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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 126
ANO DE 1956 10 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 126, EM 9 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mos Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 145.
Leu-se o expediente.
Sr. Presidente informou estarem na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para, os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 26 e 27 do Diário do Governo, que inserem Decretos-Leis n.ºs 40 521 e 40 523.
Foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Paula Cancella de Abreu, que foram entregues a este Sr. Deputado.
Foi autorizado o Sr. Deputado Melo Machado a depor como testemunha do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Elísio Pimenta depor como testemunha no tribunal da comarca de Braga.
O Sr. Presidente informou que recebera uma comunicação do Sr. Tenente-Coronel Sá Viana Rebelo, recentemente nomeado governador-geral de Angola, manifestando a sua alta consideração pela Assembleia e o seu reconhecimento pela camaradagem sempre encontrada. O Sr. Presidente, interpretando os sentimentos da Câmara, formulou os melhores votos para o bom êxito da missão do novo governador-geral.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Cruz, para se referir a diremos assuntos de interesse para o distrito de Braga; Alberto de Araújo, que chamou a atenção do Governo para a necessidade de ser a Madeira dotada de meios necessários para socorrer náufragos, evitando-se perdas de vidas por falta de meios de salvamento: Morais Alçada, no sentido de ser incluída a brucelose nas doenças profissionais: Paulo Cancella de Abreu, acerca da revisão de alguns diplomas do Ministério da Justiça; André Navarro, para se congratular com a criação das primeiras cinco federações de grémios da lavoura, e Amaral Neto, que chamou a atenção do Instituto Nacional de Estatística para a inconveniência de se utilizarem certos sistemas de inquérito.
As 16 horas e 45 minutos assumiu a Presidência o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
Ordem do dia. - Efectuou-se a discussão do Acordo Cultural Luso-Belga.
Usaram da palavra ou Srs. Deputados Galiano Tavares e Alberto de Araújo, que apresentou uma proposta de resolução.
Posta à votação, foi aprovada, por unanimidade.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
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António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Monta.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Garcia Ramirez.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 125, de 8 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação aquele Diário dou Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De vários indivíduos e entidades a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pinto Barriga acerca da aldeia de Monsanto.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho a remeter os n.ºs 26 e 27 do Diário do Governo, l.ª série, de 3 e 4 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40521 e 40523, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação dum requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu. Os mesmos elementos vão ser entregues àquele Sr. Deputado, juntamente com uma cópia do oficio que os remeteu.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa um oficio do Tribunal do Trabalho de Lisboa a pedir autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Melo Machado deponha como testemunha naquele Tribunal no próximo dia 13 de Abril.
O mesmo Sr. Deputado não vê inconveniente em que a Câmara conceda a autorização solicitada.
Consulto a Câmara sobre se concede a referida autorização.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa também um ofício do tribunal da comarca de Braga a pedir autorização para que o Sr. Deputado Elísio Pimenta deponha como testemunha no mesmo tribunal no dia 11 do mês corrente, pelas 16 horas.
Informo a Câmara de que o referido Sr. Deputado julga inconveniente para a sua acção parlamentar que seja concedida a autorização solicitada.
Consulto a Câmara sobre se autoriza o pedido daquele tribunal.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente:-Acabo de receber uma comunicação do Sr. Tenente-Coronel Sá Viana Rebelo a informar que partirá brevemente para Angola, onde vai assumir as funções de governador-geral desta província, manifestando também o seu alto apreço por esta Assembleia e o seu reconhecimento pela camaradagem que sempre encontrou em todos os Srs. Deputados durante o período em que exerceu o seu mandato.
Julgo interpretar os sentimentos da Câmara formulando os melhores votos para que a sua missão seja coroada de inteiro êxito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto Cruz.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: poucas palavras bastam para exprimir o que desejo: informar o Governo de males que afligem a região que me honro de representar nesta Assembleia e os graves reflexos económicos e sociais que os mesmos males podem acarretar.
Por outras vezes tratei do problema, já aporá quase irremediável, da indústria de chapelaria e da desesperada situação dos pobres operários que nela laboram. Essas minhas intervenções aqui na Câmara não tiveram até agora eco nas estâncias para que apelei, e, que me conste, nada de concreto se fez para se atender com a rapidez necessária à acuidade desse problema.
Sou médico e sou cirurgião, habituado a ter de enfrentar diariamente situações desesperadas e resolvê-las com a rapidez que os casos requerem, sem demoras ou perdas de tempo que possam comprometer o êxito das intervenções julgadas necessárias, e por isso não compreendo a morosidade detratar certas questões, que, com um pouco de boa vontade e um certo grau de energia, podiam e deviam ter solução satisfatória. Talvez esteja enganado, talvez a minha deformação profissional me induza em erro, mas então gostaria de ser elucidado.
Deixo esse problema da chapelaria - doença crónica, que, como julgo, já se tornou resistente a todos os antibióticos, e Braga já deitou luto pela sua extinção.
Sr. Presidente: aparece agora outro problema muito mais grave, porque afecta muito mais gente, e que começa a causar vítimas na indústria têxtil, que, como todos sabem, é importantíssima no Norte do País, principalmente nos concelhos do Porto, Famalicão, Guimarães e Fafe.
Estão a ser despedidas centenas de operárias que trabalham nessa indústria e, para não fastidiar V. Ex.a e os Sr. Deputados...
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - ... citarei somente o que se passa em duas fábricas em Fafe. Numa foram despedidas 56 e estão para ser despedidas mais 150 e noutra foram despedidas 80 e vão ter o mesmo destino 170 ou 18O.
Alegam os da primeira fábrica que procedem assim por terem substituído os teares mecânicos por automáticos, para acompanhar o progresso técnico e poderem competir nos mercados nacionais e internacionais e tirar um maior rendimento do trabalho do homem, e, consequentemente, reduzir o número de operários.
Alegam também grandes dificuldades nas vendas e exportações dos produtos fabricados.
O Sr. Carlos Borges: - Para fazer l milhão mais depressa!
O Orador: - Estou informado de que o Sr. Ministro da Economia já se deslocou ao Norte para estudar o problema e procurar dar-lhe remédio, na medida possível. Mas o meu apelo agora é paira o Sr. Ministro das Corporações, sempre solícito no estudo dos trabalhos da sua pasta, a que se devota inteiramente, a quem peço as medidas de emergência necessárias para atenuar a situação dessas operárias e mandar inquirir da forma como são feitos os despedimentos, para não afectar os mais necessitados.
Nessas fábricas trabalham esposas e irmãs ou filhas de operários e também trabalham alguns que têm certo desafogo no seu agregado familiar. Esses, embora seja doloroso, devem ser os primeiro» sacrificados, até se conseguir solução para o emprego da sua actividade.
O Sr. Elísio Pimenta: - Embora o Minho seja das províncias de maior densidade, as pessoas que são de lá não têm emigrado, talvez porque a emigração tem sido dirigida ...
O Orador: - Peço também ao Governo, e sempre na medida do possível, que mande estudar rapidamente a forma de auxiliar a emigração para as nossas províncias ultramarinas daqueles que o desejarem e tiverem de ser sacrificados.
Para os despedimentos julgados justos peço ainda ao Sr. Ministro das Corporações que suavize essas situações por intermédio do fundo especial que existe nas caixas de previdência para efeito de imprevistos, se outras soluções não puderem ser dadas ao problema.
Confio no Governo, que rapidamente mandará estudar estes casos, como é mister, e atenuará as consequências desta crise, que tenho fé será passageira, a fim de evitar que os «pescadores de águas turvas» continuem, como o estão lá nestas alturas, a propagandear em larga escala nefastas teorias, prometendo o paraíso ... de trabalhos forçados, que tem como paradigma a Rússia, esse eldorado que aferrolha as suas portas e fecha as suas janelas para que os do Ocidente não enxerguem o que por lá vai e poupem - aos seus naturais o espectáculo confrangedor da ... liberdade que os Ocidentais, usufruem e de que às vezes tão mau uso fazem.
Sr. Presidente: por generoso auxílio do Governo, por intermédio de um dos seus mais ilustres membros, o Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem presto publicamente as minhas homenagens e o reconhecimento dos habitantes de Braga, e por iniciativa do genial presidente da Câmara Municipal da minha terra, vão á inaugurar-se em 28 de Maio grandes empreendimentos, que lembrarão aos vindouros o início de uma nova era de ressurgimento para Portugal, por mercê de Deus e do grande estadista que há tantos anos dirige os nossos destinos.
No último período legislativo pedi também a construção de cento e vinte casas para pobres (sistema padre Américo), para serem oferecidas nessa mesma data, por intermédio da Conferência de S. Vicente de Paulo, às mais necessitadas famílias das quatro cidades da província do Minho que, por patriótico esforço dos seus filhos, iniciaram esse glorioso movimento; seriam, pois, trinta casas em cada cidade.
Em cada um desses pequenos aglomerados de casas ficaria assinalado numa placa o significado da dávida.
Até agora não foi satisfeita a pretensão, mas ainda o pode ser, tão modesto é o pedido e tão exígua a verba a despender.
Ficaria bem nessa altura essa pequena nota de ternura, solidariedade e coração para com os mais necessitados, e atrevo-me a pedir mais ainda: que todos os anos nas capitais de distrito e por ordem alfabética e em uma ou duas por ano, com o mesmo objectivo e na mesma data, se repita o acontecimento, que ficaria como símbolo da nossa doutrina política e dos cristianíssimos princípios que a informam e como estímulo para os bafejados da fortuna seguirem na mesma esteira de solidariedade humana.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
(Nesta altura assumiu a Presidência o Sr. Augusto Cancella de Abreu).
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O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: os jornais desta manhã inserem a noticia de que, em consequência do temporal, desapareceram entre a Madeira e o Porto Santo seis barcos, nos quais se encontravam oitenta pescadores.
Não quero na Assembleia Nacional deixar de ter uma palavra de simpatia para a numerosa classe piscatória daquele arquipélago e de comparticipar da emoção e da ansiedade da sua população.
A classe piscatória da Madeira é conhecida pela sua competência, coragem ,e espirito de sacrifício, e na América, no Brasil e em África têm sido os pescadores madeirenses que em grande parte têm contribuído para ensinar a gente do litoral a conhecer os segredos e a explorar as riquezas do mar.
Infelizmente, a classe piscatória da Madeira, apesar do número de profissionais que agrupa e do valor económico que representa, não dispõe dos meios de protecção e de salvamento indispensáveis para defender as vidas dos que se empregam nessa faina, tão difícil quanto arriscada.
Sei que este assunto está a merecer tanto ao governador do distrito como ao capitão do Porto do Funchal, ambos digníssimos oficiais da nossa marinha de guerra, o seu melhor interesse.
Mas nesta hora, em que um frémito de ansiedade toca, de ponta a ponta, toda a classe piscatória da Madeira, quero apelar daqui para o Governo - a quem a minha ilha tanto deve-, e especialmente para o Sr. Ministro da Marinha, para as suas altas virtudes de marinheiro e para a bondade inexcedível do seu coração, no sentido de a Madeira ser dotada, sem demora, de embarcações rápidas e apetrechadas que possam, em ocasiões de emergência, dar à sua boa gente do mar a assistência e a protecção de que é merecedora.
Os barcos de pesca devem também estar dotados de meios necessários para comunicarem com a terra em caso de perigo.
E formulo um voto, que estou certo será o voto sentido unânime desta Câmara: oxalá que reapareçam os barcos desaparecidos e não se cubram de luto os lares e os corações de tão numerosas famílias!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: tive há tempos ensejo de, deste lugar, chamar a atenção do Governo para o caso da verdadeira epidemia de brucelose, do tipo da brucela melitensis, vulgarmente conhecida por febre de malta, que grassava, num progresso assustador, pelo distrito de Castelo Branco.
Soube depois que a gravidade dessa situação se estendia a outras zonas do País, com o mesmo aspecto de alarme, nomeadamente aos distritos de Bragança, Leiria e Santarém e até ao de Lisboa.
A campanha de saneamento foi imediatamente mandada intensificar. E pode dizer-se hoje que, graças à rara e devotada proficiência e ao zelo, quase sem limites, dos funcionários da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, esse fenómeno epidémico está atenuado, embora sujeito a novo surto, uma vez que se trata de doença infecto-contagiosa, e com tais possibilidades de propagação que, segundo os prognósticos do relatório a Organização Mundial de Saúde, parece que a brucelose pode e deve considerar-se como a doença do futuro, sobrepondo-se, inclusivamente, ao conhecido flagelo social que a tuberculose representa ainda para os nossos dias.
Este último facto destacará a importância do problema que adiante considero, pois, nisto como em tudo, mais vale prevenir do que remediar, e não há dúvida de que, segundo informam os técnicos, se impõe que se esteja de sobreaviso.
O desenvolvimento da dita campanha de saneamento produziu, como já disse, os seus efeitos benéficos, e para que, com justiça, se não regateiem os maiores louvores a quem nela se empregou a fundo, de alma e coração, bastará destacar que, desde 1Ü53 até hoje, foram observados cerca de 200 000 caprinos, espalhados pêlos pontos mais recônditos das nossas províncias, e realizados muitas centenas de milhares de exames laboratoriais, uma vez que só por esta forma se pode nos caprinos identificar o mal, de modo a eliminarem-se focos de disseminação.
Por esta simples nota pode, Sr. Presidente, fazer-se ideia do volume de actividade humana que se empregou no combate ao alastramento progressivo da epidemia e dos contágios arriscados a que aquela teve de submeter-se para levar a cabo a sua missão.
Deste conjunto de factores deriva o interesse pelo qual hoje pedi a palavra, pois, se não há bela sem senão, as circunstâncias que decorrem impõem-nos reconhecer que essa prática do dever de ofício, esmerada e corajosa, muitos contágios favoreceu, e há a registar, colhendo muito pessoal, desde os médicos veterinários até aos seus diversos auxiliares destacados para a referida campanha.
Mas nem só esses estão nessa situação. Pode afirmar-se que, à margem do chamado serviço oficial, outros trabalhadores por couta de outrem, como pastores, roupeiros, criados de queijeiras, etc., receberam contágios, e continuam sujeitos a recebê-los, no exercício exclusivo da profissão que lhes é própria.
Portanto, o risco da doença em referência, quando contraída nestes casos, assume reconhecidamente o carácter de doença profissional, pois acusa até os mesmos índices de outras doenças já assim classificadas pelo artigo 8.° da Lei n.° 1942, como seja, por exemplo, a infecção carbunculosa.
Acrescente-se, por outro lado, que a brucelose ocasiona, por largos períodos de tempo - as vezes muitos meses -, incapacidade absoluta para o trabalho e que o seu tratamento - afora os casos fatais, ou por negligência, ou por ignorância, ou por impossibilidade económica de suportar no seu custo - é demorado e, além de demorado, extraordinariamente dispendioso, pois faz-se à base de antibióticos, especialmente da aureomicina.
Calcule-se então, Sr. Presidente, perante este quadro, a situação verdadeiramente dramática em que se encontram, ou podem vir a encontrar-se, muitos funcionários públicos aplicados ao exercício de campanha desta natureza - e não se esqueça que se trata da doença do futuro! - e ainda muitos trabalhadores por conta de outrem, desde que tocados por esta doença no desempenho da sua profissão normal. Com certeza que se prescinde que eu a esse quadro desfie agora as consequências! Resumem-se, porém, nesta observação: muitos ficam totalmente impossibilitados de trabalhar, vendo assim estancada a fonte exclusiva dos seus réditos, e, por outro lado, impossibilitados ficarão também de tratar-se, em face da carestia do tratamento, dado que as leis em vigor sobre acidentes de trabalho nenhuma solução directa prevêem para o risco emergente deste problema.
Entretanto, como se sabe, a doença foi contraída, por definição, no exercício específico de certa natureza de trabalho, cujo benefício ou diz respeito à comunidade em geral ou ao interesse da própria entidade patronal.
Em qualquer dos casos a solução, ou, melhor, a falta de solução legal para resolver este problema não pá-
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rece das mais justas. Não é justa quando analisada segundo um critério absoluto e muito menos o será quando entrevista em bases relativas, ou seja em comparação com o merecimento que o legislador concedeu no artigo 8.º da Lei n.º 1942 a outras doenças., classificando-as de profissionais.
Dir-se-á: a lei em causa está necessidade de uma revisão geral, destinada a prover não só falta mais muitas outras anomalias que a prática tem sugerido.
Estamos de acordo. Mas, enquanto não chega o momento de asso ser feito por modo completo, parece que, com merecida urgência, deve a brucelose incluir-se na lei, com a possível categoria de doença profissional, de modo que, sendo caso disso, as respectivas vítimas possam beneficiar da economia da citada Lei n.º 1942 e dos preceitos do Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, que para ela remetem.
A este decreto-lei, porém, a fim de evitar possíveis dúvidas de interpretação, conviria que fosse modificada a redacção do seu artigo 1.° no sentido de nela serem incluídas as «doenças de serviço».
E acrescente-se: que nem por este aspecto passar a ser cuidado pela nova legislação, Sr. Presidente, nos poderemos considerar adiantados, uma vez que, de há muito, a doutrina considera a brucelose como doença profissional, podendo, entre muitos, recolher-se a tal respeito os ensinamentos de Simonin, no seu precioso livro Médecine du Travail.
A própria legislação francesa consagra essas noções nos seus vinte e nove quadros de doenças profissionais, segundo se recolhe dos decretos de 31 de Dezembro de 1946, de 16 de Março de 1948 e de 9 de Fevereiro do 1949.
Se na realidade -insistimos- a brucelose é a doença do futuro, é preciso não esquecer que a esta campanha saneadora outras podem seguir-se, até mais intensificadas, e que, por isso, é humano e útil dar, com antecipação, certas garantias quanto ao risco a que estão sujeitos todos aqueles que forem chamados a comparticipar nelas.
Será ainda uma maneira de então o trabalho a desenvolver resultar mais proveitoso e eficaz, pois natural é que sem isso exemplos que infelizmente estão decorrendo abram lições para um certo retraimento sobre a forma como a actividade se exerce.
Ao Governo, portanto, ouso chamar a atenção da justiça que me parece merecer este assunto, especialmente ao espírito esclarecido o decidido do Sr. Ministro das Corporações, em quem fundadamente repousam legítimas, esperanças, de realização de tantas ansiedades no domínio da política social da Revolução Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr: Presidente: o Decreto n.° 33 98, de 4 de Setembro de 1944, e a Portaria n.º 10 756, de 10 de Outubro imediato -portanto, de há mais de onze anos -, mandaram proceder aos trabalhos de elaboração do projecto do novo Código Civil.
Aquele decreto foi precedido de um brilhante relatório justificativo, onde se apontam circunstanciadamente as razoes que impõem a substancial remodelação do código, sem excluir, de entre elas, a sua orientação e a técnica, nem sempre felizes, e tendo em vista o facto de estarem ultrapassados o clima e muitos dos princípios em que se inspirou, de modo a criar-lhe legítima fama de grande monumento jurídico.
Em verdade, decorridos quase noventa anos após a sua promulgação, bastava a sua senectude para justificar uma revisão profunda, por jurisconsultos capazes de o refundirem, actualizarem e amoldarem à ética e às ideias do nosso tempo, às novas concepções doutrinárias, aos princípios informadores da moderna estrutura civil e Social da Nação.
Acresce que muitas matérias do código foram, posteriormente, modificadas ou substituídas por inúmera legislação, muito dispersa, e até pelas leis de processo, sem exclusão do respectivo código. Basta referir, a título exemplificativo, o que diz respeito ao estado das pessoas, à família, ao património, às águas, à propriedade literária e artística, aos registos civil e predial, ao arrendamento e às provas.
E, de modo directo, o Decreto n.° 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, substituiu muitos artigos, que logo depois foi mister esclarecer numa nota oficiosa interpretativa e mesmo complementar.
Acertadamente procedeu, pois, o ilustre Ministro da Justiça em providenciar no sentido de se intensificarem os trabalhos de elaboração do projecto do novo código, já nomeando mais vogais competentes e prevendo a nomeação de outros, já dando novas directrizes aos estudos, pela sua concentração primeiramente numa parte da vasta matéria, ou sejam os anteprojectos relativos às pessoas físicas, às pessoas colectivas, à família, etc., e ainda estabelecendo prazos para a apresentação dos primeiros estudos.
Esta louvável resolução veio dar impulso aos trabalhos, morosos já por si, devido à sua importância e transcendência, mas que sofreram atraso também por circunstâncias imprevistas, que era necessário remover, e porque na actualidade a evolução dos problemas jurídicos derivados das novas concepções da vida é tão vasta e acelerada que não se compadece de delongas. Do outro modo corria-se o risco de, chegados aos últimos capítulos, terem de rever-se os primeiros, porventura já desactualizados.
Também se prolongou por dilatados anos a confecção do projecto do Código Civil actual, inicialmente obra de um homem só; mas agora os caboucos estão lançados, as paredes mestras estão erguidas, e actualizações dispersas, já existentes, auxiliam a ingente tarefa da reconstrução do grande edifício, a não ser que se pretendesse introduzir grandes e transcendentes inovações, aliás desaconselhadas até pelo inconveniente de poderem originar o perigo da nefasta incerteza do direito e abalar os alicerces da nossa estrutura jurídica tradicional.
Realmente o projecto do Código Civil fora posto a prémio em 1832, e, não obstante a recompensa instituída para quem o apresentasse até 10 de Janeiro de 1837 ser do 10 contos -verba então apreciável-, ninguém tentou a sorte; e, por isso, em 8 de Agosto de 1850 foi oficialmente encarregado desta missão o visconde de Seabra, e foi também nomeada a comissão revisora, de que fizeram parte Alexandre Herculano, Coelho da Rocha, Silva Ferrão, Levi Jordão e outros.
Arrastou-se por quinze anos a elaboração do projecto, e, entregue em Cortes em 1865, só em l de Julho dê 1867 foi promulgado.
Inspirado no código de Napoleão, o nosso código actual tomou como lema a doutrina que já vinha consagrada no alvará de 4 de Novembro de 1810:
Toda a legislação deve ser uniforme em sistema, corrente em princípios e bem ajustada ao direito natural, fonte da justiça universal, para que as suas decisões, assentes nos ditames da razão e do justo, sejam respeitadas e observadas como convém, sem contradições e dificuldades.
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Estes princípios foram os de então, são os de hoje, devem ser os de sempre; e podemos ter como certo que não os desprezam os que agora têm a elevada incumbência de rever e actualizar as normas de direito substantivo.
Não esqueceu também o Sr. Ministro da Justiça que eram decorridos quinze anos sobre a vigência do novo Código de Processo Civil, e justificadamente julgou chegada a oportunidade de encarar a sua revisão, após este já longo período de experiência, tendo por sinal encarregado deste trabalho o próprio autor do projecto, o saudoso Prof. José Alberto dos Reis, meu mestre, nosso grande mestre, a cuja memória presto, nesta oportunidade, a mais rendida homenagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Neste objectivo, julgou S. Ex.a o Ministro conveniente recolher todas as sugestões, alvitres ou propostas, e, para isto, fez circular às entidades e pessoas que julgou estarem em condições de prestar concurso eficaz para a obra de vulto a empreender. E não foram esquecidos a Ordem dos Advogados e, através dela, os seus membros, cuja leal colaborarão seria também muito proveitosa na elaboração do projecto do Código Civil, e decerto não será desprezada. Ao lado da doutrina, as lições da experiência.
O Prof. José Alberto dos Reis está agora substituído por uma comissão competente, presidida pelo juiz conselheiro Eduardo Coimbra, da qual muito há a esperar.
Anuncia-se também o novo Código Penal. Bem necessário é, como ainda há pouco tempo o mostrou aqui o nosso ilustre colega Dr. João Valença.
Com setenta anos, animado embora pelas «vitaminas» de dezenas de diplomas posteriores, continua antiquado no seu conteúdo geral e inadaptado às modernas doutrinas penais e às concepções da vida social presente.
O Código Penal é um velho traste carunchoso, que fez a sua época, e a demora na sua substituição menos se compreende especialmente num pais que, como o nosso, está na vanguarda no que diz respeito ao regime prisional, já em quase completa executo e eficiência.
Acresce que, na expressão de Luís Osório, o código de 1886 não foi um novo Código Penal propriamente dito, mas uma compilação incompleta da legislação penal em vigor à sua data e já sem concordância com as afirmações da psicologia contemporânea, da antropologia criminal e da patologia alienista e com as necessidades da possível segurança contra o crime. E Pereira do Vale, considerando-o ressentido da forma precipitada como foi elaborado, achou-o tão confuso e desordenado que pode, sem exageração, dizer-se que poucos jurisconsultos do nosso pais saberiam facilmente jogar com as suas disposições.
Realmente, a manutenção do actual Código Penal é tanto mais insustentável quanto c certo que, efectivamente, em contraste, o que há feito no campo do regime prisional é de tal modo progressivo e notável Sue excede tudo o que podia imaginar-se em presença o atraso em que nos encontrávamos. A tal ponto que podemos orgulhar-nos de uma organização modelar, admirada e louvada por criminalistas de nome ou por especializados nos problemas sociais, que aconselham os seus governos a imitar-nos.
Essa grande obra partiu do notável diploma de 1936 da autoria do Prof. Manuel Rodrigues, cujo relatório é, por si só, um verdadeiro tratado e que remodelou completamente esse regime, que atingiu quase completa efectivação sob o impulso do Prof. Cavaleiro de Ferreira e dos seus dedicados e competentes colaboradores.
É justo reconhecê-lo, e não me inibem de o fazer razões pessoais de qualquer ordem ou proveniência.
Eu próprio posso fazer um depoimento - modesto mas exacto.
Levado pela natural curiosidade que me despertam problemas de transcendente importância, como são os de correcção de menores e regeneração e recuperação de delinquentes adultos, visitei a Colónia Penitenciária de Alcoentre, a Prisão-Escola de Leiria, a Colónia Correccional de Vila Fernando, a prisão de mulheres de Tires, a prisão de homens de Linho, a Colónia Penal Agrícola de Sintra e a Cabeia Penitenciária de Lisboa, tendo sido amavelmente acompanhado nalgumas destas visitas polo irmão do Ministro Prof. Cavaleiro de Ferreira, seu secretário, e recebido atenciosamente pêlos directores destes estabelecimentos.
E posso assegurar que me surpreendeu o que me foi dado presenciar. Tive quase a visão simbólica da prisão sem grades!
A maioria das construções são magníficas e delineadas nos moldes mais modernos adequados ao seu destino.
Abolido, como está, o velho sistema celular, só há em cada um dos estabelecimentos algumas prisões, utilizadas apenas como medida de segurança ou em correctivo de actos de rebelião ou de indisciplina.
As celas, com o significado e a feição antigos, estão substituídas por quartos higiénicos, limpos, arejados, mobilados decentemente, e por vezes os delinquentes guarnecem-nos com objectos de arte que fabricam, quadros, retratos de família, etc.; e só os ocupam obrigatoriamente durante a noite.
A vida em comum -no campo, nas oficinas e nas escolas ou nas horas de recreio e repouso, devidamente fiscalizadas - torna mais humana a execução das penas e mais possível a regeneração o recuperação dos condenados, cm ordem a transformá-los, não em revoltados, mas em cidadãos úteis e muitas vezes até em bons artistas ou mesmo mestres de ofícios de que não tinham o menor conhecimento quando transpuseram os ombrais da prisão.
Recebem um salário, de que é atribuída uma parte a família e outra parte à capitalizada num fundo de reserva individual, para lhes ser entregue quando são postos em liberdade, exceptuando apenas um pequeno desconto nos salários mais altos e o indispensável para ligeiras despesas individuais, como fumo, correio, etc.
Saídos em liberdade -às vezes aceitam-na contrariados-, são ainda assistidos e amparados pelo Patronato das Prisões ou por outras instituições sociais apropriadas.
s estatísticas acusam um número muito reduzido de fugas, e estas, como é lógico, são dos mais incorrigíveis e indisciplinados, de que pouco há a esporar e que, em geral, mais tarde ou mais cedo, ali voltam para cumprir nova pena.
Impressiona a compostura, o respeito e a delicadeza daquela gente, que se conta por muitas centenas de indivíduos em cada estabelecimento, submetidos a rigorosa disciplina, como é mister, mas tratados com humanidade, mesmo com carinho, bem alimentados o sujeitos a rigorosos cuidados de saúde e de higiene.
No que vi não encontrei excepções, e, se muito se deve ao regime instituído em 1936 e aos seus executores, muito se deve também a um pessoal dedicado e competente.
Seria prolongar demasiadamente as minhas considerações deter-me em referências de ordem doutrinária sobre o importante problema do regime prisional ou modo de execução e cumprimento das penas; e, de resto, não podia fazer mais do que reproduzir ideias já assentes e generalizadas, largamente desenvolvidas mesmo entro nós, como no notável relatório do Prof. Manuel Rodrigues já referido e em publicações do Prof. Beleza dos Santos, do Dr. Augusto de Oliveira e, no que se refere a menores, do padre António de Oliveira e outros.
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O Sr. Prof. Antunes Varela é um dos maiores valores da nova geração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O Sr. Ministro da Justiça deitou mãos a grandes empreendimentos e possui qualidades de inteligência, saber e competência, que são penhor seguro de que deixará o seu nome, já a muitos títulos ilustre, ligado a dois novos diplomas fundamentais do nosso direito, como são os Códigos Civil e Penal, e também à revisão do regime processual vigente.
Levará decerto a bom termo essa obra notável, tendo por valiosos auxiliares as ilustres comissões do que se fez rodear e o Prof. Beleza dos Santos, este com o encargo do projecto do Código Penal, que não podia estar entregue a melhores mãos.
Aguardamos confiadamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: deram os jornais da manhã ao Pais a feliz notícia de que o Governo da Nação tinha resolvido constituir as primeiras cinco federações de grémios da lavoura.
Esta iniciativa governamental representa importante passo dado no sentido de completar a organização corporativa da nossa agricultura.
Realizado, nestes últimos anos, o trabalho difícil e exaustivo, e como tal moroso, da criação dos grémios da lavoura e Casas do Povo, esta circunstância implicou, umas vezes por falta de dirigentes e outras por não estar ainda maduro o ambiente propicio para a sua organização, a necessidade de demorar esta segunda fase da organização corporativa, agora auspiciosamente anunciada pelo Governo da Nação.
Com a criação das federações agora instituídas, com finalidades que foram bem focadas pêlos ilustres titulares das pastas das Corporações e da Economia, já se poderá antever como de futuro será mais fácil ao Governo ter noticia exacta das verdadeiras aspirações da lavoura, e assim ter a Administração os elementos necessários para a oportuna resolução dos seus mais instantes problemas.
A forma inteligente e activa como a lavoura portuguesa tem demonstrado saber bem encarar, com um patriotismo inultrapassável, as prementes necessidades alimentares do povo português e outras da economia nacional é seguro penhor de que a organização agora instituída dará, decerto, os melhores frutos. E a experiência já acumulada pelo relevante trabalho de muitos organismos pré-corporativos durante largos anos constituirá precioso contributo para este sucesso.
Fomento económico das principais actividades produtivas, por forma a reduzir os custos de produção; maior facilidade de difusão de necessária assistência técnica e consequentes possibilidades da melhoria acentuada das condições de vida do trabalhador da terra, são assim finalidades de que nos aproximamos, a passos seguros, mercê da progressiva integração da lavoura na organização corporativa da Nação.
Está, por isso, de parabéns o País pela realização de tão valioso empreendimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: o desenvolvimento das cada vez mais complexas e exigentes sociedades modernas, multiplicando as razoes de intervenção dos estados nas mais diversas manifestações de actividade, tem forçado todos os governos a criarem e apurarem serviços de registo e contagem dos factos económicos e sociais, para lhes conhecerem, não somente as grandezas e modos de ocorrência, mas também, por vezes como principal interesse, as tendências de evolução. A estatística, método de indagar e sistematizar dados cada vez mais indispensáveis ao despacho dos negócios públicos, tornou-se, creio que dentro dos últimos cem anos, de novidade a princípio objecto de motejos, em elementos indispensável das administrações; e suponho que já há-de ter sido dito algures que a eficiência dos seus serviços pode ser critério tão bom como muitos outros para ajuizar da qualidade da governação de um país.
Naturalmente, pois, o sopro revivificador que se levantou em Portugal aos 27 de Abril de l928 bafejou também os serviços nacionais de estatística, para os quais o Estado Novo ergueu um dos seus primeiros grandes edifícios públicos, exemplo já, pela dignidade e amplidão das instalações e pelo conceito funcional da sua traça, de tantos e tão belos outros que haviam de seguir-se-lhe: e depois da casa deu-se-lhes a organização pela Lei n.º 1911, quase das primeiras votadas na Assembleia Nacional, que criou o Instituto Nacional de Estatística e lhe confiou as funções de notação e elaboração, publicação e comparação dos elementos estatísticos referentes nos aspectos da vida portuguesa, que interessam à Nação, ao Estado ou à ciência.
Não me compele a mini, que nem pensei em preparar-me para tanto, e seria, aliás, desproporcionado com o fim desta intervenção, fazer o juízo da obra do Instituto Nacional de Estatística, que é visivelmente muito grande e se exprime em publicações da mais cuidada apresentação: mas creio sinceramente que o Instituto Nacional de Estatística honra de facto o Governo que o criou, servindo bem o País a quem serve.
Tem, porém, o Instituto Nacional de Estatística, além da da exactidão das suas informações, uma grande, uma enorme responsabilidade: é a que lhe impõe a base IV daquela lei, no conferir-lhe poderes para exigir de todas as pessoas singulares ou colectivas, com permanência ou actividade em território português, as informações convenientes a todos os inquéritos e indagações necessários ao bom exercício das funções que lhe pertencem. E como às respostas ninguém pode negar-se, sob pena de sanções que não são ligeiras, essa responsabilidade é, afinal, a de perguntar bem, e não de mais.
O famoso Bismark, a quem se atribuem diversos gracejos à então incipiente arte da estatística, passa por ter dito certa vez que os números falam, toda a questão estando em saber abrir-lhes a boca. Glosando a ideia, creio poder dizer sem gratuitidade que pertence à estatística conseguir que os seus números, ao abrirem a, boca, o façam nem para lisonjear nem para desagradar, mas tão-somente para exprimirem quanto possível a verdade, e penso que, se nisto estará toda a arte da estatística -que nos métodos pêra ciência, mas nos modos tem de pôr arte-. ela tem de começar no jeito das indagações.
Ora, a experiência está mostrando que a nossa estatística, nas informações que pede às pessoas, é por vezes tão minuciosa e deseja conhecer tantos elementos dos que nem toda a gente guarda em registo que corre, acaso o risco de enfadar e sofrer as consequências de estados de espírito como os previu já a sabedoria popular, ao estabelecer que a quem muito quer saber nada se lhe diz. É, Sr. Presidente, o que já tenho podido notar no tocante a inquéritos de estatística agrícola, que são dos que estou em posição de melhor apreciar.
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Como todos os homens de acção projectada directamente no exterior, os que fazem suas vidas nos campos são pouco inclinados a manterem grandes registos dos seus feitos e negócios; confiam à memória o essencial e nem ao papel os acidentes ou incidentes que julguem sem consequências.
Não ao parece, todavia, que o Instituto Nacional de Estatística, ao dirigir-se, nos seus inquéritos e recenseamentos, a pessoas do sector agrícola, tenha suficientemente em conta esta característica. Na verdade, os boletins emitidos para recolha de informações descem a minudências de perguntas para qualificar as quais não será exagero nem injustiça aventar o conceito de delírio de inquirição estatística, pois certas questões parecem transcender as probabilidades de registo das escriturações mais cuidadas. Dou como exemplo o inquérito de há meses, em que se pedia a hortelões para indicarem, espécie por espécie, as colheitas dos meses anteriores para uma grandíssima variedade de hortaliças, culminando na exigência da unidade folhas para a expressão da quantidade respeitante à modesta e banal couve galega!
Agora mesmo tenho aqui na mão, Sr. Presidente, exemplares dos impressos destinados ao arrolamento geral de gados e animais de capoeira.
São estes impressos de dois tipos: o primeiro destina-se às pessoas que possuam apenas aves e animais de capoeira, com número reduzido de cabeças de gado, nas zonas rurais, nomeadamente os seareiros, os trabalhadores, os almocreves e carreiros, etc. Pois bem, a estes é pedido que dêem as respostas a nada menos do que 73 questões, que envolvem perguntas tão fáceis de responder, para pessoas deste género, como as seguintes: número de ovos chocados no ano de 1955; número de pintos nascidos e de pintos vingados; número de galináceos que morreram por doença ou acidente (sempre no mesmo ano de 1955); número dos que compraram, dos que venderam e dos que comeram!
A mesma curiosidade se aplica aos patos, enquanto que para os coelhos basta dizer quantos se compraram, quantos se venderam, quantos se consumiram e, além disto, quantas peles aproveitou o respondente ao inquérito.
Como V. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão a ver mesmo daqui, nada mais natural almocreves e carreiros, a trabalhadores assalariados ou assoldadados, e mesmo ao citadino que cria no quintal meia dúzia de galinhas para o caldo em caso de doença ou para os assados de domingo, do que terem a conta dos ovos que puseram a chocar, dos pintos que vingaram e das galinhas que comeram. Como se podem esperar respostas satisfatórias sobre factos que hão-de ser de tão pouca relevância para a quase totalidade dos inquiridos, não porque não tenham sentido os prejuízos, mas porque com certeza não foram riscar atrás das portas as mortes dos «bicos» ou quantos frangos comeram guisados com batatas
Para os proprietários que façam criações de gado há, porém, outro boletim notavelmente mais complexo nas suas perguntas. Este divide-se em duas partes: a primeira, relativa aos efectivos existentes, põe 113 questões; a segunda, que se refere ao comportamento dos efectivos durante o ano de 1955, não se satisfaz com menos de 115. São, portanto, ao todo 238 as interrogações feitas, algumas sobre motivos de tanta curiosidade como os acidentes pré-maternais ou maternais das fêmeas, sem, aliás, se mostrar descurado o interesse pelas mortes acidentais e pelas transacções de todas as espécies que já se haviam manifestado no boletim destinado aos proprietários mais modestos.
Parece-me, e parece a muita gente mais, que para uma boa contagem do gado e dos animais de capoeira existentes no País à meia-noite do dia 15 de Dezembro de 1905, a qual, aliás, à parte o pormenor do momento - que, todavia, tinha de ser um certo-, é da maior utilidade e interesse para a administração pública, como para todos os estudiosos de questões económicas e de pecuária, não seria indispensável descer a tanta minúcia. E parece-me mais que esta mesma minúcia se arrisca a falsear o arrolamento pela natural repugnância a dar tanta resposta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O esforço de rebusca que exige, seja na memória, seja em apontamentos, o aborrecimento que pode despertar, que certamente despertou, a multiplicação de perguntas cujo interesse para o fim essencial procurado não é evidente, o convencimento de que muito mais se enfadarão com os termos do inquérito, e repugnarão, portanto, a responder-lhe certo, tudo contribuirá para que cada proprietário de gado e animais de capoeira, de per si irritado, mas ao mesmo tempo receoso das sanções prometidas na lei e relembradas nos boletins de inquérito, preencha o seu com números apenas pouco mais ou menos exactos, quem sabe quantas vezes de propósito ou por descuida largamente eirados.
Custa-me a compreender como este risco e o consequente perigo de falsear todo o arrolamento não fez hesitar os redactores dos boletins. Que as declarações estatísticas, que todas as declarações estatísticas, serão sempre eivadas de alguns erros, é facto de que poucos duvidarão; mas quando elas se renovam ano após ano é lícito esperar que os factores de erro, acidentais ou voluntários, mantenham a sua ordem de grandeza e de efeito, pelo que a comparação dos vários resultados permitirá ao menos confiar nas tendências traduzidas. Mas em apuramentos feitos em intervalos tão longos, como os deste arrolamento de gados e animais de capoeira, penso que todo o cuidado deveria dirigir-se à redacção de boletins de inquérito suficientemente limitados aos pontos na verdade essenciais, para reduzir ao mínimo todos os muitos perigos de conclusões inexactas, entre os quais me permito insistir e pôr no primeiro lugar o das reacções contra a prolixidade dos questionários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem sei que, para quem procura conhecer os fenómenos sociais e económicos através da estatística, nunca há informações demasiado abundantes. Por experiência própria sei quão frequentemente sentimos a falta de alguma coisa mais, e a lamentamos, quando não criticamos, sem pensarmos no trabalho que já houve para recolher o que se publicou. Mas, afinal, ninguém, nem o mais sequioso amador da minúcia estatística, deixará de preferir o sacrifício da abundância das notações à sua mais provável exactidão.
Eis porque vim aqui, desejoso de chamar a atenção do Instituto Nacional de Estatística para o perigo em que os seus próprios desejos de perfeição põem o valor e inquéritos como este a que me estive a referir. Mas tão-pouco esqueço que à vida atribulada do homem de hoje, constantemente assediado com pedidos de informações, declarações, participações, manifestos, estatísticas que às vezes se repetem, pois são primeiro prestadas ao organismo de coordenação económica e depois ao Instituto, e algumas vezes por fim ao serviço do Estado que superintende na matéria, já não é de modo nenhum indiferente que sempre que possível lhe poupem algum trabalho desta natureza.
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E assim, dado o meu conselho de que não se pergunte de mais, para não obter más respostas, quero deixar ainda ao Instituto Nacional de Estatística o pedido de que se modere sempre quanto possível no uso dos ilimitados poderes de inquirição que a lei lhe confere e de que, no geral -grato me é reconhecê-lo-, tem usado bem e com proveito para o País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai tratar-se da ratificação do Acordo Cultural entre Portugal e o Reino da Bélgica.
Tem a palavra, pela Comissão de Educação, o Sr. Deputado Galiano Tavares.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: por ser a primeira vez que falo numa altura em que V. Ex.a preside aos trabalhos desta Assembleia, apresento a V. Ex.a os meus cumprimentos de saudação.
«A primeira questão que se apresenta», diz o preclaro relator do parecer da Câmara Corporativa, Dr. Júlio Dantas, à margem do Acordo Cultural entre Portugal e o Reino da Bélgica, «é saber se de facto se trata de culturas que tenham interesse e vantagem em se aproximar».
«No domínio dos princípios não se suscitam dúvidas - prossegue-. O direito e livre circulação das informações tem o seu complemento natural na cooperação universal dos espíritos. Passa como dogma no mundo moderno (e Deus nos livre de despertar dessa ilusão) que, facilitando a intercultura dos povos, consolidamos a paz internacional».
A concepção de inteligência, de per si, parece ter-se modificado.
O pensamento já não é apenas uma faculdade só criadora. Transformou-se intensamente num instrumento de acção. Os acordos culturais entre povos com as mesma* aspirações -eu repito: com as mesmas aspirações- só poderão ser um instrumento de mútuo entendimento. O drama da nossa época é precisamente a pungente renúncia à integração do espírito nos problemas da boa e leal convivência.
A técnica, que deveria ser um meio, transformou-se num fim e todos os valores humanos se perderiam irremediavelmente se não se aproximassem, pela cultura, para defesa comum de um património moral que os aglutine e retempere.
Porque o sentem e o compreendem, eles se procuram para se fortalecer, certos de que uma civilização exclusivamente técnica comprometeria a tradição herdada da lição greco-latina e do próprio Evangelho.
O comunismo considera a cultura como reacionária, mas o perigo não provém unicamente duma ideologia que reduz o humanismo a um humanismo de classe. A dignidade do homem consiste no pensamento, já o afirmava Pascal.
De tal maneira, porém, se dividiu o Mundo que, com o mui ilustre relator do parecer, se pode efectivamente afirmar que todas as nações teriam vantagem em se aproximar, se todas possuíssem na mesma medida a capacidade de compreensão, o espírito da sociabilidade, a vocação ecuménica indispensável para que a sua aproximação fosse útil e proveitoso o trabalho que viessem a realizar em comum».
E este já é conceituosamente um problema de confiança e - porque não dizê-lo? - uma atitude de amizade. Convenção é em direito internacional público sinónimo de tratado. A par dos actos diplomáticos, que suo mera» declarações unilaterais de vontade, pode haver acordos unilateral ou bilaterais em que se conjugam as vontades soberanas de dois ou mais estados.
As relações de Portugal com a Flandres remontam à fundação da monarquia portuguesa. Têm, por isso, fundas raízes: vínculos de ordem dinástica, relações de carácter económico e político que se consubstanciam no auxílio de cavaleiros flamengos nas lutas contra os Mouros já no reinado de D. Sancho I.
D. Joana, filha de Balduíno IX, casa com D. Fernando, filho daquela monarca, e a infanta D. Isabel, filha de D. Duarte, une-se pelo matrimónio com Filipe, o Bom. Nos fins do século XV e princípio do XVI as relações entre Portugal e a Flandres atingem o apogeu de uma cordialíssima colaboração. O pavilhão da Flandres sulca o» mares da Europa. O descobrimento do caminho marítimo para a índia amplia, desvenda e consolida uma intensa actividade comercial.
O embaixador Fernão Lopes, com a cooperação do feitor João Brandão, funda a Casa de Portugal.
Damião de Gois assiste em Bruxelas ao Jubileu do Amor, de Mestre Gil, em celebração do príncipe D. Manuel, filho de D. João III.
Alguns dos feitores portugueses em Antuérpia ganham fama e renome: Tomé Lopes, representante do rei. Rui Mendes, Manuel Pais, Rodrigo Fernandes de Almada, Diogo Mendes, Francisco Ximenes, Estêvão Nunes, Simão Sueiro e Simão Rodrigues.
A Casa de Portugal em Antuérpia era a presença permanente dos Portugueses e ao mesmo tempo mostruário valiosíssimo de produtos ultramarinos, que ali afluíam de toda a parte. A queda de Bruges - a Bruges la morte, de Rodenbach-, provocada, entre outras razões, pela decadência da Liga Hanseática, transferira para Antuérpia o eixo principal do comércio, centro de mercadores, que ali afluíam do Brasil e da índia-vasto empório de trocas, larguíssimo e proveitoso comércio.
Não era, porém e apenas, uma feira mundial; era simultânea e concomitantemente um centro de omnímoda e imorredoura cultura. Ali se publicou o Livro de Aritmética e Geometria, de Pedro Nunes.
As relações entre a Bélgica e Portugal não esmorecem no decorrer do tempo. A Conferência Luso-Belga teve por objectivo o estudo dos problemas ultramarinos, para o que contribuirá eficazmente o Caminho de Ferro de Benguela e o porto do Lobito.
O Monitor Belge em 1930 reconhecia a Casa de Portugal como sendo uma associação que «visa ao seu escopro por meio de conferências, exposições e publicações» nos domínios científico, literário, económico, turístico e desportivo, no sentido de favorecer as relações entre os dois povos.
Bolseiros portugueses frequentam Universidades belgas, dentre as quais menciono, além da de Bruxelas, Grand, Liége e Lovaina, esta exclusivamente católica.
(Resumiu a Presidência o Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
O ensino técnico superior e médio é ministrado em Liége e na Escola de Engenharia de Charleroi, bem como na Universidade de Estudos Coloniais de Antuérpia.
O ensino da língua portuguesa, através de leitorados, não é desconsiderado na» relações entre os dois países.
São relações intelectuais que se reafirmara e continuam nesta clarividente política de aproximação entre
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povos que se podem entender e até associar e que os governos entre si fomentam quanto ao porvir.
Aquando da deflagração da guerra de 1914 todos nós sabemos como foi universalmente apreciada e enaltecida a dedicação do rei Alberto, sempre presente nos locais de maior perigo, comandando cie próprio a ofensiva de Ostende e Bruges.
Ao visitar Portugal, em 1920. o povo de Lisboa carinhosamente o aplaudiu, numa verdadeira apoteose, consagrando a sua elegância moral de grande soldado e insigne chefe.
Intensamente devotado ao .progresso dos domínios ultramarinos, no rei Alberto da Bélgica teve Portugal um conspícuo e insigne cooperador, um cordial aliado.
De então para cá, Sr. Presidente, não se entibiaram nem afrouxaram essas relações, que agora se robustecem pelo Acordo Cultural, dado que no mundo hodierno os povos isolados são já quase por definição povos vencidos.
Quando se unem os maus, escreveu Edmundo Burke, também os bons se devem unir; de contrário cairão um a um, sem ninguém sentir compaixão pelo seu sacrifício, escrevia William Bullit, embaixador dos Estados Unidos na União Soviética (1933-1936).
A cooperação social e cultural constitui um dos objectivos do Comité Pearson, exposta por lorde Ismay e estudada, na qualidade de conselheiro, pelo Dr. Reinink, secretário-geral do Ministério da Educação Nacional dos Países Baixos.
A Assembleia Nacional não pode deixar de ratificar com prazer o Acordo Cultural entre Portugal e o Reino da Bélgica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: o Acordo Cultural com a Bélgica não pode ser considerado isoladamente, antes se integra numa política externa consciente e activa, que visa a valorização da posição portuguesa na comunidade geral das nações.
Sem um estado forte e prestigiado não é possível a qualquer país possuir uma política externa. E, quando um dia se fizer a história desapaixonada e serena dos últimos trinta anos de vida política, a posição externa que atingimos será a confirmação mais insuspeita e eloquente da obra interna que realizámos.
Restaurou-se a autoridade do Estado, restabeleceu-se a ordem interna, equilibraram-se as finanças, saldaram-se compromissos, saneou-se a moeda, dignificou-se o trabalho e a pessoa humana, na multiplicidade dos seus fins e destinos, e só então Portugal pôde voltar a ocupar de novo o lugar que na comunidade dos povos lhe competia, pelo direito e pela história, e do qual nós próprios parecíamos apostados em o arredar.
Para o restabelecimento dessa posição, tão necessária à defesa dos mais transcendentes interesses da Nação e da sua própria soberania, não foram também indiferentes a sábia experiência de organização política e social que realizámos e a extraordinária personalidade do estadista que superiormente a concebeu e orientou, e cujo nome é hoje proferido em todo o Mundo com profunda admiração e simpatia.
Atravessámos em paz a última guerra mundial, prestando com a neutralidade o maior serviço aos nossos aliados e facilitando o acesso a posições portuguesas e atlânticas indispensáveis à salvaguarda e defesa da liberdade dos mares.
E, terminada a guerra, continuámos a dar a nossa melhor colaboração aos grandes ideais humanos da justiça e da paz, entrámos na N. A. T. O. com o valor inestimável dos nossos recursos e de uma frente nacional unida, temos sido elemento operante da sociedade dos povos e, por unanimidade, fomos admitidos na O. N. U., sem que para isso tivéssemos por um só momento de abdicar da nossa fidelidade aos princípios que são património e formam a própria estrutura da civilização do Ocidente.
Quando recentemente se atentou contra uma parcela longínqua do nosso império, mais uma vez se pôs à prova o prestígio português e a existência de uma verdadeira política externa. De todos os recantos da Terra -da Europa, da África, do Oriente, das duas Américas- manifestações espontâneas de afecto e de simpatia envolveram o nome de Portugal na evocação da sua história e da sua missão civilizadora. Povos e governos, colectividades e indivíduos, todos juntaram os seus votos aos nossos anseios e inquietações, numa manifestação irreprimível de solidariedade perante um ataque que era a violação da justiça, a negação do direito, uma ingratidão do Mando perante a nação que em grande parte o descobrira e o civilizara.
A condução dessa fase da nossa política externa teve o seu remate com a triunfal viagem do Ministro Paulo Cunha à América do Norte e com a afirmação categórica do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos de que Goa é, indiscutivelmente, uma província de Portugal.
Sr. Presidente: a política externa portuguesa não se tem limitado à protecção dos interesses fundamentais da nossa soberania e à consolidação das alianças e amizades impostas por um condicionalismo histórico ou geográfico.
Tem-se desenvolvido em todos os sectores da vida internacional, intensificando relações de convívio, desenvolvendo o intercâmbio das ideias, aumentando o tráfego do comércio, dando uma mais sólida estrutura à comunidade dos povos de língua portuguesa, regulando por acordos e tratados as relações de vizinhança com os povos que no ultramar prosseguem objectivos afins dos nossos.
Pode considerar-se verdadeiramente operosa a política externa portuguesa nos últimos anos, não só pela intensificação das relações internacionais, mas também pelo número e diversidade de instrumentos diplomáticos que a exprimem.
O Acordo Cultural Luso-Belga integra-se numa política externa de actividade constante e que não descura nenhum dos sectores que a constituem.
O acordo tem fundamentalmente por fim, conforme se deduz da sua própria letra, promover e estreitar as relações culturais entre os dois países, e por isso as partes contratantes concederão o seu apoio, na medida do possível, às iniciativas e às instituições que se proponham esse objectivo.
Prevê o acordo a criação de dois organismos, um belga e outro português, encarregados da sua aplicação e interpretação e aos quais competirá submeter aos governos respectivos todas as sugestões, propostas e recomendações que considerem oportunas.
Procura-se encorajar nas Universidades e nas escolas superiores o estudo da língua, da literatura e da história de ambos os países e, simultaneamente, através da concessão reciproca de bolsas de estudo, facilitar a investigação científica e um maior desenvolvimento da formação técnica.
Traduzindo uma política sincera de entendimento e de reciprocidade, o acordo quase transcende os seus objectivos meramente culturais quando estatui que cada parte contratante determinará as condições e a medida em que poderá ser reconhecida a equivalência dos títulos, graus e diplomas académicos obtidos no território da outra parte, inclusive para efeitos de exercício profissional.
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São meios previstos desta intensificação de relações culturais luso-belgas, entre outros, as visitas de professores, cientistas, estudantes, investigadores e artistas, as conferências, os concertos, as exposições, os livros e periódicos, a rádio, a televisão, o cinema, ou sejam todas as formas de difusão do pensamento e da expansão do espírito.
Sr. Presidente: não podemos deixar de fazer votos para que se efective todo o conjunto de realizações que o Acordo Cultural Luso-Belga prevê e enuncia, porque, se a Bélgica oferece, pela vastidão da sua cultura e pelo seu desenvolvimento cientifico, campo vasto de ensinamentos, não deixa também para nós de ser profundamente útil e desvanecedor que outras nações progressivas tomem interesse e se afeiçoem pelas coisas portuguesas -pelo nosso património espiritual, pêlos trabalhos dos nossos artistas, pelas obras-primas da nossa literatura, pelo labor das nossas Universidades, pela nossa obra colonizadora e missionária- e fiquem, assim, conhecendo melhor o génio imortal de uma raça e o verdadeiro sentido de uma história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E se os acordos culturais são sempre de vantagem, a sua conclusão é, sobretudo, de louvar quando exprimem de direito uma situação preexistente de facto e quando por detrás das assinaturas das chancelarias existem sentimentos vivos recíprocos de amizade entre os respectivos povos.
É o caso presente, em que o Acordo Cultural exprime uma situação de crescente interesse e simpatia entre as duas nações que o assinam e entre as quais existem também numerosas afinidades, quer no domínio do espirito, quer no campo da acção.
As velhas estradas romanas levaram até ao interior da região das Ardenas a língua latina, a civilização mediterrânea e a religião cristã. E, embora várias vezes invadida e ocupada, a Bélgica antiga, situada num ponto de confluência do espirito latino e do espirito germânico, permaneceu fiel à religião de Roma e manifestou sempre uma profunda e decisiva influência da civilização romana.
Esta afinidade de crenças e costumes desde recuados tempos nos ligou às terras e cidades que constituem a Bélgica dos nossos dias. E através das peregrinações religiosas, das cruzadas, das alianças dinásticas, da colonização, dos mercadores e dos artistas recebemos, como refere o eminente académico Dr. Júlio Dantas no seu erudito parecer, e como também acaba de dizer o nosso ilustre colega Sr. Dr. Galiano Tavares, o influxo da sua civilização e do seu espirito. D. Isabel, filha de D. João I, casa com o duque de Borgonha, no fim do século XIV celebra-se o primeiro tratado de comércio entre Portugal e a Flandres, surge em Bruges a primeira feitoria portuguesa, e este intercâmbio de comércio e de ideias leva depois àquelas terras do Norte alguns dos nomes mais representativos do pensamento português da época, como frei Diogo de Murça, André de Resende e Damião de Gois.
Tantas vezes nos encontrámos juntos, na propagação da fé, na elevação do pensamento, na defesa do direito dos povos, na expansão do comércio, na glorificação da arte, e, se há na Bélgica o culto pela nossa epopeia marítima e pelos serviços reais que prestámos à civilização, não há entre nós quem não admire essa outra nação, cujo espirito de sacrifício integral lhe permitiu escrever algumas das páginas mais belas do heroísmo humano de todos os tempos.
Ficou célebre a frase do rei-soldado: «Pereça antes a Bélgica que a honra».
Nos tempos modernos, e depois da sua constituição definitiva como nação independente, aquele país foi chamado a desempenhar uma importante missão nesse mesmo continente africano que Portugal séculos antes havia revelado ao Mundo e no qual ininterruptamente tem desempenhado uma importante missão civilizadora.
Esse povo tenaz e persistente, firme e voluntarioso, que, respeitando a concepção primitiva, levou três séculos a erguer e construir a catedral de Reims, tem realizado em África, terras fronteiras a uma grande e florescente província portuguesa, uma obra notável de expansão ultramarina, inspirada, como a nossa, por um alto e profundo sentido de missão.
Por isso p belga conde de Lichtervelde pôde escrever que a ideia colonial que se desenvolveu naquele pais sob a influência do idealismo e do apostolado religioso viria a perecer no dia em que adquirisse um carácter puramente materialista.
É de vantagem para os dois países um conhecimento reciproco dos seus métodos e processos de acção ultramarina e uma mais estreita colaboração no estudo dos problemas de interesse comum, como expressamente o reconhece o Acordo Cultural.
A história, a cultura e a acção civilizadora dos dois povos oferecem campo vasto e fértil de estudo e meditação. E ainda no campo social, sendo Portugal um estado de base corporativa e a Bélgica um pais que procura organizar a sua economia numa base profissional, de forma a ser, como escreveu um professor eminente, a expressão harmónica de todas as forças activas da produção, ainda no campo social, dizia eu, é da maior importância o estudo recíproco das instituições dos dois países.
Nos primeiros séculos da nossa idade os condados que formam hoje a nação belga constituíam uma posição avançada da cultura latina no Norte da Europa e as terras onde mais tarde se havia de constituir a monarquia portuguesa a sua última projecção a Ocidente.
Volvidos séculos, e depositárias de uma civilização milenária, cabe às duas nações a gloriosa missão de preservarem e defenderem contra ambições estranhas vastas e ricas regiões do continente africano.
Desapareceram agora as velhas estradas romanas e os povos procuram, inquietos e desorientados, outros rumos e caminhos.
Mas, à medida que o tempo corre e se abrem e fecham novas páginas da história, cada vez mais se reconhece que o património latino-cristão, no conjunto dos seus princípios e das suas realizações, continua a ser no Mundo o mais precioso tesouro de valores espirituais e humanos.
Sr. Presidente: tenho a honra de mandar para a Mesa, em nome da Comissão de Negócios Estrangeiros e por honrosa incumbência do seu ilustre presidente, a seguinte
Proposta de resolução
«A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento do texto do Acordo Cultural entre Portugal e o Reino da Bélgica, assinado em Lisboa em 30 de Julho de 1955, resolve aprovar, para ratificação, o referido instrumento diplomático.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Fevereiro de 1956. - O Deputado, Alberto Henriques de Araújo».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Não está mais ninguém inscrito para este debate. Considero-o, pois, encerrado.
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484 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 120
Como a Câmara já tomou conhecimento da proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado Alberto de Araújo, em nome da Comissão de Negócios Estrangeiros, vou submetê-la à sua aprovação.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Sebastião Ramires: - Requeiro que fique consignado no Diário das Sessões que a proposta foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente:-Serão satisfeitos os desejos de V. Ex.a
Vou encerrar a sessão.
Antes, porém, de o fazer quero convocar para amanhã, às 16 horas, a Comissão de Legislação e Redacção.
Dentro de momentos vou declarar interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, mas, como estão pendentes diplomas a que é necessário dar a última redacção, proponho à Camará que dê à referida Comissão o bill de confiança que sempre lhe tem concedido.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Interpreto o silêncio da Camará como concedendo-o.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Tenho de interromper o funcionamento efectivo dos trabalhos desta Assembleia. Porque há ainda matérias de que ela terá de se ocupar, mas que carecem de estudo, diplomas que terá de discutir e votar e para cuja apreciação é necessário tempo, esta interrupção, longe de prejudicar a actividade da Câmara, vai permitir-lhe que o último período desta sessão legislativa seja de maior rendimento.
Assim, e de acordo com o § único do artigo 94.º da Constituição, declaro desde hoje em diante interrompido, para todos os efeitos, o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional.
O dia da próxima sessão será oportunamente anunciado.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Antão Santos da Cunha.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida Garrett.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA