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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 165
ANO DE 1956 13 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 165, EM 12 DE JULHO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.» 163.
Enviado» pela Presidência do Conselho, foram recebidos na Mesa, para o cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 140 e 141 do Diário do Governo, inserindo os Decretos-Leis n.ºs 40 673, 40 674 e 40 675.
O Sr. Presidente submeteu à rotação da Câmara o levantamento da suspensão das imunidades parlamentares ao Sr. Deputado Sebastião Ramires.
Feita a rotação, foi aprovado o referido levantamento, pelo que aquele Sr. Deputado regressou ao pleno exercido das suas atribuições parlamentares.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Augusto Cancella de Abreu e Daniel Barbosa, que se referiram a um recente comunicado político publicado no imprensa diária, e Augusto Simões, sobre problemas da vitivinicultura nacional.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei n.º 37, sobre instituição das corporações.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Henrique Tenreiro Cerveira Pinto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
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Gados de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 163.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estuo na Mesa os n.ºs 140 e 141 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 6 e 7 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 673, 40 674 e 40 675.
Pausa.
O Sr. Presidente : - Certamente a Câmara se recorda de terem sido suspensas as imunidade» parlamentares ao Sr. Deputado Sebastião Ramires, em virtude de ter sido pedida a sua comparência em juízo para responder por delito de acidente de viação.
Como, porém, sou informado de que o julgamento foi adiado para 18 de Dezembro próximo, parece consequentemente não haver necessidade de manter aquela suspensão. Submeto à votação da Assembleia se deve manter-se a suspensão das imunidades parlamentares ao referido Sr. Deputado ou se se deve levantar essa suspensão.
Submetido à votação, foi aprovado o levantamento da suspensão das referidas imunidades.
O Sr. Presidente: - Em face da votação fica o Sr. Deputado Sebastião Ramires no pleno exercício das suas atribuições parlamentares e no gozo das suas imunidades.
O Sr. Presidente : - Tem n palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu : - Não tencionava, Sr. Presidente, u sua- ainda, da palavra nesta sessão extraordinária da Assembleia Nacional, s muito menos, por várias razões, sobre assunto relacionado, de longe ou de perto, com o recente Congresso da União Nacional - com n conteúdo dos seus trabalhos, com as conclusões que os resumem, com a sequência ou seguimento que esses trabalhos ou essas conclusões devem ter. Isto embora esse Congresso merecesse, de facto, as honras de qualquer referência no seio desta Assembleia.
Com efeito, esse Congresso agitou a vida política da Nação interessou a cerca de dois mil e setecentos congressistas que nele tomaram parte activa e, certamente, a muitos milhares de pessoas que, pelo País fora, acompanharam os trabalhos do Congresso e estudam as suas conclusões.
Mesmo que não fosse senão nos discursos proferidos nos sessões plenárias, por personalidades do mais alto valor, foram produzidas durante esse Congresso afirmações do maior alcance político, económico, moral e cultural. E o Presidente Salazar proferiu, na sessão inaugural, mas um dos seus notabilíssimos discursos, de transcendente significado nacional e internacional.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Afinal, contra esse meu propósito, pedi hoje a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente. E que os nossos adversários entenderam, eles, dar relevo ao IV Congresso da União Nacional. A estabelecer esse paradoxo - é claro que só aparente o paradoxo - surgiu na imprensa diária uma, representação dirigida ao Chefe do Estado e assinada pelos nomes já muito conhecidos dos nossos permanentes e incansáveis opositores, representação em que, de facto, se valoriza o trabalho do recente Congresso que a União Nacional promoveu!
A União Nacional tem de agradecer o facto; mas registo, mais uma vez, a condenável intenção.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
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O Orador: - São na verdade valorizadoras citas palavras textuais:
Facto proeminente da vida política portuguesa foi o recente Congresso da União Nacional, dado que conduziu u que tivesse projecção pública o tratamento de problemas de cimeira importância e dado que, através de certos discursos de congressistas altamente responsáveis na Administra-lo, da discussão das numerosas teses e, por fim, das conclusões votadas, pôde surgir com ele - para olhos perscrutadores - todo o panorama do estado actual do País, do económico ao social, do cultural ao político, numa represento cão viva e impressionante.
... ter em consideração estes múltiplos aspectos do acto que vem de realizar-se parece ser dever cívico de quantos consagram à causa pública atenção e trabalho.
Adiante os signatários reconhecem que se lhes impôs esse dever; e declaram que lhes determinou sempre satisfação o facto de «ver tratados com elevação e competência alguns dos mais importantes temas nacionais».
Outro período:
Vários destes (portugueses) -fala-se em dois milhares - acabam de trazer à nossa vida política, numa atitude merecedora do maior apreço, o contributo do seu estudo e a prova do seu - interesse frente aos problemas nacionais.
Mas de mistura ou em seguimento destas palavras outras, e numerosas, denunciam, além de irritação pela prova dada da vitalidade da Revolução, a ideia ou o propósito de sempre: a deturpação de intenções, o objectivo dissolvente e desagregador, a estafada insistência pela livre expansão da opinião - de uma opinião que não é opinião pública, mas apenas a opinião que os signatários advogam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É certo que a União Nacional não pode alegar poderes monopolizantes para interpretar e manifestar as necessidades e os anseios de todo o «povo português», no que respeita aos problemas básicos de interesse geral.
Mas sabe, sabemos todos, o que significam e a que conduzem os «outros depoimentos» que os signatários da representação pretendem tornar mais conhecidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que perturbaria inevitavelmente a paz interna, a «paz dos espíritos» -de que pretendem, talvez humorìsticamente, ser paladinos-, seria, precisamente, permitir o regresso à livre discussão facciosa dos princípios fundamentais cuja execução tem redimido o País e dos melindrosos problemas em que assenta a prodigiosa recuperação política, económica e social de que a Nação tem tão largamente beneficiado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fora do pretenso «monopólio» - que, aliás, a União Nacional se não arroga, até porque fora das suas fileiras há muitas inteligências e muitas vontades com idêntico pensar e idênticos propósitos-, mas do imenso e patriótico «monopólio» de ideias e propósitos construtivos, de que a União Nacional pode realmente ser intérprete, fora do âmbito desse «monopólio» só ficam aqueles políticos saudosistas do regime que levou a Nação ao desalento e à ruína e o Estado à desordem e ao descrédito.
Apoiados gerais.
Quando discordaram de actuações, quando criticaram vivamente desusa e imperfeições, quando manifestaram insatisfação, os congressistas da União Nacional fizeram-no, de facto, em inteira liberdade, entregues à lealdade do seu domínio próprio; é porque esses congressistas respeitavam sempre, acima de tudo. os princípios fundamentais; os seus propósitos não eram demolidores, mas visavam o aperfeiçoamento do actual sistema político: as suas intervenções e comentários eram construtivos, tendentes à plena satisfação dos objectivos puros e completos da doutrina política. que todos professam.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A discussão entabulada, a vivacidade dos debates, a formulação das opiniões em nada se pareceram com as que caracterizariam as assembleias ou comícios que os nossos opositores preconizam, paru inadmissível retrocesso a fórmulas e sistemas que deram já entre nós as suas provas e que são de tão triste memória.
Apoiados gerais.
Sr. Presidente: abstraio de apreciar as opiniões emitidas na representação a que me refiro sobre sufrágio orgânico e sufrágio universal, tanto mais que se pretende deturpar uma das conclusões do Congresso, quando nela fé alude, a uma tendência e a um lógico caminhar progressivo no sentido daquele sufrágio orgânico e a representação a comenta como precipitada e inconveniente indicação para uma realização imediata.
Também não me deterei a sublinhar a falta de autoridade moral desses partidários da velha política demo-liberal ao fazerem ressaltar, jubilosamente, algumas críticas u situação económica do País e ao nível de vida de parta da população.
O Sr. Daniel Barbosa : - Sr. Presidente : peço a palavra.
O Orador: - Traduzem eles essas críticas como denunciantes de a inferioridade» e «atraso»; eles que não querem reconhecer, por mais que aos olhos lhes salte, toda a evolução, todo o progresso económico e social que o País tem vivido desde 1920; eles, cujo desacreditado sistema político a prevalecer desde então não teria feito senão agravar, até às últimas e desastrosas consequências, a vida económica, a vida social da Nação e o «bem-estar humano» a que aludem!
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Somos nós os primeiros - e com desassombro tal se evidenciou no Congresso - a manifestar insatisfação pelos resultados já alcançados. Mas o que for preciso corrigir e o que falta realizar é a nossa. política a mais apta a fazê-lo; em paz e tranquilidade internas; no sereno desenvolvimento do estudo e do ira bailio das competências ; na evolução lógica e coerente de princípios e de processos; no respeito de nós próprios e no respeito prestigiante dos estranhos. A nossa euforia, como dizem, não é só pela obra realizada! É também pela consciente certeza de podermos fazer mais e melhor!
Vozes : - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Não há que requerer a «generalização do debate» para tora dos âmbitos e para além dos processos que estes trinta anos de vida nacional já consagraram; para o âmbito e para os processos que, se não fora a reacção do 28 de Maio de 1926 teriam sacrificado Portugal, definitiva e irremediàvelmente, no quadro das aia voes livres e dignas.
Há muito que fazer ainda, Sr. Presidente. Prossigamos, pois!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: disse o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu que não fazia tenção de usar aqui da palavra para se referir ao Congresso da União Nacional; muito menos eu poderia pensar que teria de solicitar de V. Ex.a a palavra para algumas considerações que, em consequência desse Congresso, a representação por S. Ex.a referida me obrigou a pedir.
Faço-o, assim, sem qualquer preparo, sem o mais ligeiro apontamento escrito, naquela preocupação de unicamente deixar bem definida unia posição que, de certa forma, a transcrição duma frase que proferi naquele Congresso poderia comprometer.
Não nego que, na tese que defendi, critiquei de certo modo o Governo, no desejo de ver caminhar por novos rumos e de forma mais entusiasta e mais segura a solução de problemas económicos que são vitais para o País.
Fi-lo, porém, na confiança clara e expressamente confessada de que não faltavam ao regime vigente possibilidades e meios de realizar obra de tanta monta, sem ter necessidade de aventuras ou regressos capazes de nos prejudicarem; e fi-lo também no pleno à-vontade de quem foi levar uma critica, que procurou construtiva, a um congresso político de cuja realização foi responsável um organismo ao qual nem sequer pertence.
Fi-lo, portanto, como um português, entre muitos, que desejou dizer francamente o que pensava num meio onde - devo reconhecê-lo - ninguém procurou, de qualquer modo, impedir-lhe que o fizesse.
Porque deparo agora com uma frase minha, solta, a ajudar a tirar conclusões que não pretendo discutir aqui, entendi de meu dever juntar-lhe umas curtas palavras, pela atenção que devo a esta Câmara como representante da Nação: a crítica que fiz apoiou-se sempre na convicção em que me encontro de que se impõe avançar com entusiasmo e nunca estagnar no comodismo ou na indiferença; se me perguntarem, portanto, quais as condições que reputo indispensáveis para solucionar de vez certos problemas económico-sociais que nos preocupam direi que elas residem fundamentalmente no reforço do espírito, aqui e além adormecido, que impulsionou a Revolução Nacional.
O mesmo é dizer, portanto, que consideraria como condição capaz de comprometer essa solução definitivamente um retrocesso ao passado, àquele estado caótico da política de que o Exercito em boa hora nos salvou em 1926 e que o Sr. Presidente do Conselho soube substituir, para bem de todos nós, por uma estruturação doutrinária e administrativa que foi salvadora do País e que possui ainda tudo quanto é preciso para o lançar no caminho que mais convém a Portugal e aos Portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: -Sr. Presidente: as oportunas palavras do Sr. Deputado António Rodrigues, proferidas com o verdadeiro sentido do seu inteiro cabimento na sessão realizada no passado dia 29 de Junho, focando, uma vez mais, alguns aspectos dos momentosos problemas da vitivinicultura nacional, merecem o meu mais decidido apoio, porque exprimem verdades a que, de forma alguma, pode deixar de atender o Governo da Nação.
Problemas importantíssimos, tocando o mais vasto interesse nacional, não são eles no entanto sentidos em todas as latitudes do Pais com a mesma intensidade.
Interferindo muito sensivelmente no condicionamento económico da vida local, eles andam dependentes dum grande conjunto de circunstâncias que variam muito de região para região, pelo que, parece-me, não pode negar-se-lhes a força de deverem condicionar as soluções que se entenda tomar para salvaguarda desse alto interesse nacional que tanto os ilumina.
Não pretendo, Sr. Presidente, reeditar agora o largo somatório de razões e de avisados raciocínios aqui largamente apresentados a propósito do aviso prévio oportuna e magistralmente efectivado pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu, mas não posso deixar de, ao apoiar as palavras do Sr. Deputado António Rodrigues, relembrar que entre as muitas e muito variadas soluções aqui então apresentadas, e que ficaram como outros tantos caminhos por que se poderia e talvez devesse seguir para debelar ou mitigar a tão falada crise da vitivinicultura nacional, se não alinha a de, indiscriminadamente, mandar proceder ao revigoramento da acção das brigadas de fiscalização do plantio da vinha por esse País fora, para se obter um drástico arrancamento das cepas, que elas classificam, segundo o seu critério, de coisas a mais no solo nacional, já que a ninguém é possível mante-las pagando as taxas progressivas com que a lei comina a sua posse.
Essa acção lembra muito a ferocíssima degola dos inocentes que a história nos narra e que, ao fim e ao cabo, só cimentou ódios e rancores sem, de qualquer maneira, atingir o seu objectivo.
Sabe-se, e está firmemente radicado esse conhecimento, que as condições de vida e o teor económico das regiões latifundiárias são totalmente distintos daqueles que governam onde o minifúndio impera.
Ali o proprietário extrai da terra uma suficiente e larga remuneração, que lhe advém ou do cultivo que outros fazem, isto é da renda, ou da larga produção que ela lhe oferece.
O proprietário, porque domina vastas regiões, dispõe das defesas múltiplas que elas lhe fornecem e que, normalmente, lhe permitem vida quase isenta de preocupações e ato afastada da canseira quotidiana imposta pelo granjeio efectivo das terras que possui, quer pela cultura arvense, quer por quaisquer outras fontes de larga exploração agro pecuária, nas suas maiores dimensões.
A propriedade dessas grandes extensões territoriais permite culturas e lavouras racionalmente empreendidas, já que não é problema a falta de espaço vital, e possibilita culturas diferenciadas, que são geralmente muito menos trabalhosas e muito mais remuneradoras.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.as tem a noção da gratuitidade do que está a dizer: na opinião de muitas pessoas conhecedoras das regiões a cuja vida
económico-agrícola V. Ex.a se tem estado a referir as afirmações de V. Ex.a andam muito longe das realidades conhecidas.
O Orador:-Suponho que não; mas, dando de barato que andem, o facto não invalida os raciocínios que vou fazer.
O Sr. Amaral Neto: - Mas invalida o conteúdo das suas afirmações.
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O Orador: - Continuo a supor que não, como V. Ex.ª verá. A vinha ou o montado, por exemplo, cobrem ou podem cobrir áreas extensas de largos quilómetros sem que o facto cause qualquer perturbação na economia do proprietário, que, certamente, ainda deixará por cultivar apreciáveis superfícies.
Na região minifundiária as coisas passam-se de forma totalmente diversa.
Como cada um dispõe de pequenos retalhos de solo arável, a essas parcelas, courelas, veigas ou talhões, como são em geral conhecidas as porções possuídas e tão carinhosamente defendidas e tratadas pelos seus proprietários, exige-se uma sacrificada policultura, que não permite descansos ou desaproveitamentos.
Não há lugar para as grandes vinhas quando a videira é cultivada porque, antes e acima do vinho, é preciso cuidar dos cereais, que fornecem o pão, cujo teor de indispensabilidade é muito maior.
A videira ocupa, assim, ou área pequeníssima na terra de bom húmus, sendo nela inserida quase exclusivamente em bordaduras com que se estremam os domínios, ou ainda na encosta, onde o cereal não produziria, e naquela pobre mancha mais escalvada donde operosamente se removeram muitas camadas de pedra, conquistando, assim, esforçadamente, mais uns palmos de terra para cultivar.
É que no minifúndio, para a manutenção das famílias fixadas, toda a produção tem alta importância, não havendo, portanto, margem para qualquer desperdício.
O suposto equilíbrio económico familiar, quando existe, o que é muito raro, ou pelo menos o teor remediado de vida, que não sendo, de forma alguma, de abastança também não é de indigência, sofre abalo fortíssimo quando qualquer dos elementos com que se tem de contar reiteram em falhar na sua missão específica.
Tornam-se as condições de vida incomportáveis e as famílias ou muitos dos seus membros mais válidos são então irresistivelmente encaminhados para a emigração sistemática, deixando a terra desguarnecida do esforço valioso de muitos braços. A fuga às duras labutas da terra encontra forte incentivo.
Ora, não parece que seja de alguma conveniência para o engrandecimento geral criar para a penosa e sacrificada lavoura minifundiária um sistema em que se avolumem as suas dificuldades seculares, filhas dilectas dum rotineirismo trágico que é verdadeira servidão à gleba.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque do seu esforço ingente, mesmo nesse clima de tanta subserviência a métodos ultrapassados, vivem largos milhares de almas da nossa grei.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, sendo assim, mal se compreende a orientação indicada e seguida na fiscalização do plantio da vinha, que, na forma recrudescida do seu temível exercício, desconhece inteiramente as mais fortes realidades económicas das grandes áreas minifundiárias do Pais, onde comandam e dominam princípios que a ninguém é licito desconhecer e menosprezar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É em defesa desses princípios, Sr. Presidente, que a minha voz se ergue também nesta Casa, pedindo o estudo conveniente das situações peculiares das várias regiões do País.
Informaram-me do que a França, há precisamente vinte anos, pretendeu debelar a crise da sua produção vinícola impondo drásticas medidas de arranque de videiras e, nada tendo conseguido, sub-rogou à violência métodos mais compreensivos e inteligentes.
Devem conhecer as circunstâncias de tais medidas os nossos serviços oficiais responsáveis, como também não devem ignorar os resultados antieconómicos e contraproducentes a que no estrangeiro se chegou e a orientação racional que foi seguida.
Se lhes não é lícito o desconhecimento dessas soluções, dado que as viagens de estudo ao estrangeiro são constantes, porque não procuram os nossos técnicos adaptá-las à peculiaridade do nosso viver, por forma a evitar tantos e tão justos queixumes contra um sistema que, semelhante à teia de aranha, se prende os mosquitos, não segura qualquer leão, como conceituava o insigne padre António Vieira para hipóteses semelhantes?
Sr. Presidente: é altamente elucidativo o relatório do Decreto-Lei n.º 38 025, de 1951, sobre as condições gerais do plantio da vinha.
Ali se escreveu que, tendo de haver um condicionamento para evitar os prejuízos de ordem económica e social determinados por uma desordenada plantação de videiras, pretende-se, no entanto, que a intervenção do Estado não vá além do que seja necessariamente exigido para assegurar o bem comum das actividades interessadas e o bem comum nacional, acrescentando-se que sesta mesma regra deverá presidir à acção dos serviços aos quais cumpre evitar restrições e impedimentos desnecessários à realização do fim da lei».
Tais propósitos deixavam apreciável margem de segurança e parece que impunham consciencioso desenvolvimento dos seus postulados na regulamentação legal.
E, havendo-se permitido expressamente a legalização de plantações efectuadas anteriormente à vigência deste decreto-lei, que tem a data de 23 de Novembro de 1951, implicitamente se reconheceu que as vinhas existentes nessa data não causavam perturbações na economia vitivinícola nacional, pouco importando o prazo em que a legalização houvesse de ser pedida.
A mesma razão ainda hoje é de invocar, uma vez que não foi invalidada em nenhum diploma legal, nomeadamente no Decreto n.º 40 037, de 18 de Janeiro de 1955, diploma com que se travou o sistema do mencionado Decreto-Lei n.º 38 525, e com base nela conceder-se a compreensível medida de salvação para as videiras que tal providência legislativa visava.
Há também para considerar a situação dos concelhos cuja propriedade rústica foi ou está a ser objecto de novas avaliações por parte de agentes nomeados pelo Ministério das Finanças.
Há alguns casos chocantes de propriedades assim avaliadas em 1950, 1951 e 1952 em que foram contadas as videiras nelas existentes, muitas das quais com plantação recente, tendo influído decisivamente na fixação do rendimento tributável e atingido, portanto, situação de estabilidade, que se pretende agora mandar arrancar por falta formal de legislação.
Não me parece que tais problemas possam resolver-se com essa dolorosa e desejada imposição de «mortandade», porque a legalização das videiras nas condições referidas já ficou tacitamente operada quando os agentes do Estado com elas se depararam nas terras que tiveram de avaliar para lhes fixarem os rendimentos passíveis da contribuição predial, e a todas contaram sem curarem de saber se sim ou não as videiras existentes tinham vida documentada.
Agora, só me parece lícito reconhecer a sua formal legalização e cobrar as taxas respectivas, retornando ao sistema do Decreto-Lei n.º 38 525.
A não se proceder assim teria o próprio Estado de reconhecer a sua clara culpabilidade e a imperfeição de alguns dos seus serviços e de suportar os pesadíssimos
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encargos de novas avaliações para que nos rendimentos lixados a propriedade com videiras se laçam todas as destrinças, até ser possível encontrar um rendimento imune da influência das videiras criminosas ... Essa solução de banimento é, porém, totalmente inaceitável, dado o seu carácter antieconómico e destruidor. Há que rever totalmente o sistema que lhe podia dar guarida legal.
Sr. Presidente: se para além destas facetas do problema básico que deixo indicadas outras de gravidade muito maior se oferecem a conscienciosa observação do Governo, não posso acreditar que se persista na aplicação do sistema legal que as possibilita, condicionando um desolado panorama de insatisfação.
Não pode deixar de ter-se em conta que as soluções de puro conteúdo económico que têm sido dadas aos problemas vitivinícolas, se talvez encontrem justificação e cabimento nos domínios da propriedade latifundiária, tornando aceitável a imposição do arranque de milhares de pés de videira, de plantação desordenada, àqueles que ainda ficam com outros largos milhares de cepas ao serviço dos seus importantíssimos rendimentos - dando de barato que a política do arranque das vinhas é panaceia maravilhosa -, na vasta zona minifundiária essas soluções, só económicas, pecam por ofenderem gravemente os aspectos humanos e profundamente sociais que o problema ali apresenta, com predominância sobre o seu timbre económico.
O Sr. Pinho Brandão: - Mas é necessário que sejam cortadas as videiras dos lavradores que apenas produzem vinho para consumo próprio, para que esses pequenos lavradores se vejam na necessidade de comprar o vinho para o seu consumo aos grandes viticultores!
O Orador: - A política de arranque priva as economias débeis ou debilitadas dum rendimento que não podem dispensar e abala profundamente os sentimentos de devotado amor à terra, que muito importa fortalecer e incrementar.
Então, Sr. Presidente, esses aspectos importantíssimos em que tanto só pensa em nossos dias e sob cujo império justamente só obrigam a viver tantas iniciativas comandam no sentido de se procurarem outras e mais ajustadas soluções para os problemas da vitivinicultura nacional, donde ressalto o respeito pelo esforço ingente e sempre renovado dos braços daqueles muitos que, desde o nascer ao pôr do Sol, regam com o suor das suas sacrificadas frontes a terra para que ela igualmente se renove no milagre bendito da sua criação.
Já aqui se pediu para toda essa boa gente a paz e a compreensão; a imprensa tem seguido carinhosamente as suas inquietações e em primorosos artigos os jornais O Século e Noridades, sempre atentos aos grandes problemas nacionais, alegaram valorosamente a favor da necessidade de serem editadas justas medidas de equilibrado conteúdo nestes graves problemas da vinha e do vinho.
Cumprindo o meu dever, Sr. Presidente, pretendo relembrar ao Governo que é efectivamente oportuno e imperiosamente necessário fazer a total revisão destes problemas e, por via dessa revisão, criar um sistema coerente com os primados de justiça da Revolução Nacional.
O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença para um aditamento?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Almeida Garrett: - O decreto sobre o plantio da vinha é dos fins de Novembro e o prazo para requerer a legalização terminava no dia 31 de Dezembro.
É claro que no espaço de umas semanas tal concessão não podia chegar ao conhecimento dos pequenos lavradores do Norte e Centro do Pais. Tardiamente tiveram dela conhecimento e directamente ou por intermédio dos grémios da lavoura requereram.
Passaram-se dois e três anos antes que fossem despachados os seus requerimentos, decerto por se julgarem justos os pedidos; mas afinal veio o indeferimento. Por ele quer agora exigir-se o arrancamento das vinhas que à data estavam plantadas e que pelo sou volume nada pesam na produção nacional, mas que valem muito para a pobre gente que nelas tem uma parcela da sua magra economia.
Se não se atender este caso, se pelo Ministério da Economia não for publicado um diploma que evite esse injusto arrancamento, ter-se-á cometido uma grave injustiça, e não é com factos dessa natureza que se conquista o amor pelo Estado Novo e o respeito pelos governantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Conheço perfeitamente a faceta da dificuldade tão magistralmente referida por V. Ex.ª, que está implícita nas minhas considerações; espero e creio, porém, numa solução com resoluções justas e prontas, para bem dos princípios que defendemos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta, de lei sobre a instituição das corporações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ao iniciar a minha intervenção no debate sobre a proposta de lei em discussão, entendo dever dizer umas palavras a respeito do relatório da proposta, do parecer da Câmara Corporativa e das declarações de voto que o acompanham.
São peças notáveis que hão-de deixar em quem as ler uma impressão forte; que me deixaram a mim, que as estudei, numa atitude de admiração que se não desvanecerá.
O relatório desenvolve as razões que determinaram as soluções da proposta, sem dogmatismos que inculquem como definitivas estas soluções e apresentando-as antes como pontos de partida cuja evolução será orientada pela experiência. Marca a atitude de quem, tendo fé na doutrina corporativa, não deixa de estremecer diante das dificuldades que suscitam os problemas da organização dos elementos que hão-de realizá-la e fazê-la viver. É prudente e busca um regime bastante elástico para, permitindo-lhe dirigir-se ao fim, não prender demasiado quem tiver de realizá-lo a algum dos vários caminhos que lá podem conduzir.
O parecer é um trabalho magistral que denuncia no seu autor um conhecimento profundo do sistema corporativo, dos sistemas corporativos, e não só destes, mas dos que se lhes opõem como formas de organização da Nação ou como fundamentos da organização do Estado. Altamente esclarecedor pelo que contém, pelo que sugere e pelo modo como aguça, a ris crítica de quem procura tornar-lhe o ensinamento. Vê-se que quem o
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escreveu tem fé no corporativismo, mas, estudioso apaixonado, quer mostrar que a sua fé não é cega; é, segundo a, fórmula teológica, um «obséquio racional». E então procura, mover-se, nos seus desenvolvimentos, sobre terreno estritamente científico, demonstrando os princípios de que parte e deduzindo lògicamente as soluções a que chega. Sente-se a sua contrariedade quando a Câmara, guiada por outras lógicas ou atraída por soluções praticais, o obriga a inflectir no rigor do seu pensamento lógico. Esplêndido trabalho!
As declarações de voto são todas muito elucidativas quanto aos problemas que versam. Seja-me permitido que destaque uma - a do Doutor Afonso Queiró -, porque versa todos os problemas fundamentais que a proposta e o parecer suscitam e, na sua concisão cheia de elegância, é batida de uma luminosidade enleante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podem discutir-se as soluções que propugna; mas não pode deixar de reconhecer-se que não talhadas em aresta viva, capaz de magoar quem se aproximar delas, para as rebater, sem preparação conveniente.
Posto isto, que era devido, entremos ao debato.
Sr. Presidente: tem-se dito - eu mesmo o tenho afirmado muitas vezes incidentalmente e, pelo menos uma vez, no prolongamento da matéria que tratava - que o nosso corporativismo é «de associação».
Agora que a nossa organização corporativa vai ser completada pode perguntar-se se, nos termos em que se prevê o coroamento da organização, pode continuar a dizer-se que o nosso corporativismo é de associação.
Por mim declaro que, ao afirmar que o nosso corporativismo é de associação, a única coisa que pretendi afirmar é que não é corporativismo de Estado. Nunca pensei em definir com precisão o que é corporativismo de associação nem em determinar se o nosso se adapta ao conceito que daquele for dado. As questões de saber se para haver corporativismo de associação é indispensável a livre iniciativa na constituição dos organismos que o estruturam ou a liberdade de inscrição nesses organismos ou a sua absoluta autodeterminação nunca me preocuparam. O problema que sempre tive diante dos olhos foi este: é o nosso corporativismo de Estado ou não? Concluindo que não era de Estado chamei-lhe de associação, sem ligar â fórmula senão um significado de oposição a corporativismo de Estado.
E não me parece que outro pudesse ser o pensamento de todos aqueles que têm falado do nosso corporativismo como sendo de associação. Não é, na verdade, de admitir que dele tivessem uma ideia inarmónica com o nosso texto constitucional.
Ora, segundo este texto - artigo 16.º da Constituição - «incumbe ao Estado autorizar, salvo disposições da lei em contrário, todos os organismos corporativos, morais, culturais ou económicos e promover e auxiliar a sua formação»; e nos artigos 30.º e 31.º da mesma Constituição lê-se: «o Estado regulará as relações da economia nacional com a dos outros países» ... e «o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social» ...
Creio serem estas disposições suficientes para mostrar a existência, na nossa ordem constitucional, pelo menos, de inflexões aos princípios de livre iniciativa na constituição dos organismos corporativos e de completa autodeterminação.
E são também suficientes para mostrar que quando em Portugal se fala de corporativismo de associação, se alude a um conceito lato que não tem nada que ver com noções de escola ou com orientações classificadas.
Para nós, quando falamos de corporativismo de associação, esse conceito lato exprime-se assim: é o que não é de Estado.
Neste conceito negativo lia um conteúdo positivo. Vamos procurar aproximar-nos da sua determinação. Para isso tentemos definir o que deve entender-se por corporativismo de Estado. É aquele em que as corporações são órgãos puros da administração de Estado. Não desejo que este conceito exprima mais do que uma primeira aproximação que carece de ser esclarecida. Para a esclarecer o melhor é creio, desenhar a traços largos a experiência italiana. Fui na Itália que o corporativismo de Estado chegou a estruturar-se em linhas bastante bem definidas.
A própria concepção do Estado fascista não se adaptava à ideia dum corporativismo com maior ou menor autonomia. Um Estado totalitário absorve, por definição, todas as actividade, que no seu seio se desenvolvam: absorve, ou comanda.
O Estado italiano começou por absorver as corporações, fazendo delas puros órgãos da administração, e depois compôs com elas um dos seus órgãos constitucionais: a Câmara dos Fáscios e das Corporações.
Eis o corporativismo de Estado.
Parece-se com este o corporativismo da proposta em discussão? Creio que basta formular a pergunta para logo se concluir, conhecendo a proposta, que não.
Na proposta deixa-se autonomia às corporações dentro daquilo que deve constituir o domínio da sua competência e recusa-se-lhe quanto ao que estiver fora desse domínio por dever pertencer ao do Estado. O que se disser adiante e o desenvolvimento de toda a discussão esclarecerão o que acaba de dizer-se. Quero, no entanto, desde já observar que me não refiro apenas à competência que, segundo a ordem constitucional vigente, pode ser atribuída às corporações sem sacrifício da que pertence ao Estado, mas também à que, em qualquer ordem constitucional, é razoável atribuir-lhes.
Estava tentado a dizer que foi o facto de não ter procurado delimitar com suficiente nitidez aqueles círculos de competência - do Estado e das corporações - que arrastou a Câmara Corporativa para uma solução que ou é de corporativismo de Estado ou de corporativismo contra o Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esclareço o meu pensamento.
Sem me preocupar com as inflexões que no parecer se propõem para quebrar as consequências lógicas do sistema que se propugna, direi que neste sistema, as corporações, coroadas, pela Câmara Corporativa, têm competência soberana para regular as actividades de que representam a fórmula última de organização. Não estou a inventar para criticar.
Não esqueço as limitações, para que no parecer se aponta, à competência soberana ou completa autonomia das corporações ou, direi melhor, da organização corporativa. Não esqueço o principio da hierarquia ou subordinação dos organismo, inferiores aos superiores, nem o chamado do equilíbrio funcional, nem o da representação da parte interessada; não esqueço o princípio da fiscalização do Estado nas corporações, segundo o qual é imprescindível a presença deste no seio da corporação, senão para intervir no seu comando gestivo, para «o acompanhar de um modo total e permanente»; não esqueço que entre o articulado sugerido pela Câmara Corporativa, aparece uma disposição nestes termos: «a competência da corporação será sempre exercida sem prejuízo da orientação e coordenação superiores do Estado, nos termos da lei». Não esqueço nada dito.
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Mas também não esqueço que tudo isto ou desfigura o sistema propugnado pela Câmara Corporativa de modo a torná-lo irreconhecível ou conduz a uma interpretação do órgão que coroa o sistema, interpretação que parece de todo inaceitável.
Este órgão deve ser, conforme o parecer, a Câmara Corporativa. Esta será o órgão coordenador das corporações e, portanto, o árbitro dos conflitos que entre estas se suscitarem. E não só destes, mas dos que se suscitarem entre os interesses representados pelas corporações e o interesse geral. A Câmara Corporativa deverá, pois, ter, para além dos de mera consulta, poderes de decisão. Poderes de decisão para resolver os conflitos dos interesses representados pelas corporações e ainda os conflitos entre estes e o interesse geral. A secção da Câmara Corporativa dotada desta competência será constituída pelos representantes nela das corporações.
Desprendo-me da questão - gravíssima questão - de saber se os representantes de interesses particulares ou de sector são qualificados para definir o interesse geral e para sacrificar a este os interesses que representam.
Se não erro na interpretação que faço do parecer, teremos assim uma Câmara Corporativa que rouba à soberania do Estado as actividades organizadas corporativamente para as regular com plena autonomia ou que é ela mesma um órgão da soberania do Estado.
No primeiro caso teremos o Estado em face da corporação tal qual o Estado demo-liberal em face dos indivíduos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -- No segundo teremos puro corporativismo de Estado. Parece que a Câmara Corporativa opta pelo primeiro. Por mim, não sei qual dos dois representaria maior mal e, por isso, não tenho receio de que venha a resvalar-se para o segundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Acode-me, porém, à lembrança a Câmara dos Fáscios e das Corporações, a que poderia, entre nós, corresponder, seguindo a sugestão do que se estabelece no artigo 102.º da Constituição mais a linha do parecer, a Câmara das Autarquias Locais, dos Interesses de Ordem Administrativa e das Corporações ... Sacrificar-se-ia a Assembleia Nacional? Na Itália também se não sacrificou o Senado ...
Vê-se no artigo 102.º da Constituição:
Leu.
O Orador: - Por isso digo: assim como na Itália se foi conduzido à Câmara dos Fáscios e das Corporações, aqui, adoptando a sugestão daquela disposição, poder-se-ia ser conduzido u Câmara das Autarquias Locais, dos Interesses de Ordem Administrativa e das Corporações.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Carlos Moreira: - É só para dizer o seguinte: com a clareza habitual de V. Ex.ª não só se esclarecem os problemas, mas se suscitam outros.
Há muito que ao meu espírito pus um problema relativo à proposta em debate. Parece realmente que a transformação se faz em obediência a preceitos constitucionais vigentes; que esses preceitos constitucionais na matéria propriamente em discussão são duma época - 33 - em que, como é natural, o Mundo vivia uma certa actividade política que se traduzia numa certa influência na organização corporativa portuguesa. Inevitavelmente que alguns desses princípios, que estuo nas leis - e lembro o Estatuto do Trabalho Nacional -, estuo bem, porque nessa época se estava no princípio duma experiência com influência da doutrina estrangeira, principalmente da italiana.
Decorrido este lapso de tempo pus ao meu espírito e ponho agora a V. Ex.ª e à Câmara a seguinte questão: não teria sido preferível olhar-se a uma possibilidade de revisão constitucional que actualizasse certos princípios, sobretudo neste aspecto corporativo, de modo que permitisse caminhar sem os tropeços que damos, derivados das disposições constitucionais vigentes? Não seria preferível criar condições para um desenvolvimento do tal Estado corporativo que V. Ex.ª definiu e muito bem? Não seria a forma melhor para nos desenvolvermos agora na parte subsequente? Não seria melhor que se tivesse pensado numa revisão constitucional para depois se estabelecer então a verdadeira orgânica corporativa no sentido das aspirações e tradições nacionais?
O Orador: - Não estava a discutir esse ponto.
Invoquei há pouco a Constituição só para dizer que quem falava em corporativismo de associação, até aqui, havia, naturalmente, de ter de corporativismo de associação uma noção que fosse harmónica com o nosso sistema constitucional. E uma noção harmónica com o nosso sistema constitucional conduzia a que, ao falarmos de corporativismo de associação, se não exigiam como elementos do conceito deste corporativismo nem a iniciativa na constituição dos organismos de coordenação, nem a completa autonomia das corporações.
Eu utilizei a nossa ordem constitucional apenas para demonstrar que nós, que temos falado de corporativismo de associação, não estávamos, não podíamos estar, ligados a um certo conceito de corporativismo de associação. E não podíamos estar ligados porque devíamos pensar dentro da nossa ordem constitucional, e aí verificava-se que o princípio da autonomia completa da corporação não podia existir. Depois, em certo momento, disse que uma certa solução não era possível dentro da ordem constitucional vigente e que supunha que também não era admissível dentro de qualquer ordenamento constitucional.
Quando analisamos uma proposta podemos pôr problemas de ordem constitucional; não porque o ordenamento da lei possa contrariar as disposições vigentes da Constituição, mas para sugerir a eventual modificação destas no momento oportuno, se assim for exigido pelo regime novo que se julga dever ser instituído.
Quando citei o artigo 102.º da Constituição fi-lo para aludir à eventualidade duma modificação constitucional; quer dizer, segundo certa interpretação que suponho ser uma das possíveis do parecer da Câmara Corporativa, era necessária, para a adoptar, uma modificação da Constituição em que se admitisse a possibilidade de a Câmara Corporativa ser, além de órgão de consulta, também de decisão.
Eu sei que a Câmara Corporativa viu a dificuldade e lhe procurou uma solução. Mas não é uma solução, é, segundo creio, uma saída, a não ser que se leia «Congresso das Corporações» onde está «Câmara Corporativa».
O Sr. Carlos Moreira: - Estou de acordo com V. Ex.ª em que realmente há um escolho para a realização integral da corporação no sentido das necessidades presentes e da tradição.
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O Orador: - Não creio que seja assim. E suponho que não devia tornar-se constitucionalmente possível num Estado moderno que se desse à corporação competência normativa, subtraída ao Governo, para regular a vida económica, cultural, etc. Nunca foi assim.
Continuando: analisados, ainda que sumariamente, os problemas a que acabo de referir-me, vou agora tratar de outros que, embora considerados em bases determinadas da proposta, creio suscitarem aspectos de generalidade. Não os tratarei agora senão nos aspectos de generalidade que oferecem, deixando para a especialidade outros aspectos que, mesmo depois de tomada posição sobre os primeiros, ainda podem suscitar-se.
Começarei pelo problema do destino, em face da constituição das corporações, dos organismos de coordenação económica.
Devem acabar? Devem manter-se?
É conhecida a posição da Câmara Corporativa. Segundo ela, devem acabar, transigindo, por motivos de ordem prática, em que se mantenham até ao limite máximo de dois anos. Não pode deixar de reconhecer-se que a solução da Câmara Corporativa é perfeitamente lógica com os princípios de que parte. Pois se, uma vez constituídas e a funcionar as corporações económicas, lhes pertence regular e dirigir a economia das actividades que integram, não se compreende, na verdade, a existência, ao lado delas, dos organismos de coordenação económica, que não são senão instrumento» de que o Estado se serve para o mesmo fim a que, com prejuízo do Estado, ficam agora afectas as corporações.
Não se justifica, pois, no parecer da Câmara Corporativa, que se mantenham os organismos de coordenação económica. É esta uma pura consequência lógica do princípio de que se parte no referido parecer.
O que haveria, portanto, era que discutir esse princípio. Já acima se disse o suficiente para se mostrar que se não aceita e se apontou para as razões por que se não aceita.
Não pode recusar-se ao Estado moderno o direito e o dever de orientar e regular a vida económica.
Com afirmar ou mesmo demonstrar isto não fica, porém, resolvido o problema posto - o problema de saber se devem ou não manter-se os organismos de coordenação económica.
Aceite que o Estado é que tem competência para orientar e regular a vida económica - não se confunda vida económica com titularidade, direcção ou organização das empresas -, não fica resolvido aquele problema, porque pode sempre perguntar-se quem é qualificado para executar a orientação ou o regime fixado pelo Estado.
Serão os seus próprios serviços?
Serão organismos criados ad hoc - os organismos de coordenação económica?
Serão as corporações?
Para tentar a resposta a estas perguntas vou raciocinar sobre uma das disposições da proposta.
É na alínea d) da base IV em que se diz ser atribuição da corporação e propor ao Governo normas de observância geral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas, com vista designadamente à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social».
Quer dizer, aproveitando a parte da disposição que interessa ao nosso propósito: compete à corporação propor ou estabelecer, com assentimento do Estado, normas da intervenção na vida económica. Se tem competência para propor ou estabelecer normas de intervenção na vida económica é porque se pressupõe que, estando em contacto com ela, não pode deixar de conhecer os problemas, para resolver os quais pede sejam editadas aquelas normas. Ela não tem por si, ao menos sem o assentimento do Estado, competência para as editar, e, segundo creio, não deve tê-la; mas também creio que não pode recusar-se-lhe competência para as executar, uma vez editadas, já que as sugeriu sob a premência dos problemas que a determinaram a provocá-las.
Mas estas atribuições, que a disposições referida reconhece como da competência da corporação, e mais a execução das normas que, por virtude do exercício daquela competência, forem expedidas é que, segundo suponho, constituem a actividade essencial dos organismos de coordenação. Na medida, portanto, em que aquelas atribuições forem sendo exercidas pela corporação, e se, como é razoável, se lhe juntarem poderes de execução, vão-se esvaziando os organismos de coordenação do seu conteúdo essencial e ficarão praticamente sem função. Quer dizer: vão-se extinguindo.
Não sei, porém, se com todos acontecerá isto, nem sei quando as corporações estarão em condições de os substituir. Suponho que a orientação será no sentido de ir transferindo para as corporações as funções que hoje cabem aos organismos de coordenação e que, portanto, se caminhará no sentido da extinção destes, em geral; mas não creio que possamos comprometer-nos com prazos.
Lembro-me de que com as funções de execução hão-de, naturalmente, passar para as corporações os serviços de fiscalização, e foram estes, como se compreende, os que agravaram a atmosfera carregada que, em certo momento, se criou em volta dos organismos de coordenação. Parece-me que só depois de a acção das corporações se ter acreditado suficientemente no espírito público deverão ser-lhe atribuídas funções de sua natureza pouco propícias a tornar a sua actividade bem recebida.
Esta solução cabe na base in da proposta. É a solução prudente. Aceito-a de preferência à da Câmara Corporativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vou tratar agora do problema da integração. Não o discutirei em toda a sua extensão, nem mesmo naquela em que o desenvolveu o parecer da Câmara Corporativa em três longos parágrafos, que, se fosse possível hierarquizar o que é bom no conjunto, deviam colocar-se no primeiro lugar.
Vou circunscrevê-lo aos limites restritos em que é útil discuti-lo para o caso português.
Deve a integração corporativa fazer-se segundo o critério das grandes actividades ou -o que é o mesmo - das funções sociais ou económicas? Ou deve fazer-se segundo o critério dos ramos fundamentais da produção?
Como o que vou dizer se não destina só a VV. Ex.ªs, mas, por intermédio da Câmara, ao público em geral, sou forçado, para poder ser seguido por este, a esclarecer as perguntas formuladas.
O melhor caminho para realizar o meu propósito é trabalhar sobre hipóteses concretas.
Se se constituem as Corporações da Lavoura, da Indústria e do Comércio, está a fazer-se integração segundo o critério das grandes actividades ou da função económica. Nestas corporações indiferenciadas podem constituir-se secções diferenciadas por produtos ou complexos de produtos. Suponhamos: na Corporação da Lavoura, a secção de cereais; na da Indústria, a de moagem e panificação; na do Comércio, a de produtos alimentares.
A primeira - a dos cereais - dominaria os produtos na fase da produção, na lavoura; a segunda - a da
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moagem e panificação - dominaria os produtos na fase da transformação; a terceira dominá-los-ia na fase do comércio.
Imagine-se agora que, em vez de três secções diferenciadas em três corporações indiferenciadas, se constituía, com as três fases do ciclo económico do complexo considerado - cereais -, uma corporação. Teríamos, neste caso, a integração segundo o critério dos ramos fundamentais da produção?
Agora pode dizer-se: num caso, integração horizontal; no outro, integração vertical.
Estamos em condições de renovar a pergunta que acima fizemos: com base em que critério deverá fazer-se a integração? Com base no critério das grandes actividades ou no dos ramos fundamentais da produção?
A proposta do Governo adoptou por agora o critério das grandes actividades ou da função económica, salvo para a Corporação da Pesca e Conservas, em que adoptou já o critério dos ramos fundamentais da produção.
Adoptou, pois, em geral, o critério das grandes actividades, mas não com a segurança de que ele venha a manter-se como solução definitiva.
Efectivamente, diz-se expressamente no relatório que se não poderia pôr de parte, em princípio, a ideia da eventual criação, em tempo oportuno, de corporações destinadas, a abranger separadamente as indústrias têxteis, as metalomecânicas, as da alimentação, as da construção e materiais de construção e outras». Quer dizer: admite-se a possibilidade de vir a substituir o critério das grandes actividades, agora adoptado para a integração corporativa, pelo dos ramos fundamentais da produção.
E no articulado aponta-se para a possibilidade do funcionamento em conjunto das várias secções relacionadas com os produtos nas várias fases do seu ciclo económico, isto é na fase da produção, da transformação e do comércio, o que representa de algum modo uma antecipação do princípio da integração segundo os ramos fundamentais da produção, que se aplica antes mesmo de constituídas as corporações de harmonia com este critério.
É o que resulta, do que se dispõe na base XII ao dizer-se que «os conselhos das secções da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente com todos ou parte dos seus membros sempre que a natureza dos assuntos a tratar o aconselhe».
Por outro lado, não há nada no articulado da proposta que impeça que as afecções das corporações previstas se constituam segundo o critério dos rumos fundamentais da produção, abrangendo o ciclo económico dos produtos. Contra tal possibilidade poderá argumentar-se com razões de sistema, mas a verdade é que, como acaba de se mostrar se não quis instituir uni sistema puro e antes se quis admitir inflexões ao critério geral que permitissem ir afeiçoando-o às necessidades ou conveniências ditadas pela experiência. A vida não é a realização de um sistema lógico; é antes a expressão de várias lógicas ou, melhor, da mesma lógica a deduzir soluções de vários, princípios que se entrecruzam.
Assim, se no articulado da proposta não há nada que impeça que as secções das corporações se constituam segundo o critério dos ramos fundamentais da produção, elas poderão constituir-se de harmonia com ele. Poderá, por exemplo, a secção dos cereais da Corporação da Lavoura integrar a produção, a transformação e o comércio e a secção dos têxteis da Corporação da Indústria integrar, atém da transformação, a produção e o comércio. A secção pertenceria à corporação correspondente à fase mais importante da economia do produto, mas organizar-se-ia aí conforme todo o ciclo económico do produto.
É esta, segundo creio - no período de passagem das corporações constituída conforme o critério das grandes actividades para as corporações organizadas conforme os ramos fundamentais da produção -, a solução da Câmara Corporativa.
Como se sabe, a Câmara Corporativa entende que a integração deve fazer-se segundo o critério dos ramos fundamentais da produção, salvo quanto às Corporações dos Transportes e Turismo e do Crédito e Seguros. Quanto a estas duas não há, pois, no respeitante ao critério de integração, divergências.
Quanto às outras, entende a Câmara Corporativa não se justificar o critério das grandes actividades, e procura fazer disso não sei se diga a «demonstração» se a «mostração».
Transige, porém, em que, de entrada, se constituam segundo aquele critério, com a condição de «as secções das Corporações da Lavoura e da Indústria se organizarem desde logo no sentido de abrangerem o ciclo produtivo, tanto quanto possível, e, portanto, nas suas fases agrícola-iudustrial-comercial ou apenas industrial-comercial, quando o início do ciclo se situe na indústria». Estas secções é que «virão a constituir ns verdadeiras corporações, findo que seja um período transitório a fixar».
Por qual das duas soluções optar?
A resposta a esta pergunta depende, creio, do sentido que se ligar à instituição das corporações. Se se entende que elas devem ser, além do mais, elementos, pelo menos, de colaboração na disciplina da vida económica, parece que o critério de integração deverá ser o dos rumos fundamentais de produção.
Não se vê como, descendo dos grandes princípios gerais de orientação política para a disciplina particular dos vários elementos da vida económica, dos produtos que lhe condicionam o movimento, esta possa fazer-se sem a consideração de todo o ciclo económico dos referidos produtos.
Mas não pode negar-se às corporações económicas a função de, pelo menos, colaborar na disciplina da vida económica. Essa função é-lhes atribuída, como vimos, na alínea d) da base IV da proposta. De modo que parece dever caminhar-se no sentido de se chegar à integração corporativa segundo o critério dos ramos fundamentais da produção. «Caminhar no sentido» não é adoptar desde já a solução. Compreendem-se as cautelas do Governo ao estabelecer na proposta o esquema dentro do qual há-de desenvolver-se a sua actuação na tarefa de pôr de pé as corporações. Não se compreenderia que fechasse os caminhos que podem conduzir às soluções mais adequadas.
Não farei outros desenvolvimentos. Direi apenas que me parece estar a sorte da generalidade dos organismos de coordenação intimamente ligada ao problema que acaba de discutir-se. Como se sabe, a competência destes organismos foi estabelecida ou tomada com base no ciclo económico dos produtos. Se vierem a instituir-se afinal as corporações segundo o mesmo critério, eles ir-se-ão extinguindo ao mesmo passo que as corporações, postas em condições de o fazer, lhes forem tomando as funções; senão terão de manter-se, por as corporações não poderem substituí-los.
Terão de manter-se na medida em que não puderem ser substituídos pelas corporações ou pelos serviços da administração do Estado.
Sr. Presidente: vou concluir. Não quero fazê-lo sem unia palavra de fé. As arquitecturas lógicas, as estruturações de sistema de organização social ou política, se não tiverem a vivificá-las a chama interior da fé, ficam secas como esquemas e sem projecção humana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Os grandes princípios que servem de fundamento à organização da sociedade, não se demonstram. Vivem da fé com que se adere a elos. li eu tenho fé nos princípios em que se funda a nossa concepção corporativa. Todos devemos procurar acendê-la ou reacendê-la. Isso não nos dispensa, de fazer a análise das soluções adoptadas ou a adoptar, mas faz com que essa análise abra os caminhos da vida, em vez de se morrer nos cadinhos da lógica formal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tenhamos fé e andemos para diante.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: depois da brilhante, clara e precisa lição do nosso prezado e ilustre leader, Prof. Mário de Figueiredo, confesso que não sei como hei-de intervir neste debate com algumas simples considerações.
Como todos aqueles que de há vinte anos para cá labutam para que a doutrina corporativa não seja apenas flor do espírito, mas fórmula política de eficiência prática, não foi em emoção que ouvi anunciar ao País o próxima criarão das corporações.
De modo especial, e na medida em que me cabe responsabilidade na coordenação e desenvolvimento de quanto importa à pesca em Portugal, senti que os nossos esforços não tinham sido vãos e que o trabalho desenvolvido ao longo desse espaço de tempo não havia resultado inútil.
Nas pescas tudo parece felizmente preparado para agora receber a cúpula do sistema. Trata-se, porém, indispensável aproveitar as lições de tão longa experiência, com elas iluminando os caminhos que teremos ainda de percorrer para complemento e aperfeiçoamento das realizações resultantes da aplicação da doutrina corporativa, única capaz de estabelecer harmónico equilíbrio, não apenas nos diversos sectores do ciclo económico, mas ainda entre as classes sociais que no seu âmbito se movimentam.
Desejo, no entanto, antes de prosseguir, apresentar ao Sr. Ministro das Corporações os meus cumprimentos e as minhas melhoras felicitações pelo facto de aqui nos encontrarmos hoje reunidos no intuito de apreciar tão momentoso assunto e prestar justiça aos seus dotes de inteligência e trabalho.
No sector das pescas, como certamente noutros, há uma experiência a referir e alguns aspectos a focar para, completo esclarecimento desta Assembleia, chamada agora a analisar a importante proposta do Governo acerca das corporações.
Todos lemos com o maior interesse e, sem dúvida, com louvor, pelo esforçado trabalho que representa, o douto parecer da Câmara Corporativa, onde o seu ilustre relator arquiva, a expressão de um vasto saber. Creio, porém, que depois dessa leitura não será inútil registar alguns aspectos práticos de problemas que naturalmente, não se limitam à fase - embora muito importante - da especulação intelectual.
Esse o contributo que procurarei trazer para assimilar o caminho percorrido no sector que especialmente conheço, apontando os obstáculos e dificuldades, vencidos e a vencer. É que nada é feito de um jacto e, ainda que comece surgindo quem aparente desistir do estudo do passado como forma de compreender o presente e até de antever o futuro, continuo a considerar fundamental essa análise, se não nos quisermos desprender completamente das realidades que nos cercam.
or mim, penso que a circunstância de alguns desconhecerem pontas fundamentais do que se realizou é apenas motivo para que se lhes exponha o que afirmam desconhecer. Todos aprenderemos com isso, pois até os que dos factos passados foram testemunhas interessadas ou neles directamente intervieram têm tendência para esquecer, confundindo por vezes o que era, tão claros e simples.
Temos de manter bem presente no espírito que Portugal é um país marítimo, que é essa a característica que o individualiza, traduz e define o seu génio.
Há que prosseguir com tenacidade e entusiasmo aios esforços tendentes a reatar as velhas tradições, adaptando-as aos tempos de hoje, com inteligência e claro conhecimento das realidades.
Com o seu território espalhado por quatro continentes impunha-se que Portugal tivesse a marinha mercante que servisse as suas prementes necessidades, assegurando o indispensável intercâmbio entre a metrópole e o ultramar - e o que foi feito neste particular honra o País, não podendo deixar de a todos desvanecer.
Outro aspecto do nosso passado marinheiro - o das pescas-merecia, por todas as razões, se lhe dedicasse atenção e carinho. A ele se dirigem, especialmente, as minhas considerações de hoje.
Antes da organização corporativa a situação da indústria da pesca, tanto sob o aspecto industrial como social, era mais do que aflitiva.
Com efeito, de quanto podia ter sido realizado dentro do regime liberal e de desregrada concorrência, nada se fez e nada subsiste. Se nem sequer o progresso e bem-estar individual das empresas se conseguira, muito menos foi possível chegar-se à homogeneidade social e à aglutinação de interesses que mais tarde havia de surgir no inundo das pescas, uma vez que todos tinham as suas vidas ligadas ao mar - como já sucedera em tempo idos -, permitindo que se escrevessem as páginas gloriosas da nossa história marítima, que é em parte também a história das pescas.
A frota pesqueira nacional reduzia-se nessa época a um amontoado de navios velhos e antieconómicos e a produção não atingia, em qualidade e em quantidade, o considerado indispensável para o consumo público.
O panorama social era igualmente desolador. Os próprios «Compromisso Marítimos», que vinham de longa data, encontravam-se arruinados e as classes interessadas não manifestavam por eles qualquer dedicação.
Associações de socorros mútuos, figurinos da assistência da época, ou outras semelhantes instituições de auxílio aos pescadores, muito poucas existiam, e essas mesmas não exercendo a sua função, por falta de meios e de competência administrativa. As que ainda só mantinham à data da criação do corporativismo estavam votadas ao desinteresse dos marítimos. Quem de facto as dirigia eram elementos estranhos à classe, por vezes pequenos comerciantes locais, que delas se utilizavam para fins bem diferentes dos estatuídos, isto é, procurando a realização de interesses próprios ou satisfação de vaidades de mando.
É certo que existiam leis de protecção à pesca, que havia isenções de impostos para algumas das suas actividades e disposições legais facultando financiamentos aos armadores.
A legislação permitia, pois, realizações, mas estas não se efectuavam, porque faltavam fundamentalmente a doutrina e a estruturação do regime que permitissem planeá-las e executá-las.
A criação dos Grémios dos Armadores das Pescas do Bacalhau, Sardinha, Arrasto e Baleia - o primeiro ser-
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vindo como experiência e modelo para os restantes - e da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau, organismo destinado a regular a« importações e a fixar preços e a qualidade dos produtos, veio, com a Junta Central das Casas dos Pescadores, estabelecer as condições necessárias para dar vida e desenvolvimento à obra realizada.
Sr. Presidente: poderia trazer aqui muitos números, a maior parte dos quais já algumas vezes referidos (tais como as centenas de milhares de contos gastos nas novas frotas, os índices de produção e as melhorias verificadas em todas estas actividades), mas seria fatigar a Câmara, porque dados que se reportam a vinte anos de progresso e desenvolvimento não se podem concretizar em poucas palavras.
Limitar-me-ei a dizer que na pesca do bacalhau passou para o dobro o número de homens que nela trabalham; a actual produção é oito vezes superior à de 1936 (800 por cento) e ocupamos o quarto lugar nesta pesca, tendo ultrapassado a França.
Na pesca do arrasto e em mais curto prazo, porque a sua organização data de 1940, a produção aumentou 120 por cento, prosseguindo a evolução da sua frota, em quantidade e qualidade.
Hoje, o valor total da pesca desembarcado ultrapassa anualmente 1 200 000 contos. A exportação de conservas, segunda em valor na nossa balança comercial, excedeu, em 1955, 930 000 contos.
As pescas asseguram ainda trabalho directo no mar e em terra a mais de 100 000 pessoas e nas indústrias subsidiárias, principalmente na de construção naval, mais alguns milhares de operários encontram ocupação.
Foi sobretudo a renovação das frotas pesqueiras que permitiu o ressurgimento da indústria de construção naval - o que se tem verificado em tais proporções que somos levados a admitir que, no futuro, a quase total substituição dos navios da nossa marinha mercante possa também ser feita sem necessidade de recorrer ao estrangeiro.
No regime alimentar das nossas populações o peixe entra em mais de metade em relação aos alimentos de origem animal; e as nossas capitações de consumo de pescado, incluindo o bacalhau, são das mais elevadas da Europa, logo a seguir à Islândia e à Noruega, e mais de seis vezes superior às que se verificam em França.
Os capitais investidos nas nossas indústrias, em navios e instalações em terra, ultrapassam os 2 milhões de contos.
No aspecto social, além dos sindicatos para os profissionais especializados, criaram-se também os organismos primários dos pescadores, as Casas dos Pescadores, coordenadas pela sua Junta Central, cabendo aqui explicar a constituição e o funcionamento destas duas instituições.
Como já se disse, as classes piscatórias tinham-se desinteressado dos organismos ao tempo existentes.
Era difícil, para não dizer impossível, recrutar entre os rudes homens do mar os elementos necessários à formação dos quadros de dirigentes, indispensáveis ao desenvolvimento das suas instituições, até porque os seus melhores e mais activos elementos estavam a maior parte do tempo embarcados, e não em terra. A observação do panorama existente e dos resultados nulos das tentativas feitas não nos deixava quaisquer dúvidas a esse respeito.
Sempre com o apoio diligente e dedicado da Marinha, recorreu-se aos capitães dos portos, únicas entidades a quem os pescadores tradicionalmente reconheciam autoridade profissional, considerando-os e respeitando-os como bons conselheiros, aptos, portanto, para presidirem às suas Casas dos Pescadores. Colaborando com os pescadores e orientando-os, foram aqueles oficiais o apoio natural da nova orgânica.
Como é óbvio, a Junta Central teve de constituir-se em moldes análogos, pois era impraticável entregar nas mãos dos pescadores a coordenação dos organismos primários, uma vez que nem para a direcção destes se tornara possível conseguir, dentro da classe, elementos devidamente habilitados. No entanto, na constituição da Junta Central entram hoje representantes directos dos armadores e dos pescadores.
Julga-se que tal sistema terá de ser ainda mantido, pois não é possível entregar imediatamente às próprias classes o destino e a administração integral dos seus organismos.
E a verdade é que a obra realizada nestes moldes, evidente aos nossos olhos, o era também para os homens do mar, os quais compreenderam que o sistema seguido lhes assegurava a assistência real e efectiva que por si próprios eram incapazes de conseguir, obra essa igualmente apreciada e até louvada no estrangeiro.
Com efeito, não posso esquecer as palavras do Ministro das Pescarias do Canadá, quando da primeira viagem de Gil Eanes a St. John's, afirmando que aquele navio-apoio e a nossa frota da pesca eram exemplo a admirar e a seguir pelos armadores e industriais daquele país; e que os Portugueses, que tinham iniciado há séculos a pesca do bacalhau, voltavam agora a esses mares com uma técnica e uma organização social em que novamente os habitantes dessas regiões muito tinham que aprender.
Na verdade, o Gil Eannes construído e planeado em Portugal por técnicos portugueses, constitui uma realização única no mundo, desde a sua concepção até à assistência religiosa, moral e material que presta aos pescadores nesses mares longínquos.
Julgo poder-se afirmar que, sob muitos aspectos, se conseguiu criar e - estruturar uma organização em que se estabeleceu perfeito entendimento entre o capital e o trabalho, não se descurando o aumento da produção nem a melhoria substancial da produtividade.
E, no entanto, verifica-se ter sido possível realizar todo este trabalho evolutivo com os mesmos homens e mantendo activas a grande maioria das empresas armadoras existentes à data da renovação.
Pode então perguntar-se:
Como é que esses homens, que viviam num espírito desenfreado de concorrência, aos quais faltavam a iniciativa e os capitais, que se desinteressavam do aspecto social e da melhoria do nível de vida dos seus trabalhadores, puderam ser lançados nesta nova senda de progresso?
Foi porque o génio de Salazar, dando ao País ideais vovôs e governos firmes, criou com esses elementos um ambiente propício a tais realizações;
Foi porque a organização corporativa, ou neocorporativa, se assim se lhe quiser chamar, inspirada nos princípios e na doutrina do Sr. Presidente do Conselho, conseguiu insuflar nesses homens a confiança no sistema que lhes era proposto.
Deste modo, no âmbito da orgânica das pescas, e sem prejuízo para a defesa do seu progresso e legítima prosperidade, nunca se esqueceu o superior interesse da Nação.
Desde a criação dos organismos corporativos da pesca, foi este princípio basilar mantido vivo, mercê duma permanente acção doutrinária, que tornou possível o recurso eventual à arbitragem do Estado quando ela se impunha para manter o equilíbrio de interesses correlacionados com a actividade piscatória, tais como os respeitantes a reivindicações sociais ou à defesa do consumidor. E nunca, nestes casos, a independência nas de-
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cisões sofreu abalo, porquanto foram sempre disciplinadamente acatadas pelos interessados, que reconheciam que essas intervenções eram feitas para resolver, pela mais justa forma, os problemas em causa.
E nesta linha de conduta e apesar da oposição de interesses, sempre de admitir entre patrões e empregados, foram aqueles os que mais contribuíram para a melhoria do nível de vida destes, quer directamente, com maiores vencimentos e percentagens sobre os produtos da pesca, quer indirectamente, suportando o maior peso dos encargos assistenciais.
Conseguira-se, pois, levar os armadores a compreender que para as suas indústrias prosperarem era necessária a paz social, só possível de conseguir mediante condições satisfatórias para os seus trabalhadores, isto é, dentro da justiça e da ética de um regime e de uma orgânica que também considerasse os valores morais e espirituais do elemento humano.
Esta evolução na forma de pensar e de actuar de armadores e pescadores, consequência da nova formação doutrinal, permitiu a elaboração e o êxito dos contratos e convenções de trabalho, generalizados a todas as pescas industrializadas e que progressivamente serão estabelecidos para as pescas locais.
Os grémios e as Casas dos Pescadores, à medida que se criavam, iam-se apoiando e auxiliando mutuamente, e porque na sua constituição e no seu funcionamento não obedeciam às características de meras associações patronais ou sindicais, que tivessem em mira a defesa exclusiva de interesses de classes, compreendiam que sem a colaboração ide todos e o apoio do Estado nenhuma obra sólida podia ser realizada.
Este novo espírito de humanidade e de compreensão tem sido desenvolvido; precisa e vai agora ser ampliado. Nesta ordem de ideias, vêm-se realizando reuniões periódicas com armadores, capitães e tripulantes, para lhes expor o que é a organização corporativa e definir os problemas técnicos, económicos e sociais que a todos dizem respeito.
Na mesma linha de conduta, criaram-se escolas de pesca, para, não só facultar a indispensável preparação técnica aos pescadores, mas incutir-lhes os bons e necessários princípios corporativos, para que esses rapazes, quando chegados a adultos, compreendam o que devem à organização, como proceder e o que através dela puderam já conseguir.
O que tenho dito não significa de forma alguma que todos os problemas referentes às pescas tenham tido solução.
Continua-se a lutar com grandes e sérias dificuldades, entre as quais avulta o número extremamente elevado dos nossos inscritos marítimos. Em vinte anos subiu de 20 000 para 60 000 o número de pescadores, metade dos quais se dedica à pesca local, número este extremamente elevado, pois verificamos, por exemplo, que em Inglaterra, com uma população de cerca de 50 milhões, há apenas 30 000 pescadores.
Tal desproporção e contínua afluência de braços para a pesca provoca a reduzida distribuição do pescado per capita e consequente baixa das condições económicas do pescador individual, do seu nível de vida e das garantias de trabalho assegurado e remunerador. Tem-se procurado remediar tal estado de coisas por várias medidas e sobretudo pelo mais perfeito apetrechamento dos meios de captura de que esses homens dispõem. Para o efeito, têm-se concedido empréstimos sem juros, que lhes permitem a aquisição de melhores embarcações ou a motorização das que possuem.
Mas tal acção não consegue obstar ao excedente demográfico da gente do mar, cujos saldos terão de ser colocados especialmente em Angola, onde as pescas têm tido grande expansão, o que trará vantagens indiscutíveis não só para os directamente interessados, mas ainda de projecção nacional, pela fixação além-mar de população metropolitana.
Neste conjunto de organismos corporativos não se esqueceram os problemas que respeitam aos estudos científicos.
As organizações criaram o Gabinete de Estudos das Pescas para a investigação científica e tecnológica e para a preparação dos técnicos, cuidando também da nossa representação nos organismos internacionais, de que é exemplo a Comissão Internacional das Pescarias do Noroeste do Atlântico, onde obtivemos honrosamente a presidência de tão importante organização.
Para a continuidade destes trabalhos precisa-se de meios que permitam a sua expansão e de dar início à construção de um navio oceanográfico e de prospecção ictiológica.
Espera-se que esses meios sejam agora concedidos à Corporação, para que ela possa desenvolver uma obra hoje indispensável a qualquer nação marítima e a que nos obriga o lugar de país evoluído que ocupamos no conceito mundial das pescas.
Considerando que a Corporação deverá ter em vista principalmente a justiça social, o aumento da produção e melhoria da produtividade e a cooperação entre todos os elementos que a constituem, creio que o que se tem procurado levar a cabo, com tão boa vontade e desejo de acertar, já em grande parte satisfaz as finalidades requeridas para servirem de base à estrutura da futura Corporação.
Que não estamos em erro prova-o a proposta governamental ao delinear agora o plano geral da estruturação corporativa, porquanto as pescas aparecem ali, aliadas à conserva de peixe, como uma das cinco primeiras corporações a serem criadas.
Por se tratar de um ramo fundamental de produção, com características próprias inconfundíveis, pelo valor que representa na balança económica do País, e também pelo equilíbrio social alcançado, surgem as pescas devidamente destacadas do ramo geral da indústria, atendendo-se, assim, não só àqueles elementos, mas ainda ao grau de preparação corporativa que atingiram.
Se, como bem diz o parecer da Câmara Corporativa, ca bondade do sistema é válida no espaço e no tempo, podendo afeiçoar-se às economias avançadas ou subdesenvolvidas», permito-me daqui formular o voto de que na nova Corporação das Pescas e Conservas participem, desde logo, as pescas ultramarinas.
Existe, na verdade, uma íntima ligação entre essas actividades e as continentais, quer através dos quadros que as constituem, em que os especializados têm a mesma origem metropolitana, quer quanto aos produtos similares a exportar para o estrangeiro.
Aliás, nos já frequentes congressos de pesca realizados, a colaboração, como a interdependência dos problemas piscatórios entre a metrópole e o ultramar, nomeadamente com Angola, ficou bem vincada através de numerosos trabalhos apresentados, culminando no último por um voto expresso pelo Sr. Ministro da Marinha, ao qual foram dados foros de moção final, aprovada por aclamação, que propôs se realizasse o futuro e V Congresso Nacional das Pescas na cidade de Luanda.
Nesses congressos abriram-se as portas o todas as competências e às boas vontades de quantos se interessavam pelas pescas, ali se discutindo livremente os seus problemas metropolitanos e ultramarinos.
Na Corporação da Pesca está, e muito bem, incluído outro importante ramo de actividade dela subsidiária: o das conservas de peixe.
Com efeito, grande percentagem da produção da sardinha é absorvida pela indústria conserveira e a acção desenvolvida neste sector pelo Instituto Português de
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Conservas de Peixe e pelos grémios de industriais e exportadores constitui elemento valioso a integrar na Corporação, dada sobretudo a grande eficiência atingida por aqueles organismos na solução de problemas de importância vital.
A necessidade de uma mais estreita e íntima coordenação dos interesses e colaboração entre armadores, fabricantes e comerciantes das conservas de peixe só benefícios pode trazer, e pão emes os que re esperam da nova orgânica que os vai englobar.
Com efeito, para que a indústria das conservas possa prosperar e desenvolver-se precisa de ter asseguradas as quantidades indispensáveis de sardinha e a preços
que lhe permitam exportar os produtos manufactura-os por valores compatíveis com as cotações internacionais. E se a pesca não pode esquecer que tem na indústria conserveira natural escoante, que muito especialmente em épocas de superprodução lhe valorizará o pescado, também, por seu turno, esta não deverá deixar de atender ao esforço do armador e do pescador, sujeito aos riscos e às vicissitudes do mar, onde tantas vezes perde os bens e a vida. É, pois, a própria natureza das coisas que aconselha e impõe o bom entendimento e cooperação.
Sr. Presidente: numa discussão tão importante como a que se está realizando nesta Assembleia, preferi, ao largo exame de princípios, trazer um apontamento prático daquilo que a minha experiência já longa e todos os dias vivida me aconselha a dizer.
O meu depoimento é, pois, fundamentalmente realista e baseado na actividade das pescas e também de alguns conhecimentos da indústria das conservas.
Nesta ordem de ideias, não quero deixar de me referir às boas e úteis relações que sempre se têm mantido entre os grémios e organismos de coordenarão económica já referidos, cuja actuação na defesa dos produtores e consumidores tem sido profícua e contínua. Isto me permite alvitrar que se pondere a valia da posição arbitral e da influência que estes organismos de coordenação económica terão de ter, para que se não arrisque na defesa de uma teoria, embora de grande pureza, o que na prática tão bons frutos tem produzido.
Depois do que tem sido realizado e foi exposto como panorama geral das nossas pescas, surge o desejo e a natural ambição de irmos mais além e de permanentemente melhorar a obra iniciada. Só assim ela poderá acompanhar a evolução que agora se lhe quer imprimir, com a nova orgânica das corporações.
Em minha opinião, entendo que a futura Corporação das Pescas e das Conservas irá criar uma mais íntima e fecunda colaboração entre a indústria produtora e a transformadora; entre a capital e o trabalho; entre os grémios e os organismos de coordenação económica, e um espírito de liberdade só condicionado pela ideia do bem comum.
Desde que se não dupliquem funções, nem se multipliquem organismos que desse modo venham entravar o balanço adquirido e criar novos problemas, capazes de provocar o desânimo e de prejudicar até o desenvolvimento actual, tenho a certeza de que a Corporação das Pescas e das Conservas será um grande passo em frente, com o maior alcance para todos os interesses em causa. É disso garantia o ambiente que existe no seio de todos os organismos das pescas, que desde há muito trabalham em regime do corporação, como se ela já existisse.
Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre as corporações.
É a corporação - escreveu um dia o Prof. Marcelo Caetano - que logrará legitimamente obter uma parcela do poder público para organizar, regulamentar, disciplinar as actividades que reúne e congloba, punindo os seus desmandos, arbitrando as suas pendências, gerindo o seu património comum, representando-as na vida política e fazendo-as valer na legislação e na administração do Estado.
E o ilustre mestre acrescentou:
A associação profissional e a corporação são o reduto em que o homem defende a sua personalidade e no mesmo tempo encontra o um puro necessário para multiplicar as suas forças na luta da vida moderna.
Na beleza e grandeza deste princípio doutrinário se depositam as nossas esperanças, na certeza de que o conjunto das corporações não constitui um outro Estado ou uma delas uma parte desse Estado. São poderosos elementos representativos, cuja voz se fará ouvir no que será o natural ponto de intersecção com o Estado», mas será este que terá de escutar todas as vozes e, superiormente, tomar uma decisão quando os interesses colidam e os diversos representantes entre si se não possam entender.
Ainda temos entre nós muitas manifestações do perigoso individualismo, mus estou crente, pelo que já foi possível realizar, que tudo acabará por se movimentar dentro do espírito corporativo, para que a política da Revolução Nacional saia mais uma vez vitoriosa.
E não ficaria de bem com a minha consciência se, por simples dever de gratidão, deixasse de igualmente felicitar o Sr. Ministro da Marinha por ver chegado a tão alto ponto de realizações unia actividade, a das pescas, à qual S. Ex.ª vem dedicando, com indiscutível competência, uma contínua e tão profícua atenção.
Por mim, dou o meu aplauso na generalidade ao projecto do Governo, a quem saúdo e louvo por ter, na senda do corporativismo, «retomado o antigo facho e prosseguido no caminho».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: ao intervir na discussão sobre a instituição das corporações em Portugal, o meu espírito, seria, naturalmente solicitado para demonstrar que no entrechocar de ideias e conceitos de vida que hoje afligem os povos, só o corporativismo encerra as virtualidade suficientes para nos salvar dos malefícios do demo-liberalismo e para nos defender da onda comunista que ameaça subverter o mundo e a civilização que, tão penosamente criou.
Mas, depois do brilhantíssimo relatório da proposta de lei, em que o ilustre- Ministro das Corporações mais uma vez pôs à prova, o seu talento dinamizador, depois do esgotante e, a todos os títulos, douto parecer da Câmara Corporativa e da magistral lição que acaba de ser dada. pelo Sr. Doutor Mário de Figueiredo, qualquer esforço da minha parte fluíra pôr em evidência as excelências da ideia corporativa seria estulto, se antes não fosse pura e simplesmente ocioso.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Naqueles relatório e parecer e nesta lição ficou praticamente tudo ditos por isso parece-me que, nesta altura, muito pouco ou nada há para dizer a tal resppeito.
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Deliberei, no entanto, subir a esta tribuna para, em muito breves palavras, aliás, intervir na discussão da proposta de lei do Governo, porque, sendo eu um corporativista, entusiasta e convicto e tendo passado o melhor período da minha vida a trabalhar indefesamente na realização da justiça social que a ideia corporativa comporta e exige, entendo que não podia deixar de marcar uma acção de presença, no alto e transcendente momento que estamos a viver.
E, por mais contraditório que pareça com o que acabo de afirmar, principiarei por dizer que o que vai fazer-se, em matéria de corporações, com a publicação da lei em que se converterá a proposta em discussão, está ainda muito longe de corresponder à realização integral do corporativismo que sonhei.
Para mim, e julgo que para muita gente, o verdadeiro corporativismo só o será no dia em que toda a Nação se encontre politicamente organizada através dos seus múltiplos quadros naturais, de modo que por eles se opere a autêntica representação nacional e se ultime o edifício assim construído com a cúpula que a história, a força e a coerência das ideias necessàriamente hão-de postular.
O verdadeiro corporativismo só o será, segundo convictamente penso, no dia em que, instauradas e postos a funcionar todas as corporações que aã realidades e necessidades nacionais impuserem, e não apenas as de carácter económico, se opere uma profunda reforma constitucional que de vez nos liberte dos acasos, dos erros e dos perigos que o sufrágio inorgânico traz dentro de si.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Então, sim. Então poderemos dizer que o Estado Português é um Estado Corporativo.
É pela instauração desse Estado Corporativo, que poderei chamar integral, que me bato e pela qual fervorosamente anseio.
Aliás concordo, sem nenhum esforço, em que com a lei em que irá converter-se a proposta que ora se discute se vai fazer tudo o que a experiência e a prudência aconselham se faça neste momento.
Não obstante os grandes obstáculos que se lhe têm deparado e a têm contrariado, foi e continua a ser levada a efeito, neste país, uma obra de tal magnitude que nenhuma imaginação, por mais ardente que fosse, seria capaz de prever há escassos trinta anos.
É essa obra essencialmente produto do génio de um homem, daqueles que raramente aparecem na vida das nações.
Mas a obra levada a efeito não teria sido possível se não se houvesse proclamado e instaurado um conjunto de princípios que ou encontram o seu epílogo lógico pela institucionalização do Estado Corporativo integral ou correm o risco de se perder.
Todos nós nos interrogamos: e amanhã?
É este o nosso drama e conseguir resolução para ele deverá ser a nossa gloriosa tarefa.
A salvaguarda da obra realizada e a sua projecção no tempo, para além da transitória vida humana, só poderá operar-se pela institucionalização no definitiva dos princípios que a tornaram possível, isto é, pela instauração do corporativismo integral.
Por outro lado, não nos fica mal reconhecer que a nossa experiência corporativa, com o possuir a seu favor um saldo grandemente positivo, e postos agora de parte os desvios que foi obrigada a sofrer durante a guerra e no período que imediatamente se lhe seguiu, pelos motivos que, por demasiadamente conhecidos, não necessitam de explanação, tem apresentado deficiências, umas derivadas da precária preparação dos dirigentes e outras provenientes de o sistema ainda não haver encontrado o seu fecho.
É esta, pelo menos, a explicação que comummente se dá para os erros que se têm verificado.
As falhas de agora explicam-se pela falta das corporações; mas se as corporações, uma vez criadas, se comportarem deficientemente já não haverá para onde retirar. O problema é seríssimo.
A instauração do corporativismo integral aparece-nos assim como garantia da perenidade do regime e como a realização de um sistema social, já não digo perfeito, porque não existem sistemas perfeitos, mas como o menos imperfeito de todos.
É natural, portanto, que trabalhemos afincadamente por completar a revolução corporativa, mas é mister que sejamos muito cautelosos na conclusão do edifício que, com tanto custo, temos estado a erguer.
Não podem ser dados passos em falso.
Tem de ser bem firme o terreno que formos pisando.
Por isso é que, se a proposta do Governo está longe de satisfazer os anseios de muitos - e pertenço a esse número -, temos de reconhecer que ela é sábia e prudente e que, neste momento, não seria sensato ir mais além.
São criadas agora as primeiras corporações. Outras virão depois, como não poderá deixar de ser.
E quando toda a Nação estiver corporativamente organizada e se verificar que as corporações (tanto as económicas como as morais e culturais) funcionam com eficiência, então, sim, será chegado o momento em que, através delas e também dos quadros naturais, que são os municípios e províncias, se possa fazer toda a representação nacional e se institucionalize definitivamente o Estado Corporativo Português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a aprovação da proposta não chegaremos já ao cume da montanha. Mas faremos mais uma caminhada firme na subida da encosta, com a certeza de chegar até ao cimo.
Por estas singelíssimas razões, que poderão parecer muito vagas e imprecisas, mas que o não são, pedi a palavra e subi a esta tribuna para afirmar que dou o meu voto entusiástico à proposta de lei na sua generalidade e que me reservo para voltar a falar, mais concretamente, quando se iniciar a discussão na especialidade, se para tanto me for proporcionado o ensejo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá duas sessões, uma da parte da manha, às 10 horas e 30 minutos, e a outra à tarde, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Teófilo Duarte.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria Porto.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA