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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148

ANO DE 1956 25 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 148, EM 24 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mº ,Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex. mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n. os 144 e 145 do Diário das Sessões.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização para o Sr. Deputado Sebastião Ra miras ser presente para julgamento no 6.º juízo correccional de Lisboa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados José Sarmento, para um requerimento; [...] Felgueiras, também para um requerimento; Lacerda e Custa, que chamou a atenção do Governo para o que se está {instando quanto ao arrendamento de pinhais para extracção de resina; Amaral Neto, para solicitar o envio do Diário das Sessões aos assinantes da 1.ª série do Diário do Governo; Pereira da Conceição, que se congratulou com a medida, tomada pelo Governo instituindo o Dia de Portugal; Urgel Horta, no sentido de agradecer o comunicado oficial sobre o Aeródromo de Pedra» Rubras, recentemente publicado na imprensa- diária; Augusto Simões, para insistir pela remessa, de elementos que requererá ao Ministério da Economia em 9 de Fevereiro; António Rodrigues, que igualmente insistiu pela remessa de elementos que solicitara ao mesmo Ministério em 10 de Dezembro de 1954.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre os avisos prévios dos Srs. Deputados Melo Machado e Pinto Barriga acerca- do azeite.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cerveira Pinto. Amaral Neto, Botelho Moniz, Pinto Barriga e Camilo Mendonça.
Foi lida uma moção apresentada pela Sr. Deputado Cerveira Pinto e outros Srs. Deputados.
Posta à votação, foi aprovada por unanimidade.
Foi aprovado um roto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para a última redacção dos diversos diplomas aprovados pela- Assembleia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 liaras e 15 minutos.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto doa Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Estevas Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.

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Francisco Cardoso de Melo Machado
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Cauto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D) Maria Margarida Craveiro Lopes dos Heis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.º 144 e 145 do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja apresentar qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Está na Mesa um ofício do 6.º juizo correcional da comarca de Lisboa a informar que foi designado para julgamento do Sr. Deputado Sebastião Garcia Ramires o dia 13 de Julho, pelas 14 horas.
Com esse oficio veio uma certidão do acusação feita àquele Sr. Deputado.
A acusação diz:
«Promove que o arguido Sebastião Garcia Ramires, casado, de cinquenta e dois anos, engenheiro, natural de Vila Real de Santo António e residente na Rua de Buenos Aires, número três, desta cidade, seja julgado em processo de policia correccional, porquanto, na noite de dezasseis de Junho de mil novecentos e cinquenta e um, cerca das duas horas e meia, na povoação de Algés, desta comarca, quando conduzia o seu automóvel número SM-onze-zero-zero, pela Avenida Marginal, por sua inconsideração e negligência e por ter transgredido o disposto
no artigo sessenta e um, número um, do decreto número dezoito mil quatrocentos e seis, de trinta e um de Maio de mil novecentos e trinta (Código da Estrada), colheu, ofendendo-o involuntária e corporalmento, António Maria de Almeida, identificado a folha sete, produzindo-lhe as lesões descritas no relatório de folha quarenta e seis, que lhe determinaram quinhentos e vinte e quatro dias de doença, com impossibilidade para o trabalho, e ainda aleijão da perna direita, pelo que praticou o crime previsto e punido pelo artigo trezentos e sessenta e nove do Código Penal e artigo sétimo do Decreto-Lei número trinta e seis mil oitocentos e quarenta, de dezanove de Abril de mil novecentos e quarenta e oito, com a circunstância agravante décima nona do artigo trinta e quatro daquele Código Penal. - Despacho de fl. 104. - Para o promovido julgamento o dia treze do próximo mês de Julho, às catorze horas. - Lisboa, vinte e oito de Maio de mil novecentos e cinquenta e cinco. - Silra Caldeira.

Pausa.

O Sr. Presidente:-O acto pelo qual vai ser julgado o Sr. Deputado Sebastião Ramires não tem, como se acaba de ver, nada de desprimoroso para o carácter do mesmo Sr. Deputado, que aliás me declarou que nenhum inconveniente via em que a Câmara autorizasse o julgamento, já designado para 13 de Julho próximo.
De resto, a suspensão do Sr. Deputado em causa só se tornará necessária se a Câmara estiver em funcionamento na data do julgamento. A Camará decidirá, portanto, se é de suspender o Sr. Deputado Sebastião Ramires e a partir de quando deve verificar-se a suspensão. Trata-se de um processo de polícia correccional que já tem dia marcado para julgamento - o dia 13 de Julho do ano corrente.
Consultada a Câmara, resolveu suspender aquele Sr. Deputado a partir do dia õ de Julho, se então ela estiver em funcionamento, e para o efeito da alínea d) do artigo 89.º da Constituição.

O Sr. José Sarmento: -Sr. Presidente: tenho a honra de enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

« Roqueiro, nos termos regimentais, que me sejam fornecidos pelo Ministério da Economia os seguintes elementos :
1) Existências de aguardente vínica em poder da Junta Nacional e da Casa do Douro;
2) Custos de manutenção praticados por estes organismos, discriminados por rubricas orçamentais».

O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam prestadas as seguintes informações:
a) Indicação das sedes dos concelhos rurais do continente ainda não electrificadas nem em vias de electrificação e das que, embora electrificadas, não estão a ser abastecidas pela rede eléctrica nacional;
b) Se se encontram elaborados planos para a sua electrificação ou ligação à rede eléctrica nacional. No caso afirmativo:
c) Quais as empresas concessionárias de grande distribuição por cujas redes deve vir a fazer-se o abastecimento a cada um dos concelhos referidos; e

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d) Na hipótese de, por escassez de recursos ou outro motivo, as citadas empresas serem dispensadas de montar, exclusivamente à sua custa, as respectivas linhas de alta tensão, como preceitua a Lei D.º 2002, qual a proporção em que para cada concelho se acha prevista a repartição dos encargos pelas mesmas empresas e pelas câmaras municipais».

O Sr. Lacerda e Costa: - Sr. Presidente: pretendo em breves palavras abordar um assunto que, em meu entender, merece cuidada atenção e reclama providências, visto afectar grandemente os legítimos interesses de muitos milhares de pequenos proprietários.
Quero referir-me ao que se está a passar quanto ao preço oferecido pelo arrendamento dos pinhais para efeito de extracção da resina.

sabido que o pinheiro povoa uma grande parte da área do nosso pais e predomina especialmente na região das Beiras, onde constitui o ramo mais importante da riqueza florestal e é, por isso mesmo, um factor de extraordinário relevo na economia das populações rurais.
Reconhecendo este facto, o Governo, por intermédio da pasta da Economia, vem decretando medidas destinadas a conservar esta riqueza, estabelecendo sanções para punir as transgressões verificadas na abertura das sangrias.
Estas medidas tiveram o desejado alcance. Protegeu--se a árvore dos actos de verdadeiro vandalismo, que a desvalorizavam e, por vezes, a inutilizavam, e com esta protecção defenderam-se os interesses dos proprietários, que eram as maiores vitimas dos abusos cometidos na extracção da gema, e ainda os dos próprios empreiteiros e industriais de resinosos, que, na ânsia de obter a maior quantidade possível de resina, acabariam por vir a sofrer os nefastos efeitos da destruição dos pinhais, pela diminuição da produção de resinosos, que dela seria inevitável consequência.
Desta forma se salvaguardaram os legítimos interesses de uns e de outros -proprietários e industriais - e se acautelou a defesa de um elemento valioso da economia nacional, pois a exportação de resinosos, nas suas várias modalidades industriais, ocupa lugar de importância no quadro da nossa exportação.
Como acabo de dizer, o pinheiro abunda na região das Beiras e é elemento de alto valor na reduzida economia dos seus habitantes.
Porque assim é, as flutuações do preço da incisura têm apreciável reflexo nessa economia.
Quando o preço é melhor, o pequeno proprietário encontra no rendimento dos seus pinhais uma remuneração que lhe permite satisfazer muitos dos seus encargos e consegue, por vezes, uma situação de relativo desafogo para a sua pequena economia doméstica.
Quando o preço é baixo, a sua situação agrava-se, criando-lhe sérios embaraços e dificuldades, porque o rendimento do aluguer dos pinheiros é, para muitos milhares de habitantes das regiões povoadas de pinhal, o melhor dos seus rendimentos.
Por isso torna-se necessário que esses pequenos proprietários, que constituem, sem dúvida, a grande maioria da população de algumas zonas do País, recebam a justa remuneração a que têm direito.
Ora, a este respeito verifica-se uma disparidade de critérios, que está criando um justificado sentimento de incompreensão e de mal-estar.
A diversidade de preços ó tal que varia acentuadamente, não só de ano para uno, mas ainda em cada região, em cada distrito, em cada concelho e até em cada vila ou aldeia.
Muitas vezes no mesmo pequeno aglomerado populacional essa diversidade se verifica, recebendo uns vizinhos mais do que os outros, sem que se entenda a razão de tal discrepância, o que, só por si, revela que o preço da sangria não depende de uma base séria, determinada pelo valor do produto depois de industrialmente transformado, mas antes do capricho ou arbítrio de alguns industriais.
Geralmente são aqueles que possuem menos pinheiros os mais prejudicados e que menor preço recebem, por serem os mais desprovidos de defesa, e que, por isso, se contentam com o que lhes oferecem, sujeitando-se a receber o que no final das campanhas resineiras lhes queiram dar.
Este mal vem-se verificando em muitas regiões do País e dele temos melhor conhecimento nos concelhos da Beira Litoral, onde este ano se verifica uma acentuada baixa em relação aos preços do ano passado, o que se julga ser consequência da concentração da exploração de resinosos, nesta área, nas mãos de um pequeno número de empresas industriais.
Estes factos são do conhecimento geral e reflectem-se desairosamente na economia daquela região e, segundo creio, na de muitas outras regiões do Pais.
A indústria de resinosos vive ainda em regime de certo condicionamento, não sendo permitida a instalação de novas empresas sem a concessão do necessário alvará.
Por isso a exploração desta indústria se confina a um pequeno número de empresas, tendo-se até verificado a fusão dalgumas delas.
Assim, a indústria facilmente pode ditar a sua vontade quanto ao problema dos preços das incisuras, e muitos milhares de pequenos proprietários e produtores de resina deixarão de receber a justa remuneração pelo aluguer dos seus pinhais.
Os benefícios da exploração da resinagem serão principalmente para as empresas transformadoras do produto, com grave prejuízo para a economia de vastas regiões e, consequentemente, para a economia da Nação.
Creio que o interesse geral aconselha o uso de providências destinadas a evitar o estado de coisas que, a largos traços, deixo apontado.
O Sr. Ministro da Economia, que com aplauso do País vem dirigindo os vastos e complexos negócios da sua pasta, decretou medidas que evitaram a destruição da riqueza florestal constituída pelos nossos pinhais. Estou certo de que encontrará também a melhor solução para este problema, solução que, dando à indústria a remuneração a que tem direito, acautele também os legítimos interesses dos pequenos proprietários, que constituem a grande massa da nossa população.
Revendo, se for caso disso, o sistema de condicionalismo em que se encontra a indústria de resinosos, concedendo novos alvarás para a exploração desta indústria ou regulamentando-a, de forma a defender o interesse geral, confio inteiramente na acção do Governo para mais uma vez, como sempre, fazer triunfar a justiça e o bem comum sobre os interesses restritos e egoístas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: quis aproveitar este último dia da sessão legislativa para deixar aqui um apelo e um pedido, que espero o silêncio do interregno parlamentar permita serem ouvidos melhor do que de uma outra vez em que aqui os fiz.
Retiro-me à falta que creio que faz à boa interpretação e divulgação dos trabalhos desta Assembleia a entrega gratuita do Diário das Sessões aos assinantes da 1.ª série do Diário do Governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador:-Supondo em tempos que para essa cessação de distribuição houvessem contribuído considerações de ordem administrativa, não posso porém convencer-me já de que isso tenha grande relevância, porquanto vejo pelas contas do Estado que, quer em 1953, quer em 1954 - os quais foram os dois primeiros anos em que o sistema vigorou -, a dotação concedida para publicidade e propaganda a Assembleia Nacional, incluindo a distribuição do Diário das Sessões, foi de 380 contos, e que, no entanto, as despesas foram apenas de 157 contos em 1903 e 209 coutos em 1954.
Sou levado, pois, a concluir que haveria folga financeira bastante para continuar a distribuir-se gratuitamente o Diário das Sessões aos assinantes do Diário do Governo; e que a despesa da propaganda destarte feita aos trabalhos desta Casa não seria mal cabida é uma noção que possuo e que tenho encontrado partilhada por todos que comigo têm trocado impressões sobre o assunto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Grande proporção dos destinatários e dos leitores do Diário do Governo encontra-se, pelo País fora, entre o pessoal dos meios forenses e das administrações públicas, gente das mais preparadas para entender o que lê e que, designadamente nas localidades pequenas, mais contribui para a discussão e esclarecimento de assuntos de interesse geral, elucidando assim a opinião pública; e, por isto, creio que seria boa maneira de elucidar o País sobre as nossas dúvidas, as nossas criticas, as nossas conclusões, com todo o pormenor que merecem e dando-lhe toda a facilidade de apreciar o nosso trabalho, regressando ao antigo modo de distribuir o Diário das Sessões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Há pouco mais de três anos entendi trazer aqui o eco desta pretensão. Tive pouca sorte. Não fui atendido no que queria e não fui atendido noutras coisas que disse a propósito.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, confio o bom despacho do pedido que agora formulo, fazendo votos para que um feito melhor coroe uma intenção que é apenas a. de servir melhor o bom nome e a função desta Assembleia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: os jornais fizeram-se eco, recentemente, de um ofício-circolar, emanado do Ministério da Presidência, que trata dó modo como deve ser celebrado o dia 10 de Junho, como Dia de Portugal, feriado consagrado à festa nacional.
A Presidência do Conselho sugere que esse dia seja festejado em todo o território nacional e até entre as colónias portuguesas do estrangeiro como manifestação segura da unidade e do patriotismo de todos os portugueses, qualquer que seja o ponto da Terra onde eles se encontrem nesse dia.
O espirito desta circular governativa não pode deixar de encontrar o mais amplo aplauso nesta Assembleia Nacional, e as nossas vozes juntaremos aos desejos o sugestões do Governo para que, de facto, o dia 1O de Junho se torne verdadeiramente o Dia da Lusitanidade em todo o mundo português.
Não deixam as entidades oficiais, as forças armadas e as organizações patrióticas de acarinhar a ideia, mas de desejar será que a esta intenção dêem a sua colaboração activa as empresas e autarquias locais, a grande e a pequena imprensa, a rádio, as associações culturais e, de um modo geral, todo o povo português.
Por isso aqui se levanta a nossa voz a aplaudir e a secundar a ideia do Governo, para que ela seja tomada no amor do coração com que os Portugueses, qualquer que seja a sua origem, o seu credo ou a sua religião, costumam abraçar e defender a história do seu pais.
Aqui, na capital do Império, lá longe, nas nossas províncias ultramarinas, entre as nossas numerosas colónias do Brasil e da América do Norte, como no isolado forte de S. João Baptista de Ajuda, é de desejar que, por toda a parte onde viva ou moureje um português, nesse dia se recorde e se festeje a unidade da grei, a sua história, as suas tradições, as suas qualidades e sobretudo esse lusitanismo glorioso e heróico que desde os tempos de Viriato constitui o facho imorredoiro da virilidade da Nação e da sua sobrevivência histórica.
A epopeia de Camões, como afirmação do génio lusitano, enquadra-se maravilhosamente entre os fastos que nesse dia todos devemos recordar, e o facto servirá de lição para os nossos filhos sentirem em si mais ligados os vínculos históricos e o destino de Portugal.
Associando-me, pois, à iniciativa, creio bem que ela virá a encontrar em todos nós, Portugueses, o mais amplo entusiasmo; e de desejar será que, vencendo um pouco do comodismo e da rotina habituais, todos nós transformemos esta ideia num movimento popular de afirmação nacional, que percorra como um frémito toda a gente lusitana e a leve a consagrar esse dia como verdadeira festa nacional, como verdadeiro Dia de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: apenas meia dúzia de palavras, que não me é lícito deixar de proferir. Ponderáveis motivos de ordem profissional não permitiram a minha assistência à sessão da Assembleia Nacional realizada ontem, motivo por que pretendo neste momento, e julgo um dever fazê-lo, associar-me jubilosamente às palavras de regozijo e satisfação proferidas pelo Sr. Deputado Sá Carneiro referentes à oficialização do Aeródromo de Pedras Rubras, acto tornado público através de uma comunicação feita à imprensa.
Desde a minha entrada na Assembleia Nacional tenho defendido com o maior interesse e o melhor e mais caloroso entusiasmo uma das aspirações mais vivas da cidade do Porto -a conveniente e precisa utilização do seu aeródromo-, não podendo portanto deixar passar este instante sem exteriorizar a satisfação que experimento pela concretização de um facto reputado do maior interesse na vida comercial e turística daquele laborioso burgo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu e o nosso colega engenheiro Daniel Barbosa, como legítimos representantes da Cidade Invicta, do seu distrito e até, seja-me permitido assim exprimir, do Norte do País, com inteiro apoio das suas entidades mais representativas, como a Camará Municipal e a imprensa, encarando o problema sob os aspectos mais demonstrativos da importância de que se reveste e pedindo ao Governo, sempre atento às necessidades da grei, a resolução das dificuldades levantadas à execução da medida que reputamos de notável alcance social e político, julgamos haver cumprido fielmente a missão de que estamos incumbidos.
Verificamos agora que os nossos apelos foram escutados por quem tinha o dever e o direito de o fazer e que,

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finalmente, o problema, olhado em toda a sua objectividade, se resolveu na medida das possibilidades actuais.
O Porto, que sabe em todas as circunstâncias manifestar generosamente gratidão para aqueles que compreendem a razão dos seus anseios, o que tão claramente vem demonstrando, tem hoje, mais uma vez, franca oportunidade para patentear esses sentimentos.
E nós, como Deputado, que sincera e lealmente colaboramos com toda a espontaneidade na grande obra de renovação social a que assistimos, e que com as criticas e nas sugestões que formulamos dentro da função especifica inerente ao magistério que exercemos pretendemos unicamente dar motivo para maior prestigio, quer ao Governo, quer às instituições, sendo as nossas intervenções a expressão leal, franca e devotada duma actividade colaborante, como acabamos de afirmar, não podemos calar o orgulho que sentimos na influência realizadora exercida por intermédio da Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Podem certas expressões vindas a público desvirtuar atitudes que marcaram com relevância a tarefa em que nos empenhámos para engrandecimento da nossa terra, dentro do órgão mais representativo da soberania nacional, que continuaremos seguindo o caminho dignamente traçado, nada nos desviando do trilho que escolhemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: neste instante saudamos, como nos cumpre, o Governo, e especialmente o Sr. Ministro das Comunicações, a quem apresentamos a homenagem e o agradecimento que lhe são devidos pela obra que vem realizando. E como Deputado pelo Porto lhe transmitimos essa homenagem e esse agradecimento, que não vêm só da população da cidade, mas sim de todo o Norte do Pais, cheio de regozijo pela deliberação que acaba de tornar-se.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: muito embora, em 9 de Fevereiro, houvesse requerido aos Ministérios das Corporações e da Economia determinados elementos referentes ao organismo de coordenação económica conhecido pelo nome de Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, com o confessado propósito de, em aviso prévio, lhe perscrutar os meandros da acção parasitária, que tanto aflige, inexplicavelmente, o número já grande de pequenos industriais de moagem e as profundamente decadentes economias dos moleiros dos nossos centros rurais, às quais exige exorbitantes quantias a titulo de avenças de laboração, apenas me foram prestados os elementos pedidos ao Ministério das Corporações, que me cumpre agradecer, e por isso vai findar a sessão legislativa sem ter chegado a oportunidade de anunciar esse aviso prévio, cuja efectivação podia ser imediata.
Permita-me V. Ex.a, Sr. Presidente, que deixe vincada a minha estranheza perante o silêncio do Ministério da Economia, que reputo altamente significativo e mais abona o cabimento das lamentações das numerosíssimas vitimas daquele desnecessário organismo de coordenação económica, que de forma alguma vejo integrado no rumo corporativo da Revolução Nacional, nem iluminado pela justiça dos seus nobres primados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sei que continuam, com a mesma intensidade, as arbitrárias exigências de dinheiro através do Pais para que as despesas avultadas que tal organismo criou possam ter a necessária cobertura; sei que as execuções nos tribunais do trabalho por tal organismo intentadas continuam a comprometer largamente a vida já de si extremamente difícil de muitas famílias do meio rural ou a coagir a impressionantes situações de desespero para se evitar que os pobres bens dos casais atingidos tenham de mudar de dono.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sei, finalmente, Sr. Presidente, que tudo isto e muito mais, que poderia constituir matéria de apropriada acusação contra a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, ou é permitido ou é tolerado por um cruel sistema profundamente desactualizado, mas que parece pertencer aos nossos dias, uma vez que tem tido o valor de clamores lançados no deserto tudo quanto, de há muitos anos, se vem repetidamente alegando nesta Assembleia em seu completo desabono.
Ocorre-me, então, Sr. Presidente, deixar as seguintes perguntas:
Poderá continuar este estado de coisas no limiar de novo e avantajado passo que pretende dar-se na realização do nosso corporativismo ?
Será realmente necessário trazer à tribuna desta Assembleia, com abundante soma de pormenores, o grande sumário de acusações, cuja singela ideia deixei enunciada, para que o departamento do Estado responsável se resolva a agir como é mister?
A resposta a tais perguntas deixo-a, Sr. Presidente, a VV. Ex.ª o Ministro da Economia e o Subsecretário de Estado da Agricultura.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Rodrigues: - Sr. Presidente: em sessão de 19 de Fevereiro de 1954 agradeci ao Sr. Ministro da Economia o subsídio concedido à Federação dos Vinicultores do Dão, por despacho de 10 de Novembro de 1953, para a criação de um centro de preparação e engarrafamento de vinhos de alta qualidade, pelo que este contribuiria para a valorização e escoamento dos excelentes vinhos regionais.
Tive o prazer de ver o nosso ilustre colega Dr. Marques Teixeira, na mesma sessão, com o brilho habitual das suas intervenções, manifestar-se no mesmo sentido.
Decorridos alguns meses, entendi ser da máxima conveniência voltar a referir-me a tão importante problema, e solicitei algumas informações, em sessão de 10 de Dezembro de 1954, pelo Ministério da Economia, para tal fim.
Em sessão de 24 de Março de 1954, como ainda não tivesse recebido os elementos solicitados, renovei aquele pedido, com a maior urgência possível.
Até agora, não só não recebi aqueles elementos, como não fui informado das possíveis dificuldades surgidas que impeçam a sua obtenção.
Antes de terminar esta sessão legislativa, desejo lamentar o facto, sem fazer quaisquer comentários, aliás desnecessários.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua o debate dos avisos prévios do Srs. Deputados Melo Machado e Pinto Barriga sobre o azeite.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cerveira Pinto.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. residente: não constitui originalidade nenhuma, e representa uma verdade de constante observação, o afirmar-se que o povo não quer nem aceita que os males de que em determinado momento sofre derivem, como quase sempre derivam, de causas variadas e complexas.
O povo, precisamente porque é simples, tem horror à complexidade. Deseja que o seu mal-estar seja explicado por uma causa determinada e única. E quem, consciente ou inconscientemente, com convicção ou sem convicção nenhuma, o confirmar na certeza da cansa única de que resultam os seus males terá auditório assegurado e não lhe faltarão os aplausos da multidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Nos tempos calamitosos da guerra -e só por grande exagero este adjectivo poderá ser aplicado ao nosso pais, dada a infanda tragédia de que foram vítimas quase todos os povos da Europa- a carência de bens de consumo, as dificuldades da sua aquisição e distribuição e a subida do custo da vida derivavam, na mente popular -na mente popular e na dos falsos profetas-, de uma causa única: a existência dos grémios.
A incipiente organização corporativa, que teve de ser desviada do seu crescimento normal para improvisar um sistema que obviasse às dificuldades da conjuntura, foi considerada, sem apelo nem agravo, a responsável dos maus tempos que então se viveram. Sem grémios tudo correria muito melhor.
A injustiça deste julgado bradava aos céus, mas não havia que lutar, pois que ele era aceite como verdade incontroversa.
Poucos curavam de ver -e, dos que viam, pouquíssimos tinham a coragem de o proclamar- que sem organização corporativa, não obstante as suas inevitáveis deficiências, os males seriam mil vezes maiores. Deu-se até o fenómeno aberrante, mas compreensível, de os que mais protestavam contra a organização corporativa serem precisamente os que mais beneficiaram com a sua acção.
Todos estamos recordados de que foi assim mesmo.
Passada a tormenta e desvanecida a corrente emocional provocada pelas dificuldades de então, poucos serão certamente os que, no foro da sua consciência, não terminaram por reconhecer que fora altamente meritória a actividade desenvolvida pela organização corporativa durante os difíceis anos da guerra.
A justiça chegou tarde, mas chegou..
Fiz este pequeno intróito, Sr. Presidente, para em rápidas palavras me referir ao assunto do aviso prévio do ilustre Deputado Melo Machado e por ver que à volta da portaria determinativa da mistura de óleo e azeite se estabeleceu, embora em muitíssimo menor grau, claro está, um ambiente parecido com o que rodeou a acção da organização corporativa durante a guerra.
Segundo se ouve dizer, a portaria constitui, se não o único, pelo menos o mal maior quanto a abastecimento oleico do País, e sem ela as coisas correriam muito melhor.
E para reagir contra este grave atropelo u verdade evidente que me determinei a intervir na discussão do palpitante aviso prévio do nosso querido colega Melo Machado.
É sabido que, em virtude de inelutáveis condições meteorológicas, o azeite da última safra é manifestamente insuficiente para ocorrer às necessidades do consumo. Isto é indiscutível.
E indiscutível é também que a carência olivícola que ora se verifica não pode ser suprida pela importação, já que os outros países produtores se encontram, pelas mesmas causas, em situação de insuficiência, já porque, se exportassem azeite, exigiriam um preço que para nós seria absolutamente incomportável. Em vista do que, e dado que ninguém hoje suportaria o regresso ao moroso, complicado, caro e enervante sistema de racionamento, próprio do clima de guerra, só três soluções poderiam ser adoptadas: permitir o livre jogo da lei da oferta e da procura; condicionar a venda de azeite à aquisição elo consumidor de igual quantidade de óleo; mistura do óleo com o azeite.
A primeira solução, que é defendida, pelo menos quanto ao azeite extra, pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, parece-me não ter defesa possível.
Em face da existente escassez de azeite, a sua aquisição tornar-se-ia privilégio exclusivo e odioso das classes abastadas. Os economicamente débeis, como agora se costuma dizer, nenhuma possibilidade teriam de o comprar.
A injustiça desta solução creio que dispensa mais comentários.
Os próprios olivicultores, que seriam os imediatos e episódicos beneficiários desta medida, experimentariam, dentro em pouco, os efeitos catastróficos que dela fatalmente haviam de resultar, pois não seria compreensível, nem justo, nem legítimo que o Governo deixasse subir os preços nas épocas de carência e os aguentasse nos períodos de abundância.
A solução indicada em segundo lugar -que tem numerosos adeptos, entre os quais o Sr. Deputado Pinto Barriga- não resiste à mais ligeira crítica.
Na verdade, esta solução, além de provocar a corrida ao abastecimento de azeite por parte dos que para tanto tivessem possibilidades económicas, o que redundaria no rápido escoamento deste produto, faria aumentar o «mercado negro D que já hoje existe e há-de existir até que desapareçam as circunstâncias anómalas que nesta matéria presentemente se verificam.
Com efeito, sabe-se que existem consumidores exclusivos de óleo. Para estes não tem interesse a mistura, visto poderem continuar a adquirir óleo simples. Mas é certo e sabido que, desde que esta solução fosso adoptada, os retalhistas imediatamente lançariam no «mercado negro e as quantidades de azeite correspondentes às de óleo estreme que vendessem.
Ora uma solução que permitiria a excessiva compra de azeite por parte das classes abastadas, com injúria das mais humildes, e necessariamente daria incentivo ao «mercado negros não é de aceitar.
Isto parece-me evidente.
Resta, por exclusão de partes, a terceira solução: a mistura.
Com ela estabelece-se a igualdade de todos perante as dificuldades do abastecimento de azeite. Com a mistura obtém-se um produto bom para a alimentação.
Acresce ainda que, pelo facto de o azeite da última colheita ser, além de pouco, de má qualidade, a mistura reduz-lhe a acidez, o que representa um indiscutível benefício.
O que dá o cheiro e o paladar ao azeite é a acidez. Pois a mistura continuará u cheirar e a saber a azeite, porque ainda ficará ácida bastante para derrancar o fígado e vísceras anexas.
Não haverá, portanto, o perigo para a olivicultura nacional de os consumidores se habituarem ao óleo e perderem o gosto pelo azeite.

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E por cima de tudo isto garante-se o folgado abastecimento oleico do Pais.
Parece-me, pois, que a mistura foi a melhor solução que poderia encontrar-se, ou, se preferirem, a menos má de todas elas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Por isso dou o meu inteiro aplauso à portaria que a ordenou.

Sr. Presidente: nesta altura do meu despretensioso falamento não quero deixar de me referir a uma objecção que em toda a parte se ouve repetir contra a mistura e que, por assim dizer, constitui a sua grande pedra de escândalo. Â objecção é esta: até há pouco punia-se a mistura e agora a mistura é oficialmente ordenada; alguém compreende esta contradição?-proclama-se em todos os lados.
Devo confessar que não vejo nestas duas atitudes nenhuma espécie de ilogismo.
Pelo contrário. Embora sejam opostas, vejo em ambas a aplicação impecável do mesmo principio: a defesa da olivicultura e do consumidor.
Em épocas de abundância há que punir, e com severidade, a mistura do óleo com azeite.
Nessa punição está a defesa dos olivicultores, pela necessidade que têm de ver escoadas as suas colheitas; e nela está também a defesa dos consumidores, pois que exigir-lhes que paguem óleo pelo preço do azeite é lesá-los gravemente.
O comerciante que, naquelas circunstâncias, deita óleo no azeite locupleta-se com um lucro ilegítimo à custa do consumidor. Deve ir parar à cadeia.
Mas nas presentes condições de carência de azeite a mistura não dá lucro a ninguém.
É feita, como já ficou esclarecido, para proteger os olivicultores e os consumidores. Por isso foi ordenada.
Ás condições mudaram. Consequentemente, a lei, sob pena de negar a justiça que a informa, tinha de mudar também.
Sr. Presidente: insurgiram-se contra a Portaria n.º 10 766 os que por virtude dela ficaram privados de fazer bons negócios, por não poderem especular com a escassez do azeite.
Insurgiram-se também ou simularam insurgir-se os que, desnorteando-as, procuraram lisonjear as massas, para obter popularidade fácil.
Protestaram contra ela os que protestam contra tudo.
Criticaram-na pessoas de boa fé, que, a meu ver, têm uma visão errada, mas sincera e por isso respeitável, da presente situação oleícola.
Todos lamentamos que a escassez do azeite tenha exigido a solução da mistura.
E certamente todos estamos de acordo em que, no nosso pais, a pessoa que mais profundamente lamentou a adopção da medida excepcional que as circunstancias impuseram foi o Sr. Ministro da Economia. Ao ordenar a mistura do azeite com óleo o Sr. Ministro foi clarividente, prudente e corajoso.
Não posso, pois, deixar de cumprir o dever honesto de prestar pública homenagem a estas altas qualidades do ilustre titular da pasta da Economia.

O Sr. Sousa Rosal: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Cerveira Pinto, acaba de fazer uma afirmação que tem o maior interesse para esclarecimento do assunto em cansa. Desejava que me fosse permitido fazer a seguinte pergunta: uma vez que V. Ex.ª parece estar inteiramente conhecedor dos motivos que levaram o Sr. Ministro da Economia a publicar a portaria que está sendo discutida, sabe V. Ex.ª dizer-me porque é que essa portaria levou tanto tempo para ser publicada?

O Orador:-Certamente porque só em última análise que se foi para esse campo e com muito constrangimento.

O Sr. Sousa Rosal:-V. Ex.ª sabe muito bem, Sr. Deputado, que, na economia como no campo militar, quem tem de conduzir uma determinada manobra tem de utilizar a táctica e a estratégia no momento oportuno, pois, de contrário, arrisca-se a perder a batalha.
Pergunto, por isso, se foi realmente só em fins de Fevereiro que se soube qual era o déficit do azeite e se achou oportuno publicar o instrumento legal para regular o abastecimento. Como o País precisa de saber inteiramente a verdade, eu desejava que fosse devidamente esclarecido esse passo do Sr. Ministro da Economia, a fim de que a opinião pública saiba na verdade os seus fundamentos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Sousa Rosal: - Está-se a discutir só foi bem ou mal feito; se foi oportuna a portaria. E por isso desejava saber se o Ministério da Economia e a Junta Nacional do Azeite sabem de quanto azeite dispomos e onde é que ele está.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Sousa Rosal: - Não há ninguém que seja capaz de dirigir uma determinada manobra sem saber de que meios dispõe. E estou certo de que neste momento os responsáveis pela sua condução não têm meio de saber onde está o azeite e a que preço se está a negociar.

O Orador:-V. Ex.ª está equivocado; eu não sou inteiramente conhecedor dos motivos que levaram o Sr. Ministro da Economia a publicar a portaria. Só conheço os esclarecimentos que sobre o assunto foram dados pelo Sr. Ministro, não só os que vêm no Diário das Sessões mas também os que ontem aqui foram lidos. Tenho, porém, a convicção profunda de que a portaria foi publicada logo que terminou a recolha dos elementos definitivos e o assunto ficou completamente estudado.
De resto, V. Ex.ª não encontra azeite, encontra mistura.
Quanto a tácticas militares nada sei, porque fiquei isento definitivamente.

O Sr. Sousa Rosal: - Esse é o coso de mistura para o consumo, que não falta.
Porém, para se fazer a mistura é necessário azeite, e este só aparece ao armazenista a preços superiores à tabela.
Eu, pela posição que ocupo na direcção de um estabelecimento, conheço o problema.
Alguns lavradores, compreendendo inteiramente a sua posição perante a economia nacional, venderam o azeite pelo preço da tabela, e tenho muito gosto em citar o Sr. Deputado Amaral Neto como um deles.
Muitos outros, a quem o estabelecimento que dirijo costumava comprar, fecharam a porta ou pediram preços superiores aos da tabela.

O Orador:-V. Ex.ª compreende que eu não tenho nada com isso. Se há lavradores que especulam com o azeite, o melhor é queixar-se a quem tem por dever metê-los na ordem.

O Sr. Sousa Rosal: - A pergunta foi feita para a hipótese de V. Ex.ª saber mais alguma coisa; quanto à especulação, compete aos serviços de fiscalização evitá-la.

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O Orador:-Eu sei aquilo que a Câmara sabe sobre o assunto, pois só conheço os elementos que foram enviados à Assembleia Nacional pelo Governo e que para miai chegam.

O Sr. Sousa Rosal: - Pois para mim não chegam e para esclarecimento da opinião pública também não são suficientes.

O Orador:-Então o melhor é V. Ex.ª requerer, nos termos regimentais, que o Governo lhe preste os esclarecimentos de que tem necessidade.
Não quero, nem posso, Sr. Presidente, terminar o meu discurso sem manifestar a minha surpresa, que é certamente também a surpresa de toda a Câmara, pelo facto de o Sr. Deputado Pinto Barriga haver atacado gratuitamente a Portaria n.º 15 766 numa intervenção no período de antes da ordem do dia, de haver prometido, e não ter cumprido, a promessa de anunciar um aviso prévio sobre o assunto e de, chamado pelo Sr. Deputado Melo Machado à discussão clara e franca do caso, não ter pronunciado no discurso que ontem proferiu nesta tribuna uma palavra, uma única palavra, sobre esta momentosa questão.
Parece que, com o ataque gratuito à portaria, o Sr. Deputado Pinto Barriga apenas pretendeu tirar um efeito de propaganda pessoal, cuja legitimidade é, pelo menos, contestável.
Derivou o Sr. Deputado o seu aviso prévio para a acção da Junta Nacional do Azeite no campo técnico, mas fê-lo por forma a poder concluir-se que semelhante acção é da competência exclusiva deste organismo de coordenação económica.
Ora esta acção, aliás criticada com injustiça, compete fundamentalmente à Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas. À Junta Nacional do Azeite, nos termos da sua lei orgânica - n.º 4.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28103-, compete-lhe apenas «cooperar com os organismos oficiais» na referida acção técnica.
A acção da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e da Junta tem sido profícua neste sector.
Ê notável a acção exercida no sentido duma poda racional, através dos cursos de podadores de oliveiras; com efeito, já foram organizados mais de 500 cursos, tendo sido habilitados 7078 podadores e 533 mestres; para estes cursos contribuiu a Junta, até ao presente, com a importante verba de 1100 contos.
Os outros problemas fundamentais da olivicultura - variedades, cultura e granjeio do olival, doenças da oliveira e da azeitona- têm sido igualmente objecto de estudos da Junta, quer feitos directamente, quer em colaboração com outros serviços oficiais.
A Junta, que publica um boletim - única revista especializada existente no Pais sobre assuntos de olivicultura e oleicultura-, tem editado uma série de folhetos de divulgação. Apontam-se alguns: «O azeite. Colheita, transporte e conservação da azeitona», «O azeite. Instalação do lagar. Preceitos de extracção», «O valor alimentar e terapêutico do azeite», «Poda da oliveira», «Regras para a conservação e lotação do azeite», «Alternância da produção na oliveira» e muitos outros trabalhos sobre variedades, doenças da oliveira, etc.
Por outro lado, a Junta presta assistência técnica aos olivicultores e lagareiros, fornece gratuitamente plantas para a edificação de lagares, faz a análise gratuita dos azeites, bagaços e óleo de bagaço dos produtos, chama a sua atenção quando o grau de extracção é deficiente, etc. No seu laboratório já foram efectuadas mais de 11000 análises.
Finalmente, para assegurar a profundidade e continuidade destes estudos e trabalhos de natureza técnica, vai começar a funcionar brevemente, por iniciativa da Junta, a Estação Nacional de Olivicultura.
Com efeito, a Junta já adquiria por 2900 contos uma propriedade, com cerca de 70 ha, onde vai instalar-se a Estação, decorrendo presentemente os trabalhos de organização do respectivo projecto de edificação.
A velha aspiração da lavoura nacional - a criação da Estação Nacional de Olivicultura-, que jazia adormecida nas páginas do Diário do Governo (a Estação foi prevista na reorganização dos serviços do Ministério da Agricultura levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1936), vai ser um facto, devido à iniciativa da Junta, o que demonstra o seu interesse pelos problemas técnicos da olivicultura.
Não deve também omitir-se a notável acção da Junta no incremento das cooperativas de olivicultores, às quais distribui subsídios gratuitos em função do custo da instalação, nos quais já despendeu cerca de 2800 contos. Os resultados são óptimos: em 1949, data em que começaram os subsídios, havia apenas uma cooperativa; presentemente há quarenta e quatro, das quais trinta e nove com lagares a funcionar.
Em resumo: no campo técnico, a acção da Junta é de cooperação com os serviços técnicos do Estado; ora esta acção tem sido exercida, como resulta da síntese que acabo de fazer.
Falou ainda o Sr. Deputado Pinto Barriga nas exportações, para concluir, parece-me, que elas contribuíram fundamentalmente para o actual estado do carência de azeite no nosso país.
À critica é mais uma vez injusta.
Na verdade, está demonstrado:
a) Que a média anual da exportação para o estrangeiro em 1954 e 1955 foi de 41101, havendo apenas o excesso de 1679 t em relação à média do quadriénio anterior, excesso que corresponde apenas ao abastecimento do Pais durante oito dias;
b) A exportação não desfalcou o abastecimento nacional, visto terem ainda transitado para a actual campanha 5 milhões de litros;
c) Os anos de 1954 e 1955 correspondem à safra de 1953-1954 (a maior colheita nacional, que atingiu 133 milhões de litros) e à contra-safra de 1954-1955 (que foi a segunda maior safra nacional);
d) Finalmente ninguém pode negar que é vantajosa e necessária a exportação.
Quanto à exportação efectuada para o estrangeiro em 1950, verifica-se que cerca de 80 por cento do quantitativo total foi exportado até Julho, ou seja quando a previsão da colheita era ainda da ordem de 106 a 110 milhões de litros. Em Outubro, Novembro e Dezembro exportaram-se apenas, respectivamente, 437,171 e 144 t, na sua maior parte (cerca de 65 por cento) para o Brasil; o restante corresponde a operações anteriores ao estabelecimento obrigatório da contrapartida de importação de azeite estrangeiro.
Também o Sr. Deputado Pinto Barriga aludiu à exportação efectuada em Janeiro do ano corrente, que atingiu 556 t; mas não esclareceu que, destas, 526 se destinaram ao nosso ultramar, que também é Portugal; e em Janeiro ainda não havia restrições na metrópole.
Como se vê a exportação, aliás necessária e conveniente, quase não ocupa espaço nu questão da falta de azeite que actualmente se verifica.
Reclamou também o Sr. Deputado Pinto Barriga que tivessem a necessária publicidade as contas dos organismos corporativos e, alterando a voz e tomando uma

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atitude de conselheiro do Bei Bravo, trovejou: «Senão, não».
O público desprevenido - e é para ele que se dirige a diatribe do Sr. Deputado Pinto Barriga - poderá pensar que nos organismos corporativos Lá contas de saco.

ra o Sr. Deputado não pode ignorar que nos sindicatos, Casas do Poro, grémios facultativos e obrigatórios, federações e uniões há orçamentos e contas, apreciados e votados pelos seus conselhos gerais e assembleias gerais. Além disso, são esses orçamentos e contas submetidos obrigatoriamente à aprovação do Ministério respectivo.
Quanto aos organismos de coordenação económica, é sabido que a sua contabilidade está permanentemente sujeita à fiscalização da Comissão de Coordenação Económica e que é julgada pelo Tribunal de Contas.
Será necessária maior garantia para a lisura e honestidade com que tudo é feito?
De resto, publicações de relatórios e contas dos organismos corporativos, há-as até em excesso.
A que propósito vem, portanto, a insinuação do Sr. Deputado Pinto Barriga?

O Sr. Pinto Barriga: - Isso é publicidade!

O Orador:-Mas V. Ex.ª ainda quer mais publicidade do que a que há ? V. Ex.ª está todos os dias a receber quilogramas e quilogramas de publicidade ...

O Sr. Melo Machado: - E serve-lhe muito, não haja dúvida, já que o Sr. Deputado Pinto Barriga lhe dá sempre o mesmo destino, que nós ignoramos qual seja.

O Orador:-Sr. Presidente: é tempo de terminar.
De tudo o que disse uma conclusão única há a tirar: o Sr. Deputado Pinto Barriga viu frustrado o objectivo que se propunha atingir.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: com risco de desapontar porventura alguns dos Srs. Deputados que se estão preparando pura fazerem o favor de me ouvir, a minha intervenção neste debate vem praticamente só para afirmar a minha conformidade com as conclusões dos oradores que não adregam de encontrar solução melhor para a escassez do azeite disponível para abastecimento do público do que a estabelecida pela tão fortemente atacada Portaria n.º 15 706.
De facto, nem a minha condição pessoal de oleicultor de algum vulto à escala das lavouras portuguesas, nem a posição do Deputado convicto de que a aberta critica dos actos e feitos da administração pública deve ser uma das principais ocupações da Assembleia Nacional - e creio ter demonstrado que nela não me prendem inibições nem de juízo nem de expressão-, nada me faz ver que houvesse caminho melhor a apontar na conjuntura em que o Ministério da Economia se encontrou; e não é a consideração das alternativas aventadas que me demove para concluir diversamente.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fui criado no meio de lavradores apaixonados da oleicultura e penetrados da mais sincera, porque mais apaixonada, repugnância por qualquer outro óleo alimentar que não o da azeitona; tenho bem vivas na memória as apreensões suscitadas pela concorrência de preço do óleo de amendoim, nos saudosos tempos em que esse era metade do do azeite, e não esqueço que muito se lutou para levantar contra o concorrente temido uma sólida fortaleza económica, bem eriçada de proibições e comínações. Só não posso dizer se o tal óleo é bom, se mau. para comer, porquanto, de meu conhecimento, nunca sequer o quis provar para fazer melhor ideia.
Também eu, pois, fui vivamente chocado com o anúncio das medidas tornadas públicas há mês e moio; e confesso que ao ver os cabeçalhos das noticias a minha primeira e instintiva reacção foi pensar no cabimento, mais, na necessidade de fazer aqui uma interpelação escaldante contra a quebra de preceitos que o costume e a defesa da produção metropolitana tornavam a meus olhos inauferíveis.
Aconteceu, porém, que depois li as razões oferecidas, pesei-as bem, comparei-as com os factos do meu conhecimento, perguntei a mini próprio que outra melhor salda teria havido para as dificuldades e, não a tendo encontrado, nem falhas substanciais na argumentação oficial, acabei por resignar-me ao mal menor.
Calei assim a minha exaltação, e pelo mesmo processo intelectual vi calarem-se as de outros com quem discuti o problema.
Não que o clamor de todo o País me desagradasse, a mim tão-pouco. Ver a opinião pública, apesar de certas faltas de exercício, viva e atenta a problemas de interesse geral é sempre reconfortante quando a vontade de os discutir revela desejos honestos de melhorar soluções ; vê-la atenta e precavida contra a introdução no consumo de maiores quantidades do óleos exóticos, e sobretudo contra a adulteração do nosso precioso e insuperável azeite, é adquirir a certeza da existência duma armadura de bom senso e de bom gosto que se oferece a todos os que trabalham a terra portuguesa, mais amiga das árvores do que das erras, para os defender na luta, por vezes heróica, contra as bravezas das encostas que teimam em querer plantar de oliveiras.
O que lamento é esse estendal de moios argumentos, de interpretações artificiosas, de meias visões dos factos, que se encapelou num mar de censuras mais ou menos e boa fé, de críticas mais ou menos mal informadas e veio quebrar às portas desta Casa em insinuações mais ou menos levianas.
O que lamento e somente me fez vir a esta tribuna é que pessoas responsáveis não hesitem, só pelo gosto de se ouvirem ou suporem ouvidas, em alicerçar pretensões de discordância na exposição adulterada de factos, em falsificações ou diluições de ideias, que não são menos censuráreis do que a dos alimentos do corpo.
Dois exemplos apenas, que não quero alongar-me nem acrescentar mais à carga de números e alegações que já peja o processo presente ao juízo do País. Mas dois exemplos que não me dispenso de apontar, porque já ó tempo de mais de exprimirmos a nossa reprovação, os que não concordam com certas formas de entender e exercer o mandato de Deputado, e de desarmarmos bajuladores da popularidade, expondo o artificio oco dos seus arrazoados.
Um dos Sr. Deputados avisantes quis trazer ontem para aqui alusões às exportações de azeitona e às que se tom feito de azeite no decurso já do ano corrente, como prova de não continuar bastante acautelado o abastecimento.
Sobre as primeiras, recordarei apenas a VV. Ex.ª que o total de exportação de azeitona preta em conserva, nos doze meses que findaram em Fevereiro último, foi de 169 72:2 kg, capazes, quando muito, de terem produzido uns 30 000 t de azeite, ou o consumo do País em três horas! Sobre as segundas, direi que, efectivamente, ao que me consta, ainda foram exportadas 10721 de azeite no 1.º trimestre do corrente ano, mas, destas, nada menos que 10261 -quase tudo, em suma - foram para o nosso ultramar, não saíram de Portugal. Acaso deve colher o argumento?

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A mesma boca -isto, realmente, são mais gritos do que argumentos- não hesitou em desafiar os concordantes com a mistura a que a praticassem nas suas casas, para demonstrarem na coerência dos ditos com os feitos a sinceridade das suas atitudes.
Como produtor auto-abastecido de azeite, tomo para mini o desafio, cuja inconsistência só se mede pela facilidade do eco que pode produzir em espíritos desprevenidos. Lembrarei, pois, que, por um lado, a obrigatoriedade da mistura discutida começa, nos termos do n.º 3.º da portaria, apenas nos armazenistas de azeite; em seguida, que os produtores agrícolas, sejam-no por trabalho de braço, sejam-no pelo cérebro, conquistaram largamente o direito a consumir do que produzem. Conquistaram-no, entre outros, os milhares e milhares de pequenos agricultores -já não os havia grandes- que na Rússia soviética pagaram com a vida a resistência às apropriações colectivizantes até do pão para a boca; se não se quer associar aos assassinos desses, o Sr. Deputado Pinto Barriga melhor fizera em calar-se.
Sr. Presidente: vim aqui, concluirei, para nada mais do que associar-me aos que protestam contra a injustiça dos ataques dirigidos contra uma medida governativa honestamente tomada, corajosamente declarada; mas não acabarei sem recomendar ao Governo que redobre nos seus cuidados para que, mistura ou produto estreme, não volto a faltar nas lojas, como já tem sucedido -ao que me afirmam, por escassez de óleo, que se disse sobejar nus fábricas-, o azeite para consumo do povo.
Nesta hora, em que as subsistências encarecem e os géneros faltam como não se via desde os tempos da guerra -não é agora o ensejo de indagar porquê-, todas as atenções, todos os desvelos, todos os cuidados com o abastecimento público, que, aliás, devem incluir a profunda revisão de todos os possíveis factores de escassez ou carestia e exercer-se mais no campo da economia do que no da policia, são, mais do que dever, necessidade política.
Disse

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: ao florescer da Renascença Maquiavel deu à luz U Príncipe. Anos antes, num dos melhores períodos da Idade Média, el-rei D. Duarte escrevera Á Arte de bem Cavalgar toda a Sela. Rodaram os séculos, mas não se apagaram as duas obras imortais.
E por estranha hibridação dos «poses» das bibliotecas, surgiu nu época actual A Arte de Requerer a toda a Trela. Cavalarias altas à mistura com habilidades políticas.
Requeiro isto, requeiro aquilo, requeiro aqueloutro. Chovem requerimentos e anúncios do avisos prévios.
Requerei, requerei, que dos requerimentos alguma coisa sempre fica!
À força de repetido, o processo revela-se demagógico. As pobres repartições públicas enviam cada vez mais notas, números, pareceres, documentos, respostas.
Cada nota, cada número, cada parecer, cada documento, cada resposta são recebidos, mas nunca aproveitados nem comentados. Dá o pretexto a requerimentos novos, tantos quantos forem necessários para evitar que o autor tenha de pronunciar-se sobre o fundo da questão.
Mas tantas vezes o cântaro vai à fonte que nem mesmo um macromilagre de Santo António conseguiria evitar-lhe a quebra. Um dia tinha de ser. Tinha de ser ... e foi mesmo.
Rugiu a montanha em fúria jacobina. As juntas que o som terríbil escutaram as candeias de azeite espevitaram. Tremeu a Europa em convulsão nunca vista, porque ficou amputada geográficamente de quase todas as nações que a compunham. Desde a Escandinávia à Espanha, as populações puseram-se a fugir em busca de local onde não fossem obrigadas a consumir uma mistura híbrida e mestiça, imprópria de barrigas de europeus.
Requerei, requerei, que dos requerimentos alguma coisa ficai
E as populações europeias, seguindo os bons exemplos, acabaram por apresentar também um requerimento: indicai-nos, senhor, o caminho da salvação!
O solo deixou de tremer. A montanha parou de rugir. Nos seus flancos abriu-se um buraquinho e...
V. Ex.as supunham ir ouvir a repetição do Mons parturiens. Pois estão enganados. Não saiu rato. Saiu, sim, uma figura simpática e aliciante, que subiu seis degraus e falou aos povos estarrecidos em linguagem organoléptica, de aspecto límpido espelhado e de sabor levemente a fruto:
O erro principal do orador que me antecedeu consiste em ter dito que a portaria tinha o número 45 766, quando, depois de estudos que realizei, com todo o rigor matemático e cientifico, cheguei à conclusão de que o seu número verdadeiro é 15 766
O erro do Governo, devido ao qual o Pais se encontra som azeite, foi ter resolvido o problema por meio de microportaria, em vez de macrodecreto-lei.
Um dia hei-de explicar o resto. Por agora entendo que só devo abordar as soluções gerais políticas, como, por exemplo, as da culinária e gastronomia, sem me fixar demasiadamente nu técnica. No entanto, há muito que dizer sobre a técnica: a Junta Nacional do Azeite tinha a obrigação, que não cumpriu, de evitar as geadas e os frios, de impedir plantações em ziguezague, de obrigar os olivicultores ao uso de mata-moscas, de não deixar fazer podas à garçonne, etc.
Não terminou, mas podia ter terminado, como o herói do Médico à força: «Eis a razão por que a menina está muda...».
Requeri a generalização do debate sobre os avisos prévios dos ilustres Deputados Francisco Melo Machado e António Pinto Barriga por sentir que a Assembleia Nacional, o Governo e a opinião pública reputam indispensável o esclarecimento total das razoes que levaram à publicação da Portaria n.º 15 760.
Por mim, considero perfeitamente elucidativos os documentos oriundos da Junta Nacional do Azeite e publicados no Diário das Sessões n.º 135, de 5 do corrente. Estranho que o interpelante complementar, ao realizar o sen aviso prévio, nenhum comentário lhes tenha feito.
Estranheza igual manifesto quanto ao facto de haver interrogado a Mesa sobre se existia em poder dela qualquer informação do Ministério da Economia acerca do seu aviso prévio.
Ao realizar tal pergunta o Sr. Deputado Pinto Barriga parece ter esquecido três coisas:
1.º Apesar de todos os seus esforços para não realizar o aviso prévio que vagamente prometera, foi forçado a anunciá-lo e efectivá-lo, devido à intervenção oportuna do Sr. Deputado Melo Machado;
2.º Que, com a sua paramodéstia característica, classificou o seu aviso prévio de complementar daquele;
3.º Que, por consequência, as informações prestadas pelo Ministério da Economia serviam tanto para um como para o outro. No momento de interrogar a Mesa o Sr. Deputado Pinto Barriga tinha no bolso um exemplar da informação por cuja existência perguntava.

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Conseguirá S. Ex.ª explicar-nos, com aquela clareza sibilina que é sou timbre, a razão de mais esse requerimento oral?
Sem intuito de estabelecer controvérsias pessoais, julgo ser altura de dizer à Câmara que aceito e até solicito todos os apartes que os Srs. Deputados desejarem formular no decorrer da minha exposição.
Subi à tribuna porque desejo concorrer para o esclarecimento da Assembleia e do Pais. Responderei, se souber, às perguntas que quiserem dirigir-me.
Ainda mais: se V. Ex.a, Sr. Presidente, mo permitir, para que se faça luz completa sobre a questão, apresentarei eu próprio algumas perguntas.
Por exemplo: num brado oratório do mais puro estilo parlamentar dos velhos tempos, o Sr. Deputado Pinto Barriga declarou aqui que só acreditaria na boa fé dos defensores da mistura óleo-azeite se eles declarassem sob sua honra, do alto desta tribuna, que já a haviam provado.
Ninguém mais do que eu lastima a necessidade de tornar obrigatória essa mistura. Mas, voluntária e sistematicamente, adopto-a em minha casa há mais de quinze anos.
Sou produtor de azeite em duas regiões do País - aquilo a que ó uso chamar-se auto-abastecido. Porque o azeite dessas regiões, quase sempre, é óleo de mosca de azeitona, altamente graduado, corrijo-lhe a acidez e o gosto misturando-lhe 50 por cento de óleo.
Portanto, posso dar a palavra de honra que o Sr. Deputado Pinto Barriga nos exigiu. Mas agora volto o feitiço contra o encantador feiticeiro: pode o nosso ilustre colega garantir-nos que já provou a mistura realizada com azeite bom?
Se não provou e a critica depreciativamente, cura por «ouvir dizer» - o que é contra os preceitos jurídicos que S. Ex.ª defende tão ciosamente.
Se já provou e não gostou, a qual dos dois produtos misturados atribui a culpa?
Sei que gostos não se discutem, mas a quase totalidade das pessoas é incapaz de distinguir entre azeite e mistura òleo-azeite.
Estão ali, enviadas pela Junta Nacional do Azeite, aquilo a que poderemos chamar peças do convicção: amostras de vários tipos de azeito puro; está também uma amostra de óleo puro e, finalmente, vários frascos contendo as misturas produzidas com cada um daqueles tipos.
Todas as amostras estão seladas e cada uma delas foi analisada, conforme boletins oficiais enviados a esta Assembleia. Os rótulos dos frascos acham-se trocados entre si.
Convido o Sr. Deputado Pinto Barriga a abrir os frascos selados, a fim de as examinar e provar. Julgo que não saberá indicar, quer pelo gosto, quer pelo cheiro, quer pela cor, quais são as relativas a azeite puro e quais as da mistura.
Os boletins de análises, com os seus números respectivos, servirão de árbitros de desempate.
Entre doze frascos só há uma amostra inconfundível: a do óleo de amendoim puro, reconhecível pela cor mais clara, pelo gosto e pelo cheiro sui generis muito ténues.
Já ouvi dizer aqui que a prova do azeite deve efectuar-se com a comida. Não é assim: os alimentos podem alterar-lhe o gosto próprio. Os compradores e provadores profissionais apreciam o sabor das amostras sem qualquer artifício, geralmente nas costas da mão.
Posto isto, entremos no fundo da questão.
Contra a Portaria n.º 15 700 levantaram-se objecções de vária ordem. Umas públicas, claras e francas, com autores conhecidos. Outras irresponsáveis ou anónimas. Não acompanharei o Sr. Deputado Melo Machado na indignação com que verberou estas últimas, porque as considero perfeitamente naturais.
Tenho muito dó do autor anónimo: não tem culpa de sair ao pai ...
Quanto às outras críticas, podemos classificá-las assim:

1.ª Erros de provisão ou imprevidência;
2.ª Autorizações de exportação de azeite e de azeitona;
3.ª Desactualização dos preços do azeite;
4.ª Benefícios atribuídos aos produtores de óleo de amendoim e pretensa má qualidade deste género ;

.ª Soluções possíveis além da da mistura obrigatória.

Quanto ao capítulo primeiro - « Erros de previsão ou imprevidência», argúi-se o Ministério da Economia de que o relatório da Portaria n.º 15 565, de 18 de Outubro e 1955, estimava a produção em cerca de 100 milhões de litros, pelo que se considerava garantido o abastecimento publico.
Na verdade, o Ministério da Economia bascava-se na estimativa de 30 de Setembro de 1955 do Instituto Nacional do Estatística - 18 milhões de litros, contra um consumo provável de 87 milhões. Portanto, previsão de sobra de 11 milhões, ou mesmo de 16 se lhe juntarmos o saldo a campanha de 1954-1955.
Por outro lado, a linha de tendência, determinada matematicamente através das produções registadas desde 1917-1918 a 1954-1955), dava para 1955-1956 nada menos que 121,6 milhões de litros, com um desvio para mais ou para menos da ordem dos 19,6 milhões.
Portanto, calculava o mínimo da colheita em 102 milhões, número que quase coincidia com a estimativa obtida através dos informadores das regiões agrícolas.
Depois de ter aprendido cálculo das probabilidades, dei com os burrinhos na água a primeira vez que o apliquei na prática do tiro da artilharia. Por isso, ando um pouco às avessas com a arte de adivinhar através das matemáticas. Creio que ao Sr. Ministro da Economia deve acontecer o mesmo, porque certo dia. ai por alturas de final de Setembro de 1955, me telefonou a perguntar o que sabia eu das perspectivas da colheita de azeitona.
Respondi que não possuía elementos seguros quanto à generalidade do País, mas que nas regiões mais conhecidas minhas as coisas estavam a tornar-se feias, devido à seca prolongada. Confirmou-me o Sr. Ministro que, pelo que via nas suas propriedades e noutras províncias, lhe pareciam exageradas as previsões estatísticas, o que o fazia andar preocupado.
Os factos vieram demonstrar que o Ministro, afinal, tinha razão.
Mas já aqui se disse que a previsão estatística portuguesa errou menos que algumas estrangeiras: a nossa percentagem foi de 25 por cento (100 milhões em 30 de Setembro, contra 75 milhões verificados nos lagares). Em Itália a produção acha-se avaliada actualmente entre 150 000t a 170 000t, contra 250 000t a 270 000t previstas em Outubro de 1955. Percentagem de erro da ordem dos 40 por cento.
Na Turquia, erro superior a 6O por cento. Na Espanha, maior produtor mundial de azeite, os especialistas previam em Outubro de 1950 a obtenção de 320 000t a 330 O00 t, contra 270 000t verificadas. Erro da ordem dos 20 por cento, quase igual ao português.
As causas da quebra de produção em Portugal são conhecidas: falta de chuvas e consequente abundância de mosca, esta última influindo também grandemente na qualidade, por originar pior gosto e acidez maior.
Já se disse que previsões não podem aceitar-se como verdades demonstradas. Na prática, quanto ao abaste-

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cimento público em azeite, fosse n previsão excessiva ou fosso escassa, tudo se passaria da mesma forma, visto que a quantidade real produzida viria a ser a que foi.
De qualquer maneira não poderia ter-se importado azeite estrangeiro, quer devido ao seu preço elevadíssimo, quer em consequência das proibições de exportação.
Portanto, caem pela base, quanto a azeite, todas as criticas relativas a erros de previsão e a imprevidência.
Infelizmente, já não pode dizer-se o mesmo no que respeita a óleo de amendoim: as negociações entre o Ministério do Ultramar e o Ministério da Economia para estabelecimento dos contingentes do oleaginosas ultramarinas, que deveriam ter-se concluído antes de final de Dezembro, arrastaram-se durante mais mós e meio.
Sem que elas se concluíssem o Ministério da Economia não se achava habilitado a escolher a solução para o problema do abastecimento, nem a prever as necessidades de importação de jinguba (amendoim descascado) e óleo estrangeiros.
Deve acrescentar-se que esta demora provocou a carência de óleo de mendobi para venda estremo e o atraso de entregas da mistura azeite-óleo.
E não há dúvida de que Portugal poderia ter adquirido o amendoim estrangeiro mais barato do que veio a comprar-se em meados de Fevereiro. E talvez se tivesse conseguido evitar a importação de óleo também estrangeiro, com beneficio manifesto para o trabalho e para a economia da Nação.
Segundo o relatado na acta da Junta Nacional do Azeite publicada no Diário dag Sessões n.º 135, de 5 de Abril, a causa principal da demora das negociações interministeriais, que tantos prejuízos veio a causar, foi a exigência de a província do Moçambique exportar para a metrópole, sob a forma de óleo, todo o seu contingente de jinguba, com prejuízo dos compradores desse óleo, quer em condições de venda, quer em qualidade, relativamente ao óleo metropolitano. Nos anos anteriores só metade do contingente de Moçambique era fornecida em óleo, sendo a outra metade em semente. Além disso, a mesma província pretendia exportar para a metrópole óleo de algodão, que a legislação portuguesa não considera comestível e que, por consequência, nem poderia vender-se estreme nem ser misturado com azeite.
Vem a propósito afirmar que ó dever da metrópole auxiliar, até ao impossível, o desenvolvimento agrícola e industrial das províncias ultramarinas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: E justo que paguemos bem os seus produtos agrícolas, matérias-primas das indústrias metropolitanas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: Mas é supremamente injusto que as mesmas províncias ultramarinas proíbam, pura e simplesmente, a importação de produtos industriais do continente, ao mesmo tempo que impõem à metrópole a aquisição dos seus!

O Sr. Jorge Jardim: - Agradecia que V. Ex.ª concretizasse, porque na província de Moçambique, por exemplo, há mais protecção à indústria metropolitana do que na própria metrópole.

O Orador: Podem dar-se, efectivamente, casos desses, mas quando existem indústrias locais muitas vozes proíbe-se a importação de produtos da metrópole, exactamente para proteger essas indústrias.

O Sr. Manuel Aroso: - Mas isso está de acordo com o que V. Ex.ª acaba de dizer quanto à necessidade de fomentar a indústria no ultramar.

O Orador: É que não se deixa exportar para lá os nossos produtos e exigem que recebamos aqui o óleo de Moçambique.

O Sr. Jorge Jardim: - Ë diferente. A metrópole tem necessidade do óleo e Moçambique deseja que a exportação seja feita em óleo e não em semente ...

O Orador: V. Ex.ª sabe muito bem que o contingente de jinguba baixou metade em óleo e metade em semente ...

O Sr. Jorge Jardim: - O que é preciso esclarecer perante a Câmara é que Moçambique, para acudir às necessidades de abastecimento da metrópole, enviará todo o óleo de amendoim que pode produzir nesta campanha, afastando-o do seu abastecimento próprio, que terá de ser efectuado com óleo de algodão - óleo que também poderíamos fornecer e cá não se quer porque pareço que não serve aos estômagos da metrópole, embora tenham de com ele se contentar os estômagos de lá.

O Sr. Manuel Aroso: - Ë que parece que em matéria de óleos no ultramar temos muito bom estômago ...

O Orador: Entremos no capítulo segundo: «Autorização de exportação de azeite e de azeitona».
Os números relativos à exportação de azeite e azeitona acham-se publicados no Diário das Sessões n.º 135 Os primeiros estão mencionados também na informação do. Ministério da Economia, prestada nos termos e para os efeitos do artigo 49.º do Regimento, e foram objecto de comentários muito judiciosos por parte do ilustre Deputado Melo Machado.
Nada a acrescentar quanto à insignificância das quantidades exportadas em relação ao consumo geral de azeite.
Alguma coisa a dizer quanto à maneira como o Sr. Deputado Pinto Barriga colocou a questão.
O Ministério da Economia defende-se com timidez demasiada em matéria de exportação de azeite. E o Sr. Deputado Pinto Barriga ataca com desconhecimento de causa.
A exportação de qualquer produto nacional não constitui crime. E acto de boa administração económica, é acto de defesa da prosperidade comum. Salvo excepções raras, é quase sempre viável suprir no mercado interno a falta do produto exportado por outro género sucedâneo. Mesmo em anos de carência interna, há que manter os mercados do exterior, custe o que custar. É difícil recuperar mercados perdidos. E se outras nações, cujos governos se amedrontem com ataques demagógicos, proibirem as exportações, substituamo-las, mesmo que seja com pequenas quantidades, a fim de tornarmos os nossos produtos conhecidos e de ganharmos prática dos mercados.
O Sr. Ministro da Economia tem demonstrado pela vida fora a sua coragem pessoal, política e administrativa. Acaba de dar ao País uma esplendida lição de honestidade, de audácia e de civismo com a publicação da portaria que ordenou a mistura azeite-óleo. Soube assumir responsabilidades. Foi sério. Era opinião quase geral que, se a mistura não fosse autorizada publicamente, ninguém daria por ela.
Quando o Grémio dos Armazenistas e Exportadores de Azeite, em 7 de Janeiro, propôs à Junta Nacional a aprovação daquela medida de emergência, os fabricantes metropolitanos de óleo de amendoim, menos cora-

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20 DE ABRIL DE 1956 1003

josos que o Ministro, recusaram-se a efectuar a mistura nas suas fábricas, alegando que não desejavam sujeitar-se a criticas e vexames. O Ministro, nobremente, deu a todo o Pais o exemplo da mais alta dignidade:
Não me importarei com criticas. Se me convencer de que a medida é indispensável e se ela vier a ser aprovada, há-de sê-lo publicamente, às claras, com todas as consequências que dai advierem.
Este acto de coragem necessita repetir-se em relação a todas as exportações portuguesas que devam ser defendidas.
O ilustre Deputado Finto Barriga, ao insurgir-se contra a exportação de azeite, parece ter esquecido o seu querido circulo de Castelo Branco, onde se produz do melhor azeite extra de Portugal. Entende que a exportação não interessa à olivicultura porque os lucros do negócio são para o exportador ou constituem receita do Fundo de Abastecimento.
O ilustre economista parece ignorar o abe do funcionamento dos mercados, que se caracteriza pela diferenciação de funções. Pêlos principies que defende, os produtores passariam a ser armazenistas, retalhistas e exportadores. Desapareceria o comércio. Nem na Rússia desapareceu. E, porque a hora vai adiantada, torna-se-me impossível explicar ao ilustre Deputado qual é a legitima e utilíssima função económica do comerciante. Mas por que razão convém, em benefício não só da economia geral, mas especialmente da lavoura, animar a exportação?
Embora a capitação de azeite tenha aumentado 80 por cento de 1916 para cá, passando de 5,5 l a 9,9 l por habitante, pode suceder, em futuro não muito longínquo, que a produção de azeite venha a exceder o consumo, principalmente se a olivicultura conseguir que os preços sejam actualizados.
Necessitamos de estar preparados, bem a tempo, para manter e desenvolver os mercados exteriores e ultramarinos. Péssimo serviço presta à olivicultura quem não compreender esta necessidade.
Se o exportador tiver bons mercados, o produtor receberá melhor preço, porque, diga-se a verdade, apesar das tabelas e das taxas, armazenistas e exportadores sacrificam constantemente as suas margens de lucros para conseguirem adquirir o azeite disponível nas casas agrícolas. E o que sucede nas compras de azeitona, que em certas regiões atinge preços que não permitem fabricar azeite?
Com excepção do Brasil, a exportação tem sido dificílima devido à concorrência doutros países produtores. Tem-se efectuado graças a sacrifícios de preços. Para o ultramar a margem de lucro mantém-se diminuta, devido às lutas entre exportadores.
Segundo o relato ministerial, só a exportação para o Brasil vem permitindo cobrança de diferenciais para a Junta Nacional e para o Fundo de Abastecimento, que, desde 1948, atingiram 55 000 contos. Mas este dinheiro tem revertido, afinal, para a lavoura, quer através da Junta, quer através do Fundo.
Entremos agora no capitulo terceiro: "Desactualização dos preços do azeite".
Queixa-se a agricultura, com evidente razão, de que os preços do azeite português não foram actualizados nu proporção da desvalorização da moeda. E à grande maioria dos olivicultores parece justo que pelo menos em campanhas catastróficas, como a actual e talvez a futura, a redução de produções seja compensada por melhoria de preços. Responde o Ministério da Economia que a intervenção da Junta Nacional tem evitado a baixa natural de preços nos anos do safra, o que constitui compensação suficiente para os anos de contra-safra.
A intervenção da Junta no mercado realiza-se da forma seguinte:
a) Fixação de preços na produção, no armazenista e no retalhista, variáveis conforme o grau de acidez do azeite, o que nem sempre coincide com a qualidade;
6) Aquisição pela Junta, ao preço da tabela, de todo o azeite oferecido pelos produtores;
c) Fixação de existências mínimas obrigatórias aos armazenistas e exportadores, condição indispensável para lhes ser autorizado o exercício destas actividades comerciais:
d) Constituição de reservas voluntárias em poder dos armazenistas e produtores, mediante a compensação de 6,5 por cento, a titulo de juro, quebra e seguro.
Este esquema encontra-se a p. 3 da informação do Ministério da Economia lida ontem na Mesa. Demonstra quanta razão eu tinha ao afirmar em aparte, com insistência igual à do meu contraditor, que parte das reservas dos armazenistas e exportadores era forçada: aquela a que se refere a alínea c).
Em vez de simples actualização de preços tabelados, o Sr. Deputado Pinto Barriga advoga a alta ilimitada do preço do azeite extra através do eufemismo da liberdade de preços.
Este nosso ilustre colega defende bem os interesses, que considera legítimos, do seu circulo. Tem lógica. Explica-se. Mas poderia ser, quer em matéria de mercado interno, quer na exportação, a morte da galinha dos ovos de ouro.
Porquê ?
A resposta vai ser dada no capitulo quarto: a Benefícios atribuídos aos produtores de óleo de amendoim e pretensa má qualidade deste óleo".
Agora, sem lógica nenhuma, o mesmo Deputado que preconiza a alta do azeite extra entende que o óleo de mendobi deveria baixar. Eis as suas palavras, segundo o Diário das Sessões em que anunciou a primeira fórmula do aviso prévio ontem realizado:
Quanto ao óleo e seus respectivos preços, haveria muito que discutir, mesmo muito, económica e comparativamente, mas é um problema vasto, para ser tratado numa ordem do dia, como aviso prévio, e não por uma intervenção como ora estou realizando.
Ao anunciar a segunda fórmula de interpelação, alguns dias depois, o ilustre Deputado omitiu toda e qualquer referência ao óleo. E ontem desenvolveu com mão de mestre os problemas das podas das oliveiras, mas não podou o amendoim.
Convido o ilustre Deputado a dizer o muito, mesmo muito, que sabe a este respeito, económica e comparativamente falando. Â dizer tudo. Pão, pão, queijo, queijo. Óleo, óleo. azeite, azeite.
Se o azeite extra passasse a preço livre e o óleo baixasse, para onde iria o consumo do azeite?
Também neste caso o Ministério da Economia e a Junta Nacional do Azeite souberam falar claro e assumir corajosamente responsabilidades.
A nota ministerial diz nada mais nada menos do que isto:

Outra linha mestra da política olivícola nacional tem sido a defesa sistemática do azeite contra a concorrência do óleo de amendoim.
Já em 12 de Novembro de 1937 o Decreto n.º 28153, que criou a Junta Nacional do Azeite, definiu o óleo como simples complemento, destinado a suprir os deficits do azeite, e previu as taxas niveladoras desti-

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nadas a encarecer artificialmente o óleo como maneira de evitar concorrência ao azeite. As províncias ultramarinas, designadamente Angola, Moçambique e Guiné, devem estar sumamente agradecidas a esta política de ... « unidade imperial»... Mas quem protesta contra ela é o Sr. Deputado por Castelo Branco!
O relatório da Portaria n.º 15098, que regulamentou a, campanha olivícola de 1954-1955, foi mais claro ainda:

A política tradicional de somente proteger o consumo de óleo na medida em que o mesmo não prejudique a situação do azeite deverá prosseguir, tendo embora em conta (como?) os interesses da produção ultramarina. Efectivamente, o valor extraordinário da cultura da oliveira na produção agrícola nacional, o volume dos salários pagos aos trabalhadores rurais e a própria experiência registada em alguns países olivícolas, que conduziu ao arranque de milhões de oliveiras, em virtude da concorrência dos outros óleos vegetais, não são de molde a admitir hesitações nesta matéria.

Finalmente, a nota ministerial de 17 do corrente apresenta esta síntese admirável da orientação apontada:

a) O óleo de amendoim não é havido como inimigo, mas como aliado, cujo concurso é indispensável para suprir os deficits de azeite e possibilitar a exportação deste para os mercados externos;
b) Sempre que periga a posição do azeite, em virtude dos excedentes de produção ou do baixo preço do óleo, procede-se à redução dos contingentes de importação de amendoim e à aplicação de taxas niveladoras.

For outras palavras:
1.º acto. - Não há azeite? Viva o aliado óleo!
2.º acto. - Há azeite? Fuzile-se provisoriamente o aliado.
Epílogo. - Quando volta a faltar o azeite, corre-se a importar óleo e jinguba do estrangeiro, porque a produção do matérias-primas ultramarinas não obteve continuidade e as fábricas metropolitanas encontram-se mal abastecidas.

A nota fornecida pelo Ministério da Economia à Assembleia Nacional afirma, e é verdade, que, apesar das elevações registadas no preço das sementes ultramarinas, o do óleo manteve-se na metrópole- desde 1947 a Março de 1954.
Mas, a fim de evitar novos encargos para o Fundo de Abastecimento, permitir a continuidade e o fomento da produção ultramarina e proteger o azeite, efectuou-se em Março de 1954 a elevação do preço do óleo de 10$00 para 12$80, com a qual nada beneficiaram as fábricas de óleos.
Apesar disso, a produção ultramarina fui insuficiente.
Por consequência, estão a efectuar-se importações de óleo estrangeiro, que atingirão 3000t. Virão de Moçambique mais, de 2000t. Importar-se-ão das colónias britânicas do África 15 000 t de jinguba, quase tanto como toda a produção da nossa Guiné. Por falta de produção nacional, que não se tem fomentado suficientemente nem no ultramar nem na metrópole, foi necessário recorrer ao estrangeiro, e entretanto tem havido atrasos no abastecimento público. Suponho que estão tomadas providências para que tais atrasos não se repitam.
Quanto à qualidade do óleo de amendoim metropolitano, a nota ministerial enviada à Assembleia é concludente. Logo que snobs, a darem-se ares de viajados, depreciaram o óleo português, dizendo-o inferior ao estrangeiro, o Ministério da Economia ordenou à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais estudo meticuloso do problema. Os serviços de fiscalização colheram cento e trinta amostras para análise, em vários pontos do País, e verificaram que a qualidade do óleo metropolitano á excelente.
As conclusões apuradas foram as seguintes:

a) As características exigidas pela legislação nacional às quais deve obedecer o óleo são incomparavelmente mais rigorosas do que as estabelecidas noutros países;
b) As análises revelaram a tranquilizadora certeza de que o óleo produzido pelas fábricas da metrópole respeita, em absoluto, as qualidades organolépticas de acidez e as características físicas e químicas exigidas pela nossa legislação (Portaria n.º 10 134, de 9 de Junho de 1942).

Finalmente, e já não ó sem tempo, vejamos o capitulo quinto desta exposição: «Soluções possíveis além da da mistura obrigatória».
No final de Fevereiro último, quando foi determinada a mistura, a situação resumia-se desta forma:

Milhões de litros

Produção da campanha de 1955-1956 mais
o saldo da anterior ....................................... 80

os quais poderiam dividir-se da maneira seguinte:
Consumo de Novembro de 1955 a Fevereiro de 1956 ........... 32
Reservas das casas agrícolas, na previsão de
contra-safra .............................................. 35
Existências disponíveis em poder dos armazenistas ......... 9
Probabilidades de novas compras imediatas pelos
armazenistas .............................................. 4
Total. ....... ............................................ 80

As vendas realizadas pelos armazenistas haviam sido da ordem dos 4 milhões em cada um dos meses de Novembro a Janeiro e quase atingiram 5 milhões em Fevereiro. Na melhor das hipóteses, sem obrigação de consumo de óleo de mendobi, o azeite em poder dos armazenistas, somado às suas possibilidades de compra, não chegaria até final de Maio.
Que poderia fazer-se:

1.º Racionar o azeite? Solução impossível, por estar fora do clima da época e ter como consequência aumentos de consumo, necessidade de manifestos pela lavoura e de requisições violentas aos produtores, com prejuízo evidente e injusto o auto-abastecimento das casas agrícolas. Estou convencido de que as carências de abastecimento e o consequente «mercado negro» fariam desta solução a mais complicada e a pior de todas.
2.º Importar azeite estrangeiro? Já vimos que era impossível, quer pelo preço altíssimo, quer pelas proibições de exportação.
3.º Vender azeite enquanto os armazenistas o tivessem? Não chegaria até Maio e, logo que a falta fosse notada pelo público, surgiriam a corrida e o «mercado negro» com intensidades cada vez maiores. Esta solução tornar-se-ia praticamente igual à da libertação de preços de azeite extra, preconizada pelo Sr. Deputado Pinto Barriga: as maiores vitimas seriam os consumidores mais pobres.
4.º A compra obrigatória pelos retalhistas e consumidores de azeite e óleo de amendoim em partes iguais, preconizada nalguns periódicos e logo adoptada pelo ilustre parlamentar, tam-

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25 DE ABRIL DE 1956 1005

bem era impossível, não só pelas razões claramente apontadas na documentação enviada à Assembleia pelo Ministério da Economia, mas também por enfermar de vício comum às soluções l.ª e 3.ª
Sabe-se que grande parte, se não a maioria, do azeite disponível este ano é de acidez superior a 4 graus.
Como a lei não permite a venda deste azeite, haveria que reduzir-lhe a acidez. Como? Por meio da refinação? Despesa e demora escusadas, com perdas importantes por quebras. O azeite refinado, sem acidez, sem gosto e sem cheiro, comportar-se-ia na mistura tal qual o óleo de amendoim.
E assim se chegou, naturalmente, economicamente, a solução idêntica à que a Espanha, o maior produtor mundial de azeite, se viu forçada a tomar.
Com a diferença, em benefício do consumidor português, de que entre nós só entra na mistura um óleo bom, o de amendoim, enquanto que a Espanha teve de recorrer também aos óleos de soja e de algodão, que a lei portuguesa, mais rigorosa, não considera comestíveis.

Já ouvimos e já lemos que os próprios representantes da lavoura na Junta Nacional do Azeite, em nome de todas as regiões produtoras, votaram unanimemente a medida. Fizeram-no para que não sucedesse em Portugal o que tem acontecido noutros países: habituar-se o consumidor aos óleos sucedâneos do azeite.
A mistura continua a saber a azeite. Não sabe a óleo. Melhora o azeite mau, corrente nesta campanha. Não o piora em qualquer caso.
Mas como se fiscaliza e garante a percentagem de mistura?
Pode dizer-se que automaticamente: aos armazenistas só é distribuído óleo estreme em quantidade igual à do azeite que possuem. Ao óleo destinado a venda livre, sem mistura, adicionam-se 5 por cento de óleo de gergelim, que é revelado pela análise química, coisa que não acontece ao óleo de amendoim puro misturado no azeite.
Além disso, o preço elevado do amendoim não permite aos armazenistas aumentarem a percentagem de mistura. Os retalhistas dispõem unicamente de óleo de mendobi com gergelim e, se o acrescentarem à mistura, de forma a exceder os 50 por cento determinados na portaria, a análise revelará a fraude.
Note-se que a fraude seria apenas económica e nunca delito contra a saúdo pública. A mistura azeite-óleo é constituída por dois produtos muito semelhantes, ambos igualmente comestíveis.
A própria Junta Nacional do Azeite demonstra nos seus mapas que no mundo inteiro o consumo de óleo de amendoim é praticamente duplo do do azeite. É tudo questão de hábito.
Graças a Deus, em Portugal dispomos de azeites excelentes, com tendência para melhorar qualidades, devido à iniciativa dos produtores e ao auxílio técnico dos organismos oficiais.
Nem todos os países da Europa possuem felicidade igual. Lastimemo-los, em vez de tentarmos emendar a geografia. E ensinemo-los a consumir azeite português, para bem da nossa olivicultura ...

O Sr. Furtado de Mendonça: - É sabido que tendemos para uma maior produção de azeite extra. Ora, tem-se apregoado que o azeite extra poderia ficar livre para aqueles consumidores que tivessem poder de compra para o adquirirem; mas, sendo tal azeite em grande quantidade, verificaríamos que praticamente ficaria livre quase todo o azeite.
A verdade é que não se sabe se o azeite extra deste ano é muito ou pouco, porque não conhecemos ainda, ao certo, as quantidades de azeite no que se refere a cada categoria de acidez; mas um facto podemos constatar: é que, se o azeite extra ficasse livre, praticamente desapareceria o azeite numa quantidade tal que isso iria influir no quantitativo de que pudéssemos dispor para fazer a mistura, devido à possibilidade de adicionar ao azeite extra outros azeites, depois de rectificados.
Em princípio não poderemos talvez atacar a liberalização do azeite extra, porque era azeite que poderia ser adquirido por aqueles que tivessem grande poder de compra; porém, já apontei o inconveniente.
Agora não é vendido, mas há quem pergunte porque é que, sendo o azeite extra pouco, não foi vendido a um preço livre. Julgo ter dado a resposta.
Mas há mais:
Neste momento o azeite extra já se encontra pouco em poder da lavoura e a verdade é que, portanto, ela não podia ter beneficiado com essa medida. Neste momento não só o azeite não está em poder da lavoura, como disse, mas também não se sabe ao certo a quantidade existente.

O Orador:-Estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: aquando da minha primeira e rápida intervenção no período de antes da ordem do dia prometi à Camará anunciar um aviso prévio sobre o problema do azeite - como tão gentilmente mo lembrara o meu ilustre colega e amigo Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu, como inesquecível prova de velha estima e amizade, que muito me honra-, o que faria logo que me tivessem chegado às mãos as informações do Ministério da Economia, e assim foi no próprio dia em que me foram, entregues, como tudo consta do respectivo Diário das Sessões.
Vou agora tentar responder aos oradores que brilhantemente me antecederam, e, entre eles, ao meu prezado amigo e colega Sr. Major Jorge Botelho Moniz, mas, quanto a este, só responderei à matéria do presente debate, porque ao original aviso prévio efectivado, mas não «anunciado», que tem por objecto «Pinto Barriga» - S. Ex.ª tem-me acusado de anunciar muitos avisos prévios que não chego a realizar, mas S. Ex.a, ao contrário, realiza-os sem os anunciar-, e que tomou a forma quase medieval de uma jocosa farsa, fui comentando por interrupções exclamativas, o mais regimentais possível e nos termos mais amistosos e joviais, no decurso, digamos assim, da sua representação em arant-première.
Ao voltar a falar, depois de generalizado o debate, não quero deixar de significar ao Governo toda a minha confiança na solução que vai finalmente dar ao problema, no interesse do consumidor, da oleicultura e do País.
Fui acusado de confuso, mas, até agora, ainda não confundi, o que bem me poderia ter sucedido, como a toda a gente, nem em requerimento, nem em aviso prévio, o número de um diploma legislativo, nunca anunciei uma portaria com um número tão alto que deveria vir a ser lá para o ano 2000. Os meus requerimentos que antecederam o anúncio do meu aviso prévio aí estão, para demonstrar como prolixa e confusamente queria

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saber as importações e exportações dos meses críticos da crise de abastecimento.
Prolixo e confuso?
Por querer saber a discriminação das verbas orçamentadas e gastas dos respectivos organismos de coordenação e de outros organismos oficiais afins, na ordenação e fomento da produção, no combate às doenças da oliveira e azeitona, no estudo das variedades da azeitona mais próprias para o azeite ou consumo directo, no aperfeiçoamento das condições de fabrico e conservação do azeite, para assim poder julgar com inteira justiça a actuação dessas organizações;
Por querer saber da existência de inquéritos, como ordena a lei, acerca da existência de azeites e óleos, marcadamente num ano de contra-safra;
Por desejar conhecer os meios empregados, que os há, de, em certa maneira, paliar à contra-safra;
Por desejar conhecer as causas próximas do aumento de acidez dos nossos azeites, o que levou até a delegação portuguesa a ter de travar uma verdadeira batalha na classificação de azeites na última conferência internacional ;
Por querer saber da existência exacta dos azeites extra, para assim poder determinar a minha critica com equanimidade ;
Por desejar que as estimativas de previsão se efectuassem dentro das regras da precisão possível neste género de calculação económica.
Quero repetir que acho mais útil politicamente, numa crise de abastecimento, uma actuação dúctil e maleável, com flexibilidade para se ajustar às reacções do consumidor e do respectivo comércio, e não para aprisioná-la num colete-de-forças, mas das más forças legais duma portaria.
Ontem num aparte, dos a que voluntariamente não dei resposta, insinuou-se que eu chamara porcaria à mistura; não é exacto, chamei-lhe simplesmente mistura, e nem por graça fácil, nem sequer em pensamento, troquei uma das letras com que se escreve «portaria».
A digestão é um direito sagrado, embora não constitucional; diante da mistura o consumidor reage, prefere até o antipático racionamento. Sem inquéritos conhecidos da existência do azeite e óleo, andamos perfeitamente às cegas no abastecimento. Que azeite extra há? Seria perigoso deixá-lo livre no preço, garantido que fosse o abastecimento dos doentes? Se há pouco -exportou-se tanto -, que perigo real ofereceria; se há muito, há que discutir em face dos números, quando o Ministério da Economia os adiantar.
A venda cumulativa -dizem- oferece o perigo de fazer desaparecer o azeite do mercado, da sua evaporação económica; mesmo que assim fosse, era preferível que o agente do «mercadito negro», o consumidor, voluntariamente aproveitasse o óleo e vendesse o azeite.
À escala do retalhista, do pequeno armazenista, numa palavra, do oportunista, o problema é o mesmo do «mercado negro» do azeite, que ninguém sabe onde pára, nem nunca foi declarado; mas para isso lá está a Intendência dos Abastecimentos. Todas as gorduras animais deram um pulo desde a rarefacção do azeite e da mistura.
É de crer que o Governo conheça bem esse problema.
Para defender o azeite nunca ataquei o óleo e as suas qualidades próprias; ataco a mistura, contraplebiscitada pela opinião publica, pois a mistura não é a média das qualidades organolépticas, do grau de digestibilidade e do teor energético de cada um dos produtos misturados: é um produto novo, com qualidades próprias - o azeitóleo. A química não é tudo na aplicação à fisiologia do Português; o azeitóleo não demonstra as suas qualidades por análises laboratoriais, por mais cuidadosas que sejam, mas deve experimentar-se útil e praticamente numa retorta: o estômago do Português.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem !

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna pela primeira vez nesta sessão legislativa, desejo reiterar a V. Ex.ª os meus cumprimentos respeitosos de muito apreço e sincera admiração.
Srs. Deputados: das considerações que aqui ouvi à volta da matéria em discussão tenho de reputar o problema inteira e cabalmente esclarecido. Todavia, para além das afirmações feitas, parece-me haverem ficado por analisar alguns aspectos e questões que a imprensa tem focado ou constituem objecto de conversas e interrogações formuladas aqui e além.
Por outro lado, para lá das apreciações feitas nesta Câmara, afigura-se-me existirem ainda dúvidas, que até mim chegam, exprimindo a reacção, a estranheza e a sensibilidade do público perante a medida tomada, a sua justeza e justificação.
Compreendo essa atitude do País, não estranho esse sentimento de muitos portugueses e entendo esse estado de espírito, que, longe de merecer um remoque, tem o direito de ser bem entendido e claramente esclarecido.
Vou tentá-lo em palavras breves, fazendo algumas considerações que me parecem necessárias e até indispensáveis. Começarei por declarar que não aceito todos os argumentos aqui aduzidos para defender a solução adoptada e que não posso considerar procedentes todas as críticas que lhe têm sido dirigidas.
Mas... prescindindo de certos argumentos de defesa, creio não ter mais dificuldades em justificar a solução adoptada. A questão é, efectivamente, simples, muito simples: naquele momento o azeite disponível não chegava para assegurar o regular abastecimento público.
Desconhecendo-se o processo de o multiplicar, restavam duas soluções: o racionamento ou a mistura.
Duas soluções, porque excluo, por impraticável, a da libertação pura e simples ou condicionada às qualidades dos preços, deixando, naquelas condições, o mercado sujeito ao império exclusivo da lei da oferta e da procura, no momento, note-se, em que a maior parte do azeite estava transaccionado.
A libertação dos preços, nessa situação, criaria, não só lucros ilegítimos, como uma injustiça relativa entre os produtores que haviam vendido o sen azeite -a maioria- e aqueles que ainda o não tinham feito.
Para além dessas circunstancias, a libertação de preços, em tal emergência, teria como consequência a sua alta sensível e inevitável, alta que nem se justificaria nem podia de forma nenhuma consentir-se.
Havia, pois, apenas dois caminhos. Mas não ouvi ninguém defender o racionamento -solução que também não recomendo -, pelo que, efectiva e praticamente, restava uma solução, como que inevitável: a da mistura.
Naquelas condições, não havia de facto outro caminho nem outra solução real e positiva.
Mas perguntar-se-á: a solução da mistura satisfaz inteiramente as nossas preferências, os nossos gostos, os nossos hábitos ? Tem méritos próprios para além de uma solução de emergência, postulada pelas circunstâncias concretas do momento? Penso que não. Penso que traz dificuldades aos nossos hábitos alimentares, que não tem justificação possível fora da sua necessidade e como medida de emergência, que -felizmente- vai de encontro ao gosto e preferência da grande maioria da nossa população.

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De facto, nem aceito nem posso admitir que a mistura com o óleo melhore o azeite, mas apenas que reduza a acidez, quando esta for elevada.
Não considero legítima a comparação do nosso caso com o de outros países que não consomem azeite, porquanto, nesses, a culinária baseia-se na manteiga, e não no óleo de amendoim ou qualquer outro.
Não me parece que possa ser invocada como justificação da medida a má qualidade do azeite desta colheita, que, não sendo, efectivamente, boa, não é sensivelmente pior que a de outras anteriores, além de que, nas condições estabelecidas para a mistura (preços e percentagens), os azeites com graduação superior a cerca de 8 graus só podem ser utilizados pela refinação, que, aliás, suponho, os adquiriu em tempo oportuno, acrescendo ainda que os hábitos e preferências de muitos consumidores dos menos abastados vão marcadamente para azeites de certa acidez.
Mas, se é assim, se é indiscutivelmente assim, também é verdade que a mistura não tem quaisquer inconvenientes para a saúde.
Pois se o óleo pode ser consumido directamente, como acontece de há anos, principalmente com as classes menos abastadas, como poderia, pelo simples facto de ser misturado, acarretar inconvenientes para a saúde?
Preferíamos certamente todos, o País e o Governo, que se pudesse, de acordo com os nossos hábitos o gostos, utilizar o azeite sem mistura de óleo - e preferíamos bem; mas para isso era indispensável que o azeite pudesse chegar a todos com o mínimo de especulações possível, era necessário que houvesse azeite bastante para satisfazer inteiramente o consumo do Pais.
A solução era, pois, a que foi adoptada. Mas pode perguntar-se, como já aqui foi feito: porque se aguardou até àquela altura para tomar a medida?
O problema tem diferentes aspectos, o primeiro dos quais é este: uma medida desta importância e gravidade, com as consequências e repercussões bem conhecidas - que de resto me não surpreenderam -, não podia ser tomada senão depois de muita reflexão, depois de terem sido devidamente analisadas todas as facetas de que se reveste e esgotadas todas as outras soluções teoricamente possíveis.
O outro é o seguinte: entre a apanha da azeitona e o fabrico do azeite medeia certo tempo; a maturação da azeitona não se verifica em todo o País na mesma altura; os lagares não encerram na mesma data. Temos, assim, que o conhecimento da realidade da colheita é sucessivo e demora algum tempo.
Não é possível alterar, senão escassamente, este condicionalismo, aliás montado para um período normal, nem poderia modificar-se significativamente sem multiplicar todas as formalidades, manifestos e declarações, de que tanto nos queixamos já, para, afinal, normalmente não terem outro interesse que o da maçada de quem tivesse de os satisfazer e produzir e dos serviços que tivessem a inutilidade de os receber.
Mas a oportunidade da medida não foi sequer determinada pelo volume da produção, mas tão-sòmente pela marcha da comercialização. De facto, só a medida fosse determinada fundamental ou somente pelo volume da produção, nem teria sido tomada tão cedo nem se teria imposto uma tão elevada percentagem de óleo na mistura.
Com efeito, sabem VV. Ex.as que o Ministério da Economia avaliou a produção em cerca de 75 milhões de litros e admite terem transitado da safra anterior para a decorrente cerca de 5 milhões de litros, enquanto o consumo de azeite se pode estimar em pouco mais de 85 milhões de litros anuais, excluindo a exportação que, aliás, se encontra suspensa.
Sendo assim, o deficit não ultrapassaria o consumo do um mês, pelo que a percentagem de óleo na mistura não deveria ser superior a 10 por cento, ou. se fosse de 50 por cento, bastaria ser determinada para os últimos dois meses da campanha.
Mas a medida foi imposta pela irregularidade verificada na comercialização do azeite.
Nos começos de Março o azeite disponível no comércio armazenista não excedia 10 milhões de litros, contra tudo o que seria de esperar em função do efectivo volume da colheita.
Foi esse facto que impôs, com carácter do urgência, a medida; foi esse facto que determinou a oportunidade e fixou a percentagem da mistura.
Aguardou-se até àquela altura porque o volume estimado da colheita e as indicações efectivas que iam chegando não justificavam qualquer medida para além- das precauções tomadas no que respeita à regularidade do registo dos lagares.
Aguardou-se até àquele momento porque foi precisamente a altura em que a evolução do processo de comercialização revelou, de forma alarmante, u irregularidade com que se operou, em contraste com o ocorrido em campanhas anteriores, evidenciando a flagrante desproporção entre o volume da colheita e as quantidades disponíveis na posse do comércio armazenista.
Foram os vícios da comercialização, documentados a partir do mês de Fevereiro, que impuseram as medidas de emergência adoptadas e determinaram a sua oportunidade. Daqui também a explicação das percentagens adoptadas para a mistura de azeite e óleo em partes iguais. Vícios do processo de comercialização, disso eu, vícios que justificam a medida, é que fixaram as percentagens da mistura e determinaram a oportunidade. É mister explicar melhor em que consistem e donde provêm esses vícios da comercialização do azeite dentro do actual regime.
Conhecem VV. Ex.as o regime oleícola vigente: há uma tabela para o azeite, mas dentro de inteira liberdade de venda e circulação. O produtor «deve» vender a um dado preço, mas pode vender a quem quiser e o azeite transitar livremente.

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª disse que o produtor pode vender a quem quiser, mas creio que não é assim.

O Orador:-Pode vendê-lo livremente aos comerciantes inscritos no Grémio dos Armazenistas o Exportadores de Azeite.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Legalmente as coisas são como V. Ex.ª diz, mas o problema não se pode pôr apenas no terreno da legalidade; tem de ser posto também no terreno da realidade, e eu pergunto se o produtor vende ou não vende a quem quer ?

O Orador:-De facto, legalmente as coisas devem passar-se, de certo modo, assim quanto a preços e compradores, mas na realidade nem sempre; raro se respeitam tanto os preços como a qualidade dos compradores.
Mas, dentro deste condicionalismo -uma tabela do preços que não se insere em nenhum sistema de adaptação da oferta à procura-, a única coisa que pode esperar-se é que funcione como indicadora de tendência, é que funcione como limite acima ou abaixe do qual só façam as transacções, consoante as colheitas são, respectivamente, escassas ou abundantes.
A confirmação deste modo de ver tèm-na VV. Ex.as na maneira como se processaram as vendas de azeite nas duas últimas campanhas, em que se efectuaram normalmente acima da tabela oficial, e na de 1953-1954, em que, não obstante a vultosa e enérgica intervenção da

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Junta Nacional do Azeite -adquirindo e pagando ao preço legal o azeite que lhe foi oferecido-, uma boa parte da colheita foi vendida a preços inferiores aos da tabela, particularmente nos três primeiros meses da campanha.
A este aspecto do problema -aos inconvenientes de manter um «sistema que por sistema» não funciona- já me referi nesta Câmara, vão passados dois anos, apontando o caminho que se me afigurava dever ser seguido, dotando o regime oleícola da indispensável maleabilidade, de sorte que, sem prejuízo para o produtor, antes com vantagens para todos quantos desejam cumprir as leis, o comércio passasse a efectuar-se em condições sãs, com benefícios também para o público consumidor, que, nas condições presentes, nem sempre pode usufruir dos resultados dos esforços de melhoria de qualidade insistentemente procurados pela produção nos últimos anos.
A crítica ao sistema vigente pude fazê-la então. Nada tenho agora que rectificar, mas apenas de ver confirmados os inconvenientes que apontei e, apoiado na experiência, continuar a defender as soluções e princípios que preconizei, certo de que muitas das dificuldades presentemente sentidas poderiam ter sido evitadas.
Não posso deixar de esclarecer, porém, por dever de lealdade, que sei bem não partilharem do mesmo ponto de vista alguns sectores de produção, assim como determinados núcleos de armazenistas, suponho que especialmente da zona do Porto, factos que podem ter justificado a persistência do regime oleícola vigente desde então.
Mas ... estava eu a dizer que o sistema vigente propiciava a venda do azeite a preços superiores ao da tabela nas campanhas escassas, e foi exactamente o que aconteceu com a colheita anterior, agravando-se o mal na decorrente, de tal sorte que a maior parte do azeite foi adquirido em condições de não poderem os armazenistas vendê-lo dentro da margem de lucros estabelecida, motivo pelo qual não apareceu no mercado legal, como seria de esperar.
A menos que o Ministério da Economia tivesse restabelecido as guias de trânsito e demais formalidades de controle, orientação que, nas condições presentes, nem seria simples nem facilmente aceite, não sei como poderia evitar-se esta situação e obviar-se a estes inconvenientes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ora, foi mercê de tudo isto que, quando, em começos de Março, uma parte substancial da colheita deveria estar em poder do comércio armazenista, aconteceu que só uma pequena parte se encontrava à disposição do abastecimento público. Só nesse momento medidas da natureza da adoptada se justificavam, só nesse momento tinham de ser tomadas.

O Sr. Morais Alçada: - Havia talvez uma forma de corrigir o defeito: impondo a obrigatoriedade do manifesto, que os lagares preencheriam como preenchem o manifesto respeitante ao que na minha região chamam «maquia». Isso seria mais um elemento para a estatística.

O Orador:-Esse manifesto já existe e é sobre ele que a Junta Nacional do Azeite avalia a produção. O problema não é esse, mas, outrossim, o da circulação do azeite, o de saber onde se encontra em dado momento, e dentro do regime actual só seria possível pelo recurso às guias de transito, a complexos sistemas de controle, aliás mais incómodos do que eficazes.
Essa questão, segundo o meu modo de ver, só poderia ser obviada, repito, se, em vez de preços fixos, mais ou menos teóricos, como se viu, nas campanhas abundantes, a defesa do produtor se fizesse por meio de um preço mínimo de cumpra pela Junta Nacional do Azeite e, nas escassas, a do público consumidor pela venda dos stocks em poder daquele organismo a certo preço, que funcionaria, assim, como preço máximo. Penso que, deste modo, se resolveria o problema com mais realidade e melhores resultados.
Posto isto, creio ter dado a resposta à pergunta há pouco formulada pelo Sr. Deputado Sousa Rosal; a demora na adopção da medida derivou, primeiro, da responsabilidade decorrente da gravidade da solução e do desgosto e relutância com que o Governo a encarava.
Em segundo lugar, de ter sido determinada mais pela defeituosa comercialização do que pela deficiência da produção, facto que só podia ter-se revelado naquela altura.

O Sr. Sousa Rosal: - Aceito gostosamente as explicações dadas por V. Ex.ª à Câmara, mas continuo ainda na dúvida se esse desgosto não teria levado talvez demasiado tempo a desenvolver-se. Parece-mo que as providências têm de ser tomadas com a devida antecedência e oportunidade.
A comercialização u que V. Ex.ª se refere é um dos factores a ter em consideração pelos organismos encarregados de dominar o respectivo sector. Esta, com a evolução da produção e a avaliação das necessidades de consumo, são elementos básicos para as previsões.
Não é preciso que os lagares fechem para se saber qual é o quantitativo aproximado da produção.

O Orador:-É evidente que para estabelecer as previsões não é necessário que os lagares encerrem, circunstância que é apenas indispensável para ter conhecimento preciso do quantitativo da colheita. Mas eu afirmei que não foi com base nem na previsão nem no quantitativo apurado da colheita que a medida da mistura foi tomada, pois a partir desses elementos não se teria concluído pela sua necessidade senão nos últimos meses da campanha, ou, pelo menos, por tão elevada percentagem de mistura de óleo. Todo o problema proveio e esteve, repito, na marcha da comercialização.
Mas expliquemos melhor. Sabem VV. Ex.as que antes da guerra a venda do azeite se fazia aproximadamente em três oportunidades: uma parte na altura da colheita, outra após a descongelação e a terceira durante o Verão.
Depois do condicionamento de guerra, continuado pelo sistema vigente de preços fixos ao longo de toda a campanha, alteraram-se os hábitos, tendendo as vendas a concentrar-se na época da laboração e, por imposição das condições naturais, no período imediatamente após a descongelação.
É, portanto, pouco depois do encerramento dos lagares que se pode ter a primeira ideia sobre a forma como decorre a comercialização, ideia que se completa logo que se opera a descongelação.

a Sr. Morais Alçada: - Só na altura em que o azeite descoalha é que se pode lançar no mercado, porque antes não é comercializado. Este problema é importantíssimo.

O Sr. Sousa Rosal: - Desde Novembro que começou a desenhar-se esse movimento de especulação.

O Orador:-Isso já aconteceu na campanha passada, e o azeite não faltou. Além disso, a fiscalização acompanhou desde começo a laboração dos lagares. Todavia, só posteriormente se podia conhecer efectivamente como a comercialização se processava, pois quanto às necessidades de consumo e às perspectivas da colheita não havia quaisquer dúvidas desde o começo da campanha.

O Sr. Sousa Rosal: - Mas logo que os organismos atentos aos acontecimentos tiveram conhecimento das per-

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turbações do abastecimento público havia obrigação de tomar uma medida: congelar a produção.

O Orador:-V. Ex.ª já concluiu o seu pensamento?

O Sr. Sousa Rosal: - Eu ia a dar a mão à solução do Governo, não porque ele precise disso, mas porque é o meu pensamento. Pode supor-se que o Governo, sabendo da quantidade de azeite que havia e das necessidades de consumo, lançando no mercado os milhões de litros de óleo necessários à mistura, obrigava o azeite a sair das tocas onde se escondeu.

O Orador:-Depois de relembrar, uma vez mais, que a crise surgiu, naquele momento, pelos vícios de comercialização, e não pelo volume da colheita, posso esclarecer V. Ex.ª de que não me parece que fosse viável, por esse processo, encontrar a solução do problema.
De facto, o preço do óleo de amendoim é mais elevado do que o do azeite a partir de l grau, além de que fora dos grandes centros populacionais é, felizmente, difícil, se não impossível, esperar que os consumidores se disponham a substituir o azeite pelo óleo.
Nestas condições, não seria o lançamento no mercado de vultosas quantidades de óleo que faria surgir o azeite, que evitaria as irregularidades da sua comercialização, a menos que passasse a apaarecer misturado com o óleo..
A experiência do período de guerra e do pós-guerra confirma inteiramente este ponto de vista.

O Sr. Sousa Rosal: - A razão da minha afirmação foi a de ter partido do preço do armazenista e V. Ex.ª ter partido do preço do produtor.

O Orador:-À escala nacional só os preços do azeite no produtor e do óleo da fábrica podem servir de base, porquanto as margens permitidas actualmente para o comércio de óleo de amendoim estão calculadas para a realidade presente - o consumo de óleo tem praticamente lugar nas grandes cidades. Este aspecto foi, aliás, equacionado ao adoptar a solução da mistura.
Mas... mas há mais. A experiência em matéria de congelamento, requisições, etc., mesmo quando usada em clima psicológico adequado, provou exuberantemente que nas nossas condições, para a nossa maneira de ser, dentro dos nossos hábitos e costumes, é uma fantasia, nunca conduziu a resultados positivos.
Como seria agora possível esperar dessa orientação qualquer solução aceitável? Não. Esse era exactamente o caminho que não podia nem devia ser utilizado. Porque se misturaram, afinal, o azeite e o óleo em partes iguais?
Não foi pelo volume da colheita, pois, como disse, a partir das quantidades produzidas bastaria misturar 10 por cento de óleo ou aguardar a oportunidade da mistura nas percentagens adoptadas para os dois últimos meses da campanha.
Foi precisamente pelo volume de azeite disponível em poder do comércio armazenista que teve de ser fixada a percentagem de 50 por cento.
Porque o azeite comercializado legalmente não permitia resolver o problema com menos de 50 por cento de adição de óleo, e, desta maneira, talvez se pudesse tirar partido daquilo que o Sr. Deputado Sousa Rosal pretendia: fazer aparecer o azeite no mercado legal.
Quer dizer: o objectivo visado pelo Sr. Deputado Sousa Rosal só podia ser procurado, com resultado, pela solução adoptada - pela mistura.

O Sr. Furtado de Mendonça: - V. Ex.ª está a dar umas explicações tão interessantes que eu atrevo-me a pedir-lhe que esclareça a Assembleia sobre a observação que há pouco fiz. No público há a ideia de que o azeite extra se deveria deixar em mercado livre. Bem gostaria que V. Ex.ª nos explicasse isto bem claramente, para que o assunto ficasse então encerrado.

O Orador:-A explicação está implícita nas considerações que há pouco fiz sobre a impossibilidade de naquele momento se recorrer à solução de libertação de preços.
Esclareci então que não era viável a libertação de preços, entre outras razões, pelo facto de se encontrar nessa altura já nas mãos dos comerciantes a maior parte da colheita, embora em grande percentagem à margem do mercado legal, motivo pelo qual a libertação criaria necessariamente lucros ilegítimos aos compradores do azeite e uma situação de flagrante injustiça para os produtores que já o tinham vendido em relação àqueles que ainda o não tivessem feito.
Mas isto, que é válido para todo e qualquer azeite, é aplicável igualmente para cada uma das qualidades. De facto, a libertação do azeite extra traria inevitavelmente lucros ilegítimos, que era mister evitar, e, para lá disso, revestia-se ainda de certas dificuldades técnicas.
Basta considerar que o azeite extra -azeite até l grau de acidez- se pode obter lotando azeites de diversas graduações que, ponderadas, não excedem aquele limite.
Como se poderia pôr em prática, desde o produtor, um tal sistema, quando os preços variam por décima e o mesmo azeite pode, quando lotado convenientemente, vir a cair em qualidades diferentes ? Mas há mais.
A existência de uma qualidade de azeite isento da obrigatoriedade da mistura levantaria outros problemas de difícil, se não impossível, solução satisfatória. Cairíamos dentro do que é costume designar por «mercados paralelos», solução que só é adoptável para produtos fácil e rapidamente diferençáveis, quando as quantidades ou o nível de preços permitem estabelecer um ajustamento entre a oferta e a procura.
Ora nenhumas dessas condições se verifica neste caso. Nem as quantidades disponíveis bastavam nem a mecânica consentia a solução, e, por sobre tudo, a dificuldade de destrinça, aliada à circunstância de a mistura com óleo sem gergelim só ser reconhecida a partir de certa percentagem deste no azeite, levaria à fraude corrente, inevitável.
O problema seria, afinal, o de legalizar o «mercado negro» por processo que não satisfaria nem as conveniências do consumidor, sujeito a ludíbrio constante, nem respeitaria a moderação e legitimidade dos lucros dos intermediários.

O Sr. Furtado de Mendonça: - Creio que a libertação não viria influir de uma forma tão decisiva. De resto, julgo que a colheita não é tão escassa como se diz.
Quanto ao aspecto da fraude, também me parece que poderia ser evitada se o azeite fosse vendido devidamente engarrafado, selado e sob responsabilidade do respectivo produtor.
Entendi que devia fazer aquela observação, pois desejei ouvir a resposta de V. Ex.ª, para que ela ficasse devidamente registada.

O Orador:-Onde chegaríamos por esse caminho ... Não foi a escassez da colheita que, como disse e repito, determinou os termos e a oportunidade da medida, mas outrossim a irregularidade da comercialização do azeite.
Para lá disso, onde acabariam as consequências de o produtor poder vender directamente ao público azeite engarrafado ou enlatado, dentro de que condições lhe valeria a pena, em período transitório, proceder a essa operação e como poderia executá-la?
Como se limitaria o número dos que viessem a utilizar este processo e como se remediariam os inconvenientes

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dos lucros consentidos a uns, em contraste com os preços impostos aos outros?
A que preços ficaria este azeite? Tenho de concluir que a solução era, não só técnica e praticamente inaplicável, como mais complexa (complexa e cara) do que o «mercado negro» !
Aliás, o auto-abastecimento, generalizado pelas mil e uma circunstancias que a livre circulação do azeite consente, é, seguramente, solução mais positiva, mais simples e ... mais barata.
E concluo as minhas considerações. Lamento que tivesse sido necessário tomar a medida, pois percebo bem a sensibilidade e a reacção do Pais perante a solução adoptada, compreendo alguns dos seus remoques, algumas das suas queixas, mas sinto que não havia outro caminho a seguir, que não havia outra alternativa, pois, de entre todas, a solução era indiscutivelmente a menos má, aquela que menos inconvenientes trazia, melhor assegurava as necessidades do abastecimento e mais limitava as especulações e ganâncias.
Creio não ser preciso, para a justificar, mais do que o apontamento que fiz.
Creio não ser preciso, para a defender, afirmar que o óleo melhora o azeite, facto que não é exacto, pois a adição de óleo não faz de um azeite mau um bom azeite, podendo, quando muito, reduzir a acidez do azeite graduado.
Creio não ser preciso, para sustentar a necessidade da medida, afirmar que a mistura não acarreta quaisquer inconvenientes para os nossos gostos, hábitos e preferências ou invocar o exemplo de usos e costumes de países que, neste particular, não são comparáveis ao nosso, porquanto a sua culinária se baseia na manteiga, e. não em qualquer óleo, porque essas dificuldades ou contrariedades são o mal menor. São o preço que alguns têm de pagar pelas conveniências de todos; são o sacrifício imposto pelo interesse do abastecimento público.
Lamentemos, pois, que as circunstâncias tenham determinado uma solução como a adoptada, mas reconheçamos que não havia outro caminho que, simultaneamente, satisfizesse as necessidades do abastecimento público, assegurando que o azeite pudesse chegar a todos, e as preferências de cada um, que, mesmo quando inteiramente respeitáveis, não podem sobrepor-se às conveniências de todos.
Lamentemos com o Governo o facto de ter sido necessário recorrer a uma solução como a adoptada, mas reconheçamos que o Governo foi corajosamente por este caminho porque não havia outro, pois sem ordenar a mistura de 50 por cento de óleo no azeite não tinha, naquela emergência, modo de assegurar o abastecimento do País, garantindo o azeite -gordura fundamental na nossa alimentação - a todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome de alguns Srs. Deputados e no meu, enviar para a Mesa a seguinte

Moção

«A Assembleia Nacional, findo o debate do aviso prévio sobre o abastecimento oleícola do País:

Considerando que a escassa colheita da última safra oleícola não permite ocorrer ao regalar abastecimento do País só com azeite de produção nacional ; que não é possível recorrer, para o efeito, à importação, e que, em defesa da olivicultura nacional, deveria evitar-se a generalização do consumo de óleo de amendoim: julga justificada a imposição do consumo obrigatório da mistura, em partes iguais, de óleo de amendoim e azeite. Emite, contudo, o voto de que se tomem todas as providências para manter o regular abastecimento do País e para que seja proibida a mistura logo que se torne possível o regresso ao abastecimento normal com azeite.

Sala das Sessões, 24 de Abril de 1956. - Os Deputados : Francisco de Mello Machado - António Abrantes Tavares - João Cerveira Pinto - Carlos Monteiro do Amaral Netto- António de Almeida.-».

O Sr. Presidente:-Considero encerrado o debate. Vai ser posta à votação a moção que acaba de ser lida.

Submetida à rotação, foi aprovada por unanimidade.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Como VV. Ex.as sabem, é esta a última sessão deste período legislativo, já prorrogado. E como há alguns diplomas que estão ainda pendentes dos trabalhos da Comissão de Legislação e Redacção, parece que há absoluta necessidade de que se lhe dó aquele bill de confiança que lhe é indispensável.
Suponho que estará na mente de todos os Srs. Deputados dar a esta Comissão a autorização indispensável para proceder à última redacção dos diplomas já aprovados pela Assembleia. Considero as manifestações da Camará como aprovação plena da minha sugestão.
Queria dirigir aos Srs. Deputados algumas palavras, ao encerrar esta última sessão, se não previsse que, dentro de relativamente pouco tempo, teremos de recomeçar os nossos trabalhos. Limito-me, portanto, a apresentar a VV. Ex.as os meus sinceros e respeitosos cumprimentos de despedida.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e l5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
Carlos Mantero Belard.
Henrique dos Santos Tenreiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão.

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
António Camacho Teixeira de Sonsa.

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António Carlos Borges.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azeredo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid doa Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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