Página 241
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
ANO DE 1959 27 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 77, EM 26 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Réis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 76, com uma rectificação proposta pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Sr». Deputados Nunes Barata, para um requerimento; Augusto Simões, que chamou a atenção do Governo para a situação dos fisicamente inaptos em face da obrigatoriedade do pagamento da taxa militar; José Sarmento, sobre assuntos ligados a exportação do vinho do Porto; Santos Júnior, acerca de problemas de ensino no distrito da Guarda, e Feres Claro, para um requerimento.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na especialidade da proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Foram discutidas e aprovadas as bases I a V, inclusive.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Pinto de Mesquita e Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Alfredo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Página 242
242 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 95 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 76.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita:- Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário n.º 76 :na
p. 236, col. 2.º l.51, onde se lê: «animo calamo», deve ler-se: «currente calamo».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Dos professores eventuais da Escola Comercial e Industrial de Vila Real a apoiar as considerações do Sr. Deputado Rodrigues Prata sobre a situação do professorado do ensino técnico.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Em 20 de Março de 1958 mandei para a Mesa um requerimento a pedir esclarecimentos relacionados, além do mais, com possíveis receitas da Camará Municipal de Pampilhosa da Serra.
As informações do Governo, em resposta ao solicitado, necessitam de ser completadas relativamente a dois pontos.
Assim:
1) À pergunta então feita sobre o ano a partir do qual a Companhia Eléctrica das Beiras, concessionária do aproveitamento de Santa Luzia, pagaria ao Governo a renda a que se refere a alínea d) da base V da Lei n.º 2002, e, consequentemente, à Camará Municipal de Pampilhosa da Serra o adicional de 20 por cento, foi respondido:
Quanto à informação solicitada sobre a concessão do aproveitamento de Santa Luzia - ultimamente outorgada e que veio ampliar a antiga concessão do rio da Pampilhosa pela integração nela do aproveitamento dos rios Ceira, Ceiroco e ribeira da Castanheira -, o caderno de encargos já referido fixa o início das cobranças de renda ao Estado e do adicional para a Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra a partir de 25 de Junho dê 1956.
Porém, a este respeito apresentou a Companhia Eléctrica das Beiras uma reclamação, .que aguarda resolução superior, podendo, portanto, no caso de ser tida como procedente originar a alteração da referida data.
Pretendo agora saber:
a) Se já foi considerada a reclamação referida e qual o teor da respectiva decisão?
b) Verificada a negativa quanto à alínea anterior, quais as razoes que estão protelando uma decisão sobre este assunto?
2) À pergunta, feita em 21 de Março de 1958, sobre as datas a partir das quais o Município de Pampilhosa da Serra tem direito aos adicionais a que se refere o § único do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 31 884 foi respondido:
A Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra tem direito aos adicionais ... a partir de 24 de Setembro de 1957.
Página 243
27 DE FEVEREIRO DE 1959 243
Pretendo agora saber :
a) Quais as importâncias já entregues ao Município de Pampilhosa da Serra?
b) Se não foram entregues quaisquer importâncias daquelas a que a Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra tem direito, quais as razoes desta atitude?
c) Se a empresa Beralt Tin and Wolfram, Ltd., concessionária do couto mineiro da Panasqueira, explora, presentemente, volfrâmio na área do concelho de Pampilhosa da Serra».
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: dominado pela angústia de muitas lágrimas que foram choradas, chocado pela injustiça de um sistema legal desumano e cruel que erigiu a dor, o sofrimento e a desvalia .em apetecível matéria tributária, fazendo pagar uma taxa aos muitos a quem o peso de uma cruz de desdita afastou indesejadamente do cumprimento do dever sagrado de servirem a Mãe-Pátria nas fileiras gloriosas das forças armadas, e não só a esses como ainda aos seus ascendentes, segundo um incrível nexo de absurda solidariedade, por duas vezes ergui a minha voz nesta Casa, pedindo, deste lugar, ao Governo o justíssimo banimento desse intolerável sistema de tributação.
Aduzi em favor do meu pedido meia dúzia de razoes e argumentos, escolhidos de entre a multidão dos que me ofereciam o sen valor, que me pareceram mais francamente ponderosos para um total ganho de causa, e porque às minhas palavras concedeu o valor que lhes faltava a luz forte da caridade e da justiça em que se ampararam e o muito poder da humanidade que delas se desprendeu, obtiveram elas uma franca aceitação nos vários sectores da vida nacional, o que me fez supor que, por amor dessas forças, que nanja por as ter eu proferido, haveria de nelas atentar o Governo da Revolução Nacional, dominado pela ideia definida pelo seu ilustre e abnegado chefe de conferir aos Portugueses o lar, a enxada e o pão a que todos temos direito.
Andava no meu coração e no meu cérebro uma vincada ideia de justiça, e acreditei que se poderiam poupar as finanças públicas ao desencontro social -forte paradoxo que a ninguém enobrece - de, em vez de recursos, para elas se arrecadarem lágrimas e dor, e em vez do seu robustecimento, antes se fomentar a própria eliminação do lar e do escasso pão de muitos portugueses de boa vontade.
Em paridade com o meu pensamento se manifestou larga e doutamente a imprensa em primorosos artigos, e tanto nos grandes como nos pequenos jornais de todos os matizes apareceu uma palavra de aplauso, desinteressado depoimento em favor dos ineptos e inválidos, unanimemente dirigida ao banimento da aberração fiscal de lhes exigir o pagamento da taxa militar.
Definiu-se, desta sorte, uma verdadeira campanha nacional carinhosamente amparada pelos nobres sentimentos cristãos definidores dos nossos padrões sociais.
A seu serviço, certamente, foi então ordenada a suspensão de milhares de processos executivos já instaurados à grande legião de contribuintes cegos, surdos, aleijados, leprosos, mentecaptos e outros infelizes havidos como devedores relapsos da taxa militar, e neutralizada a acção imediata da coercividade, que seria a da almoeda dos valores penhorados, na sua maior parte casebres, tugúrios e retalhos de terra, pedaços desvaliosos de muitos dramas quotidianos em que se opera e se renova o milagre maravilhoso de uma difícil sobrevivência ...
Entrou-se, por mercê de tais medidas, em período de acalmia, que foi geralmente tomada como prenúncio de ajustada reflexão e com ela da desejada definição de um
sistema justo, humano e socialmente relevante pela sua decidida conformidade com os primados do bem comum.
Sem embargo, a crua realidade veio demonstrar que tal pensamento fora mero engano de alma ledo e cego, que a desfortuna não deixaria durar muito, pois não tardou a publicação do Decreto-Lei n.º 42128 e do Decreto regulamentar n.º 42129, ambos de 30 de Janeiro deste ano da graça de 1959.
Com fria insensibilidade neles se renova toda a doutrina anterior sobre a incidência da taxa militar, concedendo-se apenas, num assomo de forte generosidade, que dela fiquem isentos os que, sendo ineptos para o trabalho e para angariarem meios de subsistência, não paguem contribuição ao Estado correspondente a um rendimento colectável superior a 300$ ou colecta superior a 50$ nas contribuições não baseadas em rendimentos.
E, sob o mesmo clima «generoso», estendeu-se ainda a isenção aos mancebos internados em leprosarias, estabelecimentos correccionais e prisionais com teor económico semelhante àquele acima definido.
Como razão da «benevolência», diz-se no curto relatório do primeiro decreto-lei - o n.º 42128 - que o limite do rendimento a partir do qual começa a ser exigível imposto em alguns sectores da legislação fiscal não tem, para o efeito da taxa militar, uma razoável actualidade, carecendo portanto de rectificação.
Desta sorte, perante o «novo sistema», continuam sujeitos ao pagamento da taxa militar os cegos, os aleijados, os surdos, os mudos, os mentecaptos, os leprosos e todos quantos, colocados pela crueza do destino em triste condição de inferioridade do corpo ou do espirito, não foram admitidos à prestação pessoal de serviço militar - que é tarefa de homens válidos -, desde que tenham alguma coisita de seu, ou iludam o seu alucinante, martírio com qualquer ocupação ou prestação de desvalioso serviço, ou sejam mantidos pelo agregado familiar que piedosamente os recolhe - e é por isso sempre responsável pelo pagamento desse desumano tributo ...
O Sr. Amaral Neto: - Quer V. Ex.ª dizer nas suas palavras que a renovação chegou à taxa militar, mas nada renovou ...
O Orador:-Tudo quanto se renovou na taxa militar foi um pouco, um poucochinho, um quase nada na isenção. Talvez para a próxima!...
Custa, em boa verdade, a acreditar que os fortes comandos da moral cristã que nos domina, as razões incontestáveis do nosso padrão civilizado, enfim, a própria dignidade social a que ascendemos pelas incontestáveis virtudes do nosso regime político, possam ter sido tão facilmente subvertidas pelo frio -e neste caso desnecessário - critério fiscal!
Na verdade, nas estruturas fundamentais, da nossa ética política não só não encontra qualquer abrigo de justificação o lançamento e a cobrança da taxa militar aos inválidos como ainda tal tributação assume os aspectos aberrantes dum tremendo paradoxo.
Sendo verdade de valor quase absoluto no direito tributário que a arrecadação do imposto pressupõe sempre um rendimento do qual ele é alíquota maior ou menor, segundo as circunstancias, mas sempre destinada a fomentar e a garantir a possibilidade de esse rendimento se repetir reiteradamente, em vão se lutará para encontrar rendimento na cegueira, na surdez-mudez, na deformidade física ou em qualquer outra forma de inabilidade ou de doença inibitória da prestação do serviço militar de que seja honestamente licito ao Estado tirar proveito monetário!
Página 244
244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
Por outro lado, o fenómeno tributário em geral não aparece como situação de irremediável permanência, no sentido de que não possa fazer-se cessar por acto de vontade do seu sujeito passivo; ao contrário, porque há muito se baniu a servidão da gleba, o contribuinte pode demitir-se dessa qualidade sempre que lhe faça cessar os pressupostos.
Ora, os inválidos não gozam - sem embargo de tanto o desejarem- desse tão natural privilégio.
Submetidos à tortura das deformidades, aleijões ou doenças inibitórias da prestação pessoal de serviço militar, a essa tortura ficam normal e irremediavelmente amarrados, as mais das vezes penando e sofrendo durante toda uma vida.
Como poderiam então fazer cessar o facto tributário que se lhes chumbou à existência?
A brutalidade da resposta, da única resposta possível, faz perpassar sobre as nossas consciências de cristãos um frémito de justificado horror....
É que o direito à vida tem tanto de absoluto e é tão forte que muito poucas leis o contestam, e mesmo essas, quando o fazem, é ainda para garantirem a sobrevivência de outras vidas, que a vida do réprobo ameaçava ou mesmo roubou.
Desconsidero, é claro, tudo quanto na teoria moderna cerca e domina a situação dos chamados a criminosos de guerra»...
Não é portanto duvidoso que nenhuma justificação moral, social ou política se encontra para o lançamento e cobrança da taxa militar aos inválidos, qualquer- que seja, acentue-se, a sua situação económico-financeira.
Mas, embora sem qualquer justificação, será mesmo assim tão necessária tal imposição às finanças do Estado, e por tal forma que sem o seu produto ficariam em perigoso estado de carência os cofres do Tesouro?
Por outras palavras: terão de reduzir-se os meios da defesa nacional, de suprimir-se os compromissos internacionais, de cercear-se melhoramentos públicos, de comprimir-se fortemente as avultadas despesas gerais da Administração se o Estado não for buscar à cegueira, à insanidade mental, à surdez, à mudez, à lepra e ao restante trágico cortejo de doenças e males inibitórios da prestação- do serviço militar a mão-cheia de contos de réis que eles lhe podem render por arbitrária tributação?
A ninguém oferece dúvidas a resposta da absoluta prescindibilidade dos réditos de tal proveniência para que se mantenham no mesmo elevado nível a que chegaram a conveniente gestão e fomento da coisa pública.
A demonstrá-lo com fulminante evidência está o facto de em dois anos de suspensão da cobrança da taxa militar as contas públicas a tais anos referentes haverem apresentado avultados saldos positivos de muitos milhares de contos, que não provieram nem do abrandamento do ritmo das realizações nacionais, nem de quaisquer recursos extraordinários.
Factos de tão valioso significado evidenciam a inteira irrelevância fiscal da taxa militar, eliminando inexoravelmente qualquer débil argumento com que sob o ponto de vista tributário - que é, evidentemente, o mais feroz... - se pretenda defender a sua continuidade, mesmo contra o longo cortejo de situações chocantes que lhe engrinaldam a existência.
Não me parece necessário, Sr. Presidente, continuar o meu libelo contra tão desumano tributo.
Sou apenas um obscuro intérprete dos que, cheios de dores e de angústias, de inibições e de provações, fazem desfilar perante a consciência nacional esse seu mundo penumbroso e, de dedo estendido, nos apontam as chagas do seu calvário.
Não carecem, como se viu, as forças de realização de que o Estado dispõe de qualquer suplemento tributário, que a sua exploração em taxa militar possa produzir para os lançamentos da ingente obra do nosso engrandecimento, em que tantos batalhas já ganhou.
Assim o entende a consciência nacional, como abundantemente o tem demonstrado pelas várias maneiras por que costuma revelar-se e afirmar-se, especialmente pela imprensa, e seja-me licito citar, por ela, o magnifico editorial do jornal Ô Século há dias publicado, que se apresenta como um ponderado depoimento de inegável valor, de uma já notável série de notáveis depoimentos sobre temas aliciantes da vida portuguesa.
Assim também o há-de entender o Sr. Presidente do Conselho, em cujo coração magnânimo se entronizou toda a grandeza da Pátria, servida com total doação de si próprio, e que, por isso mesmo, não pode sofrer a ofensa da mesquinhez de um tributo desumano e cruel, que, na sua essência sem fundamentos, nega a própria essência da vida.
Por tudo isto, Sr. Presidente, e pelo muito mais que se não contém nas minhas pobres palavras, fundadamente se pede e espera, em nome da dignidade nacional, a abolição pura e simples da taxa militar com que se flagelam os inválidos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: desejava chamar a atenção desta Assembleia, e portanto da Nação, para um problema que a primeira vista poderá parecer regional, mas que, na sua essência, é puramente de interesse nacional. Refiro-me, Sr. Presidente, ao problema do vinho do Porto, que, apesar da sua diminuta exportação, ainda pesa substancialmente na nossa balança comercial, visto no ano findo o sen valor ter atingido a elevada cifra de 321 692 contos.
Há anos para cá, desde que aqui tenho assento, muitas vezes chamei a atenção do Governo para este candente problema. Justas aspirações foram aqui apontadas, que, infelizmente, não foram atendidas e que tanto iriam fortalecer a economia deste sector e concorrer para o seu bem-estar político e social. A elas me não referirei novamente, pois não quero afastar-me dos assuntos quue me propus hoje tratar
Começarei por fazer referência ao declínio da exportação do vinho do Porto.
Para se ajuizar da evolução das exportações depois da última guerra, aponto os seguintes números:
Milhões do litros
1939 ...................................... 40 906
1945 ...................................... 9 060
1946 ...................................... 27 127
1947 ...................................... 22 094
1948 ...................................... 17 864
1949 ...................................... 24 925
1950 ...................................... 22 913
1951 ...................................... 26 776
1952 ...................................... 20 756
1953 ...................................... 21 379
1954 ...................................... 22 547
1955 ...................................... 22 744
1956 ...................................... 24 438
1957 ...................................... 23 536
1958 ...................................... 21 185
Por eles se vê que, tomando para base o ano de 1939, no qual a exportação do vinho do Porto se aproximou dos 41 milhões de litros, a actual exportação encontra-se reduzida a cerca de metade do que era. Os números
Página 245
27 DE FEVEREIRO DE 1959 245
mostram, mais; que o pequeno aumento de exportação que se vinha desenhando a partir de 1952 desapareceu e transformou-se de 1956 para 1958 numa baixa muito sensível - mais de 10 por cento; isto é, quando se esperava que a exportação continuasse a aumentar, sobrevêm uma baixa que anula o lento progresso das exportações que se vinha desenhando nestes últimos anos. Este facto provocou, como era natural, um certo desequilíbrio económico e mal-estar em todo o sector do vinho do Porto. A que se deverá atribuir o actual declínio de exportação do nosso primeiro vinho e quais as causas que lhe não permitiram retomar nos mercados externos a posição que ocupara antes da última guerra? Parece-me que o Sr. Secretário de Estado do Comércio respondeu lapidarmente a estas perguntas no seu memorável despacho de 2 de Outubro do ano findo, de que transcrevo as seguintes palavras:
O nosso comercio de exportação, de uma maneira geral, não revelou capacidade técnica e financeira para a conquista dos novos mercados.
Acrescentou ainda:
O comércio de exportação patenteou a sua fraqueza e incapacidade técnica, pois, em vez de todos se unirem para a conquista dos mercados, escolheram o caminho de se guerrearem entre si.
Mais adiante ainda acrescentou:
O Fundo de Fomento de Exportação vai ser reposto no plano em que foi colocado quando da sua criação, isto é, apoio financeiro de uma decidida política de exportação, mas sem funções orientadoras.
Sintetizando: o nosso feitio individualista não tem permitido que os exportadores se unam numa frente comum para a conquista dos mercados. Antes, pelo contrário, como muito bem disse o Sr. Secretário de Estado, digladiam-se numa feroz concorrência, desorientando os compradores. Torna-se portanto necessário, para a expansão da nossa exportação do vinho do Porto, que esse estado de coisas se modifique.
Uma outra causa a que se tem atribuído o declínio da nossa exportação do vinho do Porto é de não termos sabido acompanhar a evolução e o gosto dos mercados. Se é essa a cansa, fácil será remediá-la, pois o nosso vinho do Porto, como tantas, vezes se tem dito, não é um tipo de vinho, mas sim um produto regional nascido e criado na região demarcada do Douro e amadurecido em Gaia.
O Sr. Costa Ramalho: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Faz favor.
O Sr. Costa Ramalho: - Nada sei de vinhos e ainda menos de vinho do Porto. Todavia, quando frequentei a Universidade de Oxford, de 1947 a 1949, nos drinking-parties que os rapazes lá celebravam só era conhecido o xerez, e que lá se chama sherry. Vinho do Porto ninguém o bebia, porque o pouco que lá se encontrava era mau e muito caro. Inversamente, o sherry, mais barato, era vinho de excelente qualidade...
O Orador:- Como tal, a gama de tipos de vinho do Porto é muito extensa, desde o extra-seco ao muito doce, do tinto ao branco, passando por uma variedade grande de matizes, e, finalmente, com graduações alcoólicas muito variadas. De comum todos têm o mesmo maravilhoso aroma, que o envelhecimento acentua e que levou a denominá-lo, em tempos passados, vinho de cheiro.
A sua longa e secular história provou que ele se soube adaptar à evolução dos mercados. Assim, de semidoce passou a seco e depois a doce. A sua graduação alcoólica, assim como a sua cor, também sofreram, no decorrer dós tempos, evolução marcada. Nestas condições, com uma marca regional com estas potencialidades e que, portanto, pode apresentar uma tão grande variedade de tipos, não me parece difícil acompanhar a evolução dos mercados.
O que se imporá então fazer para arrancar á exportação do vinho do Porto da posição em que hoje se encontra e fazê-la retomar a situação que ocupava antes da última guerra e em seguida fazer com que ela progrida, de acordo com o aumento do nível de vida verificado em todo o mundo civilizado?
Parece-me que um comércio de exportação fortemente unido e capaz, bem disciplinado, auxiliado por uma propaganda intensa e permanente muito bem orientada, poderá vencer a crise em que nos encontramos. Fundos para a propaganda não devem faltar, se o Fundo de Fomento de Exportação desempenhar a missão para que foi criado.
O Sr. Dias Rosas: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Se faz favor.
O Sr. Dias Rosas: - Eu permitia-me perguntar a V. Ex.ª se conhece as diligências que o Governo tem procurado levar a efeito relativamente a solução deste problema.
O Orador:- Conheço algumas. Nesta Assembleia há três ou quatro anos foi abordada aqui a necessidade de se fazer a campanha do vinho do Porto.
O Sr. Carlos Moreira: - Há quinze anos ou mais. Eu próprio já aqui levantei o problema várias vezes.
O Sr. Dias Rosas: - Eu pedia apenas concretamente a V. Ex.ª que me dissesse se pode responder à pergunta que fiz: V. Ex.ª conhece as diligências feitas pelo Governo e pelo Fundo de Fomento de Exportação ?
O Orador:- Posso dizer a V. Ex.ª que o Governo tem várias questões que lhe foram sugeridas, nomeadamente a necessidade de realizar propaganda na América.
O Sr. Dias Rosas: - Nesse aspecto da propaganda é larga o vem de longe a parte que sempre tem cabido no vinho do Porto no conjunto das campanhas que o Fundo de Fomento de Exportação tem financiado. E quanto à propaganda na América em especial, sabe certamente V. Ex.ª muito bem que se continua a aguardar que o comércio exportador queira organizar-se com eficiência para enfrentar um mercado com a extensão daquele.
Sem que este esforço de organização, que cabe fundamentalmente à actividade comercial, se realize não vale a pena pensar ha penetração eficaz dos mercados através de propagandas que não podem estribar-se depois no fluxo comercial da exportação com o devido poder de negociação.
O Orador:- Se V. Ex.ª me dá licença, direi que conheço os assuntos a que V. Ex.ª se referiu; mós, como V. Ex.ª os apresentou, talvez pudesse haver uma pequena dúvida ou engano.
Conheço os esforços do Governo nesse sentido. Deveriam ter sido feitos sob uma certa reacção da parte do comércio perante essa necessidade de realizar a propa-
Página 246
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77 246
ganda, acompanhada com uma reforma do comércio de exportação. A isso também me vou referir.
O seu relativo desafogo, que lhe permitiu concorrer com 120 000 contos para o financiamento do II Plano de Fomento, garante-nos, no .meu entender, as suas possibilidades financeiras.
Quem deverá orientar a propaganda? Evidentemente que deverá ser o organismo que maior competência tiver sobre 'os assuntos do vinho do Porto. Caberá portanto ao Instituto do Vinho do Porto a orientação da propaganda. Bem sei que o Fundo de Fomento de Exportação é que a financia, e por isso deverá ter certa intervenção, mas nunca deverão ser os seus técnicos que deverão dor directrizes orientadoras.
Basta apontar que, destinando-se o Fundo de Fomento de Exportação ao fomento de toda a nossa exportação nos 'seus mais variados artigos - cortiças, resinosos, conservas', etc. -, não poderão os seus técnicos ombrear em competência com o organismo única e exclusivamente especializado no vinho do Porto.
O Sr. Dias Rosas: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:-Tenha a bondade.
O Sr. Dias Rosas: - É para dizer que isso está legislado pelo último diploma que regula a matéria e é assim quo se procede.
O Sr. Carlos Moreira: - O que não há é resultados.
O Sr. Dias Rosas: - Perdoe-me V. Ex.ª a insistência. Gostaria que V. Ex.ª me indicasse se, para além dessa estrutura legal, conhece as razões profundas pelas quais o mecanismo não funciona. Isso é que esclareceria todos os Srs. Deputados sobre a raiz do problema.
O Sr. Urgel Horta: - É muito difícil responder a isso.
O Orador:-Fiz afirmações concretas, mas se V. Ex.ª quiser estendê-las ...
O Sr. Dias Rosas: - Eu não queria que se estendesse, queria é que me esclarecesse, se fosse possível.
V. Ex.ª disse que é. preciso que o organismo trate do problema. É preciso, de facto; mas é preciso, para isso, que o comércio encare a organização da sua actividade, com vista a tornar eficiente a sua acção nos mercados externos. E neste aspecto não se tem progredido, pelo que o Fundo de Fomento de Exportação, não tendo de imiscuir-se, continua à espera da, efectivação daquilo que cabe ao comércio exportador.
O Orador:-Além disso, o Fundo de Fomento de Exportação tem a sen cargo a propaganda dos licorosos do Sul, que, como é bem sabido, pretendem concorrer nos mercados com o vinho do Porto.
Basta este último facto para se ter de pôr de parte a acção orientadora do Fundo de Fomento de Exportação sobre a propaganda do vinho do Porto.
Todos nós conhecemos as consequências de uma campanha de publicidade bem orientada em volta de um produto. Com propaganda quase tudo se pode vender, mesmo que o artigo não possua qualidades intrínsecas e tradicionais. Como exemplo demonstrativo basta apontar essas «colas» que por todo o mundo se têm espalhado. Por isso me parece que um produto como o vinho do Porto, com qualidades intrínsecas excepcionais e características bem definidas, se for acompanhado de uma campanha intensa e permanente de propaganda, poderá conquistar, e tenho a certeza, conquistará, os mercados consumidores.
Uma campanha dessa envergadura deverá, evidentemente, incidir sobre um pequeno número de tipos e marcas de vinho do Porto para que dela possamos colher os melhores resultados.
O Sr. Dias Rosas: -V. Ex.ª dá-me licença? Agora é só para dor uma achega ...
O Orador:-Se faz favor.
O Sr. Dias Rosas: - V. Ex.ª sabe, por acaso, quantas são as marcas de vinho do Porto?
O Orador:-Algumas centenas ...
O Sr. Dias Rosas: - Não. Não são centenas: são duas mil e tal, para cerca de setenta exportadores.
O Orador:-Bem sei que uma campanha dessa natureza implicará grandes encargos financeiros. Por isso, talvez, alguns poderão objectar que, destinando-se a um produto regional ela se não justificaria, apesar da melhoria muito sensível que se iria registar no saldo da nossa balança comercial. Contra essa possível objecção quero apontar os seguintes números, extraídos de uma recente entrevista concedida à imprensa pelo presidente do Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto:
Uma pipa de vinho do Porto exportada representa 0,84 de pipa em mosto do Douro e 1,76 de pipa em vinhos de outras regiões, para fornecimento de aguardente.
Logo, cada pipa de mosto da região demarcada é sempre acompanhada de mais de duas pipas de vinhos de outras regiões.
Bem sei que ultimamente, devido ao declínio das exportações do vinho do Porto, dos 1351 de aguardente em média necessários para' perfazer uma pipa de vinho do Porto, 100 l são fornecidos pela própria região e 35 l de fora dela. As circunstancias actuais a tal obrigam, devido a a produção da região demarcada do Douro ser superior à actual e diminuta exportação. Não vejo, por enquanto, outra salda para esta dificuldade, pois, devido à natureza e pouca fertilidade do solo, o granjeio por pipa nesta região é muito e muito mais elevado do que o é nas outras regiões em que predominam as planuras e as .várzeas, onde tradicionalmente se produziam os vinhos baratos destinados à queima.
A situação do vinho da região demarcada do Douro, relativamente ao vinho das regiões atrás referidas, assemelha-se um pouco à situação relativa entre a energia eléctrica das albufeiras e a energia eléctrica das centrais a fio. de água, pois não só o custo da energia eléctrica das primeiras é superior ao preço da energia eléctrica produzida nas segundas, mas também a sua qualidade, por ser permanente, é superior à da produzida pelas centrais a fio de água. E como o interesse' nacional obriga a utilizarmos as duas fontes dê energia, de um modo semelhante será necessário que o Douro produza vinho, apesar dê este sair bem mais caro do que o colhido nas planícies e várzeas.
A não se praticar um preço de aquisição de vinho variável de região para região, conforme o seu custo de produção, vinho esse que depois seria apresentado ao consumidor a um preço que se aproximaria do médio, tal qual como se faz com a energia eléctrica, não vejo, enquanto a exportação não aumentar substancialmente, que se suspenda a queima dos vinhos sobrantes da região demarcada do Douro.
Sr. Presidente: a um outro facto me vou referir', e que preocupa fortemente todo- o sector do vinho do Porto.
Página 247
27 DE FEVEREIRO DE 1959 247
Há quase dois anos que o Instituto do Vinho do Porto se encontra sem director. Este facto seria sempre e em qualquer ocasião da maior gravidade, mas mais grave se torna agora, quando se pensa numa próxima reorganização dos organismos de coordenação. Quem poderá defender e apontar os interesses deste sector perante a subcomissão de coordenação? Como poderá o Instituto do Vinho do Porto tomar posição definida e informar o Governo, sobre os vários problemas que ao vinho do Porto dizem respeito?
Chamo por isso, muito particularmente, a atenção do Sr. Secretário de Estado do Comércio para a necessidade de nomear sem mais delongas um director para o referido organismo, que conheça todo o sector produção e exportação -, que seja capaz de harmonizar os interesses, por vezes divergentes, entre produtores e ex-
portadores e que possa, com a ajuda financeira do Fundo e Fomento de Exportação, levar a cabo a grande campanha de propaganda que é mister realizar.
Sr. Presidente: para terminar, vou referir-me a outro facto que recentemente muito inquietou toda a região demarcada do Douro.
No dia 21 de Janeiro do corrente ano o Sr. Presidente da Junta Nacional do Vinho e nosso prezado colega nesta Assembleia, a quem não quero deixar de prestar as minhas homenagens, fez, numa entrevista concedida à imprensa e a que se deu grande relevo, certas afirmações, que sobressaltaram e causaram profunda estranheza em toda a região do Douro. Em resposta a uma pergunta formulada por um jornalista sobre a extensão da actividade da Junta, disse:
A acção da Junta Nacional do Vinho não abrange, paradoxalmente, todo o Pais. Há órgãos regionais que detêm plena autonomia de acção. Isto resulta de um vicio de estrutura, que o tempo e as circunstancias foram evidenciando, mas que urge, em meu entender, corrigir, sem prejuízos, como é evidente ...
Estas palavras proferidas pelo ilustre presidente da. Junta alarmaram fortemente toda a região demarcada. Elas são bem claras e mostram quais os seus intentos. No entanto, Sr. Presidente, não creio que essa absorção possa realizar-se algum dia. Mas bastou falar-se nessa possibilidade para que toda a região se levantasse indignada, sem uma só discordância, para se opor categoricamente à ideia de se estender à região demarcada do Douro a acção da Junta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O Douro; através dos seus grémios, e a Casa do Douro, através do seu conselho geral, imediatamente fizeram saber ao Governo a estranheza que lhes causou tal afirmação. Destaco que a repulsão provocada por tal pretensão nem foi originada por um estado emocional da região, nem por um regionalismo doentio ou exagerado. Ela tem a sua origem numa experiência secular, que tem provado que, sempre que os vinhos das planuras ou várzeas julgam ter possibilidades de poderem ir ocupar o lugar conquistado pela qualidade dos vinhos do Douro, o embate se não faz esperar. Um organismo que englobasse toda a viticultura não
poderia, pela sua própria natureza, evitar esses atropelos, pois os interesses do Douro, com umas escassas 200 000 pipas de produção, seriam submergidos pelos interesses de uma viticultura em volume muito superior e economicamente mais poderosa.
O Sr. Carlos Moreira: - Tem V. Ex.ª toda a razão.
O Orador:-Como nota que esclarece certas posições tomadas e que muito prejudicaram e prejudicam ainda a Viticultura do Douro, e também como prova de que nada de bom seria de esperar com a extensão das actividades da Junta à região demarcada do Douro, relato os seguintes factos:
Como é do conhecimento dos viticultores, os vinhos licorosos do Sul abastecem-se da aguardente de que necessitam no mercado livre, normalmente a preços muito inferiores aos da Junta, enquanto a aguardente destinada ao vinho do Porto era, antes do declínio. das exportações; quase totalmente fornecida pela Junta a preços normalmente muito superiores aos do mercado livre. Este tratamento desigual, não só é iníquo na sua essência, mas também permite que esses vinhos mais facilmente concorram em preços com o vinho do Porto nos mercados externos. São ambos vinhos de Portugal, ambos licorosos; um tem a palavra «Porto», outro a palavra «Portugal».
O consumidor não esclarecido facilmente é enganado.
Este apontamento dá-nos uma ideia do que 'poderia acontecer se se estendesse a acção da Junta ou de outro organismo semelhante à região do Douro.
Para terminar, vou sintetizar aqueles pontos que acabei de focar e que o Douro espera sejam considerados:
1.º Reorganização do nosso comércio de exportação do vinho do Porto, para que da campanha intensa e permanente de propaganda se possam auferir os melhores resultados;
2.º Reintegração do Instituto do Vinho do Porto nas suas funções, pela nomeação de um director capaz;
3.º Necessidade de se resolver o problema do escoamento dos vinhos sobrantes da região demarcada. Esses vinhos não poderão ser escoados pelos preços correntes dos vinhos das várzeas ou planuras;
4.º Activo repúdio dos pretensões absorventes da Junta Nacional do Vinho.
Concluo pedindo ao Sr. Secretário de Estado do Comércio, de quem o Pais tanto espera, a sua melhor atenção sobre os pontos focados nesta intervenção. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Oliveira: -V. Ex.ª dá-me licença?
O Sr. Presidente:-V. Ex.a, Sr. Deputado Mário de Oliveira, deseja a palavra para explicações sobre alguma referência que lhe fosse feita pelo orador?
O Sr. Mário de Oliveira: - É de facto para uns breves esclarecimentos às considerações do Sr. Deputado José Sarmento.
O Sr. Presidente:-Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Mário de Oliveira: - Queria apenas acentuar alguns pontos, e vou situar-me justamente no quadro do raciocínio de V. Ex.ª, Sr. Dr. José Sarmento.
V. Ex.ª apontou, em certo passo da sua intervenção, que constituía um problema grave para a região do Douro o facto de, em consequência da redução dos seus benefícios, haver de queimar vinhos aptos ao consumo.
Ora isto constitui para V. Ex.ª um motivo de legitima preocupação.
Por outro lado, e noutro passo da sua intervenção, V. Ex.ª observa, em plano crítico, a tendência absor-
Página 248
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77 248
vente da Junta Nacional do Vinho (e neste momento desprendo-me da' qualidade funcional que possa ter fora deste hemiciclo).
Colocado nesta ordem de raciocínio, pergunto: V. Ex.ª acha lógico ou normal que, num quadro de preocupações coordenadoras, se proceda a uma queima sistemática de determinados vinhos aptos para o consumo, quando efectivamente há necessidade de obter reservas para exportação, por virtude de não existirem reservas suficientes ?
Esta situação, quanto a mim, é manifestamente absurda.
É evidente que a nota através da qual o presidente da Junta Nacional do Vinho teve a preocupação de justificar a necessidade de um reajustamento orgânico procurava significar a vantagem de obter uma coordenação à escala nacional, para evitar queimas em determinadas regiões num momento em que o conjunto nacional precisava, sobretudo, de obter vinhos de consumo em condições de exportação.
Nunca poderia estar no espirito de quem formulou as considerações em cansa que não se respeitassem os preços regionais.
Há até um .caso pouco representativo em ordem de grandeza, mas que pode constituir um exemplo de solução de conjunto, que é concretamente o caso da região de Colares, onde os custos de produção são porventura mais altos do que os do Douro.
Acontece neste caso que o organismo de coordenação adquire os vinhos produzidos naquela região no pleno respeito dos custos de produção regional, diluindo o sobrepreço que eles representam por meio de uma operação meramente contabilística no conjunto das massas vínicas. em reserva no organismo, reserva essa que é normalmente constituída a preço económico.
Desta forma é possível obter reservas nacionais a preço mais harmónico com as possibilidades de uma melhor comercialização do conjunto.
Tenho dito.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: peço a palavra!
O Sr. Presidente:-Não posso dar a palavra a V. Ex.ª, porque o Sr. Deputado José Sarmento já terminou o seu discurso, assim como o Sr. Deputado Mário de Oliveira já concluiu as suas explicações, para as quais pedira a palavra.
O Sr. Santos Júnior:.- Sr. Presidente: recente despacho do Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional, homologando douto parecer da Junta Nacional de Educação, autoriza o funcionamento do curso do formação feminina na Escola Comercial e Industrial de Gouveia, admitindo-se ainda no mesmo parecer a possibilidade da criação do curso geral de comércio depois da construção do novo edifício ou depois de a Camará Municipal apresentar instalações que reunam as condições julgadas indispensáveis para o efeito.
Esta medida, aparentemente tão simples mas de tão grande alcance para a região beneficiada, leva-me a usar da palavra nesta Assembleia para endereçar àquele ilustre membro do Governo o mais vivo e sincero agradecimento em nome das autarquias locais e em representação do grande número de modestas famílias que assim vêem satisfeita a legitima aspiração de facultarem aos seus filhos melhor preparação para a vida, através de uma mais completa instrução e educação.
Justificado e natural é o regozijo da região serrana pertencente ao círculo que represento ao ver abrir-se-Ihe a possibilidade da criação dos referidos cursos na sua Escola Técnica. Com efeito, criada esta Escola em Junho de 1954, logo no mesmo ano começou a funciona em edifício cedido pela Câmara Municipal e, decorridos quatro anos, sentem-se nitidamente as vantagens que para a cultura e formação das classes populares resultaram da criação daquele estabelecimento de ensino, notando-se também crescente interesse no seio de todos os agregados familiares pela Escola, como meio de fácil acesso para a educação e aperfeiçoamento profissional de centenas de adolescentes, que, habilitados com o curso de instrução primária, encontram nela um meio óptimo para alargar e completar os seus conhecimentos e preparar, a sua formação para a vida prática.
Porém, alguma coisa faltava para que tão útil instituição pudesse atingir plenamente o objectivo que motivou a sua criação. Era visível a insuficiência dos cursos professados na Escola, e esta via frustrada grande parte do esforço que despendia na formação e instrução doa seus alunos ao ver muitos deles, completado o ciclo preparatório e sem vocação para cursos de índole mecânica, impedidos de prosseguir os seus estudos, pois ó recurso da transferência para outras escolas não estava ao alcance da grande maioria, por todos ou quase todos pertencerem a famílias de limitadíssimos recursos financeiros.
Sentia-se, portanto, a falta de um curso geral de formação que ministrasse, conhecimentos mais variados e permitisse o acesso a maior diversidade de profissões, dando saída a .grande número de alunos que acorriam à matrícula no ciclo preparatório, o qual, nas condições actuais, como que carece de finalidade, pois, destinando-se, por definição, a determinar as tendências de quem o frequenta, se fica nessa indicação, sem poder, no entanto, orientar e formar dentro da Escola a maior parte daqueles em quem descobre a aptidão dominante e a quem indica o rumo mais adequado.
Já no ano lectivo de 1956-1957 a autorização para poderem ser leccionadas algumas das cadeiras que fazem parte do curso geral de comércio havia constituído uma animosa esperança, que muito alegrou todos aqueles que à Escola dedicam a sua atenção e o seu carinho.
O recente despacho do Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional rasga novas perspectivas para o futuro da Escola, e natural é, pois, que o regozijo sentido naquela vila da serra da Estrela aqui encontre eco pelas minhas palavras de agradecimento.
Mas, se esta medida, que com tanto júbilo foi recebida pela população local, há-de contribuir para ampliar a acção do estabelecimento de ensino, vem, por outro lado, tornar mais premente a necessidade de dar solução imediata ao problema das suas instalações, já manifestamente insuficientes.
Na verdade, a Escola Técnica de Gouveia, instalada em edifício adaptado, dificilmente comporta hoje os seus cento e trinta alunos e precisa urgentemente de ver supridas as deficiências que obstam ao seu funcionamento regular. Há oficinas onde se trabalha em condições precárias e não existe mais espaço para a instalação de máquinas e ferramentas, já cedidas e que não podem por aquele motivo ser montadas.
Não levo mais longe a exposição de todas as razões justificativas da construção de um edifício apropriado para a Escola Técnica de Gouveia, pois o Governo, tendo a percepção e compreensão clara do problema, já incluiu no vasto plano de construção de novos edifícios para o ensino técnico aquela Escola. Se com o meu agradecimento ao Governo saliento neste momento a nota da construção do novo edifício é só para, aproveitando a oportunidade, apelar para o Sr.. Ministro das Obras Públicas no sentido de serem quanto antes realizadas os condições necessárias para a adjudicação de tão importante melhoramento, pois Gouveia espera ansiosamente o início dos trabalhos no terreno já escolhido e aprovado.
Página 249
27 DE FEVEREIRO DE 1959 249
Se superiormente era já reconhecida a necessidade de um novo edifício, com a criação dos novos cursos em referência, que vão aumentar em números expressivos a frequência da Escola, mais imperiosa se torna a necessidade de a esta dar instalações convenientes.
A Câmara Municipal, a comissão de patronato e a direcção da Escola não se pouparão a esforços para que os novos cursos possam já funcionar no próximo ano lectivo. Mas se o Município não vacila perante o obstáculo, e há-de transpo-lo, custe o que custar, espera do Governo o melhor e mais pronto auxilio, de modo a ver-se em breve libertado do encargo que certamente vai assumir para dar à Escola as condições necessárias ao seu desenvolvimento e regular funcionamento.
Ao encarar-se o problema do ensino técnico no distrito da Guarda, não pode deixar de considerar-se também o caso da Escola Comercial e Industrial da sede do distrito, que, criada em Agosto de 1956, entrou em funcionamento no mesmo ano, em edifício adaptado pelo Grémio do Comércio, edifício que, apesar da boa vontade daquela entidade, se reconhecia, dentro de pouco tempo, insuficiente perante o notável incremento registado pelo novo estabelecimento de ensino.
Teve então a Câmara Municipal, chamada a intervir na solução de tão grave problema, de colocar à disposição da Escola algumas dependências do antigo Paço Episcopal, mas fácil é imaginar os inconvenientes resultantes do funcionamento de um estabelecimento de ensino em dependências separadas e improvisadas, como fácil é prever as dificuldades que a direcção da Escola encontra para o seu regular funcionamento.
O problema vai-se agravando de ano para ano, e para avaliar da sua gravidade basta considerar os números representativos da progressiva frequência registados nos três anos de vida da Escola.
No primeiro ano de funcionamento matricularam-se oitenta e sete alunos. No ano lectivo seguinte esse número aumentou para duzentos e nove e no corrente ano lectivo é de quatrocentos e dez o total de alunos que frequentam a Escola. Não se exagera se a previsão para o próximo ano for calculada à volta de seiscentos alunos.
Estamos perante uma manifestação viva de interesse pela cultura, que se não pode nem deve contrariar. É necessário ir ao encontro deste movimento em favor da instrução e educação de centenas de adolescentes, considerando a necessidade urgente da construção de um edifício para a Escola Comercial e Industrial da cidade da Guarda.
O ensino técnico, tal como o ensino liceal, é uma realidade que já se não compadece com meias soluções, e não deve colocar-se, no que respeita à sua expansão, à mercê da exiguidade das verbas das câmaras municipais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Cabe aqui uma nota que se junta às insistentes considerações e afirmações que nesta Assembleia se têm produzido e ouvido quanto aos encargos que sobrecarregam os municípios, pois o critério usado de fazer depender destes, em parte, a instalação e funcionamento das escolas técnicas recém-criadas coloca aqueles corpos administrativos em difíceis apuros, de que só conseguem salvar-se a custa do sacrifício das suas limitadíssimas disponibilidades. E fazem-no de boa vontade, pois superior e útil é o objectivo que justifica o pesado encargo. Mas, se, por verificada impossibilidade, não podem corresponder ao sacrifício que lhes é exigido, ficam com a responsabilidade dê não darem seguimento ao empreendimento.
É necessário ir mais longe, e ao Estado compete dotar as escolas técnicas das instalações convenientes, sem limitações, sem condicionalismos, ainda que para isso se tenham de sacrificar um pouco certas obras de valorização urbana nos grandes centros, que não perdem em ser adiadas, para que outros problemas de ordem superior há muito aguardando solução nos meios mais afastados sejam resolvidos definitivamente.
Concluo, pois, Sr. Presidente, solicitando a atenção do Governo para o problema das instalações destinadas às escolas técnicas do distrito da Guarda, de forma que tão breve quanto possível seja construído em Gouveia o edifício já incluído no plano em execução e seja considerada, numa antecipação que a gravidade da situação existente justifica plenamente, a construção de um edifício na cidade da Guarda.
Para isso se não pouparão a esforços e sacrifícios as forças vivas respectivas, e o distrito da Guarda, que durante largos anos foi uma mancha escura na carta representativa da expansão do ensino técnico, saberá corresponder, obedecendo aos seus tradicionais costumes, em sentimentos de gratidão e na formação de melhores valores humanos, para o engrandecimento e prestigio da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Por isto ou por aquilo, muitas famílias portuguesas deixam todos os anos o território nacional, para engrossar as colónias lusas já existentes por esse Mundo fora ou dar origem a outras.
É gente de Portugal que, na sua maioria, não volta a Pátria, à qual, todavia, se mantém ligada por laços fortes de afectividade. Os filhos, porém, criados em meio estranho e em ambiente familiar de pouca cultura, não esquecerão, talvez, a sua ascendência portuguesa, mas não se sentirão ligados às coisas e à vida dos Portugueses, e muito menos os filhos desses filhos.
Só a presença de escolas portuguesas junto de tais núcleos de emigrantes poderá lutar contra o sen natural desaportuguesamento.
Para uma possível intervenção sobre o assunto, roqueiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo Ministério da Educação Nacional, me seja fornecida nota das escolas e centros de cultura portugueses existentes no estrangeiro e destinados a Portugueses, e ainda relação daqueles onde se faz o ensino da nossa língua ou da nossa cultura a estrangeiros.
Mais roqueiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam dados a conhecer o número e constituição das colónias lusas em terras estranhas».
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na especialidade a proposta de lei sobre a nacionalidade.
Ponho em discussão a base I da proposta de lei. Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte: •
BASE I
1. São portugueses, desde que hajam nascido em território português:
2. a) Os filhos de pai português;
Página 250
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77 250
b) Os filhos de mãe portuguesa, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
c) Os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos;
d) Os filhos de pai estrangeiro, salvo se este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence;
e) Os filhos de mãe estrangeira, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence.
2. Presumem-se nascidos em Portugal, salvo prova em contrário, os recém-nascidos expostos em território português.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada a base I.
O Sr. Presidente:-Ponho agora em discussão a base II.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE II
São igualmente portugueses, conquanto nascidos em território estrangeiro, os filhos de pai ou mãe portugueses que nesse território se encontrem ao serviço do Estado Português.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida á votação, foi aprovada a base II.
O Sr. Presidente:-Ponho em discussão a base III.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE III
Para os efeitos do disposto nas bases I e II, são considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem aqueles que se encontrem fora do respectivo território em consequência de missão oficial do mesmo Estado.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: ontem, ao apreciar esta proposta de lei na generalidade fiz referência particular a esta base III.
Creio que aquilo que então disse está na memória dos Srs. Deputados. Por este motivo dispenso-me de o repetir.
Entendo que esta disposição da base III, embora formulada no sentido de definir a base II, alarga um pouco o seu sentido em relação àquele que tem sido seguido geralmente na jurisprudência, porque o principio da base II estava já consignado no Código Civil. Esta a intenção da proposta, mas a verdade é que, abstractamente, a base III restringe os termos da base II; consequentemente, parece-me que o melhor seria não formular a base III, para não haver essa restrição. A formular-se, deve acrescentar-se um complemento, que consta das minhas palavras de ontem, a seguir ao texto da mesma base, complemento que passo a ler:
... ou actividade por este reconhecida antes da respectiva ausência como de serviço nacional.
De maneira que, para a base II não ser restringida pela base III, ou se elimina esta ou, não se eliminando, deve ter um aditamento no sentido do texto que acabo de ler.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a Comissão de Legislação e Redacção considerou as sugestões que na discussão na generalidade foram feitas tanto pelo Sr. Deputado Dr. Simeão Pinto de Mesquita como pelo Dr. Abranches de Soveral. Considerou-as com o melhor espirito: ver se era possível acolher o pensamento
que exprimiam.
Segundo essas sugestões, o que se pretendia era uma fórmula mais elástica do que a que está contida na base III, uma fórmula mais elástica que tornasse possível que, mesmo em casos em que porventura será duvidoso se o português que está no estrangeiro ou o estrangeiro que está em Portugal ai estão em missão oficial do Estado - hipóteses relativamente às quais, dizia eu, pode apresentar-se como duvidoso se cabem ou não na disposição da base m nos termos em que se apresentam.
Formulámos várias hipóteses que tinham sido apresentadas: hipóteses de bolseiros, hipóteses de leitores. Pudemos verificar que estas hipóteses, além de outras que podem apresentar-se, se mostram, na realidade dos factos, com características que nem sempre será possível adaptar à fórmula de modificação da base que é sugerida.
De sorte que a Comissão de Legislação e Redacção preferiu a fórmula da base à da de alteração proposta, porque, embora esta parecesse mais elástica, suscitava dificuldades de aplicação prática mais graves do que aquelas que suscita o texto da base.
Como disse a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a Comissão de Legislação e Redacção fê-lo com o melhor espirito, com o espirito mais acolhedor, e a conclusão a que chegou foi esta.
Quero acrescentar ainda que, conforme as disposições propostas pelo Governo, as pessoas que estiverem nessas condições são necessariamente portuguesas, são declaradas por lei necessariamente portuguesas.
Relativamente a casos duvidosos entendeu-se que não se deverá ir para uma solução dessas, tanto mais que na base IV, se as pessoas desejarem ser portuguesas ou que os filhos sejam portugueses, nos termos da base IV, dispõem sempre de uma possibilidade. Basta fazerem os pais, enquanto os filhos' são menores, a declaração a que se refere a alínea a) da base IV e os filhos, quando maiores, fazerem essa declaração ou reclamarem contra a declaração que os pais fizeram. Podem ainda estabelecer, nos termos da alínea c), domicílio em Portugal e então são portugueses.
Insisto: entendeu-se que era preferível deixar o texto desta base tal como se encontra do que buscar uma fórmula mais elástica, que pudesse multiplicar as dificuldades e as dúvidas em vez de as resolver.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?... É apenas para esclarecer a dúvida que pode surgir nos casos muito frequentes de, simbolicamente, médicos, engenheiros e outros profissionais ou funcionários obterem, passaporte para «missões oficiais», quando é certo que muitas vezes nenhuma missão realizam e se servem de tal prática para facilidades de deslocação e outras ou para poderem ausentar-se das suas funções oficiais.
Estes casos, ou semelhantes, estão compreendidos na base III?
Página 251
27 DE FEVEREIRO DE 1959 251
O Orador:-Essa é uma das dificuldades que apareceram no ambiente da Comissão de Redacção. Não me parece que possam considerar-se essas chamadas missões oficiais como traduzindo-se numa situação que caiba dentro da fórmula da base «em missão oficial». Seria uma missão reconhecida pelo Estado, que em geral se pede precisamente para se poder utilizar o chamado passaporte de missão especial, mas não para realizar uma missão do Estado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Ë precisamente o nome de «missão oficial» que se costuma dar.
O Orador:-No passaporte diz-se isso. O caso deve ser deixado à solução da jurisprudência.
Nós não somos capazes de encontrar uma solução que não seja passível de dúvidas porventura maiores do que aquelas que surgem com base no texto tal como é apresentado. Quanto aos bolseiros, aos leitores, há os que são portugueses em missão do Estado Português em Universidades estrangeiras; há leitores que não têm relação nenhuma com o Estado Português, pois são pagos pelas próprias Universidades estrangeiras onde desempenham as suas funções; há bolseiros subsidiados pelo Instituto de Alta Cultura e por outras instituições, quer portuguesas, quer estrangeiras.
Todas estas hipóteses passaram diante dos olhos da Comissão de Legislação e Redacção, e creio que esta Comissão tem olhos. Depois de consideradas, chegou-se à conclusão de que a fórmula mais aceitável, que menos dúvidas suscita qualquer fórmula as suscitaria , é aquela que é usada na base.
A questão vem de longe. O problema foi posto no projecto de decreto-lei enviado à Camará Corporativa, com uma fórmula mais restrita, em que só beneficiavam os agentes diplomáticos e consulares. Depois entendeu-se que não deveriam beneficiar só estes. A Câmara Corporativa deve ter tido as mesmas dificuldades que nós temos ao buscar a fórmula aproveitada pelo Governo e que está contida na base.
Desde que não há nenhuma proposta de alteração, estou com estes esclarecimentos precisamente a demonstrar aos nossos colegas que fizeram sugestões em certo sentido que elas não deixaram de ser consideradas, como era devido e como mereciam. Mas parece-nos realmente que o preferível seria ainda manter-se o texto da base como se encontra redigido.
Tenho dito.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - As explicações do Sr. Deputado Mário de Figueiredo satisfazem realmente no sentido do esforço e dos propósitos em que estamos empenhados para melhorar a proposta de lei, na medida do possível. Por isso se explica que, não obstante a minha maneira de ver abstracta sobre esta base, eu a vote, exactamente por ela representar um alargamento, e nesse ponto uma maior perfeição, o qual contraria uma tendência tradicional da jurisprudência para restringir o campo de aplicação do principio ora concretizado na base II.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base III.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer o uso da palavra sobre esta base, vai passar-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada a base III.
O Sr. Presidente:-Ponho agora à discussão a base IV, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta de alteração que lhe diz respeito.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE IV
São considerados portugueses os filhos de pai português nascidos no estrangeiro, desde que satisfaçam a alguma das seguintes condições:
a) Declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores, que querem ser portugueses;
b) Terem o nascimento inscrito no registo civil português através de declaração prestada pelos próprios, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores;
c) Estabelecerem domicilio voluntário em território português e assim o declararem perante a entidade competente.
Proposta de alteração
Propomos que nas alíneas a) e ô) da base IV se substitua a expressão «menores» pela de «incapazes».
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Fevereiro de 1959. - Mário de Figueiredo - José Soares da Fonseca - João do Amaral - Carlos Alberto Lopes Moreira - Manuel Lopes de Almeida - José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues - Fernando Cid Oliveira Proença. •
O Sr. Presidente:-Estão, portanto, em discussão a base IV e a respectiva proposta de alteração.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Quanto à proposta de alteração, concordo inteiramente com ela, porquanto completa melhor as deficiências do texto. Mas não era sobre isso que eu queria usar da palavra.
Pedi a palavra para-me pronunciar sobre a alínea c), a qual considera como portugueses os nascidos no estrangeiro que hajam estabelecido domicilio voluntário em território português e assim o tenham declarado perante a entidade competente. Este critério de domicilio é, chamemos-lhe assim, muito fluido e flexível, e aqui procura precisar-se mais definitivamente o conceito, para esse efeito o mesmo, dizendo-se que ele tem de ser precedido pela declaração.
Parece em todo o caso que a expressão não está suficientemente clara, pois ficamos sem saber se a declaração de que se trata se refere a declaração da alínea a) ou se à declaração propriamente de domicilio.
Esta declaração relaciona-se com a base XL, onde se estabelece a necessidade do registo desta declaração. Ora, as declarações do domicilio como estavam previstas até agora haviam de fazer-se nas camarás municipais respectivas.
Por isso me parece que esta base não está suficientemente clara por um lado, e, por outro, põe-se a dúvida de se a declaração terá de ser feita no registo da base XL.
Mas isso equivaleria à simples declaração prevista na alínea a). E, sendo assim, tal declaração de domicilio seria supérflua, por já estar prevista na alínea a). De maneira que me parece que este aspecto se deve tornar mais claro, para o que chamo a atenção da Comissão de Redacção.
Página 252
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77 252
O Sr. Mário de Figueiredo:- A proposta de alteração às alíneas a) e b) da base IV tem um alcance que salta imediatamente aos olhos
É claro que há-de ser muito raro que apareça a hipótese de um incapaz que não seja menor, ou que não seja ao mesmo tempo menor, relativamente ao qual haja que tomar o procedimento que nessas alíneas da base IV é previsto.
Há-de ser difícil, mas é possível dar-se o caso. Esse o sentido da alteração proposta.
Quanto à observação feita em relação à alínea c) pelo Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita, devo dizer que não me parece que. possa haver dúvidas de que a fórmula se refere, não à declaração de que querem seguir esta ou aquela nacionalidade, mas à declaração do domicílio.
Portanto, é uma forma de expressão da intenção de fazer acompanhar o estabelecimento da residência em Portugal do domicilio ou, melhor, da intenção de se domiciliar em Portugal.
Não me parece haver qualquer dúvida a este respeito, porque, quanto às outras declarações, a referência é expressa nas alíneas a) e b).
Este um aspecto do problema.
É possível encontrar-se melhor redacção? Não é?
Este problema não o trato agora aqui, porque é para ser apreciado pela Comissão de Legislação e Redacção.
Quanto ao segundo problema, reconheço - e só agora foi chamada para ele a minha atenção, motivo por que não poderei falar em nome da Comissão de Redacção - que ele pode pôr-se: pode pôr-se o problema da relação dessa alínea com o disposto na base XL.
Pode pôr-se o problema de saber se a declaração do domicilio é também abrangida pela alínea a) da base XL ou não. Referir-se-á esta base só as declarações que respeitam directamente à aquisição da nacionalidade, às hipóteses das alíneas b) e c)?
Numa interpretação lata, pelo menos, esta declaração, a que se refere a alínea c) da base IV, também respeita a atribuição da nacionalidade. Não é propriamente, neste caso, a declaração que determina a atribuição da nacionalidade, mas d domicilio; simplesmente, este pode julgar-se ineficiente sem o registo da declaração de domicilio e compreende-se a sua exigência para tornar precisa a relação jurídica. Mas compreendo perfeitamente a dúvida suscitada.
Não posso neste momento acrescentar mais nada porque a questão não foi posta e acredito que a dúvida se suscite. Em todo o caso, inclino-me a crer que, para efeito das disposições contidas no capítulo VI, também essa declaração estará ou deverá estar sujeita a registo.
Aqui tem V. Ex.ª, Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita, o que se me oferece dizer sobre o assunto.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base IV com a alteração proposta.
O Sr. Presidente: -Ponho agora em discussão a base v. Vai ler-se.
foi lida. É a seguinte:
BASE V
São tidos igualmente como portugueses, desde que se verifique alguma das condições previstas na base anterior, os filhos de mãe portuguesa nascidos em território estrangeiro, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base V.
O Sr. Presidente: -A discussão na especialidade desta proposta de lei continuará na próxima sessão, que se realizará na terça-feira, dia 3 de Março, constituindo a respectiva ordem do dia.
Está encerrada a Sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Carlos Coelho.
César Henrique Moreira Baptista.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Pedro Neves Clara.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA