harmónica e coerente.
O que se está a passar com o autêntico fomento de consumo de espoadas nem é conforme com o interesse do País nem pode conduzir a bom porto.
O Sr. Almeida Garrett: - Nem é sanitariamente aconselhável.
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O Orador: - A situação de privilégio em que se encontra a moagem de espoadas de trigo não se justifica nem pelo necessário equilíbrio de interesses nem pelas conveniências do consumo público e ainda monos pela economia do sistema.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Urge acabar com sobrevivências de economia de penúria, que, nada justificando, acarretam prejuízos evidentes e até mal-estar.
O Sr. Pinto Barriga: - Penúria de taxas . . .
O Orador:- E com unia palavra de louvor para o trabalho da comissão nomeada para o estudo do regime cerealífero, para o trabalho de alto valor que produziu e honra os técnicos que o subscreveram, termino confiado em que o Governo possa aproveitá-lo no próximo regime cerealífero, como convém ao justo equilíbrio de interesses, às conveniências dos consumidores e ao País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: o assunto d B que neste momento me ocupo constitui um problema que até ao dia de hoje tem estado sempre tragicamente na ordem do dia e para o qual dentro em breve passará a estar dentro da ordem do dia um novo sul prometedor.
E necessário que em Portugal também, tanto para pobres como para ricos, este sol possa igualmente ser para todos.
Refiro-me ao problema da paralisia infantil. Este grave problema encontrou agora uma forma, de solução. E é necessário pugnar por que esta solução possa, beneficiar o País inteiro, proporcionando as maiores facilidades no seu aproveitamento e impedindo todas as dificuldades capazes de se oporem à sua utilização por toda a gente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A descoberta de Salk realizou a primeira defesa que até hoje se encontrou para uma doença que, mais do que nenhuma das doenças existentes, necessitava ria. descoberta duma vacina. E mais do que nenhuma, podemos afirmá-lo, porque nenhuma outra doença se reveste, como esta, da impossibilidade dum diagnóstico feito a tempo de evitar os terríveis prejuízos.
Na realidade, fora- do campo da paralisia infantil, todo o clínico pode dizer que o seu doente tem uma determinada, doença. Porém, .no caso da poliomielite, o clínico apenas pode verificar que o enfermo teve uma doença, .porque a paralisia não é uma doença: é o estrago que ela produziu.
Quando o diagnóstico chega, a doença já passou. E os estragos que produziu, salvo raríssimos casos, são quase sempre, pelo menos parcialmente, irremediáveis, quando não fatais.
Todos os nossos jornais deram notícias, postas em grande relevo, do êxito obtido com a vacina de Salk. Esse grande relevo que todos «s jornais lhe deram mostra quanto a doença é. infelizmente, vulgar entre nós e como impressiona os espíritos o verificar as inutilizações mais ou menos profundas que ela deixa atrás de si.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Será na realidade a paralisia infantil uma doença tão frequente entre nós que mereça o alto interesse com que a opinião pública reagiu à descoberta da vacina, e com o qual de alguns anos para cá vem seguindo a marcha das tentativas realizadas para criar uma. defesa contra os seus ataque»?
Vejamos:
Os números estatísticos obtidos pelo Dr. Almeida e Sá através dos elementos fornecidos pela Direcção-Geral de Saúde estão muito longe de. nos darem a nota real da frequência da poliomielite em Portugal. E o Dr. Almeida e Sá um médico altamente especializado nu estudo desta doença e na fisioterapia das paralisias que ela provoca.
Os seus estudos, comunicados em vários congressos internacionais, e particularmente o que apresentou na 3.ª Conferência Internacional da Poliomielite, celebrada em Roma em Setembro passado, de há muito vêm honrando a participação dos portugueses nos meios científicos estrangeiros, sendo recebidos com significativo aplauso e apreciados nos mais expressivos termos pêlos principais cientistas da paralisia infantil. E vão sendo publicados em várias línguas, em algumas das mais importantes revistas médicas do estrangeiro.
As suas observações revestem-se pois, de autorizada importância, tanto mais que o seu conhecimento da doença não se limita ao campo científico, exclusivamente técnico da medicina; abrange o conhecimento social do problema e firma-se uma prática intensiva de longos anos. Pois bem! Pôde assim verificar que, de entre os numerosos doentes que de todo o País lhe .são enviados para tratamento, não se encontravam notificados na Direcção-Geral de Saúde senão 12 por cento! Não tinham, sido comunicados àquela Direcção-Geral nada menos de 88 por cento!
Necessário se tornava, pois, aplicar um factor de correcção nos números insuficientes das notificações oficiais. E assim chegou à conclusão de que nos últimos decénios a média anual dos doentes devia atingir um número de casos não inferior a 1020, oscilando entre este número e o de 1445.
Porém, este número refere-se apenas à metrópole. E devemos ter presente que a doença existe em todo o ultramar, sendo particularmente- intensa em Angola, onde nos últimos tempos houve - dois surtos epidémicos de alta gravidade. Entretanto, o inúmero de 1440 doentes por ano só na metrópole representa no decorrer das gerações um número importante: cerca de 14 500 indivíduos inutilizados- ou fisicamente diminuídos em cada dez anos. fora os casos de morte, que puderemos considerar fatal nas formas bulhares.
As paralisias desta doença tornam-na particularmente grave do ponto de vista da economia do trabalho; a estes números já são mais do que suficientes para justificar uma larga utilização da vacina entre nós.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ë para solicitar todas as facilidades i RI sua aquisição i: emprego que dirijo o meu apelo às Ires altas entidades de que mais proximamente dependem as possibilidades de uma larga acção na defesa da saúde do povo português. Refiro-me a S. Ex.ª o Ministro do Interior. Sr. Dr. Trigo de Negreiros, a cujo interesse e rara competência em tudo o que respeita à acção social ida medicina deve o País tão grandes benefícios, bem como a S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Assistência, Sr. Dr. José Guilherme de Melo e Castro, que todos mis aprendemos a apreciar e considerar em largos anos de convívio nesta Assembleia, o ainda a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento
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Rodrigues, cuja acção e competência neste mesmo campo se tornaram sobremodo notáveis e eficientes na obra realizada no seu governo da Guiné.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E se hoje me sinto no dever de chamar a atenção de SS. Ex.ª para este problema é porque, além das .razões óbvias de ordem geral, encontro motivos cie pormenor que me levam u fazê-lo, como adiante exporei.
Antes disso, porém, e para 4111: W. Ex.as possam formar ideia do. valor desta vacina como preventivo eficaz nu defesa das nossas- crianças, e, portanto, do seu valor suciai, exporei algumas rápidas notas relativas ao conhecimento actual da sua capacidade de imunização. Não estando a falar pura médicos, fugirei quanto possível a apresentar o problema do ponto do vista técnico, limitando-me neste aspecto àquela medida em que as pessoas que não silo médicas necessitam de esclarecer a sua consciência para poderem ajuizar, com suficiente critério, sobre o valor social desta vacina.
As observações feitas em regime experimental para o estudo da sua eficácia e tolerabilidade incidiram sobre 880 000 crianças. Notem VV. Ex.as que as vacinações foram feitas, o tem continuado a sê-lo, em número incomparavelmente superior. Os números que indico referem-se às crianças sobre as quais se efectuaram estudos cuidadosos e repetidos.
Destas 880 000 crianças 440 000 foram vacinadas com a vacina de Salk. As outras 440 000 foram injectadas com uma substância inerte, designada por «Placebo», e. destinavam-se a servir de testemunho para os estudos comparativos.
Nas 440 000 vacinadas só houve 33 casos de doença. Porém, mesmo dentro deste diminuto número, só 8 haviam recebido a vacinação completa. Havia 25 crianças cuja vacinação tinha sido. insuficiente, porque só tinham recebido duas injecções, em vez das três necessárias.
Nas outras 440 000 crianças falsamente vacinadas verificaram-se 115 casos de paralisia infantil. E em confronto com estas notou-se que nas crianças do primeiro grupo que tinham ficado indemnes à invasão do vírus a doença se. havia manifestado em formas atenuadas e fie mais fácil recuperação. Por outro lado, as reacções u vacina de Salk mostravam-se insignificantes e em pequeníssimo número: 4 por mil.
O número diminuto se - casos de não imunidade em relação ao número total de vacinações é de 0,75 por mil. Porém, o poder de imunização está longe de atingir este valor. Ë necessário atender a que muitos dos vacinados nunca viriam a ser atingidos pela doença. A percentagem tem de ser avaliada em face das pesquisas de anticorpos e determinação dum número de eficiência no sangue.
O valor imunitário calculado desta fornia por Thomas Francis foi avaliado entre 80 e 90 por cento ao fim de dois anos e meio.
Não devemos admirar-nos de que a vacina não atinja o valor de 100 por cento. Isto não acontece com vacina nenhuma existente. Nem mesmo com a vacina antivariólica, não obstante ser esta, - entre todas as vacinas, a que possui o mais alto coeficiente de imunização. Há mesmo crianças cujo sangue, por defeito congénito, é incapaz de gerar anticorpos soja com que vacina for.
Devemos ainda notar que o valor de imunidade apontado se refere, a todos os tipos de poliomielite, tanto bulbar como medular, que é o tipo mais comum entre nós. E que sendo o tipo medular o mais grave, quase sempre mortal, é justamente aquele tipo em que a acção imunitária se revela de maior valor.
O alto valor imunitário desta vacina de Salk foi o resultado da descoberta de Euders, Prémio Nobel de Medicina, o qual no Congresso de Copenhaga, em .1951, revelou o êxito das suas experiências no sentido de cultivar os vírus da poliomielite «;m tecidos não nervosos (e por isso não perigosos) e in vitro.
Será esta a ultima palavra da vacina antipoliomielítica? Pode ser que não. Outros virulogistas trabalham em vacinas diferentes, nomeadamente Sabin, que procurou substituir os bacilos mortos da vacina de - Salk por bacilos vivos tornados apatogénicos à semelhança do B. C. G. para a tuberculose.
Seja como for, o certo é que a humanidade, não pode estar à espera da última forma, quando já existe uma vacina fabricada e comercializada e em condições de realizar uniu defesa altamente eficaz. Há que adoptar esta imediatamente, cunhara mais tardo a venhamos a substituir por outra que se revele mais vantajosa.
Ë justamente a comercialização ou fornecimento desta vacina que eu tenho estado a visar ao expor estas considerações preambulares tendentes a justificar o meu voto por uma aquisição breve em larga escala para o nosso país. É que essa larga escrita só pode ser atingida com uma comercialização que a ponha ao alcance, de todas as bolsas, inclusivamente com uma participação do Estado no pagamento de uma parte das ampolas destinadas à venda ao público. Esta participação do Estado podará ainda tornar-se mais valiosa se for reforça-la por uma larga campanha tendente à maior divulgação do seu uso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nos listados Unidos da América, a National Foumdation for Infantil Paralysis auxiliou as investigações, pagando 1 dólar por cada vacinação experimental, isto é, 1 dólar por cada três ampolas de 1 cm^3 de vacina; e estipulou o preço de 6 dólares para a revenda ao público. Quer dizer: neste preço de 6 dólares, ou sejam aproximadamente 174$. estão incluídos todos os lucros de fabrico e comercialização, considerando um lucro de 30 por cento para o revendedor.
Parece, pois, que ficaram suficientemente acautelados, como é necessário e justo, os imprescindíveis lucros de quem exerce a indispensável e utilíssima função pública de comerciante, que não pode deixar de ser eficazmente remunerada.
Porém, chegam-me informações, que reputo bem fundamentadas, de que o preço previsto para a venda em Portugal é de 240$. Ora, se o preço de venda na América é de 174$ inclui 30 por cento para o revendedor, isto significa que o preço de fornecimento pelo laboratório não pode ser superior, antes inferior, a 134$.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Bem sei que da América a Portugal há a contar com o valor do frete, c no nosso país com a importância dos direitos e lucro do importador. Há ainda a acrescentar a distribuição, portes de correio, impressos, etc. Tudo isto corresponde no preço indicado a um agravamento de cerca de 83 por cento. Não discuto a justeza das percentagens necessárias para todos os encargos que o fornecimento ao público comporta. Afigura-se-me, porém, que. só na rica América se estabelecem um preço máximo de venda ao público, num puís como o nosso, com um nível de vida muito inferior, o preço não poderá ser Ião sensivelmente superior. Desta maneira os benefícios da vacina
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seriam grandemente cerceados. O sol não poderia raiar para todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu bem sei que em boa verdade os preços não poderão deixar de ser mais caros, e que não é aos importadores e comerciantes que compete pagar os benefícios públicos à custa dos seus legítimos ganhos. Porém, nestas condições, e atendendo a que se trata dum serviço público de altíssima importância para a Nação, parece-me que seria de considerar a revisão dos cálculos de venda e a isenção de direitos para estas vacinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta isenção não seria provavelmente mais do que temporária. Efectivamente, Portugal nomeou seu delegado o Prof. Manuel Pinto, da Escola de Medicina Tropical, que se tem especializado na virulogia, o qual se encontra nos Estados Unidos da América, subsidiado pela Organização Mundial de Saúde, para estudar com o Prof. Salk tudo quanto respeita à vacina contra a paralisia infantil.
É de esperar que depois da sua vinda o Governo promova a preparação da vacina entre nós, o que nos libertaria dos encargos da importação.
Já no Brasil o Deputado e jornalista Carlos de Lacerda apresentou na Câmara uma proposta para um crédito de 5 milhões de cruzeiros, destinado à fabricação da vacina no Instituto Osvaldo Cruz, que corresponde ao nosso Instituto Câmara Pestana. E propôs ainda um prémio de 2 milhões para o primeiro laboratório comercial brasileiro que apresentasse uma preparação absolutamente satisfatória. E ao mesmo tempo requeria isenção de direitos e as demais facilidades, particularmente cambiais, tendentes à diminuição do preço da vacina.
Pedindo a atenção do Governo para esta proposta apresentada na Câmara dos Deputados da grande nação do nosso sangue, confio no interesse tão eficaz e constantemente posto à prova pelos nossos estadistas por tudo quanto importa às necessidades vitais e à salvaguarda das futuras gerações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A solicitude e a atenção particularmente demonstradas por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior, por S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência e por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Ultramar por tudo quanto represente um benefício para a saúde do povo português, pugnando pela melhoria das condições físicas e sociais das gerações que se vão preparando para dar à Pátria o esforço de que ela necessita, são garantia segura de que as minhas palavras encontrarão nas suas inteligências e nas suas sensibilidades aquela ressonância de que a insuficiência da minha exposição tanto necessita.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vou submeter à apreciação da Câmara o pedido de autorização para o Chefe do Estado se ausentar do País, em visita oficial a Inglaterra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: no cumprimento do artigo 76.º da Constituição, é pedido o assentimento da Assembleia Nacional para o Chefe do Estado visitar a Inglaterra no corrente ano a convite da augusta soberana daquele país.
Se as disposições constitucionais são inspiradas na salvaguarda e defesa dos mais altos interesses políticos da Nação, não pode, neste caso concreto, deixar de considerar-se mera formalidade o voto desta Câmara.
Foi esta velha nação lusitana sempre dada à manutenção de boas relações de amizade com os outros povos, ao intercâmbio das ideias e, se com abnegação e heroísmo fundámos um grande império, todavia, mais pela persuasão e pelo convívio do que pela força levámos a toda a parte a cultura do Ocidente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vêm de longa data na História as representações e embaixadas que enviámos e mantivemos junto de príncipes e de governos e, em reciprocidade, nos honramos de as receber também, com a hospitalidade franca e sincera que sempre distinguiu a alma simples e aberta do nosso povo.
Dentro desta política tradicional de relação e de convívio, acaba de visitar-nos o Chefe do Estado do Brasil, tendo-se anunciado, quase simultaneamente com a sua chegada, a visita a Londres do Chefe do Estado da Nação Portuguesa, a convite da Rainha de Inglaterra.
Estou certo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que é com particular agrado e regozijo que a Assembleia Nacional dá o seu assentimento a esta viagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Liga-nos à Inglaterra unia aliança velha de séculos, firmada quando a Nação Portuguesa fechava um ciclo da sua história para abrir gloriosamente um ciclo novo na história do Mundo.
Decorreram anos e idades, formaram-se e desfizeram-se impérios e alianças, evoluíram as ideias e os conceitos que dominam a vida internacional, mas esta aliança permaneceu firme e inalterável por corresponder a exigências constantes e imutáveis do próprio equilíbrio europeu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Juntos e como aliados nos encontrámos em todas as emergências e circunstâncias em que se decidiu a sorte do Mundo, revelando o mesmo respeito pela liberdade, idêntico amor pela paz, igual interesse pela independência das comunidades políticas a que a História havia atribuído as características de verdadeiras nações.
E juntos nos encontrámos em todos os recantos da terra, dignificando e aproximando raças, mobilizando riquezas, formando a consciência de novas nações, em tarefas comuns e construtivas, que, honrando as duas pátrias, são, sobretudo, património e glória da mesma civilização.
A evolução da vida internacional não alterou nunca a validade e a força da aliança luso-britânica, apesar dos acordos e tratados que cada uma das nações aliadas foi separadamente chamada a celebrar.
O Império Britânico transformou-se praticamente numa comunidade de nações livres, ligadas pela força da tradição e pelo prestígio da coroa.
Quanto a Portugal, tornado independente o Brasil, mas mantidos os vínculos de raça, de cultura e de his-
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tória, uma outra comunidade, embora em bases diversas, se esboça e se define entre as duas nações irmãs.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mais recentemente houve necessidade de deslocar para o Atlântico o centro da zona de defesa ocidental e de mobilizar todos os recursos desta área para a preservação da paz. Este novo condicionalismo teve como consequência uma maior aproximação dos Estados Unidos da América com as nações ocidentais europeias, entre estas Portugal, que dispõe de posições vitais nas rotas do Atlântico. E ao mesmo objectivo de defesa ocidental, da civilização cristã, e dos seus valores espirituais, obedeceu uma política de íntimo entendimento entre Portugal e a Espanha, que com grande antecipação denunciaram os perigos materiais e ideológicos que ameaçavam a Europa e a própria estrutura das suas instituições.
Vozes: - Muito bem, bem bem!
O Orador: - Mas esta política de entendimento e amizade com nações afins da nossa, pela cultura e pela raça ou pela sua devoção à defesa de objectivos comuns, em nada diminui nem o valor nem as razões da aliança com a Inglaterra, que antes pelo contrário e pelas razões fundas e permanentes que tem na História, hoje, como sempre, outra vez se revigora e robusteça permite as novas Contingências da vida internacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Inglaterra não é apenas uma nação aliada. É também uma nação amiga, merecedora da nossa maior admiração pela firmeza e tenacidade com que procura, preservar a paz, defendendo os grandes ideais humanos da justiça e da liberdade conciliando, ao mesmo tempo, o respeito pelas instituições tradicionais, que fizeram a sua grandeza, com o progresso social, que é aspiração e anseio constante do seu povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vai o ilustre Chefe do Estado, cuja vida é um alto exemplo das mais nobres virtudes cívicas e militares e como supremo embaixador da Nação, levar até junto da Rainha de Inglaterra e do seu Governo os sentimentos de estima e solidariedade do nosso povo para com aquele país.
Não há nenhum português que não se regozije com esta viagem e não se orgulhe com o seu duplo significado. Porque, se o convite da Rainha de Inglaterra se integra numa política tradicional de cooperação e amizade, exprime ao mesmo tempo a situação de alto prestígio que Portugal conquistou no concerto geral das nações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Num mundo depauperado e dividido, conseguimos lançar sólidas bases de ressurgimento, empenhamo-nos afincadamente por elevar, na metrópole e no ultramar, o nível moral e material das populações que vivem na protecção da nossa bandeira e, no respeito absoluto pela palavra dada e pelos compromissos assumidos, fazemos parte da associação de povos que por entre todos os perigos, dificuldades e sacrifícios, procura assegurar a sobrevivência do mundo livre e, com ele, daqueles princípios aos quais, em mais de oito séculos de história, permanecemos inalteràvelmente fiéis.
Na ocasião em que a Assembleia Nacional, nos termos da Constituição, dá o seu assentimento à viagem do Chefe do Estado a Inglaterra, formulemos sinceros votos pelo seu êxito, envolvendo numa expressão de viva admiração e simpatia a grande nação britânica e ao mesmo tempo, a sua jovem e excelsa soberana, em cujo reinado desejamos ardentemente que realize todos os anseios que traz no pensamento e todas as esperanças que enchem o seu coração.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sebastião Ramires : - Sr. Presidente: Governo de Sua Majestade Britânica quis tomar para si a honrosa iniciativa de convidar S. Ex.ª Sr. Presidente da República para visitar oficialmente a grande capital do Reino Unido e da Comunidade no próximo Outono.
A este simples anúncio acodem ao nosso pensamento seis séculos de amizade e de solidariedade entre os dois povos que no grande rio da História entre interesses muitas vezes desencontrados, caminharam sempre a par, auxiliando-se nos tempos difíceis, respeitando-se nas horas fáceis, inalteràvelmente fiéis a um juramento de fidelidade que fizeram dois soberanos de espírito construtivo e aberto ao futuro, na era de Trezentos, como se traçassem uma longa rota a percorrer. É já longa a jornada desde as horas de ansiedade em que o mestre de Avis - o primeiro cavaleiro estrangeiro da Jarreteira - firmava em face de um inimigo poderoso de larga zona de incompreensão interna, a independência do Reino, até aos momentos da Flandres e dos Açores, que todos vivemos, juntos pelejaram em cem batalham, misturando as glória o sangue dos seus filhos, e juntos viveram as angústias das grandes incertezas levantadas pelas ambições dos estados rivais.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - É naturalmente para a velha aliança, a mais antiga do Mundo, como Churchill costuma dizer, que o nosso pensamento se volta a fixar-se na importância da visita que era termos sóbrios o Governo comunica à Assembleia.
A mocidade e força de que dá prova na sua perenidade é o mais saliente dos factos a sublinhar.
As encetar a caminhada do seu reinado, que a Deus para fazer longo, pacífico e venturoso, entre a justiça e a tolerância, no entendimento dos povos, a jovem Rainha do Reino Unido, chamando as nações amigas da turra, pôs Portugal entre as primeiras.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Não surpreende a atitude, mas nesta época de áspero egoísmo em que vivemos é impossível não nos regozijamos com ela, como símbolo de uma solidariedade que nada conseguiu diminuir.
Portugal afirma-se, assim, no primeiro plano internacional pelo reconhecimento solene da grande nação britânica.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É neste plano político que essencialmente a visita de S. Ex.ª o Presidente da República tem de ser considerada.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Estamos em face da proclamação categórica da solidariedade do Ocidente e, dentro dela,
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da afirmação da vontade de fazer perdurar os laços que unem os dois países, com a intensidade particular que resulta do conhecimento e do trato pessoal dos seus Chefes de Estado.
Voltada, para o futuro, a visita será assim a consagração da confiança criada pela política do passado.
De acordo com as obrigações contraídos dentro da N. A. T. O. pelos dois países em termos iguais, o Reino Unido e Portugal marcam, deste modo, uma zona particularmente intensa de relações. Não se pode descobrir entre elas contradição ou antinomia, pois que a N. A. T. O., sendo uma organização puramente defensiva do Ocidente, visa à manutenção da paz, e na aliança anglo-lusa o mesmo espírito defensivo domina há séculos e tem sido repetidamente provado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em tudo o que tem sido fundamental, os dois países têm-se encontrado juntos, a tal ponto que, quando se relê o artigo 1.° do Tratado de 1386, chegam a julgar-se proféticas as palavras com que os embaixadores de Ricardo II e de D. João II traçavam o seu propósito: «liga, amizade e confederação geral e perpétua».
E deve dizer-se que, vindo depois da visita feita pelo Sr. Presidente à, Espanha, vizinha e irmã, em 1953, e depois de termos recebido, vestindo as nossas melhores galas, o presidente dos Estados unidos do Brasil, cuja visita constituiu o encontro e o abraço fraterno dos dois ramos da raça, a visita a Londres servirá de auréola a um ciclo diplomático iniciado há muito pela acção pessoal e prestígio internacional do grande português e grande rei que se chamou D. Carlos e representa, a justa apoteose dos vinte e cinco anos de trabalho e de sacrifícios quo uma geração inteira, conduzida, pelo génio político de Salazar, dedicou à prosperidade, grandeza e à glória de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nestes termos, e em nome da vossa Comissão de Negócios Estrangeiros, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte
Proposta de resolução
«A Assembleia Nacional:
Informada pelo Governo do honroso convite dirigido a S. Ex.ª o Presidente da República por S. M. a Rainha Isabel do Reino Unido para uma visita a Londres no próximo Outono, da qual se esperam benéficos resultados para um melhor entendimento entre os dois povos e para o desenvolvimento das excelentes o seculares relações de amizade entre Portugal e a Grã-Bretanha:
Resolve dar o seu assentimento, como o Governo já deu, e de harmonia com o disposto no artigo 76.º da Constituição, à ausência para a Grã-Bretanha do Presidente da República no decurso do ano corrente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de resolução enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Sebastião Ramires.
Foi lida.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se esta proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Sebastião Ramires: - Peço a V. Ex.ª para ficar consignado no Diário das Sessões que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Ficará registado que ficou aprovada por unanimidade.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Continua a discussão das Contas Gerais do Estado de 1953.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: as considerações que me proponho fazer sobre as contas de 1953, submetidas à apresentação da Assembleia Nacional nos termos do n.º 3.º dos artigos 91.º e 171.º da Constituição Política, tem como principal fonte de informação, como é natural, o relatório e contas enviado a esta Assembleia pelo Governo e o parecer da nossa Comissão de Contas, de que foi ralator o Sr. Deputado Araújo Torreia.
Pena é que não tenhamos também como elemento de informação o relatório e decisão do Tribunal de Contas, previsto pelo n.º 3.º do artigo 91.° da Constituição, órgão estadual especialmente encarregado de apreciar a legalidade formal de aplicação das verbas orçamentais.
Não é que tenhamos dúvidas de que esta legalidade se verificará em relação às contas em apreciação, como sempre tem sido verificada quanto as dos anos anteriores: mas é que a sua presença neste momento seria mais um testemunho do perfeito e ordenado funcionamento da actividade financeira do Estado.
Temos como certo de que sobre elas recairá uma decisão geral de conformidade, tomada pelo Tribunal de Contas.
Sr. Presidente: há que registar com satisfação uma vez mais a pontualidade com que as contas vêm sendo apresentadas a esta Assembleia, depois que se restabeleceu a ordem nas finanças públicas, que foi ponto de partida para o período de renovação e progresso de toda a vida portuguesa.
Vêm as contas precedidas de lúcido e esclarecedor relatório do Sr. Ministro das Finanças, que com tanta galhardia mantém e robustece o alto nível criado neste sector da acção governativa pelos que nele o precederam.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Através dele se apreendem as linhas gerais de orientação da actividade financeira do Estado e a sua repercussão nos diversos sectores de toda a vida nacional.
Com vivo prazer verificados que o saber profundo em matéria económico-financeira do Deputado Águedo de Oliveira, tantas vezes revelado nesta Assembleia em intervenções brilhantes, se traduziu em magnificas realidades práticas quando chamado a ocupar lugar que impunha ajustada aplicação em benefício do bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: compete a esta Assembleia o julgamento político da aplicação que o Governo fez das receitas públicas que foi autorizado a realizar pela lei de Meios que discutimos e aprovámos.
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Por mais rigoroso que seja o critério que se ponha na base do julgamento das Contais Gerais do Estado, este não pode deixar de concluir por geral louvor à acção governativa, tão evidentes são os benefícios que dela resultaram para a vida da colectividade.
Por isso, creio que um voto de louvor deveria constituir a última alínea das «Bases de resolução» que o parecer da nossa Comissão das Contas Públicas nos submete à aprovação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Considero-o como acto de justiça e gratidão que ao povo português, que aqui representamos, se impõe praticar e não deve deixar de cumprir.
Sr. Presidente: o exame das Contas Gerais do Estado relativas ao ano económico de 1953 mostra que a receita ordinária cobrada satisfez inteiramente a despesa ordinária e encerrou-se a conta de gerência com o soldo positivo de mais de 80 000 contos.
Também os números mostram que as receitas ordinárias cobradas em 1953 excederam em 417 000 contos as cobradas em 1952, como estas tinham excedido em cerca de 280 000 contos as cobradas em 1951.
E o fenómeno dá-se sem que se tenham criado novos impostos nem agravado as taxas correspondentes.
Para esse aumento de receitas, em relação às de 1952, contribuíram os impostos directos gerais com 149 000 contos.
Por sua vez dos impostos indirectos cobraram-se menos 166 000 contos.
É assim, facto certo que as receitas ordinária vêm aumentando gradualmente, em sincronismo com o desenvolvimento da riqueza pública.
Sobre o fenómeno financeiro verificado escreveu o Sr. Ministro das Finanças no seu relatório:
Manteve-se a linha de orientação já expressa nos anos anteriores - moderação nos recursos aos tributos directos, peso pouco sensível dos impostos indirectos, justiça simples, desligação dos efeitos puramente conjecturais e flexibilidade apreciável o sistema, concebido como um todo e realizado com igual autoridade.
E no parecer escreveu-se sobre esta evolução das receitas ordinárias:
Com as limitações mencionadas acima, verificou-se que o volume destas receitas, quando expresso em escudos do ano, foi o mais alto até agora atingido (p. 23).
Noutro passo desse parecer diz-se:
Apesar das condições favoráveis do último quadriénio, para o desenvolvimento das receitas, quando se calculam em termos reais, fazendo intervir a população e os preços, não se notam progressos. Ora os rendimentos verificados pelo produto nacional bruto e balança de pagamentos devem ter aumentado bastante (p. 21V
Destes e doutros passos do relatório e parecer julgo poder-se concluir que estamos perante duas teses divergentes quanto a este aspecto da vida financeira, embora tal divergência seja mais aparente do que real.
Uma que preconiza se mantenha o actual sistema tributário, sem agravamento da carga tributária, porquanto ele se mostra com a flexibilidade necessária para fazer reverter para o Estado as receitas necessárias à satisfação dos seus atributos político-sociais.
Outra, inspirada pelo compreensível anseio que se criou nos portugueses de fazer «ninas e melhor», entende que há «insuficiências e anomalias do sistema tributário em vigor» e que se verifica a «necessidade de uma reforma que permita atingir com bem maior intensidade os rendimentos reais» (parecer, p. 30).
Esta segunda tese suponho se encontra concretizada na alínea f) das «Conclusões» do parecer, em que se diz:
Que se torna necessário, dados os encargos crescentes do Estado, promover o reforço das receita públicas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: para apreciar devidamente as teses referidas na sua essência e em toda a sua amplitude importa ter conhecimentos técnicos especiais, que inteiramente me faliam.
Mas, como simples observador e comparticipante da vida portuguesa, pode cada um de nós emitir juízo sobre o que parece mais ajustado às realidades da vila do País no momento actual.
Para se fazer justa apreciação das possibilidades de aumento das receitas públicas importaria ter presente quais os encargos que onerai a das diversas actividades passíveis de imposto, além dos impostos cobrados pelo Estado, e que constituem verdadeira carga tributária.
Quero referir-me aos chamados encargos sociais, como sejam as taxas para desemprego e para caixas de providência, quotas para grémios, para sindicatos, para Casas do Povo, etc., que em certas actividades económicas em muito sobrelevam os impostos a pagar ao Estado.
No entretanto, podemos testemunhar que muitas das actividades económicas sobre as quais incidem esses encargos denunciam a sobrecarga que eles representam e quanto tais encargos e impostos Contribuem para que essas actividades vejam aumentados umas os seus custos de produção - as produtoras e transformadoras - e outras - as distribuidoras - tenham de viver por vezes, de expedientes e artifícios, que redundam em prejuízo do consumidor e levam a subconsumos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acresce que a administração das metas produzidas por esses encargos está fora do âmbito da fiscalização pública, o que diminui as garantias de uma ajustada e útil aplicação para o progresso e bem-estar social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também outras actividades, designadamente algumas categorias exportadoras, acusam agravamentos de imposto de exportação que têm contribuído para dificultar as exportações, como acontece com o comércio de vinhos e aguardentes, que provocou ou, pelo menos, contribuiu para a perda quase total de alguns mercados.
As contas acusam, na verdade, em relação a 1952, uma diminuição de rendimento de impostos indirectos na exportação de vinhos e de vários géneros e mercadorias.
O parecer regista a baixa geral das exportações, quando diz:
Desceu e muito a tonelagem exportada, pois não passou de 1 805 000 t, contra 2 353 000 t em 1952 e cifra semelhante em 1951 ... A baixa no peso das exportações tem, por isso, aspectos sérios (p. 78).
Acresce, Sr. Presidente, que o desenvolvimento económico do País e consequente enriquecimento
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nacional é um facto real palpável e que a matéria colectável aumenta de ano para ano e mais se acentuará esse aumento quando terminar o período de isenção que acertada e justamente foi concedido a tantos investimentos, designadamente aos de indústrias novas, entre as quais sobressaem as indústrias-base, que serão no futuro apreciável fonte das receitas públicas. Estas e outras considerações de mais valia que poderiam aduzir-se me inclinam para a primeira tese: a enunciada pelo Sr. Ministro das Finanças, que preconiza se mantenha a linha de orientação já expressa nos anos anteriores - moderação no recurso aos tributos directos, peso pouco sensível dos impostos indirectos, etc.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Isto não significa que não dê o meu decidido aplauso ao que o Sr. Ministro das Finanças anuncia, no seu relatório como sendo o parecer da Comissão de Estudos e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal, sobre a necessidade de melhor sistematização de cada imposto de per si, aperfeiçoando a sua técnica jurídica.
Na verdade, Sr. Presidente, é necessidade imperiosa, para seguraiuça e tranquilidade do contribuinte, o aperfeiçoamento e simplificação do nosso direito fiscal, que hoje tem como fonte principal de interpretação e execução os circulares surdas, ignoradas não só do grande público, mas até dos profissionais do direito.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Também é de aplaudir e de solicitar que se torne breve realidade o mais que se preconiza nesse passo do relatório onde diz: «Devem, por outro lado, aproximar-se o mais possível da realidade os rendimentos colectáveis estabelecidos ou presumidos nas nossas leis. Torna-se recomendável, dentro desta orientação, cadastrar o País num período não muito longo e discriminar as empresas e sociedades de vulto sujeitas a tributação industrial dos contribuintes vulgares».
Na verdade, sente-se que se estão a dar certas acumulações de rendimentos e de capital que podem ser prejudiciais ao equilíbrio social.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E em face desta verificação ocorre perguntar se isso não resulta, em parte, de se ter feito por vezes mau uso da Lei do Condicionamento Industrial, conduzindo por um lado à concentração em mãos de poucos de determinadas modalidades industriais e contribuindo assim para retardar e atrofiar a transformação das correspondentes matérias-primas e para a estagnação e atraso da técnica fabril.
Não são raras as queixas que chegam até nós, pela função que desempenhamos nesta. Assembleia, contra o retardamento e denegação de alvarás em casos de manifesta, razão para seram obtidos, não só porque a respectiva actividade industrial comporta novas unidades, mas também porque da sua instalação resultaria reconhecido e acentuado benefício para a economia nacional.
Caso concreto e bem recente é o apontado quanto à indústria de penteação de lãs, em que a capacidade da indústria instalada se mostra insuficiente, fazendo aguardar por três e quatro meses a prestação dos serviços que lhe solicitam, o que leva alguns dos respectivos comerciantes a mandar para o estrangeiro este produto para ali sofrer a correspondente penteação.
Pois, apesar de tal se dar, não obtêm despacho requerimentos de alguns industriais para instalação do penteadeiras.
Assim, Sr. Presidente, coíbe-se indevidamente, a iniciativa individual, restringe-se o campo de colocação da mão-de-obra, não se deixa surgir nova matéria colectável, que consigo traria aumento das receitas públicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, neste momento de acréscimo de população, de clima de optimismo nacional sobre a nossa capacidade criadora e de possibilidades de progresso económico, a máquina burocrática tem de se integrar no ritmo de celeridade da vida moderna, de estimular a iniciativa individual e das novas forças económicas que surgem para a acção, e não ser fonte de obstrucionismo e de desânimo para os que pretendem criar riqueza.
No espírito de quem neste sector da vida pública deve decidir terá de estar sempre presente o aspecto social, que requer que se fomentem todas as iniciativas capazes de absorver mão-de-obra, para que todos quantos desejam trabalhar encontrem colocação e possam ganhar o pão de cada dia.
Só assim se coopera na obra de ressurgimento nacional e de progresso social em que há vinte e sete anos a esta parte estamos empenhados e já em muito temos realizado.
Assim se contribui também, apropriadamente, para o aumento das receitas públicas, necessário para que o Estado preencha os seus atributos político-sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, porque vem a propósito, quero aqui afirmar que o Estado, em matéria de criação de riqueza, tem posição bem marcada e definida. quando pelos seus órgãos superiores fomenta a instalação de indústrias novas, que satisfazendo fins económicos, simultâneamente realizam objectivos sociais.
Refiro-me ao impulsionamento e cooperação na instalação de indústrias-base que de todo não existiam no nosso país e que só devido à sua intervenção de criaram e estão já em funcionamento.
E para que se ajuíze do que elas representam para a nossa vida económica e social vou referir alguns números duma dessas indúitrias-base, que há cerca de três anos entrou em laboração.
Todas os números que vou indicar se referem só ao ano de 1954.
Essa indústria pagou:
Salários e ordenados ........... 4:723.915$00
Matérias-primas nacionais:
Pirites ........................ 3:714.447$00
Transporte de pirites .......... 3:333.800$00
Energia eléctrica .............. 13:593.269$00
Sacaria ........................ 4:211.834$00
Mercadoria produzida (que antes
totalmente se importava do
estrangeiro) ................... 51:939.065$00
O Sr. Deputado Botelho Moniz pode referir números idênticos ou de maior grandeza relativos a indústria da mesmo espécie e irmã gémea desta a que me reporto, em cuja administração ele coopera com tanta inteligência, e brio, que só se tornaram possíveis e só existem em Portugal porque o Estado Novo fomentou e possibilitou a sua criação.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Ao Sr. Presidente do Conselho será a mais agradável prenda que se lhe possa oferecer nesta data aqui revelar que só devido ao seu sacrifício e à dádiva que de todos estes vinte e sete anos de vida fez à Nação foi possível criar estas fontes de riqueza nacional e dar milhares de dias de trabalho a tantos técnicos diplomados com cursos superiores, a tantos operários especializados e não especializados, que, assim, puderam criar e manter lares onde o pão não falta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nesta ligeira divagação que fiz pelo capítulo das receitas públicas quero concluir que só considero legítimo na actual conjuntura económica o aumento das receitas públicas que resulte de uma mais perfeita valoração da matéria colectável, para que dessa revisão derive mais equitativa e justa distribuição do imposto, mais perfeita justiça distributiva, e não o aumento que se obtenha pelo agravamento das taxas das diversas modalidades tributárias ou pela criação de novos impostos.
