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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 202 ANO DE 1957 12 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 202, EM 11 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. José Venâncio Pereira
Paulo Rodrigues Alberto Pacheco Jorge
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 199 e 200 do Diário das Sessões.
Sobre o Diário das Sessões n.º 197 o Sr. Deputado Vasco Mourão apresentou um pedido de rectificação.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Castilho Noronha, sobre a situação dos funcionários dos quadros metropolitanos naturais do ultramar no que respeita a licenças; Pinto Barriga, para um requerimento, e Sarmento Rodrigues, acerca do problema rodoviário do ultramar.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Usaram da palavra a Sr.ª Deputada D. Maria, Margarida Craveiro Lopes dos Reis e os Srs. Deputados André Navarro, Almeida Garrett e Camilo Mendonça.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima F ai eiró.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minuto».
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 199 e 200 do Diário das Sessões.
O Sr. Vasco Mourão: - Sr. Presidente: não estive presente à sessão de 9 do corrente, em que foi aprovado o Diário das Sessões n.º 197. Se estivesse presente, teria desde logo reclamado contra uma passagem da minha intervenção, que dele consta, onde, por troca duma palavra, se faz constar um pensamento oposto no que aqui exprimi, isto além de outras falhas de menor monta e que não interessa rectificar. Assim, a p. 544, col. 2.ª, no fim do quinto período, diz-se: «sem que, contudo, se lhe recusasse esse direito», quando o que eu afirmei
era justamente o contrário, ou seja: «sem que, contudo, se lhe reconhecesse esse direito».
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar usar da palavra, considero aprovados os n.ºs 199 e 200 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Telegramas
Vários a propósito do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de 10 do corrente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Castilho Noronha.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: pretendo nesta breve intervenção expor a estranha situação dos funcionários dos quadros metropolitanos, naturais do ultramar, em face do capitulo de licenças que, ao abrigo do respectivo estatuto, se podem conceder a esses funcionários.
O Decreto n.º 19478, de 18 de Março de 1931, prevê, no seu artigo 11.º, as seguintes licenças:
Licença graciosa;
Licença por doença;
Licença sem vencimento por tempo determinado;
Licença ilimitada.
O artigo 12.º do mesmo decreto dispõe que é de trinta dias o prazo máximo para a concessão da licença graciosa, que poderá ser autorizada para todos os funcionários com mais de um ano de serviço efectivo.
Confrontemos estas disposições do Estatuto dos Funcionários Civis da metrópole com as do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino.
Nos termos do artigo 214.º deste último estatuto, aos funcionários podem ser concedidas as seguintes licenças:
Licença disciplinar;
Licença graciosa;
Licença por doença;
Licença registada:
Licença ilimitada.
A licença disciplinar é, como dispõe o artigo 218.º, a que pode ser concedida a todos os funcionários, em cada ano civil, por trinta dias seguidos, depois de terem servido na província durante um ano, desde o seu provimento no lugar ou desde a sua última chegada ali, com bom comportamento, boas informações e assiduidade.
Esta licença não dá direito ao abono de passagens, mesmo que, com autorização superior, seja gozada fora da província.
Como VV. Ex.ªs vem, a licença disciplinar dos funcionários ultramarinos corresponde precisamente à licença graciosa dos funcionários da metrópole.
Tanto uns como outros têm direito a uma licença de trinta dias em cada ano civil.
Simplesmente, ao que o Estatuto dos Funcionários Civis metropolitanos chama licença graciosa o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino chama licença disciplinar.
Licença graciosa, nos termos da legislação ultramarina, é uma concessão muito mais larga, muito mais ampla.
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Diplomas que datam de remotos tempos davam aos funcionários naturais do continente ou ilhas que tivessem um determinado numero de anos de residência e serviço efectivo direito a uma licença de cento e oitenta dias, para ser gozada no continente ou ilhas, conforme a sua naturalidade, com passagens pagas pelo Estado. É a licença graciosa da legislação ultramarina.
O mesmo direito foi mais tarde concedido aos funcionários naturais das províncias ultramarinas. Estes podiam gozar a licença que lhes fosse concedida na metrópole ou na terra da sua naturalidade.
Do facto de a concessão da licença graciosa se ter tornado extensiva aos funcionários naturais das províncias ultramarinas, nos termos que acabei de indicar, resulta, nítida, a seguinte conclusão: as condições mesológicas dos territórios ultramarinos não foram, como se poderia supor, a única razão por que foi instituída a licença graciosa.
No próprio Decreto n.º 12 209, de 27 de Agosto de 1926, que confere direito à concessão de licença graciosa aos naturais das províncias ultramarinas em serviço na província donde não sejam naturais, lê-se isto:
As condições de salubridade das colónias modificaram-se sensivelmente para melhor. No entretanto, não se concedendo percentagem alguma sobre o tempo de permanência no ultramar, que for além do necessário para atingir o direito às licenças graciosas, o Governo teve apenas em vista obrigar os funcionários a retemperarem a saúde, pelo repouso em ares pátrios, logo depois de atingido esse direito.
Estes direitos e regalias foram consideràvelmente alargados pelo Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, ultimamente promulgado.
Nos termos deste diploma, todos os funcionários que tenham prestado serviço contínuo durante cinco anos no Estado da índia, em Macau e em Timor, e durante quatro anos nas restantes províncias, têm direito à licença graciosa por noventa dias. A duração da licença graciosa fora da província será de cento e cinquenta dias, acrescendo-lhe o tempo gasto em viagens, as quais sempre serão pagas pelo Estado.
É escusado encarecer a importância duma medida tão benéfica e de tão largo alcance como é a licença graciosa. Sem ela, os funcionários que não fossem naturais da província não poderiam sair doía; teriam de viver por anos seguidos longe da sua terra natal, longe de sua família, longe dos entes que lhes são queridos, sofrendo em silêncio o pungir da nostalgia, tanto mais atroz quanto mais longe se lhes antolhasse o termo da sua forçada separação.
É o que se dá presentemente com os funcionários dos quadros metropolitanos naturais do ultramar.
Enquanto continuarem em serviço, não têm a esperança de regressar à sua terra, o que tão funestamente contribui para afrouxar os laços que a ela os ligam.
Conjugando as respectivas disposições dos dois estatutos dos funcionários o da metrópole e o do ultramar-, vê-se que têm direito a regressar à sua terra:
a) Os funcionários naturais da metrópole trabalhando em qualquer província do ultramar;
b) Os funcionários de qualquer província ultramarina trabalhando noutra província.
Só a não têm os funcionários naturais do ultramar trabalhando na metrópole. Estes estão colocados numa situação de manifesta desigualdade. Será isto razoável?
O prazo de escassos trinta dias que é concedido a um funcionário não lhe permite, evidentemente, ir a terras distantes, como eles muito desejariam.
Não será fora de propósito acentuar que a legislação ultramarina considera ainda a situação dos estudantes que vem fazer ou continuar os seus estudos à metrópole.
O Decreto n.º 39 297, de 29 de Julho de 1953, e o Decreto n.º 39 362, de 16 de Setembro do mesmo ano, dispõem que podem ser abonadas passagens por conta do Estado aos estudantes naturais do ultramar que cursam escolas superiores em Portugal, para irem gozar as férias na terra da sua naturalidade.
Em justificação desta medida, diz-se no preâmbulo do primeiro destes decretos:
A nova forma de auxilio introduzida pelo presente diploma vem remover estas dificuldades, embora acarretando encargos para o Tesouro. Os superiores interesses nacionais, e a própria atenção que aos Poderes Públicos merece o bem-estar das famílias que povoam o ultramar, suo todavia motivo para que o Governo não hesite em dar um decisivo passo ...
Não valerão as mesmas razões para o nosso caso?
Os superiores interesses nacionais e a atenção que aos Poderes Públicos merece o bem-estar das famílias que povoam o ultramar não constituirão motivo suficiente para o Governo dar um passo decisivo no sentido de habilitar os naturais do ultramar que exercem funções públicas na metrópole a irem, de tempos a tempos, às terras da sua naturalidade?
Tomo a liberdade de recomendar o assunto à esclarecida atenção das instâncias competentes, na certeza de que será preenchida uma lacuna que não pode, não deve continuar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Bem elucidado pelas informações que tão exaustiva e cuidadosamente me foram facultadas pela Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, e verificando que as disposições do Decreto-Lei n.º 26 110, no referente às diuturnidades dos professores do ensino superior, na marcha do tempo da sua vigência, têm sofrido interpretações que não me parecem corresponder ao espirito do legislador, tal como se traduz no n.º 7.º do relatório que precede este diploma legislativo, nem tão-pouco à própria letra do § 3.º do artigo 12.º desse decreto, do que resultam manifestas incongruências, como a de professores extraordinários a quem foram concedidas já todas as diuturnidades e regendo cadeira perceberem menos quando forem promovidos a catedráticos; de professores e assistentes tendo ingressado na Universidade ao mesmo tempo e com a mesma categoria, mas promovidos em épocas diferentes para o cargo superior, por simples oportunidade de vagas, atingirem diuturnidades em datas diversas; de professores e assistentes provindos de graus e ramos de ensino diferentes, numa espécie de promoção pedagógica, perderem todo o sen tempo de serviço anterior; nestas condições, tenho a honra de solicitar, nos termos constitucionais e da alínea c) do artigo 22.º do nosso Regimento, da Presidência do Conselho e dos Ministérios
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das Finanças, Ultramar e Educação Nacional a seguinte elucidação:
Se está em estudo qualquer diploma legal ou medida interpretativa destinado a obviar às anomalias supra-referidas».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: quando em 1952 o Governo propôs, e esta Camará aprovou com algumas alterações, o Plano de Fomento para o ultramar, bem se sabia, mesmo pelo decorrer dos debates e por outras formas de expressão, que não se dava inteira satisfação a todas as aspirações dos habitantes das províncias ultramarinas. Apesar disso, no relatório que precedeu a proposta de lei o Governo não receou abordar alguns problemas delicados, mesmo candentes, como o das estradas - uma rubrica que não era considerada como basilar para o plano, nem era sequer encarada para as duas grandes províncias de Angola e Moçambique.
As razoes desse procedimento foram então explicadas, tanto no que respeita à exclusão das estradas nos planos de Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique e Estado da índia, como quanto à sua inclusão nos planos de S. Tomé, Macau e Timor. Creio que neste momento já pouco podia interessar recordar essa justificação.
Do que ninguém duvidava, como até o dito relatório preambular da proposta atestou, era que as estradas em quase todas as províncias constituíam um problema dos mais importantes para as respectivas economias. Com excepção do Estado da índia, onde, na verdade, existia uma rede de estradas muito satisfatória, se bem que incompleta, e de Macau, pela sua qualidade predominantemente urbana, em todas as outras províncias a questão rodoviária era sempre importante e até por vezes dominante, como sucedia em Angola e Moçambique. É que, em geral, as províncias ultramarinas tinham, e têm, uma rede de estradas já tornada pouco extensa, perante as necessidades presentes, e, em regra, de muito precária pavimentação. A Guiné, que podia considerar-se uma excepção quanto à extensão da rede, oferecia também grandes deficiências quanto aos pavimentos.
O reconhecimento dessa situação levou o Governo a fazer acompanhar o Plano de Fomento com empreendimentos paralelos quanto a estradas, mas deixava-os ao cuidado dos orçamentos normais de cada província. Convém agora averiguar até que ponto esto sistema deu resultado.
Cabo Verde, onde a escassez dos recursos orçamentais é manifesta, não pode dar passos sensíveis neste sector, como já aqui referiu, em termos vivos, o ilustre Deputado por aquele círculo. A Guiné só alguns anos depois do início do plano pode transferir, embora de forma indirecta, algumas disponibilidades para reforço do orçamento normal no capítulo de estradas. E, mesmo assim, pouco pôde adiantar neste capitulo.
Quanto a Angola e a Moçambique a questão foi, acto contínuo, encarada de frente. Assim, logo em 1953 foi aprovado para Angola um plano decenal, que se destinava a abrir novas estradas e a pavimentar devidamente outras das existentes, numa rede que atinge mais de 35 000 km. Era um plano relativamente modesto, de 1 milhão de contos, o que daria uma média de 100000 contos anuais.
Constituíram-se várias brigadas, elaboraram-se projectos para trabalhos em alguns milhares de quilómetros de estradas, mas não foi possível obter anualmente as dotações previstas, de modo que as obras não progrediram no ritmo que os estudos e diligências dos técnicos poderiam permitir. Certamente o facto foi devido mais a razões de natureza burocrática do que a dificuldades financeiras da província.
No mesmo ano de 1953 foi também elaborado em Moçambique um plano de estradas, aprovado por despacho ministerial, para ser realizado com as disponibilidades orçamentais. Envolvia a construção ou pavimentação de 0500 km de estradas. As dotações anuais previstas eram sensivelmente iguais às de Angola.
Mas em Moçambique, ao contrário de Angola, não faltaram verbas, mas sim projectos. E o plano também se atrasou. Um despacho do ilustre Subsecretário actual, no fim de 1955, deu novo impulso ao plano, de modo a fazê-lo progredir.
O assunto, como se vê, foi sempre crescendo de interesse no sector do Ministério, até que em 1956 foi publicado o Decreto n.º 40509, que fixa normas para a realização dos planos rodoviários de Angola e Moçambique e define um prazo para o plano até 1962, com duas fases. O Governo agora foi mais além, porque já não se limitava a aprovar planos e intervinha directamente, orientando a sua elaboração. Dentro desse conceito, foram proferidos alguns despachos esclarecedores subsequentes, pondo em marcha a máquina executiva. Os trabalhos ficavam, todavia, ainda a cargo das obras públicas de cada província.
Dai nasceram os novos planos de estradas para Angola e Moçambique, neste momento em vias de aprovação, segundo fui atenciosamente informado pelo Ministério do Ultramar.
O plano de Angola envolverá trabalhos de pavimentação, rectificação e também rompimento, numa rede total de mais de 7000 km, para realizar em seis anos, no montante de 1150000 contos - quase 300000 contos por ano.
O de Moçambique consiste num alargamento do de 1953 e consta de obras semelhantes cerca de 7500 km -, que irão importar em mais de 3 milhões de contos.
Chegou-se, pois, ao ponto de estruturar melhor os planos, dando-lhes uma orientação harmónica, e, ao mesmo tempo, aproveitou-se a experiência dos últimos anos, em que se verificaram deficiências e se fizeram progressos de métodos, de técnica e de preparativos. E um dos mais importantes foi talvez a formação de empreiteiros capazes de garantirem a execução dos novos planos.
Pelo que respeita a Cabo Verde, quero voltar atrás para apenas acrescentar alguns ligeiros esclarecimentos às autorizadas considerações que o ilustre colega Duarte Silva fez numa das últimas sessões, a propósito das deficiências das estradas. Só me pareceu de louvar o zelo e a atenção com que o representante eleito daquela província ultramarina acompanha os seus problemas. No caso das estradas, base da sua intervenção, o panorama de Cabo Verde não é, de facto, tão animador como noutros territórios, em que, por virtude de maior densidade de população, de maiores valores económicos e até de outras facilidades de construção, as redes têm podido ser desenvolvidas. Mas Cabo Verde também tem acompanhado esse natural progresso. E se os anos de 1950 a 1955, em que me pertence uma grande parte das responsabilidades da sua administração, foram anos negros para aquele sector, conforta verificar que anos antes tinham sido lançados vários quilómetros de estradas, no tempo do governador comandante João de Figueiredo, um dos mais notáveis governantes das ilhas de Cabo Verde, e logo nos anos de 1956 e seguinte se puderam consignar verbas apreciáveis para a reparação e renovação de estradas no modesto orçamento da província. Está hoje à testa da província um distinto governador, o Dr. Abrantes do Amaral, cujos méritos
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verdadeiros correm parelhas com a sua extraordinária modéstia.
Portanto, essa verificação do estado de atraso quanto a estradas, tão bem apresentada pelo ilustre Deputado, é perfeitamente justa e merecida, embora não tenha sido apreciada com antecedentes e consequências.
Mas, se Cabo Verde não tem estradas inscritas no seu plano de fomento, a não ser a estrada, muito importante e difícil, do porto Novo, em Santo Antão, que pode considerar-se como fazendo parte do conjunto do porto de 8. Vicente, estrada que, é bom esclarecer, consta da proposta inicial do Governo, isso não significa que o problema tivesse sido descurado pelo Governo.
Prova bem o contrário, além das verbas ultimamente inscritas, a criação da missão de estudos dos portos de Cabo Verde, pela Portaria n.º 15 792, de 24 de Março de 1906, na qual se determina o estudo de todas as vias de comunicação terrestre que interessem ao acesso ao litoral.
Mas, Sr. Presidente, o facto de nem o actual Plano de Fomento nem o orçamento da província nestes anos de «apatia e inactividade de 1950 a 1955 terem produzido estradas não poderá justificar a declaração - perdoe-me o ilustre colega de que Cabo Verde é suma pouco honrosa excepção» no despontar da vida portuguesa, porque não usufrui os benefícios de uma administração empreendedora.
O Sr. Duarte Silva: - V. Ex.ª dá-me licença? O que eu disse é que fazia esse pedido para que Cabo Verde não ficasse sendo uma pouco honrosa excepção no ressurgimento de toda a Nação Portuguesa.
O Orador: - Registo com todo o gosto a intenção de V. Ex.ª De resto, não estou a dar esclarecimentos a V. Ex.a, que conhece o assunto e teve até a amabilidade de me falar antes desta intervenção; mas as palavras de V. Ex.ª constam do Diário das Sessões, e poderia depreender-se nesta Assembleia ou lá fora que o Governo não tinha olhado com todo o carinho para esse território português.
O Sr. Duarte Silva: - A ser assim, eu não seria coerente comigo próprio, pois dias antes li avia dirigido agradecimentos a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar pela decretação duma providencia benéfica para Cabo Verde, como várias vezes também enderecei ao Sr. Ministro Sarmento Rodrigues idênticos agradecimentos.
Haveria uma contradição, que não existe na realidade.
O Orador: - É com o maior agrado que ouço as palavras de V. Ex.ª Estes esclarecimentos não são para V. Ex.ª, mas para a Assembleia.
O Sr. Duarte Silva: - Desculpe V. Ex.ª esta minha interrupção.
O Orador: - Tive muito gosto em ouvir as afirmações de V. Ex.ª
Ora, Sr. Presidente, está bem patente nos números e notícias publicados e até no próprio reconhecimento dos beneficiários as autoridades, os organismos e o povo de Cabo Verde - a contribuição e o esforço do Governo da metrópole para os trabalhos de assistência, recuperação de valores, reconstruções e desenvolvimento da província.
Não será preciso recordar os anos sombrios em que a natureza fustigou as ilhas devastadas, em várias ocasiões, e em que a metrópole não faltou com meios de auxílio ao martirizado arquipélago. Basta ver o que se passou nos últimos anos.
Em 1947 foi autorizado um empréstimo de 10 000 contos. Em 1948 outro empréstimo de 50000 contos, com um subsídio anual de 1700 contos para amortização de juros, tendo até agora sido suportados todos os encargos da divida pelo Tesouro da metrópole. Em 1903 novo empréstimo de 112 000 contos.
Considerando que o total das receitas ordinárias da província é de 30 000 contos, pode bem avaliar-se qual a importância excepcional daqueles empréstimos.
Brigadas agrícolas, pecuárias e hidrográficas têm trabalhado naquela província, procedendo a trabalhos de hidráulica agrícola, repovoamento florestal, fomento pecuário e abastecimento de água. Estabeleceram-se carreiras aéreas entre as ilhas, para o que fui necessário estudar e construir aeroportos, sem falar no grande Aeroporto do Sal. Há neste momento em campo na província uma vasta actividade de estudo e realização nos sectores da agricultura, portos, hidráulica agrícola e fomento agrário, sem incluir os grandes empreendimentos do Plano de Fomento referentes ao conjunto do porto Grande de S. Vicente.
Paru se completar a ideia do tratamento especial que Cabo Verde tem merecido basta verificar que à província, sendo embora a de menos receita orçamental, foi atribuída uma dotação para o plano superior às da Guiné, Timor e Macau; que, enquanto todas as províncias, excepto Timor e Guiné, concorrem com uma parte substancial, tirada das suas receitas, para a execução do plano, Cabo Verde é inteiramente financiada pela metrópole ; que a relação entre a dotação do plano e a receita ordinária é a maior de todas as províncias, sendo quase dupla das de Angola, índia e Moçambique e mais do que dupla quanto à Guiné, Macau e Timor.
Tudo isto considero muitíssimo justo para o valoroso arquipélago de Cabo Verde, mas acho que também ninguém o poderá considerar como um sintoma de abandono a que estejam votadas aquelas ilhas.
Sr. Presidente: o problema das estradas no ultramar, de que hoje me ocupo, é na verdade merecedor da maior atenção do Governo. Não é que constitua um caso raro naquelas regiões. Sob este aspecto, penso, pelo contrário, que não estaremos mal situados, quando em paralelo com outros territórios interrotas. Ainda numa publicação quo há dias recebi vejo as seguintes elucidativas palavras acerca de um território estrangeiro da África Tropical. Diz assim: a É certo que quando os Europeus aqui vieram não encontraram rodas; mas, se eles não fazem alguma coisa, e depressa, pelo sistema rodoviário, as rodas tornar-se-ão inúteis». A doença é geral.
Mas este mal dos outros não nos pode consolai- ou deixar descansados. Temos necessidade de olhar para este sector no plano mais alto do Governo, porque ele é vital. Nas condições actuais da maior parte das estradas de Angola e Moçambique, pode dizer-se que os veículos automóveis têm limitada a sua vida à terça parte do que seria normal, com um acréscimo de consumo assustador. E, contudo, as estradas são indispensáveis para múltiplos fins-de povoamento, de comunicações com o mar, de ligações transcontinentais. E, como se entra, felizmente, numa fase de consolidação da vida interna, surgem também as necessidades de comunicações transversais, ligando os vários núcleos de actividade que por toda a parte vão proliferando.
É de louvar o que o Ministério do Ultramar tem feito neste capítulo, sob a serena e clara visão do ilustre Ministro e da alta competência do distinto Subsecretário de Estado. Mas é tempo de pensar decididamente em ir mais além, elaborando para já mais vastos planos que considerem as estradas como uma das primeiras preocupações do Governo e fazendo-as inscrever em lugar
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de destaque no grande plano de fomento que a Nação confiadamente espera para breve.
Estou certo de que tal atitude mereceria a gratidão de todos os portugueses, sobretudo do ultramar, e o inteiro aplauso desta Camará.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1955. Vai ser publicado no Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: - Sr. Presidente: não ficaria de bem com a minha consciência se não subisse a esta tribuna para marcar uma posição de excepcional interesse pela questão que o ilustre Deputado Sr. Daniel Barbosa teve o mérito de trazer a debate, pois essa questão é de importância vital para muitas famílias, cujas circunstancias de vida estou em condições especiais de conhecer de perto. Que aos pontos de vista apresentados pelo ilustre Deputado avisante outros se venham justapor é precisamente a virtude destas intervenções parlamentares. Mas julgo de flagrante oportunidade e importantíssima uma política de verdade sobre a vida económica da Nação, em que êxitos e fracassos venham a debate, na ânsia leal e séria de que se encontrem melhores e, sobretudo, mais actualizadas soluções aos problemas que lhe dizem respeito. Urge, de facto, que aqueles que tom possibilidades de os medir com visão larga e conjunta o façam, não apenas para rebater as criticas mais ou menos superficiais da opinião pública, mas para atingir os objectivos em vista.
Não é necessário lembrar que a vida moderna trouxe novas e tentadoras aspirações, que o progresso e as facilidades de comunicação tornam apetecidas, não só das populações urbanas, mas também da gente simples do campo, como tantas vezes se tem dito. É absolutamente legitimo que em 1957 todos, sem excepção, aspirem à casa e não à barraca, à luz eléctrica, pondo de lado a candeia, a um mínimo de higiene e conforto no lar, ao acesso às profissões especializadas, aos recursos da medicina moderna em caso de doença, etc. E não é mistério para ninguém que uma grande parte das famílias de diversas classes sociais não tem recursos que tornem viável a realização dessas ambições.
Por outro lado, é evidente que a massa da população nunca medirá todo o esforço e sacrifício que se tem feito e continuará a fazer para atingir o bem-estar que outros povos, apesar de algumas considerações que nos magoam, vêm tantas vezes apreciar em terra portuguesa. A multidão decerto em todas as partes do Mundo apenas ajuíza dos méritos da governação por meia dúzia de circunstancias concretos que lhe tocam de perto na vida quotidiana, tornando-se favorável ou
desfavorável aos Poderes Públicos consoante usufrui ou não de suficiente nível de vida.
Destacam-se entre essas circunstancias, aliás justificadamente, o problema alimentar, o da habitação, o da assistência e poucos mais, como já aqui se referiu. Dentre estes, o problema da habitação é, sem dúvida, um dos mais agudos, já porque nos grandes centros compromete imediatamente as disponibilidades económicas para alimentação e outras despesas, já porque torna muitas vezes imperiosas soluções lamentáveis, como os quartos alugados, por exemplo; estas, por sua vez, constituem grave prejuízo para a saúde e para a valorização dos membros da família e o sacrifício da respectiva capacidade de trabalho - isto apontando apenas algumas das consequências que afectam a economia do agregado familiar.
O mesmo se pode dizer do problema da assistência.
Quando os seus serviços são perfeitos e existe uma previdência bem organizada, a situação económica de uma família poderá manter-se para além da doença ou da crise. Se o problema não estiver bem estruturado, é muito provável que estas ocasionem rapidamente uma situação económica particularmente grave. Quanto a alimentação - e esta constitui, de facto, a primeira necessidade vital-, é forçoso dizer que uma parte da população portuguesa sofre de desequilíbrio alimentar: ou porque não consegue obter os géneros suficientes ou adequados, ou ainda porque não sabe utilizar os que existem na região com pleno êxito. Isto verifica-se, por exemplo, em certas localidades da província no que respeita ao regime alimentar da primeira infância.
É com certeza um problema grave, que envolve muitos factores e exige a maior competência para ser estudado, mas creio que não é necessário afirmar quanto esperamos que sobre ele incida a atenção do Governo, em visão conjunta das possibilidades o usos do País e dos objectivos em causa.
Parece-me no entanto, Sr. Presidente, que, embora este estudo, a fazer-se seriamente, deva assentar sobre uma estatística rigorosa, na sua aplicação prática há que acautelarmo-nos dos resultados numéricos, sob pena de se falsearem os dados humanos do problema, de se atingirem soluções mais matemáticas do que eficientes e objectivas e até de se fazerem interpretações que não correspondam à realidade. Pode um pais, por exemplo, apresentar uma média satisfatória do conjunto de calorias e estar em causa um problema alimentar em tal ou tal região, se essa média final tiver sido obtida à custa de valores francamente divergentes que acusem desequilíbrio. E, pelo contrário, em outro país que não ofereça uma média brilhante pode todavia a população alimentar-se em condições de ter saúde e produzir trabalho útil, unia vez que a natureza do clima, o género de ocupações dos habitantes e os hábitos alimentares da região justifiquem o regime adoptado.
No caso português, apesar do desequilíbrio que acabei de apontar, a população não se mostra no entanto perigosamente definhada, como poderia concluir-se por uma comparação superficial do custo dos géneros indispensáveis a um óptimo de calorias e dos proventos que muitas famílias auferem.
Longe de mim dizer que estes proventos são suficientes para os encargos normais, quer na cidade, quer nas aldeias. Mas também me parece extremamente difícil comparar as despesas indispensáveis de cada agregado familiar, tão divergentes elas são consoante as idades dos membros da família,, os encargos inerentes às profissões e ao meio social, o estado de saúde, etc., e quase impossível referir os proventos a um número exacto, onde nunca poderíamos fazer figurar as regalias provenientes de circunstancias da vida familiar e social, aquelas que estão ligadas ao exercício da profissão, etc.
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E como referir a números aquela produtividade de trabalho doméstico em que, por exemplo, a acção da mulher representa um valor tão grande? Sabe-se quanto é diferente o encargo de um viúvo com filhos menores e a situação de um lar em que a mulher ocupe dignamente o seu lugar de mãe de família. Poderá alguma vez avaliar-se o valor económico que têm a ordenação das despesas do lar, os cuidados domésticos, a educação dos filhos, incluindo a sua preparação para a vida, a assistência na doença, a prevenção dos perigos de ordem física e moral e a criação de condições que permitam ao chefe de família o melhor rendimento profissional?
Não estará na complexidade destas condições e na impossibilidade de as analisar uma parte da explicação do bem-estar usufruído por muitas famílias cujos proventos estão longe de satisfazer a estatística?
Permita-me V. Ex.ª lembrar que, na hipótese absurda de poder fazer-se um cálculo do rendimento do trabalho produzido pela totalidade das mulheres portuguesas, talvez essa verba, dentro do seu anonimato simples e generoso, contasse de forma sensível na riqueza do País. Apenas uma pálida ideia desse número hipotético nos poderia dar o somatório do gastos despendidos por parte do Estado e das instituições de assistência particular com casos sociais provenientes da falta da mãe de família ou da impossibilidade de esta cumprir a sua missão.
E não vem fora de propósito pedir ao Governo que, nesta renovação da escola portuguesa que se vem fazendo, se defendam as nossas raparigas do perigo de uma coeducação de objectivos totalmente idênticos aos dos rapazes, mostrando-lhes que, dentro da grandeza da sua missão, o trabalho essencialmente feminino é útil, produtivo e indispensável à economia da Nação.
Insisto ainda para que, se necessário for, não faltem os meios práticos de preparar as futuras mães de família para realizar esse trabalho com eficiência e saber, tornando-as mais aptas a utilizar com rendimento as medidas sociais com que o Estado favoreça as famílias.
Dentre estas medidas, aquela a que estas mais aspiram é sem dúvida a do ajuste entre os recursos e os encargos. Mas cremos, como aqui tem sido afirmado, que um simples aumento de salários que não seja acompanhado de enriquecimento do Pais, de melhor produtividade e da participação conveniente nos mercados internacionais nos traria apenas uma ilusão numérica, com agravamento da situação económica das famílias. O Estado melhor do que ninguém pode basear na experiência feita e em elementos de estudo a acção futura, prosseguindo em ritmo mais acelerado de acordo com as orientações que provaram bem e emendando erros cujo reconhecimento só lhe trará maior confiança por parte da Nação. E esperamos que essa política económica, para além de envolver uma mobilização das possibilidades do Pais, não deixe de ser acompanhada por uma política educacional correspondente, que torne a população mais apta a utilizar as suas vantagens com pleno rendimento.
Tudo leva tempo; no entanto, é preciso esperar que as soluções se concretizem e tornem realidade. lia que compreendê-lo, merecendo-as e apressando-as quanto possível por uma colaboração de quem tem responsabilidades directivas e dos interessados. Arriscar-nos-íamos ao desânimo se ficássemos simplesmente à espera de melhores dias, admitindo que a outrem compete tratar do assunto e às famílias aguardar o resultado.
Ora a estas compete o dever de preparar os valores capazes de aceitar toda a escala de responsabilidades de que a sociedade portuguesa careça e de despertar as vontades decididas a sacrificar-se, porventura para as assumir com isenção e devotadamente. E que, para além dos investimentos financeiros e dos planos de orientação, é indispensável contar-se com o dinamismo da população e com uma produtividade de trabalho em que inteligência e braços se sintam tão comprometidos com o bem-estar do País como aqueles que tom o pesado encargo de governar.
Basta, Sr. Presidente, encontrar aqui e alem mentalidades débeis que consideram que o ideal da vida está em possuir o suficiente paru não trabalhar. Surgem por vezes entre aqueles a quem tudo falta e cujo coeficiente de trabalho é regulado apenas pela vigilância da entidade patronal ou pela fome. As consequências são por demais conhecidas, e muitas vezes o cenário do miséria que resulta ó explorado por quem de má fé nos quer convencer de que somos um país subdesenvolvido. Também se encontra, porém, em meios sociais em que proventos mais largos tornam possível uma vida improdutiva, com o prejuízo que os pesos mortos trazem sempre à sociedade e com o sacrifício de iniciativas e investimentos tão úteis para o País.
Mas, graças a Deus, há outros cenários em que o espírito empreendedor e o amor ao trabalho dominam as condições por vezes difíceis que se apresentam.
Ocorre-me, por exemplo, o caso de duas regiões vizinhas da mesma serra. A população da mais fértil, habituada a que a água abundante lhe regasse os milhos, tornou-se indolente e conheceu a pobreza. Na outra encosta dos montes a terra hostil e dura levou os seus habitantes a lutar para que ela produzisse, e a região tornou-se farta. Um caso semelhante no seu significado é o da Holanda, conquistando ao mar a terra arável de que carecia para seu sustento. Outro ainda o da reconstrução alemã do pós-gnerra, lançando mão de um aproveitamento de materiais e braços nunca superado. E quantos mais poderíamos citar, dentro e fora do País.
Ora, são deste jeito muitas famílias cujo orçamento fica longe de todos os números aceitáveis, famílias numerosas algumas, outras onde a falta do chefe leva os filhos a uma luta precoce. Quantas vezes a força e o engenho redobram, e não raro é ver que esses que mais provados foram, que tiveram de vencer obstáculos mais duros do que a terra hostil das nossas serras, são os que mais desmentem os números e trazem à Nação as melhores possibilidades de engrandecimento.
Hoje, que a escola está a tornar-se acessível a todos, facilitando às famílias a sua missão, esperamos que com o ensino das letras ela incuta o amor ao esforço e à iniciativa e, sobretudo, o gosto das responsabilidades, sem os quais não há uma verdadeira obra educativa, nem tão-pouco são eficientes quaisquer medidas económico-sociais tendentes a melhoria de nível de vida.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Se é certo que uma renovação de mentalidades não é tudo, também não é com uma população mais propensa a dizer mal do que vai pelo Mundo fora do que a contribuir com o seu esforço para o aperfeiçoamento da vida social que pode preparar-se às gerações que nos seguirem uma situação mais desafogada.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, este apontamento, que muito mal se alinha com os discursos notáveis dos ilustres oradores que me antecederam no uso da palavra.
Vozes: - Não apoiado!
A Oradora: - Custar-me-ia no entanto não marcar presença neste debate, em que foi meu propósito, desde a primeira hora, dirigir ao Governo um veemente apelo
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para que dentro da possível brevidade possam minorar-se as preocupações sérias e graves de muitos chefes de família, cuja modelar administração não é suficiente para harmonizar os seu limitados recursos com os encargos que pesam sobre os seus ombros.
E quereria que esta presença significasse também o desejo de que a Nação, amparada por essa reeducação das mentalidades, por melhor formação prática e por justas e equitativas compensações, venha a sentir-se envolvida nesta obra renovadora do nível de vida português e ponha ao serviço do País a sua inteligência e saber, os seus braços humildes, numa palavra, toda a sua potencialidade de acção. Só assim contribuirá eficazmente para a sua felicidade e para um prestigio que não admita de futuro quaisquer confusões sobre o grau de desenvolvimento de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: não desejo alongar demasiado a minha intervenção no debate em causa. E resolvi assim proceder por ter reconhecido, desde o primeiro momento em que o assunto foi posto a consideração da Comissão de Economia desta Assembleia política, que o tema proposto para discussão pelo ilustre homem público engenheiro Daniel Barbosa, antigo Ministro da Economia, que, neste país desempenhou assinalado papel de relevo em período agudo a nossa vida económica, se prestaria, no momento que decorre, a erradas interpretações e que, como conclusão da análise feita, resultaria pouco se ter acrescentado para o esclarecimento daquela assembleia de que nos fala o ilustre Deputado e que disse se poderia reunir em pequeno salão; como também, e isso seria o mais grave, poder vir a alimentar, com perigosas ilusões, aquela multidão que bem arrumadinha mal poderia cobrir sa modesta área molhada do actual porto de Leixões».
Assim, possivelmente também não cometerei grande erro dizendo, ao começar as minhas considerações, que o slogan que o Deputado Daniel Barbosa não quis decerto lançar, mas que a tal multidão concentrada no porto de Leixões pôs a correr - os 3.000$ de vencimento -, já teria agora dado a volta ao Mundo, se tivéssemos colocado ombro a ombro todos aqueles que o difundem, entusiasmados e aquecidos pelas 3000 calorias do sustento. E, como acontece sempre que uma multidão desconhecedora de complexos problemas é posta, sem a devida preparação, perante questões de tão melindrosa análise, pouco ficará de útil deste debate. E assim, a grande maioria não leu, ou esqueceu rapidamente se o leu, o muito de sensato que aqui nos disse o Deputado Daniel Barbosa e olvidou, decerto, entre outros, a justeza do período que corta cerce todas as ilusões da conquista do «eldorado a curto prazo», que outros já têm prometido sem mesmo adivinharem como o podem cumprir.
Por isso convirá repetir a fala do Deputado avisante, quando disse: «toda a tentativa simplista do aumento do poder de compra por um aumento de vencimentos ou ide salários sem a contrapartida do aumento das quantidades produzidas e da estabilidade e não mesmo do embaratecimento - do custo de produção serviria só para acarretar novos agravamentos do custo da nossa vida ou levar quando muito a manter, com maiores ou menores modificações, as dificuldades actuais; até porque a reacção normal da produção, perante um maior interesse da procura, poderia traduzir-se numa contracção conducente a uma elevação de preços. Iríamos então e muito mal a pior.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Quando o engenheiro Daniel Barbosa nos definiu, do alto desta (tribuna, o nível da nossa existência como povo integrado nesta velha Europa e os riscos e perigos maiores e menores que (resultariam do seu grau, que considerou baixo, já essa multidão anónima, que constitui o admirável e civilizado povo que deu mundos ao Mundo, tinha começado a sei- activamente trabalhada - permitam-me a expressão - por campanha conduzida segundo a técnica comunista, avisando-a de idênticos perigos e dando-lhe como miragem um mesmo eldorado, obtido, porém, por via mais radical, ao sabor da doutrina marxista.
Não desejo, contudo, ajudar a divulgai o joio na seara, mas digo, e apenas como prevenção, que a economia já hoje é habilmente manejada, com números e 'estatísticas, ao sabor dos mais diversos ideais, por técnicos bem preparados desse imperial país que trabalha afincadamente para dominar o Mundo, arregimentando aliados nos mais variados e, digamos, por vezes inesperados sectores de uma população.
São, assim, de um recente manifesto político pré-eleitoral as seguintes palavras dos doutrinadores do Partido Comunista, referindo-se às classes menos abastadas da população:
As pequenas economias diminuem de ano para ano nas caixas económicas, como o provam as estatísticas oficiais.
Como vemos, as estatísticas prestam-se para tirar conclusões opostas; que o diga, se não é assim, o ilustre Deputado Dr. Bustorff da Silva.
E, mais adiante, lá aparece no referido pasquim, como solução dos técnicos comunistas para os males que afligem os menos afortunados deste país, a já falida panaceia da reforma agrária dos latifúndios alentejanos, baseada numa simples econo-geometria. E, assim, aconselham, além desse amplo partimento agrário que rapidamente eleve o nível de vida da nossa gente, «uma melhoria substancial dos salários e ordenados das classes trabalhadoras, de forma a assegurar a estas um maior poder de compra».
Como vemos, Srs. Deputados, estaria aqui nestas tão fáceis medidas, segundo os mentores comunistas, a verdadeira chave do complexo problema de conseguir per capita a média das 3000 calorias de sustento ...
Mas adiante, e, como disse logo que subi a esta tribuna, apenas me proponho fazer agora breves considerações, digo melhor, repetir considerações já feitas, tendo só em vista, não esgotar, como é compreensível, um assunto que é todo o problema da vida nacional, mas tão somente citar alguns dados que possam vir a esclarecer melhor os espíritos perturbados por tantas miragens e ilusões.
Dirão, talvez, alguns dos que fazem parte da reunião do salão já citado que serão mais uns números para apoiar o desenho de uma paisagem económico-social que não será fotografia exacta das realidades. A esses direi apenas: permitam-me que neste mundo de convencionalismos variados eu seja hoje aqui nesta tribuna um simples representante do homem da rua, desprovido de paixões, indiferente a todas as vaidades humanas, sem ambições de mando, e que procura apenas compreender as principais causas da maleita que atinge todos os menos afortunados do século, observando tudo o que nos rodeia com espírito de ecologista, ligando a população ao ambiente em que vive, e, assim, ajudar a restabelecer aquele clima de estudo que permita que se continue a trabalhar, neste país, seriamente, como se tem feito nestes últimos trinta anos, a bem da Nação.
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Em conferência recente, realizada na cidade de Coimbra, procurei, com imparcialidade, definir a nossa situação económica como país agrário que somos. Nada veio posteriormente alterar o que então concluí.
Disse eu:
E frequente ler-se, ou ouvir-se dizer a uns tantos, dados a estudos económicos e sociais, que o agrário europeu apresenta, em relação ao mundo do industrial, índices de significativo atraso económico e social. E citam-se, entre outros elementos, os que se referem a aspectos demográficos; ao nível de instrução baixo; às faltas de toda a ordem nos domínios da higiene e da sanidade; à capitação diminuta do rendimento nacional; ao baixo quantitativo e composição defeituosa do alimento; aos quilovátios a menos por habitante, isto é, índice baixo de energia disponível; à capitação da quilometragem de via ferroviária ou rodoviária, denunciando debilidade circulatória; à baixa produção, por unidade de superfície, de vários alimentos; ao uso diminuto de fertilizantes; à estrutura defeituosa do comércio de exportação e de importação, etc. E todos estes valores e muitos outros, segundo os modernos critérios de análise destas ciências, denunciam, segundo afirmam, e em grau apreciável, atraso do processo evolutivo - e levam a integrar os países agrários europeus nos domínios do subdesenvolvido.
Esta conclusão recebe ainda a prova, conforme dizem, quando se calculam as proporções dos mesteres que constituem a população activa dessas nações - o agrícola, o industrial e os serviços. E assim, e apenas em relação a este último aspecto, os 49 por cento de camponeses, somados aos 28 por cento de operários e aos 23 por cento de trabalhadores dos serviços, colocariam, por exemplo, o nosso país entre as nações do tipo agrícola com indústria subordinada. O tipo agrícola, propriamente dito - grau mais baixo do evoluído, seria - casos fora da velha Europa - o do Egipto e também o da índia, onde as percentagens dos mesteres referidos teriam, respectivamente, os valores de 71-10-19 e 69-10-21.
Para o nosso caso seria então necessário prever, para atingirmos teoricamente o terceiro degrau o mais elevado do evoluído -, além de muitas outras mutações, a deslocação de cerca de 1 milhão de cultivadores da terra para os serviços, mantendo sensivelmente o número de operários das diferentes manufacturas; e chegaríamos assim a um eldorado estatístico-económico representativo do grau mais elevado da escada da riqueza.
Vejamos, porém, antes de definirmos a orientação a seguir em análise tão complexa, como se apresentam, de facto, alguns dos índices a que fiz referência e procuremos, tanto quanto possível, para os interpretar, relacioná-los com as características ambientais das nações a que dizem respeito. Assim poderemos talvez fazer ideia mais exacta do problema em causa. E sirvamo-nos, para este efeito, de alguns dos dados contidos especialmente em três notáveis estudos, a saber: A Linha de Rumo, do ilustre Frof. Ferreira Dias, obra publicada em 1945; O Panorama Económico da Europa, da autoria de Reithinger, livro na realidade mais antigo, mas de texto ainda não antiquado, e World PojHiJation and Production-Trenas and Outlook (1053), de E. S. Woytinsky e E. S. Woytinsky, com a colaboração de numerosos técnicos e economistas dos departamentos e universidades americanas.
Para não cansar demasiadamente V. Ex.ª com a citação de inúmeros valores estatísticos, vamos apenas, ao compulsá-los, referir os países que, em relação a cada aspecto mencionado, nos acompanham mais de perto, para assim melhor se poder definir a causa do mal que aparentemente nos diminui e, como veremos,
atinge também os restantes países agrários da velha Europa.
Assim, comecemos pela análise do que se refere à densidade populacional dos países europeus.
Verifica-se então, quanto a este aspecto, que somos companheiros próximos dos países agrários do Mediterrâneo, dos do Leste e do Sueste europeu e de uns tantos países de agricultura intensiva da Europa Ocidental e Setentrional, de clima marítimo, como a Dinamarca e a França. A nossa densidade populacional está assim compreendida entre os limites 97 da Hungria e 50 da Roménia (Ferreira Dias).
Os grandes países industriais situam-se, pelo contrário, todos eles, para além do índice 97, apenas com a excepção compreensível da gelada Suécia, com os seus 14 felizes habitantes por quilómetro quadrado, incluindo-se também no grupo dos mais densos a agrícola Holanda - esta, porém, capaz de sustentar os seus 252 habitantes por quilómetro quadrado, mercê da maravilha do seu engenho, que vai desde o transformar o mar em terra agricultável, a conseguir realizar, pela venda das suas tulipas, mais dinheiro que o alcantilado Douro recebe pela exportação do precioso vinho do Porto.
Completemos agora estes valores com os que se referem à. população agrária por superfície arável útil. Então verifica-se que, sendo considerada normal uma população agrária por quilómetro quadrado da ordem dos 40 a 50 indivíduos (Reithinger), todos os países agrários da Europa Oriental, do Sueste e da zona do Mediterrâneo têm índices superiores a este limite; a Bélgica e a Holanda apresentam também os elevados índices de 71 e 72, respectivamente, muito próximos dos referidos para os países do Leste e do Sul. As restantes nações correspondem valores normais ou inferiores ao limite mínimo referido.
Quanto às calorias correspondentes ao nosso sustento, Woytinsky coloca-nos na companhia da Itália, da Grécia e da Espanha, na situação de nível médio de consumo, e acrescentarei, observando a fornia como evolucionam os índices de natalidade, mortalidade geral e infantil e confirmados pelo prometedor índice de apuramento nas inspecções militares, que o nosso país caminha rapidamente para uma situação de realce, afastando-se da média do sector agrário europeu.
Em posição ainda similar se situam os países tradicionalmente agrários quanto à análise de elementos ligados à sua vida económica, tais como capitação das receitas, quantitativo, por habitante, da moeda em circulação e valor dos depósitos bancários. E se fixarmos a nossa atenção nos índices relativos ao comércio externo - tonelagem, valores e estrutura -, verifica-se que continuamos ao lado dos países já referidos.
Vejamos agora um outro elemento fundamental de apreciação - as disponibilidades de energia. Encontramos então valores que nos colocam, acompanhados pelos vizinhos, nos degraus mais baixos da escala. Apenas a Itália, arrastada pelo seu Norte industrial, se afasta dos companheiros pobres.
Finalmente, quanto a meios de transporte, exceptuando o que se refere à capitação de automóveis por habitante, que nos eleva quase à situação de novos-ricos, passando para um posto de guarda avançada do grupo dos agrários, observa-se que os valores, por habitante, do comprimento de vias férreas e de estradas, material circulante e tráfego de mercadorias, não alteram a nosso posição, apenas mudam um pouco a dos mais próximos vizinhos.
E, assim, com base nestes elementos e ainda noutros, a que não fiz referência por desnecessário, o Prof. Ferreira Dias situa-nos, no conjunto dos vinte e seis países
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da Europa, num dos mais altos andares deste arranha-céus da riqueza.
Não deixemos, porém, de observar que nos andares mais caros, até ao 14.º, estão apenas os países privilegiados da indústria, os da Europa do cavalo-vapor, e ainda as nações agrícolas de clima marítimo. Daí para cima só habitam os desprotegidos do século. Contudo, será conveniente não olvidar que se trata de um prédio de relativo conforto.
E assim é que na notável obra americana já citada, e que apoia inteiramente o que fica dito, se considera Portugal entre os países de médio nível de existência, quando tomadas em conta as condições típicas da sua economia.
Consideremos agora e apenas, para melhor remate desta análise e mais perfeita verificação das causas gerais desta seriação económico-social dos países europeus, o que se refere a alguns aspectos da produção agrícola.
Para não cansar a atenção de VV. Ex.ªs apenas citarei, quanto à produção de alguns géneros fundamentais, tão-somente os rendimentos por hectare referentes ao trigo e à batata - o primeiro, produto duma cultura de sequeiro, normalmente de carácter extensivo, e o segundo, em muitas regiões agrícolas da Europa obtido com um grau de intensidade cultural mais ou menos elevado.
Em relação à primeira cultura, considera Reithinger que os países que apresentam médias de produção compreendidas entre 15 e 20 q por hectare, médias consideradas satisfatórias, são apenas os das regiões marítimo-setentrional e continental ocidental, abrangendo ainda a Alemanha, a Checoslováquia, a Áustria e a Itália, esta última nação, decerto, com uma média nitidamente influenciada pelo clima da região setentrional desse país. Todas as restantes nações, incluindo Portugal, apresentam valores compreendidos entre 8 e 15 q, médias muito semelhantes às que se observam na cultura cerealífera de sequeiro em todos os países das margens do Mediterrâneo, e essas médias são ainda muito próximas das referentes às regiões cerealíferas europeias caracterizadas pela queda de chuvas durante o Verão e de Invernos frios.
Como vemos, continuamos a ter, nos domínios da produção cerealífera, os mesmos companheiros.
Em relação à batata, como se trata duma cultura com o carácter dominantemente intensivo em muitas regiões de Portugal, onde dominam influências atlânticas, e restringindo-se o seu cultivo às terras mais favoráveis, não admira que as médias de produção registadas nos coloquem num nível muito próximo do correspondente aos países agrícolas mais progressivos.
Quanto ao emprego de fertilizantes, Reithinger situa-nos entre os países que adubam satisfatoriamente as suas terras no que se refere a adubos fosfatados; quanto aos azotados e potássicos, estamos ainda em posição semelhante à dos nossos habituais companheiros. E se desejássemos ir mais além neste género de pesquisa, no domínio do agrário, e considerarmos a própria estrutura agrícola no que se refere ao número de patrões, empresários familiares e assalariados, e por motivos óbvios fizéssemos este estudo apenas em referência aos países situados para cá da «cortina de ferro», chegaríamos também à mesma relatividade de situações.
E qual o porquê desta série significante de coincidências?
Foi na era do cavalo-vapor que se verificou neste continente diferenciação mais sensível nos domínios do agrário e do industrial. A simples localização para as bandas de enrugamentos antigos das majestosas florestas de criptogâmicas vasculares do período permo-carbónico e seguintes foi, na realidade, passados biliões de anos, o factor dominante desta distinção. E foi, assim, tão-sòmente o facto de o homem haver descoberto a maneira prática de utilizar a energia do sol, potencializada nos restos dessas antigas florestas, que determinou os limites que separam hoje os países industriais e os agrícolas, o que, por outra forma de exprimir, podemos dizer os evoluídos dos subevoluídos da Europa.
O extenso mar Mediterrâneo, que em épocas muito remotas assistiu u vinda do homem de paragens orientais, foi depois espelho de grandes civilizações e viu nascer e iluminar por todo o sempre, à sombra de uma cruz, todo o renascimento da vida humana, esse mar, ia dizendo, continuará a constituir, no contemporâneo, espelho de ancestrais virtudes.
Nas suas margens soalhentas debruçam-se, hoje, apenas velhos países, mas onde a tradição do duro labor da terra poderá constituir, ainda, fonte inesgotável de novas criações. É aí, também, nessa parcela do Ocidente, que se acantonam as populações, demogràficamente das mais saudáveis, embora também das mais castigadas pelo egoísmo distributivo do século.
Digamos, pois, que neste Velho Mundo a Europa agrária, na qual estamos tão intimamente integrados, é parcela caracterizada por um solo velho, muito gasto - é um facto - pelo uso, mas sustentáculo, desde tempos remotos, de populações numerosas e sofredoras e dotadas de elevada potencialidade civilizadora. E isto que fica dito define bem, em síntese, a verdadeira paisagem da nossa existência, e explica, até certo ponto, como se gerou o subevoluído europeu.
Não é difícil, também, encontrar em elementos dominantes do clima as causas que consolidaram esta diferenciação económico-social.
Na realidade, a zona do subdesenvolvido europeu tem chuvas anuais suficientes para uma agricultura intensiva, por vezes mesmo superiores, em altura pluviométrica anual, às dos países do Ocidente e Norte europeus de clima marítimo; quedas pluviais, porém, muito diminutas durante os meses de Estio nuns, noutros concentradas nesta estação, o que determina a quase impossibilidade, na falha do regadio, do aproveitamento contínuo e eficaz da terra, especialmente na produção dos alimentos de carácter energético.
Só mantém, de facto, contínua actividade vegetativa e frutificante o elemento lenhoso - a árvore e o arbusto-, actividade apenas ciclicamente interrompida nos períodos naturais de repouso. E isto quanto aos. aspectos de maior realce, consequentes deste factor dominante - o clima. E como o regime de chuvas se reflecte, por outro lado, por forma bem marcada na vida dos cursos de água, não é difícil ver onde se apresenta também a principal causa da falta notória de energia hidroeléctrica nos países sujeitos ao regime periódico de pronunciada estiagem. E a agravar esta falha sabe--se, como já lembrei, que as florestas virgens dos tempos geológicos não deixaram, para estas bandas, ricos despojos de carvões fósseis.
Assim, só a cisão nuclear e tudo o mais que se lhe seguir nos domínios das ciências físicas e das respectivas aplicações técnicas poderá, em dia mais ou menos próximo, modificar as bases em que o problema tem sido posto.
Como consequência do que fica dito, compreende-se bem que a representação geográfica do económico-social europeu não poderá divergir muito da cartografia pluvial do Velho Mundo, corrigida pelos factores heliotérmicos.
Isto não obsta a que na extensa zona agrária europeia surjam, aqui e acolá, mercê de condições climáticas especiais e ligados a elas, aspectos pedoló-
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gicos bem marcados, zonas restritas que tenham dado renome a ricas terras de pão e a férteis pastagens.
Assim, as terras negras da Ucrânia, os tchernozioms russos e as tradicionais de pão e de criação de gado dos Balcãs são exemplo destacado do que disse. Como também o é, em relação a produtos hortícolas e frutas, a célebre huerta de Valência, que o Árabe soube valorizar na Península, bem como as maravilhosas regiões pomareiras da Itália e algumas outras manchas agrícolas em que a água e o solo determinaram uma fertilidade difícil de igualar. Porém, salvo estas áreas de pequena evidência em relação ao todo, podemos concluir que na delimitação do subdesenvolvido europeu, além das causas que deram vida à Europa do cavalo-vapor, foram os factores climáticos, especialmente o regime de chuvas, que determinaram este processo de diferenciação económico-social do continente.
Digamos ainda, para precisar melhor o que fica expresso, que as baixas médias de produção por unidade de superfície e o elevado custo dos principais géneros colhidos na Europa agrária derivam, além de tudo o mais que foi dito, das dificuldades que se levantam, a cada passo, para uma conveniente mecanização dos granjeios - terras delgadas, frequentemente declivosas, propriedades muito pulverizadas nas zonas mais férteis, etc.
Se as dificuldades a vencer para a melhoria das condições de existência dos povos agrários da velha Europa são assim elevadas, isto não quer dizer que, utilizando os meios de que a técnica moderna dispõe para melhor aproveitar os recursos mais modestos, não permitam, de facto, antever possibilidades reais de acréscimo sensível do nível de existência destas populações.
Compreende-se, porém, que a forma de orientar a política agrária nos países subdesenvolvidos não poderá obedecer, para se colher melhor êxito para a colectividade, aos processos clássicos dominantes nos países da Europa industrial, em parte consequentes do domínio das ideias capitalistas apoiadas numa estrutura com fundas raízes imersas na, estrutura liberal. E o próprio direito de propriedade, o jus utendi ac abutendi do direito romano, terá, nos domínios do agrário, dado lugar ao conceito tomista do jus procurandi et distribuendi. única forma justa de se conseguir tirar o melhor proveito das paupérrimas possibilidades do agrário europeu.
E como se apresenta o agrário português, como parcela deste extenso território do subdesenvolvido europeu?
Se as quedas de chuva, anuais e estacionais, constituem, como disse, elementos dominantes na diferenciação do agrário do velho continente, não é menos certo que são ainda as chuvas, associadas aos índices helio-térmicos, o factor de maior relevo no condicionamento da paisagem rural do nosso país.
Não é difícil verificar, por exemplo, que a curva pluviométrica dos 800 mm, além de ser responsável da definição dos limites das zonas de culturas intensivas no território pátrio continental, não é também, decerto, estranha à delimitação da área cerca de um quinto do território onde se situa um dos viveiros mais ricos da população lusa, viveiro que permitiu seguro apoio deste precioso sangue, produzido em tão minúsculo berço, à elevada missão de civilizar em terras distantes de quatro continentes e à de criar uma nova e grande pátria, imagem lusíada do Novo Mundo. E ainda foi essa mesma causa concentração de queda pluvial elevada em fértil parcela -, nesta Idade Nova, idade de sonhos e realizações, a determinante do quebrar do ciclo vicioso que ameaçava estagnar, ainda por longos anos, as possibilidades do nosso progresso económico.
Iniciado o aproveitamento das disponibilidades de energia hidroeléctrica, esclareceu-se, por forma bem evidente, o nebuloso horizonte do futuro económico da Nação. E foi também, na realidade, à custa do sacrifício material duma geração, e, diga-se de passagem, ila perda daquela fracção do território que foi arrastada para o oceano por enxurradas cada vez mais devastadoras, donde provieram os meios iniciais para se iniciar tão difícil caminhada. E assim é que, desde os tempos das lutas árduas das campanhas agrária iniciadas pelo Ministro Linhares de Lima até hoje a Nação arrancou a mais do que as possibilidades normais permitiriam e das Mias próprias entranhas, em pão alvo. sm batata, em arroz e em lacticínios, perto de 20 milhões de contos de sustento.
Contudo, não se poderá hoje pensar em ir mais longe, seguindo o perigoso caminho da extensificação cultural. Somente a intensificação do cultivo, apoiada no acréscimo da área de regadio, poderá permitir, de facto, o início, em bases seguras, do verdadeiro fomento da agricultura nacional.
E será então no vasto território ao sul do Tejo, onde se pode antever acréscimo substancial da área economicamente regável mais de 100 000 ha, segundo declarações do ilustre Ministro das Obras Públicas que se poderá apoiar a mais profunda das transformações do processo evolutivo da nossa economia agrária.
A passagem, que deverá prever-se, desta importante parcela do sequeiro para o regadio terá de ser longa
Não devemos esquecer, porém, que o mercado interno, de poder de consumo ainda muito Ilimitado, quanto a produtos alimentares energéticos, tetra progressivamente de desenvolver-se, para permitir que se efective em condições favoráveis o processo evolutivo agrário da lavoura nacional. E isto se verificará plenamente, como, de neste, se tom observado na evolução de outros países subdesenvolvidos, quando o progresso industrial determine o necessário estímulo, estímulo que vá reflectir-se no aumento do produto nacional bruto e também no rendimento nacional e que faculte, por outro lado, à cultura da í erra e em boas condições de preço, a maquinaria, os fertilizantes e demais elementos necessários a uma agricultura progressiva.
Esta condição, porém, é necessária, mas não suficiente.
Conforme afirma Pei-Kaug Chang, na interessante obra Agricultura e Industrialização, editada pela Universidade de Harvard, so desenvolvimento industrial em a não é suficiente para induzir a reforma agrícola».
É necessário contar, como diz este autor, simultaneamente, com outras condições, e entre as mais importantes figuram o fomento dos transportes (e no nosso país têm particular evidência, devido ao acidentado do território, os rodoviários) e sa consolidação das explorações agrícolas e a regulamentação legal relativa à redistribuição da terra, que converta a organização da agricultura em grande escala numa realidade». E não esquecer também que os dois processos evolutivo - industrial e agrícola não poderão deixar de estar intimamente conjugados.
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Teoricamente, e em relação a determinado nível da técnica, continua a afirmar o economista citado, «deverá existir um ponto de ajustamento entre a agricultura e a indústria - digamos o seu ponto de equilíbrio. Porém, como a industrialização pressupõe um sistema dinâmico, e não estático, visto constituir um processo eminentemente evolutivo, haveria lugar, teoricamente, para considerar, não um ponto de equilíbrio, mas uma série deles, ou, melhor, uma curva de equilíbrio que seja o seu lugar geométrico.
Mas na economia concreta, real, estes pontos podem nunca ser alcançados verdadeiramente.
A expansão da indústria, pode dizer-se, é quase indefinida; pelo contrário, o desenvolvimento da agricultura tem limites mais apertados, impostos pela natureza específica do seu processo produtivo, quase totalmente circunscrito, como se sabe, ao mundo orgânico, onde a vontade do homem tem de submeter-se a cada passo às contingências e aos ditames da Providência.
Mas a agricultura, além de produtora de alimentos, é também importante fonte de matérias-primas. E a história mostra, com evidência, que esta última função está tomando relevância, muito embora ainda não seja dominante.
Neste aspecto, de fonte de produção de matérias-primas, não é possível determinar, mesmo com mediano rigor, o que será no futuro o seu valimento. É que esta função depende em grande parte da expansão da indústria e do progresso da técnica e ainda dos resultados da pesquisa de novos sucedâneos, e esta procura deverá ser cada vez mais intensa, pois é notória a imperfeição das matérias-primas agrícolas, devido à sua alta heterogeneidade, e tal imperfeição constitui severo obstáculo à fluidez das trocas.
Verifica-se, por outro lado, que a importância relativa da agricultura no sistema económico, conforme afirma o autor já citado, decresce durante o processo evolutivo da expansão, e isto devido principalmente a que a elasticidade da procura rendimento é muito mais baixa para os produtos agrícolas do que para os industriais.
Mas repare-se que disse: «importância relativa», e, de facto, não afirma que a importância da agricultura haja que diminuir em sentido absoluto. Pelo contrário, a produção agrícola aumentará rapidamente a partir do processo de industrialização, mas a sua taxa de expansão é que será nitidamente menor do que a industrial.
Encontra-se a agricultura nacional num estado de desenvolvimento que acompanha, dentro de certos limites, o processo evolutivo que se verifica já, com nitidez, nos domínios das actividades industriais. Porém, há a realçar que, mesmo em muitos ramos da manufactura, não se tem atendido ainda à condição fundamental do seu progresso - isto é, a de uma satisfatória produtividade nas suas facetas dominantes do trabalho, do capital e da sua utilidade social.
Para tal conseguir falta uma profunda e cuidada pesquisa económica de inúmeros elementos, que só podem ser convenientemente obtidos através de um minucioso inquérito industrial. Se essa produtividade não for atingida, não se poderá, de facto, conseguir que as actividades industriais possam estimular, significativamente, o poder de compra do mercado interno e ainda influir no nível de existência da população, mercê do êxito da concorrência dos seus produtos aos mercados internacionais.
O facto, como disse, de o território português na velha Europa ser extremamente diferenciado, por via de factores condicionantes do clima, diferenciação que se verifica também, como vimos, por forma acentuada, no que diz respeito à demografia, torna ainda mais difícil conseguir o equilíbrio agro-industrial a que nos vimos referindo. E este carácter de diferenciação regional da nossa economia leva-nos a apoiar, sem reservas, as seguintes palavras, escritas pelo engenheiro Araújo Correia no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1954, quando afirma:
A primeira e mais importante condição a impor para a melhoria dos consumos é naturalmente a defesa das actividades regionais na agricultura ou na indústria, porque é nelas que a maioria da população aufere os meios de subsistência e é para seu consumo que trabalha grande parte das indústrias nacionais. Ë, enfim, nelas que reside o maior somatório, em estado potencial, do poder de compra.
A valorização dos pequenos centros regionais - aldeias, vilas ou cidades aparece assim como um problema de primeira grandeza na vida do País; do progresso das suas actividades económicas deriva, além duma estabilidade social indispensável num mundo revolto, o aumento do poder de compra e dos consumos.
Essa melhoria apreciável nas actividades regionais só pode ser obtida por maior desvio de investimentos para educação e assistência técnica, por melhores e mais fáceis comunicações, por maiores rendimentos unitários, pelo uso de métodos de exploração, agrícola ou industrial, mais eficazes, pelo melhor aproveitamento das possibilidades existentes.
A agravar a situação do heterogéneo território continental relembremos ainda que grande parte da área cultivável o é apenas por via de plantas lenhosas, culturas fixadoras de reduzido quantitativo de mão-de-obra, se exceptuarmos, é claro, a vinha e, em parte também, o olival e o pomar.
Mas cerca de 40 por cento da superfície cultivável, ou seja 30 por cento do total do território, está de facto recoberta de matas, e parte apreciável desta fracção é revestida apenas por duas espécies - o sobreiro e o pinheiro bravo -, cujos produtos exportáveis, juntamente com os da vinha, representam cerca de metade do valor total da exportação portuguesa.
Se atendermos, por outro lado, a que a cortiça poderá um dia correr o risco de desvalorização, mercê do aparecimento de qualquer sucedâneo valioso para suas principais aplicações, e que a concorrência aos mercados externos de vinhos se torna dia a dia mais difícil para os países que produzem caro, ou quando os vinhos, embora intrinsecamente valiosos, são de consumo restrito - é o caso dos generosos do Douro -, poderão então avaliar-se as dificuldades a solver para a resolução dos problemas que mais interessam à economia da nossa lavoura. Os preços e a procura de parcela importante dos produtos da terra que pesam no nosso comércio de exportação estão assim, de facto, sujeitos a grandes flutuações, com imediatos reflexos no poder de compra da população portuguesa.
Só, como disse, o desenvolvimento do regadio, especialmente dos territórios do Sul, permitirá, de facto, que se diversifique a produção agrícola, especialmente de matérias-primas e de alimentos energéticos.
Mas não devemos esquecer no ordenamento a efectuar, como atrás foi observado, que a elasticidade da procura-rendimento é muito mais baixa para os produtos agrícolas do que para os provenientes da indústria.
Há, por isso, que procurar que a efectivação do processo evolutivo da agricultura nacional se realize em condições de permitir a colocação dos excedentes do
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consumo interno nos mercados internacionais e que, por política comercial adequada, se leve o índice de concentração do comércio externo para nível mais próximo do dos países agrícolas do Norte da Europa (esses índices são, por exemplo, de 41,2 e 30,6, no ano de 1948, para Portugal, enquanto são de 28,8 e 27,1, para a Bélgica, no mesmo ano).
Se assim não se proceder, e se formos, pelo contrário, multiplicando os casos semelhantes ao que se passa, presentemente, com o arroz, criando artifícios sobre artifícios nos domínios da economia agrária, e se a concentração do nosso comércio externo se mantiver com as características actuais, chegaremos, decerto, a situação mais difícil que a actual no que se refere ao poder de compra das populações rurais. E desenvolvamos sobretudo aquelas culturas que se encontram bem adaptadas às nossas condições mesológicas - a das árvores e arbustos fruteiros, especialmente.
Não se julgue, porém, que o problema do difícil destino a dar aos saldos de certos géneros agrícolas não consumidos nos mercados internos e externos é problema que só afecta hoje as velhas nações agrárias da Europa.
Para não falar das crises já tradicionais de alguns produtos oriundos dos trópicos, bastará lembrar que no presente os Estados Unidos se encontram em face de grave situação económica no sector agrícola, mercê da sobreprodução de trigo, de algodão e de milho, situação que afecta de fornia muito sensível o rendimento de centenas de milhares de camponeses, prevendo-se já a realização de medidas drásticas no sentido de restringir as áreas cultivadas, eliminando das culturas referidas todos os solos de baixa produtividade. E admite-se ainda um desvio mais acentuado da população agrícola para as indústrias e para os serviços, aumentando o declínio da população camponesa, que, de 1920 a 1955, perdeu cerca de 10 milhões de unidades.
Levantam-se presentemente perante a velha Europa novos horizontes de existência económico-social, consequentes da criação do mercado comum e da zona de livre-comércio. E digo, julgo que com toda a justeza, que a efectivação deste primeiro passo para a criação dos Estados Unidos da Europa, ideia velha, hoje remoçada, terá na vida nacional projecção tão incomensuràvelmente maior que a dos reflexos da discussão académica decorrente, que mal parecia ir aflorar neste momento tão gravíssimo problema no epílogo desta minha modesta intervenção. Se o enuncio, é apenas para reforçar a opinião, que de início emiti, da inoportunidade da análise dum problema cujas determinantes fundamentais estão ainda a ser postas em equação.
Por isso terminarei, como o ilustre Deputado Eng. Daniel Barbosa, com o mesmo espírito de confiança na clarividência do Sr. Presidente do Conselho para ultrapassar mais este grande escolho - mais um entre muitos já vencidos:
E a história dirá um dia se o século em que vivemos, o dum novo renascimento do mundo ocidental, mio terá a justa designação de século de Salazar».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: antes de iniciar a minha intervenção quero dirigir ao autor do aviso prévio em discussão, o nosso ilustre colega Prof. Daniel Barbosa, os meus melhores cumprimentos, com o testemunho de sincera consideração pelos seus preclaros dotes de inteligência, brilhantemente manifestados em contínua e vibrante actividade.
Dessas notáveis qualidades é mais uma prova o trabalho que agora trouxe a esta Assembleia sobre um tema fie indiscutível relevância; tema complexo, com múltiplos aspectos, Iodos merecedoras de cuidadosa atenção. Não é de estranhar, portanto, que cada um de nós venha trazer o seu contributo para os esclarecer, ainda um tomando aquele ou aqueles cujo conhecimento lhe seja mais familiar.
Por mim, que não sou economista, apenas me ocuparei das características do nível de vida da gente portuguesa, e particularmente na parte relativa à alimentação, que, sendo, no âmbito da produção, um assunto puramente económico, é, no domínio da utilização dos géneros, um problema de higiene alimentar.
E porque a alimentação constitui: um dos elementos principais da avaliação do nível de vida, algumas palavras sobre o conceito denta expressão, tomada apenas no campo material, abstraindo do aspecto morai, psicológico, que, embora muito importante, não é de trazer agora à colação.
Aqui, como em toda a parte, a estratificação económico-social traduz-se por situações individuais e familiares muitíssimo diferentes, que vão desde o rico, que pode viver em abastança, sem necessidade de trabalhar, até ao miserável, que não ganha o mínimo indispensável para a sua subsistência, por não poder ou não querer trabalhar, incapacitado por deficiência física ou mental. Essas rimevitáveis e universais diferenças não impedem, porém, que se formule uni conceito de nível de vida a aplicar à grande massa ida população, abstraindo das excepções de notória abundância ou de extrema carência.
E, assim, parece lógico tomar como base para determinação da altura do nível de vida o conjunto de coisas indispensáveis para que se conserve a saúde, e com ela a vida e para que esta decorra sem privações para o essencial do homem como elemento do meio social. Se cada habitante tiver um nível de vida nessas condições de modéstia, mas apropriadas para uma existência saudável, física e espiritualmente, pode dizer-se que o nível de vida geral é bom, porque estão cobertas as necessidades fundamentais. Acima deste marco de cotejo entra-se no capítulo do supérfluo, de infindáveis limites.
Se apenas uma parte dia população goza das aludidas condições, o nível de veda será, evidentemente, tanto mais baixo quanto maior for a percentagem dos que as ruão têm. Tem nímio interesse, neste ponto de vista, a porção daqueles em que estuo excedidas essas condições bacilares.
Para a avaliação do nível de vida de um conjunto populacional haverá, portanto, que apurar em que percentagem nele entram os que não possuem tais condições, e separadamente para cada ainda delas, pois pode suceder, por exemplo, que quase todos os habitantes estejam mal alojados, mas suficientemente alimentados, que alimentação, vestuário e calçado sejam os adequados, mas que a vida social seja precária, etc. Só com o panorama oferecido pelos dados relativos a cada um destes pontos será possível determinar a altura em que um agregado populacional está situado na escala entre a inferioridade total e a plena suficiência.
Quando é praticamente (impossível obter informes seguros, por se tratar de muito extensa massa de gente, como seja a de um país, recorre-se, como é cabido, ao processo das amostragens; por sondagens feitas em vários pontos e diversas camadas sociais podem obter-se indicações para uma avaliação bastante aproximada. A elaboração de médias gerais, para confronto entre o que a massa populacional considerada precisaria do
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despender em dinheiro para um viver nas citadas condições e aquilo que, efectivamente, é despendido, é processo muito usado, mas de resultados insuficientes.
For vezes não é fácil fixar com rigor a totalidade dos consumos de toda a ordem que devem entrar no cômputo em questão; mas, ainda que tal se consiga, é evidente que apenas se obtêm cifras de significado muito relativo, porque não indicam a proporção dos que têm precárias condições de vida; na média entram tanto os que gastam menos como os que gastam mais que o relativo a um modo de viver satisfatório. O procedimento pode dar uma impressão, mas apenas uma impressão vaga, do que realmente se passa.
Estas singelas considerações servem para justificar a maneira como encaro o problema, procurando esclarecê-lo por divisão do campo de estudo em diversas partes, abstendo-me de precipitadas generalizações. Estas são dificilmente realizáveis, mesmo referidas a limitados grupos da população. Com efeito, são diferentes as circunstancias nos centros urbanos e nos meios rurais, como são diferentes de centro para centro, duma zona rural para outra, até quando não é grande a distância que as separa; diversidade das ocupações dos citadinos, concentração de ricos nas grandes urbes, grau de riqueza do solo, maior ou menor acumulação de gente, etc., são outros tantos motivos que dificultam generalizar os apuramentos parcelares, dando estes como representantes do todo respectivo. No entanto, os resultados assim obtidos, apreciados com todas as cautelas, dão indicações para uma apreciação de conjunto muito superiores às que se colhem pelo processo das médias gerais.
Em ensaios desta natureza todos dividem a população em dois grandes grupos, o urbano e o rural. Começarei por aquele em que mais fácil é encontrar pontos de referência, e repartirei, como é de uso, os motivos de despesa obrigatória em cinco rubricas: alimentação, vestuário, habitação, despesas domésticas e gastos individuais não anteriormente relacionados. Como no aviso prévio, tratarei, como exemplo, do caso de Lisboa.
Quanto à alimentação, elaborei várias ementas semanais, contendo vinte e três géneros diferentes, incluindo leite, peixe fresco, ovos, frutas, legumes, etc., para que obedeça às regras da higiene. Para a composição dos géneros servi-me dos números adoptados pelo serviço técnico de alimentação da nossa Direcção-Geral de Saúde, com os valores de cada elemento fixados apenas para a parte edível, e não para o género tal como é adquirido. Tive o cuidado de corrigir, aumentando-a, a quota de proteicos para crianças e jovens. Para arbitrar as necessidades energéticas de cada indivíduo adoptei a tabela americana, hoje universalmente seguida, com a pequena correcção relativa à diferença de temperatura média do ambiente. Considerei os adultos com idade compreendida entre os 20 e os 30 anos, desprezando os de idade superior, cujas necessidades nutritivas são progressivamente menores. Tomei esses indivíduos como exercendo profissões com trabalho físico de média intensidade. Procurei, portanto, calcular as quantidades dos géneros precisas para uma alimentação higiénica, racional, tanto no ponto de vista energético como no plástico.
Relativamente aos preços, segui os que pessoalmente apurei, na passada semana, no mercado do Campo de Santa Clara e nas mercearias da Baixa.
A pormenorização deste estudo encontra-se em quadros que tenho presentes e espero sejam publicados no Diário das Sessões.
Os resultados foram os seguintes:
Ração-tipo (para homem de 20 a 30 anos, com trabalho de média intensidade): valor energético, 2944 calorias.
Composição diária das ementas: proteínas totais, 78,8 g; proteínas animais, 40,1 g; gorduras, 70,3 g; glúcidos, 502 g.
Custo da totalidade dos géneros empregados, que têm o peso líquido de 1740 g - em número redondo -, 9$.
Custo por cada 1000 calorias, 3$05.
Proporcionando estes valores às situações dependentes do sexo e da idade, encontram-se os seguintes custos:
Mulher com idade e trabalho do homem tomado como unidade de consumo .... 6$60
Jovem de 16 a 19 anos .................................................. 9$30
Adolescente de 13 a 15 anos ............................................ 9$10
Criança de 10 a 12 anos ................................................ 9$00
Criança de 7 a 9 anos .................................................. 8$20
Criança de 5 a 6 anos .................................................. 5$00
Criança de 1 a 3 anos .................................................. 4$30
Crianças até 1 ano de idade ............................................ 4$10
Em face destes números é fácil fazer as contas da despesa familiar diária em géneros alimentícios. Se quisermos fazê-lo para a média de composição das famílias lisboetas, temos de considerar a família como constituída pelo casal e dois filhos, sendo este número tomado já por excesso, pois a média é, pelo censo de 1950, de cerca de 1,5. E terá de considerar-se como média das respectivas idades a assinalada pelo mesmo censo, que anda ò roda dos 6-7 anos. A despesa em géneros alimentícios para cada filho será de 7f50. Somando as verba» do casal com as dos dois filhos, encontra-se a importância de 30f 10 por dia, ou sejam por mês 905$. Mas para uma família com três filhos nas mesmas condições a despesa mensal sobe para 1.175f.
O Sr. Prof. Daniel Barbosa encontrou uma importância bastante superior, de 1.740$, apesar de ter entrado apenas para os seus cálculos com géneros baratos em dieta desequilibrada. E, no entanto, as suas contas estão tão certas como as minhas. A razão da discordância está na diferença de composição da família considerada. Repartindo por grupos de idades as 12 800 calorias do valor energético do conjunto familiar, vê-se que a idade dos filhos tem de andar pela média de 12 anos, e não de 6 a 7. Mas é evidente que se trata de um caso particular, distanciado da média de composição das famílias na capital, que, diga-se de passagem, é muito inferior à respeitante à metrópole.
Mas o exemplo serve muito bem para supor quão grandes podem ser as dificuldades com que têm de lutar as famílias prolíficas e de fracos recursos; tanto mais que sobre elas pesam as demais despesas caseiras e individuais. Há que considerar esses gastos. Foram eles arbitrados pelo Sr. Prof. Daniel Barbosa em importâncias que correspondem, feitas as contas, a 300$ por unidade de consumo. Também encontrei um número muito parecido, apenas diferente na distribuição das verbas, com um pequeno aumento para a da habitação e uma pequena diminuição para as despesas individuais não especificadas.
Entrando a alimentação com a importância de 275$ por mês e unidade de consumo no total da despesa familiar, que é de 575$, também por unidade de consumo, se vê que a parte da alimentação não alcança 48 por cento; é, portanto, inferior aos 50 ou 51 por cento que geralmente se admite como norma regular. Isto leva-me a crer que as ementas que elaborei ainda podem melhorar alguma coisa.
Para graduação da despesa familiar nas diversas verbas que não são de géneros alimentícios, segundo
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a composição de cada agregado, adopto a tabela da Repartição Internacional do Trabalho, que marca percentagens crescentes por idades a partir de 20 por cento da unidade de consumo para crianças até aos 2 anos. Fazendo as contas, vê-se que um casal sem filhos, e naturalmente o indivíduo que vive isoladamente, pode ter um saudável viver com uma despesa que orça por 1.000$. Mas se tem filhos a coisa muda inteiramente de figura, porque as importâncias a despender crescem com cada boca a mais e por tal forma que a cada família com dois filhos, nas condições em que a considerei, caberá uma despesa de 1.900$.
Estas determinações, que procurei encontrar com todo o cuidado, com toda a probabilidade de acertar, mostram que o problema dos baixos proventos só se põe, na generalidade da população, para as famílias com filhos, e tanto mais prementemente quanto mais numerosa for a j)role e esta for crescendo em idade. Assim, por exemplo, uma família com cinco filhos, para ter um nível de vida satisfatório, terá de gastar, em média. 2.600$, quantitativo que subirá para mais de 3.000$ se a média das idades dos filhos exceder a 12 anos. Isto, repito, em Lisboa.
O problema só tem a meu ver, uma solução exequível: a do aumento da assistência às famílias prolíficas, pelo qual pugnei quando há dois anos tive a honra de apresentar um aviso prévio sobre a protecção à família.
Suponhamos que a questão tem os mesmos aspectos económicos familiares nos centros urbanos do País; para o Porto sei que é semelhante.
Se as necessidades alimentares são as mesmas, sensivelmente, nas cidades e nos campos, as restantes causas de despesa têm diferentes alturas. Referindo-me agora u vida rural, todos sabemos que uma grande parte da população, aliás como nos meios urbanos, não tem habitação conveniente, acrescendo que têm escassez as gentes das aldeias de muita coisa que torna a vida agradável. Não vale a pena conjecturar proporções. Ë preferível ver como as coisas se passam no sector mais importante, que é o da alimentação. Para isso temos informes fidedignos, através dos inquéritos que se têm feita de há anos para cá, dentre os quais destaco os mais recentes, realizados pelo serviço técnico de alimentação da Direcção-Geral de Saúde.
Esses inquéritos, que estão em curso para o Alentejo, foram já publicados no respeitante às províncias do Minho, Douro Litoral e Ribatejo. Incidiram em número de famílias suficiente para dar valor às amostragens e foram conduzidos com o necessário rigor. Gostaria de falar aqui largamente sobre eles, mas não quero tomar mais tempo à Assembleia, pelo que apenas darei um resumo dos resultados a que chegaram.
Registaram-se certas diferenças entre as referidas províncias e, dentro da mesma província, entre os seus concelhos. Os valores mais baixos foram os do Minho; no Ribatejo são bastante melhores. No conjunto, o valor energético da ração alimentar é bom, para algumas famílias mesmo excessivo e para outras, em proporção que oscila à volta de 25 por cento, é um pouco baixo. Nas famílias inquiridas, com muito raras excepções, mostrou-se baixa a proporção das proteínas de origem animal, e com elas deficiente o teor do cálcio e das vitaminas do complexo B, sobretudo da B2.
Dum modo geral, pode dizer-se que o camponês sofre pela privação de géneros de proveniência animal, não só porque em muitos casos o dinheiro não chega para a sua aquisição, mas também pela força dos hábitos e pela dificuldade em os encontrar à venda. A modificação benéfica a este respeito tem de operar-se, creio eu, por medidas que ocupem o trabalhador que só tem trabalho em certas épocas do ano e por maior produção e comércio de leite, carne e peixe, parecendo, como já aqui foi dito sobre este aviso prévio, que a pescaria podia ainda desenvolver-se, apesar do grande progresso dos últimos tempos, sem falar no fomento agrícola, de manifesta importância.
Não falei do equilíbrio da ração alimentar ao tratar dos meios urbanos porque ele assume maior vulto nos meios rurais. Mas nem por isso deixa de ser frequente nos citadinos. Pelo que respeita aos trabalhadores citadinos, uma indicação a este propósito se encontra no relatório do inquérito aos operários a suas famílias de Fábrica de Louça de Sacavam, realizado pela Direcção-Geral de Saúde, gente cujo modo de viver e de abastecer-se é semelhante ao da capital. Nele se vê também que as rações são energicamente boas, com raras excepções, mas sofrem do citado defeito de relativa privança de proteínas animais.
No que respeita aos que podem gaitar livremente com a alimentação, os erros ainda são maiores e mais frequentes. Alimentação desproporcionada aos requerimentos energéticos, demasiada em tudo, e principalmente sem proteínas e gorduras, em excesso por vezes desaforado, para proveito dos clínicos, pela abundância de arterioscleroses, diabéticos e gotosos. Mas eu não vim aqui dar uma lição de higiene, o que me seria muito agradável, mas impróprio do lugar; e, por isso. Sr. Presidente, dou por finda esta minha breve intervenção, na qual, repito, somente quis trazer um pequeno esclarecimento a uma parte do discurso do Sr. Prof. Daniel Barbosa, em homenagem ao assunto e ao autor do interessantíssimo aviso prévio que aqui apresentou.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna para fazer algumas considerações sóbrios complexos e complicados problemas suscitados pelo aviso prévio em discussão, começarei por manifestar ao Sr. Deputado Daniel Barbosa o meu muito apreço pela sua viva inteligência e extraordinárias qualidade* de trabalho. A essas qualidades ficam a dever a Câmara e o País o notável trabalho que com tanto interesse escutámos e pelo qual me sinto no dever de dirigir ao ilustre Deputado sinceras felicitações.
Este aviso prévio teve, como era natural, a maior repercussão no Pais, uma vez que versou um problema de indiscutível actualidade, que interessa à generalidade dos Portugueses e constitui viva preocupação de muitos povos.
Creio mesmo que a sua repercussão teria sido maior do que deixaria prever a insistência com que nos últimos tempos os problemas tratados têm constituído motivo de conferências, livros, estudos, etc., cada vez mais frequentes. E isso em razão de duas causas distintas: uma derivada da especial qualificação, a vário.», títulos, do ilustre Deputado avisante, outra originada na aparente desproporção entre a grandeza do esforço desenvolvido e dos sacrifícios consentidos para melhorar as nossas condições de vida e o grau de satisfação já atingido.
Se a primeira dispensa justificações, a segunda carece de explicação.
Tudo mo leva, de resto, a convicção de que a generalidade dos Portugueses tem consciência, ou, pelo menos, pressentimento, da magnitude dos esforços despendidos para forrar o desenvolvimento económico do País. Constantemente a imprensa nos dá conta de novas iniciativas, declarações oficiais dão conhecimento ao País da conclusão de sucessivos empreendimentos ou do próximo começo de outras obras de fomento, cada um de
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nós se apercebe da onda de renovação e progresso que varre de lês a lês o País ao percorrer o nosso território em qualquer sentido e direcção. Obra que honra a iniciativa privada, que acredita a capacidade de realização duma política e marcará na história um período excepcionalmente construtivo da nossa vida.
Pois bem, se o desenvolvimento, que esforçadamente vem sendo procurado e provocado, absorve muito de quanto a população renuncia a consumir com vista a uma melhoria de condições no futuro, em que medida o País beneficia já desse sacrifício de consumo imediato consentido?
Por outras palavras: as melhorias verificadas estão na proporção das renúncias consentidas e dos sacrifícios efectuados?
Várias são as circunstâncias que perturbam o claro entendimento desta questão, diversos são os factores formação, tornaram o Mundo mais pequeno, os povos.
De facto, o desenvolvimento das telecomunicações, o progresso dos transportes, a difusão dos meios de informação, tornaram o Mundo mais pequeno, os povos mais próximos e os homens mais solidários, forçando ou despertando anseios, consentindo confrontações, alargando o horizonte das exigências e das necessidades dos povos menos evoluídos e até dos mais atrasados, por forma que o progresso económico não logrou conseguir tão rápida e extensamente nos países mais avançados.
Daqui uma crescente desproporção entre as aspirações desses povos e as possibilidades materiais de as satisfazer, problema grave, que pode criar um clima de insatisfação, capaz de comprometer toda uma obra custosa e demorada de transformação das estruturas económicas de alguns países que factores históricos, materiais ou políticos não deixaram progredir em simultaneidade com outros mais disciplinados ou favorecidos da fortuna.
no nosso caso concreto, características que nos são peculiares em todos os tempos e circunstâncias podem agravar esta situação, conhecida a nossa proverbial tendência para sacrificar o essencial ao supérfluo, para «confrontar», que é como quem diz: para imitar, hábitos, atitudes ou gostos nada adequados à modéstia da nossa condição e à tradição cristã da nossa vida.
Seja-me permitido um parêntese para verberar uma vez mais os casos de ostentação que aqui e além vão florescendo, gerando, por imitação, em todos os escalões da sociedade, procedimentos semelhantes, que constituem flagrante afronta à pobreza e ofensa à austeridade dos nossos costumes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, retomando o tema da minha interrogação: em que medida os progressos efectuados são proporcionais à grandeza dos esforços despendidos e à extensão dos sacrifícios consentidos pelo consumo?
Só à primeira vista pode haver dúvidas a este respeito, pensar-se em maiores benefícios imediatos esquecendo a necessidade primordial de dotar o País com aã infra-estruturas indispensáveis a qualquer expansão séria e ordenada a uma finalidade precisa. Ë conhecido, aliás, não se repercutirem os investimentos de base, nem imediatamente, nem no mesmo grau, no acréscimo do produto com a mesma intensidade com que o fazem os investimentos em bens de consumo. Mas quem negará a necessidade de dotar o País com a indispensável armadura nos domínios da preparação técnica, da produção de energia, dos transportes, etc.? Quem poderá ignorar não se dispor nesses campos do mínimo necessário, não direi para poder tentar uma expansão económica, mas mesmo para continuar a assegurar a sobrevivência duma população crescente?
Ora, é sabido contarem-se estas tarefas essenciais entre as que se caracterizam por uma fraca reprodutividade directa ou pronta, ou seja de escassa influência imediata no aumento do rendimento do País.
Todas elas exigem investimentos relativamente grandes umas, pela demora da sua materialização, diferem no tempo os seus efeitos na economia do País; outras, dirigindo-se à satisfação de exigências ou necessidades de conforto ou civilização (saúde, cultura, educação, etc.), quase não têm tradução em termos de rendimento económico.
Acresce que os investimentos de base exigem, normalmente, o recurso a compras vultosas de maquinaria no estrangeiro, as quais, em vez de pesarem no País pela massa de salários e materiais distribuídos, vão reflectir-se na balança comercial e ocasionar apenas reduções do consumo interno.
Todavia, quem ousaria desistir da realização desses empreendimentos e da compra desses equipamentos indispensáveis ao progresso e desenvolvimento económico, de que constituem condição basilar e que, por isso mesmo, são chamados «de base»?
Quer isto dizer que grande parte dos investimentos realizados ao abrigo da Lei de Reconstituição Económica (Lei n.º 1914), como dos previstos no Plano de Fomento em execução, continuam a ser deste tipo, e creio mesmo que no próximo Plano dificilmente poderá ainda deixar de assim acontecer. Se queremos conduzir com segurança e firmeza uma política de desenvolvimento económico, temos de renunciar, em grande parte, ao critério do efeito imediato, sob pena de vir a perder-se a regularidade do crescimento, mercê de distorções e estrangulamentos que, se não dão grande sinal de si nas soluções a curto prazo, não deixam de se fazer sentir, com todas as consequências e remédio caro, na altura própria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vai daí que os resultados obtidos não terão sido tão espectaculares, nem terão ocasionado efeitos tão pronunciados no rendimento do País, como aconteceria se dispuséssemos já da armadura indispensável, como acontece com os povos mais desenvolvidos, e pudéssemos ter concentrado os esforços em campos de maior e mais imediata reprodutividade. Foram, porém, os que legitimamente podiam ser.
As consequências deste acerto iremos usufruí-las, pari passa, à medida que o tempo for decorrendo e permita que os efeitos se produzam, de sorte que novas e maiores possibilidades se abram. Costuma dizer-se que aquilo que custa é deixar de ser pobre ...
Talvez não tenha dito nada de novo, mas pareceu-me indispensável, antes de mais, responder a esta interrogação, procurar fazer este esclarecimento, que de há muito me parece carecer de ser feito em termos amplos e claros, pois à tarefa da expansão económica é necessária a cooperação consciente e esclarecida de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: posto isto, que me foi sugerido pela matéria, repercussão e algumas passagens do aviso prévio do Deputado Daniel Barbosa, que, aliás, aborda o problema em termos suficientemente explícitos, parece-me chegado o momento de entrar propriamente no assunto em discussão. E ... começarei afirmando: non nova sed nove. Efectivamente, assim é, tanto em relação ao ilustre Deputado avisante como a diversos técnicos portugueses e estrangeiros, como à Assembleia Nacional e ao próprio Governo.
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Na verdade, o Sr. Deputado Daniel Barbosa abordou precisamente esses problemas em oportunidades diversas, nomeadamente em: Alguns Aspectos da Economia Portuguesa, Realidades Económicas e, ultimamente, na sua Nova Fase da Revolução Nacional: o Fomento da produção e do Consumo.
São diversos os trabalhos aparecidos entre nós sobre esta matéria, desde a Linha de Rumo, do engenheiro Ferreira Dias, e dos múltiplos trabalhos e pareceres do engenheiro Araújo Correia, à Industrialização dos Países Agrícolas, do Prof. Fernando Seabra, e à Estrutura da Economia Portuguesa, de Pereira de Moura, Teixeira Pinto e Jacinto Nunes, até aos de Ramos Pereira, Fidelino de Figueiredo e Colares Vieira na Revista de Economia e, mais recentemente, de Pereira de Moura na Revista do Gabinete de Estudos Corporativos.
Entre os economistas estrangeiros que mais se têm ocupado do problema citarei Frankel, Staley, Hazlewood, Saraceno, Papi, Nulkse, De Luca, Viner, Marrana, Pitigliani, Leduc, Mandelbauu, Pei-kaug-Chang, Celso Furtado e a equipa da Cepal, os diversos trabalhos da O. N. U., etc.
Na Assembleia Nacional diversas são as intervenções parlamentares que versaram estes problemas sob os mais diferentes aspectos, mas avultam especialmente os pareceres do engenheiro Araújo Correia, que de ano a ano, com uma notável persistência, tem versado o tema sob todos os ângulos. Finalmente, o Governo não tem deixado de caracterizar a nossa economia e de definir as soluções, desde os relatórios da proposta de lei sobre o Plano de Fomento e das propostas de lei de meios, especialmente a relativa ao exercício em curso, até à exposição do Ministro da Presidência ao Conselho Económico acerca do segundo Plano de Fomento, em que, com inteira verdade e serena objectividade, se analisou a nossa situação económico-social, se equacionou o problema do desenvolvimento económico do País e se reconheceu a necessidade de prosseguir no estudo das características da economia portuguesa.
Non nova sed nove, portanto. O assunto não é, pois, nem novo nem desconhecido; constitui um caso mais no grupo dos países menos desenvolvidos economicamente, que, embora careça de continuar a ser estudado e aprofundado, está dissecado já na sua essência e equacionado nas suas determinantes fundamentais.
Todavia, desde que a Sr. Engenheiro Daniel Barbosa considerou dever trazê-lo, uma vez mais, ao terreno da controvérsia, nada mais me resta do que aceitar a discussão no campo em que o problema foi situado.
Ora, a meu aviso, o problema é o do crescimento económico dos países de estruturas económicas subdesenvolvidas.
Por muito que possa discutir-se a justeza ou precisão da designação ou preferir qualquer outra equivalente, a situação que procura caracterizar subsiste, indiferente a denominação que decidamos atribuir-lhe. De facto, quer aceitemos a classificação e estruturas evoluídas, subdesenvolvidas e atrasadas», quer adoptemos a de saltamente evoluídas, evoluídas e subdesenvolvidas», a de «países ricos, remediados e pobres» ou qualquer nutra idêntica, o resultado é o mesmo, desde que se respeite a correspondência, como se estivesse em causa qualquer diversificação tripartida corrente.
Em qualquer caso, deve dizer-se que no grau inferior se consideram dados económicos e sociais, enquanto no intermédio e superior se cuida apenas de elementos económicos. Nada tom. pois. como é lógico, quaisquer aspectos de cultura, civilização, políticos ou outros de natureza extra-económica com o subdesenvolvimento económico, designação perfeitamente convencional, fundamentalmente qualitativa, sujeita a todas as imprecisões inerentes a classificações deste tipo, mas a que a utilização pelos economistas emprestou foros de cidade, adoptando-se correntemente.
Para melhor entendimento, direi que uma estrutura económica subdesenvolvida se caracteriza, essencialmente, por:
Baixo rendimento per capita;
Predomínio das actividades primárias na formação do rendimento;
Preponderância da população activa na agricultura ;
Elevada percentagem de subemprego;
Forte dependência da actividade económica do comércio externo.
É, pois, dentro deste condicionalismo que utilizarei a designação de «estrutura subdesenvolvida», como poderia usar a de insuficientemente desenvolvida», se aquela não fosse mais frequente e nau estivesse mais generalizada. De acordo com este critério, designarei a nossa estrutura económica como subdesenvolvida, tal como a de um conjunto de países com características idênticas.
Seja-me, depois, permitido considerar como mais inconveniente o critério proposto pelo ilustre demógrafo Sauvy, aliás prontamente rejeitado pelos economistas franceses, e que, misturando questões e problemas muito diversos, nau deixaria, por vezes, de conduzir a resultados desconcertantes e sempre a conclusões destituídas de interesse para a teoria ou política do crescimento económico dos países com aquelas características.
Compreendo e respeito o propósito com que o Sr. Deputado Daniel Barbosa aqui apresentem e sugeriu a critério de Sauvy, mas quer-me parecer que ao repudiar com vigor a classificação de «subdesenvolvimento», sem ter adoptado qualquer outra equivalente, acabou por ser vítima do. seu propósito, apesar de, an descrever alguns aspectos da economia portuguesa, mais não haver feito do que salientar as características do subdesenvolvimento.
Sr. Presidente: o problema, o nosso problema, é, como vinha dizendo, a de um caso mais no grupo dos países de economia subdesenvolvida. Ë o problema genérico do crescimento económico dos países desse grupo.
Embora com características peculiares múltiplas - mesmo quando considerado só o território metropolitano -, que vão desde a acentuada disparidade de evolução entre as diferentes regiões à pobreza do solo, à elevada «densidade comparativa» da população, à intensidade da emigração, a existência de hábitos arreigados da nossa gente, etc., até ao facto saliente de se incluírem no território nacional províncias dispersas.
Ser quatro continentes, o nosso problema não se afasta o problema genérico do desenvolvimento económico dos países desse grupo, de que constituímos apenas um caso particular.
É dentro desse problema geral que se enquadram as questões postas no aviso prévio; é em função da problemática do crescimento ou expansão económica as estruturas económicas desse tipo que é mister apreciar as soluções e os meios preconizados com esse objectivo.
Importa, pois ver dentro de que limites é exacta a análise do estado actual da nossa economia, se a sua extensão é suficiente para a definição dos meios a utilizar para sair dessa situação e em que medida estes são adequados para se alcançarem os objectivos propostos. Pelo que respeita à descrição da situação presente da nossa vida económica, deve dizer-se que, dum modo geral, as conclusões correspondem às características já sobejamente evidenciadas tanto pelos governantes responsáveis como pelos técnicos dos mais diversos ma-
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tizes - às características, afinal, das estruturas económicas subdesenvolvidas. E não seria possível que viesse aqui negar-lhe relativa exactidão, quando, por mais duma vez, dentro e fora desta Assembleia, prestei depoimento semelhante.
Deve, porém, observar-se desde já que o facto de haver sido necessário restringir a análise a alguns aspectos da nossa economia e seria praticamente impossível abrangê-los todos- pode ter criado sérias limitações, se não à precisa formulação das soluções, pelo menos ao seu correcto entendimento, e ainda induzido em erro quanto à compatibilidade dos meios propostos.
Embora as conclusões extraídas traduzam, com relativa justeza, a» características da nossa situação nível de vida modesto e deficiências estruturais marcadas -, há algumas observações de certa importância a formular e, sobretudo, impõe-se discutir os limites de aplicação, o significado das comparações e os critérios de interpretação dessas conclusões.
Que temos um nível de vida modesto parece-me uma afirmação ião evidente que não carece de ser demonstrada, até porque não julgo que tenha sido contestada.
Onde podem levantar-se as dúvidas e discussões é na eleição das técnicas para demonstrar essa conclusão, na escolha do» dados, no campo de aplicação dos resultados. Com efeito, o método seguido é defensável e frequentemente utilizado, devendo notar-se que o seu rigor e significado não são os mesmos quando das aplicações monográficas se passa ao domínio dos médias.
Ora os cálculos feitos pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa, não obstante todas as restrições e cautelas- expressas, pecam ainda por generalizações e simplificações, que lhes tiram, se não todo, pelo menos a maior parte do significado. Assam, a composição do agregado adoptado não corresponde nem à frequência das situações verificadas, nem representa a média provável, tanto no País como, principalmente, em Lisboa e Porto.
Não é, assim, representativa a composição da família-tipo considerada. Para além deste aspecto, haverá ainda que considerar a idade provável dos filhos, elemento apresentado como variável nos cálculos efectuados. Operadas as rectificações necessárias neste domínio e reduzidos os consumos do agregado a unidades de consumo, encontraremos - como, aliás, tem sido salientado já em mais de um trabalho neste particular -, por excesso, 3 U. C.
Depois, tendo em atenção hábitos alimentares, condições específicas do meio ambiente e do homem, etc., torna-se necessário adoptar um número de calorias adequado, que não deverá ser tão variável como o do modelo utilizado. Embora a avaliação do nível alimentar pelo número de calorias esteja bastante ultrapassada, como o Sr. Deputado, aliás, reconhece, e estudos recentes para alguns países mediterrâneos tenham chegado a definir exigências bem inferiores às clássicas 3000 calorias, mesmo abaixo da nossa actual capitação provável, se aceitarmos aquele número, fixaremos para o agregado em causa necessidades que só com um acréscimo de 40 por cento atingem as fixadas pelo >Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Para além disto, é mister ter em conta a lei de Engel e adequar as percentagens do peso da alimentação na despesa do agregado, considerando que a dieta definida é de sobrevivência e representativa de um baixo nível alimentar. Se depois destas correcções se proceder à reconstituição dos cálculos, servindo-nos dos mesmíssimos números utilizados pelo Deputado avisante, chegar-se-á a resultados tão extraordinários por defeito (entre dois terços e metade do número apresentado por aquele Deputado, consoante se admita ou não o acréscimo de 33 por cento «para as despesas restantes», que não se sabe exactamente a que se referem) como o são os da conclusão do Sr. Deputado por excesso!
Não se deseja com isto fazer admitir como aceitáveis os números obtidos por estas rectificações, aliás legítimas e perfeitamente justificáveis, mas tão-só evidenciar quantas precauções é indispensável usar neste particular, pois, não obstante todas as restrições e cautelas que o Sr. Deputado Daniel Barbosa referiu e usou nos seus cálculos, admitindo os seus próprios números pode chegar-se a conclusões numericamente bem diferentes. Quer isto dizer que, tanto aceitando uns como admitindo outros, os resultados numéricos carecem de rigor suficiente para serem tomados mais do que como meros indicadores de nível, de tendência ou de grau - nunca como medida.
Que o nosso nível de vida seja modesto é para nós incontroverso, mas que o grau de insatisfação seja da ordem do encontrado é que, para nós, é mais do que discutível - é errado. A tanto conduzem todos os resultados da observação sobre aspectos consequentes, externos ao nível alimentar, que vem nitidamente melhorando, tanto quantitativa como qualitativamente, o que, aliás, expressamente reconhece e claramente afirma, por mais duma vez, o Sr. Deputado Daniel Barbosa. A atestá-lo estão os progressos no estado sanitário da população, o aumento da escolaridade, a expansão dos consumos de conforto, diversão, etc.
Não quer isto dizer que não haja zonas com maior ou menor grau de subalimentação, circunstância que, aliás, se não verifica só entre nós, mas é, outrossim, comum a muitos países, mesmo aos de mais elevado grau de evolução económica.
Uma afirmação do Sr. Deputado Daniel Barbosa há ainda que não posso deixar sem uma observação, por me parecer que, dentro de certos limites, contraria a verificação dos factos.
Com efeito, afirma que a nossa população, em virtude do seu baixo nível de vida, «tem, fatalmente, não só de se desinteressar pelo supérfluo, mas até de considerar como tal grande parte das coisas que, muito embora próprias do grau da civilização em que vivemos, não se apresentam com uma indispensabilidade imediata e directa».
Ora, salvo ó devido respeito pelas opiniões em contrário, um dos traços característicos da nossa gente através dos tempos, que nos diferencia e particulariza entre o grupo dos países de estrutura subdesenvolvida, é precisamente o contrário: a tendência para dar prioridade a necessidades secundárias, a consumos supérfluos, dentro dos limites de sacrifício possível do essencial.
É até por esse motivo que em muitos aspectos do nível e género de vida nos distanciamos dos países com os quais ombreamos no que respeita ao nível alimentar, para atingir, aqui e além, taxas e capitações que nos colocam a par dos países de economia mais evoluída.
Ë possível apontar exemplos variados que confirmam esta característica e que bastariam até para tornar ilegítima, como o fez o Sr. Deputado, a aplicação extensiva de subdesenvolvimento para lá dos elementos estruturais da economia. É claro que nem por isso a afirmação deixará de ser verdadeira quando comparados os nossos consumos desse tipo com os da população inglesa ou americana .... mas esse facto conduz-nos a outro campo da maior importância: o da legitimidade das comparações.
Dentro das numerosas comparações que o Sr. Deputado Daniel Barbosa constantemente faz ao longo do seu discurso predominam os paralelos estabelecidos com os países participantes da O. E. C. E., particularmente no que respeita a níveis alimentares, estabelecendo
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também outras, tanto com base em estatísticas da O. N. U., nomeadamente para as capitações do rendimento, como a partir de estudos específicos abrangendo um dado número de países.
Ora, a este respeito é necessário esclarecer dentro de que limites as comparações tem valor e qual o seu verdadeiro significado, até para que se possa perceber com clareza o acompanhamento que frequentemente nos é dado nesses paralelos.
A primeira observação a fazer é a de que não são legítimas as comparações entre países com estruturas económicas muito diferentes senão como meras referências a metas a atingir.
Ora, ao fazer confrontações alimentares dentro do âmbito dos participantes da O. E. G. E., desde logo se restringiu o campo do paralelismo significativo à Grécia, à Turquia e mesmo à Itália, uma vez que a estrutura dos outros países é evoluída. Que admira, pois, que só aqueles países ombreiem com o nosso!
Não quer isto dizer que não haja outros países, mesmo europeus, em situação confrontável com o nosso, pois, além daqueles, muitos há que se enquadram também dentro do grupo de estrutura subdesenvolvida, nomeadamente a Bulgária, a Roménia, a Jugoslávia, a Hungria, a Polónia e a Albânia, para só falar nos ainda teoricamente independentes.
Para lá deste aspecto, deve-se ainda fazer notar que as comparações, nomeadamente de rendimentos ou capitações de rendimento, carecem inteiramente de valor e significado, tanto quando aplicadas para relacionar países com grau de evolução económica muito diferente, como também dentro do mesmo grupo de estrutura económica.
Não se desconhece poder objectar-se a esta afirmação com o argumento do método utilizado na generalidade dos trabalhos especializados e adoptado nos relatórios ou estatísticas internacionais. É exacto. E exacto, mas em nada contradiz a restrição feita. Alguns desses trabalhos têm o cuidado de chamar a atenção para os limites em que é lícito fazer comparações ou extrair conclusões; outros, porém, não usam essa cautela por motivos óbvios - tratar-se de estudos dirigidos a um público restrito, que normalmente tem a noção precisa ou, pelo menos, suficiente do valor e significado desses números, assim como da interpretação dos resultados da sua utilização.
Outro tanto não pode esperar-se quando os dados e as comparações se dirigem ao País, que acompanha os nossos trabalhos, procurando esclarecer-se sobre os problemas debatidos e formar um juízo sobre a nossa verdadeira situação.
E por isso que faço este apontamento, perfeitamente desnecessário para quem está habituado a manejar os números, a medir o seu significado e a interpretar o valor das conclusões que extrair.
Para tornar mais evidente quanto afirmei a este respeito e dar uma medida da grandeza do erro que pode cometer-se ao fazer paralelos sobre números fornecidos pelas estatísticas internacionais, vou dar um exemplo concreto.
Num estudo recente - «Estudo Comparativo dos Produtos Nacionais e do Poder de Compra das Moedas» (Estados Unidos da América, Inglaterra, França, Itália e Alemanha), publicado pela O. E. C. E. podem encontrar-se diferenças da ordem dos 21 a 88 por cento para o produto nacional dos quatro países europeus estudados, conforme é calculado a partir da taxa de câmbio processo normalmente utilizado pelas estatísticas da O. N. U. ou avaliado em termos reais, encontrando-se as maiores diferenças quando se parte dos preços americanos (50 a 90 por cento) e as menores quando se recorre aos preços relativos europeus (20 a 40 por cento).
Conquanto o exemplo bastasse afigura-se-me que teria ido além de toda a expectativa -, não desejava deixar de frisar, como Valério Selan, dever ficar o valor da própria comparação em termos reais e mesmo dentro de um pais, de uma época para outra, ficar também dependente, para lá da alteração das preferências individuais e da estrutura institucional, da modificação da distribuição dos rendimentos ...
Julgo-me assim, no direito de poder prevenir todos os não iniciados neste mistério dos números, das estatísticas e das comparações de que não pode atribuir-se qualquer significado de medida a todas as comparações entre os produtos nacionais dos diferentes países quando fora de termos reais e ainda de que não são significativas as comparações senão entre países de estrutura económica de idêntica evolução.
Daqui dever considerar-se como natural que em todas as confrontações Portugal se situe, normalmente, nas proximidades de país do mesmo grupo de evolução estrutural. Que as companhias tenham sido, quase sempre, a Grécia, a Turquia ou a Itália constitui precisamente quanto devia estar dentro das previsões», uma vez que não foram feitas comparações com todos os restantes países europeus de igual desenvolvimento económico nem com aqueloutros, dos restantes continentes, em iguais condições.
O erro que se comete ao comparar a nossa situação económica com a da Inglaterra ou a dos Estados Unidos da América é do mesmo grau mas de sinal inverso, do que se pratica quando a confrontação se fizer com a China! Pois se, menino dentre os países de economia evoluída dada a grande diversidade de casos e situações -, os paralelismos tão arriscados e os resultados decepcionantes!
Alas há mais a invocar em abono destas considerações no que respeita às relações das capitações de rendimento, mesmo em termos reais, entre países de grupos de estrutura económica em diferente grau de evolução: a intervenção da variável demográfica o a verificação dos progressos económicos entre os três grupos de países definidos pela classificação adoptada.
Com efeito, é sabido que a intensidade do aumento demográfico varia em sentido inverso do grau de evolução económica, sendo, consequentemente, em regra, maior ao grupo inferior, depois no intermédio e, finalmente, quase estacionário, quando não regressivo, em muitos países do grupo mais evoluído. Ora, sendo as capitações o resultado da divisão do produto pela população, é por demais evidente que aqueles países onde o aumento demográfico é mais intenso carecem de progredir a ritmo mais elevado, para que a taxa de acréscimo da capitação do rendimento seja idêntica.
Por outro lado, Nuno F. de Figueiredo faz notar observar-se v uma tendência para um crescimento mais acelerado nos países de economia industrial madura do que nos países economicamente subdesenvolvidos». E, aliás, neste sentido que se fala em estagnação económica desses países. Se fizermos ainda acrescer a tudo isto a circunstância de alguns países economicamente subdesenvolvidos e outros atrasados serem densamente povoados, com densidades comparativas» que atingem, por vezes, alto grau (como o nosso caso), e considerarmos, com Pereira de Moura, o facto de ser sa população simultaneamente fonte de necessidades a satisfazer e força de trabalho com que se satisfazem», pelo que o crescimento demográfico tanto pode ser um factor de progresso nas regiões subpovoadas como de retrocesso nas zonas sobrepovoadas, talvez fiquemos em condições de mais exactamente interpretar o significado dos progressos verificados nos produtos brutos dos países do
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grupo subdesenvolvido e, especialmente, o observado entre nós.
Sr. Presidente: creio que, depois destes esclarecimentos e à luz deles, muitos dos números referidos, a maior parte das comparações feitas e quase todas as conclusões extraídas de uns ou de outros carecem de interpretação bem diferente daquela que à primeira vista podia ter sido tirada. Quantas vezes traduzirão um esforço ingente, a contrastar com as impressões com que o leitor desprevenido podia ter ficado!
Não esqueço ter o Sr. Deputado Daniel Barbosa procurado, constante e (repetidamente, acautelar 6 prevenir contra possíveis interpretações menos judias ou mais precipitadas, mas, como quod abundat non nocet, entendi não dever dispensar mais estas notas, que talvez não tenham sido, por completo, despropositadas.
E concluirei estas referências com outra nota, provocada pelo passo seguinte:
De resto, o companhia, neste caso, de certos países do Mundo, ou até o facto de podermos considerar uns tantos em posição inferior u nossa, não aqueça nem arrefece para concluirmos de uma situação que só a nós respeita e de onde podemos e devemos sair.
É efectivamente rasam, tanto pelo que respeita à formulação de uni juízo sobre a nossa situação como à afirmação de podermos e devermos sair dela. Todavia, é bom lembrar que nunca se pode, em economia, abstrair das condições de lugar e de tempo, que a política é a arte do possível e que não vivemos sós no Mundo - sós no mundo dos nossos desejos.
Embora costume dizer-se que o mal de muitos satisfação é, a verdade é que seria tão grave que os homens, como os povos, repousassem basicamente só porque outros se situam aquém, como desesperassem pelo facto de estoutros se disporem além.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pouco tenho o observar à descrição da situação das nossas actividades agrícola e industrial, que, de uma forma geral, não difere, repito, dás característicos comuns às economias subdesenvolvidas e, em grande parte, se identifica com o que, desde as entidades responsáveis até aos diferentes técnicos, tem sido dito a este respeito.
Haverá, todavia, algumas anotações a fazer, desde já, pelo que se refere à agricultura, uma vez que o problema industrial volta a ser abordado na proposição de soluções.
É conhecido o fenómeno do decréscimo progressivo da participação do rendimento agrícola no rendimento nacional dos países em desenvolvimento económico, problema de Latil, in A Evolução do Rendimento Agrícola, analisa esgotantemente. E sabido que esse fenómeno é inelutável, por decorrer das alterações estruturais que constituem o próprio crescimento económico. Mas, mais do que isto, é também conhecido que essa transformação acarreta, quase necessariamente, a insistente redução lucrativa da actividade agrícola.
A agricultura, numa sociedade em progresso, é uma actividade cronicamente não lucrativa - escreveu Boulding.
É por mor destes factos que o problema dos rendimentos agrícolas está na ordem do dia em quase todos os países e se reveste de aspectos mais seguros nos países de economia subdesenvolvida. £ por estes factos que a estabilização dos rendimentos agrícolas constitui objectivo a atingir em todos os países, faz parte das reivindicações da lavoura em todas as latitudes.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa regista este fenómeno, mas atribui a responsabilidade do facto ao que chama o nosso subconsumo. Com efeito, disse o seguinte:
£ sempre o nosso subconsumo, consequência imediata e próxima do fraco poder de compra da população portuguesa, a causa próxima, como disse, de todo este ciclo vicioso donde é preciso sair e dentro do qual, e por natural consequência, a agricultura tem de ser fatalmente a primeira sacrificada nos ramos da produção.
Ora, segundo o meu modo de ver, o problema é diferente, tem causas muito diversas e não seria sensivelmente modificado pelo aumento da dimensão do mercado interno. Basta que se atente na relativa elasticidade da procura dos produtos agrícolas e se lembre o princípio de Engel generalizado para ter de se concluir tratar-se de um problema estrutural que precisa de ser enfrentado directamente e pouco poderá esperar do aumento da dimensão do nosso mercado. E talvez pelo pressentimento destes factos e circunstâncias que os lavradores, em regra, confiam mais- na elevação de preços para a solução do seu problema do que em quaisquer melhorias de eficiência ou de produtividade.
A análise do Sr. Deputado Daniel Barbosa, neste aspecto, incidiu, de resto, sobre um período tão curto quase poderíamos considerá-lo conjuntural - que não lhe permitiu aperceber-se com realidade de quanto se tem passado neste importante sector da actividade económica.
Com efeito, se, em vez de limitarmos o nosso estudo ao último quadriénio -caminho que começava por não anular os efeitos da sucessão de safras e contra
safras, ciclos de produção, etc.-, estendermos a análise aos anos imediatamente anteriores à guerra, escolhidos os períodos de comparação com os cuidados adequados, verificaremos ter a produção agrícola - culturas arvenses, vinho e azeite- aumentado em cerca de 50 por cento entre 1935-1939 e 1950-1955.
A conclusão é, pois, bem diferente daquela que poderia tirar-se das apreciações feitas pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Mas há mais. A expansão das áreas cultivadas no mesmo intervalo é um pouco inferior. Sendo evidente que tal alimento de áreas apenas pode ter-se operado pelo alargamento do cultivo a terras sucessivamente mais pobres, posso concluir com segurança dever-se o aumento da produção registada, em grande parte, a um aumento de produtividade.
Que a produtividade unitária e do trabalho da nossa agricultura, como aliás da indústria e até dos serviços - a traduzir um povoamento denso numa estrutura subdesenvolvida -, se mostra baixa, é uma verificação irrefutável, mas não se julgue que o problema possa ser resolvido a curto prazo nem isoladamente; constitui, antes, mais um dos círculos viciosos em que se debatem estas estruturas económicas.
Nem por isso são razoáveis as comparações de certas produções unitárias do nosso país com as de outros em que as condições de clima, solo e tipo de cultivo são bem diferentes. £ por de mais sabido, por exemplo, que a cultura cerealífera não tem o carácter nem a extensão da nossa em muitos países europeus, os quais beneficiam ainda, sobretudo, de outras condições climáticas e agrológicas que não está ao nosso alcance criar também entre nós.
Quero ainda anotar que o ilustre Deputado avisante, ao registar a estagnação das capitações do produto bruto da agricultura independentemente do seu
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baixo preço absoluto, como é por de mais conhecido -, fez a demonstração de se ter alcançado, neste particular, um objectivo que poucos países têm conseguido e n lavoura de muitos outros tem como miragem: a estabilização dos rendimentos agrícolas. Estabilização a baixo nível, é certo, em nível que é o nosso - mas estabilização!
O Sr. Daniel Barbosa: - Toda essa teoria que V. Ex.ª apresentou é exactamente uma teoria que está certa, mas que não aceito para Portugal, pois só a poderei aceitar quando elevarmos o nosso nível de produção agrícola àquilo a que o devemos elevar.
O Orador: - Referi que isso se passava tanto para os países desenvolvidos como para todos os subdesenvolvidos, como a Itália, Grécia, etc.
O Sr. Daniel Barbosa: - Pergunto a V. Ex.ª se é uma política defensável do Governo procurar por enquanto uma estabilização dos nossos produtos agrícolas.
O Orador: - Lá chegaremos.
Aludiu ainda, no seu discurso, o Sr. Deputado Daniel Barbosa à disparidade de crescimento dos índices referentes aos produtos alimentares e não alimentares. Esse fenómeno, que no domínio do comércio mundial é traduzido pela deterioração dos termos de troca entre os países de economia desenvolvida e subdesenvolvida, tem sido, no domínio interno, geralmente observado em todos os países e por vezes denominado sistema às tesouras. Essa disparidade é, de resto, tanto mais acentuada quanto menor é a percentagem de produtos animais na produção agrícola global.
Devo, porém, referir que nos últimos anos de antes da guerra até hoje - há uma marcada tendência para se manterem em proporcionalidade os agravamentos dos índices dos preços dos produtos alimentares, fenómeno que deve ter a sua explicação na maior sensibilidade conjuntural das agriculturas modernas, quando se desenvolve a inflação, seja de penúria, seja de reconstrução ou mesmo de expansão.
Este comportamento, que parece estar em contradição com a tendência secular, tem sido interpretado como resultado do grau de incidência da produtividade em sentido técnico, não faltando até quem preveja a sua permanência no futuro, sendo, porém, certo que a sua persistência depende fundamentalmente da evolução política mundial.
Ë neste quadro que tem de se considerar exagerada a distorção de preços verificada entre nós, mas cuja responsabilidade tenho de imputar mais ao sector industrial do que aos preços relativos dos produtos agrícolas, que se têm limitado a acompanhar, com atraso e em menor percentagem, a redução dos preços no mercado internacional, sabido como é que o nível dos nossos preços agrícolas originários é sensivelmente mais elevado do que o observado no mercado internacional.
Vai de tudo isto que. sendo embora de certa acuidade o nosso problema agrícola -responsável, em grande parte, polo baixo consumo verificado e escassez da procura efectiva no nosso mercado -, não pode confiar-se nem em soluções a curto prazo nem em quaisquer benefícios que eventualmente pudessem advir do aumento do rendimento real per capita ou do consumo interno, como parece inferir-se das afirmações deduzidas do Sr. Deputado Daniel Barbosa.
O problema agrícola é sério, aqui como em todos os países. Basta ter notícia dos clamores dos agricultores franceses, belgas, italianos ou mesmo americanos; atentar nas reivindicações formuladas por toda a parte, quase nos mesmos termos; acompanhar a frustração das políticas de defesa dos preços agrícolas, como das políticas de paridade, para se ter uma ideia de quanto, neste domínio, há de universal, no tempo e no espaço, na crise, que nos últimos anos uma relativa superprodução agravou até ao extremo limite.
Sendo conhecidas as causas gerais e determinantes especiais do problema, importa acentuar que as terapêuticas tom de ser diferentes, consoante o grau de desenvolvimento do País, a densidade do povoamento agrícola, a especialização de cultivos, a percentagem da produção pecuária, etc.
No nosso caso pobres de nós!- não descortino soluções resolventes a curto prazo que não contribuam para agravar o mal nos períodos seguintes.
Não conheço terapêuticas simples nem fáceis quo assegurem unia tranquilidade satisfatória, que garantam uma modificação das circunstâncias ... Todavia, quase metade da nossa população vive da terra, que cultiva com sacrifício, desvelo, coragem e ... fé!
Não me convenço de que as soluções gerais que não provenham de uma alteração funda da estrutura possam trazer qualquer contributo significativo, até porque, entretanto, as tendências, que são irreversíveis, continuarão a desenvolver-se ... Haverá, então, que desistir, que renunciar, abandonando a terra à sua triste sina?
Não o penso, embora a tanto pudéssemos ser levados, dentro das soluções preconizadas neste aviso prévio.
Há algo a fazer, há muito que pode ser feito e que será certamente feito, com vista a assegurar um nível médio de rendimentos ao agricultor, que lhe permita prosseguir com menor sacrifício a labuta da terra.
Entretanto, limitar-me-ei a afirmar que as soluções terão necessariamente de afrontar, quer revisões estruturais do sector, quer especializações de cultivo* com vista à exportação, com ou sem industrialização prévia, tirando partido das nossas características específicas, combinando do melhor modo os factores de produção - terra, trabalho e capital -, em termos mais de rentabilidade, que é o postulado da economia, do que de produtividade, que é o da técnica.
Mas aqui surgem os problemas e dificuldades - a tal ponto que, quando se abordam os aspectos mais elementares, como sejam os do emparcelamento, arrendamento e divisão, logo surgem reacções, protestos de impossibilidade: é todo um mundo de hábitos e rotinas, de tradições e costumes, que se ergue.
Permito-me recordar, de resto, que, quando de certa vez abordei com toda a cautela algumas dessas questões, encontrei precisamente da parte do Sr. Deputado Daniel Barbosa as mesmas manifestações que verbera quando dirigidas ao sector industrial ...
Mas o Sr. Deputado Daniel Barbosa - honra lhe seja! não fez o seu aviso prévio para descrever, a cores mais ou menos negras, um estado sobejamente conhecido ... Fê-lo, sobretudo, para apresentar soluções, para apontar orientações, para preconizar rumos que nos conduzam a em mais rápido desenvolvimento económico. E neste ponto - estou certo - responde n um anseio de que gostosamente compartilho, a um anseio de que, afirmo-o sem hesitações, compartilha a Câmara e o País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Oxalá possamos, ao fim e ao cabo. concluir apontando rumos novos, soluções mais eficientes.
Antes de sintetizar as medidas preconizadas, a primeira coisa sobre que imporia ter uma ideia clara, para analisar a sua adequação ao fim em vista, parece-me ser a de esclarecer se as objectivas propostas o são para
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curto ou longo prazo. Quer dizer: se as medidas que se propõem visam objectivos a atingir durante o período de execução normal de um plano de fomento - cinco ou seis anos - ou se, pelo contrário, se apontam para períodos longos - dez, quinze, vinte ou mais anos.
Num ou noutro caso, as coisas são muito diferentes, porquanto não raro aquilo que a curto prazo não passa de uma miragem pode converter-se, quando dilatado no tempo, num objectivo modesto.
Afigura-se-me que se estabelece à volta deste ponto uma certa confusão. De facto, parece haver-se geralmente interpretado que, juntamente com a indicação dos objectivos, se fixava, se não para todos, pelo menos para os essenciais, a possibilidade de os alcançar em curto prazo num lustro, digamos.
Se fora assim, muitas das conclusões, tanto como grande parte das soluções preconizadas, não justificariam muitas palavras, nem chegariam a constituir argumentos cuja análise devesse ser, sequer, feita.
Devo, todavia, observar que algumas passagens do discurso, determinadas afirmações dirigidas a problemas de solução mais próxima, bem como certos raciocínios, podem ter contribuído para essa interpretação.
Se a conclusão que legitimamente pode tirar-se de quanto o Sr. Deputado avisante disse não consente a impressão generalizaria de tudo poder ser mudado rapidamente, creio, porém, que, pelo menos, também não á a ideia exacta nem das dificuldades do caminho a percorrer, nem dos longos lapsos de tempo necessários para alcançar as metas indicadas, mesmo contando com a disciplina política e a capacidade de sacrifício do povo português.
O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença? fiem mesmo quando digo que é trabalho para várias gerações?!
O Orador: - Em certas passagens V. Ex.ª referiu casos em que as soluções seriam imediatas. É um exemplo o aumento do consumo, que V. Ex.ª pretende resolver a curto prazo.
O Sr. Daniel Barbosa: - Mas, se V. Ex.ª me dá licença, em face dos caminhos que indiquei, não pode, evidentemente, estar-se a apreciar um trecho ou outro da minha exposição.
Ninguém poderá negar que me referi a um trabalho a longo prazo, que exigiria o sacrifício de várias gerações - da presente e das imediatas, portanto - e de tal maneira que se tornava necessário dar-lhe até um sentido de revolução, para que todos por ela se interessassem. E, dentro das soluções totais possíveis, pode haver algumas parcelares que parece imporem-se desde já, como seja a criação de uma organização destinada a obter uma baixa de custo de produção, a par de um aumento de salário, etc. E nestes casos é que se podem apressar soluções em benefício de todos, sem prejuízo da solução integral, que levará muito mais tempo.
Por isso, para evitar confusões, agradeço muito a V. Ex.ª que, ao referir-se a partes do meu discurso em que, porventura, eu apresente hipóteses de soluções imediatas, aã especifique.
O Orador: - Todavia, certas passagens, certas afirmações sobre problemas com solução mais imediata podem ter levado a essas interpretações. Parece que não se deu a medida exacta das extraordinárias dificuldades que há a vencer para atingir certos objectivos.
Não quer isto dizer que V. Ex.ª não tenha apontado essas soluções, mas a verdade é que elas estão a contrastar, digamos, com a aparência de soluções aqui e
além sedutoras, aparentemente impossíveis, ou possíveis, com que se pode ter ficado.
O Sr. Daniel Barbosa: - Na exposição que V. Ex.ª tem estado a fazer fico com a impressão de que um dos muitos defeitos que se podem apontar ao meu aviso prévio é o de que, embora tivesse dito as coisas, fora sempre incompleto.
Confesso que pode ser um erro, confesso que talvez devesse ter dito muito mais, mas tenho a impressão de que, dentro deste sistema de entender as coisas, não seria o meu aviso prévio que eu teria de fazer: seria preciso talvez alterar a Constituição para que um Deputado podesse estar a falar do mesmo problema durante uma sessão legislativa inteira.
O Sr. Deputado Camoesas passaria assim à história como um homem que ocupou um mínimo de tempo para conseguir qualquer coisa. Parece-me, Sr. Presidente, que perante V. Ex.ª e a Câmara sou responsável pelo todo do meu discurso, e não por partes dele desintegradas do todo.
Compreendo, todavia, que V. Ex.ª, Sr. Deputado, com a sua inteligência, com o seu poder de análise, queira desfazer a má interpretação que possa dar-se à minha intervenção. Portanto, as críticas que V. Ex.ª faz não são ao meu aviso prévio, mas às pessoas que, precipitadamente, separam essas partes do todo.
O Orador: - Não estou a fazer crítica, mas a tentar interpretar o que V. Ex.ª afirmou e a esclarecer quanto não foi devidamente interpretado. Afirmei, de resto, que o Sr. Deputado não podia ter tratado de tudo!
O Sr. Daniel Barbosa: - Portanto, V. Ex.ª dirige-se nos que não souberam ler ou tiraram portes tio todo, com o fim de conseguirem certas conclusões.
O Orador: - Muita gente entendeu assim.
O Sr. Daniel Barbosa: - Por conseguinte, repito, a crítica que V. Ex.ª está a fazer destinasse: ou às pessoas que não souberam ler, ou às pessoas que tiraram parte» do .todo para as interpretarem indevidamente, pelo facto :de não poderem nem deverem, honestamente, interpretar partes que, para se compreenderem, têm de estar integradas no todo.
O Orador: - Tem interesse que o assunto se esclareça também nesse ponto?
O Sr. Daniel Barbosa: - Só quis esclarecer neste ponto as observações de V. Ex.ª Quanto às críticas que V. Ex.ª fez propriamente ao meu aviso prévio, recebi-as o mais disciplinadamente possível.
O Orador: - Consideremos, porém, que o» objectivos fixados o são para prazo maior ou menor, mas nunca curto.
O objectivo central proposto é o do aumento do rendimento nacional para valores que nos aproximem das capitações verificadas em certos países evoluídos e, através desse crescimento, duma melhoria rio nível de vida em termos correspondentes.
Para isso, defendeu-se, directa ou indirectamente, o seguinte:
1) Activação da formação do capital e uma política monetária flexível que incentivem e possibilitem maiores investimentos;
2) Uma coordenação económica efectiva que assegure a maior intensidade do investimento e de elevação do consumo;
3) Uma política de reorganização industrial que efective uma baixa do custo de produção.
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Dentro do primeiro desiderato preconiza-se especialmente: a reorganização do merendo de capitais, com o fim de proporcionar um crédito à produção, revendo a lei do crédito, a reforma fiscal, com vista a assegurar os réditos convenientes do Estado, estimular a procura dos consumidores e aumentar a propensão para investir, transferência para os particulares das posições do Estado nas empresas mistas e uma política monetária flexível com o objectivo de financiar novos empreendimentos.
Dentro da segunda série de medidas indicadas pretende-se assegurar concretamente: uma escolha adequada dos investimentos que conduzam a uma maior e mais rápida reprodutividade, bem como a uma maior e mais rápida repercussão TIO poder de compra, e um controle da política de aumento da produtividade que evite que o subemprego se transforme em desemprego.
Dentro do terceiro objectivo preconiza-se nomeadamente: uma política de produtividade, um aumento da dimensão média através da concentração e um aumento de salários consequente da reorganização da produção.
Por fim, deve apontar-se ainda o ter-se considerado o problema à escala de todo o território nacional.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª continuará as suas considerações na sessão de amanha, ficando desde já com a palavra reservada.
Vou encerrar a sessão. Á próxima será amanha, à hora regimental, com a mesma ordem do dia dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António dos Santos Carreto.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Maria Porto.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Documentos a que se referiu o Sr. Deputado Almeida Garrett no seu discurso:
I) Necessidades alimentares por indivíduo e por dia (em calorias)
(Ver Quadro na Imagem).
(a) Para indivíduos com trabalho de intensidade média.
Nota. - Dos 50 anos em diante os valores devem reduzir-se de 7 a 7,5 por cento por cada dez anos de idade.
II) Custo da soma das ementas de uma semana para a unidade de consumo
(Ver Quadro na Imagem).
Total do custo ......................... 62$89
Custo diário ........................... 9$00
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA