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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 138

ANO DE 1956 11 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 138, EM 10 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com uma rectificação proposta pelo Sr. Deputado Pinho Brandão, o Diário das Sessões n.º 135.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa o parecer da Comissão do Ultramar sobre as contas públicas de 1954, que foi distribuído aos Srs. Deputados.
Recebeu-se também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, um ofício do Ministério da Educação Nacional a informar não ter sido tomada de há mais de um ano para cá qualquer medida susceptível de legitimar novas inscrições no Sindicato dos Odontologistas. Com este ofício se dá satisfação a um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga.
Foi ainda recebido na Mesa o parecer da Comissão de Contas da Assembleia acerca das contas da Junta do Crédito Público respeitantes a 1954, que vai ser publicado no Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jorge Jardim, para um requerimento; André Navarro, que louvou as medidas tomadas pelo Governo para eliminar as crises de trabalho nas províncias alentejanas; Pereira da Conceição, sobre problemas de trânsito; Mendes Correia, sobre a divisão administrativa do País; Urgel Horta, acerca da construção do Palácio dos Correios, no Porto; Galiano Tavares, que evocou a memória do Prof. Serras e Silva, recentemente falecido; Pinto Barriga, para anunciar um aviso prévio sobre o problema oleicola, e Cunha Valença, que chamou a atenção do Governo para a urgente necessidade de se construir um hospital em Viana do Castelo.

Ordem do dia. - Continuou a discussão das propostas de lei sobre o turismo e a indústria hoteleira.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa uma proposta de aditamento à proposta de lei em discussão sobre o turismo, publicada no Diário das Sessões n.º 116. Trata-se de uma proposta dimanada de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, que foi lida na Mesa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Barlolomeu Gromicho e Sousa Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.

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Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes P ri etc.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 65 Srs. Deputados
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 135.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: na p. 667, col. 2.a, 1. 12.a, do Diário das Sessões n.º 135, onde se lê: «dar expediente aos quadros respeitantes», deve ler-se: «dar expediente aos processos respeitantes».

O Sr. Presidente:-Continua em reclamação o Diário das Sessões n.º 135.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado com a rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Pinho Brandão.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho a apoiar as considerações dos Srs. Deputados Manuel Maria Vaz e Pinho Brandão acerca da distribuição de energia eléctrica nos meios rurais.
Do presidente da Câmara Municipal de Gouveia a apoiar as considerações do Sr. Deputado Augusto Simões sobre turismo.

O Sr. Presidente:-Está na Mesa o parecer da Comissão do Ultramar sobre as contas públicas de 1954.
É hoje distribuído aos Srs. Deputados.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, um oficio a comunicar que o Ministério da Educação Nacional, em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 13 de Março findo pelo Sr. Deputado António Pinto de Meireles Barriga, informou não ter sido tomada de há mais de um ano para cá qualquer medida susceptível de legitimar novas inscrições no Sindicato dos Odontologistas.
Está ainda na Mesa o parecer da Comissão de Contas desta Assembleia acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes a 1954.
Vai ser publicado no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jorge Jardim.

O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: na sessão de 12 de Março de 1954 tive oportunidade de me referir com algum desenvolvimento à angustiosa situação do problema das estradas de Moçambique, de vincar a urgente necessidade de se oferecer toda a atenção e todos os possíveis recursos à sua resolução e de aplaudir a orientação governativa que em tal sentido se dirigia, pela aprovação, nessa altura, do programa rodoviário, que visava dotar a província com uma rede fundamental de estradas, a executar no período de oito anos.
Decorridos dois anos sobre aquela minha intervenção, e quando nos encontramos no terceiro exercício dos oito em que o plano haveria de ser realizado, parece oportuno voltar a ocupar a atenção da Assembleia acerca do andamento que efectivamente se tenha dado nos trabalhos para atingir aquele objectivo e acerca das perspectivas que se ofereçam para o futuro, uma vez que o problema das estradas continua a ser -se não o é cada vez mais- o problema de maior premência para a efectiva colonização e progresso de Moçambique.
O conhecimento directo das obras em curso e os informes recolhidos junto dos departamentos competentes permitem-me afirmar desde já que não temos motivo, em Moçambique, para nos felicitarmos pela forma como o plano tem sido realizado.
E isso parece resultar de defeitos estruturais, acrescidos de alguns males acidentais, uns e outros dificilmente evitáveis quando se tentava iniciar uma política rodoviária sem tradições na província e, por isso, sem experiência anterior.
Sei que o Ministério do Ultramar e o Governo-Geral de Moçambique vêm examinando atentamente o assunto, em ordem a [procurar definir as causas retardadoras da execução do plano, para se lhes dar pronto remédio, com vista a melhor eficiência no ritmo e na técnica das realizações, e procurando até recuperar-se o que já representa efectivo atraso sobre o esquema previsto.

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E parece poder-se já, com alguma segurança, estabelecer o diagnóstico dos males, que pesaram sobre o plano de estradas de Moçambique e traçarem-se os rumos mais seguros para o futuro.
Afigura-se, pois, ter chegado o momento de nos ocuparmos nesta Câmara da exacta situação do problema quanto a possíveis faltas verificadas, quanto à posição do presente e quanto às perspectivas que é lícito antever.
Para esse efeito, e nos termos regimentais, requeiro que pelo Ministério do Ultramar me sejam prestadas as seguintes informações:
a) Indicação das verbas inscritas nos orçamentos de Moçambique relativos a 1954, 1955 e 1956 para atender à execução do plano de estradas;
b) Indicação discriminada da utilização dessas verbas em 1954 e 1955 e previsão da utilização das verbas inscritas para 1956;
c) Indicação comparativa das obras previstas, no plano de estradas para 1954, 1955 e 1956 e daquelas que efectivamente se realizaram ou iniciaram em 1954 e 1955 e se prevê virem a ser realizadas ou iniciadas em 1956;
d) Indicação das disponibilidades da província em pessoal técnico em 1953, 1954, 1955 e 1956 para os serviços, de estudo, construção e fiscalização daquele plano de estradas;
e) Indicação das empreitadas adjudicadas ou contratadas em 1954 e 1955, discriminando o objecto de cada uma e os valores de adjudicação;
f) Esquema adoptado para a apreciação técnica e decisão sobre os projectos das obras rodoviárias da província de Moçambique;
g) Indicação das verbas inscritas no capítulo «Despesa ordinária» dos orçamentos de Moçambique relativos aos anos de 1953, 1954, 1955 e 1956 para conservação e reparação das estradas não incluídas no plano;
h) Indicação dos fundamentos que, no entender do Governo, tenham dado causa a que o plano de estradas se haja atrasado em relação ao programa inicialmente definido;
i) Informação sobre se o Governo encara a revisão do plano de estradas, indicando, na hipótese afirmativa, os motivos dessa revisão e as directrizes em que ela se oriente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: tivemos conhecimento pela imprensa diária da posse dada por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas aos membros da comissão encarregada de velar pela coordenação das obras públicas, estaduais e municipais, a realizar, sob a égide desse departamento do Estado, nas províncias alentejanas.
Não podemos deixar neste momento de dirigir ao engenheiro Arantes e Oliveira, ilustre Ministro, estadista que no exercício da sua árdua missão tem sabido conquistar a admiração e a confiança do País, pelo seu dinamismo e excepcionais qualidades de inteligência e saber técnico, as nossas mais sinceras e calorosas felicitações.
O planeamento a que fez referência no discurso de posse das várias obras projectadas pelo seu departamento, por forma que delas resulte o maior proveito
económico para a Nação e permitindo que os excedentes ocasionais de mão-de-obra, numa vasta região agrária, tenham a utilização mais produtiva, mostra bem o valor e o acerto da rasgada iniciativa do Ministro.
Desejo neste momento congratular-me também pela afirmação que fez. ao prestar justa homenagem aos serviços, do plano de fomento agrário, da possibilidade, dentro de breve prazo, de levar mais de uma centena de milhares de hectares de territórios do Sul à prática do regadio. E não virá longe o dia, quando a electrificação rural o permitir e os trabalhos do plano de fomento agrário tenham atingido outras províncias onde se nota ainda acentuado atraso nos aproveitamentos hidráulicos, em que será possível elevar essa área de culturas regadas ao suficiente para permitir o regular abastecimento do povo português.
Quero-me referir àqueles géneros que hoje faltam ou que são produzidos em condições de custo que dificultam o seu consumo pelas classes, menos abastadas da população.
Ao dirigir as minhas felicitações ao ilustre Ministro, de novo relembro ao Governo da Nação que se faça com urgência o planeamento completo do fomento económico das bacias hidrográficas portuguesas, por forma que, solvidos, os principais problemas agrários alentejanos, se possa continuar a mesma ordenada orientação no progresso económico e social de outras regiões do País. Procedendo assim, não teremos decerto de continuar a assistir, impotentes, à saída contínua de milhares de braços portugueses para terras estranhas, quando muitos milhares de hectares do Portugal continental esperam ainda os benefícios de um aproveitamento económico tecnicamente mais perfeito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: usando da palavra pela primeira vez no corrente ano parlamentar, não o quero fazer sem primeiro dirigir a V. Ex.ª as saudações que lhe são devidas, não só pelo seu elevado prestígio, como ainda pelo valor, sempre provado, na orientação dos trabalhos desta Assembleia.
Iniciou-se, ontem no nosso país uma bem elaborada campanha de segurança no trânsito, que vai durar até ao dia 14 do corrente e que tem por fim promover, não só a difusão das regras de trânsito, mas ainda as preocupações e cuidados a ter, visando o alto fim de diminuir os acidentes decorrentes da circulação.
A iniciativa partiu do Automóvel Clube de Portugal, que encontrou em tal empresa, não só o mais amplo apoio do Exmo. Ministro das Comunicações, como ainda a mais viva simpatia e espírito de cooperação, não só das autoridades, mas de várias empresas e organizações.
Já há dois anos, em sessão desta Assembleia, no dia 17 de Março de 1954, tive a honra de aqui fazer uma larga intervenção acerca dos problemas de circulação e trânsito, mormente na nossa capital, chamando para o facto, não só a atenção do Governo, como a da Câmara Municipal de Lisboa e a das autoridades responsáveis pelo mesmo.
O problema nestes dois anos decorridos não melhorou e pode mesmo afirmar-se que antes, sim, se tornou muito pior.
O aumento progressivo do número de veículos, conjugado com o acréscimo populacional verificado em tal período de tempo, dão origem a que a circulação seja cada vez mais pejada e difícil. Por outro lado, não se vêem medidas mais intensas e apropriadas que o te-

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nham feito sustar. Algumas citei-as então e será por isso oportuno recordá-las hoje.
Assim, estando há vários anos previstos, em estudos bem elaborados pela Câmara Municipal, a abertura dos túneis rodoviários entre o Corpo Santo e os Restauradores, e entre Eugénio dos Santos-Martim Moniz e Terreiro do Trigo, a realização dos mesmos continua letra morta, a despeito dos estudos que se fizeram, do reconhecido interesse que oferecem para o descongestionamento do trânsito e do elevado valor que representariam para a defesa civil da cidade de Lisboa.
Parece-nos que fácil seria obter o rendimento do capital empatado, desde que se permitisse a abertura de lojas de comércio e se adjudicasse a realização ao capital privado, com garantias de exploração do espaço subterrâneo.
Tem sido assim que na Noruega e na Suécia se têm instalado modernamente o comércio e a indústria, com vantagem sobre a construção à superfície. E refiro-me a essa vantagem na sua multiplicidade de aspectos, quer no que respeita à localização, quer à higiene e à economia, quer, finalmente, à segurança.
A instalação subterrânea tem sido objecto do mais seguro êxito, não só nos países nórdicos como ainda em todas as grandes capitais modernas.
A circulação subterrânea de Paris tem sofrido nos últimos anos o mais vigoroso impulso, como sendo a solução mais apropriada para o tráfego intenso de uma grande cidade.
Também, do mesmo modo, queremos salientar que, a despeito dos estudos já feitos e bem elaborados sobre as passagens para peões nos cantos do Rossio e, sobretudo, na garganta do Teatro Nacional, o problema da execução continua letra morta, a aguardar-se que as obras do metropolitano cheguem vagarosamente à fase de trabalho ali prevista, o que levará ainda alguns anos, como se o problema, por ser momentoso, não exigisse desde já uma execução em 1.ª fase, em vigoroso impulso do interesse público.
O abreviar desta obra parece-nos de urgente realização num país como o nosso, onde o peão é tão indisciplinado, mas simultaneamente tão esquecido e tão abandonado. Com efeito, as exigências da disciplina sempre me pareceram fáceis de acatar ou de impor quando se verifica que elas são acompanhadas pelo zeloso interesse de quem as determina.
Afirmei que chegará um ponto tal em que não haverá oficial, engenheiro ou autoridade de trânsito, por mais prático e inteligente que seja, que consiga o descongestionamento.
Repito-o, neste momento, cônscio das dificuldades que já hoje tem qualquer motorista para às horas de ponta poder conduzir dos Restauradores a Santa Apolónia uma pessoa que para ali se dirija com urgência para tomar o comboio. Se não for prático e desembaraçado, fugindo das artérias, conseguirá levar bons doze a quinze minutos, o que será suficiente para que o comboio se vá e o passageiro fique.
Estes problemas enuncio-os com base na própria experiência de quem os praticou para os afirmar.
Em qualquer grande cidade europeia as arteriais servem para o escoamento mais rápido, como por exemplo a Oxford Street, em Londres, a Avenue de la Grande Armée ou os Champs Elysées, em Paris, a Via Nazionale, em Roma, sendo o trânsito das secundárias sempre mais moroso e difícil.
Não sucede assim entre nós, onde se deixam estacionar carros, em plena nora de trânsito intenso, nas nossas vias arteriais, como a Rua do Ouro, Rua Augusta, Rua Nova do Carmo e Chiado.
Citámos, então, que o estacionamento em Londres era permanentemente proibitivo nas arteriais e permanentemente livre nas secundárias. Mas esta cidade de Lisboa, que em problemas urbanísticos está alcançando lugar apreciável, que na parte arquitectónica e habitacional está conquistando posição de relevo na Europa, parece teimar, lamentavelmente, em se manter arredia a solucionar os seus problemas de circulação e trânsito.
Já a este assunto se têm referido em sessões municipais alguns distintos vereadores da nossa Câmara Municipal, mas, apesar de cá e lá haver pessoas que encaram estes problemas como sendo de importância primária para a categorização duma grande cidade como Lisboa, o facto é que eles se emperram através de vias que se não conhecem e se não vê a sua realização com aquele ânimo decidido com que o Sr. Presidente da Câmara tem enfrentado sempre os vários e complexos problemas do seu município.
Lisboa é já hoje uma cidade turística mundial, onde afluem milhares de estrangeiros anualmente, e por isso importa considerar estes problemas, não só por atenção àqueles que nela vivem permanentemente, como ainda pela impressão dos outros, que, aqui vindo pela primeira vez, fixam na retina a imagem da cidade ou do País pelo que aqui encontram ou pelo que aqui vêem.
Será difícil, senão impossível, encontrar em cidades de grande trânsito peão como o nosso. A velocidade de escoamento de automóveis em Londres, Paris ou Roma pode afligir o condutor menos prático pela torrente de veículos que cruzam assombrosamente as suas avenidas ou bulevares, considerados como arteriais. Entre nós o que aflige o condutor é, porém, não a torrente de escoamento dos veículos, mas sim o cruzar constante da via pelos inúmeros peões que a atravessam em todos os pontos e nas mais variadas direcções.
Sem dúvida que é admirável que se não dêem inúmeros e constantes desastres, mãe isso deve-se, em boa verdade, apenas à perícia e sangue-frio dos condutores, que já se habituaram a encarar a hipótese de o automóvel não ser para andar, mas sim para deixar passar os peões na sua frente onde lhes apeteça.
Julgo que há que defender os direitos dos peões, facilitando-lhes a sua vida e actividades, mas julgo que é de não menor importância, para boa solução do problema, fazer-lhes compreender as suas obrigações e impor-lhes o respeito por regras de disciplina que, no seu próprio interesse, devem ser respeitadas.
Pode-se afirmar que ao irrequieto temperamento dos Portugueses e ao seu horror nato a tudo que seja disciplina e organização, que não sejam animosamente aceites e compreendidas, se devem aquelas estranhas correntes nos cantos do Rossio.
Aquelas vedações para impedirem a passagem de peões fazem-nos corar de pejo, quando nos lembramos de que só assim se consegue resolver entre nós um problema que a disciplina voluntária deveria dispensar.
O trânsito de peões nas arteriais da Baixa está francamente mau, irreprimivelmente indisciplinado, e apenas nas passagens do Rossio se encontra já a funcionar em condições regulares.
Dizia eu já da outra vez que «neste aspecto o nosso atraso só pode ser vencido, não pela repressão, mas sim pelo estudo de uma circulação apropriada, aliado a um trabalho de catequese e convencimento, numa campanha de conquista da boa vontade do público», que afirmava saber não ser impossível de obter.
Pois é a este trabalho que agora, em parte, se vem dedicar o Automóvel Clube, o que é digno dos mais rasgados louvores e apreço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A colaboração das câmaras municipais, da Polícia, da Guarda Republicana, das forças arma-

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das e dos Ministérios da Educação Nacional e das Corporações parecem dar-lhe a mais ampla expansão em todo o País.
O problema é de educação geral, de compreensão e de boa vontade por parte de todos os portugueses; a campanha é não só humanitária, mas também progressiva e civilizadora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O valor e extensão que assume são dignos de nota. Mais de 500 000 folhetos e 50 000 cartazes foram produzidos, em edições cuidadas e elucidativas, simples é claras, num sentido de convencimento e de conselho muito úteis não só para condutores como para transeuntes.
Destas edições merecem particular realce os 100 000 exemplares de folhetos para peões, os 60 000 do «Código da Estrada pela imagem», além dos milhares de cartazes para escolas, quartéis, fábricas e oficinas, que constituem primorosa fonte de educação para a grande massa laboriosa do País.
Tal realização não podia, portanto, passar despercebida nesta Assembleia, sempre devotada aos interesses gerais da Nação, e julgo que interpreto o sentimento geral ao assinalar o facto e ao saudar o prestimoso organismo que é o Automóvel Clube de Portugal na realização desta campanha, que reputo das mais interessantes e valiosas, não só para alcançar a segurança do indivíduo como ainda para elevar o prestígio e o nível civilizador do nosso país.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ensinemos pois nas escolas, nos quartéis, nas fábricas e nas oficinas como se devem conduzir os motoristas e os peões; façamos nas ruas com que sejam observadas rigorosamente as leis e as disposições da circulação e trânsito; estabeleçamos regras eficientes.; façamos obras com vista a proteger peões e motoristas, e teremos assim contribuído para uma melhor vantagem do andamento de uns e outros, quer quanto aos seus naturais direitos, quer quanto à segurança das suas vidas.
De tal azo teremos, simultaneamente, contribuído todos para uma melhoria colectiva e também para um melhor apreço do nosso nível social por parte dos estrangeiros que nos visitam, o que, em última análise, se reflectirá no melhor conceito do próprio país.
Eis os motivos por que julgo de saudar com tal relevo o nosso Automóvel Clube de Portugal, manifestando-lhe o testemunho da nossa mais viva simpatia e apreço pela obra a que se devotou, na qual vai consumir, em benefício de todos, muitos esforços e haveres, mas que achamos aplicados em desvelado interesse público. Bem assim cumpre destacar o apoio tão justo que lhe foi conferido por todos os organismos públicos e pelo próprio Governo.
De toda esta conjugação de esforços e de boas vontades é de esperar a compreensão e o zelo do próprio público, no carinhoso interesse de apoiar tão humanitária campanha, ajudando com a sua boa vontade não só o seu próprio interesse, como ainda o prestígio de Portugal.
Apoiar e difundir, pois, esta campanha, segui-la é observá-la nos seus preceitos, é não só uma obra de devoção humanitária, mas patriótica, bem digna de todos os portugueses que amam a sua pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: num projecto de lei, o n.º 192, apresentado à Assembleia Nacional em 1937, pretendia-se alterar os artigos 125.º e 126.º da Constituição, com o desaparecimento da província como divisão administrativa e com a restauração plena do distrito, permitindo a federação de distritos em casos especiais.
Tive então a honra, como Procurador à Câmara Corporativa, de ser o relator do parecer desta, que, por vários motivos, foi desfavorável ao projecto em questão, menos por rejeitar definitivamente todas as objecções opostas à divisão estabelecida do que por se lhe afigurar prematuro o regresso ao regime anterior, dando-se a tão curto prazo como concluída a experiência posta em execução numa fórmula de coexistência da divisão provincial com a distrital.
O parecer concluía por preconizar o estudo das reclamações apresentadas e por se irem facultando os meios necessários para uma melhor eficiência da nova divisão- a provincial.
Deu-se a circunstância de ter sido também eu um dos membros da comissão que, anos antes, delineara a carta geográfica das províncias, adoptada afinal pelo Governo.
Como no parecer da Câmara Corporativa se afirmou, a divisão provincial fora traçada com base em razões sérias, o mais possível objectivas, mas admitiu-se sempre que talvez a unidade geográfica que era o distrito tivesse já criado raízes e razões de ser em cerca dum século, de modo a haver já inconvenientes graves em regressar à divisão constitucional, em grande parte tradicional e natural, que era a província.
Criara-se uma nova tradição, a do distrito, estabelecera-se, sob a sua vigência, toda uma rede de interesses de vária ordem, de necessidades, de relações, de comunicações, de actividades, precisamente durante um século de renovação, de integração na vida económica e industrial, que foi o século XIX, com a sua era, entre nós, designada pela Regeneração.
Estou assim à vontade para chamar a atenção da Assembleia e do Governo para a oportunidade ou inoportunidade de se considerar findo o período de experiência a que aludi. Ninguém melhor do que o Governo dispõe de elementos para se saber qual é mais conveniente do ponto de vista nacional: a província, na sua plenitude, o regresso ao distrito da era liberal ou o prosseguimento da fórmula mista em que, a título de experiência político-administrativa. temos vivido.
As três fórmulas devem ter as suas vantagens e os seus inconvenientes.
A legislatura para que serão feitas eleições em 1957 poderá ter funções constituintes. Tratando-se de matéria constitucional, a questão que apresento à consideração da Assembleia e do Governo reveste assim aspecto de oportunidade e até de premência.
O caso tem maior importância do que muitos imaginarão. Envolve delicados e respeitáveis interesses materiais e morais, regionais e nacionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: serão as minhas primeiras palavras para lembrar um facto da mais significativa projecção e transcendência, comemorado na capital há umas dezenas de horas. Terão as outras o objectivo de chamar a esclarecida atenção do Governo, especialmente do Sr. Ministro das Comunicações, para uma realização ao Porto prometida, de que o Porto carece e cuja efectivação se aguarda há largos anos.
Mas seja-me permitido, antes de me ocupar dessas questões, bordar algumas considerações sobre o uso de

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um direito que legitimamente utilizo, quando chamo a esclarecida atenção governativa para alguns problemas respeitantes ao Porto ou quando a oportunidade se me oferece para exteriorizar sentimento de reconhecido agradecimento pela atenção e interesse que o Governo vem dedicando a problemas daquela cidade.
Não me encontro neste lugar para levantar dificuldades ou criar estorvos, pois seria atraiçoar os princípios básicos da formação política, moral e espiritual que sempre orientaram e fazem parte da minha vida. Estou aqui para sincera e lealmente colaborar, dentro da humildade dos meus recursos, na obra de progresso e engrandecimento da Nação, razão do prestígio que gozamos no Mundo, mercê da sábia orientação dada à governação pública por esse grande homem de Estado que é Salazar.
Assiste-me o direito de pedir, mas ao meu espírito impõe-se a obrigação de ser justamente reconhecido para com aqueles que bem merecem esse sentimento de louvor. E este pensamento não é exclusivamente meu. Perfilha-o integralmente o Porto, que vive horas de intenso regozijo por ver a caminho da realidade problemas de tanta magnitude e de tanta importância no futuro das suas actividades.
Um quantitativo extraordinariamente vultoso vai ser gasto na solução do velho problema das suas a ilhas»; na edificação de muitas dezenas de escolas primárias, célula-base da educação da gente de amanhã, e nas escolas técnicas que ainda não possuem edifícios próprios; na construção da monumental ponte da Arrábida, notável e grandiosa obra da engenharia portuguesa, cuja existência virá a exercer larga e proveitosa acção na vida económica e social do Norte do País; na construção das auto-estradas complementares, ligando-o a sul com a auto-estrada iniciada nos Carvalhos e a norte com a via rápida e mais tarde com a via norte; no engrandecimento e melhor e mais proveitoso apetrechamento do porto de Leixões, com a construção de novas docas e tudo quanto seja necessário às possibilidades do aumento do tráfego que as circunstâncias lhe irão proporcionar; no acabamento do seu magnífico hospital escolar, obra de assistência e ensino de tão vasta projecção; no acabamento do seu Palácio da Justiça, edifício de notável valorização citadina e de prestígio para o exercício da alta função da magistratura, e de tantos e tantos empreendimentos materiais, comparticipados, em estudo, a comparticipar e a realizar dentro em breve.
Não me permite o tempo de que disponho falar largamente da obra realizada em todos os sectores, não só material, mas também moral, intelectual e espiritual, a bem da sua população.
Caminhamos firmemente, com efectividade real, para os grandes empreendimentos e não me cansarei de afirmar o quanto eles representam económica e socialmente para o futuro do Porto.
À verdade dos factos não pode opor-se a mentira convencional da incompreensão e do negativismo de muitos.
Não me falta, Sr. Presidente, autoridade para assim me exprimir, visto que dentro da Câmara tenho sabido com elevação e com dignidade dizer o que penso, solicitando atenção para determinados problemas e louvando com todo o merecimento o Governo, que tão bem os sabe compreender e os sabe resolver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, feitas estas considerações, voltemos aos motivos justificativos desta intervenção.
Sr. Presidente: o nosso Tejo, orgulhoso e altivo na história do seu passado, particularmente integrado na
história gloriosa de Portugal; objecto ou instrumento inicial no despertar e no caldear de tanta energia, potencial de vontade alicerçado na fé; este Tejo arrogante nos seus desvarios, berço de crença nos longínquos destinos da Nação, e humilde na tarefa de bem servi-los; rio sobre o qual se debruça a grande capital do Império, farol da civilização ocidental, orgulho de uma pátria, foi ontem, mais uma vez - e tantas o tem sido desde o alvor da nacionalidade-, palco magnífico na expressiva demonstração de uma esplêndida e magnífica obra, só possível e realizável pelo alto espírito criador de quem superiormente dirige e comanda a grande nau do Estado.
Á cerimónia, já consagrada, da bênção aos lugres componentes da nossa frota bacalhoeira, em constante progresso e renovação, alinhados no Tejo, frente u Torre de Belém, dominados pelo Mosteiro dos Jerónimos, padrões eternos do valor, da audácia, da coragem e do heroísmo dos nossos navegadores, soldados e missionários, é, no seu alto simbolismo, no seu eloquente significado, hora bendita, abençoada por Deus, na omnipotência da sua grandeza e na sublimidade da sua majestade e dó seu amor.
E ao ver partir os nossos pescadores para tão rude faina - dignos descendentes dos que outrora, através de mares desconhecidos, descobriram novas terras com novas gentes - acorre ao meu espírito um misto de satisfação e orgulho pela obra realizada agora, no curto espaço de duas dezenas de anos, de valorização de uma classe até ali tristemente esquecida na miséria do seu viver. Essa obra é, em todos os seus objectivos, nos seus diversos aspectos -económico, social e moral -, tão vasta, tão completa, tão produtiva e tão bela que hão possuo expressões que com justiça possam caracterizá-la e louvá-la.
As actividades pesqueiras, actividades do mar, são fontes inesgotáveis de riqueza a proteger e a explorar.
Assim o compreendeu o Estado Novo, com a criação das Casas dos, Pescadores; a construção de norte a sul do País de bairros limpos, higiénicos, destinados aos homens do mar e às suas famílias; a abertura de escolas primárias e a criação de escolas técnicas profissionais de pesca; o estabelecimento de assistência médica e farmacêutica gratuita, com os seus hospitais, as suas creches, os seus lactários e as suas maternidades; a instituição da assistência espiritual e educativa e todo esse admirável e eficiente conjunto de medidas favorecendo e protegendo as suas múltiplas actividades.
Os nossos pescadores, profissionais das diversas modalidades de pesca, muitas dezenas de milhares, encontraram no Governo, no Sr. Ministro da Marinha e na Junta Central das Casas dos Pescadores, a que preside o distinto oficial de Marinha nosso colega e amigo Henrique Tenreiro, os maiores e mais dedicados defensores dos legítimos direitos que assistiam à sua classe.
Assim lhes asseguraram o trabalho, que dignifica, honra, enobrece, dando inteira protecção ao seu futuro na invalidez ou na velhice e aos elementos constitutivos da sua família - mulher e filhos.
Esta obra realizada por poucos, extensiva a muitos, essencialmente e profundamente cristã, de extraordinária recuperação nacional, só se tornou possível pelas condições de ordem económica e social criadas pela acção persistente, inteligente e firme do Sr. Presidente do Conselho, para quem são poucas todas as homenagens.
Desta forma se operou transformação completa nas múltiplas actividades da pesca e se modificou inteiramente a vida dos pescadores. Tem de continuar-se no mesmo rumo e no mesmo ritmo, aperfeiçoando essa obra admirável, quer sob o aspecto moral e social, quer ainda sob o aspecto económico.

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Sr. Presidente: na última intervenção parlamentar por mim realizada, em que pedia, com boa soma de razoes, a internacionalização do Aeródromo das Pedras Rubras, referi-me, posto que ligeiramente, à segurança que ofereceria para a ingrata faina da pesca nas costas de Portugal a aquisição de um helicóptero, elemento de evidente utilidade no salvamento de tanta vida, que à falta de recursos próprios se perde.
São do conhecimento geral acidentes gravíssimos passados a curta distância de terra, perante a impotência de elementos dedicados à função humanitária do socorro a náufragos e que o auxílio de um helicóptero poderia salvar da morte.
O seu emprego faz-se com frequência em países estrangeiros, obtendo-se magníficos resultados.
O Aero Clube do Porto, em colaboração com .entidades responsáveis da florescente vila de Matosinhos - grande empório da indústria da pesca-, numa ampliação da sua relevante acção assistencial, com verdadeira compreensão dos seus deveres humanitários, esforça-se - e para tal fim obteve já valiosos donativos - para conseguir a compra de um aparelho que torne possível socorrer em pleno oceano os tripulantes dos barcos pesqueiros colocados em emergência grave. Mas o seu custo é elevado e será tarefa difícil amealhar o quantitativo necessário para tal destino.
Daqui, Sr. Presidente, ouso dirigir um sincero apelo ao Sr. Ministro da Marinha e ao Sr. Presidente da Junta Central das Casas, dos Pescadores, pedindo o seu auxílio para iniciativa de tanta valia e tão grande alcance,- nela residindo a possibilidade de salvamento de tantas vidas indispensáveis às actividades da pesca.
A Concretização de tão caritativa como magnífica ideia resolveria um problema grave que pesa profundamente nas actividades marítimas. Porque não lhe dar solução imediata?
Sr. Presidente: a nossa frota bacalhoeira sulca as águas, do Atlântico a caminho do seu destino: Terra Nova, Lavrador e Gronelândia. Que Deus a proteja, como nós ambicionamos, ou seja dando vida e saúde aos bravos pescadores, para no regresso à Pátria, com os seus barcos bem carregados, poderem entoar louvores à Providência Divina, agradecendo ao Estado Novo a dedicação, o interesse e o espírito de justiça com que soube resolver problema de tão magna importância em sector tão notável na vida da Nação.
Sr. Presidente: o outro problema por mim enunciado ao principiar esta intervenção refere-se à construção do Palácio dos CTT, que, pelas informações colhidas em meios competentes, nos. dá esperança de que tudo se congrega para satisfazer empreendimento há muito esperado, visto- ter chegado a hora do Porto.
As dificuldades e os estorvos ligados à construção do Palácio dos CTT adquiriram tão notável frequência que em certo momento se perdeu a crença na sua realização.
E de inteira justiça afirmar e reconhecer - e faço-o com exacto conhecimento dos factos - que o Sr. Ministro das Comunicações tem despendido os maiores esforços, toda a sua boa vontade e o mais vivo interesse no vencer de tanta contrariedade, tanto obstáculo levantado à execução de uma obra que há muito desejaria ver erguida.
Os terrenos a ser ocupados pelo edifício dos CTT ficam situados ao lado do edifício da Câmara Municipal, tendo-se levado a cabo a sua aquisição por intermédio de expropriações realizadas dentro das disposições legais.
Uma parcela que se destinava à futura estação ferroviária da Trindade; outra que abrangia determinada, superfície, fazendo parte de alguns arruamentos daquela zona, e outra ainda, e de maior grandeza, também expropriada e convenientemente limpa rio casario que ocupava, eram parcelas de um todo destinado à construção de um bloco que comportas-se e concentrasse os diferentes serviços dos CTT espalhados por vários imóveis da cidade.
Estes lotes de terreno expropriados, pertença da Câmara, foram cedidos aos CTT julgo que pela importância de 6300 contos, ignorando nós se esta aquisição está já completamente legalizada.
Realizadas estas operações, foi em 1943 encarregado do projecto do bloco, idealizado pelo saudoso Ministro Eng. Duarte Pacheco, 10 arquitecto Adelino Nunes, que desempenhou a sua missão dentro das normas e princípios que lhe haviam sido marcados.
Mas dificuldades, de natureza financeira, visto tornar-se extremamente pesado o custo da obra, orçada em 80 000 contos, obrigaram a ser posto de lado projecto de tal grandiosidade e dispêndio.
E como o crescente aumento de movimento assina o exigisse, os CTT foram compelidos a procurar instalação compatível com os serviços, comprando e adaptando o edifício existente na Avenida de Saraiva de Carvalho, de magnífica capacidade, agora elevado à categoria de estação central dos CTT.
Evidentemente que a aquisição desse edifício não poderia resolver todas as dificuldades, solucionando as mais instantes, mas dando tempo a procurar e estudar a resolução de outras.
Esse facto revestiu-se duma especial importância, concedendo maior facilidade à construção do Palácio dos CTT, pela redução das suas dimensões e, portanto, pelo não aproveitamento de toda a superfície do terreno destinado ao empreendimento, diminuindo, consequentemente, o elevado custo da obra.
Assim colocados perante a realidade, olhando o problema em toda a sua objectividade, os CTT, em pleno acordo com o Sr. Ministro das Comunicações, encarregaram o arquitecto Carlos Ramos de proceder ao traçado de um anteprojecto, que deveria orientar-se pela ocupação de determinada superfície, muito inferior à que primitivamente existia, dentro das normas adequadas ao caso.
Por despacho ministerial de Novembro do ano findo foi nomeada uma comissão, de que fazem parte delegados dos CTT, do Ministério das Obras Públicas e da Câmara Municipal do Porto, com a incumbência de estudar esse anteprojecto, elaborando-se no mais curto espaço de tempo projecto definitivo, estudo orientado do ponto de vista funcional, económico e urbanístico, e ainda opinar qual o destino a dar aos terrenos não utilizáveis.
Por esta série de medidas pode calcular-se o interesse demonstrado pelas instâncias superiores, em activar todas as operações respeitantes à construção imediata do edifício.
Colocado o problema nos devidos termos, concluídas todas as tarefas indispensáveis à realização do empreendimento, recebido o projecto, que, diga-se a verdade, tem sido elaborado com extraordinária morosidade, deveria ser este, após os trâmites legais, apresentado ao Sr. Presidente do Conselho, a fim de ser apreciado para definitiva resolução.
Ignoramos se esta série de diligências já foi efectuada, pois, se o fosse, estamos no convencimento de que estaria já plenamente assente a data para início da sua realização.
Sr. Presidente: o Porto, como sempre, espera e confia na transposição de todos os obstáculos. E ver-se-á, se assim suceder, engrandecido por mais uma realização de alto valor, a juntar a tantas outras que a larga visão e sábia administração do homem que, presidindo

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ao Governo orientador dos destinos de Portugal, nos tem proporcionado, agora e sempre, a bem da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: o falecimento inesperado do Prof. Serras e Silva impõe-me - além da manifestação de amargura pelo seu passamento- o dever de evocar os primores do seu espírito de humanista de verdade, exemplar modelo de homem de bem, profundamente erudito, da mais rigorosa objectividade, à Claude Bernard, paladino dos estudos sociológicos quanto ao valor intrínseco da dignidade do trabalho, como dever social, através da adesão à profissão escolhida e do sentimento da responsabilidade inerente.
Serras e Silva foi o criador em Portugal da saúde escolar e os primeiros concursos foram presididos pelo grande pedagogista, que a todos dinamizava com o fulgor da sua palavra e contagiadora convicção.
Faria de Vasconcelos, outro grande espírito, há muito desaparecido, escreveu a tal respeito: «é a obra de um grande sociólogo, de um higienista, de um educador, em suma, que alia às capacidades técnicas qualidades de elevada inteligência, de bom senso e profundo sentido moral».
Foi, na realidade, um grande renovador, da estirpe dos Montessori, Décroly e Binet. Definiu com clareza as funções do médico na escola, a utilidade dos inquéritos às condições familiares, criando as fichas individuais, isto é, a extensão da escola através da visitação.
Compreendeu que a função do médico, no âmbito da nervatura da sua actividade, está ligada à ambiência e natureza dos recursos.
Se cumpria iniciar uma acção terapêutica fisiológica, não se poderia., porém, desprezar a influência educativa coadjuvante que exerce no indivíduo a certeza de que alguém se preocupa com ele, mesmo quando, para o homem comum, é ainda ninguém. Os processos mentais não valem por si mesmos; são de natureza funcional e, como tal, instrumentos destinados a aperfeiçoar a vida. O carácter não é imutável. Se há no homem um substrato hereditário - proclama convicto -, um carácter inato, este, contudo, pode modificar-se.
Ao lado do carácter inato há, portanto, um carácter que se adquire - um dos postulados da pedagogia.
Modelá-lo seria, portanto, a missão da escola. Visionário ?
Espírito nobre que irradiava calor, inteligência que enternecia, Serras e Silva dizia, com Pauchet: o corpo e o espírito têm exigências equivalentes. Cumpre cultivar um e outro com a mesma intensidade, e não um em detrimento do outro.
Serras e Silva, como todos os pioneiros, renasce na plenitude da sua estatura moral - agora que desapareceu.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: prometi anunciar o aviso prévio sobre o azeite logo que tivesse em- mãos os elementos que requeri. Como hoje acabam de me ser entregues os do Ministério da Economia, posso anunciar o prometido aviso prévio. No entanto, ser-me-iam também muito úteis os elementos que requeri ao Ministério do Ultramar.

Passo a ler a seguinte nota de

Aviso prévio

«Procurando fazer a mais completa justiça à obra e boa vontade do Governo e, em especial, do Ministro da Economia, e não tendo ainda em mão toda a documentação que requeri, logicamente o aviso prévio que tenho a honra de apresentar, nos termos regimentais e constitucionais (n.º 2.º do artigo 91.º da Constituição), há-de vir a ressentir-se na sua plena efectivação desse facto e do meu propósito deliberado de não sobrepor o meu ao já formulado pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado, prometendo na sua realização mante-lo como complementar do já apresentado. Nesse aviso prévio tentarei demonstrar:

1.º Que a planificação económica do problema oleícola português deve ser precedida legislativamente do respectivo estatuto, para evitar, como agora sucede, uma Portaria n.º 15 766, que constitucionalmente colide com disposições legais fundamentadas em decreto, e que nessa planificação estatutária se deve proceder à coordenação e conjugação, nos termos do artigo 158.º da Constituição, da economia oleícola continental e ultramarina;
2.º Que se deve proceder ao planejamento económico oleícola, bem maleável às variáveis circunstâncias económico-agrárias, devendo marcadamente incidir na plantação, por uma boa selecção e sistematização, dos terrenos de plantio e das próprias plantas, com aperfeiçoamento dos cuidados culturais posteriores à plantação, sobretudo no que se refere às operações de poda, com óptima escolha de fertilizantes tecnicamente adequados às respectivas terras, por uma luta bem conduzida contra os factores adversos do cultivo, pela melhoria dos processos de colheita, pela modernização equilibrada dos processos industriais de extracção e refinação, tudo metodicamente servido, como uma supervisão de uma excelente economia oleícola, por intermédio de actualizados processos de estimativa de produção e uma notação realística da estatística da safra estabelecida a tempo de ser prática e politicamente útil;
3.º Que uma boa orientação corporativista da oleicultura possa dar execução ao preceituado no artigo ,34.º da Constituição, de modo que a exportação do azeite e doutros produtos oleícolas venha a fazer-se em proveito de todos - produtor, industrial e exportador - e não, como às vezes pode acontecer, de simples oportunistas, em manifesto detrimento da economia nacional, respeitando-se, embora, na medida do aconselhável económico, os mercados para onde habitualmente exportamos;
4.º Que se devem libertar os preços dos produtos oleícolas sempre que o tabelamento não se torne imperiosamente necessário ao abastecimento do mercado nacional ou para a justa remuneração dos factores de produção;
5.º Que a solução do abastecimento oleícola continental se deve realizar dentro das reais possibilidades de aprovisionamento, tendo sempre em conta o paladar e a culinária tradicional dos continentais portugueses e o valor energético e o grau de digestibilidade dos óleos a utilizar».

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O Sr. Presidente: - Peço a atenção do Sr. Deputado Pinto Barriga. Como o aviso prévio que V. Ex.ª pretende realizar se prende com aquele que foi anunciado pelo Sr. Deputado Melo Machado, V. Ex.ª está habilitado a tratar o seu aviso prévio ao mesmo tempo que o do Sr. Deputado Melo Machado?

O Sr. Pinto Barriga: - Inteiramente habilitado. Recebi hoje parte dos elementos de que necessitava e com eles já posso procurar efectivar o meu aviso prévio.

O Sr. Presidente: - Quer dizer, portanto, que pode ser marcado ainda durante a presente sessão legislativa.

O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: o assunto que hoje me proponho tratar, embora interesse directamente à cidade e ao distrito de Viana do Castelo, que aqui tenho a honra de representar, interessa também à Nação, visto contender com a política geral da assistência.
Em 9 de Janeiro de 1946 a Câmara Corporativa emitiu um bem elaborado parecer, da autoria do Prof. Reinaldo dos Santos, sobre a proposta de lei relativa à organização hospitalar.
Num passo desse documento diz-se textualmente o seguinte:
O recente inquérito da comissão dos hospitais, que S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Assiscia Social pôs à disposição da Câmara Corporativa, ampliado com novos elementos de informação, permite traçar o quadro actual da assistência hospitalar na maior parte do País.
Os edifícios são quase todos adaptações de velhos conventos ou construções antiquadas, inconciliáveis com as exigências mínimas de higiene e conforto e sem as instalações técnicas essenciais.
Alguns, como os de Évora, Beja, Santarém, Leiria, Coimbra, etc., só podem ter aproveitamento parcial, impondo-se a ampliação com novos pavilhões.
Outros, como o de Viana do Castelo, exigiriam tão profunda remodelação da estrutura que é mais económico, mais útil e mais simples fazer tudo de novo ...

Na verdade, Sr. Presidente, Viana do Castelo não possui hoje, como não possuía ontem, um hospital em condições de preencher os fins que lhe competem e de satisfazer integralmente as necessidades assistenciais da cidade e do concelho.
O actual hospital encontra-se instalado num velho e soturno casarão, que, embora de traça arquitectónica de grande valia, mão tem capacidade para o número de doentes que ali acorrem, nem as condições de higiene e conforto que se requerem nos estabelecimentos ou instituições, desta índole.
A sua localização num ponto central, junto de uma das praças de maior movimento da cidade, é prejudicial aos doentes, dados os ruídos, provocados não só pelas constantes e quase permanentes aglomerações de pessoas nas suas imediações, mas também pelo trânsito, designadamente o automóvel.
A estrutura do hospital é péssima.
As enfermarias são constituídas por salas grandes e desconfortáveis, algumas das quais servem de ponto obrigatório de passagem para outras dependências, com os graves inconvenientes daí resultantes.
Pode dizer-se que essas salas mais parecem depósito de doentes, do que verdadeiras enfermarias.
A lotação do hospital está sempre esgotada, a ponto de alguns doentes terem de aguardar dias e dias que só dêem vagas, com a saída, às vezes precipitada, de outros doentes, ou ter de se permitir a colocação de camas suplementares, em regime de superlotação constante, o que vai agravar ainda mais as condições higiénicas já assim insuficientes do edifício.
O hospital não possui enfermarias próprias para crianças.
Estas encontram-se alojadas numa pequena (sala, que serve de passagem ou de corredor pura a varanda principal do edifício.
As enfermarias destinadas ao isolamento de doentes infecto-contagiosos e meretrizes estão situadas numas águas-furtadas e em adaptações impróprias.
Os aposentos do pessoal são deficientíssimos.
Não existe aquecimento em qualquer parte do edifício. De maneira que no Inverno as enfermarias têm de se conservar e manter fechadas, com os prejuízos resultantes da falta e deficiência de ventilação.
O serviço do banco e da consulta externa acham-se instalados em dependências acanhadas, sem espaço suficiente para facilitar uma boa e regular distribuição de serviço de tratamento urgente, consultas de clínica geral e da especialidade.
Os agentes físicos estão alojados em duas pequenas dependências do 2.º andar, em local afastado das enfermarias.
Não existe uma sala ou gabinete para médicos, onde estes possam reunir-se e discutir os assuntos da sua especialidade.
Os serviços administrativos encontram-se também muito anal acomodados.
A secção cirúrgica teve de ser instalada num edifício próprio e distante da sede do hospital, o que obriga a maiores- despesas com o aumento de pessoal, quer técnico, quer administrativo, acrescido das consequências da falta de uma coordenação eficaz e de uma melhor vigilância e observação das suas deficiências.
Eis, Sr. Presidente, a traços largos, o que é presentemente o hospital de Viana do Castelo.
Urge, portanto, construir um novo edifício, fazer um novo hospital.
Hospital Regional, por força do Decreto n.º 33 600, de 22 de Novembro de 1947, que abranja os concelhos do respectivo distrito.
Para esse fim alguma coisa se realizou já.
O terreno para a sua instalação já foi expropriado, tendo custado 800.000$, que o Estado pagou.
Todavia, esse terreno continua, ou continuava até há pouco, na posse do expropriando ou dos seus herdeiros.
O movimento crescente da população hospitalar é incompatível com a actual situação e reclama urgentemente aquele estabelecimento regional.
Viana do Castelo espera e aguarda ansiosamente que, quanto ao seu distrito, se ponha em execução a Lei n.º 2011.
O problema das construções hospitalares não pode ser deixado à iniciativa das Misericórdias, ainda que com a comparticipação do Estado, pois, como aliás se encontra reconhecido, aquelas instituições não dispõem de património que lhes permita abalançarem-se a tão avultados e dispendiosos empreendimentos.
Esta impossibilidade agrava-se, no caso da Misericórdia de Viana do Castelo, pela circunstância, de todos os seus rendimentos serem absorvidos nas despesas de manutenção dos seus serviços assistenciais, sendo certo que, para tal fim; ainda carece de recorrer a um subsídio de cooperação que anualmente lhe é atribuído pelo Estado.
Mas tal impossibilidade não deve constituir obstáculo à construção do hospital regional, pois as dificuldades

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financeiras das Misericórdias não isentam o Estado de prosseguir a política de assistência que lhe incumbe.
Muito pelo contrário, onde a iniciativa dos particulares se mostra incapaz de satisfazer uma necessidade de ordem geral, como a presente, mais vultosa e eficiente deverá ser a intervenção do Estado nesse domínio.
Ainda, há dias o jornal O Século, num modelar artigo de fundo, intitulado «O problema hospitalar», dizia que «se os hospitais existentes não chegam para receberem os demais enfermos pobres que diariamente os demandam, que se construam quanto antes os que faltam. A Nação veria com bons olhos quanto nesse sentido se empreendesse».
Ora, também Viana do Castelo, fazendo suas aquelas palavras de O Século, veria com grande alegria a resolução do seu problema hospitalar, que, pela acuidade de que actualmente se reveste, constitui um dos seus mais prementes e legítimos anseios.
Peço, pois, ao Governo, designadamente aos Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas e Subsecretário de Estado da Assistência, a quem rendo e presto aqui as minhas homenagens pelo esforço já despendido na magnífica obra de assistência que vêm executando, que, sem delongas, o mais rapidamente possível, solucionem o caso do hospital regional de Viana do Castelo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as propostas de lei sobre o turismo e a indústria hoteleira.
Está na Mesa uma proposta de aditamento à proposta de lei em discussão sobre o turismo, publicada no Diário das Sessões n.º 116. É uma proposta dimanada do Sr. Presidente do Conselho. Vai ser lida à Assembleia.
Foi lida. É a seguinte:

Proposta de aditamento

(Artigo único)

Poderão ser restituídas as importâncias correspondentes à sisa e imposto sobre as sucessões e doações e aos quatro quintos do imposto do selo pagos pela aquisição de prédios com destino à construção de estabelecimentos hoteleiros e similares feita posteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 2073, desde que esses estabelecimentos venham a ser declarados de utilidade turística e sejam abertos à exploração no prazo que para o efeito tiver sido fixado pelo Presidente do Conselho.

Presidência do Conselho, 7 de Abril de 1956. - O Presidente do Conselho. António de Oliveira Salazar.

O Sr. Presidente: - Vai ser publicada no Diário das Sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: era-me impossível ficar silencioso ao vir à tela da discussão a proposta de lei n.º 515, sobre a reorganização do turismo em Portugal.
Inúmeras vezes tenho intervindo ao debater-se este aliciante problema de extraordinário interesse local e nacional.
A mais vasta discussão sobre turismo nacional surgiu à volta do aviso prévio do ilustre Deputado Paulo Cancella de Abreu, em Março de 1950.
No decurso destes seis anos deu-se um grande passo com a aprovação da lei sobre a indústria hoteleira, com o n.º 2073, a qual voltou a esta Assembleia para alterações de pormenor.
A proposta de lei n.º 515, sobre a reorganização do turismo, em princípio e de uma maneira geral, merece a minha aprovação, porquanto representa mais uma tentativa orientadora e coordenadora das actividades turísticas, que nos últimos anos têm assumido uma acentuada importância.
Basta citar o aspecto do movimento automobilístico do ano passado, para ter uma ideia do interesse que o nosso país tem merecido aos milhares de turistas que já nos visitam.
Circularam nas nossas estradas de Janeiro a Dezembro de 1955, provindos do estrangeiro, cerca de 17 000 viaturas de turismo.
Como muitos destes veículos eram autocarros, verifica-se que só pela possibilidade rodoviária transpuseram a nossa fronteira para cima de 70000 dos 200 000 visitantes, muitos dos quais utilizaram a aviação, o caminho de ferro, a via marítima e outros transportes, tais como scooters, etc.
Tem-se assim uma noção da extraordinária importância que o turismo tem assumido entre nós.
E isto é um começo titubiante se compararmos o nosso país com a França, a Itália e a Espanha, onde os visitantes se contam por milhões.
É óbvio que se impõem providências que animem e desenvolvam o turismo nacional e o elevem a plano de relevo na nossa economia.
A experiência está feita e os resultados benéficos e já volumosos devem convencer os mais cépticos.
Virá a presente proposta de lei aumentar as possibilidades de acção e resolver satisfatoriamente a melhor coordenação de esforços?
Sabe-se que o clima turístico não se inventa, não se cria de um golpe, nem depende de um só factor ou de um único organismo por aumento substancial da sua jurisdição.
Esse clima resulta de uma soma de felizes circunstâncias. O nosso país, graças a Deus, possui desde sempre um forte poder de atracção inigualável nas suas variadas riquezas e maravilhas de uma natureza pródiga em cenários surpreendentes e em opulência incomensurável de monumentos.
Possuímos um ambiente de calma política, graças à acção dos nossos governantes, sob a égide de Salazar.
A nossa rede de estradas, a melhoria dos transportes rodoviários e ferroviários, embora necessitando de retoques, já constituem o nosso orgulho.
A questão hoteleira, que é fundamental, melhorou extraordinariamente nos últimos anos e está em via de solução por impulso da Lei n.º 2073. É de esperar que dentro de curto prazo possamos contar com uma suficiente rede de hotéis em pontos estratégicos, além das pousadas, estalagens particulares, pensões arejadas e restaurantes acolhedores.
Impõe-se, é facto, uma coordenação no plano nacional, mas é óbvio que há que acarinhar as boas vontades e a iniciativa local.
É absurdo e perigoso que se concentrem num organismo todas as iniciativas, todos os comandos, porque a arbitrariedade é um dos perniciosos frutos dessa excessiva concentração.

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A proposta é clara no que respeita a essa concentração, pois ali se diz que virá a ser o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, pelos seus serviços de turismo, que exercerá essa função de comando, orientação e coordenação.
É sabido que o turismo envolve problemas de ordem geral e local.
Quanto aos primeiros, impõe-se que os planos sejam organizados por entidade de escalão nacional, que é o caso do Secretariado.
Quanto aos segundos - os problemas de ordem local -, não podem nem devem ser excessivamente embaraçados pela entidade centralizadora, coarctando-se a iniciativa e a actuação das entidades locais, que melhor do que ninguém conhecem o seu meio e as suas necessidades.
Muitos e graves inconvenientes se têm verificado na vigência das actuais leis e regulamentos de feição dirigista.
Alguns exemplos denunciam o perigo da excessiva intromissão da entidade centralizadora.
Certa câmara municipal pretendeu publicar plaquettes de propaganda da sua região. Um artista local fez gratuitamente o projecto, com as legendas de um conhecido escritor. Os serviços de turismo do Secretariado rejeitaram o projecto e indicaram artista da sua confiança. Simplesmente, esse indicado artista exigia 8 contos pelo trabalho.
Outra câmara editou há um ano prospectos de propaganda, tipo de guia de via reduzida para orientação dos visitantes.
Foi uma discussão difícil entre a comissão de turismo interessada e o Secretariado, porque este impunha e impôs o tipo de papel, o formato das plaquettes, a disposição das gravuras e até a cor da tinta.
Outra câmara ainda quis publicar um cartaz anunciador de certa exposição. Também tinha projecto gratuito de artista local de envergadura. Pois não foi aprovado, e em troca recebeu e pagou cartazes, enviados de Lisboa, que não mereceram, pela sua fealdade, ser publicados e foram lançados no cesto dos papéis.
Porque será que a propaganda local por plaquettes e cartazes não poderá ser executada por artistas locais, que generosamente oferecem os seus trabalhos?
Será necessário que esses elementos de propaganda vistam uniforme ou sejam executados em espécie de monopólio?
O que é preciso é fazer e intensificar a propaganda local, em moldes convenientes, é certo, mas até lucram se forem expressivos e originais.
Publica-se em Évora, desde 1943, o boletim A Cidade de Évora, órgão da comissão municipal de turismo, exclusivamente de assuntos eborenses, com vista à valorização e melhor conhecimento do seu património artístico e histórico. Nele têm colaborado nomes de alto valor nacional.
O próprio actual ilustre Ministro da Presidência considerou em carta enviada à Câmara o referido boletim uma publicação de excepcional valor literário e regionalista.
Realmente o boletim A Cidade de Évora é uma autêntica continuação dos Estudos Eborenses, de Gabriel Pereira.
Que se saberia dos monumentos de Évora e da sua história se não tivessem surgido os trabalhos de André de Resende, dos irmãos Estaços, dos. padres Fialho e Fonseca, do cónego Severino de Faria e, nos tempos mais modernos, de Alexandre Herculano, Gabriel Pereira, Filipe Simões, António Barata, Câmara Manuel, Celestino David e Queirós Veloso ?
Pois bem. Tem sido uma luta ingrata para a comissão de turismo manter essa erudita publicação, porque o Secretariado tem sistematicamente reprovado a verba
orçamental que lhe serve de base e tentado fazer substituí-la por outra de tipo espectacular, mas de fundo «sobre o joelho».
Ora, est modus in rebus.
Se as publicações que o Secretariado edita merecem louvor pela propaganda genérica, que é e deve ser da sua alçada, um boletim como A Cidade de Évora, o de Beja, Porto e outras localidades não devem ser perseguidos como indesejáveis, porquanto a sua missão é a da valorização dos patrimónios locais, com vista a estudiosos e a turistas.
Demais, sabe-se que o turismo em Évora não é de belas paisagens, mas de panorama e, essencialmente, de arte, arqueologia e história.
Évora, a cidade de Portugal mais rica em monumentos e uma das mais típicas e pitorescas da península; Évora, que é verdadeira acrópole de Portugal, tem naturalmente de adoptar e seguir um método de propaganda sui generis, diferente daquele que é frutuoso e lógico para a Costa do Sol, Sintra e tantas zonas de altíssimo valor paisagístico.
Portanto, o Secretariado que se encarregue da propaganda genérica interna e internacional e deixe, embora com discreta e moderada fiscalização, às localidades a iniciativa da sua valorização e propaganda.
De resto, quem conhece os cantos da casa é quem a habita. A quilómetros de distância é difícil conhecer e sentir os locais, e mais difícil ainda é sentir os anseios das populações interessadas.
A experiência tem demonstrado que também na direcção da propaganda turística tem tido aplicação o velho provérbio: «Longe da vista, longe do coração».
Assim, vejamos um exemplo: o Secretariado tem publicado em edições sucessivas blocos de lindos selos reclamativos de monumentos e paisagens. Curioso e eficaz meio de propaganda, que só merece louvores. Simplesmente nem um só selo, que eu saiba, se refere ao Alentejo ou ao Algarve.

O Sr. Alberto Cruz: - O Minho também não existe para o turismo.

O Orador: - O receio de esquecimento futuro dos interesses do Sul do Tejo será pura alergia sem causa?
Vou contar a VV. Ex.ªs um caso espantoso ocorrido em Évora: na vigência da actual Câmara Municipal, foi a essa cidade um inspector do Secretariado -portanto funcionário da mais alta categoria - e esse funcionário teve uma entrevista com o presidente da referida Câmara no sentido de animar o turismo local e de apresentar as suas sugestões. Pois bem, a certa altura esse Sr. Inspector do Secretariado disse, duma forma insinuante e premente, que não se compreendia que, sendo Évora uma cidade daquela importância, não tivesse um jardim público, uma mata para animar não só a vida citadina, mas ainda para regozijo e repouso dos turistas que visitassem a cidade.
Ora, Évora possui um dos mais lindos jardins de Portugal, e seria até o mais belo do nosso país se o ciclone de 1941 não tivesse derrubado muitas das suas mais valiosas espécies.
A calma do presidente da Câmara não pôde ir mais além e disse, indicando a porta de saída do gabinete: «Sr. Inspector: saia, alugue um taxi e ao fundo da Rua do Paço encontrará um gradeamento; entre e então verá se Évora tem ainda de construir o seu jardim».
Isto significa qualquer coisa de importante, não contra o organismo, mas contra a selecção do funcionalismo responsável, que assim é mandado à deriva.
Oxalá que o futuro cure essa alergia e cimente a confiança.

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Sr. Presidente: vou agora ocupar-me mais concretamente da proposta em discussão.
Embora mereça a minha aprovação na generalidade, como no início desta intervenção afirmei, permito-me apresentar objecções e até algumas sugestões.
Quanto às três primeiras bases, acho-as aceitáveis de um modo geral.
Simplesmente, emito o desejo de que o Secretariado, ao pôr em acção toda aquela série de atribuições da base III, o faça dentro de um espírito de colaboração com as entidades locais, e nunca com o sabor irritante e nada construtivo de prepotência. E também fico na esperança de que aquela expressão «fiscalizar a propaganda» não signifique, como até aqui, impedir iniciativas e esmagar boas vontades.
Na constituição do Conselho Nacional de Turismo há a omissão de uma entidade, que seria feia ingratidão se não figurasse na lista dos componentes desse Conselho. Refiro-me, Sr. Presidente, à Sociedade Propaganda de Portugal, que completou em 28 de Fevereiro cinquenta anos de patriótica actuação.
Sem citar a longa e brilhante folha de serviços da Sociedade Propaganda de Portugal...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ... para não me alongar demasiadamente lembrarei apenas que esta Sociedade pioneira promoveu o 1.º Congresso Nacional de Turismo, em 1935, e fomentou a criação das comissões de iniciativa, que agora ressurgem, ampliadas, nas comissões regionais de turismo.
Eu próprio não posso deixar de recordar a consolação do contacto com a Pátria distante, quando em Paris, em 1920, me utilizei dos serviços do bureau que a Sociedade Propaganda de Portugal mantinha na Rue Helder, no rés-do-chão da agência do Banco Nacional Ultramarino.
É justo que faça parte do Conselho Nacional de Turismo o prestimoso Automóvel Clube de Portugal. Mas porque não incluir, com uma alínea j), a benemérita, a pioneira e patriótica Sociedade Propaganda de Portugal?
Oportunamente apresentarei uma proposta de aditamento nesse sentido.
Na base V fala-se dos órgãos locais e, além do existente, emerge na alínea c) a criação das comissões regionais de turismo.
Na essência estas comissões regionais não são outra coisa senão a ressurreição das comissões de iniciativa, que foram extintas e substituídas pelas comissões de turismo e juntas de turismo pelo Código Administrativo de 1937. É certo que as zonas a administrar pelas previstas comissões regionais abrangerão dois ou mais concelhos.
É caso para ponderar por que razão forte foram então extintas as comissões de iniciciativa? Sem dúvida porque não corresponderam à missão que delas se esperava. E não corresponderam porque tomaram desde logo um ar burocrático, em colisão, em muitos aspectos, com a administração municipal. Como o território de operação era municipal, a comissão que eu melhor conheci limitou-se a obras da sua sede, por sinal de mau gosto, e outra instalação que duas letras inglesas definem em toda a parte.
A ampliação de território e outro clima de cooperação farão o milagre de dar vida útil e activa às futuras comissões regionais?
Oxalá que assim seja, para bem do turismo nacional.
As câmaras devem, logicamente, ser ouvidas, mesmo que a iniciativa da criação dessas comissões parta de cima, e é da sabedoria das nações, se as câmaras interessadas estiverem em aberto desacordo com as comissões regionais no seu território, que voltamos às comissões de iniciativa, sem encontrarem a necessária colaboração local e a indispensável receptividade do ambiente para as suas nado-mortas iniciativas.
Faça-se a experiência em bases de conciliação e de estímulo e talvez que aqui e além essas comissões regionais vinguem e prosperem.
Na sua composição, conforme a base X, a escolha do presidente não poderá recair em quem, além de dotes especiais, já comprovados na sua vida pública, não seja da região de alma e de coração. Embora designado pelo Secretariado, devem ser ouvidas as autoridades responsáveis pelas câmaras, pelo distrito e pela província a que a zona respeitar.
Na composição da comissão regional é justo e altamente conveniente que se adicione um representante das associações culturais de defesa local.
Estas associações - que as há em várias cidades, tais como o pioneiro Grupo Pró-Évora, instituído em 1919, os Amigos de Santarém, que suponho ainda existem, os Amigos de Abrantes, cuja actuação brilhante está à vista no que por lá se tem feito nestes últimos anos, os Amigos de Portalegre, idem de Vila Viçosa, etc. -, estas associações, dizia eu, pelo seu dinamismo apaixonado, pela sua actuação desinteressada, merecem ter assento e voz nas comissões regionais, que muito podem lucrar com o fogo entusiasta dos chamados «carolas» pela sua terra.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, peço licença para apresentar oportunamente uma proposta de aditamento nesse sentido.
Não devo terminar sem ligeira referência ao Fundo de Turismo, de que rezam as bases XVI a XXIII.
Ninguém vê com prazer sair do seu cofre valores próprios para serem administrados por outrem e porventura aplicados a favor de terceiros.
É certo que algumas receitas são transferências de receitas que já eram do Estado. Não se poderá dizer o mesmo em zonas de jogo e a respeito de outras verbas que irão avolumar o Fundo de Turismo.
Temos de confiar na equidade com que os futuros benefícios e auxílios serão rateados pelo País, de forma a ficar a consolação de que resultará engrandecido e prestigiado o turismo nacional.
Não obstante alguns senões da proposta, acredito que o Governo saberá esbater essas arestas e procurará as soluções que mais convenham ao interesse superior da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muita cumprimentado.

O Sr. Sousa Machado: - Sr. Presidente: a proposta de lei de turismo que o Governo apresenta à Assembleia Nacional limita-se, como no seu preâmbulo se afirma, a «definir a orgânica administrativa dos serviços centrais e locais e a facultar-lhes os meios considerados indispensáveis à sua actuação eficiente».
Antes de mais, devo afirmar que só por isto já encerra o merecimento de partir do que já está feito, e que alguma coisa é de valor, para o seu aperfeiçoamento, ponto de vista irrepreensível, pois aperfeiçoar é sempre uma acção louvável.
Pergunto: mas não seria tempo de encararmos o turismo latu senso, em todas as suas modalidades?
Com isto quero dizer que não devemos contar com o turismo tomado apenas no sentido corrente de vilegiatura, do simples prazer de viajar.
Há uma outra espécie de turismo, tão importante, senão mais, como aquele e à que sou tentado a classificai de «turismo utilitário».

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Neste espírito, podemos notar que o alargamento da estatística dos nossos visitantes estrangeiros não teve o turismo puro como factor exclusivo.
Quero dizer que, do número apreciável de estrangeiros que passam anualmente por Portugal -em 1955 o seu número excedeu as duas centenas de milhares-, uma notável percentagem veio tratar de negócios, resolver problemas de Estado, assistir a congressos, como ainda agora se verificou com a efectivação de duas importantes manifestações científicas - a reunião da Association dês Anatomistes e o II Congresso Luso-Espanhol de Cardiologia.
Sendo assim, não me parece suficiente confinar o nosso esforço nesta matéria a determinadas zonas classicamente consideradas de turismo. Pelo contrário, é indispensável promover em mais larga escala tudo quanto possa tornar o País apto a fazer turismo sob qualquer dos aspectos considerados - de prazer ou utilitário.
Limitando-nos a aperfeiçoar o que está e confinando-nos a certas regiões mais bem dotados para turismo, será limitarmo-nos a um critério de turismo de prazer, que não basta, tanto mais que todos os que viajam, seja por prazer, seja por obrigação ou profissão, fazem um pouco de turismo. E não podemos exigir que se viaje apenas nessas regiões de facto privilegiadas pela acção do homem.
Por isso, devemos envolver num mínimo de aspirações turísticas, desejável e possível, a parte restante do País, isto é, dotá-la de um mínimo de comodidades turísticas indispensáveis.
Já. não quero falar nos transportes e comunicações; confino-me aos limites da indústria hoteleira.
Por exemplo: parecer-me-ia razoável que as vantagens concedidas, pelos artigos 12.º a 16.º da Lei n.º 2073 (excepto o artigo 14.º - isenções aduaneiras) fossem extensivas à parte do País fora .das zonas de turismo, com uma especificação de exigências menores do que as Consignadas na classificação hoteleira para os estabelecimentos poderem ser considerados de utilidade turística.
E isto, claro está, atendendo às duas espécies de turismo - utilitário e de prazer-, dadas as condições em que essa parte do País se encontra geralmente.
Quem viajar por prazer ou necessidade através da planície imensa que é o nosso Alentejo depara com este confrangedor panorama: Portalegre, Évora e Beja -as suas principais cidades - sem um hotel.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Évora não tem realmente hotel há cinco anos, e, embora deploremos esse facto, posso afirmar, paradoxalmente, que talvez fosse um benefício para o turismo em Évora essa falta de um hotel.
O antigo Hotel Alentejano estava assoberbado com um problema jurídico complicado, e durante quatro ou cinco anos, devido ao encerramento desse hotel, um benefício enorme resultou para as pensões, que estavam em péssima situação e que assim puderam realizar grandes melhoramentos. Além disso, abriram em Évora alguns restaurantes, três dos quais são dignos de estar em Lisboa, melhoramento este que não se faria se houvesse em Évora um hotel a funcionar.
Parece que a providência se encarregou de resolver o problema, beneficiando todas as pensões de Évora e dando lugar à criação de três ou quatro restaurantes. E agora está nas mãos do Sr. Ministro das Obras Públicas o estudo do hotel, que uma empresa particular se propõe construir e virá a ser a cúpula do problema.

O Orador: - Rejubilo muito com isso. Creio que Eivas "tem dois, razoáveis, mas eu conheço apenas um; Estremoz um, sofrível.
Nesta extensa região de gente rica, com as suas cinco cidades, mais de quatro dezenas de vilas e grande número de aldeias, não se encontra mais nada em condições de receber e alojar pessoas medianamente exigentes.
E não se diga que não há que ver nesta província. Bastará, para não ir mais longe, o magnífico património artístico de Évora, justamente considerada cidade-museu; nem tão-pouco faltam motivos de ordem utilitária para viajar por esta riquíssima região, que, com propriedade, se chama o «celeiro de Portugal».
Nas Beiras interiores e Trás-os-Montes o panorama é mais desolador ainda, abstraindo as cidades de Castelo Branco e Guarda, com os seus magníficos hotéis de turismo.
Ao referir-me a estes dois hotéis, que, sem exagero, podemos considerar de francamente bons, sob qualquer aspecto que se encarem, e que tornaram possível visitar e permanecer nestas duas cidades com agrado e prazer, injusto seria se deixássemos sem uma referência a feliz iniciativa do Governo quando, em 1940, delineou e pôs em execução o plano das pousadas oficiais.
Como o douto parecer da ilustre Câmara Corporativa assinala, as pousadas que já hoje existem são franco motivo de orgulho para o turismo nacional, e não têm deixado de merecer, tanto a nacionais como a estrangeiros, os mais rasgados elogios e a mais franca simpatia, servindo eficazmente o prestígio nacional.
Com certeza foi intenção do Governo, ao lançar as bases deste plano, oferecer ao País as condições mínimas indispensáveis para estender as possibilidades turísticas a todo o País.
Tendo sido levado a pensar que este plano tinha perdido muito do seu interesse inicial, verifico, com particular agrado, que, por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, foi deferido um novo plano de construção de doze pousadas em diferentes pontos do País.
Rejubilo com o facto, tanto mais quanto é certo que a proposta de lei em discussão vai facultar aos diversos órgãos do turismo nacional as condições financeiras indispensáveis, senão para o levar a efeito, pelo menos para tornar exequível a sua exploração eficiente.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Infelizmente o despacho já tem mais de dois anos, pois é de Dezembro de 1953.

O Orador: - Por isso me referi ao parecer da Câmara Corporativa.
Ao verificar a indicação dos lugares previstos para a construção dessas doze pousadas, lamento que não tivesse sido considerada a serra da Boa Viagem, junto à Figueira da Foz, cuja beleza panorâmica em nada fica a dever ao que há de mais expressivo na costa portuguesa, situada no centro do País, com excepcionais condições de vida e agora valorizada com um importante empreendimento industrial - o couto mineiro do Cabo Mondego. Faço votos para que ainda esteja a tempo de ser incluída.
Além do mérito que as pousadas oficiais em si encerram, não devemos esquecer que a elas se deve também o estímulo que levou alguns particulares e corpos administrativos a seguir a mesma esteira.
E assim, para citar alguns exemplos, temos unia boa pousada em Macedo de Cavaleiros, creio que devida à iniciativa de um particular generoso, e as pousadas de Figueira de Castelo Rodrigo e de Alijo, levadas a efeito pelas respectivas Câmaras.
A esta de Alijo - Pousada Barão de Forrester - desloquei-me um dia só para conhecer pessoalmente o seu fundador, José Rufino.

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É um edifício muito simples na sua arquitectura, muito agradável mo .seu ambiente interior, isento de excessivos arrebiques de regionalismo em que algumas instalações congéneres são férteis, com sacrifício, muitas vezes, do simples bom gosto e quase sempre da comodidade.
Falei em José Rufino. Este nome é conhecido de todos os transmontanos e de quantos, na política ou em organismos próprios do Estado, intervêm na realização de melhoramentos locais.
José Rufino transformou inteiramente a fisionomia de Alijo, sua terra natal, modestíssima sede de um pobre concelho de Trás-os-Montes, no sentido de lhe dar um aspecto limpo, agradável, com certo pendor para o monumentalismo de carácter regional.
Isto quanto à fisionomia.
Quanto à vida desta pequena vila e das aldeias do seu concelho, bem pode o seu exemplo ser apresentado como o mais excelente modelo para os que se dedicam ao municipalismo em Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Melhorou extraordinariamente os serviços, hoje modelares, do seu hospital; a alimentação das crianças pobres mereceu-lhe particular interesse, fundando a primeira cantina escolar de Portugal; construiu escolas e deixou preparada a construção de outras mais.
Promoveu a distribuição de energia eléctrica e água potável a várias freguesias e à própria vila de Alijo, onde a distribuição de água é hoje domiciliária.
Construiu várias dezenas de quilómetros de estradas e levantou um bairro, com vinte e quatro moradias, para gente pobre.
Para tudo isto ou para parte disto lançou anão dos recursos pecuniários próprios, e dos amigas, onde o Estado não podia concorrer e para que a Câmara, pobre, não tinha meios.
Não há muito ainda, de saúde abalada, voltou ao Brasil, onde primeiro viveu, e trouxe de lá cerca de 500 contos para as obras de um externato liceal, primoroso edifício que a morte lhe não deixou ver concluído.
Sr. Presidente: como Deputado da Nação e como transmontano - ao falar de turismo e tendo como princípio assente que toda a valorização da nossa terra é meio seguro de o incrementar -, presto sentida homenagem à memória de José Rufino, falecido há três meses, temperamento de incansável realizador, português dos mais excelsos, que, mostrando quanto pode o amor à sua terra, deu um exemplo de elevado amor à Pátria, que com tanta dedicação serviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E a todos aqueles, e muitos são - alguns contamos nesta Assembleia-, que à frente dos municípios de Portugal seguem, a esteira de José Rufino apresento os mais rasgados louvores, como lamento a existência doutros que, dominados por estéril fatalismo, cruzam os braços à espera que o Estado lhes resolva os problemas locais, que a sua inércia nem sequer deixa equacionar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: peço desculpa desta fuga que fiz para além do assunto que me propus tratar e vou limitar as minhas considerações a algumas palavras mais.
Se hotéis e pousadas decentes são indispensáveis para fazer turismo, não podemos esquecer que ele nem sequer pode existir se não houver outros factores primários que o justifiquem e lhe dêem vida.
O primeiro é o factor económico; o segundo são os atractivos de diversa natureza que muitas vezes surgem sem qualquer preocupação turística e se tornam seus elementos fundamentais.
Quanto ao primeiro, verificamos que o turismo é caro em Portugal, porque há pouco quem o faça, e pouca gente o pode fazer, porque é caro.
E deste círculo vicioso deriva o dilema: ou os poucos que podem fazer turismo se vão sacrificar para o manter, ou estendemos as possibilidades de fazer turismo a muito mais gente, procurando uma forma de lhe elevar o nível de vida, ou então baixamos o preço do turismo por intermédio do Estado, mediante subsídios de vária natureza.
Isto afigura-se-me de primordial importância, porque não julgo possível um turismo eficiente e seguro sem forte apoio nas possibilidades económicas internas, isto é, sem que possamos fazer turismo, utilizando na maior medida possível as condições que ele nos venha a oferecer.
Quanto ao segundo, são bem visíveis os extraordinários efeitos da nossa recuperação económica e da nossa paz interna no desenvolvimento que o turismo tem tido nestes últimos anos, especialmente da parte de estrangeiros.
Esse notável desenvolvimento deve-se exclusivamente à grandiosa obra de ressurgimento nacional levada a efeito pelo Estado Novo, de que Salazar tem sido o obreiro incomparável, e por isso todo o nosso reconhecimento não é de mais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A nossa rede de estradas, os aproveitamentos hidroeléctricos, as obras de hidráulica agrícola, e tantas outras realizações estão na base do ressurgimento turístico nacional.
Aliado a isto, o nosso património artístico, rico e variado, as belezas panorâmicas, o clima com que a natureza nos dotou, a paz nas ruas e nos espíritos, de que já falei, são tantos outros atractivos de que o turismo tem aproveitado, e agora, com as possibilidades que tanto a Lei n.º 2073 como esta em discussão lhe conferem, tudo faz prever que irá tomar excepcional incremento.
Entrando propriamente na apreciação da proposta de lei, começo por prestar a mais rasgada homenagem à superior visão que orienta a sua redacção, e, se apresento algumas objecções, estas são ditadas apenas com espírito construtivo e com o sincero desejo de que da aplicação de novas normas resulte a mais eficiente projecção do turismo nacional.
Ponho objecções à centralização que a proposta de lei vai provocar, receando que dessa centralização resulte limitação à iniciativa local, àquele sentido de bairrismo, de amor à terra, que anima tantos espíritos empreendedores e dinâmicos, como é exemplo frisante o que citei de Alijó.
Receio que as comissões regionais de turismo, quando não sejam exclusivamente da iniciativa dos concelhos que as hão-de formar, não alcancem aquele benefício que a lei procura atingir.
O caso, por exemplo, de Coimbra e Figueira da Foz, tornadas regiões de turismo, pode afectar profundamente a acção local das actuais comissões municipais, tão diferentes são os problemas turísticos de cada uma daquelas cidades.

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A primeira com motivos turísticos de ordem cultural e histórica, monumental e artística; a segunda com motivos vincadamente económicos.
A primeira fazendo do turismo uma questão secundária (pelo menos até agora); a segunda tendo no turismo a sua principal razão de vida.
Se amanhã os problemas turísticos da Figueira da Foz passassem a ser orientados por Coimbra, fatalmente os seus interesses seriam profundamente afectados, porque eles só poderão ser sentidos e resolvidos por aqueles, que deles dependem e vivem.
A proposta do n.º 2.º da base IX prevê a criação de delegações locais, mas, dada a sua dependência, de recear é que a sua acção venha a ser profundamente prejudicada e a sua eficiência perigosamente reduzida.
Também ponho o meu reparo em ver excluídos do número dos vogais permanentes do Conselho Nacional d« Turismo o director da Junta Autónoma de Estradas e um delegado dos correios, telégrafos e telefones.
O primeiro porque as estradas, hoje mais até do que os caminhos de ferro, são factor indispensável ao turismo; o segundo porque o turismo não pode dispensar o concurso activo dos seus serviços.
Finalmente, Sr. Presidente, vai a lei em discussão dotar o extenso e complexo corpo que é o turismo nacional de uma cabeça que coordena, unifica e comanda os seus meios de acção, tornando-o capaz de atingir o alto objectivo nacional a que se propõe.
Não se compreenderia mesmo que se dessem à organização os meios financeiros indispensáveis sem, prévia ou conjuntamente, se estabelecer a forma, de equitativamente os utilizar.
Por isso, não é só louvável como necessária a existência dos órgãos de coordenação geral dos serviços. O que pedimos é que a sua acção se limite a essa função, sem de modo algum inutilizar ou diminuir a livre iniciativa local, que tantas vezes, operando com a maior carência de meios, tem feito prodígios no campo do progresso regional, que é quase o mesmo que dizer do turismo nacional.
Que esses órgãos aliem à sua acção coordenadora a função de consulta - óptimo; mas se forem mais longe, levando estímulo e entusiasmo onde for necessário, tanto melhor. Mas, repito, que animem, orientem e conduzam a iniciativa regional, sem de modo algum tentarem substituí-la ou anulá-la, porque isso corresponderia a desprezar uma força que, bem orientada, poderá operar milagres no domínio do progresso local, com o que todos temos a lucrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Camacho Teixeira de Sousa.
Carlos Mantero Belard.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Vaz Monteiro.
Venâncio Augusto Deslandes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Cromes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron.
Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes

O REDACTOR - Luís de Àvillez.

Propostas enviadas para a Mesa:

Propostas de aditamento

Proponho que à base IV seja aditada uma nova alínea, em que se diga:

j) Um representante da Sociedade Propaganda de Portugal.

Assembleia Nacional e Sala das Sessões, 10 de Abril de 1956. - O Deputado, António Bartolomeu Gromicho.

Proponho que à base X se adite o n.º 4), em que se diga:

4) Um representante das associações culturais de defesa local.

Assembleia Nacional e Sala das Sessões, 10 de Abril de 1956. - O Deputado, António Bartolomeu Gromicho.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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