Sr. Presidente: embrenhado neste caminho árduo da apreciação das contas para onde dirigi meus passos, não quero deixar de fazer também algumas ligeiras e por certo pouco bem alinhadas considerações sobre as despesas públicas.
Não apoiados.
Caminharei ainda orientado pelos dois guias que escolhi: o relatório do Sr. Ministro das Finanças e o parecer da Comissão de Contas - guias magníficos se eu pudera acompanhá-los devidamente.
É o momento de prestar a merecida homenagem ao ilustre relator do parecer, o nosso colega Araújo Correia.
O conjunto de pareceres, que pontualmente tem elaborado desde a primeira, sessão legislativa da Assembleia Nacional até hoje constitui repositório notável da nossa vida económico-financeira neste quarto de século, obra única, obra única, em que se exarou crítica construtiva, sugestões que aproveitaram, ensinamentos que esclareceram.
A sua utilidade não se confinará ao momento em que foram publicados. As gerações vindouras hão-de socorrer-se deles para a administração da coisa pública no futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eles atestam eloquentemente as excepcionais faculdades de inteligência, do trabalho persistente e ordenado que logo revelou no seu curso liceal, onde, como condiscípulo e por vezes companheiro de estudo, pude verificá-las, e agora aqui, com inefável prazer, dar delas testemunho.
Aceite o Deputado Araújo Correia a desluzida mas sincera homenagem que aqui me apraz prestar às suas altas qualidades morais e intelectuais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cumprido este grato dever, entro na apreciação das despesas públicas.
O exame das contas mostra-nos que as despesas públicas ordinárias, expressas em números absolutos, aumentam gradualmente de ano para ano, mas em ritmo de mais estreito compasso do que as correspondentes receitas ordinárias.
Daí verificar-se que boa parte das despesas extraordinárias são efectivadas com saldos de receitas ordinárias.
Creio que esta constatação, dado que as receitas ordinárias não têm excedido as possibilidades económicas da matéria colectável, é indício da sábia administração financeira do Estado.
Poderia dizer-se que tal orientação reverte em prejuízo dos objectivos, normais, permanentes, que ao Estado compete efectivar.
O Sr. Ministro das Finanças no seu referido relatório escreveu:
Com efeito, curtas dotações orçamentais, a despeito dos sucessivos aumentos e reforços, mostram-se ainda escassas para o pleno aproveitamento dos serviços públicos, designadamente nos sectores, que com frequência de apontam, da educação nacional, da assistência social e dos melhoramentos rurais.
E no parecer das contas escreveu-se:
É inevitável maior subida nas despesas ordinárias, porque ainda não foram satisfeitos muitos anseios e necessidades elementares, das populações e haver conveniência em alargar a obra político-social exigida pelo progresso moderno. De modo que continua a prevalecer a opinião da necessidade de reforçar as receitas.
Adiro incondicionalmente às palavras do parecer quando afirma que ainda não foram satisfeitos muitos anseios e necessidades elementares das populações.
Eu acrescentaria a esta afirmação: sobretudo das populações rurais. Na verdade, Sr. Presidente, quando olho para a aldeia em que nasci e onde me criei e verifico que naquele aglomerado populacional de mais de 1500 habitantes toda a água que cada um em sua casa consome é extraída a caldeira, de uma fonte única, aberta, não posso deixar de insistir em que os Poderes Públicos preencham estas necessidades elementares das populações rurais, mão se deixando seduzir apenas pelos projectos grandiosos de obras de vulto, daquelas que marcam e dão relevo pessoal.
E quantas aldeias não há ainda nestas condições em matéria do abastecimento de água!
Por isso seria de aconselhar que o Estado, mas comparticipações aos municípios, de preferência comparticipasse os projectos de melhoramentos rurais a levar a efeito nas aldeias, para não se confirmarem os melhoramentos realizados pelos dinheiros públicos às cidades e vilas, onde mais se vêem.
A despeito desta sombra que ainda se projéctil no quadro das nossas aldeias, há que dizer que a comparação entre o que elas eram há vinte e cinco anos e o que são hoje revela progressos notáveis e realizações em que então ninguém ousava pensar. Quam mutatus ab illo.
Assim nessa mesma minha aldeia foi implantado um magnífico novo edifício escolar; instalaram-se a luz eléctrica, os telefones e um posto médico; as ruas foram calcetadas a paralelepípedos a igreja renovada.
E «quem vê o seu povo vê mundo todo, diz o aforismo popular.
E verdade que os melhoramentos desta natureza se têm realizado pelas despesas extraordinárias, mas estas, como já se disse, fora em parte abertas pelos saldos das receitas ordinárias.
Seja como for, as nossas aldeias são o grande manancial da população produtiva e até das élites intelectuais, pelo que se impõe olhá-las com ternura e com o maior interesse.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim fazendo contribuir-se-á, além do mais, para, em parte, evitar o êxodo para as grandes cidades.
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Todos os melhoramentos que nelas se realizem são directamente reprodutivos.
A verdade é que não se terá aplicado à vida das nossas populações rurais, para melhoramento do seu nível de vida, a parte que justamente lhes compete das receitas públicas, como se verifica pelos números que neste capítulo nos fornece a conta de despesas públicas.
Por isso, com toda a razão e conhecimento das realidades, no parecer se escreveu, com referência a este aspecto da administração pública, sobre melhoramentos rurais:
Há melancolia, nos inúmeros quando se examinam as contas. Notou-se acima que no período de 1945-1953 o total comparticipado pelos serviços de urbanização se elevou a cerca de 1 150 668 contos.
Destes destinaram-se a estradas e caminhos vicinais apenas 288 428 e mais 33 716 para outras pequenas obras. Se forem comparadas com as verbas destinadas a estradas, da ordem dos 2 milhões de contos, em idêntico período, nota-se logo o desapego e desinteresse com que se tratam os pequenos aglomerados rurais.
Palavras estas que traduzem uma grande verdade e denunciam erro de orientação a corrigir.
Coincidem elas com as exaradas no relatório do Sr. Ministro das Finanças, já referidas, quando diz que se mostram escassas certas dotações orçamentais, designadamente nos sectores da assistência social e dos melhoramentos rurais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a assistência social às populações rurais, temos também de reconhecer que ela está longe, muito longe mesmo, do mínimo que é de desejar.
A maior parte das Ideias do País não tem assistência médica regular.
Os médicos municipais e os de pulso livre vivem normalmente na sede do município, por vezes a dezenas de quilómetros de algumas aldeias, e a remuneração aos médicos municipais não comporta para estes a possibilidade de visitarem semanalmente todas as aldeias.
Por outro lado, a economia da maior parte das populações rurais não permite que se chame o médico da vila logo que a doença se denuncia. E esta vai progredindo, agrava-se, alastra, se é de efeito contagioso, faz perder inúmeros dias de trabalho e acaba por vezes, e na melhor das hipóteses, por ir dar fundo no hospital concelhio, se este existe, ou noutro mais afastado.
E então essa doença, que podia ser debelada logo no início, esgota as economias familiares, se existem, e vem repercutir-se nas verbas destinadas à assistência pública.
Ora, Sr. Presidente, parece que é já tempo de obtemperar a estas deficiências.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Direcção-Geral da Assistência, em colaboração com os municípios, juntas de freguesia, Casas do Povo e outros organismos, pode resolver o problema.
Sabemos que não é possível criar um partido médico em cada aldeia.
Mas é possível realizar com os médicos municipais e os cie pulso livre contratos por força dos quais um médico vá fazer consultas nas aldeias, pelo menos, uma vez por semana.
Estabeleça-se por esses contratos uma remuneração condigna; instale-se em cada aldeia um rudimentar posto módico, com uma enfermeira permanente, que ajudará o médico e executará as suas instruções, para tratamento dos doentes no intervalo das consultas, e assim se prestará um alto benefício às populações rurais e u saúde pública e se diminuirá o afluxo de doentes aos hospitais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se diga que isto é uma utopia.
Hoje com estradas abertas como há através do País; com os rápidos meios de transporte acessíveis à economia do médico; com o inúmero de médicos existentes; com a acção das delegações de saúde distritais, que tão bons serviços estão prestando, a coisa é perfeitamente realizável, com menos custo para as finanças públicas do que o ide uma fortaleza voadora ou de um congresso internacional.
Daqui dirijo o meu apelo ao Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, que de maneira tão notavelmente acertada está marcando no alto lugar para que foi chamado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se pense, porém, que esta realização pode e deve ser levada a efeito, pelo que diz respeito a despesas, só pelas finanças municipais, já tão sobrecarregadas.
Sr. Presidente: ao apontar esta deficiência não quero nem devo deixar de referir o muito, o extraordinariamente muito que se tem feito em matéria de saúde e assistência pública.
Para tanto socorro-me, uma vez mais, das palavras do parecer:
Somando a despesa realizada por diversas rubricas dentro do Ministério com a saúde e assistência públicas, obtêm-se - 320 294 contos, que se podem comparar com os 90 992 contos gastos em 1941. Assim as melhorias nas verbas foram substanciais, até tendo em vista a desvalorização da moeda. Mas para avaliar o que se gasta com a saúde a assistência públicas há ainda a acrescentar outras verbas inscritas noutros Ministérios, como os do Exército, da Marinha, do Ultramar e da Educação Nacional.
Neste país tudo estava por fazer; e bem degradante seria hoje a nossa situação se a Revolução Nacional não tem vindo salvar-nos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para encerrar este passo das minhas considerações quero dizer que me sentiria particularmente feliz se no próximo ano, deste mesmo lugar, pudesse dirigir vibrantes saudações ao Governo por ter elaborado e posto em execução um plano, uma campanha de conjunto, em benefício das populações rurais, em que fossem contemplados os aspectos da saúde e assistência; os aspectos económicos, pelo fomento e protecção às indústrias domésticas e outras pequenas indústrias que foram desaparecendo dos meios rurais, por força e em benefício das concentrações industriais; os aspectos da instrução pública, designadamente o ensino técnico elementar, visto que o da instrução primária está sendo levado a efeito com a maior galhardia pelo Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional; o da assistência e colaboração técnica com a lavoura por parte dos serviços; o da construção e reparação de cami-
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nhos públicos vicinais, regularização de pequenos cursos de águas, combate a epizootias e a pragas florestais, tratamento de pomares, etc.
Então a vida rural tornar-se-á mais atraente, mais alegre e mais profícua para o bem-estar geral.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: termino aqui as minhas considerações, reconhecendo a verdade e justeza das «Conclusões» com que se encerra o relatório do Sr. Ministro das Finanças que serve de prefácio às Contas Gerais do Estado do ano económico de 1953 e dando a minha aprovação às bases de resolução que nos apresenta o parecer sobre as Concas Gerais do Estado de 1953.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: desejo, em primeiro lugar, exprimir, em breves palavras, o meu apreço pelo laborioso parecer sobre as Contas Gerais do Estado e a minha alta consideração pelo trabalho probo do seu ilustre autor.
É, na realidade, sempre agradável pronunciar palavras de justiça. £ julgo que são de inteira justiça as que se digam em louvor do ilustre economista que tem dedicado larga parcela da sua vida intelectual à análise de questões do maior interesse para a comunidade. Os seus doutos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado, apresentados com rara pontualidade, de há muitos anos a esta parte, reflectem bem esta nobre intenção. E quantas medidas de alto valor para a economia nacional não terão sido mesmo, nu realidade, inspiradas nos seus estudos e sensatas conclusões?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Continua o parecer relativo às Contas Gerais do Estado de 1953 a mesma orientação informativa vincada em anteriores trabalhos, orientação que podemos sintetizar nas seguintes palavras: análise pormenorizada de receitas e despesas públicas, com o objectivo de dar nota das possibilidades de acrescer o rendimento nacional, de melhorar a produtividade do trabalho nos vários sectores da actividade económica e de conseguir elementos, cada vez mais seguros, que possam constituir fundamento sério para a orientação de esforço fomentador que determine o aumento progressivo do nível de existência do povo português.
Estes, em poucas palavras, os propósitos do autor de tão laborioso estudo, objectivo que facilmente transparece, a cada passo, na profunda análise que faz das receitas e despesas públicas. E, atento u evolução da conjuntura, nos seus mais variados- aspectos e correlações, especialmente os referentes ao sector social, vai denunciando tudo que, no seu critério, possa vir a constituir óbice para o desenvolvimento do rendimento nacional, e assim capaz de inconvenientes reflexos em detrimento da desejada melhoria das condições de existência da nossa gente.
Sr. Presidente: as palavras que proferiu nesta Assembleia, ao abrir o presente debate, palavras tão sinceras e que tão bem enquadram o seu sentir de homem justo, realçando a extensão do longo caminho já percorrido ma melhoria da situação económica e o milagre da nossa revolução financeira, bem como a referência a obstáculos que poderão dificultar a manutenção do actual ritmo do progresso, definem bem os seus elevados propósitos.
Não posso, por isso e por indo o mais que ficou dito, deixar de lhe manifestar, desta tribuna, quanto aprecio o persistente esforço que vem desenvolvendo em prol do bem-estar da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As palavras que vou seguidamente pronunciar, e pouco tempo roubarei a VV. Ex.as com as resumidas e deslustradas considerações que me proponho fazer, dizem apenas respeito a alguns dos aspectos focados no parecer das contas públicas sobre política financeira e económica e que constituíram alguns deles fundamento das suas conclusões.
Em primeiro lugar, algo vou dizer sobre o aproveitamento das disponibilidades de energia, primeiro capítulo da restauração económica da Nação.
É opinião já emitida pelo autor do parecer das Contas Gerais do Estado, em trabalho análogo referente a passados anos económicos, que o nosso país poderá ocupar posição de realce, no conjunto europeu, quanta n capitação de energia hidroeléctrica, desde que se aproveitem devidamente as possibilidades das nossas bacias hidrográficas. Em conferência realizada em 1949 na Sociedade de Geografia, conferem que intitulei «Novas Rotas - Velhos Rumos», apoiei igual ponto de vista, apontando então o caminho seguido pela nação americana na valorização dos vales do Tenessi e do Missuri, isto é, o do aproveitamento Integral do conjunto económico de cada bacia hidrográfica, não só no que se refere ao potencial de energia disponível como ao seu uso industrial e agrícola, electrificação rural, vias de comunicação, equilíbrio da natureza e outros aspectos de igual importância na vida de um rio.
O proceder-se seguindo este critério, além de se evitarem reflexos inconvenientes para a economia regional, derivados de obras realizadas no conjunto da rede hidrográfica não obedecendo à necessária harmonia de interesses um jogo, permitiu ainda, conjugando aproveitamentos hidráulicas, hidroeléctricos e outros, obter a energia a custo de produção mais baixo, condição fundamental paru a elevação real do nível de existência das classes trabalhadoras.
O escalão agora em primeira fase de aproveitamento do nosso Douro, realizado já segundo este critério ou, pelo menos, dele se aproximando, virá na realidade acrescer, estou disso, certo, em condições de boa economia as disponibilidades nacionais de energia.
Não se deverá deixar de completar, porém, no conjunto deste rio, tudo que possa contribuir para dar a obra tão dispendiosa o máximo de efectividade e condições de boa conservação.
Embora os aproveitamentos agrícolas, pelas características especiais da orografia duriense, não sejam fáceis, há que chamar a atenção para os novos horizontes que se abrem com a prática da rega por aspersão, permitindo o emprego de culturas intensivas em encostas hoje secas, facultando assim a estas admiráveis populações trabalhadoras, que construíram uma das regiões agrícolas mais valiosas do Mundo, a defesa económica que a policultura pode facultar.
E já há exemplos de progressivos agricultores durienses das encostas, que utilizam aio equilíbrio das suas explorações e com assinalado êxito as águas deste grande rio. A horticultura e a arboricultura, especialmente a citrícola, a criação delgado e as pequenas indústrias ligadas a matérias-primas agrícolas poderão então modificar radicalmente o actual panorama de existência dessas populações, hoje sujeitas às inclemências das crises consequentes da monocultura da vinha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que fica apontado relativamente ao Douro impõe-se que se generalize, com a brevidade que
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os meios financeiros e técnicos facultem, ao Tejo e às restantes bacias hidrográficas dos grandes rios portugueses e em especial às daqueles que atravessam as nossas Beiras, já hoje atingidas intensamente pela perigosa maleita ida erosão.
O Vouga e o Mondego, nina mais especialmente este último, são na realidade tristes exemplos do resultado duma anarquia de aproveitamento por grandes e pequenos agricultores e industriais, que tom desorganizado totalmente as condições de existência desses rios.
Os milhares de hectares destruídos por cheias periódicas ou impossibilitados do conveniente uso (por prolongado encharcamento, as inúmeras terras alvercadas, as águas tornadas pestilentes, para não falar já dos cheiros que conspurcam o ar que se respira, tudo constitui exemplo dos malefícios resultantes de aproveitamentos não devidamente planeados.
E os reflexos desta situação, no estímulo da corrente emigratória, são já hoje manifestos, e não se apoie a solução simplista da emigração para se resolverem as crises demográficas, pois nunca se deverá esquecer que nos está assim a fugir a mão-de-obra mais valiosa para se assegurar o êxito da segunda fase da nossa restauração económica - a da industrialização do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Julgo, pelo que fica dito, que se impõe, sem demora, a realização rápida dos planos de aproveitamento económico das principais bacias hidrográficas do nosso país. A realização das obras assim projectadas modificará, decerto, radicalmente as condições de existência das populações de vastas zonas, onde será possível então, mercê da conveniente utilização das águas, n prática duma agricultura mais intensiva.
Agora outra breve nota sobre as possibilidades de melhoria da estrutura agrícola da Nação nas suas relações com a produtividade do trabalho da terra.
São judiciosas as considerações que o relator dos pareceres das Couta.; Gerais do Estado faz neste, 'tomo o tem feito em outros pareceres, sobre possibilidades de acrescer o rendimento nacional pela melhoria da estrutura agrícola do País. Deve-se mesmo, em quota-parte apreciável, como já apontei, à sua persistência e aos seus bem fundamentados estudos a extensificação de certos trabalhos hidroagrícolas. Contudo, julgo que serão oportunas algumas considerações sobre perspectivas de progresso neste sector, simples visão do mesmo problema por angulo possivelmente um tanto diverso e que, embora não concorde com algumas das suas afirmações e perspectivas, não deixarão de constituir apoio às conclusões finais das alíneas m) e o) do presente parecer.
Não é segredo para ninguém -refiro-me aos que mourejam no duro trabalho de extrair riquezas da terra, bem como àqueles que têm dedicado a sua atenção, desde longa data, a perscrutar os seus mais importantes problemas - que a quase totalidade da metrópole continental é influenciada pelas aragens mediterrânicas. Isto significa em poucas palavras a existência de um clima de estações bem marcadas, com Estios muito secos, quedas pluviométricas concentradas em períodos curtos do ano, geração, através de milénios, de terras muito delgadas e, finalmente, intenso trabalho erosivo.
Digamos, como consequência destas condições, paisagem de grande aridez, aqui e ali beneficiada pelo casamento com outras influências, especialmente o bafo atlântico.
E por isso não deve constituir admiração verificarem-se, no Portugal continental, os anos agrícolas mais valiosos nos períodos mais secos - é claro que não naqueles em que se observa o mínimo dos mínimos.
De resto, o que nos diz o capítulo do notável Livro da Rotina sobre o assunto confirma inteiramente esta observação. Lá se diz: «Em Janeiro, se subires ao outeiro e vires verdegar, põe-te a chorar, mas se vires terregar, põe-te a cantar». E no ano que decorre não se viu, na realidade, terregar de forma saliente ... e por isso já se antevê o terminar da sucessão dos anos óptimos de pito, continuando, assim, o inexorável ciclo das vacas gordas e das vacas magras.
O que fica dito não permite, contudo, afirmar que não haverá parcela subtraída a este clima de tão acentuados contrastes de secura e humidade estacionais. Basta observar as regiões onde o pinheiro bravo destronou os carvalhos de folhas caducas para se fazer ideia do tamanho da parcela possuidora de maior viço. Porque aquela onde domina nas alturas o carvalho negral e o castanheiro é igualmente árida.
Digamos, assim resumindo, o Noroeste e o Nordeste, o primeiro rico, mas minúsculo e entrecortado de montanhas; o segundo mais vasto, mas árido e montanhoso. Do que fica dito se poderá concluir que territórios férteis duma Dinamarca, duma Bélgica ou duma França, por cá, só na cabeça dos que ignoram o seu próprio país ou então dos que se embalam em sonhos de aprazíveis utopias.
Se juntarmos ao que se disse que, excepção feita à cidade que é capital do Império, implantada já nos domínios da aridez, todo o resto da população está, em grande parte, acantonada no pequeno Noroeste, onde constitui, é um facto, riquíssimo viveiro da gente, melhor poderemos compreender as dificuldades do nossa vida agrária. Isto explica muita coisa e até «porque em rasa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.
Como poderão, pois, aceitar todos os que vivem da terra, e para a terra os escritos de vária origem comparando produtividades de natas com as de areias estéreis e de veigas fundas com as de encostas escalvadas . . .
Digamos com verdade: o que a agricultura portuguesa gera no sequeiro e nos minguados regadios não nos deslustra, antes pelo contrário, atingimos frequentes vezes melhores médias do que as de outras nações de território mais fecundo.
As vulgares searas do Noroeste não dão, decerto, menos pão do que o colhido nos territórios do Norte da Europa, como inúmeros; campos alentejanos não têm sido mais avaros do que as melhores planuras cerealíferas duma América do Norte.
Apenas poderemos dizer, como correctivo do que fica afirmado, é que cá, em meio menos fértil, temos gerado sensivelmente o mesmo, pensando, contudo, com mais acerto, nos caminhos do futuro. De resto, assim pensam também muitos dos ilustres técnicos estrangeiras que nos visitam quando prestes a regressar aos seus países.
Não direi, porém, que terá sido essa a sua opinião ao chegarem a Portugal. Então afinam, normalmente, com os portugueses, críticos de profissão, que conhecem, o seu país dos centros de cavaco técnico e político das várias baixas - refiro-me àquelas que são em Portugal mais frequentes nas cidades que nos campos. E, se, pelo contrário, quisermos demonstrar o nosso génio progressivo aplicado ao ambiente rural, não faltarão então exemplos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lembremo-nos só, como simples ilustrações do território do Douro e da Madeira, onde o combati: à erosão é feito pelos meios mais modernos, com escadarias monumentais, que em Portugal já contam muitos séculos de existência; o do revestimento total e aproveitamento dos nossos areais costeiros como
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aspecto da tremenda luta na defesa de todas as pequenas nesgas do território; desse admirável serviço que os silvicultores portugueses estão realizando de cobrir rochas e pedras soltas por essas montanhas de Portugal, transformando um país de terra tão ingrata numa das mações mais florestadas da Europa.
Lembremo-nos ainda, como simples exemplo de muitos exemplos, como se cultiva o vinhedo em Colares ou a batata em determinados areais costeiros do Noroeste, procurando terra fértil nas profundidades. Ou então suba-se a pé firme, fazendo verdadeiro alpinismo, as encostas da Lousã, acompanhando os da faina dos olivedos, e então se compreenderá bem a razão que assiste aos que não entendem a linguagem de muitos dos progressistas do agrário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que fica dito não permite afirmar, porém, que nada poderá ser feito em proveito da vida rural, antes, pelo contrário, há que dizer que muito temos ainda, por fazer. Apenas divergimos da forma como se pretende por vezes agir.
E, assim, trate-se sem demora de electrificar vilas, aldeias e lugares, de dar água para beber sem a retirar, como vai sendo hoje uso, ao benefício dos campos; conduzam-se os esgotos para as nitreiras; abram-se caminhos que ponham em contacto produtores e consumidores; faça-se assistência técnica rural sem ser necessário que o interessado percorra dezenas de quilómetros para ouvir um urgente conselho; disseminem-se postos zootécnicos e de cobrição, aproveitando-se para este efeito, como para muitos outros aspectos de assistência rural, os nossos grémios da lavoura, elementos que, com as Casas do Povo, hão-de construir um dia os fundamentos do nosso corporativismo rural; façamos funcionar a pleno rendimento as admiráveis leis dos melhoramentos rurais e agrícolas.
E então, sim veremos progredir a nossa lavoura dentro das mossas reais possibilidades, isto é: as do ambiente difícil, embora o trabalhador humano seja admirável.
E para as bandas do Sul mais hidráulica extensiva e mais rega em pequenos aproveitamentos, utilizando o que sobra em reservas hídricas dos Invernos. Quanto ao resto, e quero-me referir à obra, pré-corporativa da valorização dos nossos produtos nos mercados externos a interno e que, incompreensivelmente;. ficou a meio, talvez por falta de fôlego, é necessário continuar e nalguns casos recomeçar. E não se diga que a guerra tudo impediu quanto ao progresso destas actividades.
Basta lembrar como procedeu a Itália, recuperando posições abandonadas por outros países nos grandes mercados consumidores, para se poder animar que teríamos tido possibilidade de não ter visto reduzir, por exemplo, a zero a nossa exportarão de frutas frescas, especialmente quando se começavam a verificar resultados benéficos das Campanhas de produção frutícola dos tempos saudosos de Linhares de Lima. Tudo isto apenas resumidas motas do muito que haveria a dizer para confirmar os anseios de progresso da nossa velha mas sensata lavoura nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E deixemos os índices, os níveis, as produtividades e mais outros nomes, que apenas servem, muitas vezes, de capa à ignorância das realidades, paru quando, abertos os caminhos, os técnicos da especialidade possam ir até lá, à província, observar com rigor essa agricultura que já o nosso velho e saudoso mestre Joaquim Rasteiro nos dizia ter em Portugal, como em nenhum outro país do Mundo, um carácter acentuadamente regional. E não esqueçamos também, como já disse em conferência recente, que muito se deve ao patriotismo e ânsia de progresso da agricultura nacional quanto a meios para o rápido caminhar no fomento económico da Nação.
Assim . . .
. . . vinte e cinco anos já decorridos de exaustivo labor técnico, dando realização aos patrióticos desígnios que a visão esclarecida do Ministro tinha sabido incutir na alma da Nação, deram resultados que podemos classificar como uma das mais notáveis conquistas da Revolução Nacional. A diminuição do passivo na balança de pagamentos em aproximadamente 6 milhões de contos na importação de trigo, a de 2 milhões na de arroz e ainda a quase auto-suficiência de tubérculos feculentos, o que corresponde a uma economia de divisas no valor de 7 milhões de contos, para só me referir às parcelas de maior vulto, foi na realidade, o viço que animou toda a grande obra de fomento a que «e tem assistido nesta última década, quer nos domínios da conquista das .fontes de energia, quer no progresso de movas actividades industriais.
Este total de 15 milhões de contos corresponde, no último vinténio, a uma média anual de 750 000 contos na importação de três dos principais produtos do sustento do povo português.
Se juntarmos a esta conquista a suficiência, mais recente, de lacticínios e melhor abastecimento de frutos dos principais mercados, que, só em relação ao mercado de Lisboa, corresponde a um acréscimo de consumo de 200 por cento, a partir de l929, poderá então fazer-se ideia mais precisa do valor das campanhas de produção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
Dois decénios passados sobre a primeira grande vitória - a célebre Colheita de trigo do ano de 1934, a maior de todos os tempos-, de novo se registou, no ano de 1954, em que se comemoraram os vinte e cinco anos da campanha dos cereais, uma nova colheita que muito se aproximou das 700 000 t de então, fechando assim com chave de ouro este período destacado da agricultura nacional. E esta produção, ou outra maior, já não causaria hoje uma possível crise de sobressaturação. Não é apenas já o facto de existirem mais de l milhão de bocas que nos tempos de 1934.
Mas, mesmo que houvesse sobras a transitar para . o ano imediato, a organização sabiamente levada a cabo, nos domínios pré-corporativos da produção e das indústrias correlacionadas, pelo Ministro Sebastião Ramires e depois completada pelo engenheiro agrónomo Franco de Sousa permitiria hoje realizar, em condições convenientes para a lavoura frumentária e indústria de moagem, a devida manutenção dos excessos do cereal panificável.
Poderá dizer-se que nestes anos, de tão duras campanhas, se registaram ruínas e outras perdas no domínio da lavoura e da economia nacional ? Houve-as, é um facto; mas qual a grande batalha em que as feridas e o sangue vertido não constituem o mais glorioso testemunho a selar difíceis vitórias?
Foi este o espírito de luta que gerou a elevada mística que Linhares de Lima soube incutir aos novos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador:
Infelizmente, esse grande condutor da juventude já não nos poderá dar novas vozes de comando.
E o caminho a trilhar é ainda tão ingrato, embora alguns, desconhecendo a grandeza do engenho necessário para tão difícil empresa, teimem em julgar tudo pelo diminuto do seu valor.
E então consideram que, como por encanto, se poderia já ter transformado, o que é consequência da aridez do meio, em paisagem rica de terras feracíssimas, dominando para tal as incertezas dos meteoros. E como as miragens foram e serão sempre miragens, vá de afirmar que a lavoura portuguesa é rotineira e que há falta de espírito de luta entre os técnicos responsáveis u quem compete a elevada missão de esclarecer e de educar.
E como o trabalho a levar a cabo necessita de muita confiança, para que possa haver continuidade de acção no remover dos escolhos, dos muitos que dificultam ainda, como dissemos, tão penosa caminhada, todos compreenderão decerto o ingrato da missão.
Deixemos, porém, estes «velhos do Restelo», na sua arenga desmoralizadora, e continuemos, sob a égide do espírito desse grande condutor que foi Henrique Linhares de Lima, a lutar, seguindo sempre o seu lídimo exemplo de honrado português e perfeito homem de bem, cuja única ambição, na vida foi ser útil à sua pátria e à sua grei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para o muito que há a fazer na restauração económica da Nação concorda também com o ilustre relator das Contas Gerais do Estado sobre a necessidade de velar pelo máximo aproveitamento das economias do privado ma prática de investimentos, reprodutivos. Mas, quanto a este aspecto, que não se deixe largas ao fisco, por forma que se possa inutilizar o trabalho de decénios de atracção de capitais que andaram durante muitos anos arredios da valorização do nosso património. Isto mão significa que não se aproveitem, maiores-valias para gerar outras maiores-valias. Mas nada de acrescer serviços públicos que não sejam capazes também de as gerar.
Não é este decerto o caso do ensino técnico, como também não o é essa admirável luta contra o analfabetismo, que vem sendo desenvolvida pelo ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional. E quanto ao ensino técnico há que ter em couta que já se encontra iniciada a fase da industrialização do País e que a maior parte das nossas escolas técnicas não dispõe ainda de pessoal docente e de material suficientes e mão tem também à sua disposição, como acontece em outros países industriais, fábricas onde possam realizar-se os estágios dos seus alunos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E estes serão os grandes responsáveis pelo sucesso da restauração económica baseada na industrialização das nossas actividades: agrícolas e industriais.
Também, decerto, terão carácter eminentemente reprodutivo as Acerbas que se gastem em dar ao departamento da agricultura os meios de organizar sem demora a- rede completa das estações, postos agrários e campos experimentais, de estudo e divulgação das boas normas duma agricultura progressiva.
Bastará observar os resultados conseguidos nos poucos estabelecimentos desta natureza hoje existentes e a acção que têm exercido na agricultura das regiões agrícolas onde exercem a sua influência, para concluir que serão altamente reprodutivos os capitais empregados em empresas dessa índole.
Não será necessário para tal grandes luxos de instalação, mas que não faltem depois com as verbas indispensáveis para que se possa realizar, com o devido rigor, todo o trabalho experimental que a lavoura aguarda para que se possa continuar, por forma segura, a obra de contínua valorização desta terra de características tão diversificadas e normalmente tão difícil de tornar mais fecunda.
Os problemas das melhores forragens para o sequeiro e para os regadios, a rotação mais equilibrada para cada uma das regiões agrícolas, a continuação dos estudos sobre os melhores fertilizantes para cada região agrícola, estudo auspiciosamente iniciado com o estímulo do ilustre Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, a forma como deverá ser compartimentada, por maciços florestais, u paisagem do aridez dos territórios planálticos do Sul e quais as espécies florestais a indicar para as montanhas erosionadas que cobrem milhares de hectares ao sul do Tejo, os melhores processos de conservação das forragens e as possibilidades de fomento pecuário, as condições em que se deverá levar ainda mais longe o esforço de mecanização e como todos estes factores poderão contribuir para a melhoria das condições de vida dos nossos rurais são tudo problemas fundamentais para a vida, da Nação e que poderão ser analisados e esclarecidos desde que se dêem os necessários meios técnicos e financeiros ao departamento de agricultura.
Falo com a experiência de ter vivido já uma época de intensa acção desses serviços, nos tempos calamitosos da última guerra, e por isso posso assegurar que, no decorrer da segunda fase do Plano de Fomento, fase já prevista, se poderá levar a agricultura nacional a acompanhar sem ressaltos o incremento das actividades industriais. E o que haveria a fazer ou, melhor, a completar nos trabalhos de prospecção agrária também não estaria arredado das nossas possibilidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, todos es técnicos estrangeiros que nos visitam e que têm percorrido o País de lês a lês são da mesma opinião optimista, desde que se siga a directriz que, em breves palavras, acabo de resumir nesta nota. Tudo o resto que ainda haveria a realizar no campo do agrário será consequente deste primeiro trabalho de estudo. Por isso permitam-me que remate esta nota com esta expressão, bem portuguesa, de significado que bem corresponde ao que se espera, ver realizar, e assim direi, apenas, mãos à obra.
De resto, a Administração, após dois anos de experiência, na. execução do Plano de Fomento, já nos veio dar, com aquela verdade que é timbre da idade nova, os razões do atraso da sua execução. E por elas se verifica que não se filia em falta de capital para os investimentos, mas tão-sòmente num desfasamento na projecção. E este defeito não é também só nosso. A grande e progressiva América, do Norte ainda recentemente verificou a mesma grave falta, resolvendo por isso constituir uma substancial reserva de planificação.
Por tudo que fica dito, dou o meu aplauso ao que se faça no sentido de tornar em realidade o que ficou referido quanto aos sectores apontados da energia e das actividades agrárias. Quanto ao sector industrial, que deverá absorver a nossa mão-de-obra excedente, evitando a sua inglória perda, quando ela se afaste para paragens distintas da comunidade lusíada, idênticos problemas poderia pôr. Outros mais competentes, porém, já o fizeram, e por isso apenas me limitarei a apoiar as
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suas afirmações, que, de resto, estão admiràvelmente sintetizadas e justificadas no bem elaborado parecer subscrito pelo Doutor Correia de Oliveira ao seu recente trabalho sobre a proposta de lei n.º 22. E haverá que não esquecer, e isto para terminar estas palavras, que desejaria serem mais breves porque haveria muito a dizer, que não se poderá realizar nada nos campos económico e social fora da lembrança, que nunca deverá ser esquecida pelos responsáveis por futuros planeamentos, da total e completa unidade do Império de aquém e além-mar.
E, posto isto, disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo por agora a discussão das Contas Gerais do Estado e das da Junta do Crédito Público.
Vai passar-se à apreciação dos textos das Convenções entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte, relativamente no estatuto das suas forças, aos representantes nacionais de pessoal internacional e ao Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis-Generais Militares Internacionais criados por força daquele tratado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pereira da Conceição.
O Sr. Pereira da Conceição: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: como complemento da notável sessão de 25 de Julho de 1949, na qual aqui foi presente o Tratado do Atlântico Norte para apreciação e discussão, são hoje presentes a esta Assembleia três documentos que reputo da mais elevada importância.
Na verdade, ;a assinatura daquele tratado não fez mais do que estabelecer uma base do gigantesco edifício de defesa, da paz que os países ocidentais se propunham construir. Os documentos que agora vão ser discutidos constituem como que os pilares desse edifício e representam, afinal, as magistrais da obra a que por obrigação voluntária nos devotámos.
O problema da segurança, colectiva tem vindo a fazer o seu processus na, história, condicionado pela evolução dos acontecimentos.
A interdependência entre os indivíduos, acentuando-se cada vez mais nas sociedades modernas, obrigou a regular os diferendos pessoais por meio da justiça e a manter o sossego e a paz internos por meio de forças de polícia. Por este processo se obteve a garantiu dos direitos do indivíduo, permitindo-se-lhe por lei o pleitear nas questões em que esse direito não fosse respeitado, assegurando-se-lhe a fonte imanente da justiça, mas exigindo-se-lhe, em equilibrada contrapartida, o respeito por um conjunto de deveres de interesse colectivo, que permitem ao conjunto as condições de harmonia e segurança internas, tão indispensáveis ao trabalho operoso e progressivo da comunidade.
Foi, pois, neste equilíbrio entre o direito e o dever, entre a justiça e a segurança, entre o eu e o múnus público que se enlaçou a interdependência dos indivíduos, dando à sociedade as condições indispensáveis do seu progresso e bem-estar social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conseguimos, assim, os elementos garantes entre o individual e o colectivo, assegurando a cada um deste, o justo termo dos seus limites e não permitindo nunca que os excessos de qualquer dos lados pudessem perturbar ou destruir a paz interna, elemento essencial não só da vida de cada um como ainda da vida de todos.
Na realidade, cada um de nós pode verificar quanto nos nossos dias a sua vida e actividade estão dependentes do seu semelhante. Nunca tanto como boje pudemos dizer que vivemos à mercê de outrem.
Cada um de nós é produto notório do trabalho e cuidados que os nossos país desveladamente nos deram nos primeiros anos da mossa vida. Cada um de nós representa o produto intelectual do labor dos numerosos mestres que nos ensinaram. Cada um de nós foi herdeiro de avultados bens mo rafe e espirituais que muitas gerações nos legaram. Cada um de nós usufrutuário de inúmeros bens e regalias públicos para os quais em nada contribuímos. Mas também, concomitantemente, todos nós nos sentimos dependentes do padeiro que nos prepara o pão, do alfaiate que nos veste, do operário que nos constrói a habitação, do médico que nos defende a saúde e a vida, e, enfim, dum número Infinito do outras pessoas às quais nos encontramos indissoluvelmente ligados para podermos viver e subsistir.
Podemos dizer, porém, que a esta interdependência social tão acentuada entre os indivíduos da mesma sociedade humana, produto tão marcado da especialização resultante da técnica moderna, se seguiu a independência política entre nações, como resultante complexa da civilização dos nossos dias.
Fácil nos é verificar quanto as nações vivem hoje ligadas entre si, interdependentes não só nas suas relações económicas, o que vem já de há muitos séculos, mas, sobretudo, numa interdependência política, que se acentua e enreda cada vez mais com as facilidades do progresso tão notório dos nossos dias.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Vai longe o tempo em que qualquer perturbação num recanto afastado do Mundo nem sequer chegava ao nosso conhecimento, ou, se o chegava, era já depois de os acontecimentos desenrolados e quando o facto constituía mera história do passado.
Não podemos hoje dizer o mesmo. Duma simples perturbação na Formosa, transmitida quase instantaneamente a todos os recantos da terra, podem redundar factos de tal natureza que a mais afastada nação se pode ver envolvida nas suas consequências, sem que ali possua vidas ou fazendas que à primeira vista justifiquem o facto.
De outro modo, a vida do indivíduo pode hoje instantaneamente modificar o seu curso, sempre posta u mercê do desenrolar de acontecimentos inesperados em qualquer recanto longínquo do Mundo, mas que possam acarretar o desencadeamento duma guerra.
Nunca tanto como nos nossos dias a vida internacional pesou na vida dos indivíduos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Xá nossa geração já assistimos como as nações se podem envolver em terrível conflito mundial pulos factos esporádicos dum atentado, como em 1914, ou pela ocupação duma cidade, come em 1939.
Por outro lado, a guerra deixou os seus aspectos clássicos e passou a assumir aspectos gigantescos. Ela deixou de ser dinástica para ser social, deixou de ser militar para ser total, deixou de ser nacional para ser universal.
Todos estes motivos conduziram naturalmente os estados, para defesa dos seus povos, a reconhecerem a premência de se porem ao abrigo dos perturbadores internacionais, agrupando-se instintivamente para defesa da sua segurança, impelindo-os automaticamente a regularem os seus diferendos e estabelecendo princípios e normas que assegurassem as suas possibilidades de vida.
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Só assim encontraram a garantia da manutenção da paz, fonte fecunda, da civilização e do progresso humanos.
Sr. Presidente: estas tentativas de segura uca vêm de muito longe, desde u própria, antiguidade oriental, mas só as descobertas, as relações comerciais, o progresso técnico as fizeram de necessidade imperiosa.
Na Europa, como berço da civilização actual, o problema inicia-se com os tratados de Vestefália, em 1648, pelos quais às concepções hegemónicas e imperiais dos Absburgos por uma Europa unificada se sucede a ideia do equilíbrio entre as nações, com o fim de manter a paz.
Porém, ao passo que a Europa Ocidental se consagrava à descoberta dos mares e se lançava abertamente na sua expansão civilizadora e cosmopolita, irradiando a sua cultura e civilização, de que ia impregnar os povos atrasados que encontrou noutros continentes, a Rússia lançava-se numa política de imperialismo territorial, procurando formar um grande estado autoritário, servido por uma organização estatística e centralizada. Nessa data se inicia, pois, a luta entre a potência de terra e a potência de mar, servida cada uma por uma concepção diversa.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Depois de 1815 o Tratado de Viena mostra a mesma preocupação de assegurar e defender a paz entre as nações. Napoleão passeara a sua espada por todas as nacionalidades da Europa continental, ceifando milhares de vidas e destruindo inúmeras riquezas promissoras. Criara, assim, uma sensação de medo colectivo e provara que a vida dos indivíduos se podia encontrar à mercê de uma política agressiva e perturbadora. A Europa ficou vencida e exangue e, como diz Jacques Pirenne, apenas nela se encontrava: em vez do esperado liberalismo, a ditadura terrorista; em vez do cosmopolitismo esclarecido, a exploração dos povos anexados; em vez da liberdade de pensamento, a perseguição, que ultrapassava tudo o que jamais se fizera.
A guerra de 1914-1918 veio confirmar a necessidade de as nações se porem ao abrigo das ambições hegemónicas de qualquer povo, ainda que este fosse servido pelo progresso técnico mais perfeito. O fim da guerra reafirmou mais poderosamente os anseios de paz universal e a mesma necessidade de segurança colectiva. A América contribui então com os catorze pontos de Wilson e dá-se origem à formação da Sociedade das Nações.
Porém, apesar disso a guerra de 1939-1945 veio a estalar e na sua conclusão as inevitáveis ânsias da paz universal vieram a redundar outrossim em aspirações cada vez mais exasperantes. Assim nasceu a Organização das Nações Unidas.
A concepção da paz universal alimentara, porém, a hegemonia dos Habsburgos, como também o idealismo da Sociedade das Nações, mostrando-se, contudo, sempre inoperante, por representar apenas o produto de uma generosidade idealista do coração humano, sem atender às realidades efectivas dos interesses dos homens. Por isso as Nações Unidas nunca conseguiram, desde o seu início, encontrar a verdadeira e sincera colaboração entre as grandes potências.
Aos desejos utópicos da paz universal não restava mais do que opor a teoria do equilíbrio mundial, provada pelos tratados de Vestefália e que assegurara a paz entre as nações por mais de um século.
De resto, o diferendo de concepções entre os povos europeus e a Rússia, surgido depois de Vestefália, acentuava-se nos nossos dias, tornando impossível uma colaboração efectiva que conduzisse à segurança colectiva.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - De um lado encontrava-se uma política expansionista, agressiva e revolucionária, servida por um dirigismo férreo, tendo apenas em atenção o colectivo e subordinando a este o individual.
Do outro lado encontrava-se uma política contemporizadora, evolutiva e reformista, procurando estabelecer o equilíbrio entre o individual e o colectivo.
A primeira mostrou-se maquiavélica em muitas circunstâncias, servida por golpes inesperados e bruscos, caracterizada por métodos autoritários e avassaladores em toda a sua amplitude.
Não seriam estas certamente as regras seguras de encontrar os anseios de paz universal. E, convencidas deste modo, as nações europeias breve compreenderam que não tinham outra via que não fosse assegurarem a sua própria defesa, acabando por concluir que o melhor meio de encontrarem a almejada paz seria não serem colhidas de surpresa, acabando por ver cada um dos seus pequenos países cair apavorado na órbita da Rússia.
Estes motivos conduziram os países europeus a assinatura, em 1948, do Tratado de Bruxelas. Era como que a renúncia ao irrealizável anseio de paz universal que as Nações Unidas prometiam e a consagração do reconhecido equilíbrio entre as nações, como único meio de assegurar e manter a desejada paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas o Tratado de Bruxelas, ao qual eram alheios os Estados Unidos da América, não conferia a estes, no caso duma agressão da Rússia, mais do que o simples papel de «libertadores de um cadáver», como o disse expressivamente o Sr. Henri Queuille, ao tempo Presidente do Conselho francês.
Marcada assim a linha de rumo pela força dos acontecimentos, fácil foi precisá-la, o que afinal fez claramente Bedel ,Smith no seu discurso de 9 de Março do 1949, ao demonstrar, pelos exemplos da Checoslováquia, da Hungria e de outros estados satélites, que a política soviética era dividir para vencer.
Se assim era, nus países defensores da tradição europeia e da civilização cristã não restava outra solução do que fazer o contrário da teoria soviética, isto é: ao dividir para vencer teriam de opor o unir para defender. Baseados nestes conceitos, e perante a irreconciliável actuação da Rússia, os Estudos Unidos foram levados em 1949, como elementos garantes da estabilidade e da paz mundiais, a elaborarem com as nações interessadas o Tratado do Atlântico Norte. Este, na continuação do Tratado de Bruxelas, não fez mais do que planificar as preocupações dos países da Europa Ocidental de deterem uma força agressiva e destruidora que ameaçava a tradição, a cultura e os valores morais da velha Europa cristã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi, pois, no interesse da paz que se abandonou a concepção universal para se cair no equilíbrio entre as nações, procurando organizar-se uma força capaz de deter as irreflexões e os desejos arrebatadores, que levariam o Mundo a uma nova guerra, mais temível e mais destruidora.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A força mais poderosa deste tratado - revelou-se logo- consistiu na mobilização do instinto colectivo de sobrevivência das nações, impondo-lhe o espírito de organização e sobrepondo nelas o interesse da sua existência internacional aos ilimitados campos da soberania nacional.
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Mais do que a força militar colectiva que resultou desse tratado, o que dele se ilumina, é precisamente esse sentimento do colectivo entre as nações, que se cria pela primeira vez tão fortemente um conceito internacional, a ponto de levar os povos a admitirem uma comunidade de interesses que sobreleva e limita a soberania da nação.
Ergue-se, assim, um espírito de grupo acima dos indivíduos e dos governos das diversas nações, como esteio seguro de uma paz que há que manter e defender. A acção colectiva vai estender-se até ao campo intelectual, social e moral, firmando assim uma unidade psíquica de não menor valia que a unidade militar. O tratado, pois, de natureza e fins puramente defensivos, vai estabelecer uma barreira eficaz contra as ambições desmedidas uma organização colectiva, que se deverá traduzir no campo militar em: unidade de comando; unidade de acção, e unidade de meios.
A unidade de comando é o elo fundamental de toda a organização das coligações. Ela tem mostrado ser de uma acuidade notória entre todas as potências de uma mesma aliança. O problema, já suficientemente debatido nos seus aspectos políticos e militares, tem sido fonte de estudos profundos, cuja conclusão sistemática, tem sido o reafirmar da sua indiscutível necessidade. Sempre se tem verificado que a solução não pode nunca resultar de medidas de improviso, ser fruto de esferas de influência ou entregar-se, a meras formalidades de aparência.
Para que a unidade de comando renda frutos eficazes importa que seja estudada e meditada na sua organização regulada segundo regras discutidas e não discutíveis, funcionando segundo normas gerais por todos aceites. O comando único impõe, além disso, que se evite a supremacia desmedida de uma das partes, para que a aliança funcione na verdade em benefício comum e não em beneficio próprio dos interesses de um só dos contratantes. A sua organização, feita com tempo e cuidado, exigirá estados-maiores e comissões de consulta possuídos do espirito comum, com comprovada sabedoria técnica, com acentuado bom senso, mas sempre com perfeito e completo conhecimento das realidades.
Felizmente, neste campo, os objectivos foram atingidos com uma organização de comandos à altura das circunstâncias que se exigiam. A criação da comissão militar e do seu grupo permanente e a cadeia de comandos estabelecida através da Saceur, da Saclant, do grupo estratégico regional Canadá-Estados Unidos e da comissão da Mancha, com os quartéis-generais supremos que lhes respeitam, representam a afirmação duma organização que se tem aperfeiçoado em etapas sucessivas.
No campo da organizarão civil também o Secretariado Permanente tem procurado satisfazer aos fins da aliança defensiva. Este órgão tem desenvolvido uma actividade laboriosa e persistente, procurando estabelecer medidas coordenadoras da acção entre as nações e obtendo o espírito da unidade indispensável no campo defensivo.
Particularmente a defesa civil tem encontrado maiores dificuldades do que a defesa militar na sua sistematização entre as nações garantes da O. T. A. N. Mas o facto é compreensível se verificarmos que ela é muito mais complexa na sua organização e estrutura do que a defesa militar e que, além disso, o seu campo de acção é muito mais vasto a englobar toda a população e meios dos territórios à retaguarda de exércitos. Por outro lado, a aplicação dos seus métodos obriga, por vezes, a estudar as relações íntimas e sempre difíceis com a política dos governos. O recente desenvolvimento dado ao Secretariado Permanente de Defesa Civil na O. T. A. N. é mais um passo firme que se tem de dar. Começam os povos a verificar, pouco a pouco, que defesa civil e defesa militar têm ambas a mesma alta importância e começam os governos, cientes de tal facto, a procurar satisfazer as necessidades próprias dessa, defesa civil, dado que a sua tarefa gigantesca de protecção às populações não pode ser obra de improviso, mas sim há-de resultar de preparação metódica e organização eficaz.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A este assunto se referiu recentemente nesta tribuna o nosso distinto colega coronel Ricardo Durão ao fazer a apreciação das contas públicas e por forma a acentuar a necessidade premente de reforçar as dotações orçamentais destinadas à nossa defesa civil. Porque a sua observação é inteiramente justificada, aqui a anotamos, com aplausos, na certeza, porém, de que oportunamente trataremos o caso com o relevo que se justifica.
Sr. Presidente: a organização da defesa civil é hoje uma pedra de toque na organização da paz e isto é tanto mais verdadeiro quanto é certo que servir e defender a vida da população, em caso de calamidade pública ou imprevisível caso de alteração da paz, é obra humanitária, própria do generoso coração humano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A unidade de acção tem encontrado, quer nas reuniões dos chefes militares das diversas nações, quer no intercâmbio cultural dos seus oficiais, quer nos exercícios comuns das forças militares que se têm efectuado, um campo prático onde a coordenação tem sido bastante útil.
As forças armadas do nosso país têm beneficiado largamente destes contactos, através de estágios, cursos e missões a que os nossos oficiais têm sido sujeitos. Daqui resulta um nivelamento mais elevado dos nossos conhecimentos militares, obtido nas lições colhidas com os exércitos que fizeram a última guerra e constituindo motivo para que aqui se faça menção especial, dado que, representando esforço material do País, se traduz, em contrapartida, em conhecimento actualizado das nossas élites, contribuindo para uma evolução progressiva e notável dos nossos conhecimentos militares, que o facto, neste campo é digno de nota, regista-o o ilustre professor Caeiro da Mata no parecer da Câmara Corporativa, de que é relator, ao salientar o notável grau de coesão e de unidade que caracteriza todos os organismos militares e civis da O. T. A. N.».
De facto, não só a identidade da organização militar dos corpos destinados à cooperação internacional, como ainda a unificação dos métodos de ensino e ainda a codificação do espírito dos regulamentos, têm conduzido a uma unidade de princípios que é base fundamental da almejado, unidade de acção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto à unidade de meios, elemento tão importante para a possibilidade de uma acção comum, está ela sendo levada a cabo através de fornecimentos feitos pelos Estados Unidos aos exércitos dos países garantes do Tratado. O problema está longe de ter obtido solução completa, dadas as possibilidades industriais da própria Europa, da sua situação económica, e ainda pelas características próprias do seu teatro de operações. As soluções próprias devem ser equacionadas em termos de equilíbrio entre as possibilidades e as ne-
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cessidades, mas tal facto está a ser objecto da merecida revisão entre as nações.
De qualquer modo, é digmo de apreço o colossal esforço financeiro que este capítulo está custando ao povo americano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posto isto, agora que se avizinha uma nova conferência quadripartida entre as grandes potências, poderá formular-se a pergunta: valerá a pena continuar o esforço começado através da O. T. A. N.?
A resposta poderá talvez encontrar-se nos números relativos a este ano de 1955, que abaixo se citam, e que parecem dar-nos, pela sua eloquência, a mais perfeita resposta.
Forças terrestres nas fileiras:
Rússia - 4 milhões de homens.
Estados Unidos. Inglaterra e França - 2 212 366 homens.
Aviação:
Rússia - 40 000 aparelhos.
Estados Unidos, Inglaterra e França - 27 000 aparelhos.
Marinha:
Rússia - 450 submarinos.
Estados tinidos, Inglaterra e França - 374 submarinos.
Deve apontar-se que, dos números citados em relação à Rússia, se deixaram de fora as possibilidades dos satélites, e bem assim dos aliados, coimo a China, o que a considerar-se, tornaria mais esmagador o potencial bélico apontado.
Também quanto à aviação é digno de destaque o facto de a quase totalidade dos caçadoras soviéticos, dois terços dos bombardeiros ligeiros e metade dos médios e pesados serem constituídos por aparelhos modernos de relação.
Perante tal panorama de força, fácil nos é verificar que a preparação esmagadora da Rússia está longe de corresponder a uma política sincera de paz, e como tal obriga, consequentemente, as pequenas nações do Ocidente a considerar quão perigosos são os cantos de sereia da propaganda soviética.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Daí o facto de o Ocidente buscar na organização da sua segurança a garantia da sua vida pacífica.
A sincera limitação dos armamentos abriria novos caminhos de progresso social, e de desejar seria, que as verbas astronómicas consumidas por forças tão poderosas antes fossem destinadas a melhorar o bem-estar e o nível de vida dos seus povos nacionais.
Porém, perante a realidade soviética, aos povos verdadeiramente desejosos da paz, garantes de uma civilização milenária que ao Mundo deu no seu período muito mais bem-estar e progresso do que os seis lustros da revolução russa, só pode restar uma solução: continuarem a organizar-se para defesa da paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é no caminho da organização da paz, e em complemento do tratado que em 1949 subscrevemos, que agora são presentes a esta Assembleia os três instrumentos diplomáticos que são designados pêlos títulos seguintes:
1.° Convenção entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte relativa ao Estatuto das suas Forças, abreviadamente designada por Estatuto das Forças Armadas e assinada em Londres em 19 de Junho de 1951;
2.° Convenção sobre o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, dos Representantes Nacionais e do Pessoal Internacional, abreviadamente designada por Estatuto Civil e assinada em Otava em 20 de Setembro de 1951;
3.° Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis-Generais Internacionais criados em consequência do Tratado do Atlântico Norte, abreviadamente designado por Estatuto dos Quartéis-Generais e assinado em Paris em 28 de Agosto de 1902.
Os dois primeiros estatutos foram já ratificados por dez dos catorze países da O. T. A. N. e o último por nove desses países.
Estes instrumentos diplomáticos foram já objecto da "prévia concordância dos nossos departamentos interessados", como menciona na sua exposição o ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, acrescentando mesmo que a sua execução muito facilitará o funcionamento da máquina complexa, tanto civil como militar, da aliança defensiva em que nos empenhámos.
Examinando o primeiro documento aqui presente, que é o Estatuto das Forças Armadas, verificamos que ele se compõe de vinte artigos, nos quais substancialmente se definem:
1.° As regras a observar acerca da entrada e saída de uma força ou dos seus membros, ou de elementos civis ou de pessoas a seu cargo. Neste capítulo são concedidas as facilidades necessárias com dispensa das formalidades legais, reduzindo-se ao mínimo indispensável a documentação exigível;
2.º As disposições relativas ao exercício da jurisdição penal e militar, fixando-se as regras a aplicar em caso de conflito de jurisdição. Adoptou-se aqui o princípio, genericamente admitido e expresso em numerosas convenções, da não execução da pena do morte nos casos em que, como sucede na nossa legislação, a pena de morte não está inclusa no sistema penal sob cuja alçada se encontra o criminoso. Trata-se de uma das mais características manifestações de entendimento internacional no domínio do direito penal, consoante se afirma no douto parecer da Câmara Corporativa;
3.º As regras relativas a indemnizações por danos causados, ao estudo local;
4.º As estipulações de mercadorias e serviços de que careçam no estado local: as forças armadas ou elementos civis adstritos, salários, serviços médicos, etc.
5.º As disposições relativas a impostos e emolumentos, regulando as isenções, dispensas, facilidades fiscais e alfandegárias bem assim as transacções cambiais.
Segundo analisa o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tal estatuto representa ó melhor equilíbrio que era possível conseguir-se entre os múltiplos interesses, necessidades e posições que; estavam um confronto.
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Mas, porque na altura da sua ratificação entendeu o Senado dos Estados Unidos apor-lhe um anexo, pelo qual procura ressalvar os direitos às garantias constitucionais a que têm direito os cidadãos do seu pais submetidos no presente estatuto, entende o nosso Governo que a ratificação da convenção deverá ser feita pelo nosso país acompanhada da seguinte declaração:
O Governo Português declara que, com relação aos Estados Membros que tenham aposto ou venham a apor reservas ou declarações aos seus autos de ratificação desta convenção, se reserva, por sua parte, o direito de proceder com reciprocidade no entendimento e aplicação das respectivas disposições.
A presente declaração, que mereceu parecer favorável da Câmara Corporativa, também a nós nos parece oportuna e necessária, garantindo ao nosso país inteira posição de reciprocidade em relação aos restantes signatários.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Examinando o segundo documento, que é o Estatuto Civil, verificamos que ele, nos seus vinte e sete artigos, tende a fixar as imunidades e privilégios a conceder à Organização, aos representantes dos estados e ao pessoal internacional ao serviço da Organização, tendo em conta a prática corrente usada com os representantes e agentes diplomáticos. Tais regras pretendem apenas facilitar o exercício das funções relacionadas com o tratado.
Merece especial atenção desta Assembleia a reserva feita pelo nosso Governo à aplicação constante das inutilidades mencionadas no artigo 5.º e referente ao caso de expropriação.
A Câmara Corporativa é de parecer que o Governo só utilizará tal faculdade restritiva em caso de comprovada necessidade e quando razões fortes o justificarem, motivo por que lhe dá o seu apoio, com o objectivo preciso de que se possam ressalvar esses casos.
Creio que esta Assembleia não pode deixar de o compreender e dar a sua aprovação à reserva proposta pelo Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Examinando o terceiro documento, que é o Estatuto dos Quartéis-Generais, verifica-se que ele, nos seus dezasseis artigos, tende a fixar as regras jurídicas que deverão facilitar o funcionamento e instalação dos quartéis-generais superiores e militares internacionais que tenham de vir a criar-se para satisfação das necessidades provenientes da execução do tratado.
Este documento figura como directamente consequente do primeiro documento que examinámos, que é o Estatuto das Forças Armadas. Ele é, pois, e apenas, um protocolo correlativo à primeira das duas convenções a ratificar.
Propõe a douta Câmara Corporativa que se lhe aplique a mesma declaração proposta pelo Governo para a convenção. Tratando-se de um protocolo consequente da convenção, parece-nos que automaticamente a sua aplicação é implícita e que, por isso, bastará a esta Assembleia aprovar o texto puro e simples tal como ele nos é apresentado pelo Governo.
O assunto, submetido às nossas Comissões dos Negócios Estrangeiros e de Defesa Nacional, recebeu a sua plena concordância e pode, pois, ser assim sintetizado e proposto à Assembleia:
1.º Quanto à Convenção relativa ao Estatuto das Forças Armados, que ela seja aprovada com a declaração proposta pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros;
2.º Quanto à Convenção relativa ao Estatuto Civil, que ela seja aprovada com a cláusula restritiva proposta pelo Governo;
3.º Quanto ao Protocolo do Estatuto dos Quartéis-Generais, que ele seja aprovado no seu texto tal como nos é apresentado pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: julgo, pois, em conclusão, que, possuídos todos nós do espírito defensivo que levou o nosso país a subscrever o Tratado do Atlântico Norte; seguros da necessidade de facilitar a Organização consequente; informados da concordância e até da cooperação que à sua redacção foi prestada pêlos nossos departamentos interessados, e enfim, esclarecidos sobre a urgente necessidade, para aplicação própria, duma ratificação que se impõe para facilitar o funcionamento da máquina civil e militar da O. T. A. N., nas suas relações com o nosso país, nenhum de nós terá dúvida em votar em plena consciência os três referidos estatutos.
Todos estaremos de acordo em que mais do que uma atenção para com as entidades que; o aconselham, é, afinal, a realidade consciente de um dever para com a Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sei bem o alto espírito patriótico que domina toda esta Assembleia, desde o seu ilustre Presidente aos Srs. Deputados, e por isso posso prever que tais instrumentos diplomáticos recebera-o o consenso geral para que sejam selados com o nome de Portugal, correspondendo assim às obrigações internacionais a que nos sujeitámos, apenas e sempre com o alto espírito de se virmos a harmonia e a paz do Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O orador foi muito cumprimentando.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: depois das considerações do ilustre Deputado que me antecedeu no uso da palavra, tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte
Proposta de resolução
"A Assembleia Nacional:
Tendo tomado conhecimento dos textos das seguintes convenções:
a) Convenção entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte relativa ao Estatuto das suas Forças (Estatuto das Forças Armadas), assinada em Londres em 19 de Junho de 1951;
b) Convenção sobre o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Sorte, dos Representantes Nacionais e do Pessoal Internacional (Estatuto Civil), assinada em Otava em 20 de Setembro de 1901;
c) Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis-Generais Internacionais criados em consequência do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Paris em 28 de Agosto de 1952:
Resolve aprovar para ratificação o Estatuto das Forças Armadas, o Estatuto Civil e o Estatuto dos Quartéis-Generais Internacionais, todos criados por acordos especiais concluídos em conformidade com o
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Tratado do Atlântico, Norte, conforme os textos oficiais submetidos à apreciação da Assembleia, e igualmente aprova a declaração do Governo, subscrita pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, S. Ex.ª o Prof. Paulo Cunha, quanto à reserva do direito de o Governo Português proceder com reciprocidade no entendimento e aplicação das disposições relativas ao Estatuto das Forças Armadas".
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação da proposta de resolução que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia para a de amanhã será constituída pela conclusão do debate sobre as Contas. Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1953 e pela discussão e votação da proposta de lei de revisão do Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Maria Porto.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA