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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

ANO DE 1956 II DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 171, EM 1O DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.:
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa unia proposta de lei, curiada pela Presidência do Conselho e relativa à. criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial, que cai baixar às comissões respectivas.
Recebeu-se na Mesa, enviado pela Presidência, do Conselho e para os efeitos do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º205, 1.ª série, de 6 do corrente, inscrindo o Decreto-Lei n.º 40 890.
Aprovou-se o Diário das Sessões n.º 170.
A Assembleia autorizou o Sr. Deputado Sebastião Ramirez a ser submetido a julgamento por acidente de viação no 6.º juízo correcional da comarca de Lisboa.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Assembleia de haver sido recebida a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano económico de 1937 com o respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Usaram da palavra os Srs. Deputadas Águedo de Oliveira, para um requerimento: Paulo Rodrigues. que se referiu às comemorações do dia da Padroeira: Pinto Barriga, para um requerimento; Alberto Araújo, sobre as inundações da Madeira e para agradecer as providências do Governo e de diversas entidades oficiais e particulares; Galiano Tavares, acerca de problemas do ensino e para enviar à Mesa um requerimento dirigido ao Ministério do Ultramar; Carlos Moreira, que se congratulou com a publicação do Decreto-Lei n.º 40 833. e João do Amaral, para se referir à personalidade e à fibra de António Ferro.

Ordem do dia. - Iniciou-se o debate sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1957.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Joaquim do Amaral e Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

CÂMARA CORPORATIVA. -Parecer n.º 44/VI, acerca do projecto de proposta de lei n.º 519 (autorização das receitas e despesas para 1957).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.

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Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alvos Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Monis.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite do Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 66 Srs. Deputados,
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Foram recebidos os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação dos requerimento* apresentados pelo Sr. Deputado Pinto Barriga em 5 de Junho e 27 de Julho últimos. Foram igualmente recebidos os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu em l3 de Novembro findo.

Telegramas

Do Sr. Deputado António dos Santos Carreto a comunicar que continua impossibilitado por doença de tomar parto nos trabalhos legislativos.

Do governador-geral de Angola a cumprimentar o Sr. Presidente e os Srs. Deputados no início da nova sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta relativa à, criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Vai baixar as respectivas comissões.
Para cumprimento do disposto no § :5." do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo , n.º265, 1ª série, de 6 do corrente, que insere o Decreto- Lei.
Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 170.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovado este Diário.
Está ainda na Mesa um oficio do 6.º juízo correccional da comarca de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Sebastião Ramires poder ser julgado no próximo dia 18 do corrente, data para a qual foi marcada, a audiência para esse fim.
Trata-se dum julgamento por acidente de viação. O Sr. Deputado Sebastião Ramirez não vê qualquer inconveniente em que a Câmara conceda a autorização pedida. Submeto, portanto, à apreciação da Assembleia o referido pedido de autorização.

Consultada a Assembleia. foi concedida a autorizado pedida.

O Sr. Presidente : - Encontra-se igualmente na Mesa a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano económico de l957, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Tem a palavra, para uni requerimento, o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

"Nos termos do artigo 96.º da Constituição, requeiro que o Ministério da Economia me forneça os elementos e estudo, relatórios e informações oficiais mencionados no despacho de que foi dado conhecimento público em 15 de Setembro último e que repele toda e qualquer instalação siderúrgica das proximidades das fontes produtoras de energia do Douro e dos jazigos do Reboredo".

O Sr. Paulo Rodrigues : - Sr. Presidente : não se extinguiu ainda nos olhos e no coração dos que puderam vivê-la a jornada magnifica que. na noite de 8 de Dezembro. a cidade de Lisboa dedicou à Padroeira de Portugal.
As fogueiras que a gente nova ateou nas suas sete colinas, o mar de luzes que lhe inundou as ruas e os cânticos que encheram os ares iluminam e aquecem ainda a terra portuguesa.
A grande procissão foi obra e milagre do povo cristão de Lisboa, que todo ele veio para a mu marcar sua presença.
Valorizou-a o zelo apostólico das organizações da Acção Católica e demais associações religiosas.
Deu-lhe seu entusiasmo a juventude : desde a Mocidade Portuguesa - a quem se deve a ideia linda de trazer a Lisboa a imagem do Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, coroada Padroeira pelo rei res-

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taurador - à Mocidade Portuguesa Feminina e aos escuteiros.
Serviram-na dedicação o esforço de tantos oficiais e graduados, soldados e marinheiros das nossas forças armadas.
Ajudaram-na os homens da Legião Portuguesa. Da Legião, que na manhã desse dia renovara a Salazar o testemunho nunca desmentido da sua inteira fidelidade e dele recebera a mensagem mais compensadora que pudera ambicionar para os seus vinte anos de vigília para Portugal: «eu creio em vós».
A participação de todos - homens e mulheres de Portugal - nas homenagens à Padroeira quis confirmar a devoção aos princípios que constituem o melhor património e tradição da grei. como pilar mais seguro da sua grandeza, e têm de informar, para ser pleno e eficaz, todo o labor de seu renascimento.
Quando a imagem da Senhora ia chegar à velha Sé de Lisboa - testemunha de Tantas horas de glória dum povo livre - um grupo de refugiados estendeu nas pedras do caminho uma bandeira húngara: era o grito surdo de milhões de homens a quem roubaram a maior e mais alta liberdade, que nos não consentiremos que volte a faltar na nossa terra - u liberdade de crer.
Por sobre esse grito abafado, subia então ao céu o clamor grandioso das vozes que pediam o dom da paz: da paz, que só é autentica quando for, em cada momento. obra e fruto da justiça.
Honra, pois, à cidade de Lisboa, que, pela presença ilustro das suas mais altas autoridades e pela desassombrada participação da maioria esmagadora dos seus habitantes, uma vez mais soube exprimir, com dignidade e grandeza inexcediveis, o sentir e o querer deste pais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga : - Sr. Presidente : não quero iniciar esta minha intervenção sem testemunhar ao Sr. Ministro das Corporações o meu preito de homenagem por toda a sua incansável actuação, destinada a possibilitar uma realidade corporativa portuguesa, e, ao mesmo tempo, expressar-lhe o meu agradecimento pela documentação que me enviou e que recebi na passada sexta-feira. Tinha requerido oportunamente, para intervir no debate da sessão extraordinária, em 5 de Junho, o seguinte :

Não podendo apreciar politicamente a actuação do corporativismo português, em face do artigo 71.º da Constituição, que o arredou da sua orgânica representativa e deliberativa, senão pelos seus evidentes e proveitosos resultados económico sociais, bem relacionados com a sua administração financeira e contabilização relativamente aos encargos que fez e faz incidir sobre o conjunto económico nacional, tenho a honra, nos termos regimentais e constitucionais, de requerer, pelos Ministérios das Corporações e da* Finanças e todos os demais que se mostrarem competentes, cópia de quaisquer estudos ou relatórios elaborados no período de vigência do corporativismo português que nos possam dar uma visão global e de conjunto do sou balanço económico financeiro.

Em Julho reforcei-o com outro requerimento de idêntica finalidade. Os elementos que ora recebi, que não vêm acompanhados de balanços globais e do conjunto, dizem respeito isoladamente às contas de cada um dos grémios, suas uniões e federações, sindicatos, Casas do Povo e instituições de previdência.
Esses elementos seriam preciosos se tivessem chegado oportunamente; embora não correspondessem ao requerido, mesmo assim seriam úteis nessa oportunidade, apesar de manifestarem a. dispersão e poeira infinitesimal de contas isoladas de cada uniu dessas instituições, mas não globalizadas para se tirarem as conclusões adequadas.
O seu aproveitamento requereria o trabalho de equipa, o não a acção isolada de um Deputado para a sua útil adaptação. Seria mais um trabalho destinado aos serviços que no-los enviaram, trabalho esse que poderia já estar efectuado na ocasião em que o requeri.
Merece essa ponderosa. -cento e quinze quilogramas - e densa documentação que não aguarde egoístamente para mim: ofereci-a à biblioteca desta Assembleia, onde a poderão consultar todos os ilustres colegas que se interessarem pelo assunto, e eu próprio também.
Nem os jornalistas nem os barbeiros recebem através do seu sindicato qualquer abono de família; para esta situação anómala chamo a esclarecida atenção do titular da pasta respectiva.
Estando no uso da palavra, volto a relembrar ao Sr. Ministro da Economia, a quem nunca me canso de homenagear com os sentimentos da velha estima, o problema cada vez mais alarmante da alta crescente do custo cia vida e, correlativamente, a insuficiência dos vencimentos e salários para a acompanhar, e também o problema dos azeites, aproveitando u oportunidade para reiterar, em nome da olivicultura do meu círculo, a expressão da minha solidariedade parlamentar à exposição apresentai da pelos grémios da lavoura de Bragança.
Para finalizar vou mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Por ter sido publicada com a exclusiva responsabilidade do Sr. Ministro da Economia a Portaria n.º l6 058, de 4 de Dezembro corrente, e no desejo, se for caso disso, de vir a ventilar o problema do abastecimento dos carburantes líquidos num dos períodos antes da ordem do dia, tenho a honra de requerer, por esse Ministério, os seguintes esclarecimentos:

1.º Notas estatísticas, com especificação por meses, relativamente ao quinquénio de 1952 a 1956:

a) Com referência ao consumo continental da gasolina, petróleo, gasóleo e fuel-oil;

b) Com respeito aos diferenciais de compensação contabilizados entre as companhias distribuidoras e o Fundo de Abastecimento.

2.º Cópia dos estudos da Direcção-Geral dos Combustíveis pertinentes à bonificação a que alude a alínea 5.º da referida portaria e dos despachos que sobre eles possam ter incidido.

3.º Indicação das disposições legais que fundamentaram o n.º 6.º da aludida portaria relativamente ao encerramento das bombas aos domingos e proibições de viagens ao estrangeiro e das competições automobilísticas de carácter desportivo, para. de modo cabal e constitucionalmente, se verificar que a portaria n tio colide com disposições legislativas de maior força legal, nem tão-pouco com a alçada do outros departamentos ministeriais. Outrossim, interessa conhecer a demonstração estatística, neste mês e nos subsequentes, do que a rigorosa disciplina de consumo, encerrando as bombas aos domingos, não redundará no aumento de consumo aos sábados e segundas-feiras e até mesmo da venda avulsa

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aos domingos de gasolina não contada por bombas, como parece autorizar a letra da alínea.

4.º Se o cálculo desses adicionais de emergência foram precedidos, como tudo nos leva a crer, de estudos minuciosos, cópia desses trabalhos, para me habilitar a verificar se a percentagem de agravamento da venda desses produtos foi estabelecida sobre o preço de custo desses carburantes líquidos, ou apenas relacionado com o seu preço de venda ao público, no qual já se incluem tributações, lucros dos distribuidores, diferenciais de compensação, etc., o que importaria uma extraordinária diferença numérica na percentagem.

5.º Havendo um certo contradizimento entre o exposto no período da portaria que diz: «A fim de evitar lucros injustificados, por valorização de existências, e permitir o funcionamento do sistema de bonificação já referido estabelece-se também que os suplementos de preços sejam levados pelo Fundo de Compensação a conta especial consignada igualmente a cobertura dos agravamentos de fretes e custos de origem efectivamente verificados no decurso da presente anormalidade internacional», e o dispositivo da terceira alínea da portaria, que preceitua: «Que os diferenciais de compensação presentemente em vigor entre as companhias distribuidoras e o Fundo de Abastecimento sejam acrescidos dos aumentos correspondentes aos adicionais indicados», o que me leva a pedir para ser elucidado sobre a extensão e valor interpretativo dado nesse Ministério à expressão «efectivamente verificados», de maneira a saber oficialmente se o Fundo de Compensação não poderá ser, de futuro, levado a suportar obrigações de cobertura superiores aos adicionais de emergência cobrados e, finalmente, a certeza de que esses adicionais reverterão precípua e totalmente para o Fundo de Abastecimento e não poderão ser compartilhados pelas companhias distribuidoras, mesmo para os carburantes líquidos embora ainda não importados mas já presentemente em trânsito».

Tenho dito.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: como é do conhecimento da Camará e já aqui referiu o nosso distinto colega Sr. Dr. Gastão de Deus Figueira, caíram nos concelhos de Santa Cruz e de Machico, da ilha da Madeira, na manhã de 3 de Novembro último, chuvas torrenciais, que, pelas inundações e volume caudaloso de águas que originaram, encheram de verdadeiro pânico as respectivas populações.
Durante algumas horas, bátegas diluvianas de água caíram e acumularam-se sobre a terra, desceram impetuosamente por vales e ribeiras e, na sua corrida vertiginosa para o mar, ceifaram vidos, cortaram estradas, destruíram habitações, e o luto e a dor envolveram a ilha maravilhosa, que todas as manhãs, com o despontar do sol, acordo, esperançada e confiante, para a sua vida de trabalho.
Para a Assembleia Nacional fazer ideia da extensão dessa catástrofe bastará dizer que só no concelho de Machico se perderam l milhão de metros quadrados de terra; que, sem incluir os pescadores, duramente atingidos também, cerca de trinta famílias ficaram com as suas casas total ou parcialmente destruídas e mais de cem em condições de necessitarem de socorros urgentes em alimentação, vestuário, mobiliário ou utensílios de trabalho.
As verbas a despender em obras públicas que precisam de ser reconstruídas, por serem indispensáveis à vida das respectivas populações e à própria economia da ilha, estão calculadas em 11 430 contos, dos quais 6000 contos correspondentes a obras a cargo da Junta Geral do Distrito e 4800 correspondentes a obras u cargo das câmaras municipais.
Logo após a notícia da catástrofe tomaram-se as primeiras medidas de emergência, tendo-se o Governo, especialmente os Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas, mantido em contacto directo com a Madeira, para avaliarem pessoalmente da extensão do desastre.
E mercê da intervenção imediata do governador do Funchal, da acção eficiente e decisiva da Junta Geral do Distrito, da presidência do ilustre Deputado Sr. Engenheiro António Teixeira de Sousa, dos engenheiros e técnicos daquele corpo administrativo, das Câmaras de Santa Cruz e de Machico, da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos, dos serviços dos correios e telégrafos e do auxilio da comissão distrital de assistência, da Casa dos Pescadores, do Comando Militar e de outras entidades foi possível efectuar uma obra pronta de socorro, no sentido de se restabelecer, tanto quanto possível, as comunicações, desobstruir as vilas, dar pão e amparo aos que ficaram sem casa e haveres.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Desenhou-se depois um largo movimento de solidariedade a favor das populações atingidas e em que colaboraram o Governo, o seu representante na Madeira, as entidades já referidas, o Grémio da Lavoura, a Fundação Gulbenkian, o Grémio do Milho, a Caritas e mais recentemente, a Junta dos Lacticínios, que pagou aos proprietários todo o gado perdido e assegurou facilidades especiais na reconstrução dos estábulos.
Os Madeirenses quiseram associar-se a este movimento espontâneo de solidariedade oficial. Desde a Casa da Madeira em Lisboa às colónias madeirenses na América do Norte, todos desejaram dor o seu contributo para minorar o sofrimento de conterrâneos seus. E, tendo o Diário de Noticias do Funchal aberto nas suas colunas uma subscrição pública a favor dos sinistrados, para ela concorreram generosamente elementos do comércio, da indústria, da agricultura, de todas as profissões e de todas as classes.
Mas o que é mais emocionante é que não faltaram também os óbolos dos humildes, dos operários e operárias das casas de bordados, dos estivadores, dos reclusos da cadeia, de alguns polires protegidos pela Conferência de S. Vicente de Paulo, afirmando, numa comovedora manifestação de espirito cristão e humano, que os irmãos na pobreza eram também seus companheiros nas horas de infortúnio e de desgraça.
No continente, na Madeira, no ultramar, em todas as latitudes e em todas as épocas, é sempre a mesma, pelo afecto e pelo sentimento, esta bondosa gente portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Entre as provas de solidariedade dadas à Madeira nas últimas semanas não quero deixar de mencionar a oportuna decisão da Junta Central das Casas dos Pescadores de promover, em terreno adquirido pela Câmara Municipal de Machico, a construção imediata do bairro dos pescadores daquela vila, constituído por cinquenta casas e cujo custeio será suportado em 50 por cento pelo Estado, em 25 por cento pela comissão dis-

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trital de assistência e em 25 por cento por aquela Junta Central.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-O actual capitão do Porto do Funchal e digníssimo oficial da nossa marinha de guerra, Sr. Comandante Tomás Duque, tem posto na realização deste empreendimento todo o seu entusiasmo e a sua melhor boa vontade. E, se deste, lugar desejo exprimir-lhe a gratidão dos Madeirenses pelo interesse que têm merecido à sua alma nobre de marinheiro as precárias condições em que vive a nossa boa e sacrificada gente do mar, quero tornar os meus agradecimentos particularmente extensivos à, Junta Central das Casas dos Pescadores, na pessoa do seu presidente e nosso ilustre colega nesta Câmara, Sr. Comandante Henrique Tenreiro, que tem na Madeira, como em todo o País as simpatias que lhe são devidas pelos altos primores do seu espirito e do seu coração.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-.Sr. Presidente: apesar das providencias adoptada» e ã» que se conseguiu já para minorar a situarão das regiões atingidas., muito há a fazer ainda para reparar os grandes prejuízos e danos ocasionados pela catástrofe de 3 de Novembro.
O governador do Funchal, Sr. Comandante João Inocêncio Camacho de Freitas, a quem presto as minhas homenagens pelo carinhoso interesse que, desde a primeira hora, revelou pela situação moral e material das populações sinistradas, impondo-se mais uma vez ao apreço dos seus concidadãos, pôs o Governo ao corrente da situação e das providências que urge tomar.
Como Deputado eleito pela Madeira quero dar o meu mais vivo apoio a acção do chefe do meu distrito e de todas as entidades que com ele mais directamente têm colaborado nesta emergência.
Afigura-se-me que em matéria do obras públicas torna-se necessário dar aos corpos administrativos, fora e além das percentagens habituais das comparticipações, meios que os habilitem a reconstruir muralhas, caminhos, pontes e estradas indispensáveis às comunicações dos respectivos povos.
As Câmaras de Santa Cruz e de Machico têm realizado nos últimos vinte e finco anos uma notável acção municipal e ambas são actualmente presididas por dois novos, cuja dedicação à sua terra só é excedida pelo seu firme desejo de bem servir. Pois só a Câmara de Machico, em consequência das últimas inundações, tem do reconstruir e reparar obras que andam à volta de 4:000.0000. Como pode uma câmara que tem utilizado todos os seus recursos em valorizar o seu concelho e melhorar as condições da respectiva população ocorrer a esto encargo inesperado sem uma ajuda substancial do Estado ?
Além das obras públicas e das moradias, outro problema muito mais importante é o dos proprietários que ficaram sem as suas Terras, e que no concelho de Machico totalizam cerca de 10 000 000 m2. Esta área é reduzida se a situarmos, por exemplo, na vasta planura alentejana. Mas numa região como a Madeira, de pequena propriedade, em que cada palmo de terra exprime o esforço do homem perante a própria natureza, 1 000 000 m2 agricultáveis representa o trabalho, o esforço e o sacrifício de muitas gerações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, se não se pode exigir do Estado a indemnização total dos prejuízos sofridos, não é ousado pedir que, através das suas instituições de crédito, da Junta de Colonização interna. dos seus serviços técnicos de assistência à agricultura e de unia possível isenção da contribuirão predial, como já sugeriu o Grémio da Lavoura. dispense o maior auxílio aqueles para quem a terra que as águas levaram era o seu trabalho e o seu pão.
Na velha e fidalga vila de Machico, junto ao mar, onde desembarcaram pela primeira vez na Madeira os navegadores que haviam de levar aos confins do Mundo o nome e a fé de Portugal, eleva-se a capela do Senhor dos Milagres. que. por um milagre, a- águas não arrastaram para o mar na passada manhã de 3 de Novembro. Toda a nossa ilha é. na verdade, um milagre. Milagre de Deus nas suas belezas sem par. milagre dos homens no hino esplendoroso do seu esforço e do seu trabalho. Mais uma vez, perante o infortúnio e a desgraça, confiemos nas bênçãos de Deus i> na acção do homem para sararem as feridas que na Madeira ao mesmo tempo se abriram UM seio do sua terra fecunda e no coração do seu povo generoso.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: -O Decreto-Lei n.º 40800, de; l5 de Outubro próximo passado, restabeleceu o estágio pedagógico no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, que havia sido suprimido. Não obstante a criação .de secções pedagógicas nas duas Faculdades de Lisboa f Coimbra, correspondia a. uma necessidade evidente e que, por isso. não pode deixar de si apreciar, porque contribuirá para a solução de muitos problemas afectos à própria valorização do ensino liceal, desprovido de professores, possibilitando, quiçá, num futuro próximo, uma ampliação dos quadros docentes, de modo a reduzir n número de candidatos de ocasião.
Há muito que tal providência se fazia sentir e instantemente se solicitara. E, pois, de agradecer a iniciativa do Ministério da Educação Nacional e do Governo pelo que representa, principalmente quando vier a conjugar-se com a criação, que se promete, do Instituto de Ciências Pedagógicas.
A mais completa reforma do ensino público em todos os graus, sem exclusão do infantil, mas nunca posta em execução -e como o havia de ser!- deve-se a Faria de Vasconcelos.
Nela se aludia a uma Faculdade da Educação.
Comentando o ensino oficial nos seus Diferentes aspectos - cultura intelectual e social, relações da escola com o ambiente-, o seu preclaro autor deplorara os programas de estudo, por excessivamente sobrecarregados, sem relacionação psicofísica com os educandas, «numa ilusória preparação profissional sem extensão».
Os métodos e processos de ensino tinha-os como não estimulando as capacidades naturais e aptidões dos alunos, a independência e a responsabilidade, sem qualquer simulacro de apreço pela tão necessária educação moral.
A penúria de instalações e edifícios ora confrangedora.
De então para cá, que longo caminho percorrido, sobretudo desde a criação da Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário. que a França recentemente, ao que creio, imitou, não sei, por ora, com que âmbito, e do Plano dos Centenários das escolas primárias. tornando aliciante o que era lúgubre, proporcionando bem-estar, asseio, alegria e comodidade.
Que enorme caminho percorrido num país atrasado, com uma aviltante percentagem de analfabetos e não escolarizados.

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Parece, porém, a um assaz reclamado pedagogista que a reforma a empreender entre nós não devia ter começado pelas sobras públicas belas» e. quanto ao ensino, particularmente, é um erro a construção dos novos edifícios.
E porquê?

Porque antes do pensamento sobre as pedras mortas deve vir o pensamento sobre as pedras vivas.

Ora o conspícuo escritor foi Ministro da Instrução Pública e a sua já fecunda «teta» pedagógica, como então dia íamos nós, estudantes universitários, nada conseguiu produzir.
Ouçamo-lo:

Sabeis que a mola do sistema britânico consiste numa coisa que, por ser deles, lhe chamaremos como eles chamam: o self-government. Sem dúvida. - prosseguia - a sociedade, a família e o ambiente educam o inglês no self-government: mas lá está também a escola e intundi-lo nesse molde.

E a nossa? Sabe ela ao menos o que isso é? ? Não faz a mínima ideia, e eis uma das razões por que a maquineta não anda.

Ora o sagaz «afinador», como a si próprio hoje se denomina, então Ministro, não logrou lubrificar a maquineta, não obstante o seu talento. A coisa agora anda à volta de «pedras mortas e pedras vivas», como já então parecia depender de lubrificantes ... O plano Dalton havia de vir depois ...
Pedradas injustas, pura não dizer facciosas.
Ouçamos Faria de Vasconcelos (Diário do Governo de 2 de Junho de 1923):

Edifícios escolares. - Os nossos edifícios escolares - desde o ensino primário até ao superior - são defeituosíssimos. As nossas escolas não dispõem do edifícios próprios; a maior parte delas funciona em casas inadequadas ou mal adaptadas, de modo que carecem das mais imprescindíveis condições higiénicas e pedagógicas, com prejuízo evidente do crescimento e desenvolvimento dos alunos;
a) A situação e a orientarão dos, edifícios, a superfície de que dispõem, a natureza do terreno em que se encontram, a sua própria construção, não satisfazem às elementares necessidades da higiene escolar;
b) As condições essenciais de ar, luz, temperatura e conforto não se realizam;
c) Não dispõem de serviços sanitários e higiénicos ;
d) As escolas carecem das aulas, laboratórios e oficinas precisas;
e) Não dispõem de pátios, hortos e campos de jogos.
O problema, das construções escolares tem, pois, uma gravidade iniludível e importa resolvê-lo, no interesse do vigor e da cultura da raça, visto que é na escola que a nossa juventude vive e passa a maior parte do dia, definhando-se e atrofiando-se por falta da mais elementar higiene escalar. Adiante ...

O problema actual é já outro e esse não saberia o próprio saudoso e construtivo pedagogo resolvê-lo senão pela improvisarão.
O problema já não é apenas de programas e de métodos. O problema é de volume de frequência, tal como se está observando em quase todos os países da Europa.
Muito interessante revelar o número de alunos matriculados no ano escolar de 1900-1901 nos trinta e três liceus e escolas secundárias municipais, incluindo as ilhas adjacentes, desenvolvimento considerado colossal pelo professor José Maria de Queirós Veloso na sessão de 21 de Agosto de l908 na Câmara dos Srs. Deputados: 3596.
É do conhecimento geral o número de requerentes só no ensino liceal e técnico no ano lectivo actual: globalmente mais de 70 000. Que variedade de problemas, repito, não é necessário dominar!
Assim, no ensino não oficial em regime de internato convém que não predomine a mera intenção lucrativa alias sem projecção pecuniosa no polar professorado seu servidor.
Não há inspecção eficiente nem possível fiscalização ordenadora, e todavia esse ensino impõe-se como absolutamente indispensável para alívio do próprio Estado, cuja intenção deve ser de paradigma e de modelo, para que na congeminação de processos e de artifícios se não venha a cair na lotaria dos resultados.
Os programas do ensino técnico tendem a retundir-se progressivamente e já se fala em opor às humanidades antigas as humanidades técnicas.
Recentemente o Museu Social Francês, com o concurso da Confederação dos Trabalhadores Intelectuais, discutiu a questão das relações entre a técnica e a cultura, emitindo o seguinte voto:

A técnica do ofício determina cultura quando o homem recebe, na verdade, educação profissional, conhecimento e domínio dos instrumentos de trabalho, susceptível de se desenvolver na moral da própria conduta. A competência não pode ser universal e cada um deve integrar a sua actividade no conjunto, e é nisto que consiste a cultura, e não em vãs generalidades.

A secção conclui todavia que na formação técnica como na educação em geral o homem, com fim de si próprio, não deve perder-se de vista.
A técnica, que não é senão um meio, não deve ser tida como um fim.
Esta parece ser a noção do homem adaptada a um século de profunda revolução industrial. O próprio pensamento não é já apenas; uma faculdade de compreensão da verdade, mas um instrumento de acção.
É evidente que o problema é, quanto ao ensino, escolher entre dois caminhos: ou ser um instrumento de formações de élites, como há trinta anos era o ensino secundário, e seleccionar então o seu recrutamento, orientando importantes efectivos para outros graus paralelos, acolhendo todos os candidatos, mas distinguindo os destinados ao verdadeiro escol dos que hão-de preencher os quadros médios da vida pública.
Certos títulos académicos desintegraram-se da nomenclatura profissional corrente e perderam prestígio.
O desemprego intelectual não resulta apenas da abundância, mas também muito da mediocridade.
Sr. Presidente: por estar no uso da palavra aproveito o ensejo para enviar para a Mesa o seguinte requerimento, que com o ensino se relaciona:

Requerimento

«Ao abrigo das disposições do Regimento, requeiro que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidas as seguintes informações quanto ao ensino liceal e relativas a l de Janeiro de l956:

1) Quadro de professores efectivos do 1.º ao 9.º grupos, discriminados por liceus, grupos e sexos.
2) Indicação dos professores efectivos em exercício do l.º ao 9.º grupos, discriminados por liceus, grupos e sexos.

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3) Indicação de professores eventuais em exercício do 1.º ao 9.º grupos, discriminados por grupos e sexos, separando os licenciados dos não licenciados.
4) Professores efectivos sem Exame de Estudo do l.º ao 9.º grupos, discriminados por sexos e mencionados os licenciados e não licenciados.
5) Professores do l.º ao 9.º grupos necessários à completa realização do ensino e que em l de Janeiro de l956 ainda ,se não encontravam em serviço, separados discriminadamente por grupos e liceus.
6) Professoras efectivas do 1.º ao 9.º grupos nomeadas de 4 de Abril do ]953 a 30 de Setembro de 1956 para liceus masculinos ou secções masculinas dos liceus mistos, com discriminação por grupos e por liceus.
7) Habilitações académicas dos professores não licenciados em exercício na data mencionada, com indicação dos grupos.
8) Número de convites feitos a professores com Exame de Estado do 1.º ao 9.º grupos ,com menção de recusa e nomeações discriminadas, quanto a estas, referindo-se a categoria anterior dos professores providos de l de Outubro de 1955 a 30 de Setembro de ]!)õ6.
9) Esclarecimento quanto ao período de validade dos concursos liceais ultramarinos. 10) Indicações quanto a liceus femininos e secções femininas dos liceus mistos em l de Janeiro de 1956».

Tenho dito.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: não foi em vão - e digo-o com sincero júbilo- que insistentemente reclamei do Poder Executivo a atenção para o instante problema da representação do Estado junto de bancos, empresas e companhias.
Ao fazê-lo não me moveu qualquer sentimento de acrimónia mas antes e tão-sòmente a natural e evidente ansiedade de ver remediadas incongruências e insuficiências de um regime legal e regulamentar insuficiente e ineficaz, por desactualizado, em matéria de tão marcada relevância, quer do ponto de vista económico e social, quer no aspecto moral e político.
Quem de longe, como eu, vem assistindo, não em passividade culposa, mas em actividade diligente, ao desenrolar da vida pública num surto de tão altas realizações nacionais, não podia nem (ínvia ficar indiferente ou abúlico perante a ânsia de melhoria e moralização que constituiu o móbil fundamental da Revolução Nacional de 28 de Maio.
Realizada a obra indiscutível de saneamento financeiro e de «arrumo da casa» que o Sr. Oliveira Salazar levou a cabo, obra que, por ingente, a tantos parecia impossível, as minhas ansiedades e de muitos e muitos outros podiam finalmente vislumbrar a possibilidade de saneamento e de melhoria nos vários sectores da administração pública.
Por isso, quando o Sr. Ministro da Presidência, com a visão do problema a que me tenho referido, anunciou no seu discurso de 17 de Outubro último a próxima publicação do Decreto-Lei n.º 40 833, de 29 de Outubro de 1956, fiquei na consciência de que não fora sem razão que reclamara uma mais justa e oportuna regulamentação do assunto.
Não é esta o momento, Sr. Presidente, de entrar numa cuidada apreciação do referido diploma legal e concluir pela sua incompleta ou perfeita eficácia.
Aguardemos serena e confiantemente os resultados.
Considero, a este respeito, que se impõe a publicação de outros textos legais, nomeadamente, no que respeita ao regime de acumulações e incompatibilidades. de tal maneira as matérias se relacionam e interpenetram.
Por agora, porém, não pretendo mais do que marcar a incontestável vantagem da publicação do referido diploma e afirmar a minha confiança em que o caso por sua importância e projecção, não deixará de continuar a merecer a atenção do Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: acho que não deve passar mais um dia sem que nesta Câmara se evoque a personalidade de António Ferro e preste à sua memória uma justa homenagem.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Lamento que as poucas palavras que vou dizer não exprimam condignamente o pensamento e os sentimentos de dor que nos são comuns a todos.
A minha idade o a circunstância de ter tomado parte nalgumas coisas que aconteceram no segundo decénio deste século identificam-me como testemunha de que a vida de António Ferro se notabilizou premiando à Nação um dos mais altos serviços que a nossa geração desejaria que alguém lhe prestasse.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reporto-me à época em que. aceite e propagada por um grupo a doutrina do nacionalismo integral, os fundadores do Integralismo Lusitano resolveram tomar uma parte activa na batalha que então se travava. Ser nacionalista era, e é amar e servir a Nação como a mais bela forma de convívio humano, como aquela, que depois do lar, o após milénios de experiência, se revelou a mais sólida, a mais fecunda e a mais coerente batalho, da liberdade o da ideia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E. assim. este amor à Nação traduzia-se na exaltação de todos os valores nacionais e levavam-nos ver exaltado tudo quanto de belo fizesse neste Mundo o povo português.
Ora, nessa época havia em Lisboa um grupo de artistas, pintores, poetas, escultores, etc.. que se sentiam isolados no seu papel porque a Nação, nas manifestações da sua vitalidade a cargo do Estado, lhes não dava aquele apoio de que eles tanto precisavam e do qual se achavam merecedores.
Esses artistas levantavam ainda a bandeira de uma reivindicação, a reivindicação do direito de cidadania paru os artistas, direito que não podia ser escondido no anonimato e. sem embargo do desinteresse que estes artistas tinham por questões políticas, som prejuízo dela. deixando à política a solução de outros problemas de convívio social, o que é certo que eles desejavam ardentemente estar presentes na vida da Nação.
Esta reivindicação, embora não lutássemos na mesma trincheira, aproximava-nos e criou entre nós afinidades simpáticas de que nus orgulhamos hoje. principalmente quando nos lembramos que desse grupo de artistas faziam parte poetas como Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro, escultores como Francisco Franco, pintores como Amadeu de Sousa Cardoso e tantos outros, que nem as sombras da morte num as necessidades da vida impedem que os traga hoje à minha fiel admiração.

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António Ferro era, então, um moço e na idade em que vivíamos um ou dois anos de diferença não alteravam a missa convivência e a nossa conduta. Ele era um muco audaz a impenitente, capaz de trazer para a rua, pura os comícios, a sua bandeira da razão, não se conformando com que essa razão mental se perdesse no passatempo das tertúlias da Brasileira e do Tavares.
Com alguma dificuldade vencemos e, assim, o seu nome aparece na capa da revista Orfeu, que foi o órgão e o ponto de reunião desses artistas. Depois ele revela-se; como jornalista, como conferencista e como novelista.
A política não atraía, porventura, a sua sensibilidade: deixou-se impressionar particularmente com o episódio espectacular e trágico do Sidonismo mas a política, que eu saiba, nunca o atraiu. E quando se dá o seu encontro com Salazar; quando ele viu e conheceu um tipo de uma humanidade política, talhada a escopro de universal, ele descobriu a sua vocação de servidor da Nação, porque para um artista os paradigmas de perfeição transcendem por definição as fronteiras geográficas, as fronteiras históricas e da ética.
Era preciso que se encontrasse face a face com uma das personagens do drama contemporâneo para que a parecessem as luzes fortes da ribalta do seu feitio literário, de jornalista. Esse encontro é decisivo na vida de António Ferro. Tenho-o como decisivo na nossa vida pública.
E impossível, Sr. Presidente, e eu não posso pretendê-lo historiar minuciosamente o que foi a obra de António Ferro. Vejo-o, de uma maneira geral, a abrir miradouros sobre a panorâmica do País, que ele com a sua acção projectou o nome de Portugal lá fora e o nobilitou mesmo aos olhos dos Portugueses; vejo-o estimulando toda esta obra de auxílio com que o Estado pretende dar ao povo satisfação das mias necessidades espirituais através dos fundos que subsidiam o teatro e o cinema, e vejo-o criando essa colmeia, que foi a sua repartição pública, onde tanto trabalhou ao serviço das coisas do saber e da inteligência.
Não fui conviva, nem hóspede do banquete, espiritual com que regalou todos quantos quiseram trabalhar nas coisas da arte. mas como português sou profundamente grato à sua. memória e sinto que hoje a sua ausência está presente aos olhos de todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Ele viveu uma vida humanamente bela. prestou culto à razão, à inteligência, prestou culto à beleza, à arte e prestou culto à bondade. Assim, serviu a raiz, u árvore e o fruto. Foi um intelectual, um artista e um bom.
Esta tudo o que eu queria dizer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Camilo Mendonça pediu a palavra para falar antes da ordem do dia, não foi?

O Sr. Camilo Mendonça: - Sim, Sr. Presidente. Queria referir-me no 2O. º aniversário da Legião Portuguesa e à mensagem dos trabalhadores entregue no Sr. Ministro das Corporações.

O Sr. Presidente: - Lamento muito não poder dar hoje a palavra a V. Ex.º. mas ficará V. Ex.ª com a palavra reservada para o período de antes da ordem o dia da sessão de amanhã.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre autorização de receitas e despesas para 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim do Amaral:

O Sr. Joaquim do Amaral: - Sr. Presidente: as comissões de Finanças e de Economia, reunidas em sessão conjunta, tendo examinado a proposta de lei de autorização de receitas e despesas do Estado para 1957, têm a honra de sugerir à Assembleia Nacional a sua aprovação na generalidade.
A nova proposta coincide substancialmente, com a que aprovámos os para o ano transacto, sendo de registar que mais uma vez a nova gestão das finanças do Estado Português se vai iniciar, no próximo ano. sem agravamento dos encargos tributários.
Seria imperdoável omissão não assinalarmos este facto, da mais alta importância e do maior significado para a vida da economia nacional, e é de esperar que as modificações prometidas pelo relatório quanto a matéria fiscal não venham perturbar o já consagrado regime de bom convívio entre o Estado Novo e o contribuinte português desde que em 1929 se instituiu a actual e notabilíssima reforma tributária, que está na base do nosso ressurgimento financeiro, da nossa relativa prosperidade, e que durante os decorridos vinte e seis anos provou a sua eficiência, como pode constatar-se através da evolução da receita dos impostos directos.
Igualmente se confia em que resulte profícua a também anunciada revisão dos direitos de importação, com vista a uma mais perfeita conciliação entre os interesses do Estado e o sacrifício que tais direitos, nos níveis actuais, representam para o consumidor.
«A protecção pautal», diz o relatório, sé dada à produção nacional para que esta possa organizar-se em ordem a produzir mais e em melhores condições de preço e qualidade ... porque ao consumidor, que no geral não beneficia directamente da protecção, só é legítimo exigir-se que compre mais caro a qualidade pior quando esse sacrifício se lhe imponha em nome do bem comum, e não para engrandecimento das margens beneficiárias dos utentes da protecção».
Melindroso trabalho é sempre o de estabelecer um novo regime aduaneiro, mormente numa ocasião de marcada evolução doutrinal nesta matéria, e sobretudo, para países que, como o nosso, se caracterizam pela conjunção de uma estrutura económica metropolitana bastante diferenciada da estrutura económica ultramarina e numa fase de industrialização para a qual não nos sobram ainda grandes recursos de matérias-primas básicas.
Cabe aqui irmã elogiosa menção do notável trabalho apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças ao apreciar a conjuntura internacional, lúcida exposição das grandes dificuldades que por longo tempo se hão de deparar à realização dos sedutores objectivos de uma liberalização generalizada das economias europeias, em vi-la das disparidades de situação económica dos, vários agrupamentos etnográficos, desde a opulenta economia norte-americana até ao grupo dos países genericamente englobada com a designação de «regiões subsdesenvolvidas. E bastante esclarecedora a exposição feita no relatório do detalhe dessas- dificuldades, a remover antes de se conseguir o desiderato do estabelecimento de um mercado livre internacional.
Seja. porém. como for. não podemos deixar de concordar com as considerações contidas no § 37.º do rela-

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tório e com a advertência da gravidade das consequências das para Portugal de um eventual triunfo do esboçado movimento de fusão das economias europeias visando o objectivo de que «a quase totalidade da produção e consumo Europa Ocidental venha a encontrar-se; dentro de um mercado comum».
«Para que essas consequências não venham a ser-nos altamente nefastas», adverte o Ministro das Finanças «tem o País que meditar largamente nos caminhos a seguir, nas posições a defender intransigentemente e naquelas» cujo abandono. podendo traduzir-se em prejuízo ou perturbação imediata, poderão representar, no entanto, um ganho futuro». Acertadamente observa que não é apenas ao Governo que se há-de exigir que estude. planeie e promova o desenvolvimento económico do País: há que auxiliá-lo com um largo contributo da iniciativa privada, principalmente na solução dos problemas criados pela concorrência, que passam a ser fundamentais dentro da nova orientação esboçada.
No capítulo II do relatório aborda-se um pormenorizado estudo da posição actual da economia portuguesa. Referem-se com particular detalhe os elementos essenciais da produção agrícola em 1956. em confronto com a do ano anterior. e a média do último decénio. Registe-se a variação percentual que se traduz em sensível melhoria do último ano, já o mesmo não podendo dizer-se da comparação com a média dos últimos dez anos, para o que em muito contribuiu o mau ano agrícola de 1955.
Anota a certa altura o relatório que em matéria de utilização de fertilizantes e de recurso à mecanização do trabalho agrícola, apesar da melhoria revelada nos últimos anos ainda estamos longe dos níveis da maioria dos países europeus.
Não podemos, porém, esquecer-nos da dificuldade intrínseca do nosso problema agrário, condicionado por uma extrema pulverização da propriedade numa larga zona do País, a par de outra larga zona de latifúndio. que só será possível diminuir na medida em que estiver completo e desenvolvido o esquema de irrigação das zonas adequadas.
Também para as deficiências notadas concorrem em boa medida, juntando-se às consequências da fácies agrário-social, e em estreita correlação com elas, a própria configuração topográfica do País, a pobreza específica de largas zonas do solo e, quantas vezes, a terrível irregularidade climática .
Existe, quanto a mim, uma medida fundamental a promover, que é o estudo da melhor aptidão dos nossos solos para com ele nos defendermos o melhor possível das fatalidades climática e topográfica e, assim, concorrermos com uma equilibrada expansão agrícola para o conjunto do equilíbrio económico: tal equilíbrio não poderemos consegui-lo com uma errada distribuição de culturas, que nos leva, por exemplo à superprodução de arroz, em detrimento da produção de carne e lacticínios, ,de que vimos sendo persistentemente deficitários.
Damos, por isso, caloroso aplauso à prometida melhoria da qualidade e do volume da assistência técnica prometida à lavoura, mercê de um adequado desenvolvimento da actuação da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
Sr. Presidente: de tudo quanto pudemos apreender no valioso relatório que acompanha a proposta da Lei de Meios, dos comentários feitos no exame de todos os elementos que integram a nossa economia da balança conjunta de pagamento, da produção agrícola e industrial, dos índices de preços e consumos, do processamento executório do último Plano de Fomento aprovado somos levados a concluir que será altamente desejável que venha a estabelecer-se uma complementaridade das estruturas económicas metropolitana e ultramarina que nos garanta a primordial condição para a estabilidade do seu conjunto: o maior alargamento da dimensão do mercado interno, como suporte da progressiva industrialização que ambicionamos, e a qual, pela reversibilidade natural dos factores económicos, promoverá a desejada elevação do nível de vida geral. Os nossos votos são idênticos aos do Sr. Ministro das Finanças quando afirma:

É de desejar que o caudal de fornecimentos e consumos entre todas as parcelas do território nacional aumente dia a dia e que se possa traduzir por um alargamento do consumo e produção nacional e por uma menor dependência do estrangeiro. A fusão dos mercados internos, em grau compatível com os verdadeiros interesses das províncias que formam o todo nacional, é objectivo que não será abandonado, embora levante problemas que exigem prudente solução.

Plenamente de acordo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: esta proposta da Lei de Meios que começamos hoje a discutir tem para mim especialmente duas notícias boas. Não quero dizer que não tenha mais, mas sobre as outras certamente se pronunciarão outros Srs. Deputados.
A primeira notícia boa é a de que não são alterados os impostos e as taxas. Já sabemos que não vamos pagar mais, pois não se faz segredo disso no próprio relatório da proposta, que diz. a p. 158:

As contribuições renderam:
Milhares de contos
Em 1953........................ 7 792
Em 1954........................ 8 041
Em 1955........................ 8 840

Em 1955 conseguiu-se mesmo atingir a percentagem de 15,1 sobre o produto líquido nacional, atingindo, assim, o mesmo nível de 1938, contado pela nossa Comissão de Contas e por ela tão desejado.
Realizou-se, pois essa velha aspiração.
Mas mesmo em 1956, poderão VV. Ex.as ver, a p. 165, que todos os impostos, mas absolutamente todos, renderam mais, atingindo esses aumentos a cifra global de 376 000 contos.
Porém. Sr. Presidente, o que me faz notar essa boa notícia não é a certeza de que vamos pagar o mesmo, mas sim o que ela traduz de tranquilidade de espírito para o contribuinte, que anda a par da paz política em que vivemos.
Tenho pena, Sr. Presidente, de que, para se conseguirem estes aumentos de receitas, uma vez por outra se lance mão de certos processos que estão em contraposição com o que é tradicional e com os princípios da nossa política.
Quero referir-me ao facto de se terem trocado as taxas do imposto sucessório entre os irmãos e os cônjugues isto é, de os primeiros terem passado a pagar me-nos do que os segundos ,o que está em contradição com a lógica e o costume. Não me parece que tenha sido. pois, uma medida acertada, por supor que o nosso Governo não tem necessidade de recorrer a tais medidas para aumentar os seus réditos.
É certo que de certo modo, contribuímos para que isso se desse, pois que, ao apreciar a Lei de Meios de 1949. nos passou despercebido tal facto. Ultimamente.

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passados já três anos da repetição dessa disposição, foi publicado um diploma onde se diz:

Uma vez que o preceito se repetiu nas leis de autorização posteriores, de modo que o novo regime já vigora há cinco anos, é tempo de reconhecer a esse preceito a natureza de; disposição permanente .... embora sem prejuízo de que venha a ser ulteriormente decidido, em resultado dos trabalhos da comissão de estudo e aperfeiçoamento do direito fiscal.

Ora aproveito o ensejo para fazer votos de que esta alteração, pouco feliz, seja emendada.
Seja pomo for, não posso deixar de manifestar o meu regozija por verificar que se apresenta mais um ano em que os contribuintes podem viver sossegados, trabalhando na sua vida sem que alterações fiscais possam surgir, alterações de que estão sempre receosos.
Outra notícia agradável nos dá esta proposta de- lei - é verificar ser suficientemente dotada uma assistência técnico-agrícola para que possa ser eficiente. Tantas vezes tenho recomendado a necessidade de existir esta assistência que mal ficaria se não proferisse uma palavra de congratulação.
Chama-se-lhe agora «extensão», um americanismo, sem qualquer significado e de que ,não temos necessidade, pois que a expressão «assistência técnica» diz claramente do que se trata, o que não acontece com a palavra «extensão», que deixará ficar muita gente, sem saber o que ela quererá dizer.
A proposta diz também que para a realização da intensificação de tal assistência é indispensável uma larga reforma. Estou inteiramente de acordo em que é preciso fazer essa reforma. mas para ela não servirão aqueles que tenham nos dedos o pó das secretárias, mas aqueles que tragam nas solas das suas botas grossas esta boa e por vezes tão avara terra portuguesa.

em isso, meus senhores, não faremos nada.
Outra observação eu queria fazer, em todo o caso, sobre a assistência técnica.
Pareceu-me ver nas explicações que vêm no relatório da proposta e no mapa que nela vem também publicado que a intenção era de se caminhar para o agrónomo concelhio. A esse respeito tenho uma observação a fazer.
Conheço uma experiência realizada no distrito de Lisboa que foi inteiramente de resultado nulo. Efectivamente, para que n agrónomo, nas condições em que o País ainda hoje está, com falta de hábito de assistência técnica e. por consequência, praticamente na quase ignorância dos serviços que pode prestar um agrónomo concelhio, pudesse vingar e realizar obra valiosa precisaria realmente de ter espírito de apóstolo, destes capazes de viver no deserto e sustentarem-se de gafanhotos.
Pareceu-me, Sr. Presidente, que para isso era cedo e valeria mais desenvolver o regime das brigadas, e daí partir para o agrónomo concelhio, ou, então, se se persistisse na orientação trocada, dar-lhes, através das estações agrárias, o indispensável apoio, que encontre centros e que ali possam reunir-se ou trocar impressões, ser acompanhados nas suas dificuldades, para poderem fazer obra que aproveite ao País e à agricultura.
Isto era o que eu fazia tenção de dizer, mas tenho o prazer de comunicar a VV. Ex.as que ainda esta manhã fui informado de que este era o pensamento do Governo. O que se deseja é alargar o número das brigadas, mesmo das estações agrárias, para que nesses centros possam encontrar a solidariedade dos seus colegas, a lição de experiência que cada um acumulou, e não tenho dúvidas de que assim se vai realizar boa obra.
Seja como for, Sr. Presidente, quero regozijar-me e agradecer ao Sr. Ministro das Finanças a compreensão desta necessidade e o estar disposto a dotar as verbas necessárias para que serviços possam ser como é indispensável, uma verdadeira assistência técnica, capaz de fazer progredir u nossa agricultura.
Pois em contraposição a estas duas boas notícias tenho duas notícias más. A primeira é a de que se pensa criar um mercado livre entre as nações da O. E. C. E.
Ao ler esta noticia, Sr. Presidente não posso deixar de lembrar-me do velho apólogo das panelas de barro e de ferro, pois nos arriscamos a vogar ao sabor dessa corrente, assaz a sofremos na nossa economia.
É certo que, segundo parece, se procuram algumas situações mais compreensíveis para os géneros agrícolas e para aqueles países que, como a Inglaterra e como nós; têm dependentes da sua economia, e com as suas responsabilidades, a economia dos países o províncias do ultramar.
É certo, Sr. Presidente, que nesta combinação internacional, ao mesmo tempo que se tomam certas medidas, também se deixam outras tantas saídas por onde é possível encontrar o caminho tantas vezes oposto àquele que se determina.
Mas nem por isso, Sr. Presidente, esta notícia deixa de ser preocupante não só para o Governo, mas também para aqueles que se interessam ou são interessados nestas medidas económicas, que têm necessariamente de ser muito estudadas, muito cuidadas e muito pensadas para que efectivamente possamos viver com esta nova organização, que se pensa realizar sem encontrarmos dificuldades profundas e graves na missa economia.
Ainda, e finalmente, outra má notícia, que não acho má, mas péssima.
Diz-nos o relatório da proposta que nos fins de 1957 se começará a adoptar a nova reforma fiscal. Quer dizer, Sr. Presidente, que aquele sossego que goza o nosso contribuinte vai desaparecer.
Essa reforma fiscal, segundo pude depreender daquilo que se lê no relatório da proposta, baseia-se na declaração de rendimento dos contribuintes. Nada mais antipático ao contribuinte português.
Bem nos bastava o imposto complementar, com os seus intérminos impressos para complicadas declarações. Agora temos de declarar os rendimentos. Lembro, em todo o caso, que quando se deixa ao contribuinte a faculdade e responsabilidade de declarar os seus rendimentos é impor-se-lhe, todavia, a obrigação de ganhar, porque o listado não pode deixar de receber as contribuições de que carece absolutamente. E estou a lembrar-me de muitas circunstâncias, como, aliás, veremos adiante, em que se encontrarão a agricultura e aqueles senhorios de renda antiga nos anos em que tiverem de fazer obras e limpezas a preços modernos. Certamente não poderão declarar a verdade, não poderão declarar o seu prejuízo, porque o Estado precisa de receber a sua contribuição.
O Sr. Ministro das Finanças preocupa-se, de resto, com este aspecto da questão, pois que, a p. 176 do seu relatório, nos diz o seguinte:

O terceiro ponto exige uma conscienciosa revisão das garantias jurídicas do contribuinte, que deverá ser completada por um persistente campanha educacional tendente a obter a reprovação social da falta de honestidade nas questões tributárias.

Quer dizer Sr. Presidente: já outro dia votámos aqui uma espécie de escola para aprendermos a ser corporativos e agora vamos fazer uma outra escola para aprendermos a ser bons contribuintes.

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Com tantas escolas, e com a provecta idade do nosso sistema tributário, receio muito que não sejamos capazes de aprender a nova linguagem da reforma fiscal.
Devo ainda dizer que, tendo recebido há muito pouco tempo o parecer da Câmara Corporativa, me deu particular satisfação verificar que o autor desse parecer tem sobre a nova reforma fiscal quase tantas preocupações como eu. Por consequência, não estou mal acompanhado.
Vou agora referir-me a vários assuntos que julgo da maior importância para a administração deste país.
Ao discutirmos a Lei de Meios são as primeiras considerações que desejo fazer sobre a situação em que vive a agricultura.

Apesar de todos os auxílios -e importantes- que o Estado lhe confere, há quase geralmente uma sensação de desanimo, que. por ser perfeitamente justificado, urge ser atenuado, se não puder ser remediado.
Salvo uma ou outra cultura, salvo uma ou outra propriedade, cujos terrenos sejam de excepcional qualidade, a agricultura vive cada vez com menores lucros, para, com receio de exagerarmos, não dizermos que vive cada vez com maiores prejuízos.
Suponho que a agricultura se faz hoje por desporto, por paixão, por necessidade, mas não por mira de lucro.
Sinto que isto é verdade, apesar de a propriedade acompanhar com notável persistência a desvalorizarão da moeda, não só por experiência própria, mas porque, falando com muitos proprietários agrícolas do Sul, do Centro e do Norte, colho esta impressão de desalento: não vale a pena! Os que têm outros recursos vão, por diletantismo, enterrando-os na propriedade e os que os não têm vão recorrendo a toda a espécie de crédito, com o que não conseguem senão tornar mais lenta a sua agonia.
E não falo dos absentistas, falo dos que corajosamente administram as suas propriedades, e não é também possível atribuir esta situação apenas aos que levam porventura um nível de vida superior às suas possibilidades.
Quem alguma vez esteve na direcção de um grémio de lavoura ou ainda num destes postos (pie comandam um determinado sector da lavoura sabe, porque vê, sabe, porque sente nos seus nervos, no seu coração, as angustias de uma economia precária, de uma economia a viver de balões de oxigénio, cada vez mais ineficazes, em que dia a dia vão soçobrando uns após outros, tanto os ricos como os pobres, tanto os grandes como os pequenos proprietários, aqueles mesmo que trabalhando a terra por suas mãos, pareceria deverem estar mais ao abrigo dos desequilíbrios económicos.
Eu sei, Sr. Presidente, que os que não vivem estes angustiosos problemas da terra, todos os citadinos que vivem à sombra do orçamento, ao abrigo dos lucros do comércio e da indústria, se sorriem perante estas lamúrias de lavrador, considerando-o o eterno chorão, o eterno descontente, que todavia, moureja duramente para que não falte a esses mesmos que o esclarecem nas suas dificuldades o pão e os acepipes de cada dia. Eu sei, mas isso não me impedirá de dizer uma verdade que se me afigura incontestável.
Por detrás do lavrador vive a numerosíssima classe dos trabalhadores agrícolas, em que naturalmente se reflectem as angústias e dificuldades dos que lhes dão trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desde a guerra a melhoria dos preços deu à agricultura um certo alento, embora ilusório, mas agora, com os maus anos a ajudar, começa a desenhar-se uma situação de catástrofe, que se me afigura indispensável travar, para que o mal duns não arraste o dos outros, o que é mais que natural que suceda num país ainda essencialmente agrícola como o nosso. Tem razão o Sr. Presidente do Conselho quando nos indica a necessidade duma vida modesta. Nem outra pode ser a dum país enquanto for pobre como o somos.
O rendimento per capita é de 5.539$, o que correspondo a 190 dólares, quando a maioria dos com participantes do O. E. C. E. se situa acima dos 450 dólares.
Ainda sobre capitações é a agricultura quem figura entre nós em último lugar:

Agricultura ............. 7.37
Pesca ................... 23.33
Indústria................ 21.35
Serviços ................ l5.60

Mas a vida na agricultura vai a caminho, para não dizer que entrou já francamente nele, de ser menos que modesta, e creio que seria conveniente e indispensável evitá-lo deliberadamente.
Através da Caixa Geral de Depósitos tem o Governo auxiliado a lavoura, mas esses mesmos auxílios, pela constância de que se revestem, pelo volume crescente que apresentam, revelam, na frialdade dos números, o que vimos a referir.

Vozes: - Muito bem!

[Ver Tabela na Imagem]

Vejamos quanto à produção:

Trigo adquirido pela Federação

[Ver Tabela na Imagem]

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18 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

Valor aproximado da produção nacional de azeite

[Ver Tabela na Imagem]

(a)Tomou-se como base o preço no produtor de 11$10 por litro (azeite de 2º,5 de acidez que corresponde aproximadamente à acidez média do azeite.
Partindo da produção média registada nas (...) de 1951-1952 e por 1953-1954 (124 milhões de litros), verifica-se que a última safra, de 1952-1956, foi inferior à referida (...) em 19 milhões de litros, correspondente a 511 000 contos.

Vinhos

Colheitas, preços e rendimentos da produção vinícola na área da Junta Nacional do Vinho

[Ver tabela na Imagem ]

Verifica-se assim que as colheitas de 1955 deram azo a que lavoura recebesse a menos que a média dos últimos três anos :

Milhares
de contos

Trigo........................... 473
Azeite.......................... 544
Vinho........................... 121
................................ 1138

O Sr. Rui de Andrade: - Fora lãs e carnes.

O Orador: - Em face destes números, fácil é compreender que a situação económica da lavoura económica é angustiosa.

O relatório da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência revela-nos que os preços por grosso subiram com Lisboa 3.5 por cento; è porém preciso dizer que esta insignificante subida não chegou à lavoura. Ali os que não descem mantém-se.
E evidente que não queremos referir-nos ao que as intempéries praticamente destruíram. Que interessa à lavoura no geral que as hortaliças, as laranjas ou os limões tenham subido grandemente de preço se as geadas tudo destruíram?
Não se pode, para crises desta natureza, apontar remédios que não sejam maduramente considerados, estudados em conjunto, resolvidos com ponderação e objectividade, sem abstrair do interesse geral.
Não produzimos bastante por unidade de superfície? Não usamos os melhores métodos de produção?

Rendimento das culturas em 1951 em relação à Europa

[Ver Tabela na Imagem]

A técnica oficial que nos diga, se sabe e demonstre, se puder, como resolver estes problemas. Se não é assim, porém, teremos de chegar à conclusão de que são insuficientes os preços que se pagam à produção e é indispensável encontrar um equilíbrio que deixe à lavoura Ter uma quota parte de lucros que lhe são indispensáveis para substituir.
A situação de servo de gleba nem mesmo em Atenas era invejável e agora só por ironia podia restabelecer-se.

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11 DE DEZEMBRO DE 1956 19

Mapa da emigração nos últimos onze anos

[Ver Tabela na Imagem ]

Este apelo angustioso brota da convicção de que num país essencialmente agrícola, como o nosso, é indispensável ter uma agricultura próspera, se queremos ter uma economia sã.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Que não seja só o produto de renúncias que rasam pelo sacrifício e que, como tal, não podem ser norma de vida.
Li nos jornais que o Ministro das Finanças havia sido autorizado a celebrar com o Export-Import Bank. de Washington, um contrato de empréstimo até 3 400 000 dólares, destinado no financiamento da construção de instalações para armazenamento de produtos agrícolas. Causou-me esta notícia a melhor impressão, já porque se destina a procurar construir instalações destinadas a armazenar produtos agrícolas, instalações de que, aliás, estamos tão necessitados, já porque para tal fim se recorre ao empréstimo, que permite atacar a fundo o problema que se pretende resolver, em vez de o deixar arrastar em circunstâncias de tornar os seus benefícios muito aleatórios.
Por várias vezes tenho exposto aqui este ponto de vista, que não é propriamente de crítica ao que se tem feito, mas antes de elogio franco e agradecido à extraordinária obra de regenerarão financeira realizada por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.
Todos conhecemos -até porque o sentimos- a necessidade, a indispensabilidade dessa, obra de regeneração financeira. Realizada, porém, com a energia, o acerto, a meticulosidade do seu autor, recolhidos os seus benefícios essenciais, que foram demonstrar as nossas possibilidades, a nossa vontade de cumprir os compromissos assumidos, criar e consolidar princípios firmes de boa e sã administração, não desperdicemos todas as vantagens que da situação criada se podem tirar.
Não é novidade para ninguém que no Mundo o problema do crédito sofreu alterações notáveis. Não preside hoje às suão grandes operações o mesmo critério que presidia há trinta anus.
Depois da última guerra. a América tem espalhado pelo Mundo, com espectacular generosidade e em condições opimas crédito abundante, que tem permitido a muitas nações melhorarem notavelmente as suas condições económicas.
Nós, orgulhosamente, temos procurado, depois da nossa regeneração financeira, a nossa regeneração económica; ma» temo-lo feito quase unicamente com o nosso esforço. E grandiosa a obra realizada e é efectivamente, reveladora de um esforço, de uma vontade heróica deste povo. que, entre tantos exemplos que tem dado ao Mundo, deu mais este: de, sob uma. orientação esclarecida, iluminada mesmo, ter sabido e querido resolver, por si só, uma situação que. da insolvabilidade, veio até ao crédito seguro e firmo dos que sabem cumprir, mesmo com sacrifício.
Em economia, porém, o tempo que se perde pode ser um elemento seguro do sucesso que se esvai e os que; se nos adiantam, por mais audazes ou menos orgulhosos, recorrendo largamente ao crédito que se oferece, tomarão posições que encontraremos ocupadas quando lá chegarmos.
Era enorme o nosso atraso, e por isso o esforço que temos de realizar é também enorme, não se contendo, afigura-se-me, nas nossas exclusivas possibilidades.
Dois exemplos apenas, se é que nesta matéria são precisos, para demonstrar o que atrás, fica dito.
Quanto teria ganho a economia nacional se logo nos primeiros tempos da actual situação, tivesse sido possível atacar-se denodadamente o nosso apetrechamento hidroeléctrico ? Quanto menos nos teriam custado as obras, quanto mais baixo, consequentemente seria n preço do custo do Kilowatt e que largas repercussões tal facto teria na nossa economia? Isto porém, não poderia ter sido porventura possível.
Outro exemplo, porém, mais flagrante e cujas consequências, por estar dentro das realidades, se podem medir exactamente.
Em 15 de Julho de 1941 publicou o Diário do Governo o chamado Plano dos Centenários para a construção das escolas primárias. Tratava-se da construção de 12 50O salas de aula, que ao tempo se estimavam em 28.000$ cada num dispêndio total de 350 000 contos.
O Estado suportava metade e distribuía a outra metade pelas câmaras municipais, a pagar em vinte anos.
Era uma medida de rasgada e generosa iniciativa, que foi fortemente aplaudida por todo o País.
Que destino teve esse maravilhoso plano, que visava, a enquadrar as escolas primárias deste país num ambiente confortável e convidativo, compatível com a dignidade do Estado Novo?
Das 12 500 salas construíram-se apenas 4273, com um dispêndio de 500:825.731 $39, isto é, quase 1/3, do projectado e uma despesa maior do que a calculada para o total; esgotou-se quase, por este motivo, a possibilidade da contribuirão das câmaras municipais e o custo de cada sala. que era de 28.000$ passou para 117.206$11.

O Sr. Amaral Neto: - Se me permite, lembrarei que esses orçamentos eram de 1941 e mesmo nesta data talvez fossem optimistas. O encarecimento dos custos explica essa desactualizarão.

O Orador: - Para maior economia, foram revistos os projectos e feitos novos orçamentos, dividindo as construções em urbanas e rurais, as quais são orçadas, respectivamente, em 80.500$ e 66.150$.
Quer dizer, o que nos devia ter custado 350 mil contos já nos custou 500 mil e contos mais 583 mil contos se até final não se agravarem as circuns-

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táncias. Entretanto as populações não beneficiaram das vantagens que podiam ter sido.
Fazendo contas simples podemos chegar à conclusão de que um empréstimo nos teria sido incomparavelmente mais barato, dando-nos ainda a vantagem de, por um trabalho Feito em cadência certa e segura, porventura realizando certa economia nas construções, termos antecipado de muitos anos os benefícios que se desejava proporcionar à população escolar e consequentemente ao País. Este exemplo podia multiplicar-se o veríamos que o admirável e fecundo esforço que se tem feito podia ler sido também multiplicado com consequências felizes para o Pais. visto que nos orgulhamos justamente de tudo o que está feito e não poderia deixar de ser salutar que se tivesse desenvolvido em muito maior escala.
Mercê duma política inacreditável, que todavia, tem ainda a desvergonha, de querer voltar à sua obra de ruína e ,de miséria, a actual situação encontrou este país no .mais lamentável, no mais vergonhoso, dos atrasos. Realizou um esforço heróico de recuperação, não só no campo financeiro, mas no que diz respeito ao brio e dignidade nacionais.
Se éramos ontem um devedor perigoso, somos sem dúvida hoje um devedor apetecido, e penso que é pena que desse tinir de dinheiro que leni corrido pelo Mundo não nos tivéssemos utilizado, com cautela naturalmente, com aquela seriedade do bom e probo administrador, que aliás não exclui a pequena audácia de antecipar o que, com proveito para todos, se tem a certeza de poder pagar.
O Mundo apetrecha-se vertiginosamente, na ânsia de dominar, pelo aumento da produção, as dificuldades que decorrem de uma demografia em constante evolução: os. que não puderem, pelo menos, acompanhar essa evolução sofrerão as duras consequências de tal facto e nós. detentores de grandes, de enormes extensões de terrenos, ricos de todas as possibilidades, nas nossas províncias ultramarinas, que requerem constantes investimentos de verbas de vertiginosa grandeza, não poderemos, aproveitando, além do mais, o orientador excepcional que a Providência nos outorgou, deixar de acompanhar o momento que passa e as possibilidades que se põem à nossa disposição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse o Sr. Eng. Daniel Barbosa na brilhante conferência que realizou no recente Congresso da União Nacional, depois de ter justificado porque o nosso regime pode e deve continuar:

Mas o termo «continuar» não poderia ter aqui o sentido de manter unicamente o que se encontra, mas sim o de procurar dar seguimento, renovando, agitando, esclarecendo e interessando, a um processo político que se mostrou capaz, isto é. actuando sem desunimos, nem marasmos nem rotinas, antes criando no País a certeza de que há energia, ousadia e vida na forma de aproveitar todos os meios que temos ao novo alcance para satisfazer, sem temores nem tibiezas, os mais altos interesses da Nação.

Adiro inteiramente a esta doutrina, porque sempre foi e é-o particularmente neste momento, indispensável ser-se audaz, sem. todavia, deixar de se ser prudente, na administração do Estado, embora a evidente antinomia que existe entre aquelas duas palavras.
Quando Salazar se apresentou sozinho com o seu programa para salvar a Nação da bancarrota iminente, propondo-se resgatar a situação financeira que nos legaram os erros do passado apenas pelo nosso próprio esforço abstraindo-se do auxílio externo impossível, foi audaz, mas a sua audácia assentava numa prudência de que logrou tirar todos os frutos, que são a sua glória o o nosso orgulho.
Pois creio, Sr. Presidente, que é tempo de voltarmos a ser audazes duma audácia temperada pela prudência e; pela experiência, mas audazes, em todo o caso pois nunca a tibieza alcançou fama ou glória.
Deu S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho a este país novas possibilidades abrindo-nos com a sua acção novos horizontes, despertou em nós,, com o seu génio, novas esperanças; pois tomemos em mão essas possibilidades e encetemos pelos novos caminhos o arranque audacioso que essas esperanças justificam.
A nossa dívida pública está apenas um 10 234 milhões de escudos, ,dos quais 950 milhões são certificados de dívida tomados pelas caixas de previdência. As contas do listado apresentam sempre saldos positivos importantes. As disponibilidades; verificadas através dos depósitos à ordem dos bancos, e caixas económicas são vultosas, a situação das reservas cambiais, do Banco de Portugal é de 18 829 milhões, de escudos, em face das responsabilidades à vista por emissão de notas (20 166 milhões de escudos), e ainda a respeitabilidade da Administração, tudo isto leva a O. E. C. E. a referir o alto valor dos nossos recursos financeiros e nos autoriza a procurarmos tanto no interior como no exterior, a possibilidade de alargarmos e aceitarmos o nosso esforço de recuperação económica que, apesar de tão grande como já o é, por uso mesmo parece poder autorizar-nos legitimamente a sacar sobre o futuro, com a certeza não só de o não comprometermos, mas antes o tornarmos mais auspicioso e prometedor.
Ao apresentar este meu ponto de vista suponho não estar só a significar o que a este respeito pensam muitos portugueses quo entrevêem hoje, graças à situação criada por S. Ex.ª o Presidente do Conselho a possibilidade de evoluirmos mais rapidamente ainda sem beliscarmos sequer a sábia prudência da sua orientação.
As estradas - Tem sido ultimamente vivamente discutido o problema das estradas e essa discussão nasce naturalmente do fado de dia u dia vermos que aumenta o número daquelas que deixam de estar em perfeita conservação e até mesmo as (pie passam a estar em mau estado.
As minhas primeiras palavras sobre este momentoso assunto, que, aliás, já várias vezes aqui foi por mim abordado, são do mais incondicional louvor à Junta Autónoma de lastradas, organismo que goza no País da melhor reputação, através duma obra cujos méritos não foram nunca contestados, nem o poderiam ser com justiça.
Não nos falta poisai técnica, que se revela competente, não nos falta a administração, que é cautelosa e severa, não nos falta o espírito de bem servir que em tal departamento do Estado é por de mais evidente. Todavia é também evidente que o estado das nossas estradas tem piorado ultimamente. A que pode atribuir-se tal i- tão importante facto? Apenas a falta de verbas suficientes .
Reparem VV. Ex.as nas nossas estradas principais e verificarão como estão remendadinhas, a atestarem um cuidado e uma atenção permanentes, mas, ao mesmo tempo, uma pobreza de recursos que se não coaduna com a indispensabilidade não só de manter a nossa rede de estradas mi perfeito estado de conservação, mas de a ir aumentando, corrigindo, aperfeiçoando, adoptando numa palavra, os modernos processos de transporte.

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E não são só as dotações que são insuficientes, senão que dessas mesmo se pretende que se paguem obras extraordinárias, como foi a da ponte sobre o Tejo em Vila França de Xira e agora a da Arrábida, no Porto, numa reincidência de erro inteiramente indesculpável.
Como qualquer destas obras se insere na ordem da centena de milhares de contos, fácil é compreender como todo o programa de trabalho da Junta Autónoma de Estradas tem de ser alterado com manifesto prejuízo das estradas de todo o País, sempre que aparece: uma obra deste vulto para ser feita pelas dotações normais da Junta. Para mais, e nunca me foi possível compreender tal critério, o rendimento da portagem da ponte de Vila Franca vai para as receitas rurais do Estudo um vez de ir mitigar o desequilíbrio causado pelo seu pagamento nas dotações da Junta Autónoma de Estradas?
Este problema das estradas, porém, não é só nosso e preocupa hoje todos os países.
As estradas construídas para a tracção animal são hoje autênticas velharias, que se não coadunam com o enorme progresso realizado com a tracção a motor.
A concepção da estrada, o seu piso, a sua largura, o seu traçado, tudo tem de obedecer boje a novo» princípios, e assim, ao mesmo tempo que é indispensável ir conservando as actuais estradas, indispensável ó também ir modernizando, alterando, adaptando e construindo de novo, para dar vazão ao tráfego, coda vez maior, mais intenso e realizado em veículos maiores, mais pesados e mais velozes.
A Junta Autónoma de Estradas vem de lia muito orientando a sua acção nesse sentido. Têm-se alargado estradas, suprimido curvas e passagens de nível e começado a construção de auto-estradas, para dar vazão ao movimento junto das cidades de Lisboa e do Porto. Apenas na grande reparação e construção de troços novo.» da estrada de Lisboa ao Porto (estrada, nacional n.º 1). incluindo a auto-estrada ao longo do vale do Tejo, e à saída do Porto vem a Junta. Autónoma de Estradas gastando desde 1948, e projecta gastar até 1957, 221 669 contos, isto para dar à Assembleia e ao País a noção do volume da* despesas, que ninguém taxará de excessivas, dado o estado em que se encontra a nossa primeira estrada.
Podemos ainda dizer que em matéria de construção .se veio desde os 12 000 km em 1927-1928 para os 17 155 km em 1955 num movimento constante e progressivo, e que em revestimentos especiais passámos de 400 km em 127-1928 para 9432 km em 1955.
Este intenso movimento reformador das estradas pratica-se em todo o Mundo.
A França, cujas estradas há pouco percorri e onde se depara frequentemente com uma largueza de meios e de mecânica que me causou inveja, reconhece, todavia, que 16 por cento da sua rede de estradas, ou 13 000 das suas estradas principais, precisam de ser objecto duma transformação radical, chegando à conclusão desoladora de que as estradas francesas matam oito vezes mais do que as estradas americanas e duas vezes mais do que as inglesas. Os esforços feitos até aqui dizem os franceses, não são mais que paliativos.
A França está actualmente, nesta matéria, como a América em 1938. Possui apenas 80 km de auto-estradas quando a Itália possui 700 km e a Alemanha está construindo mais 1100 km. para completar uma rede admirável de 3000 km.
Nestes países desapareceu já a oposição do comércio das povoações estabelecidas ao longo das grandes estradas contra o 'seu desvio, por terem verificado que a aglomeração do tráfego impedia por completo quaisquer transacções.

Como em todas as coisas, as dificuldades financeiras são as que embaraçam a solução necessária: todavia, já li este argumento. As estradas não custam tanto como os caminhos de ferro, e não seremos nós capazes de fazer tanto como fizeram os que viveram no século passado!
Na América 36 estradas 153 pontes e 8 túneis estão sujeitos ao regime de portagem, e cresce o número das obras sob este regime em cada ano. O caso é que tragam ao transporte uma economia efectiva, o que justifica que por vezes sejam construídas por empresas particulares. Temos de nus convencer de que os tempos mudaram.
A auto-estrada traz novas possibilidades económicas; as estações de serviço doublés de pequenos hotéis ou restaurantes, os cinemas ao ar livre para a reunião de carros, a possibilidade de ser servida uma refeição no próprio carro ou mesmo descontar um cheque sem necessidade de se apear do automóvel, são hoje americanices mas serão amanhã prática corrente, por toda a parte. Os grandes armazéns, vítimas, nas cidades, das dificuldades de arrumação dos carros, instalam por sua vez sucursais junto das auto-estradas. Numa palavra, a evolução que ao Mundo trouxe o automóvel não pára e mio podemos ignorar essa realidade.
Vejamos agora o nosso próprio problema, e para tal alguns números:

Em 1940 tínhamos 40 000 viaturas automóveis;
Em 1956 temos 135 000 viaturas automóveis.

Se a estes números, só por si impressionantes, juntarmos o aumento do peso dos veículos e os que se referem à frequência com que transitam nas estradas
- tráfego rodoviário: em 1950. 100; em 1955. 245 (aumento de 145 por cento) -, isso nos dará a grandeza, a monumentalidade do problema.
A evolução do consumo da gasolina e gasóleo dar-nos-á também outras noções sobre a evolução do tráfego automóvel e das possibilidades de encontrar a sua melhor solução.

Consumo de gasolina e gasóleo

[Ver Tabela na Imagem]

(a)Restrições do consumo guerra
(b)Evolução da técnica do fabrico automóvel com atenção ao consumo.
(c)Aumento de motores a gasóleo

Verificamos por este mapa que o consumo da gasolina foi sempre aumentando até que as restrições determinadas pela guerra produziram uma diminuição considerável no consumo como se pretendia. Terminadas as restrições, o consumo voltou a subir, até que aí por 1950. tendo-se modificado a técnica da construção

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22 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

automóvel com referência ao consumo o predominado o automóvel utilitário, baixa novamente. Coincidindo quase com o facto que acabo de apontar, a partir de 1952 aumenta consideràvelmente a utilização dos motores a gasóleo. o que determina novo abaixamento do continuo de gasolina e um crescimento em flecha do consumo de gasóleo, que supera já o da gasolina em tais termos que esta se consome apenas na proporção de 6l por cento daquele.
É conhecido que para obtemperar à diferença de consumo e à economia resultante do emprego de gasóleo em vez de gasolina

Economia a favor do gasóleo

[Ver Tabela na Imagem]

e uma vez que aquele não paga imposto de salvação pública, estabelece o Decreto n.º 37 l91 a criação duma taxa de compensação, cujo rendimento é o seguinte:

Imposto de compensação cobrado

[Ver Tabela na Imagem]

Esta taxa incide sobre os carros a gasóleo por esta forma:

Automóveis de lotação igual ou inferior
a nove lugares ou de carga útil infe
rior ou igual a 640 kg .................. 3.750$00
Automóveis de lotação superior a nove e
inferior ou igual a vinte lugares ou
de carga útil superior a 640 kg e infe
rior ou igual a 1000 kg .................. 4.000$00
Automóveis de lotação superior a vinte
lugares ou de carga útil superior
a 1600 kg ................................ 6.750$00

e torna-se, como é natural, difícil e desagradável de pagar. Creio que está no sentimento geral que seria preferível e muito mais rendoso cobrar uma taxa sobre cada litro de gasóleo vendido, tal como se pratica com a gasolina.
Aqui se enxerta, porém, outro problema, o da alimentação dos motores e tractores agrícolas, cujos encargos não devem naturalmente ser aumentados.
O gasóleo não pode ser colorido como o petróleo para poder estabelecer uma diferença de preços a favor do destinado à agricultura e pequenos motores industriais, suponho, por esse motivo, que o assunto poderia, porventura, ser resolvido através do petróleo, cuja diferencia de preço, em relação ao gasóleo, não é grande:

Gasóleo -1$70 e l $80.
Petróleo - 2$00.

e cujo preço, para esse fim, poderia ser baixado, por forma a não ser atingida a economia agrícola.
Estarão VV. Ex.as a pensar nesta altura que estou longe do problema que me propus tratar -as estradas- e afinal, dado que é da. gasolina que o Estado tira. e legitimamente a receita que destina à, construção e reparação das estradas, ao abordar este problema, que, aliás, nos dá a noção exacta do desenvolvimento vertiginoso da viação automóvel, o meu pensamento era acrescer esse rendimento, que se destina a fim tão útil, dando assim ao Estado a possibilidade de aumentar sem sacrifícios as suas dotações.
Penso assim que da aproximação dos preços entre a gasolina e gasóleo. com maior rendimento para o Estado, poderia resultar ainda um benefício nos preços da gasolina, o que seria, julgo eu, de manifesta vantagem.
Convém todavia, dar aqui a nota dos rendimentos que ao Estado produz a viação automóvel:

1952 ................................ 322 677
1953 ................................ 285 473
1954 ................................ 307 258
1955 ................................. 335 325

[Ver Tabela na Imagem]

Estarão porventura desfasadas as receitas e despesas?
A Lei n.º 2068, de 5 de Abril de 1954, propunha que. além de 150 000 coutos por ano e pelo orçamento ordinário, o Junta Autónoma de letradas tivesse pelo orçamento extraordinário o seguinte financiamento:

Lei n.º 2068, de 5 de Abril de 1954

Financiamento da Junta Autónoma de Estradas orçamento extraordinário:

Milhares de contos
1956....................................... 180
1957....................................... 180
1958....................................... 180
1959....................................... 230
1960....................................... 230
1961....................................... 230
1962....................................... 280
1963....................................... 280
1964....................................... 280
1965....................................... 280

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11 DE DEZEMBRO DE 1956 23

1966........................................ 280
1967........................................ 280
1968........................................ 280
1969........................................ 280
1970........................................ 280

Verifica-se que de momento as receitas cobrem as despesas e é provável que mesmo a partir de 1959 até 1961, inclusive, essa situação se mantivesse. De 1952 em diante, em que a despesa seria de 430 000 contos anuais, também a progressão das receitas nos mostra que, segundo todas as probabilidades, estas acompanhariam o movimento ascensional.
O facto, porém, de ainda tão recentemente (1954) se terem previsto aumentos de dotação, que já se torna necessário rever, mostra como este problema evoluciona rapidamente e que é indispensável ou encará-lo com largueza de vistas ou, para melhor dizer, de verbas, ou estar permanentemente atento às suas necessidades, a elas obtemperando com a necessária oportunidade.
Tem-se ultimamente martelado a necessidade, ao discutirem-se os planos de fomento, de dar prioridade aos empreendimentos reprodutivos.
Nada tenho a opor a tal doutrina, mas quero afirmar que nenhum empreendimento será mais reprodutivo do que a manutenção das estradas em bom estado e a construção de mais novas e adequadas estradas, cuja existência dá por si estímulo à criação de riqueza e facilita a sua movimentação em termos económicos.
Não basta ter produtos, importa que possam circular e que o façam economicamente.
Não falo em qualquer assembleia, não falo para qualquer governo, falo nesta Assembleia e para o nosso Governo, uma e outro apenas empenhados em bem solucionar os problemas nacionais, razão por que tenho a certeza de ser ouvido, tenho a certeza de que o problema será resolvido.
Pretendo agora tratar dos serviços de urbanização e não posso, ao fazê-lo, deixar de evocar a saudosa memória do Dr. Antunes Guimarães, ilustre e activo ornamento que foi desta Casa, desde a primeira legislatura até à sua morte.
Sob o seu aspecto bonacheirão albergava uma inteligência viva, um forte bom senso que se alicerçava num conhecimento profundo das realidades. Nas legislações antigas havia uma designação que se me afigura particularmente adaptada às figuras como a que estou a evocar: «os homens bons».
O Dr. Antunes Guimarães sobrelevava esta categoria para entrar na dos homens excelentes, por suas virtudes e serviços.
A Lei dos Melhoramentos Rurais a que a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização dá execução, é um monumento perene às qualidades desse homem probo, inteligente e bom que foi o Dr. Antunes Guimarães.
Essa lei, que melhor que qualquer outra acode às necessidades e aspirações, chega ao entendimento e ao coração do nosso bom povo português, que vê, por via dela acudir-lhe nos seus anseios, nas suas mais elementares e legítimas necessidades o Governo da Nação.
Que contraste entre o que sucedia antes do 28 de Maio de o que sucede agora !
Quem dantes se preocupava com a ausência completa das mais rudimentares comodidades das povoações rurais, quem ia junto do povo sentir com ele as agruras da vida, viver com ele a solução dos seus problemas, apesar da muita democracia que então se apregoava?
Por via dessa lei admirável não haverá já hoje recanto deste país onde a colaboração do Estado não tenha aparecido, com benefício das populações.

O movimento crescente dos dispêndios feitos pelo Estado até esta data é eloquente:

1932-1933 a 1946........ 483.336$00
1947 a 1953 ............ l:040.061$00
1954.................... 173.126$00
1955.................... 190.737$00
Total........ 1:887.260$00

Estes subsídios foram concedidos:

Pelo Fundo de Desemprego ....... 1:151.92$00
Por subsídios do Estado ........ 210.639$00
Pelo Fundo de Melhoramentos
Rurais........................ 524.699$00

Para falarmos apenas do que mais interessa direi que em:

Estradas e caminhos municipais se gás- Contos
Taram............................................ 500911
Casas de habitarão se gastaram .................... 100 600
Abastecimentos de água se gastaram ................ 328 176
Arruamentos se gastaram ........................... 264 315

Isto o que se tem feito em benefício sobretudo das populações rurais de todo o País.
O que nos dá, porém, o indicativo exacto da compreensão que a Lei dos Melhoramentos Rurais mereceu e da ansiedade com que por toda a parte se deseja caminhar e progredir, quando não apenas obter aquele mínimo de comodidades que são legítima aspiração das populações civilizadas, é o número e a importância dos pedidos feitos e que ainda não puderam ser satisfeitos.
Quando aqui há anos tratei deste mesmo assunto era superior a 500 000 contos o valor das obras cuja comparticipação havia sido pedida o que não tinha sido possível atender, e creio que esse valor persiste ainda hoje.
Eu já não sou presidente de nenhuma câmara e não sou, por consequência, directamente interessado neste assunto, embora, conserve a mais grata recordação do espírito de colaboração que sempre encontrei da parte dos serviços de urbanização, com quem larga e gratamente trabalhei.
Penso, porém, que devo pôr ao integral serviço da Nação todo o capital de experiência e conhecimentos que tenho podido obter nos cargos que tenho exercido, no esforço, que deve ser comum, para ajudar o Governo a conduzir o melhor possível a administração do País.
Este, mercê do imenso atraso em que o deixou a democracia e apesar do enorme esforço realizado pela actual situação, tem ainda necessidades tão prementes, tão angustiosas, tão clamorosas, que se me afigura indispensável fazer um esforço, sempre crescente, no sentido de darmos ao nosso paciente povo das zonas rurais um mínimo de conforto que hoje não é possível negar.
Quase me custa, Sr. Presidente, a mim que fui presidente da Câmara do meu concelho antes e depois de 1926 que conheço, consequentemente o que se podia fazer então e o que se pode fazer agora em face dum dispêndio que monta a l 887 260 contos nos últimos vinte e dois anos, quase me custa-dizia eu- vir ainda reclamar que se despenda mais. Mas o que sei também, com o conhecimento que tenho das necessidades instantes que existem por esse País fora, é que ir de encontro a elas é acarinhar, é meter no coração esse povo paciente e bom que tem vivido e ainda em boa parte vive quase à margem das comodidades legítimas e indispensáveis que hoje confere a civilização.

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Se esta afirmação porventura lhes parece exagerada, posso acrescentar que o estado da rede municipal de estradas e caminhos -13 500 km -é francamente desolador, estando arruinadas 40 por cento dessas estradas e caminhos e, pior do que isso, há milhares de povoações de 50 a 100 habitantes onde não podem chegar veículos de tracção mecânica, por falta de estrada ou caminho que as ligue à rede de entradas nacionais ou ao caminho de ferro.
No concelho de Montalegre 99,72 por cento dos falecimentos dão-se sem assistência médica, por falta de estradas, no de Macedo de Cavaleiros e Vila Pouca de Aguiar esta, percentagem é, respectivamente, de 96,34 e 95.09 por cento.
E fizeram-se já, no decénio de 1945 a 1955, 2033 km de terraplenagens, 2111 km de pavimentações e 1775 km de reparações, o que permitiu estabelecer ligações para 666 povoações, anteriormente isoladas, beneficiando 160 000 habitantes.
Uma comissão nomeada expressamente para estudar estes problemas aponta neste capítulo as seguintes necessidades:

Estradas municipais propostas:

Quilómetros construídos ...... 9 131
Quilómetros por construir .... 6 415
Total......... 15 546

Caminhos municipais propostos:

Quilómetros construídos............. 4 363
Quilómetros por construir........... 8 361
Total............. 12 724

Há cerca de l milhão de pessoas ainda isoladas da rede rodoviária existente.
Para estas não há possibilidade de desenvolvimento económico nem, muitas vezes, de melhoramentos que tornem a vida aceitável. Esta falta de comodidades, além da debilidade económica rural, é seguramente causa da fuga das populações, quer para o estrangeiro, quer para as cidades.

Quadro comparativo das populações de vários países com as das respectivas capitais
(VER QUADRO NA IMAGEM)

Não quero referir-me aos abastecimentos de águas, tão-pouco às obras de saneamento. O que quero dizer é que os factos apontados mostram, com toda a força das realidades, que não é só necessário prosseguir no caminho encetado, mas, mais ainda, reforçar as dotações por forma a intensificar um serviço que mostra ser tão necessário, direi, melhor, indispensável.
Só um energúmeno poderia pensar, por exemplo, em dar remédio ao problema rodoviário de um concelho em meia dúzia de anos, esquecendo-se de que o País tem
trezentos concelhos e que o Governo tem de acudir a cada um na medida das possibilidades.

Para dar acesso rodoviário a todas as povoações do continente com mais de mil habitantes temos de construir e reparar:

Estradas municipais:

Em construção (quilómetros)..... 2590
Em reparação (quilómetros)...... 2500

Caminhos municipais:

Em construção (quilómetros)............ 3660
Em reparação (quilómetros) ............ 3300

Por muito modestamente que se calcule o preço, tanto da construção como da reparação, fácil é prever que este programa envolve uma despesa vultosa, que, mesmo com o propósito firme de a resolver, levará alguns anos.
Já tem sido aventada a ideia de que as estradas municipais deviam passar para o Estado, mas penso que tal ideia não é feliz.
O processo mais barato que o Estado tem de resolver este problema, que reputo da maior importância, é através das comparticipações às câmaras municipais.
Em gradações diferentes das comparticipações, conforme os rendimentos das câmaras? Creio que sim.

Câmaras cujas receitas são inferiores a 500 contos - 15 por cento.
Câmaras cujas receitas são superiores a 2000 contos - 24 por cento.
Mas as câmaras municipais obtêem com facilidade aquilo que o Estado nunca obterá, que é a comparticipação pecuniária ou braçal dos interessados, razão porque também sempre pugnei porque às câmaras municipais que dêem provas de serem cumpridoras técnica e financeiramente se lhes permita sempre que o queiram realizar as obras por administração directa.
Este esforço para a construção tem de ser acompanhado da conservação, sem o que se perderiam a breve trecho todos os esforços realizados. É certo que o Estado já ajuda as câmaras em 6000 coutos anuais, mas, dadas as características dos veículos que nelas transitam e para que na imensa maioria não foram construídas, é manifestamente insuficiente.

Extensão das vias municipais percorridas por carreiras de camionetas - 2949 km.
Número de vias municipais utilizadas - 549.
Número de carreiras que utilizam vias municipais - 518.

Este quadro nos revela a importância crescente que para a comodidade dos povos podem ter as estradas e caminhos municipais, quando em estado de serem utilizados.

Proporção entre as estradas secundárias e as principais nos seguintes países

Espanha ............. l 1/2 vezes
França .............. 3 vezes
Inglaterra .......... Igual
Portugal ............ Inferior.

Eis aqui um outro grande problema que me pareceu merecer ser tratado ao discutirmos a Lei de Meios, em cujo relatório, aliás, encontrou destacada referência- assim encontre as verbas necessárias. Não o esqueçamos e registemos também com satisfação a certeza de que nos saberemos de antemão compreendidos, atra-

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vês destas palavras de S. Ex.º o Sr. Presidente do Conselho num dos seus formosos discursos:

Até onde responderão pela miséria material e moral do povo a estrada que não foi aberta, o caminho que não foi consertado, a fonte que não se canalizou, a escola que se não mandou abrir, uma lei que se não fez, um despacho que não chegou a ser dado, a desatenção aos abusos, a desprotecção dos fracos?

Nada mais claro nem mais verdadeiro, e, se o Chefe do Governo assim o compreende, podemos albergar fundadas esperanças de que se prosseguirá neste caminho com redobrada energia.
Já não sou interessado como presidente de câmara e suponho que isso me dá mais autoridade para reclamar o alargamento das verbas que se destinam a fim tão útil.
Desculpem-me pelo muito tempo que lhes tomei e pelo muito que os aborreci, tratando tão mal assuntos de tão alto interesse (não apoiados), mas já agora morrerá comigo este jeito de me apaixonar pelos problemas candentes da administração pública, em especial por todos aqueles que mais directamente se prendem com a terra e com os que nela mourejam - dura, apaixonada e patriòticamente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carneiros Lopes.
Carlos Mantero Belard.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Propostas de lei e parecer da Câmara Corporativa a que se referiu o Sr. Presidente no decurso da sessão de hoje:

1. A exiguidade do nosso mercado interno tem constituído desde sempre o mais sério obstáculo ao progresso tecnológico e à expansão saudável das actividades industriais portuguesas.
Sem mercados não pode, com efeito, haver produção, como sem esta não pode haver aperfeiçoamento de fabricos, melhoria de qualidades e técnica progressiva
Não admira, por isso, que, com tais premissas e perante a concorrência externa, a indústria nacional tenda a avançar com dificuldade, não só sob o aspecto da rentabilidade dos empreendimentos, mas até no da própria conquista e conservação dos níveis técnicos de produção que a economia moderna exige e o País cada vez mais necessita.
Porque todo o progresso económico e a elevação do nível de emprego e de vida da população se acham intimamente correlacionados com as possibilidades de expansão do trabalho português no Mundo, compreender-se-á porque se não julga conveniente a manutenção de um tal estado de coisas e se entende chegado o momento de pôr ao serviço da indústria portuguesa um organismo que possa contribuir para corrigir, no campo da técnica, o conjunto de factores adversos que têm obstado ao seu desenvolvimento.
Na verdade, independentemente da fragilidade do mercado que lhe serve de suporte, a grande massa das actividades industriais portuguesas sofre ainda, no geral, de um grave defeito: o de um perigoso e antieconómico superequipamento, associado a uma extrema pulverização de fabricos e unidades.
Daí a situação paradoxal em que essas unidades se debatem, necessitando, para poderem concorrer no mundo de hoje, de altos níveis técnicos em instalações e pessoal, mas cujas potencialidades são contrariadas por uma dimensão e exploração que, não só não permite as amortizações de maquinismos e instalações ao ritmo das actividades similares estrangeiras, como ainda, o que é mais grave, não consente sequer a investigação e a assistência técnica privativa que estão na base de todo o progresso industrial moderno.
São, com efeito, infelizmente, frequentes os casos de indústrias - como a algodoeira, a dos lanifícios, a do papel, a da borracha, a dos resinosos, a metalomecânica e a de fundição do ferro - em que as possibilidades de produção nacional excedem largamente as necessidades do consumo; e mais frequentes são ainda os casos de maquinismos em que os tempos de utilização anual

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representam apenas uma fracção diminuta da verificada em indústrias similares estrangeiras.
Pelo que respeita a laboratórios e pessoal técnico, o exemplo do sector algodoeiro - de longe uma das nossas actividades industriais mais relevantes - ilustra bem a nossa situação sob tal aspecto. Num total aproximado de quatrocentas e cinquenta unidades de fiação e tecelagem, apenas cerca de 10 por cento dispõem de instalações laboratoriais e de pessoal técnico adequado, não excedendo o número de engenheiros umas escassas dezenas, dos quais a maior parte não possui qualquer curso superior de têxteis.
Urge, por isso, modificar uma tal situação, colocando ao serviço de toda a indústria portuguesa, em geral, e ao da pequena e média indústria, em particular, uma instituição que lhe permita o recurso fácil aos meios de investigação científica e assistência tecnológica industrial de que ela cada vez mais necessita e que de forma alguma pode continuar a dispensar.
Esse, pois, o fundamento da criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial, que a presente proposta de lei tem em vista.

2. A investigação e a assistência tecnológica industrial realizam-se, normalmente, no estrangeiro por algum dos seguintes meios:

Organizações privativas dos próprios industriais ou
suas associações;
Universidades e escolas;
Fundações e outras instituições de feição cientifica
ou técnica e de carácter privado:
Organizações, ou estabelecimentos especialmente
criados pelo Estado.

Na, maior parte dos países industrializados é, em geral, a indústria que se encarrega de promover, directa ou indirectamente, e de suportar financeiramente o principal esforço de investigação científica e a assistência tecnológica indispensável ao seu aperfeiçoamento e defesa contra a concorrência.
É exemplo bem expressivo dessa orientação a indústria americana, não só pelo alto nível atingido pelos serviços privativos de investigação e assistência científica das suas grandes organizações industriais, como pelo largo intercâmbio de relações e auxílios que mantém com as diversas Universidades e escolas, como ainda pelo estímulo o clima particularmente favoráveis à fundação e desenvolvimento de instituições, como as Fundações Mellon, Annour e Batelle, particularmente especializadas e criadas com vista ao apoio técnico às pequenas unidades e empresas.
A extensão e complexidade dos problemas científicos e técnicos com que a indústria de nossos dias tem de cada vez mais, contar, os onerosos investimentos e especializações que o seu estudo exige e, sobretudo, a premente necessidade de uma eficiente articulação de esforços reclamada pela economia moderna fazem com que os diversos governos, mesmo nos países mais industrializados, intervenham e se preocupem crescentemente com as questões do financiamento, planificação e execução das tarefas ligadas à investigação e extensão científico-técnica às suas indústrias.
A forma como essa intervenção se estrutura varia, como é natural, de país para país, verificando-se, porém, em todos eles uma preocupação dominante: a de que da mesma não resulte qualquer subestimação das possibilidades criadoras das iniciativas individuais ou a restrição inconveniente da liberdade de investigação e respectivo ensino.
Daí, portanto, a diversidade de orientações seguidas na matéria, e que vão desde a franca preferência pelo simples estímulo das organizações privadas e universitárias - como nos Estados Unidos da América do Norte, em que, mesmo assim, já em 1951 um de cada quatro diplomados com cursos científicos ou técnicos se dedicava à investigação - até às planificações totalitárias, de tipo colectivista, passando por soluções intermediárias de vários graus, como em Espanha, Inglaterra e França. Nestes países, com efeito, independentemente do auxílio às Universidades e iniciativas privadas, o Estado não se dispensa de alinhar, com os seus serviços e laboratórios privativos, na grande falange de instituições que se dedicam ao estudo das investigações de interesse para o desenvolvimento industrial. O Patronato Juan de Ia Cierva de Investigación Técnica, o Department of Scientific and Industrial Research e o Centre National de la Recherche Scientifique constituem elucidativa exemplificação do facto.
Não existe, portanto, propriamente uma mesma solução para o problema em causa. Cada país a encara segundo as peculariedades económicas, sociais e até psicológicas que lhe são próprias. E não admira que assim seja, porque, como se acentua num trabalho comparativo recente da O. E. C. E. sobre a Organização da Investigação na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, o que importa acima de tudo é que as estruturas e os programas de investigação aplicada à indústria correspondam verdadeiramente às suas necessidades e às da Nação, em que aquela logicamente se deve integrar.

3. Porque os recursos não abundam entre nós ou porque, fruto de um arreigado espírito individualista e por falta de uma larga tradição industrial que outros povos já possuem, parte importante da indústria portuguesa resiste ainda, por vezes, às inovações bruscas, sobretudo no campo da ciência e da técnica, impõe-se caminhar com prudência, procurando alcançar-se sob a égide paternal de uma instituição não lucrativa e a garantia de um sigilo e neutralidade completas de um serviço oficial, aquele clima de confiança e compreensão indispensável ao estímulo e criação das iniciativas invididuais fecundas, que verdadeiramente se desejam incentivar e desenvolver, mais do que dirigir.
Longe, por isso, do espírito deste diploma criar a ideia de uma investigação científica ou tecnológica puramente oficial, com as grandiosas dotações em meios materiais e quadros de pessoal que organizações similares estrangeiras já possuem.
Tal não o consentiria a modéstia dos nossos recursos, a dificuldade de formação e recrutamento rápido dos especialistas necessários e a própria maneira de ser dos industriais, cientistas e técnicos portugueses.
São por isso bem mais simples e limitadas, mas não menos relevantes, as ambições da presente proposta de lei: criar sobretudo o primeiro grande núcleo de boas vontades e condições indispensáveis à expansão rápida de todos os valores e iniciativas científicas e técnicas de interesse para a indústria, onde quer que elas se encontrem - nas Universidades, nas fábricas, nos serviços oficiais, na própria massa geral dos técnicos e cientistas-, que queiram verdadeiramente empenhar-se na luta por um Portugal melhor, através da sua indústria.
Por tal razão, muito intencionalmente se procurou dar ao Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial aquela feição de autonomia, a universalidade de colaborações e de temas de estudo - continentais ou ultramarinos- e a total isenção de espírito de lucro que facilmente se pressente em toda a estruturação do presente diploma básico. Por isso se confia em que, conjuntamente com outras providências já em estudo ou em curso, o Instituto a criar venha a constituir, se bem compreendido no seu espírito e intenções, um valioso e decisivo instrumento do progresso industrial do País, numa época em que o saber e a

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organização são considerados dos capitais mais preciosos ao serviço das nações.

4. Nestes termos, o Governo tem a honra de apresentar a Assembleia Nacional a seguinte

Proposta de lei

BASE I

Será criado no Ministério da Economia o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial (I. N. I. T. E. I.), dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa.

BASE II

O Instituto tem por objecto fomentar, promover, coordenar e orientar superiormente a acção de assistência e investigação científica, tecnológica e económica tendente ao aperfeiçoamento e desenvolvimento industrial da metrópole e das províncias ultramarinas.

BASE III

Para a realização dos seus fins, compete ao Instituto, designadamente:
1.º Assegurar, de um modo geral, a unidade de orientação e os meios e condições necessários a uma racional coordenação e aproveitamento dos estudos, investigações ou diligências que sejam de interesse para o progresso da indústria;
2.º Acompanhar a evolução e os progressos científicos e técnicos das diversas indústrias portuguesas e estrangeiras e seus processos de expansão económica nos mercados internos e externos;
3.º Reunir e preparar devidamente, para fácil consulta e divulgação, os estudos, relatórios, textos de patentes, informações e referências, nacionais ou estrangeiras, que possam ser úteis para o aperfeiçoamento das actividades industriais já existentes ou para a instalação de novas indústrias no País;
4.º Realizar estudos, ensaios e investigações científicas ou técnicas de utilidade para a, indústria, bem como promover ou auxiliar actividades semelhantes de outras entidades nacionais, públicas ou privadas;
5.º Criar, manter ou dirigir, em qualquer ponto do território nacional, museus tecnológicos, laboratórios, instalações de ensaio, estações experimentais, fábricas-escolas ou centros de estudo ou de investigação de especial interesse para o aperfeiçoamento ou desenvolvimento industrial, bem como promover ou auxiliar a criação e manutenção de instalações e actividades semelhantes por outras entidades nacionais, públicas ou privadas;
6.º Prestar assistência científica e técnica, no âmbito da sua especialidade, aos industriais ou outras entidades públicas ou privadas que lha solicitem ou se reconheça dela carecerem;
7.º Facultar, segundo regulamento a estabelecer, a utilização dos laboratórios e serviços a cientistas, técnicos professores e alunos de escolas superiores e profissionais, ou outras entidades idóneas interessadas em estudos e pesquisas ligadas à indústria;
8.º Promover, por si ou em colaboração com outrem, a especialização, no País ou no estrangeiro, de cientistas, professores, técnicos ou pessoal de qualquer outra natureza, com vista à formação e aperfeiçoamento dos quadros de pessoal docente, dirigente, técnico ou operário indispensáveis ao progresso da indústria nacional, à eficiência do ensino que para ele possa contribuir ou aos serviços de assistência científica e técnica a cargo do próprio Instituto;
9.º Manter intercâmbio de estudos, pesquisas e informações com Universidades, escolas técnicas, institutos de investigação, centros de estudo, laboratórios e outras entidades, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que desempenhem actividades de interesse para o progresso das indústrias;
10.º Promover, através de cursos, conferências, congressos, demonstrações, exposições, filmes cinematográficos, publicações e outros meios de natureza adequada, a divulgação dos conhecimentos ou resultados obtidos em estudos e trabalhos científicos ou técnicos, próprios ou alheios, especialmente entre as entidades de carácter cultural, económico, associativo ou profissional ligadas aos problemas e actividades industriais;
11.º Assegurar e orientar a representação de Portugal em organizações, congressos, conferências ou reuniões internacionais respeitantes a matérias compreendidas nos seus fins e competência, bem como assegurar e orientar as relações com organizações estrangeiras da especialidade;
12.º Colaborar na preparação e realização dos estudos indispensáveis à estruturação de planos de fomento económico ou de ensino técnico e à montagem ou reorganização de indústrias importantes;
13.º Propor ao Governo as medidas que julgue convenientes para o progresso fabril e dar parecer sobre as consultas que pelo mesmo lhe sejam formuladas, designadamente em matéria de condicionamento industrial, regulamentação tecnológica, produtividade e normalização.

BASE IV

O Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial goza de todos os direitos civis necessários à realização do seu objecto, podendo nomeadamente e nos termos da legislação aplicável:
a) Adquirir por qualquer título e alienar a titulo oneroso a propriedade ou outros direitos reais sobre bons mobiliários ou imobiliários;
b) Tomar e dar de arrendamento ou por outra forma aceitar e ceder o uso ou fruição de bens imóveis, designadamente estabelecimentos industriais ou fabris e laboratórios;
c) Tomar e dar de aluguer ou por outra forma aceitar e ceder o uso ou fruição de bens móveis, designadamente aparelhagem, maquinaria e utensilagem fabril ou laboratorial;
d) Aceitar heranças ou legados de particulares e doações, subsídios ou dotações de entidades públicas ou privadas;
e) Fazer explorar patentes de invenção e outras modalidades de propriedade industrial que tenha adquirido ou cuja fruição lhe haja sido por qualquer modo concedida;
f) Participar na exploração de empresas que, pelas actividades que se propõem desenvolver, forem julgadas de interesse para a investigação, progresso técnico ou aperfeiçoamento das industriais no País;
g) Instituir, estabelecer, dotar, subsidiar ou por qualquer forma auxiliar iniciativas ou a criação e o funcionamento de estabelecimentos de investigação ou de ensino com interesse para o progresso industrial da metrópole ou das províncias ultramarinas;
h) Instituir prémios ou outras formas de recompensa ou distinção de entidades singulares ou colectivas que contribuam, por forma digna de especial relevo, para a investigação ou para o progresso científico ou técnico da indústria em Portugal;
i) Praticar todos os actos de gestão e administração do seu património, nos termos do presente diploma e seus regulamentos.

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BASE V

O Instituto e todos os seus serviços, instalações ou estabelecimentos gozam do benefício da isenção de contribuições, impostos, direitos, custas, selos, taxas, licenças e emolumentos, quer pelo exercício das suas actividades, quer pela aquisição e fruição de bens móveis e imóveis a título gratuito ou oneroso e respectivo registo, quando a ele houver lugar, quer ainda pela importação de produtos, matérias-primas e equipamentos de qualquer espécie necessários à realização dos seus fins.

BASE VI

O Instituto tem a sede em Lisboa, mas poderá criar e manter delegações ou qualquer modalidade de serviços, estabelecimentos e actividades, privativas ou em colaboração com outras entidades, em qualquer local do território nacional ou no estrangeiro.

BASE VII

São órgãos do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial: o director, o conselho técnico e o conselho administrativo.
O director do Instituto será de nomeação do Conselho de Ministros.
O conselho técnico compreenderá, em secções especializadas, a representação das principais actividades com fiadas à acção do Instituto.
O conselho administrativo, sem prejuízo da jurisdição do Tribunal de Contas, administrará autonomamente o património do Instituto, cobrando as receitas e efectuando as despesas necessárias ao seu funcionamento.
§ único. As atribuições, composição e funcionamento da direcção e conselhos técnico e administrativo serão objecto de regulamento.

BASE VIII

Constituem receitas do Instituto:
1.º As dotações que lhe sejam atribuídas pelo Estado, quer através do Orçamento Geral, quer por meio de organismos ou serviços dependentes do Estado ou com ele relacionados;
2.º As dotações que lhe sejam atribuídas pelos orçamentos de províncias ultramarinas, autarquias locais metropolitanas ou ultramarinas, corporações ou organismos corporativos e de cordenação económica;
3.º Doações ou deixas de particulares;
4.º Subsídios, contribuições ou quotizações voluntariamente concedidas por entidades singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras;
5.º Os rendimentos dos bens que o Instituto possuir ou por qualquer título fruir e o produto da exploração das patentes de invenção e outras modalidades de propriedade industrial que lhe pertençam;
6.º As quantias que forem devidas e cobradas em pagamento de serviços prestados pelo Instituto, a pedido de entidades públicas ou particulares;
7.º O produto de venda de bens próprios do Instituto, nomeadamente de publicações que empreenda:
8.º Quaisquer outras que por lei, contrato ou outro título legítimo lhe sejam atribuídas.
§ único. Os serviços a que se refere o n.º 6.º serão sempre efectuados sem lucro, salvo acordos ou contratos expressamente estabelecidos com os interessados.

BASE IX

O Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial disporá de serviços próprios, cujos quadros, organização e competência constarão de diploma especial, podendo os lugares que exijam habili-

tações técnicas ser providos em funcionários requisitados de quaisquer serviços públicos, corporações ou organismos corporativos ou de coordenação económica.

BASE x

Além do pessoal dos quadros permanentes, poderá o Instituto admitir por concurso, contratar ou assalariar outro pessoal, nacional ou estrangeiro, que seja considerado indispensável à boa execução dos serviços do Instituto e que será pago por dotação global para esse fim inscrita no seu orçamento.

§ único. O Instituto pode igualmente contratar pessoal, nacional ou estrangeiro, em regime de colaboração ou comparticipação com industriais, entidades de carácter cultural, corporações ou organismos corporativos ou de coordenação económica.

BASE xi

Quando o julgue necessário, o Instituto poderá, mediante contrato ou outra forma suficiente, encarregar individualidades, organismos ou instituições idóneas, nacionais ou estrangeiras, da execução de estudos, investigações ou tarefas científicas ou técnicas determinadas.

BASE xii

O pessoal ao serviço do Instituto, seja qual for a sua categoria ou situação, e as entidades encarregadas de realizar estudos ou trabalhos, nos termos da base anterior, ficam obrigados a rigoroso sigilo profissional.

§ único. A revelação de segredos técnicos, industriais ou comerciais conhecidos em serviço do Instituto importa procedimento disciplinar, sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil a que possa dar lugar.

BASE xin

Quando qualquer instalação fabril sujeita a condicionamento industrial ou a regime de exclusivo, de especial protecção aduaneira ou de preços de venda se mostre inequivocamente atrasada sob o ponto de vista técnico por virtude de incompetência, negligência ou carência de recursos da empresa, poderá o Governo im-por-lhe a assistência técnica do Instituto, observando-se o disposto no § único da base vin.

BASE xiv

Em caso de emergência grave poderá o Governo, mediante decisão do Conselho de Ministros, determinar que o pessoal, os serviços, as instalações e demais recursos do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial sejam postos, no todo ou em parte, à disposição do Conselho Superior da Defesa Nacional para efeitos de defesa civil ou militar do território e da mobilização industrial.

Lisboa, 30 de Novembro de 1956. - O Ministro da Economia, Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1957

A conjuntura Internacional

Notas gerais

1. Pelo que pode concluir-se da evolução dos mais característicos indicadores, persiste a tendência de expansão da conjuntura mundial: foram acrescidos os níveis

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gerais de produção e registou-se um alargamento nas trocas internacionais, tendo-se elevado, na maior parte dos países, as reservas de ouro e disponibilidades líquidas em dólares.

2. É preocupação dominante para alguns Governos a ameaça de surtos inflacionistas, de maior ou menor acuidade, resultantes dum acréscimo sensível das despesas de certos tipos de investimento e do facto de os salários - em crescimento mais rápido do que a produtividade - dilatarem a procura de bens de consumo ao mesmo tempo que contribuem para a elevação dos custos de produção.
Todavia, e apesar dos aspectos por vezes delicados de que o problema se reveste, parece não dever exagerar-se-lhe a gravidade: na generalidade dos casos, os surtos inflacionistas agora verificados não provêm de situações doentias, são antes consequência, natural e dominável, da alta conjuntura em que se encontra a economia mundial. De resto, o desenvolvimento atingido no campo da cooperação económica internacional permitirá, através do confronto e da harmonização das várias políticas nacionais, um mais fácil e eficiente controle dos efeitos que, gerados pela expansão, possam pôr em causa essa mesma expansão.

3. No campo da política económica deve registar-se a tendência para a generalização do planeamento, mesmo das economias mais evoluídas e chamadas liberais. Isso se deve, por um lado à intensificação da concorrência internacional; por outro, ao desejo de garantir a expansão económica ao mesmo tempo que se executa uma política de intensa preparação no campo da defesa militar: a necessidade de inventariar os recursos disponíveis e de promover a sua mais útil aplicação, interna e externa, estão na base dessa generalização do planeamento.

4. A necessidade de um apoio internacional ao desenvolvimento das regiões atrasadas continua a proclamar-se em nome de razões de natureza económica e extra-económica. Para execução destes objectivos é de salientar a fundação, no ano corrente, da Sociedade Financeira Internacional - S. F. I. -, em seguimento das deliberações do Conselho Económico e Social e da Assembleia Geral da O. N. U. O. seu capital é de 100 milhões de dólares, do qual foi já realizado, com a contribuição de trinta e um países, mais de 78 milhões, que se destinam, fundamentalmente, à activação das empresas privadas dos países mais atrasados.
Os investimentos realizar-se-ão sem garantias governamentais; a S. F. I. correrá os riscos inerentes a todo o investimento, mas não participará na direcção das empresas que financia.

A economia americana

5. A economia dos Estados Unidos parece manter o sentido de progressão retomado em 1955.
O valor do produto nacional bruto tem evoluído em sentido ascendente, não obstante o declínio registado na produção da indústria automóvel e na construção residencial. No entanto, e em contrate com o ano anterior- em que a expansão do volume real de bens e serviços constitui o factor dominante no acréscimo do produto-, manifesta-se desde o começo de 1956, nítida tendência para uma elevação dos preços.
Os investimentos industriais dos Estados Unidos deverão em 1956 ultrapassar, em aproximadamente 23 por cento, o nível recorde de 1955. 0s aumentos atingirão todos os sectores, embora sejam mais acentuados nas indústrias de bens duradouros e nos caminhos de ferro.

A própria industria automóvel, não obstante a regressão que nela se tem verificado, couta elevar as suas despesas em instalações e equipamentos.

Será também maior o volume das trocas com o estrangeiro, aumentando a exportação, tanto de bens como de serviços. Nas vendas de mercadorias ao estrangeiro são de salientar os fornecimentos de carvão e equipamento, por ser esre incremento da exportação americana indicador de maior actividade económica nos países consumidores.

As importações de bens f serviços no 1." semestre de 1956 foram também superiores às de igual período do ano anterior, mas decaíram do 1." para o 2.º trimestre, do que resultou uma subida no saldo positivo da balança, não considerando nesta os donativos militares.

Fiel à sua política de auxílio a regiões mais atrasadas, é de frisar ainda, como acontecimento no ano de 195G. a .participação dos Estados Unidos na Sociedade Financeira Internacional, em aproximadamente 00 por cento do capital realizado.

A economia do Leste europeu

6. Dentro das características específicas que definem o seu tipo de economia, o bloco dos países do Leste continuou a sua expansão económica, não obstante certos desequilíbrios, tornados mais aparentes à medida que se processa o movimento de integração no conjunto dominado pela economia da Rússia Soviética.

Assim, e enquanto alguns dos países satélites, como a Checoslováquia, a Roménia e a Alemanha Oriental, apresentam índices positivos de desenvolvimento, outros, como a Polónia, a Hungria e a Bulgária, evidenciam nítidos sinais de dificuldade na adaptação das suas estruturas económicas ao tipo de planificação prescrito pelas directrizes da Rússia.

Duma forma geral, o bloco de países do Leste continua a dispensar à industrialização o melhor dos seus esforços, ao mesmo tempo que procura adaptar a agricultura - que durante séculos foi o factor económico dominante nestes países - a uma colectivizaçíto que encontra, por parte dos camponeses, as maiores resistências, cifradas, aliás, nos baixos rendimentos unitários alcançados.

Toda a economia do bloco soviético parece, pois, ser orientada no sentido de integração. O seu pólo director é a Rússia, em ordem ao qual todos os países satélites procuram ajustar os seus planos de desenvolvimento.

As dificuldades que resultam das condições especiais das economias destes países são manifestas. Relembre--se que os países da Europa Central e do .Sudeste foram tradicionalmente o celeiro da Europa, e o seu equilíbrio residia fundamentalmente na corrente de trocas que mantinham com as regiões da Europa industrializada, nomeadamente com a Alemanha, seu principal fornecedor e cliente durante muitas décadas.

A secunda guerra mundial alterou profundamente o sentido -de equilíbrio dado por aquela corrente de trocas: a Alemanha desapareceu durante anos como potência industrial, e os países da Europa agrária, fixados na órbita da economia russa, viram desaparecer, com ela, os mercados para onde escoavam os excedentes normais das suas produções agrícolas.

O processo de industrialização, em que esses países .se estão lançando, não foi, portanto, ditado apenas pela necessidade de promover o seu desenvolvimento económico, a .partir de níveis que eram, antes de 1939, dos mais baixos da Europa; tem, sobretudo, como objectivo fundamental ocorrer à situação criada pelas profundas alteraçõe-f das ooiTt-ute-s do troca, resultantes do último uiuflito mundial.

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A industrialização desses países origina, porém, graves problemas de adaptação das suas economias à da U.R.S.S.. E se, logo após o rescaldo da guerra, esta e os seus satélites estavam demasiado absorvidos pelos problemas de reconversão e reconstituição, para sentirem a necessidade de integração, a verdade é que dez anos após o termo das hostilidades se põem, cada vez com mais premência, as exigências dum desenvolvimento económico comum, e mais consentâneo com as reais possibilidades de cada país. E, de facto, a análise dos planos económicos de maior ou menor número de anos em que todos eles estão empenhados parece denotar uma direcção e um objectivo comuns: a integração económica dos satélites na esfera política da Rússia Soviética.
Os ajustamentos destas economias, inicialmente orientados por objectivos diametralmente opostos, não se fazem, porém, sem sobressaltos e, com frequência aparecem indícios de que a evolução se não processa sem grandes dificuldades.
Os incidentes quê de há dois ou três anos têm vindo a verificar-se e a intensificar-se nos diferentes componentes do bloco comunista não parecem ser apenas a resultante dum afrouxamento do domínio político da Rússia: consubstanciam decerto também crescentes dificuldades de adaptação das várias economias à ideia de um mercado único - estruturado pela Rússia mais em ordem à realização dos seus objectivos próprios e imediatos e não em benefício comum dos países dominados.

7. Os esforços feitorem Genebra pelo bloco do Leste para a intensificação, das trocas comerciais com o Ocidente e o movimento de expansionismo económico orientado no sentido das zonas subdesenvolvidas parecem ser, no entanto, já uma resultante da integração e consolidação económica dos países de economia socialista, que começa a conferir ao sistema bases mais largas de viabilidade e de luta perante os países de tipo capitalista, cujas economias têm de preparar-se para oferecer uma força séria de resistência à expansão do bloco soviético.
Isto justifica a atenção crescente que na Rússia se vem conferindo- ao problema dá «coexistência pacífica dos dois sistemas» e, assente nesta premissa, ao desenvolvimento do comércio internacional entre os países dos dois blocos.
Está nesta linha geral, de orientação a política, por ela defendida em Genebra quando apresentou o projecto de acordo pan-europeu de cooperação económica.
Este projecto é uma réplica tardia à cooperação económica que, após a guerra, a Europa Ocidental, com o auxílio dos Estados Unidos da América, se viu forçada a realizar sem a colaboração dos povos do bloco soviético.
A criação de um mercado livre que englobe todos os países da Europa, tal como agora a propõe à Rússia, é uma solução ambiciosa, mas que, antes de ser um objectivo russo, foi objectivo dos países do Ocidente europeu, ao criarem em 1948 a sua Organização de Cooperação Económica, à qual não aderiram nem a Rússia nem os países satélites.
O plano agora apresentado é menos um plano do que um projecto de carta onde se consignam objectivos de indiscutível sonoridade, mas onde se não cuida da solução dos problemas que se levantam à realização desses objectivos.
A experiência da 0. E. C. E. demonstra, à evidência, que, apesar das afinidades políticas, sociais, culturais e económicas que ligam os seus membros não foi ainda, possível realizar a unificação dos respectivos mercados.
A simples análise das diferenças de estrutura económica dos dois blocos patenteia a carência de conteúdo realista da sugestão russa para a criação imediata de um mercado comum.
A sua aceitação, por parte do Ocidente, sem a resolução de um sem-número de questões prévias e na impossibilidade, de garantias suficientes, não passaria de dispersão de forças e de objectivos e dificilmente poderia deixar de jogar a favor dá Rússia Soviética e dos seus satélites, cuja estrutura económica lhes consente uma mais. fácil adaptação às tácticas de infiltração e conquista de mercados.
Se quisermos (e queremos) desenvolver progressivamente às nossas relações com o Leste europeu, o processo mais eficiente, embora menos espectacular, será a da realização de arranjos de comércio, que, com base nos resultados e ensinamentos da sua execução, irão sucessivamente criando o alargamento das possibilidades reais de trocas.
Nesse sentido os países ocidentais iniciaram já a sua política: Portugal tem hoje acordos de pagamento com á Polónia, Hungria, Checoslováquia e Alemanha Oriental, que, como mais tarde se verá, não atingiram ainda os resultados desejados.

8. O ano de 1956 foi dominado nos países do Leste pela publicação do 6.º plano quinquenal russo, cobrindo-o período de 1956 a 1960 e a cujas linhas gerais todos os países satélites se procuraram ajustar.
Ao termo de um quarto de século de economia planificada, durante o qual a Rússia conheceu as vicissitudes da adaptação de um novo sistema político económico e as imensas destruições resultantes da segunda guerra mundial, o 6.º plano quinquenal apresentar-se com o objectivo ambicioso de lhe dar uma posição definitiva de avanço sobre os países da Europa Ocidental é de encetar desde já a competição com os Estados Unidos da América.
É certo que mesmo em termos de slogan - «alcançar e ultrapassar os Estados Unidos da América» - a aspiração não é nova, mas é diferente o facto de ela agora ser formulada em termos de maior calma e confiança em si própria e até com maior realismo do que nos planos anteriores; na verdade, á análise do 6.º plano revelou ao mundo ocidental que os objectivos foram traçados agora com maior segurança e de uma forma mais elástica.
É evidente que j sendo diferentes os sistemas económicos dos blocos concorrentes, não pode medir-se o alcance dos objectivos do 6.º plano russo pela simples comparação das cifras de produção nos sectores básicos da economia de um ou de outro. As diferenças de estrutura, e sobretudo os desequilíbrios internos da economia soviética, pouco sensíveis à análise das médias de produção, ou dos aumentos percentuais dessas produções, escondem na realidade e na maior parte dos casos desvios e insuficiências consideráveis entre os diferentes sectores da economia.
Não poderá, portanto, figurar-se o fosso económico que ainda separa os dois países pela simples análise das produções globais ou per capita de ambos; acresce ainda que, não sendo estagnante a economia norte-americana - não obstante, a sua estrutura capitalista a tornar mais permeável às crises e às soluções de reajustamento do que uma economia do tipo russo -, tudo leva a supor que ao atingir-se o ano de 1960 à economia , deste país sé situe ainda a distância considerável da do seu competidor, apesar dos progressos que venha a realizar durante o quinquénio.

9. Caracteriza-se o 6.º plano quinquenal pelo desenvolvimento prioritário concedido à indústria pesada, paralelamente a um largo esforço no campo da pró-

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dução agrícola, ao mesmo tempo que se procura uma, intensificação do progresso técnico e um incremento na produtividade do trabalho, de cujos resultados se espera conseguir um aumento geral do bem-estar material e cultural do povo russo.
Verifica-se, portanto, ao contrário do que o deixariam supor certos acontecimentos políticos verificados recentemente, que a evolução económica continua a fazer-se sob o primado do crescimento da indústria pesada, como base de desenvolvimento de todos os ramos da economia, e premissa de uma poderosa indústria de armamento.
A análise dos números do plano e as declarações dos responsáveis pelos destinos políticos e económicos da Rússia não deixam de revelar, no entanto, embora sob a capa dos grandes êxitos na produção industrial de bens de produção, flagrantes insuficiências no sector da agricultura e, de uma forma geral, no dos bens de consumo.
O esforço que se solicita ao povo russo, no campo agrícola, pela preparação e aproveitamento das terras virgens da Sibéria Central e Oriental é grande, mas só mais tarde se poderá ver se a esse sacrifício correspondeu, de qualquer forma, uma compensação na melhoria do seu regime alimentar e uma consolidação da política de colectivização agrária.
Não deixa de ser curioso referir o modo como insistentemente o plano e as directrizes do Partido regressam a fórmulas que se deveriam julgar postergadas numa economia de tipo socialista: o apelo aos incentivos de ordem material que se contem nas declarações dos responsáveis e dirigentes soviéticos parece concluir pela necessidade de criar um motor de características capitalistas, que vivifique o circuito económico e lhe permita atingir os alvos fixados no plano.

A economia da Europa Ocidental

10. Na Europa Ocidental continua o movimento de expansão económica.
Os índices de produção industrial nos dois primeiros trimestres; deste ano excedem os do ano anterior em cerca de 7 por cento, registando-se as maiores variações na indústria transformadora, especialmente nos sectores metalúrgicos e da transformação dos metais.
Prevê-se que a curto prazo a situação se mantenha, dado o volume grande de encomendas nas indústrias produtoras de bens de equipamento, na generalidade dos países, e também, relativamente a alguns, maior ritmo no acréscimo do consumo. São de acentuar ainda certos sintomas de recuperação verificados na indústria têxtil.
As trocas da Europa Ocidental com o resto do Mundo, que em 1955 tinham revelado um incremento, mantiveram essa tendência ascensional no 1.º semestre do ano corrente, tendo-se reduzido o déficit em comparação com igual período de 1955.
No tocante ao comércio com a zona dólar, alargaram-se grandemente as compras, mas a expansão igualmente verificada nas exportações manteve o deficit num nível inferior ao do 1.º semestre de 1955.
As trocas entre os países membros (apenas as metrópoles) continuam a registar aumentos, quer em volume, quer em valores, mas a expansão está a dar-se a ritmo mais lento que o verificado em 1955.
Adiante se procurará definir em que medida a política da O. E. C. E. influenciou o ritmo de expansão deste ano e poderá, e de que forma poderá, influir na expansão futura.
De momento, e dadas as suas repercussões imediatas e mensuráveis, o problema dominante da conjuntura económica da Europa Ocidental é a tendência manifestada para um desequilíbrio entre a oferta e a procura globais, com um desenvolvimento mais rápido desta última. Como é natural, esta tendência revela-se, quer na elevação dos custos de produção e preços de venda internos, quer na alteração mais ou menos sensível das balanças de pagamentos.
Nas fontes desta tendência não estão os factores anormais que determinaram o boom da Coreia, mas sim, como se referiu já, as dificuldades de adaptação ao regime de alta conjuntura em que nos situamos.
Não obstante, os Governos procuraram contrariar esses indícios de ameaças inflacionistas, quer por uma política do crédito, através de uma elevação da taxa de desconto e de uma restrição dos créditos bancários, quer ainda, em alguns casos, por certas medidas de ordem fiscal. Dentro destes princípios gerais, cada país utilizou o sistema que considerou mais adequado à sua economia, às características das suas instituições e à intensidade dos próprios sectores de inflação.
É sobretudo no Reino Unido, Dinamarca, Noruega e França que a estabilidade financeira apresenta maiores dificuldades: nos três primeiros, e em virtude da situação das respectivas balanças de pagamento, os Governos procuraram restringir a procura, nomeadamente pela redução das subvenções e do levantamento dos impostos indirectos; já a França, em nome do mesmo objectivo, tenta o aumento das importações, o alargamento das emissões de empréstimos, etc.
Na Alemanha Ocidental o fenómeno até hoje não se manifestou com a força registada nos países citados. Apesar disso, o Governo Federal procura dominar as manifestações inflacionistas através de uma política de decidido incremento da expansão económica: decretou medidas de favor para a importação -nomeadamente o abaixamento, a título unilateral, de direitos alfandegários- e de maior estímulo para a sua produção, aqui e no geral através do subvenções.
O diferente sentido das medidas tomadas pelos vários Governos e os diversos métodos por eles utilizados para debelarem um mal que necessariamente se reflectirá na economia do mercado formado pelos países membros levaram o Conselho da O. E. C. E. a criar um grupo ministerial que estudará a situação económica dos participantes e proporá soluções nacionais que, sem perda da eficiência necessária, procurem, pela sua harmonia, não afectar o ritmo da expansão económica comum.

O mercado livre

11. Quem procure, apressadamente, avaliar o labor dos países membros da Organização Europeia de Cooperação Económica em matéria de intensificação do comércio intereuropeu, poderá concluir que o ano corrente se caracterizou pelo abandono daquela política de novos progressos anuais anunciada em 1948 pela O. E. C. E. e desde então constantemente mantida.
Na verdade, e pela primeira vez na história da Organização, o Conselho Ministerial, reunido em Paris em Julho passado, mais não fez do que prolongar até final de 1957 tudo quanto se havia acordado na reunião do ano anterior: a manutenção dos 90 por cento de liberalização global e de 75 por cento em cada uma das três categorias - produtos agrícolas, matérias-primas e produtos industriais; a continuação da U. E. P.: a reafirmação dos mesmos princípios ou das mesmas intenções quanto à política de liberação do comércio de todos aqueles entraves impeditivos do desenvolvimento da produção, como os direitos alfandegários, ajuda artificial à exportação, comércio de Estado, etc.

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Por isso se poderá dizer que o statu quo em nada será alterado, no próximo ano, pelos compromissos internacionais assumidos em matéria de comércio, câmbio e pautas.

12. Mas para aqueles que tenham por dever olhar atentamente a evolução da política económica internacional e aperceberem-se das suas reais tendências a mais longo prazo, esta paragem na marcha da O. E. C. E. não lhes dará tranquilidade, nem tão-pouco lhes afastará as preocupações motivadas pelas contínuas e crescentes pressões externas verificadas em anos anteriores, no sentido de um efectivo abaixamento dos níveis de protecção que -pelas mais variadas formas - os Governos garantem às respectivas produções nacionais.
A suspensão na marcha para a integral liberação do comércio -objectivo inicial da O. E. C. E.- não se originou no facto de os Estados membros julgarem satisfatórios os progressos já alcançados ou reconhecerem a impossibilidade prática de ir mais além.
Na verdade, nenhum membro considera que as regras do Código de Comércio da Organização espelhem já perfeição que lhes confira a dureza própria de pedras em que confiantemente se possa assentar o desenvolvimento da economia do Ocidente europeu, muito embora se possa defender, sob muitos aspectos, que o interesse imediato ou aparente de Portugal, atentas as características e o ritmo do nosso desenvolvimento económico, coincidiria com a cristalização da política da O. E. C. E. na fase em que presentemente se encontra.
Os resultados obtidos merecem já lisonjeira apreciação, mas não são de molde a conformar um grupo importante de países membros, que entende não só achar-se ainda muito distante a realização do objectivo visado pela criação da O. E. C. E. - integração das economias europeias e consequente formação de um vasto mercado livre -, como não ser possível, também, a manutenção do actual modus vivendi, dado que o sistema nem sequer assegura um mínimo de reciprocidade entre os sacrifícios realizados e os benefícios auferidos por cada um dos países membros.
E não se pode, na verdade, negar que a política comercial da Organização de Paris, visando especialmente a supressão das restrições quantitativas à importação e não dominando efectivamente movimentos compensatórios em outros sectores, tenha colocado em situação de desfavor os países que, dando execução às medidas de suspensão das restrições quantitativas, simultaneamente mantiveram baixos os seus direitos alfandegários, não ajudaram artificialmente a exportação ou não se utilizaram de outros obstáculos ao livre desenvolvimento das correntes de troca.
Esta falta de reciprocidade prova, só por si e apesar da enorme obra realizada, como ainda é frágil a construção erguida pelos países da Europa Ocidental no campo da política comercial.

13. O reconhecimento desse desfavor em que se encontravam os países do chamado «Clube das Tarifas Baixas» criou a convicção de que estes países não aceitariam, na reunião de Julho próximo passado do Conselho Ministerial da Organização, quaisquer compromissos em matéria de restrições quantitativas se, ao mesmo tempo, não fosse dado por todos um passo franco e decisivo a marcar o início de um real e progressivo abaixamento dos direitos de importação.
Dentro desta convicção se preparam hipóteses-base de um plano de reduções tarifárias.

14. A discussão do problema não teve, porém, o calor e a dificuldade que se esperavam: o Conselho acabou por manter os níveis actuais de liberalização até fins do ano próximo, sem qualquer contrapartida em matéria de abaixamentos tarifários; e de novo, neste sector, apenas se acordou em que, para além de 1957, os países seriam livres de rever as suas posições, de harmonia com o grau de satisfação que tivessem obtido no tocante às suas reivindicações no campo dos outros obstáculos ao comércio.

15. Reconhecidos os inconvenientes de se voltar a um sistema de restrições e de bilateralismo comercial; declarada a dificuldade para alguns países (nomeadamente países que ocupam posição de primeira grandeza no comércio intereuropeu) de aceitarem um plano de redução automática de direitos aduaneiros, em virtude da generalização que dessas reduções se faria por força do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (G. A. T. T.) e, consequentemente, da repercussão que elas teriam nos sistemas de «preferências imperiais»; aceite a necessidade de encontrar urgentemente solução para os problemas que efectivamente impedem o desenvolvimento das trocas dentro de um vasto mercado europeu, quais os motivos que levaram o Conselho da O. E. C. E. a uma fácil unanimidade sobre o prolongamento puro e simples das obrigações já em vigor em matéria de liberalização do comércio?
A resposta a esta pergunta poderá, em grande parte, encontrar-se no plano de organização de um mercado comum, ideado pelos seis países membros da O. E. C. E. que fizeram parte das conferências de Messina e de Veneza: a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a França e a Itália.

16. A integração das suas economias e a formação de um vasto mercado comum é solução apontada aos países membros desde a criação da O. E. C. E.
Não obstante, até hoje, e apesar das tentativas feitas por alguns dos seus membros, nunca a Organização se lançou na execução de um plano que directa e imediatamente visasse a estruturação de um mercado onde produtos, capitais e mão-de-obra circulassem livres de quaisquer obstáculos.
Embora prosseguindo, perseverante, no alargamento do mercado europeu e falando continuamente da integração económica, a O. E. C. E. tem-se limitado mais à realização de uma política de progressivo afrouxamento das barreiras que separam as diversas economias nacionais do que à criação de um sistema que directa e efectivamente conduza à integração dessas economias.
De natureza política e económica deverão ter sido os motivos que impediram a O. E. C. E. de procurar pôr em prática um sistema que efectivamente conduzisse a um verdadeiro mercado comum: tem-se entendido que a organização deste mercado pressupõe a existência de órgãos dotados de poderes supranacionais - e o princípio da soberania e igualdade dos Estados é básico na O. E. C. E.; além disso, a criação do mercado comum afectaria imediatamente os diversos países membros por forma desigual, dada a divergência de potencial e características das respectivas estruturas económicas, como atingiria também os sistemas de preferência que ligam alguns países membros a territórios situados fora da Europa.
Se esses problemas ainda hoje constituem obstáculos à formação de um mercado comum, facilmente se compreende que teria sido imprudente correr os riscos que eles envolvem nos primeiros anos de funcionamento da Organização - período esse em que a economia europeia se encontrava completamente desmantelada. Antes de mais, houve que suster o descalabro e criar as bases de uma sã expansão futura. Só depois disso, já libertos de pressões de emergência, os países membros estariam

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em condições de suportar as perturbações e os reveses que sempre se verificam em mutações profundas de estrutura.
Por estes e outros motivos, a Comunidade do Carvão e do Aço não pôde constituir-se sob a égide da O. E. C. E.

17. Acontece que os países membros desta Comunidade, reunidos na conferência de Messina, em Junho de 1955, depois de avaliarem as carências e as possibilidades actuais da Europa, proclamaram a necessidade da sua unificação económica, acentuando a urgência de duas realizações essenciais: a organização em comum da indústria atómica e a criação de um mercado comum geral.
Na sequência desta decisão, os chefes das delegações dos seis países apresentaram já o relatório onde se estudam os problemas referentes à criação da «Euratom» e do «mercado comum» e se propõem, concretamente, soluções para as questões essenciais.
A partir das propostas contidas nesse relatório, está já a redigir-se um projecto de tratado, que será submetido à aprovação dos seis Governos mencionados.

18. É cedo ainda para se afirmar se o mercado comum desejado pelo grupo de Bruxelas será ou não uma realidade.
É de notar mesmo que um dos seus membros não pôde ainda dar execução aos simples compromissos de liberalização assumidos na O. E. C. E.
Não obstante a firme decisão manifestada por esses países, a experiência por eles colhida na Comunidade do Carvão e do Aço, a forma inteligente e prática como no relatório de Bruxelas se expõem os problemas e se aponta o sentido das soluções e os laços económicos que já hoje os unem são factores que, a par da própria razão de ser do mercado comum, impõem se admita a viabilidade da iniciativa e obrigam desde já a estudar, com a maior seriedade, as repercussões que esse mercado comum possa vir a ter nas economias dos demais países.
E essa viabilidade admitiu-a o próprio Conselho Ministerial da O. E. C. E. quando, em Julho, decidiu a criação de um grupo de trabalho especial que, o mais tardar até 31 de Dezembro do ano corrente, estude as formas e métodos possíveis de uma associação, de base multilateral, entre a união aduaneira prevista pelos países de Messina e os países membros da O. E. C. E. que não façam parte dessa união. Entre os métodos de associação possível, o grupo de trabalho deverá tomar em consideração a criação de uma «zona de comércio livre» que englobe a união aduaneira e os referidos países membros.
Esta decisão do Conselho torna claros os motivos que levaram os países membros da O. E. C. E., considerados como praticando uma política de baixos direitos aduaneiros, a não insistir no plano de reduções tarifárias e a aceitar por mais quinze meses, sem qualquer compensação, a manutenção dos compromissos de liberação do comércio.
A hipótese desse plano só voltará a ser encarada se a Organização reconhecer a impossibilidade de uma associação com o grupo do merendo comum.
E de notar é também ter o Reino Unido aceite, senão sugerido, o estudo dessa associação com o grupo dos seis, ao mesmo tempo que terminantemente declarava não poder encarar a hipótese de um plano de redução automática de direitos aduaneiros.

19. Não é este ainda o momento oportuno, nem o presente relatório será o local próprio, para o estudo das incidências económicas e financeiras que a eventual criação do mercado comum terá na economia portuguesa.
Pela sua gravidade, o problema não pôde, no entanto, deixar de estar, desde o momento do seu aparecimento, na primeira linha das preocupações do Governo, como não poderá deixar de ser sentido e longamente meditado por quantos directamente vivam os problemas da produção e do comércio. Por isso se justifica que, aqui e desde já, se enunciem alguns dos problemas que a criação do merendo comum levantará. Esse enunciado não tem outro objectivo senão o de permitir que bom se avalie a importância da iniciativa e o de suscitar que, em função dela, se promova o que for mister.

20. Segundo o relatório de Bruxelas, o mercado comum revestirá a forma de uma união aduaneira, integrada pelos seis países de Messina e por todos aqueles que vierem a aceitar as suas regras.
Mas o grupo de Messina não esquece a dificuldade que para muitos países europeus representaria a adesão à união. E, por isso, desde logo sugere a possibilidade de sobrepor à união uma «zona de comércio livre», formada pelo país ou países que a ela queiram pertencer.
A escolha da forma «união aduaneira » e a sugestão de criação de uma «zona de comércio livre» que englobe a própria união constituem a primeira condição de êxito do empreendimento.
Na verdade, não pode esquecer-se que a quase totalidade dos países membros da O. E. C. E. assinou o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (G. A. T. T.) e está, por isso, presa às respectivas regras - sendo uma delas a extensão a todos os signatários do Acordo dos benefícios atribuídos à nação mais favorecida.
A excepção a esta regra, para se verificar, terá de ser consentida pela maioria dos países membros do G. A. T. T.
E é evidente que nesta base, e por motivos óbvios, nunca o mercado comum europeu se viria a formar.
Acontece, porém, que o artigo XXXIV do G. A. T. T. consente uma derrogação à aplicação da cláusula da nação mais favorecida, na hipótese de vários países formarem entre si uma zona de comércio livre ou uma união aduaneira.
Esta disposição torna, desta forma, possível a criação do mercado comum europeu.
E é curioso notar que, no caso da Europa, o mercado comum parece só poder ter condições de êxito se simultaneamente se utilizarem, conjugando-as, as duas hipóteses em que o artigo XXIV do G. A. T. T. consente a derrogação à cláusula da nação mais favorecida.
Pode, na verdade, admitir-se que os seis países de Messina constituam uma união aduneira e constituam um mercado comum. Esta união assentará já num grande espaço económico - espaço, aliás, dotado de um notável potencial de produção e de consumo.
Todavia, se o mercado comum for apenas o somatório dos mercados dos Estados participantes na conferência de Messina, terá de reconhecer-se que fora dele ficarão outros países europeus, nomeadamente o Reino Unido, cuja posição no sistema de coordenadas da economia europeia é fundamental.
Se para os países que, por motivos políticos - designadamente o seu conceito de soberania - ou por motivos económicos, não podem aderir à união é grave a situação daí resultante, também aqueles que decidiram formar o mercado comum sentem que serão muito maiores os riscos a correr se se abalançarem a uma iniciativa desta envergadura deixando de fora os restantes espaços económicos europeus - seus vizinhos, seus concorrentes, e também seus grandes consumidores e abastecedores.

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Nesta hipótese, a divisão da Europa - a sua actual fraqueza face à grandeza das outras duas zonas que, com ela, dominam o comércio mundial -, em lugar de desaparecer, tenderia a agravar-se, por quebra fatal de tantos dos vínculos de solidariedade que hoje ligam os Estados do Ocidente europeu.
A própria vida do mercado comum dos seis poderá, pois, em grande parte, considerar-se dependente do encontro de uma plataforma que consinta a associação desta união aduaneira com os principais países europeus estranhos ao seu projecto. E assim, e se essa plataforma se encontrar na criação de uma zona de comércio livre, da qual façam parte a união e os países que a ela não pertençam, então já desaparecerão os inconvenientes atrás apontados.
E porquê ?
As razões que principalmente impediriam alguns dos mais importantes países europeus de aderir a um mercado comum do tipo daquele que está a ser planeado pelo comité de Bruxelas deverão ser, por um lado, o não desejarem participar em organizações dotadas de poderes supranacionais e, por outro, o não poderem aderir a uma união aduaneira, por essa adesão pôr em perigo os sistemas de preferências em que esses países assentam as suas relações económicas com outros Estados ou com outras regiões.
Tem-se admitido que, em teoria, a zona de comércio livre pode funcionar sem a existência de órgãos supranacionais.
Os estudos em curso na O. E. C. E. virão demonstrar se também, na prática, a zona de que concretamente se trata poderá funcionar eficientemente sem essas instituições.
No entanto, nada de momento permite afirmar que assim não seja.
Se este ponto constitui, todavia, um problema a esclarecer, já o segundo não sofre discussões: união aduaneira e zona de comércio livre são uma e a mesma no que toca à não admissibilidade de direitos no interior o grupo; mas, enquanto que os países membros de uma união aduaneira são obrigados, todos eles, a manterem uma pauta única em relação a terceiros, já as normas do G. A. T. T. consentem aos países membros de uma zona de comércio livre que mantenham tarifas diferentes em relação às mercadorias originárias e provenientes de países não participantes da zona.
Se para avaliação do significado real desta distinção figurarmos o caso, por exemplo, do Reino Unido, diremos que a sua adesão a uma união aduaneira, ou a sua aceitação de um plano de redução automática de tarifas, se traduzirá na anulação ou no enfraquecimento do sistema de «preferências imperiais», sistema que constitui uma das mais fortes bases económicas da Comunidade Britânica.
Pelo contrário, se com a união aduaneira se constituir uma zona de comércio livre, o Reino Unido poderá manter o sistema de preferências. E acontece até ser muito provável que essa associação nem venha a afectar gravemente o valor das preferências, dadas as características dos comércios Reino Unido- Comunidade Britânica e Reino Unido - países do mercado europeu.
Este aspecto do problema tem a maior importância quando se queiram medir as possibilidades de êxito da iniciativa dos países da conferência de Messina. Que assim é prova-o a reacção favorável que na imprensa britânica da especialidade está a suscitar o projecto do mercado comum.

21. Não há que discutir agora a razão de ser do objectivo final que se propõe o grupo de Messina: a unificação política da Europa. Sobre o assunto, de resto, já o Governo, pela voz do Presidente do Conselho, definiu a posição de Portugal.
O problema que agora se põe, em tese, aos países que não fazem parte do grupo dos seis é, parece, apenas o de saber se será possível dentro dos moldes da Organização de Paris encontrar uma forma de efectiva cooperação económica, de íntima associação com o grupo que constituirá o mercado comum, de modo a evitar os inconvenientes manifestos que para os países não membros da união aduaneira e para os próprios países membros resultariam da formação de um mercado comum restrito.

22. Viu-se já que tanto o relatório de Bruxelas como o Conselho da O. E. C. E. admitiram que a associação possa revestir a forma de uma zona de comércio livre.
Um grupo de peritos dos países participantes estuda em Paris a viabilidade dessa forma de associação, ao mesmo tempo que procura determinar quais os problemas que a zona livre fará surgir e quais as soluções que lhes poderão ser dadas.
Para se medir a extensão da tarefa desse grupo de trabalho e para, ao mesmo tempo, se fazer ideia mais precisa das consequências, das dificuldades e mesmo do tempo que levará a pôr de pé uma empresa de tão grande envergadura, apontam-se nos números seguintes alguns dos problemas que os peritos têm, em Paris, de ajudar a solucionar e sobre os quais se poderá, eventualmente, ter de tomar posição.

A) A pluralidade de pautas, as distorções daí resultantes e o processo de as remediar.

23. Como o movimento de mercadorias dentro da zona de comércio livre é isento de direitos, levanta-se desde logo a questão do controle das correntes de mercadorias originárias de terceiros países, uma vez que os participantes da zona podem manter tarifas diferentes em relação a terceiros.
Se outro método mais expedito não se encontrar, a necessidade de fiscalizar o comércio de trânsito virá a impor o recurso a um sistema de certificados de origem para as mercadorias negociadas dentro da zona - sistema que, além de as encarecer, dificultará enormemente a livre movimentação das mercadorias.

24. E, apesar de todos os seus inconvenientes, a adopção de um sistema de certificados de origem nem sequer terá a virtude de anular por completo as distorções de comércio resultantes da existência de direitos diferentes em face de terceiros países. Estas distorções - e a consequente faculdade de concorrência em condições mais vantajosas - continuarão a verificar-se no comércio de produtos fabricados a partir de matérias-primas e semiprodutos importados, sempre que os países utilizadores desses materiais mantenham para eles direitos de importação a níveis diferentes. Por este simples facto, a indústria de um país que, por hipótese, não cobre direitos na importação de certas matérias-primas poderá sair vitoriosa da concorrência com a indústria congénere, e porventura mais bem apetrechada, de outro país que mantenha para os mesmos materiais um regime de direitos de importação.
Este problema pode revestir-se de importância especial no sector do comércio de produtos agrícolas, dado o valor da importação destes produtos no interior da zona livre europeia.
Como primeira reacção, não se vê outra solução para impedir estas distorções que não seja a da harmonização dos níveis de direitos nos países componentes da

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zona, pelo menos para as matérias-primas e semiprodutos de origem exterior que ocupem posição importante na produção de mercadorias a negociar no interior da zona.
Este aspecto não é considerado no relatório de Bruxelas, uma vez que no caso da união aduaneira se não põe o problema: aí todos os países têm o mesmo nível de direitos; mas a perturbação surgirá, mesmo no interior da união, desde que o mercado comum se alargue, em consequência da formação da zona livre.
O sistema de acordos para o nivelamento dos direitos de certos materiais é tentador, embora se reconheça imediatamente que, praticando-o, logo se prescinde da vantagem única que a zona de comércio livre oferece.

B) A abolição dos direitas aduaneiros e das restrições quantitativas: métodos, cláusulas escapatórias e tratamentos especiais.

25. A supressão de direitos aduaneiros constitui sem dúvida o principal objectivo e também o problema central do mercado comum.
O relatório de Bruxelas estuda-o, por isso, com a maior atenção. Dele resulta que a supressão total de direitos far-se-á ao longo de um período de doze anos, que poderá ser alargado a quinze se a Comissão Europeia -o órgão governamental e supranacional do mercado comum - assim o decidir por maioria qualificada de votos. Este período preparatório será dividido em três fases de quatro anos.
Ao examinar a proposta de Bruxelas fica-se na convicção de que os peritos não prevêem desde já, com a necessária precisão, a marcha da supressão ao longo de todas as etapas: proposta definitiva só a da 1.ª fase.
De qualquer forma, pode dizer-se que a supressão pensa fazer-se reduzindo em cada uma das duas primeiras fases 30 por cento dos direitos. Na 3.ª fase haverá, assim, que abolir os 40 por cento restantes.
Note-se ainda que as duas primeiras fases serão divididas em escalões, correspondendo a cada um uma baixa de 10 por cento.
0 1.º escalão terá a duração de um ano; os quatro seguintes a de dezoito meses, e a sexta redução de 10 por cento verificar-se-á no fim do oitavo ano.
O relatório não faz ainda qualquer proposta sobre os escalões na 3.ª fase.
Outro aspecto importante a ter em conta é o da redução não uniforme ou não automática dos direitos, isto é: a redução de 10 por cento -pelo menos no 1.º escalão- será uma redução média, e não uma compressão de 10 por cento em cada um dos direitos existentes, nos períodos seguintes parece que se verificará ainda maior flexibilidade.
Para permitir as reduções médias, os peritos do mercado comum propõem a subdivisão das pautas em grupos não de mercadorias, mas segundo os níveis dos direitos: os produtos sejam de que natureza forem, desde que paguem os mesmos direitos, arrumar-se-ão num mesmo grupo. O primeiro grupo será de O a 5 por cento, o segundo de 5 a 10 por cento; a partir desta taxa formar-se-ão dezasseis núcleos para as mercadorias cujos direitos se situem entre 10 por cento e 50 por cento (sendo a mudança de escalão feita em cada 2,5 por cento); para além dos 50 por cento haverá um novo grupo em cada 5 por cento de aumento.
Manifestando mais uma vez a sua preocupação de flexibilidade, o relatório de Bruxelas permite ainda a formação de pares de grupos e a possibilidade de os cálculos de redução média se referirem aos pares assim formados - que, aliás, depois de se terem constituído, se deverão manter até final do período transitório.
O relatório trata a seguir das bases de cálculo -o ano de referência- e estabelece o método de ponderação para o cálculo de redução média de 10 por cento em cada grupo.
Dois problemas são ainda ventilados neste capítulo: o dos direitos proibitivos e o dos direitos puramente fiscais.
Para o efeito, consideram-se proibitivos todos os direitos que atinjam 30 por cento, e estes deverão ser reduzidos, obrigatoriamente, de 5 por cento em cada um dos escalões de compressão média de 10 por cento.
Segundo o relatório, os direitos fiscais -aqueles em que o direito corresponde mais a um imposto de consumo do que a uma protecção - serão também suprimidos, admitindo-se no entanto que, em contrapartida, se criem taxas internas ou direitos específicos de consumo a aplicar a essas mercadorias, quer elas sejam do produção nacional ou estrangeira.

26. Reproduzir, até aqui, o essencial da mecânica de redução de direitos prevista no relatório de Bruxelas. Todavia, mesmo quando ela se examina em pormenor, a conclusão será sempre a de terem os seus planeadores sido dominados pela dupla preocupação: de arquitectarem um sistema extremamente dúctil e de relegarem para a autoridade supranacional do mercado a solução dos problemas que, em cada passo da sua evolução, se ponham aos países componentes. Outra razão ainda haverá a acrescentar a estas: a abolição dos direitos é condição essencial, mas não suficiente, da formação do mercado ; a par desta outras condições devem necessariamente verificar-se, e uma delas é a da harmonização das políticas económicas, sociais e financeiras dos seis países.
A virtude das soluções propostas para um sector não pode, por isso, avaliar-se senão em função do conjunto das medidas preconizadas.

27. Não cabe no objectivo destas notas -que é apenas o de enunciar alguns problemas e suscitar o seu estudo- a crítica do método de Bruxelas.
Não se resiste, no entanto, a dizer que essa enorme flexibilidade que caracteriza a proposta de supressão dos direitos não terá só vantagens, poderá ter também graves inconvenientes. Em primeiro lugar, a faculdade de jogar com as médias conduzirá, fatalmente, os Governos a retardarem o momento de abrandamento da protecção às suas indústrias mais sensíveis.
E esta faculdade permite que imediatamente se lhe oponham duas objecções: se de início vem evitar o recurso frequente a cláusulas escapatórias, faz, por outro lado, correr o risco da formação, no futuro, de um resíduo de direitos cuja extinção será extremamente delicada - aqueles que, por dever, tiveram de seguir, atentos, a evolução da luta travada na O. E. O. E. contra as restrições quantitativas com facilidade compreenderão o alcance desta objecção. O segundo reparo, sugerido pela flexibilidade, situa-se no campo de reciprocidade imediata e aparente: sendo consentida aos Governos a possibilidade de jogarem com médias ponderadas dentro de grupos e de associações de grupos (grupos de mercadorias que, aliás, não terão a menor homogeneidade ou afinidade económica, por isso que o seu elo de ligação será apenas o da proximidade dos respectivos níveis de direitos), fatalmente se verificarão, ao longo do período transitório, distorções geradas pela possibilidade de concorrência em condições desiguais, por isso que a mesma indústria pode, em determinado momento, encontrar-se protegida num país e desprotegida noutros. E esta eventualidade não se reveste só de consequências técnico-económicas; tê-las-á também, e graves, de natureza política: como irá um Governo convencer os seus industriais de determinado ramo de produção da neces-

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sidade de fazer desaparecer a respectiva protecção aduaneira, quando a indústria concorrente de outro ou de outros países beneficiar ainda de protecção?
Todos estes e tantos outros problemas se porão àqueles a quem foi dada a tarefa de estudar a associação de uma zona de comércio livre à união aduaneira.
E não é de esquecer que a zona livre não terá - segundo supomos - uma autoridade supranacional a governá-la e a decidir e a solucionar, em cada momento, estas e outras questões.
Um método menos flexível e mais bem definido - que partisse, por exemplo, da redução simultânea e automática de todos os direitos - apresentaria muitas dificuldades no tocante à reconstrução e adaptação da produção, mas facilitaria sem dúvida o encontro de uma solução que, ao mesmo tempo, servisse os países da zona livre e os países da união. Um método comum aos dois núcleos parece indispensável, uma vez que a diversidade de critérios porá, de novo e por outra forma, a reciprocidade em causa.

28. Se no interior da união aduaneira deixarem de se cobrar direitos pela importação de produtos, por maioria de razão serão abolidas as restrições quantitativas; acresce, ainda, que a manutenção de contingentes para a importação de produtos importantes, mesmo que estes fossem isentos de direitos, permitiria, graças ao jogo das médias, a que se fez referência no número anterior, retardar o abaixamento dos direitos sobre outros produtos.
Os países do mercado comum salientam os progressos enormes neste campo feitos pela O. E. C. E., mas reconhecem também que os métodos daquela organização não conseguiram até hoje realizar a liberação total e tendem mesmo a consentir a permanência de um resíduo de contingentamento.
O relatório de Bruxelas propõe por isso método diferente para abolição das restrições quantitativas.
Esse método consiste, fundamentalmente, na obrigatoriedade de alargamento anual dos contingentes que efectivamente existirem no momento de entrada era vigor do acordo. Afirma-se que o alargamento progressivo dos contingentes - que evidentemente serão globais - tende a tornar ineficaz a política de contingentamento, que, assim, será naturalmente abandonada, por inútil.
O relatório propõe a obrigatoriedade de alargamento anual de 20 por cento em cada contingente global e a fixação de limites mínimos de expansão para os casos em que, dada a pequenez dos contingentes, uma expansão de 20 por cento não tenha significado comercial.
Em qualquer hipótese o contingentamento terá desaparecido no momento em que findar o período transitório concedido para a total supressão dos direitos.
Ao determinar o funcionamento de uma zona livre põem-se, quanto aos controles à importação, os mesmos problemas que se apresentam para a redução de direitos: as taxas e o ritmo do alargamento poderão, para os países participantes da zona livre, ser diferentes daqueles que forem estipulados no interior da união aduaneira?
A resposta a esta pergunta será a que for dada ao problema dos direitos aduaneiros.

29. No relatório referido sugerem-se dois tipos de cláusulas escapatórias, a invocar pelos países membros do mercado comum durante o período transitório.
A primeira cláusula é de ordem geral e será invocada quando um país participante experimente dificuldades sérias na balança de pagamentos, especialmente se essas dificuldades resultarem da entrada em funcionamento do próprio mercado comum.
O pais que se encontrar nestas condições poderá ser autorizado a não cumprir os prazos de redução de tarifas, a reintroduzir mesmo restrições quantitativas.
Esta cláusula é em tudo semelhante à regra do artigo 3.º, alínea c), do Código de Comércio da O. E. C. E.
Os peritos do mercado comum prevêem ainda um outro tipo de cláusulas, especiais, aplicáveis a indústrias ou a grupos de mercadorias, no caso de se verificarem distorções provocadas por defeituosa harmonização das políticas dos seis países em matéria de taxas interiores, política social e de crédito, regulamentações de preços, etc.
As indústrias ou grupos de mercadorias afectadas por estas distorções podem beneficiar de subsídios dos Governos ou de protecção pautal.
O funcionamento desta cláusula, no caso do mercado comum, depende de investigações a realizar pela Comissão Europeia.
E, neste particular, põe-se aos países que farão parte de uma zona de comércio livre problema delicado: serão também necessárias ao funcionamento da zona cláusulas deste tipo?
Em caso afirmativo, como e quais os organismos que deverão decidir da sua aplicação?
Mesmo que a zona decida prescindir da utilização destas cláusulas, qual a atitude dos seus participantes quando a autoridade supranacional da união, cujos poderes se não estendem à zona livre, autorizar um dos membros a conceder subsídios ou a restabelecer protecções pautais?
Neste e em tantos outros pontos levantam-se problemas de ordem institucional - sem dúvida os maiores obstáculos que se apresentam contra a viabilidade de funcionamento de uma zona de comércio livre associada a uma união aduaneira com as características da de Bruxelas.

30. A orientação geral do relatório de Bruxelas define-se no sentido de não consentir excepções quanto à abolição de tarifas, a não ser ao longo do período transitório.
No entanto, o próprio relatório prevê, concretamente, tratamento especial para os produtos agrícolas, e as referências que faz às regiões subdesenvolvidas induzem a admitir a possibilidade de tratamentos de excepção para estas regiões.

31. Os produtos agrícolas deverão constituir de facto, não só para a união aduaneira, mas também para a zona livre, um dos mais difíceis problemas.
Neste sector da produção, o problema do mercado comum não poderá ser unicamente encarado através da simples supressão dos direitos aduaneiros - medida esta que, aliás, já representará, por si só, duro sacrifício e grave risco político para alguns países membros da união: todos sabem como o sector agrícola, nomeadamente nos países industrializados, se encontra protegido por uma série de medidas que completam a protecção pautal - contingentes, calendários de importação, subsídios do Governo, etc.
Não vindo por isso a simples abolição dos direitos resolver o problema, tudo parece indicar que ao mercado comum, em matéria de produtos agrícolas, terá de ser dado tratamento especial: qualquer coisa de semelhante a uma «organização do mercado agrícola», resultante não tanto de igualar as políticas dos países membros como de um concerto dos países membros para regulamentação da produção e comércio neste sector. É neste sentido, de resto, que se encaminha já o trabalho do Comité Ministerial da O. E. C. E. para a Agricultura e a Alimentação.

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Este problema, que tanto preocupou os organizadores da união, aparecerá sem dúvida, e com igual ou maior gravidade, àqueles que estudarem a forma de associação com o mercado dos seis.
É mesmo possível que algum ou alguns dos países participantes da zona acabem por pretender o mercado comum ou livre apenas para os produtos industriais.
Não parece, no entanto, que esta posição tenha probabilidades de vencer, e isto por dois motivos: primeiramente porque, quer dentro da união propriamente dita, quer dentro da zona livre, estarão situados países em cujas estruturas económicas o sector agrícola é dominante, não podendo, portanto, associar-se a um mercado comum apenas para produtos industriais; em segundo lugar, o próprio texto do artigo XXIV do G. A. T. T. parece excluir expressamente essa hipótese, visto que uma das condições essenciais para o reconhecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de comércio livre consiste justamente em que a supressão das barreiras aduaneiras se estenda ao conjunto das actividades económicas ou, pelo menos, abranja a maior parte do comércio entre os países membros da união ou zona livre.

32. Como se anotou já, outro problema igualmente delicado que no campo das excepções pudera aparecer é o da posição a tomar perante os países subdesenvolvidos, ou em fases delicadas de desenvolvimento, que desejem aderir à zona de comércio livre. A este respeito o relatório de Bruxelas não articula concretamente propostas. Verdade seja que o trabalho dos peritos visou a organização do mercado dos seis, e nenhum destes países se pode considerar subdesenvolvido - apenas um deles possui uma parcela do seu território como tal considerada, parcela essa, de resto, objecto já de um plano de desenvolvimento regional.
As considerações gerais feitas no relatório autorizam, no entanto, a pensar que dentro da mecânica e da concepção do mercado comum haverá a necessária consideração pela situação dos países economicamente débeis.
O plano de Bruxelas prevê a criação de um fundo de investimento e de um fundo de readaptação, destinados à reconversão dos sistemas de produção existentes e ao aproveitamento dos recursos ainda por utilizar. E certamente partindo da existência deste fundo que o relatório aborda o problema das regiões subdesenvolvidas nos seguintes termos:

Convém ainda assegurar em comum as condições desta expansão comum. E a primeira condição consistirá em garantir à mão-de-obra a possibilidade de realizar as transferências necessárias, porque não há progresso sem alteração. Daí a importância das disposições sobre readaptação, que colocarão a mão-de-obra ao abrigo do ónus e dos riscos deste progresso.
A segunda condição cifra-se em facilitar às empresas n reorientação dos fabricos - donde a importância dos meios necessários a esta reconversão.
A terceira condição a ter em conta é a necessidade de reconhecer que entre regiões desigualmente desenvolvidas a fusão súbita das respectivas economias não ajudará as regiões atrasadas a recuperarem o seu atraso.

Isto demonstra claramente que o problema das economias menos desenvolvidas preocupa seriamente os seis países da conferência de Messina. E, consequentemente, parece que poderá também admitir-se estarem eles dispostos a aceitar para estes países um tratamento especial, desde que consentâneo com os princípios e os objectivos do mercado comum.
Por maioria de razões, o problema terá de ser posto em face da zona de comércio livre, por isso que dela poderão querer participar países membros da O. E. C. E. considerados subdesenvolvidos ou muito menos desenvolvidos que a maioria dos seus parceiros na Organização.
E este ponto é de tão fundamental interesse para certas economias representadas na O. E. C. E. que não parece bastar uma simples declaração de princípio ou a promessa de que esses casos serão examinados quando os Governos interessados os apresentarem.
Julga-se que as bases do tratamento a dar a estes países deverão contar expressamente do estatuto da zona. Nem pode dizer-se que um certo tratamento do excepção seja inenquadrável no mecanismo do mercado livre, vez que para um sector restrito da economia- o da produção agrícola- a excepção se admite desde já e expressamente.

33. Neste capítulo um outro problema se porá ainda aos membros da zona livre: sendo fatal a necessidade de reconversão de muitos sectores da produção existentes e sendo imperioso o aproveitamento de recursos ainda não explorados, os países da O. E. C. E. membros da zona livre terão um fundo próprio de investimento? Não criarão esse fundo? Haverá um fundo comum que englobe os países da zona livre e os países da união aduaneira?

C) A harmonização das políticas económicas.

34. O relatório de Bruxelas afirma de modo terminante a necessidade de harmonização das políticas económicas, fiscais e sociais dos diversos países membros e frisa a necessidade de regras precisas, tendentes a impedir as distorções do comércio e a prática de concorrência desleal.
Compreende-se a preocupação dos peritos de Bruxelas: embora o mercado comum seja colocado sob o governo de lima entidade supranacional, largo campo de acção económica resta ainda às soberanias nacionais.
E, por isso, o mercado dificilmente será uma realidade se essas várias políticas nacionais, consciente ou inconscientemente, se chocarem, em lugar de se harmonizarem.
O mesmo problema se porá na zona livre, e aqui com maiores riscos, uma vez que todo o nosso raciocínio parte da hipótese de que na zona de comércio livre não será de admitir a acção coordenadora e decisiva de um organismo supranacional.

D) Problemas institucionais.

35. A enumeração das principais questões que o funcionamento de uma zona de comércio livre fará surgir deveria agora completar-se com a indicação dos problemas de natureza institucional que a mesma zona levantará. E, porém, demasiado cedo para se fazer, com alguma segurança, a ideia de quais os problemas que neste campo surgirão: tudo em grande parte depende das soluções que forem preconizadas para as questões postas nos números anteriores.
De entre todos os problemas institucionais que venham a surgir, um só poderia ter para nós solução inaceitável, e essa seria a de a zona de comércio livre se institucionalizar por forma diferente da O. E. C. E.
Considere-se no entanto que o problema deverá estar afastado, uma vez que, a ser assim, a zona livre deixaria certamente de englobar aqueles países que justamente mais interessa que ela reúna.

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O grande problema a resolver será, portanto, o de saber como harmonizar o funcionamento de uma zona livre, sem autoridade supranacional, com o funcionamento de uma união aduaneira, dotada com essa autoridade, por forma que as duas zonas se integrem num único e verdadeiro mercado comum. A flexibilidade dos métodos, a maior ou menor precisão dos direitos e obrigações, o processo dos recursos, tudo isso dependerá da solução encontrada para este problema.
Como é hábito, a solução virá a ser de compromisso, acarretando eventualmente alterações no projecto de Bruxelas para o mercado dos seis.

E) A extensão geográfica, da zona de comercio livre.

36. Do relatório de Bruxelas parece concluir-se que só os territórios continentais dos seis farão parte da união; mas, por outro lado, a imprensa inglesa fala continuamente na participação de todos os membros da Comunidade Britânica, e não só do Reino Unido.
Não se crê, no entanto, que esta última hipótese seja provável, uma vez que a integração da Comunidade na zona livre faria desaparecer o sistema de preferências imperiais que o Reino Unido, tão compreensivelmente, sempre tem procurado defender.

37. Foi talvez demasiado longo o apontamento que se fez sobre os problemas, de tão complexa natureza, que por certo surgirão se o mercado comum passar de hipótese a realidade.
Pareceu, no entanto, indispensável dar no presente relatório um lugar de destaque a este movimento de fusão das economias europeias, que vem de longe, mas que só agora aparece organizado e animado.
Se ao mercado dos seis se associar o Reino Unido, terá de reconhecer-se que a quase totalidade do potencial de produção e de consumo da Europa Ocidental se encontra dentro do mercado livre. E não poderá negar-se, também, que aqueles que à zona não aderirem verão as suas produções sujeitas a esmagadoras desvantagens tarifárias, quando as queiram colocar no merendo livre, e chocarão igualmente, quando lutarem em terceiros mercados, com a força poderosa de concorrência que às produções da zona livre será dada pelo facto de estarem assentes num mercado interno de tão grande extensão.
Se esse movimento triunfar, e seja qual for a posição que o País tome, face a ele, serão sempre da maior repercussão as suas incidências na economia portuguesa. Para que essas incidências não sejam nefastas teremos de meditar largamente nos caminhos a seguir, nas posições a defender intransigentemente e naquelas cujo abandona, podendo traduzir-se em prejuízo ou perturbação imediata, representará, no entanto, um ganho futuro.
A existência do problema é mais uma causa - a juntar a tantas outras que se verificam já - da necessidade de acelerarmos o ritmo do processo do nosso desenvolvimento, considerado este na totalidade dos aspectos que verdadeiramente o condicionam e definem.
E não só ao Governo se pode exigir que estude, planeie e promova o desenvolvimento. Este depende, na sua maior parte, do estado de espírito da iniciativa privada - do seu grau de compreensão dos problemas e da firmeza que puser na determinação de os resolver, ainda que para tanto seja necessária a renúncia a certas posições adquiridas, sem dúvida cómodas, mas só aparentemente estáveis.
A produção e o comércio precisam de compreender, urgentemente, que poderá vir a ser outro o clima em que a sua actividade se tenha de desenvolver, clima de início difícil, mas não necessariamente adverso.
Tudo está em que saibamos e queiramos progredir - condição necessária, mas também suficiente, não só para sobrevivermos, mas para vivermos melhor.
Há riscos? Há perigos?
A resposta é, evidentemente, afirmativa.
Valha-nos, no entanto, o saber que o seguro possível contra esse risco não constitui uma despesa improdutiva, uma vez que consiste apenas em fazermos tudo quanto em nossa mão estiver para o integral e urgente aproveitamento dos factores da riqueza nacional.

A utilização pacífica da energia nuclear

38. Como última nota a documentar a actividade internacional e a permitir avaliar a sua possível repercussão, a curto e a longo prazo, na economia portuguesa, resta fazer referência ao problema da utilização industrial da energia nuclear.

39. Investigações recentes sobre as perspectivas das necessidades de energia na Europa e os recursos disponíveis demonstraram a gravidade da situação com que os países europeus virão a defrontar-se em breve neste sector, se quiserem manter o ritmo de expansão das suas economias.
Para além da acção a empreender no campo da energia clássica, o desenvolvimento da produção de energia nuclear aparece assim, que mais razão não houvesse, como uma necessidade a que não podem furtar-se esses países.
Apesar das realizações britânicas e francesas e dos progressos registados em outros países do continente, o número e os tipos de reactores em funcionamento ou em construção na Europa, a insuficiência de instalações de preparação e tratamento de combustíveis nucleares e a penúria de pessoal científico e especializado distanciam-na em muito dos países mais avançados no domínio da energia nuclear, nomeadamente dos Estados Unidos da América.
Cedo pareceu, no entanto, que, para recuperar o tempo perdido, o esforço a desenvolver pelos países europeus não podia ser realizado unicamente à escala nacional: o volume de investimentos necessários e a importância de recursos a mobilizar exigiam que se enveredasse pelo caminho da colaboração internacional.
Como se referiu já, a propósito do mercado comum, os seis países que constituem a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, na declaração de Messina, em Junho de 1955 tinham afirmado a intenção de constituir entre si o mercado comum para a produção de energia nuclear e prosseguiram desde então os estudos e negociações tendentes à elaboração do tratado respectivo.
Entretanto, na O. E. C. E. o problema era também examinado, em ordem a procurar, em fórmulas distintas e mais flexíveis do que aquelas para que tendiam os países da C. E. C. A., o processo de apressar o desenvolvimento na Europa da produção de energia nuclear para fins pacíficos.

40. Em Junho de 1955 o Conselho da O. E. C. E., reunido a nível ministerial, encarregou um grupo de trabalho, composto por três membros, de examinar a extensão, a forma e os métodos que poderiam revestir a cooperação dos países europeus no campo da energia nuclear.
O relatório do grupo indicava os vários sentidos em que poderia desenvolver-se essa acção comum: confronto de programas e projectos nacionais, constituição de em-

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presas comuns, instituição de um sistema de contrôle de segurança, harmonização das legislações nacionais, cooperação no domínio do ensino, adopção de regras de normalização, definição de um sistema liberal de comércio para os produtos que interessam à energia nuclear.
Em Fevereiro deste ano o Conselho Ministerial aprovava, nas suas linhas gerais, as conclusões do grupo e, para dar estrutura e forma devidas às sugestões apresentadas, criava ao mesmo tempo um comité especial de energia nuclear, com representação de todos os países membros e associados.
Poucos meses mais tarde o comité pôde apresentar ao Conselho um relatório, acompanhado de estudos dos seus vários grupos de trabalho, contendo as propostas que serviram de base às decisões tomadas pelos Ministros em 18 de Julho último.

41. Essas decisões marcaram uma data importante nas actividades da Organização.
Se nalguns sectores se julgou necessário aguardar o desenvolvimento de negociações paralelas que se desenvolviam na O. N. U. e entre os países da C. E. C. A., antes de assentar na estrutura definitiva da cooperação no seio da O. E. C. E., foi, no entanto, possível definir desde logo certas linhas de acção comum, nomeadamente no que respeita à constituição de empresas comuns, à fábrica de preparação química de combustíveis irradiados, à produção de água pesada e à construção e exploração em comum de reactores monótipos e de ensaio.
Grupos de estudos especiais prosseguirão os trabalhos relativos à constituição de empresas comuns para a criação e exploração de reactores protótipos, de reactores de ensaio e de reactores de estudo, bem como de centrais nucleares eléctricas.
Portugal declarou-se desde já interessado na constituição de empresas comuns para a separação química de elementos irradiados e para o fabrico de água pesada e participará, assim, nos respectivos sindicatos de estudo.

42. A instituição de um contrôle internacional de segurança destina-se a garantir que a acção comum a empreender entre os países membros, com vista ao desenvolvimento da indústria nuclear para fins pacíficos, não seja desviada para fins militares.
O comité especial apresentou um estudo bastante completo sobre as modalidades técnicas do sistema de controle a instituir.
O Conselho aceitou que o sistema de controle se aplicará às empresas comuns, bem como às empresas nacionais que utilizem materiais físseis provenientes das primeiras. Prevê-se ainda que o contrôle possa estender-se a outros casos, na base de acordos internacionais especiais entre os países interessados.
Ao comité de direcção, agora constituído, o Conselho confiou o encargo de apresentar, dentro de dois meses, o estatuto do organismo de controle e propostas sobre a extensão efectiva do controle a exercer.
Neste ponto o resultado das negociações relativas à Agência Internacional de Energia Atómica e de outros acordos europeus em elaboração deverão ser tidos em conta: ao estruturar o sistema que os países membros da O. E. C. E. decidiram instituir entre si, haverá que assegurar a coordenação entre os vários sistemas previstos, impedindo sobreposições e choques.

43. Os países da O. E. C. E. consideraram ainda que o desenvolvimento da indústria nuclear exige a livre circulação das matérias-primas e dos equipamentos, bem como das técnicas que interessam a esta indústria.
Não é possível definir desde já o estatuto dessas trocas, mas os países membros comprometeram-se a não agravar as barreiras actualmente existentes no comércio intereuropeu neste sector; assim, e pelo período de um ano, não serão agravadas as restrições quantitativas à importação ou à exportação, não será alargado o domínio do comércio do Estado, elevados os direitos alfandegários nem aplicados de forma mais restritiva os regulamentos administrativos actualmente em vigor.
Este regime cobre os combustíveis nucleares, os isótopos artificiais, os equipamentos específicos da indústria nuclear e os produtos que lhe são destinados, ainda que susceptíveis de outras aplicações. Os estudos das medidas tendentes à progressiva libertação deste comércio, incluindo também o comércio com os territórios ultramarinos e com os países associados, serão prosseguidos pelos órgãos especiais da Organização.

44. O Conselho aprovou também o princípio da cooperação no domínio da harmonização das legislações nacionais em alguns dos novos sectores que interessam à energia nuclear. As medidas especiais para a protecção da saúde e a prevenção contra os riscos atómicos, no interesse quer dos trabalhadores, quer do público em geral, serão especialmente examinadas, bem como os problemas relativos ao seguro contra os riscos atómicos.
No domínio do ensino, a O. E. C. E. reconheceu que a escassez de pessoal científico e técnico qualificado não deixará de entravar seriamente os progressos da indústria nuclear.
Definiu, por isso, as grandes linhas de acção que os países membros derem seguir nesta matéria e esforçar-se-á por facilitar o intercâmbio de estagiários e especialistas entre os países membros e associados. No sector da normalização reconheceu-se que é a altura de estudar as normas a que deve obedecer na Europa a produção dos materiais e equipamentos nucleares. Foi aprovado a este respeito um programa a realizar pelos órgãos especializados, em contacto com a Agência Europeia de Produtividade.

45. Convém deixar sublinhado que o quadro traçado na O. E. C. E. à cooperação europeia no desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos não interfere directamente nos programas próprios de cada país, quer no domínio militar, quer no domínio civil.
O sistema internacional de contrôle de segurança a constituir não se estende, por isso, salvo acordo especial, aos programas nacionais que se desenvolvam sem o recurso aos produtos das empresas comuns.
Esta fórmula permite que cooperem na O. E. C. E. os países com programa militar já em curso ou que se reservam o direito de construir armas atómicas, embora a acção comum europeia não possa ser utilizada para servir fins militares.
O número e o tipo de empresas comuns a instituir dependerá também, em cada caso, dos países interessados, embora se não requeira o acordo de todos os membros da Organização para que possa ser levada a efeito uma realização que interessar dois ou mais países.
A autonomia dos Estados é, pois, fundamentalmente respeitada, julgando-se que, dentro das fórmulas flexíveis adoptadas, poderão dar bons frutos as realizações em comum, o confronto de projectos e soluções e as outras formas de colaboração que ficaram apontadas.

46. Enquanto os países europeus prosseguiam na O. E. C. E. e na conferência de Bruxelas (que reúne os membros da C. E. C. A.) as negociações tendentes

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a definir as fórmulas de cooperação ou de integração intereuropeias no domínio da energia nuclear, discutiam-se nas Nações Unidas os projectos de estatutos da Agência Internacional de Energia Atómica.
Como é sabido, a iniciativa da criação de uma agência para fomento da utilização da energia nuclear para fins pacíficos foi lançada pelo Presidente Eisenhower, em 8 de Dezembro de 1953, perante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Em consequência de uma primeira recusa de participação por parte da U. R. S. S., o Governo Norte-Americano iniciou em Agosto de 1954 negociações com um certo número de países, para dar seguimento à proposta do Presidente.
Portugal foi um dos consultados, vindo assim a fazer parte do grupo dos oito Estados considerados «especialmente interessados», ao lado dos Estados Unidos da América, Austrália, Bélgica, Canadá, França, União da África do Sul e Reino Unido.
Das negociações entre esses oito países resultou um projecto de estatutos da futura Agência, que, em Agosto 1955, foi facultado à apreciação dos Governos de todos os países membros da O. N. U. ou das suas agências especializadas.
Foi esse projecto discutido pela conferência de todos os países interessados, recentemente reunida em Nova Iorque, a qual acaba de aprovar os estatutos da Agência, escolhendo Viena para sua sede.

47. A Agência Internacional tem por objectivo «acelerar e alargar a contribuição da energia atómica para a paz, saúde e prosperidade do Mundo». E deve assegurar a não utilização para fins militares da assistência que prestar, ou que for concedida a seu pedido ou sob a sua supervisão ou contrôle.
Compete à Agência designadamente fomentar e auxiliar a investigação, a produção, o desenvolvimento e as aplicações práticas da energia nuclear para fins pacíficos; fornecer materiais, serviços, equipamentos e facilidades para o referido desenvolvimento; favorecer o intercâmbio de informações, de cientistas e de técnicos; estabelecer salvaguardas para impedir o desvio para fins militares dos materiais, serviços, equipamentos, facilidades ou informações que prestar aos países interessados.
Os países membros da Agência poderão pôr à disposição desta os materiais físseis e outros que interessem à energia nuclear, nas quantidades que desejarem e nas condições a definir de acordo com a Agência. O mesmo se aplica a serviços, equipamento e facilidades que interessem aos fins da Agência.
A Agência dará a sua assistência aos países ou grupo de países que a ela recorram para realizar um projecto de produção, de investigação, de desenvolvimento ou de aplicação prática de energia atómica para fins pacíficos. Os estatutos prevêem as condições em que exercerá o contrôle sobre a utilização da ajuda prestada, para impedir o seu desvio para fins militares.

48. Serão membros fundadores da Agência os países membros das Nações Unidas ou de alguma das suas agências especializadas que tiverem assinado os estatutos aprovados, dentro de certo prazo.
A assembleia geral poderá aprovar, sob recomendação do Conselho de Governadores, a participação na Agência de outros Estados.
A definição dos poderes da assembleia geral e dos poderes e da composição do Conselho de Governadores constituíram um dos pontos mais delicados em toda a negociação.

A fórmula final aceite para a composição do Conselho de Governadores assegura uma representação dos países membros em função do seu papel na técnica da energia atómica, incluindo a produção de materiais de base, e de critérios geopolíticos.
É na qualidade de produtor de urânio que Portugal tem assegurada a sua representação no referido Conselho.

II
A economia portuguesa

49. Os resultados relativos à utilização dos recursos em 1955 confirmaram os ajustamentos que no relatório da Conta Geral do Estado se entendia haveria a fazer na previsão então apresentada.

QUADRO l

Variações da procura e oferta globais

(1956-1954)

(A preços de 1964)
(ver quadro na imagem)

Consumo privado, em lugar da contracção prevista, acusa uma expansão de cerca de l milhão de contos (a preços constantes - 1954).
O aumento do consumo público foi também superior ao indicado em mais de 200 000 contos; e a exportação de bens e serviços acusa igualmente um acréscimo, em relação ao ano anterior, de mais de 500 000 contos.
Em contrapartida, o investimento privado não aumentou como se previa, mantendo-se praticamente ao nível do ano anterior, e a diminuição dos stocks atingiu valor muito superior ao indicado.
Estas correcções traduzem-se numa variação da procura total que excede apreciavelmente a previsão inicial - a variação, a preços de 1954, atinge l 350 000 contos.
As correcções correspondentes na oferta verificam-se principalmente no produto bruto interno, que, em lugar da diminuição referida, apresenta um acréscimo de cerca de 600 000 de contos; não porque fosse menor a quebra indicada no produto agrícola, mas porque o produto industrial superou largamente a estimativa então apresentada.

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Aponta-se seguidamente a origem do produto nacional bruto, ao custo dos factores, por sectores de actividade, em 1955.

QUADRO II

Produto Interno bruto do custo dos factores
(ver quadro na imagem)

Produção agrícola

50. As estimativas das principais produções agrícolas em 1956 situam-se, com poucas excepções, a nível superior ao verificado no ano anterior.

QUADRO III

Estimativa de algumas produções agrícolas em 1956 (a)

(ver quadro na imagem)

As excepções referidas respeitam ao vinho, azeite, batata de sequeiro e fava.

A produção do primeiro excede todavia em 9 por cento a média do último decénio, embora seja agora de admitir uma quebra em relação ao previsto, por virtude das condições meteorológicas verificadas após a última estimativa.
Não obstante essa quebra, não parece de admitir o saneamento da economia do sector, ao longo da presente campanha, pelo que gora de admitir ainda larga intervenção da Junta Nacional do Vinho, a que se têm proporcionado os meios monetários indispensáveis à execução da política que prossegue.
Esta campanha é, para o azeite, de contra-safra; por isso, a previsão feita, a verificar-se, corresponderá à maior contra-safra registada nos últimos anos.
No seu conjunto, se opusermos a produção agrícola de 1956 à de 1955, os resultados da comparação serão satisfatórios. Todavia, já o mesmo não acontece se se proceder em função da média decenal das respectivas produções - dos doze produtos considerados no quadro III apenas a produção de cinco ultrapassa essa média.
A evolução da agricultura metropolitana continua, assim, a processar-se dentro de características que não tem sido, até hoje, possível dominar, a despeito dos esforços despendidos.
Ao olhar a marcha de certos indicadores, como a utilização de fertilizantes e a mecanização do trabalho, verifica-se notável melhoria, a revelar a acção dos serviços oficiais competentes. Mas quando se comparam os níveis nacionais de utilização de adubos e de mecanização com os da maioria dos países europeus toma-se consciência da imperiosa necessidade de acelerar o ritmo de recuperação do atraso em que nos encontramos.
A solução do problema da nossa economia agrícola não pode, evidentemente, tentar-se à margem do esquema traçado para uma expansão equilibrada da economia geral. Tem, por isso, de aguardar a verificação de certas condições em sectores que lhe são estranhos.
Apesar disso, a correcção de muitos dos aspectos fundamentais do problema poderá prosseguir e a ritmo mais rápido. A dimensão média da propriedade e o atraso da técnica são dois desses aspectos. Quanto a este último, já na presente Lei de Meios se anuncia um passo decisivo para a sua solução na medida em que esta depende do Estado - a melhoria da qualidade e do volume da assistência técnica oferecida à lavoura.

51. O movimento nosonecrológico dos nossos gados evoluiu desfavoravelmente: nos sete primeiros meses do ano, tanto o número de animais atacados como o de mortes excede o do ano anterior. Deve, porém, notar-se que a comparação é agravada pela influência da mixomatose, que atingiu praticamente todo o País; na verdade, ela é responsável por 70 por cento das mortes verificadas. A par desta, outra epizootia grave se declarou este ano: a febre catarral dos ovinos (vulgarmente conhecida por «língua-azul»).
Para além destes aspectos específicos, o estado sanitário dos gados continua a ser altamente influenciado por parasitoses, que, não provocando, em geral, a morte os animais atingidos, não permitem, todavia, tirar deles o rendimento devido.
Apesar da acção de ordem geral que se vem desenvolvendo, nomeadamente a campanha para o melhor aproveitamento dos nossos efectivos pecuários, e das medidas de emergência tomadas para debelar os males referidos, a que não tem faltado o indispensável apoio financeiro, o nosso património pecuário continua a sofrer depreciação muito sensível, que urge sustar.

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52. Não são tão favoráveis como as do ano transacto as perspectivas da economia florestal.
No que toca à cortiça, a produção dos montados será inferior à de 1955, tendo-se verificado também, e devido a causas externas, uma baixa sensível dos preços no mato. Foram, no entanto, transaccionados já cerca de metade da cortiça amadia extraída na presente campanha, que se situa ao redor de 130 000 t, e os stocks da produção do ano anterior.
Também a campanha resineira poderá fechar com resultados da ordem das 53 000 t a 56 000 t, inferiores portanto aos da campanha anterior. O ano findo foi muito produtivo, sobretudo em virtude da enorme expansão da resinagem química, que fez passar a produção, por ferida, de 1,66 kg em 1954 para 2,02 kg em 1955, podendo dizer-se que em 1955 o aumento da produção se deveu em dois terços ao processo de resinagem química e em um terço ao acréscimo de feridas.
Em 1956 o número de feridas deverá ser aproximadamente igual ao do ano anterior e a resinagem química, embora em expansão, já não pode, por carência de margem, modificar tão sensivelmente a produção média unitária.
A estes motivos vêm juntar-se as condições meteorológicas desfavoráveis no início da campanha e que dificilmente poderão ser compensadas pela bondade do tempo nos meses de Outubro e Novembro.

53. No tocante à pesca, as perspectivas para 1956 são animadoras, tanto no que respeita à pesca do bacalhau como à do arrasto.

(ver tabela na imagem)

A melhoria é consequência do aumento da frota, do aperfeiçoamento dos meios de captura e localização do peixe e da maior velocidade das novas embarcações.
A pesca da sardinha faz, no entanto, excepção à expansão geral verificada: os resultados obtidos nos cinco primeiros meses deste ano cifram-se em 26 por cento e 40 por cento, apenas, das pescas realizadas em 1955 e 1954, respectivamente.

Produção Industrial

54. No quadro junto resumiram-se as variações sofridas por algumas produções mineiras entre 1954 e 1955 e no 1.º semestre de 1956, comparado a igual período do ano anterior.
A indústria extractiva melhorou, sendo dignas de registo as subidas na produção de estanho-metal e de ferro-tungsténio, bem como a expansão de actividade no sector dos mármores e cantarias, devido ao alargamento da procura interna e externa.
Igualmente são de salientar os resultados favoráveis a que está a chegar a prospecção dos jazigos de pirites no Sul.

QUADRO V

Variações em percentagem experimentadas nos volumes de produção entre 1954 e 1955 e entre Janeiro a Junho de 1955 e Janeiro a Junho de 1956.

(ver tabela na imagem)

55. Muitas das dificuldades encontradas pelas indústrias transformadoras nos dois últimos anos resultam mais de deficiências de estrutura que de variações conjunturais.
O problema reveste de há muito aspectos delicados, que se apresentam com muito maior acuidade agora, perante as probabilidades de criação de um mercado comum europeu.

56. No quadro VI registam-se as variações do volume de produção de algumas das indústrias nacionais no 1.º semestre de 1956, relativamente a igual semestre de 1955.

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QUADRO VI

Produção Industrial

Variação percentual do volume de produção
no l.º semestre de 1956

(ver tabela na imagem)

57. A indústria de lacticínios, mercê de circunstâncias várias, continua a não satisfazer as necessidades do consumo, não porque a sua capacidade produtiva máxima tenha sido atingida, mas por dificuldades na obtenção do leite e de diferenças de preço nos produtos finais. Teve assim de recorrer-se à importação de manteiga estrangeira para regularização do mercado interno.
A resolução da crise que atravessa o nosso armentio e os necessários ajustamentos de preços dos produtos que integram a economia do sector darão contributo decisivo à regularização e expansão deste ramo da produção.

58. Na indústria de conservas de peixe o ano de 1955, no seu conjunto, decorreu em boas condições. A procura muito activa dos mercados compradores, impulsionados pela baixa de preços, fez com que a exportação atingisse o valor excepcional de 62 000 t, das quais 51 500 t de sardinha, o que permitiu colocar a produção do ano e escoar os stocks existentes. Todavia, já no último trimestre de 1955 a produção diminuiu sensivelmente, não atingindo 50 por cento do trimestre correspondente do ano anterior.

QUADRO VII

Exportação de conservas em azeite ou molhos

(ver tabela na imagem)

Também no decurso do 1.º semestre de 1956 a produção continuou em ritmo mais atenuado, por virtude da diminuição sensível que, à excepção da do biqueirão, se verificou na pesca.
A situação, todavia, melhorou bastante nos dois primeiros meses do 2.º semestre: a partir do primeiro dia de Julho a pesca abundante de atum e carapau, e verdadeiramente excepcional de cavala, alterou con-sideràvelmente as perspectivas de produção; também a partir desse mês aumentou a produção de conserva de sardinha, tendo atingido 5120 t em Agosto, volume apreciável, se bem que inferior em cerca de 20 por cento ao do mês correspondente do ano anterior.
As perspectivas actuais são, pois, as de um ano normal no que respeita a conservas de atum e carapau, e muito bom no que se refere a filetes de biqueirão e cavala.
A produção de conserva de sardinha, segundo os elementos de que até agora se dispõe - e se outros motivos não vierem nos próximos meses prejudicar a laboração, nomeadamente a falta de azeite e óleo, que neste momento inquieta a indústria -, deverá atingir nível normal.

59. A indústria de moagem de ramas recebeu, no 1.º semestre de 1956, 36 830 t de trigo, contra 25 345 t no mesmo período do ano anterior. Este aumento explica-se, em parte, pela diminuição do consumo de pão de milho, diminuição a que não é estranho o facto de os preços do milho continental e ultramarino terem sofrido desde 1942 aumentos superiores aos do preço do trigo.
A maior laboração de trigo e de centeio foi acompanhada da instalação de novas fábricas, que, trabalhando estes cereais nas proximidades dos locais de consumo, facilitam o abastecimento das populações e evitam os custos de transporte. Esta indústria dispõe, na verdade, de um grande número de unidades, com tendência para aumentar, embora se verifique também um número elevado de unidades inactivas. No 1.º semestre do ano corrente instalaram-se mais 26 unidades, perfazendo-se assim um total de 2130 fábricas de moagem de ramas.

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Diversas fábricas de moagem de milho e centeio com peneiração mecânica estão procedendo à modernização do seu equipamento fabril, o que permitirá a produção de farinhas de boa qualidade e o aumento do seu consumo nas regiões tradicionalmente consumidoras.

60. À indústria têxtil de lanifícios mantém-ae na situação que a caracterizou no ano anterior. A produção não encontra colocação total, pelo que crescem os stocks e se dilatam os prazos dos créditos.
Continuou, no entanto, no 1.º semestre o reapetrechamento da indústria. O consumo de matérias-primas revela uma descida na lã nacional de 1800 t, no 1.º semestre de 1955, para 1400 t, em igual período do ano corrente, e uma subida na lã estrangeira, em idênticos períodos, de 1100 t para 1217 t.
O grau de utilização da capacidade produtiva instalada desceu em todos os sectores, à excepção dos fusos de penteados, não obstante verificarem-se acréscimos na produção, tanto de fios como de tecidos.
A indústria de lanifícios, que hoje, e quanto à qualidade da sua produção, pode sujeitar-se ao confronto com os bons fabricos da indústria estrangeira, precisa de se organizar e deliberadamente se lançar na conquista dos mercados externos. Terá para isso de encarar alterações, talvez profundas, da sua estrutura, nomeadamente no que se refere à dimensão das empresas e à automação, mas apresenta indiscutíveis condições de concorrência.
O Ministério das Finanças tem olhado e continuará a olhar com o maior interesse todos os pedidos que lhe sejam apresentados de isenção de direitos nas matérias-primas a importar com destino à produção para exportação.

61. A indústria têxtil algodoeira continua a sentir dificuldades. A necessidade de maior utilização das ramas exóticas e a subida de preço das ramas ultramarinas veio afectar ainda mais a sua situação. O consumo metropolitano e ultramarino inantém-se estacionário, mas as exportações para o estrangeiro acusam um decréscimo apreciável.
No 1.º semestre deste ano foram importadas menos 2000 t de algodão ultramarino do que em idêntico período do ano anterior; em contrapartida, a importação de ramas exóticas aumentou de 1200 t. Em consequência da falta de algodão português e dos preços do algodão estrangeiro, subiram os consumos de desperdícios de algodão, de fibrana e de outras fibras artificiais ou sintéticas. Paralelamente, diminuiu a produção de fio de algodão e subiu a de fios mistos de algodão e fibras artificiais ou sintéticas.
Na produção de tecidos o panorama é idêntico: diminuição nos artigos de algodão e aumento nos tecidos mistos.
As alterações verificadas no sentido do desaparecimento do écart entre os preços do algodão exótico e do algodão ultramarino começam a pôr em foco os graves problemas técnico-económicos que afectam a estrutura desta indústria; o perigo de perda dos mercados externos é visível e, a verificar-se, as suas repercussões não só afectarão um importantíssimo sector da produção e o equilíbrio económico de certas regiões do País, como atingirão, sensivelmente, a própria balança comercial da metrópole.
E este um sector da produção em que podemos e devemos ter condições de concorrência logo que se proceda - e os estudos estão em curso - à sua reorganização técnica e económica.

62. A exportação de cortiça atingiu em 1955 o seu apogeu, com um valor que ultrapassou 1700 000 contos.
A extraordinária valorização deste produto determinou, como reacção, o incremento do consumo de sucedâneos, cujas consequências não são desde já perfeitamente determináveis, mas relativamente às quais não pode deixar de se estar atento.
A produção no 1.º semestre do ano corrente foi menor que a de igual semestre de 1955.
Embora o seu nível seja ainda apreciável, a queda na exportação de Janeiro a Agosto foi de aproximadamente 25 000 t em volume e de cerca de 200 000 contos em valor.

63. Na indústria de pasta de papel, papel e cartão verificaram-se sensíveis acréscimos na produção, embora as quantidades fabricadas estejam ainda longe da produção correspondente à utilização plena da capacidade produtiva instalada.
No sector da pasta para papel a produção excede já as necessidades do consumo interno, embora se tenham ainda de importar certos tipos que se não fabricam.
Os preços das matérias-primas mantêm-se ultimamente estacionários, pelo que não são de prever oscilações no mercado.
Como índice do progresso deste sector, é de registar o facto de nos primeiros oito meses a exportação ter excedido a de período idêntico do ano anterior em mais de 14 000 contos.

64. O quadro das principais indústrias químicas é o seguinte:

Superfosfatos. - Embora a indústria progrida, encontra-se perante um problema de excessiva capacidade relativamente ao mercado interno. A colocação dos excedentes no estrangeiro não está, porém, a efectivar-se em condições muito favoráveis. As empresas produtoras procederam recentemente à melhoria da sua técnica de fabrico.
Sulfato de amónio. - Aumenta a produção, cobrindo a indústria nacional mais de metade das necessidades do consumo interno. A fabricação está, porém, ainda a fazer-se a custos muito elevados. A melhoria de laboração no 1.º semestre, em relação a período idêntico do ano anterior, foi de 26 por cento.
Cianamida. - A (produção e cianamida cálcica satisfaz já cerca de 80 por cento das necessidades do consumo interno. O produto é apresentado sob a forma pró-oleosa, mas estão a efectuar-se experiências para o tornar granuloso.
Também os custos deste fabrico são elevados. A necessidade de, por um lado, promover a mais larga utilização de fertilizantes e, por outro, o elevado custo a que a indústria nacional continua a produzi-los não permitiram ainda ao Ministério da Economia anular os largos subsídios que concede à indústria.
Ácido sulfúriço. - A produção de ácido sulfúrico está a efectuar-se com elevado grau de utilização da capacidade produtiva e, portanto, em boas condições de rendimento. A actividade deste sector depende da produção dos superfosfatos e do amoníaco e está limitada pelas condições de abastecimento das matérias--primas. Como em relação a todos estes factores se têm verificado condições propícias, resulta uma situaçíio favorável para a indústria.
Sabões. - A actividade desta indústria desceu ligeiramente no 1.º semestre e, dada a diminuição do consumo, subiram os stocks. A concorrência de sucedâneos está a fazer-se sentir neste sector e atingirá indirectamente a indústria de óleos. Com efeito, o consumo de detergentes aumentou grandemente a partir de 1955: nesse ano as vendas ultrapassaram 1000 t -o triplo do ano anterior-, que foram substituir mais de 3000 t de sabão.

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Petróleos. - Continua a expansão da indústria de refinação de petróleos: no 1.º semestre o acréscimo de produção, em relação a idêntico período do ano anterior, foi de 5 por cento.

65. Dentro do quadro das nossas indústrias não pode o presente relatório deixar de assinalar, com o merecido destaque, o início da fase de execução do programa relativo à indústria siderúrgica.

66. A produção de energia eléctrica continua a acusar progresso, tendo alcançado de Janeiro a Agosto deste ano mais 179,5 gWh que no mesmo período de 1955:

QUADRO VIII

(ver tabela na imagem)

As previsões da produção para este ano fixam o montante provável da produção em 2125 gWh, ou seja mais 242 gWh que no ano passado:

QUADRO IX

(vert tabela na imagem)

Este ano não será inaugurado qualquer novo aproveitamento hidráulico, mas em 1957 deverão entrar ao serviço os da Paradela e Picote.
Quanto à produção de gás houve um certo acréscimo no 1.º semestre de 1956 relativamente a Janeiro-Junho de 1955, pois se produziram mais 4 012 OÜO m3.

Consumo e preços

67. Para além dos dados globais não estão ainda disponíveis elementos que permitam o conhecimento, em pormenor, da evolução do consumo.
Esses dados globais dão conta de um acréscimo de cerca de 2 200 000 contos em 1955. Trta-se, porém, de uma avaliação a preços correntes. Da variação a preços constantes - de 1954 - resulta um acréscimo real do consumo da ordem de l milhão de contos.
A variação nominal do acréscimo, devida ao aumento dos preços, é, pois, de l 200 000 contos - diferença entre os dois montantes indicados.
Estes elementos conjugam-se com as variações ascensionais dos índices de preços, a reflectir a contracção da oferta - em consequência da forma como decorreu o ano agrícola - e ainda a elevação dos preços da importação.
A mesma tendência, se bem que mais atenuada ultimamente, continua a verificar-se em 1956. O quadro x permite o confronto dos índices mais significativos entre Janeiro e Agosto do ano corrente e igual período de 1955.

QUADRO X (a)

(ver tabela na imagem9

Dentro dos índices de preços por grosso e no período considerado, o grupo «Bebidas e tabacos foi o que teve maior aumento ( + 5,7 por cento), seguido pelos grupos «Alimentação» ( + 4,9 por cento), «Combustíveis e lubrificantes» (+4,3 por cento), «Produtos manufacturados» ( + 3,7 por cento) e «Produto da indústria química» (+2,7 por cento).
No que se refere aos índices de preços no consumidor, em Lisboa foi o grupo «Alimentação» que teve maior alta (+5,7 por cento) e no Porto o grupo «Habitação» (+8,3 por cento); a «Alimentação» acusa um acréscimo de 3,8 por cento.
Tomando-se para exame o índice do Instituto Nacional de Estatística verifica-se serem particularmente acentuadas as variações nos produtos alimentares de origem animal ( + 10,4 por cento no continente) e terem os produtos de origem vegetal descido 0,5 por cento, o que situa o acréscimo dos preços dos produtos alimentares em cerca de 5,2 por cento.
Os índices das rendas das habitações por tipos de conforto acusam aumentos em todas as classes à excepção do tipo A. onde se verificam diminuições, tanto em Lisboa (-1,2 por cento), como no Porto (-0,3 por cento).

68. São vários e de todos conhecidos os meios por que entre nós se tem procurado travar a alta de preços: a sua fixação, a concessão de subsídios à produção e a compra de certos produtos, para os quais se julga aconselhável a adopção de tais medidas. Estão neste caso os adubos, o açúcar de proveniência estrangeira, o trigo para consumo das populações insulares, o milho para forragens, a carne e a manteiga importadas, os combustíveis sólidos e líquidos, o algodão em rama, os óleos para o fabrico de sabões, os óleos comestíveis do ultramar, etc.
Para fazer uma ideia da importância deste aspecto da política de intervenção nos preços tenha-se em conta que a mesma deve representar uni encargo, em 1956, de centenas de milhares de contos.
Todavia, e não obstante a firmeza da política seguida, circunstâncias imperiosas obrigaram, em 1955 e 1956, a modificações no preço de alguns produtos tabelados.
Em 1955 a carne de vaca, a carne de vitela e a carne de carneiro sofreram alterações de preços, que em 1956 tiveram um novo acréscimo.
Também a manteiga e o leite industrial tiveram o seu preço alterado para mais em 1956.
Por motivo de duas colheitas muito abundantes, o preço do arroz baixou este ano.

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Para além da aplicação rigorosa da lei sobre altas especulativas e do reforço do controle eobre os preços, deve pôr-se a necessidade de corrigir vícios na distribuição em sectores onde a margem dos intermediários seja porventura excessiva.
Na tendência que se esboça não têm qualquer acção os factores de ordem financeira: a balança de pagamentos apresenta um diminuto saldo; por outro lado, tem-se procurado exercer uma acção coordenada regulando os saldos da tesouraria e procurando manter a expansão do crédito dentro de limites prudentes.

Investimento

69. A estimativa elaborada em Julho para o relatório da O.E.C.E. previa um acréscimo do investimento em 1956 de cerca de 270 000 contos - a preços constantes de 1954. Deste aumento, aproximadamente 75 por cento seriam efectuados pelas empresas, cabendo o restante ao investimento público. As taxas de crescimento do investimento privado e público seriam, assim, respectivamente de 3,3 por cento e 7,5 por cento. Esta diferença não altera, porém, praticamente, a participação do investimento público no investimento total, que se mantém ao redor de um sexto.

70. Se olharmos de perto os investimentos abrangidos pelo Plano de Fomento, a análise global da sua realização permite verificar que os atrasos registados não são tão grandes como a análise anual pode levar a supor, dado que muitos dos projectos que se não efectivaram no ano previsto se vão realizar em períodos seguintes.
Na verdade o quadro XI demonstra que para o triénio 1953-1955 o programa revisto previu um investimento da ordem dos 4 904 400 contos e que na realidade se efectuaram financiamentos no valor de 4 320 000 contos e dispêndios efectivos de 4 020 400 contos. A percentagem dos financiamentos é assim de 88 por cento e a dos dispêndios de 82 por cento.

QUADRO XI

Programas e efectivações financeiras do Plano de Fomento para a metrópole

(ver tabela na imagem)

No fim de 1955 estavam por utilizar: dos financiamentos de 1953, 22 289 contos; dos financiamentos de 1954, 207 094 contos, e dos financiamentos de 1955, 70 087 contos.
Note-se, porém, que nesse período certos empreendimentos exigiram um aumento das verbas inicialmente previstas. Ao excesso do financiado sobre o despendido (299 470 contos) devem acrescentar-se essas dotações suplementares, no montante de 60 054 contos.

71. Do Plano de Fomento previsto para a metrópole em 1956, num montante total -de 2 282 286 contos, estavam financiados apenas 683 338 contos, ou sejam 29,9 por cento da previsão total.
Como, aliás, já se referiu, as previsões têm sido objecto de alterações sucessivas, tendo o programa geral de 1956 passado de l 855 700 contos (27 de Maio de 1955) para 2 282 286 contos em Agosto último.
E pouco provável que a previsão seja completamente realizada, pois a quatro meses do fim do ano existem muitas verbas a movimentar, com a agravante de o despendido estar aquém do financiado na importância de 102 586 contos.

QUADRO XII

Execução do Plano de Fomento para a metrópole durante o ano de 1956 (até 31 de Agosto)

(ver tabela na imagem)

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A observação do quadro junto permite conhecer o comportamento das diversas fontes de financiamento durante o ano de 1956. A diferença notada entre as previsões e o financiado relativamente a «Outros recursos» deve-se ao facto de nela estar incluída a parte do Banco de Fomento do Ultramar (160 000 contos).

QUADRO XIII

Execução do Plano de Fomento para a metrópole durante 1956 (até 31 de Agosto)

Origem dos financiamentos

(Em contos)

(ver tabela na imagem)

72. Os financiamentos realizados pelo Fundo de Fomento Nacional fora do Plano de Fomento constam do quadro seguinte:

QUADRO XIV

Financiamentos realizados pelo Fundo de Fomento Nacional no período de 1950-1956

(Em contos)

(ver tabela na imagem)

73. Deve ainda salientar-se a actividade da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, com larga projecção no financiamento de muitas iniciativas.
No quadro junto encontram-se resumidos os saldos devedores dos agrupamentos de crédito distribuído em 1954, 1955 e 1956 (até 31 de Agosto), donde ressaltam os aumentos verificados nos financiamentos a organismos corporativos e de coordenação económica e no crédito hipotecário.
A especificação de algumas das operações realizadas evidencia o aumento do crédito industrial, pois o montante dos dois primeiros quadriénios de 1956 excede o dos do ano de 1955, nomeadamente no que se refere aos cimentos e cerâmica, aos têxteis e ao turismo e espectáculos (26720 contos), esta última integrada na rubrica «Restantes».
As operações de crédito agrícola tiveram igualmente uma evolução mais favorável do que em igual período de 1955.

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QUADRO XV

Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

Operações realizadas

(Em contos)

(ver tabela na imagem)

74. A análise da evolução dos meios de pagamento em poder do público nos oito primeiros meses deste ano permite verificar que não se alterou o seu ritmo de crescimento. Em 31 de Agosto o acréscimo em relação a 31 de Dezembro de 1955 é de 438 000 contos; a variação em idêntico período do ano anterior fora de + 413 000 contos. Diferem, todavia, as determinantes destas variações: no ano em curso o acréscimo é devido unicamente à expansão dos depósitos à vista (+450 000 contos), enquanto que no ano transacto participaram no aumento dos meios de pagamento tanto os depósitos à vista (+ 224 000 contos), como a moeda em circulação (+ 189 000 contos).

QUADRO XVI

Meios de pagamento em poder do público

(ver tabela na imagem)

75. A evolução da moeda em circulação consta do quadro que se segue.

QUADRO XVII

Moeda em circulação

(ver tabela na magem)

Mantém-se a participação da moeda em circulação no total dos meios de pagamento - 32 por cento.
Interessa analisar, para esta categoria de moeda, a influência dos diferentes factores que condicionam a sua oferta.
Como ela é constituída principalmente por papel-moeda, indicam-se os factores determinantes das variações da circulação fiduciária, tomando por base os elementos disponíveis até aos fins de Setembro.

QUADRO XVIII

Variações da circulação fiduciária (a)

(ver tabela na imagem)

Não difere grandemente a variação da circulação fiduciária no ano corrente (- 90 O0O contos) da de idêntico período do ano anterior ( +33 000 contos).
Divergem, porém, as determinantes das variações nos dois anos: em 1956 o aumento da conta do Tesouro e de depósitos e responsabilidades diversas foi a principal determinante da contracção, que a expansão da carteira comercial e a diminuição dos depósitos de bancos e banqueiros não compensaram; em 1955 o acréscimo da circulação fiduciária teve como principal origem a diminuição da conta de bancos e banqueiros, que uma redução da carteira comercial, o aumento dos depósitos relativos a acordos de cooperação internacional e outros factores não puderam compensar.
Verifica-se ainda que a situação da balança de pagamentos não teve, até ao fim do 3.º trimestre, incidência sensível nas variações da circulação.

76. A evolução da situação bancária é dada no quadro XIX.

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QUADRO XIX

Evolução da situação bancária

(Em milhares de contos)

A expansão do crédito no período considerado é ligeiramente inferior à que se verificou no período homólogo do ano anterior.
A diferença é mais significativa nos empréstimos do que na carteira comercial.
A situação este ano é, porém, diversa, pois o aumento total dos depósitos à ordem permitiu que a expansão se efectuasse recorrendo em muito menor grau às reservas de caixa, enquanto que no ano transacto a contracção dos depósitos à ordem tinha originado uma redução de mais de l milhão de coutos nessas reservas.
Ao analisar separadamente a situação dos bancos comerciais e das caixas económicas verifica-se que aquelas conclusões resultam de movimentos diversos: enquanto que a expansão do crédito pelos bancos comerciais se realizou u custa das reservas de caixa - embora em menor volume do que no ano findo, por ter sido agora menor a contranção dos depósitos -, as caixas económicas puderam também dilatar o seu crédito, vendo simultaneamente aumentadas as suas reservas de caixa, dado o acréscimo dos seus depósitos à ordem.

Algumas reflexões sobre o desenvolvimento

77. Não pode negar-se que a intensificação do desenvolvimento económico do País venha sendo de há muito constante preocupação do Governo. Depois de ter encontrado solução para questões previas e prejudiciais ao êxito de qualquer tentativa de progresso, é em 1935, com a Lei de Reconstituição Económica, que verdadeiramente se inicia o processo.
E, ainda que não possamos sentir-nos satisfeitos - a tarefa de alargar a riqueza nacional nunca um governo poderá dá-la por finda -, foi indiscutivelmente muito o que de então para cá se realizou; o verdadeiro valor desse esforço só se avalia com rigor quando se tenham em couta as características da conjuntura política, económica, social e cultural em que se alicerçou a fase de arranque: luta contra a inexistência de uma infra-estrutura capaz, contra a ausência do técnica e de dinheiro e até contra as propensões, os hábitos e a mentalidade.
Muitos destes factores adversos não estão ainda totalmente dominados, mas a experiência dos anos passados e a enorme contribuirão positiva que no progresso do País ela ofereceu constituem, sem d lívida, as realidades diferentes em que hoje -se quisermos ter o nível que possibilita a renovação dos últimos trinta anos - deve assentar a formulação de soluções de mais vasta envergadura e a sua execução a ritmo que corresponda às justas aspirações de melhoria da vida.
Um processo de desenvolvimento económico dificilmente permite a obtenção de resultados espectaculares em curto prazo, mesmo quando esse processo se desenvolve numa economia atrasada. Isto não quer dizer que se não reconheça a possibilidade de alterar as características do processo actual de desenvolvimento de modo a criarem-se as verdadeiras condições não só para um aproveitamento total dos recursos existentes, mas também para a intensificação do ritmo de renovação dos sectores que mais rapidamente possam contribuir para uma elevação real do nível de vida.
Decorre um Plano de Fomento e já outro activamente se prepara.
As lições colhidas ao longo da execução do primeiro, as perspectivas que este veio abrir e as recentes tendências da conjuntura interna e internacional consentirão, certamente, que o novo Plano de Fomento traduza já uma visão integral do problema do desenvolvimento e se proponha a realização de objectivos de repercussão, no nível geral de vida, mais directa e imediatamente apreciáveis.
O problema da aceleração do desenvolvimento comporta, porém, dificuldades que na sua resolução impõem extremos de cuidado e de ponderação.

78. Não se duvida que certas correcções à distribuição dos rendimentos permitirão, só por si, activação do consumo, e trabalha-se nesse sentido com a prudência e a intensidade que o problema requer.
Mas a elevação do consumo ao nível desejado só poderá resultar de um aumento da capacidade produtiva.
O círculo vicioso que senipre se forma em torno das economias atrasadas haveremos de quebrá-lo pela intensificação do investimento, pois é à escassez do capital, relativamente à mão-de-obra. que se deve fundamentalmente a fraca produtividade do trabalho nacional.

79. A orientação do Orçamento Geral do Estado e, de uma maneira geral, a formulação da política financeira não podem ser estranhas aos condicionalismos, do desenvolvimento, já porque tem de garantir a execução do Plano de Fomento em curso, já porque lhe compete preparar em muitos aspectos as bases em que assentará a expansão futura - dentro e ao lado dos novos planeamentos.
As notas que se seguem procuram dar conta da atitude que norteia a actuação do Ministério quanto a algumas das determinantes do progresso económico.

A assistência técnica

80. O problema do desenvolvimento económico não é só o da realização do progresso gradual de uma economia, mas também e sobretudo o da aceleração do seu

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( ...) ritmo de crescimento por forma a que, no mais curto prazo, se atinja nível de vida satisfatório.
Pode dizer-se que ao conceito de desenvolvimento é inerente um processo cumulativo e autopropulsor de progresso: estar-se-á em condições de atingir um nível satisfatório de desenvolvimento quando as variáveis endógenas do sistema -recursos, instituições e cultura - garantam a existência de certa capacidade de assimilação e de inovação.
Os recursos existentes são no geral escassos e susceptíveis de emprego vário. Daí a necessidade de um alto grau de produtividade. E um dos factores de que mais depende esse grau da produtividade é, sem dúvida, o conhecimento técnico - ou, melhor, a profunda penetração da técnica actual na estrutura económica e social do País ou da região atrasada.

81. A assistência técnica à produção aparece, assim, como uma das condições essenciais do desenvolvimento.
O que, neste aspecto, verdadeiramente caracteriza os países menos evoluídos não é a falta de conhecimentos técnicos, mas sim, e no geral, a incapacidade para os divulgar e para promover a sua efectiva aplicação.
Em matéria de divulgação dos conhecimentos, ou seja no campo da assistência técnica, aos serviços públicos -técnicos e administrativos- cabe missão e inestimável valor.
Para tanto é, evidentemente, necessário que o País tenha possibilidade de dotar os serviços com uma estrutura adequada e de lhes fornecer os meios financeiros suficientes: a reforma e a dotação dos serviços, com vista à sua máxima eficiência, conduzirão simultaneamente à formação de técnicos e à difusão e aplicação das técnicas actuais na zona de influência desses serviços.
Pelo que nos respeita, a orientação de dotar os serviços e de aceitar a sua reforma sempre que ela tenda à máxima eficiência, dentro de rigorosa economia, foi já definida no relatório da proposta da Lei de Meios para 1956.
E nesse mesmo relatório se marcou a prioridade a dar ao aumento de dotações ou à aprovação de reformas nos termos seguintes:
Às condições do momento consentem que as despesas dos serviços sejam dominadas pela preocupação de eficiência e, se este critério se julga válido para a generalidade dos casos, não se duvida - examinada a situação económica do País - que ele será não só válido mas necessário para as despesas dos serviços que a seu cargo tenham a assistência à produção e o apoio ao comércio externo.
O propósito de colocar em primeiro plano a intensificação da assistência técnica vem assim do ano findo e a ela se deu já concretização ao longo do ano, concedendo os meios financeiros indispensáveis à reforma das Direcções-Gerais dos Serviços Florestais e Aquícolas e dos Serviços Eléctricos.
Será o mesmo, no próximo ano, o critério que norteará o Ministério das Finanças na apreciação dos orçamentos dos serviços e dos seus projectos de reforma.
Desde já, e independentemente da firme aplicação deste critério na solução dos problemas que surjam ao apreciarem-se os orçamentos dos demais serviços, a presente proposta de lei salienta, de modo particular, a intenção de iniciar em 1957 a execução de um esquema de assistência técnica à lavoura na escala das suas necessidades e da contribuição que deve dar para a expansão do rendimento nacional.
O objectivo do artigo 16.º da proposta será esclarecido noutro capítulo do relatório. De momento, e na lógica das considerações atrás feitas, registe-se apenas que, concedendo ao Ministério da Economia meios indispensáveis à reforma da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, se pretende apetrechar os serviços por fornia que o esforço até aqui por eles despendido no País e no estrangeiro -nomeadamente ao abrigo e com o auxílio de planos americanos de assistência- na preparação dos seus técnicos e na elaboração de programas de extensão agrária possa traduzir-se em real contribuição do Governo para o progresso, que tão urgente se considera, da produtividade agrícola.

A automação

82. Ainda dentro do condicionalismo técnico do desenvolvimento económico, outro dos seus aspectos, aliás também directamente ligado à melhoria da produtividade, merece um ligeiro comentário: o problema da automação.
Na fase em que nos encontramos, esse problema tem plena actualidade, não só para o Governo, que haverá de ponderar as suas implicações económicas, financeiras e sociais, mas também, e sobretudo, para os empresários, que haverão de produzir em regime de concorrência com a iniciativa e as possibilidades técnicas e financeiras da produção estrangeira.
E uma outra causa da actualidade do problema e da sua gravidade estará na eventual criação da zona de comércio livre na Europa, uma vez que, a dar-se essa hipótese, o progressivo abaixamento das pautas alfandegárias nos obrigará, fatalmente, a aparelhar a nossa indústria ao nível da competição internacional.

83. A característica principal da automação é a existência de um processo contínuo que liga uma sequência de operações industriais e dispensa a intervenção do esforço humano. O que importa acentuar, especialmente, é a atitude implícita de se considerar a produção de um ângulo de visão completamente diferente: se no passado imperou a divisão do trabalho, em obediência às limitações da aptidão humana, hoje a produção considera-se como um sistema integrado de processos isolados e descontínuos num único processo - ininterrupto e total.
Esta nova concepção não significa somente a construção de unidades inteiramente automáticas, nem a readaptação de outras já existentes, mas, principalmente, alterações do produto final, do processo produtivo e da maquinaria utilizada, em ordem a obter um máximo de vantagens da nova tecnologia. Esta circunstância parece ser a sua mais importante consequência.

84. A aceleração do processo da automação tornou-se uma realidade no pós-guerra por virtude da acção relacionada de vários factores: escassez da mão-de-obra, aumento dos salários reais, expansão do consumo, alta de preços, intervenção dos Governos no domínio da investigação, etc.
Este movimento atingiu nos países industrializados grande amplitude, com experiências nos mais diversos sectores de actividade económica: indústria química, combustíveis, cimento, bebidas, fibras e produtos têxteis, papel, vidro, cerâmica, máquinas-ferramentas, minas e comunicações.
Embora teoricamente seja possível a automação de todo o processo produtivo, alguns factores impedirão, por certo, a sua aplicação geral: no plano tecnológico, a dificuldade de instituir a continuidade da linha da produção, a escassez de equipamento automático, de construtores, de investigadores e da mão-de-obra especializada; no plano financeiro, a insuficiência de re-

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(...) cursos, o alto custo do equipamento e o risco inerente a uma elevada taxa de inovações; no plano económico e social, a possível escassez de matérias-primas ou de energia eléctrica, motivada por uma maior produção, e o receio de desemprego em larga escala.

85. A avaliação das incidências da automação nos planos económico e social afigura-se difícil, uma vez que depende de condições especiais e temporais de cada país. Está fora de dúvida, porém, a grande amplitude de alterações estruturais que esta inovação tecnológica virá a provocar.
As consequências mais importantes da automação são, logicamente, o aumento de produção e a libertação de mão-de-obra.
Se a primeira não põe de momento problema sério, a segunda é de molde a justificar o receio de uma aplicação generalizada e imediata do novo processo tecnológico.
A admitir-se, porém, que a economia dos países industrializados mantenha ou eleve o ritmo de expansão dos últimos anos, a escassez da mão-de-obra até agora verificada não constituirá mais um factor limitativo de novos investimentos. A sua readaptação, a mobilidade e a melhor formação exigidas pelas novas ocupações, essas, sim, constituirão importante problema. E da rapidez com que a formação especializada se opere dependerá, em grande medida, o progresso da automação.
Na possibilidade de esta se realizar com economia da mão-de-obra, mantendo-se constante o volume de produção, o desemprego tecnológico daí derivado pode traduzir-se, a curto prazo, em grave problema, especialmente se a este se juntar o provocado pela concorrência, nos diversos sectores de actividade, entre a parte não automatizada e a automatizada. Esta hipótese não invalida, no entanto, a afirmação de que a automação, como progresso técnico que é, necessariamente se apresentará, a longo prazo, como fonte de emprego e nunca de inactividade.
Dizer-se que ela constitui, pelos seus possíveis efeitos sociais, uma ssegunda revolução industrial» é desconhecer a desigualdade de situações e ignorar o sistema avançado de previdência e a política de pleno emprego, característicos dos países mais industrializados.
O seu grau de generalização dependerá sobretudo da aceleração do desenvolvimento económico, e na Europa dependerá ainda da medida em que efectivamente se verificar o alargamento do mercado comum.

86. Fará os países subdesenvolvidos a automação, além dos problemas gerais atrás apontados, fará surgir ainda novas e delicadas questões: se o que a determina é, na maioria dos casos, ou a penúria da mão-de-obra ou a vantagem económica da sua substituição pela máquina - aumento da produção e diminuição dos custos -, ressalta com clareza que essas condições são altamente improváveis em países onde há largos excedentes de forças de trabalho; e, a par deste problema, outros factores concorrem ainda para dificultar a aplicação a estes países dos novos processos tecnológicos: escassez de capital, penúria de mão-de-obra especializada e risco - as instalações automáticas, que exigem uma mão-de-obra altamente especializada, são muito dispendiosas, pelo menos enquanto a indústria electrónica não se automatizar; além disso, dada a velocidade com que os equipamentos se desactualizam, obrigam a uma taxa elevada de amortização.
Não pode, no entanto, inferir-se das considerações anteriores que a automação não deva programar-se para as economias não evoluídas: seria paradoxal que um país empenhado no seu desenvolvimento económico, e ao instalar novas formas de actividade, fosse precisamente utilizar técnicas ultrapassadas.
De resto, para as nações economicamente atrasadas, que agora se encontrem em fase de programação do seu desenvolvimento, poderá aparecer como solução de compromisso a automação apenas para as suas indústrias de exportação - aquelas para as quais disponham de condições naturais de concorrência. E, sem dúvida, por aqui se começará. Mas a solução só será válida se se mantiver a actual compartimeiitacão dos mercados.
E este um dos aspectos que maiores perturbações poderá vir a causar a economias do tipo da economia portuguesa, porque a automação, implicando grandes investimentos, níio emprega a mão-de-obra disponível nem atenua imediatamente o subemprego. Os problemas que ela põe só encontrarão solução na criação de outras formas de actividade e na mais equitativa distribuição do rendimento - numa palavra: na execução, a ritmo acelerado, de um esquema de desenvolvimento económico.

As novas formas de energia

87. Seria agora o momento de referir a importância vital que para o progresso do País podem ter as disponibilidades de energia.
Que dessa importância o Governo sempre teve exacta noção prova-o a primazia que tem dado ao integral aproveitamento das possibilidades energéticas dos rios. Sabe-se, no entanto, que em futuro próximo a nossa capacidade de produção de energia eléctrica não será suficiente para ocorrer às exigências do trabalho nacional e não se ignora o custo e a dependência em que nos voltaria a colocar a necessidade de recurso a vultosas importações de carvão.
No entanto, este problema não constituirá no futuro um obstáculo ao nosso progresso económico: por sermos produtores de urânio e por ser já realidade a utilização da energia nuclear para fins industriais, abrem-se-nos, neste campo, todas as perspectivas.
Já em outro lugar do relatório se fez referência à posição do problema no campo internacional e à atitude que, perante ele, Portugal tomou.

A dimensão do mercado

88. A exiguidade do mercado interno é um dos principais factores limitativos do progresso económico. Na verdade, os baixos níveis de consumo que se observam nos países em vias de desenvolvimento não se coadunam com os altos níveis de produção que são impostos pelas condições técnicas actuais.
A dimensão ao mercado surge, pois, como causa e efeito do baixo nível de rendimento: causa, porquanto, diminuindo o incentivo ao investimento, impede que a efectivação deste promova a expansão do rendimento, e efeito, na medida em que a insuficiência dos rendimentos conduz a um estreitamento do mercado interno.
E a estas causas da exiguidade do mercado acrescem as suas condições naturais: a extensão geográfica e o volume e composição da população.

89. As vantagens resultantes duma larga aplicação do princípio da divisão do trabalho surgem atenuadas nos países em desenvolvimento: a exiguidade do mercado opõe-se à expansão e diversificação da produção, não assegurando, em muitos sectores, condições de viabilidade às indústrias que se pretende instalar; o estímulo ao investimento é assim afectado pelo fraco poder de absorção do mercado interno.
Deste modo se compreende que os países com reduzida dimensão daquele mercado tentem atenuar as difi-

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(...) culdades que obstam ao aeu desenvolvimento através dum esforço deliberado no sentido de fomentar a exportação, não só pela conquista de novos mercados, mas também pelo melhor aproveitamento daqueles de que já dispõem.
A esta acção opõem-se numerosos obstáculos quando estes países .se não limitem à exportação de matérias-primas, mas, antes, se empenhem na colocação de produtos manufacturados, aproveitando as vantagens naturais que usufruem em relação a certos fabricos.
A indústria de exportação luta assim com sérias dificuldades, que derivam, não só da concorrência internacional de países industriais com posições já consolidadas nos mercados, mas também das flutuações que nesses mercados se processem. Urge, portanto, que o esforço de exportação esteja apoiado numa cuidada organização interna e numa intensa acção de prospecção e conquista de mercados estrangeiros.
Entre nós esta linha de conduta harmoniza-se de há muito com a política do Governo. A criação dos organismos de coordenação económica para cada sector de actividade e a do Fundo de Fomento de Exportação - este dotado hoje de razoáveis possibilidades financeiras - são testemunhos expressivos desse esforço. Na medida em que forem preenchido» os fins que essa organização se propõe atingir dependerá em larga escala o futuro da nossa actividade exportadora e com ela o futuro, em boa parte, da nossa expansão económica.
O problema, no entanto, para além duma decidida acção de fomento de exportação s de todos os aspectos que lhe são inerentes, apresenta, no nosso caso, características mais favoráveis, uma vez que o mercado nacional oferece largas potencialidades quando considerado no seu conjunto - metrópole e ultramar.
A metrópole coloca já nas províncias ultramarinas mais de um quarto do valor das suas exportações, e se considerarmos apenas a exportação de produtos manufacturados a participação do ultramar na absorção desses produtos sobe a um terço. Do mesmo modo, a metrópole representa para o ultramar uma via segura de escoamento das suas produções.
O mercado nacional tenderá a alargar-se e confirmará melhor a potencialidade que actualmente se lhe atribui à medida em que se for processando a sua homogeneidade.
O problema levanta algumas questões, entre as quais se contam as derivadas da diversidade de estruturas económicas, da dispersão dos territórios e dos diferentes regimes aduaneiros e -monetários em vigor. No entanto, o carácter de complementaridade e a perfeita união existente entre as várias parcelas do território nacional contribuirão, sem dúvida, não só para atenuar todas estas dificuldades, mas também para estimular cada vez mais uma acção de integração económica nacional.

90. Como já se notou, a exiguidade do mercado é uma consequência do baixo nível de rendimento, interessando deste modo analisar os factores que com este se relacionam.
Dois apectos merecem em especial ser considerados: a distribuição do rendimento e a política de salários.
Elementos de vária natureza inculcam distorções na distribuição do rendimento nacional português. As correcções e ajustamentos que se impuserem não deixarão de ser considerados na revisão do sistema tributário, onde o problema tem enquadramento apropriado, procurando-se a solução ma ia adequada.
Além das finalidades de ordem social que uma repartição mais equitativa do rendimento se proponha alcançar, ela contribui para uma expansão do consumo, assumindo, deste modo, uma importância particular. A questão exige, .porém, muita reflexão, porquanto a expansão do consumo que não seja acompanhada de um aumento da produção total poderá processair-se apenas à custa do investimento.
A distribuição mais equitativa do rendimento, provocando a expansão do consumo, dilatará automaticamente o mercado. Mas o sistema tributário numa economia de mercado tem de manter o incentivo ao investimento, pois, se este paralisa ou diminui consideràvelmente, o aumento do consumo substitui apenas o investimento. E necessário, portanto, que a mais altos níveis de consumo corresponda paralelamente uma expansão da produção.

91. Outro factor do poder de compra e, consequentemente, do alargamento do mercado é a política de salários.
Reveste-se ela de aspectos delicados, dado que o salário não é o simples preço de um factor produtivo, mas representa também normalmente a única fonte de rendimentos de uma vasta camada da população.
Pode dizer-se que, regra geral, a política de investimentos tem fortes repercussões sobre o bem-estar dos trabalhadores: se os investimentos se realizam numa economia em que a mão-de-obra e outros factores produtivos não estão plenamente utilizados, será de prever, desde logo, uma expansão do rendimento pela simples elevação do nível de emprego.
O rendimento real por trabalhador subirá ainda logo que uma utilização mais intensa da capacidade produtiva permita reduzir os custos de produção e que os benefícios daí resultantes revertam, pelo menos em parte, em aumento de salários.
Estranha-se por vezes que o processo de desenvolvimento não conduza desde o seu início a melhorias mais significativas do nível de vida.
A explicação parece estar em que de começo o aumento do rendimento médio se faz principalmente pela deslocação da mão-de-obra de actividades onde ele é mais baixo para outras em que é mais elevado.
Enquanto se não generalizam os processos produtivos com mais larga utilização de capital, o processo de desenvolvimento é basicamente a extensivo». Só quando no seu conjunto a actividade produtiva atinge um grau mais elevado de capitalização ele se torna sintensivo», permitindo o aparecimento de indicadores nítidos da melhoria do nível geral de vida.
A expansão deve, todavia, operar-se equilibradamente. Dado que os recursos são limitados e que larga parte está sendo aplicada na produção de equipamentos, se o rendimento cresce em resultado não só duma utilização mais completa dos recursos mas também dum melhor aproveitamento da capacidade produtiva, poderá exercer demasiada pressão no mercado de bens de consumo, provocando a subida dos preços, à medida que se intensifique a actividade geral.

92. Pretende-se, por vezes, numa visão particular do problema, fomentar o poder de compra pela simples elevação dos salários nominais, sem a necessária intensificação da capacidade produtiva. Esta solução, se for isolada, será, normalmente, ineficaz ou, pelo menos, transitória.
A evolução dos salários nominais não pode observar-se separadamente do movimento dos preços.
O poder de compra é estabelecido pela relação entre o rendimento e os preços. Se o sistema de preços é rígido, ganham maior significado as variações dos salários nominais. Mas, se a par do bloqueamento dos preços se verificar também o dos salários, os acréscimos que se derem na produtividade traduzir-se-ão unicamente num empolamento das margens de lucro.

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São por isso de aceitar reajustamentos de salários quando se verifiquem ganhos de produtividade ou o ajustamento se faça à custa de margens de benefícios anormais e ainda quando, como é natural, sendo o salário fonte principal de rendimento, ele se situe abaixo do mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas.
Para os países que procuram obter um nível elevado de investimento o sucesso da sua política depende, em larga medida, da política de salários. Mas a moderação neste sector só é de aceitar desde que atitude idêntica seja tomada para com os beneficiários de outras fontes de rendimento.
A aceleração do processo de desenvolvimento implica assim uma alternativa ou a aceitação de um sacrifício presente, traduzido por uni nível mais modesto de consumo, com vista a uma melhoria sensível a curto prazo, ou um nível mais elevado de consumo actual, se bem que ainda limitado, e uma perspectiva mais diferida e melhoria.
A opção por uma das alternativas não corresponde a uma solução determinada, dado que entre as alternativas a diferença é mais de grau do que de natureza.

Sistema de crédito

93. Todo o sistema de crédito está sendo objecto de ampla revisão, em ordem a fazê-lo corresponder às necessidades que se vão criando e a articular a sua satisfação com as necessidades já existentes nas modalidades tradicionais. O problema situa-se na primeira linha das preocupações do Ministério.
Neste sentido a proposta de lei de autorização de meios para 1956 previa já a reorganização do crédito. A Câmara Corporativa, ao apreciar aquela proposta, pronunciou-se favoravelmente sobre a reorganização referida, acentuando que o problema requeria extremos de cuidado e ponderação. A aprovação da Assembleia Nacional converteu em lei a proposta.

94. Para lhe dar cumprimento organizou-se oportunamente e está em execução um plano de trabalho, que, partindo das deficiências mais palpáveis do funcionamento e da estrutura do sistema bancário nacional, se orientou em ordem a dois objectivos fundamentais:
a) Ajustar a evolução da massa monetária ao nível da actividade económica, abrangendo, por consequência, todo o sistema da expansão do crédito, da baixa velocidade de rotação dos depósitos-moeda, do excesso das reservas de caixa, da exiguidade do volume de poupança que não é canalizado pelo sistema através do depósito e da incidência da balança de pagamentos na ordem monetária interna. Trata-se, no fundo, da organização do crédito;
b) Distribuir o crédito por forma a assegurar, quanto possível, a cada um dos sectores da economia a parte correspondente às necessidades do seu harmónico desenvolvimento económico, compreendendo todo o problema do controle geral e selectivo. Foi a direcção do crédito que se teve em mente.

95. A lei previa também a organização do mercado de capitais, pois, funcionando este como solução alternativa ou complementar do crédito bancário, não faria sentido que o seu estudo se efectuasse independentemente. Apenas se excluía o autofinanciamento, por se entender que, embora ligado estreitamente ao das outras fontes de capitais, seria no âmbito da política fiscal o lugar mais adequado ao seu estudo e regulamentação.
Quer dizer: o plano de trabalho assenta numa concepção unitária do problema do crédito, admitindo-se, no entanto, que, por mera questão de método, possa comportar desdobramentos e soluções separadas, mas não independentes.

96. Nesta linha de orientação, impôs-se como tarefa imediata, por um lado, a definição das funções próprias dos bancos e do papel que lhes competia na expansão económica interna e externa e, por outro, o enunciado, consoante essas funções, das regras especiais de gestão no que respeita à origem e aplicação dos recursos.
Ora, a definição das funções específicas dos bancos comerciais -o grupo mais representativo no nosso caso - não pode basear-se apenas em princípios de pura técnica bancária, visto que essas instituições estão já a trabalhar em determinadas condições de facto, para as quais podem ou não ter contribuído.
E, se é reconhecida a vantagem de elevar o seu grau de diferenciação, não devem perder-se de vista as recomendações no sentido de não só consentir mas incentivar os bancos comerciais a tomarem a sua quota-parte no financiamento a médio e a longo prazo, desde que não comprometam a solvabilidade dos respectivos depósitos.

97. Mas não estão apenas em causa a liquidez do sistema e a natureza dos meios de financiamento de que se pretende dispor. Está também a possibilidade de na operação bancária se cindir o risco da mobilização do crédito, o que poderá ser da maior relevância para a economia nacional. Efectivamente, a divisão dos riscos, tal como se pratica em vários países, conduz, pelas maiores facilidades de crédito que proporciona, a uma interdependência mais acentuada do sistema bancário. Na generalidade dos casos o banqueiro pode parcelar o risco, assumindo desde logo apenas parte dele, ou, se o aceita na totalidade, fica com a possibilidade de o transferir posteriormente. Como quer que seja, vem acrescido o grau de interdependência dos vários elementos componentes do sistema.

98. É evidente que estas condições põem um limite e que, portanto, haverá sempre uma diferença a preencher por instituições especializadas, cuja gestão se subordinará a bases diversas das dos bancos comerciais.
Pensa-se que as finalidades a atingir neste momento se podem reduzir essencialmente às seguintes:
1.º Suprir deficiências tradicionais do financiamento a médio e a longo prazo;
2.º Proteger a economia privada, ultrapassada pela amplitude e premência de novas necessidades;
3.º Facilitar a criação de novas empresas e prestar auxílio às pequenas unidades de produção.
Apesar de o problema suscitar delicadas questões de articulação dentro do sistema financeiro, quer no que respeita à origem e aplicação dos recursos, quer no que se refere à coordenação do ponto de vista monetário, espera-se poder apresentar muito em breve o projecto das bases para a sua solução.

Os Incentivos fiscais

99. Entre as condições favoráveis à maior inversão de capitais na produção figuram os incentivos de ordem fiscal.
As medidas desta natureza que se adoptam para encorajar a industrialização actuam num duplo aspecto: criação de condições de produção favoráveis e facilidades na colocação dos produtos.
O primeiro objectivo visa a combinação dos factores produtivos principalmente pela diminuição dos encargos que as empresas têm de suportar com a aquisição e utilização de bens de produção; o estímulo ao investimento

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(...) é dado não só a novas indústrias mas também às já existentes.
Para obtenção da produtividade máxima, a expansão do investimento tem de realizar-se com certo equilíbrio. Daí a necessidade de orientar o investimento e daí também que os incentivos fiscais em determinados sectores devam ser acompanhados de medidas de desen-corajamento às aplicações especulativas em outros.
O segundo objectivo dos incentivos de ordem fiscal é o apoio à exportação, de modo a facilitar à produção o escoamento dos seus fabricos.

100. Os meios fiscais que se utilizam para levar a cabo esta política são principalmente a isenção ou redução de impostos, draubaques, importações temporárias e direitos de importação.
A utilização destes meios tem, no entanto, dois limites o considerar: a perda de receitas, resultante dos benefícios fiscais, não pode pôr em causa a realização de um mínimo de receitas necessário à cobertura das despesas essenciais; por outro lado, a concessão de benefícios fiscais só se justifica quando eles efectivamente estimulem o desenvolvimento da produção. Nesta hipótese, o Estado, concedendo benefício, prescinde de uma receita imediata, na expectativa de, ao cabo do processo de evolução, se ver compensado da perda sofrida com um aumento de receita.
Além disso, a justificação das concessões em matéria tributária tem de assentar numa base em que o interesse nacional do melhoramento de cada indústria, e dentro desta em cada caso, supere o interesse da cobrança dos réditos fiscais em relação a essa mesma unidade.
Paralelamente, o sentido de justiça na distribuição dos encargos fiscais não pode tolerar a amplitude de um critério orientado apenas pela ideia de obter um aumento e vantagem ocasional de produção: está em causa não só a exigência da demonstração da viabilidade dos empreendimentos, através da seriedade dos meios técnicos e financeiros empregados, mas também a ausência de erros de organização quando a eventual debilidade ou decrepitude da empresa seja imputada a circunstâncias meramente fortuitas.
Dentro dos princípios enunciados e sempre que os casos se enquadrem nas finalidades que têm dominado a política de investimentos do Governo - elevação do nível de vida e do volume de emprego e melhoria da composição qualitativa e quantitativa das trocas externas - não se recusará a concessão ampla dos vários benefícios indicados.
Esta orientação, já afirmada no relatório da proposta da Lei de Meios de 1956, concretizou-se no decurso do ano por várias medidas.
Vai ser publicado o decreto que regulamenta o artigo 11.º da Lei n.º 2077 - Lei de Meios para 1956 -, com o qual se procura incentivar a diversificação da produção e contribuir para o aumento da produtividade numa vasta área do sector industrial não abrangida directamente pelo Plano de Fomento em curso, mas cujo desenvolvimento interessa sobremaneira ao progresso económico do País.
Espera-se que as medidas adoptadas constituam estímulo suficiente e que da sua ampla utilização resultem reais vantagens para a economia nacional.
Quanto ao apoio à exportação, publicou-se o Decreto n.º 40 644, de 20 de Julho de 1956, pelo qual o Ministro das Finanças ficou autorizado a reduzir ou isentar-de direitos a importação de matérias-primas cuja produção nacional seja insuficiente ou revele variação irregular não susceptível de compensação através da sua armazenagem, em contrapartida da exportação de produtos fabricados com essas matérias-primas.
O significado e o alcance do diploma podem abarcar-se melhor pela transcrição dos seguintes passos do preâmbulo do decreto:
A experiência demonstra que a possibilidade de forneppr os mercados consumidores, sem interrupção e nas quantidades e tipos requeridos, é condição que, a não se verificar, põe em risco - quando a não inutiliza por completo - toda a acção de prospecção e de propaganda exercida nos mercados .externos: as irregularidades s a insuficiência no abastecimento criam, do lado do comércio importador e do próprio consumidor, uma desconfiança de tal modo acentuada que mais difícil é vencê-la do que conquistar novos mercados.
As disposições do presente diploma têm por objectivo facultar à indústria nacional a possibilidade de, pelo recurso à importação, cobrir os deficits transitórios ou anormais que se verifiquem na produção nacional de matérias-primas, desonerando a sua importação e exportação de encargos que possam tornar inviável a concorrência das marcas nacionais nos mercados estrangeiros.
Ainda dentro da política de fomento da exportação, o diploma a publicar sobre os investimentos estabelece, nos benefícios a conceder, uma escala de prioridades, que coloca em primeiro lugar as indústrias de exportação, para os quais se prevê a dedução no rendimento colectável da totalidade do valor amortizável dos investimentos que venham a efectuar.
Continuaram a conceder-se vários regimes de drauba-que (Decretos n.» 40 170, 40 192, 40 264 e 40 579) e estão já autorizados mais quatro, dois dos quais para a indústria de lanifícios.
As facilidades à exportação têm-se traduzido também na redução progressiva dos respectivos direitos. Não obstante o seu baixo nível - actualmente de oerca de 1.5 por cento -, o Ministério das Finanças encara abertamente uma solução mais ampla, desde que esta se integre numa revisão conjunta de todos os encargos que oneram a exportação portuguesa, no circuito que vai desde a fábrica aos mercados externos.

A saúde

101. Se há sector da Administração que ao Governo mereça especial atenção, esse é, sem dúvida, o da saúde pública.
Na verdade, pela saúde de um povo se pode aferir o seu grau de civilização, como expressão que é do seu nível económico e moral de vida, e ao mesmo tempo fundamento onde se alicerçam as suas possibilidades de desenvolvimento; da saúde pública se poderá afirmar ser ela um dos espelhos em que mais fielmente uma nação se revê, tão complexos e de tão variada natureza são os factores que a condicionam e a exprimem.
E, porque assim é, não se pode fiar exclusivamente da acção específica contra a doença um estado óptimo de sanidade nacional, antes resultará, e naturalmente, do aperfeiçoamento integral - moral, intelectual e económico - da vida do nosso povo.
A saúde pública é assim mais um problema que vive na interdependência doutro mais vasto, qual seja o da melhoria do nosso teor de vida, em que o Governo anda tão vivamente empenhado, e só aí encontrará a sua verdadeira solução.
É, porém, evidente que essa solução óptima não se pode alcançar em prazo breve, e entretanto, e para além de problemas específicos e permanentes de saúde

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(...) pública - como a organização preventiva da doença e a asistência aos desvalidos-, há casos instantes que reclamam imediata atenção, como certas doenças -e bem se .pode dizer que cada época tem tido a sua -, que atingem tal virulência e expansão que se transformam em verdadeiros flagelos públicos, fonte de depauperamento nacional em todos os sentidos.
É o caso, hoje ainda em Portugal, da tuberculose.
O Governo tem do facto plena consciência e acha-se firmemente determinado a extinguir o flagelo.
Para isso se têm facultado e continuarão a facultar--se os meios monetários indispensáveis ao integral cumprimento da campanha antituberculosa, que, planificada e aprovada durante o ano de 1955, teve o seu começo de execução no mês de Outubro desse ano, com as dotações então concedidas: 11 000 contos destinados a comparticipações ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e instituições empenhadas na luta antituberculosa e mais 10 000 contos para custear o internamento de doentes pobres em estabelecimentos adequados.
No orçamento para o ano corrente e em cumprimento do artigo 15.º da Lei n.º 2079 - «No ano de 1956 o Governo dará preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento de um programa de combate à tuberculose, para cujo fim serão inscritas no Orçamento Geral do Estado as verbas consideradas indispensáveis»- previram-se despesas, para o mesmo fim, respectivamente de 68 000 contos e 21000 contos, o que significou um aumento de meios postos ao serviço da luta, relativamente ao orçamentado no ano anterior ao plano, da ordem de 35 000 contos.

102. A obra já realizada corresponde ao esforço da tesouraria e os resultados obtidos são animadores, não porque se comece a vislumbrar já diminuição da mor-bilidade, mas porque se vê francamente começada uma organização eficaz e, sobretudo, porque se sente a compreensão do País e a generosa correspondência à acção do Estado por parte dos particulares, instituições e médicos.
E nunca será de mais anotar que em qualquer campanha que o Estado planeie e lance o êxito dependerá, na sua maior parte, da maneira como o País a compreenda e acolha.
Neste caso da campanha antituberculosa é preciso que todos a tomem como sua própria - que na realidade é -, levando-a, pelo esforço de cada um em coordenação com o do Estado, rapidamente a bom termo.
Alinham-se agora alguns elementos positivos sobre a luta antituberculosa, a partir do início da campanha, em Outubro de 1955:

a) Profilaxia da tuberculose feio rastreio tuberculínico e microrradiográfico, bem como pela vacinação B.C.G.

Aumentaram-se em 5 unidades os aparelhos de ra-diofoto e mais 3 viaturas e atrelados para o seu transporte.
Constituíram-se mais 5 brigadas de radiorrastreio e 11 de rastreio tuberculínico e vacinação, pelo que funcionam presentemente 22 brigadas.
Os serviços realizados podem bem avaliar-se pelo seguinte esquema comparativo:

(ver tabela na imagem)

b) Serviços dispensariais:

Criaram-se e entraram em funcionamento mais 31 consultas-dispensário, em regime de acordo do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos com 31 Misericórdias.

c) Leitos:

Aumentaram-se 129 leitos do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos em 4 sanatórios.
Equiparam-se mais 100 no Centro de Cirurgia do Lumiar.
Entraram em funcionamento mais 762 leitos de enfer-maria-abrígo em regime de acordo do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos com as Misericórdias de 21 concelhos e o Albergue Distrital do Porto.
Aproveitaram-se para doentes a cargo da Direcção-Geral da Assistência mais 814 leitos em sanatórios particulares.
Concederam-se subsídios para obras de adaptação de edifícios pertencentes a 25 Misericórdias, o que permitirá, em breve iprazo, a utilização de mais 741 leitos, e projecta-se a instalação de 1708 leitos em 34 Misericórdias.
O Ministério das Obras Públicas, por seu turno, tem em curso obras de construção e equipamento de 696 leitos em 4 sanatórios e projecta 1060 leitos em mais 3.
Finalmente, serão aproveitados no ano próximo mais 430 leitos que as empresas sanatoriais particulares apetrecharam, por sua livre e louvável iniciativa.

d) Inspecção clinica:

Criaram-se estes serviços, distribuídos por três zonas - Norte, Centro e Sul-, dirigidos por três categorizados tisiologistas e com funções de inspecção permanente de todos os órgãos de luta, da iniciativa de ordem clínica em que cabe o poder de determinar o internamento, alta e transferência, e de organização de cursos de aperfeiçoamento para o pessoal médico das Misericórdias.

103. Não obstante o substancial aumento das verbas investidas na luta antituberculosa, os subsídios concedidos pelo Estado aos estabelecimentos hospitalares têm continuado a crescer num ritmo que causa preocupações: em 1955 foram entregues dotações no montante de 146 035 contos; para 1956 foi orçamentado o subsídio de 145 000 contos; e a verdade é que nem tais verbas se podem considerar capazes de auxiliar satisfatoriamente uma assistência hospitalar perfeita, nem o Tesouro deve suportar todo o indispensável aumento da despesa do sector - aqui, como no resto, suum quique tribuere.
A função do Estado relativamente aos tratamentos nos estabelecimentos hospitalares deve ser meramente supletiva, cobrindo os déficits resultantes dos serviços prestados a quem não paga, quer porque em direito, por si ou por outrem, não deva, quer porque de facto não possa.
Resolver o problema à luz de princípios diferentes será ofender a justiça, cativar dotações que de outro modo iriam beneficiar outros sectores e resolver outros problemas da saúde pública que aos próprios hospitais respeitam.
Espera-se assim, quer dando integral cumprimento a disposições já legisladas, quer pondo em execução projectos já estabelecidos, e tudo articulando, se melhor for, em novo diploma, coordenar, finalmente, as responsabilidades pelos encargos hospitalares da assistência à doença e repartindo-os como for de justiça

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(...) entre o Estado, as câmaras municipais, as instituições de previdência e os particulares.
E não se vê a impossibilidade de rever a situação financeira das câmaras municipais, se, para conveniente arrumo do problema, essa revisão se impuser.
E assim se solucionará o dilema ante o qual o Estado M tanto tempo se acha posto: de não poder alhear-se da assistência em causa e ter de encontrar contrapartida financeira de uma ordem de grandeza que a gestão dificilmente proporciona.

104. Directamente ligado à assistência hospitalar, e de uma maneira geral a qualquer espécie de assistência a doença, outro problema, entre muitos, preocupa sobremaneira: a enfermagem.
Sabem todos os que, de perto ou de longe, lidam com os meios assistenciais da necessidade de um esforço amplo para o seu fomento e melhoria, mas sabem também que o Governo não tem descurado o problema, tendo já estabelecido algumas das principais condições da sua solução através da reorganização do ensino de enfermagem (Decreto-Lei n.º 36 219, de 10 de Abril de 1947, e Decreto-Lei n.º 38 884, de 28 de Agosto de 1952) e da organização da enfermagem nos estabelecimentos hospitalares (Decreto-Lei n.º 37 418, de 18 de Maio de 1939).

A preparação técnica

105. Como é óbvio, tanto a elaboração dos esquemas gerais de desenvolvimento como a preparação dos projectos relativos aos empreendimentos previstos nesses esquemas constituem tarefa que impõe e pressupõe a existência de técnicos competentes. E a este respeito a execução do nosso Plano de Fomento é exemplo que não pode esquecer-se: muito do atraso verificado se deve, não à qualidade dos técnicos nacionais, que é boa, mas ao seu número, que é insuficiente.
Já anteriormente se referiu que a simples importação do equipamento, mesmo quando acompanhada de assistência técnica, não constitui normalmente solução integral do problema. Os especialistas dos vários sectores devem estar em condições de estabelecer em que medida e por que forma a enorme massa de conhecimentos científicos e tecnológicos acumulada nos grandes países industriais se pode adaptar às características da economia menos evoluída do seu país, de modo que, uma vez vencidas as dificuldades de assimilação da técnica, o aproveitamento das próprias condições de atraso permita uma recuperação a ritmo mais rápido que o do crescimento dessas economias industrializadas, que hoje são as exportadoras da experiência e da técnica.

106. NSo se ignoram no entanto as dificuldades que em países de recursos limitados se opõem ao progresso geral da técnica, dado que esta, uma vez assimilada, carece de ser difundida: a técnica agrícola, por exemplo, não basta que a dominem os peritos dos serviços; só será útil quando levada até junto dos agricultores, em termos em que estes a possam entender e aplicar.

107. E põe-se assim, imperiosa, para a administração pública a necessidade de preparar e manter técnicos e pessoal especializado em número e qualidade que satisfaçam as exigências do ritmo desejado para o crescimento do País.
Com deficientes ou insuficientes quadros de servidores difícil se torna a soacepção de um esquema de desenvolvimento adequado e impossível se tornará a sua execução em termos satisfatórios e dentro dos prazos previstos.

108. Mas a necessidade de técnicos não se põe apenas ao Estado.
Nas empresas o problema surge com as características exigidas ao próprio empresário: a tarefa que a este se depara num país menos evoluído é muito mais árdua do que num país com um alto grau de desenvolvimento.
As funções do empresário nos diversos domínios, nomeadamente as de inovação ou adaptação no campo da técnica, expansão das actividades comerciais, obtenção de capitais e direcção de empresa, suo nos países mais desenvolvidos desempenhadas por pessoas ou grupos de pessoas diferentes. Numa economia atrasada a especialização é muito mais limitada, sendo o empresário chamado a desempenhar grande parte, senão a totalidade, daquelas funções. Daí que se lhe exija, para bem cumprir a sua missão, um alto nível técnico.

109. Se os técnicos mais qualificados ocupam papel do maior relevo tanto na elaboração dos programas como na sua execução, quanto a esta última à mão-de-obra especializada cabe também papel da maior importância.
A elevação do nível de formação da população activa surge assim como uma necessidade imperiosa da política de industrialização.
Não se podem pôr em laboraçâo fábricas sem ter pessoal capaz de desempenhar certas tarefas básicas, sob pena de, pelos atrasos e interrupções na produção, pelo mau aproveitamento de máquinas e materiais, se atingirem incomportáveis custos de produção.
E difícil criar em pouco tempo meios de formação para grandes massas populacionais, e, mesmo que tal pótese fosse admissível, o período de formação tem um limite mínimo, sem o que não atingirá nível aceitável. Por isso a política de formação, destinada a permitir a execução de um programa de industrialização rápido, deverá incidir essencialmente sobre os sectores mais importantes.

110. E é evidente a impossibilidade de difusão do progresso técnico sem que haja um mínimo de educação e instrução elementar, de capacidade de assimilação, por parte daqueles que serão os utentes dessa técnica.
A redução do analfabetismo e a instituição do ensino universal e obrigatório suo objectivos essenciais duma política de desenvolvimento. A sua acção, todavia, só a largo prazo se concretiza, e antes da obtenção desses resultados há necessidade de resolver problemas urgentes de mão-de-obra qualificada. Com isto não se quer, evidentemente, minimizar a contribuição que, para além do alto significado que sob outros aspectos reveste, deve esperar-se da generalização do ensino como propulsor do progresso técnico.

111. A elevação do nível geral de instrução e uma difxisão mais larga dos conhecimentos não são, porém, o único meio de obviar à escassez de mão-de-obra especializada: a formação profissional reveste neste particular a maior importância.
Daí que inúmeros países dêem o maior relevo à formação profissional nas suas reformas do ensino, procurando estabelecer relação estreita entre este e as exigências do desenvolvimento económico nacional.
Dentro das próprias empresas a formação profissional pode desempenhar papel do maior relevo, quando elas disponham de organização e de instrutores competentes. Ë este um dos domínios em que a colaboração entre o Estado, a escola e a indústria surge como necessidade premente.

112. O equilíbrio entre o ensino em geral, a preparação ao exercício de uma profissão e a orientação profissional tem de ser determinado com o maior cuidado

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e tendo em conta a estrutura e as condições económicas e sociais de cada país.
Neste sentido se tem orientado a acção do Governo, através de reformas nos vários graus de ensino.
Após a Campanha Nacional de Educação de Adultos reorganizou-se a Direcção-Geral do Ensino Primário.
E daí por diante tem o Ministério das Finanças procurado corresponder, na medida do possível, ao esforço do Ministério da Educação no sentido das reformas da instrução e do desenvolvimento dos meios de ensino: alargaram-se quadros, melhoraram-se as condições de formação de professores, reformou-se o ensino em várias escolas superiores e melhoraram-se os respectivos quadros docentes; ampliou-se a rede das escolas secundárias.
E, para além desta renovação, que continuará e que se procurará operar com os meios financeiros que a realidade orçamental consentir, este ano - artigo 14.º da presente proposta de lei- oferece-se ainda ao Ministério da Educação Nacional a possibilidade de iniciar uma vasta acção complementar da primeira com um plano de reapetrechamento de material, visando fornecer às escolas os meios de ministrar um ensino que, tendo em conta o desenvolvimento actual da ciência e da técnica, permita o enquadramento técnico indispensável à intensificação dos esforços de desenvolvimento que se avizinham no limiar de um novo Plano de Fomento.

O ordenamento regional

113. A análise das condições económicas das suas várias regiões conduzirá em qualquer país à verificação de acentuadas desigualdades nos respectivos graus de desenvolvimento.
Nos seus termos extremos, a desigualdade de crescimento regional comporta tanto a aglomeração excessiva e inconveniente de actividades - sobretudo de indústrias e serviços - em certas regiões, como - o que ainda é mais grave - o deficiente aproveitamento que em outras se faz dos respectivos potenciais de produção.
É evidente que a manutenção em potência de factores de riqueza se traduz sempre em perda para o conjunto da economia nacional. Acontece, no entanto, muitas vezes que essa perda, sendo porventura pequena quando avaliada em função da grandeza do conjunto, toma aspectos de indiscutível gravidade quando ponderada à escala da economia de determinada região - e isto se verificará sempre que nessa zona seja grande a pressão da população sobre os recursos efectivamente explorados. E o problema assume ainda maior acuidade quando as aglomerações excessivas de população em certas regiões, de baixo nível de vida, se contrapõem a zonas fracamente povoadas e com abundantes recursos inaproveitados.
Este último aspecto vem dar a maior relevância às políticas de ordenamento regional, que deverão, naturalmente, visar ao equilíbrio entre as várias regiões do País relativamente à tensão da população sobre os recursos.

114. A observação da distribuição regional, quer da produção agrícola, quer da produção industrial, revela que o nosso país não constitui excepção ao fenómeno enunciado.
As condições de vida da população agrícola no Alto Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta e Alentejo, embora por diferentes motivos, mostram um nível inferior ao as outras populações agrícolas. São também notórias as divergências de grau de industrialização das diferentes regiões do País: a par dos distritos litorais de Braga, Porto, Aveiro, Lisboa e Setúbal, onde a percentagem da população activa que se ocupa na indústria é superior a 25 por cento, aparece uma vasta faixa do interior, abrangendo os distritos de Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda, Portalegre, Évora e Beja, com uma população industrial que não atinge 14 por cento da população activa.
Estas desigualdades em muito se explicam pela diferenciação de condições naturais e demográficas e pela tendência para o urbanismo.
Para o desequilíbrio mais acentuado de certas zonas contribuíram causas acidentais, verificadas no início da fase de desenvolvimento: a instalação de indústrias, por exemplo, fez-se muitas vezes onde havia energia disponível, e não onde as condições naturais ou as necessidades de equilíbrio local a requeriam. Já noutras regiões do País os desequilíbrios verificados - quer provenham de excesso de pressão demográfica sobre os recursos, quer da hipótese inversa - não se podem atribuir apenas a circunstâncias verificadas no início da fase de desenvolvimento, mas também às próprias condições naturais dessas regiões.
Os grandes aglomerados industriais são, a par dos muitos argumentos em seu favor, outra expressão e outra causa do desequilíbrio regional.
No que toca ao absentismo rural, não se antolha fácil o encontro duma solução capaz de gerar um movimento em sentido inverso: a realidade manda que o nosso objectivo se limite a enfraquecer a tendência de êxodo das populações para as grandes cidades.
A solução deste problema está, no entanto, directamente ligada e dependente do encontro dos equilíbrios regionais a que atrás se fez referência.

115. A valorização regional que de há muitos anos para cá o Governo vem a realizar, através da electrificação, do estabelecimento de redes de comunicação e transporte, da melhoria das condições de higiene e habitação nas cidades, vilas e aldeias do País, é obra que por de mais se impõe aos olhos; não há por isso que evidenciá-la agora.
De momento apenas cumpre referir que essa política de melhoramentos rurais teve continuidade efectiva durante o ano corrente e tê-la-á no futuro.
À parte a acção do Ministério das Obras Públicas possibilitada pelo Fundo de Desemprego -a que não há que fazer aqui referência pormenorizada - indica-se a execução dada, de l de Janeiro até 20 de Outubro próximo passado, ao artigo 18.º da Lei n.º 2079. Para empréstimos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência foram concedidas a corpos administrativos autorizações que somam as seguintes importâncias:

Abastecimento de águas,
electrificação e saneamento ...... 15.684.000$00
Estradas e caminhos ..................100.000$00
Casas para as classes pobres .... . 1.200.000$00

Construções para fins
assistenciais ou instalações
de serviços ........................2.400.000$00
Matadouros e mercados ............. 8.970.000$00
28.354.000$00

Na mesma data encontravam-se pendentes, ou prestes a ser submetidos a despacho ou a aguardar completa instrução, processos de autorização cujos pedidos atingiam 11:845.220$50.
Por falta de capacidade orçamental dos respectivos corpos administrativos foram, no mesmo período, denegadas autorizações no montante de 1:573.583$20.
Na distribuição dos financiamentos às autarquias locais seguiram-se inteiramente as indicações dos Ministérios competentes acerca da posição das obras e, consequentemente, da oportunidade dos financiamentos.
Procurou-se desta forma, não só coordenar o esquema de empréstimos com o plano de comparticipações,

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como também evitar à Caixa, pela automação de empréstimos não imediatamente contratados e utilizados, a acumulação de verbas indisponíveis sem contrapartida de rendimento.
Os pedidos apresentados foram objecto de cuidadoso estudo, tendente a determinar a sua viabilidade financeira e legal, tendo havido particularmente a preocupação de averiguar se os novos encargos de dívida não afectariam a normalidade da administração futura dos respectivos corpos administrativos e se os interesses da entidade mutuante ficavam devidamente acautelados.

116. Os planos de desenvolvimento regional que possam vir a definir-se no futuro assentarão sobre os resultados patentes da política até aqui seguida, procurando, pelo investimento e pelo ordenamento, completar e valorizar o esforço e os meios até agora despendidos em prol da vida e da economia regionais.
E não será descabida a referência à forma como em França se procura incentivar a execução desses planos de fomento regional.
Pelo decreto de 30 de Junho de 1955 foram criadas as «sociedades de desenvolvimento regional»: sociedades de financiamento destinadas a participar na constituição do capital das sociedades já formadas ou que venham a formar-se e cujo objectivo seja o aproveitamento dos recursos regionais.
Estas sociedades devem constituir-se com um capital mínimo de 250 milhões de francos. Podem aplicar em cada empresa até 25 por cento daquele montante, desde que a sua participação não exceda 35 por cento do capital de cada uma das empresas que elas procurem auxiliar.
Formaram-se já oito sociedades deste tipo e o capital tem sido subscrito até à razão de 50 por cento pelos bancos e os restantes 50 por cento por empresas locais ou nacionais.
Gozam estas sociedades de benefícios fiscais, para a concessão dos quais devem submeter à aprovação do Ministro das Finanças o seu programa de acção.
A constituição destas sociedades despertou grande entusiasmo nos meios interessados, que as consideram como um dos factores que mais decidida acção podem exercer na promoção de um desenvolvimento regional equilibrado, condição-base da maior expansão da economia nacional.

A balança de pagamentos e o comércio da metrópole com o estrangeiro

117. Quer no relatório que precedeu a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1956, quer, já este ano, na apresentação da Conta Geral do Estado e 1955, foi posto em relevo o significado dos números referentes à balança de pagamentos e do comércio da metrópole com o estrangeiro.
Não se esconderam então as preocupações causadas pelo comportamento destas balanças, e essas apreensões filiaram-se menos no valor absoluto dos saldos apurados do que na insuficiência que patenteavam, quer da nossa produção, quer da organização comercial que a seu cargo tem a promoção das vendas para o estrangeiro.
Ambos os males requeriam terapêutica adequada, mas, enquanto a melhoria da produção só se poderia obter, na maior parte dos casos, a mais largo prazo - melhoria que, de resto, se traduz, de início, por efeitos negativos na balança de pagamentos -, já a solução para as deficiências da organização comercial privada poderia e deveria, em grande medida, encontrar-se e executar-se em prazo relativamente curto.
E neste particular pode dizer-se que o Estado efectivamente criou a organização e os meios monetários indispensáveis ao apoio das iniciativas da produção e do comércio em matéria de prospecção e conquista dos mercados externos.
Acontece, apenas, que não se vêem melhorar nem as características nem a estrutura da produção e do comércio de exportação.
Na vigência do regime de compartimentação monetária e de consequente bilateralismo comercial, o Governo tinha na sua mão a arma que, embora de dois gumes, lhe permitia suprir a ausência de iniciativa e de capacidade técnico-financeira da actividade exportadora: a imposição do escoamento dos produtos tradicionais, contra a autorização de importação de mercadorias do mesmo tipo.
Mas a contínua e progressiva liberação das trocas, se por um lado veio abrir perspectivas de alargamento e estabilidade dos mercados externos, por outro lado também veio atenuar a função que aos Governos se atribuía de promotores directos da exportação.
E a produção e o comércio, que se habituaram à função passiva e cómoda de alimentar as correntes de troca engendradas pelos seus Governos, vêem-se agora na necessidade de, pelo seu próprio esforço, explorarem terreno sem dúvida mais vasto e prometedor do que aqueles que os acordos bilaterais e anuais lhes ofereciam, mas terreno onde a acção estadual não pode suprir a incapacidade ou a desorganização da iniciativa privada.
Daí a necessidade que as actividades ligadas ao comércio de exportação têm de se compenetrar da nova situação, criando forças de iniciativa e racionalizando a sua organização.
A composição dos nossos excedentes exportáveis carece de ser melhorada pela inclusão de produtos novos e destinados a outra ordem de consumos. E, por isso, o Governo tem procurado, ao longo do ano, intensificar ainda mais a sua política de incentivos fiscais ao apetrechamento e laboração das indústrias de exportação.
Mas, a par da necessidade de novos produtos, o próprio caudal de exportação dos excedentes tradicionais pode ser oonsideràvelmente engrossado, se adaptarmos a produção e o comércio às características dos mercados onde devem actuar.
E não se reconhece que produtores e comerciantes sejam livres de decidir pela renúncia a um maior nível de exportação. Esta é a condição essencial da aceleração do processo de expansão económica que o Governo vem conduzindo em ordem à melhoria geral do nível de vida; em nome deste superior objectivo comum, o Governo tem o direito de orientar, quando necessário, os hábitos e as conveniências aparentes das entidades privadas, levando-as a bem desempenharem uma função que, se é de interesse nacional, redundará também, e imediatamente, em benefício das próprias fazendas particulares nela empenhadas.

118. Se bem que diferentes -e em alguns aspectos melhores -, os resultados das balanças de pagamentos e do comércio nos primeiros oito meses do ano corrente não são de molde a modificar as considerações feitas o ano passado.
Por isso a essas considerações se faz referência agora e por isso também este capítulo pouco mais conterá do que a simples apresentação dos indicadores de evolução.
A balança de pagamentos da zona escudo, no período de Janeiro a Agosto do ano corrente, apresentou um superavit de 153 000 contos e, em comparação com o período correspondente do ano anterior, regista uma melhoria da ordem dos 341 000 contos. Estes resultados situam-se, no entanto, muito aquém dos atingidos em 1954.

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QUADRO XX

Saldos mensais da balança de pagamentos da zona escudo (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

119. A observação dos saldos da balança de pagamentos distribuídos por zonas permite ver que a melhoria registada relativamente a 1955 se deve ao aumento do superavit com a zona dólar e com as zonas restantes, o que neutralizou o agravamento do déficit com a U. E. P.

QUADRO XXI

Saldos da balança geral de pagamentos da zona escudo (a)

Por zonas monetárias (Em milhares da contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Não se Inclui, além dos reembolsos Marshall, a parto das liquidações multilaterais que correspondo aos pagamentos do dólares no quadro do acordo da U. E. P. o às transferencias entro o Banco de Portugal e outros bancos contrais, quer para a constituição de coberturas, quer para pagamentos, nos termos dos acordos bilaterais.

120. Na evolução da balança de pagamentos da zona escudo há, porém, um facto1 que merece cuidadosa atenção: a recuperação realizada deve-se exclusivamente à balança comercial do ultramar e à balança de invisíveis, visto ter continuado a agravar-se o déficit da balança comercial da metrópole.

QUADRO XXII

Balança de pagamentos da zona escudo (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Estatística alfandegária: importações C. I. F. e exportações K. O. B.
(b) Estatísticas das liquidações.
(c) Não só inclui, além dos reembolsos Marshall, a parte das liquidações multilaterais que corresponde aos pagamentos do dólares no quadro do acordo da U. E. P. e ás transferências entre o Banco do Portugal e os outros bancos centrais, quer para a constituição do coberturas, quer para pagamentos nos termos dos acordos bilaterais.

O desdobramento do quadro XXII possibilita uma melhor observação, ressaltando, quanto ao ultramar, a subida das suas exportações e a estabilização da sua importação e, quanto à metrópole, o fenómeno inverso: quase estacionamento do valor total das vendas para o estrangeiro e aumento notável do valor total das compras nos mercados externos.

1 Passaremos a fazer as nossas considerações na base do período de Janeiro a Junho, único para que se dispõe de elementos completos.

QUADRO XXIII

Balança comercial da metrópole e do ultramar (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Estatística alfandegária: importação C. I. F. a exportação F. O. B.
(b) Estatística das liquidações.

121. Ao fazer incidir a análise sobre as modificações da balança comercial da metrópole por zonas monetárias, nota-se que o saldo é praticamente dominado pelo deficit relativo ao conjunto dos países participantes da União. A situação no 1.º semestre de 1956, e em comparação com igual período do ano anterior, é caracterizada por um agravamento de 540 000 contos nas relações comerciais com a U. E. P. e por uma evolução desfavorável no comércio externo com a zona dólar, que se cifrou em 177 000 contos.

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QUADRO XXIV

Balança comercial da metrópole

Por zonas monetárias (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Estatística alfandegária: importação C. I. F. e exportação F. O. B.

122. Para facilitar uma melhor apreciação da posição ultramarina, procedeu-se ao desdobramento dos seus movimentou de exportação e de importação no 1.º semestre do corrente ano e em comparação com períodos homólogos de 1955 e 1954.
Para as zonas consideradas, observa-se o processamento de saldos positivos nos três períodos analisados, sendo de assinalar uma quebra dos superavits em 1955 - devida quase na totalidade à contracção das exportações para a zona dólar e U. E. P.-, embora se deva registar em 1956 uma recuperação - igualmente determinada pelas exportações, que acusaram uma melhoria sensível para as duas principais zonas monetárias.

QUADRO XXV

Balança comercial do ultramar (a)

Por zonas monetárias (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Segundo a estatística das liquidações.

A balança comercial do ultramar evoluiu no 1.º semestre do corrente ano no sentido da recuperação que no ano passado se previa.
O seus resultados, embora não atingindo os níveis espectaculares próprios de períodos de anormalidade da conjuntura internacional, revelam, no entanto, uma sensível expansão.

123. No 1.º semestre dos três anos em análise os saldos da balança de invisíveis, tanto na zona dólar como na zona da U. E. P., tiveram evolução idêntica à registada na balança comercial do ultramar: declínio em 1955 e recuperação no ano corrente, fomente nas «outras zonas» se observa movimento contrário, porquanto, registando uma acentuada melhoria em 1955, declinou ligeiramente em 1956. No conjunto devemos salientar no presente ano uma subida do superavit de 729 000 contos, para o qual a U. E. P. contribuiu com 432 000 contos.

QUADRO XXVI

Saldos da balança restante

(Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Não estando ainda disponíveis os factores que compõem a balança de invisíveis da metrópole e ultramar, não é de momento possível ponderar a sua participação no total.

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124. As notas que atrás se deixaram sobre a evolução da balança de pagamentos não permitem, no entanto, o esclarecimento duma ideia de há muito aventada: a balança de pagamentos portuguesa é estruturalmente deficitária, sendo os saldos credores devidos aos baixos consumos internos.
Por isso, e para fecho destas notas, procurar-se-á reunir dados e comentários, na esperança de que eles possam trazer alguma contribuição positiva ao esclarecimento deste problema.

125. Conhecem-se dados sobre a balança de pagamentos desde 19321, sendo os saldos apurados os seguintes:

(Milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Se bem que os números em si não mereçam grande confiança (especialmente os mais antigos), parece legítimo tomá-los, pelo menos, como indicadores de tendências. Nos últimos vinte e quatro anos terá havido dezoito anos de saldos positivos e apenas seis de saldos negativos.
À primeira vista, portanto, não se nota qualquer manifestação dum déficit estrutural.

GRÁFICO 1

Saldos da balança de pagamentos

[Ver tabela na imagem]

1 Relatório do Banco de Portugal

Acresce ainda que dos seis saldos negativos verificados três deles são insignificantes, principalmente se for tido em conta o método de cálculo1 da sua determinação ; os restantes - posteriores à guerra - parecem perfeitamente normais e previsíveis: os saldos positivos processados durante a guerra são artificiais na medida em que resultaram da impossibilidade de importar, sendo transferidos nessa parte para o estrangeiro logo que houve oportunidade de os transformar em bens.

126. A redução do período analisado aos últimos oito anos -1948-1955 - vem permitir trabalhar sobre elementos mais completos e exactos.
Do quadro da balança geral de pagamentos da zona escudo2 pode concluir-se que, entre elementos estacionários ou de fraco campo de variação, o saldo da balança comercial se apresenta como principal determinante do saldo geral. Esta conclusão aparece grandemente fortalecida quando se atenta na representação gráfica das variações simples e acumuladas do saldo geral da balança de pagamentos e do saldo da balança comercial3.
Daí a ideia de reduzir a explicação das variações do saldo geral da balança de pagamentos às variações do saldo da balança comercial.

GRÁFICO II

Variações simples e acumuladas do saldo geral da balança de pagamentos e do saldo da balança comercial

[Ver tabela na imagem]

(1) Variações acumuladas do saldo geral da balança de pagamentos.
(2) Variações acumuladas do saldo da balança comercial.
(3) Variações simples do saldo geral da balança de pagamentos.
(4) Variações simples do saldo da balança comercial.

127. A decomposição deste saldo nos seus quatro elementos primários - importações e exportações metropolitanas e ultramarinas - não permite, no entanto, melhorar a explicação obtida.

1 Estes saldos foram calculados pela evolução das disponibilidades líquidas do Governo, bancos e banqueiros e das reservas do Banco de Portugal.
2 Em anexo, mapa n.º1
3 Vide também en anexo, mapa n.º2

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GRÁFICO III Variações acumuladas

[Ver gráfico na imagem]

(1) Exportação total.
(2) Exportação da metrópole
(3) Saldo da balança de pagamentos.
(4) Saldo da balança comercial.
(5) Exportação do ultramar.
(6) Importação do ultramar.
(7) Importação total.
(8) Importação da metrópole.

NOTA: As linhas tracejadas, com excepção das ponteadas. Indicam variações acumuladas de harmonia com as variações do Baldo geral da balança de pagamentos. As linhas ponteadas Indicam variações acumuladas contrarias as variações do saldo geral da balança de pagamentos.

Da representação gráfica dos elementos que se apresentam em anexo no mapa n.º 3 se conclui não haver, no período considerado, nenhum elemento que simultaneamente tenha um comportamento harmónico com o saldo geral da balança de pagamentos e seja suficientemente explicativo. Cada um dos componentes ajuda a explicar melhor este ou aquele ano, e as próprias exportações do ultramar, embora apresentem uma evolução significativa, não podem ser isoladas das restantes, dada a sua fraca participação no saldo geral.
Deste modo, deve-se abandonar o ponto de vista duma observação sintética da realidade -período de oito anos -, porventura indicativa da existência de determinantes estruturais, por uma observação analítica - ano por ano -, reveladora de forte dependência de determinantes conjunturais.
Esta conclusão é importante para elucidação do problema, porquanto põe em causa a existência dum único determinante - os baixos consumos internos - explicativo dos saldos formados.

128. Na sequência da conclusão anterior, verifica-se serem as variações do saldo geral da balança de pagamentos o resultado do choque de componentes positivos e negativos, de valor bastante desigual de ano para ano.
Por não interessar, para o estudo do problema em causa, a identificação exacta dos determinantes do saldo em cada ano, somente haverá a preocupação de analisar a participação da importação na variação dos saldos.
Com base no mapa n.º 4 em anexo se pode concluir que, com exclusão dos dois últimos anos, e porventura do primeiro -em que a variação do valor total da importação se apresenta com carácter decisivo na determinação da variação do saldo -, em todos os outros ele é resultante de uma série de forças, algumas delas contrárias, em que a predominante não é o valor total das importações, mas sim o valor das exportações metropolitanas e ultramarinas. Pondere-se mesmo que em 1951 o valor do volume da importação total se agravou de 860 000 contos, enquanto que o saldo da balança de pagamentos, apresentando uma melhoria de 1 708 000 contos, se cifrava em +2 179 000 contos.
Podemos, pois, concluir, com base nos mapas n.os 2-A e 4 em anexo, que:
a) À parte os dois últimos anos, as importações são determinantes deficientes das variações do saldo da balança de pagamentos, não resultando necessariamente das suas contracções ou expansões o processamento de saldos positivos ou negativos da balança de pagamentos;
b) No entanto, com excepção do ano de 1951, parece haver uma certa harmonia entre as contracções e expansões do valor total de importação e as melhorias e agravamentos do saldo da balança de pagamentos.

129. Cumpre-nos agora inferir até que ponto se mantém a harmonia verificada na alínea b) do parágrafo anterior, tomando em consideração as melhorias e agravamentos que as variações quantitativas da importação ocasionaram no saldo da balança de pagamentos.
Na verdade uma expansão ou contracção do valor total da importação pode derivar, não só de variações nas quantidades, mas nos preços unitários e globais - neste último caso devido à diversa participação dos bens no total importado- e ainda de variações do total de crédito concedido pelo estrangeiro de ano para ano 1.
Tomando em consideração os mapas n.os 5 e 6 anexos, concluímos que nos anos de 1949, 1950 e 1951 as melhorias que advêm das contracções das quantidades totais importadas somente explicam 6 a 11 por cento do total da melhoria verificada; que nos anos de 1952 e 1953 ao benefício ou prejuízo que deriva da contracção ou expansão da quantidade importada correspondem variações contrárias no saldo da balança de pagamentos, e que, finalmente, só no ano de 1954 o prejuízo resultante do incremento das quantidades importadas se fez sentir plenamente na variação do saldo da balança de pagamentos porquanto em 1955 este incremento somente justifica 23 por cento do agravamento do saldo.
Parece assim legitimo concluir que, à exclusão de 1954, as melhorias ou agravamentos do saldo da balança de pagamentos não foram dominados pelas variações quantitativas das importações e, portanto, pela evolução dos consumos internos, medidos estes pelo seu reflexo, através das importações, na balança de pagamentos. Esta conclusão assenta, evidentemente, na hipótese de que o aumento verificado nas exportações não resultou da redução do consumo interno, mas sim do incremento da produção nacional.

Balança comercial

130. Dos vários componentes da balança geral de pagamentos da zona escudo, o comportamento da balança comercial da metrópole merece ser observado mais de perto, quer pela sua influência na balança geral, quer ainda, e principalmente, por ser ao território metropolitano que a lei de autorização se refere.

1 Dado que temos trabalhado com valores ajustados pela diferença entre o valor F. O. B. da estatística alfandegária e o valor da estatística de liquidações.

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O valor total do comércio da metrópole com o estrangeiro nos oito primeiros meses de 1956, a sua distribuição pelas principais zonas monetárias e a
comparação com os resultados registados em igual período de 1955 podem ser observados no quadro que segue.

Comércio da metrópole com o estrangeiro, por zonas monetárias

Janeiro a Agosto

[Ver tabela na imagem]

(a) Inclui os Estados Unidos da América e o Canadá.

Podemos, deste modo, verificar que a balança de comércio externo da metrópole continua a evoluir em sentido negativo, acusando um agravamento de 820 000 contos no período de Janeiro a Agosto do ano corrente em relação a período homólogo do ano findo.
A tendência do déficit mantém-se nas três zonas monetárias consideradas, embora a sua participação no acréscimo do saldo negativo total não seja igual.
É no quadro dos países membros da União Europeia de Pagamentos -os quais continuam mantendo a sua posição de principais fornecedores e compradores do mercado metropolitano - que se verifica o maior desnível. Com um saldo negativo superior ao valor total da exportação, a nossa posição na zona da União agravou-se de 712 000 contos, em consequência duma extraordinária expansão do valor das importações (+ 618 000 contos) e duma contracção no valor das exportações (- 94 000 contos).
Não é estranho a este movimento o contínuo desequilíbrio com que vêm processando-se as nossas relações comerciais com a Alemanha, que nos oito primeiros meses deste ano acusaram um saldo deficitário de 949 000 contos, isto é, superior em 308 000 contos ao saldo observado em igual período do ano anterior.
Embora estes resultados pareçam bastantes para que possa solitar-se do Governo Federal um tratamento francamente favorável na sector dos produtos não liberados - único em que a intervenção governamental é actuante -, a verdade é que o nosso déficit com a Alemanha não parece ter o carácter patológico que à primeira vista se lhe pode atribuir.
Deveremos lembrar-nos de que estamos neste momento a negociar, não com mercados isolados, mas com um mercado composto de dezassete parcelas, onde a média do comércio livre de restrições quantitativas atinge cerca de 90 por cento e onde existe um organismo de compensação multilateral - a União Europeia de Pagamentos.
Nestas condições, a satisfação das nossas necessidades de consumo procurá-la-á o comércio importador pela compra de mercadorias no mercado que venda em melhores condições de qualidade, de preços e de facilidades de crédito.
O verdadeiro significado do nosso saldo negativo com a Alemanha, mais do que a nós, deve interessar aos tradicionais fornecedores de Portugal, uma vez que esse saldo significa para eles a perda, a favor de um concorrente, de um mercado em vias de expansão.
Embora duma forma mais atenuada, no comércio realizado com a zona dólar há a registar a mesma tendência verificada para o conjunto dos países participantes: aumento no valor total das importações e decréscimo no valor total das exportações. Esta evolução foi devida ao agravamento de 96 000 contos processado na balança de comércio com os Estados Unidos da América, uma vez que com o Canadá se nota uma ligeira melhoria.
Não pode passar-se em claro o déficit com os Estados Unidos, convencido, como se está, da possibilidade de aumentar sensível e imediatamente a exportação para este mercado, mesmo com os nossos produtos tradicionais, como os vinhos e as conservas de peixe.
Não parece, no entanto, conveniente, por inútil, financiar campanhas de prospecção e propaganda na América para estes e outros produtos enquanto a produção e o comércio não substituírem a sua actual pulverização de tipos de produtos e de organizações comerciais por uma organização capaz, técnica e financeiramente, de promover o escoamento de mercadorias, de qualidade homogénea, adequadas às exigências do consumo e produzidas em quantidades que garantam a contínua presença do produto em mercado tão vasto.
É este um dos casos em que a transigência com as insuficiências deliberadas de alguns sectores do comércio de exportação redundaria em prejuízo evidente dos superiores interesses da economia nacional.
O desequilíbrio da nossa balança de comércio com outros países não participantes aumentou ligeiramente de Janeiro a Agosto do corrente ano, cifrando-se em 273 000 contos, o que corresponde a um prejuízo de 26 000 contos, se o compararmos com o observado em igual período do ano anterior.
Em relação ao conjunto de países não participantes interessa principalmente salientar a evolução processada no intercâmbio comercial com a Argentina, com o Brasil e com os países do Leste europeu.
Enquanto que as relações comerciais com a Argentina se agravaram de 112 000 contos, devido principalmente à contracção da exportação, que se cifrou em cerca de 102 000 contos, com o Brasil o saldo da nossa balança comercial melhorou de 128 000 contos, devido quase que exclusivamente a uma diminuição no valor total da importação - 121 000 contos.
A queda verificada na exportação para a Argentina é, quase na totalidade, devida ao menor volume de vendas de cortiça para aquele mercado. No entanto, neste caso não se pode afirmar que a situação seja devida à falta de iniciativa privada: o problema da cortiça surge em relação à quase totalidade dos mercados e são outras e mais profundas as suas causas.

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Quanto à contracção das importações do Brasil devemos notar que, não tendo resultado satisfatoriamente o nosso esforço no sentido de, à custa do incremento das importações daquela origem, criar possibilidades de escoamento dos nossos produtos para o mercado brasileiro, será pouco frutuoso o insistir numa tentativa que não produziu efeitos e que é, além disso, difícil de levar a cabo, dadas as limitações da oferta brasileira e o maior custo dos seus produtos.
O incremento do nosso comércio com o Brasil -que tanto desejamos- parece que haverá de assentar em bases diferentes, só possíveis de encontrar com a colaboração e a compreensão das autoridades deste país.
Analisamos por fim a situação do intercâmbio comercial com os países do Leste. A partir de l de Março de 1956 o Banco de Portugal estabeleceu com os bancos centrais da Alemanha Oriental, Hungria, Polónia e Checoslováquia um sistema de compensação bilateral de pagamentos para as operações sobre mercadorias que constassem de listas anexas aos acordos, dentro dos contingentes estabelecidos.
No entanto, decorridos sete meses sobre a celebração destes acordos, o volume de trocas registado entre Portugal e cada um dos países indicados apresenta-se a nível muito baixo, registando-se grande desproporção entre o valor dos contingentes estabelecidos - não obstante a sua fraca importância - e o das transacções efectuadas.
A situação, praticamente, não difere da que anteriormente se verificava: saldos positivos a nosso favor, valor insignificante das nossas importações e concentração das exportações metropolitanas na cortiça e das ultramarinas no cacau.
A fim de alterar a situação existente -que sob muitos aspectos nos é desfavorável- e de procurar dar execução aos acordos celebrados, está presentemente em estudo a possibilidade de intensificar as importações do Leste europeu -desde que não se apresentem contrárias aos interesses da economia nacional-, de diversificar as exportações portuguesas para aqueles países, de garantir as transacções efectuadas e de estabelecer entre a metrópole e o ultramar português uma distribuição da actividade comercial com os países do Leste mais consentânea com as necessidades e estrutura de cada região económica.
Embora se reconheça a vantagem do alargamento das relações comerciais com os quatro países em questão, não parece, no entanto, antever-se essa possibilidade imediata se ponderarmos as necessidades actuais daqueles mercados dentro do quadro estrutural que os caracteriza.

131. Da evolução do comércio por principais produtos conclui-se que nos oito primeiros meses do ano corrente, e em comparação com período homólogo de 1955, decaíram as exportações para o estrangeiro da cortiça em bruto (-156 759 contos), das conservas de peixe (-148 316 contos), do azeite (-76 522 contos), da amêndoa em miolo (-70 577 contos), da cortiça em obra (- 26 417 contos) e dos tecidos de algodão (-14 073 contos).
Entre os produtos cuja exportação subiu destacam-se os cereais em grão (+64 734 contos), os resinosos (+ 64 128 contos), as madeiras serradas para caixas ou barris (+61 750 contos), os vinhos (+44 410 contos) e os cimentos (+30 718 contos).
De um modo geral, podemos, portanto, concluir que as contracções e expansões das exportações se verificaram principalmente nos grupos das matérias-primas para a indústria, da agricultura e da indústria e nos bens de consumo imediato.

132. A observação de uma lista composta de oitenta e oito produtos, que perfazem cerca de 79 por cento da nossa importação total, permite inferir a extrema pulverização da nossa importação, porquanto na exportação apenas com metade dos produtos se atinge mais de 90 por cento do total da exportação para o estrangeiro.
De uma maneira geral, em todos os produtos observados houve acréscimos, sendo mais notórios os do trigo em grão (+158 652 contos), pescarias (+146 046 contos), cobre (+93 524 contos), ferro e aço (+84 853 contos), automóveis de carga (+49 454 contos), aparelhos e máquinas industriais (+47 647 contos) e carvões (+35 677 contos).
No que se refere aos decréscimos registados, devem citar-se o das embarcações novas de mais de 1000 t brutas (-215 400 contos), o do algodão (-82 100 contos), o do material circulante para caminhos de ferro (-22 457 contos) e o da lã (-22 503 contos).

As principais variações operadas na importação registaram-se, assim, na aquisição dum maior valor das matérias-primas para a indústria e provenientes da indústria e numa contracção de equipamentos para a indústria.

133. Um dos aspectos mais graves da nossa balança de comércio com o estrangeiro é o da variação dos preços dos produtos importados e exportados, que mais uma vez nos foi desfavorável.

QUADRO XXVII

Comércio da metrópole com o estrangeiro (Em milhares de conto»)

[Ver tabela na imagem]

Enquanto a alta do valor médio da importação originou um prejuízo de 259 000 contos, a baixa do valor médio da exportação acarretou uma perda de l 022 000 contos; no que se refere às quantidades, a expansão do volume das exportações favoreceu-nos em mais de 938 000 contos, enquanto o prejuízo resultante do maior volume da importação não ultrapassou os 477 000 contos.
A compreensão destes números obriga a notar que não só à evolução dos preços unitários se devem os resultados apontados. A formação desses valores médios foi influenciada pela diferente composição da importação e da exportação: enquanto na primeira se verificaram maiores compras de produtos manufacturados, na exportação assistiu-se a um reforço da posição que tradicionalmente nela ocupam as matérias-primas e outros produtos em que a incorporação de mão-de-obra é mínima.
Este, como os demais indicadores observados, aponta um mesmo sentido ao nosso processo de expansão: necessidade de, a curto prazo, se corrigirem as deficiências da nossa organização comercial, em grande parte responsável pela colocação dos excedentes no estrangeiro. Desta correcção, pelo rápido aumento da exportação que provocará, em muito depende a possibilidade

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de, sem prejuízo dos níveis actuais do consumo, nos abalançarmos à execução de um plano de fomento económico traçado u escala das necessidades do País e do esforço de ressurgimento dos últimos trinta anos.

O comércio da metrópole com o ultramar

134. A balança comercial da metrópole com o ultramar durante os primeiros oito meses deste ano teve um saldo positivo de 412 000 contos, ou seja mais 73 101 contos que em 1955.

QUADRO XXVIII

Comércio externo da metrópole com o ultramar

[Ver tabela na imagem]

O coeficiente de cobertura foi o menor até agora atingido desde 1950, com excepção do de 1951.

135. Ás notas mais salientes da nossa exportação para o ultramar -que de Janeiro a Agosto de 1956 foi superior em 144 000 contos ao valor atingido em igual período do ano findo- são o aumento das vendas de tecidos (+51 516 contos), pneus e câmaras-de-ar (+13 748 contos) e minerais em obra (+10 135 contos).

136. Nas dez mercadorias que representam 93 por cento das nossas compras ao ultramar registaram-se alterações, para menos, quanto ao café (- 59 674 contos) e ao algodão (-35 718 contos).
Acréscimos substanciais tiveram o açúcar (+91 919 contos) e sementes e frutas oleaginosas (+55 320 contos).
O aumento das importações provenientes do ultramar cifrou-se por 70 952 contos - menos que o registado entre 1954 e 1955 (Janeiro a Agosto), que foi de 147 252 contos.
Na evolução do nosso comércio com as províncias ultramarinas nada de anormal parece haver a registar. Somente é de desejar que o caudal de fornecimentos e consumos entre todas as parcelas do território nacional aumente dia a dia, o que se poderia traduzir por um alargamento do consumo e produção nacional e por uma menor dependência do estrangeiro.
A fusão dos mercados internos, em grau compatível com os verdadeiros interesses das províncias que formam o todo nacional, é objectivo a que já se fez referência e que não será abandonado, embora levante problemas que exigem prudente solução.

III A proposta de lei de autorização para 1957

137. No relatório que acompanhou a proposta de lei para 1956 fizeram-se algumas considerações sobre a orientação do Ministério no que toca a matéria própria da Lei de Meios: a autorização de cobrança da receita e pagamento da despesa.
Não há que procurar redizer agora o que então foi dito, e, por isso, este último capítulo se limitará às informações necessárias ao esclarecimento dos preceitos propostos e, de algum modo também, a dar conta da forma como se executou a lei de autorização que a Assembleia Nacional votou para 1956 - a Lei n.º 2079.
138. A proposta da Lei de Meios é o documento que, primeiro, anuncia o começo de um novo ano e, logo, lhe imprime carácter.
Considera, por isso, o Ministério que, a par da proposta de lei e como que a esclarecê-la e a completá-la, deve, em relatório, definir a sua posição perante os problemas com implicação na vida financeira e ainda perante aqueles cuja solução dependa de determinado critério ou possibilidade financeira.
O que se disse ou se procurou dizer ao longo das páginas anteriores reduz a muito pouco o que neste capítulo se deve ainda escrever em abono da proposta de lei.

Autorização geral

139. O primeiro capítulo da proposta de lei intitula-se agora e simplesmente «Autorização geral», e não «Autorização geral e equilíbrio financeiro», como ainda no ano findo se lhe chamou.
Pareceu na verdade que epigrafar um capítulo de «Equilíbrio financeiro» pudesse sugerir a muitos e menos versados na matéria a ideia de que esse equilíbrio fosse um dos objectivos da proposta, que o Governo inscrevesse no seu programa de acção anual e para o qual solicitasse a autorização da Assembleia.
Ora, o equilíbrio financeiro não constitui ponto de programa que o Governo, consoante as conveniências, entende realizar num ano e esquecer no outro.
O equilíbrio financeiro -alicerce de um ressurgimento ansiado e vivido-, para além de objectivo permanente, é hoje lei fundamental da Nação, por isso que inscrito no texto constitucional.
O Governo não pode apresentar-se a solicitar autorização para garantir o equilíbrio: tom de garanti-lo necessariamente.

140. Na lógica deste raciocínio, o artigo 3.º da proposta :

O Governo tomará as medidas que, em matéria de despesas públicas, se tornem necessárias para garantir o equilíbrio das coutas públicas e o regular provimento da Tesouraria.

não parece justificar-se e pensou-se por isso em não o incluir.
Embora com diferente redacção, este preceito corresponde com rigor ao artigo 4.º da Lei n.º 2079, de 21 de Dezembro de 1955.
Disposição deste tipo apareceu pela primeira vez na Lei de Autorização n.º 2026, de 29 de Dezembro de 1947, e nas restantes se tem mantido.
Embora, como se disse, o Governo esteja por força da Constituição automaticamente obrigado a adoptar no campo das reduções de despesas -por isso que a criação de impostos é matéria de lei- as medidas necessárias à garantia do equilíbrio, decidiu-se, todavia, manter ainda na presente proposta a disposição do seu artigo 3.º

A razão está em se ter receado que, encontrando-se há anos vincada na Lei de Meios a preocupação do equilíbrio e a autorização dada para o manter, ainda que com drásticas medidas de compressão, se pudesse supor que o desaparecimento do preceito envolveria a intenção de ser-se agora menos austero na apreciação dos gastos e mais frouxo na dura disciplina administrativa a que estão sujeitos.

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66 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

Para além deste receio outro motivo se não apresenta neste momento em abono do artigo 3.º
141. Não se inclui este ano preceito correspondente ao artigo 3.º da Lei n.º 2079, assim redigido:
Art. 3.º Fica o Governo autorizado a proceder à revisão da classificação das receitas e despesas do Orçamento Geral do Estado, com o objectivo de aperfeiçoar a sua sistematização e harmonizá-la com a evolução da situação financeira, e bem assim a proceder à classificação, caracterização e definição adequadas, segundo o grau de autonomia que pela legislação própria lhes seja atribuída, de todos os serviços do Estado cujas dotações não estejam descritas no orçamento, nos termos gerais da contabilidade pública.
Quando no ano findo se inseriu na proposta de lei de autorização a matéria do preceito acima transcrito, o Ministério das Finanças teve por fim conhecer o parecer da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional sobre a necessidade de se dar nova estrutura à classificação das receitas e das despesas orçamentais.
Com o parecer da Câmara e a votação pela Assembleia da Lei n.º 2079 realizou-se plenamente o objectivo que então o Ministério se propusera, e não se afigura, por isso, necessário incluir preceito idêntico na nova proposta.
Poderia o Ministério antes de terminado o período de vigência da Lei n.º 2079 forçar a execução do seu artigo 3.º, apresentando a nova classificação orçamental.
Estão, na verdade, muito adiantados os trabalhos preparatórios dessa revisão. No entanto, a necessidade de encontrar as melhores soluções de compromisso entre as imposições da técnica e a realização dos fins em vista, por um lado, e, por outro, a realidade da classificação presente e a necessidade de evitar perturbação excessiva nos serviços aconselharam melhor ponderação do problema, relegando para 1957 a sua definitiva solução.

142. Este primeiro capítulo do projecto fica assim reduzido a duas disposições de interesse fundamental, por isso que consistem no pedido de autorização geral para a arrecadação das receitas e pagamento das despesas. Porque as duas disposições constituem a própria razão de ser da Lei de Meios, e por isso, com esta ou outra expressão formal, nela se encontram desde 1933, não há agora que justificá-las.
A definir o âmbito da autorização apenas é de registar que a proposta de lei para 1957 não prevê a criação de novas receitas nem o agravamento dos impostos actuais.
O aumento das receitas ordinárias tentar-se-á obter pelo alargamento da matéria colectável, para cuja actualização se envidam os melhores esforços.
No que se refere às despesas é sabido que para efeitos de votação pela Assembleia elas se encontram divididas em duas zonas: a das despesas certas - aquelas cujo quantitativo é determinado de harmonia com as leis preexistentes - e a das despesas variáveis - o sector através do qual o Governo pode, na realidade, alterar de ano para ano o sentido da sua política.
Acontece, porém -e já a isso houve oportunidade de fazer referência, tendo o problema sido igualmente tratado no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de 1956-, que o sector das despesas variáveis será quase por inteiro preenchido com despesas resultantes da execução de planos discutidos e aprovados pela Assembleia: o plano de fomento, o plano rodoviário, o plano suplementar de defesa, etc. E, a pomar a estes planos já aprovados por lei, há ainda a ter em consideração que quando o Governo pensa inscrever no orçamento despesas de montante elevado, em ordem à realização de objectivo especial, se acostumou a inserir na proposta de lei preceitos onde esses objectivos se submetem ao parecer da Câmara e ao voto da Assembleia. E, por exemplo, o caso do artigo 15.º da Lei n.º 2079, que o ano passado fixou a preferência a dar, dentro da assistência à doença, à execução de um plano de luta contra a tuberculose; é, por exemplo, ainda o caso dos artigos 14.º e 16.º da presente proposta de lei, quanto ao apetrechamento em material didáctico e laboratorial das escolas e à extensão da assistência técnica à lavoura.
As dotações para realização destes objectivos poderiam ser dadas aos serviços sem que para tanto fosse necessária a autorização da Assembleia. Ao pedi-la, e dado tratar-se não só de fixação de uma orientação, mas ainda da afectação para esse efeito de importantes disponibilidades, o Governo manifesta e concretiza, com clareza, a sua política de despesas, por forma que a Câmara ao emitir o seu parecer e a Assembleia ao conceder a autorização possam formular ideia precisa sobre a quase totalidade da despesa genericamente autorizada.
E poderá por isso dizer-se que, se à Assembleia se não sugere que este ano autorize a criação de novos impostos, também se lhe não pede que autorize genericamente a realização de grandes despesas para a execução de finalidades que, sendo desde já do conhecimento do Governo, este lhe não tenha comunicado.
143. A evolução das receitas indica uma progressão mais acentuada no ano de 1955, como se pode verificar no quadro XXIX, onde se consideram, não só as receitas incluídas no Orçamento Geral do Estado, mas também as dos organismos de coordenação económica e as de outros serviços.

QUADRO XXIX

Receitas totais

(Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Compreende:
1) Emissora Nacional de Radiodifusão.
2) Hospitais Civis de Lisboa.
3) Misericórdia de Lisboa.
4) C. T. T.
5) Fundo de Desemprego.
6) Fundo das Casas Económicas
7) Fundo de Socorro Social

O total das receitas consideradas acusa um acréscimo de cerca de 800 000 contos, dos quais 625 000 contos cabem ao Orçamento Geral do Estado.
As solicitações crescentes a que tem de atender-se, tanto na despesa ordinária como na despesa extraordinária, por demais justificam a necessidade de cautelosa mas progressivamente ir actualizando as receitas.
As largas somas que se têm aplicado na despesa extraordinária acentuam os seus reflexos na despesa ordinária, como se teve ocasião de referir no relatório da proposta da Lei de Meios para 1956.

144. Como a taxa de crescimento do produto nacional líquido foi menor que a das receitas totais, o índice de carga fiscal acusa uma subida.

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QUADRO XXX

[Ver tabela na imagem]

145. Se considerarmos as receitas orçamentais separadamente das restantes receitas, pode verificar-se que a taxa de crescimento das primeiras - 9,3 por cento - é ainda inferior à das outras -13,3 por cento. A percentagem destas últimas nas receitas totais sobe assim de 16,2 por cento em 1954 para 16,7 por cento.

QUADRO XXXI

Receitas totais (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

(a) Abrange os serviços autónomos (Emissora Nacional de Radiodifusão. Hospitais Civil de Lisboa, Santa Caia da Misericórdia do Lisboa e Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones) e ainda o Fundo de Socorro Social, o Fundo de Desemprego, o Fundo das Casas Económicas e os organismos do coordenação económica.
A Caixa Geral de Depósitos. Crédito e Providência e o Fundo de Fomento Nacional não foram incluídos, dada a sua natureza especial do intermediários financeiros. Os outros dois serviços autónomos -Administração-Geral do Porto do Lisboa e Administração dos Portos do Douro e Leixões -foram considerados no Ministério das Comunicações.
146. Examinando agora a evolução da carga fiscal representada pelas receitas orçamentais, verifica-se que, com o acréscimo registado, se voltou ao nível de 1938. O indicador da carga fiscal que se utiliza acusa uma percentagem de 15,1 por cento para 1955, valor idêntico ao computado para 19387 - 15 por cento.

QUADRO XXXII

Evolução da carga fiscal

[Ver tabela na imagem]

(a) Considera-se a receita total, embora a receita extraordinária, que representa apenas, em média, 4 por cento da receita total neste periodo, seja constituída em pane por empréstimos.
(b) No denominador do índice considerou se, não o rendimento nacional, mas o produto nacional liquido, portanto os impostos indirectos participante igualmente no numerador. A percentagem vem assim diminuída, mas não é grande a diferença.
Deve, porém, ter-se em conta que a percentagem na receita total da receita extraordinária - que inclui o produto de empréstimos - é maior em 1955 - mais de 9 por cento -, pelo que, na realidade, não será tão elevado o acréscimo efectivo da carga fiscal.

147. Referido o nível da carga fiscal e a progressão nas receitas, indica-se seguidamente a participação dos diversos componentes na evolução registada.

QUADRO XXXIII

Receitas orçamentais do Estado cobradas no triénio de 1953-1955

[Ver tabela na imagem]

Verifica-se no quadro XXXIII que a participação dos três primeiros capítulos no total da receita ordinária aumenta ainda, devido principalmente aos impostos indirectos, cujo acréscimo relativo e absoluto superou os registados nos dois outros capítulos.
Em contrapartida diminuiu a posição relativa das receitas consignadas e das taxas.

148. Na estrutura dos impostos directos -cujo total aumentou de 120 000 contos - continua a avultar a participação da contribuição industrial; decresce, porém, se bem que ligeiramente, a sua posição relativa, assim como a da contribuição predial, em favor do imposto sobre a aplicação de capitais e do imposto sobre as sucessões e doações.

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QUADRO XXXIV

Receitas orçamentais do Estado cobradas em 1955

(Impostos directos gerais)

[Ver tabela na imagem]
149. Na tributação indirecta avoluma-se ainda mais a participação dos direitos de importação.
A dependência de fonte tão avultada de receitas das flutuações da conjuntura interna e externa, e como consequência a prudência que impõe na previsão das receitas, foram já postas em destaque no relatório da proposta da Lei de Meios para 1906, mas é facto cuja ponderação deve estar sempre presente.

QUADRO XXXV

Receitas orçamentais do Estado cobradas no triénio de 1953-1955

(Impostos Indirectos)

[Ver tabela na imagem]

149. Na tributação indirecta avoluma-se ainda mais a participação dos direitos de importação.
A independência de fonte tão avultada de receitas das flutuações da conjuntura interna e externa, e como consequência a prudência que impõe na previsão das receitas, foram já postas em destaque no relatório da proposta da Lei de Meios para 1956, mas é facto cuja ponderação deve estar sempre presente.

Quadro XXXV

Receitas orçamentais do Estado no triénio de 1953-1955

(Impostas indirectos)

[Ver tabela na imagem]

Nos impostos indirectos há ainda a assinalar a regressão dos direitos de exportação, a documentar uma orientação cujos fundamentos foram dados noutra parte do relatório.

150. Esboçado o quadro dentro do qual tem evoluído a receita nos três últimos anos, referem-se, por último, os resultados já disponíveis da gerência de 1956 - Janeiro a Agosto

QUADRO XXXVI

Receitas cobradas

(Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

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É de salientar caber aos impostos directos o maior aumento da receita. O aumento total é de 355 000 contos, mas, dado que a receita extraordinária acusa um decréscimo de 21 000 contos, o acréscimo na receita ordinária é de 376 000 contos. O acréscimo na receita ordinária em igual data do ano anterior era de 271 000 contos. No acréscimo registado este ano participam todos os capítulos:

QUADRO XXXVII

Acréscimo da receita ordinária em Janeiro a Agosto 1955-1956

[Tabela na imagem]

151. A evolução das despesas orçamentadas dos serviços autónomos nelas não abrangidos e dos organismos de coordenação económica é dada no quadro XXXVIII,
pelo qual se verifica um acréscimo total de despesa de 776 000 contos, ou seja cerca de 10 por cento em relação ao ano anterior.

QUADRO XXXVIII

Despesas públicas

Administração central

(Em milhares de contas)

[Ver tabela na imagem]

(a) Compreende:
Emissora Nacional de Radiodifusão.
Hospitais Civis de Lisboa.
Misericórdia de Lisboa.
Correios telégrafos e telefones.
Fundo das Casa Económicas.
Organismos de coordenação económicas.
Fundo de Socorro Social.

São também, para as despesas, validos os motivos que se indicaram aquando do estudo sobro a evolução das receitas para, a não inclusão das despesas realizadas pelo Fundo de Fomento Nacional e pela Caixa Geral de Deposito Crédito o Providencia.

À maior cobrança dê receitas correspondeu idêntico acréscimo nas despesas. Para ele contribuíram os sectores considerados da forma seguinte:

QUADRO XXXIX

Acréscimos da despesa total e da despesa orçamentada em 1956-1955

[Ver tabela na imagem]

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152. O aumento dos encargos da dívida pública, no montante de 36,1 milhares de contos, só em parte representa encargos efectivos do Tesouro: cerca de um terço tem compensação em receita.

QUADRO XL

Acréscimo dos encargos da dívida pública

[Ver tabela na imagem]

153. A despesa com os órgãos superiores do Estado, já de si diminuta, decresce ainda de 12 por cento, não oferecendo qualquer significado o seu exame.

154. As despesas de defesa militar e segurança continuam a representar parcela elevada das despesas totais. O seu acréscimo relativo - 5.3 por cento - foi, porém, inferior ao da despesa global orçamentada, pelo que a sua participação no referido total decresceu de 33 por cento em 1954 para 31,8 por cento em 1955.
O encargo com a defesa, pelo seu enorme montante, condiciona necessariamente a política do Governo em outros sectores da vida do País. No entanto, e para além do indispensável à segurança e afirmação da soberania em todas as parcelas do território nacional, constitui ele a nossa contribuição para o esforço comum de garantia do património ocidental - património que tanto engrandecemos e que não nos é possível nem lícito agora deixar de defender.

155. Cerca de dois terços da despesa total - 65 por cento- respeitam aos serviços de administração civil. Verifica-se que se ampliou a participação desta categoria de despesas nos gastos totais, pois que a percentagem indicada é superior à que se registou em 1954 - 63 por cento.
Com efeito, como se observou no quadro XXXIX, mais de 80 por cento do acréscimo verificado no total das despesas respeita a este sector.
Se olharmos apenas aos serviços considerados no Orçamento Geral do Estado, igualmente se verifica o seu alargamento, passando a sua percentagem no total das despesas orçamentais de 57 por cento em 1954 para 59 por cento em 1955.
A sua variação relativamente a 1954 foi de 13,2 por cento, superando a taxa de crescimento do total das despesas orçamentais, que não atinge 10 por cento.

156. A decomposição desta despesa pelos dois grandes grupos - despesas correntes e despesas de investimento - permite avaliar melhor o significado dos acréscimos registados.

QUADRO XLI

Despesas com os serviços de administração civil (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Regista-se expansão apreciável tanto dos despesas de funcionamento dos serviços como das despesas de investimento.
Nas primeiras -as despesas de funcionamento - o acréscimo é devido principalmente aos serviços incluídos no Orçamento Geral do Estado e traduz o esforço que se tem vindo a efectuar no sentido de procurar que os serviços funcionem com maior rendimento, nomeadamente aqueles de que, mediata ou imediatamente, dependa o progresso económico. Por isso os maiores acréscimos se verificaram nos serviços económicos e culturais.
Nos despesas de investimento o acréscimo registou-se tanto nas despesas orçamentadas como nas dos restantes serviços e abrange os investimentos com fins sociais, culturais e económicos.
A posição relativa das despesas de funcionamento e investimento é dada no quadro seguinte.

QUADRO XLII

[Ver tabela na imagem]

E de registar a progressão das despesas de investimento, que, em especial no sector orçamental, tendem

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a atingir montante igual ao das despesas de funcionamento.
Dado que as despesas de investimento geram despesas de funcionamento - utilização e conservação do capital criado-, tem de se prever uma elevação deste último tipo de despesas, e, como simultaneamente se quer manter a expansão das despesas de investimento, impõe-se uma cuidadosa apreciação dos pedidos de aumentos de dotações.
Atentas as finalidades a atingir nos diversos sectores, tem de se fazer entre eles e dentro de cada um a avaliação comparativa da produtividade dos gastos adicionais pedidos. A visão global das despesas, por grandes sectores, consta do quadro que segue.

QUADRO XLIII

Despesas dos serviços sociais, culturais e económicos

Funcionamento e investimento (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Do aumento verificado cabem as seguintes percentagens aos três sectores:

[Ver tabela na imagem]

157. O orçamento de 1956, como é do conhecimento público, procurou acentuar ainda mais a intenção de dar-se a máxima eficiência aos serviços que desempenham papel fundamental no desenvolvimento do País. E as suas despesas - quer de funcionamento, quer de investimento - acusarão este ano a medida do esforço feito. As contas provisórias não permitem, no entanto, indicar desde já a execução orçamental pelos agrupamentos acima apresentados.
Sobre as despesas no próximo ano apenas se pode dizer que se manterá e desenvolverá quanto possível a orientação fixada no orçamento para o ano corrente.

Política fiscal

158. Mantêm os artigos 4.º a 7.º da presente proposta as disposições legislativas dos artigos respectivamente 5.º a 8.º do ano passado, com uma alteração, exclusivamente de forma, da parte final deste último.
O conteúdo de todos estes preceitos tem vindo a transitar das anteriores leis de autorização, sem que ainda este ano a saia inserção na proposta se tenha podido evitar.
Pronto o projecto de diploma sobre as sucessões, doações e sisa, vai agora dar-se nova es às respectivas comissões de estudo. E espera-se que até ao fim de 1957 se possam apresentar as bases da reforma dos vários impostos.
No que respeita ao ordenamento dos impostos directos anotam-se desde já os princípios que norteiam o seu projecto de reforma:

a) Discriminar os rendimentos segundo as respectivas fontes;
b) Atingir o mais proximamente possível o rendimento real do contribuinte e ajustar convenientemente as taxas dos impostos;
c) Estabelecer a confiança nas relações entre o contribuinte e a Fazenda.

O primeiro dos mencionados princípios levará a manter os quatro grandes impostos reais (predial, industrial, profissional e capitais), personalizando-se a tributação directa através do imposto complementar sobre o rendimento global.
O segundo conduz a aceitar, em regra, a declaração do contribuinte como base da determinação da matéria colectável e, consequentemente a reforçar as medidas de combate à fraude fiscal, estabelecendo uma fiscalização adequada e sanções eficazes.
O terceiro exige uma conscienciosa revisão das garantias jurídicas do contribuinte, que deverá ser completada por uma persistente campanha educacional tendente a obter a reprovação social da falta de honestidade nas questões- tributárias.

159. A uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas aos serviços do Estado e aos organismos de coordenação económica e corporativos é matéria já estudada e decidida; se ainda não se articularam em forma legal, como o artigo 10.º da Lei n.º 2079 o fazia prever para o ano corrente, isso foi devido, de certa maneira, à preocupação de criar ao futuro diploma condições de vigência duradoura, que a recente instituição das corporações lhe não permitiria sem um cuidado estudo das implicações que trouxe. Por isso se torna a propor no artigo 8.º a mesma disposição do referido artigo 10.º da lei anterior.

160. Ligado à política fiscal e constituindo objectivo novo, que procurará atingir-se a partir do próximo ano, o artigo 9.º da proposta impõe ligeiro comentário.

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Data de 1950 a última revisão geral dos direitos de importação. Nessa altura foi concedida à produção nacional protecção que, na generalidade dos casos, a colocou em fácil posição de suportar a concorrência externa. De então para cá houve períodos de certa perturbação do mercado internacional. Sobretudo as implicações económicas da guerra da Coreia -que falsearam temporariamente as condições de concorrência: a prática de duplos preços em período de escassez de materiais- foram certamente, e nesse momento, o factor mais importante das dificuldades sentidas em alguns sectores da nossa produção.
Se ainda não está sanada por completo, a situação do mercado tende decididamente para a normalização das condições de concorrência e de acesso às matérias-primas e produtos semiacabados. Só uma nova perturbação da política internacional poderá contrariar esta tendência, e não parece que devamos jogar nessa hipótese para nos furtarmos a encarar as consequências de um clima de trabalho em condições de normalidade. E, por isso, chegado o momento de procurar saber em que medida a produção nacional aproveitou e aproveita o incentivo de aperfeiçoamento que lhe foi dado através de protecção pautal.
E podem reduzir-se a três os motivos que principalmente determinam a fiscalização a que se refere o artigo 9.º da proposta:

Defesa das receitas do Estado, ou seja a defesa do interesse geral;
Defesa do consumidor;
Defesa do próprio trabalho nacional.

Já no relatório da proposta de lei de autorização para 1956 se salientou a posição excepcional que às cobranças da alfândega cabe entre as fontes de receita do Estado.
E num momento em que se deseja e se precisa intensificar a acção em prol da melhoria geral das condições de vida, o problema do volume das receitas ordinárias assume importância capital. Que estas receitas tenham de ser aumentadas, sob pena de renúncia ao ritmo desejável de progresso, é verdade que não carece de demonstração. E, se são vários os sectores onde o Estado poderá actuar para arrecadar o que for necessário e legítimo, verdade é também que não deve, em nome do interesse geral, deixar de actuar. No seguimento desta orientação, escreveu-se no relatório do ano findo:
................................................................................
No que toca a defesa da produção, não deverá esquecer-se que os direitos de importação, sempre que visem proteger o trabalho nacional, por definição, diminuem o volume da importação e, em consequência, fazem baixar, no geral, também as receitas potenciais do Estado.
A diminuição de receita potencial limita, como é óbvio, as possibilidades de realização do Estado em todos os campos em que a sua actuação se faz sentir e, por vezes, de forma imperiosa.
Esta limitação é, porém, não só legítima, mas conveniente, se representar - como deve representar - uma renúncia ou prejuízo apenas momentâneo e recuperável; com efeito, para além do limite até ao qual ela lhe é devida em nome da diferente estrutura e recursos do País e da menor capacidade do mercado interno, a protecção é dada à produção nacional para que possa organizar-se em ordem a produzir mais e em melhores condições de preço e qualidade.
Logo que esta fase seja atingida, o Estado- pelo alargamento da matéria colectável em que se traduz a melhoria de produção - deverá recuperar em mais-valias de outros impostos a receita a que a protecção pautal o fizera renunciar.

Este o primeiro dos motivos que impõem se averigúe como e por que forma a produção aproveita a protecção que lhe é concedida.
Mas, para além do nível das receitas do Estado e da sua repercussão no campo da cultura, da saúde, da justiça - numa palavra, na melhoria do bem-estar geral -, a protecção tem incidências directas e imediatas sobre o consumidor. E este aspecto do problema não pode descurar-se, quer o olhemos através de um prisma puramente económico, quer o apreciemos em função da justiça: ao consumidor, que, no geral, não beneficia directamente da protecção, só é legítimo exigir-se-lhe que compre mais caro, a qualidade pior, quando esse sacrifício se lhe imponha em nome do bem comum -que é também o seu-, e não para engrandecimento das margens beneficiárias dos utentes da protecção.
Quanto a este risco da protecção já o Presidente do Conselho, então Ministro das Finanças, em 9 de Março de 1939, exarava, em processo da Comissão Revisora de Pautas, despacho do qual aqui se arquivam as passagens seguintes:

... ser necessário que do processo fiquem a constar os preços e condições de venda que têm sido feitos pelos requerentes, para que a cada momento se possa verificar se a protecção começa a ser aproveitada, com os motivos ou pretextos do costume, para maior carestia do artigo. Nesse momento deverá voltar-se ao statu quo ...
................................................................................
a experiência demonstra que, em geral, as indústrias nacionais que pedem o reforço da protecção existente passam, apesar das promessas feitas com o pedido, a incorporar nos seus preços os novos direitos, com lesão dos interesses dos consumidores dos seus artigos, e nada conseguindo afinal senão transferir a luta de concorrência para nível mais alto de preços. Outras vezes, senhores do mercado pela protecção, descuram a qualidade dos produtos e fica o consumidor nacional ou mal servido, ou obrigado a comprar muito caro o produto estrangeiro ...

Mas o contrôle da utilização da protecção redundará afinal em benefício do próprio trabalho nacional: sempre que um alto nível de direitos se possa transformar em incentivo à ineficiência permanente ele será contrário aos interesses reais e a mais longo prazo do próprio trabalho protegido.
A concorrência é uma necessidade na medida em que for determinante de uma permanente melhoria de produtividade. Quando pela protecção -necessária, aliás, em virtude da dimensão do mercado e das características da produção- esse factor natural de progresso se anula, o Estado vê-se forçado à promulgação de medidas que, assegurando a protecção, simultaneamente garantam a maior produtividade.
Ao longo das notas sobre a economia internacional ressaltou nítida a tendência para o progressivo abaixamento dos direitos: a nossa produção tem de preparar-se activamente para esta nova fase da luta.
Parece assim não poder duvidar-se da oportunidade da medida proposta no artigo 9.º, tanto mais que ao mesmo tempo se concederão novos benefícios fiscais ao investimento e que está a chegar ao seu termo a reforma do crédito, reforma indiscutivelmente necessária ao esforço de readaptação e criação que se pede à produção nacional.

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161. Neste capítulo da política fiscal foram suprimidas relativamente à lei anterior as disposições nela constantes dos artigos 9.º e 11.º, por haver o Governo cumprido a determinação do primeiro e utilizado a faculdade que lhe foi concedida no segundo.
Na verdade, e quanto ao artigo 9.º, o Decreto n.º 40 788, de 28 de Setembro passado, elevou de 12 para 20 por cento a taxa do imposto complementar sobre os dividendos das acções ao portador emitidas por sociedades nacionais e não registadas nos termos do artigo 51.º do regulamento do imposto, também agora renovado, por força do artigo 2.º deste decreto.
Por outro lado, e conforme se expõe no preâmbulo do diploma, foi tomada na devida consideração pelo Governo a sugestão da Câmara Corporativa, que veio a transformar-se, por voto da Assembleia Nacional, na parte final do artigo em causa.
Em relação à matéria do artigo 11.º -incentivos de ordem fiscal à produção-, já sobre ela se deixaram algumas notas quando se tratou do condicionalismo financeiro do investimento. O Governo, de resto, acaba de tomar as providências necessárias para a publicação do decreto que executará este preceito legal.

Política de crédito

162. Deixaram de figurar na presente proposta quaisquer normas referentes à política de crédito. Entendeu-se que, estando para breve a conclusão de um projecto cujas bases serão proximamente apresentadas, seria descabida este ano disposição análoga à do artigo 12.º da Lei de Meios para 1956.

Funcionamento dos serviços

163. É novo o título do capítulo, mas não a sua substância ; simplesmente se julgou mais adequada à matéria a designação agora proposta, que, de sentido mais lato que a anterior - eficiência dos serviços -, não só a abarca, como alcança com mais pertinência realidades diferentes das que no capítulo têm assento já costumeiro.
É o caso do artigo 10.º, mera repetição do artigo 13.º da lei de autorização para 1956, que foi expressão, embora renovada, de um mesmo pensamento de leis anteriores.
Esse pensamento continua válido na letra da proposta e na intenção do Governo, como constante que é de uma boa administração pública.

164. De novo aparece no capítulo a disposição do artigo 11.º
A disciplina em termos de rigor económico das publicações editadas pelos serviços do Estado tem sido providência constante e já antiga - recorda-se o artigo 59.º da terceira Carta de Lei de 9 de Setembro de 1908 e as expressas disposições das leis de autorização de 1950 a 1954.
A finalidade que agora se tem em vista com a disposição proposta não é tanto a de se conseguir directamente uma redução de custo - a esse objectivo se dirige, entre outros, o artigo anterior, embora também, indirectamente, daqui ele possa resultar -, mas a de alcançar-se a coordenação das publicações, de modo a torná-las mais adequadas aos fins a que se destinam: elevando o nível literário, científico e artístico das que tiverem responsabilidades de ordem cultural; uniformizando a apresentação e o ordenamento do conteúdo de publicações de informação burocrática de diferentes serviços, mas de idêntica natureza; evitando repetições de textos em publicações do mesmo Ministério e reunindo até, se for aconselhável, num só boletim as transcrições dos documentos legais que normalmente se vêem repetidos em vários; determinando que as publicações correntes dos serviços contenham apenas o que for de verdadeiro interesse público, por necessário à eficiência e valorização da Administração.

165. Ainda no capítulo da eficiência dos serviços figurou o ano passado preceito dispondo que o Governo providenciasse no sentido de «actualizar e reformar, de acordo com o valor da moeda e as presentes condições de funcionamento dos serviços, as disposições legais em vigor relativas a aquisições do Estado, a autorização de despesas e a dispensa de concurso público e contrato escrito».
As providências foram tomadas, pois o assunto foi estudado com a maior latitude e profundidade, devendo muito em breve publicar-se o diploma que codificará a matéria.
O conteúdo do diploma poderá, desde já, ser sumariado nos seguintes tópicos gerais:
Quanto a despesas eventuais e com a aquisição de material, definir-se-ão umas e outras contrapondo as primeiras, no campo das despesas públicas, às despesas periódicas e abrangendo no conceito das segundas todas as despesas resultantes de fornecimentos ao Estado e as que tenham por objecto permitir ao mesmo Estado a fruição ou utilização temporária de coisas móveis.
Quanto ao regime de autorização das despesas, proceder-se-á à actualização dos limites fixados para a sua realização, estabelecendo em novos moldes a competência das diversas entidades da escala hierárquica dos serviços para a respectiva autorização.
Será ainda regulada a matéria de concursos e contratos, através da actualização e sistematização das disposições legais em vigor e da ordenação de novos preceitos tendentes, sobretudo, a dar maior elasticidade ao funcionamento dos serviços, sem embargo de rodear das convenientes cautelas as dispensas de concurso público e de contrato escrito.
A celebração dos contratos será, por sua vez, objecto de minuciosa regulamentação no que toca, entre outros aspectos, à representação do Estado, aprovação das minutas e distribuição de encargos por mais de um ano económico.

Saúde pública

166. Da saúde pública, e tal como no ano passado o artigo 15.º, trata o artigo 12.º da presente proposta do programa de combate à tuberculose.
Aos problemas da saúde pública se fez já a necessária referência.

Investimentos públicos

167. A disposição de ordem geral sobre investimentos apresentada na proposta do Governo do ano passado recebeu da Câmara Corporativa notável aperfeiçoamento, que, adaptada depois pela Assembleia Nacional, veio a constituir o artigo 16.º da lei.
Consistiu esse aperfeiçoamento em hierarquizar uma ordem de precedência das despesas extraordinárias que não constassem dos planos plurianuais. Desta maneira, a par do quadro do grande investimento programado a longo termo e dotado de força vinculante quanto ao destino e quantitativo máximo de cada verba, aparece agora e já na lei de autorização um esquema de orientação governativa dos investimentos anuais fora dos citados planos, a cargo da despesa extraordinária.
Como é óbvio, investimentos desta natureza não podem diferir em muito dos orçamentados para o ano anterior, pois o curso das obras não obedece ao calendário

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e há que manter a sua continuidade, sob pena de se perder quanto foi despendido.
A presente proposta no seu artigo 13.º limita-se a introduzir na alínea b) «Educação e cultura» uma rubrica relativa ao «Reapetrechamento das escolas e Universidades» e a alterar a primeira rubrica da mesma alínea, por virem a aparecer durante o exercício de 1957 encargos da Campanha para liquidar e pagar.
Quanto ao reapetrechamento das escolas e Universidades articula-se mesmo um novo preceito - artigo 14.º - anunciando o início de um plano que, tendo em consideração simultaneamente a evolução demográfica, as novas necessidades escolares e a reforma do ensino, se espera resolva não só deficiências instantes -e só para essas se concederam no presente ano dotações que totalizaram mais de 5000 contos, o que traduz uma diferença de 1900 contos sobre a despesa do ano anterior -, mas que resolva também os problemas levantados pelo nosso condicionalismo cultural e cujas implicações no campo económico se referiram quando no capítulo da economia portuguesa se fizeram algumas reflexões sobre o desenvolvimento.
O que agora se fará para dotar os centros de ensino que ainda não estejam satisfatoriamente apetrechados é esforço sem precedentes orçamentais que se lhe equiparem.
Fiel ao princípio da hierarquização das necessidades e da sua inteira satisfação segundo esse ordenamento, chegou agora o momento de apetrechar tecnicamente as escolas, de modo a que todas elas possam ser, no seu campo de acção, verdadeiros centros de irradiação e aceleração do progresso cultural e económico do País.

168. O artigo 15.º da proposta é transcrito de idênticos preceitos das leis anteriores. Aí e nos comentários que mereceram se pode achar a sua justificação.

169. Finalmente, dentro deste capítulo do investimento público merece destacada referência o preceito novo do artigo 16.º; na verdade, o que no capítulo sobre a evolução da economia portuguesa, a respeito do condicionalismo do investimento, se disse sobre a necessidade da assistência técnica à produção só por si justifica este artigo.
Para afirmação do firme propósito de dar o apoio financeiro possível às iniciativas dos departamentos competentes do Estado em matéria de fomento da produção escolheu-se o sector da agricultura e, dentro deste, o da assistência técnica à produção.
Julga-se que dificilmente se encontrará outro ramo onde a necessidade de assistência mais intensamente se faça sentir e pensa-se que a agricultura será um dos campos onde mais depressa essa assistência produzirá efeitos de utilidade facilmente mensurável.

170. A actual rede dos organismos de extensão da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas tem a malha demasiado larga para garantir junto do agricultor acção eficiente e em volume que permita esperar dela resultados apreciáveis a curto prazo.
Impõe-se, por isso, adensar essa rede, criando em cada uma das actuais regiões agrícolas delegações do respectivo organismo que nela está actuando.
É objectivo do plano a instalação de um técnico em cada concelho. Esta finalidade atingir-se-á em três fases, prevendo-se a realização da primeira até final de 1957.
O quadro seguinte dá-nos a posição de cada uma dessas fases:

(Ver quadro na imagem)

171. Criar-se-ão simultaneamente s a título experimental lugares de assistentes agrícolas, que exercerão as suas funções junto dos organismos de extensão, prestando assistência às famílias dos agricultores, com o fim de lhes elevar o nível de vida, através de ensinamentos sobre higiene, arranjo doméstico, confecção de vestuário, alimentos, puericultura, etc.

172. A actuação dos vários centros de extensão desenvolver-se-á segundo os planos aprovados superiormente, sendo indispensável a sua coordenação e fiscalização através de um corpo de inspecção apto a obter deles a máxima eficiência.
Na verdade, dada a extensão da rede a estabelecer, não será possível prescindir de uma inspecção aturada, persistente e sensata, capaz de, a um tempo, impulsionar a acção e verificar o cumprimento dos planos, eliminando as dificuldades ocasionais e locais que se oponham à sua execução.

173. Deseja-se, ao mesmo tempo e insistentemente - e é este um aspecto a realçar-, que os agricultores tenham maior interferência na elaboração dos planos de acção e possam discutir os problemas agrícolas com os técnicos e as entidades responsáveis.

174. O novo esquema de serviços comporta, assim, três objectivos basilares:

a) Intensificação da extensão agrícola, pelo aumento do número de centros de assistência técnica;
b) Coordenação e eficiência dos mesmos, através de uma conveniente inspecção;
c) Ligação intensa entre agricultores e técnicos, por intermédio dos conselhos de agricultura.

Para realização destes objectivos haverá necessariamente que dar nova estrutura aos serviços centrais e regionais da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.

175. Os mapas juntos dão conta da melhoria do esquema de assistência técnica ao fim da primeira etapa.
Fica-se firmemente convencido de que esta nova fase da política do Governo em prol da lavoura marcará o início de um movimento de recuperação realizado em ritmo digno do papel que à agricultura cabe desempenhar no processo de engrandecimento do País.

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(Ver mapa na imagem)

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Política rural

176. Sobre este capítulo da Lei de Meios pouco haverá a dizer para além das justificações cora que tem sido apresentado em leis anteriores e, sobretudo, dos comentários que sobre ela têm expendido a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional.
É precisamente do douto parecer da Câmara Corporativa à proposta do ano passado, e relativamente aos auxílios financeiros do Estado para a construção de casas para as classes pobres, que se transcrevem as seguintes palavras:

... permite-se a Câmara Corporativa manifestar o receio de que esta tão meritória obra social esteja sendo desenvolvida pelas autarquias locais de maneira um tanto dispersiva. Na verdade, em muitos casos a despesa feita parece corresponder mais a critérios de urbanização do que à preocupação de resolver, por modo tão completo quanto possível, o problema de alojamento dos desprotegidos da fortuna.

Por isso se entende, com a Câmara, «que a assistência financeira para tal fim deveria ser condicionada pela verificação, em inquérito adequado, de que as construções planeadas resolvem por forma satisfatória e em medida suficiente um bem caracterizado problema de habitação do meio local».
E, enquanto tal se não realizar, não lhe parece, de facto, ao Governo dever vincular-se à prestação de auxílio financeiro, dentro do ordenamento estabelecido pelo artigo 18.º da Lei n.º 2070.

177. O artigo 18.º da proposta é a repetição do artigo 19.º da lei anterior e não exige explicação, condição como é do cumprimento de disposições legisladas.

Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais

178. Permanece neste capítulo como única disposição a que o ano passado se inscreveu no artigo 20.º da lei, por ainda não ter sido possível dar integral cumprimento à reforma e deverem os fundos em causa continuar a subordinar-se tis regras enunciadas.

Compromissos Internacionais de ordem militar

179. A necessidade da inclusão do artigo, aliás único, deste capítulo permanece ainda este ano, conforme se pode verificar dos seguintes elementos:

Montantes-limites aos compromissos assumidos:

Pela Lei n.º 2030 .............. 1.500:000.000$00
Pelo Decreto-Lei n.º40 013 ..... 500:000.000$00
Total........................... 2.000:000.000$00

Despega paga:

Em 1952............................ 282:882.123$00
Em 1953............................ 467:270.001$40
Em 1954............................ 386:388.479$40
Em 1955............................ 377:557.685$80
................................... 1.514:107.289$60

Guias de reposição que não puderam
ser abatidas no caso respectivo...........5:376.464$40
1.508:730.825$40

Para os 2.000:000.000$ faltam............. 491:269.174$60
Em 1958 foram orçamentados................ 220:000.000$00
Reforçados pelo Decreto
n.º 40 620, de 30 de Maio................. 156:831.000$00
-376:831.000$00
Reservas para 1957........................ 114:488.174$60

A esta reserva haverá ainda que adicionar o que não tiver sido gasto em 1956.
A disposição da lei permitirá em 1957 dar-lhe o destino a que nos obrigámos.

Proposta de lei

I

Autorização geral

Artigo 1.º É o Governo autorizado a arrecadar em 1957 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
Art. 2.º Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos e os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas despesas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados.
Art. 3.º O Governo tomará as medidas que, em matéria de despesas públicas, se tornem necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da Tesouraria.

II

Política fiscal

Art. 4.º As taxas da contribuição predial no ano de 1957 serão de 10,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios rústicos, salvo, quanto a estes, nos concelhos em que já vigorem matrizes cadastrais, onde a taxa será de 10 por cento.
Art. 5.º É mantida em 1957 a cobrança do adicionamento ao imposto sobre as sucessões e doações, nos termos constantes do artigo 5.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949.
Art. 6.º O valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos da liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações; os adicionais discriminados nos n.os 1.º e 3.º do artigo 6.º do Decreto n.º 35 423, de 29 de Dezembro de 1945; o adicional sobre as colectas da contribuição predial rústica que incidam sobre prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a l de Janeiro de 1940, e o adicionamento ao imposto complementar nos casos de acumulações ficarão todos sujeitos no ano de 1957 ao preceituado nos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 8.º do Decreto n.º 38 586, de 29 de Dezembro de 1951.
Art. 7.º As disposições sobre o imposto profissional constantes do artigo 9.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e segundo período do artigo 8.º da Lei n.º 2079, de 21 de Dezembro de 1955, permanecem em vigor.
Art. 8.º Durante o ano de 1957, enquanto não for dada forma legal aos resultados dos estudos atribuídos à comissão a que se refere o artigo 7.º da Lei n.º 2059, de 29 de Dezembro de 1952, fica vedado aos serviços do Estado e aos organismos de coordenação económica ou corporativos criar ou agravar taxas e outras contribuições especiais não escrituradas em receita geral do Estado sem expressa concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer da aludida comissão.

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Art. 9.º Fica o Governo autorizado a condicionar, mediante um regime de fiscalização de preços, a protecção pautai concedida a mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem o funcionamento da concorrência efectiva.

III

Funcionamento dos serviços

Art. 10.º Durante o ano de 1957, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, principalmente na realização de despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, o Governo continuará a providenciar no sentido de reduzir ao indispensável as despesas fora do País com missões oficiais.
§ único. Estas disposições aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, bem como aos organismos de coordenação económica e corporativos.
Art. 11.º O Governo promoverá os estudos necessários para a coordenação das publicações editadas pelos serviços, em ordem a obter um melhor ajustamento à finalidade própria de cada publicação.

IV

Saúde pública

Art. 12.º No ano de 1957 o Governo continuará a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento de um programa de combate à tuberculose, para cujo fim serão inscritas no Orçamento Geral do Estado as verbas consideradas indispensáveis.

V

Investimentos públicos

Art. 13.º O Governo inscreverá no orçamento para 1957 as verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições previstas no Plano de Fomento ou determinadas por leis especiais, e bem assim de outras que esteja legalmente habilitado a inscrever em despesa extraordinária, devendo, quanto a estas, e sem prejuízo de conclusão de obras em curso, adoptar quanto possível, dentro de cada alínea, a seguinte ordem de preferências:

a) Fomento económico:

Aproveitamento hidráulico de bacias hidrográficas ;
Fomento de produção mineira e de combustíveis nacionais;
Povoamento florestal e defesa contra a erosão, em modalidades não previstas pelo Plano de Fomento;
Melhoramentos rurais e abastecimentos de água.

b) Educação e cultura:

Encargos de anos findos da Campanha Nacional de Educação de Adultos;
Reapetrechamento das escolas e Universidades;
Construção e utensilagem de edifícios para Universidades;
Construção de outras escolas.

c) Outras despesas:

Edifícios para serviços públicos;
Material de defesa e segurança pública; Trabalhos de urbanização, monumentos e
construções de interesse para o turismo; Investimentos de interesse social, incluindo dotações para as Casas do Povo.

§ único. O Governo inscreverá no orçamento para 1957 as dotações necessárias para ocorrer às despesas de emergência no ultramar.
Art. 14.º E autorizado o Governo a iniciar um plano com vista a reapetrechar, em material didáctico e laboratorial, as escolas e Universidades.
§ único. Para satisfação dos encargos com o reapetrechamento referido no corpo deste artigo será inscrita na despesa extraordinária do Ministério da Educação Nacional a verba considerada indispensável, com cobertura no excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza ou nos saldos de contas de anos económicos findos.
Art. 15.º O Governo inscreverá, como despesa extraordinária em 1957, as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o Decreto-Lei n.º 31 975, de 20 de Abril de 1942.
Art. 16.º O Governo promoverá em 1957 a intensificação da assistência técnica à lavoura, mediante a ampliação, coordenação e fiscalização dos centros de extensão agrícola e uma colaboração mais íntima dos agricultores com os serviços.

VI

Política rural

Art. 17.º Os auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas seguintes, respeitando quanto possível a sua ordem de precedência:

a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento ;
b) Estradas e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou instalações de serviços;
d) Matadouros e mercados.
§ 1.º As disponibilidades das verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado para melhoramentos rurais ou para quaisquer dos fins previstos no corpo deste artigo não poderão servir de contrapartida para reforço de outras dotações.
§ 2.º Nas comparticipações pelo Fundo de Desemprego observar-se-á, na medida aplicável, a ordem de precedência do corpo do artigo.
Art. 18.º O Governo inscreverá, como despesa extraordinária, a dotação indispensável à satisfação das importâncias devidas às Casas do Povo, nos termos do Decreto-Lei n.º 40 199, de 23 de Junho de 1955.

VII

Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais

Art. 19.º Enquanto não for promulgada a reforma dos fundos especiais, a gestão administrativa e financeira dos mesmos continuará subordinada às regras 1.º a 4.º do § 1.º do artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de

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Dezembro de 1950, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa.

VIII

Compromissos internacionais de ordem militar

Art. 20.º O remanescente da soma fixada, de harmonia com os compromissos tomados internacionalmente, para satisfazer as necessidades de defesa militar será inscrito globalmente no Orçamento Geral do Estado, em obediência ao disposto no artigo 25.º e seu § único da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo ser reforçada a verba inscrita para 1957 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1956.

IX

Disposições especiais

Art. 21.º São aplicáveis no ano de 1957 as disposições dos artigos 14.º e 16.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949.
Art. 22.º O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados.

Ministério das Finanças, 9 de Novembro de 1906. - O Ministro das Finanças, António Manuel Pinto Barbosa.

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MAPA N.º 1

Balança geral de pagamentos da zona escudo
(Milhares de contos - Saldos anuais)

(Ver quadro na imagem)

(a) Valores ajustados segundo as liquidardes, considerando movimentos do crédito comercial o operações de capital privado.
(b) Valores segundo a estatística de liquidações para 1951 e 1955.
(c) Inclui estimativa da Invisíveis correntes do ultramar (de 1048 a 1063 o salda positiva cifrou-se em 555.000$, 635.000$, 550.000$, 600.000$, 600.000$ e 600.000$ contos respectivamente).

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MAPA N.º 2
A) Quadro das variações simples da balança de pagamentos

(Ver quadro na imagem)

B) Quadro das variações acumuladas da balança de pagamentos

(Ver quadro na imagem)

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MAPA N.º 3

Valores absolutos

(Ver quadro na imagem)

Variações acumuladas

(Ver quadro na imagem)

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MAPA N.º 4

Participação percentual das principais componentes positivas no total

(Ver quadro na imagem)

Participação percentual das principais componentes negativas no total

(Ver quadro na imagem)

(a) Inclui estimativa dos invisíveis correntes do Ultramar.

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MAPA N.º 5

Comércio com o sector estrangeiro

Metrópole

(Unidades: 1000t; 1000 contos. Fontes: Valores - relatórios do Banco de Portugal; Quantidades - Instituto Nacional de Estatística).

(Ver quadro na imagem)

(a) Diferença entre o valor F.O.B. da estatística alfandegária e o valor da estatística de liquidações, correspondente a movimentos de crédito comercial e a operações de capitais privados.

Explicação das variações simples do saldo da balança comercial da metrópole

(Ver quadro na imagem)

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MAPA N.º 6

Comércio com o sector estrangeiro

Ultramar

(Unidades: 1000 t; 1000 contos. Fontes: Valores - relatórios do Banco de Portugal; Quantidades -Instituto Nacional de Estatística).

(Ver quadro na imagem)

(a) Nas quantidades importadas e exportadas, em virtude de só se saber o total importado e exportado para a Guiné e Índia, respectivamente a partir de 1951 e 1952, os valores apresentados deverão ser considerados como valores prováveis.
(b) De 1948 a 1950 valores C.I.F.; de 1951 a 1955 números provisórios (estatística das liquidações)

Explicação das variações simples do saldo da balança comercial do Ultramar

(Ver quadro na imagem)

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MAPA N.º 7

Despesas

(Em contos)

[ Ver Tabela na Imagem ]

(a) Compreendem:
1) Emissora Nacional de Radiodifusão;
2) Hospitais Civis da Lisboa;
3) Misericórdia de Lisboa;
4) Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones;
5) Fundo de Desemprego;
6) Fundo das Casas Económicas;
7) Fundo de Socorro Social.

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CÂMARA CORPORATIVA

VI LEGISLATURA

PARECER N.º 44/VI

Projecto de proposta de lei n.º 519

Autorização das receitas e despesas para 1957

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto da proposta de lei n.º 519, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1957, emite pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

Forma de apresentação da proposta de lei de receita e despesa

1. A preponderância crescente do Executivo sobre o Legislativo constitui uma das tendências essenciais de direito financeiro dos nossos dias. Na sua génese encontramos as lições da grande depressão, de uma guerra total e o esforço gigantesco da reconstrução e reconversão. Através delas aprendemos que o mundo havia entrado bruscamente e quase sem transição na era do planismo e do dirigismo económico e social. A revolução técnica a que se assistiu, a crescente organização dos interesses particulares e o anseio de uma maior justiça por parte das massas tornaram a intervenção do Estado um fenómeno necessário, até porque se mostrava independente de toda a opção doutrinal e política.
Foi então que a ciência das finanças se viu colocada na necessidade de rever o seu tradicionalismo jurídico e a sua neutralidade económica. Sendo o orçamento um plano de conjunto em que todas as partes são solidárias, quer se trate de assegurar o equilíbrio financeiro, numa ou noutra das suas acepções, quer de levar a cabo uma intervenção no domínio económico e social, as exigências técnicas levaram, quase por toda a parte, ainda que em medida variável, a eliminar a sanção legislativa de Câmaras que não derivam do sufrágio directo e a restringir ou a abolir o direito de iniciativa dos Parlamentos em matéria de despesas.

2. Esta evolução acentuou-se e precipitou-se com a fecunda elaboração científica levada a cabo nas duas últimas décadas. Ela ajudou os governos a tomar consciência dos pontos de inserção da economia pública no conjunto da economia total e revelou que a sua actividade, quer quando realizam despesas, quer quando arrecadam receitas, não é economicamente neutral.
Esta influência não depende de quaisquer considerações doutrinais: é um facto. Que os governos e os indivíduos a aprovem ou não, nem por isso ela deixa de se verificar. O problema que se suscita é, pois, o de saber se o Governo, consciente desta influência, a vai utilizar no sentido requerido pelo interesse geral. Se o fizer, e outra hipótese não é de encarar, a elabo-

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ração científica a que atrás se aludiu, tendo chegado à identificação doa elementos fundamentais dos fenómenos, facultar-lhe-á a técnica de actuação em cada caso.

3. Não surpreende, por isso, que o orçamento, ainda mesmo quando equilibrado, e mercê das suas repercussões sobre a procura total, se revista de uma importância vital para a direcção da economia.
Nem surpreende igualmente que as receitas e as despesas públicas, estas últimas de maneira mais aparente, sejam o meio por excelência de afirmar e realizar o programa do Governo. Qualquer medida que este venha a tomar, política, social ou económica, há-de reflectir-se no domínio das despesas: a evolução do volume e composição destas esclarecer-nos-á sobre o sentido e amplitude da intervenção do Governo na esfera económica e social.
Desta forma, o carácter programático do orçamento há-de necessariamente reflectir-se na proposta que o Governo apresenta à Assembleia Nacional, manifestando-se, como é óbvio, por forma mais impressiva naquelas despesas não previstas em diplomas anteriores que de alguma forma denunciam as suas preocupações para um determinado período financeiro. São elas que, destacando-se dos princípios gerais que devem informar a política financeira, imprimem a esta uma orientação específica.
É para este sector das despesas públicas que a Assembleia dirige toda a sua atenção. E, quanto a tais despesas, aliás aquelas em que se define a política a realizar através do orçamento, é do maior interesse a posição que vier a tomar, uma vez que lhe compete fixar na lei os princípios a que deverão subordinar-se.

4. Não obstante as disposições que se contêm na proposta darem, só por si, cumprimento ao que a Constituição determina nesta matéria, o Governo, desde longa data, e com o objectivo de facilitar a discussão, vinha fazendo acompanhar a proposta de um número crescente de elementos estatísticos. Entendia-se que, com base neles, seria possível formular um juízo mais rigoroso acerca da conjuntura económica e financeira e do sentido e objectivos das principais disposições contidas na proposta.
Esta tarefa era, de resto, amplamente facilitada pelo parecer da Câmara Corporativa, pelas contas definitivas da última gerência e ainda pela última conta provisória publicada. Pois, se o primeiro, para além da apreciação da conjuntura económica e financeira, nacional e internacional, incluía detalhada análise crítica da proposta, as últimas continham dados retrospectivos da maior importância. A sua conjugação revestia-se naturalmente do maior interesse, uma vez que o rigor das previsões depende simultaneamente dos dados básicos (retrospectivos) e do acerto da apreciação da conjuntura.
Não faltavam, pois, aos Sra. Deputados os elementos indispensáveis para a formulação de um juízo de valor sobre a situação económica e financeira do País, para a definição das tendências na evolução das receitas no ano próximo e para interpretar correctamente a orientação que o Governo se propunha adoptar quanto á totalidade das despesas públicas.

5. Em novo passo da evolução, a proposta passou a ser remetida à Câmara Corporativa e à Assembleia Nacional acompanhada de extenso e bem documentado relatório do Ministro das Finanças. A Câmara regista uma vez mais a apresentação de tão notável documento, considerando-o contribuição fundamental para o estudo da conjuntura económica da época que atravessamos.
Mas o facto merece ser ainda assinalado pelo que possa representar como aperfeiçoamento das condições em que a Assembleia Nacional tem de apreciar a proposta de lei de autorização. Sob este aspecto, começar-se-á por destacar que o relatório ou nota explicativa do Ministério das Finanças se apresenta com uma estrutura externa perfeitamente idêntica àquela que tradicionalmente apresentavam os pareceres desta Câmara. Para além desta similitude, diferentes factores concorrem para que o sistema actual possibilite a formação de um juízo mais esclarecido por parte da Assembleia.
Na verdade, e para não referir outras, a simples circunstância de o Ministério das Finanças poder assegurar a colaboração de numeroso grupo de estudiosos, com acesso amplo e fácil às fontes, e de dispor de um ano para a elaboração do relatório, permite-lhe abordar os problemas com uma latitude e profundidade a que esta Câmara, não contando senão com escassa dezena de dias, de forma alguma poderia aspirar.
Depois, é óbvio que tal documento vem dar forma autêntica a elementos, conjecturas, princípios e directrizes que, em anos anteriores, não passavam de suposições e desejos formulados em pareceres desta Câmara ou nas intervenções dos Srs. Deputados. A conjugação destes factores permite que a representação disponha agora de elementos mais abundantes e mais rigorosos para a apreciação da proposta de lei e tomada de contas.

6. Importa, porém, destacar ainda uma outra consequência desta evolução. Verificada a sobreposição das notas explicativas do Ministério das Finanças e dos pareceres desta Câmara, na sua feição tradicional, há que imprimir a estes últimos nova orientação, sob pena e se minimizar a sua importância e alcance, ou, o que seria pior, de se patentear a sua inteira redundância.
Sucede, todavia, que, se é fácil reclamar moldes novos, já não é tão fácil defini-los, e muito menos concretizá-los, mormente nas presentes condições de trabalho. Por isso, e contrariamente ao que se proclamou no relatório do ano transacto, duvida-se de que a prática actualmente seguida seja de molde a facilitar a tarefa da Câmara Corporativa.

7. Nestes termos, não deve surpreender que o presente parecer tenha uma feição profundamente diversa da dos anteriores.
Numa tentativa de busca de novos rumos, a apreciação da proposta na generalidade omitirá a caracterização da conjuntura económica e financeira do País, tanto no seu aspecto nacional como no internacional. Justifica-se este procedimento com a convicção de que a Assembleia encontrará no relatório do Ministério das Finanças elementos mais que suficientes para o cabal desempenho das suas atribuições.
Em seu lugar, a apreciação na generalidade incluirá um conjunto de reflexões acerca do que se julga ser a preocupação dominante do Governo ou faceta característica da política financeira para o próximo ano. Para a sua determinação, importa atentar na entidade e composição das despesas variáveis, já que elas traduzem a orientação do Governo e, consequentemente, individualizam a política a realizar através do orçamento. Analisada a proposta por este ângulo, julga-se legítima a conclusão, aliás amplamente abonada pela nota explicativa a que nos temos referido, de que os problemas atinentes ao desenvolvimento económico do País se situam na primeira linha das preocupações dos governantes.
As breves reflexões que se vão seguir visam, num plano de pura generalidade, facilitar o entendimento

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da economia da proposta neste seu aspecto particularmente representativo. A forma de exposição será, como é natural, a menos técnica possível.
Algumas reflexões sobre o desenvolvimento económico do País

8. Ninguém dirá que a preocupação do Governo com o desenvolvimento económico do País é só de agora. Reportando-nos apenas a um passado relativamente próximo, supomos que se deu um passo decisivo em tal direcção quando, há perto de trinta anos, se concedeu prioridade à reforma financeira relativamente ao fomento económico.
A abastança da Tesouraria, o barateamento do dinheiro, o equilíbrio da balança de pagamentos, a liberdade cambial e a solidez da moeda foram a recompensa dos sacrifícios consentidos. Mas encontrarem-se capitais portugueses ao dispor do Estado e da economia nacional foi, não apenas grande conquista, mas - e isto é o que mais importa de momento - base imprescindível da nossa expansão económica.
Depois veio a Lei n.º 1914, de 24 de Maio de 1935, também chamada «de Reconstituição Económica», substituir aos processos de realização improvisados e dispersivos a elaboração de planos que, por si mesmos, obrigassem ao estudo das condições e riqueza do solo e subsolo portugueses, à definição e escolha de soluções, à seriação das fases em que o mesmo empreendimento se poderia desdobrar, ao prazo de execução, aos processos por que havia de realizar-se, ao seu custeio por disponibilidades públicas e particulares.
Quando a Lei n.º 1914 deixou de vigorar, em fins de Maio de 1950, o volume de realizações levadas a cabo havia exigido um dispêndio que se aproximava do dobro dos 6 500 milhares de contos inicialmente previstos.
Entretanto, a Administração havia tomado o hábito do planeamento e, por força desta exigência, viu-se compelida ao estudo em conjunto de certos problemas. Daí resultou uma natural seriação das necessidades ou das maiores vantagens, o ordenamento mais racional ou económico das execuções, maior equidade na distribuição das verbas e a condenação do que até aí eram simples improvisações.
Explica-se assim que a necessidade de continuar uma tarefa tão auspiciosamente encetada e a assimilação de novos métodos de trabalho tenham conduzido ao Plano de Fomento actualmente em execução. Paralelamente, o Governo vem, desde há muito, reiterando o firme propósito em que se encontra de dar o apoio financeiro possível às iniciativas dos departamentos competentes do Estado em matéria de fomento da produção.
Não é, realmente, de agora a preocupação com o desenvolvimento económico. Isto não significa, porém, que o problema se não tenha revestido de aspectos novos em nossos dias, nem a inexistência de razões ponderosas que aconselhem a tentativa de se imprimir um ritmo mais rápido ao processo da nossa expansão económica. Para uma melhor compreensão da extensão do problema, e porventura do sentido em que deve ser orientada a sua solução, começar-se-á por uma análise sumária da posição do País no plano da economia internacional.

9. A importância do comercio externo na economia de um país costuma ser aferida pela participação das trocas internacionais no produto nacional bruto, conjugado este índice com certos indicadores da actividade económica geral (volume das despesas, nível do investimento). A aplicação deste critério leva a concluir
que o comércio externo assume relevo muito acentuado na economia metropolitana.
Efectivamente, a economia portuguesa tem evoluído nestes últimos anos em estreita correlação com as variações da procura externa, progredindo nos períodos em que os mercados internacionais se apresentam de feição favorável ou evidenciando tendência para a estagnação sempre que decaem as aquisições do estrangeiro. O rendimento nacional mostra-se assim sujeito a bruscas oscilações, dependentes de factores que escapam por completo à acção directa das autoridades portuguesas e cujo comportamento se não condiciona a qualquer lei económica conhecida.
A hipersensibilidade de uma economia às flutuações da procura internacional traduz-se sempre numa ameaça de instabilidade. Para bem a compreender importa, porém, analisar as características essenciais do comércio externo do Pai», principalmente a composição do fluxo das trocas, pois, não sendo idêntica a posição de cada actividade económica na gestação do rendimento e na absorção de emprego, a composição das trocas internacionais de um país terá de afectar os seus níveis de emprego e rendimento.

10. Reportando-nos ao quinquénio 1950-1954, é possível descobrir nas nossas correntes de troca os seguintes aspectos essenciais:

a) Uma forte concentração quanto à composição das exportações para o estrangeiro: sete produtos exportados (madeiras, cortiças, resinosos, minérios, tecidos de algodão, conservas e vinhos) representam mais de 70 por cento das nossas vendas ao estrangeiro;
b) Sensível concentração geográfica das nossas vendas: 60 por cento representadas nos mercados europeus e correspondendo a três mercados (Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha) cerca de 45 por cento dos nossos fornecimentos ao estrangeiro;
c) Uma larga participação do ultramar (25 por cento) no nosso comércio exportador, comércio constituído, na sua maior parte, por produtos de difícil colocação nos mercados estrangeiros;
d) Uma ampla concentração da procura externa, onde a exportação de mercadorias alcança em média mais de 83 por cento, o que patenteia a reduzida contribuição dos serviços fornecidos ao estrangeiro e dos rendimentos de capitais pagos por este;
e) Uma grande dispersão na composição das nossas importações do estrangeiro, sendo de assinalar o valor da importação de substâncias alimentícias e a larga participação dos sectores das matérias-primas, em desproporção com a do sector dos equipamentos;
f) Uma forte concentração geográfica quanto aos mercados abastecedores: localizados na Europa quanto a cerca de 60 por cento do total e representando três mercados fornecedores (Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos) mais de 40 por cento das nossas compras ao estrangeiro.

11. A conjugação destes factores explica a precariedade da nossa posição económica externa.
Na verdade, sabe-se que o grau de domínio de uma economia nacional nas relações económicas internacionais se exprime pela intensidade maior ou menor da influência assimétrica e irreversível que exerce sobre as demais. Tal influência depende, por sua vez, da

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dimensão económica da nação, ou seja, da sua participação maior ou menor na oferta e procura mundiais de mercadorias, serviços e capitais, da natureza mais ou menos estratégica das actividades que exerce e ainda da sua força contratual ou capacidade de negociação.
Ora, não falando já da dimensão económica do País, a concentração dos produtos de exportação, em face da dispersão dos produtos de importação, por um lado, e a natureza predominantemente frágil das exportações, por outro, expõem o nosso comércio esterno a uma particular vulnerabilidade, que é agravada ainda pela concentração geográfica, na medida em que uma parte apreciável cabe a países naturalmente em condições de se aproveitarem da sua maior força económica.
Mas a situação reveste-se ainda de grande delicadeza, em virtude das relações vitais que se estabelecem entre o reduzido número de produtos com exportação significativa e as actividades internas. Basta pensar na posição assumida na economia portuguesa pelas actividades que estão ligadas a esses produtos. O consumo interno de alguns deles não conta praticamente, o que torna as actividades internas inteiramente dependentes das flutuações da procura externa. Sendo mínima a proporção da mão-de-obra que outros incorporam, é extremamente reduzido o trabalho absorvido por virtude do fomento da sua exportação; em contrapartida, tal facto determinará um aumento de rendimentos sob uma forma visivelmente concentrada, o que não é desejável sempre que se tenha em mira mais perfeita integração nacional.
Outros há ainda cuja produção é assinalada por notável rigidez, pelo menos quando se tem em mente o domínio das intervenções humanas. Se a isto se contrapõe, como frequentemente acontece, uma reduzida elasticidade da sua procura, poder-se-á assistir a sensíveis flutuações dos preços, agravadas em muitos casos por actividades especulativas e variações não compensadoras dos stocks.

12. À situação é ainda afectada desfavoravelmente na medida em que se assiste a uma deterioração das razões de troca, particularmente visível no nosso comércio com a zona europeia.
Tal facto prende-se, não só com a variação dos preços dos produtos importados e exportados, que teima em nos ser desfavorável, mas ainda com a evolução da composição da nossa importação e exportação.
Com efeito, enquanto a primeira tende a incluir quantidades crescentes de produtos manufacturados, a última vê reforçada a posição de matérias-primas e outros produtos. que incorporam reduzida mão-de-obra. Considerada a percentagem do nosso comércio externo relativamente ao rendimento nacional, o significado do fenómeno toma-se bem patente. Sob um ponto de vista puramente financeiro, escapa-se-nos um benefício que não exigiria qualquer contrapartida no futuro, restringindo-se o espaço internacional aberto à expansão nacional.
Tudo, no fim de contas, a concorrer para que a situação da balança de pagamentos se apresente como factor dominante da economia do nosso país. Dada a sua instabilidade, a preservação do equilíbrio económico interno requer, como é natural, a manutenção de vastas reservas de moeda estrangeira. Só assim, embora com manifesto sacrifício da capacidade de manobra em matéria de moeda e crédito, poderão ser preservados os níveis de consumo.

13. Muito embora esta situação se traduza numa constante ameaça de instabilidade para a economia nacional, não é de admitir que a curto prazo ela possa vir a modificar-se de forma sensível. Efectivamente, a composição das trocas só pode variar dentro de limites que em cada momento são impostos pela estrutura económica interna. Acresce que, dentro de tais limites, a parte activa do fluxo das trocas (exportações) depende da nossa capacidade de negociar e de concorrer, entendida a primeira como a possibilidade de nos apresentarmos no mercado de um país pelo menos na situação de contratante idêntica à dele (garantias de qualidade, de constância dos fornecimentos, de certas vantagens das trocas com esse país, etc.) e a última como a possibilidade de competir com êxito no mercado externo (para produtos qualitativamente idênticos, preços pelo menos iguais aos dos concorrentes).
Não se escondem as dificuldades que o problema comporta, já que o reforço da nossa situação externa pela melhoria sensível da capacidade de concorrer e de negociar exigirá em muitos casos alteração profunda de métodos comerciais e produtivos, que são simples reflexo da estrutura económica actual.
No entanto, o problema é tanto mais premente quanto é certo que se acentua a liberação das trocas e se esboça em alguns países um vasto movimento no sentido da automatização de numerosos processos de fabrico. Daí a magnitude da tarefa a exigir da produção e comércio no sentido de, pelo seu próprio esforço, explorarem o terreno mais vasto e prometedor que agora se lhes oferece, sabido como é que nesse terreno a acção governativa não pode suprir a incapacidade ou desorganização da actividade particular.

14. Mas o problema pode ser atacado ainda por um ângulo diferente. Pois, mau grado nosso, não se vê que o excesso de importações a que os anos nos habituaram seja a concomitante natural de determinada fase do ciclo ou o resultado de perturbações estruturais ou monetárias destinadas a desaparecer dentro de curto prazo. Tudo leva a crer, pelo contrário, que se está em presença de um aspecto do problema da produção, de âmbito muito mais vasto, isto é, da incapacidade em que o País se encontra de, pró tempore, assegurar um nível de vida modesto mas saudável a uma população em contínuo crescimento. Com efeito, quaisquer que sejam os verdadeiros números, ninguém contestará o baixo valor per capita do rendimento nacional, a reflectir uma industrialização incipiente e nem sempre bem estruturada, o peso de uma agricultura de fraca produtividade e ainda, em numerosos casos, a hipertrofia de actividades comerciais igualmente pouco produtivas, quando não simplesmente parasitárias.
Os diferentes indicadores que traduzem a evolução do nosso comércio externo proclamam a necessidade de activar o fomento da produção, em particular da que mais rápida influência possa ter na balança de pagamentos, pois só assim a acção económica, libertando-se do espectro paralisante do desequilíbrio, poderá conduzir a uma mais ampla satisfação das necessidades. Paralelamente, o reforço da posição externa impõe a diversificação das exportações e a conquista de novos mercados.
A primeira, além de permitir uma neutralização de riscos e fortalecimento do poder contratual, é o único meio prático de dotar a oferta de uma flexibilidade que constitui condição de sucesso no aproveitamento das melhores oportunidades. A última, por seu turno, supondo uma adequada organização comercial ao serviço a colocação dos nossos produtos no estrangeiro, é igualmente passo necessário para a obtenção de uma melhor posição contratual e eliminação de flutuações bruscas dos montantes vendidos.
Equivale isto a dizer que só uma correcção da estrutura económica do País permitirá a elevação do nível

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de vida da nossa gente, apontando igualmente o caminho para a resolução dos problemas suscitados pela sua posição externa. Produzindo mais, e em melhores condições de eficiência, diversificando a produção e reintegrando as actividades comerciais na sua função específica, será possível inserindo-nos na senda do verdadeiro progresso e, pondo de lado questões de repartição, proporcionar a toda a gente condições de melhor e menos incerta existência material.

15. Um aperfeiçoamento da estrutura implica uma alteração estrutural, da mesma forma que uma alteração estrutural postula um aperfeiçoamento da estrutura. O aperfeiçoamento e a alteração da estrutura são governados por elementos de interdependência económica, existindo uma relação orgânica entre eles. Um e outro pertencem à essência do processo de desenvolvimento económico.
O que acontece é que a história económica nos mostra a existência de países em que o desenvolvimento se processou naturalmente, permanecendo os governos totalmente estranhos ao fenómeno. Tal situação é retratada no modelo schumpeteriano do desenvolvimento económico, em que o principal impulsionador do progresso é o empresário individual.
Ao levar a efeito inovações, ele não é motivado pelo desejo de elevar o nível geral do consumo, mas sim, e apenas, o volume dos seus lucros; para tanto não lhe resta outro processo que não seja a melhoria das condições de oferta. Naturalmente, os ganhos do progresso canalizavam-se para os lucros e foi precisamente a desigual repartição de rendimentos, assim gerada, que tornou possível a acumulação de grandes poupanças, a efectivação de avultados investimentos e um aumento sensível da produção.
Quando mais tarde as organizações operárias se tornaram suficientemente fortes para fazer valer as suas reivindicações e os governos multiplicaram as suas incursões no domínio do económico e do social, décadas e décadas de acumulação de capital possibilitavam um volume de produção bastante para satisfazer a maior parte das exigências. Em muitos casos, a satisfação destas exigências, estimulando a procura, era mesmo condição indispensável para a manutenção do ritmo de desenvolvimento.

16. Em nossos dias, sobretudo nos países que convencionalmente se designam por subdesenvolvidos, o progresso económico tende a processar-se em moldes completamente diferentes. Já não estamos em face do empresário individual a aumentar a oferta de bens por via da aplicação de técnicas revolucionárias - o modelo primitivo do desenvolvimento -, mas do problema defrontado por governos que tentam dar efectivação ao desejo de um maior consumo mediante a adopção de novas técnicas oriundas de outros países.
Neste mundo não schumpeteriano, as comparações dos vários níveis de vida, das maiores ou menores facilidades que cada nação desfruta, são ponto de partida frequente para se aquilatar do valor político de um governo ou de um regime. Não surpreende, portanto, que o desenvolvimento económico se transforme num problema de governo e que, em nome de conveniências políticas, muitas vezes se ignorem ou finjam ignorar exigências técnicas. Sucede assim, por exemplo, quando, com inteiro olvido dos ensinamentos do passado, se insinua que a transição da pobreza para a relativa abastança é problema resolúvel em períodos curtos.

17. Pertence a cada país elaborar o seu próprio plano de desenvolvimento e organizar a sua execução. O plano é a forma concreta de levar a cabo uma política de desenvolvimento; como tal, para além do seu enquadramento rigoroso num conjunto mais geral e interdependente, reclama a fixação de princípios que o orientem e lhe dêem consistência.
Isto mostra imediatamente que um programa de desenvolvimento não é um mero somatório de projectos individuais, ainda que cada um deles, considerado isoladamente, possa ser tecnicamente correcto.
Um programa é essencialmente um acto de ordem, em que se estabelece uma clara e razoável relação entre os meios ou recursos disponíveis, os objectivos prosseguidos e as diferentes formas por que deve operar-se com aqueles meios. E é também um acto de previsão, posto que essa relação se não estabelece apenas no presente, antes se examinam também os recursos prováveis, as necessidades e os processos da sua satisfação num período de tempo suficientemente extenso para conseguir a devida sucessão de medidas e projectos que, não podendo realizar-se de forma simultânea, são indispensáveis para eliminar certos obstáculos que se opõem ao desenvolvimento regular de um país.
Mas a vontade reformadora não pode construir no vácuo: é preciso que se utilize forças e recursos realmente existentes. Equivale isto a afirmar que a natureza do programa, sua amplitude e ritmo, devem condicionar-se sempre às possibilidades do meio. Daí a natural necessidade de cada país se conhecer a si próprio, não apenas sob o aspecto da disponibilidade, actual ou potencial, de recintos produtivos, mas ainda pelo que se refere à índole e espírito de empreendimento da sua gente, estrutura social, quantidade e qualidade dos quadros de que dispõe.

18. Sob este aspecto, e para além do muito que se tenha feito, a situação dos países escassamente desenvolvidos é, em muitos casos, francamente desanimadora. A sua organização estatística mostra-se ainda predominantemente orientada para fins de pura administração, só em medida reduzida, e sempre com margem para largas dúvidas, fornecendo elementos significativos. Acontece assim, por exemplo, com as estatísticas que servem de base às estimativas do rendimento nacional, quase sempre compiladas com outros objectivos, ou meros subprodutos da actividade administrativa do Estado.
Aliás, a organização económica e social deste tipo de países dificilmente consente a adopção de métodos estatísticos hoje largamente utilizados nos países economicamente mais evoluídos, fazendo avultar ainda mais a precariedade dos elementos obtidos.
A grandeza desta dificuldade será mais facilmente apreendida se se disser que as estatísticas do rendimento nacional dos Estados Unidos enfermam de um erro provável de 10 por cento. Por outro lado. um estudo do Departamento da Agricultura deste país chegou à conclusão de que os rendimentos monetários dos agricultores americanos deveriam ser aumentados em dois terços a fim de se obter uma verdadeira medida do seu rendimento e torná-lo comparável com o dos operários das cidades.
Isto passa-se nos Estados Unidos, onde, no dizer exagerado, mas expressivo, de Charles Morgan, a vida é estatística sem fim.

19. Entretanto, a orientação a dar ao processo de desenvolvimento encontra-se em estrita dependência do conhecimento rigoroso não só da entidade e natureza dos recursos produtivos actuais e potenciais, mas ainda do ambiente sócio-económico em que aquele processo se há-de desenvolver.
De modo semelhante, o ritmo ou velocidade a imprimir ao desenvolvimento terá sempre de ser equa-

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cionado com aquilo a que se poderia chamar forças de frenagem e forças de aceleração. Na verdade, a rapidez do desenvolvimento depende, em última análise, da natureza e amplitude dos obstáculos existentes num momento dado, bem como da oportunidade e eficácia das medidas tomadas para os transpor.
Escudando-nos em recente publicação das Nações Unidos, poderiam citar-se numerosos exemplos de países que, lançados em programas demasiado ambiciosos, foram guiados unicamente pelo desejo de se industrializarem e que não tinham reunido senão ensinamentos manifestamente insuficientes sobre o conjunto de factores técnicos, sociais e económicos de que depende, na sua maior parte, o sucesso dos programas em questão.
Em tais condições, o resultado não podia deixar de ser uma colheita de amargas desilusões.

20. A boa organização do desenvolvimento económico depende essencialmente do equilíbrio de três sectores da economia: a agricultura, a indústria secundária e os serviços e instalações de interesse comum.
Sem se negar o flagrante interesse em apressar a industrialização, pondera-se que há importantes razões para fazer ao mesmo tempo um vigoroso esforço no sentido de aumentar a produtividade da agricultura.
Na verdade, por mais rapidamente que a industrialização se processe, a grande mansa da população trabalhadora permanecerá durante décadas ou gerações empregada na agricultura, determinando-se o nível de vida dos rurais pela sua produtividade naquele sector.
Ora, não só o montante dos rendimentos provenientes da agricultura constitui o principal factor do que depende a extensão do mercado industrial, como ainda há necessidade, através de um planeamento regional adequado, de fomentar gradualmente o aumento da produção agrícola com uma mão-de-obra mais reduzida.
Só assim se poderá fazer face às necessidades de uma indústria em contínua expansão, melhorar a nossa posição externa (na medida em que dependa de uma redução da importação de produtos alimentares, por exemplo), satisfazer, em suma, a maior procura de alimentos que a esperada melhoria de rendimentos não deixará de suscitar, atentos os baixos padrões actuais de nutrição.
Uma expansão demasiado rápida e desequilibrada do sector industrial, desacompanhada de transformações complementares no sector agrícola, daria inevitavelmente lugar a fenómenos que, a longo prazo, retardariam o desenvolvimento económico; queremos referir-nos ao desequilíbrio da balança de pagamentos, à inflação, urbanismo excessivo e subversão da estrutura social tradicional.

21. A industrialização é um processo de criação contínua e, por esta via, ela encontra-se ligada de maneira orgânica ao património económico e social, cujo desenvolvimento se deve efectuar paralelamente. A cadência do desenvolvimento pode variar consideràvelmente de país para país, mas jamais se poderão romper os laços orgânicos estreitos que ligam a indústria ao mercado da oferta dos factores da produção e da procura de artigos manufacturados.
Pois, mesmo mais tarde, quando as indústrias se tenham multiplicado e a mão-de-obra industrial passe a representar uma proporção maior da população activa, torna-se imperioso que as indústrias secundárias se desenvolvam de maneira equilibrada. E necessário que, em cada estádio, o fornecimento da energia, as comunicações e os transportes, bem como os serviços comerciais e financeiros conexos, cresçam paralelamente.
O que se acaba de expor leva a considerar a industrialização como parte do processo geral de desenvolvimento económico. Não se elabora um plano de industrialização num espaço económico vazio: é preciso articulá-lo, entre outros, com os planos de desenvolvimento da agricultura, das indústrias extractivas, dos transportes e da energia. Ela é parte integrante de uma expansão de tipo orgânico, cuja característica essencial reside na dependência mútua dos sectores interessados. Mas a necessidade de fazer progredir os diferentes sectores da economia a uma cadência quase uniforme, a fim de se evitarem distorções inconvenientes e se assegurar a continuidade do processo, tende inevitavelmente a diminuir a velocidade do desenvolvimento económico.

22. Sob um ponto de vista económico, o problema básico dos países menos desenvolvidos é o de canalizar mais recursos para a realização de despesas geradoras de desenvolvimento. Tais despesas são, em larga medida, representadas pelo que convencionalmente se chama investimento.
Mas aqui, como em toda a parte, a compreensão do exacto significado dos conceitos reveste-se da maior importância. Por isso, importa fixar desde já que a noção de investimento comummente adoptada para fins de análise do rendimento nacional se revela demasiado estreita quando transposta para a análise dos problemas de desenvolvimento, mormente no tipo de países de que nos ocupamos. Efectivamente, aquilo de que nós precisamos é de um investimento que possa ser funcionalmente relacionado com um aumento da capacidade produtiva.
Simplesmente, se o significado essencial do investimento é a afectação de recursos com o objectivo de aumentar o nível da produção, então, aplicado às áreas subdesenvolvidas, o termo abarca, necessariamente, não apenas a formação de capital fixo, mas ainda despesas em serviços de saúde, formação técnica, instrução, investigação, aquisição de melhores sementes e muitas outras.
No estádio actual do seu desenvolvimento, a eliminação do analfabetismo ou das endemias, a melhoria dos serviços do ensino em geral ou o combate às doenças debilitantes podem contribuir mais decisivamente para a elevação das capitações do rendimento real do que a instalação de novas fábricas ou os acréscimos do equipamento.
A sua utilidade difunde-se no organismo económico, aumentando a sua vitalidade e capacidade de trabalho útil. Mas convém nunca esquecer que elas geram simultaneamente um problema de a contabilidades intertemporais», isto é, oneram o futuro com um encargo que a economia do País deverá poder suportar sem prejuízo do seu progresso; acontece assim na medida em que as despesas provenientes dos serviços criados tenham de ser cobertas pela via orçamental.

23. Quando se procura aumentar o fluxo do investimento, entendido no sentido lato que acabamos de apontar, surgem normalmente novos obstáculos à aceleração do ritmo do processo de desenvolvimento. Entre eles destaca-se desde logo a dificuldade que presumivelmente se virá a encontrar no financiamento do investimento adicional reputado indispensável. Pois, pondo de lado a melhoria das razões de troca internacionais e a possível obtenção de créditos ou auxílios externos, e admitindo que se tomaram as providências requeridas para uma satisfatória mobilização da poupança disponível, só resta a solução de restringir o consumo ou aquelas despesas de investimento que não contribuam substancialmente para o reforço da capacidade produtiva.
A primeira das alternativas, para além dos perigos de ordem política que comporta, pode revelar-se pouco

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frutuosa, por virtude da exiguidade das capitações de rendimento real; por razões óbvias, a improdutividade da segunda é ainda mais vincada.
Repare-se, porém, que só faz sentido falar em escassez da poupança voluntária quando ela for confrontada com a procura actual de fundos de investimento ou com uma procura planeada em ordem a considerações puramente normativas. Tratando-se, no comum dos casos, de um déficit planeado, isto equivale a deslocar o problema no sentido da averiguação dos factores limitativos da procura de fundos de investimento.
A questão não pode ser equacionada em termos simples, pois, para além da mentalidade, do espírito de iniciativa e capacidade de empreendimento de cada povo, prende-se estreitamente com todas as considerações atinentes à rentabilidade do investimento. Destaque-se desde já, numa linha de pensamento que vai sendo tradicional, a exiguidade do mercado, consequência na sua maior parte do baixo nível do rendimento, do modo como este se reparte e da falta de homogeneidade que revela.

24. A aceleração do processo de desenvolvimento, promovida pelos governos, tem no fomento e selecção do investimento o seu ponto fulcral.
Problema básico é o da avaliação do montante de recursos escassos que serão actualmente requeridos por tipos alternativos de investimento. Como é óbvio, tais exigências variam, não apenas de sector para sector, mas ainda consoante a fase do desenvolvimento.
Depois, haverá que encontrar um critério orientador que presida à selecção dos investimentos. Sob este aspecto, o sistema de preços enferma de defeitos graves, particularmente em países que se encontram num estádio pré-industrial.
Pois, não falando mesmo das suas deficiências tradicionais, ele não toma na devida consideração a existência de um desequilíbrio estrutural na utilização dos factores produtivos, com trabalho muitas vezes subempregado, nem a interconexão dos sectores produtivos, por virtude da qual o investimento num deles pode tornar mais vantajoso o investimento noutros. Estes dois factores, aliados à melhoria da composição qualitativa e quantitativa das trocas externas, devem influenciar o montante óptimo e a composição do investimento em qualquer programa de desenvolvimento.
Mas nada inculca que as exigências do crescimento económico em geral se harmonizem com as conveniências de cada empresário. A este só lhe interessa reduzir o mais possível o seu custo de produção e aumentar o lucro; para ele é consideração acessória, ou até sem importância, a forma por que, a fim de lograr esse objectivo, se combinam o aumento da produção e a redução de mão-de-obra por unidade de capital. Na verdade, ainda que por via disso haja desemprego tecnológico e os desempregados não possam ser reabsorvidos por falta de capital, o empresário terá conseguido, apesar de tudo, aumentar o seu lucro.
Esta contradição entre o interesse pessoal e o que se reputa dever social - fenómeno, de resto, muito vulgar em economia dirigida - encontra-se na origem da proliferação de licenciamentos e condicionamentos de toda a ordem.

25. Mas este é simplesmente o lado negativo do problema. Não basta, porém, desviar os capitais de determinadas aplicações: torna-se indispensável solicitá-los para outras.
Por isso, os governos de quase todos os países subdesenvolvidos tendem a favorecer a expansão de determinadas actividades, ainda que, na prática, a natureza e o alcance das medidas adoptadas variem sensivelmente de país para país.
Há, por um lado, governos cuja ajuda se limita à promulgação de uma legislação destinada a criar um clima propício ao investimento privado; outros, pelo contrário, assumem eles próprios todo o encargo do investimento na indústria.
Entre estes dois extremos situa-se a maioria dos governos, que, participando na exploração de um número limitado de empresas, consideradas particularmente importantes para o país, preferem auxiliar o desenvolvimento económico promulgando uma extensa legislação relativa não somente ao regime fiscal e aduaneiro, mas ainda ao crédito e à regularização do mercado dos capitais.

26. É esta a orientação seguida no nosso país. De há muito que o Governo vem auxiliando a instalação de indústrias de reconhecida importância nacional, mediante a concessão de créditos, isenção de direitos de importação sobre máquinas e outros materiais necessários à sua instalação, isenção de impostos do Estado e dos corpos administrativos, exclusivos, draubaques, importações temporárias e direitos de importação. E anuncia-se para breve, não ao uma ampla reorganização do sistema de crédito, suprindo deficiências tradicionais do financiamento a médio e longo prazo e facilitando a criação de novas empresas, como ainda a concessão de novos e dilatados favores fiscais numa vasta área do sector industrial não abrangida directamente pelo Plano de Fomento em curso de execução.

27. A utilização dos incentivos fiscais depara, porém, com limitações óbvias, pela perda de receitas que ocasiona e pelas exigências do princípio de justiça na repartição dos encargos tributários.
As dificuldades originam-se não apenas na escolha do critério de selecção dos empreendimentos a favorecer, mas ainda na estrutura actual do nosso sistema fiscal. Particularmente, em matéria de contribuição industrial, a variedade de critérios de determinação da matéria colectável é de molde a provocar forte discriminação contra certos sectores, nem sempre aqueles dos quais conviria desviar a massa dos capitais.
Esta discriminação, que umas vezes resulta da própria estrutura do sistema, deriva em outros casos da maneira como administrativamente se decide aplicar determinados preceitos legais (tem-se em mente, neste momento, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38 492, de 7 de Novembro de 1951, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 39 102, de 10 de Fevereiro de 1953).
Mas, em matéria de discriminações que podem actuar em sentido contrário ao objectivo visado com os incentivos fiscais, convirá referir ainda o que se passa com a nossa previdência social.
Dada a grandeza dos encargos que ela impõe a determinados sectores da produção, encargos proporcionais, dentro de largos limites, ao volume de mão-de-obra utilizada e que, portanto, não correspondem nem sequer de maneira aproximada ao volume de lucros, é inegável que se penalizam severamente as empresas que mais podem contribuir para a eliminação do subemprego que aflige a economia do País.
E nem se pode argumentar com a possibilidade de as empresas repercutirem este encargo, pois, a verificasse tal hipótese, e tendo em consideração a produtividade média da grande massa dos nossos trabalhadores, não se sabe a quanto ficarão reduzidos salários reais que toda a gente classifica de muito baixos. Se a primeira alternativa é susceptível de afectar desfavoravelmente o investimento, a última não deixaria de

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comprometer, pelo menos durante um largo período, o poder de compra dos grupos de menores rendimentos, ou seja, doe que acusam maior propensão ao consumo.

28. Como quer que estas dificuldades venham a ser resolvidas, outras subsistem que complicam singularmente a utilização dos incentivos fiscais e condicionam a sua eficácia.
Uma delas diz respeito à actuação do princípio do multiplicador nos países menos desenvolvidos. Efectivamente, dada a sua estrutura económica, assinalada por marcada desproporção na oferta dos factores produtivos, pode ser muito difícil aumentar a produção total em períodos curtos.
Depois os rendimentos derivados do maior investimento podem chegar às mãos de pessoas que prefiram aumentar o consumo de bens que elas próprias produzem a aumentar os seus gastos em bens comprados a outras empresas, quebrando-se por tal forma a sequência do multiplicador.
Paradoxalmente, o predomínio da agricultura, a falta de equipamento e de um adequado nível técnico, a existência de desemprego oculto, da empresa familiar, da produção para consumo doméstico tudo características dos países subdesenvolvidos criam condições análogas, sob muitos aspectos, às do pleno emprego.
Acresce, de resto, que, enquanto os ganhos em divisas são, em regra, independentes da taxa de crescimento, as importações tendem a variar directamente com ela. Mas as importações são uma filtração do circuito do rendimento, indo estimulá-lo, bem como ao emprego, em outros países.
Nestas circunstâncias, o multiplicador dos rendimentos não pode deixar de ter um valor explicativo muito reduzido, revestindo-se de uma importância excepcional a escolha do campo de investimento. Nem admira que assim seja, já que, gerando o investimento simultaneamente capacidade e rendimento, o curso normal do processo de desenvolvimento pressupõe a existência de uma relação adequada entre aqueles dois elementos.

29. Simplesmente, ainda que fosse possível canalizar grandes somas para o desenvolvimento, sem prejuízo do equilíbrio económico interno e externo, nem redução draconiana dos consumos, mesmo em tal hipótese a capacidade de absorção de capital pode revelar-se francamente limitada. Sucede assim porque, ao contrário do que poderia supor-se, a principal riqueza doa países economicamente mais desenvolvidos não é constituída pelo seu equipamento material; é antes a soma de conhecimentos acumulados na sequência de experiências concludentes, a aptidão da população para utilizar eficazmente estes conhecimentos e a formação que a coloca em situação de o fazer.
Assim, ao lado de uma infra-estrutura material, torna-se indispensável e urgente criar e consolidar nos países menos desenvolvidos uma infra-estrutura humana, se nos é lícito empregar tal expressão, capaz de fazer germinar as sementes do progresso. A necessidade é tanto mais instante quanto é certo que o processo cumulativo do desenvolvimento nunca poderá obter real vigor, a não ser que depressa suscite esperanças e capture a imaginação e fidelidade dos povos.
Há, pois, uma forma de investimento que, não reclamando capitais muito importantes, nem pesando sobre a situação financeira, permitirá um aumento sensível da produção. Este investimento é em grande parte psicológico. Ele consiste em desenvolver no País o espírito de empresa e a vontade de organização, em combater as concepções estáticas e as palavras de ordem maltusianas, em difundir o sentido da produtividade.

30. O problema do desenvolvimento económico apresenta-se-nos hoje em moldes completamente diferentes daqueles que caracterizaram a expansão dos países hoje situados em estádio mais avançado.
Aqui, o progresso operou-se ao longo de décadas de desenvolvimento da indústria, agricultura e comércio, durante as quais se formou uma classe de empresários preparados moral, intelectual e tecnicamente para explorar as possibilidades e as novidades que se lhes apresentavam. Ao mesmo tempo, foi-se processando, lenta mas continuamente, uma evolução da mentalidade, costumes e instituições que, eliminando forças de frenagem, dava novo vigor ou, pelo menos, não interferia com a autopropulsão do movimento.
Nos países menos desenvolvidos o panorama é substancialmente diverso. Pois, para começar, depara-se logo com uma desoladora falta de empresários e dirigentes de empresas que, mediante o investimento, transformem recursos potencialmente disponíveis em adições ao stock de capital. Acontece assim, por um lado, porque o clima económico e social destes países não estimula grandemente a promoção de actividades industriais e comerciais por parte das pessoas qualificadas, nem é, tão-pouco, favorável à formação de tais pessoas. Por outro, ainda que se disponha de um número suficiente de elementos qualificados, a tarefa do empresário num país de economia pré-industrial é extremamente árdua.

31. Este condicionalismo é imputável a diferentes factores. Primeiro, as actividades industriais e comerciais são objecto de uma depreciação mais ou menos pronunciada em determinados estratos da sociedade; os interessados reagem dirigindo os seus filhos para actividades ou carreiras que se supõe concederem maior prestígio social, mas que em pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento económico do País.
Depois, as aptidões para lançar e dirigir empresas são, regra geral, inatas e desenvolvem-se com a experiência adquirida. Os homens aprendem administração participando nela e só à medida que a economia se desenvolve pode aumentar o número de dirigentes qualificados.
Por último, a falta de investigação económica e técnica é de molde a dificultar a função do empresário. Sugere-se como remédio uma investigação promovida pelo Governo, mas o certo é que esta não pode só por si lançar uma ponte entre uma ideia e a sua execução, pois as ideias raramente surgem quando há um vácuo em matéria de conhecimento e de experiência.
Na ausência dos ensinamentos que só uma longa tradição industrial poderia fornecer, toma-se muitas vezes para modelo uma outra empresa já existente e, quando esta não existe, as empresas são organizadas sem uma adequada consideração do custo por que hão-de vir a produzir.
A falta de conhecimento ou de experiência, não só torna difícil a descoberta e aproveitamento das oportunidades, como ainda é responsável pela imperfeita idealização e execução dos planos. A incerteza inerente a todo o investimento, acentuada neste caso pela falta de experiência e pelas condições peculiares do mercado dos factores de produção, leva o empresário a sobreavaliar os riscos do investimento industrial, em confronto com outras alternativas.
O facto é responsável em boa medida pelo desvio dos capitais particulares para o que convencionalmente, embora sem grande rigor, se qualifica de investimento improdutivo ou especulativo.

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Por aqui se vê que não é apenas a falta de capital que afecta desfavoravelmente o investimento privado. Este sofre igualmente as consequências da falta de empresários qualificados e das dificuldades inerentes à sua realização nos países menos desenvolvidos, mormente na medida em que seja improvável assegurar o autofinanciamento. E não basta, como é óbvio, que o Estado assuma o papel de empresário, pois subsistirá sempre a falta do pessoal de direcção.

32. À intervenção do Estado na economia tem carácter excepcional, uma vez que as leis fundamentais do País reconhecem na iniciativa privada, sob a orientação da organização corporativa, o instrumento essencial do progresso económico.
A necessidade de investir somas muito elevadas, que a presença do Estado pode afoitar, e a indispensável vantagem em dar incentivo e exemplo criaram ao Governo a alternativa ou de aguardar que os particulares tomassem a direcção requerida pelo interesse geral ou de tomar a iniciativa de empreendimentos que, em circunstâncias normais, ficariam estranhos à actividade estadual.
Foi assim que, para além das grandes realizações em matéria de habitação, saúde, comunicações, transportes, irrigação, repovoamento florestal e tantas outras, o Governo chamou a si parte decisiva na instalação de certas indústrias básicas - adubos, cimentos, energia eléctrica, siderurgia e celulose.
Quer dizer: permanecer-se fiel u orientação tradicional, segundo a qual os governos não devem intervir directamente no domínio industrial senão quando a importância das empresas ou as dificuldades técnicas suscitadas pelo seu funcionamento, bem como a impossibilidade de produzirem lucros imediatos, desencoragem o investimento privado.
Trabalhou-se primeiro no equipamento-base e na criação de uma infra-estrutura adequada, relegando-se para mais tarde a satisfação do consumo. Contava-se que este tivesse a paciência de esperar, encontrando no futuro a recompensa da sua sabedoria. Não se terá, porventura, considerado que a interconexão existente entre o lado capacidade e o lado rendimento de todo o processo de desenvolvimento faz depender o sucesso desta orientação da natureza e amplitude da reacção do mundo dos negócios às solicitações governamentais.

33. Sem prejuízo do muito que há a fazer no reforço e aperfeiçoamento daquela infra-estrutura, o aproveitamento do já feito impõe um vigoroso esforço no sentido de se aumentar a produtividade na agricultura, ampliar e modernizar as indústrias de transformação e melhorar o sector da distribuição.
Simplesmente, quanto mais nos aproximamos do consumidor final mais indispensável se torna entrar em linha de conta com indústrias e comércios dispersos. Nestes termos, não se afigura possível empregar, em semelhante estádio de desenvolvimento, métodos que eram válidos para as empresas concentradas dos sectores-base. Múltiplos são os incentivos que o Estado pode utilizar em tal sector. Mas na tarefa de adaptação às necessidades infinitamente diversificadas do consumo nada pode substituir n maleabilidade da iniciativa privada.
Por tal razão, a cadência a imprimir ao desenvolvimento dependerá, em última análise, do eco que encontrarem em cada um de nós os estímulos e encorajamentos do Governo, das energias que despertarem, das iniciativas que suscitarem. Para tanto, impõe-se uma mobilização das vontades, uma congregação de esforços e, se tanto for preciso, que cada um reexamine a sua forma de compreender a vida e de actuar no mundo.
De contrário, como já se escreveu um dia, «correremos o risco de aparecer como braços desocupados num mundo novo que nos não entende».

III

Exame na especialidade

I

Autorização geral

ARTIGO 1.º

«É o Governo autorizado a arrecadar em 1957 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano».

34. Não requer qualquer esclarecimento nem suscita nenhum reparo a redacção deste preceito fundamental, aliás delineado em perfeita consonância com o deposto no n.º 4.º do artigo 91.º da Constituição Política. De resto, este artigo reproduz literalmente disposições correspondentes das leis de autorização anteriores.

Artigo 2.º

«Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos o os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas déspotas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados».

35. A redacção adoptada filia-se numa sugestão desta Câmara, feita aquando da apreciação da proposta de lei de autorização para 1951, mantendo-se desde essa data sem qualquer alteração. Embora o preceito possa suscitar algumas dúvidas, a Câmara Corporativa continua a entender que não há vantagem na sua modificação enquanto não for feita, com o rigor possível, a classificação e caracterização dos serviços que, pela sua natureza e exigências especiais, mereçam este tratamento excepcional.

ARTIGO 3.º

«O Governo tomará as medidas que, em matéria de despesas públicas, se tornem necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria».

36. Embora com redacção diferente, este preceito reproduz o que de fundamental se continha nas disposições correspondentes de leis de autorização anteriores. Suprime-se pela primeira vez, a especificação das providencias de que o Ministro das Finanças poderia lançar mão em ordem a. assegurar o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria. Tais providências incluíam a redução das excepções ao regime de duodécimos, a restrição da concessão de fundos permanentes e do seu quantitativo, a limitação das requisições por conta de verbas inscritas no orçamento dos serviços autónomos e com autonomia administrativa, bem como a adopção de medidas especiais, de acordo com as exigências da economia pública, por forma a obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados ou comparticipados.

37. A razão de ser desta alteração, bem como da designação do capítulo, consta do relatório que acompanha

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a proposta. Segundo aí se lê, o equilíbrio financeiro - alicerce de um ressurgimento ansiado e vivido -, para além de objectivo permanente, é hoje lei fundamental da Nação, por isso que inscrito no texto constitucional. O Governo não pode apresentar-se a solicitar autorização para garantir o equilíbrio: tem de garanti-lo necessariamente. Na lógica deste raciocínio, o artigo 3.º também se não justificaria, pois, sendo a criação de impostos matéria de lei, o Governo está automaticamente obrigado por força da Constituição a adoptar no campo das reduções das despesas as medidas necessárias à garantia do equilíbrio.
Esta justificação vem demonstrar, uma vez mais, que a lógica não fornece qualquer protecção contra a falta de rigor das premissas.
Em primeiro lugar, o artigo 66.º da Constituição Política limita-se a preceituar que o orçamento deve consignar os recursos indispensáveis para a cobertura das despesas totais. Trata-se aqui manifestamente do equilíbrio orçamental, de algo que, em última análise, e sob certo aspecto, não pode deixar de acontecer. Identificar o equilíbrio financeiro com o equilíbrio orçamental é restringir inutilmente o significado e alcance do primeiro.
Depois, também não é pacífica a opinião de que tenha sido o equilíbrio orçamental o alicerce do nosso ressurgimento. Pois, como já um dia se escreveu, o problema financeiro, além do equilíbrio das contas, abrangia a repartição dos impostos, a regularização da dívida pública, as taxas de juro, as reservas monetárias, a estabilidade e solidez do valor da moeda, a distribuição e mobilidade do crédito, a dotação eficiente dos serviços públicos, a própria ordem da Administração. Como se vê, na base do ressurgimento parece encontrar-se um equilíbrio financeiro em sentido extremamente lato.
Por último, também se não alcança que o artigo 3.º mesmo na sua redacção actual, careça de justificação, como aliás se insinua no já citado relatório. Na verdade, se o Governo deve tomar as medidas necessárias, em matéria de despesas, para garantir o regular provimento da tesouraria, tal facto inculca uma determinada orientação no que respeita à dívida flutuante, ou seja, quanto à aplicação do § único do artigo 67.º da Constituição Política.

II

Política fiscal

ARTIGO 4.º

«As taxas da contribuição predial no ano de 1957 serão de 10,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios rústicos, salvo, quanto a estes, nos concelhos em que já vigorem matrizes cadastrais, onde a taxa será e 10 por cento».

38. A fixação anual da taxa da contribuição predial origina-se no artigo 25.º do Código da Contribuição Predial de 1913 e explica-se pela imperfeição e desactualização das matrizes prediais. A necessidade de salvaguardar os interesses fiscais e de compensar, mediante a correcção das taxas, as deficiências encontradas na determinação da matéria colectável têm impedido que se confira aquelas a relativa permanência e uniformidade que caracterizam as taxas de outros impostos. Não se entrevê uma solução, a curto prazo, deste problema, mormente no que se refere às matrizes rústicas. Ela depende da cadência que for possível imprimir à elaboração e actualização do cadastro, sendo certo que a natureza deste trabalho o torna particularmente oneroso e dispendioso. Em face do exposto, e tendo-se alcançado já praticamente a estabilidade da contribuição urbana, esta Câmara nada tem a opor à disposição em análise, aliás mera repetição de preceitos correspondentes de leis de autorização anteriores.

ARTIGO 5.º

«É mantida em 1957 a cobrança do adicionamento ao imposto sobre as sucessões e doações, nos termos constantes do artigo 5.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949».

39. Este artigo vem já de anteriores leis de autorização, só devendo desaparecer destes diplomas com a publicação da reforma do imposto sobre as sucessões e doações. Pronto o projecto de diploma sobre as sucessões, doações e sisa, como se anuncia no relatório do Ministro das Finanças, tudo leva a crer que a sua publicação não demore. Entretanto, a Câmara não tem qualquer reparo a fazer ao preceituado nesta disposição.

ARTIGO 6.º

«O valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos da liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações; os adicionais discriminados nos n.ºs 1.º e 3.º do artigo 6.º do Decreto n.º 35 423, de 29 de Dezembro de 1945; o adicional sobre as colectas da contribuição predial rústica que incidam sobre prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a 1 de Janeiro de 1940, e o adicionamento ao imposto complementar nos casos de acumulações ficarão todos sujeitos no ano de 1957 ao preceituado nos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 8.º do Decreto n.º 38 586, de 29 de Dezembro de 1951».

40. Este preceito é a reprodução do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 2079. Tendo em consideração tal facto e ainda a redacção aprovada pela Assembleia Nacional para idêntico artigo da Lei n.º 2074, esta Câmara nada tem a acrescentar ou esclarecer.

ARTIGO 7.º

c As disposições sobre imposto profissional constantes do artigo 9.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e segundo período do artigo 8.º da Lei n.º 2079, de 21 de Dezembro de 1955, permanecem em vigor».

41. Reproduzindo-se, em última análise, o artigo 8.º da Lei n.º 2079, e tendo o assunto sido objecto de ampla apreciação por parte desta Câmara, nada há a opor à redacção proposta.

ARTIGO 8.º

«Durante o ano de 1957, enquanto não for dada forma legal aos resultados dos estudos atribuídos à comissão a que se refere o artigo 7.º da Lei n.º 2059. de 29 de Dezembro de 1952, fica vedado aos serviços do Estado e aos organismos de coordenação económica ou corporativos criar ou agravar taxas e outras contribuições especiais não escrituradas em receita geral do Estado sem expressa concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer da aludida comissão».

42. Segundo esclarece o relatório da proposta, a uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas aos serviços do Estado e aos organismos de coordenação económica e corporativa era matéria já estudada. A não publicação do respectivo diploma no ano em curso deve-se u recente instituição das corporações, que, por certo, não deixará de influenciar sensivelmente tal matéria. Natural é, pois, que haja necessidade de proceder a novos estudos, e bom seria, dada a interpenetração dos orçamentos pú-

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Micos e para públicos, que aqueles se ampliassem de forma a permitir rigorosa determinação da carga, fiscal e sua distribuição por grupos de rendimentos e de actividades. Entretanto, a Câmara dá o seu acordo à redacção desta disposição, que, aliás, reproduz o artigo 10.º da Lei n.º 2079.

43. O exame conjunto das disposições acabadas de referir revela que a proposta de lei para 1957 não prevê a criação de novas receitas nem o agravamento dos impostos actuais.
Mas tais disposições patenteiam igualmente manifestas deficiências de técnica legislativa - já por diversas vezes apontadas em pareceres desta Câmara - e que só a anunciada reforma fiscal permitirá eliminar. Precisamente sob este aspecto, importa assinalar como facto da mais destacada importância o passo do relatório da proposta que torna públicos os princípios que norteiam o projecto de reforma dos impostos directos. São os seguintes os grandes traços da orientação adoptada:

a) Discriminar os rendimentos segundo as respectivas fontes;
b) Atingir o mais proximamente possível o rendimento real do contribuinte e ajustar convenientemente as taxas dos impostos;
c) Estabelecer a confiança nas relações entre o contribuinte o a Fazenda.

O primeiro princípio consagra a preferência pelos impostos cedulares ou parcelares relativamente ao imposto único sobre o rendimento global. Tendo-se optado, entre nós, desde há muito, pelo sistema dos impostos cedulares - que aliás não envolvem necessariamente uma discriminação de rendimentos em sentido técnico, embora só ele a permitam não se descortina facilmente a medida em que uma tal tomada de posição pode ser olhada como elemento orientador da reforma de um sistema tributário já estruturado. Ponderado este facto, e tendo em atenção a importância relativa do último dos princípios enunciados, formular-se-ão algumas considerações tendentes a realçar o alcance do segundo. A análise restringir-se-á à contribuição industrial, o mais produtivo dos nossos impostos directos.

44. A adopção de um sistema de tributação baseado no rendimento real pressupõe, como é óbvio, a possibilidade da sua determinação. Não vale a pena encarecer as dificuldades desta tarefa -talvez maiores no comércio do que na indústria e o melindre que envolve qualquer regulamentação das taxas de amortização e valores de inventário. O que pode acontecer é que venha a apurar-se que tal determinação só é possível para sectores restritos da actividade económica nacional. Em semelhante emergência haverá que ponderar os efeitos de uma dicotomia de regimes sobre a actividade económica, distribuição dos rendimentos e direcção dos investimentos.
Problema diferente, e igualmente importante, é o de referenciar, neste sistema, a contribuição industrial de determinado ano à actividade desenvolvida nesse mesmo período. Com efeito, supondo que tal não é possível, corre-se o risco de assistir a um desfasamento de considerável amplitude entre a produção do rendimento e a sua tributação. Esta circunstância é de molde a fazer com que o imposto, em lugar de se revelar neutral, compensando inclusivamente as flutuações da conjuntura, tenda a acentuá-las. O facto afigura-se digno do melhor estudo, atentas os suas repercussões sobre a vida e liquidez das empresas.
Valeria ainda a pena determo-nos um momento sobre o tratamento e conceder as perdas suportadas pelas empresas e reflectir também sobre a posição de relativo desfavor em que se encontram os ramos de actividade com rendimentos acentuadamente flutuantes. É preferível, porém, passar a encarar o sistema pela face que lhe é mais favorável. Sob este aspecto, dir-se-á que ele tem francas possibilidades de reforçar a posição do Tesouro. E apenas se acrescenta que esta circunstância, aliada à sua maior flexibilidade, às dificuldades que opõe à repercussão do imposto favorecendo, assim, uma melhor distribuição da carga tributária conferiu ao sistema um prestígio que seria imperdoável ignorar ou tentar menosprezar.

45. Em campo diferente, situa-se um sistema que pretende tributar o rendimento normal da actividade comercial ou industrial. E, naturalmente, não surpreende que a primeira interrogação a aflorar ao espírito diga respeito ao próprio conceito do rendimento normal.
Se a vida das empresas se pudesse reconduzir a um momento, talvez fosse conceitualmente possível recorrer a uma empresa-tipo de sabor marshalliano, ou melhor, a uma multiplicidade de empresas-tipo. Porém, a vida real é marcadamente dinâmica e as empresas não vivem um momento, mas antes uma série indefinida de momentos. Precisamente por esta razão, o que hoje é normal pode não o ser amanhã. Tanto basta, segundo supomos, para se concluir que este sistema é igualmente de aplicação difícil e que exige dos homens o que muitas vezes não estará dentro dos limites das suas possibilidades. Daí, possivelmente, o empirismo, as injustiças relativas e consequente alteração da posição de concorrência de comerciantes que vendem o mesmo artigo ou industriais que confeccionam idêntico produto.
Depois, o imposto passa a ser considerado elemento do custo de produção, perde-se no preço do produto e aí temos o divórcio entre o contribuinte de direito e o contribuinte de facto.
A repercussão do imposto assim operado torna particularmente sensíveis os erros cometidos na sua repartição, é susceptível de acentuar as desigualdades verificadas na distribuição do rendimento e dificulta o controle de qualquer política monetária que se pretenda levar a efeito.

46. O problema é naturalmente mais vasto e complexo. Mas, para além das preferências teóricas - sempre discutíveis - os sistemas avaliam-se em qualquer caso pelos seus resultados, e a estes não poderá ser indiferente o condicionalismo económico-social que serve de suporte à vida terrena dos princípios.
Foi esta, possivelmente, uma das razões que levaram o legislador de 1929 a marcar nítida posição no problema que se discute. Dizia-se, efectivamente, no relatório da comissão encarregada de estudar a reforma tributária:

Nem se afigura indispensável a existência dos lucros líquidos - ainda que normalmente os há - para que exista este imposto (a contribuição industrial). Tanto pode ter a feição de uma participação do Estado nos lucros líquidos da exploração industrial, como funcionar a modo de encargo da indústria no mesmo pé das outras despesas gerais, e pago, como estas, independentemente dos lucros.

Atente-se agora nas seguintes passagens do notável relatório que antecede o Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929:

Em todo o domínio da actividade industrial, andando-se, aliás, atrás do lucro verificado, tem de contentar-se o fisco por fim com um rendimento

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presumirei em condições normais de trabalho de uma indústria, com determinado pessoal e em estabelecimento de certa renda, em certo volume de transacções. O princípio do rendimento real funciona, porém, aqui, exclusivamente contra o Estado, desarmado em face da prova, que a prática demonstra facílima, de que num certo exercício não houve lucros que tributar.

Em outro passo acentua-se:

Há um verdadeiro interesse público em permitir em certo grau a evasão do imposto pelo aumento da produção ou do rendimento acima do que é vulgar - é um estímulo seguro e forte de actividade, de aperfeiçoamento e de progresso: impossível dar este auxílio indirecto aos produtores mais interessantes, se a base da tributação é o rendimento efectivo.

E ainda:

Há vantagem em estimular o produtor menos que médio, obrigando-o a um mínimo de impostos, que por sua vez o force a arrancar do solo ou de qualquer forma de trabalho um mínimo de riqueza, ainda que se não pense em que toda a actividade exercida, sob a protecção do Estado, deve ao Estado: impossível alcançar este objectivo sem imposto independente do rendimento real.

Repare-se, por último, na seguinte passagem do relatório que antecede o Decreto-Lei n.º 20 806, de 18 de Julho de 1936:

O problema não será resolvido pela noção ainda generalizada do imposto como participação do Estado nos lucros, ou, melhor, no rendimento livre da actividade produtora, pois que não é esse hoje o conceito básico da nossa legislação tributária, para a qual o imposto é apenas uma forma de tornar efectivo o custo social da produção nacional: desde que haja, portanto, uma actividade produtora, haverá lugar a cobrança do imposto correspondente.

Permitimo-nos esta longa série de transcrições, não apenas porque a matéria em análise é merecedora de amplo debate, mas ainda por ser esta a melhor maneira de compreender o sentido profundo da reforma projectada.

ARTIGO 9.º

«Fica o Governo autorizado a condicionar, mediante um regime de fiscalização de preços, a protecção pautai concedida a mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem o funcionamento da concorrência efectiva».

47. Abstraindo de considerações de urdem financeira, a restrição das importações fornece um meio de acelerar o processo de crescimento natural de uma economia e de criar a necessária procura para uma indústria doméstica. Sob um ponto de vista puramente técnico, é esta possivelmente a maneira mais simples de criar a procura básica pura a nova indústria.
O consequente aumento do preço interno dos produtos fornece o subsídio necessário, por modo que não envolve nem tributação directa nem dispêndio actual de fundos. Tais restrições, para além de poderem ser ajustadas de tempos a tempos à expansão actual da produção, exigem apenas um mínimo de interferência directa no mecanismo dos preços. E essa, naturalmente, a explicação da sua grande popularidade como instrumento de planeamento económico em todos os países.
Aliás, a perspectiva de uma política proteccionista é de molde a justificar o investimento, na indústria, de capitais que se não afoitariam se a concorrência dos produtores estrangeiros não fosse limitada; a estes últimos, na hipótese de disporem no pais em questão de um mercado apreciável, restará sempre a possibilidade de criarem meios de produção no próprio local.

48. Mas o problema oferece aspectos particulares nos países menos desenvolvidos. Na impossibilidade de se conseguir a curto prazo um alargamento dos mercados de exportação, só à custa de interferências no mecanismo dos preços é que, em numerosos casos, o investimento e a produção se tornarão lucrativos ao longo de linhas escolhidas. Encaradas por este prisma, as restrições das importações integram-se na vasta categoria dos incentivos fiscais, embora, ao contrário dos demais, que actuam preferentemente sobre as condições da oferta, exerçam a sua influência do lado da procura.
Depois, a superabundância de trabalho, que normalmente caracteriza os países menos desenvolvidos, pode tornar economicamente vantajoso o emprego de mão-de-obra em novas actividades, ainda quando, em termos de preços internacionais, os produtos pudessem ser comprados mais baratos no estrangeiro. Sob o ponto de vista nacional, a diferença entre o que os trabalhadores actualmente produzem (medido em termos de preços das exportações excluídas) e a diminuição da produção total provocada pela sua subtracção ao status anterior de subempregados (no qual a sua produtividade pode, praticamente, chegar a ser nula) é manifestamente um ganho.
Por último, a estrutura dos custos e preços internos nos países menos desenvolvidos tende a ser tal que prejudica o desenvolvimento económico. Embora se lute com a falta de uma informação estatística adequada, pode afirmar-se que a existência de um sensível desequilíbrio entre os ganhos reais na indústria e na agricultura é aspecto característico da economia destes países. Aliás, fenómeno semelhante se verificou em estádios anteriores do desenvolvimento dos países hoje mais avançados e serviu para forçar o trabalho a deslocar-se das áreas rurais para as urbanas, das actividades agrícolas para as industriais. Este desequilíbrio nos salários reais, e, consequentemente, nos custos-trabalho entre a indústria e a agricultura fornece uma razão adicional para a protecção industrial.

49. A protecção pautai pode orientar factores de produção desempregados ou subempregados para indústrias que directa ou indirectamente, consigam elevar a produtividade média do trabalho, diversificar a economia, substituir importações e, portanto, lançar os fundamentos do desenvolvimento industrial futuro. Na medida em que assim acontecer, o encargo imposto pelos direitos aduaneiros -medido pelo excedente de custos que os consumidores de produtos protegidos devem suportar - será mais do que compensado quando a indústria que beneficiou dessa protecção tiver elevado a sua produtividade para um nível que lhe permita rivalizar com a concorrência e os efeitos do seu progresso se tiverem repercutido plenamente sobre o desenvolvimento das indústrias auxiliares, em suma, sobre o meio económico em geral.
Nunca se contestou esta possibilidade, mas sempre se ponderou, aliás com amplo apoio na experiência, que a protecção a uma indústria é susceptível de retardar o seu genuíno progresso e que, uma vez concedida num sector, rapidamente se estende a outros. Nem seria difícil demonstrar, no domínio prático e histórico, que a protecção tende a tornar-se permanente, em lugar de ser removida logo que a indústria possa dispensá-la

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ou revele incapacidade duradoura para actuar sem esse suporte artificial.
E não se esqueça que o maior custo dos produtos importados representa uma verdadeira cobrança imposta aos consumidores, que, como é natural, podem ser também outras empresas. Tal cobrança representa o preço pago pela colectividade para adquirir um factor de desenvolvimento. Tratando-se de um investimento da colectividade, importa, para avaliar do seu fundamento, observar muito de perto o ritmo a que a indústria aumenta a produtividade e melhora a qualidade dos seus produtos. De contrário, a protecção poderá servir para gerar uma inflação de custos e lucros diminuindo o bem-estar geral e comprometendo a posição externa do País e o seu ulterior desenvolvimento económico.

50. O problema é tanto mais delicado quanto é certo que a tarefa de selecção das indústrias a proteger é extremamente difícil. Para este efeito, torna-se indispensável avaliar a medida em que uma indústria será capaz de lutar contra a concorrência futura - sendo tal capacidade função, não somente dos resultados técnicos e económicos que ela venha a alcançar, mas igualmente das variações eventuais da procura dos produtos que fabrica, assim como das modificações possíveis dos custos relativos dos produto? concorrentes.
A inevitável precariedade desta selecção, conjugada com a necessidade imperiosa de estimular a produtividade e o progresso da economia do País, exige a adopção de medidas práticas que tornem possível, não só atingir aqueles objectivos, como ainda neutralizar possíveis desvios da estrutura do mercado para formas potencialmente indesejáveis. Estes resultados poderiam ser alcançados revendo periodicamente a pauta de importação ou tomando disposições para baixar regularmente em cada ano as taxas dos direitos aduaneiros, incitando-se por essa forma as indústrias locais a redobrar de esforços no sentido de aumentar a produtividade e reduzir os custos.
A medida agora proposta pelo Governo, louvável a todos os títulos, e integrando-se dentro da mesma orientação, opta pelo condicionamento, mediante, um regime de fiscalização de preços, da protecção pautal concedida a mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem o funcionamento da concorrência efectiva.

51. Acontece, porém, que as empresas produtoras das mercadorias acabadas de referir se encontram entre nós, praticamente sem excepção, submetidas ao regime jurídico do condicionamento industrial. Ora a base viu da Lei n.º 2002, de 11 de Março de 1932, preceitua:

O Governo procurará impedir que o condicionamento seja desviado dos seus fins. transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente, lucrativo das empresas existentes. Para esse efeito, autorizará a criação de novas unidades e o desenvolvimento das que laborarem com maior eficiência, podendo também regular as características de qualidade ou o preço das mercadorias das indústrias condicionadas e modificar ou revogar as autorizações concedidas.

Resulta desta disposição que o Governo se encontra desde há muito autorizado a regular ou fiscalizar os preços de mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem n funcionamento da concorrência efectiva. Nestes termos, em vez de se fomentar a proliferação de uma legislação de carácter excepcional, afigura-se mais conveniente dar execução ao que já se encontra estabelecido de uma forma coordenaria e harmónica; será então a altura de dar efectivação u modalidade de fiscalização agora sugerida. Assim, a Câmara Corporativa entende que deve ser alterada n redacção do artigo 9.º da proposta.

III

Funcionamento dos serviços

ARTIGO 10.º

«Durante o ano de 1957, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, principalmente na realização de desposas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, o Governo continuará a providenciar no sentido de reduzir ao indispensável as despesas fora do País com missões oficiais.
§ único. Estas disposições aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, bem como aos organismos de coordenação económica e corporativos».

52. Este artigo reproduz textualmente a disposição correspondente da Lei n.º 2079. Nele se reflecte, a final, a preocupação de assegurar a maior produtividade possível dos serviços públicos. A Administração tem missões próprias que não podem acomodar-se inteiramente aos métodos dos sectores privados. Mas convirá sempre distinguir entre as exigências específicas do serviço público e aquilo que não representa senão uma simples conservação de hábitos, uma cristalização de métodos e estruturas. Nada mais grave, por exemplo, mercê das suas consequências, do que a tendência tão generalizada para não ver no progresso do rendimento senão o resultado de um melhor equipamento, esquecendo-se assim tudo o que pode ser obtido através de uma melhor organização, e esquecendo-se ainda que esta organização é condição do produtividade do próprio equipamento. A Câmara Corporativa concorda, por isso, com o espírito e com a redacção deste preceito.

ARTIGO 11.º

«O Governo promoverá os estudos necessários para a coordenação das publicações editadas pelos serviços, em ordem a obter um melhor ajustamento à finalidade própria de cada publicação».

53. Desde há muito tem sido propósito do Governo disciplinar, em termos de maior rigor económico, a efectivação das despesas com as publicações oficiais. Assim, declarou-se expressamente em vigor o artigo 59.º da 3.ª Carta de Lei de 9 de Setembro de 1908, do seguinte teor:

É expressamente proibida a compra ou assinatura do publicações de qualquer natureza e a celebração de contratos para a publicação ou impressão de obras literárias, artísticas ou científicas sem disposição legislativa que as autorize.
§1.º Exceptua-se:
a) A aquisição de publicações para bibliotecas e das que são necessárias para serviço público, limitando-se, porém, esta aquisição ao número de exemplares estritamente indispensável para esses fins:
b) A aquisição de publicações que representam complemento de assinaturas, de obras, ou de colecção de obras da mesma natureza.
Providenciou-se, além disso, no sentido de limitar o número dessas publicações, de restringir as edições luxuosas que não obedeçam a finalidades artísticas ou

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comemorativas de procurar obter maior economia no custo da impressão.
A orientação acima referida está concretizada nos seguintes diplomas:

Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950 (artigo 13.º).
Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951 (artigo 11.º).
Lei n.º 2059, de 29 de Dezembro de 1952 (artigo 10.º).
Lei n.º 2067, de 28 de Dezembro de 1953 (artigo 11.º).
Lei n.º 2074, de 28 de Dezembro de 1954 (artigo 12.º).
Lei n.º 2079, de 21 de Dezembro de 1955 (artigo 13.º).

54. Anuncia-se agora um novo passo em que se procurará conhecer o interesse de cada uma das actuais publicações, bem como o seu destino. O objectivo, como se esclarece no relatório da proposta, é o de conseguir uma mais perfeita coordenação das publicações, de modo a torná-las mais adequadas aos fins a que se destinam, elevando o nível de umas, evitando repetições desnecessárias em outras, uniformizando o critério que deve presidir à escolha da sua fornia, natureza e apresentação.
Esta Câmara congratula-se por não ter sido a redução do custo o motivo determinante dos estudos cuja realização se torna agora pública. E que - e têm-se em mente, de modo particular, as publicações de carácter cultural - a situação actual, longe de consentir a realização de economias, reclama com relativa urgência uma correcção ascendente de verbas. A não ser assim, é bem possível que muitas delas se inutilizem relativamente às finalidades que lhes competia servir. E não se esqueça que em numerosos casos tais publicações, além de constituírem uma projecção natural do ensino, servem para despertar iniciativas, suscitar o sentimento de responsabilidade e, inclusivamente, para se avaliar do nível cultural de um povo.
Avançadas estas considerações, a Câmara Corporativa nada tem a opor à substância do artigo 11.º da proposta, não obstante entender que a sua redacção pode ser melhorada.

IV

Saúde pública

ARTIGO 12.º

«No ano de 1957 o Governo continuará a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento de um programa de combate à tuberculose, para cujo fim serão inscritas no Orçamento Geral do Estado as verbas consideradas indispensáveis».

55. Reserva a proposta em análise justificado destaque ao problema sanitário-social da luta contra a tuberculose e dá conta o relatório que a precede dos esforços desenvolvidos, sobretudo a partir de Outubro de 1955, para a recuperação de certo atraso que neste domínio notavam, quer a opinião pública, quer os círculos médicos e assistenciais mais qualificados.
O nosso país continua a apresentar uma taxa específica de mortalidade por tuberculose realmente muito pesada: foi em 1954 de 51,5 óbitos por 100 000 habitantes e subiu em 1955 para 62,9. Impunha-se, naturalmente, uma acção ordenada que assegurasse execução suficiente à Lei n.º 2044, publicada ia em 20 de Julho de 1950.
É, portanto, com o maior agrado que esta Câmara toma conhecimento de que em 1955 foi programado e sujeito a planificação financeira o esforço a desenvolver neste importante sector da saúde pública. Não faltou o Ministério das Finanças com o seu apoio generoso (o aumento global das dotações da luta contra a tuberculose, de 1955 para 1956, foi de 35 322 contos), muito havendo a esperar do trabalho agora iniciado e do propósito que o Governo reitera, em termos particularmente significativos, de executar sistematicamente e sem hesitações um programa de acção sanitária contra tão terrível flagelo.

56. Em estreita ligação com este encontra-se o problema da assistência hospitalar geral. Neste domínio o caminho andado desde a publicação da Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, particularmente quanto à construção de novos edifícios e aperfeiçoamento do equipamento hospitalar, é francamente alentador. Índices seguros desse progresso dão-nos especialmente os Hospitais Escolares de Lisboa e Porto, este em adiantada fase de construção, e o fecundo desenvolvimento do programa de hospitais sub-regionais. Assim, cerca de 50 por cento dos concelhos têm resolvido satisfatoriamente, por obra do Estado e das Misericórdias, o seu problema local de instalações e equipamento hospitalar.
Falta, porém, um esforço decidido no que respeita à construção e equipamento dos hospitais regionais, esforço, aliás, já iniciado e que se espera levar a cabo no mais curto prazo possível. E falta ainda, quer nos novos hospitais, quer nas antigas unidades hospitalares, uma profunda reorganização de serviços, que se vai tornando inadiável.
Mas o problema hospitalar geral, pela magnitude das somas que envolve, deve começar por ser resolvido no plano financeiro. Tendo o Estado uma função meramente supletiva neste sector, importa criar condições que tornem possível a aplicação efectiva do Decreto-Lei n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954. Para tanto, há que tomar providências no sentido de dotar as câmaras municipais com os meios financeiros indispensáveis para cumprirem com rigor e prontidão as suas obrigações legais neste importante sector; há que colocar o seguro comercial em situação regulamentar que o obrigue a assumir satisfatoriamente o custo cada vez mais pesado da assistência hospitalar; há, enfim, que acabar com a anomalia de o seguro social não cobrir as despesas com esta modalidade em relação aos seus beneficiários, promovendo-se a necessária coordenação da previdência com a assistência.

57. O problema do pessoal de enfermagem, encontrando-se na base, não só da assistência hospitalar, como ainda de qualquer outra modalidade de assistência sanitário-social, reveste-se entre nós de particular acuidade.
Em inquérito organizado pelos serviços competentes chegou-se à conclusão de que o País dispõe apenas de 7006 profissionais de enfermagem, incluindo-se neste número enfermeiras e auxiliares diplomadas, profissionais com simples prática registada e uma boa soma de ilegais. Feitas as deduções, o número de verdadeiras enfermeiras não ultrapassava 2495, bastando, para se avaliar do seu significado real, equacioná-lo com a actual população portuguesa e acrescentar que a proporção hoje reputada desejável é de 1 enfermeira para 500 habitantes.
Na base desta situação de facto, depara-se com a insuficiente produção das escolas de enfermagem actualmente existentes, com o número reduzido destas escolas, com o próprio método de preparação, que se não orienta num sentido polivalente, com a falta de pessoal técnico

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de ensino, de estímulo nos vencimentos e de propaganda no sentido de despertar vocações. A caracterização da situação actual não deixará certamente de iluminar o caminho que importa trilhar num futuro que se desejaria fosse próximo.
A importância do artigo 12.º da proposta justifica a extensão destas considerações. Pelo que fica dito, e até porque tal preceito reproduz disposição correspondente da Lei n.º 2079, esta Câmara nada tem a opor-lhe.

V

Investimentos públicos

ARTIGO 13.º

«O Governo inscreverá no Orçamento para 1957 as verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições previstas no Plano de Fomento ou determinadas por leis especiais, e bem assim de outras que esteja legalmente habilitado a inscrever em despesa extraordinária, devendo, quanto a estas, e sem prejuízo de conclusão de obras em curso, adoptar, quanto possível, dentro de cada alínea, a seguinte ordem de preferencias:

a) Fomento económico:

Aproveitamento hidráulico de bacias hidrográficas;
Fomento de produção mineira e de combustíveis nacionais;
Povoamento florestal e defesa contra a erosão, em modalidades não previstas pelo Plano de Fomento;
Melhoramentos rurais e abastecimentos de água.

b) Educação e cultura:

Encargos de anos findos da Campanha Nacional de Educação de Adultos;
Reapetrechamento das escolas e Universidades;
Construção e utensilagem de edifícios para Universidades;
Construção de outras escolas.

c) Outras despesas:

Edifícios para serviços públicos;
Material de defesa e segurança pública;
Trabalhos de urbanização, monumentos e construções de interesse para o turismo;
Investimentos de interesse social, incluindo dotações para as Casas do Povo.

§ único. O Governo inscreverá no orçamento para 1957 as dotações necessárias para ocorrer às despesas de emergência no ultramar».

58. A redacção deste artigo origina-se em sugestão da Câmara Corporativa, que, adaptada depois pela Assembleia Nacional, veio a constituir o artigo 16.º da Lei n.º 2079.
Entendeu-se que haveria conveniência em hierarquizar, numa ordem de precedência, as despesas extraordinárias que não constassem dos planos plurianuais. Assim, a par do quadro do grande investimento programado a longo termo e dotado de força vinculante quanto ao destino e quantitativo máximo de cada verba, apareceria, e já na lei de autorização, um esquema de orientação governativa dos investimentos anuais não compreendidos nos referidos planos, a cargo da despesa extraordinária. Esta orientação foi perfilhada pelo Governo e a proposta em estudo apenas introduz na alínea 6) uma rubrica relativa ao Reapetrechamento das escolas e Universidades», alterando-se também a primeira rubrica da mesma alínea, por virem a aparecer durante o exercício de 1957 encargos da Campanha para liquidar e pagar.
Esta evolução, que o relatório da proposta qualifica de notável aperfeiçoamento, suscita, porém, algumas reflexões. Efectivamente, e na medida em que se esteja em presença de despesas cujo quantitativo não seja fixado de harmonia com leis preexistentes, competirá à Assembleia Nacional definir na lei de autorização os princípios a que nessa parte deve ser subordinado o orçamento,
Assim, e por força da própria Constituição Política, haverá que começar pela fixação dos grandes princípios orientadores do investimento público, mal se compreendendo que p preceito do § único do artigo 17.º da proposta de lei de autorização para 1955 tenha sido eliminado pura e simplesmente, sem haver o cuidado de o adaptar ou substituir por qualquer outro.
Só depois de definidos tais princípios é que se deverá passar, se tanto se reconhecer indispensável, à fixação de um esquema de prioridades, dentro de uma interpretação por aqueles consentida; foi esta, de resto, a solução adoptada no artigo 17.º da proposta.
Procedimento contrário torna praticamente impossível a formulação de um juízo crítico acerca do ordenamento sugerido. Qual a razão - poderá perguntar-se - da prioridade atribuída aos aproveitamentos hidráulicos relativamente ao fomento da produção mineira e de combustíveis nacionais? Será certo que, nesta matéria de despesa extraordinária, as três alíneas referidas se apresentam com uma importância rigorosamente idêntica? Eis algumas dúvidas que dificilmente encontrarão resposta no sistema actual e cuja resolução se afigura fundamental para a caracterização de uma política.
Por via das considerações expostas, esta Câmara é de parecer que a redacção do artigo 13.º deve ser alterada e, se possível, simplificada.

ARTIGO 14.º

«É autorizado o Governo a iniciar um plano com vista a reapetrechar, em material didáctico e laboratorial, as escolas e Universidades.
§ único. Para satisfação dos encargos com o reapetrechamento referido no corpo deste artigo será inscrita na despesa extraordinária do Ministério da Educação Nacional a verba considerada indispensável, com cobertura no excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza ou nos saldos de contas de anos económicos findos».

59. Iniciar um plano outra coisa não pode significar senão iniciar a execução de um plano, e isto pressupõe, como ó óbvio, a sua prévia elaboração. Por seu turno, a elaboração do plano, assentando na disponibilidade de certos meios financeiros, deve orientá-lo para a prossecução de determinados objectivos, utilizando os processos mais idóneos. No caso concreto, o Ministério das Finanças coloca à disposição do da Educação Nacional recursos financeiros com vista à execução de um plano tendente a reapetrechar, em material didáctico e laboratorial, escolas técnicas, institutos, liceus e Universidades.
A iniciativa merece ser assinalada como uma daquelas que mais profundas repercussões podem ter na formação de um escol de investigadores e na elevação do nosso nível técnico em geral. Com ela, e como aliás se sublinha no relatório da proposta, dá-se um passo decisivo no sentido de permitir que cada escola, dentro do seu campo de acção, se converta em verdadeiro centro de irradiação e aceleração do progresso material e económico do País.

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Particularmente sob este aspecto nunca será de mais repetir que o sucesso dos modernos tipos de organização económica depende, em grande parte, da grandeza e qualidade do escol cuja colaboração se conseguir assegurar.
O plano que dentro em breve se começará a executar vem ao encontro de uma exigência premente do ensino. Acontece assim, por exemplo, em matéria de ensino técnico, onde o valor dos conhecimentos que este difunde se afere pelo sentido de imediata aplicação que os informa. Carece o aluno, desde a sua entrada na escola, de manter as mãos e o cérebro em constante diálogo, de aprender fazendo e não só ouvindo e lendo. Para fazer dos alunos homens empreendedores, com o gosto da iniciativa e das realizações práticas, importa que o ensino seja, sempre que possível, activo, simultaneamente demonstrativo e experimental.
E o panorama não é diferente no ensino liceal e superior. O primeiro tende hoje para uma modernização e sente a necessidade de ministrar as noções propedêuticas indispensáveis a uma técnica que terá de se desenvolver e apurar nas escolas superiores. O último, mais do que nunca, tem de garantir a cada nova geração aquele mínimo de preparação que lhe permita tirar proveito do património que lhe vai passar para as mãos e habilitá-la, a estar à altura dessa herança, enriquecendo-a, continuando-a. Sob este aspecto muito há a esperar da oportuna medida agora tomada na sequência de uma experiência feita em escala reduzida, mas em profundidade, pelo Instituto de Alta Cultura.

60. Para além da melhoria em qualidade e variedade do material indispensável para tornar eficiente o ensino e viável a investigação, o plano a que este artigo se refere tornará possível satisfazer também necessidades instantes determinadas pelo ritmo de aumento da frequência das nossas escolas.
Reportando-nos apenas ao último quinquénio, para o qual se dispõe de elementos definitivos, a evolução da frequência escolar desenha-se assim:

(Ver tabela na imagem)

Os números ganham pleno significado quando confrontados com a exiguidade de numerosas dotações, agravada pela desvalorização da moeda, e com a rápida evolução da técnica, que se materializa em tipos mais aperfeiçoados do equipamento. Dal a necessidade de constantes aquisições, sob pena de se criar ou alargar o desfasamento entre o «saber» de uma determinada época e o «saber» que a escola transmite.

61. Fiel ao princípio de hierarquização das necessidades e da sua inteira satisfação segundo esse ordenamento, o Governo entendeu ter chegado o momento de apetrechar tecnicamente as escolas.
Não há que regatear louvores a uma decisão que para o nosso meio é verdadeiramente revolucionária, mas impõe-se uma derradeira observação. O apetrechamento técnico é apenas uma parte, ainda que muito importante, do problema mais vasto que hoje enfrentam as nossas escolas. Das múltiplas incidências desse problema destacam-se as que dizem respeito à necessidade de instalações adequadas e à actualização dos quadros de pessoal docente e auxiliar de harmonia com as exigências novas ou renovadas do ensino e do aumento da frequência escolar. Todos estes aspectos se entrelaçam e condicionam, reclamando desenvolvimento harmónico e equilibrado.
Para ele se deve tender, sem esquecer o muito quo já se fez e continua a fazer-se em matéria de construções escolares de toda a espécie. E que há problemas - e ente é um deles - que só virão a encontrar solução satisfatória no momento em que forem encarados e resolvidos em toda a sua plenitude. Então, as escolas corresponderão aos seus fins e, ao procurar alcançá-los, servirão conjuntamente os interesses da Nação.
Pelo que fica dito, a Camará Corporativa nada opõe ao conteúdo deste artigo da proposta, limitando-se a sugerir uma ligeira alterarão aos termos em que está redigido.

ARTIGO 15.º

«O Governo inscreverá, como despesa extraordinária em 1007, as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o Decreto-Lei n.º 31975, de 20 de Abril de 1942».

62. É por todos reconhecida a importância do cadastro geométrico da propriedade rústica, não só como documentário da riqueza do País, mas ainda como instrumento de uma mais perfeita justiça fiscal. Esta Câmara nada tem, por isso, a opor a este artigo, aliás mera reprodução da disposição correspondente da Lei n.º 2079, apenas esperando que se possa verificar em breve o começo da execução do plano de intensificação do cadastro previsto no artigo 13.º da Lei n.º 2074.

ARTIGO 16.º

«O Governo promoverá em 1957 a intensificação da assistência técnica à lavoura, mediante a ampliação, coordenação e fiscalização dos centros de extensão agrícola e de uma colaboração mais Intima dos agricultores com os serviços».

63. Trata-se de uma disposição nova, que tem por principal objectivo o fomento da produtividade agrícola.
O simples enunciado deste objectivo confere a tal preceito uma importância fundamental. O nosso país, não obstante todos os esforços feitos, continua a acusar índices baixíssimos de produtividade no quo toca à maioria das produções agrícolas e, o que é mais desalentador, não vemos que se esboço qualquer tendência no sentido de uma melhoria duradoura.
A explicação do fenómeno é complexa e do vê sor procurada principalmente numa base regional. Sabe-se, assim, que a pulverização das explorações agrícolas afecta a economia da produção em determinadas zonas; a concentração exagerada da propriedade, noutras, não permite o aproveitamento integral da capacidade produtiva dos terrenos; os processos culturais usados nalgumas regiões já se não adaptam às necessidades da produção; o aproveitamento agrícola dos terrenos nem sempre se coaduna com as exigências impostas pela conservação do solo; a distribuição das culturas raramente obedece às características agro-económicas, etc. A agravar a situação, quase por toda a parte se depara com solos relativamente pobres e, em numerosas zonas, com uma excessiva densidade agraria, ainda que esta deva ser olhada em função da própria estrutura agrária, natureza do solo e possibilidades de mecanização, estrutura social e económica.
Este estado de coisas gera condições de vida particularmente difíceis para larga fracção da população

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portuguesa. O fenómeno reflecte-se com particular intensidade no grau de bem-estar de que essa população desfruta, nas importações que nos obriga a realizar (e, portanto, na nossa posição económica internacional) e ainda, o que não é de somenos importância, na limitação que impõe ao mercado natural das indústrias. Aumentar a produtividade agrícola significa, puis, possibilitar uma elevação do teor de vida da nossa gente, reforçar a posição externa do Pais e emprestar ao processo de desenvolvimento económico um poderoso elemento de autopropulsão.

64. A área de cultivo não poderá hoje ser muito acrescida; é contudo manifesto que poderá melhorar-se bastante a sua capacidade para produzir alimentos. Nestes termos, tudo aconselha a que seja concedida franca prioridade aos investimentos que tendam a aumentar os rendimentos por hectare.
Sendo o País relativamente pobre em capitais e também reduzida a sua capacidade de absorção deste factor da produção, não se vê nenhum outro investimento que seja susceptível de proporcionar maior rendimento num futuro imediato.
Independentemente mesmo de uma reforma da estrutura agrária existente, é difícil imaginar de quanto poderia ser aumentado o rendimento do lavrador mediante uma generalização de pequenas obras de hidráulica agrícola, da semente melhorada e seleccionada, do uso tempestivo de insecticidas e fungicidas, da melhoria do sustento do vegetal pelo emprego de fertilizantes adequados, de práticas elementares no combate à erosão, da constituição, em moldes cooperativos, de parques de equipamento adequado às características particulares de cada região, da introdução de novas variedades de plantas e raças animais.
Repare-se que, em regra, este tipo de investimento, para além do reduzido coeficiente capital-produção que apresenta, reflecte-se imediatamente na procura. Não subtraindo grandes capitais aos outros empreendimentos e assegurando-lhes condições de mais fácil colocação para os seus produtos, ele mostra-se particularmente indicado quando se tenta quebrar o conhecido círculo vicioso da pobreza.

65. A assistência técnica é, em última análise, uma forma de aumentar a capacidade de absorção de capital por parte de uma economia ou sector económico. Cabe-lhe, em primeiro lugar, a missão de difundir uma técnica nacional ou nacionalizada, isto é, particularmente adequada ao condicionalismo económico do meio onde vai ser aplicada. Isto equivale a dizer que ela pressupõe, não apenas um conhecimento rigoroso do local onde a produção agrícola se há-de desenvolver, mas ainda centros de investigação particularmente activos.
Mas, se quisermos realmente ajustar a produção agrícola às possibilidades do meio e às necessidades da população, a assistência técnica tem uma outra missão, muito mais vasta e difícil, a cumprir. Deparando com obstáculos sociais e atrasos culturais, ela terá de despertar no rural o desejo de uma vida melhor e de o convencer, sem margem para qualquer dúvida, de que a solução não está na conservação da rotina, mas sim na aceitação dos progressos técnicos.
O técnico agrícola do futuro - já alguém o disse - terá de sentir o pulsar das populações rurais, viver o seu ambiente; deverá servir todas as classes e condições de homens; será o orientador e servidor da comunidade rural. Precisará de ganhar a confiança da população, porque os agricultores de qualquer país desconfiam sempre que alguém, que não tenha nascido na lavoura, seja capaz de lhes ensinar qualquer coisa acerca do que tem sido o seu trabalho de toda a vida.

66. O artigo em exame prevê a intensificação da assistência técnica, mediante a ampliação, coordenação e fiscalização dos centros de extensão agrícola. Supõe-se que o facto contende com a própria orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, implicando profunda remodelação da sua actual estrutura. Não podendo esta Câmara apreciar n problema em toda a sua amplitude, até porque se desconhece o pensamento do Governo, o seu exame não pode deixar de ser extremamente sucinto. Ela limitar-se-á, por isso, a algumas considerações acerca das vicissitudes por que entro nós tem passado a assistência técnica à lavoura.

67. Tal como foi concebida e organizada pelo Decreto-Lei n.º 27 207, do 10 de Novembro de 1936, a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas era formada por um conjunto de organismos ligados entre si, de cuja actividade deveriam resultar a criação e a constante vulgarização das técnicas de cultivo, assim como um estado de permanente actualização dos técnicos ao seu serviço. Como fulcro de toda a organização, havia a Estação Agronómica Nacional, depois estações especializadas e por último as estações agrárias, com os seus postos fixos e móveis actuando na periferia.
Tratava-se, como é fácil ver, de uma organização essencialmente técnica, assentando na ideia de que o progresso na agricultura há-de resultar da investigação criadora e das técnicas devidamente assimiladas pela massa dos produtores. E pensava-se que com esta orgânica, aliada à disponibilidade de uma carta dos solos e de uma carta agrícola, a Direcção-Geral ficaria habilitada a elaborar e executar planos de assistência técnica.

68. Outra concepção ou método - à falta de organismos que possam constituir ponto de apoio e fonte de energia de qualquer acção do fomento - consiste em procurar um objectivo de realização imediata e mobilizar para isso a boa vontade dos produtores, criando, para, tanto, condições económicas favoráveis e meios de
propaganda adequados. São as chamadas «campanhas» e produção - movimentos de sua natureza limitados e transitórios - servidas pelas chamadas abrigadas o agrícolas.
São dois sistemas e formas de actuação completamente diferentes. O primeiro trabalha de harmonia com a aptidão própria das regiões e zonas agrícolas e fia das instituições agrícolas criadas e do seu funcionamento a garantia da máxima eficiência técnica e rendimento. O segundo tem o seu quê de improvisação e, por meritórias que sejam as «campanhas» e obrigadas», elas não constituem a forma normal e conveniente da organização dos serviços agrícolas de qualquer país, revelando, em última análise, apenas falta ou deficiência de organização.

69. Decorridos vinte anos após a publicação do Decreto-Lei n.º 27 207, muito pouco se pôde fazer do que nele se previa, continuando, por isso, a Direcção-Geral estruturada com base nas «brigadas», cujas características e insuficiência técnica foram já apontadas.
Fica-se assim na dúvida sobre se os objectivos que agora se pretende alcançar com a ampliação e coordenação dos centros de extensão não poderiam ser igualmente atingidos com a plena execução daquele decreto. Nem se sabe, igualmente, se, porventura, não seria preferível a criação de um menor número de centros, bem equipados em material e pessoal e dispondo de meios bastantes para repetidas deslocações dentro da sua área.
Aliás, o estreitamento da rede de assistência técnica à lavoura, numa base concelhia ou quase concelhia, poderia ser conseguido mediante a obrigatoriedade de os

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grémios da lavoura assegurarem os serviços de um engenheiro agrónomo ou regente agrícola, o qual serviria de elemento de ligação com os centros de extensão.
Não dispõe esta Câmara, como já se referiu, de elementos bastantes para emitir parecer sobre o problema em análise. Por isso, dando todo o seu aplauso à matéria do artigo 16.º, sugere apenas que seja alterada a sua redacção.

VI

Política rural

ARTIGO 17.º

«Os auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas seguintes, respeitando quanto possível a sua ordem de precedência:
a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento ;
b) Estradas e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou instalações de serviços;
d) Matadouros e mercados.

§ 1.º As disponibilidades das verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado para melhoramentos rurais ou para quaisquer dos fins previstos no corpo deste artigo não poderão servir de contrapartida para reforço de outras dotações.
§ 2.º Nas comparticipações pelo Fundo de Desemprego observar-se-á, na medida aplicável, a ordem de precedência do corpo do artigo».

70. A redacção desta disposição origina-se em sugestão da Camará Corporativa a propósito de disposição correspondente da proposta de lei de autorização para 1056, com as correcções ulteriormente introduzidas pela Assembleia Nacional. Apenas se suprime a alínea referente a r Casas para as classes pobres», por se entender, aliás em harmonia com parecer desta Camará, que o Governo não deve vincular-se à prestação de auxilio financeiro enquanto se não realizarem inquéritos adequados. Nada há, por isso, a opor à redacção deste preceito.

ARTIGO 18.º

«O Governo inscreverá, como despesa extraordinária, a dotação indispensável à satisfação das importâncias devidas às Casas do Povo, nos termos do Decreto-Lei n.º 40 199, de 23 de Junho de 1955.

71. Tratando-se do simples cumprimento de disposições legisladas, a Câmara conforma-se inteiramente com este artigo da proposta.

VII

Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais

ARTIGO 19.º

«Enquanto não for promulgada a reforma dos fundos especiais, a gestão administrativa e financeira dos mesmos continuará subordinada às regras 1.º a 4.º do § 1.º do artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa».

72. Este artigo reproduz disposição correspondente da proposta de lei de autorização para 1956. A Câmara Corporativa, fazendo votos por que a reforma anunciada possa ser ultimada dentro do mais curto prazo, nada tem a opor à redacção proposta.

VIII

Compromissos internacionais de ordem minta»

ARTIGO 20.º

«O remanescente da soma fixada, de harmonia com os compromissos tomados internacionalmente, para satisfazer as necessidades de defesa militar, será inscrito globalmente no Orçamento Geral do Estado, em obediência ao disposto no artigo 25.º e seu § único da Lei n.º 2050, de 7 de Dezembro de 1951, podendo ser reforçada a verba inscrita para 1957 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1956».

73. Tratando-se de uma disposição perfeitamente idêntica à dos anos anteriores, e mostrando-se indispensável para a satisfação dos encargos a que nos obrigámos, esta Câmara afirma a sua inteira concordância com o que nela é proposto.

IX

Disposições especiais

ARTIGO 21.º

«São aplicáveis no ano de 1957 as disposições dos artigos 14.º e 16.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949».

74. Mantém-se para 1957 dois regimes transitórios que de há anos vêm sendo autorizados: um determinado pelas especiais circunstâncias de ordem económica de alguns países onde mantemos representação consular e o outro pela necessidade de suprir a falta de cartas na escala exigida pela base viu da Lei n.º 1971, permitindo que os trabalhos de arborização de serras e dunas possam ser elaborados com base em cartas de menor escala. Não se tendo alterado o condicionalismo que tornou necessárias estas disposições, a Câmara nada opõe à matéria deste artigo.

ARTIGO 22.º

«O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados».

75. O decreto-lei a que esta disposição se refere determinava que «a classificação e realização de despesas em conta das verbas de diversos encargos resultantes da guerra - legislava-se em 1941 - seriam reguladas por instruções emanadas dos Ministérios respectivos, com a aprovação do Ministro das Finanças». Dado o conteúdo de tal disposição, simples aplicação de boas normas financeiras, a Camará dá igualmente o seu acordo a este último artigo da proposta.

III

Conclusões

76. A Câmara Corporativa, tendo estudado e apreciado o projecto de proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1957, que lhe foi enviado pelo Governo, e considerando que ela obedece aos preceitos

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constitucionais aplicáveis e corresponde, na orientação que traduz, às necessidades e condições prováveis da Administração durante aquele ano, dá parecer favorável à sua aprovação, com as alterações seguintes, que na segunda parte deste parecer se fundamentam:
Alterar a redacção dos artigos 9.º, 11.º, 13.º, 14º e 16.º pela forma seguinte:

1) Artigo 9.º (substituir por):

Para os fins do disposto na base viu da Lei n.º 2052, de 11 de Março de 1952, fica o Governo autorizado a condicionar, mediante um regime de fiscalização de preços, a protecção pautai concedida a mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem o funcionamento da concorrência efectiva.

2) Artigo 11.º (substituir por):

O Governo promoverá, dentro de um plano de conjunto, os estudos necessários para a reforma das publicações editadas pelos serviços, em ordem a obter um melhor ajustamento à finalidade própria de cada uma delas.

3) Artigo 13.º:

I) Substituir o corpo do artigo por:

O Governo inscreverá no orçamento para 1957 as verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições previstas no Plano de Fomento ou determinadas por leis especiais, e bem assim de outras que esteja legalmente habilitado a inscrever em despesa extraordinária.

II) Acrescentar:

§ 1.º A seriação dos investimentos dependerá da medida dos seus efeitos económico-sociais, nomeadamente os que incidam sobre a absorção permanente da mão-de-obra, a distribuição geográfica desta, a produção nacional, o comércio externo e a repartição dos rendimentos.

III) Alterar a numeração do § único para § 2.º

4) Artigo 14.º (substituir o corpo do artigo por):

É autorizado o Governo a iniciar a execução de um plano de reapetrechamento, em
material didáctico e laboratorial, das escolas e Universidades.

5) Artigo 16.º (substituir por):

O Governo promoverá em 1957 a intensificação da assistência técnica à lavoura, mediante adequado ajustamento dos serviços agrícolas e uma colaboração mais intima dos agricultores com os serviços.

Palácio de S. Bento, 4 de Dezembro de 1956.

Afonso Rodrigues Queira.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Luís Supico Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos.
Rafael da Silva Neves Duque (Relativamente à matéria do artigo 16.º do projecto de proposta de Lei n.º 519, declaro o seguinte:

Concordo inteiramente com as observações feitas pelo Sr. Relator - n.º 67 do parecer - no que respeita ao pensamento e objectivos do Decreto n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1936, que reorganizou os serviços do Ministério da Agricultura, e bem assim as respeitantes às chamadas «campanhas e brigadas», que em seu entender, e muito bem, não constituem a forma normal e conveniente duma organização de serviços agrícolas.
Verifico ainda, em face do n.º 69 do parecer, que no decurso dos últimos vinte anos pouco se pôde fazer do que se previa no já citado Decreto n.º 27 207, continuando por isso a Direcção-Geral estruturada com base nas brigadas.
Posto isto, o Sr. Relator propõe para o artigo 16.º a redacção seguinte:

O Governo promoverá em 1957 a intensificação da assistência técnica à lavoura, mediante adequado ajustamento dos serviços agrícolas e uma colaboração mais íntima dos agricultores com os serviços.

Não tendo conhecimento da forma de ajustamento que se prevê para os serviços agrícolas, nem tão-pouco quanto à forma de colaboração preconizada dos agricultores com os serviços, abstenho-me de votar o referido artigo 16.º com a alteração proposta).
Fernando Maria Alberto de Seabra, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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