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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 44
ANO DE 1958 25 DE ABRIL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 44 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 24 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Manuel José Archer Homem de Melo
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 40, 41 e 42 do Diário das Sessões, com uma rectificação, quanto ao n.º 40, pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Leu-se o expediente.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos ao Ministério da Educação Nacional pelo Sr. Deputado José Saraiva, a quem foram entregues.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abranches de Soveral, sobre os problemas das aposentações; Sá Alves, acerca de assuntos de interesse para a provinda de Trás-os-Montes; Manuel Aroso, para um requerimento; Paulo Cancella de Abreu, sobre problemas de estradas; Armando Cândido, que se referiu a problemas ligados à indústria do álcool na ilha de S. Miguel; Carlos Coelho, para se congratular com a construção do Liceu da Covilhã; José Saraiva, sobre problemas ligados ao ensino primário; José Sarmento, para se congratular com a anunciada redução nos direitos aduaneiros que incidem, na Inglaterra, sobre o vinho do Porto; Agnelo do Rego, que mais uma vez chamou a atenção do Governo para o problema do porto artificial da ilha Terceira; Jerónimo Jorge, no sentido de que Évora, com o apoio dos serviços oficiais competentes, venha a ser dotada de um hotel de turismo; Dias Rosas, acerca de problemas de interesse para a indústria algodoeira no distrito de Braga; Augusto Cerqueira Gomes, sobre a acção da Faculdade de Filosofia de Braga; Ramiro Valadão, que se congratulou com diversas medidas hoje anunciadas pelo Ministro da Economia; Santos Júnior, para se referir a diversas questões ligadas a assuntos de ensino primário, e Ernesto Lacerda, acerca dos preços fixados para a indústria dos resinosos.
O Sr. Deputado Abranches de Soveral enviou para a Mesa um requerimento.
Ordem do dia. - Procedeu-se à eleição da comissão eventual para o estudo do Plano de Fomento e proposta de lei que lhe respeita.
Em segunda parte da ordem do dia concluiu-se o debate sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas a 1956.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Oliveira, Nunes Barata, Castilho de Noronha, Amaral Neto, Manuel Luís Fernandes e Jorge Jardim.
Seguidamente foram lidas, votadas e aprovadas propostas de resolução quanto às Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público.
Foi dado um voto de confiança à Comissão de Redacção para última redacção dos diplomas aprovados.
O Sr. Presidente usou da palavra para se referir à data, que dentro de dias se celebra, em que o Sr. Presidente do Conselho entrou para o Governo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
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Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 108 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 40; 41 e 42 do Diário das Sessões.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - Tem a palavrão Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: desejo fazer as seguintes rectificações ao n.º 40 do Diário das Sessões, na parte que se refere à minha intervenção. Assim, na p. 860, col. 2.ª, 1. 36.ª onde se lê: «mas vê-se que parece», deve ler-se: emas parece»; na p. 865, col. 2.ª, 1. 4.ª, onde se lê: «a verdade é, pois, que nenhum dos», deve ler-se: «ca verdade é, pois, que todos os».
O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre os números do Diário em reclamação, considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De um grupo de professores do Liceu Pedro Nunes a apoiar as considerações da Sr.ª D. Irene Leite da Costa acerca da situação dos professores agregados.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Vítor Galo sobre os vencimentos dos funcionários dos serviços florestais.
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Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Rocha Peixoto e Vítor Galo sobre os municípios e os serviços florestais.
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 14 de Janeiro último pelo Sr. Deputado José Hermano Saraiva.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia u Sr. Deputado Abranches Soveral.
O Sr. Abranches Soveral: - Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Governo para a interpretação que parece estar a ser dada pela Caixa Geral de Aposentações ao artigo 1.º do recente Decreto-Lei n.º 41 387, de 22 de Novembro último.
Pode parecer estranho que seja eu -que pertenço ao reduzido número dos que não são funcionários - quem venha nesta Assembleia chamar a atenção do Governo para alguns aspectos do complexo problema das aposentações, que, a inferir do geral clamor dos interessados, constitui o pesadelo dos funcionários passados e presentes, e continuará a sê-lo dos futuros se o Governo - que procura fazer justiça sem nunca postergar os ditames da moral - não intervier energicamente no sentido de impedir que aqueles a quem não cabe a missão de legislar usurpem de facto tal função, por via de interpretações abstrusas e deformadoras da verdadeira vontade legal, mesmo que tais interpretações se escudem com razões de economia hipotética, porque não pode ter o nome de economia o negar-se a cada um o que legitimamente lhe pertence.
Mas, bem vistas as coisas, não será muito estranho que eu o faça -já que reconhecer e reclamar justiça inteira para todos é, no fundo, realizar a verdadeira política que informa desde a origem o Estado Novo, e, por outro lado, ninguém poderá dizer que este apelo se fax a defender interesses próprios.
O problema, parecendo secundário, realmente não o ó, pelo mal-estar e ansiedade que provoca e pelas desilusões e frustrações (como hoje se diz) que origina na massa enorme dos interessados.
Vejamo-lo concretamente:
O artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 41 387 determina que:
A base do cálculo das pensões de aposentação, determinada nos termos do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 843, de 7 de Outubro de 1954, não poderá em caso algum exceder na escala geral dos vencimentos o limite previsto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 20 115, de 23 de Novembro de 1935, sendo o máximo admitido o correspondente à letra A do artigo 12.º do mesmo Decreto-Lei n.º 26 115.
Como esta matéria tem sido por várias vezes agitada nesta Assembleia através de numerosas e repetidas intervenções -designadamente pela realizada em 24 de Abril do ano findo pelo ilustre Deputado Dr. Bartolomeu Gromicho, com aquele brilhantismo e agudeza que lhe são peculiares -, podemos e devemos deduzir que a disposição que atrás transcrevemos teve dois objectivos.
Por um lado, como que respondendo directamente àquela interpelação do ilustre Deputado, reafirmar que o § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 843 continuava em pleno vigor, para por ele se calcularem as pensões de aposentação dos numerosos funcionários remunerados com abonos - de chefia ou emolumentares - além de vencimento fixo.
Por outro lado, teve certamente em vista resolver as dúvidas preexistentes, que o Governo não ignorava.
Daqui resulta directamente que os termos em que está redigido o transcrito artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41387 traduzem a vontade esclarecida do legislador e não consentem interpretações que alterem ou desvirtuem o sou comando expresso.
A letra do citado artigo mostra que as bases das pensões calculadas nos termos do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39843 sofrem duas limitações máximas.
Uma limitação de ordem geral e, por isso, aplicável n todo e qualquer funcionário: a de a base calculada nunca poder exceder o ordenado correspondente à letra A do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 26115; esta l imitação estava já consignada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 843.
Outra limitação -que classificaremos de particular, por a sua aplicação a cada funcionário depender do quadro do pessoal a que ele pertence e da posição relativa que ocupa na escala hierárquica do mesmo quadro- é diferente, porque determina que nunca a base do cálculo da aposentação pode exceder, na escala geral de vencimentos, o limite previsto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 20115, isto é, não pode ir além de 95 por cento do vencimento fixo que compete ao funcionário de categoria imediatamente superior no mesmo quadro.
Os termos claros e precisos da lei não deixam dúvidas.
Trata-se de duas limitações de ordem diferente, pelo seu conteúdo e pela sua finalidade.
A primeira limitação, referida no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 20 115, foi criada no propósito de impedir que qualquer funcionário, seja ele qual for, possa exceder o ordenado máximo estabelecido na letra A daquele artigo 12.º
A outra limitação, estabelecida nos termos do artigo 19.º do mesmo decreto-lei, tem em vista evitar que, dentro do cada quadro de pessoal, um funcionário possa vir a receber mais que o vencimento fixo do funcionário que lhe é hierarquicamente superior.
Para aplicação desta limitação há que apurar o quadro a que o aposentado pertence, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20115, e de duas uma: ou nesse quadro ele não tem funcionário hierarquicamente superior - e então não tem cabimento esta limitação, por faltar o pressuposto essencial estabelecido no referido artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 26 115, ou há funcionário hierarquicamente superior - e neste caso 95 por cento do respectivo vencimento fixo constituem a limitação a que nos estamos referindo.
Parece-nos que a interpretação que damos é a única que a letra e o espírito da lei consentem.
Se, porém, nos não enganam as informações que nos chegam, não entende assim a Caixa Geral de Aposentações.
Vai ela buscar ao artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 26115 a percentagem de 95 por cento, desprezando arbitrariamente tudo o mais que se contém naquele artigo, e aplica depois tal percentagem às diferentes letras da escala geral de ordenados.
Esquece-se que este artigo 19.º constitui um todo uno que não se pode fragmentar, porque o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41387 o manda aplicar sem estabelecer limitações; e esquece-se ainda que, se o legislador do Decreto-Lei n.º 41 387 não quisesse respeitar integralmente aquele artigo 19.º, teria dado ao artigo 1.º uma redacção muito diferente e muito mais simples.
Nem se queira argumentar com a expressão «na escala geral de vencimentos» usada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41 387, porque ela não autoriza a interpretação que combatemos.
Na verdade, tal expressão só transpõe para a escala geral de vencimentos o limite apurado nos termos do
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artigo 19.º, pelo que há que fixar primeiro tal limite, nos termos precisos deste artigo, e transporta-lo depois para aquela escala geral.
A lei diz «limite previsto no artigo 19.º», e não diz «percentagem aludida no artigo 19.º», e o limite previsto em tal artigo obtém-se pela aplicação da percentagem de 9õ por cento ao vencimento fixo do funcionário hierarquicamente superior.
Parece-nos suficientemente esclarecido o assunto por forma a afoitamente concluirmos que a interpretação dada ao artigo 1.º do Decreto-Lei 41 387 pela Caixa Geral de Aposentações é ilegítima, porque mutila a letra da lei e viola o seu espirito, que já atrás indicámos.
E, além de ilegítima, é imoral, porque é sempre imoral ter uma medida para receber e outra para pagar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Muitos outros problemas, complexos e dolorosos, suscita esta matéria; para a sua solução há que apelar esperançadamente para o espirito de justiça o Governo.
Há, por exemplo, que resolver a situação de inúmeros funcionários e operários do porto de Lisboa que prestaram longos anos de serviço antes de serem incluídos na Caixa Geral de Aposentações, pelo que é da mais elementar justiça contar-lhes todo o tempo de serviço, desde que paguem as quotas e encargos correspondentes a esse tempo, em prestações que caibam nas suas possibilidades.
Há que atender ainda à situação angustiosa dos que, por ignorância ou desleixo, não fizeram, no prazo estabelecido no artigo 11.º do Decreto n.º 26 503, de 6 de Abril de 1936, o requerimento a que o artigo alude, ficando, por incumprimento de um pormenor burocrático, defraudados em direitos, por vezes substanciais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Urge, finalmente, modificar o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 41 387, na parte em que manda atender ao disposto no artigo 33.º do Decreto n.º 16 669, de 27 de Março de 1929.
Este último artigo veda, formalmente, o recurso aos tribunais por parte de qualquer funcionário que se julgue lesado na sua aposentação.
Ora, se nesta matéria há discrepância, ela estabelece-se entre o funcionário, por um lado, e a Administração (entidade patronal), pelo outro.
Querer que esse dissídio seja resolvido pelo Ministro das Finanças ou pela Procuradoria-Geral da República, que são membros e órgãos da mesma Administração, é, no fundo, confiar a resolução de um litígio a uma das partes litigantes e interessadas.
Constitui garantia fundamental dos cidadãos portugueses o poderem recorrer aos órgãos competentes (tribunais) para defender os seus direitos ameaçados ou violados.
Por isso mesmo é absolutamente indispensável substituir a redacção do artigo 6.º do Decreto n.º 41 382, por forma a consignar-se a favor dos funcionários o direito que constitucionalmente pertence a todos os cidadãos : o de recorrer aos tribunais, únicos órgãos legalmente aptos a resolver litígios, se acaso sentirem lesados ou ameaçados os direitos que supõem ter.
Vamos terminar.
Justiça e humanidade são sentimentos indispensáveis para resolver estes e outros numerosos problemas desta melindrosa matéria.
Pela justiça, atribui-se a cada um o que legitimamente lhe pertence, não o lesando por qualquer forma; pela humanidade, atende-se à sorte de tantos milhares de funcionários que passam dezenas dos melhores anos da sua vida amarrados a um emprego, às vezes mal remunerado, na única esperança de uma velhice sossegada e garantida.
E quantas vezes essa esperança é brutalmente esma gada pelo seco e imprevisível desfecho da Caixa de Aposentações, à qual me recuso a reconhecer o dom da infalibidade, muito embora lhe não negue o da boa vontade.
Será este despacho justo? É possível que sim; mas só os tribunais o podem dizer; e, negando-se o recurso aos tribunais, não se apaga a discordância-só poderá conseguir-se que ela se torne em desespero.
Justiça e humanidade são necessárias e bastantes para que o Governo possa resolve: estes assuntos.
Apelamos, por isso, para o sentimento de justiça e para o espirito cristão que informam a política que servimos e o Governo que a representa.
E para nós temos que não o fazemos em vão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Alves: - Sr. Presidente: presentemente só a província de Trás-os-Montes se acha sem representação efectiva na Corporação da Lavoura, que em boa hora foi instituída pela Lei n.º 2086. E resulta esta posição de desfavor do facto de, apesar de inúmeras diligências realizadas, ainda se não encontrarem organizadas as federações dos gr irmos da lavoura daquela região.
Ora esta situação excepcional, além de poder ocasionar prejuízos irreparáveis, fez a dignidade das respectivas populações, que assim se. vêem diminuídas nas suas prerrogativas e privadas dos seus direitos.
E tudo isto, Sr. Presidente, tem a sua origem num erro que de longe vem, num erro contra que muito se tem .clamado e doutrinado (vojam-se as recentes «Conclusões» do Centro de Estudos Político-sociais da União Nacional), mas que se mantém, apesar de tudo. Esse erro está na persistência da divisão provincial, e especialmente na incongruente delimitação da província de Trás-os-Montes e Alto Douro, que a própria denominação indica não corresponder a qualquer realidade económica, social ou política, nem a qualquer afinidade ou comunidade de interesses, circunstâncias estas que, de resto, a própria comissão delimitante reconheceu, apontando contrastes e dessemelhanças que impunham solução inteiramente diversa da adoptada.
Para melhor elucidação vejamos:
Terrenos xistosos e graníticos na sua quase generalidade, de pequenos e profundos vales e altas serras numa parte e de v sigas muito ricas e férteis noutra, a sua cultura predominante foi sempre, na terra fria, com seus soutos de castanheiros, o centeio e a batata, e a criação de gado vacum em seus verdejantes lameiros, e, na terra quente, em socalcos que parecem degraus sobrepostos, inacessíveis a quem de longe os contempla, o vinho, suprema riqueza regional.
Foi em face de tão elucidativo relatório que, depois de reconhecida a improficuidade da luta contra a instituição da província, numa representação dirigida a esta Assembleia em 1938 e subscrita pela quase totalidade dos brigantinos, pude escrever:
Seguindo o rigoroso critério agro-económico, que parece haver sido o que mais profundamente impressionou a comissão, estava indicado que se houvessem formado duas províncias, abrangendo uma a
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área e populações da chamada terra fria - província genuína de Trás-os-Montes, com a sua capital em Bragança, reunindo à sua volta os concelhos de Ilibe ir a de Pena, Vila Pouca de Aguiar, Montalegre, Boticas, Chaves, Valpaços, Murça, Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Vinhais, Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro; a outra a área e populações da terra quente - província do Alto Douro, com a capital em Vila Real, agrupando os restantes concelhos das margens do rio Douro, ou, melhor, a típica e demarcada região dos vinhos do Porto.
Ora, na sequência do exposto, quando começou a delinear-se a organização corporativa da agricultura, surgiram logo os mesmos clamores e dificuldades a que havia dado lugar a divisão administrativa; mas agora com outra acuidade, atenta a maior transcendência dos interesses em causa.
É que, enquanto a província nunca teve projecção na vida dos povos, passando, por isso, quase despercebida a sua existência, a federação dos grémios da lavoura constitui um elemento preponderante do progresso, económico dos meios rurais. Daí os movimentos que se têm verificado para obstar a que o erro da divisão administrativa venha a repetir-se na organização corporativa das lavouras duriense e transmontana.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-E quer parecer-me que, apesar das delongas havidas, o assunto se deve considerar hoje definitivamente orientado no sentido da vontade das populações, manifestada com uma quase unanimidade impressionante todas as vezes que têm sido ouvidas.
Esta orientação está, com efeito, definida nos despachos de S. Ex.ª o Subsecretário da Agricultura, de 27 de Dezembro de 1950, e de S. Ex.ª o Ministro das Corporações, de 19 de Março de 1956, nos quais se assentou em que se deviam instituir duas federações: Federação dos Grémios da Lavoura de Trás-os-Montes, agrupando os grémios dos concelhos de Alfândega da Fé, Boticas, Bragança, Chaves, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Montalegre, Murça, Vila Pouca de Aguiar, Valpaços, Vimioso e Vinhais, e Federação dos Grémios da Lavoura da Região do Douro (Casa do Douro), abrangendo os grémios dos concelhos de Alijo, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Mesão Frio, Peso da Régua, Sabrosa, S. João da Pesqueira, Santa Marta de Penaguião, Tabuaço, Moncorvo, Vila Flor, Vila Nova de Foz Côa e Vila Real.
Ficariam de fora os grémios dos concelhos de Mondim de Basto e Ribeira de Pena, para, em virtude da similitude de condições económicas, serem incluídos na Federação da Região dos Vinhos Verdes.
E é de ponderar que este agrupamento tem já tradição através da Federação dos Grémios de Vinicultores da Região do Douro (Casa do Douro), e tradição que «o Douro não esquece, pois lhe permitiu sobreviver sem miséria um dos períodos mais sombrios da sua vida», como tão expressivamente aqui proclamou o Sr. Deputado José Sarmento na sessão de 15 de Janeiro último.
A paixão duns poucos tem ainda objectado que é ilegal esta solução, mas a objecção, que poderia ter fundamento no domínio da vigência plena da Lei n.º 1957, não procede depois da promulgação do Decreto-Lei n.º 36G81, de 19 de Dezembro de 1947, que dispôs terem as federações dos grémios da lavoura em regra base provincial, admitindo, portanto, que, excepcionalmente, podem deixar de a ter.
E esta excepção já se verificou na constituição da Federação da Região dos Vinhos Verdes, em que foram incluídos os grémios da lavoura das províncias do Douro Litoral e Minho e ainda os da província de Trás-os-Montes que já referi.
Sr. Presidente: estou informado de que já foi apresentado na instancia competente o projecto de estatuto da Federação dos Grémios da Lavoura de Trás-os-Montes.
Não há motivo, pois, para se protelar mais a situação deprimente em que aquela província se encontra perante a Corporação da Lavoura, onde tem apenas um assistente nomeado had hoc, em vez dum representante escolhido nos termos estatutários, que possa defender com desassombro e autoridade os interesses dos seus representados.
Assim, juntando a minha à voz autorizada e qualificada do ilustre Deputado Sr. Dr. José Sarmento, espero também que o Sr. Ministro das Corporações, a quem reitero o devido louvor pela obra grandiosa a que se votou, institua com a maior brevidade a Federação dos Grémios da Lavoura de Trás-os-Montes pela forma indicada.
E pode S. Ex.ª ter a certeza de satisfazer desta maneira os justos anseios daquelas gentes laboriosas e ordeiras, que, talvez por isso, tão esquecidas tom sido sempre na distribuição dos benefícios do Poder.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Aroso: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Considerando o grande interesse que tem para a economia geral de Moçambique, e especialmente para Lourenço Marques, qualquer modificação no sistema fiscal que permitiu tão notável volume de construções, tal como aconteceu com a publicação do Diploma Legislativo n.º 1687, de 6 de Julho de 1957, que altera, para efeito de colecta de contribuição predial progressiva, o rendimento colectável dos terrenos devolutos ou não aproveitados naquela cidade, roqueiro, para minha apreciação e estudo, nos termos dos artigos 96.º da Constituição e 11.º, alínea c), do Regimento, que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidos o relatório dos serviços de Fazenda e outros elementos que conduziram à publicação daquele diploma legislativo, nomeadamente também:
1.º Número e respectivas áreas dos terrenos que ficarem abrangidos pela citada legislação;
2.º Resultado das avaliações efectuadas até à data consequentes daquele diploma;
3.º Qual o quantitativo dos capitais a investir nas áreas citadinas abrangidas, ao preço unitário actual da construção;
4.º Variação global da taxa da sisa, na zona abrangida pela nova disposição, no 1.º trimestre dos anos de 1950 a 1958, inclusive;
5.º Aumentos verificados em 1958 com a cobrança da contribuição predial progressiva, em relação ao ano anterior, na zona abrangida pelo citado diploma legislativo».
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: apenas breves palavras, e as primeiras são de incondicional aplauso às brilhantes e oportunas considerações feitas, na sessão de anteontem, pelo ilustre Deputado
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Sr. Dr. António de Lacerda sobre um projectado Regulamento das Estradas e dos Caminhos Municipais e outros aspectos do sério problema das rodovias municipais. Tem S. Ex.ª inteira razão, e Deus permita que o compreendam as entidades intervenientes, num assunto tão importante e a que o novo Plano de Fomento veio dar maior realce.
Na sessão de 7 de Fevereiro último, ao fundamentar um requerimento em que solicitei algumas informações sobre os pedidos e concessões de comparticipação do Estado formulados pelas câmaras municipais para obras de construção e reparação das suas estradas, salientei a importância e a gravidade do problema, devido ao estado deplorável em que se encontra a maioria dos seus 9115 km, devido especialmente à falta de recursos e de material nas camarás e à deficiência e demora na atribuição das comparticipações através dos Melhoramentos Rurais.
E vaticinei que a solução radical, e, porventura, única, seria encarada no novo Plano de Fomento.
Felizmente não me enganei, pois o projecto deste Plano anuncia um investimento de 840 000 contos paru uma 1.ª fase de construção de 6310 km de estradas e caminhos municipais de acesso a povoações com mais de 50 habitantes, que estão ainda isolados, e para a reparação de 5940 km de rede existente e aquisição de equipamento para a sua conservação.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-E motivo para grande regozijo em todo o Pais. Embora não seja agora oportuna a apreciação daquele Plano, não deixa, todavia, de interessar conhecer desde já, para júbilo de todos, e até como subsidio do estudo do sério problema, alguns dos elementos que me foram fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em resposta àquele requerimento, que ponho à disposição dos meus colegas.
Deles se depreende, na verdade, que foi enorme a desproporção entre as comparticipações pedidas pelas câmaras e as concedidas, devido especialmente a insuficiência das dotações do Fundo de Melhoramentos Rurais. Dal o enorme agravamento do problema, com inestimável prejuízo para a economia geral do Pais e ainda com afectação directa da comodidade e melhor nível de vida das populações.
Se sucedeu, em alguns casos, haver camarás que, certamente devido a falta de recursos, se desinteressaram dos pedidos, a verdade, porém, é que, além da demora, a percentagem das comparticipações concedidas pelo Estado tem sido pequena, com manifesto inconveniente geral.
Por exemplo, em 1957 entraram no Ministério 234 pedidos (processos abertos e por abrir), dos quais foram atendidos durante o ano apenas 50, ficando, assim, pendentes 184, a somar aos que vêm de trás.
Traduzidas em escudos, nota-se que, infelizmente, as verbas das comparticipações do Estado, através dos Melhoramentos Rurais, não têm aumentado. Pelo contrário. Em 1955 foram empregados 70017 contos, em 832 comparticipações, em 1956 empregaram-se 48 561 contos, em 543, e em 1957 foram concedidos 59 974 contos, em 711, sendo de notar que 246 comparticipações, no montante de 23 044 contos, relativas a 1957 foram concedidas pelo Fundo de Desemprego, por conta do crédito aberto a favor da Comissão Coordenadora das Obras Públicas no Alentejo.
Felizmente, a situação foi encarada de frente e com decisão pelo Governo ao elaborar o II Plano do Fomento, como mostra a dotação substancial nele destinada a uma 1.º fase do grande e indispensável empreendimento, sem dúvida dos mais úteis abrangidos no Plano.
Estão de parabéns os concelhos do meu distrito. Estão de parabéns todos os concelhos do Pais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: a ilha de S. Miguel é das regiões menos industrializadas do Pais, mas o facto não se deve à falta de espirito de iniciativa. Tanto assim que o Micaelense luta e tem lutado desesperadamente pelo crescimento e valorização da sua economia, desenvolvendo no sector industrial todos os esforços possíveis. A distância a que se encontram os Açores dos centros consumidores dos seus produtos de exportação, os golpes da concorrência, nem sempre razoáveis e admissíveis, o encerramento de certos mercados tradicionais, algumas vezes verificado por razões de força maior derivadas dos estados de guerra, a carência de energia eléctrica, problema só agora, e ao que parece, em vias de solução, o desencorajamento provocado por alguns desencontros do incentivo legal, é que se mostram na origem do fenómeno.
Através de várias intervenções nesta Assembleia tenho já, segundo creio, dito o bastante para explicar e acentuar estes pontos relativos, de um modo geral, à economia açoriana, e designadamente à economia micaelense. Hoje desejaria referir-me com a necessária demora à indústria do álcool na ilha de S. Miguel. Para o efeito, na sessão de 15 do corrente requeri ao Ministério da Economia os elementos indispensáveis, rogando, ao mesmo tempo, e nos precisos termos do § 3.º do artigo 11.º do Regimento, autorização para consultar determinado processo existente na Direcção-Geral dos Serviços Industriais.
Estamos, Sr. Presidente, no último dia da presente sessão legislativa. Mesmo que os elementos pedidos, aliás com a maior urgência, me chegassem agora às mãos, eu não teria tempo de os utilizar num estudo aturado da questão, nem de consultar o processo em referência, de modo a aproveitar e a integrar naquele estudo as informações porventura colhidas.
Sem embargo, pois, de voltar oportunamente ao assunto, se necessário for, desejo, no entanto, e desde já, chamar a atenção do Governo para o seguinte:
Vejo pela cópia de uma exposição dirigida ao Sr. Ministro da Economia, em 18 do corrente, que a União das Fábricas Açorianas de Álcool não está disposta a renovar o antiquado equipamento da sua fábrica de álcool sem a formal garantia da colocação no continente de um contingente mínimo da sua produção de álcool desnaturado, fundando-se para tanto em várias razões, a primeira das quais figura na base da própria viabilidade económica do investimento, calculado em cerca de 20 000 contos.
O Decreto-Lei n.º 41276, de 18 de Setembro de 1957, reconhecendo a marcada e importante posição do fabrico do álcool açoriano na economia do arquipélago, reconhece também, como não podia deixar de ser, o deficiente equipamento da respectiva indústria para produzir em condições satisfatórias. Em certa passagem do relatório daquele decreto-lei classifica-se, e muito bem, a economia açoriana de «frágil economia».
Talvez por ler muito em pouco tempo - a fome de ler é uma fome deliciosa-, não me recordo, por vezes, onde alimentei a memória. É o caso de já não saber onde li que a História, além de depósito de acções e testemunho do passado, é exemplo e aviso para o presente e advertência para o futuro.
Um pouco de historia, Sr. Presidente:
No fim do século passado mobilizaram-se importantes capitais para a criação nos Açores de uma
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indústria -a do álcool- que era então considerada de grande alcance, não só nos sectores agrícola e industrial, mas também no sector económico.
Constituíram-se então quatro empresas distintas, que instalaram e apetrecharam devidamente cinco fábricas: três na ilha de S. Miguel e duas na da Terceira. A Fábrica de Santa Clara, em S. Miguel, era considerada uma das maiores fábricas de álcool do Mundo e as suas instalações qualificadas de modelares para a época.
O total da produção das cinco fábricas, pertencentes a açorianos, atingiu nalguns anos mais de 11 milhões de litros. As matérias-primas empregadas eram principalmente a batata doce e, acessoriamente, o milho.
Afora a pequena quantidade de álcool que se consumia em todo o arquipélago, todo o restante era remetido para o continente e destinava-se, quase exclusivamente, ao tratamento dos vinhos do Porto, o que revelava a sua qualidade puríssima. Há quem atribua a este tratamento a especial generosidade dos vinhos do Porto daquela época.
Não garanto, Sr. Presidente, esta excelência do álcool puro dos Açores relacionada com a excelência dos vinhos do Porto, mas deixem-me aspirar este perfume que se misturou no tempo, tanto mais que se segue a parte mais dolorosa da história que estou recordando:
Deu-se, porém, uma grande crise vinícola no continente e publicou-se, em 14 de Julho de 1901, um decreto que quase paralisou totalmente a indústria alcooleira açoriana -e, consequentemente, a cultura local de batata doce-, em proveito da viticultura continental, passando os vinhos baixos do continente a ser destilados para, somente com esse álcool, serem tratados os vinhos finos. Foi esse o primeiro rebate duma situação catastrófica para a economia açoriana, que se manifestou imediatamente com toda a amplitude.
Então, para sustar as desastrosas consequências da publicação do referido decreto, encontrou-se como única solução viável o estabelecimento de um acordo entre as quatro empresas proprietárias das cinco fábricas de álcool - acordo que se efectuou e do qual resultou a União das Fábricas Açorianas de Álcool. Apenas ficaram a laborar as fábricas que as necessidades dos mercados justificavam. As restantes foram encerradas - o que representou a imobilização de avultado capital, cuja depreciação se foi agravando dia a dia, inevitavelmente.
Sr. Presidente: eu estou a tirar do passado -de um passado que não se pode esconder nem se deve esquecer- o que me parece indispensável ao útil entendimento da questão que me levou a pedir a palavra a V. Ex.ª:
Foi tão severo o golpe desferido na economia açoriana pela imprevista redução da cultura da batata doce que se impunha a necessidade de contrabalançar o desequilíbrio causado, promovendo-se a instalação de uma nova indústria com base num produto agrícola que compensasse, embora não totalmente, os efeitos daquela depressão económica.
A União, chegada, ela própria, a uma situação de ruína iminente, tomou então a iniciativa de estudar a possibilidade de introduzir nos Açores a cultura da beterraba, para a extracção do açúcar. Pela Lei de 15 de Julho de 1903 foi autorizada a transformação de uma das fábricas de álcool em fábrica de açúcar de beterraba, como compensação da proibição de entrada de álcool puro no continente.
O fabrico de álcool nos Açores ficou então limitado à pequena quantidade necessária para atender ao consumo do arquipélago e ao álcool desnaturado comportável no mercado continental; mas quanto ao álcool puro, foi radicalmente abolida a sua entrada no continente.
Apesar disso, a economia açoriana não se tem escusado a novos sacrifícios sempre que o interesse nacional lhos solicita. Por exemplo, durante a última guerra, ao passo que muitas indústrias encontravam na dificuldade geral das circunstâncias uma oportunidade de grandes lucros e de desenvolvimento da sua técnica e da sua produção, a indústria do álcool e, portanto, a economia açoriana devotaram-se a prestar a colaboração solicitada pelo Governo para remediar a falta de álcool industrial no continente, suportando cerca de 6000 contos de prejuízo na onerosa laboração de cevada, desacompanhada da correspondente elevação do preço de venda do seu produto.
Estas notas, extraídas de um documento que guardo em meu poder, notas, aliás, tão verdadeiras como a verdade que retraiam, não se referem à soma de dificuldades que a União das Fábricas Açorianas de Álcool teve de vencer, designadamente através das custosas e por vezes contraditórias experiências com a cultura da beterraba destinada à laboração do açúcar, então em perspectiva forçada pelas trágicas circunstancias em que se debatia a indústria açoriana do álcool. Também não dizem tudo quanto há a dizer a propósito dos fortes prejuízos sofridos por essa indústria para acudir às instantes necessidades do abastecimento nacional durante a última grande guerra. Mas oferecem o bastante para se ter na devida e justa consideração os predicados que ressaltam de uma longa e prestimosa folha de serviços esmaltada de sérias provações.
Seja como for, o que mais e por agora importa salientar é isto: se a fábrica de álcool da União das Fábricas Açorianas de Álcool não substituir as suas instalações fabris, quase centenárias, como requereu e pretende, deixará a breve trecho de laborar, envolvendo no seu sacrifício 350 operários e respectivas famílias, 3500 a 4000 cultivadores de batata doce, a própria indústria do açúcar, pelo desaproveitamento dos respectivos melaços e consequente agravamento do preço de custo, e a «frágil economia açoriana».
Creio, Sr. Presidente, ter sido suficientemente claro, dentro da objectividade e isenção costumadas.
Trata-se duma indústria que merece, por todos os títulos, ser acarinhada, visto que tem, por todas as razões, de sobreviver.
O Sr. Melo Machado: - Há-de sobreviver.
O Orador:-Registo a palavra de V. Ex.ª Não sou produtor de álcool. Não tenho interesses na indústria do álcool. Ou, por outra, tenho um interesse: aquele que se prende com a qualidade de Deputado pelo círculo de Ponta Delgada, de Deputado por um círculo açoriano. E é em nome desse interesse, desse interesse que me tem movido e animado, sem uma quebra de vontade ou de carácter, dentro do quadro dos interesses nacionais, que peço ao Governo que estude e resolva, com a possível urgência, o problema do reequipamento, em condições económicas viáveis, da fábrica de álcool da ilha de S. Miguel.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: reflectindo uma das sérias preocupações do homem do nosso tempo, que procura afanosamente, além do pão, do agasalho e da casa, alcançar os meios de instrução e cultura que são apoio e instrumento ao granjeio daqueles, é certo, mas muito também a satisfação de incontidos anseios da natureza espiritual, vi, compreensivelmente, no decorrer desta nossa primeira sessão de trabalhos repetirem-se as intervenções visando os problemas do ensino e da educação.
Já pelo número e Índole dos assuntos, já pela categoria e autoridade dos Sr. Deputados interventores, a Assembleia mostrou-se útil e esclarecida colaborante do sector governamental que tem de enfrentar uma das realidades mais vivas e brilhantes da vida actual, integrando-se desta forma com o seu contributo de sugestões ou reparos no trabalho verdadeiramente notável despendido nos últimos anos pelo Ministério da Educação Nacional.
E fê-lo partindo daqueles pontos de referência e postos de observação que muitas vezes podem escapar ao Governo Central, por dimanarem da periferia para o centro.
Pois bem, Sr. Presidente, seja-me permitido ainda que se levante mais uma voz que pretende ser ouvida no Ministério da Educação Nacional, através de dois comentários, um dos quais bem fácil e grato de produzir, pois será de louvor e agradecimento.
Fá-lo-ei com sobriedade, pois adivinho quanto a sessão de hoje estará sobrecarregada.
Mas foi propositadamente que me guardei para este dia, pois, sabendo quanto as últimas impressões são as que perduram, cuido aproveitar desta circunstancia favorecedora para a possível repercussão, que doutra forma as minhas palavras com dificuldade encontrariam.
No fim do passado mês de Março dois diplomas, emanados um, em conjunto, dos Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional e outro do Ministério da Educação Nacional, assinalam dois factos que à Covilhã e seu concelho interessam de modo especial e vem satisfazer duas aspirações enraizadas com justificado fundamento no espirito dos Covilhanenses.
Com o Decreto n.º 41 572, que aprova o plano de construção dos novos liceus, inclui-se a Covilhã em lugar cronologicamente muito aceitável.
Aquilo a que algumas vezes chamei a batalha do Liceu da Covilhã, batalha que a cidade e as suas gentes conduziram com pertinácia e estoicismo, ao longo de quase duas décadas, começou a ser vencida há dois anos com a elevação do seu liceu municipal a nacional e vai ser definitivamente ganha com o levantamento do edifício onde digna e eficientemente se instale.
Pelo Decreto n.º 41 071 foi finalmente criada no concelho da Covilhã uma fundação denominada «Escola-Quinta da Lajeosa», cujo património inicial é constituído pelos bens que o falecido benemérito Dr. Júlio Campos de Melo e Matos doou ao Estado, por escritura de 15 de Outubro de 1943. A Portaria n.º 16 659, do corrente mês, aprovou as bases orgânicas do seu funcionamento.
Passados mais de dez anos sobre o falecimento .do Dr. Melo e Matos, é finalmente concretizado o pensamento e a vontade do doador, que através do seu gesto procurou promover a criação de uma escola destinada a formar práticos, com instrução para dirigir explorações agrícolas.
É desnecessário relacionar ou enaltecer os benefícios que se esperam de semelhante empreendimento.
Recordo com viva saudade duas visitas feitas por mim à Quinta da Lajeosa, em que ouvi do Dr. Melo e Matos a explanação daquela que virá a ser a sua grande obra póstuma, e na segunda das quais me honrou com a notícia da dádiva da sua magnifica biblioteca, de mais de 10000 volumes, à Câmara da Covilhã, que desta forma se tornou, frequentada efectivamente como é, num dos mais valiosos instrumentos de cultura dos meus conterrâneos.
Do benemérito Dr. Júlio de Melo e Matos bem pode dizer-se que toda a sua longa e esforçada vida foi pautada para servir o bem comum.
A sua morte só fez avultar a sua inconfundível personalidade de homem íntegro e generoso. Fica bem nesta Casa uma expressão de comovida homenagem à sua memória.
E porque aqui se levantaram reparos ao Ministério da Educação, pela estranheza de não se ver cumprida a vontade do doador, é que me julgo obrigado a, deste mesmo lugar, agradecer a 3S. Ex.as o Ministro e Subsecretário de Estado a promulgação dos diplomas que arrumam um assunto que penosamente se arrastou durante dez anos.
Dirijo-me aos dois ilustres governantes, porque no Ministério é tão harmónica e coesa a sua acção que nós nunca sabemos a qual dos dois corresponde a maior parcela de responsabilidade nas decisões que nos anunciam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Este o louvor e o reconhecimento pela criação da Escola-Quinta da Lajeosa e a inclusão da Covilhã no novo plano de construções liceais. Ao fazê-lo sou também intérprete do sentir de milhares de agradecidos corações covilhanenses.
Por último reparo:
Por vários Srs. Deputados, em ligeiros apontamentos de uns, em decisiva e exaustiva intervenção de outro - refiro-me ao ilustre Deputado e professor universitário. Costa Ramalho-, foi apontada nesta Assembleia a critica, a angustiosa, ia quase a dizer lamentável, situação dos professores agregados do ensino liceal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Fizeram-no pessoas ligadas ao ensino. É pertinente e necessário que uma voz estranha se lhes associe.
Os professores agregados atingiram a maioridade pedagógica através da obtenção de todos os graus e a passagem de todos os crivos de selecção que lhes permitiu adquirir o diploma qualificativo ao ingresso no quadro de professores auxiliares e efectivos.
Percorreram um longo e árduo caminho, mas muitos percorreram-no baldadamente.
De nada lhes serviu a aplicação e o trabalho que pensariam levá-los a um plano de igualdade dos seus pares menos infortunados.
E o caminho, que foi de esperança, conduziu-os à dúvida e quase humilhação, ao desalento e -porque não dizer?- à revolta.
Não quero nem posso alongar-me aduzindo novas razões às já aqui apontadas.
Mas reforço o pedido para que seja revista urgentemente a situação dos professores agregados, transformando-os de meros agentes de ensino, alguns já envelhecidos nos seus postos, transformando-os de «mulheres a dias» dos liceus, como já lhes ouvi chamar, em autênticos e verdadeiros funcionários do ensino liceal.
É um acto de justiça que se impõe.
Ora, nós vimos nestes últimos tempos desaparecer muitos mitos que sombriamente se projectavam nos domínios da educação, com funestas prerrogativas, quase vitalícias.
Para tanto bastaram simples gestos de coragem de SS. Ex.as o Ministro e o Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
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Esperamos, com confiança, que essa mesma coragem que os levou a resolver tantos problemas considerados insolúveis os conduza a abater também o fantasma que malfadadamente paira sobre a vida dos professores agregados do ensino liceal.
Por Deus assim acontecerá.
E quando aqui regressarmos, pela palavra de qualquer de nós, a Câmara levantará, estou certo, para SS. Ex.as um coro unânime de louvores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: ao solicitar, em 15 de Janeiro deste ano, os elementos de informação que, por mandado de V. Ex.a, me acabam de ser entregues, anunciei que me propunha tratar de alguns problemas do magistério primário, designadamente da situação dos professores que àquele ramo de ensino se dedicam.
Não pretendia tratar- do assunto sem ter presente elementos oficiais, e torna-se evidente que, tendo chegado eles ao meu poder no termo desta sessão legislativa, não será possível ocupar-me do assunto. Aliás, creio que não se perderá a oportunidade melhor, visto que já está prevista a convocação extraordinária desta Assembleia para se ocupar do Plano de Fomento e parece-me que terão então o seu cabimento natural as questões que eu pretendia abordar.
Efectivamente, os problemas do ensino primário inserem-se no problema mais amplo de uma política nacional de cultura de base, primeiro escalão numa planificação geral da política de educação no nosso pais.
Sendo assim, parece-me que então terão melhor oportunidade as questões que agora me propunha abordar. Entretanto, não quero terminar as minhas considerações sem uma palavra de esperança: é evidente que os problemas do ensino primário não se confundem com as duras condições de vida actual dos professores primários.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas esta última questão tem de ser resolvida, e não tenho dúvidas de que a Nação e o Governo possuem inteira consciência acerca da necessidade de a resolver.
Julgo que se pode dizer que entre os vários aspectos que a crise do nosso funcionalismo reveste nenhum como o dos professores primários conseguiu obter, na consciência e na sensibilidade da Nação, uma repercussão tão viva, unânime e dolorosa, e de tal modo que falar nela é já dizer lugares-comuns. Espero que ao voltar a este tema não tenha de dizer lugares-comuns, pois deposito a maior confiança nos dois eminentes homens públicos que estão u frente do Ministério da Educação Nacional. Já que nisto falo, não quero que fique no espírito de ninguém a errada suposição de que a demora no envio dos elementos que solicitei seja devida a menos presteza por parte daquele Ministério.
É que eu havia pedido informações circunstanciadas, dados em pormenor, que não constavam dos arquivos do Ministério. E aquele departamento do Estado, com um zelo e um cuidado a que não posso regatear louvor, encarregou as direcções dos distritos escolares de procederem à colheita dos elementos que foram transmitidos à Direcção-Geral e depois enviados a esta Assembleia.
Esta atitude cuidadosa e de grande diligência de funcionários, como os daquela Direcção-Geral, que só com muito sacrifício conseguem manter o seu serviço em dia não pode deixar de registar-se aqui, por ser de toda a justiça fazê-lo.
Espero, repito, que não tenha de voltar aos lugares-comuns quando vier a ocupar-me do assunto, pois tenho a certeza de que o Governo não precisa que lhe lembrem que é absolutamente necessário resolver o assunto, que H, além do mais, uma imposição da justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: não quero deixar passar em silêncio nesta Assembleia um facto que, pelas perspectivas duma substancial melhoria na exportação do vinho do Porto, muito regozijou todo o seu sector, desde o trabalhador rural das vinhas da região demarcada, até ao exportador do Entreposto de Gaia. Refiro-me à redução de direitos aduaneiros que incidiam no Reino Unido sobre o vinho do Porto.
Em 15 do corrente, como os jornais noticiaram, foi anunciado nos Comuns, pelo Chanceler do Tesouro, uma redução substancial de direitos que incidiam sobre os vinhos chamados pesados, entre os quais ocupa posição de relevo, pela sua quantidade e valor, o nosso vinho do Porto.
Para que esta Assembleia possa ajuizar da importância dessa medida, apontarei muito resumidamente qual o regime aduaneiro que vigorava anteriormente a 15 do corrente.
Até aos começos da última guerra os direitos que incidiam sobre os vinhos pesados eram de 8 xelins por galão, ou seja cerca de 3.870£ por pipa de 550 1; mais tarde, durante a guerra, os direitos foram-se sucessivamente elevando: passaram de 8 para 12 xelins e depois para 16. Em 1946 novo aumento: atingem-se os 34 xelins por galão. Apesar de a guerra ter terminado, os direitos continuam a subir, asfixiando assim progressivamente a nossa exportação para o Reino Unido.
Passado algum tempo novo aumento ainda se verifica, atingindo-se então os 50 xelins, ou seja cerca de 24.200(5 por pipa. Isto é: só de direitos aduaneiros pagava-se uma importância muito e muito superior àquela que o exportador tinha de despender para, na vindima, adquirir no Douro uma pipa de vinho do Porto. No ano findo esse preço de aquisição (mosto e aguardente) oscilava entre uns 3.3005 e 4.300$ por pipa de 550 1.
Em suma, os direitos que incidiam sobre o vinho do Porto eram cerca de seis a sete vezes o valor do vinho.
Mas o que mais grave ainda se me afigurava era que, enquanto os vinhos pesados sofriam, no período que vai de 1939 a 1957, um aumento de direitos aduaneiros de 525 por cento, os vinhos leves sofriam somente um aumento de 225 por cento, os vinhos leves gasosos 127 por cento e as bebidas espirituosas 184 por cento.
Esta discriminação de direitos sobre os vinhos pesados originou uma redução drástica na exportação de vinho do Porto para o Reino Unido. Assim, enquanto que em 1939 se tinham exportado 24 milhões de litros, em 1958 a referida exportação não chegou a atingir os 8 milhões. Isto é: a exportação ficou reduzida a um terço do que tinha sido. Concomitantemente aumentava a importação dos vinhos leves no Reino Unido, que de 3 milhões de galões em 1937-1938 passou para 4,8 milhões em 1954-1955.
Estes números mostram claramente qual foi a cansa que originou a ruína da nossa exportação de vinho do Porto para o Reino Unido.
Espero agora que a partir do dia 15 do corrente o panorama venha a modificar-se totalmente, pois os
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direitos aduaneiros sobre os vinhos pesados baixaram de 5U para 38 xelins por galão. Isto é: passaram de 24.200$ a 18.400$ por pipa.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados sobre a baixa de direitos ser superior ao preço pelo qual os exportadores adquirem na vindima uma pipa de vinho (mosto e aguardente).
Para terminar, quero destacar que não foram vãs as esperanças por mim manifestadas nesta Assembleia em 27 de Abril de 1907.
Disse então que esperava que a Grã-Bretanha viesse a reduzir os direitos aduaneiros que incidiam sobre o vinho do Porto.
Felizmente os vaticínios realizaram-se, para o que concorreu, não só o Governo e o Parlamento da nossa velha aliada, mas também o nosso Governo, que, pela sua hábil, real e inteligente política externa, tão bem tem sabido defender todos os nossos interesses. Em particular em relação à nossa velha aliada essa política foi coroada com o maior êxito quando, no ano passado, Sua Graciosa Majestade a Rainha de Inglaterra nos visitou.
O calor, a amizade, o respeito, a admiração e o entusiasmo espontâneo com que o povo da cidade do vinho do Porto recebeu na sua terra Sua Graciosa Majestade a Rainha criaram com certeza um clima que muito deveria ter contribuído para que a actual medida tomada pelo Chanceler do Tesouro fosse um facto. Esta, beneficiando o sector do vinho do Porto, beneficia também a cidade que lhe deu o nome.
Não quero deixar de me referir também com muito apreço ao muito que se deve à Port Wine Trade Association de Londres, que muitos esforços despendeu para que a baixa de direitos se transformasse numa realidade.
Sr. Presidente: termino estas breves considerações afirmando que todo o sector do vinho do Porto (pena tenho de não poder substituir estas últimas palavras por Corporação do Vinho do Porto) está altamente grato ao Sr. Presidente do Conselho, que, pela sua sábia política externa, criou o ambiente que tornou possível a referida baixa de direitos.
Esperemos que essa redução seja acompanhada de uma intensificação da propaganda, para assim podermos tirar todo o partido da medida acabada de anunciar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: lamento que, embora por breves minutos, haja de fatigar a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia com um tema já velho e tantas vezes aqui apresentado: o do porto artificial da ilha Terceira, no distrito de Angra do Heroísmo. Asseguro, porém, a V. Ex.ª que unicamente por imperativo da minha consciência, no desempenho do mandato conferido, é que - também na presente legislatura - me ocupo de semelhante problema, pois me parece valer de pouco insistir nele.
Eu não esqueço, Sr. Presidente, o sempre actual ditado «água mole em pedra dura...», mas sei e compreendo que há insistências que, de muito repetidas, se tornam afinal escusadas, ou então provocadoras de riso ou insensibilidade; e para tudo se requer medida. Sei também que nunca se deixou de falar claro nesta matéria ; contudo, sinto que não é de mais falar com a maior franqueza.
Ora, francamente, não me parece que se possa sair da alternativa a que se é conduzido. Assim, de duas uma: ou a ideia do porto .artificial da Terceira se tem como sendo apenas a fantasia de um grande sonho que tiveram, sucessivamente, gerações inteiras, ou se aceita como correspondendo a uma necessidade digna de ser considerada, mesmo sem avultadas compensações de ordem económica, mas a que, por vários motivos, se tem vontade de dar satisfação.
No primeiro caso, isto é, tratando-se de um sonho, arrumada e morta fica toda a questão logo na origem. E não valeria a pena falar mais nela ... a não ser (diria a voz magoada da história) para que a ilha Terceira de Jesus Cristo, sempre, aliás, fiel à sua vocação patriótica e desinteressada -que alguém chamou «o signo do sacrifício»-, e até ouvindo aí, em supremo esforço da mais nobre resignação, o ânimo bastante para quantas imolações o presente e o futuro da Nação lhe possam ainda exigir, exclamasse, todavia (desabafando num irreprimível brado alucinado, digno entretanto do respeito infundido pela dor), que não fora, precisamente, a sua conhecida lealdade, constância e extremada generosidade, em que de si mesma sempre se esqueceu, e tivera, contrariamente ao seu habitei, sabido a tempo impor-se com firmeza, já de há muitas dezenas de anos possuiria o sonhado porto! ...
No segundo caso, isto é, tratando-se, como na realidade se trata, de uma verdadeira necessidade, está exactamente demonstrado, larga e exaustivamente -e estas paredes deviam até sabê-lo de cor, se fossem dotadas de memória-, que esse porto é uma ingente e flagrante necessidade, inteiramente digna de ser atendida.
E tanto assim que, felizmente, depois de reiteradas - pode dizer-se seculares - instâncias, o problema acabou por ser submetido a estudo, aturado e laborioso, mas que, lamentavelmente, apesar de decorridos dez anos, não se encontra em termos de poder ser dado por concluído.
Urge, pois, terminar tal estudo, para que possa assentar-se, quanto antes, na orientação a seguir, visto que, entrementes, o tempo vai passando, a necessidade permanece e cada vez se torna mais imperioso e inadiável satisfazê-la.
Ninguém duvida, aliás, da compreensão e das possibilidades do Governo para o conseguir. E é mesmo por isso que, parecendo escusado insistir, ansiosamente se espera a todo o momento uma decisão.
Reflectindo este sentimento de esperança, duramente experimentado, ao comentar o discurso que sobre esta questão aqui pronunciou em Fevereiro último o meu ilustre colega Dr. Ramiro Valadão, publicou um jornal de Angra do Heroísmo os seguintes períodos, expressivamente reveladores de um estado de espírito colectivo:
... O apelo do orador envolve uma aspiração que não data de hoje nem de ontem. Existe desde 1660, exposta em linhas formais a el-rei, a 30 de Abril daquele ano, pelo capitão Francisco de Orneias, alegando o grande número de embarcações que ancoravam na pequenina Angra desabrigada.
E desde então tem sido uma expectativa, um desejo veemente do nosso povo, uma necessidade que se alicerçou, que vem rolando, de geração em geração, mais tempo num ambiente de descrença que de optimismo, sem nunca, até hoje, lhe haver sorrido em expressão de imediata realidade.
Outras cidades açorianas dispõem há largos anos de excelentes docas, enquanto a Terceira continua à espera. Uma vez mais volta a agitar-se a questão do porto de abrigo. De novo a reivindicação em suspenso, referendada por um decreto real e selada pelo sangue, pelo martírio, pelo sofrimento e por actos de
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heroísmo na frase do Dr. Henrique Brás ..., está sendo posta em foco e advogada.
Porque cremos e queremos, continuamos a esperar e confiar numa solução positiva, se bem que neste desejo e nesta fé, nesta esperança e confiança já se contem vários séculos.
Há, pois, que esperar, Sr. Presidente.
Por isso não terminarei sem uma palavra de optimismo, afirmando que a ilha sede do histórico distrito de Angra do Heroísmo, de tão venerandas quão relevantes tradições patrióticas, fervorosamente mantidas no presente, continua a esperar, com a maior confiança, porém atenta e alvoroçada, ia a dizer impacientemente, uma solução do seu velho problema pela forma que vier a ser julgada a mais adequada, mas que não demore: merece-o o prolongado martírio da sua esperança...
Esta esperança que, entretanto, jamais desfalecerá, pressupondo viva fé nas virtudes realizadoras do regime, não será por certo confundida. Sim! Porque, em suma, não se pode duvidar, Sr. Presidente, de que havendo, como há, boa vontade, alguma solução se há-de por fim encontrar.
Mas insistir para quê? Apenas confiar: confiar em que, seguramente, não se permitirá que fique para sempre em aberto a conclusão de processo tão antigo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Jorge: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a certos problemas da cidade de Évora, cuja solução não depende exclusivamente das autoridades locais e é aguardada com ansiedade pela sua população. Espera-se, por isso, que o Governo, em ocasião oportuna e através dos serviços competentes, auxilie a efectivação desses empreendimentos, que com inteira razão se podem considerar fundamentais.
É sobejamente conhecido o desenvolvimento que o turismo tem alcançado no Mundo, mercê do actual ritmo de vida e dos meios e possibilidades que a época presente nos proporciona. Criou-se assim um ramo de actividade que, por ser do maior interesse nacional, já aqui foi, em legislatura anterior, objecto de cuidada análise e da consequente adopção de medidas, destinadas a fomentar tão importante indústria no nosso país. Sem facciosismos, podemos afirmar que neste sector, como em tantos outros, muito se tem realizado. Estamos certos de que o Governo continuará a debruçar-se sobre o assunto e acompanhará atentamente os seus reflexos e desenvolvimentos.
É compreensível que de quanto haja ainda a fazer nem tudo se possa realizar em futuro próximo; mas devemos confiar que o mais urgente terá a devida prioridade, dentro do plano geral de aproveitamento dos recursos nacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente : ainda há pouco, nesta Casa, se voltou a agitar o problema do turismo nacional e então, pela palavra abalizada e fluente do meu ilustre colega Sr. Dr. Bartolomeu Gromicho, foi-me dado escutar as suas judiciosas considerações quanto a determinados aspectos da actividade turística no nosso país nos últimos anos. Referências feitas à cidade de Évora tiveram, como é óbvio, a particularidade de especialmente me interessarem, tanto mais que elas respeitavam à sua situação hoteleira e ao deficiente estado em que se encontram algumas vias de comunicação do distrito.
Não se esqueceu o nosso ilustre colega de apresentar curiosos elementos estatísticos e de citar parte da legislação que regula e fomenta o nosso turismo.
Abstenho-me, pois, de repetir o que tão perfeitamente foi expressado.
Sinto, porém, que essa oportuna e proficiente intervenção constitui precioso incentivo para uma acção decisiva em prol do fomento turístico, em benefício do qual pretendo também apresentar o meu modesto contributo. Muito especialmente no que se reporta à capital alentejana, esta não pode, nem deve, continuar em inferioridade de posição quanto às facilidades que ofereça ao turismo nacional e internacional, se quisermos, a par do nosso progresso hodierno, patentear aos que nos visitam uma prova evidente do nosso passado secular de povo civilizado e civilizador.
E hoje, quando já uns centos de milhares de estrangeiros nos visitam anualmente e tantos milhões devem agora no Pavilhão de Portugal em Bruxelas tomar contacto com o cartaz turístico da nossa terra, das suas riquezas e belezas naturais, não faz sentido que Évora continue a manter-se alheia a tal movimento e não possa albergar quantos a procuram, por carência de um hotel condigno.
Évora, com as suas invejáveis riquezas históricas o artísticas, tem no nosso país lugar privilegiado como centro de turismo. Ou, melhor, deveria tê-lo, se fosse suficientemente conhecido o seu património arqueológico, que, sem favor, faz dela a cidade-museu, a cidade-sacrário, onde guardamos algumas das mais preciosas jóias do património nacional.
Mas sucede que muitos outros predicados ali se aliam aos seus recursos excepcionais e à maneira afável e hospitaleira da sua gente para lhe conferir posição excepcional e de inconfundível destaque, como iman de turismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cidade genuinamente nacionalista, grandiosa pelo seu passado e pela alma do seu povo; capital majestosa pela sua tradição e pelas suas riquezas; terra de excelso relevo na história e na arte do Pais, com profundas raízes nos anais da Nação, que acompanha desde a sua aurora; esta terra está a ser progressivamente visitada por turistas nacionais e estrangeiros e não dispõe de hotel categorizado e com adequados meios para acolher quantos a procuram e ali desejariam encontrar instalações com os requisitos de conforto que a civilização moderna exige e de que outras localidades, com menores atractivos, facilmente dispõem.
Um hotel, verdadeiramente digno desse nome, é hoje necessidade imprescindível em qualquer cidade que pretende desenvolver o seu turismo e, com ele, o seu comércio, os seus recursos económicos, as suas relações com o resto do País e até com o estrangeiro.
Mas não basta um bom hotel, pois este de pouco servirá se vias de acesso à cidade não forem mantidas no estado de conservação que os actuais meios de transporte tornam indispensáveis.
Estou certo não só de que toda a população de Évora veria com o maior agrado o estreitamento da colaboração dos Poderes Públicos com a iniciativa particular para a construção de um hotel de turismo, mas ainda de que, uma vez completada a reparação de estradas, destacando, em especial, a de circunvalação - de tão indiscutível interesse turístico -, e devidamente terminadas as reparações das que dão acesso à velha urbe, o afluxo de visitantes e o movimento comercial que daí advirá, amplamente compensarão todos os sacrifícios materiais que agora forem exigidos.
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Por isso daqui me permito endereçar o meu apelo ao Sr. Secretário Nacional da Informação, inteligência aberta a todas as iniciativas que possam contribuir para tornar mais conhecido e valorizar qualquer rincão de Portugal, persuadido de que não deixará de acompanhar esta justa pretensão de muitos milhares de portugueses; por isso apelo ainda para a valiosa intervenção de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, a quem a cidade de Évora já tanto deve, para que, dentro do âmbito do sector da Administração que em boa hora lhe foi confiado, se digne facilitar e impulsionar a rápida construção de um hotel do turismo, que, pela sua grandeza e pelas suas linhas arquitectónicas, se harmonize com as características estéticas da vetusta cidade de além-Tejo, e para que também se abrevie o cumprimento das empreitadas referentes às reparações das vias de acesso e da estrada de circunvalação, esta última prosseguida em ritmo tão lento que não ultrapassa ainda uns escassos 2300 III tudo quanto se conseguiu no decurso de seis anos.
Penso que só reunindo um conjunto de tão preciosas boas vontades e coordenando os recursos de que cada uma disponha se poderá obter aquela força e aquele poder material que vencem todos os obstáculos.
Sr. Presidente: estou certo de que a justiça do meu apelo, feito em nome da cidade de Évora e para maior dignificação do País aos olhos de quantos nos visitem e serão os melhores propagandistas do acertado Governo que nos rege, há-de encontrar eco junto daqueles de quem dependem estes problemas e também dos que detêm em suas mãos o engrandecimento e prestígio da nossa terra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Dias Rosas: - Sr. Presidente: de entre os problemas ligados às condições da vida económica e social do distrito de Braga que é minha intenção tratar nesta Câmara, vou referir-me hoje a um que se reveste da maior importância para este distrito, sobretudo para as suas regiões onde está localizada a indústria têxtil algodoeira. Respeita ele aos reflexos que a reorganização desta indústria irá trazer para a valorização daquelas regiões e à necessidade de a articular com a instalação de novas indústrias.
Com efeito, as circunstâncias em que, desde há anos, a indústria algodoeira se tem desenvolvido nalguns aspectos e mantido noutros criou desequilíbrios na economia deste sector, que têm estado a atingir gravemente a organização de certos tipos de unidades fabris ou de determinadas formas de exploração empresarial.
Esta situação toma particular acuidade nos concelhos de Braga, Guimarães, Fumalicão e Santo Tirso, onde se encontra predominantemente localizado o ramo desta indústria que, pelas suas características, tem estado a encontrar maiores dificuldades. E por isso este problema tem sido vivido com particular intensidade nesta região, ao ponto de se chegar a dar-lhe uma generalização que, felizmente, não se verifica. Mas também isto mesmo obriga a olhar com especial cuidado a situação da indústria desta região, que, para além do mais, tem sido, até agora, a fonte dominante da ocupação da mão-de-obra que nela se oferece - mais de metade do total da que se ocupa nas indústrias extractivas e transformadoras.
Com vista ao estudo destes problemas que têm vindo a pôr-se à economia deste sector têxtil e à definição das bases da reorganização desta indústria foi nomeada uma comissão no princípio de 1906. Conquanto os trabalhos desta comissão ainda não estejam findos, foi já possível ao Governo incluir no projecto do novo Plano de Fomento a reorganização desta industria, numa 1.ª fase, que assim encontra expressa admissão na sua política de fomento.
Este facto, com que me congratulo e que não pode deixar de trazer satisfação ao sector algodoeiro pela expectativa que lhe abre, impõe desde já uma palavra a assinalar a sua importância, que pode ser medida pelo valor dos investimentos a fazer quando se pense que, só na reorganização da fiação e da tecelagem -sem considerar, por consequência, as modalidades de tinturaria, estamparia e acabamentos, que envolvem também investimentos vultosos-, se calcula, ainda que com grandes reservas e com sujeição a correcções resultantes do próprio critério que se adoptar para a sua realização, em cerca de 1 milhão de contos.
Certamente que, ao ser considerada uma 1.ª fase desta reorganização, se tem em vista resolver os problemas mais instantes e que estão a criar mais graves dificuldades económicas e sociais. Sendo assim, creio não errar se, a esta luz, defender que essa 1.ª fase deve encarar a situação daquele tipo de unidades que se localiza fundamentalmente nos concelhos que apontei. Com efeito, a sua estrutura, a sua dimensão e as condições da sua técnica indicam-nas como as mais carecidas de atenção, por representarem o sector para onde pende a maior desvantagem no desequilíbrio que se verifica nesta indústria.
Por outro lado, estas unidades localizam-se numa região onde não há praticamente outras indústrias capazes de absorver grandes volumes de mão-de-obra, visto o desenvolvimento industrial se ter feito praticamente dentro deste ramo têxtil. Esta circunstância vem tornar mais premente a necessidade de atender à situação desta parte da indústria, que abrange uma população operária de muitos milhares de mulheres e de homens - mais de 24 000 nas modalidades de fiação e tecelagem só naqueles concelhos do distrito de Braga, a que acrescem 9700 do concelho de Santo Tirso -, assim limitados a uma oferta rígida de trabalho e intimamente ligados às condições de exploração daquelas unidades.
Ora, é justamente aqui que se insere, Sr. Presidente, um ponto que reputo essencial neste problema da reorganização da indústria têxtil algodoeira. É que uma das determinantes desta reorganização, ao lado de outros aspectos relacionados com a reforma de equipamentos, com a revisão da estrutura e dimensão das unidades, com o exame das condições da sua exploração técnica e da sua administração, é precisamente a enorme densidade da mão-de-obra empregada nesta indústria entre nós - uma das mais elevadas do Mundo.
Um dos objectivos será, portanto, melhorar as técnicas de produção e a organização do trabalho, do que resultará a redução daqueles níveis para posições mais próximas das dos restantes países que têm procurado olhar atentamente estes problemas e com os quais temos de nos bater nos mercados internacionais, para onde, ainda no ano findo, as exportações portuguesas de artigos de algodão ultrapassaram os 360 000 contos.
E se noutras zonas de maior desenvolvimento e mais complexa estrutura industrial, em que também se localiza a indústria têxtil entre nós, pode contar-se, mesmo nas condições actuais, com certa flexibilidade dos movimentos de emprego que torne normal a reabsorção da mão-de-obra que ficar disponível, sem graves abalos sociais, já o mesmo não acontece naquelas regiões, nomeadamente nas situadas no distrito de Braga, em que, como disse, o desenvolvimento industrial tem sido feito, em grande parte, na base da indústria têxtil.
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Na realidade, à, parte algumas unidades de outros poucos ramos industriais em situação estacionária ou, até, depressiva de emprego, como a cutelaria e os curtumes, que ocupam 1700 empregados e operários, ou com limitadas possibilidades de criação de novas ocupações, como essencialmente acontece com a metalurgia, a relojoaria, o fabrico de pneus ou a saboaria e perfumaria, onde, se não erro, apenas sobressai uma unidade de cada ramo e que empregam um total que anda por cerca de 1500 empregados e operários, não se encontram outras actividades económicas - e parece-me desnecessário excluir expressamente a actividade agrícola- que, de momento, amenizem a rigidez deste condicionalismo. Deste modo, qualquer perturbação nos níveis de emprego da indústria têxtil desta região reflecte-se irremediavelmente, nas condições actuais, na estabilidade económica e social dos seus agregados.
Este quadro parece assim evidenciar, por um lado, a necessidade de iniciar a 1.º fase da reorganização da indústria têxtil algodoeira pela consideração dos problemas que afectam aquele tipo de unidades, na maior parte tecelagens, que predominantemente se localiza em áreas do distrito de Braga e ao longo das margens do Ave; por outro, a indispensabilidade de encarar, simultaneamente com esta reorganização e para a tornar realizável a curto prazo, o estudo de novas indústrias que tenham viabilidade nestas regiões e o fomento da respectiva instalação, de forma a assegurarem-se novos empregos que absorvam, não só os acréscimos normais da população activa, mas ainda os excedentes que dela irão resultar - para não falar já dos excedentes agrícolas, que nesta região tom derivado, não apenas de uma redução da população activa na agricultura em termos de relação com outras ocupações, mas mesmo em termos absolutos.
Uma das orientações que este estudo poderá seguir, por exemplo, é a de procurar averiguar as possibilidades que esta região oferece à industrialização de produtos agrícolas, quando possa ser apoiada num adequado ordenamento cultural, nomeadamente pelo fomento da fruticultura, que, segundo pareceres de técnicos, ai encontra boas condições para se desenvolver. E penso que não deve estar fora desse trabalho encarar-se o ensaio directo através de uma instalação-piloto, que teria, ao lado da vantagem de esclarecer problemas que só por esta via podem ser estudados, o mérito de ensinar e de abrir caminho a iniciativas numa região de onde estas actividades industriais ligadas às condições das explorações agrícolas têm estado bastante arredadas.
Sr. Presidente: procurei trazer aqui estes problemas pela importância que a sua solução me parece ter para que se assegure um equilibrado desenvolvimento económico de toda esta densamente povoada região, o porque, vendo-se o interesse que ao projecto do novo Plano de Fomento merece o fomento de novas indústrias, nomeadamente as que pela sua localização tenham importância capital para o desenvolvimento económico de uma região, especialmente quando considerado no quadro do planeamento regional», julgo que o que acabo de dizer se situa nesta mesma linha de orientação.
Isto leva-me a pedir a atenção do Sr. Ministro da Economia para a conveniência de se determinar desde já aquele estudo sobre as novas indústrias que terão viabilidade nestas regiões, que abrangem uma parte importante do distrito de Braga, onde vão equacionar-se os problemas da reorganização da indústria algodoeira. Ele será, sem dúvida, um meio rápido e eficaz de orientar as iniciativas e contribuirá, assim, para fomentar as instalações fabris que forem aconselháveis, podendo facilitar desse modo o tratamento conjunto de todo este problema e evitar retardamentos, permitindo imprimir à sua solução o ritmo que é necessário à nossa expansão económica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: -Sr. Presidente: há dias, nesta Câmara, o Deputado Sr. Dr. Bartolomeu Gromicho, em apelo dirigido ao Governo, defendeu, aliás com grande elegância e objectividade e com razões que merecem ser ponderadas, a restauração da velha Universidade de Évora, nos moldes de Universidade Católica.
Foi assim posta, mais uma vez, à consideração da Câmara e do País uma questão que, vista das grandes altitudes, para bem se situar e lhe abranger o alcance, se destaca, com a maior relevância, entre os grandes problemas nacionais a que é necessário e inadiável dar solução.
Apoiados.
Solução ampla, concebida e realizada desassombradamente, com a alma e as mãos abertas, certo de que as grandes sementeiras do Espírito revertem generosamente em seara de frutos magníficos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Questão de tal magnitude deverá ter o nosso melhor acolhimento e aqui ser objecto de grave meditação.
Proponho-me hoje dizer sobre ela algumas palavras. Algumas palavras, por agora, porque mais não consente o escasso tempo de que dispomos, na hora do encerramento dos trabalhos parlamentares. Mas com o desígnio de voltar ao assunto, com mais detença, logo que reabra a actividade da Câmara, e, possivelmente, em aviso prévio, com vista à generalização de tão fecundo debate.
Há nesta questão dois problemas distintos: o problema, o magno problema, da criação da Universidade Católica Portuguesa e o problema da sua localização geográfica.
 importância, a necessidade e a urgência da Universidade Católica impõem-se com tanta evidencia que quase me dispensaria de dar razões.
Quando verdadeiramente à altura da sua grande missão - que é, ao mesmo tempo, criar, zelar e comunicar os nobres bens do Espirito -, a Universidade é força irradiante que alastra pelo Mundo, se impõe à vida e se projecta amplamente e, tantas vezes, decisivamente na formação do homem, nos destinos dos povos e na linha o ritmo da história.
À Universidade Católica incumbe, estremadamente, o desígnio de promover a alta cultura católica, de salvaguardar e propagar os eminentes valores do património cristão, as superiores verdades de que a Igreja é depositária fiel e mestra suprema e infalível.
É dever e dever irrecusável de todos os homens e de todos os tempos procurar diligentemente a Verdade, para a conhecer, para a servir, para conciliar a vida com os seus ditames, para a proclamar e a ensinar aos outros homens; mormente quando se trata da suprema Verdade - a Verdade que revela ao homem a noção da sua natureza e do seu destino e, portanto, há-de ser a razão informadora da sua existência terrena. Mas também é seguro que há homens e há povos que, por imposição de certas realidades humanas ou desígnio providencial, parecem mais abertos ou mais afeiçoados ou mais conformes com a Verdade e, por vocação, especialmente destinados à missão de a propagar. E nesta posição está, irrecusavelmente, o povo português.
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Povo cristianíssimo. Povo fidelíssimo. Povo apostólico e missionário.
Povo cristianíssimo. Nenhum outro, a não ser o povo irmão, da Península - irmão gémeo e destino paralelo -, nenhum outro povo nasceu e viveu tão identificado com o Cristianismo, com o seu espirito, a sua essência, as suas realizações temporais, as vicissitudes da sua caminhada histórica. Nenhum lhe deve mais. Mas nenhum, também, seguramente, lhe deu mais que nós lhe demos.
Portugal nasceu no regaço da Igreja. Despontou para o sol da história no afã de uma cruzada de fé, onde não se pode separar o que é de Deus e o que é de César. Cresceu e medrou na luta com o infiel e com os limites das suas conquistas ao agareno se ampliavam os limites da Cristandade. Expandiu-se pelo Mundo, dilatando ao mesmo tempo o Império e a Fé.
O Catolicismo fecundou a nossa alma, impregnou a nossa vida, a nossa história, tão profundamente, que bem se pode dizer que é católica a essência espiritual da Nação. Penetrou os nossos costumes; modelou as nossas instituições; afeiçoou as almas; espalhou a instrução inspirou as artes plásticas; animou a poesia e as letras e vincou fundamente as suas dedadas na definição do nosso génio inconfundível, projectando-se luminosamente no que há de mais alto e de mais criador na nossa faina histórica - os descobrimentos, a colonização, a evangelização, o abraço geográfico e místico de 'todas as terras, o amor fraterno e cristão de todas as raças e o convívio pacífico e fecundo de todas as línguas e todas as culturas.
Povo fidelíssimo. Fidelíssimo na obediência, pela nossa indefectível submissão ao Pontificado Romano. Fidelíssimo na pureza da doutrina, aqui sempre professada e proclamada sem mácula de heterodoxia; por nós sempre defendida, com fervor, como na hora atribulada de Trento, onde a voz dos nossos teólogos e dos nossos doutores sobressaiu, destacadamente, na definição das mais altas verdades.
De tantas indisciplinas e tantos cismas; de tantos erros e tantas heresias; de tantas apostas as e tantas negações que agitaram, pelos séculos fora, a Cristandade e o Ocidente, nenhum pode afectar gravemente a fidelidade católica da alma portuguesa.
Povo apostólico e missionário. Apostólico e missionário por vocação da sua alma aberta e comunicativa, a sua grande e viva simpatia humana. Apostólico e missionário por sugestão do seu Cristianismo militante, que ensina a amar o próximo e manda à conquista das almas. Apostólico e missionário, ainda, e, decerto mais que tudo, por alto desígnio da Providência.
Seguros de que conhecíamos e praticávamos a Verdade, andámos pelo Mundo no afã generoso de a pregar, de a ensinar e comunicar aos outros homens, de apontar às almas os caminhos da salvação e da vida eterna.
Por mais que se obstine certa visão materialista da história, na pretensão de reduzir o homem e a vida - tão complexos e ricos de substância à estreiteza das dimensões económicas, não é possível apagar, na gesta das nossas andanças pelas terras e pelos mares, o ideal dominante e supremo do serviço de Deus.
E é esse ideal que dá grandeza à nossa história, enobrecendo-a por um alto sopro de espiritualidade.
E é ele, ainda, que dá consistência à obra que edificámos. Enquanto ruem fragorosamente os impérios dos mais fortes a grande comunidade portuguesa mantém-se, integra, coesa e irmanada, como por milagre, no meio do tumulto que vai pelo Mundo, apesar das ambições e das ameaças que se agitam à sua volta, apesar da confusão, do desalinho e do atropelo de direitos em que se debatem as relações internacionais. Mantém-se pelo alto sentido da nossa expansão pelo Mundo, que foi, acima de tudo, a dilatação da Cristandade. E a dilatação da Cristandade, como escreveu luminosamente o cardeal Cerejeira, a significa a comunicação da revelação cristã, a comparticipação dos tesouros da Graça de Cristo por maior número de homens, e de povos, e de nações; significa a transformação interior da humanidade, a sua purificação e elevação moral, o alargamento da consciência da dignidade humana, a iluminação do espirito pela luz das divinas verdades do Evangelho, a vocação a um ideal superior de vida».
Mantém-se pelo espírito cristão da nossa convivência com os povos mais diversos, olhando todos os homens na nossa irmandade perante Deus, identificando-os no mesmo destino terrestre pela fé no mesmo destino transcendente.
Povo cristianíssimo, povo fidelíssimo, povo apostólico e missionário, para nós, restaurar os valores cristãos é restaurar as feições inconfundíveis da nossa personalidade nacional, salvaguardar a nossa autenticidade histórica, reintegrar a Pátria na linha da sua tradição secular. Povo cristianíssimo, povo fidelíssimo, povo apostólico e missionário, a ninguém interessa mais, a ninguém, sobretudo, mais incumbe a defesa e a cultura dos valores cristãos.
Por isso se impõe a criação da nossa Universidade Católica. E muito mal parece que nesta hora alta de resgate e de restauração nacional ela não seja já uma realidade ao serviço da Pátria e de Deus.
E passarei agora a algumas breves considerações sobre o aspecto desta questão da Universidade Católica o da sua localização.
São várias as terras portuguesas que têm vindo reivindicar preferência, apoiadas em razões umas de ordem histórica outras que são ou pretendem ser realidades vivas, a contar no presente e a projectar-se no futuro. Destacam-se, nomeadamente, Braga, Lisboa, Évora e Coimbra.
Não é pretensão minha apreciar o valor e o alcance dos títulos invocados por cada uma. Vou simplesmente apresentar e comentar eu breves palavras as razoe de Braga, oferecendo-as à ponderação desta Camará do País e, acima de tudo, daqueles a quem interesse incumbe superiormente a decisão deste problema.
Não vejo, no entanto, nem trago aqui o assunto, com as cores de uma reivindicação bairrista, inspirada pó meras razões de interesse ou sentimento. A localização da Universidade Católica terá de resolver-se simples mente por considerações alientes ao interesse destituição. Há que apurar apenas o meio que oferece mais claras vantagens e melhores condições para a sua criação para o seu bom funcionamento e para o seu maior rendimento e projecção. E é neste plano, dentro da maio objectividade, que eu pretendo ver apreciadas e criticadas as minhas razões.
A primeira razão é constituir a Arquidiocese de Braga uma importante área populacional, contendo nos seu limites sensivelmente mais da décima parte dos habitantes metropolitanos (883 646 para o total de 7 856 913 Com os distritos limítrofe» ou próximos e a que esta ligada por fáceis meios de comunicação forma uma mar chá territorial de alta densidade demográfica, onde e terceira cerca de metade da gente portuguesa.
Outra razão é o vivo portuguessímo e o grande ferve religioso daquela gente de Entre Douro e Minho.
Desde os tempos recuados da dominação romana desde o apostolado do grande S. Martinho, Braga sempre terra de intensa fé cristã. Ali se constituiu primeiro reino católico da Europa, ao tempo de Requerimento. E, pelos séculos fora, nunca a sua fidelidade religiosa se desmentiu, nunca esmoreceu o ardor da ar crença, viva e palpitante nas almas e nos costumes, o folclore e na toponímia, no formigueiro das igrejas
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das ermidas, no rosário das alminhas, dos nichos e dos cruzeiros, que ladeiam e espiritualizam, a cada passo, as estradas e os caminhos do velho solar da grei.
Por isso o Alinho é farto viveiro de vocações sacerdotais e, normalmente, andam à roda de 800 os rapazes que cursam os seminários, para só contar os seminários diocesanos. E assim Braga, em número de seminaristas, figura também, destacadamente, entre as primeiras dioceses do Mundo.
Tem grandes tradições eclesiásticas a velha arquidiocese bracarense. No tempo da dominação romana, ainda Toledo não existia como metrópole religiosa e já Braga era primaz da Galécia, do Cantábrico ao Douro. Em Braga se formou a primeira primazia supermetropolitana da Península, com jurisdição sobre dois sínodos (o bracarense e o lucense), tendo cada um uma série de mitras sufragâneas.
Sabe-se a participação relevante que os arcebispos bracarenses tiveram na fundação do Estado português. E como o primado e a autonomia daquela vasta circunscrição eclesiástica ajudou e reforçou o movimento de emancipação política da terra portucalense.
Da sua antiga grandeza a Arquidiocese conserva ainda, a muitos respeitos, a mais alta proeminência na vida eclesiástica de Portugal. Uma das maiores da Europa: abrange 833 freguesias (quase um terço das paróquias portuguesas), agrupadas em 24 arciprestados, onde curam das almas mais de 800 sacerdotes, só do clero secular.
As ordens e institutos religiosos também ali encontram ambiente propicio. Quase todos, e tanto os masculinos como os femininos, estão representados na Arquidiocese por uma ou várias casas, com as mais diversas actividades religiosas e sociais. São quase sem conto os noviciados, as comunidades votadas à vida contemplativa, à assistência, à caridade, às iniciativas sociais, ao estado e formação missionária.
Braga é também, por outro lado, um foco de intensa actividade cultural, de que são manifestações palpáveis uma copiosa imprensa periódica, as suas revistas, conferências, congressos, centenários, colóquios, editoriais, exposições, associações culturais.
Levar-nos-ia longe apreciar, em pormenor, estes diversos aspectos da vida da Arquidiocese. E apenas darei sobre o assunto algumas rápidas notas, que ficarão longe de permitir abranger o amor e a amplitude com que ali se cuida das actividades do espirito.
A imprensa periódica compreende dois diários, um bissemanário e algumas dezenas de semanários, alguns bem elaborados e muitos com vários anos de existência.
As revistas que ali se publicam representam um dos aspectos mais destacados da sua vida cultural. São em número relativamente avultado, muitas em publicação há vários anos, muitas com vida folgada e larga audiência, a maior parte de alto nível cultural, a par das melhores no seu género e algumas até a sobressaírem com destacada primazia. Citarei: Alma, revista de espiritualidade franciscana; Brocara Augusta, revista de história e regionalismo; Itinerarium, revista de cultura; Quatro Ventos, revista lusíada de arte e de literatura, onde principalmente colaboram novos escritores e poetas portugueses, brasileiros e galegos; Revista Portuguesa de Filosofa, revista da Faculdade Pontifícia de Filosofia de Braga, com o seu suplemento bibliográfico e já mais de cinquenta números publicados, que é, notoriamente, a melhor revista portuguesa da especialidade; Scientia Jvridiea, revista portuguesa e brasileira de cultura jurídica, órgão da Associação Jurídica de Braga; Theologica, revista de estudos eclesiásticos. Isto para só falar das que vêm à luz na cidade de Braga, porque já ali, a dois passos, na cidade de Guimarães, se publicam mais duas: CHI Vicente, revista de portugalidade, e Revista de Guimarães, revista de história e de arqueologia, e ainda o Boletim do Arquivo Municipal Dr. Alfredo Pimenta.
Outra nota interessante é a dos congressos e altas reuniões culturais ali promovidos ou patrocinados com grande brilho e a melhor colaboração do ambiente local. Em matéria religiosa, além dos numerosos congressos diocesanos, celebrados nas principais terras da Arquidiocese, realizaram-se com grande esplendor e concorrência, nos últimos anos, dois congressos eucarísticos, dois marianos, dois do apostolado da oração, um litúrgico e um catequístico. Noutros planos de cultura efectuaram-se, só nos últimos oito anos: o Congresso Internacional de Estudos Martinianos (1950); Congresso de Francisco Sanches (1951); Extensão Bracarense do III Congresso Nacional Espanhol de Arqueologia (1953); Assembleia Plenária da Real Academia Galega (1903); I Congresso Nacional de Filosofia (1950); Congresso Nacional de Etnografia e Folclore (195G); Colóquio de Estados Suévico-Bizantinos (1957). E estão já anunciados mais três: para este ano (Julho) o Colóquio de Direito Corporativo e do Trabalho, promovido pela Associação Jurídica de Braga; para 1959 o Congresso Internacional de História do Portugal Medieval e o Congresso de Oftalmologia.
Das associações culturais avultam, pela sua actividade, a Associação Jurídica de Braga, de que fazem parte muitos juristas portugueses e brasileiros e que, além da sua primorosa revista, tem editado algumas obras da especialidade ou de índole histórica e promovido conferências e debates; o Convir num (estúdio de intelectuais e artistas), de que é órgão a já citada revista Quatro Ventos, e com as suas secções de literatura, teatro, música e academia de pintura; o Instituto Minhoto de Estudos Regionais, que tem dado de preferência o seu cuidado à cultura musical e coreográfica. Em Guimarães sobressai com grande relevo a acção cultural da Sociedade Martins Sarmento, com a sua valiosa revista, o seu importante museu e biblioteca, publicações várias e conferências.
Numerosas são também as conferências culturais que se realizam na cidade de Braga. Salientam-se, em primeiro lugar, as que têm sido promovidas pela Faculdade Pontifícia de Filosofia e efectuadas na sua sede. Por ali têm passado alguns dos maiores valores do mundo do pensamento e da erudição. Citarei, entre outros, os franceses Prof. Ricard (da Sorbona), Gabriel Mareei e Gustave Thibon, os professores universitários alemães Hans Peters e À. Dempf, os espanhóis Elias Tejatla a MuBoz-Afonso, o italiano Prof. Sciacca (de Génova), os dois reitores da Universidade Gregoriana Paulo Dezza e Pedro Abellán e o professor brasileiro G ai vã o de Sousa.
Têm também alto nível os ciclos de conferencias que, já tradicionalmente, a Câmara Municipal de Braga celebra nos seus salões todos os anos, desde 1950, e onde se têm feito ouvir muitas figuras eminentes da cultura nacional.
Tem tomado grande incremento, nos últimos anos, a actividade editorial no âmbito da Diocese. Para só falar de Braga, merecem ser citadas as colecções Filosofa, que já conta treze volumes publicados, e a colecção critério, com mais de trinta volumes (alguns com reedições), ambas dirigidas pelos padres da Companhia de Jesus.
É ainda a diocese bracarense centro de extensa actividade escolar, na continuidade também de uma velha tradição, que vem dos primeiros séculos cristãos, pois foi em Braga que existiu a mais antiga escola de Portugal, anterior mesmo à escola catedralícia de Coimbra, que até à pouco figurava com aquela primazia.
A partir do século XVI alteia-se com brilho o famoso Colégio de S. Paulo, criado pelo arcebispo D. Diogo de
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Sousa, beneficiado pelo infante D. Henrique, quando arcebispo de Braga, e entregue por D. Frei Bartolomeu dos Mártires ao zelo pedagógico da Companhia de Jesus. Ali ensinaram o humanista flamengo Nicolau Clenardo e depois o sen patrício Vaseu. Este Colégio foi extraordinariamente frequentado, tendo chegado a 3000 o número dos seus escolares. Esta grande afluência de estudantes, o uso de traje académico costumado nas Universidades e a instituição duma espécie de foro académico chegou a dar à cidade verdadeira feição universitária. «Até à supressão da Companhia de Jesus, o Colégio de 8. Paulo manteve o terceiro lugar em importância no ensino de Filosofia, depois de Coimbra e Évora. O interesse despertado na cidade dos primazes aparece já em 1564 num pedido assinado pelos principais cidadãos de Braga para que o Colégio pudesse conferir graus académicos em Artes, pedido que não foi deferido por oposição da Universidade de Coimbra».
Também na história da vida escolar da cidade dos arcebispos se distinguiu, com algum relevo, a actividade do Colégio Fópulo, dos eremitas calçados de Santo Agostinho, e a dos padres congregados do Oratório.
Presentemente contam-se na área da Diocese quatro liceus - e a grande afluência de alunas impus já a criação de mais um: o liceu feminino, há dias oficialmente anunciado -, seis escolas técnicas, uma escola do magistério primário e numerosos colégios.
Destacadamente, avulta a Faculdade Pontifícia de Filosofia, a cargo da benemérita Companhia de Jesus, alto centro de ensino e investigação filosófica.
O número e a categoria dos seus mestres; a sua organização modelar; a sua valiosa biblioteca, que já conta cerca de 00 000 volumes e é, na especialidade, a maior do País; a sua excelente revista e suplemento bibliográfico, onde se debatem, com grande proficiência, os mais graves e os mais instantes problemas filosóficos; as obras editadas pelos seus mestres ou sob o sen patrocínio; as conferências eruditas que tem promovido na sua sede; a iniciativa e organização do I Congresso Nacional de Filosofia e os trabalhos com que o prestigiaram; os contactos e o intercâmbio com os grandes centros do pensamento mundial; os cursos e conferências que vem realizando fora da Faculdade, como os que mantém no Centro de Estudos Humanísticos do Porto, dão bem a medida do seu nível, das suas possibilidades, do seu intenso labor e da ampla projecção da sua actividade cultural.
A juntar a tudo isto tem ainda Braga uma magnífica biblioteca pública e o arquivo distrital que lhe está anexo.
A riqueza da biblioteca bracarense vem em grande parte de ali terem afluído os recheios das valiosíssimas livrarias dos conventos e mosteiros após a supressão das ordens religiosas. Manuel G. da Costa, que estudou conscienciosamente os seus códices de filosofia, desde os meados do século XVI em diante, escreve:
Relativamente ao número absoluto de manuscritos, dentro do período de que nos ocupamos, a biblioteca de Braga é uma das mais ricas do País em volumes escolares de filosofia.
O arquivo é ainda mais precioso em materiais para a investigação e para a cultura. Compreende os famosos cartórios bracarenses: Cartório do Cabido, o mais notável de todos os cartórios eclesiásticos nacionais em valor histórico, diplomático e paleográfico, com valiosos cartulários, como o célebre Líber Fidei (900 diplomas, verdadeiros monumentos diplomáticos, de que ainda não há edição global); Cartório da Sé, com 300 livros de registo, desde o século XV, e 33 caixas de diplomas dos séculos XV e XVI; Cartório da Mitra, com alguns milhares de documentos, formando a «colecção cronológica» (mais de 200 pergaminhos, 182 dos séculos x a XIII e 1 do século IX, o mais antigo existente em Portugal), o Bullarium, cartas, devassas e processos, etc.
Pode seguramente dizer-se que está ali, em importância pelo menos, o terceiro repositório bibliográfico do País, logo a seguir ao do Tombo e talvez ao de Coimbra.
Considere-se, finalmente, o seu ambiente tranquilo e pacato, os costumes morigerados e simples, tudo propicio à meditação, ao estudo, às actividades do espirito, à vida interior, sem as solicitações e os extravios dispersivos, sem as desnorteantes e perigosas tentações dos grandes centros buliçosos e inquietos.
Em suma: altas tradições culturais, religiosas e eclesiásticas, que valem por se: - em ainda vivas e vivedouras; cabeça de uma província da forte densidade demográfica e no âmbito da confinada zona territorial onde se concentra metade da população portuguesa: terra de sadio portuguesismo, de vivo sentimento religioso e fé militante; foco de intensa actividade escolar: centro cultural, que se revela em múltiplos aspectos; Arquidiocese das maiores da Europa, com grande proeminência de vida eclesiástica; sede de um:, preciosa biblioteca pública e valiosíssimo arquivo; assunto duma Faculdade de Filosofia, alto centro de especulação e ensino, com ampla irradiação espiritual; burgo de vida tranquila e de costumes morigerados - tais são, resumidamente, as razões, as fortes e múltiplas razões de Braga.
Ninguém negará que são grandes e ponderosas realidades. Realidades, devo ainda salientar, que, na maioria, não representam dádivas gratuitas nem são concessões ou graças do Poder, mas iniciativas que emergem espontaneamente do seu seio ou de instituições que ali vivem, porque ali encontram ambiente propício e conveniente enquadramento.
Assim, a Universidade Católica não será em Braga planta de estufa artificialmente implantada e artificialmente mantida, mas roble forte, bem enraizado em terra acolhedora e farta.
Certamente que outras terras poderão também, com verdade, alegar algum ou alguns dos títulos que venho de apresentar. Mas Braga ostenta-os a todos ao mesmo .tempo e a todos destacadamente, numa confluência de razões que a inculcam, com superioridade de vantagens e primazia de direitos, para vir a ser a sede da Universidade Católica portuguesa.
A preferência de Braga representa-se, assim - repiso e insisto -, não como pretensão bairrista, mas antes imposta pelas realidades que apontei, sem as sobrevalorizar, objectivamente e mesmo timidamente, para não alongar a exposição até ao enfado dos quo me quiseram ouvir.
E a comprová-lo estão ai os depoimentos de estranhos à terra, onde se não verá a deformação do interesse ou do sentimento. Citarei apenas Fernando de Aguiar, que ao longo do sen trabalho consagrado expressamente ao problema da Universidade Católica insiste repetidamente na superioridade de condições da Roma portuguesa para ali estabelecer a sua fundação. E grande professor brasileiro Galvão de Sousa, catedrático da Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo, depois de ter visitado a Faculdade de Filosofia de Braga, escreve, no prefácio do mesmo livro: «Se Coimbra evoca as glórias do passado, Braga desperta ar mais alvissareiras esperanças para o futuro». E, em modos que constituem antes decidida afirmação, pergunta: «Não estará ali a célula mater da Universidade Católica de Portugal?».
Quando proclamo a primazia de Braga não pretende que ali seja instalada integralmente a Universidade Católica portuguesa. Será solução a ponderar - e até
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porventura, melhor - distribuir por duas ou mais terras as Faculdades que a hão-de constituir. Não será, provavelmente, fácil reunir em lugar único todos os valores necessários à sua formarão. E o fraccionamento daria ensejo a aproveitar recursos múltiplos e, possivelmente, certas preferencias do ambiente.
No fim de tudo, resta-me dizer que solucionar este problema sem contar com Braga para assento, ao menos parcial, da Universidade Católica em Portugal é, manifestamente, voltar as costas às realidades mais patentes. Sobretudo, nunca o poderia compreender que não fosse aproveitada a sua Faculdade de Filosofia, que é uma grande e imponente realidade e representa uma afirmação do alto nível mental e cultural, da consumada eficiência pedagógica e da grande capacidade realizadora da Companhia de Jesus. Bastará oficializá-la e abrir-lhe as portas a clérigos e leigos, já que, até agora, quase só tem funcionado para a formação dos membros da comunidade.
Para mais e tem isto singular importância -, ainda que aberta ao estudo e à critica de todas as ideias e de todas as correntes, o ensino que ali se ministra e a investigação e labor filosófico que ali se desenvolve orienta-se, sadiamente, na linha tradicional do pensamento português - a fecunda corrente aristotélico-tomista, que, aliás, cada vez se vai mais impondo, como o único rumo capaz de salvar a inteligência do impasse, feito de conclusão e de impotência, em que veio a desfechar, de fracasso em fracasso, a grande aventura da filosofia moderna.
Sr. Presidente: para terminar, dirijo daqui apelo veemente e sentido ao Governo e aos altos poderes da Igreja para que a Universidade Católica Portuguesa venha a ser, sem demora, uma forte realidade na vida nacional.
Exige-o, imperativamente, ao mesmo tempo o bem da cultura, o interesse da Nação e causa da Igreja- que é a causa de Deus.
Exige-o, aflitivamente, esta hora atribulada da história, que, se é hora de ruínas e de sombrias inquietações, também é de promessas e de esperança. E poderá ser até madrugada magnifica de um mundo melhor, se os homens de boa vontade, amorosamente votados ao apostolado das verdades eternas, lhe souberem incutir uma alma cristã.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: pedi a palavra pura ocupar a atenção da Câmara apenas durante alguns minutos, pois entendi dever referir-me à conferência da imprensa a que assisti no principio da tarde de hoje, realizada pelo Sr. Ministro da Economia, acerca de importantes problemas que interessam ao Pais e tanto preocupam a Nação.
O Sr. Ministro da Economia assinalou a sua opinião acerca dó importante problema do abastecimento de leite à cidade de Lisboa, e creio que da solução deste problema, particularmente importante, não apenas por razoes de ordem económica, mas ainda pela importância que reveste para compensar as deficiências das dietas alimentares, muitas vezes acentuadas por vários Deputados nesta Câmara, hão-de resultar vantagens apreciáveis para a população da capital do País.
Assinalou ainda o Sr. Ministro da Economia os problemas da batata e do vinho, e disse da opinião do Governo acerca dessas maiorias, considerando os instantes esforços que se tom realizado para que os pequenos e médios produtores tenham o seu lugar ao sol, problemas que têm sido aqui assinalados em diversas circunstancias e com evidentes razões.
Mas o que eu pretendo especialmente fazer é louvar e agradecer ao Governo, através do Sr. Ministro da Economia, o facto de ter assinalado a criarão para breve do supercarburante, pois parece efectivamente que a existência dessa gasolina ao nível da que existe nos outros países da Europa é fundamental para o desenvolvimento do turismo em Portugal.
Não apenas porque os turistas que até nós vim estão habituados a um carburante desse tipo, mas ainda, e sobretudo, porque uma parte enorme do aumento do preço que se verificará em relação a esse supercarburante - pois manter-se-á o preço em relação à gasolina normal destinar-se-á ao Fundo de Turismo Nacional.
Os Srs. Deputados Bartolomeu Gromicho e Jerónimo Henriques Jorge, este ainda há poucos momentos, assinalaram e salientaram a necessidade absoluta da construção de um hotel na cidade de Évora. Estaremos inteiramente de acordo sobre essa matéria, e não apenas em Évora, pois é necessário criar uma série de unidades hoteleiras através do País. Estou seguro de que a criação deste supercarburante vai tornar possível a realização dessa rede hoteleira através do Pais, o que me parece fundamental para o equilíbrio da nossa balança de pagamentos, acerca da qual, aliás, o Sr. Ministro da Economia foi francamente optimista, baseando-se nos últimos dados estatísticos conhecidos.
Tenho a impressão de que, em relação ao estabelecimento dessa rede hoteleira, como em relação ao desenvolvimento de muitos e variados aspectos do turismo nacional, há muito a esperar da criação desse supercarburante. Por isso endereço ao Sr. Ministro da Economia os meus melhores agradecimentos.
Saúdo também o secretário nacional da Informação, cujo triunfo não é apenas uma esperança, mas uma certeza que alegremente saudamos e jubilosamente reconhecemos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alfredo dos Santos Júnior: - Sr. Presidente: uma das classes à qual compete na vida social missão de mais transcendente e delicada responsabilidade é, sem dúvida, a dos professores de ensino primário. À sua função educativa tem tanto de nobre como de difícil. De facto a educação e instrução de consciências infantis é uma tarefa complexa, que exige não só formação apropriada como qualidades especiais, e entre estas uma grande dedicação e um largo espírito de boa vontade. Isto pressupõe a necessidade de se concederem ao professor os meios necessários para completar aquela formação e cultivar estas qualidades, de modo a poder exercer a sua função com a plenitude das suas faculdades.
Mas o professor primário, além da sua função especifica, constitui valioso elemento que pode contribuir para a melhoria de vida e progresso das localidades onde exerce a sua nobre profissão pela sua intervenção em todas as manifestações da vida colectiva.
E assim acontece, felizmente, de maioria geral no nosso pais, onde á, digamos, tradicional a sua colaboração em todas as obras de interesse local, às quais se devota sem prejuízo dos serviços escolares.
Estou mesmo certo de que não haverá concelho algum por esse Portugal além onde se não encontrem entre a devotada e honrada classe dos professores primários dedicações por vezes heróicas em favor do bem público, podendo mesmo afirmar-se que em muitos os funcionamento das instituições primárias de carácter administrativo, bem como o de outros organismos, como as Casas do Povo, etc., não se poderia assegurar sem a
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desinteressada colaboração e a prestimosa dedicação dos professores primários.
Reconhecer estas verdades é um acto de justiça, que, aliás, é prestada aos agentes de ensino pelos organismos superiores do respectivo Ministério, que tomam em consideração a medida em que eles colaboram nas obras de interesse local e a consideração social de que gozam para a qualificação do seu serviço.
Poderia no entanto, em minha modesta opinião, ir-se um pouco mais longe nesta manifestação de justiça e apreço. Com efeito, do contacto estreito que mantenho com muitos dos professores de ensino primário, no número dos quais conto dos melhores e mais dedicados colaboradores, quer na actividade administrativa, quer no desempenho de funções políticas, tem-me sido dado conhecer as suas insatisfações, algumas das quais me parecem justificadas e fáceis de atender. Por isso me dispus a expor nesta Assembleia, aliás em ligeiros apontamentos, algumas dessas insatisfações, na esperança de as ver superiormente consideradas e devidamente estudadas e na convicção de que em atendê-las se contribuiria para a melhoria do ensino e para a formação de um ambiente que mais favoreceria a múltipla acção do professor.
Quero, em primeiro lugar, referir-me aos inconvenientes que resultam para o ensino e aproveitamento escolar da demasiada dependência em que se coloca a manutenção dos lugares de professores do número de alunos matriculados.
Assim, acontece que em determinado ano a escola pode ser regida por um professor, no ano seguinte passar a sê-lo por um regente escolar, desde que o número de alunos diminua, para o ano lectivo a seguir voltar a estar a cargo de um professor. Quebra-se desta maneira a continuidade do ensino, afecta-se, com a diversidade de método e de competência, o aproveitamento escolar e coloca-se o professor à merco de uma incerteza no lugar que ocupa. A realidade e a prática demonstram que deveria procurar manter-se na generalidade, e quanto possível nas sedes de freguesia, uma escola masculina e uma escola feminina em funcionamento, independentemente do número de alunos, porque, se a frequência diminui em determinado ano, noutros há em que pode aumentar. Além do mais, a presença do professor em certas pequenas aldeias tem um valor social, que é de ponderar. Como que enobrece a terra. A sua substituição por um regente, só porque a frequência escolar diminuiu de uns tantos alunos, desgosta-a e desvaloriza-a.
Não esqueço facilmente o desgosto e a emoção com que um velho e dedicado presidente duma junta de freguesia me comunicava o facto, nunca verificado na sua longa vida, de a escola da sua pequena aldeia deixar de ter professor - substituído por uma regente -, o que, além de ser considerado uma baixa de categoria, obrigava as crianças que pretendiam fazer o exame da 4.º classe a deslocarem-se a uma povoação vizinha, que, situando-se a 3 km de distância, ainda por cima mantinha com a primeira certa emulação. Sei que esta disposição de colocar os lugares escolares na dependência de um número maior ou menor de alunos foi uma medida tomada para suprir, em parte, a falta de professores, e então compreendia-se que tivesse carácter provisório. O que se não entende é que vá assumindo foros de regra permanente.
Outro aspecto da vida escolar que me parece de considerar é o respeitante ao restabelecimento da disposição que permitia que naquelas escolas onde houvesse de criar-se um posto de ensino por virtude do elevado número de alunos matriculados se fizesse o desdobramento regido por professores da mesma localidade, aos quais era atribuída a gratificação que se destina ao regente.
Esta medida, além de proporcionar a melhoria de vencimentos a alguns professores, sem prejuízo orçamental, constituiria para estes um estimulo e para o ensino uma vantagem apreciável.
Ainda outro assunto que oferece discussão e tem sido objecto de reparo é a extinção do direito que os professores usufruíam de poderem permutar os seus lugares desde que daí não resultasse qualquer prejuízo para o ensino ou se não verificasse que essas permutas tinham única e simplesmente um objectivo de interesse lucrativo.
Essa regalia, conferida pelo Decreto n.º 19 531, foi extinta com a publicação do Decreto-Lei n.º 40 064, o qual, no sen artigo 49.º, proíbe as permutas entre os professores que não exerçam as suas funções na mesma localidade, com o fundamento de o sistema ter levantado justos reparos por poder permitir transacções menos licitas e da sua aplicação derivarem prejuízos para os agentes de ensino mais valorizados. Ora a permuta feita entre pessoas da mesma família ou com o objectivo da aproximação das respectivas terras da naturalidade traria vantagens até de ordem moral e, em certos casos, daria remédio a situações difíceis no aspecto material.
Parece-me pois que seria de estudar a possibilidade de restaurar esse direito à permuta entre professores de localidades diferentes., embora com as restrições necessárias para evitar abusos e desvios dos fins de ordem moral que com elas se teriam em vista.
Finalmente permito-me comentar a disposição regulamentar que impôs ao professor primário determinada percentagem de aprovações, a tal ponto que na qualificação de serviço se deva ter em consideração o número de repetentes existentes em cada classe.
É legítimo que esta disposição tenha sido mal recebida e compreende- se que desagrade ao professor tal imposição numérica, que, aliás, é fácil de iludir, com prejuízo da verdade, da eficiência, do ensino e do bom aproveitamento escolar.
Uma inspecção orientadora que mensalmente prestasse a assistência técnica necessária, estimulando iniciativas, notando os acertos e corrigindo as deficiências, não a rejeitam nem com ela se molestam os professores. O que lhes não agrada e justamente os melindra é que lhes sejam taxativamente marcadas percentagens de aprovações, quando a verdade é que estas são função de uma multiplicidade de factores, muito dos quais estuo longe de dependerem da vontade, da dedicação, do zelo ou da competência de quem ensina.
Que estas simples reflexões, ditadas pela experiência da vida real e provocadas pelo desejo de prestar justiça ao largo espirito de bem servir do professorado primário. sejam meditadas e tomadas LA devida consideração pelos dirigentes superiores do ensino são os desejos e votos com que termino esta minha despretensiosa intervenção.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: em representação dalgumas dezenas de milhares de proprietários, cumpro o dever de chamar a atenção do Governo para um problema que se reveste duma acuidade tão grande e atinge proporções consideráveis, a maior parte das quais se reflecte na economia nacional, atrofiando-a.
Apesar de o assunto ter merecido já a devida consideração das entidades competentes, o certo é que lhe foi atribuída uma solução provisória e incompleta, que não poderá nem deverá manter-se por muito tempo. Deste procedimento emergem resultados em verdadeira antítese com o pensamento do legislador, e que julgo,
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poderão vir a conciliar-se, num futuro próximo, sem dificuldades de maior.
Eu explico: por um lado, rendo as merecidas homenagens ao Governo, que, pelo Ministério da Economia e por intermédio dum recente despacho do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, estabeleceu preços de resinagem para a actual campanha de 1958-1959.
Há muito que se impunha a adopção de semelhante medida, uma vez que entre a lavoura e a indústria não tem havido - como não existe ainda - a interligação apropriada nem o necessário entendimento.
A lavoura neste particular de que me ocupo, os proprietários de pinhais - e a indústria de resinosos vivem em compartimentos estanques, não se movimentando de harmonia com a directriz que o regular e honesto exercício das suas actividades reclama.
Trata-se de actividades que se devem considerar como constituindo um todo; nem uma nem outra poderá subsistir isoladamente. Daqui a minha estranheza por, durante tantos e tantos anos, andarem cada uma por seu caminho, indiferentes, quando não em luta, cujas causas podem buscar-se na defesa dos legítimos direitos e interesses duma, em franca oposição à ânsia de maiores e mais fáceis proventos da outra.
O despacho referido, além do mais, será, portanto, o marco de referência que há-de assinalar o começo das mais estreitas e imprescindíveis relações entre aqueles dois importantes sectores da vida económica do Pais.
Mas... - há sempre um mas... - vem agora o reverso da medalha: embora o despacho seja de tenra idade, houve já o tempo bastante para deturpar as suas intenções e fixar preceitos em manifesta discordância com a essência do texto!
Ao passo que ali se estipulam preços mínimos, quer para a gema vendida ao quilograma, quer para a incisão no pinheiro, a prática vai sendo outra muito diferente...
O significado da palavra «mínimo» foi adulterado, tendo evoluído, pura e simplesmente, pura único. Outrora, um mínimo pressupunha sempre um máximo, e entre eles tinha de haver valores intermédios. Hoje está tudo simplificado a tal ponto que a indústria dos resinosos entendeu por bem - dela, claro...- não reconhecer qualquer outro preço para a incisão que não seja o dos 4£ estabelecidos como mínimo...
Para maior perfeição do sistema, consta-me que as empresas avisaram os empreiteiros de pinhais de que não receberiam a gema recolhida por aqueles que a viessem a pagar a preços superiores aos tais há da tabela combinada.
Ilustrando este curioso pormenor, poderia expor também o caso de indivíduos que prometeram pagar - e alguns começaram mesmo a fazê-lo - por preços mais elevados e agora não podem exercer a sua actividade habitual, em virtude de as empresas não os inscreverem no organismo competente e, sem o cumprimento desta formalidade, estarem inibidos de trabalhar legalmente.
Seria, porém, alongar demasiadamente as considerações que resolvi fazer, tornando-me fastidioso.
Continuarei, por isso, procurando sintetizar o mais possível o muito que teria a dizer.
Na penúltima legislatura tive ocasião de esboçar as perspectivas nada tranquilizadoras que os proprietários de pinhais tinham à sua frente. Em Abril de 1956 referi-me nesta Assembleia à cada vez mais acentuada situação de inferioridade em que aqueles proprietários iam ficando, dado que não eram concedidos alvarás para exploração de novas instalações fabris e se notava, simultaneamente, a tendência para a fusão das empresas.
Quanto ao exposto relativamente aos actos de autêntico vandalismo de que eram vitimas indefesas os pinheiros, que constituíam - e constituem hoje ainda - uma riqueza de apreciável montante, disseminada de norte a sul, do Minho ao Algarve e com preponderância na região das Beiras, cumpre-me exprimir o maior reconhecimento pelas medidas tomadas desde então e que vêm sendo cuidadosamente fiscalizadas.
Dum modo genérico, pode afirmar-se que a destruição parou e a riqueza florestal do País se encontra devidamente acautelada e amparada. Já não se verificam os excessos que tivemos ensejo de apontar, pois o panorama foi-se modificando, pouco a pouco, e hoje a resinagem é feita em obediência às disposições legais vigentes, quer quanto a dimensões das incisões, quer quanto à escolha dos pinheiros em que as mesmas são efectuadas.
Um ou outro caso de infracção não conta para a regra e poderá situar-se neste ou naquele ponto que, por via do seu isolamento e consequente dificuldade de fiscalização ou simples desconhecimento das normas que regulamentam a extracção da resina, têm escapado à acção orientadora exercida.
Pena é que outro tanto não possa dizer a respeito da remuneração atribuída aos proprietários, especialmente aos de mais fraca capacidade financeira.
O início duma campanha resineira é sempre motivo de grande alvoroço no seio das populações rurais das regiões em que o pinheiro predomina. Este alvoroço assume gigantesco vulto nos locais em que ele é a única fonte de receita para as economias débeis dos pequenos proprietários que não possuem terrenos capazes de amanho ou com o mínimo de condições para a vida de qualquer outra espécie arborícola.
São dezenas de milhares os proprietários interessados. Dentre tantos, muitos são os que esperam ansiosamente o arrendamento dos seus pinhais, no desejo bem compreensível de apurarem o preciso numerário com que hão-de fazer face aos pagamentos inadiáveis das contribuições ao Estado, às aquisições do vestuário, satisfação de dívidas contraídas durante o ano, etc.; enfim, poderá computar-se o rendimento do aluguer dos pinhais em muitas dezenas de milhares de contos, que, mal acabadas de receber, logo são postas em giro.
As avultadissimas quantias assim parceladas por tão elevado número de aglomerados familiares merecem mais do que ligeiro e superficial exame, pois constituem elemento que pesa na nossa economia.
Ora, enquanto o grande proprietário, possuidor duma resistência financeira susceptível de aguentar os sucessivos embates e aguardar melhores dias, não cede às primeiras ofertas, reservando-se para ocasiões mais favoráveis, aquelas largas dezenas de milhares de pequenos proprietários são vencidas ao primeiro golpe!
Perante a confrangedora necessidade da satisfação de encargos que não admitem delongas, vêm-se compelidos, coagidos - é o termo - a aceitar a primeira oferta recebida. Deste modo se explica que, numa mesma campanha e na mesma região, os preços das incisões tenham oscilado entre os 35 e os 95.
Se a concorrência entre as empresas se tivesse mantido, esta desvantagem do pequeno proprietário teria sido anulada ou, pelo menos, atenuada consideràvelmente. Mas, assim, por este caminhar, cada vez será pior. As empresas vão sendo em menor número (parece que a concentração é uma ideia em marcha) e o pequeno proprietário está condenado a não encontrar empreiteiros que lhe paguem convenientemente.
O Sr. Jorge Ferreira: - V. Ex.ª diz que, se a concorrência entre as empresas se tivesse mantido, isso seria melhor para o pequeno proprietário. E V. Ex.ª, que fala em fusões de companhias, sabe - e o Governo também - que, se essas fusões se fizeram, foi precisa-
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mente porque, nestes últimos anos, a indústria de resinosos tem perdido muitas dezenas de milhares de contos.
O Orador: - Não sei se perdem ou não. Quanto a mini, só vejo inconvenientes na fusão das companhias.
O Sr. Jorge Ferreira: - A V. Ex.ª não interessa de as companhias percam. O que lhe interessa a receber mais uns escudos por cada incisão.
O Orador: - Parece-me, contudo, que ha lagar para todos, sem atropelos, nem prejuízos para qualquer das partes, antes cada uma vindo a receber a justa paga.
A conciliação dos interesses em causa deverá, portanto, ser procurada com urgência e desejo de justiça, se alguma coisa houver a alterar, designadamente no que respeita ao condicionamento em que a indústria dos resinosos vem vivendo, que as entidades competentes procedam aos estudos necessários e promulguem, sem demora, a sua regulamentação em novos moldes, concedam alvarás para mais instalações fabris - se for aconselhável semelhante procedimento-, não deixando, em contrapartida, de salvaguardar o indispensável equilíbrio entre o rendimento que a cada uma das partes deverá competir.
É preciso planear e por em execução a defesa de todos, em geral, contra o privilégio dalguns.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em resumo, a fixação de preços é política que merece aplauso e apoio. Renovando as homenagens ao Governo pela publicação do despacho a que me reportei, quero, no entanto, pelo do sobreaviso, especificadamente o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, quanto à eficiência das providências de sua iniciativa, dignas do apreço que não lhe regateio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A doutrina do despacho è boa, excelente mesmo; mas foi já desvirtuada!
Urge fazê-la cumprir tal qual está expressa.
É o que espero venha a acontecer, na natural sequência dum programa de incomparáveis realizações, timbre do Estado Novo, e que, neste caso restrito, tem constituído apanágio da difícil, vasta e muito importante pasta da Economia, a cujo responsável pela sua condução testemunho o maior agradecimento.
Sr. Presidente: é o que espero e, comigo, aquelas dezenas de milhares de proprietários que se dirigem ao Governo por meu intermédio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito- bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição da comissão eventual para estudo do Plano de Fomento e proposta de lei que lhe respeita.
Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Pacheco Jorge e Júlio Evangelista.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Está concluído o escrutínio, cujos resultados vou comunicar à Assembleia.
Entraram na uma 101 listas, tendo sido eleitos os seguintes Srs. Deputados, com o número de votos que passo a indicar: André Francisco Navarro, 100 votos; Artur Àguedo de Oliveira, 101 votos; Avelino Teixeira da Mota, 101 votos: Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça, 94 votos; Carlos Monteiro do Amaral Neto, 101 votos; Francisco Cardoso de Melo Machado, 101 votos; Jerónimo Henriques Jorge, 101 votos; João Augusto Dias Rosas, 101 votos; João de Brito e Cunha, 101 votos; José António Ferreira Barbosa, 101 votos; José Dias de Araújo Correia, 101 votos; José Fernando Nunes Barata, 101 votos; José Garcia Nunes Mexia, 101 votos; José Sarmento de Vasconcelos e Castro, 99 votos; José Soares da Fonseca, 101 votos; Manuel Maria Sarmento Rodrigues, 99 votos; Mário de Figueiredo, 100 votos.
Considero, portanto, eleitos para a comissão eventual, cuja constituição a Câmara votou ontem, os Srs. Deputados que acabo de mencionar.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: continuação do debate sobre as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1956.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Oliveira.
O Sr. Mário de Oliveira: - Sr. Presidente: ao apreciar o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1956 fica-nos a certeza de que estamos perante mais um documento demonstrativo do penetrante e contínuo estudo realizado pelo nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia sobre o panorama económico-financeiro português.
Quem quiser, de facto, conhecer a evolução da vida nacional nos últimos vinte anos poderá encontrar nos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado emitidos pelo engenheiro Araújo Correia a expressão fiel dessa evolução.
Não se limita o nosso eminente colega a relatar os factos que deram origem aos números. Vai mais longe, porque sobre eles formula sempre juízos de valor, pesando detidamente os acontecimentos, observando cuidadosamente os comportamentos do Estado e da Nação no trato da vida económica, social e financeira.
Os pareceres do engenheiro Araújo Correia são pois, e para além de preciosos estudos de análise do próprio processamento gestor do Estado, notáveis documentos de natureza política, que constituem já hoje rico manancial de informação e de cultura económica.
É-me por isso particularmente grato afirmar aqui a viva admiração que de há muito dedico ao nosso ilustre colega.
Ciente de que a estrutura deste parecer, como a dos que o precederam, revela explicitamente a vida activa do País, nas suas múltiplas expressões, e na impossibilidade de fazer uma observação generalizada do documento, procurei fixar-mo tão-sòmente num tema que, embora restrito, pode suscitar algumas considerações de ordem geral, pelo largo alcance que reveste.
Fá-lo-ei, todavia, em breve apontamento.
Quero referir-me à eficiência dos órgãos da administração pública.
A forma como o engenheiro Araújo Correia observa o problema e a apreensão que revela sobre o pronunciado desfasamento que se verifica entre o nível das remunerações dos serviços públicos e o das empresas privadas denunciam claramente a acuidade que tal problema comporta.
Na verdade, todos podem observar a fuga crescente que se verifica de servidores da Administração para o sector privado.
Nem a honra de ser funcionário público, nem o direito à reforma, que sempre constituiu elemento da maior
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atracção para quem no trabalho tem a base do seu rendimento, representam elementos suficientes para evitar essa derivação para o sector privado, quando este lhes oferece maiores vantagens imediatas.
É que o dia a dia prevalece expressivamente no plano da economia doméstica.
Poucos podem resistir a essa solicitação quando se lhes proporciona um nível de vida melhor fora do âmbito do Estudo.
Ao referirmo-nos aos funcionários públicos não queremos deixar de abranger no mesmo quadro de observação aquilo que se passa com os servidores dos organismos de coordenação económica.
Neste campo verifica-se uma situação semelhante ou talvez mais grave.
Sem considerar o próprio carácter oficial das funções que estão cometidas a estes organismos, a exigirem sistemático contacto com o sector privado, concorre ainda neste caso a circunstância de o funcionário que só pretenda aliciar para a actividade particular não perder o teor das suas regalias de reforma. E isto porque, dada a incaracterização jurídico-constitucional de tais organismos, tudo se resolve, quando muito, por simples transferencia da posição de beneficiário de um organismo de previdência para outro que lhe proporciona iguais benefícios.
É de considerar, ainda no quadro das mesmas preocupações, que os funcionários públicos que se encontram a prestar serviço nos organismos de coordenação económica na situação de requisitados não têm direito a usufruir das regalias de aposentação ou reforma para além de 95 por cento do vencimento à que competir ao funcionário da categoria imediatamente superior àquela que tem no Estado.
Mas o que mais impressiona no regime vigente é a obrigatoriedade de o funcionário que se encontra nessas condições descontar em função da categoria hierárquica que efectivamente tem no quadro do organismo, mesmo quando superior àquela por que virá a ser considerado para efeito de aposentação ou reforma.
O facto apontado exemplifica um estado de coisas que urge resolver, no sentido de criar melhores condições de fixação dos servidores públicos na esfera da Administração.
Parece por isso legítimo juntar às preocupações que este respeito se põem relativamente aos funcionários públicos as que também se suscitam em relação aos funcionários dos organismos de coordenação económica.
Sabemos bem quanto é melindroso o problema focado e as dificuldades que ele comporta paru o Governo.
O Estado não pode, reconhecemo-lo, competir com as empresas privadas no que respeita à remuneração do trabalho dos seus servidores. E isto não se verifica só entre nós. O fenómeno é universal e muito difícil se torna evitar a sua permanência. Menos difícil será. porém, contrariar, dentro das possibilidades, o seu agravamento.
Independentemente dos vários problemas que decorrem do baixo nível de vencimentos dos funcionários, outros factos se podem ainda observar com referência à origem do insuficiente rendimento dos órgãos da Administração.
Neste campo muito haveria a dizer se não estivéssemos condicionados pelo tempo e pela própria natureza da presente intervenção.
Bastará tão-sòmente apontar a reconhecida dispersão funcional dos serviços públicos, muitos dos quais se sobrepõem na competência e atribuições, criando frequentes conflitos de acção, que reduzem a eficiência administrativa e desorientam gravemente as pessoas ou os interesses que a eles têm de recorrer.
Há aspectos, então, que tornam evidente o conflito de posições dentro da própria Administração.
Quero referir-me especialmente àquilo que se passa entre os chamados órgãos clássicos da Administração e os organismos de coordenação económica criados pelo Decreto-Lei n.º 26 757, de tf de Julho de 1936.
Quantas vezes se verificam atritos entre uns e outros no plano da acção que lhes está cometida!
Criou-se mesmo marcado equívoco de nomenclaturas, que suscita, relativamente a vários aspectos, muitos e perturbantes problemas.
Tudo isto aconselha a promover um amplo e objectivo reajustamento orgânico, no sentido de definir os respectivos campos de jurisdição, designadamente no que respeita à caracterização das funções do Estado e da organização corporativa.
Para evidenciar a necessidade de o Governo tomar posição relativamente a este problema, poderemos assinalar sobre a matéria o mais recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Dezembro de 1957, que doutamente classificou os organismos de cordenação económica como «órgãos do Estado», de resto já como tal considerados num parecer da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário do Governo de 5 de Agosto do 1957, e, bem assim, em pareceres da Câmara Corporativa.
Este lacto poderia e deveria proporcionar que, no exigente reajustamento dos órgãos da Administração, que se impõe fazer, fossem suprimidos ou deslocados alguns serviços, paru se enquadrarem em órgãos mais apropriados, dadas as atribuições que lhes estão cometidas, em ordem a obter e sou melhor rendimento.
Ao assinalar este ponto tenho presente em meu espírito alguns serviços que só encontram na esfera de direcções-gerais e aos quais estão cometidas atribuições que dominam os factores básicos de sectores económicos, cuja regularização, por outro lado está confiada a organismos de coordenação económica.
Incumbindo a estes regularizar os mercados e promover a execução duma política de ordenamento estrutural definida pelo Governo, não podem dominar, nem conhecem muitas vezes, formalmente, aquilo que se passa na esfera daqueles outros serviços.
Ao observar avulsamente este problema da eficiência da administração pública, ocorre ainda referir a necessidade de intensificar a estruturação de órgãos personalizados, capazes de enfrentar activamente, com autoridade institucional, graves problemas que se põem no domínio da nossa política económica.
Quando tanto se fala, e com fundadas razoes, na indispensabilidade de estabelecer cooperação sistemática entre os sectores público e privado, para melhor impulsionar o nosso crescimento económico, parece indispensável promover as condições básicas, através das quais se tenda a institucionalizar o regime, por meio de órgãos estaduais responsáveis e representativos de uma política de inspiração corporativa, que tenda justamente a abarcar, em larga perspectiva, os problemas específicos dos grandes sectores económicos, que importa defender e robustecer.
Torna-se, de facto, indispensável que o sector privado, organizado ou não comparativamente, se entenda com órgãos que, por sua vez, também entendam a sua problemática particular e os ajude a enfrentar e a superar as dificuldades concretas que se antepõem à sua estruturação em moldes convenientes para o interesse comum e geral.
Ainda aqui, neste campo, muito se poderá fazer. Importa, sobretudo, assegurar um diálogo sistemático entre os sectores público e privado, por forma a que reciprocamente se íntima os respectivos comportamentos no sentido de obter uma íntima compreensão, em ordem a atingiu-se objectivos que afinal são comuns.
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Aliás, o espirito que informa o corporativismo - e não devemos esquecer que o Estado Português é constitucionalmente corporativo - visa precisamente a estabe-lecer forte sentido de mútua convivência e comunicabilidade entre o Estado e a Nação.
Para que tais objectivos se atinjam, torna-se, porém, indispensável a existência duma efectiva autonomia administrativa e financeira de certos órgãos da Administração, incumbidos de assegurar esse principio de convivência e a adopção de medidas, consciente e comummente aceites, de maneira a estabelecer o reordenamento voluntário e harmónico dos interesses empresariais do respectivo sector.
A autonomia que se preconiza não quer dizer compartimentação estanque de acção relativamente a outros sectores da Administração Pública. Ao contrário, tudo está em promover uma superior coordenação de movimentos desta, recorrendo, sobretudo, a órgãos de tipo colegial, onde se possam enunciar e definir as linhas de interdependência dos vários sectores e uma política coordenada de conjunto.
Por meio deste sistema tender-se-á a obter uma efectiva interligação dos órgãos incumbidos de coordenar os sectores que lhe estão confiados, com evidente vantagem para um entendimento comam e consciente sobre os problemas gerais da Nação.
Talvez assim esses tão injustamente atacados organismos de coordenação económica possam servir mais utilmente o País.
E já que não é frequente encontrar quem reconheça os efectivos e inestimáveis serviços que têm prestado à economia nacional, é-me particularmente grato assinalar que no relatório que precede o II Plano de Fomento se faz justiça à acção desses organismos.
E a referência é tanto mais de salientar quanto é certo vir expressa em documento de notável valor e de transcendentes objectivos.
Em breve o iremos apreciar. Mas da rápida leitura que dele fiz já pude reconhecer o alto nível e o penetrante e exaustivo estudo em que se baseia.
Ao formular estas considerações tenho bem presente em meu espirito o alto papel que podem desempenhar no plano do nosso desenvolvimento económico que pressupõe prévio reordenamento dos sectores privados - organismos do tipo dos de coordenação económica a que atrás me referi.
Outros países, empenhados como nós em promover o desenvolvimento das suas economias, têm adoptado orientação semelhante, justamente com o objectivo de procurar interpretar, no quadro de sistemática convivência entre os gestores público e privado, os verdadeiros e reais problemas que se opõem - muitas vezes no plano estrutural das empresas - à conveniente aceleração do crescimento económico das nações menos evoluídas.
Que sirva esta minha intervenção como depoimento de quem, vivendo e convivendo muito de perto com um dos mais representativos sectores da economia agrícola nacional, pôde reconhecer, apenas pelo exercício da função e sem que para isso contribuísse qualquer mérito próprio, a real problemática, que tantas dificuldades e provações tem suscitado no sector cuja coordenação lhe foi confiada.
Pode afirmar-se que hoje os sectores que servem a economia vinícola reconhecem comummente, pela simples perspectiva que lhes proporciona a estrutura do respectivo organismo de coordenação, a razão dos seus males e a objectiva vantagem de prosseguir a política que está definida e em execução. E isto é já um estado de consciência social de incontestável interesse político, pois traduz, no plano positivo, a viva representação do movimento dialéctico da concepção corporativa.
Este problema da coordenação económica a que vimos aludindo e que pressupõe a cooperação activa do sector privado assume particular importância e acuidade no domínio do comércio externo.
Ao formular esta nota tenho em conta a premente exigência de ampliarmos o nosso movimento de exportação, no sentido de reduzir o acentuado e perigoso déficit da nossa balança comercial, que tão proficientemente fui aqui ontem analisado pelo nosso ilustre colega Doutor Águedo de Oliveira.
O comportamento compreensivo da iniciativa privada e o encaminhamento orientador de órgãos da Administração aptos a actuar pronta e esclarecidamente onde e quando se imponha a sua intervenção supletiva são factores que muito poderão contribuir, em meu entender, para um progressivo saneamento do nosso comércio externo.
Importa não deixar de assinalar, todavia, que a nossa posição económica se encontra inquinada de prejuízos de carácter circunstancial e estrutural, que não podem remover-se unilateralmente, nem tão depressa quanto desejaríamos, sem sofrermos o risco de graves prejuízos imediatos para o exercício do nosso já reduzido movimento exportador.
E isto evidencia-se sobretudo se atentarmos no facto de o restrito elenco dos nossos produtos metropolitanos de exportação não revestirem aquele carácter de indispensabilidade para os mercados consumidores, que alentaria a pressão autoritária dos negociadores dos nossos acordos económicos.
Para além do mais, o comportamento do nosso comércio exportador nem sempre tem revelado aquele engenho de iniciativa e de novação, que importa estimular e desenvolver no sentido de criar novas perspectivas para a conquista ou consolidação das nossas posições nos mercados externos.
Honra seja feita a alguns que, na plena compreensão do interesse nacional e do »eu próprio interesse, têm agido com firme determinação, em ordem a estabelecer contactos internacionais, que muito podem favorecer a expansão do nosso comércio exportador.
É aqui, no campo da iniciativa privada, que reside sobretudo o fulcro do problema.
Daí o procurarmos acentuar a necessidade de promover um detido e amplo reajustamento orgânico da Administração, com o objectivo de estabelecer as bases necessárias para atingir um comportamento coordenado do sector público, em face ia exigência de assegurar a sua íntima e activa cooperação com o sector privado, disposto a agir de acordo com os superiores interesses da nossa economia.
Dois votos me permito emitir ao terminar a observação de um dos pontos tão objectivamente focados pelo engenheiro Araújo Correia no seu notável parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1956: o de que se promova, dentro das possibilidades, uma detida revisão da situação do funcionalismo público e de coordenação económica, no sentido de contrariar o grave desfasamento que se observa entre o nível de remuneração do sector público e privado, o o de que se reveja, sem preconceitos ou prejuízos pragmáticos de circunstância e de olhos postos nos princípios que inspiram o corporativismo e a exigência de coordenação, a estrutura orgânica da Administração, designadamente no que respeita ao sector da economia.
Quando assim se proceder, estamos convencidos de que se caminhará para criar as condições estruturais de uma maior eficiência dos serviços públicos e do seu melhor rendimento funcional. Quanto ao aperfeiçoamento dos métodos técnicos d» trabalho e sua adaptação a uma melhor organização, seria passo também
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indispensável a dar nu lógica sequência do reajustamento orgânico enunciado.
A terminar quero dizer que dou a minha plena aprovação ao parecer emitido pelo nosso ilustre colega e, na generalidade, às Contas Gerais do Estado da gerência de 1956.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidenta. Srs. Deputados: constitui para mini grato prazer, não isento de legítimo orgulho, subir a esta Tribuna na discussão das contas públicas de 1950. Prazer e orgulho que se radicam em dois motivos:
1.º É sempre grato recordar que foi o equilíbrio financeiro, prodigiosamente conseguido por Salazar, a base de todo um esforço que legitimamente nos ufana e deverá constituir constante apelo à nossa unidade e intensivo labor;
2.º A latitude da discussão pública que anualmente se processa nesta Assembleia é um testemunho da segurança em que se vive e da honestidade em que se tem procurado servir.
Sr. Presidente: quero aproveitar esta oportunidade para distinguir o relator dos pareceres sobre as contas públicas, engenheiro Araújo Correia. Tal facto é para mim tanto mais grato quanto sucede proporcionar-me o ensejo para um depoimento: mais ou menos atento, desde há anos, ao evoluir da vida portuguesa, constituíram, para mim, os notáveis trabalhos do engenheiro Araújo Correia fonte de preciosos conhecimentos, visão objectiva das realidades da grei, sem esconder o ingente esforço que importa desenvolver para que a nossa existência de nação se erga com maior presença no concerto dos povos progressivos.
Acresce, Sr. Presidente, que num país onde os trabalhos de natureza económica são bem raros, constituem os pareceres das contas públicas, em meu entender, o repositório mais completo de que qualquer estudioso se pode socorrer.
Pode dizer-se, na verdade, que as contas públicas apenas têm a acompanhá-las normalmente, neste aspecto, os relatórios da Caixa Geral de Depósitos e dos bancos emissores, do continente e ultramar. A prática seguida pelas nossas sociedades anónimas de fazer dos seus relatórios e contas umas sínteses bem lacónicas rouba ao País a oportunidade de se proporcionarem dados sobre a conjuntura económica internacional e portuguesa.
Esta ausência de publicações é uma faceta daquele tradicional espirito de pobreza que nos acostumámos a pôr em muitos empreendimentos, coadunando-se, por outro lado, com o sentido de improviso tão característico do português. Ajuda a alimentar a constante crença num milagre - o velho milagre de Ourique! -, distanciando--nos dos processos de trabalho vitoriosos no inundo hodierno, onde a prepararão dos homens e o planeamento das tareias assumem merecido relevo.
E, se é grato recordar o esforço que o Governo vem fazendo para suprir todas estas carências, de novo expressivamente demonstrado no II Plano de Fomento, não me levarão a mal que acentue, a este propósito, algumas notas mais ou menos relacionadas com o tema central e, em qualquer caso, bem dignas de atenção.
A primeira diz respeito às publicações do Estado.
Se algumas publicações, como se tem reconhecido, apenas representam dispêndio de dinheiros públicos, advogando-se, até, por isto, um necessário controle e indispensável coordenação, já outras, habitualmente inéditas ou apenas acessíveis a um restrito número do privilegiados, mereceriam, por sen valor intrínseco ou natureza do assunto a que se reportara, mais larga divulgação.
Nem me levem a mal que, novato nestas lides parlamentares, revele a minha estranheza, facto em que, aliás, confirmo o que outros já sentiram, perante a circunstância de não constituir obrigação para os serviços públicos o envio aos Deputados das publicações editadas. Auxiliar-se-ia assim, a meu ver, a função fiscalizadora da Assembleia, ao mesmo tempo que se dispensariam muitos requerimentos.
A segunda reporta-se à estatística.
Quem manuseia publicações de organismos internacionais sobre estatística comparativa apercebe-se, amiudadas vezes, da ausência de Portugal. Não raro acontece que a deficiência dos números incluídos nessas publicações respeitantes ao nosso pais nos colocam em posição pouco honrosa e menos verdadeira.
Tais dificuldades revelam-se no foro interno. Os que estudam economia aplicada ao nosso pais têm, na maioria dos casos, de elaborar eles próprios as estatísticas que utilizarão. Tarefa pesada, bem falível e pouco comum nos países evoluídos. A gravidade desta carência projecta-se nos próprios trabalhos de planeamento. Escreve-se, por exemplo, no notável relatório do Instituto Nacional de Estatística:
Contribuição para o estudo do programa de desenvolvimento económico no sexénio de 1959-1964:
Os elementos que se utilizaram e a técnica de observação seguida baseiam-se na existência dos quadros da contabilidade nacional. As deficiências ou lacunas destes reflectem-se, evidentemente, na análise efectuada e suas limitações. Neste campo, o desenvolvimento das nossas estatísticas impõe se cada vez mais como uma necessidade sentida à escala nacional e para cuja satisfação haverá que criar os meios indispensáveis.
É na verdade incontestável a importância da estatística na própria vida diária. Dos Índices do custo de vida ao estado das colheitas, da previsão de resultados eleitorais ao consumo de pastas de dentes, vai todo o labor, que naturalmente não se faz por mero recreio.
É nesta conformidade que se me afigura imperioso realizar as seguintes conquistas no meio português:
a) Criação dum ambiente favorável no que se refere ao apoio a dar ao serviço estatístico e à compreensão do trabalho realizado pelo mesmo. Trata-se de uma tarefa de educação que tem ganho as melhores atenções de outros povos;
b) Considerando a indispensabilidade da estatística para o exercício de certas profissões, parece oportuno cuidar do seu estudo nas escolas superiores. Todos conhecemos o relatório apresentado à Comissão de Estatística das Nações Unidas na reunião de Abril de 1949;
c) A especialização na estatística exige a criação dum curso especial, onde se verse mais do que a simples cadeira de introdução ao seu estudo. Ocorre-me o exemplo da Itália, com a Faculdade de Ciências Estatísticas, Demográficas e Actuariais de Roma, a que está ligado o nome de Corrado Gini.
Constituiria grave omissão da minha parte não destacar o labor desenvolvido entre nós pelo Instituto Nacional de Estatística e centros de estudo anexos. Mas a melhor homenagem que lhes poderei prestar consis-
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tira, por certo, em defender a expansão dos estados estatísticos em Portugal.
A terceira questão relaciona-se com a sociologia.
Ciência jovem - de Durkheim aos nossos dias vai um século -, por vezes de contornos não inteiramente definidos, comporta um grau de sedução e essencialidade na vida moderna, bem patente na difusão que tão rapidamente conquistou.
Que eu saiba, existem nos Estados Unidos cerca de cinquenta escolas superiores onde se professa o ensino da sociologia. Mesmo nos países onde não existem Faculdades de Sociologia, o estudo deste ramo de ensino tem ganho as melhores atenções. Exemplifique-se com a França e a Espanha.
Assim, no primeiro destes países, embora não exista um instituto de ensino superior consagrado exclusivamente ao estudo da sociologia, este estudo ganha as melhores atenções, como passamos a demonstrar:
1) As Faculdades de Direito e Ciências Económicas apresentam um acentuado carácter sociológico nas matérias referentes às seguintes cadeiras:
História das Instituições e Factos Sociais (1.º e 2.º anos);
Método da Ciência Política (3.º ano);
Vida Política Francesa Contemporânea (3.º ano).
No doutoramento acentua-se essa mesma atenção nos cursos de:
História das Sociedades Políticas;
Ciências Políticas;
Vida Política na França e no Estrangeiro;
História do Trabalho;
Sociologia Jurídica.
2) Nas Faculdades de Letras a licenciatura para Filosofia inclui obrigatoriamente um certificat de moral et de suciologie.
3) No Colégio de França figuram as seguintes disciplinas:
Análise dos Factos Económicos e Sociais (Prof. Perroux);
História do Trabalho;
História e Estrutura Sociais de Paris e da Região Parisiense (Prof. Chevallier);
Sociologia Muçulmana (Prof. Laoust).
4) Na Escola de Línguas Orientais ganham a atenção a história e as instituições dos estados do Próximo e Extremo Oriente e da Europa Oriental;
5) Na Escola Prática dos Altos Estudos, da Sorbona, existe uma secção de Ciências Económicas e Sociais, com seminários de estudo para sociologia geral, sociologia étnica, sociologia das civilizações antigas, sociologia da África Negra, sociologia das sociedades autóctones do mundo mulçumano, da América e da índia, sociologia da arte, bem como secções de sociologia industrial, jurídica, religiosa, política, etc.
6) No Conservatório Nacional de Artes e Ofícios existe um curso de História do Trabalho, confiado a Friedmann.
Refiram-se ainda o Instituto Nacional de Estudos Demográficos e a Associação Francesa de Ciências Políticas, a que está ligado o nome de André Siegfried.
Acentue-se finalmente a Escola Nacional de Administração, onde o ensino tem implicações sociológicas, e a Escola de Altos Estudos Sociais, onde existe um centro de investigações e estudo sobre os métodos de pesquisa para as questões políticas e sociais.
Na vizinha Espanha o estudo da sociologia ganha relevo na Faculdade de Ciências Políticas e Económicas.
Por sua vez o Ministério do Trabalho criou a Escola de Estudos Sociais, cuja missão consiste em «desenvolver a consciência, cultura e técnica social de quantos se destinem ao exercício das funções administrativas, jurídicas, económicas e sociais nos organismos dependentes daquele Ministério«. (Ordem de 2(J de Dezembro de 1941).
Além do Instituto de Estudos Políticos, conta a nação vizinha o Instituto Balmes de Sociologia, pertencente ao Conselho Superior de Investigações Cientificas, e o Instituto Social Leão XIII. O Instituto de Estudos Políticos publica a conhecida Revista de Estudos Político» e o Instituto Balmes a Revista Internacional de Sociologia.
Seria indesculpável omissão da nossa parte esquecer as atenções dedicadas nos últimos anos à sociologia em Portugal. Para lá do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e centros de estudo do Ministério do Ultramar, verifica-se nas últimas reformas das Faculdades uma preocupação por estas matérias.
Mesmo fora das escolas constitui para mim grato prazer salientar aqui as preocupações demonstradas pelo Ministério das Corporações ou ainda a actuação do Centro de Estudos Político-Sociais da União Nacional.
Aproveito este ensejo para testemunhar ao nosso ilustre colega engenheiro Camilo de Mendonça a muita admiração que sentimos pelas suas excepcionais qualidades de inteligência, vastidão de cultura e espirito de actividade, tudo posto ao serviço do referido Centro, o qual já hoje representa papel saliente na vida nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Creio, porém, impor-se a criação duma Faculdade de Sociologia em Portugal. Importa um conhecimento da estrutura do povo português, uma melhor atenção ao processo histórico e realidades sociais das parcelas dispersas pelo mundo lusíada, enfim, uma utilização da sociologia como elemento formativo dos que hão-de servir nos vários sectores da comunidade nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: tem-se revelado ultimamente entre nós a preocupação da importância que reveste a avaliação global do produto dos nossos impostos.
O Prof. Teixeira Ribeiro, num notável trabalho apresentado no 2.º Congresso dos Economistas Portugueses («Industrialização e Política Fiscal»), procurou, para 1054, estabelecer neste assunto, ao menos, uma simples ordem de grandeza.
Assim, alinhou os seguintes números, em milhares de contos:
Impostos do Estado (constantes do orçamento) .............. 5 030
Impostos das autarquias ................................... 670
Contribuições para a providencia
(compreendida a dos funcionários) e abono de família ...... 1 300
Contribuição para os organismos
de coordenação económica e corporativos..................... 500
Fundos autónomos ........................................... 1 000
Destes 8,5 milhões de contos, 4 a 4,5 seriam de impostos sobre o rendimento, cerca de 0,5 de impostos sobre o património e 3,5 a 4 de impostos sobre o consumo.
O total de 8,5 milhões de contos representaria 17 por cento do produto nacional bruto aos preços do mercado, o que não seria no seu conjunto excessivo, não significando, «claro está, que não tenha sido excessiva a tributação de muitos contribuintes.
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No relatório da proposta da Lei de Meios para 1958 o Ministro das Finanças (p. 185) aborda este tema da pressão fiscal ao analisar a evolução da carga fiscal representada pelas receitas orçamentais. Considerada, para 1956, a receita de 7 037 000 contos, a percentagem obtida seria de 14,5 por cento, revelando, aliás, diminuição relativamente aos anos anteriores.
As percentagens dos impostos em relação ao produto nacional bruto em alguns países, aí notadas, eram:
Inglaterra .................. 23,9
Estados Unidos............... 22,5
Bélgica ..................... 17,5
França ...................... 17,4
Itália ...................... 16,9
No parecer da Câmara Corporativa sobre a referida proposta da Lei de Meios o relator voltou a este tema, acentuando:
O relatório do Sr. Ministro das Finanças situa a pressão tributária, representada pelas receitas orçamentais, na metrópole, entre 13.1 por cento e 14,5 por cento do produto nacional liquido de 1952 para 1956.
Note-se, todavia, que, para a determinação tanto quanto possível completa da carga fiscal, haverá que considerar, além das receitas tributárias do Estado, também as cobradas por serviços e fundos autónomos, autarquias locais, organismos corporativos e de coordenação económica e instituições de segui o social - na parte em que as mesmas revistam análoga natureza.
E, tal como o Prof. Teixeira Ribeiro fizera para 1954, esboça-se no parecer um cálculo à volta de 1956, em milhares de contos:
Estado ............................. 5 859
Serviços e fundos autónomos......... 1 329
Autarquias locais .................. 842
Organismos corporativos. ........... 306
Organismos de coordenação económica ...322
Instituições e seguro social
obrigatório e previdência dos
funcionários públicos .............. 1 317
Este conjunto de cerca de 10 milhões de contos corresponderia a cerca de 19 por cento do nosso produto nacional liquido para 1956.
Assim, do exposto parece concluir-se:
1.º Pela necessidade duma criteriosa avaliação do produto anual dos nossos impostos, o que permitirá estabelecer relações ou tirar ilações de inegável interesse;
2.º No seu conjunto a carga fiscal no nosso país não é excessiva, o que permite considerar possíveis tributações em ordem a realizar-se mais aceleradamente o progresso da Nação;
3.º Isto não significa a ausência de sectores excessivamente tributados, o que põe, ainda aqui, a necessidade duma revisão tributária favorável a certas desonerações, nomeadamente de rendimentos modestos.
Passamos a analisar dois aspectos:
1.º Em que medida as finanças do Estado se devem harmonizar com o programa do desenvolvimento económico do País ? Naturalmente que apenas afloraremos algumas notas;
2.º Qual a posição relativa das finanças das autarquias no conjunto das receitas globais atrás referidas? Em que medida haverá aqui pontos susceptíveis de revisão?
Sr. Presidente: o Estado moderno realiza, por intermédio das finanças públicas, larga intervenção na vida económica. Dos empréstimos forçados ao imposto progressivo ou à criação de moeda vai toda uma série de actuações de feição marcadamente anticíclica ou propositadamente impulsionadora dum desenvolvimento económico. Distantes os dias da neutralidade do orçamento ou da metalização da moeda, ultrapassámos igualmente a época da simples concepção jurídica do imposto.
A teoria fiscal do imposto recuou perante a doutrina que salienta, fundamentalmente, os seus efeitos económico-sociais.
Para lá da utilização do seu produto, a cobrança do imposto repercute-se na estrutura e comportamento das economias (familiares e das empresas), afecta o volume de consumo global (absoluto e relativo), atinge o montante do aforro e do investimento, reflecte-se na conjuntura e expansão económica. (Neumark).
As finanças públicas ganharam assim uma posição funcional do desenvolvimento económico, saindo mesmo afectado, segundo alguns teóricos, o principio do equilíbrio ornamental.
Ora, aceitando que a nossa política fiscal deve servir o desenvolvimento económico português, julgo oportuno salientar pontos conexionados com a mesma.
Se colocarmos na base do nosso esforço o investimento, surgirá desde logo o problema do seu financiamento.
Os recursos poderão ser de origem externa (empréstimos, dádivas e colocação de capitais privados estrangeiros) ou mobilizar-se interiormente (criação de moeda e aforro do rendimento).
Não temos utilizado, até hoje, em larga escala o crédito externo. Sabemos mesmo que no I Plano de Fomento tem sido limitada a sua importância como fonte de financiamento, atingindo posição de relevo apenas na obra do caminho de ferro do Limpopo. Temos, de épocas passadas, uma triste recordação nos nossos contactos com os capitais estrangeiros. Creio, contudo, terem-se modificado os condicionalismos passados. Afigura-se-me, porém, que a utilização em mais larga escala do crédito externo se deve orientar para os investimentos directamente reprodutivos.
Atentemos, com mais pormenor, no financiamento interno.
Condena-se habitualmente a criação da moeda, invocando a inflação. Seria inoportuno desenvolver as posições teóricas que esta questão comporta, não vindo para aqui discutir a posição extremista dos economistas que modernamente advogam com insistência tal método. Creio, contudo, não ser despropositado estudar, entre nós, a possibilidade de encarar o financiamento da nossa industrialização, criando, embora em escala reduzida, moeda. A capacidade produtiva de alguns sectores pode conjugar-se com as disponibilidades de mão-de-obra, em ordem a responder ao possível aumento do poder de compra. Será, portanto, um problema de eficiente coordenação.
No que se refere à utilização do imposto ou do empréstimo como processo de mobilização de aforro, julgo oportuno salientar o seguinte:
1.º A notória propensão à liquidez que se verifica no nosso meio merece estudo cuidado nas suas causas e nos processos mais idóneos para a contrariar, tirando dos respectivos capitais a indispensável utilização para o nosso aceleramento económico;
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2.º Por grande que seja o recurso n dívida pública, ficará sempre larga margem para a actuação lineal.
É desta, pois, que passamos a ocupar-nos.
O primeiro voto que formulo, Sr. Presidente, é pela rápida publicação da nova reforma fiscal. Ansiosamente esperada a partir da Lei n.º 2040, de 23 de Dezembro de 1950, tudo concorre para que a mesma deva entrar em vigor no ano era que se inicia a execução do II Plano de Fomento.
Será de desejar que, mais do que uma simples actualização dos textos normativos existentes, o novo ordenamento contemple autenticas reformas de estrutura.
Numa época que tem consagrado o imposto único sobre o rendimento, talvez fosse oportuno estudar a sua instituição em Portugal. Mas, verificada tal impraticabilidade, já se me afigura mais provável, como primeira conquista, um imposto pessoal sobre o rendimento, o qual integraria, entre outros, o imposto profissional, o imposto sobre a aplicação de capitais e o imposto complementar.
De qualquer modo. é inegável que subsistem entre nós duas deficiências que importa corrigir:
1.º A imperfeita determinação da matéria tributável;
2.º A má distribuição da carga tributária.
Já no relatório da proposta de lei de autorização para 1956 se escreveu não se duvidar de que a melhor distribuição do imposto poderá consentir uma elevação de receitas sem incidências gravosas.
Creio que, a manter-se o plano tributário actual, deverá o mesmo consentir alterações. Exemplifiquemos:
1) O imposto complementar é o elemento de personalização do sistema vigente. Na verdade, «incide sobre o rendimento global, conhece a isenção do mínimo de existência, admite deduções para encargos de família e é de taxa consideravelmente progressiva». Simplesmente, em nosso entender, impõem-se, além do mais, duas alterações:
a) O mínimo de isenção deverá ser aumentado. Na verdade, o montante de 50 contos não assume já hoje um valor que justifique a sua consideração como limite mínimo;
b) A progressividade da taxa deverá manter-se em relação aos rendimentos mais elevados. O imposto progressivo deve atingir «sobretudo os grandes proprietários e capitalistas, cujo espirito de iniciativa é escasso, permitindo ao Estado proceder a investimentos ou fomentá-los, em sua vez».
2) O imposto profissional, na medida em que se furta a um carácter real, não deverá deixar de atender a duas circunstâncias:
a) Certas formas de actividade, que o imposto vem a libertar de gravames mais onerosos por parte do fisco, constituem, em nossos dias, uma forma bem característica de acumular riqueza;
b) Num simples plano de justiça relativa, conviria evitar que esses mesmos sectores se encontrassem, no fim de contas, em posição mais favorável, dentro do imposto profissional ou até nas suas projecções, no imposto complementar, do que os meros empregados por conta de outrem.
3) Os enriquecimentos Fortuitos, que entre nós assumiram particular e até caricatural relevo com os lucros extraordinários de guerra e, mais tarde, se salientaram com a valorização de produtos angolanos, voltam a ser uma realidade, por exemplo, com a cortiça.
Não raro foram a causa de surtos inflacionários, tendo deixado com a sua efemeridade maus hábitos numa população que antes fora trabalhadora e frugal.
Ora, é uma realidade que as mais-valias actuais, provenientes de alguns produtos agrícolas, não foram absorvidas pela contribuição predial rústica. E nem ao menos a elevação da sisa contrariou os propósitos de certos coleccionadores de propriedade rústica, dispostos a agravar um problema latifundiário. Importa, na verdade, que estas maiores valias sejam tributàriamente contempladas pelo fisco.
4) Quanto à sisa, se o seu desagravamento se justifica em casos como o de facilitar a construção de habitações para classes modestas ou para a instalação do indústrias, mas unicamente em zonas de localização industrial justificada, já se mo afigura que a mesma poderá servir a reorganizarão agrária nas políticas de emparcelamento e de parcelamento. Verificados, de resto, os louváveis processos de desencorajamento ao investimento imobiliário especulativo, também a sisa poderá colaborar nesta política.
5) Atentemos, para finalizar, nos consumos.
Já tive ocasião de afirmar nesta tribuna encontrarem-se no nosso pais os consumos sensivelmente onerados ou ser fácil a repercussão dos impostos sobre o rendimento nos consumidores. Todos estamos de acordo que é mesmo aos impostos sobre os rendimentos que devem pedir-se entre nós as maiores receitas adicionais.
Aceites, porém, os dois grandes grupos do consumo, ou seja consumos primários e consumos de luxo, já as políticas deverão ser diferentes relativamente a cada um destes sectores. Assim:
a) Importa desagravar es consumos primários em ordem a fomentá-los, o que acarretará inerentes vantagens económicas e repercussões sociais nas classes menos favorecidas.
A este propósito, Sr. Presidente, desejo referir a conveniência que haveria em rever até aspectos da tributação dos organismos corporativos e de coordenação económica, de notória projecção, dada a sua feição indirecta, nos consumos.
b) Impõe-se, por outro lado, tributar fortemente os consumos de luxo. Não se trata apenas de captar na sua projecção social os benéficos efeitos duma medida que poderá enfraquecer a ostentação humana, reduzindo a diferença entre os homens. São inegáveis as projecções económicas desta maior tributação, como só poderá justificar com a análise do comércio externo. A corrida desenfreada na importação de artigos sumptuários deverá sor reprimida e o processo preconizado poderá ter relativo êxito.
Sr. Presidente: toda esta problemática, reflectindo o velho princípio da mútua relação das coisas económicas, anima-nos a salientar aqui duas questões de notável relevo na actualidade portuguesa:
a) O comércio externo;
b) O agravamento da desigualdade na repartição do rendimento.
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Um processo de industrialização repercute-se com desfavor na balança de pagamentos. Na verdade, o mesmo acarreta:
1.º Uma maior importação de matérias-primas e equipamentos indispensáveis à industrialização;
2.º Um acréscimo na importação do mercadorias, dispensáreis no processo de industrialização, mas normalmente consequência dum aumento de riqueza.
Ora, se a melhor prudência apenas recomenda coordenar a procura dos bens do primeiro grupo com a possível expansão interna da produção desses mesmos bens, já o bom senso impõe que se evitem as importações do segundo grupo, ou seja nos sectores supérfluos. Esta é uma medida avisada, que importa ter em conta no nosso país.
O déficit crónico da nossa balança comercial teve, em 1957, a inesperada companhia dum deficit, embora reduzido, na balança de pagamentos. Creio que estas realidades desfavoráveis não devem ser minimizadas.
Possui o País uma reserva de ouro e divisas que lhe dá certa tranquilidade, permitindo-lhe mesmo encarar o processo de industrialização. No quadriénio de 1953-1956, por exemplo, a um saldo negativo médio anual na balança comercial da metrópole de cerca de 1095 milhões de escudos correspondeu um saldo positivo médio anual na balança de pagamentos de 1090 milhões de escudos. Todos estes factos não nos dispensam, porém, de empregar urgentes esforços no sentido duma melhoria substancial da nossa posição.
Se é verdade que a exportação de bens e serviços da metrópole cresceu, entre 1947 e 1956, de 72 por cento, a preços constantes, também não restam dúvidas de que, como se escreveu recentemente, anuo pode ser considerada tranquilizadora quando se recorda o baixo nível da exportação de mercadorias no fim da guerra e se verifica que continuamos cingidos a cinco ou seis produtos das actividades primárias (pois mesmo quando se fala em indústrias de exportação, como conservas, cortiças e resinosos, ó mínimo o valor acrescentado pelo trabalho e capital nacional à matéria-prima em que a natureza foi pródiga). Mais ainda: não se vê crescer a venda para o exterior do País de tais exportações tradicionais da nossa indústria, antes se deparando com curvas de produção, em termos físicos, de tendência, estagnada, com a agravante de se revelarem fortemente instáveis».
Desejaria, Sr. Presidente, ser aqui intérprete de umas tantas inquietações do homem da rua, no sentido de ser esclarecido sobre a actuação dos nossos organismos oficiais em favor da exportação dos nossos produtos. E se o problema tem largas implicações, exigindo toda uma actuação de conjunto, gostaria de pôr umas tantas dúvidas:
Quando se publicará a reforma aduaneira?
Justificar-se-á que indústrias do exportarão paguem direitos fiscais por matérias-primas e maquinismos importados ou até por produtos exportados, agravando-se assim a sua posição perante os competidores estrangeiros?
O próprio regime de draubaque existente coadunar-se-á com as realidades na sua legislação dispersiva ou mesmo decrépita?
Compreender-se-á que importemos anualmente tabaco, que nos leva, se não estou em erro, mais de 100 000 contos e não tentemos a sua cultura na província ultramarina de Moçambique?
Será justificável que o abastecimento de oleaginosas, não provenientes do ultramar, nos leve notável sanaria de divisas e não tenhamos correspondido à insistência dos respectivos organismos coordenadores do seu comércio, no sentido de ser tentada a respectiva cultura no continente, por exemplo, na campina da Idanha? Costuma dizer-se que as políticas de hidráulica agrícola se esquecem por vezes da inerme elaxticity of demand, criando problemas de excedentes agrícolas. Afigura-se-nos, até por esta razão, louvável ensaiar entre nós as culturas que conduzem às referidas oleaginosas.
O momento que estamos a viver relativamente à exportação de vinho anima-nos a perguntar porque não importará mais conservas portuguesas a França, doce pais a quem tão devotadamente compramos folha-de-flandres?
Sr. Presidente: o agravamento na desigualdade de repartição de rendimentos parece ter-se acentuado nos últimos anos entre nós.
Tal facto, que não ú exclusivo do processo de desenvolvimento de economias menos evoluídas, origina agravamentos de ordem social, além de poder representar economicamente uma perda de mercados potenciais para as nossas actividades produtoras.
Convergem assim as razoes para que se congreguem esforços em ordem a evitar tais inconvenientes. E se a política fiscal ainda aqui poderá ter salutar actuação, permito-me igualmente salientar a remuneração do trabalho nas modalidades de salários directos e indirectos.
O Estado, como patrão duma grande massa de funcionalismo, deve ele próprio ponderar que enquanto, por exemplo, o índice de preços a retalho variou de 102 para 246, entre 1939 e 1950, o aumento de vencimentos subiu apenas de 100. Ainda aqui, portanto, encontramos razoes para pensar ser urgente uma revisão nas remunerações do funcionalismo público, nomeadamente nos escalões mais modestos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: no cálculo, já referido, do relator do parecer da Câmara Corporativa sobre a Lei de Meios para 1958, as receitas das autarquias locais representariam cerca de 8,5 por cento das receitotais cobradas nesse ano, ou seja um pouco mais do que as receitas da organização corporativa e dos organismos de coordenação económica (cerca de 6,2 por cento do total).
Daqui poderemos concluir pela modéstia das finanças das autarquias locais no conjunto e, dada a relativamente fraca intensidade da carga fiscal, em conjugação com o estudo da justiça e oportunidade económica da tributação de certos sectores, aceitar também uma revisão no estado actual de coisas.
O problema comporta assim dois planos:
1.º Uma análise mais detalhada das finanças das autarquias locais em 1956. Para tal servimo-nos dos valores constantes do Anuário da Direcção-Geral de Administração Política e Civil para 1956:
2.º Uma relação de algumas providências que se me afiguram oportunas.
O movimento global das receitas das autarquias para 1956 atingiu, em números redondos, 1 873 000 contos, assim distribuídos:
Juntas gerais dos distritos insulares - 146 800 contos;
Juntas de província - 39 400 contos;
Câmaras municipais - 1 687 000 contos.
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Anote-se, incidentalmente, que os cofres privativos dos governos civis movimentaram em 1956 17 500 contos.
Estes totais, na heterogeneidade dos elementos que os integram ou até pela diversidade da composição de cada um, pouco significarão. Permitirão, contudo, aferir dum quantitativo movimentado no conjunto dos dinheiros da Nação ou ainda da importância relativa de cada um dos grupos, perante o total ou diante dos restantes. Assim, as receitas das quatro juntas gerais atingiram montante três vezes superior à soma das receitas das onze províncias e dos dezassete cofres privativos dos governos civis.
A magreza das receitas das juntas de província, totalizando cerca de 27 000 contos no sector ordinário e 5000 contos nas extraordinárias, revela a posição modesta destas juntas na vida administrativa da Nação e fornece um elemento, não despiciendo, para quem queira discutir a sua vitalidade e a conveniência da sua manutenção.
Quanto às câmaras municipais, o movimento das receitas foi em 1956 como se segue, em militares de contos:
1) Ordinárias (excluindo os reembolsos,
reposições e consignações) .......................... 912
2) Extraordinárias .................................. 278
Saldos dos anos anteriores .......................... 207
Se atendermos, porém, a que cerca de 400 000 contos pertencem ao Município de Lisboa e 150 000 contos ao do Porto, poderemos concluir que estas duas Câmaras arrecadam um terço da receita total dos municípios, para uma população que é de cerca de um oitavo da do País.
Este simples enunciado revela os desequilíbrios da nossa capitação tributária municipal.
Se procurarmos agrupar os municípios pela sua receita ordinária, poderemos elaborar o seguinte mapa:
Receitas
(excluindo os reembolsos, reposições e consignações)
Números de municípios
Inferior a 200 contos ......................... 1
De mais de 200 a 500 contos ................... 38
De mais de 500 a 1000 contos ..................106
De mais de 1000 a 2000 contos ................ 72
De mais de 2000 a 3000 contos ................ 35
De mais de 3000 a 4000 contos ................. 20
De mais de 4000 a 5000 contos ................. 10
De mais de 5000 a 10 000 contos .............. 15
De mais de 10 000 a 15 000 contos ............ 2
De mais de 15 000 a 30 000 contos ............ 2
De mais de 30 000 contos ..................... 2
VV. Ex.ªs perguntarão, por certo, o que poderão fazer anualmente, depois de satisfeitos os encargos obrigatórios, as cento e quarenta e cinco camarás municipais que, nas trezentas e três do continente e ilhas, arrecadaram em 1956 menos de 1000 contos.
Mas esta pergunta podê-la-ia fazer igualmente a câmara de um concelho cujas receitas ordinárias ultrapassaram 10 000 contos.
Escolhamos, por exemplo, Coimbra.
As receitas ordinárias arrecadadas em 1956 atingiram cerca de 11 382 contos. Ora, dos encargos do Município de Coimbra em 1956 poderemos salientar:
5024 contos em despesas com o pessoal;
1040 contos na amortização e juros de empréstimos;
1200 contos (estimativa) com internamento de doentes pobres;
400 contos em despesas de instrução;
460 contos para as dotações obrigatórias a que se refere o artigo 753.º do Código Administrativo.
Isto é, mesmo não considerando outras despesas obrigatórias de menor quantitativo, restarão à Camará de Coimbra, anualmente, menos de 3000 contos para satisfazer as necessidades duma cidade que sói considerar-se a terceira do Pais, num concelho onde a área rural é constituída por vinte e cinco freguesias, as quais formam uma população de mais de 00 000 habitantes.
Sr. Presidente: além do desequilíbrio entre as duas capitais e o resto do Pais, acentua-se hoje um outro desequilíbrio entre o Portugal do litoral e o do interior.
Esta realidade, conexada com a própria constituição geográfica e acalentada por migrações multisseculares, avulta, por exemplo, se considerarmos a localização da nossa indústria ou as próprias infra-estruturas que a apoiam.
Se, por exemplo, considerarmos a repartição regional da população activa do sector secundário, poderemos dividir o País em três grupos de regiões:
I) Grupo constituído pelos distritos do Porto, Braga, Aveiro, Setúbal e Lisboa, o qual detém 67 por cento da nossa população industrial e onde a percentagem de população industrial na população activa varia de 44 a 28 por cento;
II) Grupo constituído pelos distritos de Castelo Branco, Leiria. Faro, Coimbra, Santarém e Viana do Castelo, onde a percentagem da população industrial na população activa varia de 23 por conto a 17 por cento.
Acentue-se que neste grupo se inclui o distrito de Castelo Branco, mercê da concentração industrial da Covilhã, pois o restante distrito, em boa verdade, deveria incluir-se no III grupo.
III) Grupo constituído pelos distritos da Guarda, Évora, Viseu, Portalegre, Beja, Vila Real e Bragança, onde a percentagem da população industrial na população activa varia de 14 por cento a 9 por cento.
Como se escreveu recentemente, sa distribuição da localização das indústrias do nosso país, como a própria escolha das indústrias exercidas, não tem obedecido, até agora, a qualquer plano preconcebido e estudado (o estabelecimento dos planos de fomento é recente), tendo dependido um pouco dos caprichos humanos,
pode dizer-se, e algumas vezes de interesses ou razões e ordem económica, mas que se sempre restrita... Mas, sobretudo, o que tem contribuído para os inconvenientes apontados na nossa indústria tem sido a falta de estudo e preparação técnica, aliada a uma ausência de tradição industrial e de sentido económico do nosso povo, o que em parte, é devido à diminuta generalização, até agora, da chamada grande indústria no nosso país».
A própria localização no I grupo assume aspectos variados. Assim, enquanto Lisboa e Porto concentram na própria urbe intensa actividade fabril, nos distritos de Aveiro e de Braga há una disseminação na indústria. Ora, Sr. Presidente, só quisermos considerar a projecção destas realidades nas finanças municipais, poderemos elaborar o mapa que segue.
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(Ver Quadro na Imagem).
Os números transcritos dispensam quaisquer comentários. São Leni expressivos sobre a diversidade acentuada.
Mas, se procurarmos um apoio nas infra-estruturas, ainda aqui poderemos colher a seguinte lição:
(Ver Quadro na Imagem).
No projecto do II Plano de Fomento escreve-se que o inquérito realizado pelo Ministério das Obras Públicas mostrou que há no País mais de 8000 povoações, com uma população de cerca de 1 200 000 habitantes, que não têm acesso rodoviário, podendo por isso considerar-se isoladas. Em face das percentagens referidas, é fácil concluir a que zonas do País pertencem essas 8000 povoações.
Sr. Presidente: embora se torne maçador persistir neste ponto, julgo necessário reafirmar a urgência de algumas medidas para a solução das carências financeiras dos municípios e concomitantemente, para a realização dum desejado equilíbrio das várias zonas do País:
1.º Convém fomentar o desenvolvimento económico das zonas rurais, completando as infra-estruturas que lhe servirão de apoio, realizando uma desconcentração industrial, revendo aspectos da política e estrutura agrárias e estendendo aos nossos campos as actividades e benefícios do sector terciário;
2.º ÀS alterações nas finanças do Estado repercutir-se-ão nos réditos municipais. Assim, o novo cadastro, que convirá realizar rapidamente, possibilitará reajustamentos na contribuição predial rústica, beneficiando os adicionais; a tributação progressiva de altos rendimentos e a extensão do beneficio dos adicionais a sectores do imposto profissional, ao imposto de sisa, ao imposto sobre as sucessões e doações e ao imposto complementar são imperativos de um mínimo de justiça para com os municípios;
3.º O Estado deverá ouvir os constantes clamores das câmaras no sentido de serem desoneradas de certos encargos, que mais propriamente deveriam ser pertença do Poder Central;
4.º A política dos subsídios e das comparticipações deve ser mais efectiva e, sobretudo, beneficiar os municípios mais pobres, assumindo o Estado o encargo quase total da realização de certos melhoramentos indispensáveis à vida de qualquer comunidade;
5.º Não se compreende, de resto, que o Estado venha regateando às câmaras o que justamente lhes pertence. Exemplifico com a compensação sobre a gasolina, a que me referi na discussão da Lei de Meios. Nem por outro lado serão defensáveis procedimentos como o referido no § único decreto-Lei n.º 22 520;
6.º A própria tributarão municipal reclama revisões na sua estrutura jurídica ou nos quantitativos permitidos. Exemplifique-se com a tabela B anexa ao Código Administrativo, cuja revisão se aguarda ansiosamente, ou com as disposições sobre a licença de estabelecimento comercial e industrial, constantemente fomentadoras de dúvidas.
Sr. Presidente: tenho para mim que a insatisfação é, por vezes, mais filha de períodos de actividade febril do que de épocas de marasmo. Coisas que é pecado sonhar em tempos de apagada e vil tristeza impõem-se como de urgência imperiosa nos dias em que o sol do ideal se reflecte nas realizações dos homens. Assim, o muito que pedimos no Portugal de hoje é exigência do muito que se fez nas últimas três décadas.
Importa, de facto, que nesta terra, que foi de líricos, maneirinhos e superficiais, os homens, sem negar as doçuras de um viver habitual, se compenetrem, cada vez mais, do ingente esforço que importa despender para recuperar atrasos de séculos, da pesada mas honrosa tarefa, que sobre elas recai, de manter e valorizar um património ultramarino, que necessariamente será alvo de vãs cobiças.
Ao gosto pelo sumptuário responderemos com o culto pelo essencial. Ao esforço improvisado e dispersivo oporemos o planeamento metódico e a execução porfiada. Em suma, aos defeitos congénitos da raça saberemos responder com as virtudes e a lição de Salazar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: a minha intervenção na apreciação das contas do Estado referentes ao ano de 1956 limitar-se-á a umas breves considerações sobre as contas do Estado da índia. É grato verificar que é desafogada a situação financeira da província.
No ano em referência, o excesso da cobrança das receitas ordinárias sobre a previsão orçamental foi de mais de 7 milhões de rupias. E, se a este excesso de cobrança juntarmos o da autorização de despesa sobre os pagamentos, o saldo positivo eleva-se a quase 18 milhões de rupias. Limitando-me, porém, aos rendimentos próprios do Estado, abrangidos nos primeiros sete capítulos do orçamento, verifica-se que o excesso da cobrança foi de mais de 4 milhões de rupias. Quanto às despesas, também estas atingiram avultadas importâncias, excedendo em 1956 em mais de 3 milhões de rupias as do ano de 1955.
Tudo isso levou o Sr. Director dos Serviços de Fazenda e Contabilidade do Estado da índia a dizer no seu elucidativo relatório que a situação do Tesouro não
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pode deixar de se considerar desafogada. Vás conclusões do mesmo relatório o Sr. Director de Fazenda diz:
Não podemos deixar de acentuar que a principal fonte das nossas receitas continuam a ser os direitos aduaneiros e outras imposições com elas relacionadas, em franca desproporção com os impostos directos.
E acrescenta:
A vida orçamental não pode estar assente em impostos indirectos, tornando-se por isso necessário distribuir os encargos fiscais dentro dos princípios da equidade e justiça tributária.
Já agora, não se poderá dizer que a, vida orçamental no Estado da índia assenta nos impostos indirectos. Em Novembro do último ano entrou em vigor o novo Regulamento do Imposto do Selo. O orçamento do corrente ano prevê a avultada importância de 535000 rupias como receita proveniente desse imposto. Além disso, em Março do corrente ano o Conselho Legislativo votou a reforma tributária. Dessa reforma resultará um considerável aumento de receita, o que tornará ainda mais desafogada a situação financeira da província, não podendo afirmar-se que a vida orçamental do Estado da índia assenta principalmente em impostos indirectos. O saldo positivo ao qual atrás me referi, sendo proveniente, em grande parte, do excesso da cobrança e receita sobre a previsão, deve-se principalmente à melhoria do comércio externo.
É deveras animador o movimento da balança comercial. No quinquénio de 1952-1956 reduziu-se sensivelmente o déficit, que em anos idos havia assumido assustadoras proporções. Em 195G os valores das importações elevaram-se a 114.002:000 rupias e a 82.741:000 as exportações, reduzindo-se o deficit a 31.311:000 rupias, contra 50.631:000 em 1952.
É principalmente à indústria mineira que se deve essa melhoria. A indústria mineira tem tido um surpreendente incremento. E isso deu-nos, entre outras, a incalculável vantagem de podermos dispor de um avultado número de cambiais, que tão necessárias nos são para as nossas transacções e ainda para a aquisição de artigos alimentícios de primeira necessidade. São suficientemente elucidativos os números que a seguir indico:
Em 1954 exportaram-se:
Minério de ferro, 2 046 770 t, no valor de 59.083:000 rupias.
Em 1955: minério de manganês, 162 374 t, no valor de 20.290:000 rupias, contra 145 172 t, no valor de 20.290:000 rupias, em 1955.
Direi, de passagem, que em 1957, até ao mês de Novembro, exportaram-se:
Minério de ferro, 288 390 t, no valor de 70.267:331 rupias.
Minério de manganês, 127 6961, no valor de 21.256:802 rupias.
Estes números dão-nos bem a ideia do desenvolvimento que a indústria mineira tem tido entre nós.
É, porém, de carácter instável e precária essa fonte de receita. O rendimento que dela auferimos está sujeito a flutuações do mercado.
Torna-se por isso necessário que volvamos as nossas atenções para a agricultura, que é o que mais nos deve preocupar. Infelizmente, não se tem avançado muito neste ponto. Impõe-se como uma imperiosa necessidade quo se incremente a nossa produção e que se valorizem os nossos produtos agrícolas.
O Governo vem envidando os seus melhores esforços nesse sentido. Ainda não há muito, no relatório que precedeu as bases do orçamento de 1958, o ilustre
Governador-geral, Sr. General Bénard Guedes, que vem consagrando o melhor da sua atenção aos problemas fundamentais que se relacionam com a nossa situação económica, dizia, quanto ao arroz, que é o nosso principal produto agrícola e base da alimentação:
É firme propósito do Governo conseguir, dentro de pouco tempo, a auto-suficiência em arroz. E, em tal sentido, as campanhas contra pragas e doenças acusam sensível aumento da produção de arroz.
Está ainda sem solução adequada o problema da valorização do coco pela sua colocação em mercados estrangeiros ou pela sua industrialização, bem como a valorização do sal e da areia.
Uma das nossas maior 55 riquezas, a que por muito tempo não se prestou a atenção, é o peixe. A pesca ú feita por processos antiquados e pouco eficientes. Frisando o facto de que a exportação de peixe seco e salgado diminuiu em 1956 em relação ao ano anterior, o Sr. Director de Fazenda acentuava que se espera que torne a aumentar, pois os esforços envidados neste sentido pelo Governo, através dos seus organismos, tratando-se de todos os produtos que, tradicionalmente e pela situação favorável do mercado, eram exportados para a União Indiana, não poderem deixar de ser coroados de êxito, normalizando, cedo ou tarde, a exportação desses produtos para novos mercados consumidores. Quanto ao peixe, assim foi, de facto.
O Sr. Governador-Geral, no seu já citado relatório, diz que, pelos resultados obtidos pelas traineiras oferecidas pelo Governo Central, pode desde já concluir-se que a costa de Goa é rica em peixe - e rica em espécie e em quantidade -, estancia assim verificada a condição posta pelo Conselho Económico ao pronunciar-se sobre a instalação de uma fábrica de e afinação de peixe: a de existir peixe bastante na nossa costa para que a fábrica não fosse agravar a situação alimentar da população, deficitária em proteínas.
Outro ponto que mereces especial referência é a circulação fiduciária.
Nos termos da Portaria Ministerial n.º 14716, de 2 de Janeiro de 1954, o limite da circulação fiduciária era de 40 milhões de rupias. Dois anos depois elevou-se esse limite a 60 milhões d» rupias.
A situação que o Governo da vizinha índia nos criou impôs a necessidade do aumento da circulação fiduciária. É, que foi preciso substituir as notas da União Indiana, cuja circulação ficou, por força das circunstancias, sensivelmente reduzida.
Referindo-se ao aumento da circulação fiduciária, o Sr. Director de Fazenda diz, no seu relatório:
Este aumento, embora elaborado, corresponde, em suma, à alta do poder do consumo, pois o progressivo desenvolvimento da indústria mineira, investimento com as obras do Plano de Fomento e despesas das forças militares aqui estacionadas contribuíram para uma maior circulação do dinheiro.
Basta notar que só as despesas extraordinárias do Estado com recurso nos saldos das contas dos exercícios findos e empréstimos nos anos de 1905 e 1956 excederam em cerca de 9 milhões de rupias as relativas às do ano de 1954. Isto quer dizer que aquelas rupias saíram dos cofres e entraram no meio circulante.
Uma das causas que mais tem contribuído para agravar a nossa situação económica está nas odiosas e desumanas restrições que o Governo da vizinha índia tem imposto às remessas monetárias dos nossos emigrantes.
(Assumiu a presidência e Sr. Deputado José Soares da Fonseca).
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Em lace dessas restrições, vêem-se eles. quase na sua totalidade, na impossibilidade de transferir dinheiro para sustento e manutenção de suas famílias, as quais, privadas de recursos, vivem numa situação angustiosa.
Ainda ultimamente o mesmo Governo resolveu permitir o livre trânsito dos Goeses de e para Goa através da fronteira, que é comum.
Seja qual for o alcance dessa medida, o que seria de real interesse é que, com a permissão do livre trânsito, fosse facultada ao Goeses a transferência das suas economias.
Não obstante essas restrições, os recursos dos emigrantes em 1950 totalizaram mais de 11 milhões de rupias, a que muito contribuiu para atenuar o deficit da balança de pagamentos.
No capítulo do relatório do director de Fazenda sobre a posição da dívida pública vejo referência ao empréstimo gratuito com o Banco Nacional Ultramarino, na importância de rup. 652:284-15-08, em conformidade com o disposto nos artigos 51.º e 52.º do Decreto n.º 17 104, de 26 de Julho de 1920, e cláusula 50.º do contrato de 8 de Agosto de 1929 e § 3.º da cláusula 50.º do contrato de 16 de Junho de 1953.
Não há dúvida - é real o empréstimo concedido pelo Banco Nacional Ultramarino. Mas não é menos real a divida que o mesmo Banco tem para com o Tesouro da índia, proveniente da percentagem sobre a circulação fiduciária, que nunca pagou. Não é também menos real a divida que resulta do avultado lote de acções liberadas que, a solicitação do próprio Banco, devia substituir a percentagem sobre a circulação fiduciária - acções que nunca nos foram dadas.
Ora, se assim é, como pode manter-se o empréstimo que o Banco concedeu em 1920?
Dou por reproduzidas aqui as considerações que nas minhas intervenções anteriores sobre o assunto.
Concluirei esta minha exposição com as palavras com que o Sr. Eng.º Araújo Correia abre o seu brilhante parecer sobre as contas do Estado da índia:
Apesar de não terem desaparecido as circunstâncias que trouxeram entraves ao Estado da Índia, melhoraram as suas condições de vida económica e financeira. O volumoso .saldo negativo de 1950 no comércio externo reduziu-se para menos de metade e aumentaram as entradas cambiais no ano de 1951.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: participar nesta discussão anual das contas públicas com o fruto do alguma reflexão própria tem, antes de mais nada, parece-me, o significado de uma dupla homenagem: primeiramente, à vontade de limpidez que há trinta anos domina a administração financeira do País e com toda a regularidade se manifesta na exibição discriminada dos seus actos e no convite ao julgamento do que foram e representaram ; depois, ao incansável labor de quem nos ajuda, ano apus ano, com a análise minuciosa e um comentário esclarecido da gestão cujo juízo somos chamados a fazer. E é sobretudo como homenagem a tanto e tão valioso trabalho que venho apresentar umas considerações brevíssimas suscitadas logo à leitura das primeiras páginas do parecer sobre as contas da administração metropolitana, considerações que bem sei não poderem oferecer novidade aos especialistas da sua matéria, mas porventura ferirão notas pouco batidas junto da opinião desprevenida.
Quero referir-me, para a apoiar calorosamente, à afirmarão da necessidade - eu diria: da urgência da revisão dos princípios do nosso sistema tributário, tomando em conta os rendimentos individuais, por difícil que seja formar deles ideia exacta, e encaminhando as coisas suo sentido de estabelecer regime tributário baseado essencialmente nos rendimentos e que torne mais equitativa a comparticipação do contribuinte nas receitas públicas».
Porque esta equidade não creio que alguém a possa hoje em dia dizer realizada, nem de longe; e, a menos de uma verdadeira revisão de princípios, é bem de temer que o progressivo aperfeiçoamento das cobranças, na continuação dos processos actuais da Administração, não leve senão a ofendê-la cada vez mais.
Ora, é uma necessidade bem reconhecida a do aumento das receitas do Estado, perante o crescer das exigências quo do todos os lados lhe chegam, e a que até nós próprios, aqui na Assembleia, em cada mês de Dezembro, acrescentamos alguma coisa.
E é um facto que este aumento se vai fazendo, insidioso talvez, mas implacàvelmente efectivo, pelo simples mecanismo do aperfeiçoamento das cobranças, somado à crescença da matéria colectável. Basta atentar em que nos sete anos de 1950 a 1956 o produto dos impostos directos passou de 1 655 500 para 2 283 900 contos, aumentando no período, de relativa estabilidade no valor da moeda e sem alterações espectaculares do regime tributário, em quase 38 por cento do seu primeiro valor, para se reconhecer quanto assim é.
Ora, estas cobranças, e os seus acréscimos, processam-se por um sistema fiscal que, nas suas grandes linhas, vai em breve perfazer trinta anos de vigência, e trinta anos férteis em transformações da vida económica e social da Nação, como do vasto mundo que a cerca. Será fazer injustiça aos méritos originais do sistema perguntar se ele ainda é actual, se ainda se adapta com equidade e eficiência suficientes à evolução dos modos do geração de rendimentos tributáveis?
Certamente uma primeira resposta nos vem do próprio Governo, que, por oportuna iniciativa do nosso ilustre colega Dr. Águedo de Oliveira, quando Ministro das Finanças, reconheceu, vai já em sete anos, a conveniência de rever e aperfeiçoar não só a técnica como o próprio direito fiscal. A tarefa, porém, não parece ainda concluída, e enquanto não se lhe colhem os frutos não se irá senão acentuando o desvio das proporções relativas em que os contribuintes sobrecarregados e os casualmente aliviados concorrem para o sustento da vida pública.
Afigura-se-me, com efeito, que o nosso sistema fiscal, moldado em linhas de uma velha tradição, formada em condições de estabilidade, ou antes, de fixidez económica, que se encontram ultrapassadas, não está apto a tributar proveitosamente certos rendimentos de tipo nu importância novas, nem sequer a seguir as flutuações actuais dos rendimentos clássicos.
E, deste modo, creio que se arrisca a incorrer, e vai efectivamente incorrendo, em três ordens de faltas: em primeiro lugar, a de deixar sem tributação actividades que não tem processo eficaz de colectar; em segundo lugar, a de colectar mal actividades que não pode aferir; em terceiro lugar, a de falharem as oportunidades de colectar actividades em flutuação rápida de proventos.
Darei exemplos do que quero dizer na minha, dentro de uma noção, que confesso ser superficialíssima, de factos cujo verdadeiro peso deixo ao contraste dos especialistas. Porém, o fundamental, a meu ver, é que esta noção eu ou outros a possamos formar em termos de despertar a. inquietação que estou procurando comu-
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nicar a VV. Ex.ªs, e que é, por um lado, a de ver o Estado perder rendimentos quantiosos e, por outro Indo, a de sentir a possibilidade de injustiças fiscais que podem ainda por um tempo acentuar-se, quando deveria imediatamente pôr-se-lhes cobro.
Primeiro exemplo: em actividade tão importante como a da construção civil na cidade de Lisboa, dizem-me que não tem sido encontrada forma prática de colectar os industriais da construção de prédios para venda, e que, por isto, muitos construtores, se não todos, deste ramo não têm sofrido o lançamento de contribuição industrial. Ninguém desconhece, todavia, que nesta actividade se auferem lucros muito substanciais na venda dos prédios, uma vez construídos, a capitalistas, que os procuram como objectos de investimento. Transaccionam-se por ano dezenas, se não centenas, do prédios com margens entre os preços de custo final para os construtores e os de venda que não raro se cifram por milhares de contos. Ainda há pouco me referiram o caso, este decerto excepcional, de um bloco que deixou ao seu construtor nada menos do que 12 000 contos de benefícios. Pois bem, estes benefícios, aparentemente, não são tributados! Não há mecanismo eficaz e praticável para o fazer.
Aliás, a uma actividade descontinua como é esta não se quadraria a regularidade anual de cobrança que o presente regime da contribuição industrial exige, e deste defeito do sistema advém mais uma justificação para o esquecimento tributário.
Efectivamente, segundo me informam, um construtor que em determinado ano houvesse pago contribuição industrial realmente proporcionada aos lucros auferidos ficaria no ano seguinte praticamente obrigado a imposto igual, por diferentes que fossem os seus' proventos, ou então a declarar baixa da actividade. Assim, na dúvida, desiste-se de colectar, por estranho que pareça. E eis, só num ramo bem particularizado de actividade, rendimentos que presumivelmente somarão dezenas de milhares de contos livres da acção do fisco, por não haver sistema de lançamento aplicável ao seu caso.
Segundo exemplo. Ninguém ignorará como se têm multiplicado por ai agentes comerciais, gestores de negócios, comissários, representantes, que, instalados em escritórios mais ou menos discretos, ou mesmo sem eles, como actividade normal ou por fortuitos acasos, intervêm em transacções de todo o género e de todo o vulto, sem oferecerem, porém, à cobiça do fisco senão indícios magros pelos critérios clássicos, não obstante as marcas exteriores de sucesso material, por outros critérios, poderem não faltar: alguém saberá dizer se é irrelevante a perda para o Estado, por não se ter ainda habilitado a avaliar mais seguramente (se tanto é possível), para efeitos de colecta, os réditos destas e de muitas outras novas formas de actividade, em que a discreção das manifestações não se iguala à dos proventos?
Agora, o exemplo da terceira espécie. Temos visto, nos últimos anos, como viramos durante a guerra, flutuações importantes de preços de certas mercadorias, que, ao darem-se no sentido ascendente, deixam supor consideráveis benefícios para os respectivos produtores.
Logo o Estado fareja, se se trata de um sector clássico com que está familiarizado, a possibilidade de tributar esses benefícios; mas como a sua máquina fiscal está montada para regimes de normalidade, nestas emergências há que recorrer a medidas de circunstância, e então surgem as mais-valias ou as sobretaxas, em geral tarde e com o ensejo das primeiras cobranças perdido.
Mas isso fora o menos; o pior é que, uma vez instaurado o sistema e o fisco de paladar afeito ao novo rendimento, quando a tendência dos preços se inverte, é-lhe custoso largar mão da receita. Isto é o que está precisamente sucedendo com a cortiça, cuja importância no quadro do nosso comércio externo é desnecessário encarecer; sujeita a uma sobretaxa de exportação quando o seu preço subiu, agora, que o mercado virou e importaria fomentar o comércio, lá continua a sobretaxa, não obstante as queixas de nacionais e de estrangeiros, passada de tributo de circunstancia a verdadeiro empecilho das exportações, porque, segundo se alega, é difícil dispensar o rendimento de 30 000 ou 40 000 contos que ainda pode produzir!
Estas, Sr. Presidente, são meras ilustrações de como se pode formar a noção de o nosso sistema fiscal não estar já adaptado aos tempos e poder originar, pior ainda do que perdas de cobrança, reflexos perniciosos sobre a vida económica. Não me consente a oportunidade, nem a informação de que disponho, mais extenso desenvolvimento da matéria; e não é. aliás, uma tentativa de exame, mesmo fugaz, dos meios de aperfeiçoar a exacção fiscal - que, como qualquer contribuinte, eu, no intimo, antes quisera ver atenuada - que me trouxe a estas considerações.
Não, o que me preocupa, ante a certeza de que, apesar de tudo, essa exacção se fura cada vez mais exigente e mais rendosa, é o receio de ela, não deixando os caminhos tradicionais, continuar n encarniçar-se sobre a matéria colectável que se afez a conhecer e deixar em injusta folga muita outra que se tem criado sob figuras novas.
E, em suma, o receio de que os alvos continuem a ser sobretudo os detentores de bens visíveis, e ainda de que dentre estes os mais desarmados sigam sendo os mais agravados.
Tantas vezes se tem dito que o maior peso relativo da carga fiscal recai sobre os pequenos e médios empresários que ocioso será espraiar-me neste sentido; o que não tenho a certeza de estar averiguado é se isto resulta mais da técnica se da cristalização do direito fiscal em formas ultrapassadas pelo movimento da vida moderna e impróprias para o abarcarem em todas as modalidades.
A perfeição não ú deste mando, nem sequer do rígido mundo fiscal, e estultícia seria esperá-la de qualquer reforma; mas esta certeza não desvia de reconhecer que há presentemente grossas injustiças na repartição dos impostos que não podem merecer o aplauso dos espíritos rectos.
Estou que a chamada equitativa ao tributo dos que presentemente podem fugir-lhe bastaria para satisfazer algum tempo a voracidade crescente do Estado e satisfazer muitas necessidades de obvia urgência, sem onerar mais os que já pagam na sua justa conta.
Foi para erguer mais uma voz em prol de maior justiça fiscal que aqui vim; e posso fazê-lo com a serena tranquilidade de quem não hesitou em reclamar essa justiça - é verdade que ingloriamente - em termos de lhe sair cara. Há quase dez anos, com efeito, que, à testa da câmara municipal a e que me honro de presidir, na sua maioria composta de proprietários rurais, peço e venho instando, junto do Ministério das Finanças, pela aceleração dos trabalhos do cadastro geométrico no nosso concelho, onde nove décimos da área total estão fiscalmente subvalorizados, e a certeza de me encontrar na primeira linha dos atingicos nunca me desviou da atitude que tomei, não por quixotismo ou masoquismo, mas tão-sòmente por reconhecer a injustiça da situação.
Seja-me desculpada esta referência pessoal, mas ela era necessária, depois do que avancei, para esclarecer quem porventura ignore o baixo valor por que ainda figuram nas matrizes prediais extensas áreas do Centro e do Sul do País.
Salvo este aspecto, creio que, clamando por maior equidade nas tributações, estou rendendo serviço aos
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sacrificados agricultores do meu pais, que, por terem os seus bens ao sol, nunca podem furtar-se ao fisco. Pedindo tratamento igual para todas as actividades, não é decerto à dos que trabalham a terra que o efeito das minhas palavras primeiro poder atingir.
Porque, como disse o padre António Vieira num curioso sermão de verdadeira propaganda fiscal, se queremos que os tributos sejam leves, se queremos que sejam suaves, repartam-se por todos. Pois não há tributo mais pesado do que a morte, e, contudo, todos o pagam, e ninguém se queixa, porque é tributo de todos.
Acabarei dizendo com ele: se se repartir o peso com igualdade de justiça, todos o levarão com igualdade de animo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Luís Fernandes: - Sr. Presidente: o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1906, que li com a melhor atenção e o mais aguçado interesse, é, como já foi dito aqui, um trabalho notável.
Dá-nos ele, através de uma análise superiormente inteligente, que patenteia os mais vastos conhecimentos sobre a economia do Pais, uma clara visão do panorama nacional sob todos os aspectos das suas múltiplas actividades, acompanhado de um sentido crítico ponderado e sensato, que revela bem o espírito lúcido do seu autor.
Desejo prestar a minha homenagem ao ilustre relator do parecer, Sr. Deputado Araújo Correia, cuja invulgar competência em assuntos económico-financeiros era já sobejamente conhecida de todos nós.
Sr. Presidente: manifestada a minha plena concordância com o douto parecer, peco licença para destacar alguns números que o referido documento encerra e que se me afiguram dignos de sobre eles nos debruçarmos alguns momentos.
E não será para estranhar que me detenha apenas sobre os problemas que são mais do meu conhecimento, deixando a apreciação daqueles que, sendo também de alta importância, têm sido tratados aqui por distintos economistas.
Em primeiro lugar, quero referir-me à assistência infantil. Diz-se no parecer que «morreram 106 919 indivíduos dos dois sexos, dos quais 17 791 de menos de 1 ano, ou seja 87 por mil de nados vivos.
Embora se note grande progresso desde 1937, em que o número de óbitos atingia quase 30000, ainda estamos longe de alguns países europeus de características idênticas às nossas, como a Itália e a Espanha, para não falar da Franca, Inglaterra, Suíça e Suécia, em que a taxa é inferior a 40 por mil de nados vivos, chegando a atingir no último daqueles países, a Suécia, a cifra de 20, ou menos de um quarto da de Portugal».
Há, pois, conclui o ilustre relator, «um vasto campo de actividade na assistência infantil e presume-se que enquanto não forem tomadas medidas mais enérgicas do que aquelas que tem vigorado até agora não será possível reduzir os óbitos em menos de um ano para cifras razoáveis».
E depois apresenta um quadro com os valores da mortalidade infantil até àquela idade, comportadas em taxas por mil habitantes referentes aos últimos anos. Em 1956, para uma mortalidade global de 12,10, existia ainda uma mortalidade infantil de 2,01.
Ora, Sr. Presidente, o número de óbitos que ocorrem no primeiro ano de vida poderá certamente ser restringido desde que se adoptem medidas atinentes à melhoria da assistência infantil, sobretudo nos meios rurais.
Bastante se tem feito nas grandes áreas urbanas, mas, em muitos concelhos ainda, a assistência materno-infantil está quase reduzida a zero.
O Decreto n.º 32 Gol, de 2 de Fevereiro de 1943, criou o Instituto Maternal, admirável organismo, ao qual foram dadas atribuições do mais vasto alcance.
Assim, ele tem por função «efectivar e coordenar a prestação da assistência médico-social à maternidade e à primeira infância em todo o Pais; organizar e dirigir investigações cientificas tendentes a melhorá-la; preparar, mediante cursos e estágios de aperfeiçoamento, o pessoal médico e de enfermagem especializado necessário ao exercício dessa assistência e, ainda em defesa das crianças, combater as causas de degenerescência física e as aberrações e crimes contrários aos deveres naturais e morais da procriação, bem como promover a difusão das noções fundamentais de higiene e puericultura que se tornem aconselháveis ao fim em vista».
São, pois, de extraordinário alcance as directivas e a orientação que o Decreto n.º 32 601 imprimiu ao Instituto Maternal, hoje a célula-base da protecção à primeira infância.
Simplesmente, este Instituto não pode desenvolver cabalmente a sua acção importantíssima porque são ainda restritos os meios de que dispõe, apesar de terem sido apreciáveis as dotações que o Estado lhe vem destinando nos últimos anos.
Centros da província bastante populosos estão praticamente quase abandonados, entregue a assistência infantil a pessoas caridosas, que fazem o que podem, mas que nem sempre é o que deveria ser.
Penso que o atraso em que ainda se encontram alguns sectores da nossa assistência provém, em parte, de o Estado algumas vezes suspender a sua acção, mantendo rígida a sua posição pretensamente supletiva e aguardando que a caridade pública preencha as faltas que a ele pertence colmatar. Talvez se desenvolvam assim os sentimentos caridosos da população, mas o certo é que se prejudicam irremediavelmente aqueles que tem o direito de ser devidamente assistidos e tratados a tempo e horas.
(Reassumiu, a presidência o Sr. Deputado Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
Por isso, não nos surpreende que a taxa da mortalidade infantil seja elevadíssima em alguns distritos do País, tendo chegado a atingir, em 1956, 104,9 por mil no distrito de Setúbal, 125,29 no distrito do Porto e 148,63 no de Ponta Delgada. Só no concelho de Guimarães ela foi de 137,08 por mil.
A seguir dou a VV. Ex.ª um exemplo do que se passa num concelho de alta importância industrial e rural, onde, aliás, a mortalidade infantil se não faz sentir tão pesadamente, para que se possa avaliar como é primária, de forma geral, a assistência à primeira infância na província.
Esse concelho conta com perto de 50 000 habitantes, é o terceiro em área do respectivo distrito e talvez o primeiro quanto à sua importância industrial. Pagou ao Estado sobre a matéria colectável de 13:721.100$ em 1957, somente quanto às contribuições prediais rústica e urbana. O valor colectável da contribuição industrial, só no grupo C, foi de 18:150.220)5, também em 1957, e, quanto ao grupo B, só uma sociedade anónima tem um capital avaliado em 35:500.0005, não falando noutras sociedades que tom as suas colectas inscritas em Lisboa.
Nesse concelho, apesar do seu relevo industrial e rural, vive precariamente um posto de protecção à infância, que hoje se chama Centro de Assistência Social. Fundado em 1931 pela Direcção-Geral de Saúde, por ele passaram já alguns milhares de crianças pobres, que ali receberam alimentos e assistência médica.
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Nestes últimos anos a sua frequência aumentou consideràvelmente, sendo atendidas quinhentas a seiscentas crianças anualmente, às quais só podem ser fornecidos alimentos até aos 6 meses, e, mesmo assim, às vezes, deficientemente, por falta de verba.
O Centro recebe anualmente do Instituto Maternal apenas 26 contos, contando ainda com alguns pequenos subsídios das autarquias e com a ajuda de alguns sócios benfeitores. Tudo somado, vai a pouco mais de 40 contos anuais, o que é manifestamente insuficiente, dada a carestia dos alimentos distribuídos.
Este Centro está instalado, precariamente e por favor, na Casa da Criança, outra utilíssima instituição, que recebe crianças pobres de mais idade, e que igualmente vive com grandes dificuldades.
Nada se paga ali às senhoras que generosamente trabalham, pesando e medindo as crianças e fazendo a distribuição dos alimentos semanalmente. Os médicos que lá prestam assistência, a exemplo do que acontece pelo Pais fora, também nenhuns honorários auferem. Só um escriturário recebe mensalmente 50$.
Tem-se insistido no pedido de unia assistente social, ou de alguém competente que a substitua, mas o Instituto Maternal, apesar da melhor boa vontade da sua ilustre directora, ainda não pode deferir essa justa pretensão, facultando a verba necessária. O mesmo indeferimento mereceu o pedido de um subsidio de cooperação.
Isto, que se passa num importante concelho do Centro do Pais, repete se de norte a sul, e por isso se compreende que a taxa da mortalidade infantil em Portugal seja ainda hoje, talvez, a mais pesada e negra da Europa. A Jugoslávia era a única nação que em 1956 a tinha superior, mas hoje, devido às medidas drásticas que ultimamente ali furam tomadas, a mortalidade infantil deve ter baixado apreciavelmente.
Torna-se indispensável que o problema da assistência e primeira infância e à mãe seja enfrentado com a grandeza que o caso requer na futura elaboração da Lei de Meios. 10 a honra do Pais que o exige.
Ás verbas destinadas ao Instituto Maternal têm aumentado nestes últimos anos, é certo, mas estão ainda longe de corresponder às suas necessidades prementes. É a superior orientação desse Instituto, por mais brilhante que seja, não pode substituir as verbas que lhe faltam.
Assim, os subsídios concedidos ao Instituto Maternal, suas delegações e subdelegações e estabelecimentos dependentes foram em 1957: do Estado, 20:809.800$: pelo Fundo de Socorro Social, 4:068.640$, ou seja um total do 25:428.440$.
A despesa realizada foi de 47:972.0185. A diferença existente entre a receita e a despesa é proveniente da receita privativa cobrada.
A dotação para a assistência materno-infantil inscrita no Orçamento Geral do Estado (Ministério do Interior) foi em 1957 de 22:000.000:$.
São, na realidade, montantes vultosos os que o Estado vem destinando a assistência materno-infantil, verbas que engrossaram apreciavelmente nos último» anos.
Em 1953 a dotação era de 21:016.000.$, equivalendo a 17,02 por cento; em 1957 foi de 39:131.0005, ou seja 80,19 por cento relativamente àquele ano de 1953.
Mas o problema, de transcendente importância para a Nação, exige maiores sacrifícios ainda, e todo o dinheiro que nele se empregue será realmente reprodutivo mais tarde.
Sr. Presidente: quando aqui se discutiu a Lei de Meios, disse muito bem o meu ilustre colega Dr. Santos Bessa que «não são só os critérios económicos que marcam a categoria das nações e que servem para a sua classificação, como erradamente supõem alguns. Há critérios sociais, e, entre eles. o das taxas da mortalidade pela tuberculose e o da mortalidade infantil são os que melhor traduzem as condições sanitárias e o grau de desenvolvimento dos povos.
Devemos ter sempre presente que os grandes investimentos económicos se projectam em ordem a beneficiar o homem. E que esses bens, inestimáveis, é certo, para pouco servirão se tivermos uma população decrépita e doente, incapaz de os usufruir.
Ora, o facto de estar ainda entregue quase exclusivamente à iniciativa e à caridade particular, em muitos pontos da província, a protecção à criança desarticula por completo o ataque frontal que deve estabelecer-se para, sem delongas, se por cobro às deficiências existentes.
Não são apenas as vidas que se perdem, o que é muito. Estão em causa também aquelas que, mal alimentadas e mal tratadas na primeira infância, criam deficiências físicas irreparáveis e definitivas, deixando de ser mais tarde elementos úteis para o trabalho e para a sociedade.
Sr. Presidente: referir-me-ei ainda sucintamente aã problema da tuberculose, também mencionado no parecer sobre tis Contas Gerais do Estado.
É de louvar a orientação tomada pelos Srs. Subsecretários de Estado tia Assistência, que, com a concordância do Sr. Ministro das Finanças, destinaram ao combate dessa doença, tanto na Lei de Meios para 1957 como para 1958, verbas substanciais.
Isso tem permitido que o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, orientado por competentes médicos, que conhecem a fundo o problema, venha desenvolvendo uma acção deveras, notável.
O número de camas de que dispõe aquele Instituto é hoje de 10000, o que representa um apreciável acréscimo em relação a 1953. Os dispensários também aumentaram de número, havendo hoje em funcionamento 160. O montante das primeiras consultas nesses centros de combate à tuberculose passou de 40000 em 1951 paru 100000 em 1957.
Enquanto em 1952 se distribuíam antibióticos só para os dispensários de Lisboa, presentemente entregam-se as quantidades necessárias ti todos os dispensários do País.
O radiorrastreio assumiu igualmente um desenvolvimento muito apreciável. De 25000 exames realizados em 1952, subiu-se para mais de 1 000 000 no último ano, número ainda considerado insuficiente, pois se torna indispensável trabalhar toda população do País, e para que isso se possa fazer são necessárias mais cerca de dez unidades, que poderão constar entre 4000 a 5000 contos.
Torna-se igualmente necessário melhorar aqueles dispensários que não estão à altura da sua missão, introduzindo-lhes o equipamento de que estão carecidos.
Preciso é coordenar os servidos das caixas de previdência com os do Instituto. Aquelas fornecem medicamentos aos doentes durante nove meses e, no tem, esses doentes recorrem, muitas vezes, aos dispensários do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos já no estado crónico.
Ë tempo de se pensar na regulamentação da Lei n.º 2044, visto a campanha antituberculosa ser actualmente feita somente à custa da propaganda, situação que não deve manter-se por muito tempo. Tem de se legislar no sentido obrigatório, dado que a doença assume muitas vezes o perigo de contágio e tem de se defender a população.
A luta antituberculosa, mercê dos subsídios que o Estado tão criteriosamente lhe destinou, assumiu já no nosso pais uma eficiência muito apreciável. Mas a mortalidade por todas as formas da tuberculose está ainda em 58 por 100 000 habitantes. Em 1956 a tuberculose
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ocupava ainda o sétimo lugar na mortalidade geral do País.
Refere Pierre Bourgeois no seu livro sobre os elementos estatísticos do seguro social francês que a tuberculose ocupa o primeiro lugar tanto em subsídios de
doença de longa duração como em subsídios de incapacidade.
A gravidado maior desta doença reside no facto de ela roubar as vidas precisamente na idade útil. No sexo masculino, a mortalidade por grupos ectários, apesar das drogas, sobe dos 25 aos 29 anos, para atingir 88,1
por 100 000 habitantes, considerada apenas a tuberculose pulmonar. Depois sobe e chega a atingir 189,9. No sexo feminino sobe a partir dos 15 aos 19 anos, em
que é de 52 por 100 000 habitantes, para atingir o máximo de 75,3.
Termino este apontamento, que me foi sugerido pelo admirável parecer sobre as Contas Gerais do Estado, por desejar que à campanha antituberculosa, à qual se deu já um auxilio financeiro substancial, seja este ainda acrescido, no presente ano, com mais uma dezena ou dezena e meia de milhares de contos, para que se não perca a continuidade e a completa eficiência de uma campanha tão bem equacionada e estabelecida pelo Sr. Subsecretário da Assistência e pelo núcleo de médicos distintos que estão a frente do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
O outro voto que faço é para que a assistência materno-infantil, esse magno problema das nações civilizadas, seja encarado de frente e com maiores possibilidades financeiras, de modo a deixarmos de ser, na Europa, o país que mais pesada mortalidade infantil regista.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: o parecer que acompanha as Contas Gerais do Estado de 1956, presentes a esta Câmara para apreciação, continua a oferecer, como os anteriores, o interesse que resulta da vasta soma de elementos coligidos e da competência com que o sen ilustre autor, engenheiro Araújo Correia, os utiliza para conduzir estudo criterioso, formular sugestões, apontar directrizes e equacionar problemas.
Pelo que ao ultramar respeita, o cumprimento do preceito constitucional introduzido em 1951 veio oferecer a quantos dedicam o sen devotado interesse ao
estudo e solução das questões que se apresentam ao nosso esforço civilizador, não só a possibilidade de efectuarem ampla análise das contas de realização orçamental das províncias ultramarinas, como, ainda, a de disporem de ordenada e cuidadosa apreciação dos mais diversos aspectos que se prendem com a vida dos territórios portugueses de além-mar.
No desejo de colaborar para que se alcancem os objectivos que norteiam o parecer das contas, proponho-me trazer a esta tribuna, mais uma vez, alguns comentários que possam conter a apreciação que é fruto do contacto directo e apaixonado com os anseios e realidades da província de Moçambique, ao longo de alguns anos de trabalho nessa nossa província do Índico. Não me consente o tempo, nem mo permitiria o jeito, acompanhar toda a vasta gama de problemas de que o relator
do parecer se ocupa, e restringir-me-ei a alguns aspectos que mais vincadamente se prendem com o progresso, realizado ou desejado, daquele território, medido sobre os parâmetros do seu desenvolvimento económico.
Não esqueço, como em mais de um ensejo o referi, que não nos chega para medir do progresso do ultramar avaliar a sua prosperidade económica, que, sendo factor de progresso, pode não ser o índice mais significativo da realização dos objectivos que havemos de ter em vista quando encaramos o progresso com preocupações nacionais. E, ainda, que esses objectivos não podem ser outros que não os da fixação de maiores contingentes de população metropolitana e de integração das populações indígenas na estrutura indissolúvel do agregado nacional.
Na verdade, a isso se deve dirigir o progresso e com isso se terá progredido. De outra forma, a prosperidade económica pode não representar mais do que progresso ilusório na apreciação aliciante dos Índices.
Tendo presentes estas linhas de pensamento, ocupar-me-ei, em rápido comentário, dalguns factores do desenvolvimento económico de Moçambique mencionados no parecer em apreciação e das perspectivas que se antolham para o futuro próximo.
Não foi tarefa simples, nem fácil, estruturar a orgânica administrativa do ultramar para se poder dar cumprimento às disposições constitucionais, que, com são critério, vieram atribuir à Assembleia Nacional o encargo de tomar as contas das províncias ultramarinas, conjuntamente com as da metrópole, em cada ano económico.
As divergências entre a legislação metropolitana e a do ultramar, a diferença entre as técnicas usadas na contabilidade pública, a extensão dos territórios, a acumulação de tarefas que incidem sobre os serviços de Fazenda ultramarinos e a integração de serviços autónomos com desenvolvimento que atinge valores orçamentais de nível do próprio Estado foram, entre outras, barreiras a vencer cuidadosamente para que se alcançasse o objectivo desejado, sem sacrifício da própria eficiência da administração pública.
São de realçar, justamente, os resultados já alcançados, e que se ficam a dever à firmeza e critério com que o Ministério do Ultramar, através da Direcção-Geral e Fazenda, conduziu o encaminhamento dos problemas e, ainda, à competência e dedicação com que os funcionários, em toda a escala hierárquica, se entregaram a tal labor.
A promulgação do Decreto n.º 40 712, de 1 de Agosto de 1950, representa mais um passo no sentido de se obter melhor clareza e uniformidade nas contas, determinando que o produto de empréstimos consignados a despesas públicas passe a ser depositado em conta especial de operações de tesouraria, donde é levantado e convertido em receita extraordinária à medida que for necessário para o pagamento de despesas efectuadas por conta da dotação orçamental inscrita, até atingir o objectivo final, revertendo só então o excedente, quando o houver, para a receita efectiva; revogaram-se as disposições que permitiam a revalidação de toda a espécie de créditos e proibiram-se as utilizações dos saldos de exercícios findos para o pagamento de despesas ordinárias.
Tornam-se assim mais simples e compreensíveis de todos as contas das províncias ultramarinas, como se faz mister para o entendimento e apreciação da marcha dos negócios públicos, que têm de traduzir-se, limpidamente, através da apresentação das contas.
O exercício de 195G não pôde ainda, compreensivelmente, beneficiar daquelas disposições e representa, portanto, um ano de transição para o novo regime instituído pelo Decreto n.º 40712. Em relação a 1957 serão já as contas elaboradas de acordo com aquelas normas, e disso resultará, sem dúvida, a sua mais perfeita clareza.
Não se vê, todavia, por enquanto, viabilidade na elaboração de uma conta única (em vez da conta de gerência e conta de exercício), com a consequente redução do período complementar -já encurtado para três meses - e escrituração com data de 31 de Dezembro de todas as operações nele efectuadas. É que
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se, por um lado, interessa obter a modificação do esquema em favor da virtude da simplificação, não se pode perder de vista a necessidade de não prejudicar toda a actividade que decorre da administração financeira.
O exame das coutas não interessa somente paru efeito da análise das receitas e sua constituição, das despesas e sua utilização, dos saldos e seus destinos. Esgotantemente apreciados no parecer, esses aspectos devem ser completados com a ponderação das previsões orçamentais e realização verificada.
Pelo que a Moçambique respeita, nota-se que paru 1956 se previu uma receita ordinária da ordem dos 2 200 000 contos, que excedia em 52 000 contos a despesa ordinária fixada, compensando o excesso da despesa extraordinária sobro a receita extraordinária que se estimava.
A receita ordinária efectivamente cobrada em 1956 veio a ser da ordem dos 2 900 000 contos (ultrapassando em mais de TOO 000 contos a que se previra), e, apesar do excesso das despesas efectuadas sobre a previsão orçamental, o exercício encerrou-se com um saldo da ordem dos 300 000 contos.
Parece de sublinhar o facto, que traduz, muito embora se considere a participação nas contas dos serviços autónomos com características especiais, um desafogo financeiro digno de registo.
E julgo de interesse sublinhá-lo ainda para meditar sobre a excessiva prudência com que as previsões sejam elaboradas e que conduza à verificação de saldos do volume indicado quando a província carece inadiàvelmente de ver realizados empreendimentos vitais para o seu desenvolvimento ou, mesmo, para atender a problemas de premência quotidiana.
Num território em formação, onde os recursos mais largos encontram sempre aplicação imediata e onde as necessidades mais urgentes se multiplicam de forma preocupante, não parece inteiramente justificável uma orientação orçamental que, subestimando por tal forma os réditos, force a sacrificar a satisfação de legítimos anseios ou, pelo menos, a adiar a solução de problemas que, por demais, já aguardaram a sua oportunidade.
Reconhece-se como indispensável a prudência na administração financeira, mas entende-se que ela não pode ser levada ao extremo de se lhe sacrificar a capacidade efectiva de realização.
O equilíbrio orçamental ó imperativo que exige, por vezes, os mais sérios sacrifícios. Entendemo-lo e aceitamos o peso das restrições que dai resultem.
Mas o exame das contas de 1956, conhecidas as previsões e medidas as realizações, deixa dúvidas, sobre o acerto da orientação seguida, mesmo que se admita a manutenção de larga margem de segurança.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A promulgação do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e a reforma de vencimentos suscitaram problemas já amplamente debatidos e que foram trazidos a esta Assembleia.
À parte o ajustamento de certos problemas de detalhe, que exigem cuidadoso exame e revisão, tiveram esses diplomas o mérito inegável de ordenar matéria que se encontrava caoticamente dispersa, de repor hierarquizações que se tinham desorganizado e de estruturar uma orgânica metodicamente orientada.
Como diplomas básicos, eles impunham, porém, que se lhes seguisse a actualização de vencimentos, tendo em conta as realidades do custo e das características de vida em cada província e as efectivas necessidades dos serviços públicos, sobre os quais pesa a responsabilidade de pesada tarefa no progresso do ultramar, que
enfrentam as mais sérias dificuldades no recrutamento e conservação dos elementos de que carecem.
É este problema de vital importância para que a máquina estatal possa ser factor impulsionador do fomento dos territórios ultramarinos e não se converta, apesar da dedicação apaixonada de muitos, em estorvo burocrático que se arraste pesadamente, retardando o progresso que deveria servir.
E com o problema dos vencimentos corre parelhas o da ampliação e preenchimento dos quadros de muitos dos serviços.
Medidas as previsões de receita das províncias e estimados os seus encargos, deve ir-se, desde já, até onde os recursos o permitam, ainda que não se possa alcançar o que as necessidades exigem. E não pode esquecer-se que a intenção justificável de buscar meios financeiros para erguer empreendimentos não deve sor levada ao extremo de atrofiar a vida administrativa normal desses territórios que no próprio fomento e na rentabilidade dos empreendimentos públicos e privados em as mais sérias repercussões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A realização do Plano de Fomento, iniciado em 1953, encontra o se i melhor espelho no exame das contas que são submetidas à nossa apreciação.
Por elas se verifica que os recursos oferecidos pelo plano à execução do programa estabelecido para Moçambique têm sido despendidos com regularidade digna de registo, quando não se têm mesmo antecipado os investimentos. Na verdade, te 1450000 contos orçamentados para os exercícios de 1953 a 1956 despenderam-se, ou cativaram-se para dispêndio já contratado, 1 355 000 contos.
Entraram em execução, vencidas as naturais dificuldades do início, todos os empreendimentos projectados (com as correcções posteriormente introduzidas na utilização de algumas dotações) e o seu ritmo de concretização é sobremodo elogioso para os departamentos que tiveram tal tarefa a seu cargo.
Quero com isto significar que Moçambique, ao contrário das reservas e dúvidas por alguns, se mostrou inteiramente capaz do utilizar amplamente os meios que pelo Plano de Fomento lhe foram oferecidos, e estou certo de poder mesmo avançar que, se as disponibilidades houvessem podido ser mais largas, pura elas se revelariam possibilidades de aplicação reprodutiva e capacidade de realização oportuna.
Nem poderia ser de forma diferente, aos olhos de quem viva as realidades do ultramar, conhecendo como esses grandes territórios em formação revelam a viabilidade útil de absorção de capitais e neles temos sabido afirmar a nossa força de realizadores.
Nu fase de estudo do próximo Plano de Fomento, que a C Am ar a Corporativa agora aprecia, quis o Sr. Ministro do Ultramar que os Conselhos Legislativos examinassem detidamente os projectos parcelares que a cada província respeitavam e sobre eles emitissem o seu parecer. Merece essa decisão o mais expresso louvor, pelo que revela de exacto entendimento das realidades políticas e administrativas da comunidade portuguesa, pela forma aberta com que se solicitaram criticas e sugestões e a todos fez participar numa obra que a tudo» se dirige e a ninguém pode dispensar.
O Sr. Ministro do Ultramar tornou se, por mais este facto, credor do nosso apreço o merecedor da nossa admiração.
Os votos expressos pelo Conselho Legislativo de Moçambique traduzem, na verdade, os anseios, as preocupações e as possibilidades do uma província que confiadamente aguarda que, no quadro dos recursos
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disponíveis, se ouça a sua voz, para mais completo estado dos problemas equacionados e mais criteriosa hierarquização dos investimentos.
A notável apreciação do Conselho Legislativo, que teve a orientá-la, por forma brilhante, os profundos conhecimentos e lúcida inteligência do Sr. Governador-Geral de Moçambique, enuncia fundamentadamente as necessidades da província, que importa enfrentar com espírito de decisão.
Da capacidade realizadora, desde que se disponha dos recursos financeiros, quis dar nota, neste momento, ao pedir a atenção da Câmara para a forma como, através dos exercícios de 1953 a 1956, Moçambique soube executar o programa contido no Plano de Fomento em curso.
Menciona com justificada apreensão o parecer das contas o desequilíbrio que se acentua na balança de comércio de Moçambique e vem sombrear a sua economia com o saldo negativo, em 1956, de 1 220 000 contos.
Mesmo tendo em conta a baixa, acidental, da produção algodoeira, que sacrificou a exportação em cerca de 120 000 contos (por comparação com 1955), e que se prevê oferecer mais agradáveis perspectivas para o futuro, o déficit é preocupante e reclama a nossa melhor atenção.
Não se vislumbra a possibilidade de uma compressão de importações, porque a disciplina já existente as limita ao que se afigura como necessário à vida da província e, até, porque duas das maiores rubricas das aquisições incidem sobre actividades metropolitanas que em Moçambique encontram mercado interessante que tenderá a desenvolver-se: os tecidos de algodão, com 5J40 000 contos, e os vinhos comuns, com 140 000 contos, revelando estes um acréscimo de mais do 20 por cento em referência a 1955.
Será pelo aumento da produção, com vista a suprir as necessidades do mercado próprio e dirigi-la para a exportação, que Moçambique poderá afastar a sombra que ameaça a sua economia.
Na verdade, os 400 000 contos de substâncias alimentícias importadas pesam acentuadamente no desequilíbrio das trocas e encontram difícil justificação num território que contém em si potencialidade para bastar, em muitos sectores, ao que a sua população carece. Conhecida a tendência da nossa gente para a produção destes géneros - que para mais se evidencia e confirma nos territórios vizinhos julgo que só a falta de uma rede de comunicações que consinta o transporte oportuno e económico das regiões susceptíveis de produzir até aos centros de consumo tem obstado a que a província veja diminuir este grave ónus que sobre ela recai.
Tem encontrado Moçambique compensação, já tradicional, na balança de pagamentos para enfrentar o desequilíbrio da sua balança de comércio. Através dos valores afectos às reservas pertencentes ao Fundo Cambial, o movimento da balança de pagamentos alcança o nível dos 2 000 000 de contos em 1950. contra pouco mais de 1 700 000 contos em 1955.
Resulta esta favorável posição, cuja luz agradável rompe as sombras da balança de comércio, da situação privilegiada do território, que nos permite prestar a vizinhos serviços do maior interesse para. o seu progressivo desenvolvimento e que se repercutem na entrada de cambiais.
Por forma verdadeiramente inteligente, e cumprindo deveres de solidariedade que nos ligam em África aos povos que detêm as mesmas responsabilidades civilizadoras, se tem norteado a acção governativa, dedicando-se aos empreendimentos que visam aquela prestação de serviços, e conduzem também ao fomento directo do nosso território uma atenção e interesse que justificam
a certeza de maiores virem a ser em futuro próximo os ingressos de divisas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com base no estudo dos índices reveladores da posição económica da província e com o conhecimento directo que resultou da útil viagem que efectuou em Moçambique, afirma no parecer das contas o seu ilustre relator:
Parece que a grande obra a realizar nos próximos anos pela província e ela tem recursos de sobra para a levar a efeito - será a de aumentar substancialmente a produção. Só deste modo se podem suprir necessidades internas de consumo, hoje satisfeitas por importações volumosas, e obter os produtos indispensáveis a bem maiores exportações do que as actuais.
E documenta, como resultado da sua observação directa:
A impressão colhida é optimista sob muitos aspectos, e em especial no que se refere às potencialidades agrícolas e industriais do território e ao intenso desejo de dar à obra a realizar e às ideias a incutir nas populações indígenas um carácter e um cunho nitidamente portugueses.
Sendo assim - como o é e autorizadamente se afirma -, o problema oferece as características agradáveis de se situar no terreno da luta apaixonada para se vencerem as dificuldades, se criar a infra-estrutura que consinta o melhor aproveitamento de tal potencialidade e se devotarem as energias a converter os recursos em messe generosa de resultados.
Para tanto, a acção do Estado e a iniciativa dos particulares - que ali todos somos órgãos e agentes de soberania tem de conjugar-se em colaboração estreita para a realização da obra que nos é exigida.
O problema das ligações rodoviárias e não me canso de insistir neste aspecto fundamental avulta, como o primeiro, para consentir esse esforço produtivo.
Revela-nos o exame das contas que em 1956 se ficou longe de despender sequer a verba atribuída, aliás com modéstia, para a construção de estradas. Em tal sector, na verdade, trabalhou-se mal e devagar.
Tive ensejo para, ao apreciar as contas de 1954 e 1955, manifestar perante a Câmara o desagrado da província pela incapacidade então revelada para dar seguimento a um programa rodoviário que na sua modéstia traduzia uma orientação a todos os títulos louvável. Referi a existência de males estruturais e infelicidades acidentais e apontei a necessidade urgente de corrigir uns e remediar outras.
Em 1956, ainda a exígua dotação de 65 000 contos, que para estradas se inscreveu no orçamento de Moçambique, não foi utilizada em mais de 42 000 contos. Mas tenho hoje a satisfação com a mesma objectividade que imprimi às criticas e a dobrada autoridade que dai resulta de informar a Camará de que, mercê da revisão profunda que o Governo realizou na estruturação do plano e no funcionamento dos serviços de obras públicas, e graças ao entusiasmo criterioso, dedicação apaixonada e competência de quem dirige esse sector e dos que nele colaboram, a situação se modificou por completo e vemos finalmente progredir, até onde os recursos o permitem, um trabalho sério e eficiente, do qual a província retirará o melhor rendimento produtivo.
É que em 1957 não só se esgotaram as verbas orçamentadas, e que eram apreciavelmente mais vultosas que as de 1956, como houve necessidade de reforçá-las
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para se realizar quanto era possível. E 1958 iniciou-se com a adjudicação de cerca de 150 000 contos de empreitadas de construção e revestimento asfáltico.
Sucedem-se os estudos preparatórios, a ultimação de projectos seriamente preparados e desenvolve-se todo um planeamento que nos dá a certeza de estarmos a caminhar com segurança e no ritmo possível.
Com base nesta sólida estrutura e com a previsão de o próximo Plano de Fomento contemplar o programa rodoviário, estou certo de que Moçambique registará em breves anos um surto económico no sentido preconizado pelo relator do parecer.
É com agrado bem vivo que neste sector me retiro, perante a Câmara, da minha dureza crítica de outros anos para passar ao terreno do louvor bem merecido.
Ao lado do esquema rodoviário, que se projectou e inicia, o problema das ligações postais, telegráficas e telefónicas vai-se equacionando e resolvendo com realismo prático e ponderada utilização dos recursos. É campo particularmente difícil, quando recordamos o número, forçosamente diminuto, dos utilizadores e a extensão da rede que se alarga, cobrindo uma área de serviço que engloba, no seu conjunto, a equivalente ao somatório de muitos dos países da Europa.
E na tranquilidade serena do cumprimento de um programa, sempre excedido nas necessidades e sempre insuficiente nas realizações, os serviços dos CTT procuram assegurar aos que se fixam nos maiores centros ou se disseminam pelo interior as ligações que são indispensáveis para o desenvolvimento do seu trabalho produtivo ou até para atenuar o peso das resultantes da distancia e da impossibilidade pronta da assistência de que carecem nos diversos aspectos da vida.
É terreno, este, em que Moçambique progride seguramente, utilizando plenamente os recursos mobilizáveis e ansiando de mais poder dispor para mais converter em realizações francamente produtivas.
Com esta acção se prende a das comunicações aéreas, que em território tão vasto têm forçosamente de desempenhar papel de primordial relevo para assegurar comunicações prontas e eficientes, vencendo distancias que na escala europeia mal se entendem e suprindo tantas vezes a insuficiência ou deficiência de outros meios de transporte.
O departamento ao qual essa missão incumbe orgulha-se justamente da sua posição de pioneiro avançado no sector da aviação comercial portuguesa e da eficiência
que pressupõe segurança- com que, em mais de duas dezenas de anos, tem procurado corresponder às exigências, sempre crescentes, de Moçambique. A sua renovação e aperfeiçoamento materiais situam-se no âmbito das preocupações que se enquadram na acção de fomento que ao Estado pertence no seu apoio ao esforço tendente a aumentar a produtividade económica da província, já que na esfera da competência e preparação do pessoal se atingiu, e mantém, padrão digno de justos louvores. E ao seu lado os transportadores particulares, nascidos da dedicação e entusiasmo dos aero-clubes e neles tantas vezes apoiados, estreitam a malha das comunicações pelo ar, prestando serviços que nunca será de mais enaltecer. Todos carecem, porém, de uma dotação de infra-estruturas e de apoio à navegação, que se encontra seguramente programada e que só carece de ver- concretizados os recursos pedidos para, ordenadamente, se alargar sem grandiosidades deslocadas, mas, também, sem mesquinhez incompatível com a natureza dos serviços a oferecer.
As disposições tomadas para alargar o campo de acção da Força Aérea a Moçambique e a intenção revelada de as concretizar em breve com a instalação dos serviços e bases necessários à defesa e afirmação da soberania em zonas onde a aviação militar mais carece de evidenciar a sua presença e mais útil a pode revelar vão dar a este aspecto do desenvolvimento económico características que não se podem ignorar quando transpostas para outro terreno.
Espera-se que uma íntima colaboração venha a permitir a mais perfeita conjugação de esforços para que se evite a duplicação de dispêndios e se obtenha, com a melhor economia, redobrada eficiência.
No rápido apontamento que tracei tive em vista apontar algumas perspectivas que, no sector das comunicações, se oferecem a acção do Estado como impulsionador do esforço produtivo que o parecer das contas vinca, tão marcadamente, como indispensável para se atenuarem as sombras que advêm dos saldos negativos da balança de comércio. E, ainda, mencionar os trilhos já abertos e que todos desejamos, em Moçambique, ver alargados, como se faz mister.
Essa acção do Estado virá. paralelamente, rasgar novos horizontes ao desenvolvimento do turismo, para o qual a província foi favoravelmente dotada, e que na balança de pagamentos pode, e deve, atingir posição de relevo já registáveis como esperança que tende a concretizar-se.
Para essa conquista de cambiais a exploração dos portos e caminhos de ferro e caminha-se decididamente na continuação de um labor persistente de que legitimamente nos orgulhamos, em Moçambique, e que honra a capacidade realizadora dos Portugueses.
A abertura do caminho de ferro do Limpopo, cujo movimento excede as mais optimistas previsões, a melhoria do caminho de ferro da Beira, que persiste em ultrapassar os máximos sucessivamente atingidos, o apetrechamento e ampliação do porto em que este tem o seu termo, carecendo da melhor atenção pura que as dragagens e novos cais lhe assegurem o aproveitamento racional do tráfego que o demanda, o prolongamento do caminho de ferro do Niassa até ao lago e a construção do porto de Nacula são realizações ou programas a executar, trazendo o peso de uma contribuição valiosa à balança de pagamentos da província.
Paralelamente urge, porém, que se proceda a criteriosa revisão da política tarifária dos caminhos de ferro no serviço interior da província, para que plenamente desempenhem a função que lhes deve pertencer como órgão de fomento de inestimável valia para as regiões que servem. E assim se terá alcançado o duplo objectivo de acrescer a produção de divisas externas e promover o desenvolvimento das actividades da província, que na balança se reflectem ou através da poupança, pela dispensa de importações, ou através da obtenção de cambiais, pelo crescimento das correntes que aos mercados externos se dirijam.
São, pois, em meu entender, revestidas das mais tranquilizadoras perspectivas e possibilidades que oferece a economia de Moçambique no rumo apontado pelo parecer sobre as contas.
Tudo está em que se persevere na concretização das directrizes traçadas e se revele na sua execução uma rasgada concepção na mobilização dos recursos disponíveis e uma criteriosa hierarquização nos investimentos.
Se mais detalhadamente me referi à acção do Estado, como impulsionador do fomento, através do sector das comunicações, é porque, em verdade, considero esse terreno como aquele em que importa desenvolver acção decisiva, sem a qual tudo o mais não pode progredir, e, ainda, por nele se conterem os investimentos de rentabilidade mais pronta e mais directamente dirigidos à obtenção das finalidades que o parecer sobre as contas enuncia, judiciosamente, como sendo mais urgente alcançar.
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Não esqueço, porém, todos os demais campos da acção do Estado, e, designadamente, o impulso aos empreendimentos hidroeléctricos, quer se encontrem em fase adiantada de execução -como o Revuê, quer se situem na fase de estudo minucioso e cuidado -como o Zambeze-, para que melhor se possam descortinar os horizontes futuros.
E não deixo sem uma referência, ainda que breve, esse magno problema do crédito de fomento, que não pode ser abarcado pelos estabelecimentos bancários - até por se encontrar fora das suas atribuições e das características da sua missão - e haverá de ser tomado pela acção do Estado.
Neste particular, o anúncio da criação do Banco de Fomento, sempre repetido e nunca concretizado, suscitou esperanças, de que tive ensejo para me fazer eco nesta tribuna, e desilusões, por se ver protelada a sua instituição, que espero venham a ser afastadas.
Praticamente decorrido o período de execução do Plano de Fomento, que em 1953 teve o seu início, é de lamentar que a criação do Banco, incluída no seu programa, não haja sido realizada.
Confiemos, porém, em que essa lacuna seja em breve preenchida, correspondendo aos anseios compreensivelmente revelados.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Sem a participação decidida dos capitais e do trabalho dos particulares no esforço produtivo não poderá a acção do Estado alcançar a realização dos objectivos que devem nortear o desenvolvimento económico dos territórios ultramarinos.
Se ao Estado pertence o dever, cujo cumprimento a todo o momento se invoca, de criar a estrutura básica para o progresso do ultramar, assiste-lhe igualmente o direito de exigir da iniciativa privada a presença activa nesse esforço valorizador do património nacional. Ë é lhe licito orientá-la no sentido em que o capital melhor possa exercer a sua função socialmente útil e o trabalho mais se possa dignificar na sua aplicação.
Daqui resulta a função superior do Estado na definição de directrizes e no estabelecimento do condicionalismo próprio para que não haja sobreposição de competências, arbitrariedades nu orientação oficial ou abusos para além do que é legitimo pertencer à remuneração da empresa.
Terreno particularmente difícil,, carece da observância de solidou princípios doutrinários e de firmeza de execução, sem o que tanto se corre o risco das fraquezas, que comprometem, como das imposições, que ferem injustamente.
Temos no nosso caso doutrina há muito definida e tem revelado o Governo acertado e isento critério na sua aplicação.
Na verdade, só com propósitos de fácil demagogia ou ambições condenáveis de hegemonia financeira é possível dirigirem-se criticas à acção governativa, que. neste como em tantos outros campos, busca servir o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Cumpro um dever de consciência ao prestar homenagem ao Ministro do Ultramar, que com tanta isenção, coragem o inteligência tem sabido assegurar a defesa de princípios de que não abdica por formação e em que não transige pelo entendimento exacto das obrigações que lho pertencem. O Prof. Dr. Raul Ventura, acima de todos os interesses que não sejam os da Nação, tem sabido revelar uma dignidade de atitudes e uma correcção de procedimento que tem permitido conjugar vontades e recursos e trazido ao Estado as mais inestimáveis vantagens.
Em vastos territórios onde se apresentam possibilidades de relevo, como se menciona no parecer sobre as contas, no campo agrícola ou no campo industrial, têm de se criar à iniciativa privada condições que lhe assegurem, no respeito dos seus direitos e na observância dos seus deveres, meios favoráveis para o desenvolvimento de uma acção a todos os títulos meritória.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Ë, da minha lembrança, a maior obra empreendida e levada a cabo no ultramar. E é tanto mais- digna de admiração quanto é certo que à defesa intransigente dos interesses do Estado alia o respeito dos legítimos direitos dos particulares.
V. Ex.ª desculpe esta interrupção, que de resto só veio corroborar as suas nobres palavras de merecidos louvores à acção do Sr. Ministro do Ultramar.
O Orador:-V. Ex.a, com a sua grande autoridade, acaba de trazer um valioso depoimento àquilo que venho afirmando.
Condenar o lucro quando situado nos limites da equitativa retribuição dos investimentos e do esforço incorporado na empresa seria tão gravoso dos princípios e tão atentatório dos resultados como consenti-lo sem prestação de serviço socialmente útil.
Julgo que a nossa certeza de doutrina e o critério na sua aplicação criam às actividades particulares condições favoráveis e justas que lhe permitem, e lhe exigem, unia participação directa e decisiva na valorização das províncias ultramarinas.
No parecer sobre as contas de 1954 afirmou o seu ilustre relator, com a autoridade e independência que lhe reconhecemos:
Países novos são por natureza grandes consumidores de investimentos. Quando se encaminham os resultados da exploração para o lógico objectivo de promover novas empresas, há grande conveniência em reduzir o imposto. A iniciativa privada substitui-se com vantagem à do Estado.
E ainda:
É sempre delicado adoptar ou alterar novos regimes ou providências tributárias em países novos, mas o grau de desenvolvimento de alguns territórios nacionais implica o estudo continuo das receitas e sua justa repartição sem ferir os investimentos essenciais a novas empresas e indispensáveis nas zonas em formação.
Tão judiciosas considerações não tom, porém, conhecido aplicação em Moçambique, onde providencias tributárias descoordenadas conduzem a verdadeiras sobreposições do imposto, ao maior peso sobre as actividades no inicio da sua rentabilidade e a complicações burocráticas das mais graves, sem sequer se atingir uma repartição justa da carga tributária e o atenuamento da pressão do fisco em termos razoáveis sobre os economicamente menos favorecidos.
A legislação fiscal naquela província vai conduzindo, assim, a que se estiolem iniciativas viuveis e se sacrifique a poupança, sobretudo nas pequenas economias, que deveria gerar novas realizações por parte da iniciativa privada e consentir a legitima e desejável ascensão, socialmente útil, dos que ali vivem e trabalham.
Daqui dirijo uma palavra de apelo ao esclarece-lo critério do Sr. Governador Geral de Moçambque, na certeza de que o seu profundo conhecimento da pró-
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víncia, a exacta medida dos seus superiores interesses e o espirito de justiça que sempre norteia a sua acção o haverão de conduzir a reparar o que de correcção carece.
Esse será um passo decisivo para que a iniciativa particular possa trazer ao progresso da província a contribuição que dela é lícito esperar e que sempre tem sabido oferecer.
Harmonizando a acção do Estado e das actividades privadas, no cumprimento da sua missão e dos seus deveres e no respeito e compreensão dos seus direitos, levou-se a cabo, em Moçambique, nos dois últimos decénios, uma obra de progresso, que não tem paralelo em épocas anteriores. Nesse rumo em que nos mantemos estou seguro de que saberemos cumprir plenamente a missão que hoje nos pertence.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Não está mais nenhum orador inscrito sobre esta parte da ordem do dia. Considero, por consequência, encerrado este debate.
Estão na Mesa duas propostas de resolução, uma relativa às Contas Gerais do Estado e outra relativa às contas da Junta do Crédito Público. Vai ser lida a primeira destas propostas.
Foi lida. E a seguinte:
Proposta de resolução
«Tenho a honra de submeter à Assembleia Nacional as seguintes bases de resolução:
A) Quanto à metrópole:
A Assembleia Nacional, depois de examinado o acórdão do Tribunal de Contas e o parecer da sua Comissão, verificando que:
a) A cobrança das receitas públicas durante a gerência decorrida entre l de Janeiro e 31 de Dezembro de 1956 foi feita do harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional;
b) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas em obediência à lei;
c) O produto do empréstimos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
d) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e que é legitimo e verdadeiro o saldo de 39:823.622$30 apresentado nas contas respeitantes a 1956; resolve dar-lhes a sua aprovação.
B) Quanto ao ultramar:
A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento dos termos do acórdão do Tribunal de Contas e do parecer da Comissão de Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação às coutas das províncias ultramarinas relativas ao ano económico de 1956.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1958. - O Deputado, José Dias de Araújo Correia».
O Sr. Presidente:-Ponho-a agora à votação. Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Vai ser lida a proposta relativa às contas da Junta do Crédito Público.
Foi. lida. E a seguinte:
Proposta de resolução
«A Comissão de Contas Públicas tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a conclusão seguinte:
Durante a gerência de 1956 a política do Governo relativa à dívida pública respeitou inteiramente os princípios estabelecidos na Constituição, continuando a mostrar-se ajustada, proveitosa e conveniente aos superiores interesses da Nação e merecendo, consequente mente, a aprovação desta Assembleia.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1958. - O Deputado, Joaquim Dinis da Fonseca».
O Sr. Presidente:- Submeto-a agora à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Antes de encerrar a sessão, lembro à Câmara que ó conveniente dar à nossa Comissão de Legislação e Redacção o costumado bill de confiança para redigir os textos definitivos de alguns diplomas aprovados pela Câmara.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Interpreto o silêncio da Assembleia como concedendo efectivamente esse bill à Comissão de Legislação e Redacção.
Como VV. Ex.as sabem, foi constituída uma comissão eventual para apreciar o II Plano de Fomento, que foi hoje eleita. Convoco essa comissão para amanhã, às 15 horas e 30 minutos. Informo os Srs. Deputados que a compõem de que não poderão regressar às suas funções sem que essa comissão assim o resolva.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: encerro a sessão legislativa com a nítida consciência de que a Câmara, dentro das condições em que teve de funcionar, se empenhou em cumprir o sen dever: dever complexo, dever nacional, dever grave.
Dever complexo, porque respeita às obrigações com o círculo por onde os deputados foram eleitos, com o país cujos interesses superiores têm de defender, com a opinião pública, que é o ambiente indispensável à vida e à actividade da instituição parlamentar.
Dever nacional, porque a representação que ostentam é uma representação da Nação em toda a complexidade do seu modo de ser moral o do seu modo de ser político, das preocupações e dos anseios que a dominam e das correntes poderosas que a galvanizam, em ordem a um futuro cada vez melhor e mais glorioso.
Dever grave e difícil, porque ó o dever de só dizer a verdade.
Mas a verdade de cada solução preconizada, ou da critica das soluções ou dos actos realizados, exige, naturalmente, canseiras, estudo, espírito de sujeição incondicional à realidade das coisas, mesmo na sua feição mais incómoda e desagradável; difícil, porque exige a independência do espirito e a coragem moral para afrontar as reacções desagradáveis dos homens, ou das instituições ou dos órgãos a quem a verdade moleste ou ofenda; difícil, porque supõe um sentido de oportunidade, de tacto e de prudência sem o qual as melhores intenções de esclarecer e construir redundam em confusão e em ruínas.
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Mas verifiquei, e felicito a Câmara por isso, que ela se esforçou por cumprir bem os seus espinhosos deveres. Têm, Srs. Deputados, as assembleias parlamentares os seus graves, gravíssimos defeitos. Andam por ai apontados nos compêndios de direito político. Mas não os têm os outros órgãos da soberania, e designadamente o Governo?
Não há, felizmente, neste mundo, deuses perfeitos, absolutos, impecáveis. E quando nos esquecemos disto para os criarmos, os erguermos às alturas da divindade e nos prosternarmos ante a sua augusta majestade aberramos do caminho da verdade e da sã razão, e devemos temer e contar que Deus reponha as coisas no sen justo lugar pelos meios, às vezes terríveis, da sua sabedoria.
São humanas, excessivamente humanas, estas instituições - isso sim: reflectem, e talvez ampliem, as humanas paixões das sociedades políticas; e, porque trabalham à luz e à vista do público, podem notar-se mais as suas faltas. Mas à luz fria da história quantos cataclismos têm passado sobre os povos pelos maus actos dos seus governantes?
Seja como for, constituímos uma alta assembleia política, somos o órgão mais directamente representativo da soberania nacional. Constituímo-nos em responsabilidades graves perante o Pais. Temos, creio-o bem, procurado corresponder a essas responsabilidades, vencendo as dificuldades de um clima de ideias pouco favorável, da tendência irresistível do momento para o primado da técnica e das ciências aplicadas, e da absorção dos governos na resolução dos problemas vitais à subsistência e ao progresso da grei.
A Câmara foi substancialmente renovada. Registo no fim da 1.ª sessão legislativa que ela continuou fiel: fiel na sua inteligência política, na sua devoção patriótica, no seu espirito de sacrifício, na compreensão do alto papel que lhe pode estar reservado, na evolução das nossas instituições políticas, no respeito, profundo respeito, pelo grande homem, orgulho de uma geração e de uma raça, que há trinta anos vem impulsionando o levantamento do País - Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: acabo de pronunciar um nome cuja ressonância nas almas e nos corações dos Portugueses os anos ainda não gastaram, cujo império intelectual sobre os espíritos continua forte e indominável, cujo prestigio de governante incorruptível e excepcional não teve ainda nem manchas, nem sombras. Não será de mais que, neste momento (a um tempo emocionante e delicado), ao recolhermo-nos cada um a nossas casas e às nossas funções privadas, lhe protestemos daqui a nossa inquebrantável fidelidade.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para que no instante emocionado em que ele perfizer trinta anos de pública governação, ao volver os olhos para o longo caminho percorrido, para os trabalhos e canseiras em que a melhor parte da vida se consumiu irreversivelmente em beneficio do comum, ele sinta ecoar nos seus ouvidos e no seu coração os protestos do nosso reconhecimento, os votos da Assembleia Nacional por longa vida e continuidade na alta função que exerce.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - É verdade, Srs. Deputados: passa no próximo dia 27 o 30.º aniversário da ascensão de Salazar ao Poder. E, se ele recusou as homenagens das sessões que por todo o Pais se preparavam, não pode recusar, e ser-lhe-á, certamente, grato, sentir naquele dia à sua volta e no seu coração o calor do afecto dos bons e reconhecer na voz e nos votos da Assembleia Nacional, por sobre o decurso e as dificuldades dos tempos e o marulhar das humanas paixões, a expressão segura e reconfortante da velha e inquebrantável lealdade portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sim, Srs. Deputados: da velha e inquebrantável lealdade portuguesa! Uma lealdade que se manteve firme, devotada e activa durante tão longo curso dos anos e em tão variadas circunstâncias é um penhor imcomparável para quem foi digno dela, é o legitimo orgulho das nobres qualidades morais dum povo e duma raça.
Ufana-se a Câmara de ser a intérprete verdadeira da antiga lealdade portuguesa ao Chefe do Governo.
Meus senhores: se, apesar de tudo, permanece intacta e viva a lealdade de Portugal a Salazar, seria pura quimera pensar que o mundo das ideias e das preocupações dos povos cristalizou em formas definitivas. As gerações sucedem as gerações; e elas trazem à herança do passado o sen apport de anseios humanos, um surto novo de pensamento e de acção; e também aquela porção de esquecimento indispensável ao pleno dinamismo da, juventude e da vida. A partir de Salazar (ponho Salazar como símbolo duma época administrativa) universalizou-se a instrução, difundiu-se a cultura, elevou-se o nível intelectual das classes dirigentes da Nação, recresceram as exigências das populações, tomou melhor consciência da sua força o mundo do trabalho e a solidariedade progressiva das nações de civilização ocidental traz consigo uma interpenetração de sentimentos e de ideias.
Os governos, para corresponderem à sua missão, têm de ser «actuais». Prestar atenção aos movimentos das ideias, estar permanentemente em ressonância com o fluir das sociedades, deduzir dos acontecimentos, grandes ou pequenos, o significado e as consequências que comportam, prevenir as tempestades antes que estalem, eis o indispensável aos homens de Estado de todos os tempos, mas sobretudo nas convulsionadas sociedades modernas.
É uma glória de Salazar - homem de Estado - o ter preservado da acção implacável da sucessão dos dias e dos abalos formidáveis da política a flexibilidade, a frescura e o equilíbrio do seu espirito, onde apenas a idade pôs um tom de maior longanimidade e compreensão benévola dos homens, com as suas inevitáveis fraquezas, dos acontecimentos, com as suas justas ou injustas repercussões, das ideias, com a sua tendência para um radicalismo em contraste com as realidades.
Na majestade que os anos, os serviços, a eminência da posição, a serenidade do seu espirito, a intransigência e o vigor na defesa da civilização cristã lhe conferiram, ele é hoje uma das mais nobres e respeitadas figuras políticas do mundo ocidental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: não estou a amplificar o vulto de Salazar, não estou a divinizar um homem, não estou a criar um Deus. Nesta altura da minha vida, da minha posição, e na independência de espírito e de favores em que sempre me tenho mantido, a lisonja é inútil e impossível. O que interessa é a verdade, a verdade dos atributos positivos que apontei, e esses vêem-se de todos lados do horizonte.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Há dias, um amigo que muito estimo, belo espirito e belo coração, que lamento apenas não estar inteiramente do nosso lado, observava-me que
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Salazar era um homem de princípios e de legalidade e, por isso, conseguira, no reconhecimento dos próprios adversários, dar decência à vida política nacional, decência que seria desejável se não perdesse.
São esses também os meus votos; que ele continue, com a seriedade das suas atitudes, com a limpidez dos seus propósitos, com a simplicidade e a grandeza dos seus gestos e com a sua imensa autoridade moral, a assegurar o progresso e o desenvolvimento da vida política do Pais, a dar uma perfeita decência à vida política da Nação; que ele continue a ser aquele insubstituível ponto de convergência das diversas forcas políticas nacionais, em ordem à sua fecunda colaboração na resolução dos grandes problemas nacionais, na segurança da independência e integridade da Pátria e na edificação de um futuro melhor para todos os portugueses.
Senhores: os homens que no segundo quarteirão deste século deslumbraram a Europa e o Mundo, deuses, sim, criados pelo orgulho próprio e pela esperança messiânica dos povos, apagaram-se e desapareceram, deixando um rasto de ruínas e de amargas desilusões; e nem a sua memória recebe hoje o perfume amorável do carinho dos povos cuja grandeza sonharam.
Salazar, na sua modéstia, na sua simplicidade, na sua expressão serena da alma e das dores e das aspirações dum povo, permanece na sua grandeza moral de sempre e sempre rodeado do respeito, das esperanças e dos afectos do povo português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Exultemos com isso, meus senhores. E, ao recolhermos das nossas lides parlamentares, levantemos ao alto os nossos votos por Salazar, as nossas firmes esperanças na continuidade do seu espírito, da sua obra, da grandeza e prosperidade de Portugal!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está encerrada a primeira sessão legislativa.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Antão Santos da Cunha.
César Henrique Moreira Baptista.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
José dos Santos Bessa.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Pelo Sr. Deputado Abranches de Soveral foi entregue na Mesa o seguinte
Requerimento
«Na sessão de 5 de Fevereiro último apresentei um requerimento para me serem fornecidos dados sobre a renda ou remuneração paga ao Estado pelas companhias hidroeléctricas por virtude do aproveitamento das águas públicas.
Em 13 do corrente mês chegou-me às mãos uma resposta que não responde à pergunta formulada.
Responderam-me enumerando as verbas do imposto - imposto especial que todas as companhias eléctricas pagam, quer sejam hidroeléctricas, quer sejam termoeléctricas; imposto suavíssimo, que em 1956, globalmente, atingiu apenas 595.689$, quando os lucros líquidos das companhias montam a muitas dezenas de milhares de contos.
Quero crer que esta desconexão entre o perguntado e o respondido será culpa minha, por não anteceder a pergunta, que ingenuamente supunha clara, da explicação que agora vejo tornar-se necessária.
Queria eu saber qual a remuneração, contratualmente estabelecida, que corresponde à quota-parte com que a Nação contribui para a produção industrial da energia eléctrica ao conceder às companhias hidroeléctricas o exclusivo uso das águas públicas, que as dispensam das avultadas despesas com combustíveis que as companhias termoeléctricas têm de despender.
A isto não se respondeu ainda; por isso renovamos a pergunta, desdobrando-a em duas:
Quanto é que as companhias hidroeléctricas portuguesas pagam ao Estudo pela concessão exclusiva do uso das águas públicas, que são elemento primordial na produção de energia eléctrica?
Quanto pagaram ou pagam tais companhias pela ocupação dos terrenos baldios, municipais ou paroquiais, em que muitas delas mantêm instalações?
Esperamos que agora as respostas responderão às perguntas.
Pedimos, porém, para elas a maior urgência, porque se anuncia para breve a renovação de contratos municipais, em que as companhias eléctricas (com argumentos de consistência semelhante às que levaram o lobo da fábula a devorar o cordeiro) se propõem abusar da fraqueza e desamparo das câmaras municipais, para as forçarem a assinar contratos leoninos, ainda mais lucrativos que os preexistentes.
Poder-se-ia entender que não necessitava dos elementos agora pedidos para combater tais propostas, porque contra elas poderíamos apresentar já dois argumentos, insofismavelmente válidos, independentemente das respostas às perguntas que formulamos, e que são:
Desde que uma companhia hidroeléctrica, na pendência dos contratos actuais, não pode ocultar lucros que excedem a dezena e meia de milhares de contos, nunca os novos contratos podem aumentar o preço actual da energia eléctrica, que se mostra amplamente remunerador; ao invés, deverão tais preços baixar por forma a reduzir o excesso dos lucros obtidos aos limites do razoável;
Por outro lado, se há diferenças de custo de produção de energia, isso resultará da inevitável diversidade das condições reais, e não pode servir de pretexto para se onerarem os povos, em benefício destes novos senhores. Uma equiparação exigirá estudos complexos e não se resolve com critérios tão simplistas como iníquos.
Poderíamos, por isso, dispensar as respostas concretas às perguntas formuladas.
Não o fazemos, porém, porque queremos fundamentadamente saber até que ponto as companhias hidroeléctricas abusam (ou não abusam) das medidas francamente proteccionistas que o Estado decretou tendo em mira o interesse geral da Nação e que elas interpretam como feudo particular dos respectivos conselhos de administração.
Por outras palavras: preciso de apurar se as companhias entendem que servem um serviço ou que exploram um filão.
E para tanto careço dos dados que urgentemente solicito, e que concretizo nas perguntas atrás formuladas».
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA