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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84
ANO DE 1959 18 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 84, EM 17 DE MARÇO
Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. :
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
José Fernando Nunes Barata
Nota. - Foi publicado o S.º suplemento ao Diário das Sessões n.º 71, inserindo o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1957.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 83.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Sn. Deputados Manuel Homem Ferreira, que apresentou um projecto de lei sobre alterações ao Código de Processo Penal; Paulo Cancella de Abreu, que requereu urgência para o referido projecto de lei, o que foi aprovado pela Assembleia; Manuel Homem de Melo, nobre problemas de natureza política ligados à administração municipal; Armando. Cândido de Medeiros, acerca da necessidade de se manter a unidade, contrariando o boato e a intriga, e Rodrigues Prata, que se congratulou com a manutenção do batalhão de caçadores n.º l em Portalegre.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei do fomento piscícola nas águas interiores do Pais.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Coelho e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 88 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
ram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está, em reclamação o Diário das Sessões n.º 83, de 12 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente.
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rocha Peixoto sobre a situação dos municípios do distrito de Vila Real.
Vários a apoiar a intervenção rio Sr. Deputado José Saraiva a pedir a criação de uma escola técnica no Fundão.
Do Sindicato Nacional do Pessoal dos Tabacos do Porto a apoiar as considerações rio Sr. Deputado Urgel Morta sobre a situação resultante da extinção da Fábrica Portuense de Tabacos.
De José Oliveira Neto no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal de Mesão Frio a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Carlos Moreira acerca da urgência de ser revisto o Código Administrativo.
Da Associação Académica do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos a apoiar as considerações do Sr. Deputado Vasques Tenreiro sobre problemas de interesse paru o ultramar.
Da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Baixa a apoiar a intervenção do Sr. Deputado António Lacerda no debate acerca da proposta de lei relativa ao fomento piscícola nos águas interiores do País.
Do Grémio do Comércio de Lamego a pedir que não saia da cidade o seu regimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia, para apresentar um projecto de lei, o Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira.
O Sr. Manuel Homem Ferreira: - Sr. Presidente: nos termos do n.º 1.º do artigo 91.º, combinado com a alínea b) do artigo 101.º, ambos da Constituição, e com o § 1.º do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, tenho a honra de entregar a V. Ex.ª o seguinte
Projecto de lei
«Artigo 1.º O artigo 411.º do Código de Processo Penal não é aplicável aos advogados no exercício das suas funções, devendo proceder-se quanto a eles, pelas infracções cometidas em audiência, de harmonia com o disposto no artigo 412.º do mesmo diploma.
Art. 2.º Passam a ter a seguinte redacção os artigos 435.º e 458.º do Código de Processo Penal:
Art. 435.º As testemunhas serão perguntadas, sobre os factos que tiverem sido alegados, pelos representantes da acusação e da defesa que as tiverem produzido, podendo os representantes da parte contrária, o presidente e os juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º Se, para o esclarecimento da verdade, se mostrar necessário interrogar qualquer testemunha sobre um facto novo, não alegado, poderá ser perguntada sobre ele, se o presidente do tribunal o autorizar.
§ 2.º Quando acusarem conjuntamente o Ministério Público e a parte acusadora, qualquer deles pode fazer às testemunhas que não tiver oferecido, depois de inquiridas, as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade.
Art. 458.º Todos os requerimentos ou protestos verbais constarão da acta da audiência, podendo o presidente do tribunal ordenar que a transcrição
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na acta se faça somente depois da sentença, se entender que se tem por fim protelar o andamento da causas.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu; - Sr. Presidente, peço a palavra para um requerimento.
O Sr. Presidente:-Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Nos termos do Regimento, roqueiro urgência para o projecto de lei que acaba de ser apresentado polo Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu requereu urgência, nos termos do Regimento, paru o projecto de lei que foi apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira.
A urgência tem como efeito a designação de um prazo para a Câmara Corporativa emitir o seu parecer e a concessão da urgência é da competência da Assembleia.
Vou, pois, submeter à votação da Assembleia o requerimento do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Submetido à votação o requerimento, foi concedida a urgência.
O Sr. Presidente: - Supondo interpretar o sentir da Assembleia, e dentro da índole do projecto, marco o prazo de quinze dias, a contar de hoje, para a Câmara Corporativa dar o sou parecer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: -Fica designado o prazo de quinze dias, a contar de hoje, para a Câmara Corporativa dar o seu parecer sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Homem Porreira.
O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: ;ao pronunciar o seu discurso de l de Julho de 1958, após o último acto eleitoral, afirmou o Sr. Presidente do Conselho:
A renovação ou vivificação do regime imporá mudanças de pessoal em vários escalões. O Poder causa, gasta e desgosta os que o suportam, mesmo quando não há razão.
É logo a seguir:
Sabe-se que tenho sido um tanto refractário a mudar por mudar, e isso provém de duras lições da experiência e de um certo conceito de serviço público, que sei não é o corrente. Compreendo, porém, as impaciências ou as necessidades políticas, para cuja criação não desejo contribuir. Estou, aliás, convencido de que não devem ser sempre os mesmos os canais humanos por onde se exercem influências de qualquer ordem.
Ficou, assim, e lapidarmente, definido o conceito e o caminho da renovação política do regime.
Desconheço se algum ou alguns dos responsáveis não aderiram, no seu foro íntimo, à palavra de ordem do Sr. Presidente do Conselho já que publicamente seria pouco ortodoxo e muito raro fazê-lo. A verdade,, porém, é que não sendo um dos responsáveis e tendo já sofrido a acusação de heterodoxia, desde logo aderi e esperei, confiadamente, a renovação que se anunciava.
Meses depois, enquanto u União Nacional processa, a substituirão das suas várias comissões e o Sr. Ministro do Interior renova o quadro dos governadores
civis, surge na imprensa,- diária de 9 do corrente a notícia de que foi enviado para o Diário do Governo um diploma que dá nova redacção a alguns artigos do Código Administrativo, diploma que, entre outras, prescreve a alteração do período de mandato dos presidentes das câmaras de oito para quatro anos, com a faculdade de recondução até duas vezes, por períodos de igual tempo, mas fazendo cessar no fim do corrente mês o mandato de todos os presidentes e vice-presidentes em exercício há mais de doze anos.
O clamoroso aplauso que me merece o princípio da renovação política, definido pelo Sr. Presidente do Conselho e a posição tomaria em face de certo imobilismo que se verificava deixam-me perfeitamente à vontade para levantar a voz em louvor daqueles que, ao cabo de longos e por vezes difíceis períodos, cessam agora, automaticamente, o exercício das delicadas funções que vinham desempenhando.
É possível, Sr. Presidente, que entre esses servidores do regime haja uns tantos que, tendo-se profissionalizado em lugares por essência transitórios, chegaram a inutilizar-se com tão larga permanência e tão longo exercício do poder local; mas também sei que muitos cumpriram exemplarmente e que a alguns ficam as respectivas terras a dever benefícios sem par e progresso raras vezes verificado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estes homens que souberam ter o condão da longevidade político-administrativa, renovando-se a si próprios, colocando sempre acima do seu o interesse do município que lhes fora confiado, talvez não devessem sair da mesma forma que os outros que primeiramente apontei, nem o Poder deveria regalear-lhes, salvo melhor opinião, uma palavra de merecido louvor e um aceno de reconhecimento pelos serviços prestados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nos tempos difíceis que atravessamos, nem todos se apresentam dispostos a servir - e é mesmo frequente que muitos desejam apenas servir-se. Ora, se a renovação parecia indispensável, se «o Poder cansa, gasta e desgosta os que o suportam, mesmo quando não há razão», como disse Salazar, a minha sensibilidade política reage quando se verifica que o processo do actuação do Governo é idêntico para os que serviram a grei e para os que se serviram da grei; para os que realizaram e para os que nada fizeram; para os que cumpriram e para aqueles que falharam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pior do que o imobilismo, Sr. Presidente, é a injustiça política - fonte de terríveis exemplos e de naturais ressentimentos. E o facto reveste entre nus particular aspecto, dado que, se u uns tantos unidos nas graças dos responsáveis, para atém da justiça política, se lhes faz justiça económica, e passam a viver como príncipes, à sombra da posição política que, afinal, nem sempre terão conquistado, a outros, que se mostraram dignos dos cargos e da confiança do Poder, nega-se a simples palavra, o simples gesto, uma simples atitude de compreensão e reconhecimento, igualando-se, pelo automatismo de uma disposição legal infeliz, os bons e os maus, os capazes e os medíocres, os que serviram e os que desserviram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Já Walter Scott dizia que «ceder à injustiça é animar os outros a praticá-la».
Ora, se o Governo tinha e continua a ter a faculdade de dispensar, independentemente de qualquer prazo, os serviços dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, porque não havia de ter a coragem de tomar a iniciativa de substituir os que entendesse, de renovar todos os que a análise concreta e a conjuntura política local aconselhassem, permitindo que os restantes concluíssem a obra iniciada, de forma que não fosse possível confundir o trigo com o joio ?
Porquê, Sr. Presidente?
Porquê, ainda, que só os presidentes e vice-presidentes das câmaras são atingidos pela disposição legal e não caem na sua alçada, igualmente, os administradores por parte do Estado em empresas concessionárias ...
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... ou naquelas em que tenha posição accionista, os delegados do Governo, junto dos organismos corporativos, os governadores civis, todos, enfim, os que por qualquer forma desempenham cargos de confiança?
É que, se o princípio se adopta, em toda a sua possível extensão, já não surpreenderá que o Diário do Governo publique amanhã um diploma por força do qual os Ministros não poderão exceder determinado prazo no exercício das -«uns funções. Se tivermos presente que semelhante disposição acarretaria o afastamento automático do próprio Presidente do Conselho, cuja feliz permanência no vértice do poder político tem sido e é- fonte da continuidade do regime, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... se atentarmos nas consequências que a solução agora adoptada iria ocasionar, desde que todos os sectores, e não um só (um só porquê, Sr. Presidente?), da vida pública portuguesa passassem a reger-se pelo mesmo princípio, talvez que o eco das minhas palavras e do- protesto que encerram chegue às consciências daqueles que podem decidir e executar.
A fixação de um período-limite para o exercício de cargos de livre nomeação e demissão é uma incoerência que pode revelar falta de coragem moral do Poder. O erro já vem de longe, mas foi agora grandemente aumentado, e tão paradoxalmente que raros terão sido os Ministros do Interior que tanta prova de coragem política revelassem como a que o ilustre titular da pasta já deu ao País e ao .qual me apraz prestar as minhas homenagens.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:.- Durante cerca de trinta anos proclamaram-se as virtudes da continuidade, que era apontada como um dos grandes triunfos políticos da era de Salazar. De repente, cedendo à demagogia, eis que uma onda de exagero renovador invade a vida portuguesa, e assiste-se a um quase delírio de renovação, que parece não ter limites. E, tendo-se em vista atingir essencialmente a renovação política, corre-se o risco de destruir a continuidade administrativa, a continuidade da administração local - que nem a França esqueceu nos mais terríveis períodos de instabilidade política.
Ainda no domingo os jornais publicavam que o Ministro das Finanças francês, Sr. Antoine Pinay, fora reeleito maire na sua terra natal, após trinta anos de continuado exercício das mesmas funções.
E evidente que o caso francês não pude ser comparado, em toda a extensão e profundidade, ao nosso, dado que os presidentes das câmaras são nomeados e os inçares são eleitos. Mas o facto não me tira argumentos: dá-mos.
A confiança política, tal como a confiança administrativa, não são coisas que se concedam a prazo. Ao nomear um governador civil ou um presidente da câmara o Governo- faz saber que tem confiança em determinada pessoa para o exercício da função, mas que se reserva o direito do lira retirar no momento que entender. Em cargos electivos impõe-se a fixação de um prazo, para que o corpo eleitoral volte a pronunciar-se, e neste caso aceita-se até que se proíba a reeleição ao fim de certo tempo, no intuito de se evitar que influências permanentes junto dos eleitores desviem a vontade dos mesmos. Não pode ser idêntico o processo no preenchimento de cargos de confiança.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Ou bem que são de confiança e, como tal, devem manter-se (e a confiança avalia-se dia a dia, caso a caso, posição a posição ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - ..." e nunca contra-relógio e pelo calendário), ou bem que são de confiança, mas não deveriam sê-lo - e há que, corajosamente, enfrentar a realidade.
Sr. Presidente: o município tem fundas raízes na história portuguesa e é desde há muito considerado unia das células-base da nossa vida política. Entretanto, o papel que tem desempenhado no ressurgimento nacional talvez não corresponda à importância que se lhe atribui. E se as dificuldades, se a crise económica que todos atravessam, já vêm de longe, não é menos certo que pouco se tem procurado atenuá-las.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Afigura-se-me, Sr. Presidente, que é necessário um grande esforço no sentido de revigorar a vida política local, outorgando aos concelhos as regalias e a autonomia que chegaram em tempos a usufruir, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... desde que se compadeçam com as realidades da época em que vivemos.
Na lógica do processo encontra-se, como um dos primeiros passos a dar, o regresso u eleição dos presidentes das câmaras, a que já se referiu o Sr. Dr. Carlos Moreira, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e neste caso já a fixação antecipada de um período para o mandato administrativo seria a consequência natural da forma de designação do magistrado. Não julgo, todavia, oportuno insistir neste ponto, que deverá ser discutido quando a Assembleia se debruçar sobre a reforma da Constituição, mas julgo oportuno solicitar do Governo, especialmente do ilustre Ministro do Interior, a revisão tia atitude que fez levantar a minha voz.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: recordo certa região arborizada por onde transitei muitas vestes e que o tempo devastou no decorrer dos anos.
Lembro-me de as cheias - que dantes engrossavam os ribeiros e não transbordavam dos leitos- inundarem as margens e de as torrentes caudalosas passarem a correr desordenadamente, levando consigo a flor da terra.
Sempre que as águas subiam de nível a terra ficava mais pobre, e tão viva foi a com parti cão que estabeleci, com a ajuda da memória, entre o maciço exuberante já extinto e o ermo escalvado ali à vista que nunca mais pude esquecer o terrível confronto.
O mais estranho é que ninguém reparara no prejuízo verificado no espaço de cada hora, ninguém vira o grama de pó em que se desfazia a terra em cada segundo .
Alivio agora, em pensamento, as tintas do quadro no que respeita à indiferença prolongada dos homens perante o fenómeno, reduzo a extensão dos estragos, olho paru o terreno político por onde mais tenho andado, e julgo ver ainda assim, Sr. Presidente, alguma semelhança nos sinais de empobrecimento, que me confrangem e inquietam.
A discordância sistemática, a incompreensão malévola, o inconformismo dos que nada consentem, para que tudo lhes seja consentido, o ódio dos que tentam cilindrar-nos a todo o custo não deixam de atacar a excelência das nossas ideias, n seriedade dos nossos propósitos e o valor da nossa obra.
Certos, bufarinheiros da opinião pública, jogadores de interesses, com a bugiganga das suas palavras, mesmo chocarreiras, destituídas de nexo e sempre falhas de valor, de razão e de dignidade, conseguiram trânsito para os seus embustes e detracções, quando não lograram colocar a vil mercadoria na boa fé dos mais desprevenidos, na pressa dos mais sugestionáveis ou na aberta credulidade dos ignorantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vesgos oficiais da inveja, incluindo, porventura, aspirantes a intelectuais, e certamente aspirantes toda a vida, recalcados uns e outros no que julgam ser a mísera área concedida ao seu valor, bolçaram do nada ou do pouco que realmente valem injúrias e agravos, e até a peçonhenta baba do papel anónimo, e até o boato vadio e torpe, anãs corrosivo e demolidor.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - A própria obra de ficção, que deveria projectar invariávelmente os desígnios superiores implícitos na alma dos verdadeiros artistas e demonstrar o mais nobre e justo sentido crítico, serviu, em certos casos, para denegrir pessoas, serviços e organismos e para perturbar o juízo do público com descrições menos respeitosas e menos exactas do correcto exercício da autoridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mus este é o tropel dos que se empenham por toda a parte em campanhas de destruição e que pretendem demolir-nos a todos, tentando as mais das vezes demolir-nos um por um.
Com esses contamos ou devemos contar, supondo-os sempre presentes no ódio que não cansa e que também nunca chegará a causar a nossa comprovada disposição de lhes dar combate, pois a batalha com eles travada é de vida ou de morte.
Não é dos inimigos declarados que desejo hoje ocupar-me especialmente.
Aquele que no desempenho do cargo para que foi nomeado perde o bom senso e prefere colocar-se em primeiro plano, não agindo como e quando devia e esforçando-se, por todos os modos, na colheita de louros para adorno próprio, sem pensar que os louros assim obtidos valem, afinal, como as espumas perpetuamente desfeitas, ainda que perpetuamente renovadas, e que as omissões podem ser mais prejudiciais do que as acções, por constituírem a pólvora surda, que faz estrago e não faz estrondo, o pecado que se fez não fazendo o que era obrigação fazer-se, no dizer famoso do egrégio oratoriano Manuel Bernardes;
O simples dirigente político local que se esquece da essência e do comando dos princípios para se entregar n desencontros atentatórios da "actividade confiada à sua suposta firmeza;
O homem reputadamente bom que se deixa intimidar por factores de inibição inventados para o amarrar e tolher pelos traficantes sem escrúpulos e encartados apedreja dores da honra alheia;
O companheiro de ideal considerado apto a afirmar o seu credo sem reservas nem conveniências, que se sente confortado por o inimigo, felizmente, ter atacado um dos seus camaradas e não o ter atacado a ele;
O que confidencia não concordar com as investidas do inimigo comum e não tem coragem de dar a pública prova da sua discordância;
O que põe n problema da falta de prestígio para aquele dos seus que se bateu e só por se ter batido, em vez de figurar, de um lado, o prestígio em causa de todos os honestos servidores de um honesto sistema e, do outro lado, os provocadores de sobejo conhecidos pelos seus condenáveis processos, mas nunca suficientemente castigados pelos seus perigosos atrevimentos;
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - O destinatário do bem, que não avalia o bem recebido ou, se o avalia, não o agradece e muito menos o louva, ou o esquece pura e simplesmente;
Toda esta maléfica sorte de erros, quedas, injustiças, cobardias e fracassos, aqui e além verificada ou aqui e além possível, é que me levou hoje a pedir a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para o breve apontamento que estou fazendo.
Os factores que desagregam e matam a terra também não se revelam no minuto em que principiam a sua lenta e devastadora acção e só se mostram u indiferença ou u despreocupada boa fé dos homens quando os estragos por eles produzidos ganham volume impossível de ocultar por mais tempo: o mesmo processo diabolicamente imperceptível no tenaz dia a dia do seu método de desgaste.
Antes o inimigo em pé de guerra, pois é sempre preferível dar combate a quem nos defronta do que estar em guarda contra quem nos aperta a mão.
Maior e miais sobressaltada terá de ser a nossa vigília de cuidados; maior e mais demorado terá de ser o nosso alerta de consciência.
Todos nós falamos muito de unidade, sem a qual não podemos caminhar nem. resistir.
Mas que espécie de unidade?
Unidade aparente ou unidade real?
Unidade forjada pelo medo de morrer ou unidade de inteligência?
Unidade com prejuízos a mistura ou unidade limpa, expurgada - sem os dúbios, sem os calculistas, sem os versáteis?
Não há unidade possível sem sinceridade constante.
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Antes do pregão necessário da unidade, o esclarecimento profundo da unidade, como força não só dependente das forças de cada um, mas como força emergente do ânimo e da razão de todos.
A verdadeira unidade envolve tanto os que mandam como os que obedecem.
Quero ainda com isto dizer que os mais responsáveis pela unidade devem ser os que estão em posição de melhor a exemplificar.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - O próprio favor de para amizade dispensado pelo que manda pode trair e diminuir o conteúdo político da unidade.
Julgo então, Sr. Presidente, que, uma vez conseguida a verdadeira unidade, a primeira grande tarefa será a de restabelecer por toda a parte onde porventura se mostre em crise o respeito devido à autoridade, ao valor real, ao esforço honesto, ú isenção e aos sacrifícios dos que se têm dedicado ao bem comum, trabalhando infatigavelmente, devotadamente, sem distinguir nem separar no seu zelo os interesses legítimos dos grandes ou dos pequenos.
Tudo o mais resultará do claro e decidido propósito da unidade.
Assim como hoje se consegue dominar os elementos que corroem u terra, assim se conseguirá dominar os elementos que corroem as almas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: na passada sexta-feira as. forças vivas de Portalegre, acompanhadas por quase toda a cidade - para tal muito contribuiu o encerramento das actividades comerciais -, concentraram-se defronte do edifício do Governo Civil, a fim de apresentarem o seu mais veemente protesto contra a extinção ou transferência da unidade militar que nesta cidade foi organizada em 1908 e nela tem permanecido: o batalhão de caçadores n.º 1.
Na verdade, tal extinção não passava de um boato, assim o afirmou o Exmo. Governador Civil, devidamente informado e autorizado para tal por S. Ex.ª o Ministro do Exército.
De certo modo, os Portalegrenses tinham razão, pois foi-lhes anunciado que a incorporação e a escola de recrutas no ano corrente, normalmente feita no batalhão de caçadores n.º l, se realizaria no batalhão de caçadores n.º 8, em Eivas. Claro está que tal medida acarretará, como é óbvio, a deslocação dos oficiais e sargentos deste aquartelamento para os locais onde façam falta, além da natural ausência de mais de duas centenas de recrutas. O prejuízo já não será pequeno para a economia de uma cidade com as características de Portalegre.
Sr. Presidente: não sou portalegrense de nascimento, mas o facto de em Portalegre residir e trabalhar há quase uma dezena de anos e mais ainda, o facto de me terem indicado e eleito como um dos representantes do seu círculo a esta Câmara já! me obrigam o suficiente para me manifestar, se porventura não sentisse, em toda a sua amplitude, a imensa e incontida amargura, que eu sinto tão intensamente como eles próprios.
Agora, já mais descansados, perante a afirmativa da mais autorizada e representativa voz de todo o distrito, nem por isso escondem o seu sobressalto pelo que pode vir a acontecer num futuro mais ou menos próximo.
Porque durante dois curtos dias vivi e senti perfeitamente essa angústia, elevo a minha voz para agradecer a S. Ex.ª o Sr. Ministro do Exército a palavra de ordem que, por intermédio do Exmo. Governador Civil, levou a Portalegre mais calma e mais confiança, ainda que não isentas de desgosto.
Há que reconhecer que podem existir -e é natural que existam - razões poderosas de ordem técnica ou de táctica militar que influenciem ou até demonstrem a ineficácia de certas unidades tácticas criados com finalidades determinadas, mas inadaptáveis aos modernos sistemas ofensivos ou defensivos. A táctica militar, segundo parece -e fulo como ignorante que me considero de problemas dessa ordem evolui dia a dia, acompanhando, logicamente, a tremenda e excessivamente rápida evolução das armas de combate.
Mas, se, por qualquer razão que só às autoridades competentes cabe apreciar, vier a verificar-se a conveniência de se extinguir ou transferir esta ou aquela unidade militar, aqui ou além aquartelada, que não deixem de ter-se em consideração as repercussões económicas, sociais e até políticas que tal facto pode trazer para as regiões atingidas.
A cidade ficou com a convicção de que a sua unidade militar permanecerá. Apesar disso, permito-me, em poucas palavras, chamar a atenção de quem de direito para a situação aflitiva um que ficaria a sede do distrito do Alto Alentejo, caso a extinção ou transferência do batalhão se concretizasse.
E uma pequena unidade, sem dúvida, mas que se desaparecesse deixaria de incrementar a vida económica local com um quantitativo superior a 3000 contos anuais. Não será uma soma demasiado avultada, dirão, e eu quero acreditar, mas era, com toda a certeza, a suficiente para provocar uma sangria, com todo um cortejo de incalculáveis prejuízos, e uma brecha difícil de tapar na estrutura da cidade. Ressentir-se-ia a vida social e organizações de carácter nacional ficariam fortemente abaladas. Não nos esqueçamos de que os quadros directivos e de instrução da Legião e da Mocidade Portuguesa se encontram solidamente apoiados na competência e na dedicação dos oficiais do Exército. Se a unidade não permanecesse, os oficiais e graduados não poderiam permanecer.
Acresce, Sr. Presidente, talvez como justificação para os Portalegrenses, que, em boa verdade, a cidade de Portalegre tinha sobejas razões para se sobressaltar. É que esta pobre capital de distrito -pobre porque nem sequer é rica, pobre porque n sua própria situação geográfica lhe é desfavorável, pobre porque aos poucos tem vindo a ficar mais pobre - viu extinguir-se a sua Escola dó Magistério (ao tempo Escola Normal Superior); assistiu à extinção da Junta Geral de Distrito; assistiu à extinção do grupo misto de artilharia montada n.º 14; assistiu u transferência dos serviços de secretaria dos correio», telégrafos e telefones-? assistiu à extinção da banda do batalhão de caçadores n.º 1; assistiu a tudo sem nada, absolutamente nada, ter recebido em troca, como compensação. Era, pois, perfeitamente lógica a angústia que assaltou os Portalegrenses perante o receio imenso de ver transformado em realidade o boato da extinção do seu batalhão de caçadores ... sem qualquer medida compensatória.
Pela minha parte, declaro-me confiante, inclusivamente porque a região é de tal modo favorável à vida de uma unidade militar que me não parece fácil de substituir. Nos arredores da cidade, a distâncias que variam entre 2 km .e l0 km, depara-se com grande variedade de terrenos para instrução, e treino militar, desde n extensa planície no terreno agreste e francamente montanhoso, desde a terra nua e árida á mais
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deusa arborização; a cerca de 4 km dispõe de uma esplêndida carreira de tiro, com possibilidades de ser ampliada, onde outras unidades têm vindo fazer os seus treinos de tiro; dispõe de terrenos vastos e óptimos pura a execução de fogos reais na serra de S. Mamede, e dispõe ainda de aquartelamentos com francas facilidades de ampliação e de aproveitamento em boas condições económicas.
Sr. Presidente: quando me detive na análise dos efeitos que à cidade e ao distrito de Portalegre poderia trazer a simples deslocação, porventura necessária, de uma pequena unidade militar nesta cidade aquartelada, mais me convenci da necessidade absoluta, já aqui afirmada, de uma mais incisiva e rápida industrialização da faixa interior do País.
Levem-se a essas zonas, como é a de Portalegre, fracamente industrializadas, novas fontes de energia, novos e mais poderosos meios de acção, facultando-lhes mais eficientes possibilidades de subsistência, concedendo-lhes possibilidades de maior valorização das suas gentes, concedendo-lhes possibilidades de melhoria do seu nível de vida.
Combata-se, mais energicamente do que nunca, a concentração industrial, que, beneficiando tão-sòmente uma pequena parcela do todo nacional, não actuará, decerto, a bem da Nação.
Se assim acontecer, a desaparição ou transferência de uma unidade militar deixará de ser, como seria para a sede do meu distrito de Portalegre, um problema de interesse vital.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao fomento piscícola nus águas interiores do País.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: por razões estranhas à minha vontade, não pude estar presente na passada semana, para participar no debate sobre a proposta de lei em discussão. E, depois de ler os números do Diário das Sessões que relatam as intervenções dos Srs. Deputados que já tomaram parte na discussão, hesitei se devia ou não aproveitar a concessão de V. Ex.ª para dizer alguma coisa sobre a proposta.
No entanto, decidi-me, embora correndo o risco de repetir o que já aqui foi dito, a intervir no presente debate, porque subsistem razões que inicialmente me determinaram, e sobretudo depois da leitura que fiz do Diário das Sessões referente à última sessão, em que V. Ex.ª quis ter a gentileza de prolongar o debate na generalidade para dar oportunidade a alguns Srs. Deputados inscritos e que faltaram por razões atendíveis, nutre os quais eu, de ainda nele tomarem parte. Agradeço tão penhorante gentileza de V. Ex.ª.
Sr. Presidente: o projecto de decreto-lei n.º 527, sobre a reorganização do fomento piscícola nas águas interiores do País, já objecto do parecer n.º 57/VI da Câmara Corporativa, de 5 de Novembro de 1957, é agora trazido h apreciação da Assembleia, convertido em proposta de lei, e visando o mesmo objectivo do aludido projecto de decreto-lei; embora amputado de algumas das providências que naquele diploma se continham, afigura-se-nos, em contrapartida, já benèfica-mente influenciado nalguns pontos pelas sugestões è reparos contidos no parecer da Câmara Corporativa.
A moção votada por unanimidade pela Assembleia Nacional em Abril de 1955, que punha em relevo a importância da pesca fluvial como fonte de riqueza, salutar actividade desportiva e meio de desenvolvimento turístico, apontava os perigos que impendem sobre a pesca nas águas interiores, denunciando com clareza as razões da que era na altura e continua a ser, possivelmente agravada, uma calamitosa situação, e onde se formulava o voto de uma actualizada revisão legislativa e do incremento do fomento piscícola, guardado e defendido por uma eficiente fiscalização, corresponde agora o Governo com a presente proposta de lei, dando, em boa parte, satisfação ao voto aqui emitido e vindo ao encontro da expectativa da opinião pública, que há muito reclamava o instrumento legal regulador das actividades piscatórias, conciliatório e salvaguardador dos mesmos legítimos interesses da pesca profissional o dos pescadores desportivos.
Não é ainda tudo o que se deseja e é mister realizar. Do projecto dei decreto-lei para a proposta de lei desapareceram algumas das medidas consideradas fundamentais para a resolução do problema.
Mas como na base XXXI da proposta se anuncia o estudo, e no mais curto prazo compatível com a complexidade da matéria, das providências a adoptar e a publicar em diploma futuro, quanto à poluição das águas interiores, que parece sobrelevar em influência a da pesca criminosa, no depauperamento aquícola dos nossos cursos fluviais, é de esperar se complete o conjunto de medidas que façam da pesca nas águas interiores, nos múltiplos aspectos que se reveste, um factor próximo de riqueza nacional.
Ligado à responsabilidade de funcionamento de um órgão de turismo, em que se ensaia - permita-se-nos os parêntesis - uma nova modalidade de gerência turística, a das comissões regionais, devido ao pensamento do Prof. Marcelo Caetano, que entendeu dever aplicar-se ao turismo, embora aqui em escala microcósmica, a noção dos grandes espaços que domina o panorama actual da vida dos povos e das nações, colhemos naquele posto de trabalho e observação indicações e ensinamentos que .nos habilitam a intervir no assunto em debate com conhecimento directo de alguns dos seus aspectos.
Com efeito, trabalhamos numa comissão regional de turismo que tem sob a sua jurisdição e como objecto primacial das suas actividades o maciço central da cordilheira da Estrela.
E nós não sabemos de outra unidade turística em que convirjam tantos e tão característicos motivos naturais de atracção como nos Hermínios.
A natureza foi ali sumamente pródiga nas suas dádivas. A par da beleza bruta e dominadora da montanha, a que a neve empresta de vez em vez um ar de acaricia ate doçura, quando a reveste de seu manto de arminho de brancura sem mácula, na serena quietude dos lagoachos do planalto ou no tumultuoso escachoar das quebradas e vales, as águas da Estrela dão guarida a uma espécie ictiológica - a truta - que os pescadores desportivos consideram das mais nobres, pela dificuldade e emoção que a sua captura proporciona.
As lagoas, albufeiras e cursos de água da serra da Estrela oferecem condições biológicas e mesológicas ideais para a vida e reprodução da truta. Por outro lado, dado o interesse que os pescadores desportivos põem na captura de tão combativa espécie aquícola, e quanto o gosto por semelhante prática desportiva se
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vai cada vez mais disseminando, compreende-se o valor que concedemos à pesca, como instrumento de valorização turística da serra da Estrela.
O reconhecimento deste valor está também implícito na proposta ao declarar, na base XXXIII, desde já como zonas de pesca reservada as águas das lagoas da serra da Estrela.
Mas, se o ar puro das alturas, o sol, a neve e a vastidão dos horizontes, em sua inatingível perenidade, zombam das forças humanas, já o mesmo se não pode dizer das combativas, mas frágeis, «fário» e o «arco-íris», que, pura escaparem nos desígnios exterminadores do homem, carecem da defesa e protecção de outros homens.
Por isso, em nome dos interesses turísticos do sector que nos cumpre servir e com o aplauso para o que se prevê constitua benefício para a generalidade, vemos com júbilo surgir o presente diploma, na esperança de que com ele e o outro ou outros que se lhe sigam e o completem nasça uma nova época para as actividades piscícolas e piscatórias, saindo-se de vez de uma situação anacrónica, no todo desajustada às realidades presentes.
Vão abrir-se novas possibilidades e há-de melhorar ainda o que de bom já existia, como, por exemplo, o meritório afã dos postos aquícolas, que, trabalhando bem, assistiam, dia a dia, à inutilização dos seus esforços de fomento piscícola, por deficiência, se não inexistência, da necessária guarda e defesa das espécies cultivadas.
A proposta apresenta-se nas suas linhas básicas como perfeitamente satisfatória das necessidades a preencher.
Ressalva-se, evidentemente, a grave lacuna das providências a tomar quanto à poluição, confiando-se na palavra do Governo de um breve estudo e o possível remédio daquele que parece ser o maior dos óbices ao fomento piscícola dos águas interiores do País.
Donde o concluir-se que nos aspectos agora sujeitos à nossa apreciação escassos hão-de ser os reparos que possam formular-se e que, mesmo assim, visam mais a ser considerados na regulamentação da lei do que uma crítica aos princípios orientadores da proposta.
Seguiu-se o mais lógico critério na organização e competência dos serviços, concentrando num único de, partamento governativa - a Secretaria de Estado da Agricultura, através da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas-o fomento piscícola das águas dos domínios público e particular e o licenciamento e a fiscalização do exercício da pesca profissional e desportiva.
Neste ponto, a proposta marca um progresso em relação ao projecto de decreto-lei n.º 527, pois neste consignava-se ainda uma divisão de competência, pelos Ministérios da Economia e das Obras Públicas, pelo que se refere a licenciamento e fiscalização.
Enquanto que a Direcção dos Serviços Hidráulicos concederia licenças e fiscalizaria a pesca profissional, já a pesca desportiva nas zonas de pesca reservada e nas concessões de pesca seria licenciada e fiscalizada pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Louve-se a medida de evitar a dispersão por Ministérios diferentes de funções visando o mesmíssimo objecto.
De futuro, a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos colaborará apenas com os serviços florestais e aquícolas nos estudos, projectos e fiscalização técnica das obras de hidráulica de interesse para o fomento piscícola, o que está plenamente certo, e colaborará ainda na polícia e fiscalização dos rios, o que é útil e necessário, pois suo funções de extrema importância e que, pela sua amplitude, carecem da colaboração de muitas outras entidades.
Pouco ou nada valerá o trabalho de repovoamento se não for seguido do uma permanente e eficaz atitude de defesa e vigilância. Este um ponto importantíssimo para o futuro da pesca.
Espera-se; que o princípio contido na base x, quanto à indicação das autoridades, agentes e entidades a quem compete o exercício e fiscalização da pesca, seja devidamente acautelado no regulamento, de forma a ter os agentes bastantes, capazes e, sobretudo, interessados no desempenho de uma missão que não é simpática nem fácil.
Lembremos que as áreas a vigiar são de enorme extensão e que a fiscalização tem de ser diurna e nocturna.
A relação dos agentes de fiscalização indicada no parecer da Câmara Corporativa parece-nos bastante completa e deverá atentar-se nela aquando da elaboração do regulamento. Aí se incluem também os pescadores desportivos de reconhecida idoneidade, e a estes deverá, quanto a nós, dar-se uma larga representação, por serem os que com mais frequência percorrem os locais de pesca e os mais interessados em que o seu exercício se faça com o respeito das determinações legais.
Além dos membros que actualmente o compõem, passará também a fazer parte da secção aquícola do Conselho Técnico dos Serviços Florestais um engenheiro químico e um representante dos pescadores profissionais, a designar, respectivamente, pela Ordem dos Engenheiros e pelo Ministério das Corporações e Previdência Social.
Estranha-se que naquele Conselho não tome também assento um representante dos pescadoras desportivos, a designar, talvez, pela Direcção-Geral da Educação Física, Despertos e Saúde Escolar.
Encaram-se na base XII da proposta as providências tendentes à protecção e desenvolvimento das espécies ictiológicos, com a indicação na alínea b) da determinação das dimensões mínimas dos peixes susceptíveis do pesca, com obrigação de os pescadores devolverem à água os que as não tiverem. A medida é, necessariamente, imprescindível, mas não é suficiente.
A limitação deverá também incidir sobre o número ou o peso global das espécies capturadas. A ânsia ilimitada de captura, existente mesmo nos pescadores desportivos, também constitui atai factor de exaustão para certas espécies, em determinadas águas.
Com a medida que se preconiza, no mesmo tempo se evitará o facto, já hoje verificado, de pescadores profissionais, que adquiriram uma excepcional destreza na pesca à cana, se mascararem de pescadores desportivos, pelos meios legais de que se munem e processos que utilizam na pesca, para logo se revelarem na sua verdadeira qualidade de profissionais, no comércio que fazem das espécies capturadas.
Na base III do diploma em discussão classificam-se as águas de domínio público, para efeitos de pesca, em águas livres, zonas de pesca reservada e concessões de pesca, consignando-se no n.º 2 da base IV poderem as concessões de pesca ser requeridas por:
a) Clubes ou associações de pescadores;
b) Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho;
c) Órgãos da Administração com competência em matéria de turismo, a que se refere a base v da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956.
Aos concessionários incumbe a obrigação de assegurar à sua custa o conveniente repovoamento e uma fiscalização permanente.
Se é previsível e se deseja que do exercício da pesca desportiva resultem palpáveis benefícios para o desen-
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volvimento turístico, parece indicado que aos organismos especialmente qualificados para tal fim se facultem todos os instrumentos possibilitadores daquele mesmo fomento.
Assim, e sem negar a justiça da faculdade concedida às agremiações de pescadores e à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, afigura-se-nos que aos órgãos da Administração com competência em matéria de turismo deve ser dada preferência na atribuição das concessões, se, porventura, se verificar o interesse das duas restantes entidades na concessão das mesmas águas.
A natureza dos seus fins, os recursos ao seu dispor, a unidade geográfica e até hidrológica das áreas em que exercem a sua jurisdição, o seu melhor apetrechamento para a cabal satisfação dos encargos a que se obrigam como concessionários, justificam plenamente o escasso privilégio que se pede para os órgãos locais de turismo.
Obrigando-se os concessionários aos encargos resultantes do repovoamento e fiscalização permanente, o que só poderá executar-se com agentes privativos, afigura-se-nos legítimo que o Fundo de Fomento Florestal e Aquícola abdique do produto das taxas de licenças, de pesca nas concessões a favor dos concessionários.
Consideramos revolucionária e digna do maior aplauso a matéria contida no capítulo de responsabilidade penal e civil, que deve .conduzir a frutuosos resultados na repressão da pesca criminosa.
Fugidiamente lhe fazemos aqui apenas duas anotações.
O incremento incessante da rega por meio de motores conduz ao esgotamento de muitas linhas de água, pondo em grave risco a sobrevivência das espécies nelas existentes. Não vemos considerada na base XVII da proposta, que trata de situações afins por motivos de obras de hidráulica, esta eventualidade do esvaziamento dos cursos fluviais, e que se verifica com frequência, que não pode deixar de ser alvo de atenção.
Consideramos insuficiente a multa de 50$ pela destruição ou inutilização das tabuletas sinalizadoras, porquanto a fiscalização não poderá afirmar-se ou exercer-se na falta daqueles indicativos.
Com os despretensiosos comentários que a proposta nos sugere, damos-lhe na generalidade a nossa aprovação, com o voto de que os propósitos que se contêm nas base XXIX e XXXI mereçam do Governo uma rápida execução.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: como o Sr. Deputado Júlio Evangelista, também aqui me sinto peixe fora de água.
E assim, espontaneamente, não propenderia a entrar neste debate. Fiel, contudo, a jurisprudência das cautelas, não quis deixar de esclarecer-me algo sobre a proposta, pura, pelo menos, poder votá-la com suficiente consciência.
Li o seu texto; cotejei-o mesmo com o dos correlativos diplomas vigentes; li o parecer da Câmara Corporativa; acompanhei a oratória dos Srs. Deputados que sobre ela se pronunciaram já. Um ponto apenas dos que a propósito se me antolham marcantes me parece ter escapado à conspícua atenção da Assembleia. E só por isso me determinei a usar da palavra.
Resume-se esse pomo de divergência a quatro simples palavras -«sem direito a indemnização»- insertas, como por acréscimo, na alínea e) da base XII.
E não é como expressão meramente hipotética que dizemos «por acréscimo», mas muito concretamente, porquanto do texto primitivo correspondente, e que constituía n seu artigo 7.º, tais palavras não constavam, como bem se pode ver do artigo 17.º do articulado proposto, em quadro comparativo, pela Câmara Corporativa.
Lacónico, decerto, a expressão que visamos, mas da maior gravidade pela subversão de princípios que implica e que, a admitir-se, constituiria um pequenino enorme precedente.
Embora já ao caso aludisse o Sr. Deputado .António Lacerda, deixou-o à margem, como matéria para juristas.
E, se só este ponto me picou para intervir na discussão da proposta, não se me leve a mal que, uma vez no uso da palavra, formule algumas observações mais à margem da matéria, ou, melhor, da margem, pois de pesca se versa.
E entremos no assunto essencial, motivo desta intervenção. Comecemos por integrar no seu contexto a expressão a cima referida.
Reza u mencionada alínea e) da base XII, inserta entre as providências ordenadas à protecção e desenvolvimento do pescado:
e) Proibição de construção de pesqueiras fixas e destruição, sem direito a indemnização, das existentes nas margens ou leito das águas ...
E aqui suspendemos a transcrição por o resto não interessar ao objecto da nossa análise, toda esta polarizada nas- palavras «sem direito a indemnização».
Em face desse texto duas alternativas: existirem ou não existirem situações constituídas de propriedade particular.
A verificar-se, hipoteticamente, a alternativa da não existência, a disposição carecia propriamente de objecto; tratando-se sempre de ocupações precárias sem suporte jurídico, parece que para a destruição dessas pesqueiras se poder fazer sem indemnizações não seria preciso que a lei o declinasse expressamente.
Em todo o caso, seria sustentável manter-se a redacção desta superfluidade, com o fim pragmatístico de tornar a disposição mais convincente para os eventuais atingidos.
Mas a realidade não se resume na hipótese formulada. Há pesqueiras que se baseiam em situações jurídicas muito legitimamente constituídas. Se é certo que, após o Código Civil, mais expressamente completado pelo Decreto n.º 8 de l de Dezembro de 1892, com seu subsequente regulamento, e o Decreto de 10 de Maio de 1919, sobre águas, a doutrina fixada é a da dominialidade publica das margens e leitos dos rios navegáveis e flutuáveis, e que assim são sempre de fundo precário as licenças que para quaisquer aproveitamentos ali se autorizem, outro tanto se não dava com a legislação anterior. Consequentemente, impõe-se o respeito pelos respectivos direitos de propriedade legitimamente constituídos ao advento da lei nova.
À face do direito antigo verificava-se frequentemente a propriedade das pesqueiras, constituídas por muros de pedra adiantados sobre o leito da corrente para o efeito de facilitar a pesca. E ainda subsistem bastantes exemplares dessas obras como legitima propriedade particular.
De entre os praxistas, citarei a titulo exemplificativo o Tratado Prático das Águas, de Lobão, que no § 37.º ensinava:
Se o açude, moinho ou outra qualquer obra feita no rio público se destruiu pela antiguidade ou Ímpeto das águas, basta ao possuidor ou ocupante para
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conservar u sua posse ou ocupado ou o privilégio concedido pelo príncipe... que restem alguns vestígios da mesma obra...
Ora entre as obras supraprevistas tinham evidente lugar as pesqueiras.
Os direitos mencionados por Lobão tinham por base a chamada pré-ocupação, consagrada pelo alvará de D. Maria I, e são ainda o fundamento da maior parte das águas dos nossos rios desviadas para a irrigação e as moendas.
A nossa legislação civil respeitou esses direitos. Inclusivamente, tendo-se definido a faixa das margens sobre que impende servidão pública em proveito dos rios, pelo n.º 1.º, §§ 1.º a 3.º, do artigo 4.º do citado Decreto de 1893 se prevê a expropriação, mediante indemnização, dos respectivos direitos dos proprietários marginais, quando isso se torne necessário.
Quanto a pesqueiras, a elas se refere expressamente o vigente regulamento da pesca interior - Decreto de 20 de Abril de 1803 - quando no artigo 31.º define a competência dos directores das circunscrições hidráulicas.
No n.º 5.º desse artigo 31.º atribui-lhes a seguinte faculdade, que de certa forma corresponde à nossa alínea e) da base XII:
Proibir a construção de pesqueiras fixas de cantaria, alvenaria, pedras soltas ou madeira nas margens ou leitos dos rios, rias, esteiros e lagoas.
§ único. Será permitida a reparação e conserto de pesqueiras actualmente existentes, quando por algum motivo sejam destruídas, contanto que não seja alterado o seu plano primitivo, nem prolongadas da margem para o leito do rio, ria, esteiro ou lagoa.
Implicitamente este parágrafo é inequívoco reconhecimento dos direitos de anterior legítima propriedade sobre pesqueiras.
Mas, além destes direitos de propriedade plena, outros direitos podem existir, que dentro da sua limitação no tempo cumpre respeitar. São, por exemplo, os que possam resultar das concessões de pesca previstas pelo Decreto n.º 17 900, de 27 de Janeiro de 1930. Se as pesqueiras em causa houverem sido construídas ao abrigo de tais concessões constituem direitos que cumpre respeitar e representaria violência grave anularem-se sem compensação.
Sr. Presidente: estabelecidas estas realidades insofismáveis, volvamos ao caso em apreciação.
Pretende-se com o preceito ignorar tais realidades ou saltar por cima delas ?
Mas isso não pode ser! Moro confisco, brigaria com os princípios da não retroactividade e de que não haja expropriação, quando necessária, sem compensação equitativa; representaria alarmante postergação do direito de propriedade. Não seria muito grande, decerto, o volume económico da fórmula proposta, mas a fractura infligida a certos princípios basilares de direito pode comparar-se na sua inseparabilidade à da virgindade feminina.
De resto, estes princípios de direito natural consagrados acham-se expressos na nossa Constituição Política, marcadamente para o caso no artigo 8.º, n.º 5.º, relativo às garantias do direito de propriedade, e n.º 17.º, ao principio do direito de reparação de toda a lesão efectiva conforme dispuser a lei...».
Definir este ponto -penso- será resolvê-lo.
Assim, logicamente, proponho que tal expressão -«sem direito a indemnização» - ou se elimine da proposta, regressando a alínea e) à redacção primitivamente prevista, ou então que se redija nos seguintes termos: usem indemnização, salvo casos de direitos constituídos». De resto, nada tinham a lucrar os defensores da proposta redacção levantando casos destes perante o Poder .Judicial, porquanto os juizes seriam naturalmente inclinados - graças a Deus! - a considerar tal preceito aplicável apenas quando se não verificassem legítimos direitos adquiridos.
Sr. Presidente: isto posto e fechado o meu episódio, perdoe-me que da margem, como disse, acrescente, a largas pinceladas, sugestões que a proposta e a discussão à sua volta me sugerem.
Reportemo-nos aos inícios medievais: na apertada economia local, que os municípios dentro da sua área orientavam, o peixe fluvial -que o do mar só seco chegava ao interior - revestia valor considerável. Naturalmente, dentro dg direito foraleiro as posturas lhe impunham apertada rede, e a fiscalização era constante: a fiscalização de todos sobre cada um. Por outro lado, as justiças estavam ali à beira e eram imediatas; as penalidades, além das pecuniárias -as mais leves aos nossos humanitários olhos de hoje-, eram frequentemente corporais. Tão simples quadro faz-nos compreender melhor -não obstante, porventura, mais imperativa avidez pelo peixe- que este abundasse então e se reproduzisse.
Isto nos cursos de água menores, porque naqueles que se prestavam à navegação e a flutuação começou cedo a intervenção do poder real - Afonso V, D. Sebastião, ordenações filipinas ...
É do mais esclarecedor interesse lerem-se, a esto propósito, documentos coevos. Na bem curiosa obra do Dr. Langhans sobre posturas se encontram acerca do peixe fluvial esclarecedores exemplos.
Esta translação da economia fechada para a actual só recentemente, sobretudo com a viação acelerada, se ultrapassou.
Pelo que se refere às intervenções dos municípios nas referidas pescarias, os sucessivos códigos administrativos do constitucionalismo e correspondentes posturas camarárias traduzem a decadência do interesse municipal pela fiscalização respectiva.
Ainda bastante lata a competência municipal nos primeiros, já notamos no código de 1886 as restrições consequentes ao advento do Código Civil, restrições que se agravaram com o de 1896, consequência dos decretos de 1892, que criaram a Hidráulica. O código de 1913 ainda alude à matéria; mas o actual ignora-a, em correspondência lógica com a Lei de Aguas de 1919, que integrou as águas comuns, apanágio até então dos municípios, nas águas públicas, domínio do Estado.
A fiscalização com este condicionalismo descreveu-a já incisivamente o Sr. Deputado Lacerda, pelo sem-número de serviços públicos que na matéria interferem, agravado pelo facto de dependerem hoje de Ministérios diferentes -o que na origem, em 1893, não sucedia- à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e à dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Todas essas fiscalizações inclinam, normal e burocràticamente, não a uma salubre concorrência positiva e coadjuvante, mas antes negativa, a ver o que os outros fazem.
A concentração numa só direcção-geral de tudo quanto respeita aos peixes das águas interiores representa, decerto, feliz prognóstico de progresso.
Mas isso não chega - põe-se o problema de uma coordenação indispensável de fiscalização rural- para as coisas poderem convenientemente restaurar-se e não se fazer por aqui o que vai desfazer-se por ali. Eis o problema estrutural da policia rural a estudar-se - ó manes saudosos do Dr. Antunes Guimarães !
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Outro problema o relance retrospectivo dos antigos municípios rurais nos sugere: o da necessária justiça rápida e adequada. Põe-se ele como o anterior, não só para esta faceta administrativa, mas para o de tantos pequenos delitos contra a propriedade. Um plano a estudar ainda para a renovação mais adequada das magistraturas municipais e de paz? Aos Srs. Ministros da Justiça e do Interior aí fica a sugestão.
E, Sr. Presidente, concluamos. Estou inteiramente de acordo, quanto à generalidade, com a brilhante, apologética oratória do Sr. Deputado Cerveira Pinto, que todos sabemos devoto das húmidas deidades piscatórias.
Afirmou o ilustre Deputado que ficou assim a proposta reduzida à definição de meia dúzia de princípios, todos certos ...».
Todos certos? Já se vê -assim o julgo ter demonstrado -, à parte o senão objecto principal das minhas palavras anteriores.
Sr. Presidente: não quero terminar sem manifestar também inteira confiança na futura acção da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, que vai ser o fiel positivo desta proposta de lei, criação perdurável de Emídio Navarro, e em que a Nação, pelas suas realizações, se habituou a confiar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. A discussão na generalidade desta proposta de lei continua na sessão de amanhã e constituirá a ordem do dia dessa sessão.
Quero desde já prevenir a Câmara de que a seguir às próximas férias da Páscoa a Assembleia deverá entrar na discussão das Contas Gerais do Estado. O respectivo parecer foi já distribuído aos Srs. Deputados.
Como VV. Ex.ª sabem, trata-se de um diploma fundamental da administração do Estado. O tempo não é muito para que a Camará possa fazer um exame profundo e sério desse diploma, e é por isso mesmo que me apresso a comunicar-lhes que depois das férias da Páscoa a Assembleia terá de entrar nu apreciação desse diploma. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Rodrigo Carvalho.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA