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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107
ANO DE 1955 13 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 107, EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.(tm) 105 e 106 do Diário das Sessões, com rectificações dos Srs. Deputados Melo Machado e Baptista Felgueiras quanto ao Diário das Sessões n.º 105.
O sr. Presidente anunciou estarem na Mexa os elementos remetidos pelo Ministério da Economia em resposta a requerimento do Sr. Deputado Pinho Brandão.
Para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição foram recebidos na Mesa, enviados pela Presidência do Concelho, os n.ºs 266 e 267 do Diário do Governo, contenda os Decretos-Leis n.ºs 40 421, 40 422 e 40 425.
Deu-se conta, do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Camilo Mendonça, para um requerimento: Santos Bessa, também para um requerimento: Manuel Maria Vaz, que agradeceu ao Governo as providências tomadas em defesa das populações de Trás-os-Montes
Atingidas pelos temporais de Maio último; Urgel Horta, para chamar a atenção das instâncias superiores para o facto se haver sido adiada a realização de um encontro de futebol, o que trouxe grandes prejuízos para a cidade do Porto e seu comércio; Antão Santos da Cunha, sobre uma sua intervenção em sessão recente, que provocou intervenções subsequentes dos Srs. Deputados Botelho Moniz e Mário de Albuquerque; Botelho Moniz, em resposta às considerações do Sr. Deputado Santos da Cunha Sobre a televisão.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a Lei de Meios.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, Bartolomeu Gromicho, Bustorff da Silva e Santos da Cunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram l5 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Antão santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
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José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 42 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 105 e 106 do Diário das Sessões, respectivamente de 7 e 10 do comente.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: a p. 118, col. 2.ª, 1. 38, do Diário das Sessões n.º 105, onde está: «região do Douro», deve estar: «região do Reno».
O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. Presidente: do Diário das Sessões n.º 105 consta que faltei à sessão do dia 7 de Dezembro, quando a verdade é que estive presente, embora tivesse entrado após a segunda chamada, e pouco depois desta. É esta a reclamação que eu desejava apresentar sobre o referido Diário das Sessões
n.º 105.
O Sr. Presidente: - Visto mais ninguém pedir a palavra sobre os referidos números do Diário das Sessões considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Da direcção do Grémio Concelhio de Artigos de T. S. F. e Musicais de Lisboa a apoiar as considerações do Sr. Deputado Santos da Cunha acerca do Decreto n.º 40341 (televisão).
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, remetidos pelo Ministério da Economia, o a elementos pedidos pelo Sr. Deputado Pinho Brandão em requerimento apresentado na sessão de 27 de Abril último, os quais ficam à sua disposição.
Em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se igualmente na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.01 266 e 267 do Diário do Governo, 1.ª série, de 6 e 7 de Dezembro corrente, contendo os Decretos-Leis n.ºs 40 421, 40 422 e 40 425.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Camilo Mendonça.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Pela portaria do Ministério das Finanças publicada na 2.ª série do Diário do Governo de 21 de Setembro de 1954 foi nomeada uma comissão com o encargo de proceder ao estudo da situação tributária relativa à contribuição industrial dos prémios da lavoura, cooperativas e organismos análogos» s fixado em sessenta dias o prazo para apresentação do resultado dos seus trabalhos.
Decorrido já mais de um ano sobre aquela data sem que tenha sido tomada qualquer medida, não obstante anteriormente haver sido tornada pública, pela imprensa, a doutrina clara, justa e precisa fixada, a esse respeito, em despacho do Sr. Presidente do Conselho e a referida comissão ter, segundo creio, concluído os seus trabalhos dentro do prazo fixado, requeiro que, pelo Ministério das Finanças, com a possível urgência, me seja enviada cópia do relatório apresentado e informado do Estado actual do problema, de grande importância para a organização corporativa da lavoura..
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: pedi n palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Estando em execução um programa de luta contra a tuberculose; tendo o Governo resolvido concentrar os seus esforços no sentido de executar um intenso combate a esta doença; contando na profilaxia da tuberculose humana o combate à tuberculose bovina; desenvolvendo-se, desde há anos, esse combate por força do Decreto n.º 26 114:
Tenho a honra de solicitar que, com possível urgência, me sejam fornecidos, pelo Ministério da Economia, os seguintes elementos:
a) Número de bovinos leiteiros sujeitos à reacção à tuberculina em cada um dos anos desde 1931;
b) Áreas e número de bovinos sucessivamente abrangidos por essa campanha;
c) Percentagem dos bovinos leiteiros abrangidos por essa campanha em cada um dos distritos;
d) Número e percentagens das reacções positivas a tuberculina em cada campanha anual;
e) Número de animais abatidos em cada ano em virtude do resultado positivo da reacção à tuberculina;
f) Número e percentagem dos que, entre estes, foram totalmente rejeitados para o consumo;
g) Idem dos parcialmente rejeitados;
h) Valor em vida e total das indemnizações concedidas aos seus proprietários em cada um dos anos;
i) Critério estabelecido para a determinação do abate;
j) Medidas de ordem sanitária, antes e depois do abate, executadas nos estábulos onde viviam esses animais e também nos da mesma exploração;
l) Idade média dos animais adquiridos para substituição dos abatidos por causa da alergia tuberculínica;
m) Número e percentagem dos animais tuberculino-positivos depois do repovoamento e tempo decorrido até à respectiva viragem;
n) Disposições legais ou regulamentares que orientam a companha contra a tuberculose bovina;
o) Verbas despendidas com a campanha;
p) Resultados sanitários e económicos do combate à tuberculose dos bovinos leiteiros nos últimos vinte e cinco anos».
Tenho dito.
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O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª a palavra porque me sinto no dever de transmitir publicamente ao Governo da Nação os sentimentos de profunda gratidão das populações da província de Trás-os-Montes, que foram duramente atingidas por tremendos temporais a partir dos fins do Maio último e, desgraçadamente, se prolongaram até aos começos do inverno deste ano.
Em particular, e porque tenho a honra, imerecida aliás, de presidir aos destinos administrativos do concelho de Chaves, desejo manifestar-lhe o reconhecimento da sua gente por nesses momentos angustiosos de cruel provação lhes haver dado, com o carinho de uma solidariedade espiritual, reveladora dos sentimentos cristãos de todos os seus membros, o amparo moral e o auxílio material de que o infortúnio as tornou necessitadas.
E este auxilio e este amparo foram, por assim dizer, fulgurantes, praticamente instantâneos.
Na tarde de 31 de Maio deste ano uma furiosa trovoada desabou sobre a zona sudeste do concelho. A chuva caía em catadupas, com uma violência inaudita, impelida por ventos ciclónicos, junta ao ribombar do trovão e ao fuzilar dos relâmpagos, logo acompanhada pelas quedas de forte e compacta saraivada, cujas pedras chegavam a pesar mais de 220 g e com tal quantidade que uma semana depois, em certos sítios, ainda se podiam carregar às toneladas.
Quando a trovoada passou puderam ver-se os estragos causados. Foram totais na área atingida.
As águas tinham levado quase tudo.
As searas desapareceram, as sementeiras perderam-se e as vinhas foram destruídas.
Em vez delas viam-se apenas montanhas de areia e vastos cemitérios de pedregulhos enormes, numa confusão diabólica.
A terra arável fora levada pelo ímpeto das águas e surgira em seu lugar a ossatura granítica, que ela ocultava a muitos metros de profundidade.
Os leitos dos ribeiros tinham desaparecido, cobertos por montões de entulhos e destroços, e as suas águas corriam livres, talando os campos, em desordenada correria, derrubando muros, arrancando árvores, destruindo pontes, cortando as comunicações, tornando intransitáveis os caminhos, levando açudes, presas, moinhos, lagares e até algumas moradias.
Um pavor.
E a tragédia repetia-se no dia imediato, ali e noutras terras do concelho e da província, com igual violência, com idêntica sanha.
Pois bem. Logo no dia imediato, mal a notícia se tornara conhecida, o Subsecretário da Assistência telefonava de Lisboa, inquirindo, pedindo informes, para ordenar socorros imediatos, que não tardaram a vir, pela forma de subsídios eventuais.
E não contente, e para mais rapidez, deslocava-se de avião até ao Porto e surgia nos locais da catástrofe, horas depois, para ver, inspeccionar e tomar as medidas necessárias que era urgente tornarem-se.
E foi assim possível, quase imediatamente, alimentar os famintos, vestir os nus, alojar famílias e reconstruir as moradias pobres, de pobres que ficaram sem nada.
Simplesmente bela esta sua atitude.
Por sua vez, o Sr. Ministro do Interior prossegue na obra iniciada pelo seu ilustre colaborador, reforça substancialmente os subsídios concedidos, dando possibilidades às autoridades locais de actuarem rápida e energicamente na solução dos graves problemas emergentes do estado de coisas criado pelas calamidades que flagelaram a província.
Mas a acção do Ministério não se quedou por aqui.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, com idêntica e exemplar presteza, ordena que se tomem as medidas que se impunham para o restabelecimento da situação, na medida do possível.
E, através de subsídios às câmaras dos concelhos atingidos e dos serviços a cargo do seu departamento, inicia-se a reparação das estradas e caminhos, a limpeza dos ribeiros, a reconstrução das pontes e de outras obras de interesse local, dando trabalho, que é a forma mais nobre de dar pão a quem dele carece.
Todos os serviços públicos, espontaneamente, se oferecem para colaborar nos auxílios a prestar, tanto civis como militares.
A Igreja não fica indiferente. A imprensa e até os simples particulares acorrem de todos os lados a prestar ajuda.
Sr. Presidente: o mal não esquece, mas o bem também não.
As horas da tragédia passaram. Oxalá que não voltem. Mas há uma coisa que fica sempre nas almas e nos corações bem formados.
E a lembrança do bem que se recebeu.
E a gente de Trás-os-Montes não é ingrata.
Ela recordar-se-á das horas de aflição por que passou, mas lembrar-se-á também do amparo moral recebido e do socorro material que lhe foi dado naquelas horas amargas por todos, com especial relevo para aqueles ilustres membros do Governo, a quem deste lugar e em nome dela, singelamente, sentidamente, à boa maneira transmontana, eu digo com reconhecimento:
Bem hajam! Deus lhes pague.
Tenho dito.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: com infinita mágoa pedi a V. Ex.ª me fosse concedida a palavra para rapidamente, em ligeiro apontamento, trazer à Assembleia Nacional o amargurado o revoltado sentimento da população do Porto e da região do Norte do País que aqui represento.
O facto, na sua essência é inteiramente conhecido através da imprensa que o noticiou e o comentou dentro de normas orientadas por um espírito de liberdade e de independência sempre adoptado.
No Porto devia ter-se realizado ontem um dos mais importantes encontros de futebol para disputa do campeonato nacional.
A semana havia passado em constante agitação, na ânsia de aquisição de bilhetes que permitisse a assistência ao grande prélio. Viviam-se horas de inquietação, tudo se preparando para receber condignamente os visitantes, que ali iriam satisfazer o interesse dedicado à sua causa.
Hotéis, restaurantes e pensões abasteceram-se largamente, como prevenção adequada às necessidades do momento. Todos os meios de transporte da região haviam sido contratados para servirem as pessoas que se deslocassem ao Porto.
A cidade no próprio sábado acusava já um extraordinário movimento de forasteiros. E tudo decorria dentro das previsões do facto que se aguardava.
Inesperadamente, a hora adiantada da noite, tudo se transforma. O Porto-Sporting, com grande surpresa, era adiado para o dia de Ano Bom. Esquecem-se leis e regulamentos elaborados para serem cumpridos. Desprezam-se direitos defendidos pelas leis e por esses regulamentos.
Não se consulta, não se atende, nem se respeita a situação criada a uma grande colectividade, com uma população de mais de 30 000 associados, onde sacrificadamente se luta e se trabalha. Como não se atende nem se respeita a população inteira duma grande cidade, que sempre através dos tempos tem dado lições do maior civismo.
Menosprezam-se interesses, enjeitam-se responsabilidades, esquecem-se todos os prejuízos de ordem despor-
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(...) tiva, moral e económica, pondo de parte todos os princípios em que assentam as boas normas da sociedade em que vivemos. E todo este amontoado de faltas graves é cometido friamente, sem qualquer justificação baseada na razão e assente no direito.
A Federação Portuguesa de Futebol exorbitou nas suas funções, afastando-se propositadamente dos textos regulamentares, criando no desporto um procedente péssimo e criando à cidade do Porto problema que envolve graves prejuízos para algumas das suas actividades.
A participação desse adiamento, feita a horas tardias, impróprias, servindo-se oficialmente do telégrafo e do telefone, representa um acto que necessita de ser pormenorizadamente esclarecido, dando satisfação à população desportiva do País, em especial ao Porto e ao sen clube, tão profundamente ferido e diminuído nos seus incontestáveis direitos.
Impõe-se uma reparação que será difícil encontrar para ser satisfatória, de tanta gravidade se revestem os danos morais e materiais sofridos.
E, porque tenho responsabilidades especiais, levanto neste lugar a minha voz, como veemente protesto contra a violência cometida. Como Deputado pelo Porto, cargo que sempre tenho procurado servir com a mais alta dignidade, peço a V. Ex.ª para ser transmitido ao Sr. Ministro da Educação Nacional o pedido, que formulo em nome da cidade, de procedimento a um rigoroso inquérito, justificativo dos motivos que conduziram a tão estranha resolução.
Sr. Presidente: o desporto tem de ser uma escola de educação física, cívica e moral, escola de lealdade, e se os dirigentes são os primeiros, com o exemplo das suas decisões, a falsear os princípios que o deve nortear em todas as circunstancias, negue-se-lhes a autoridade e confiança de que não sabem usar.
Confio, Sr. Presidente, no criterioso e lúcido espirito, quer do Sr. Ministro da Educação Nacional, quer do ilustre Subsecretário da mesma pasta, que tantas e tão boas provas vêm dando da sua inteligência e da sua vontade na solução de problemas da mais alta projecção na vida da nossa mocidade.
E o Porto, apresentando pela minha voz o seu protesto, espera confiadamente ser ouvido.
Tenho dito.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: os problemas têm a importância do interesse que despertara.
Quando na passada semana fiz aqui uma intervenção sobre os problemas comerciais ligados à concessão do exclusivo da televisão estava muito longe de supor que o assunto despertaria o interesse que efectivamente despertou.
O nosso ilustre colega Sr. Deputado Botelho Moniz, na passada sexta-feira, teve a gentileza e a amabilidade de se referir à minha intervenção e fê-lo em termos da melhor cortesia e da maior elegância, pelo que me é dado significar a S. Ex.ª os meus agradecimentos.
Eu não me referiria à intervenção do Sr. Deputado Botelho Moniz se não sentisse a necessidade de esclarecer um ou outro ponto da sua intervenção.
Com efeito, não foi aqui atacado por mim o facto de o Estado ter dado o exclusivo da televisão a uma empresa concessionária, mas tão-somente posta uma dúvida acerca do sistema de exploração de tão importante sector da radiodifusão.
O problema essencial que estava na base da minha intervenção foi, e é, este: o de saber se uma empresa à qual é dado um exclusivo com benefícios de vária ordem pode e deve concorrer com o comércio estabelecido na venda dos aparelhos de televisão ou de radiodifusão.
Não se trata de limitar a empresa polo que diz respeito à produção dos seus programas, mas apenas de saber se é legitimo que essa empresa desça ao terreno comercial vendendo quer aparelhos de televisão, quer de radiodifusão.
Eu penso, Sr. Presidente, que a nossa rede comercial de aparelhos de radioelectricidade está suficientemente preparada para fazer face aos problemas resultantes da criação da televisão em Portugal.
E, nestes termos, parecia-me mais conveniente que a nova empresa concessionária se debruçasse com interesse sobre os aspectos ligados à produção dos programas de televisão e que deixasse ao comércio estabelecido a colaboração na obra de fomento da criação de telespectadores, porque penso que essa rede está habilitada a fazê-lo com vantagem para a empresa concessionária e para o comércio estabelecido. É apenas a dúvida que eu formulei e que eu pus à consideração de V. Ex.ª e da Assembleia. O Governo está atento à actividade produtora de televisão, mas não pode esquecer os problemas do comércio da radioelectricidade.
Não posso terminar sem apresentar os meus agradecimentos ao meu ilustre colega Sr. Major Botelho Moniz.
Sr. Presidente: a vida é cheia de contrastes e a vida parlamentar também o é. E eu não posso dispensar igual apreciação u intervenção que foi feita na passada sexta-feira, conforme acabo de tomar conhecimento pelo Diário das Sessões, pelo meu ilustre colega Mário de Albuquerque, e como ele lamentou a minha ausência lamento com igual sinceridade que ele não esteja presente. É que com as suas palavras conseguiu criar um problema, um conflito parlamentar que efectivamente não existiu. E assim as pessoas curiosas da vida parlamentar poderão acusar o Sr. Deputado Mário de Albuquerque de ter fantasiado uma contradição entre aquilo que é a opinião de S. Ex.ª o aquilo que é a minha opinião.
Com franqueza, por mais que me debruce sobre o Diário das Sessões não consigo encontrar o que possa justificar a intervenção daquele meu ilustre colega.
Houve apenas uma conversa amiga, que não merecia que fosse trazida à tribuna e ã Assembleia, e isto simplesmente porque aquilo que dissemos entre nós nunca me passou pela cabeça pudesse vir a servir para o Sr. Deputado Mário de Albuquerque nos dar mais uma vez oportunidade de reconhecer os seus grandes méritos de orador e escritor com grande habilidade para o humorismo. A Câmara ainda não esqueceu a sua jocosa intervenção no caso da Biblioteca da Manizola...
Sr. Presidente: tenho de pedir desculpa à Câmara, e antes de mais a V. Ex.ª, pois, em verdade, quando se fala de problemas relacionados com o serviço público a que estou ligado devia esquecer-me da minha posição de administrador dos Portos do Douro e Leixões e só me lembrar de que sou Deputado.
Eu não consegui ser superior a essas circunstâncias, e, por isso, peço desculpa, e pedindo desculpa para mim simultaneamente a peço para o Sr. Dr. Mário de Albuquerque, se S. Ex.ª também não conseguiu, apesar da sua independência e inteligência, estar acima e fora de posição da empresa que ajudou a formar e cujos problemas muito bem conhece.
Tenho dito.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: agradeço sensibilizado no Sr. Deputado Dr. Antão Santos da Cunha as palavras amáveis que acaba de pronunciar acerca ria minha intervenção. Elas demonstram que é sempre possível nesta Casa, mesmo quando há forte divergência de opiniões ou de representações de interesses, que s sempre possível, repito, discutir todos os assuntos naquele plano de elevação e cortesia que tem
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(...) sido norma desta Assembleia e pode servir de modulo que deveriam seguir os parlamentos nos países estrangeiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Sr. Ur. Antão Santos da Cunha é advogado distinto e conhece melhor que eu todas as nuances, as subtilezas e as diferenças de classificação que existem nas leis. Portanto, não pode ignorar que uma coisa é a concessão atribuída a uma empresa para exclusivo do serviço público de televisão e outra coisa muito diversa a autorização dada explicitamente na lei a essa mesma empresa para exercer determinado comércio. A meu ver, pela própria natureza da sociedade que vai ser criada, nem talvez fosse necessária essa autorização explícita, porque ela resultava nitidamente das funções que deve exercer uma sociedade industrial e comercial. Entretanto, para evitar dúvidas, o Decreto-Lei n.º 40 341 estabelece que ela poderá exercer o comércio de receptores de rádio. Fez-se isto, e fez-se muito bem, pelas razões que foram explicadas na minha intervenção de 9 do corrente. Mas nada tem, absolutamente nada, com a concessão da televisão.
A propósito, repito o que aqui disse na sessão passada: é curiosa a posição do meu ilustre antagonista, porque por um lado protesta contra a tendência de se criarem monopólios e por outro defende o monopólio ou, melhor, o pluripólio da venda de aparelhos receptores de rádio em benefício exclusivo dos comerciantes actuais.
Parece que isto não está absolutamente exacto.
Veremos se a nova empresa, e isso só o futuro o poderá dizer, se encaminhará no sentido de prejudicar o comércio de rádio ou de, francamente, o beneficiar. Eu concluo pela última hipótese.
Em primeiro lugar, verifica-se em Portugal, nas bases aprovadas pelo Governo, que não foi criada qualquer taxa a pagar pelos comerciantes de aparelhos de televisão à empresa, concessionária na ocasião da venda de receptores, como é corrente nalguns países estrangeiros.
Com efeito, uai o das receitas de certas empresas concessionárias de Radiotelevisão no estrangeiro, além das taxas anuais pagas pelos telespectadores, consiste no imposto, fixo ou variável, conforme o valor do aparelho, pago pelo comerciante de rádio u empresa concessionária no momento da venda desse aparelho. Aquele imposto não se criou em Portugal porque o objectivo da mova sociedade consiste exactamente em divulgar o mais possível a televisão a frequência modulada, e isso só pode conseguir-se evitando complicações e encargos na venda dos aparelhos. Em segundo lugar, julgo que o comércio actual não pode assustar-se com o aparecimento de mais um corrente. Mais um, entre dois mil. Afinal de contas, em matéria de comércio, a mova sociedade vai trabalhar na escala de um para dois mil...
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu não queria, interromper porque sei quanto é aborrecido para uma pessoa que está no uso da palavra ser interrompida.
No entanto, se S. Ex.ª me dá licença, a sua linha de considerações ora inteiramente procedente se a empresa fosse concorrer em igualdade de circunstâncias, mas nónio ela vai trabalhar no mesmo ramo com uma soma de benefícios, como sejam a isenção de contribuições do Estudo e autarquias, e com uma isenção de direitos de importação, em termos vagos, V. Ex.ª compreende que não se trata de consentir mais um comerciante.
O que eu tenho receio é que essa empresa concessionária possa concorrer no terreno comercial com o exclusivo que lhe foi dado.
O Orador: - Não me incomodou a interrupção. Só tenho que lha agradecer, porque V. Ex.ª veio precisamente ao meu encontro ao referir-se a uma coisa que eu desejava que fosse totalmente esclarecida.
Quanto a isenção de direitos de importação, embora V. Ex.ª ponha aí uma dúvida, ao falar em «termos vagos», peço licença para declarar que os serviços competentes da Presidência do Conselho já esclareceram perfeitamente os grémios dos comerciantes de rádio: uma coisa é a concessão, outra o comércio de rádio. Quanto ao material indispensável para os emissores de serviço público, quer para o seu primeiro estabelecimento, quer para a sua conservação, não há dúvida de que a empresa usufrui da isenção de direitos.
Quanto aos receptores a importar para venda ou aluguer, ou ao material respectivo, nenhuma isenção existe. Isto é, encontra-se em igualdade absoluta de condições com os comerciantes de rádio, e nem nutra coisa seria correcta, leal e admissível.
O Sr. Santos da Cunha: - A declaração de V. Ex.ª é importantíssima. Mas ainda há uma isenção de impostos...
O Orador: - Há muito mais do que isso, graças a Deus! O Estado concede o subsídio de 10 por cento das taxas de radiodifusão e há a concessão, em benefício da empresa, de todas as taxas anuais de televisão. Mas o que não há é qualquer sacrifício pedido aos comerciantes de rádio, a não ser, se eles quiserem, a subscrição de capital.
Devo dizer que todas aquelas concessões talvez uai» sejam suficientes para manter uma empresa que, nos seus primeiros anos, vai ter grandes dificuldades do vida. Ela, com certeza, assumirá grandes responsabilidades. Ela, com certeza, vai correr riscos tremendos. Em contrapartida, os comerciantes de rádio nenhum perigo idêntico podem recear. Pelo contrário, têm garantido o benefício de venderem aparelhos para os quais a nova empresa, sem nada lhes exigir em troca, vai criar a possibilidade de venda.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª há pouco agradeceu o meu aparte e eu, por isso, voai interrompê-lo, tão certo estou de que V. Ex.ª segue uma linha clara de pensamento que nada a perturbará.
Interrompo V. Ex.ª apenas para lhe dizer o seguinte: as declarações de V. Ex.ª têm uma importância e relevo extraordinários na medida em que nus informa que a isenção dos direitos de importação não poderá incidir sobre os aparelhos receptores. V. Ex.ª referiu mais que a empresa criou um novo mercado, com o qual muito terão a lucrar as actividades comerciais.
Quero apenas exprimir o voto de que u empresa concessionária aproveite o exclusivo de Radiotelevisão no sentido de estabelecer com o comércio um entendimento, por forma que a empresa fique livre para as suas tarefas, para os problemas da produção. À semelhança do que é feito em Lisboa, e V. Ex.ª sabe, com as Companhias Reunidas Gás e Electricidade, que, interessadas na produção, não só não vendem os aparelhos de uso doméstico, para consumo de energia e de gás, como facilitam essa venda ao comércio.
Quem dera que a nova empresa seguisse rumo idêntico e estabelecesse com a rede comercial já existente um modus virendi semelhante na parte que lhe compete.
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O Orador: - Novos agradecimentos lhe dirijo, Sr. Deputado Santos da Cunha, porque me permite o ensejo de exprimir opinião absolutamente igual à sua. A propósito, devo dizer que algumas emissoras particulares de rádio, agora accionista da Radiotelevisão Portuguesa, em especial no Norte, do País, estão intimamente ligadas ao comércio da rádio, ou são mesmo propriedade do comerciantes da rádio. Essas empresas, afinal, constituem exemplo ou precedente em relação à sociedade concessionária da nova rede de emissores.
Ao contrário daquelas, a entidade proprietária do maior grupo de emissores particulares da metrópole - o Rádio Clube Português, s cuja direcção presido - recusou-se sempre, terminantemente, a entrar em concorrência com o comércio legítimo tia rádio. E sucede que, talvez por mal dos meus pecados, o maior accionista da nova sociedade concessionária, depois do Estado, será o Rádio Clube Português, que ali representará os interesses dos radiouvintes nacionais.
Suponho que essa representação não está de toda mal entregue.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A orientarão havida nos vinte e cinco anos primeiros da sim existência julgo que vai manter-se daqui para o futuro: tudo se passará dentro do espírito de colaborarão nitidamente marcado na fórmula, que presidiu à constituição da concessionária, porque foram chamadas a colaborar nela todas as pessoas que até hoje têm estado interessadas quer na radiodifusão, quer no comércio da rádio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua uni discussão a proposta de lei de autorizarão de receitas e despesas para o ano de 1956.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: no iniciarmos a apreciação, que pretendemos fazer, acerca de uma das bases de maior importância contida na Lei de Meios desejamos prestar a nossa homenagem ao Sr. Ministro das Finanças, uni novo que tantas e tão claras provas vem dando da sua capacidade, bem demonstrada já durante o período em que foi Subsecretário do Tesouro e plenamente confirmada agora na alta função em que se encontra investido. Mas não queremos, neste instante, deixar de lembrar - e lembro-o com muita satisfação e orgulho - o Ministro que o antecedeu na mesma pasta, o Ur. Artur Águedo de Oliveira, que em todos os difíceis postos de comando e sacrifício que ocupou demonstrou sempre alto critério, subido valor, notável competência e a mais elevada distinção e dignidade. Para S. Ex.ª vão os melhores sentimentos da minha admiração e do meu respeito e de satisfação por o contar no número dos meus colegas nesta Câmara.
Sr. Presidente: permita V. Ex.ª que dedique agora a minha atenção e a atenção da Assembleia para o problema do tuberculose, que tão acarinhado tem sido, durante a vigência do Estado Novo, pelo Governo e a que o Sr. Ministro das Finanças, na apresentação da Lei de Meios, prometeu dedicar todo o interesse. Estamos firmemente esperançados em que, continuando no mesmo ritmo o nosso apetrechamento contra o terrível flagelo, o resultado obtido será compensador, como se tem observado noutros países.
A saúde tem um grande valor económico-social na vida dos povos e ao Estado cube o dever de organizar os serviços próprios para a sua manutenção, combatendo a doença. Muito nos apraz render neste instante o preito da nossa homenagem ao Governo, e muito especialmente aos Ministros por onde correm as questões que à tuberculose dizem respeito: ao Sr. Ministro do Interior, Ur. Trigo de Negreiros, que a todos os problemas assistenciais tem prestado o alto valor da sua inteligente acção, exuberantemente demonstrada através da sua benéfica e prometedora actividade ministerial, e ao Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, Dr. Melo e Castro, que à defesa da saúde e à cura da doença vem dedicando notável actividade, firmada no inteligente estudo e consagrada devoção com que procura valorizar e solucionar tão delicado problema.
Sr. Presidente: o problema da tuberculose, tal como acontece com todas as endemias, comporta dois aspectos fundamentais:
a) A profilaxia;
b) O tratamento dos infectados.
No caso particular da endemia bacilar, embora tenham sido notáveis os progressos nos meios de combate, continuam a ser difíceis as soluções, tanto num como noutro, destes dois aspectos. Consideremo-los separadamente.
PROFILAXIA. - Como se acaba de dizer, o estudo da profilaxia da tuberculose comporta numerosos problemas, os quais, embora minuciosamente definidos pelos especialistas, e, portanto, de soluções técnicas perfeitamente conhecidas, são, contudo, árduos na execução, não tonto pela boa prospecção - técnica que é de exigir ao pessoal que tenha de intervir, mas, sobretudo, pelo preço das medidas necessárias. Com efeito, antes de se tentar sanear uma - população maciçamente infestada, como a nossa, é necessário prepará-la para que tal saneamento seja de bom rendimento.
Entre as medidas basilares para um combate eficaz à tuberculose há que mencionar antes de tudo:
a) Nível de vida suficiente, que permita boa higiene o boa alimentação;
b) Casas salubres em locais salubres;
c) Razoável educação, que coloque os indivíduos na posse dos conhecimentos indispensáveis para pôr em execução, de maneira efectiva e consciente, os preceitos recomendados pelas autoridades sanitárias.
Mencionadas as condições basilares, sem as quais toda a campanha estará votada, não talvez a um fracasso, mas com certeza a um menor rendimento, vejamos quais são as outras medidas profilácticas:
d) O radiorrastreio;
e) A vacinação pelo B. C. G.;
f) O isolamento dos doentes contagiosos.
O radiorrastreio sistemático, que permite identificar precocemente os casos de tuberculose pulmonar, fornece também elementos, quando o exame é negativo, para afastar os indivíduos susceptíveis de serem vacinados.
Assaca-se-lhe o inconveniente de, assinalando grande número de tuberculosos pulmonares desconhecidos, aumentar o número dos doentes identificados e, consequentemente, tornar premente a necessidade de ins-
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(...) talar mais camas para os evolutivos contagiosos. Tal inconveniente é, de toda a evidência, fictício, pois melhor é enfrentar um perigo pondo em prática as medidas possíveis do que ungir ignorá-lo.
Além disto, mesmo que o apetrechamento não possa atingir rapidamente um nível óptimo para um combate eficaz completo, ganha-se enormemente em conhecer grande número de casos em que se estabelece o tratamento nos estados iniciais fia doença, o que não raro torna possível esse tratamento em regime ambulatório, e. na hipótese de ser necessário o internamento, o prazo deste será muito mais curto.
É evidente que os doentes com lesões adiantadas, exigindo longa permanência em estabelecimentos hospitalares, obrigam a muito maior dispêndio de dinheiro e de esforços, não filtrando já em linha de conta com prejuízos constituídos pelo facto de esses doentes, na sua prolongada incapacidade, não poderem fornecer à sociedade avultado número de horas de trabalho. Este ultimo aspecto não é para desdenhar ou para desprezar.
Vejamos o que existe em Portugal:
Tem o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos três centros de profilaxia, dotados cada um deles de uma unidade fixa e de uma unidade móvel. Até 1953 o total de exames radiofotográficos realizados por estes centros pouco excedia s cifra de 70 000, número verdadeiramente insignificante numa população de 8 500 000 habitantes (ver quadro C).
Apesar da notória modéstia do número indicado (que segundo nos consta, cresceu substancialmente de 1953 para cá), alguns importantes resultados foram obtidos, despistando focos de tuberculose, que desta forma puderam ser combatidos.
Para que o método dê resultados sensíveis é necessário que entrem em funcionamento muitas mais unidades, sobretudo móveis, que, deslocando-se sistematicamente através das províncias, permitam a identificação doa doentes e designem as pessoas que podem ser vacinadas.
Tal como as coisas se apresentam na hora actual, a actividade dos três centros de profilaxia, posto que muito apreciável, apenas tem o valor de uma experiência, que exemplifica, pelo seu sucesso restrito, as largas possibilidades do método. Para se alcançarem resultados que verdadeiramente influam na morbilidade e na mortalidade da tuberculose há necessidade premente de alargar muito este serviço.
Não nos parece exagerado afirmar que é na zona norte que mais se deve intensificar o radiorrastreio, não só porque é na área do Torto que se observam as mais altas taxas de mortalidade, conformo adiante se verá, mas também por ser aí que existem as mais importantes concentrações industriais do País.
Embora fora do âmbito da acção do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, é de justiça mencionar, a propósito do recenseamento torácico, os servidos de rastreio do Exército e os da saúde escolar de Lisboa.
Quanto à vacinação pelo B. C. G., começarei por lembrar que na hora que passa o número de vacinações levadas a efeito em todo o Mundo orça pelos 100 milhões (Griesbach - Collection de L'Institut Pasteur, edição de 1954). Este número é cheio de significação quanto à importância que em muitos países está tomando este aspecto da profilaxia antituberculosa.
É certo que, aqui e além, ainda se erguem algumas opiniões discordantes quanto à eficácia deste género de vacinação. Porém, tanto quanto podemos averiguar, nunca se produziu um argumento - inexpugnável em desfavor da aplicação do bacilo de Calmette e Guérin na imunização parcial dos indivíduos, principalmente no que respeita à sua inocuidade.
Em Portugal até 1953, inclusive, apenas, se tinham vacinado cerca de 33 000 pessoas. Ora, estudos cuidadosos feitos sobre o assunto concluíram que para a vacinação, aliada ao radiorrastreio, exercer unia acção manifesta no decrescimento da tuberculose é necessário que a campanha pela combinação dos dois métodos envolva pelo menos 70 por cento da população.
Atendendo aos nossos 8 500 000 habitantes, as cifras de vacinação e de exames radiológicos - respectivamente de 33 000 e 70 000 até 1953, inclusive - estão muito aquém do número teórico necessário. Torna-se, portanto, útil, e até urgente, que os serviços especializados nestes dois géneros de trabalho recebam impulso forte e, sobretudo, rigorosamente planeado e ordenado, de modo que se atinjam rapidamente números que possam contribuir para o decréscimo do mal.
Este asserto é apoiado pela circunstância de o preço da aplicação maciça destes processos exigir um dispêndio de dinheiros imensamente inferior ao da hospitalização dos infectados. O aspecto financeiro da questão é importantíssimo e, neste caso particular, conjuga-se harmoniosamente a máxima que nos ensina ser mais avisado prevenir do que remediar.
Sr. Presidente: antes de entrarmos na análise do apetrechamento autituberculoso - o actual e o previsto - existente em Portugal, diremos algumas palavras acerca da evolução do problema nos seus aspectos respeitantes à mortalidade e à morbilidade.
Desde que a medicina dispõe de meios terapêuticos mais eficazes, nomeadamente os antibióticos, a baixa manifesta da mortalidade é um fenómeno observado em todo o Mundo.
Esta baixa deu-se também em Portugal, verificando-se que a descida se tem vindo a acentuar, lenta mas sensivelmente, visto que a permilagem, que em 1930 era de 1.91, caiu para cerca de um terço em 19õ3, ano em que a taxa média verificada no continente e ilhas adjacentes foi de 0.627.
Cumpre, a este propósito, prestar homenagem ao Governo, que facilitou ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos os meios de combate a que tão notável decréscimo se tem necessariamente de atribuir, medidas essas que consistiram no aumento do número de camas e do número de dispensários e muito especialmente, na circunstância de a expensas do Estado se ter feito, e continuar fazendo, distribuição de antibióticos (vide quadro 13).
No que toca à morbilidade. é de supor que tenha aumentado. E digo é de supor porque não existem estatísticas que, incidindo em camadas populacionais suficientemente vastas, forneçam resultados capazes de servir de base para um reajustamento do plano de luta antituberculosa.
Não se veja no facto de mencionarmos esta omissão um sentido de crítica ou de censura.
Tal omissão observa-se em quase todos os países, pois é extremamente difícil saber o número exacto de tuberculosos existentes, dado que frequentemente eles próprios ignoram se são portadores de lesões, e por consequência não procuram médico, que poderia comunicar o caso para fins de estatística. Só o rastreio que abrangesse grandes grupos populacionais poderia fornecer números suficientemente exactos.
Depois de pronunciadas estas palavras de esclarecimento, justifica-se a afirmação que fizemos de que a morbilidade aumentou, aduzindo os argumentos que podem ser facilmente encontrados em qualquer compêndio que trate o assunto.
Com efeito, esse aumento é sobretudo devido à própria queda da mortalidade, visto que muitos doentes,
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tratados com êxito relativo e que antigamente sucumbiam, somando-se aos doentes novos, engrossam sensivelmente as taxas que exprimem a morbilidade.
Acrescentem-se, como factores que contribuem para este aumento, o radiorrastreio (que põe a descoberto muitos casos que antigamente passavam despercebidos, sem que por isso deixassem de existir) e a propaganda, que, instruindo a população, leva um certo número riu indivíduos a procurar o auxilio médico. Pelas razões que ficam expostas, apenas poderemos apoiar os nossos raciocínios na taxa de mortalidade.
Sempre no ano de 1953, verificamos que a taxa mediu da mortalidade pela tuberculose, referida a mil habitantes, no continente a nas ilhas, foi de 0,627. Considerando a mesma taxa nas três zonas do País, encontramos o valor mais baixo na zona centro, com 0,472, a seguir o valor médio, na zona sul, com 0,639, e a taxa de mortalidade mais pesada cabe à zona norte, com 0,765, ou seja quase o dobro do valor apontado para o Centro do País.
Porém, discriminando os números, e descendo das zonas para, os distritos, verificamos que a mais elevada taxa aparece no distrito do Porto, com o valor de 1,195, sensivelmente duplo da taxa média de todo o País (0,627). Mas, apertando ainda mais o exame dos números estatísticos, e analisando-os por concelhos, descobrimos aspectos verdadeiramente confrangedores para a área do Porto. Assim, vejamos:
O concelho do Porto, que, de 1946 a 1951, entre os demais concelhos de Portugal, ocupou o pior lugar, com taxas que oscilavam entre 4,066 por mil e 3,591, por mil melhorou ligeiramente a sua posição em 1902.
Mas tal melhoria não nos podo alegrar, pois que, em 1953, ocupando o concelho do Porto o terceiro lugar, em vez do primeiro, entro os piores com uma taxa de 2.392 por mil, vemos que os dois primeiros lugares são agora ocupados pelos concelhos de Matosinhos e de Vila Nova de Gaia, respectivamente com taxas de 2,649 e 2.575 por mil.
Sabendo-se que Matosinhos e Caiu apenas se separam da cidade do Porto por razões de ordem administrativa, constituindo, na realidade, os três concelhos um núcleo populacional uno, conclui-se que a situarão mais angustiosa se observa na área da cidade do Porto.
Discriminemos os concelhos de mais pesada mortalidade, por ordem decrescente, nos fins de 1953, por mil habitantes:
Matosinhos ........... 2,649
Gaia. ................ 2.575
Porto ................ 2,392
Valongo .............. 2.243
Gondomar ............. 2,224
Espinho .............. 2,187
Póvoa de Varzim ...... 2,011
Maia ................. 1,970
Daqui resulta a dolorosa e insofismável conclusão de que os concelhos de mais elevada mortalidade pela tuberculose são justamente os limítrofes da cidade do Porto. As causas de tão desagradável situarão não são difíceis de descortinar: insalubridade das habitações, ausência de meios profilácticos e terapêuticos substanciais, baixo nível de vida, etc.
Seria de toda a lógica supor que, tendo os organismos encarregados da solução do problema conhecimento de ser a área do Porto aquela que mais urgentemente necessita de socorros, para ela lançassem em primeiro lugar a sua atenção, planeando, mas minuciosamente do que para os menos necessitados, as medidas tendentes a diminuir o mal. Será isto o que sucede? Vamos ver que não! Cabe agora aqui passar em revista os meios de que o País dispõe pura o combate à tuberculose, conformo os quadros A e B o demonstram.
Considerando os dois pontos basilares - o número de camas de sanatórios (tuberculose pulmonar e tuberculose óssea) e o número de dispensários - faremos o seguinte quadro (números referentes ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e estabelecimentos por ele subsidiados):
Zona norte:
Camas ................. 604
Dispensários .......... [...]6
Número de habitantes .. 2 427 091
Zona centro:
Camas ................. 654
Dispensários .......... 31
Número de habitantes .. 2 444 946
Zona sul:
Camas .................... 1491
Dispensários ............. 34
Número de habitantes ..... 3 638 203
Se fizermos as proporções relativas ao número de habitantes de cada zona, encontramos:
Zona norte:
24.88 camas por 100 000 habitantes;
1 dispensário para 151 687 habitantes.
Zona centro:
26.7 camas por 100 000 habitantes;
l dispensário para 78 867 habitantes.
Zona sul:
40.9 camas por 100 000 habitantes;
l dispensário para 107 005 habitantes.
Já aqui se nota este aspecto absurdo: de ser a zona de mais pesada mortalidade aquela que dispõe de menor apetrechamento. E não se objecte que os sanatórios não estabelecem distinções de procedência para a admissão dos doentes, porquanto, como determinam razões económicas (como transporte e outras) e sentimentais (vizinhança do meio familiar, facilidade de visitas, etc.), é de toda a conveniência que na medida das indicações climáticas, o doente se afaste o menos possível da sua própria região. E é isso que efectivamente se verifica entre nós na, prática?
Isto quanto aos sanatórios. Quanto aos dispensários - elementos importantíssimos na luta -, nenhum argumento deste género poderá ser invocado. Mas pode dizer-se: o que lá vai, lá vai! Vamos reorganizar em bases mais justas! E assim chegamos ao ponto crucial, ao ponto cruciante.
No quadro E menciona-se o programa de realizações em curso. Analisando-o e conjugando-o com o quadro B, verificamos que a zona norte é dotada com 100 camas em sanatórios e 6 dispensários; a zona centro é dotada com 542 camas e 5 dispensários e a zona sul com 319 camas e 4 dispensários. Munidos destes informes, constrói-se o seguinte resumo de proporções. Depois de realizado o plano anunciado em 1953, teremos, em relação à população:
Zona norte:
29 camas por 100 000 habitantes;
l dispensário para 110 318 habitantes.
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Zona centro:
48,9 camas por 100 000 habitantes;
l dispensário para 67 913 habitantes.
Zona sul:
49,7 camas por 100 000 habitantes;
l dispensário para 95 741 habitantes.
Em resumo: depois de executado o plano em curso, fica o Norte com muito menor apetrechamento que o Centro e o Sul.
Em compensação, podemos ufanar-nos de taxas de mortalidade muito superiores. Assim, na área do Porto e arredores (média entre Matosinhos, Gaia, Porto, Valongo, Gondomar, Póvoa e Maia) encontramos 2,294 por mil, ou seja perto de quatro vezes mais do que a média para o continente e as ilhas (0,627).
Sr. Presidente: na desgraça somos infinitamente grandes, e para sermos pequenos pedimos ao Governo as providências necessárias, que, como sempre, nos não serão negadas.
Mas, (Sr. Presidente, debruçando-nos mais uma vez sobre o panorama da luta antituberculosa, não pode deixar de pôr-se em relevo o papel desempenhado pela Santa Casa da Misericórdia do Porto, que sempre, tanto em grandeza de assistência como em qualidade de serviços técnicos, ocupou lugar destacado, mercê da competência e dedicação dos seus servidores - médicos e não médicos. E façamos agora um pouco de história.
Já em 1888, decorridos apenas seis anos sobre a sensacional descoberta do bacilo de Koch a benemérita instituição criava no seu seu Hospital de Santo António as primeiras enfermarias de isolamento para tuberculosos pulmonares. E desde então até há poucos anos foi a Santa Casa da Misericórdia que tomou sobre si o pesado encargo de hospitalizar os tuberculosos pobres do Porto, primeiro no seu Hospital Geral, mais tarde no Sanatório Rodrigues Semide, grande padrão assistêncial, orgulho da cidade.
Afigura-se-nos que, dentro da campanha antituberculosa, tão largamente desenvolvida em Portugal nos últimos anos, destacar a acção da Misericórdia do Porto e focar especialmente o coso do Sanatório Rodrigues Semide constitui verdadeiro acto de justiça e ao mesmo tempo de interesse público.
E não fica mal, Sr. Presidente, lembrar, entre muitos que generosamente contribuíram com o seu notável esforço para que o Sanatório Rodrigues Semide, no meio de tantas dificuldades, abrisse as suas portas e fosse a grande obra social que é, lembrar o falecido benemérito Sr. António C/alem, provedor nessa data, homem respeitado e venerado pelo Porto inteiro.
E ainda outro dos grandes, que dentro da Misericórdia , na obra do Sanatório e no auxílio valiosíssimo à campanha antituberculosa tem o seu nome impresso em letras de ouro nos seus anais, e hoje, como então, a sua generosidade está sempre pronta para favorecer os que sofrem: o Sr. Manuel Pinto de Azevedo, que, com os seus 83 anos, continua sendo uni prestante cidadão tripeiro.
Sr. Presidente: o Sanatório Rodrigues Semide, inaugurado em 1926, na zona alta da cidade, foi durante um quarto de século, e até à abertura, em 1950, do Sanatório D. Manuel II, situado em Gaia, a única peça válida, eficaz, e constantemente actualizada, do armamento antituberculoso da cidade do Porto. E a sua acção médico-social pode e deve considerar-se do mais largo alcance e maior valia para a população portuense.
Exactamente como em 1888, a iniciativa da Misericórdia marca um período novo em relação aos problemas do contágio da tuberculose; a sua decisão em abrir o Sanatório Semide, em 1926, descobre novas perspectivas no campo da luta antituberculosa no Porto. Do ponto de vista social, reacende-se o interesse público pela campanha contra a doença, interesse que não voltou a esmorecer. Sob o aspecto técnico, entra-se na tarefa meritória de aperfeiçoamento, nos estudos e processos terapêuticos da tuberculose, nunca mais se esmorecendo em tão progressiva tarefa.
De tais e tão grandes benefícios legitimamente se podem gloriar a Misericórdia e o seu Sanatório.
Independentemente de circunstâncias, ocasionais que, certamente, deveriam produzir inevitáveis reflexos e influências, como o advento da crisoterapia e s intensificação da propaganda mundial na luta antituberculose, o problema da tuberculose pulmonar na cidade pode dividir-se em dois períodos absolutamente distintos: antes e depois da abertura do Sanatório Rodrigues Semide.
Ao Sanatório Semide, por compreensão dos seus dirigentes e pela competência e dedicação dos seus médicos - e tantos a morte já Levou que aqui recordo com a mais viva saudade -, coube a honra de se situar, desde a primeira hora, na vanguarda de todos os progressos e aperfeiçoamentos, devendo-se a sua influência e exemplo a aceitação por parte dos doentes, e a generalização no meio médico, de modernos processos terapêuticos, como no caso do método de Forlanini, pneumotórax artificial, praticado nessa data - 1926 - apenas por um ou dois médicos da cidade do Porto, não aceite e até temido por muitos, facto sem deslustre, se recordarmos que Rist, o notável tisiologista francês, lamentava em 1931 que houvesse necessidade de advogar perante os próprios colegas uma causa tantas vezes ganha: a colapsoterapia pelo pneumotórax.
O Sanatório Rodrigues Semide tem mantido lugar de pioneiro, abrindo caminho n progressivas realizações que viriam a generalizar-se proveitosamente. Ali se iniciaram todas as variantes de colapsoterapia médica, desde o pneumotórax bilateral simultâneo ao pneumotórax ambulatório, desde o oleotórax ao pneu-moperitoneu, como ali se realizaram também as primeiras intervenções cirúrgicas na tuberculose. Foi no Semide que, há mais de vinte anos, se fez a primeira vacinação pelo H. C. G.
Na cidade do Porto pode o Sanatório considerar-se precursor de todos os progressos da acção antituberculosa, tomando lugar na vanguarda, quer em observações broncoscópicas quer em exames funcionais do pulmão, e desde a pneumólise intrapleural até à pequena e à grande cirurgia da tuberculose pulmonar.
Os princípios e o espírito que à orgânica e à vida do Sanatório lhe imprimiu o seu primeiro director clínico, o Dr. Santos Silva, foram-se radicando pelo tempo fora, mantendo sempre em viva tensão o mesmo anseio de renovação e actualização; o mesmo alto e humanitário propósito de servir o melhor possível a população pobre da cidade, defendendo-a com o melhor dos recursos técnicos. E são os mesmos os princípios que hoje orientam e guiam o seu actual director clínico, o ilustre tuberculogista Dr. António de Araújo.
É bem valiosa e bem digna de registo a folha de serviços prestados pelo Sanatório Rodrigues Semide, cuja acção continua a desenvolver-se, no mesmo ritmo e com a mesma eficiência.
São muitos, muitos, os milhares de doentes que passaram pelo Sanatório e pelo seu dispensário anexo.
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E a população sabe bem quanto» dos seus ali encontraram de novo a saúde e a alegria de viver. E, posto que nem todos pudessem colher a rubra flor da vida, todos lá encontraram alívio, carinho, humana compreensão, caridade cristã.
O Sanatório Rodrigues Semide é um valor, um grande e real valor, no armamento antituberculoso da cidade do Porto. Um valor que é preciso conservar e aumentar; uma necessidade a que é preciso dar satisfação.
Nos primeiros anos da sua existência, quando os tuberculosos pobres da cidade não tinham possibilidades de internamento, a não ser no Semide, o número de doentes que passavam anualmente pelas enfermarias do Sanatório andava à roda dos 300.
Hoje, que o Porto dispõe, através dos estabelecimentos do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, de maior número de camas para os seus doentes tuberculosos, apesar disso, o Sanatório Semide continua, como no princípio, a internar anualmente as mesmas três centenas de doentes, ou mais ainda.
No começo contavam-se por muitos dezenas os pretendentes a uma cama do Sanatório. B ainda por muitas dezenas que se forma hoje a longa bicha de candidatos a internamento. Apesar da abertura de novos dispensários, a frequência do dispensário anexo ao Semide traduz-se ainda por números como estes em 1953: 3000 consultas, 11 030 radioscopias, cerca de 3500 radiografias e 4000 análises, etc.
Isto significa que para as exigências da população do Porto, em crescimento normal, não bastam os recursos de hospitalização do Sanatório D. Manuel II, somados com os do Sanatório Rodrigues Semide. E compreende-se. O Sanatório D. Manuel II - dispondo de notável capacidade de hospitalização, mas bem pequena para as necessidades do meio, e por essa razão se pensa em aumentá-lo - não tem as suas camas apenas à disposição dos doentes da cidade do Porto; tem de as dividir pelos doentes do distrito e do Norte do Puís. Sendo notável, pela sua organização e grandeza, é pequeno e insuficiente perante tão largo campo de acção, como há instantes afirmei com dados claros e positivos.
O Sanatório Rodrigues Semide, destinado nos doentes pobres da cidade, é igualmente insuficiente para as necessidades, tornando-se indispensável aumentar-lhe a capacidade e os recursos financeiros. Esta decisão impõe-se com plena justificação.
Desde há muito que a Misericórdia do Porto se ocupa da solução do problema. Desde há muito que na administração da Santa Casa, nas direcções clínicas, através dos relatórios anuais, e até em qualificados representantes dos Poderes Públicos se firmou a opinião de que o Sanatório Rodrigues Semide está nas mais favoráveis condições para economicamente duplicar a sua capacidade de internamento.
Basta verificar que os seus serviços gerais (cozinhas e anexos, refeitórios, central de aquecimento, economato, etc.) e os seus serviços técnicos, tais como radiologia, cirurgia, laboratório, esterilização, etc., servem actualmente para pouco móis de cem doentes e podem, sem acréscimos, utilizar-se para o dobro dos internados.
A Misericórdia, consciente da missão assistêncial, diminuída nos seus insuficientes recursos, não tem esquecido que lhe cumpre, por um lado, dar mais camas aos tuberculosos pobres do Porto, por outro lado, elevar ao máximo o rendimento funcional dos seus serviços. Mas, infelizmente, a exiguidade das verbas da Santa Casa não tem consentido o seu alargamento, e já é muito dotar o Sanatório com os mais modernos recursos técnicos, mantendo-o em permanente actualização de processos. E tal como se encontra e pela maneira como desempenha as suas funções o Sanatório Semide, pela qualidade do trabalho produzido e pela extensão da sua acção, pode suportar confronto, estabelecidas as devidas proporções, com as melhores organizações similares, constituindo um valor assistêncial que em nome do interesse público deve ser acarinhado e reforçado.
Nos primeiros anos da sua existência, além das receitas próprias do Sanatório, proveniente das verbas da Santa Casa e dos rendimentos da herança de Manuel José Rodrigues Semide, o Estado contribuía com uma dotação anual de 500.000$, verba inscrita no orçamento geral.
Passados tempos essa verba deixou de ser especialmente destinada ao Sanatório, englobando-se sem discriminação especial no subsidio geral concedido à Misericórdia do Porto.
Não há dúvida que foi sensível a falha dessa dotação, e restabelecê-la, reforçada, independentemente dos auxílios indispensáveis ao acrescento do actual Sanatório, é de indiscutível alcance social para a cidade do Porto, contribuindo para a solução do problema antituberculoso, longe ainda de se resolver, apesar das prevenções contra a doença, através do B. C. G. e da acção dos antibióticos.
O Sanatório pode e deve ser aumentado. A área do Sanatório comporta ainda a construção de novos pavilhões. E é cedo, muito cedo, demasiadamente cedo, para afirmar que a tuberculose é una doença agonizante, sendo indispensável a construção de sanatórios e dispensários.
É certo que diminui o número de mortes por tuberculose; mas é prudente olhar o reverso da medalha, que nos dá um aumento das curvas de morbilidade, curvas bem difíceis de estabelecer com rigor.
Os actuais métodos terapêuticos permitem hoje uma elevada percentagem de curas; mas para que tais resultados sejam seguros, para que os efeitos obtidos se não tornem aparentes, para evitar o mais possível a cronicidade da doença e os seus perigos, uma condição se impõe: a utilização precoce da terapêutica, forçosamente associada ao regime de repouso, regime que nas classes pobres apenas se pode realizar dentro de sanatórios.
Sr. Presidente: o problema da tuberculose é problema delicado e grave, mas com solução, e é por ela que combatemos dentro dos melhores sentimentos de humanidade cristã. Precisamos de multiplicar e aperfeiçoar todas as instalações onde possa fazer-se terapêutica antituberculosa. Torna-se necessário multiplicar muitas vezes os nossos dispensários, apetrechando-os com todo o material indispensável ao diagnóstico da doença se à vigilância da sua acção terapêutica.
Precisamos de mais sanatórios e alargamento dos existentes.
As camas que possuímos são mais que insuficientes, tornando-se urgente um acréscimo substancial de leitos. Criem-se novos pavilhões, da mais premente utilidade.
E, no que diz respeito ao Sanatório Rodrigues Semide, dê-se execução, pronta e rápida, ao projecto há muito elaborado, para o qual chamamos a esclarecida atenção do Governo, sempre no caminho das realizações que tendem para melhoria das condições de vida dos que sofrem, proporcionando-lhes saúde e alegria, u bem da família, a bem de todos, e especialmente a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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QUADRO A
Armamento antituberculoso existente em 1953
Pertencentes ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos:
10 sanatórios de tuberculose pulmonar ........ 1 766
3 sanatórios de tuberculose óssea ............ 671
3 centros de cirurgia torácica ............... 276
3 preventórios ............................... 156
70 dispensários .............................. -
3 centros do profilaxia ...................... -
3 laboratórios centrais ...................... -
2 869
De colaboração ou subsidiados pelo Instituto do Assistência Nacional aos Tuberculosos:
3 sanatórios de tuberculose pulmonar ... 246
2 enfermeiras .......................... 66
4 preventórios ......................... 340
12 dispensários ........................ -
19 consultas - Dispensário ............. -
652
Particulares:
9 sanatórios de tuberculose pulmonar ....... 1 679
5 sanatórios de tuberculose óssea .......... 493
42 hospitais e enfermarias ................. 1 084
1 preventório .............................. 60
2 dispensários ............................. -
3 316
Número total de leitos:
Sanatórios de tuberculose pulmonar ..... 3 967
Sanatórios de tuberculose óssea ........ 1 164
Hospitais e enfermarias ................ 1 150
Preventórios. .......................... 556
6 837
Se juntarmos a estes 6837 leitos em funcionamento os que estão previstos poderemos afirmar que o País dispõe actualmente de 7821 leitos. Assim:
Numero de camas em funcionamento ............ 6 837
Novo pavilhão do Sanatório Sousa Martins .... 350
Chalés do Sanatório Sousa Martins ........... 72
Sanatório da Ajuda .......................... 39
Penhas da Saúde ............................. 120
Torres Vedras ............................... 200
Rodrigues de Gusmão ......................... 40
Preventório de Santa Isabel ................. 163
Total .......... 7 821
Não se incluem ainda os leitos dos Sanatórios Presidente Carmona e Carlos Vasconcelos Porto, que se encontram encerrados e vão ser integrados no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
QUADRO B
Distribuição dos estabelecimentos
que estavam em funcionamento em 1953 pelas três zonas
do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos
Zona norte
Do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos: Camas
Sanatório de tuberculose pulmonar D. Manuel II ........ 399
Sanatório de tuberculose óssea da Gelfa ................ 85
Centro de cirurgia do Norte ............................ 103
Nenhum preventório.
15 dispensários (Barcelos, Braga, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Amarante, Matosinhos, Arantes Pereira, Conde de Lumbrales, Constituição, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Viana do Castelo, Alijó, Chaves e Vila Real),
l centro de profilaxia (B. C. G.).
l laboratório central.
Subsidiado:
Sanatório Rodrigues Semide ................. 120
Preventórios de Monte Pedral e Rio Tinto ... 170
Dispensário Central Infantil.
6 consultórios-dispensários (Alfândega da Fé, Mirandela, Vinhais, Valongo, Monção e Peso da Régua).
Zona centro
Do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos:
4 sanatórios de tuberculose pulmonar (Penhas da
Saúde, Sousa Martins, Abraveses e Tápia)............. 528
l centro de cirurgia (pronto a inaugurar ou já inaugurado.
Nunca menos de 100 camas; ignoro o número exacto)
l preventório ....... 45
21 dispensários.
l centro de profilaxia (B. C. G.).
l laboratório central.
Subsidiado:
2 sanatórios ......... 126
l preventório ........ 130
10 dispensários.
3 consultas-dispensários.
Zona sul
Do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos:
5 sanatórios de tuberculose pulmonar ........ 839
2 sanatórios de tuberculose óssea ........... 586
1 centro de cirurgia ........................ 173
2 preventórios .............................. 116
34 dispensários.
l centro de profilaxia (H. C. O.).
l laboratório central.
Subsidiado:
2 enfermarias ............... 66
l preventório ............... 40
10 consultas-dispensários.
QUADRO C
IX recenseamento geral da população no continente e ilhas adjacentes em 15 de Dezembro de 1950
População residente
Portugal ..................... 8 510 240
Continente ................... 7 921 913
Distritos:
Aveiro ................. 483 396
Beja ................... 291 024
Braga .................. 546 302
Bragança'. ............. 228 358
Castelo Branco ......... 324 577
Coimbra ................ 438 688
Évora .................. 221 881
Faro ................... 328 231
Guarda ................. 307 667
Leiria ................. 395 990
Lisboa ................. 1 222 471
Cidade de Lisboa ....... 783 226
Portalegre ............. 200 430
Porto. ................. 1 053 522
Cidade do Porto ........ 281 406
Santarém ............... 460 193
Setúbal ................ 325 646
Viana do Castelo ....... 279 486
Vila Real .............. 319 423
Viseu. ................. 494 628
Ilhas adjacentes ....... 588 327
Arquipélagos:
Açores .................... 318 558
Madeira. .................. 269 769
Distritos:
Angra do Heroísmo ........ 86 443
Funchal .................. 269 769
Horta .................... 55 058
Ponta Delgada ............ 177 057
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156 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107
Distribuição da população segundo as zonas do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos
Zona norte (Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo, Vila Real) ... 2 427 091
Zona centro (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu) 2 444 946
Zona sul (Beja, Évora, Faro, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal, Ilhas adjacentes) ......... 3 638 203
Como se vê, a zona sul do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos inclui as ilhas adjacentes.
QUADRO D
Medicamentos distribuídos
(ver tabela na imagem)
Em dinheiro, com estas drogas:
Em 1952 ......... 1:750.821$00
Em 1953 ......... 2:272.011$00
QUADRO E
Aumento de armamento antituberculoso
do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos
previsto para 1954
I) Sanatórios
Zona norte: Camas
Presidente Carmona (fica em Paredes de Coura) ..... 100
Zona sul:
Torres Vedras .............. 200
Carlos Vasconcelos Porto ... 40
Aumento de lotação
Zona centro:
Sonsa Martins ......... 422
Penhas da Saúde ....... 120
Zona sul:
Rodrigues de Gusmão ... 40
Ajuda ................. 39
II) Preventórios
Preventório de Colares (fica na zona sul) ......... 40
Aumento da lotação
Preventório de Santa Isabel (fica na zona sul-Funchal) 163
III) Dispensários
Zona norte (Gaia, Gondomar, Guimarães, Famalicão, Maia, Santo Tirso).
Zona centro (S. João da Madeira, Espinho, Peniche, Vila da Feira,Santa Maria de Lamas).
Zona sul (Lagos, Portimão, Loures, Sesimbra).
IV) Consultas-dispensário
Zona norte (Esposende, Fafe, Freixo de Espada à Cinta, Marco de Canaveses, Penafiel, Valpaços).
Zona centro (Celorico da Beira).
Zona sul (Alcochete, Castelo de Vide, Montijo, Alhos Vedros, Paço de Arcos, Rio Maior, Vila Franca de Xira, Barcarena, Onrique, Vila Nova de Ourém).
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: para não interromper um hábito que contraí em todas as sessões legislativas a que tenho pertencido, mais uma
vez me ocuparei de alguns problemas gerais ligados à estrutura orçamental que derivam naturalmente da chamada Lei de Meios, que está em discussão.
A análise da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1956 exige conhecimentos financeiros que não tenho infelizmente ao meu alcance.
Não faltam nesta Câmara técnicos abalizados para essa análise e crítica autorizada. Já nesta conjuntura subiram a esta tribuna alguns dos mais conspícuos financeiros, que apresentarão estudos magistrais sobre a matéria. Sem desdouro para os restantes oradores, devo destacar a brilhante intervenção do nosso distinto colega o Deputado Alberto de Araújo, que, como sempre, trouxe a esta Assembleia o fulgor da sua inteligência e os esclarecimentos magistrais da sua opulenta bagagem financeira.
Como documentos orientadores e altamente esclarecedores tem esta Assembleia ao seu alcance o relatório do ilustre titular da pasta das Finanças e o parecer, que não é apenas por praxe digno de se lhe chamar douto, mas douto, na verdade, pela marca inconfundível do seu proeminente relator.
Que posso, pois, aditar que contenha qualquer parcela de interesse de análise técnica dos vinte e cinco artigos da proposta?
Como político e como português, congratulo-me por verificar que se mantêm inalteráveis os princípios do equilíbrio orçamental e que não há agravamentos de impostos, com a pequena e justa excepção ao artigo 9.º da proposta.
Estes dois factores suo só por si significativos da normalidade da vida nacional. Quando digo normalidade, não pretendo afirmar que toda a vida nacional, em todas as suas múltiplas e complexas actividades, tenha atingido o nível que se possa classificar de satisfatório.
Normalidade, neste caso, é o ambiente de calma e de confiança, que continua a permitir, graças a Deus, que o Governo, sob a égide do ínclito Presidente do Conselho, possa prosseguir na obra de ressurgimento nacional.
De resto, normalidade da vida nacional é limite matemático, sempre ambicionado e nunca materialmente atingido. As necessidades públicas, em todos os sectores, são autêntico tonel das Danaides, insusceptível de saciedade. Longo e frutuoso tem sido o caminho percorrido nestas quase três décadas e tanto à vista ainda por realizar. Oxalá que a Providência permita a continuação das circunstâncias propícias à plena execução dos planos que enraízam as suas possibilidades no futuro orçamento, que será estruturado na Lei de Meios em discussão.
Sr. Presidente: como não sou financeiro, mas apenas um obscuro professor liceal, falarei, de preferência, sobre alguns aspectos de problemas de ensino intimamente ligados à estrutura orçamental.
Ao focar o sector do ensino primário é dever elementar agradecer ao Governo o que de extraordinário e surpreendente se tem realizado através do Ministério da Educação Nacional.
Digo surpreendente, porque até ao formidável Plano dos Centenários, em tão larga escala já realizado, houve hesitações, perda de tempo e até, por vezes, passos negativos.
A construção de novas e risonhas escolas foi um passo importante, primacial mesmo, mas não decisivo. Foi preciso que se reabrissem as escolas do magistério primário em muitos distritos, embora ainda sob o signo do receio da sua superabundância - estranho receio numa fase ainda de alta e vergonhosa percentagem de analfabetos -, para que as soluções que surgiram depois tivessem campo aberto às realizações.
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As soluções que surgiram depois sabe-se que foram a Campanha contra o Analfabetismo e a Campanha de Educação de Adultos, sob o impulso e dinamismo do Ministro e Subsecretário cessantes e vigorosamente continuadas pelos actuais titulares das respectivas pastas.
Volumosas verbas têm sido despendidas, mas abençoadas verbas, que têm levado a luz e esperança a milhares e milhares de criaturas, crianças e adultos, que de outro modo permaneceriam mergulhadas na ignorância total.
Tudo tem sido dito s publicado para que seja necessário trazer aqui números e estatísticas fastidiosas. Basta acentuar que no ano de 1954 o Estado despendeu para cima de 200 000 contos com o ensino primário.
Verba avantajada, na verdade, em relação à exiguidade tradicional nesse também tradicionalmente abandonado sector. Não obstante, esses volumosos dispêndios ainda estão muito aquém do necessário para que o ritmo se não perca e o êxito se amplie e consolide. Há que criar ainda mais escolas e levar a sua penetração aos meios rurais mais afastados. Há que melhorar a orgânica das escolas do magistério primário para maior eficiência dos agentes do ensino. Há que enfrentar a situação material dos professores primários para que se lhes possa exigir melhor preparação e maior rendimento. O ilustre Ministro da Educação Nacional o reconheceu e afirmou num seu recente discurso, em que pôs em destaque o sacerdócio, o que tanto monta a dizer a dedicação acima das obrigações meramente legais e materiais, dos agentes do ensino primário.
Sacerdócio exigem-no certas profissões, tais como a medicina, a enfermagem e o professorado nos três graus de ensino. Sacerdócio é dignidade do dever cumprido com base no coração e na fé, com nítida ultrapassagem das frias leis e regulamentos.
Mas, se non sole pane verit homo, o homem vive também de pão, o que tanto monta a dizer de justa, embora modesta, compensação material.
Ninguém mais que o Sr. Ministro da Educação Nacional desejaria proporcionar ao professorado primário essa justa compensação material, tanto mais que se trata de uma criasse ordeira, compreensiva e nobremente actuante. Praza a Deus que as circunstâncias, tão dolorosamenfe determinadas pelas incertezas do momento que o Mundo vive, se atenuem ou eliminem para que. com o desafogo consequente, seja possível ao Governo ir ao encontro das legítimas aspirações da classe - chave do bem-estar público.
A Campanha de Educação de Adultos tem por via indirecta levado certo benefício material a muitos agentes de ensino, o qual, além de transitório, corresponde a sobrecarga de trabalho.
É certo que em quase todos os países civilizados o professorado primário não goza de demasiado desafogo, mas, na relatividade das coisas, o nosso nível é dos mais baixos. Julgo saber que na Inglaterra até o professorado primário foi guindado ao nível de vencimentos do professorado secundário. Suponho que se tomou como fundamento que a acção do professor primário, por mais extensa e intensa, supre o desnível cultural em relação ao professor do grau secundário.
Não seria de desejar tanto entre nós, mas de desejar é, na verdade, que algo se faça nesse campo de justiça.
Sr. Presidente: receio alongar-me, mas vejo-me impelido, por naturais inclinações e pendor profissional, a focar alguns aspectos do ensino secundário, técnico e liceal.
Nesta época do primado da técnica era evidente que o ensino respectivo subisse a plano de relevo. De facto, o ressurgimento nacional tem-se feito principalmente
de técnicos improvisados e mal apetrechados, quase todos provenientes da escola precária da prática e adaptação nos locais de trabalho. Os técnicos a que me refiro são, evidentemente, o operariado normal e especializado e o funcionalismo comercial do grau médio.
Felizmente os técnicos do grau superior já não precisam da tutela da técnica estrangeira senão em escala limitada. Basta relancear o panorama de belas s vastas realizações que são o nosso orgulho e demonstrado proveito da Nação.
Têm de ser as escolas técnicas de ensino médio que hão-de contribuir para o aperfeiçoamento e eficiência, da nossa armadura industrial, agrícola e comercial.
O Governo tem, nos últimos anos, prestado especial atenção ao ensino técnico industrial e comercial, por agora com a criação de maior número de escolas por esse País fora e com a construção de alguns belo» edifícios adequadamente apetrechados.
É para mim desagradável ter que afirmar que esse ensino técnico está ainda na sua fase primária, ou, antes, na sua fase heróica. Não é, porém, para surpreender que tal aconteça, porque, dada a expansão extraordinária que assumiu em tão curto lapso de tempo, as escolas dilatam-se e multiplicam-se, mas não se multiplicam e adestram no mesmo ritmo os agentes de ensino teórico e oficinal.
E não é de admirar que nas muitas escolas, e muitas já pletóricas de alunos, se verifique escassez de professores e mestres de oficina devidamente preparados para tão delicada profissão.
Assim, superabundam os professores provisórios e, pior ainda, os meteóricos, que, de facto, passam por essas escolas o tempo necessário para se instalarem nas suas verdadeiras profissões.
Nesta fase de instabilidade e de escasso rendimento efectivo estou certo de que o Ministério da Educação, atento com está a todos os ramos de ensino, saberá resolver a candente questão do professorado técnico preparado e estável.
Também essas escolas têm de criar nos alunos uma mentalidade que a experiência, por ora, demonstra que existe em diminuto grau.
Essa mentalidade é a que deve ser causa e consequência dos objectivos da respectiva população escolar e famílias interessadas.
Um grande número, se não a maioria dos alunos que procuram as nossas escolas técnicas, tem u mentalidade dos alunos liceais que não podem aspirar ao escalão superior. Almejam o diploma para ingressarem no funcionalismo público ou nas actividades as mais distantes da finalidade da escola que frequentaram.
O próprio Estado tem animado esse desvio de finalidade dando equiparação ao 5.º ano liceal (2.º ciclo) de cursos de escalão inferior para efeitos de funcionalismo público.
Não significa esta medida, aliás confessada de emergência pelas autoridades responsáveis, um abaixamento do nível cultural desse mesmo funcionalismo:
Não falo por suposição. A Escola Industrial e Comercial da cidade de Évora - e não deve ser a única neste caso que aponto-, com uma população escolar acima de 600 alunos, tem quase inactivas e desertas as oficinas de carpintaria e de electricidade. Numa região intensamente agrícola e muito mecanizada nem se previu nessa escola o ensino de maquinistas para as centenas de debulhadoras, tractores e muita outra maquinaria que animam as casas de lavoura alentejanas. São analfabetos ou quase analfabetos que, pela prática, cuidam dessa custosa aparelhagem, com possível limitação do seu rendimento.
Urge, na minha modesta opinião, criar está especialidade de mecânicos na escola de Évora.
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A Escola de Cerâmica de Viana do Alentejo, que constitui uma secção da Escola Industrial e Comercial de Évora, esteve quase a fechar por falta de alunos, isto numa terra onde a cerâmica é uma das mais antigas indústrias. Aprende-se ali o ofício por arção rotineira das oficinas, mas foge-se da escola, que devia - e é essa a sua finalidade conduzir ao aperfeiçoamento e desenvolvimento da indústria local.
Há, pois, que modificar a mentalidade dos alunos, mas, para isso, as escolas técnicas devem perder a sua feição de liceus de via reduzida e ampliar e melhorar a sua posição verdadeira de preparar técnicos de craveira média para a indústria e para o comércio. Em seguida estes técnicos serão chamados para as fábricas e oficinas, de preferência aos aprendizes semi-analfabetos.
É evidente que tudo isto acarreta maior soma de encargos para o Estado, mas também é evidente que a obra utilíssima que esta em larga projecção não pode estagnar em meias soluções. De resto, estou certo de que o Sr. Ministro da Educação saberá encontrar as soluções graduais e progressivas que se impõem.
Por exemplo, porque não considerar o 1.º ciclo dos liceus preparação oficial para o» cursos especiais das escol a s técnicas; já este princípio está adoptado para entrada nas escolas de regentes agrícolas e escolas do magistério primário.
Valerá a pena a existência nas escolas técnicas de uni curso chamado preparatório, que outra coisa não é senão o 1.º ciclo dos liceus?
Julgo que valeria a pena estudar essa coordenação e evitarem-se duplicações caras para o Estado.
Essa coordenação, além de económica, traria aos espíritos obcecados com o exclusivismo da técnica a noção palpável de que a cultura geral ajuda a formação integral do homem.
Se se pretende aumentar a frequência das escolas industriais e comerciais à custa de uni desvio da população liceu, porque não se barateiam - já não falo na gratuitidade de certos países - as propinas daquelas escolas? Antigamente, antes da actual reforma de 1948, a propina era de 18$ - verdadeiramente simbólica, menor do que a quota anual da Mocidade Portuguesa - e actualmente as propinas por cadeiras estão quase niveladas com as dos liceus.
Será esta carestia de propinas que desvia efectivamente muitos alunos .para os liceus? É possível que em parte isso aconteça, mas eu, com observação do meio em que vivo - e que é semelhante neste ponto a todos os meios dentro do País-, cheguei à conclusão de que a causa é muito outra: é que ficam sem ensino aqueles que não têm condições para pagar propinas elevadas em qualquer das modalidades de ensino, e assim tem-se regressado ao processo primitivo do aprendizado ou do marcenato sem qualquer preparação escolar. A simples isenção de propinas não resolve o problema, porque, quer no liceu, quer nas escolas técnicas, limita-se a 10 e 25 por cento da frequência, respectivamente.
Os liceus, criados em 1836, levaram oitenta anos a atingir a maturidade e a relativa normalização. Não admira, pois, que o ensino técnico, de recente criação, se encontre ainda numa fase indecisa de organização.
Sabe-se que a agricultura é por ora, e oxalá que seja sempre, a mais vasta e poderosa actividade nacional. Olha-se em volta e, afora unia notável e brilhante escola superior de agronomia, divisa-se ao longe apenas a existência de três escolas de regentes agrícolas e outras, muito poucas, de ensino rudimentar, creio que anexas a reformatórios.
Será o exercício da agricultura, dessa agricultura que alimenta a Nação, mister tão simples e rudimentar que desnecessite de uma técnica adequada e se apoie e viva do empirismo e da rotina? Se assim não é, parece empírico que se criem escolas de várias modalidades com vista à cultura cerealífera, à horticultura e à pomicultura, como dizem que se pratica em países mais adiantados.
Já uma vez, a propósito do plano de hidráulica agrícola, lembrei desta tribuna a necessidade de uma escola de regantes, e até citei a vizinha Espanha, onde esse problema não foi esquecido no gigantesco esquema do aproveitamento do Guadiana.
Julgo não ser impertinente insistindo nesse ponto - a criação de uma escola de regantes -, tão útil que seria como complemento da obra renovadora da rega já realizada e dos esquemas em estudo no Alto Alentejo.
Sr. Presidente: afinal já pouco tempo me sobeja para falar do ensino liceal, ia para dizer, esse «desconhecido».
A moda, que em tanta coisa faz a sua intromissão, também obcecada pelo primado da técnica, tem quase considerado o ensino liceal como obsoleto e, portanto, quase indesejável.
É preciso - diz-se em muitas tribunas mais ou menos autorizadas - que a massa escolar liceal, a estoirar de inflação, seja desviada para as escolas técnicas.
Pura ilusão e até perigosa ilusão!
Esquecem os cangalheiros do ensino liceal que as escolas técnicas das cidades principais estão tão ultrapassadas em frequência como os liceus. Esquecem os arautos da técnica 100 por cento que os liceus são a preparação indispensável, não obstante as suas removíveis dificuldades actuais, para a alta técnica, ou seja, a técnica superior: a medicina, a engenharia, etc.
Desconhecem os cegos sequazes da última moda, a moda da técnica exclusiva, que a feição humanista ou clássica dos liceus há muito, e mercê de várias reformas - é verdade que nem todas felizes -, deixou de ser virgiliana ou aristotélica para se remoçar e revigorar com a adição das chamadas humanidades modernas, ou sejam as ciências positivas e as línguas de projecção universal.
Desconhecem que essa preparação liceal, com todas as deficiências a rectificar, faculta aos muitos - e são talvez o maior número - que não sobem às Universidades cultura geral, de ordem intelectual e moral, que os habilita a vencerem na vida em tantos e tão desvairados sectores? É caso para meditar sobre o que se verifica na França, puís fortemente industrializado, que em l de Outubro último tinha no ensino liceal oficial 540 000 estudantes e no ensino técnico oficial 331 000.
Sou o primeiro a desejar que haja em Portugal um ensino técnico médio eficiente e procurado pela grande massa de estudantes, que hão-de rejuvenescer a nossa indústria e comércio em pleno desenvolvimento. Mas também me permito afirmar que mal viria ao nível cultural da Nação se o ensino liceal fosse descurado, ou mesmo colocado era segundo plano.
Ainda não há muitos dias que o ilustre titular da pasta da Educação Nacional denunciou num brilhante discurso os perigos da excessiva técnica ou especialização generalizada, pois que o culto das humanidades ajuda a formação moral do homem.
Disse S. Ex.ª o Ministro, no seu recente discurso, quando da posse da 4.º Secção da Junta Nacional da Educação: «Sem uma cultura geral humanista não há profissional que valha».
Ora, sabe-se que essa cultura geral humanista se adquire especialmente nos liceus.
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Estou por isso muito bem acompanhado quando afirmo que o nível mental e moral da Nação desceria sensivelmente se fosse possível reduzir ou eliminar o ensino liceal, que é o reduto vivo e activo da cultura geral humanística clássica e moderna.
Dir-se-á que conviria desviar uma grande parte da afluência aos liceus para as escolas técnicas. Na fase actual é impossível, até sob o ponto de vista material, porquanto muitas escolas térmicas estão, como já disse atrás, ultrapassadas em frequência. Mesmo que o não estivessem, o problema não está um desviar violentamente a população escolar, mas sim em tornar essas escolas técnicas em imanes que atraiam os alunos pela sua orgânica, quantidade e finalidade efectiva.
De resto, a pletora dos liceus é irmã gémea da pletora das escolas industriais, das actuais e de todas as que se forem instituindo.
É que a ânsia de melhor cultura pura os filhos é pendor natural de todas as famílias. ÁS crescentes exigências dos serviços públicos e particulares induzem todos, os que podem e os que não podem, a conquistar elementos de defesa para a luta pela vida. A campanha abençoada contra o analfabetismo não estanca no ensino primário as legítimas ambições dos que sentem ou julgam sentir capacidade para voos mais altos. Tem-me impressionado nos últimos anos, como reitor do Liceu de Évora, o número avultado e sempre crescente de alunos filhos de trabalhadores rurais que se deslocam de longes terras para a cidade para educarem os filhos. Objectar-se-á: mas porque não preferem a escola industrial local? Digo eu: não seria melhor que houvesse escolas de ensino agrícola adequadas e tentadoras pela eficácia?
Na raiz do problema da frequência das escolas existe um estado do espírito geral, uma força poderosa do melhoria e expansão que só há que animar, e não que travar, pois o volume da sua existência está à vista, aguardando corajosas soluções que, estou certo, o Ministério da Educação Nacional, com apoio decidido do Governo, encontrará.
Estão, porém, os liceus organicamente apetrechados para cumprirem a sua espinhosa missão no nível da suficiência em que chegaram a viver?
Não estão. Disse há pouco que os liceus levaram oitenta anos a organizarem-se razoavelmente. Infelizmente, é certo também que essa organização, que chegou a ser quase modelar, caminha de há unos a esta parte no sentido de regressão a nível inferior ao conquistado.
Causas? A substancial inflação da população escolar não tem sido acompanhada das medidas atinentes a enfrentar esse aumento.
Turmas de quarenta alunos.
Os quadros de professores efectivos em cada liceu mantêm-se sensivelmente os mesmos desde a reforma, tão benéfica, de 1932.
Por exemplo, o Liceu de Évora nessa altura ficou com um quadro suficiente de dezoito professores para frequência de cerca de quatrocentos alunos. Actualmente, com uma inscrição de oitocentos e setenta e oito, mantém o mesmo quadro de dezoito, mas divididos em dez mais oito, respectivamente do liceu masculino e da secção feminina.
Como os quadros de auxiliares e agregados, isto é, professores diplomados com Exame de Estado, estão quase vazios de professores masculinos, resulta que, para se ministrar ensino às turmas excedentes, houve que recorrer largamente aos professores eventuais, isto é, licenciados e até licenciados sem qualquer preparação pedagógica. Só no Liceu de Évora estão em serviço dez desses professores eventuais.
Nos restantes liceus acontece fenómeno semelhante. Porque não se reabre o Liceu Normal de Lisboa? Está-se, como se sabe, reduzido ao Liceu Normal de Coimbra, centro afastado da gente do Sul, e, porque é único, o critério da entrada pelo exame de admissão tem sido impeditivo de muitos candidatos terem entrada.
Vem a propósito alvitrar que a preparação para o Exame do Estado deveria ser de um ano de teoria e de um uno apenas de estágio e, se possível, pago, como já o foi em tempos idos.
Resolver-se-ia, assim, o problema gravíssimo da escassez de professores liceais. com gravame do rendimento e eficiência do ensino. A superabundância de senhoras em liceus masculinos é mal menor, mas também de certa influência na educação dos alunos, não obstante a alta competência profissional de elevado número dessas senhoras, mais útil nos liceus femininos. Sabe-se também que este fenómeno é mundial e, por isso, não vale a pena alongar-me em focar as causas, aliás, tão conhecidas.
A deficiência dos quadros liceais estende-se ao pessoal menor e de secretaria. Quanto àquele, que é fundamental na manutenção da disciplina e sua boa ordem e eficiência de serviços auxiliares de laboratórios, mantém-se inalterável, como no tempo em que a população escolar era um terço da actual.
O mesmo no que respeita ao pessoal de secretaria.
Sei que o Sr. Ministro da Educação Nacional está atento e sensível a todos estes problemas. Oxalá o erário público lhe permita executar as reformas que o seu espírito empreendedor e esclarecido tem, certamente, em elaboração, como, aliás, já o demonstrou noutros sectores do ensino superior.
Também é de desejar que o ilustre Ministro da Educação Nacional consiga, que o Governo o coadjuve no plano de acudir a todos os sectores do ensino com a construção de edifícios para todos os ramos de ensino, visto que a armadura do Estado tem de ser fortalecida, sem exclusivismos deste ou daquele ensino. Porque se interrompeu o programa de construções de liceus, quando estava tão brilhantemente avançado? Estão os liceus votados ao ostracismo?
Creio ter demonstrado que não há primados de técnica, mas primado de toda a cultura nacional, sem distinção.
Termino, Sr. Presidente, com os votos de que ti proposta de autorização de receitas e despesas para 1956, a que dou inteira aprovarão, proporcione ao Governo todas as possibilidades de prosseguimento na patriótica execução do vasto plano de ressurgimento nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: o relatório que precede a proposta da Lei de Meios pode e deve classificar-se de notável.
O Ministro que o subscreve está de parabéns.
Trata-se de um documento sereno, objectivo, revelador de um grande sentido prático das realidades do momento que estamos atravessando.
E, em boa verdade, se é certo não haver motivos para recear púnicos de graves perturbações imanentes, também não deixa de ser exacto que convém estar atento a todos os movimentos dos mercados internacionais do dinheiro.
Neste campo, os governos de todos os países, mas nomeadamente o da nossa terra, vêem os seus movimentos prejudicados pela ignorância, quase total, da grande massa.
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O dinheiro, a sua criação, u sua razão de ser e a sim administração continuam a representar indecifráveis incógnitas para ti maior parte dos portugueses.
Não posso esquecer-me de que há anos a atmosfera política nacional vivia conturbada por uma série de artigos que periodicamente eram trazidos a público num jornal dos adversários políticos da situação.
A maior parte dos leitores nu o compreendia o ataque, mus lia-os e talvez porque os não conseguia assimilar, reputava-os manteria de fé, que, como tal, papagueava, provocando confusões, faltas de confiança, hesitações no reconhecimento da própria evidência!
Levantou-se então, e debateu-se nesta Assembleia, em aviso prévio, o problema monetário português.
Em termos acessíveis à compreensão da generalidade, o pretenso enigma foi esclarecido em todos os seus aspectos.
Ressaltou a toda a evidência a sem-razão dos críticos financeiros, comentadores em linguagem difícil. E morreu a campanha, liquidou-se a censura, reduziu-se a pó, cinza a nada ti intenção dos chamados peritos financeiros da oposição.
Pois, nesta fase da vida económica nacional, afigura-se-me que volta a ser conveniente desenhar à margem do perfeito relatório a que estou aludindo algumas ligeiras notas justificativas das sugestões que faremos ao concluir.
Vive o inundo moderno numa economia fortemente integrada.
Os Estados Unidos facilitaram à Europa avultados créditos e investimentos, que muito contribuíram ou tornaram possível a expansão económica maciça, dos últimos anos.
Mas -como ainda recentemente se acentuou (Petroleum Press Service, de Outubro de 155, p. 354)- a mais útil instituição financeira internacional do após-guerra foi, sem dúvida, a zona sterling.
Tendo-se adaptado às necessidades provindas da segunda guerra mundial, ficou depois como exemplo marcante da cooperação financeira internacional entre vários países, a maior parte dos quais, embora não a totalidade, fazem parte da Commonwealth britânica. O sterling financia mais de metade do comércio do mundo livre, embora o comércio da zona do esterlino seja cerca da quarta parte do valor total das trocas do mundo. A aceitação generalizada do esterlino contribuiu de uma maneira significativa para a solução das dificuldades de troca com u zona dólar. Mas os governos dos países da área do esterlino fixaram como objectivo final tornar o esterlino inteiramente convertível a taxas mais ou menos fixas e em qualquer outra divisa, nomeadamente, é claro, em dólares (doc. cit., p. 355).
Essa hora da convertibilidade ainda não chegou.
Antes de a alcançarmos há uma série de problemas graves a resolver, implicando dificuldades que tiveram recentes reflexos no Reino Unido, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul.
As taxas de desconto sofreram mais que uma elevação na Inglaterra aliada, a primeira de 3 para 3,5 por cento e depois, mais recentemente, para 4,5 por cento.
Os reflexos mundiais que a resolução iminente desse gravíssimo problema implicará estão à vista dos mais míopes.
Há que andar preparado para tal eventualidade.
Bem sabemos que o nosso país mercê da política hábil do Sr. Presidente do Conselho, possui hoje uma moeda forte, fortemente coberta, comparável com nas melhores moedas do mundo.
Mas anda já por aí a zumbir, como besouro negro de mau agouro, o boato de uma possível próxima inflação.
Estaremos, na realidade, colocados na iminência de semelhante flagelo?
Entendo que posso afoitamente sustentar a negativa.
A circunstância de quanto a preços de determinados produtos se verificar una tendência altista é, só por si insignificativa.
Não há que exagerar as coisas.
Preços estacionários, fixos, imutáveis, não há, nem nunca houve!
Os imponderáveis movimentos da oferta e da procura, pequeninas ocorrências só por si insignificativas, conduzem repetidas vezes a oscilações de preços.
Mas o Governo, pelos seus Ministérios das Finanças e da Economia, tem recursos fáceis para aliviar e para remediar essas súbitas excitações.
O que importa é colocar o mercado do dinheiro numa situação que permita acudir às necessidades legítimas - note-se bem- legítimas ou justificadas de cada dia que passa.
Na base deste fundamental problema está, precisamente, a reorganização do crédito e a organização do mercado de capitais.
Nos artigos 11.º e 12.º do projecto da Lei de Meios enfrentam-se estes dois objectivos, solicitando o Governo a concessão dos poderes precisos para os resolver.
Mas -em boa franqueza-, acho ... curto. A redacção dada ao artigo 11.º implica limitações ou restrições que a boa prudência mandaria eliminar.
Vou explicar porquê.
Somos um país modelarmente administrado nas suas finanças, mas de escassas possibilidades materiais. As «grandes fortunas» portuguesas são ridículas quando medidas à escala das simples fortunas americanas.
Aquela escassez sente-se no próprio relatório que precede, a proposta da Lei de Meios, quando nele se põe em relevo a importância que o Governo atribui, no orçamento, ao sector das chamadas despesas variáveis, e que são as tradutoras da orientação que se pretende imprimir ao desenvolvimento do País e do respectivo ritmo de realizações, porventura demasiado lento.
Não contesta o relatório que o nosso país está subdesenvolvido.
Anota o atraso verificado na execução do Plano de Fomento.
Regista -e fazemo-lo destacar com prazer- que tal atraso se não deve a falta de apoio financeiro.
E toca os pontos principais um que terão de incidir os esforços necessários para que o País saiu da situação que ainda o aflige.
A necessidade de um maior e melhor aproveitamento dos recursos nacionais alinha no primeiro plano.
Com efeito, temos de fazer indústria, comércio e agricultura em condições de concorrência internacional.
O adjuvante antieconómico da exploração de salários baixos, insuficientes para a humana sustentação dos que trabalham, deve acabar de uma vez para sempre.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A prática ,de se solicitarem alvarás, prometendo mundos e fundos, para se instalar uma indústria que se assegura «nada pedir ao Estado», para, meses volvidos e logo que aparece o primeiro esforço de uma, concorrência exterior favorecedora do baixo preço, da melhoria do produto e do interesse da comunidade, surdir a gritar que se não se elevam os direitos alfandegários a indústria nacional está perdida, merece ser repudiada com um vigor que desiludida esses «industriais» à custa das pautas aduaneiras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - A agricultura, essa tem-se modernizado nos seus processos de trabalho, mas deve apressar e intensificar a sua modernização.
Por sua vez, a actual estrutura do nosso comércio externo apresenta uma acentuada vulnerabilidade, proveniente do reduzido número dos nossos produtos exportáveis. E sem exportação que só veja não há balança de pagamentos que se equilibre.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Governo promete o apoio devido a efectivação de todos aqueles objectivos.
Assim, no que respeita à reorganização do crédito bancário, parece deduzir-se que o Governo pensa em reduzir a percentagem obrigatória das reservas de caixa dos bancos - actualmente de 20 por cento no nosso país, mas bastante inferior na maior parte dos restantes países da Europa.
É alguma coisa. Mas, salvo o devido respeito, não basta.
Importa facilitar a concessão de créditos a prazos superiores aos que actualmente são na generalidade consentidos.
Ninguém desconhece que constituem autênticas economias muitos -uma grande parte- dos depósitos à ordem existentes nos bancos nacionais.
Em condições normais, estas economias podem e devem sem aplicadas, sem risco visível, por prazos superiores a noventa dias.
Mas quase todos, senão todos, os bancos portugueses têm a maior das relutâncias em fazê-lo.
E também, ao invés do que sucede nas praças mais esclarecidas e mais prudentemente orientadas da quase unanimidade dos países para cá da «cortina de ferro», a indisposição para o redesconto no banco central impera nas administrações das organizações bancárias portuguesas.
Bem? Mal? Não me interessa, nem é este o lugar azado para discutir o problema: basta que se registe que o facto se pratica, com quebra da inegável vantagem de se mobilizarem créditos a prazos superiores aos tradicionais noventa dias, quer no banco central, quer nos bancos particulares.
S. Ex.ª o Ministro das Finanças, perfeito conhecedor do problema, certamente o incluirá nos seus estudos, orientado para a solução mais adequada aos interesses nacionais.
Ao Governo importa manejar, certamente através do banco central, certos meios monetários que acelerem ou restrinjam o ritmo de política de expansão económica. A expansão ou a contracção do crédito bancário, sem dúvida o meio mais poderoso de actuar no caso de um ameaço de deflação ou de inflação, consegue-se através duma diminuição nu aumento da percentagem das reservas de tesouraria dos bancos e da maior ou menor facilidade de admissão ao redesconto.
A alteração da taxa de desconto entre nós só terá provavelmente algum efeito quando em escala bastante apreciável.
Naturalmente o Governo não alienará os seus direitos a usar destas métodos para consolidar um equilíbrio ameaçado.
Também o recurso ao crédito externo poderá impor-se em certos casos e desde que no mercado interno se não encontrem as disponibilidades suficientes, especialmente aio que toca ao prazo largo.
A nossa importante reserva de ouro e divisam permite-nos um certo repouso quanto às consequências da expansão, pelo que dela deverá resultar em aumento de importações de bens de equipamento ou mesmo de bens de consumo, enquanto a máquina de produção não trabalhar a pleno rendimento.
Paro levar a bom termo a formação de noras empresas, com os meios suficientes para uma eficiente laborarão e para efectuar a remodelação dos meios de produção já existentes, há necessariamente que investir capitais em escala apreciável.
São, por consequência, de acolher com a maior simpatia as medidas que o Governo entenda dever tomar no aspecto fiscal para favorecer tais investimentos. Por outro lado tem importância de relevo tudo quanto se faça no sentido de organizar um verdadeiro mercado de capitais.
Neste capitulo é que se me afigura ser, mais que conveniente, indispensável introduzir na proposta governamental uma pequena alteração, que fique como que a representar o incitamento da Assembleia Nacional para que o Sr. Ministro das Finanças vá ainda mais além, facilitando a obtenção e visando a proteger um movimento de fundos que sirva os justificados interesses e direitos da economia nacional.
Se quisermos -e só os insensatos recusarão- encorajar o capitalista estrangeiro a vir estabelecer-se em Portugal, atraído pelos benefícios da ordem, do crédito, do prestígio internacional que a obra do Sr. Presidente do Conselho assegurou, haverá que alterar a legislação fiscal vigente.
Pelas disposições legais que vigoram, os lucros são encarados e tributados em massa, sem se levar em conta a respectiva proveniência ou, mais claro, sem se discernir se esses lucros provém de operações efectivamente realizadas no País ou constituem apenas o beneficio de transacções levadas a efeito além-fronteiras.
A distinção não tem nada de subtil e é essencialíssima, merecendo particular atenção aos legisladores de um sem-número de países, que por essa forma vêm fruindo os benefícios da simpatia o da confiança de grandes massas de capitais não nacionais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, cuja legislação fiscal atingiu um estádio de desenvolvimento correspondeu ciclópico volume dos seus negócios e onde existe uma jurisprudência fiscal sem igual em todo o resto do orbe, o conceito da origem do lucro recebeu uma grande amplidão.
Assim, a respectiva legislação prevê já que os benefícios realizados sobre operações comerciais exteriores aos Estados Unidos ou são totalmente isentos de impostos ou beneficiam dum tratamento particularmente favorável.
Num país vizinho da grande nação americana -refiro-me ao Canadá- igualmente de legislação fiscal largamente evoluída, vigora, desde há anos, uma regra semelhante: as sociedades canadianas cujos haveres e cujas operações comerciais estão localizados fora do Canadá não pagam qualquer imposto que tenha por base os lucros, mas apenas uma franchise de 100 dólares.
Esta simples medida tem encorajado numerosos e vultosos interesses estrangeiros a instalarem-se no Canadá.
Na mesma ordem de ideias, a legislação Uruguaiana prevê o não oncramento fiscal dos benefícios obtidos em transações feitas fora do Uruguai, embora por ordem e por conta de sociedades uruguaianas. A Lei de 4 de Junho de 1948 taxa unicamente os benefícios obtidos nas transacções levadas a cabo adentro das fronteiras daquela nação e a Lei de 28 de Dezembro de 1944, que introduziu o imposto sobro os lucros elevados, determinou expressamente no seu artigo 25.º que na fixação desses benefícios não seriam considerados os lucros de origem estrangeira num as deduções que resultem desses lucros ou dessas perdas. E é de pública notoriedade a notável elevação do investimento de capitais estran-
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geiros no Uruguai, atribuível dominantemente à favorável legislação fiscal que ali os espera.
E no Panamá (Lei n.º 52, de 1941, e Lei n.º 48, de 24 de Setembro de 1946), na Venezuela (Lei de 12 de Novembro de 1948), no Listenstaina, no grão-ducado do Luxemburgo ou na zona de Tânger a política da atracção de capitais estrangeiros, mercê de uma cuidadosa e generosa atenção fiscal, tem produzido resultados que se traduzem para os respectivos países em benefícios que ascendem anualmente a somas astronómicas.
Porque não adoptaremos nós aqui em Portugal uma política semelhante?
Seremos, porventura, tão ricos que já nos seja forçoso desprezar fontes de rendimento nacional cobiçadas por outros países, à cabeça tios quais avançam os próprios Estados Unidos da América?
Já se pensou que o simples trânsito de somas avultadas pelo nosso país se reflecte em benefícios materiais e no emprego garantido de dezenas, de centenas de portugueses?
Uma medida no pendor da sugerida pelo fisco canadiano, libertando do imposto os lucros das sociedades anónimas obtidos em transacções operadas fora do pais onde se fixou a sede social da empresa em causa, talvez viesse a produzir os melhores resultados,
Porque não sugerir ao Governo que estude com justificada urgência particularmente este problema?
Porque não introduzir no artigo 11.º da proposta uma ligeira modificação, que não seja mais do que uma nota da Assembleia Nacional que traduza o seu interesse em colaborar eficazmente na política financeira do Governo, sugerindo-lhe uma possibilidade, que ele adoptará ou não, consoante julgar conveniente?
Pois, com tal objectivo, elaborei a proposta de aditamento que passo a ler e vou enviar para a Mesa:
Proposta
Proponho que ao artigo 11.º da proposta se adite:
... ou outros que o mesmo Governo julgue de interesse pura a economia nacional.
Lisboa, 12 de Dezembro de 1955. - O Deputado, António Jidice Bustorff da Silva.
Insisto, registo e acentuo, contudo, mais uma vez: trata-se duma mera sugestão, a apreciar pelo Governo com a mais ampla liberdade de critério.
Serve? Estuda-se, melhora-se e adopta-se.
Não serve? A intenção não podia ser melhor, e o cesto das sugestões inúteis ladeia sempre a secretária de cada Sr. Ministro.
O que importa é que a Assembleia delibere na ciência e consciência de que nem resolve definitivamente o caso, nem se obriga, nem lança um ucasse ao Governo.
O ocorrido nesta sala na precedente reunião torna muito útil este esclarecimento.
É que ouvi então garantir rotundamente, em seguida a uma intervenção do Deputado Mário de Albuquerque, reveladora de um demorado estudo que carreou elementos de informação muito apreciáveis, que o problema da localização das instalações siderúrgicas nacionais estava resolvido pela aprovação da Assembleia Nacional ao Plano de Fomento.
Seria no Porto; tinha de ser no Porto; fora por nós votado que fosse Porto.
Dir-se-ia que aos interessados, aos donos dos milhões de escudos que vão ser investidos, e ao próprio Governo ficava reduzida a liberdade de escolher a rua, o número e o andar ...
Claro que não é assim; não podia ter sido, nem foi, como se pretendeu. A Assembleia fixou apenas bases.
O problema da localização continua em exame. Está aberto o debate!
Para mini. há três considerações dominantes:
1.ª As grandes concentrações industriais ao redor das grandes cidades têm inconvenientes enormes;
2.ª Tem de sair da moda a doutrina de que Portugal é Lisboa e Porto e todo o resto do País - paisagem;
3.ª Talvez não seja injusto que a par, pelo menos, das opiniões de quem aprova planos se ponha a vontade do quem adianta, o dinheiro e arrisca fortuna, tempo e actividade na efectivação desse investimento do maior interesse nacional.
Talvez não seja pedir de mais ... Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bom!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna dominado por duas sérias preocupações: uma resultante da complexidade e melindre do assunto que me proponho abordar; outra nascida do reconhecimento da falta de qualidades bastantes para o tratar convenientemente.
No entanto, e pela consideração do que devo à minha consciência e à confiança de tantos que em mim delegaram a sua representação, ouso afrontar o juízo da Câmara, confiado certamente na sua compreensão e indulgência.
Sr. Presidente: como acabo de dizer, sinto que muitos considerarão ousada a minha intervenção na discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1956, sabido que carece de preparação financeira e económica adequada ao cabal desempenho da tarefa.
Mas pensei que, para além da intervenção dos técnicos e especialistas da matéria - e muitos ilustraram já esta tribuna - , dos quais a Nação terá recebido palavras de orientação e esclarecimento, poderia ter interesse que um «homem da rua» - hoje qualificado pela sua função de Deputado - trouxesse à Câmara menos um depoimento próprio, a que faltaria suficiente autoridade, do que as ansiedades e preocupações dalguns sectores da opinião pública do seu país.
Se alguma qualidade me agradasse reivindicar neste momento, essa seria a de político, no significado de homem que procura estar atento aos problemas essenciais da vida portuguesa, interessado em lhes encontrar, até por uma colaboração dedicada e efectiva, a melhor e mais proveitosa solução.
Em tal qualidade - se a merecer - gostaria de poder ser considerado um elemento de ligação entre o que pensam os cidadãos e aquilo que legitimamente pode considerar-se o pensamento do Estado no tocante a algumas questões fundamentais da grei lusíada.
Sr. Presidente: alguém, com indiscutível autoridade, disse um dia que em política o que parece é.
Ora, meritória obra sera aquela que contribua para demonstrar que as coisas não são o que parecem, ou não parecem aquilo que efectivamente são.
Um sentido de amplo e sério esclarecimento será a nota marcante da minha intervenção, e oxalá outros possam, e queiram, projectar nova luz sobre as dúvidas ou indecisões que depois dela subsistam.
Esse seria, porventura, o seu único mérito.
Sr. Presidente: quer nesta Assembleia, quer fora dela, na minha actividade social e política ião raras vezes.
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tenho chamado a atenção dos responsáveis para as apreensões com que muitos acompanham o fenómeno da concentração económica em Portugal.
Tal facto -o da concentração- não carece de ser demonstrado, pois se estadeia, no seu poder e até no seu orgulho, aos olhos dos menos atentos.
E um facto que nada lucramos em esconder.
O que se impõe é analisá-lo no duplo aspecto das suas origens e dos seus resultados, para então podermos emitir sobre ele um acertado juízo de valor.
Antes de mais, convirá anotar que o fenómeno concentracionista das nossas principais actividades económicas tem a caracterizá-lo uma circunstância da maior relevância: a concentração não é só de empresas na hipotética procura de uma dimensão de maior rendibilidade, embora com o seu capital distribuído por vários; ela representa, sobretudo, a expressão de um enriqueci mento desmesurado de muito poucos, nas mãos de quem estão a ficar as principais fontes de riqueza do País.
Não se trata, portanto, e só, de um problema económico a considerar, mas, sobretudo, e já, de um problema social que requer urgente remédio.
Com efeito, todos reconhecemos quanto importa promover e activar si elevação do nível de vida do povo português, para que prossigam e se não percam os esforços, renúncias e canseiras que estão a base da nossa regeneração política s financeira, na base de todo o ressurgimento nacional.
Desta cruzada justo é que todos colham a sua quota-parte de benefícios, até porque todos lhe têm dado, se não outra mais qualificada contribuição, ao menos a cooperação do seu disciplinado trabalho e uma adesão cívica, sem a qual nenhum regime vive e prospera.
Não se ignora que a elevação do nível geral de vida está principalmente dependente do esforço produtivo que soubermos fazer, da nova riqueza que soubermos criar.
E esta uma obra de cooperação e solidariedade de todos os elementos du produção -capital, técnica e trabalho - e ela própria condição de paz social e progresso económico.
Mas a solidariedade s disciplina não podem significar, no nosso vocabulário político e social, benefícios e riqueza para poucos e sacrifícios e carência paro muitos.
A nossa revolução, até porque não quer deixar de ser também, como na verdade é uma revolução social -o que postula n sua continuidade-, não pode acorrentar-se o privilégios e injustiças, nem perder-se por inautenticidade e cobardia.
Tem de olhar os problemas de frente e dar-lhes, na ponderada mas verídica consideração das possibilidades, as soluções apropriadas.
Ora, Sr. Presidente, o Governo da Revolução Nacional, pelo que deve aos postulados doutrinários que norteiam a sua patriótica actuação, tem demonstrado vivo empenho em realizar, sob todos os aspectos, a valorização da comunidade lusitana.
E, não enjeitando as responsabilidades da sua posição de intervencionismo mitigado, tem procurado lançar as bases de uma economia nova, que possibilite melhores condições de vida ao povo português.
Não estão, por isso, em causa nem os princípios da sua acção nem o sentido das soluções que preconiza e põe em marcha.
O problema é outro.
Tudo está em saber em que medida toda a sua obra de vitalizarão e fomento económico tem correspondido aos seus altos objectivos sociais.
Muitos e importantes são os empreendimentos que o Estado lançou, estimula ou orienta, e em muitos deles estão investidos capitais colectivos que à Nação pertencem.
No entanto, é bem fundada a dúvida sobre se desses empreendimentos, que são comuns, têm advindo vantagens correspondentes aos sacrifícios gerais.
O sentido da obra é excelente. Mas os seus resultados não lhe correspondem.
Com efeito, e apesar de tudo, a nossa vida económica parece continuar comprometida por dois males graves: a) monopolismo e concentração, com proveito de alguns; b) rotina e imobilismo, com prejuízo de todos.
Ora, o carácter monopolista e rotineiro da nossa vida económica compromete simultaneamente a própria economia e frustra por inteiro as suas aspirações sociais.
Estamos, assim, a contribuir perigosamente para o desequilíbrio social, para os grandes desníveis, afastando-nos de uma mediania económica generalizada, que é garantia de estabilidade, paz e bem-estar.
Na medida em que o Estado procura, ou aceita, a sua intervenção no mundo da economia, não pode alhear-se, nos empreendimentos a que está ligado, da formação e retribuição do capital das empresas e respectivos titulares, da localização das instalações, das suas melhores condições técnicas, da justa remuneração do trabalho, tudo em ordem a colherem-se de tais empreendimentos os mais largos benefícios sociais.
Nunca será de mais repetir que a economia serve o homem e que este não é escravo daquela.
Eis porque toda a nossa vida económica terá de ser planeada e conduzida com esse elevado e nobre sentido.
Sr. Presidente: para além de uma ou outra reforma de estrutura e do reforço da actividade orientadora e fiscalizadora do Estado em certos aspectos da nossa vida económica, parece que ainda haverá de lançar mão de uma justa tributação fiscal que alivie de encargos os pequenos e médios rendimentos, sobretudo os que no trabalho têm a sua fonte, procurando ao mesmo tempo a merecida compensação nos rendimentos elevados, que assegurarão ao Estado os meios necessários à efectivação de uma política de valorização humana e social, que os tempos imperativamente reclamam.
Sempre o imposto foi meio du repartir com justiça os encargos gerais.
Não se vê razão para que se não use vigorosamente quando a Administração se vê perante o renascer do interesses oligárquicos poderosos, de marcado carácter plutocrático, entorpecedores do verdadeiro progresso económico e de necessárias conquistas sociais.
Manter perante esses interesses uma atitude de apatia e conformidade poderá ser para alguns o reconhecimento antecipado da sua pior projecção no terreno político: a limitação da acção independente e tutelar do próprio Estado, fiador e garante do bem comum.
Sr. Presidente: poderão alguns, na apreciação do que vem dito, considerá-lo como manifestação de um radicalismo doutrinário condenável, e outros - a quem perturba e confunde o claro debate dos problemas - possivelmente o apelidarão de fácil demagogia.
Devia bastar para sossegar uns e outros uma vida de ardorosa mas consciente e disciplinada colaboração com o regime.
Mas ainda poderei juntar, para sua maior tranquilidade, corroboração autorizada e insuspeita das opiniões que foram expendidas.
Essencialmente, abordaram-se quatro problemas:
a) A concentração monopolista;
b) O imobilismo e a rotina da nossa vida industrial;
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c) A tributação fiscal como meio de justa repartição dos encargos colectivos;
d) A necessidade de activar a melhoria das condições de vida do povo português.
a) Quanto ao primeiro problema, dispenso-me; de fazer quaisquer considerações de ordem doutrinária, tão indiscutíveis são os inconvenientes das concentrações monopolistas.
Mas será interessante apontar aqui o que sobre tal fenómeno foi dito no douto parecer da Câmara Corporativa nobre a lei em discussão, pela pena autorizadíssima do meu antigo professor e Ministro de Estado - Doutor Costa Leite (Lumbrales)-, a quem, pela sua dedicação ao bem público, me é muito grato prestar homenagem.
Reza assim o parecer:
Julga ainda a Câmara que um dos aspectos do imposto complementar merecedor de estudo atento é o da eventual possibilidade de, na tributação das sociedades, considerar de modo especial alguns fenómenos de concentração que se desenvolvem através da tomada sucessiva de posições em outras empresas, reunindo sob uma mesma direcção efectiva, já número de empresas concorrentes bastante para dominar parte substancial da produção, embora sem realizar as possíveis vantagens da concentração técnica, já uma série de empresas afins ou simplesmente conexas, com o fim de alcançar, na angariação de bens ou serviços necessários ou na colocação dos produtos, independência das condições correntes no mercado.
Constituem-se assim posições de monopólio, cuja amplitude pode, às vezes, limitar por forma inconveniente uma sã concorrência e criar embaraços à acção do Estado.
O problema é, sem dúvida, extremamente delicado pela dificuldade, já apontada neste parecer a toda a intervenção, de manter a justa medida entre a consideração dos interesses gerais em casos específicos e a do interesse inegavelmente geral, que é também o não matar a acção fecunda da iniciativa privada.
Mas o caso merece porventura ser considerado no aspecto tributário, com vista à indirecta limitação de tais tendências e ao aproveitamento de oportunidade para mais justa distribuição da carga tributária, com algum benefício para o Tesouro.
Na verdade, e por virtude do disposto no n.º 5.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35 594, de 13 de Abril de 1946, os rendimentos de acções pertencentes a sociedades comerciais beneficiam de uma isenção que porventura se não justifica quando elas representam, não o desenvolvimento da actividade estatutária específica ou a normal colocação de fundos disponíveis, mas, antes, uma forma de concentração que ao Estado não interessa beneficiar.
Há, certamente, muita dificuldade na definição dos limites entre os dois casos, mas parece merecer estudo a possibilidade de os esclarecer em termos justos.
b) Porque nos agrada a autoridade e competência dos pareceres da nossa Câmara técnica, ainda é do seu parecer sobre a Lei de Meios para 1955 (e desse parecer foi relator o actual e ilustre Subsecretário de Estado do Orçamento, Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira) que me vou socorrer para salientar os malefícios do imobilismo e rotina da nossa vida económica.
Diz-se no parecer:
De facto, se os serviços se não dotam convenientemente e se diplomas orientadoras não surgem, começará entre nós a tomar foros de cidade um sistema misto, que, aliás, já vem de longe e cujas consequências se auguram graves: por um lado, a inteira liberdade em muitos sectores consentida à iniciativa privada; por outro, uma espécie de obrigação para o Estado de proteger, através das pautas de importação, dos tabelamentos de preços e, quando não de total proibição da entrada de produtos similares, o trabalho nacional, pelo simples facto de ser nacional.
Vai-se assim criando um peculiar conceito de liberdade, que no campo da economia se traduz pelo direito, que muitos se arrogam, de investir o seu dinheiro com a precipitação que entenderem e pelo dever que ao Estado se atribui de promover o necessário para remediar os males dessa precipitação, sem prejuízo para os precipitados. Cómodo conceito este seria de liberdade sem responsabilidade, de iniciativa sem risco!
E mais adiante:
Esta Câmara esclarece que não é contrária, antes favorece toda a protecção ao trabalho nacional, sempre que ela seja imposta pela necessidade de reorganização e readaptação da indústria existente, requerida em nome da natural fraqueza das empresas bem nascidas, mas em formação, e ainda quando ditada pela limitação do mercado ou por desvantagem não anulável de outros factores em relação a países altamente industrializados.
Esta Câmara só é contrária à protecção quando ela se traduza em incentivo à ineficiência permanente.
c) A necessidade de uma reforma fiscal foi já expressamente reconhecida pelo Governo, ao nomear para tanto -e por louvável iniciativa do nosso distinto colega Dr. Aguedo de Oliveira, ao tempo Ministro das Finanças- as competentes comissões.
Só é de esperar que a conclusão dos seus trabalhos não demore e que a revisão se faça não só quanto aos critérios formais da tributação, mas, sobretudo, quanto à justiça da mesma.
d) A felicidade e bem-estar da gente portuguesa, pela crescente, melhoria do seu nível de vida é o escopo principal da acção governativa.
É justo reconhecer o que se tem feito, a revelar, num ou noutro sector, sinais de progresso evidente.
Mas o nível geral médio é baixo, mesmo na população industrial.
Não deixarei de pôr à consideração da Câmara, pelo seu preocupante interesse, um passo do estudo sobre a estrutura da economia portuguesa, da autoria dos Drs. Pereira de Moura. Teixeira Pinto s Jacinto Nunes (este último ilustre Subsecretário de Estudo do Tesouro) publicado pelo Centro de Estudos Económicos, que funciona junto do Instituto Nacional de Estatística.
É o seguinte:
Sendo o produto bruto proveniente das indústrias avaliado em 15.8 milhões de contos, no mesmo período, e supondo uma parcela para depreciação equivalente a 10 por cento do valor da produção, fica um produto líquido (sensivelmente equivalente ao somatório dos rendimentos distribuídos) de 14,2 milhões.
Pois bem: as remunerações do trabalho absorvem cerca de 30 por cento desse produto líquido industrial; os restantes 60 por cento ter-se-ão repartido por juros, rendas e lucros.
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E em nota acrescenta-se:
Não esquecemos que a depreciação é calculada, nas empresas, sobre o valor do equipamento, e não em função do valor acrescentado pela manufactura. Todavia, na falta de estatísticas suficientemente completas sobre o valor do equipamento industrial português, basta notar que a participação do trabalho no total dos rendimentos distribuídos anda, nos países estrangeiros mu is desenvolvidos, por 60 a 70 por cento. Partindo de um valor médio (65 por cento), e aceitando os valores estimados para as remunerações do trabalho (5.5 milhões de contos) e para o produto nacional bruto (15,8 milhões), não é difícil verificar que a taxa de depreciação teria de atingir cerca de 46 por cento do produto nacional bruto.
O resultado dispensa comentários ...
Também os não tarei.
Recordo apenas as palavras de orientação escutadas, vai para doze anos, da boca de S. Ex.ª o Presidente do Conselho em palestra feita aos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência - quadro a que então pertencia - aqui a dois passos, na biblioteca desta Assembleia:
A revolução não é parasitária nem esterilizadora, mas produtiva. Não pretendo distribuir n que esta apropriado, mas o que se produz.
Interessa sobretudo distribuir bem, quer dizer, com justiça, o que se vai produzindo, e não o (puja foi legitimamente apropriado.
Este princípio torna-nos solidários na produção, enquanto o princípio oposto nos torna inimigos inconciliáveis na vida.
Na linha desta sábia orientarão nunca me; cansarei do proclamar que é preciso produzir mais, mas que é também preciso distribuir melhor.
O trabalho, como dever a que ninguém podo eximir-se. A justiça, como um direito, que a todos pertence.
Sr. Presidente: estou chegado ao fim das minhas desataviadas considerações.
A proposta em discussão demonstra, sobretudo em vários passos do relatório que a acompanha, preocupações e objectivos que bem se amoldam, afina, aos que estão na base das minhas palavras.
Não lhe regateio, por isso, o meu aplauso e aprovação, desejando apenas significar ao Governo, e de modo especial ao seu muito ilustre Ministro das Finanças, que vastos sectores de opinião pública do País compreendem os seus esforços, aos quais só pretendem dar ainda o encorajamento da sua dedicada solidariedade.
Sente-se a necessidade du entravar a marcha das concentrações monopolistas, na medida em que entorpecem a própria economia e prejudicam a vida social.
Ao reclamar uma intervenção decidida nesta matéria, a Nação só não compreende que se abandonem ou paralisem iniciativas que em muito podem contribuir para se alcançar aquele objectivo.
Aludirei apenas a dois factos, ambos eles aparentemente significativos: a não regulamentação da Lei n.º .1936, de 18 de Março de l936, que disciplina as coligações económicas, e da Lei n.º 1995, de 17 de Maio de 1943, que instituiu a fiscalização das sociedades anónimas.
É lícito perguntar: porque se espera?
Sr. Presidente: com a declaração expressa de que aprovarei na generalidade a proposta de lei que está a discutir-se, formulo ao mesmo tempo junto do Governo os seguintes votos:
1.º Que se regulamentam sem demora, em termos adequados e à luz dos princípios s preocupações enunciados, a Lei n.º 1936. que disciplina as coligações económicas, e a Lei n.º 1955, que criou a fiscalização das sociedades anónimas;
2.º Que se reveja o nosso sistema tributário por forma a que a tributação se faça com justiça e no sentido de protecção aos pequenos e médios rendimentos;
3.º Que prossiga, em termos mais vigorosos, a política social da nossa Revolução, com mais equitativa participação do trabalho no rendimento nacional, por imperativo de justiça social s como condição de progresso económico e paz pública.
Tenho dito.
Vozes: - Muito liem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente : - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Erram 10 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Aurélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputadas que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Página 166
166 DIÁRIO DAS SESSÕE N.º 85
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elisão de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Cost.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faieiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Luís de Avilles.
Proposta enviada para a Mesa ao decorrer da sessão:
Proposta
Proponho que ao artigo 11.º da proposta se edite:
... ou outros que o mesmo Governo julgue de interesse para a economia nacional.
Lisboa, 12 de Dezembro de l955. - O Deputado.
António Júdice Bustorff da Silva.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA