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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199

ANO DE 1957 6 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

Sessão n.º 199, EM 5 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 13 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º l97.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sarmento Rodrigues ocupou-se da marinha mercante e dos portos ultramarinos.
O Sr. Presidente informou que recebera o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1955.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate provocado pelo aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Falaram os Srs. Deputados Bustorff da Silva e Calheiros Lopes.
O Sr. Previdente encerrou a sessão ás 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 80 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 197.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Carta

De António Joaquim da Rocha a felicitar o Sr. Deputado Daniel Barbosa pelo seu discurso acerca do momento económico português.

Exposição

De Delfim Pereira Barquinha Júnior sobre a proposta de lei de alteração à Lei n.º 2030 (inquilinato).

Telegramas

De Eduardo Ferreira Lino a apoiar as considerações do Sr. Deputado Santos da Cunha sobre o corporativismo.

Do Lusitano de Évora a agradecer as palavras elogiosas proferidas nu Assembleia a seu respeito.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: ó hoje a primeira vez que tomo a palavra nesta sessão legislativa, e depois de quase sete anos de ausência desta Casa. Outros deveres da minha vida administrativa e militar impediram-me de tomar o assento que na Assembleia me foi concedido pela vontade dos eleitores de Moçambique. Outros colegas, e muito distintos, me substituíram, no intento de manter aqui bem vivo o interesse pelos problemas daquela província, de resto no espírito dos membros da Assembleia e de todos os portugueses.
É meu grato dever saudar V. Exa. Sr. Presidente, com a admiração e a simpatia que a todos nos merece, pelas suas raras qualidades de orientador inteligente e humano, compreensivo e respeitado. O ambiente agradável que nesta Casa se vive, a dignidade e isenção com que livremente aqui se discutem todos os problemas, são em grande parte o resultado duma presidência atenta e cordial, de tacto incomparável, tal como V. Exa. a vem exercendo, com mãos de mestre.
Também não poderia esquecer-me, nesta primeira saudação, o distinto parlamentar e leal camarada que é o leader da Camará, um verdadeiro condutor de ideias, cujo vigor só tem paralelo com a sua generosidade. Extraordinária aliança dum entusiasmo de juventude com a experiência, o saber e o juízo esclarecido dum erudito professor. Por isso lhe quero mais uma vez prestar as minhas modestas, mas muito sinceras, homenagens.
Por fim, desejo agradecer a todos os ilustres colegas o apoio, a benevolência, a simpatia com que apreciaram tanta vez alguns dos meus actos no tempo em que transitoriamente me foi dado ocupar um lugar na Administração.
Foi, portanto, com o maior agrado que voltei a tomar lugar nesta Assembleia.

Sr. Presidente: vão certamente muito adiantados os preparativos oficiais para a elaboração do novo Plano de Fomento, que o Governo tem mostrado tanto interesse em executar, em seguimento do que presentemente decorre e termina em 1908. Suponho que o Governo não precisa de sugestões para esse estudo, pois conhece perfeitamente as necessidades e sabe melhor do que ninguém quais as possibilidades e u ordem de preferência. No entanto, julgo do meu dever pedir a sua atenção para alguns aspectos que considero fundamentais para o desenvolvimento económico nacional, sobretudo no que respeita às províncias ultramarinas.
E bem sabido, Sr. Presidente, o feliz surto de crescimento da nossa marinha mercante, mercê duma orientação governativa que merece todo o aplauso e ganhou o reconhecimento de todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A obra renovadora pelo ilustre Ministro da Marinha impulsionada tem tido a compreensão dos organismos financeiros do Estado ou deles dependentes, assim como o entusiasmo dos armadores e construtores navais. Tudo assim se conjugou para o oportuno, prudente e progressivo acrescentamento da nossa frota

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de comercio, a ponto do já hoje &e poder contar com ela como um apreciável, estável e crescente valor na economia nacional, assim como elemento de prestigio da Nação.
Esses navios são, além disso, um dos mais eficientes laços de união entre os nossos territórios, que o mar separaria se a marinha os não ligasse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Tudo aconselha, portanto, quo essa obra continue, só intensifique, não só para acompanhar o desenvolvimento das trocas o movimento das pessoas, como ainda para atingir a satisfação integral das exigências do nosso comércio marítimo, para nau falar das possibilidades duma actividade marítima em concorrência com outras marinhas, pelo menos em determinados sistemas de transporte.
Mas não só deve limitar aos navios o impulso renovador. Há outros elementos que não podem sor descurados, para um desenvolvimento harmónico e para nm bom aproveitamento do recursos. Além dos estaleiros, que felizmente se vão criando e alargando, é preciso resolver com decisão o problema das docas secas. As que temos aqui na metrópole já não chegam e sobretudo não comportam alguns dos nossos navios; e no ultramar, tirando a pequena doca de Lourenço Marques e algumas mais pequenas em Macau, não lia qualquer dique digno desse nume.
Desta sorte, os dois grandes e modernos paquetes Santa Maria e Vera Cruz são forçados a deslocar-se periodicamente ao estrangeiro para limpeza do fundo, com os consequentes encargos nas viagens, demoras que são difíceis ou impossíveis de comandar, despesas para pagamento de trabalhos que melhor seria revertessem em favor da indústria nacional. Dentro de pouco tempo mais dois paquetes rápidos semelhantes, cujas encomendas estão sendo feitas, um para a Companhia Nacional de Navegação, e outro para a Colonial, e ambos para as carreiras de África, cujo movimento crescente recomenda mais, melhores e velozes unidades, irão ficar sujeitos a enormes contratempos e pró juízos, por falta de doeu que os comporte. E o mesmo ainda irá suceder quanto aos quatro navios tanques também encomendados para a Soponata, dois de 27000 t e dois de 40 000 t.
Isto sem falar nas prováveis necessidades dos navios mercantes estrangeiros que frequentam o nosso grande porto do Lisboa. Esta situação, além de altamente prejudicial para a economia das empresas, é unia grande lacuna na teoria dos grandes empreendimentos que estamos vivendo. Sabemos o interesse que o Governo tem manifestado e as medidas que tem tomado, algumas bem do conhecimento público, como seja a nomeação da comissão para estudar o apetrechamento das docas secas, em portaria de 1048 do ilustre Ministro das Comunicações e mais tarde a portaria de Julho de 11)02 do ilustre titular da Defesa Nacional, com idêntico intuito, sob o ponto de vista do. defesa. As respectivas comissões pronunciaram-se judiciosamente sobre a generalidade do problema, tanto no que respeita aos portos do continente europeu, como das ilhas e do ultramar. Não há dúvida de que foi reconhecida a conveniência e a necessidade urgente de actuar neste sector.
Mas era principalmente ao ultramar que hoje me queria referir. Aqui a situação é muito grave. Como disse, além do pequeno dique da Capitania de Lourenço Marques, que só dá para alguns dos navios costeiros que ali trabalham, não há outra, doca do categoria em todo o ultramar. O resultado é também o recurso ao estrangeiro - a Dacar, a Boina, à Cidade do Cabo e a Porto Natal. Isto pelo que respeita às províncias de África, onde se situam actividades marítimas de maior importância, sobretudo em Angola e Moçambique. Tudo aconselha que estas duas províncias sejam dotadas com adequados e eficientes meios do docagem. Recomenda-se a importância da navegação que as visita, o crescente desenvolvimento do comércio marítimo, o progresso industrial dos territórios, a necessidade do apetrechamento em meios portuários de toda a ordem e até as próprias exigências da defesa.
Quero crer quo o Governo já neste momento tenha entre mãos, pelo menos para o novo Plano de Fomento, a resolução deste problema. O Ministério do Ultramar determinou o estudo da localização de docas secas em Angola e Moçambique, com vista u rapidamente se elaborarem os projectos de uma para cada província. Há a convicção de que a construção dessas docas não oferecerá dificuldades insuperáveis, de qualquer natureza. Uma vez escolhidos os locais, o próprio projecto pode facilmente ser levado a efeito por técnicos experimentados, possivelmente interessados na respectiva construção e na exploração condicionada. E de presumir que os encargos para o listado não sejam de grande vulto, enquanto o benefícios para a economia nacional seriam o que se poderá chamar incalculáveis, dado o crescente desenvolvimento do ultramar, das suas indústrias, do seu comércio marítimo, das actividades de pesca.
Pelo quo respeita, à localização, não alio do esporar grandes embaraços. Km Angola parece não haver dúvidas de que a escolha deve recair num dos dois portos principais, Luanda, e Lobito. Não sei que outros portos, nestes anos mais próximos, os possam superar em importância e em actividade comercial e industrial.
Além disso, oferece m condições hidrográficas muito favoráveis. Pondo de parte o aproveitamento das restingas, sujeitas a ameaças do erosão -facto quo já levou um concessionário de uma. doca flutuante para Luanda a desistir da sua instalação-. há muitas possibilidades de construção de docas secas junto às terras fronteiras ou nos tacos das baias, tanto em Luanda como no Lobito.
Acresce ainda que ambos os portos ocupam uma posição central, o que, sob certos aspectos, se torna conveniente. A maior vantagem que, a meu ver, ofereço o Lobito ó o facto de a ele convergir maior número do navios, por ser o término da única linha de caminho de ferro internacional que por enquanto existe em Angola. Se o estudo de localização encomendado já estiver pronto, certamente se poderá rapidamente concluir pela preferência de um deles.
Quanto a Moçambique, surgem mais reparos. Lourenço Marques é o grande porto, tanto em movimento de navios como em facilidades portuárias. A Beira, apesar do seu excelente apetrechamento e da notável diligência dos serviços, tem sido por vezes um porto congestionado, com um tráfego crescente, ainda não estabilizado. Tanto um como outro porto têm na sua frente cada vez mais tráfego, não se de origem nacional como principalmente de fonte internacional, sobretudo desde que a administração portuguesa introduziu grandes melhoramentos no caminho de ferro e porto da Beira, se abriram as minas de Tete e se construiu o caminho de ferro do Limpopo.
Todavia, ambos esses portos estão em grande parte dependentes dos regimes do marés, e a Beira, além de não ter tão favoráveis condições hidrográficas, oferece, além disso, grandes dificuldades para. trabalhos daquela espécie, pela natureza dos terrenos marginais. Por sua vez, Lourenço Marques ocupa uma posição excêntrica, distante do termo normal das carreiras marítimas, o quo podia, trazer alguns inconvenientes quanto ao seu aproveitamento pelos navios de longo curso.

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lilás lia um outro porto que surgiu nos últimos anos para a actividade marítima: o de Nacala. Situado no fundo da grande baía de Fernão Veloso, este privilegiado porto, que é, sem dúvida, o melhor da província de Moçambique, e porventura de toda a África, esteve até há poucos anos praticamente inaproveitado. A sua ligação ao caminho de ferro de Moçambique e ultimamente a construção do primeiro cais acostável para navios de longo curso trouxeram Nacala para a primeira linha dos valores portuários de Moçambique.
Não digo que é provável, porque o tenho como certo, que Nacala não pode parar no seu desenvolvimento, tão excepcionais são as suas condições hidrográficas e a sua, posição geográfica perante Moçambique e a própria África Central, É fatal, felizmente, que um dia Nacala venha a ser o grande porto de ligação para o lago Niassa e todas as regiões vizinhas o até ao interior de África. Por mais combinações políticas que se façam para desviar o curso natural do tráfego, as imposições económicas vão dar a Nacala esse lugar que por direito de posição lhe pertence.
O acordo de fronteiras entre Moçambique e a Federação da Rodésia e Niassalândia, pelo qual alcançamos soberania de parte das águas do Niassa e, consequentemente, o nosso direito a construir ali instalações portuárias em ligação com o caminho de ferro de Moçambique ; a possibilidade de um dia se estabelecerem ligações ferroviárias directas de Nacala ao interior de África, como a geografia e os interesses de todos aconselham- tudo faz prever que Nacala não pode temer o futuro, nem qualquer retrocesso, porque o sen movimento e importância hão-de sor, sem dúvida alguma, crescentes.
Por isso seria justo pensar-se em aproveitá-lo desde já para a instalação de uma doca seca, que, ao mesmo tempo que ficava localizada em situação vantajosa para a navegação mercante, sobretudo de longo curso, constituiria um elemento do progresso regional, além de servir da forma mais satisfatória para uma futura, e julgo que indispensável, base naval no oceano Índico.
Aqueles que se debruçam sobre explorações económicas de navios facilmente dirão qual a economia que essas docas representariam; os que se ocupam dos problemas da defesa, docas como as que se referem não podem deixar do olhá-las como elementos do mais alto valor.
Sr. Presidente: nestas ligeiras considerações quis apenas referir-me aos grandes e mais instantes problemas de querenagem nos portos nacionais, e por isso citei a grande doca de Lisboa e, sobretudo, as suas similares em Angola e Moçambique.
Isso não significa que não devamos encarar, como certamente o Governo terá feito, as necessidades parecidas de docas nos Açores, sobretudo para fins navais; em Cabo Verde, em resultado do possível desenvolvimento do tráfego marítimo derivado das obras do porto Grande e ainda também para fins militares; na índia, onde, apesar do reduzido tráfego local nacional, circunstâncias políticas adversas nos obrigam a um apetrechamento total, independente das regiões vizinhas; em Macau, onde floresce um tráfego marítimo intenso, que merece ser aproveitado e impulsionado; para não falar nas outras províncias, onde, na verdade, parece não haver ainda justificação para grandes obras do género, mas que não podem ser privadas de pequenos meios de querenagem, na maioria dos casos simples planos inclinados, alguns construídos, outros previstos, como o que consta do plano de obras de S. Vicente.
Como disse, creio bem que o Governo não precisará de sugestões, porque está atento e em actividade. Mas também penso que lhe deve interessar saber que nesta Assembleia se apreciaria com entusiasmo a inclusão no
próximo Plano de Fomento de docas capazes em Angola e Moçambique. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa o parecer sobro as Contas Gerais do Estado respeitantes ao ano do 1905.
Vai ser distribuído aos Srs. Deputados. Oportunamente será discutido com as Contas Gorais do Estado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debato sobro o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa. Tem a palavra o ar. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: quando, na sessão de terça-feira passada, o ilustre Deputado Sr. Daniel Barbosa concluiu as interessantes alegações - a expressão é de S. Exa. que constituíram a última parte do seu aviso prévio, logo o Sr. Deputado Melo Machado requereu a generalização do debate e me apressei n pedir a palavra.
Fi-lo por um impulso de momento, de que nem me arrependo, provocado pela circunstância de reputar indispensável dar azo ao inteiro esclarecimento das considerações aqui produzidas por aquele orador.
É que Sr. Presidente e Srs. Deputados, há dois discursos do Sr. Deputado Daniel Barbosa: aquele que S. Exa. aqui efectivamente proferiu, com o inegável prazer de quantos o escutaram, e um outro, totalmente diverso e quase por inteiro oposto ao que lhe ouvíramos, fruto da incompreensão, da malevolência, ou de ambos estes sentimentos, de muitos que lá fora deram em atribuir no nosso colega afirmações ou conclusões distintas daquelas que S. Ex.º entendeu por bem produzir.
E VV. Exas. sabem de ciência certa que não exagero.
Horas volvidas sobre a primeira parte das alegações do Exmo. Deputado Daniel Barbosa, e quando presidia à reunião da assembleia geral duma importante empresa industrial da nossa terra, logo ouvi acusar a insuficiência da rubrica respeitante a salários do respectivo pessoal, invocando-se como principal argumento de autoridade as declarações do nosso distinto colega.
Os ouvintes atribuíram, emocionados, às críticas do accionista que então usava da palavra a consideração que lhe era devida, avolumada pelo respeito que sem falso elogio bem merece o parlamentar cujo apoio se invocava.
E por aí fora em mais de um lugar e pela boca de pessoas de desapaixonada crítica. tive a oportunidade de apreender que a confusão lavrava com arriscada extensão e que as reclamações de uma alia e imediata modificação do regime do salários vigente começavam a esboçar os seus primeiros passos.
Ora eu sei, todos VV. Exas. sabem, porque tiveram o prazer de escutar o Sr. Deputado Daniel Barbosa, que as suas alegações não explicam nem justificam qualquer espécie de insinuações erróneas no sentido da inadidade de uma obra levada a cabo no decorrer de três decénios sem paridade na história portuguesa, cujo volume utilidade e salutares efeitos o dinâmico autor

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do aviso prévio não se causou, aliás, de reconhecer e de proclamar reiteradamente.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa, com o seu tino espírito e aguda inteligência, não hesitou, do resto, em acentuar logo no começo da sua oração da delicadeza e a importância do assunto que resolvera tratar no seu aviso prévio e vacinou-se e procurou vacinar o País contra as intenções que porventura lhe emprestem aqueles para quem o acto mais objectivo no terreno político tem fatalmente de ter atrás de si uma razão escondida, se não menino um fim inconfessado e oculto».
Todavia, em política, no sábio conceito de S. Exa Sr. Presidente do Conselho, das coisas não são o que são, mas sim o que parecem. Vai daqui sinto que só traduz para mim num imperativo moral e de gratidão por trinta anos de paz e de progresso acudir no debate, completando, esclarecendo aquilo que o Sr. Deputado Daniel Barbosa classificou de «formulação corajosa de uma verdade na administração e na política».
Sr. Presidente: as alegações -continuo sempre a adoptar o classificativo do requerente do aviso prévio - do Sr. Deputado Daniel Barbosa prolongaram-se por três sessões.
Na primeira, S. Ex.a, após uma aliciante introdução, abordou os problemas seguintes: Significação e extensão da expressão Problema económico português»;«Poder de compra, da população»; «Custo da vida na sua relação com o poder de compra da população», e «Situação de Portugal dentro dos países subdesenvolvidos».
Na segunda, tratou das «Repercussões no campo político» e das «Repercussões no campo económico social».
Na terceira e última sessão o concluindo, o ilustro Deputado apresentou uma «Contribuição para a solução do problema através duma política de investimentos», propôs-se abrir os «Caminhos para a solução do problema económico português» e deu por findo o seu exaustivo trabalho enunciando a «Escala das soluções e da coordenação; seus ensinamentos e consequências».
Afirmo uma verdade quase axiomática proclamando que para essas últimas e brilhantes conclusões não ora absolutamente indispensável a matéria controvertida nas duas sessões que as precederam, nomeadamente na primeira sessão.
E faço esta nota porque foi precisamente o discurso preterido no primeiro dia em que o Sr. Deputado Daniel Barbosa usou da palavra aquele que mais emocionou a opinião pública, excitando-a ou desorientando-a, consoante o estado psíquico ou as inclinações partidárias de. muitos e muitos dos seus imponentes.
Como é da praxe, esse sector da opinião pública apegou-se a uma afirmação do orador, isolada do texto integral do respectivo discurso; autonomizou-a; procurou transformá-la numa espécie de novo slogan e concluiu assegurando sem tibiezas que um antigo Ministro e Deputado da Nação demonstrou que em Lisboa é impossível a vida dum grupo familiar 'Constituído por pai, mãe e dói? filhos desde que os respectivos proventos mensais não atinjam a quantia de 3.000$.
E daqui, comparando e estabelecendo a proporção entre este montante e o mensalmente percebido por lautas e tantas centena-? - para não dizer milhares - de funcionários públicos, militares, empregados comerciais nu industriais e. operários, vá de acusar a Situação de ter criado no País uma atmosfera de desoladora insuficiência, de nada haver produzido de útil, de nos ter mantido num marasmo que é a mais evidente das provas da inanidade de quanto se exalta como feito através de três decénios duma administração pública á margem dos partidos.
Não exagero, repito.
V. Exas. sabem que não exagero.
Mal, muitíssimo mal, sem dúvida, é esta a deturpação a que para muitos deu causa, aliás involuntária, a primeira parte das alegações do ilustre Deputado Sr. Daniel Barbosa.
Importa, por conseguinte, investigar, dissecar, pôr a dam, se as fontes ou os elementos que constituem as bases dos cálculos do Sr. Deputado revestem, efectivamente, ou podem observar-se com um tal carácter de autenticidade e exactidão que implique a respectiva aceitação sem sombra de reservas.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Exa. dá-me licença? O Orador: - Quantas vezes V. Exa. quiser.

O Sr. Daniel Barbosa: - Não desejava interromper V. Exa. durante o seu discurso.

O Orador: - Tira-me um prazer.

O Sr. Daniel Barbosa: - Mas dava-me comodidade. Seria muito mais fácil concentrar no final todas as criticas às alegações de V. Ex.a; esclareço que outra coisa não pretenderei fazer, quando tornar a pedir a palavra ao Sr. Presidente, senão responder às observações de V. Ex.ª e às de todos os demais colegas que participarem no debate.
Mas há uma coisa para a qual queria, desde já, chamar a atenção, com aquela franqueza que me caracteriza, como, alias, a V. Exa. Sei que, de um certo modo e em certos sectores, se podem interpretar duma maneira diferente as minhas palavras. Embora me considere muito modesta figura da política portuguesa, não fugiria, no momento preciso, a esclarecer o que disse. Mas pergunto: não está V. Exa exactamente a dar uma importância política desmedida a essas alegações?

O Orador: - Inteiramente convencido de que presta um serviço útil; e nessa convicção que continuo, na intenção clara de anular a má interpretação dada às palavras de V. Exa., a tal ponto que desde já declara que as virá a esclarecer.
Como chega o ilustre Deputado Sr. Daniel Barbosa ao seu cálculo dos 3.000$ mensais, ou 36.000$ anuais?
Adopta o processo da valorização do custo de vida entre nós pela determinação do poder de compra da maioria da gente portuguesa, procurando exactamente corrigir o erro que se cometeria com certeza o «com certeza» é do requerente do aviso prévio- partindo das verbas médias que a estatística aponta, com todas as suas deficiências, correcções e lapsos.
Como base de determinação considera um agregado familiar; composto por pai, mãe e dois ou três filhos, ao qual se atribui a necessidade de cobertura alimentar de cerca de 12 800 calorias diárias.
Parte assim de uma média da ordem das 3000 calorias diárias por indivíduo, 'dado que várias hipóteses se podem considerar dentro dos quantitativos médios de 3500 calorias para as quatro pessoas e das 2560 calorias para as cinco.
Observa que 3500, ou mesmo 3800 calorias alimentares não serão exageradas para corresponderem ao trabalho dum operário normal.
Estabelece a seguir aquilo que reputa uma ementa pobre, .se mão nos quantitativos globais dos, princípios alimentares imediatos, pelo menos na sua distribuição relativa e na variedade dos alimentos, que, aliás, escolhe entro os género, que supõe serem os mais baratos que se possa encontrar no mercado; tantos gramas de

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pão, tantos de bacalhau, azeite, leite, carne, batatas, açúcar, feijão, 1 kg de arroz e 1 l de vinho.
Faz as contas e apura que à ementa assim proposta correspondem cerca de 12 800 calorias, provenientes de 430 g de proteínas e quase 300 g e 2230 g de gorduras e de hidrocarbonatos, respectivamente.
As calorias enunciadas aplica-lhes o preço que lhes corresponde, e que seria de cerca, de 1$10 por 1000 calorias em 1939, passando para 2$7õ em 1955. Foge, contudo, aos índices de preço que as nossas estatísticas referem e prefere considerar os preços correntes daqueles alimentos na cidade de Lisboa em Outubro de 1906. E verifica que, seja no mercado pròpriamente dito, seja em cantinas de organizações industriais, 2$45 e 2$30 «seriam então, na realidade, e agora, o custo daquelas 1000 calorias, respectivamente».
Com esta dieta, «de certo modo desequilibrada e pobre», encontraríamos, um mínimo de 14$ exclusivamente para o custo diário dos géneros que comporiam a alimentação deste agregado familiar de quatro a cinco pessoas em 1939.
Em Outubro de 1956, porém, em vez de 14$, toparíamos com cerca de 31$ na cidade de Lisboa.
Ou, mais precisamente, 36$ por dia.
Acrescendo às despesas de alimentação os demais encargos do agregado familiar, que vão da renda de casa a tudo o mais, o Sr. Deputado Daniel Barbosa concluiu esta parte do seu discurso dizendo que «um agregado familiar nas condições apontadas necessita de ter como mínimo de proventos mensais 3.000$».
E como o Sr. Deputado Carlos Borges o interrompesse, observando que S. Ex.ª partia do princípio de que era exacto o número de calorias que apontou, logo o orador retorquiu, com a sua habitual vivacidade, que «não tinha que discutir esse problema», que não era a S. Ex.ª que competia «definir se devem ser 3000 calorias, ou mais, ou menos, de que um homem normal precisa» e que se limitara «a partir de números que outros, com autoridade, fixaram».
Não tenho senão que aplaudir o ilustre Deputado no seu desinteresse pelo número de calorias de que um homem precisa.
Não obstante, para o cálculo, o número que perfilhou é decisivo, porque dele resultam as cifras em dinheiro pelas quais se acabou por orientar.
Ora, não serei eu, Srs. Deputados, quem se atreva a menoscabar a importância e a relevância das indicadas calorias para elucidação de problemas como o ventilado no aviso prévio.
São, sem dúvida, elementos de informação científica de notório acatamento.
Mas talvez não seja indiferente investigar se a respeito de tais números há uma opinião concorde, unânime, ou se, ao invés, variam com impressionante facilidade de autor para autor.
Se estão por todos os sábios na matéria aceites como comprovadas, os cálculos que nelas se fundamentem são... tabo.
Mas se «cada cabeça cada sentença», muito em especial quando se transportam ou invertem as calorias para os variadíssimos regimes dietéticos, então talvez não seja ofensa grave o salientar que os cálculos neles fundados traduzem um critério subjectivo que é indispensável corrigir, alterar, modificar, pelo que resulte de outros índices de informação - índices estranhos e independentes das calorias - que à vista, ao exame de cada qual, ressaltem com uma evidência que não deixa errar.
Sendo, como é, assim, surge a oportunidade de investigar qual das hipóteses será a verdadeira: unanimidade de números ou cada autor cada número de calorias?
A resposta é fácil e a demonstração edificante.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª está, quanto a mim, desculpe, a seguir um raciocínio que peca de um erro de base. Não discuti números em valor absoluto; servi-me de números, de médias, como ordens de grandeza. Respondo, talvez, de uma, maneira corriqueira, mas que sintetiza também o meu pensamento de uma maneira clara.
Primeiro que tudo, devo dizer que quando se fala de calorias se fala de uma unidade física - a caloria é unia unidade da física, e não da fisiologia; simplesmente, o problema põe-se da seguinte maneira: interessa saber até que ponto a energia, despendida por um homem num dia de trabalho...

O Orador: - Precisamente o que estava recordando a V. Ex.ª eram as discordâncias acerca de um número-base... uniforme.

O Sr. Daniel Barbosa: - Perdão, ia só é que está o erro de V. Ex.ª dizer onde é que está o erro de V. Ex.ª.

O Orador: - Se estivesse em erro, daria a mão à palmatória. Mas não: V. Ex.ª parte de determinado número de calorias para encontrar certo preço, e volto a insistir em que não há opinião unanime em volta desse número de calorias.

O Sr. Daniel Barbosa: - A confusão é de base. Parti de uma ordem de grandeza, duma média, e, portanto, desde que assim é, tenho de admitir, pela própria significação da ordem de grandeza, ou de média, uma diferença para mais ou para menos. É da própria definição.
Quando digo que o consumo de uma pessoa é de 3000 calorias, estou a admitir que podem ser mais ou menos 10 ou 15 por cento. Aceito um erro sobre, as 3000 Calorias, mas digo então a V. Ex.ª para fazer as necessárias correcções.

O Orador: - Essa é a função de V. Ex.ª

O Sr. Daniel Barbosa: - Veja V. Ex.ª o que se perde de calorias até ao momento em que são asseguradas pela assimilação dos alimentos, dado que foi em relação aos géneros em cru que as considerei.
Dentro das ordens de grandeza consideradas, qualquer preocupação de excessivo acerto cai, desde logo, pela base.
De facto, basta atender a que ainda é pouco o cálculo de 300$ para renda de casa, e aumentá-lo mais 50$; e quanto ao cálculo que referi, de 720$ por ano, para vestuário e calçado, ponha então V. Ex.ª 1.000$, e toda a correcção de custos à base do número médio de calorias cai fatalmente pela base.

O Orador: - Ouvimos, com muito prazer, o Sr. Deputado Daniel Barbosa partir de determinado número de calorias para, com base nesse número, descobrir determinado montante como mínimo essencial para a manutenção em regime de mesa modesta dum agregado familiar constituído por pai, mãe e dois ou três filhos; e eu - repito - pus o problema de investigar se acerca deste número de calorias há ou não há divergências. Se é um número assente como indiscutível, o raciocínio do Sr. Deputado Daniel Barbosa está certo; mas, se «cada cabeça cada sentença», então importa socorrermo-nos de outros elementos de informação, independentes daqueles que resultam de cálculos sobre calorias, para concluir se devo ou não solidarizar-me com a cifra indicada por S. Exa.
O problema, posto nestes termos, é linear.

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O Sr. Daniel Barbosa: - Pode ser linear e ser com curvas. V. Ex.ª, por exemplo, não está a chegar ao fim pelo caminho mais curto.

O Orador: - É a opinião de V. Ex.ª mas não a minha, e sou eu agora quem usa do direito de manifestar a sua opinião.
Logo as primeiras divergências que me saltaram à vista foram as verificadas em autênticas autoridades nacionais.
Em 1946 o Sr. Eng. Ferreira Dias publicou a Linha de Rumo - Notas da Economia Portuguesa, livro este que, sem sombra de adulação, pode e deve estar à cabeceira de todos os estudiosos portugueses.
E a pp. 133 e seguintes, acamaradando com o critério do nosso colega Deputado Daniel Barbosa, estabeleceu que «apreciação mais acertada do desafogo da vida em cada país se fará tomando para conversão dos salários, em vez do câmbio das moedas, a proporção em que essas moedas são capazes de adquirir os alimentos necessários para compor uma ementa-tipo». E, considerando também, precisamente, o caso frequente de uma família, composta por pai, mãe e dois filhos, afirmou que o sustento dessa família exigirá por dia, segundo a opinião dos fisiologistas, um total de 12 400 calorias, das quais 4500 calorias pertinentes ao pai.
Já vimos, e todos temos bem presente na memória, que, nas suas brilhantes alegações de há dias, o Sr. Deputado Daniel Barbosa assentava os seus cálculos na cobertura alimentar de cerca de 12 800 calorias diárias - ou seja mais 400 calorias que as fixadas como indispensáveis nos cálculos do Sr. Eng. Ferreira Dias; e também nenhum de nós esqueceu que o Sr. Eng. Daniel Barbosa partia, assim, nas suas estimativas, «duma média da ordem das 3000 calorias diárias por indivíduo», ou seja menos 1.500 calorias, também diárias e por indivíduo, cimentadas nos alicerces dos cálculos do Sr. Eng. Ferreira Dias.
Ninguém me Levará, decerto, a mal que confesse a impressão de incerteza que tolhi logo ao primeiro tropeçar com este desacordo de autoridades igualmente estimáveis.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª não pode comparar, como pretende, dado que as bases de partida são diferentes.

O Orador: - E essa incerteza agrava-se quando, em nota ao primeiro passo transcrito de p. 1133 da Linha de Rumo, vi indicada como fonte de informação do Sr. Eng. Ferreira Dias precisamente a autoridade do Sr. Eng. Daniel Maria Vieira Barbosa - «Bases para o estabelecimento dos salários industriais em Portugal», II Congresso da União Nacional, Lisboa, 1944.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Daniel Barbosa: - Tenho imensa pena de estar a interromper V. Ex.ª ...

O Orador: - Não tenha. Estou encantado!

O Sr. Daniel Barbosa: - Muito obrigado.
É que V. Ex.ª está a laborar numa confusão tremenda. V. Ex.ª está a agarrar-se a um número rígido, e isso não pode ser...

O Orador: - Não estou. Não fui eu que me agarrei a um número rígido. Foi V. Ex.ª que o estabeleceu como base.

O Sr. Daniel Barbosa: -Então só tenho de constatar que ou V. Ex.ª não leu bem ou não me compreendeu.

O Orador: - Li. E suponho que foi o que todos nós percebemos...

O Sr. Carlos Moreira: - Parece que isso é afirmar muito. Eu, pelo menos, não passei a V. Ex.ª declaração, nem expressa nem tácita, que lhe permitisse afirmar que todos nós tínhamos compreendido assim.

O Orador: - Registo.

O Sr. Daniel Barbosa: - Só queria dizer o seguinte: citei um número de quatro ou cinco pessoas, mas tive a cautela de acentuar que o número encontrado era susceptível de variação, para mais ou para menos, agravando ou beneficiando o orçamento familiar conforme aumentava ou diminuía o número de adultos ou de crianças...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que V. Ex.ª está a derivar. V. Ex.ª citou um mínimo mensal indispensável para que determinado agregado familiar viva.

O Sr. Daniel Barbosa: - Não estou, não senhor. V. Ex.ª é que parece não ter entendido bem o que eu disse.

O Orador: - Entendi, sim senhor.

O Sr. Daniel Barbosa: - Então terei de concluir que V. Ex.ª não sabe o que é uma média!

O Orador: - Talvez! Mas continuando: V. Ex.ª não afirmou médias mensais indispensáveis; garantiu um mínimo mensal certo...

O Sr. Daniel Barbosa: - ... que se desligou dessas médias, aliás.

O Orador: - Se V. Ex.ª me dá licença, prossigo.
A nota vem, repete-se, no final da p. 133 da Linha de Rumo, por sinal aditada da explicação de que «são tirados deste trabalho alguns dos números que seguem».
Donde resulta que em 1946 o Sr. Eng. Ferreira Dias, por si ou fazendo compartilhar das responsabilidades do facto o Sr. Eng. Daniel Barbosa, exigia como mínimo diário, quer para o agrupamento familiar, quer para o respectivo chefe, um número de calorias sensivelmente diverso do preferido pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa nas suas alegações.
Vai daí, tais divergências avolumaram-me a desconfiança e a incerteza nas bases sugeridas como razoáveis. E deliberei atravessar as fronteiras, promover que nos autores e organismos estrangeiros mais cotados se perscrutasse o que existia de uniforme ou concorde em matéria, de mínimo de calorias diárias exigidas para um agrupamento familiar ou por cada indivíduo.
E das remotas e nevoentas invocações da história bíblica surgiu-me uma bem desenhada «torre de Babel».
Na Higiene Rural está entendido como óptimo social por Marañon e Richet como número de calorias por indivíduo:

[Ver Quadro na Imagem]

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Mas Carrasco Cadenas, em 1934, calculou a ração alimentar média dos Espanhóis em:

(Ver tabela na imagem)

E Zapatero considera o resultado erróneo, visto que assenta no mesmo método que tem sido usado entre nós: apreciação dós consumos totais e divisão pelo número total dos habitantes.

Diverge, porém, a Modera Trend in Public Health, da British Medical Association: indica como ração conveniente de proteínas 70 g por dia e por pessoa. Destas, 50 g, pelo menos, devem ser de origem animal. São 280 calorias, mas neste caso o que interessa é o peso em gramas, por se tratar de alimentos histoplásticos, reparadores dos desgastes funcionais dos tecidos orgânicos.
Opinam, por sua vez, divergentemente os Srs. Mac Cance e Widdowson (1946), pois demonstram que um trabalho muito pesado pode ser realizado com, apenas, l5 g de proteínas animais (l49 g de proteínas vegetais) e 4000 calorias totais.
E já se defendem Índices incontestavelmente diversos nos estudos sobre alimentação por F. Konrich.
Exemplo de rações diárias

(Ver tabela na imagem)

E renovam-se as originalidades e disparidades na tabela recomendada para os alimentos da dieta diária.
E o desacordo prossegue agravando... Neste quadro, organizado por Rubner, parte-se do principio de que a população compreende um terço de homens, um terço de mulheres e outro de crianças, com o peso corporal médio de 45 kg. Nestas condições, por indivíduo e por dia, resulta:

(Ver quadro na imagem)

Portanto, praticamente todos os seres humanos ingerem as mesmas quantidades de alimentos, e com idêntica composição, nos três principiou imediatos.
Sucede, contudo, que A. Rochaix, no seu consagrado Traitè de Jftjyiène, publica o quadro que a seguir vou ler, no qual se nos deparam outros e bem distintos índices.

Necessidades energéticas totais em calorias, em prótidos e em lipidos para as principais categorias de indivíduos

(Ver quadro na imagem)

..........

E renovam-se as originalidades e disparidades na tabela recomendada para os alimentos da dieta diária pelo Food and Nutrition Board National Research Council.

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(Ver tabela na imagem)

O desacordo prossegue em Medicina Preventiva e Saúde Pública, por W. G. Smillie:
Necessidades nutritivas normais para uma pessoa de estatura média, de actividade moderada e 70 kg do peso.

(VER Tabela na imagem)

A esta dieta devem juntar-se 400 U. I. de vitamina D, se não for possível obtidas na forma de radiação solar.
A ementa do aviso prévio corresponde a 14 242 calorias, embora o seu autor indique 12 800. (Usaram-se no cálculo as tábuas de Ragnard, de Berg e de Kochaix).
Igualmente se confessa desarmónica com tais índices a Comissão de Higiene da Sociedade das Nações (Junho do 1935):

Por sua vez, no Traité , de Rochaix, apresenta-se como suplemento para vinte e quatro horas, a 18º:

Mas não concorda a Comissão de Higiene da Sociedade das Nações (Junho de 1936); partindo do índice estabelecido então em 2400 calorias por vinte e quatro horas, prefere como calorias suplementares por hora:

(Ver tabela na imagem)

Embrenham-se os tratadistas pelas sendas que se encaminham para as especializações. No volume Assistência Alimentar a Tubercolosos, por Schulte-Tigges--De Hoimeï (Keno), 1947, escreve-se:

Todos os especialistas concordam em que uma alimentarão suficiente é da maior importância na cura da tuberculose. Principalmente, é indispensável conseguir que o doente saído do sanatório em condições de ganhar a vida. retomando o seu trabalho, receba alimentação suficiente e adequada.
Esta deve ser:

1." grupo: trabalhos intelectuais: comerciantes, escriturários, empregados de escritório, vigilantes - 2200 a 2400 calorias.
2." grupo: trabalhos musculares sedentários: alfaiates, relojoeiros, caixeiros, de andar e falar (professor, por exemplo) - 2600 u 2800 calorias.
3." grupo: trabalhos musculares moderados: sapateiros, encadernadores, carteiros, trabalhos de Laboratório - 3000 calorias.

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4." grupo: trabalhos musculares mais intensos:
operários metalúrgicos, pintores, carpinteiros - 3400 a 3600 calorias.
5. grupo: trabalhos violentos (a) - 4000 ou mais calorias.
6." grupo: trabalhos muito violentos (a) - 5000 ou mais calorias.

E, para remate, Turner, professor de Salubridade da Universidade de Massachusetts, dá-se ao labor de repartir as calorias pelas diversas formas de humana actividade ou inactividade, elaborando o seguinte e elucidativo quadro:

(ver tabela na imagem)

Que conclusão se supõe que vou extrair desta barafunda de critérios?
Decerto não será a de que nego rotundamente o valor científico ou u realidade de estudos baseados nas fontes indicadas.
Não, Sr. Presidente e meus senhores!
Seria ridículo, revelaria uma mentalidade de ... gaibéu, ridicularizar ou amesquinhar os argumentos extraídos dos números de calorias perfilha dos pelos autores tanto nacionais como estrangeirou.
E óbvio que têm o seu valor científico inegável, mundialmente reconhecido.
Mas o que sustento e afirmo é que não podem, nem devem, ser reputados só por si.
Há que confrontá-los com outros elementos estatísticos !
E, sobretudo, quando a visão diária dos acontecimentos que nos rodeiam leva a conclusões opostas ou diversas daquela que aqueles cálculos insinuam, então há que rever uns e outros e mio hesitar entre os fetichismos dos números ou os calões científicos e a gritante realidade dos factos que se nos metem pelos olhos dentro.
Assim, quero crer, é que estará certo!
Ora, partindo dos números - bases dos cálculos do Sr. Eng. Daniel Barbosa e adaptando-os e reduzindo-os na razão dos anos a que digam referência, teríamos de concluir que no decurso dos trinta anos que se acumulam de 1926 para cá a grande massa dos habitantes do País. e determinadamente os grupos familiares constituídos, em Lisboa, por pai, mãe e dois a três filhos, viveu com uma média de salário sensivelmente igual a metade daquela que no estudo do Sr. Eng. Daniel Barbosa constituiria provento global limite.
A ser assim, de ano para ano inevitável, implacàvelmente, as estatísticas deveriam revelar uma diminuição crescente do respectivo consumo, primeira consequência da redução do poder de compra.
Mas percorremos as estatísticas e verificamos nada mais nada menos que a inversa! Refiro os seguintes números de O Problema Alimentar Português - Subsídios para a sua Resolução, do médico nutricionista da Direcção - Geral dos Serviços Agrícolas Sr. Dr. Rocha Faria, a p. 70:
Produtos hortícolas - Computa-se a porção edível destes produtos em:

(Ver tabelas na imagem)

Mas não se esqueça que para o consumo da carne nas ementas, mesmo nas classes menos abastadas, contribui em avantajada escala a caça. E que esta produz uma porção edível estimável em 600 t anuais.
E não se esqueça também que em identidade de circunstâncias se têm de colocar os animais de capoeira (galinhas, patos, perus, pombos e coelhos), que correspondem a um consumo total de 7 550 000 unidades, com o peso médio limpo de 1,3 kg, ou seja, em números redondos, 10 000 t.
Pois neste sector também é de constatar que houve um acréscimo entre 1927 e 1946.
O Sr. Daniel Barbosa: -E pode V. Ex." referir as capitações?

O Orador: - Para o meu raciocínio não preciso. Y. Ex.1 também as não referiu no cômputo dos 3.000$ mensais ...

O Sr. Daniel Barbosa: - Y. Ex/está a falar de aumentos. Precisamos não esquecer que a população aumenta 100 000 habitantes por ano; portanto, em deis anos a população aumentou l milhão de habitantes.

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V. Ex.ª encontrou nas minhas alegações que eu me tinha socorrido dos próprios índices dados pela O. E. C. E. para mostrar o progresso que tínhamos feito no aumento das capitações. Simplesmente a conclusão de V. Ex.ª embora viesse ajustar-se à minha quando refiro um aumento de capitação, não me pode satisfazer enquanto V. Ex.ª não disser qual a capitação. Citar apenas aumentos por totalidades não quer dizer nada.

O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: envergonho-me de prosseguir, massando os que me escutam com este interminável alinhar de algarismos.
Fecho, portanto, o balanço e termino assim: no longo período de trinta anos decorridos de 1926 até hoje tem sido constante o acréscimo, de ano para ano, das porções edíveis dos produtos alimentares indicados.
Ora o aumento da população não evoluiu nas mesmas proporções. Logo, as capitações pouco esclareceriam, antes, se atenta a reconhecida, constante e progressiva desvalorização da moeda ou alta dos preços dos produtos alimentares, as estimativas do Sr. Eng. Daniel Barbosa fossem uma base segura de cálculo, ou a lógica já não é lógica ou o consumo ter-se-ia ido reduzindo à medida que os proventos dos grupos familiares viam reduzido o seu poder de compra.
Reduzindo, reduzindo, até à morte por iuanição ...

O Sr. Daniel Barbosa: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Agora sim.

Há bocado não deixei que V. Ex.ª me interrompesse para que pudesse concluir o meu raciocínio. Mesmo nos debates forenses adopta-se, por vezes, o processo de interromper o adversário para lhe quebrar a fluência do discurso. Aprendi-o em quarenta anos de prática. Por isso e à cautela, preferi concluir. V. Ex.ª pode intervir agora.

O Sr. Daniel Barbosa: - Há bocado não interrompi V. Ex.ª para lhe quebrar o raciocínio, mas apenas para me justificar dentro da pobreza do meu. Eu só queria fazer uma pequena observação. E que V. Ex.ª não apreendeu bem que a ementa que eu fiz foi uma ementa verdadeiramente pouco equilibrada, simplesmente para mostrar ...

O Orador: - E que certamente não comeu ...

O Sr. Daniel Barbosa: - Nem V. Ex.ª. Agora sou eu que peço a V. Ex.ª que não me interrompa, porque eu não sou seu colega ...

O Orador:- Já o é, pelo menos Honoris causa ...

O Sr. Daniel Barbosa: - Muito obrigado!
Mas, se V. Ex.ª Sr. Presidente, me der licença, eu continuarei.
Aquela dieta que eu apresentei e que todos V. Ex.ª, com a maior das benevolências. aceitaram -mas que nào comeram, felizmente- foi feita propositadamente há, no fito de encontrar, numa equivalência de gorduras, de proteínas, de hidratos de carbono e de calorias, a ementa mais barata possível, mesmo sob condição de não satisfazer ao mínimo de qualidades alimentares. Assim me preparei para raciocinar por defeito.
Parti de médias, mas a não querer aceitar médias, nem na física, nem na química, nem na meteorologia teríamos possibilidades de raciocinar, como é viável, por carência de valores univocamente reais.
Mas nós sabemos que, apesar disso, quando se faz uma determinação com a máquina de Atwood, acabamos por encontrar valores médios.
Portanto, o que procurava dentro das médias, que não se poderão aparentar às vezes com os valores referidos pelo Sr. A., pelo Sr. B. ou pelo Sr. E., mas que poderão coincidir com os do Sr. D., era definir para um agregado familiar uma determinada quantidade de hidratos de carbono, de proteínas e de gorduras que dessem a equivalência de calorias pelo preço mais barato. O cálculo pode estar errado, mas é sério ...

O Orador: - Perdão! A seriedade do cálculo está fora de discissão; o que se impugna é a certeza ...

O Sr. Daniel Barbosa: - E para isso fui buscar as gorduras à equivalência do azeite, porque se o fosse fazer à manteiga, ao queijo e ã carne o seu preço seria bem mais caro. Por isso obtive um número por defeito.
V. Ex.ª falou há pouco, e muitíssimo bem. na diversidade das calorias. Eu pergunto: se V. Ex.ª tivesse de fazer o que vi durante a guerra na Alemanha, com a preocupação de substituir alimentos que faltavam por outros, de modo a garantir o mínimo de proteicos, como podia V. Ex.ª trabalhar sem partir de médias:

O Orador: -V. Ex. não sabe que então se preferiu a base das proteínas?

O Sr. Daniel Barbosa: - O que interessa são as médias.

O Orador: - Cada rabeca, cada média.

O Sr. Daniel Barbosa: - Perdão! cabeça, cada número. Os números representam médias à volta dessas importâncias.

O Orador: - À volta !

O Sr. Daniel Barbosa: - Mas são médias. Tenho sempre um complexo de inferioridade perante os juristas.

O Orador: - Mas não é dos juristas que se trata ...

O Sr. Daniel Barbosa: - Sinto- especial m ente essa inferioridade quando os juristas demonstram tão brilhantemente, como V. Ex. que não percebem nada de médias aritméticas, mas resolvem falar delas.

O Orador: - íamos nesta altura: as aquisições resultantes das tais médias de calorias só por si ...

O Sr. Aguedo de Oliveira: - Nuns casos são médias, noutros casos, de programas e ambições políticas, são recomendações.

O Orador: - Conclusões tiradas exclusivamente com base em médias de calorias não convencem ninguém. É preciso procurarmos sinais externos que corroborem, confirmem ou neguem essas conclusões.

O Sr. Daniel Barbosa: - Óptimo!

O Orador: - Estava a averiguar se havia esses sinais externos. Estava a fazer a afirmação de que num país que durante cerca de vinte anos está num regime de subalimentação, em que cada agregado familiar não chega a receber em média metade do mínimo indispensável, os indivíduos não tinham ânimo, nem disposição de espírito, nem vagar para se divertirem e frequentarem as escolas.
Na literatura, nas reportagens sensacionais, nas terríficas descrições dos horrores da última guerra esciv(...)

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veram-se páginas de emocionante e perturbadora beleza, desenhando-nos os efeitos, o espectáculo da morte lenta, por inanição.
Não é - está evidente- dessa (tragédia que teremos de nos ocupar agora!
Desejo única e simplesmente dar a nota de que uni poro - unia cidade - subalimentado nas condições que implicitamente resultariam das estimativas do Sr. Eng. Daniel Barbosa não tem saúde fisiológica, nem disposição de espírito, nem disposição moral {Mira fé instruir, .transportar ou divertir.
Aperta o cinto, enrosca-se, foge aos movimentos que consomem calorias, retrai-se Sendo assim, e dada. a limitada confiança que temos nos dados da estatística, importa então recorrer aos tais sinais externos de prosperidade, cases testemunhados por números indiscutíveis e que nos conduzem, não só a corrigir, como u minimizar as conclusões das estimativas do Sr. Eng. Daniel Barbosa, construindo sobre a base dum número de calorias que é ... um número, por hipótese diferente, de tantos e tantos outros que fomos rebuscar às autoridades na matéria.
Quais suo esses índices ou sinais externos?

Em primeiro lugar: um país em que cada habitante ou grupo familiar ganha sensivelmente menos de metade do mínimo indispensável para uma humana .sustentação ... não viaja.
Pois, segundo o Anuário Estatístico de Portugal, o» números de viajantes em 1935, 1952 e 1954 foram, respectivamente, os seguintes:

(Ver tabela na imagem)

Quer dizer: de 1935 para 1954 quase quintuplou o número de passeantes ou viajantes na camionagem e mais do que duplicou o número dos utentes dos caminhos de ferro.
E não se objecte que a população também aumentou: não há paridade entre uns e outros índices.
Os habitantes dum país condenados a auferirem, por si ou pelos agregados familiares de que façam parte, menos de metade do estritamente indispensável para se manterem dia a dia também não frequentam - consoante já anotámos, mas é oportuno repetir - os espectáculos públicos.
Pois bem: a frequência, que em 1947 já ascendia a 22 446 milhares, sobe em 1952 a 24 129 milhares e atinge 28 335 milhares em 1954.
Estes espectáculos são, em 1952, o cinema, teatros, circo, touradas e pugilismo. E, sempre com base nos números do Anuário Estatístico de Portugal nos respectivos anos, em 1954 incluem os de 1952 e variedades, bailados, espectáculos publicitários e concertos.
A frequência das escolas também evoluciona de modo a contrariar os pessimismo? dos cálculos cuja rectificação procuramos.
Em 1928-1929, 375 587 alunos frequentam 7402 estabelecimentos escolares; em 1953-1954, já são l 119067 alunos a frequentarem 14 473 estabelecimentos.
A diferença para mais é da ordem do quádruplo paru o número dos alunos e do dobro para os estabelecimentos escolares.
Também não será fácil objectar que o aumento da população evolucionou com igual ritmo ...
Mas, se a frequência das escolas não convence, se as deslocações em caminhos de ferro ou na camionagem não impressionam, se os números indicativos do quase astronómico incremento da frequência dos espectáculos públicos é, ou pode ser, contrabatido pelo facto único, aqui referido ontem, de uns cresos do Norte que pagaram u gasolina aos • furiosos» do futebol, então optemos por elementos já então irrefragáveis, duma força de prova como que física, contundente, somente inapreciável para os cegos que não queiram ver.
Esses elementos serão os relativos aos índices da mata] idade, da mortalidade e saldo fisiológico.
Com efeito, por mais frágil e caricatural que seja o reparo feito suo» números relativos à frequência idos espectáculos públicos ou digressões na camionagem ou nos caminhos de ferro, ainda consentem o gracejo de que há quem conte na comida ou no passeio o que prefere gastar nas digressões.
Todavia, quanto à natalidade, à mortalidade, ao saldo fisiológico, a alimentação insuficiente actua implacàvelmente: a morte ceifa os mal alimentados, sejam eles homens, mulheres ou crianças débeis.
Pois bem: em 1926 a taxa de natalidade era de 33,48; a 'da mortalidade de 19,76; o saldo fisiológico, consequentemente, de 13,72, e a mortalidade infantil, por 1000 nado» vivos, de 145.7.
Em 1936 estes números alteram-se. respectivamente, para 38,06. 16,24 (cerca de menos 3), 11.82 e 139,7 (cerca de menos 6).
Em 1946, .sempre respectivamente, passam a 25,35, mortalidade. 14,88 (cerca de menos õ que em 1926), 10,47 t 119,4 da mortalidade infantil (já cerca de menos 26 que em 1926); e em 1955. últimos números que consegui obter, na urgência de reunir estes índices, n natalidade é de 23,94, o índice da mortalidade baixa para 111,35, ou seja menos 8 que em 1926, e a mortalidade infantil para 90,2, ou seja menos 54 que em 1926.
As diferenças são sensíveis, impressionantes, esclarecedoras em definitivo da tese que me propus demonstrar.
Mas, em boa verdade, confesso que no que respeita à mortalidade infantil é cedo, muito cedo ainda, para ... embandeirarmos em arco.
O Monthly Biilletin of Statistics, a fl. XV, e com referência a Outubro de 1956, aponta índices comparativos que nos arrastam desoladoramente, neste capítulo, para um lugar de compungidora inferioridade.
Mas seja como for dos índices que rapidamente destacámos há que extrair conclusões que fortalecem o meu asserto.
Contudo, se há dúvida, se depois de tamanho e tão maçador arrazoado ainda existe quem se disponha a prestar culto ao significado dogmático ou fetichista das «calorias» - então aqui vão uns últimos e insuperáveis algarismos.
Não ignoram VV. Ex." que a Caixa Económica Postal e a Caixa Geral de Depósitos são o refúgio, o mealheiro onde, dia a dia, de semana a semana, de mês a mês. a criada de servir, o operário, o pequeno funcionário e até o estudante que se mantém dando explicações vão arrecadar os minguados escudos que sobram das despesas da sua manutenção diária.
Na Caixa Económica Postal p limite do valor do depósito foi fixado em 5.000f: sinal seguro de que RO as pequeníssimas economias a ela podem concorrer.
E, nesta conformidade, a indicação que colhermos do exame da movimentação desses depósitos é decisiva,

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definitivamente convincente acerca da possibilidade de se sustentarem, viverem e fazerem economias aqueles indivíduos ou agregados familiares cujos proventos estão abaixo, muitíssimo abaixo, dos 3.000$ mensais mínimos apreciados nas considerações do Sr. Engenheiro Daniel Barbosa.

O Sr. Daniel Barbosa: - Tenho a impressão de que não foi intenção de V. Ex.ª, ao referir-se às minhas alegações, concluir que eu não tinha reconhecido o avanço que operámos neste campo.
Eu, exactamente, quando aqui protestei contra a classificação dada a Portugal de país subdesenvolvido, destaquei que todo esse movimento que se está a dar é uniforme em todos os países civilizados, que mostram, assim, um importante progresso mundial.
Mas é preciso também notar que, a par dessa melhor alimentação, influem também, e muito, as melhores condições de higiene...

O Sr. Galiano Tavares: - O combate às doenças.

O Sr. Daniel Barbosa: - Exactamente, o combate às doenças, etc.
Mas V. Ex.ª sabe também que uma das grandes preocupações que hoje começa a aparecer é a de que exactamente o avanço da higiene, com o atraso do avanço económico, não possa acabar por provocar, mais tarde, condições económicas de vida piores.
Não podemos tirar conclusões unicamente através das razões que V. Ex.ª invoca e que parecem indicar que estamos vivendo numa situação plenamente satisfatória.

O Orador: - Pois deixemos os índices fisiológicos e passemos à leitura dos depósitos feitos na Caixa Económica Postal.
Ora a movimentação desses depósitos na mencionada Caixa Económica Postal (vide p. 22 do Anuário dos CTT para 1955) tem a seguinte representação nos últimos cinco anos:

Depósitos

(Em números redondos)

[Ver Quadro na Imagem]

Em 1956 o montante anual subiu ainda para 181:545.130$70, divididos por 144 313 depósitos efectuados.
E em Janeiro e Fevereiro deste ano - apenas em dois meses - já se atingiram os 36 300 contos.
Comentar?
Para quê?
Que estranho e original país subalirnentado este, onde as classes mais modestas da população economizam nas gigantescas proporções postas a claro.
E se da Caixa Económica Postal passarmos para o exame do que se passa na Caixa Geral de Depósitos, sempre na área limite dos pequenos depósitos não excedentes a 4.000$ ou 5.000$, as conclusões não sofrem qualquer modificação.
Repito, portanto: comentar?
Para quê?
Sr. Presidente: será razoável, decente e honesto extrair das palavras que acabo de proferir a conclusão de que sou uma nova edição de Pangloss, satisfeito, radiante, a exultar porque tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos possíveis?
Que me propus; sustentar que toda a gente desta boa terra vive em pantagruélica abastança, viajando, teatrando, cinemando e acumulando economias sobre economias nas caixas económicas populares?
Repito: será decente, será honesto, será admissível?
Toda a vida tenho sido, e quero morrer, um homem leal, que expõe lealmente as suas razões a quantos o escutam, desagradem elas ou não.
Afigura-se-me tarde de mais para arrepiar caminho.
A atitude que tomo no debate é firme e clara: assistimos à evolução duma situação política que há trinta anos assumiu a direcção dum país sem finanças em ordem, nem meios de comunicação terrestres ou marítimos, nem aproveitamento útil dos seus recursos naturais, nem paz, orientação, conceito mundial, fé no futuro.
Pela acção dominante e decisiva de um Homem - e que Chefe! - ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... construímos e lançámos nos mares uma frota marítima de primeira ordem; reparámos as vias de comunicação existentes e construímos novas estradas; cumulámos cidades, vilas e aldeias de melhoramentos, obras de interesse social, ruas, esgotos, boas vias de comunicação: criámos inúmeras escolas; elaborámos e levámos a bom termo sucessivas instalações hidroeléctricas que assegurarão novos e cómodos meios de desenvolvimento social e industrial da Nação; facilitámos as comunicações entre rios, ligando as respectivas margens por pontes de avultado custo; condicionámos e fizemos o possível por estabelecer as boas regras duma prudente coordenação industrial, etc., etc., etc.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tudo isto soma e representa o investimento de muitos milhares, milhões de contos.
E esse sacrifício, houve que exigi-lo de uma, de duas gerações!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fez-se muito, unia obra enorme, mas que não é tudo.
E o sacrifício atingiu tal vulto que acabou por recair sobre todos, sem excepção.
É evidente que muitos não ganham ainda o suficiente para sustentação duma vida repousada e fácil.
Mas está no consenso geral - Governo, parlamentares, toda a Nação - que cada qual contribua com o máximo de esforço humano possível para que se acuda e se apresse a melhoria da situação dos menos afortunados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, por isto mesmo, talvez não valha a pena permitir que se criem esperanças de uma elevação de salários a curto prazo, ilusões sobre impossíveis imediatas melhorias do standing de vida nacional, euforias, excitações, esperanças fugazes, irremissivelmente condenadas a morrer sem remissão possível para os que as antevêem como de próxima e fácil efectivação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - O meu propósito, a finalidade desta intervenção que já por demais se prolonga, cifra-se, precisamente, em dar o grito de alerta contra as possibilidades de se adensar a esperança de que em data bem próxima se atinja o nível de proventos razoáveis, pelo qual o Sr. Deputado Daniel Barbosa compreensivelmente se entusiasmou.
Não ignoro, ao contrário, prevejo, sinto e estou preparado para arrostar com as censuras, as antipatias, as especulações, as insinuações e intrigas que vão trotar da posição descoberta que me atrevi a tomar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que lhes hei-de fazer?
Avanço; e persisto em não terminar ainda sem contrapor aos números que o Sr. Deputado Daniel Barbosa invocou para condenar a arguição de que Portugal era um país subdesenvolvido a referência a factos que induzem a um saldo positivo bastante diferente!
Em boa verdade - permita o meu ilustre e distinto amigo Sr. Engenheiro Daniel Barbosa que lho confesse -, aqueles números que indicou quase parecem melhor servir a tese de um subdesenvolvimento da nossa terra, que S. Ex.ª honrada e veemente e reiteradamente se apostou em negar.
Em contrapartida, as cifras aqui citadas ontem pelo Sr. Deputado Melo Machado são concludentes.
E quem, como eu, atravessou já este País dezenas de vezes, sobrevoando-o de norte para sul, de oeste para leste e vice-versa, pode assegurar, sem temor de que o desmintam, que do alto se descobre um Portugal novo, iluminado, branqueado de construções novas, onde a cal esplende, limpo e acolhedor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho diante de mim dezenas de rubricas de algarismos que corroborariam este asserto.
Mas não vale a pena.
A prelenda vai adiantada.
Para quê insistir em evidenciar o que é evidente?
Sr. Presidente: quando vi anunciado o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa, numa altura em que por toda a parte se discutiam as probabilidades, vantagens e inconvenientes do chamado «mercado comum», supus que S. Ex.ª iria esclarecer-nos sobre esse momentoso e gravíssimo problema que o Governo da Nação terá de enfrentar a breve trecho.
Enganei-me.
No terceiro dia das suas mais que brilhantes considerações o ilustre requerente do aviso prévio fez umas referências rápidas ao assunto.
O Sr. Deputado Melo Machado citou-o também no decorrer da sua intervenção.
E eu não quero nem posso abandonar esta tribuna sem me demorar alguns momentos ainda na análise duma eventualidade que, a meu ver, representa a mais grave e importante conjuntura dos interesses nacionais desde há muitas dezenas de anos.
Neste momento, sobre o problema económico português pesa a ameaça de que se inicia ou pode vir a iniciar-se uma era nova!
Tudo o que está feito - níveis de salários, indústrias, comércio importador ou exportador, regimes aduaneiros, regimes fiscais- se encontram na emergência de ser subvertido, baralhado, refundido de cima a baixo.
Fazem já parte do mercado comum a França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Alemanha.
Dentro da zona do mercado comum existirá unia autoridade supernacional com poderes para estabelecer tarifas uniformes para os países que dela comparticipem.
Aos países da O. E. 0. E. não englobados no mercado comum está aberta a faculdade de entrarem para uma zona livre de comércio, na qual já será lícito não aceitar a autoridade supernacional, pelo que só por negociações bilaterais ou multilaterais se poderão estabelecer as tarifas uniformes reputadas indispensáveis.
Dentro das zonas cobertas pelo mercado comum, mercadorias, mão-de-obra, técnica e capitais circularão sem peias.
Notem VV. Ex.ªs bem, Srs. Deputados: a mão-de-obra e a própria técnica circularão sem peias entre os países naquela conjunção.
A par desta complexíssima organização, já em dois anos de prolongadas reuniões - lembram-se, Srs. Deputados Sebastião Ramires e Soares da Fonseca? - tivemos de acompanhar as reuniões de parlamentares de países membros da N. A. T. O., ávidos de empecilhar governos e pátrias nas ultra-arrevesadas maquinações de um superparlamento internacional.
As fronteiras ameaçam derruir; as protecções aduaneiras e fiscais avizinham-se dum estado de desagregação, com os consequentes prejuízos imediatos - imediatos, repito - para o que está ainda de pé.
E a barafunda avoluma-se...
Atingimos a fase das negociações para a entrada no mercado comum.
A uns países interessa excluir do mercado comum certas mercadorias, nomeadamente os produtos agrícolas; outros assumem orientação oposta.
Surgem as dúvidas e esboçam-se diligências para a inclusão ou exclusão dos territórios ultramarinos.
No último plano do quadro, a título de miragem aliciante, aponta-se para uns himalaias de libras ou moedas de ouro, amontoadas num fundo de investimentos e de reconversão de indústrias, que suscita os apetites dos participantes.
Ao primeiro relance, afigura-se que a extinção das barreiras aduaneiras conduzirá à total ruína da nossa indústria.
Pensando melhor, dando o braço ao Sr. Engenheiro Daniel Barbosa no decorrer da sua última e mais bela intervenção, principiamos a admitir que tal conclusão não seja fatal.
Já existe, mercê, precisamente, do progresso enorme e constante dos últimos vinte anos, um núcleo importante de indústrias viáveis.
O factor «transporte» há-de influir e continuar a pesar fortemente nos preços de custo.
As indústrias mal preparadas é óbvio que terão de ser eliminadas ou reapetrechadas de forma a poderem tornar-se rentáveis.
A mão-de-obra despedida dos escombros das indústrias que ruíram, pela carência dos alicerces em que as havia equilibrado o apoio das tarifas aduaneiras ou da protecção fiscal, derivará para outras actividades.
Novos e enormes investimentos, a eliminação de concorrências antieconómicas, contribiiirão - ao que se diz e espera - para a elevação do consumo, do poder de compra, do nível geral das populações dos países associados.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª começou as suas alegações sobre mercado comum criticando não ser tão extenso como queria, e V. Ex.ª mão acrescentou uma única ideia que eu não tivesse exposto.

O Orador: - Está V. Ex.ª felicíssimo!

O Sr. Daniel Barbosa: - É só questão de ler. Para que me chamou a terreiro então?

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O Orador: - E tudo isto é impossível, incorrerá ab initio no risco duma mina total sem uma coordenação, um plano comum e a abolição tios compartimentos estanques entre os vários departamentos governamentais.
Aqui tem V. Ex.ª razão, Sr. Deputado Daniel Barbosa, carradas, toneladas de razão!
O desconcerto de um [Ministério das Finanças a praticar uma política de câmbios e, a meia dúzia de metros de distância, um Ministério da Economia a fazer vingar uma política de preços deu frutos da pior qualidade e não pode, não deve repetir-se.
Por isso, e com as últimas palavras das terceiras alegações do Sr. Deputado Daniel Barbosa e a exortação e o protesto de sincera fé que delas dimana, estamos todos de acordo.
Pergunto apenas: paira lá se chegar teria sido indispensável ou constituiu sequer um contributo útil aquele congeminar de números, que logo a grande massa adoptou como ponto de partida para asserções ou reclamações imediatas ou de efectivação a breve trecho?
Valia a pena?
Na iminência duma radical, estrutural modificação dum sistema de fronteiras mais que milenário, teria sido útil lançar no espaço a fantasia - quando encarada para já - de um provento mínimo mensal que nem ao menos se demonstrou ser comportável no rendimento bruto nacional?
Auxiliará a ingente tarefa do Governo o rodeá-lo duma multidão desiludida, desanimada, descrente da utilidade dos seus sacrifícios, mas momentaneamente excitada e a resvalar no pendor de solicitações que a gravidade do momento mandará, pelo menos, adiar?
Daqui partem as dúvidas de muitos, entre os quais me coloco.
E só o futuro, que a Deus pertence, decidirá.
Entretanto, unamo-nos, colaboremos todos na criação dum ambiente que facilite a actuação do Governo e exalte a obra dos últimos três decénios.
O programa é conhecido: cada vez mais, cada vez melhor.
E sempre que nos for lícito melhorá-lo, acelerá-lo, antecipá-lo, porque não? porque não? porque não?
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caheiros Lopes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: inicio as minhas considerações por uma palavra de sincero louvor para o nosso ilustre colega Prof. Eng. Daniel Barbosa, por ter provocado o interesse da Assembleia Nacional e, através dela, a atenção do País para os vários aspectos, tão complexos como aliciantes, das repercussões no campo político-social do problema económico português.
Assim, permitir-me-ei também deixar aqui o meu testemunho sobre a importância do problema.
Penso que a todo o momento é oportuno informar, com sinceridade, o Governo da Nação sobre os anseios do País e as repercussões provocadas pelo desenvolvimento da sua acção nos diversos campos da actividade nacional.
Sr. Presidente: ninguém de boa fé pode negar hoje a obra de fomento económico e de progresso social levada a cabo pelos Governos que, sob a alta inspiração e a chefia directa de Salazar, se têm sucedido no Poder de há trinta anos para ca. Sem recusarmos a justificação dos reparos que em alguns sectores, e a determinadas realizações, há o direito de formular, é dever de consciência reconhecer que a obra de fomento económico dos últimos anos ficará na nossa história como um dos valiosos serviços prestados ao País pela situação política que em 28 de Maio de 1926 substituiu o turbulento e improdutivo regime anterior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nenhum português desapaixonado pode deixar de prestar este testemunho de justiça, e muito menos aqueles que, por terem vivido essas épocas, conheceram a inércia e a carência do Estado perante os grandes problemas da nossa economia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Felizmente, é hoje de todo o ponto diverso o clima político da nossa terra.
E sem perder de vista às dificuldades que se nos deparam, há que reconhecer o interesse mais profundo e mais generalizado, uma consciência mais esclarecida por parte dos vários elementos que constituem os órgãos do Poder, sobre o enorme valor de que se reveste para a vida nacional tudo o que significa actividade económica e os seus diversos reflexos na evolução nacional.
Ora, justamente, a complexidade destes problemas, mesmo que pretendêssemos considerá-los adstritos limitadamente ao âmbito nacional, encontra-se hoje acrescida de um factor real, insofismável, que escapa às nossas próprias posições e doutrinarismos nacionais: a interdependência mundial (e neste momento, principalmente, interdependência europeia) dos problemas económicos gerais.
Os pactos e os tratados já firmados entre os países do Ocidente, em que nos situamos, assim como aqueles que se encontram em estudo, dão-nos ideia da reciprocidade dos interesses e da interdependência que a todos nos liga.
Portanto, ao procurarmos determinar o sentido evolutivo da nossa economia, não podemos alhear-nos da evolução que se está preparando na economia das nações do Ocidente, e muito especialmente nas da Europa Ocidental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda não se acham esquecidas dos nossos espíritos as preocupações gerais perante as consequências que poderia ter o encerramento do canal de Suez e a crise de abastecimento de combustíveis daí derivada. A alta de preços de combustíveis e matérias-primas, embora não tendo tido o carácter de gravidade ocasionado pela guerra da Coreia, não deixou de se fazer sentir, a partir da crise do Suez, nos produtos agrícolas e na maior parte dos metais.
Verifica-se presentemente acentuado desanuviamento do ambiente político internacional, que esperemos venha a reflectir-se com a rapidez necessária na normalização relativa dos mercados - mas há que tirar de mais essa crise a lição conveniente: os Europeus têm de tomar plena consciência da vulnerabilidade da sua economia, pelo que ela depende das conjunturas mundiais.
Se considerarmos cada um dos grandes agrupamentos, económicos, Rússia, América do Norte e Europa, verificamos a precariedade de condições do sector europeu a que pertencemos.
Nem a economia soviética nem a americana podem ser afectadas por acontecimentos fora do seu território no grau em que o foi a Europa, visto aqueles grandes espaços geográfico-políticos possuírem dentro das suas fronteiras ou das cortinas que os limitam recursos para a manutenção, sem grandes restrições, das suas actividades económicas. Vemos, de um lado, 194 milhões de americanos (englobando o Canadá, visto este país se encontar como que em simbiose com os Estados Unidos

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da América), dispondo de cerca de 21 500 000 km3 de território, cora assinalável diversidade de climas e recursos, que é uma das condições de verdadeira independência económica.

Os 200 milhõeo de habitantes da União Soviética, por seu lado, dispõem de 22 000 000 km3, caracterizados igualmente por uma grande variedade de climas e de recursos naturais.

Estes dois grupos politico-econúmicos, do formidável poder autárquico e expansionista, não tom equivalência na Europa Ocidental, que apenas dispõe de 4 000 000 km-, onde tOm de encontrar os necessários recursos cerca de 310 milhões de habitantes. Quer dizer:'muito mais habitantes, muito menor superfície e, sobretudo, muito menos recursos naturais do que qualquer dos dois outros conjuntos considerados.

Assim, por exemplo, as importações de produtos primários desempenham papel primordial na vida da Europa, bastando citar o caso do trigo, do carvão e dos combustíveis líquidos para se avaliar da indispensabili-dade vital dessas importações.

Esta vulnerabilidade da economia europeia foi particularmente posta em foco com a crise do Suez e a suspensão dos fornecimentos do petróleo do Médio Oriento. Posta de parte, por quase impraticável, a adopção da via do Cabo para os transportes petrolíferos, restou aos Europeus o único recurso do abastecimento pelo hemisfério ocidental, controlado pelos Estados Unidos, mas implicando o grave problema do sacrifício das reservas de dólares dos países europeus, problema que somente com grande esforço de cooperação financeira da potente nação americana poderá ser solucionado.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Chegada a economia mundial, e particularmente a economia europeia, a esta conjuntura, a ideia latente de certa unificação na Europa, qne no quo respeita ao político poucas simpatias tem merecido, começa, no sector económico, a ganhar maiores probabilidades de realização, tendendo-se, segundo parece, para aquilo que se pode denominar de smercado comum e liberalização de trocas».

Estamos em presença de uma tendência que, qualquer que seja a nossa opinião sobre o assunto, há que considerar com fortes probabilidades de vir a transformar-se em facto, e, por isso mesmo, torna-se necessário prever, desde já, os reflexos que pode vir a ter na nossa economia própria ou, talvez melhor, em que grau temos necessidade de estudar a adaptação da nossa economia própria a essa nova tendência para o mercado comum europeu e maior ou menor liberalização do comércio intereuropeu.

Se for essa a via por onde se encaminhará a Europa, veremos desde logo modificar-se o horizonte económico internacional.

Na verdade, são numerosos os aspectos abrangidos pelas tentativas unificadoras em curso. Não se trata apenas duma união alfandegária com a supressão dos direitos e da contingentação a que hoje está sujeita a maior parte das trocas internacionais, mas tnmbém, entre outros, dos seguintes pontos:

1." Uma certa harmonização das políticas económica, social e financeira dos países participantes ;

2.º Criação dum banco de investimentos, que terá repercussões importantes sobre os investimentos dos estados interessados;

3.º Política de mercado comum, cobrindo uma regulamentação dos abusos de poder económico;

4.º Adopção de medidas importantes nas políticas de transporte, da agricultura, e t c.

Reconheça-se que, em matéria de energia nuclear, existe já o Tratado da Euratom, que instituiu regras e o mecanismo da cooperação europeia, e este primeiro passo é por muitos considerado como o ensaio do movimento geral europeu da coordenação e unificação a que nos referimos o para que se estuda (e constitui mesmo um dos mais difíceis obstáculos a remover) u participação dos territórios ultramarinos, que integram u conjunto nacional de alguns países, como ó o caso de 1'ortugal. Assim, a Europa Ocidental, economicamente unificada com a sua vasta população, poderia vir a constituir um bloco, com um poder de compra semelhante ao dos Estados Unidos ou ao da Rússia.

Por uma progressiva liberalização do comércio externo e pela liquidação dos direitos alfandegários chegar-se-ia, segundo pensam os defensores da ideia da unificação, a um livre-camhismo com total liberdade de circulação de mercadorias, capitais e pessoas.

Para países de elevado nível industrial, a adesão a estes planos, após as necessárias adaptações das suas estruturas económicas, viria a trazer-lhes, muito provavelmente, vantagem» imediatas.

Porém, dado o desigual desenvolvimento industrial e o baixo nível de alguns países europeus, o problema torna-se melindroso e exige cuidadoso estudo, sob múltiplos aspectos, para se evitar que a elevada produtividade de certos pulsos não viesse a destruir a incipiente actividade industrial de outros ainda de fraca produtividade e postos perante uma concorrência para a qual não estão preparados, conforme acentuou o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano, ilustre Ministro da Presidência, desde que este problema se pôs.

Vozes: — Muito bem, muito bem ï

O Orador:—Portugal, por assim dizor, no inicio da sua industrialização, com uma agricultura ainda longe tambóm de ter atingido a necessária e possível racionalização, com uma estrutura geral económica constituída por territórios metropolitanos e ultramarinos, somente poderia beneficiar da sua inclusão no mercado comum desde que fossem considerados, além dos seus produtos industriais, os da agricultura o da pesca, tanto da metrópole como do ultramar, mas só em determinadas condições.

Por outro lado, não é de considerar a possibilidade de uni isolamento da nossa economia, que ficaria em condições difíceis em face do bloco que virá, provavelmente, a constituir toda a Europa Ocidental, economicamente unificada.

E, assim, necessitamos trabalhar para que, mediante a harmonização das circunstâncias de cada nação e a coordenação das políticas económicas e sociais, se torne possível a participação do nosso país na O. É. C. E., sem que daí advenham quaisquer riscos para a nossa economia.

O mercado comum não conseguirá alcançar a sua coesão só não muito progressivamente durante um período de adaptação indispensável, no decorrer do qual — é necessário dizê-lo claramente— terá de beneficiar de protecções comuns, cuidadosamente estudadas.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Nesta ordem de ideias, é do maior into-rosso tudo quanto poh»a fa/er-so para dar a conhecer o estado actual e as possibilidades futuras da nossa indústria, assim como no sentido de suscitar no consumidor a preferência pelos artigos nacionais, pois ambas as coisas contribuem para o desenvolvimento económico da Nação. Cal»; aqui, a este propósito, uma referencia à utilíssima iniciativa do II Congresso da Indústria Portuguesa, qua vai reuuir-ao em Lisboa em Maio próximo.

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Pêlos temas que vão ser estudados, com base nos inquéritos industriais, relatórios e comunicações a apresentar poios congressistas, entre os quais certamente figurará o escolhilos nossos industriais e economistas, e pelas concliisnes a que se chegará nas várias secções de trabalho, temos motivo para esperar do Congresso da Indústria importante resultados para a economia nacional.

Quanto a mim, estou convencido de que dessa cooperação de industriais e economistas, traduzida harmònicamente na colaboração da teoria com a prática, advirão, entre outras vantagens, ideias úteis sobro a forma de ampliar, dentro do nosso território, o consumo de artigos nacionais, pois produzir e consumir constituem factores essenciais que devem assinalar n ritmo do desenvolvimento económico.

O País necessita de prosseguir intensivamente na sua industrialização, para aliviar o crescente excesso demográfico prevalecente no meio rural e dar maior e melhor emprego à população urbana, visto que o aumento de população implica a necessidade de paralelo aumento das oportunidades de emprego.

É sabido que cada emprego requer o investimento de determinada quantia, de forma que o crescimento da população exige um aumento simultâneo e equivalente dos investimentos.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:— Torna-se necessário que o consumo se intensifique de forma sempre crescente, como elemento básico da consolidação da indústria e do seu desenvolvimento futuro.

Nunca como agora foi tão urgente que tomássemos consciência da necessidade de criar e fortalecer o mercado interno.

A ameaça de movimentos nos mercados internacionais e os excedentes de produção de alguns artigos representam para o País o aviso de que se deve proteger sempre com a maior decisão o consumo interno, assim como alentar, ainda que a custa de sacrifícios, o desenvolvimento da indústria nacional, em benefício do nosso equilíbrio económico. E, assim, não basta produzir, mesmo nas melhores condições e com os mais aperfeiçoados maquinismos; é ainda necessário colocar a produção.

Ora, neste aspecto do problema, seria falso pensar que os mercados constituem entidades rígidas, às quais a produção deve adaptar-se. Numa eficiente orientação económica criam-se, modificam-se, ampliam-se os mercados, tal como só criam, em certa medida, as necessidades.

Esta verdade oferece especial aplicação prática no caso português, em que existem enormes possibilidades de interpenetração e acordos entre os mercados e fon-ías de produção metropolitanos e ultramarinos, aproveitando o mais possível as matérias-primas desses territórios e fortalecendo cada vez mais a coordenação indispensável entre a metrópole e o ultramar.

E assim, de forma geral, os problemas de distribuição que se pitem às economias modernas adquirem para o industrial uma importância cada vez maior. Enquanto que no aspecto da produção o progresso permite que as empresas melhorem o seu rendimento de forma por vexes considerável, acontece com fre-quOncia que os serviços comerciais trabalhem ainda com métodos muito empíricos e não tomem suficiente consciôncia das possibilidades abertas pelas modernas técnicas de venda.

E-se mesmo tentado a afirmar que, no actual estado da economia, o problema não é, ou não é apenas, produzir, mas também vender o que se produz ou, melhor, produzir o que pode ser vendido.

E, então, há que perguntar: que bens deveremos produzir e como se deverão empregar para a obtenção desses bens os recursos económicos disponíveis?

Penso que uma das primeiras coisas a estabelecer é quo devemos trabalhar no sentido de nos bastarmos a nós próprios em tudo o que racional e economicamente as condições de produção e de consumo o indicarem.

Mas como interpretar isto e quais os meios adequados para o conseguir?

Creio ser esta a resposta: bastar-nos-emos quando, tendo em conta as nossas características próprias e possibilidades, aproveitemos os nossos recursos humanos, técnicos e materiais, suprindo as nossas deficiências com um razoável e adequado intercâmbio com o exterior, de tal forma quo nos permita alcançar vida melhor e mais humana para todn a população do Pais.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:— Trata-se, pois, essencialmente, de conseguir uma produção eficiente, para o que é necessário contar com um mercado de certa amplitude, não apenas quanto ao número de consumidores, mas também quanto ao seu poder de compra.

Uma e outra destas necessidades acham-se ligadas ao problema da produtividade, dependente este último, por sua vez, entre outros factores, do esforço a realizar para possuirmos mu equipamento ao nível das outras potências industriais, assim como da preparação técnica indUpensúvol para o desenvolvimento dessa me*ma produtividade.

Os progressos técnicos constituem uma condição essencial para a expansão da economia e para a redução dos custos. Eles são, portanto, também o único fundamento sólido para o melhoramento do nível de vida, principalmente para os assalariados.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:— Esta legítima esperança não deve apagar-se pelo receio de que uma rápida modificação das estruturas industriais provoque uma diminuição do emprego. O progresso técnico cria sempre no conjunto duma economia mais emprego do que suprime.

Não se trata somente de elevar os rendimentos por hora-homem, pois é igualmente importante criar condições que permitam incorporar dentro do processo produtivo cada vez maior quantidade de trabalhadores.

Não poderíamos considerar adquirido um saudável desenvolvimento económico se o incremento da produtividade por hora-homem fosse alcançado reduzindo o volume de ocupação da mão-de-obra.

Pelo contrário, devemos procurar conjugar os esforços para elevar u produtividade, mas de uma forma que aumentem as oportunidades de emprego geral. Assim se conseguirá duplamente fazer subir o volume da produção, como o País necessita com urgência: pelo maior rendimento de cada agricultor, de cada operário, de cada empregado, de cada técnico — e pela incorporação de novos braços no ciclo da produção nacional.

Vozes: — Muito bem !

O Orador:— Esta é a evolução desejável. E há que reconhecer que se está verificando entre nós em todos os sectores, sobretudo nos que representam o fomento dos bens inerentes à real elevação dos níveis de vida, dos sistemas de trabalho e dos esquemas de organização, etc.

Da melhor utilização da maquinaria, dum mais eficiente aproveitamento de tempo do trabalhador rural e urbano, da mais perfeita adaptação dos bens de produ-

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cão às condições do País e duma melhor coordenação nos processos de produção resultam, certamente, maiores rendimentos para a agricultura o a indústria, que contribuirão para ir eliminando os desperdícios, que nada beneficiam e empobrecera a Nação.

E, assim, o desenvolvimento da nossa economia implicará fundamentalmente a elevação dos níveis de vida o permitirá o necessário equilíbrio entre a percentagem da população dedicada ao campo e u indústria.

Sú pela baixa dos custos de produção se conseguirá fazer subir o consumo, desenvolvendo o trabalho industrial e o comércio e permitindo às classes econímiica-mente débeis ajusta melhoria da sua situação.

Pelo contrário, os simples aumentos de salários, sem simultânea subida do volume da produção respectiva, far-nos-iam cair no aumento dos preços, donde resultaria a diminuição da capacidade de compra e, consequen-temente, uma baixa efectiva de salários.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Tudo isto, atinai, indica, a meu ver, a importância do factor industrial no desenvolvimento geral e económico do País, para o qual, portanto, é indispensável desenvolver mais ainda a indústria nacional.

Todavia, o desenvolvimento industrial não pode fazer-se livre e desordenadamente. Isso seria contraprodu-tivo e poderia levar a um total desequilíbrio económico.

Há que adoptar unia forma de desenvolvimento controlado, ordenado, não permitindo situações privilegiadas, eximidas de concorrência e que possam dominar a seu talante, os mercados e os preços.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Outro aspecto importante a encarar no futuro desenvolvimento da nossa indústria consiste na necessidade de distribuir pur diversas regiões a localização dos blocos fabris, principalmente daqueles que tf'in influencia preponderante no desenvolvimento e na estabilidade económica e social da Nação.

Deste modo se valoriza a vida de trabalho dum maior número de regiões, evitando o êxodo rural e a excessiva concentração nos subúrbios das grandes cidades. É indubitavelmente preferível, tanto no que respeita ao recrutamento e mobilização da mãn-de-obra como no aspecto da segurança ou defesa nacional, descongestionar, até onde for economicamente útil, as instalações das indústrias de interesse vital.

A estas razões, como já tive ocasião de acentuar nesta Assembleia, há que juntar a necessidade e urgência de se resolver o problema social dos grandes centros populacionais, onde existe, já fixada e sem dispor de convenientes e estáveis condições de emprego, uma massa operária numerosa, como acontece, por exemplo, na cidade de Setúbal.

A verdade é que nestes problemas da localização das indústrias mais importantes tem de ser realmente considerado o factor político, mas no mais alto sentido da palavra, ou seja, neste caso, no da política económica e social.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—A sã distribuição da actividade industrial por todo o Pais é uma das bases fundamentais para alcançarmos o desenvolvimento equilibrado da economia nacional e, simultaneamente, uma solução mais justa do problema do pleno emprego.

Têm os Governos da Nação presididos por Salazar feito bastante pelo fomento económico do País e igualmente pela melhoria das condições de vida das classes

trabalhadoras; e assim, por minha parte, confio inteiramente na resolução justa deste serio problema, a que mais de uma vez aludi.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Voltando a referir-mo aos problemas actuais da nossa indústria, permitir-me-ei recordar que no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa relativo à proposta de lei n.º 43, sobre a criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial, apontavam-se concretamente as deficiências de que enferma a nossa indústria: sextrema pulverização de unidades industriais, um perigoso e antieconómico sobro-equipameuto, donde resulta, em muitos casos, uma capacidade de produção excedendo largamente as necessidades do consumo, com o consequente mau aproveitamento de muquinismos, cuja utilização fica muito aquém do seu rendimento económico ...».

Na verdade, a acção do Estado tem de aplicar-se em vigiar e coordenar o exercício das actividades —tanto as industriais como todas as outras que formam o conjunto da economia nacional —, de modo a não permitir que seja prejudicado o equilíbrio necessário desse mesmo conjunto.

Torna-se necessário combinar e organizar melhor todos os factores produtivos —capital, técnica, organização e mão-de-obra—, para conseguirmos deles maior rendimento. Isto mesmo tem sido acentuado pelo Sr. Presidente do Conselho sempre que se tem referido à implacável necessidade de elevar a produção nacional a níveis cada vez mais altos, superiores ao ritmo do crescimento demográfico.

No discurso proferido no acto inaugural do ciclo de conferências ministeriais em L'8 do Maio de ItJjU o Sr. Presidente do Conselho afirmou:

Sabe-se que a indústria tem rentabilidade superior à agricultura e que só pela industrialização se pode decisivamente elevar o nível do vida, como só por ela é possível atingir sem risco altas densidades demográficas. .Sem suficiente- industrialização, nem teremos mercado local bastante para algumas produções agrícolas, nem poderemos evitar comple-tamente que os excessos de população se expatriem, como o estão fazendo nalguns casos, em condições que não consideramos satisfatórias. Temos, por outro lado, que a agricultura, pela sua maior estabilidade, pelo seu enraizamento natural no >olo e mais estreita ligação com a produção de alimentos, constitui a garantia por excelência da própria vida e, devido à formação que imprimo nas almas, manancial inesgotável de força e do resistência social.

Uma evolução que devemos esperar se acentuará, prosseguindo o Governo na sua política de fomento, dentro das nossas manifestações próprias e inconfundíveis, mas em ritmo acelerado e crescente, que, tanto quanto possível, nos aproxime do nível de desenvolvimento dos outros países da Europa Ocidental.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Passando agora a outro sector: Não advogo apenas pura n sector industrial esta evolução e desenvolvimento produtivo. Não esqueço que a agricultura ocupa mais de metade da população portuguesa metropolitana. E por isso para essa actividade há que voltar decididamente as atenções no sentido duma indispensável racionalização de processos económicos e culturais. Impõe-se a substituição de algumas culturas e valorização de outras, como a fruticultura,

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a horticultura, os prados, e ainda a introdução do novas culturas, como a beterraba sacarina, a soja, o algodão, o amendoim, o tabaco, e te., sem esquecermos tudo o que pode ainda Jazer-se para o estimulo e protecção da pecuária, para um mais largo abastecimento de carnes, cujo consumo per capita é ainda muito baixo 110 nosso país.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Ás condições naturais que rogem a produção agrícola (solo, clima, topografia, etc.) variam con-sideràvelmente de região paru região, e têm por isso uma acentuada influencia, não apenas na estrutura da produção, mas ainda sol ire o nível de produtividade das diferentes regiões.

É, aliás, necessário acrescentar que a produção e a produtividade agrícola são fortemente influenciadas pelo desenvolvimento económico geral de cada país. É geralmente nos países que conheceram uma expansão económica mais importante que a produtividade agrícola é mais elevada.

Graças às obras hidráulicas realizadas, aumentou con-sideràvelmente nos últimos anos a produção de algumas culturas irrigadas, aumento que as obras presentemente em curso intensificarão ainda mais, a ponto de trazerem consigo, se as não encaminharem para uma indispensável diversificação, sérios excessos produtivos de determinados géneros.

Impòe-se, pois, neste sector uma orientação e coordenação que somente o Estado pode exercer com proficiência e oportunidade. K condição basilar do progresso e estabilidade agrícolas, i|ue todos desejamos, seguir uma prudente política de estímulo da produção, pela garantia dos preços e da colocação dos produtos, da melhoria dos equipamentos mecíinicos, do aperfeiçoamento dos meios técnicos do cultura, do encorajamento da formação profissional, de maiores facilidades de vulgarização e assistência técnica, da ampliação e reforma em moldes positivo.» do crédito agrícola.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Kstes são, em resumo, os meios essenciais de assegurar condições de vida à lavoura e de a fazer progredir. Tem sido essa, há que recunliecG-lo, a acção d:i Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e dos organismos corporativos e de coordenação económica, que carece, entretanto, de ser aperfeiçoada o coordenada em todos os seus ramos, quer o da produção, quer o da indústria e da distribuição, de forma a tornar-se mais eficiente u proporcionar assim mais benefícios para o consumidor.

Indispensável como é para a vida do homem a alimentação, a existência, a utilidade e a importância da actividade agrícola e das indústrias da alimentação não sofrem contestação. Elas devem pois, logicamente, ocupar um dos primeiros lugares, se não o primeiro, nas actividades económicas do Pais. Para que essas actividades, porém, produzam bom rendimento tem de haver, simultaneamente, um esforço de organização e a intensiva utilização das técnicas científicas.

Concluindo: a rápida evolução da economia moderna põe, a cada momento, novos problemas, que o homem tem de enfrentar, mas não pode dominar o progresso técnico senão na medida em que paralelamente realize uni verdadeiro progresso social e moral.

O desenvolvimento da agricultura — quer por aumento da produção unitária, (píer pela introdução de novas culturas — e a industrialização — quer pelo aperfeiçoamento das actuais indústrias, quer pela instalação do novas indústrias— devem acelerar-se.

A necessidade duma. investigação mais intensiva- dos recursos potenciais da metrópole e das províncias ultramarinas, om especial de Angola e Moçamhiquo, im-pòe-se.

Para quo as empresas progridam —ou simplesmente pura quo vivam— é necessário que adaptem às condições actuais u sua organização, os seus métodos e as suas técnicas. Isto implica a adaptação dos homens, e-imediatamente se pats o problema da formação s do aperfeiçoamento do pessoal, muito particularmente do pessoal especializado.

O progresso da t-Vnica snrgc. entretanto, como condirão essencial para unia elevação do nível de vida e para um melhor equilíbrio social; não utilizando as modernas técnicas, a indústria e a agricultura portuguesas ficariam condenadas à regressão; se. pelo contrárinj reunirem :is condiçõe* necessárias para que as empresas possam tirar o melhor das novidades da técnica, os melhores horizontes estarão abertos para uma elevação do poder de compra de todos, especialmente dos assalariados.

A ciência e a técnica condicionam de maneira cada vez mais implacável a> nossas condições e o nosso staitding de vida.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—ïíe queremos elevar o consumo no País é necessário contar com mais investimentos. Está demonstrado quo [>arã fazer subir o nível de vida é necessário fomentar a riqueza, para que se produzo, cada vez mais e os bens cheguem a preços razoáveis, acerveis a todas as classes.

Vozes: — Muito bem!

O Orador:—Na verdade, o desenvolvimento da ri-(|iie/a aproveita a todas as classes sociais: é indispensável para quo o Puís se torne próspero e para. que as leis sociais, justas o legítimas, possam surtir o seu pleno efeito. Ao listado compete exercer o seu papel de orientar e coordenar, de forma que &o conjuguem os interesses económicos e os -ociais.

Atravessamos uma época de grande evolução relativamente à estrutura económica e social da Nação, em que a coordenação do todas as suas forças vivas de tra-liíiIJio é absolutamente necessária. O movimento de produtividade propoe-se elevar o nível de vida dos habitantes do Pais por um melhor aproveitamento dos recursos de quo dispõe, considerando como o recurso mais importante o potencial humano, cujo valor aumenta à medida que o homem se capacita e se prepara para melhor desempenhar a sua tarefa.

Aceite já, felizmente, por todo o mundo livre o facto de que o clima social que vivemos é propicio ao fomento e criação de novas indústria*:, de novas fontes de trabalho e de riqueza, temos a possibilidade de ir forjando, dia a dia, maiores realizações neste campo, que, com o complemento das futuras e novas possibilidades da nossa agricultura, abrem para o nosso país melhores tempos, que servirão para fortalecer, não apenas a nossa economia, mas também a melhoria crescente das condições do vida de todos os portugueses.

A actual orientação da política económica europeia é mais um argumento a apoiar as considerações que fiz sobre a necessidade de acelerar a nossa industrialização e o desenvolvimento da nossa agricultura, quer metropolitana quer ultramarina, em perfeita conjugação de esforços, t-m perfeita coordenação, em indispensável unidade económica nacional.

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Tem sido esta, e continuará a ser, a política económica do Governo. Temos o dever de confiar na continuidade e no espírito coordenado da sua acção. Se à clarividência, patriotismo e génio político e administrativo de Sala/ar deve já o Pais tantas transformares salutares da estrutura de numerosos sectores da vida nacional, devemos aguardar, contiadamente. que essa mesma inspiração superior que providencialmente se inantóm à frente dos destinos da Nação continue a influenciar o sector económico, de modo a acelerar o seu progresso necessário e, com ele, o não menos indispensável desenvolvimento da obra social do Estado Novo.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentada.

O Sr. Presidente:—A próxima sessão será na terça-feira, 9 do corrente, tendo como ordem do dia a continuação do debate sobro o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca dn problema económico português.

Está encerrada a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Teófilo Duarte.

Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados.que faltaram à sessão:

Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Russell -de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João da Assunção da Cunha Yalença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Qualberto de Sá Carneiro.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR — Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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