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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

ANO DE 1959 15 DE MAIO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 109, EM 14 DE MAIO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
José Rodrigo Carvalho

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 107 e 108 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os pareceres da Câmara Corporativa emitidos sobre os projectos de alteração à Constituição enviados, para este efeito, àquela Câmara. Foram remetidos às Comissões de Legislação e Redacção, de Política e Administração Geral e Local e do Ultramar.
Igualmente se receberam na Mesa os elementos remetidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Santos Bessa, a quem vão ser entregues.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Duarte Silva, que chamou a atenção do Governo para a vantagem da utilização das posolanas de Cabo Verde; Duarte Amaral, para um requerimento ; Muñoz Oliveira, também para um requerimento; António Lacerda, no sentido de ser dado cumprimento ao artigo 12.º da Lei n.º 2000; Seabra Carqueijeiro, que se referiu à recente visita presidencial a Setúbal e à inauguração do hospital da Misericórdia local; Agnelo do Rego, sobre a próxima inauguração do monumento a Cristo-Rei; Rodrigues Prata, para solicitar ao Governo a criação de uma escola do magistério primário em Portalegre; Carlos Lima, acerca das próximas comemorações, em Ponte de Lima, do 1.º centenário do nascimento do poeta António Feijó, e Paulo Cancella de Abreu, para um requerimento.

Ordem do dia. - Em primeira parte da ordem do dia concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano urbanístico da região de Lisboa.
Usou da palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.
Em segunda parte da ordem do dia foi a proposta de lei discutida na especialidade, sendo aprovadas, com emendas o alterações, as suas bases. Foi igualmente aprovada uma moção apresentada no final da discussão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Pareceres n.os 13/VII a 20/VII, acerca dos projectos de lei n.ºs 19 a 26 (alteração da Constituição Política).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.

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António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes doa Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Crus.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 88 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 107 e 108 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovados aqueles números do Diário.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre a situação da industria têxtil.
Da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Coa a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Saraiva de Aguilar em defesa dos interesses daquele concelho.
Do Grémio da Lavoura de Cuba a apoiar as considerações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o problema das lãs.
Do governador civil de Aveiro a apresentar cumprimentos no momento da posse de presidentes e vice-presidentes de camarás municipais daquele distrito.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os pareceres da Câmara Corporativa sobre os projectos de alteração da Constituição Política.
São oito pareceres emitidos sobre os oito projectos de alteração enviados pura este efeito àquela Câmara. Estes pareceres vão ser remetidos às Comissões de Legislação e Redacção, de Política e Administração Geral e Local e do Ultramar desta Assembleia.
Estão também na Mesa os elementos enviados pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José dos Santos Bessa na sessão de 2 de Abril último.

Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte Silva.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: o notável parecer, que ainda há dias a Assembleia apreciou, sobre as Contas Gerais do Estado de 1957, na parte relativa ao ultramar, ao examinar a situação económica de Cabo Verde, salienta que as exportações são muito baixas, até mesmo para as possibilidades da província.
Assim é, na verdade.
Só Cabo Verde é uma terra de economia débil, isso não quer dizer que seja desprovida de recursos e só significa que não tom sido devidamente aproveitadas as suas possibilidades.
Só agora se começa a encarar a sério o problema das comunicações, sem o qual, como é sabido, não é possível o desenvolvimento económico.
Pior, porém, que a falta de obras de fomento é, Sr. Presidente, o pouco respeito que pela economia do arquipélago representam certas atitudes, como aquela que me obriga a usar hoje da palavra.

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Sr. Presidente: na sessão de 23 de Março de 1904, ao endereçar ao então Ministro do Ultramar, o nosso ilustre colega comodoro Sarmento Rodrigues, as minhas felicitações por haver incluído no contrato para a adjudicação das obras do porto do Lobito uma cláusula tornando obrigatório o emprego da pozolana natural de Cabo Verde na preparação dos betões, pedi-lhe também que diligenciasse obter de S. Ex. o Ministro das Obras Públicas a mesma protecção nas obras dependentes do seu Ministério.
Creio que não teria sido difícil a diligencia, pois S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas conhecia bem o valor da pozolana de Cabo Verde, a cujos ensaios se havia procedido no Laboratório de Engenharia Civil ao tempo em que S. Ex.ª se encontrava à frente desse estabelecimento.
Por despachos de 26 de Abril de 1907 e de 24 de Setembro do mesmo ano, respectivamente dos Ministérios do Ultramar e das Obras Públicas, foi recomendado o emprego da pozolana de Cabo Verde, e desde então em todos os cadernos de encargos se tem, geralmente, incluído a obrigatoriedade da sua utilização.
Mostraram assim os referidos Ministérios o louvável propósito de obter um melhor resultado nas obras a seu cargo e, ao mesmo tempo, favorecer a economia de Cabo Verde.
Infelizmente, porém, o mesmo espirito não anima todos quantos intervêm no assunto, e assim é que os adjudicatários das obras não têm, em regra, mostrado o menor entusiasmo no emprego dessa pozolana, que lhes permitiria até uma certa economia. Ao contrário, movidos por estranha influência, parece que lançam mão de todos os pretextos para iludir tal obrigatoriedade e, segundo consta, em várias obras realizadas ou em curso a pozolana de Cabo Verde tem sido substituída por pozolana artificial.
É possível, Sr. Presidente, que alguns desses pretextos sejam verdadeiros; que tenha havido, por vezes, demora na entrega do produto, que o seu preço seja bastante agravado pelas despesas a que está sujeito. Não sei se assim é, mas admito que seja. • Suponho, porém, que em tal caso o que haveria a fazer seria procurar remediar esses inconvenientes, e não substituir a pozolana natural pela artificial. Se esta não apresenta as mesmas qualidades, se não dá os mesmos resultados, fazer tal substituição é não só comprometer a perfeição da obra como prejudicar a economia de Cabo Verde.
E esta não pode estar à mercê do capricho de qualquer empresa, grande que seja, e que, não satisfeita com os benefícios que já usufrui, pretenda arruinar as indústrias menos poderosas, para mais livremente dar largas ao seu insaciável apetite.
Se existe no território nacional, e em grande quantidade, um produto cujas propriedades são reconhecidas pelas entidades oficiais como satisfazendo inteiramente ao fim que se propõe, como admitir que se procure fabricar um substituto artificial que, para mais, segundo os ensaios realizados nos mesmos organismos, se sabe não oferecer idênticas garantias?
Eis porque, Sr. Presidente, peço a atenção benévola de SS. Ex." os Srs. Ministros das Obras Públicas e do Ultramar para o assunto, certo de que continuarão, como até agora, a defender os interesses de Cabo Verde, que são, afinal, os interesses da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Duarte do Amaral:-Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar pura a Mesa o seguinte

Requerimento

«Requeiro que, pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes elementos relativos a tribunais do trabalho:

Mapa do movimento de cada tribunal, por espécies de processos, nos anos de 1907 e de 1958;
Mapa do movimento, também por espécies de processos, nos anos de 1957 e de 1958, com a indicação dos concelhos a que dizem respeito, relativamente às áreas dos Tribunais do Trabalho da Covilhã, de Braga e de Tomar.

O Sr. Munoz de Oliveira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo das disposições regimentais, roqueiro que, pelo Ministério da Saúde e Assistência, me sejam prestadas, as seguintes informações e esclarecimentos:

a) Quais as inspecções que pelos competentes serviços do Estado foram feitas, a partir de 1952, à Santa Casa da Misericórdia da Figueira da Foz;
b) Quais as conclusões exaradas nos relatórios das inspecções efectuadas;
c) Se houve necessidade de providenciar no sentido de defender os legítimos interesses daquela Santa Casa e, em caso afirmativo, quais as . providências tomadas».

O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: vou referir-me hoje a um artigo da Lei n.º 2090 (Lei de Meios para 1958), que com tanto alvoroço e alegria foi acolhido por todos aqueles que se interessam pela causa pública, pela vida e sorte dos que servem o Estado e não descrêem da palavra impressa transformada em lei.
Porque esses também os há, e algumas vezes tem de se dar certa razão à sua descrença, não tanto em relação à substancia da lei, mas sim quanto à forma como a mesma é aplicada ou posta em execução.
Mas não é esse o caso a que pretendo referir-me, pois, infelizmente, ainda não se trata da aplicação da lei.
Diz o artigo 12.º da citada Lei de Meios:

O Governo promoverá o estudo das providências necessárias para alargar o esquema de assistência na doença aos servidores do Estado.

Já lá vai passado quase ano e meio e nada até agora voltou a ser dito sobre o assunto, que é do maior interesse para os 120 000 funcionários que o Estado tem ao seu serviço.
O magnifico relatório da proposta de lei, que o Sr. Ministro das Finanças subscreve, diz:

A assistência na doença aos servidores do Estado é medida que o simples enunciado do artigo 12.º proposto desde logo justifica, dado que estes não gozam ainda os benefícios que, por acção do Estado, têm vindo a usufruir progressivamente os trabalhadores das empresas privadas.

E mais adiante:

A par desta situação, os funcionários civis do Estado encontram-se menos protegidos contra a doença, em situação quase idêntica à dos trabalha-

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dores portugueses antes do estabelecimento da previdência social: só lhes é assegurada assistência quando vitimas de acidente em serviço ou em razão de tuberculose.

Esta doutrina recebe completo aplauso no parecer da Câmara Corporativa, que acrescenta:

O alargamento das prestações de assistência na doença aos funcionários do Estado é, não só uma medida da maior justiça e alcance social, mas uma daquelas despesas públicas que se traduzem em investimento altamente reprodutivo.
A assistência curativa, com vista a restituir rapidamente o funcionário enfermo ao seu trabalho, bem como a manutenção deste e do seu agregado familiar em boas condições sanitárias -através de medidas de assistência preventiva- representam para o Estado apreciáveis economias em dias de trabalho perdidos e em mais eficiente aproveitamento da capacidade e do esforço dos seus servidores.

Não me alongo mais em transcrições tanto do relatório da proposta de lei como do parecer, nem acrescentarei muito mais palavras, pois creio que o que ai fica é mais do que suficiente para o fim em vista, e que é relembrar a questão, que certamente não está esquecida, confio plenamente, mas que urge resolver com toda a possível brevidade.

O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!

O Orador:-A actualização dos vencimentos que o Governo fez, num rasgado espirito de justiça, que pode, claro está, ser discutido na essência das bases por que se regeu, mas que de qualquer forma representa um esforço colossal do Estado com vista à melhoria das condições de vida dos seus funcionários, não chega, porém, para suprir a falta de uma eficiente assistência na doença.
Sabe-se - todos nós conhecemos - de casos de funcionários, sobretudo os de mais modestos vencimentos, e mesmo de médios ou altos ordenados, para quem uma doença, uma intervenção cirúrgica, um simples tratamento, trazem, além de todos os sofrimentos inerentes, para si ou para a sua família, um rosário de problemas financeiros tremendos.
Não são subsídios, não são esmolas, não é a caridade, que podem resolver o problema, tanto mais que, infelizmente, hoje em dia muitos daqueles que os recebem não compreendem o seu alto espirito cristão e social.
Tem de ser o Estado, como já se propõe fazê-lo, e por isso, chamando a atenção para a resolução urgente do problema, peço ao Governo, e nomeadamente ao ilustre Ministro da Saúde e Assistência, que tantas provas já tem dado da sua capacidade, inteligência e interesse por todos os casos que respeitam à saúde pública, que não desonre este assunto e lhe dê rápida e justa solução.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Seabra Carqueijeiro: - Sr. Presidente: no passado dia 9 do corrente mês teve lugar a visita a Setúbal de S. Ex." o Sr. Presidente da República, para inaugurar o novo hospital regional daquela cidade.
A minha ausência forçada as ultimas sessões desta Assembleia, por motivos inteiramente contrários e estranhos a minha vontade, impediu-me de na altura própria usar da palavra para enaltecer o significado daquela visita e da inauguração do melhoramento com que foi dotada a região de Setúbal.

Faço o hoje, e creio que com a mesma oportunidade, para poder exprimir sentimentos de muita gratidão e júbilo, que a todo o tempo é oportuno manifestar àqueles a quem são devidos.
Encontra-se nesta circunstância muito especialmente a veneranda figura do Chefe do Estado, Sr. Almirante Américo Tomás, que, honrando-nos com a sua presença naquela região, permitiu que os seus habitantes lhe tributassem uma das mais calorosas, sinceras e merecidas manifestações de respeito e carinho a que me foi dado assistir.
Sr. Presidente, o contacto do povo com os seus dirigentes permito avaliar da identidade de sentimentos que anima ambas as partes e desses contactos se podem tirar as lições que os factos a todo o momento confirmam.
Quero referir-me e por em evidência quanto foi generosa e agradecida a atitude do povo do concelho de Setúbal, a querer traduzir o imenso regozijo pela visita do Chefe do Estado.
Quando o povo se manifesta deste modo perante a _ira respeitada do homem que encarna todas as suas esperanças, que defende os seus interesses e se ocupa das suas necessidades, temos de dar graças à Providência por nos ter consentido conservar intactas no nosso povo as virtudes de seus maiores e inabalável o sen sentimento de amor pátrio.
Foi uma verdadeira mensagem que a humilde gente do meu concelho, povo de marinheiros e pescadores, homens que vivem do mar e para o mar, em sua fala simples e despretensiosa, quis transmitir a esse outro homem do mar que foi até junto deles investido na mais alta magistratura da Nação.
Pudesse eu, Sr. Presidente, deste lugar e em sua representação, proferir a palavra precisa e revestida de brilho, que lhe não posso emprestar, e essa seria a de um agradecimento muito sincero pelo que significou para todos nós a visita presidencial.
A cidade vestiu as suas melhores galas e, apesar do tempo chuvoso que teimava em diminuir o brilho da recepção, os seus habitantes puderam manifestar ao Sr. Almirante Américo Tomás todo o apreço e simpatia , desde o mais humilde ao mais altamente responsável na sociedade, na política e na administração.
Todos em conjunto, possuídos dos mais firmes propósitos de unidade nacional, rodearam a figura do Chefe do Estado, em testemunho da mais alta fidelidade aos princípios que regem a nossa política actual, dignamente ali representada na sua ilustre pessoa.
Magnifica jornada esta, a que podemos e devemos dar todo o relevo pelo que ela simboliza de compreensão e afinidade a uma política que se esforça por conduzir ao progresso e à prosperidade o nível de vida dos Portugueses.
Há pouco mais de um ano tive ocasião de proferir nesta Câmara algumas palavras a propósito do hospital regional de Setúbal, então em vias de acabamento.
Sinto hoje o grato dever, como Deputado e como médico, de agradecer ao Governo a valiosa unidade assistencial posta a partir de agora ao serviço dos concelhos da região de Setúbal.
Nesta Assembleia - onde por vezes se faz ouvir a voz da critica e da censura contra aquilo que nos parece errado -, com a independência que procuro usar em todos os actos da minha vida e apenas movido por imposição da minha consciência, não quero perder a oportunidade de manifestar ao Governo todo o meu apreço e de agradecer em nome do distrito de Setúbal a realização desta obra tão útil e necessária.

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Contribuiu muito para a possibilitar o avultado donativo oferecido com este fim pelo conselho de administração da Sapec, empresa industrial instalada em Setúbal.
Esta circunstancia, que antecipou o inicio de construção do novo hospital, deve ser encarecida como merece, pelo que encerra de elevada compreensão por parte dos administradores da empresa, mas, .como o seu director afirmou no acto inaugural, esse gesto só foi possível pelo clima de paz e prosperidade, de ordem e estabilização e valorização da moeda e por tudo quanto o Pais deve à sábia governação de Salazar.
Nenhum português digno deste nome pode ficar indiferente perante esta declaração de reconhecimento pela notável obra de ressurgimento levada a efeito no Pais . pela inteligente e patriótica orientação do Sr. Presidente do Conselho. Mas quando estas afirmações partem de um estrangeiro ilustre, altamente situado para poder apreciar com visão objectiva e clarividente estas verdades, elas merecem um tal relevo que não posso deixar de o por em destaque.
Creio bem que esta Assembleia consentirá que eu repita aqui as palavras cheias de emoção com que aquele estrangeiro ilustre se referiu ao nosso pais.
Depois de invocar a memória de um filho falecido na nossa terra e em homenagem, ao qual a Misericórdia de Setúbal deu o seu nome ao novo hospital, disse ele:

Tenho aqui a meu lado os. seus irmãos. Eduquei-os na amor por Portugal e estão hoje convencidos de que, além da Bélgica, não há sobre a terra país melhor e mais belo, que deve muito dos seus privilégios, não só à excelência do seu clima, como ainda ao génio daquele que, desde há trinta anos, dirige os seus destinos através de períodos dos mais difíceis da história do Mundo.

Sr. Presidente: a vasta rede hospitalar de que o Pais tanto necessita para poder executar perfeitamente o plano de assistência pública extensiva a toda a população encontra neste novo hospital mais um elemento seguro que há-de contribuir, estou certo, para a sua metódica e eficiente execução.
Neste aspecto o Governo, pelo Ministério das Obras Públicas e sob a orientação do ilustre titular desta pasta, tornou possível, ao abrigo do plano de 1946 da orgânica hospitalar, a criação de 51 hospitais sub-regionais e a ampliação de 47, estando em construção 12 e em ampliação 4, o que perfaz o número de 114 estabelecimentos.
Estão anunciadas também obras em hospitais e ampliações nos regionais de Évora, Lamego e Braga, além de outros estabelecimentos hospitalares à margem do plano de 1946, como sejam os hospitais escolares, os sanatórios e outros.
Esta enunciação demonstra bem que, não estando tudo feito ainda, a obra desde já levada a efeito é garantia segura de que o apetrechamento hospitalar está a ser encarado pelo Governo com particular interesse.
Este problema, porém, não se limita apenas à rede de construções. Outros assuntos, sem dúvida muito graves, se levantam no que diz respeito ao seu equipamento e ao conjunto de problemas técnicos que hão-de tornar funcionalmente eficientes estes estabelecimentos.
De tudo isto o Governo tem mostrado perfeita consciência das suas responsabilidades. A criação do Ministério da Saúde e Assistência foi o primeiro passo na difícil caminhada que impõe a resolução deste assunto.
Sr. Presidente: o Pais conhece já hoje e muito bem a acção desenvolvida neste Ministério' pelo Ministro Dr. Martins de Carvalho. Conhece-a e sente-lhe os benéficos efeitos.
Não será difícil por isso prever a execução integral do plano assistencial e esperar confiadamente das qualidades que caracterizam a personalidade invulgar do Sr. Ministro da Saúde.
Não pretendo, por razões óbvias, apreciar agora o inteligente e decidido impulso que recebeu no nosso pais o sector da assistência pública, mas posso e quero fazê-lo - aproveitar esta oportunidade para, em relação às actividades profissionais dos médicos, render ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência as minhas homenagens de profunda gratidão pelo que ele tem feito para valorização e prestigio da profissão médica no nosso pais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: como é do conhecimento geral, vai realizar-se no próximo domingo em frente desta cidade a inauguração da estátua monumental de Cristo-Rei e a consagração de Portugal aos Corações de Jesus e Maria, em soleníssimo acto colectivo, de carácter essencialmente nacional.
Nesse dia singular, Lisboa, por tudo o que para tanto está preparado e nomeadamente pela representação de todas as parcelas da Pátria e pela presença não somente dos chefes espirituais. da Nação como do venerando Chefe do Estado - Estado que é afinal a nação politicamente organizada-, Lisboa, dizia, se mostrará, em todo o esplendor, aquilo que na realidade é: verdadeiramente a urbe de todo o Portugal, quero dizer, mais do que a cabeça de um grande corpo territorial, a autêntica capital de um grande império ainda maior - o das almas -, que se entende na mesma língua, continua a mesma história multissecular, professa e vive a mesma fé e partilha dos mesmos anseios e destinos.
Acontecimento único, cheio de eloquente universalismo, transcende o espaço e o tempo e pertence à ordem .dos que, só por si, testemunham por forma inequívoca o sentido e a altura da vocação histórica de um povo.
Por isso, sendo esta Assembleia política nacional, importa, desde já, salientar e acentuar -até para que fique devidamente registado no Diário das Sessões, nesta ocasião, mesmo como justa comparticipação activa e vibrante, que não apenas como simples repercussão benevolamente acolhida- que é bem a Nação inteira, no que ela tem de melhor e mais lidimamente representativo, que vai levar a efeito a jornada, gloriosa de 17 do mós em curso.
Nem podia ser de outra maneira, Sr. Presidente, pois, quer auscultemos a razão dos actos desse dia, quer lhes perscrutemos o significado, sempre isso equivalerá a encontrarmos também a própria raiz e a finalidade da nossa existência em relação ao passado, ao presente ou ao futuro, como uma constante evidente que em todos os momentos se pode condensar nas mesmas expressões de conteúdo nacional.
Na verdade: foi sob o signo de Cristo poderoso, mas doce e humilde de coração e cujas chagas logo tomámos por escudo e defensão e igualmente sob o patrocínio de Sua Mãe, cujo nome adoptámos para a nossa terra, que nós nascemos e que nós crescemos!
Com o auxilio de Cristo lutámos e vencemos !
Por Ele, pela dilatação do Seu reino de justiça, de amor e de paz», nos aventurámos ao mar, dando ao mundo novos mundos», e jamais concebemos e executámos as nossas maiores empresas senão para do mundo a Deus dar parte grande» I
Com Ele ainda hoje, pela mão solicita de Sua Mãe, continuamos, como pioneiros desassombrados da verdadeira civilização, a afirmar, com justificada veemência perante as últimas consequências do materialismo ho-

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dierno, que mio reconhecemos, nem queremos verdade, direito, liberdade, justiça, fraternidade, amor, sem Ele, nem contra Ele, e que o alicerce e o principio da ordem social só n Ele se encontram!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E será também -tenhamos a certeza - com Ele e por Ele que Portugal, consciente de si próprio e da sua elevada missão, há-de prosseguir vitoriosamente na plena efectivação do seu destino imortal!
Assim será, Sr. Presidente, se soubermos ser constantemente fiéis.
Com esta condição, essa grande e reconfortante certeza, sejam quais forem as investidas dos inimigos de fora ou dos de dentro, permanecerá então inabalável em todas as ocasiões, porque -como disse em hora de sublime inspiração o maior português do nosso tempo, de cujas palavras, para concluir, peço me seja permitido fazer aplicação neste momento -, esse é sempre o mesmo perigo, é sempre o mesmo milagre» !
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: há ainda poucos dias que uma comissão representativa de portalegrenses, chefiada pelo governador civil do distrito, teve oportunidade de solicitar a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional a abertura de uma escola do magistério primário na cidade de Portalegre.
Faltaria a um dos compromissos que tomei perante o eleitorado do men circulo, e ficaria em falta perante mim próprio, se não trouxesse a esta Câmara o eco do solicitado ao Ministério da Educação Nacional e que hoje aqui quero apresentar ao Governo.
É facto demasiado conhecido 'e inúmeras vezes dado ao conhecimento publico que não existem professores primários em quantidade bastante para as necessidades docentes, o que, de certo modo, não espanta, visto que a carência de agentes de ensino não se verifica só no grau primário mas em todos os graus.
Não se me afigura, entretanto, que o problema da carência de professores primários se encontre em vias de resolução, e é fácil de demonstrar que até hoje pouco se fez além de equacionar o problema.
Numa conferencia de imprensa estrangeira realizada em 19 de Março de 1958, o ilustre Ministro da Educação declarou que a rede primária oficial era de 22 500 agentes de ensino, sendo 15 600 professores e 6900 regentes escolares; destes totais 2700 professores eram do sexo masculino e a quase totalidade de regentes escolares do sexo feminino.
Afirmou ainda o Sr. Ministro que em seis anos o número de professores aumentou em 3500 unidades e o de regentes escolares em 3400. Mais disse que as escolas do magistério .primário existentes - segundo julgo, superlotadas- preparam, em cada ano, 1400 novos professores, dos quais só cerca de 10 por cento do sexo masculino; mas porque anualmente são abatidos ao efectivo, por diversas razões, cerca de 800 professores, resta um salto positivo anual de 600 unidades. Foi S. Ex." quem equacionou o problema, demonstrando que perante o saldo fisiológico português tal número é manifestamente insuficiente.
É evidente que ninguém tem dúvidas sobre tais verdades, tão cristalinas elas são, mas perante tal situação como actuar?
Estou certo de que, do mesmo modo, ninguém duvida das medidas que as circunstancias impunham e impõem.

A primeira, porventura de capital importância, já o Governo promoveu com uma sábia, justa, oportuna e nunca demasiado enaltecida decisão, valorizando a profissão e pagando melhor aos professores primários a partir do reajustamento de vencimentos levado a cabo com a promulgação do Decreto-Lei n.º 42046, de 23 de Dezembro de 1958. No preambulo deste decreto Lei afirmou-se que tal melhoria tinha em atenção não só a importância da função que lhes está confiada, mas as habilitações que lhes são exigidas..
Algumas linhas mais e somos informados de que a remuneração aos regentes escolares não é substancialmente aumentada porque se trata de uma solução transitória, cuja necessidade irá progressivamente desaparecendo à medida que se intensifique a preparação de agentes de ensino pelas escolas do magistério primário. Estamos agora na medida que se impõe, de não menor relevância que a primeira, e que importa que o Governo encare decididamente, abrindo escolas de magistério em número bastante para que o saldo positivo anual de professores primários, pedagogicamente preparados, chegue, pelo menos, para suprir os necessidades crescentes em cada novo ano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Torna-se, por consequência, imperioso que o Ministério das Finanças ouça os apelos angustiosos do Ministério da Educação Nacional, e estou certo de que, fazendo-o e aplicando, como é mister, as necessárias somas dos dinheiros públicos, habilitará o Pais a receber, em devido tempo, juros largos e fortemente compensadores.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem !

O Orador:-É também do domínio público o grandioso esforço que o Governo tem desenvolvido no sector da construção de novas escolas primárias. Desde 1945, ou seja no espaço de catorze anos, construíram-se mais de três mil e quinhentas escolas primárias -mais de sete mil salas de aula-, importando realçar o novo plano de construções, programa vastíssimo, que atingirá l 200 000 contos e prevê a construção de dezasseis mil novas salas de aula.

O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador:-Tem a bondade.

O Sr. Augusto Simões: - Tenho estado a ouvir com muito interesse as palavras de V. ExJ1, que são justas, inteiramente justas, mas, salvo o devido respeito, desejaria referir que a obra de construção de escolas tom uma parte muitíssimo importante de todos os municípios, que, como V. Ex." sabe, comparticipam com, pelo menos, 50 por cento.

O Orador:-Espero que o Ministério das Obras Públicas resolva o problema.

O Sr. Augusto Simões: - Estua obras, consequência do desenvolvimento do Plano dos Centenários, aliás magnifico, devem-se, pelo menos em muito, aos próprios municípios, que vão pagando em vinte anos, mas pagam 50 por cento das despesas.
Há até um fenómeno curioso, que é o de os municípios não pagarem só os despesas de construção, mas também comparticiparem nas de administração.

O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª a achega, mas não deixo de considerar esse esforço como sendo de toda a Nação.

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O Sr. Augusto Simões: -Quanto a isso estamos de acordo. Agradecia no entanto que V. Ex.ª não esquecesse que muitos municípios estão a pagar até aquilo que realmente não podem pagar.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Sr. Presidente: se não se pretende, e creio que ninguém terá esse desejo, que as salas de aula de ensino primário recentemente construídas e a construir futuramente sejam simplesmente construções novas que por falta de professores primários competentes e habilitados permaneçam incapazes de cumprir a alta missão que lhes está reservada, há que fomentar a preparação do professorado primário, e não hesito em declarar que considero tais medidas como muito urgentes.
Eis a razão, Sr. Presidente, por que, em meu parecer, o pedido formulado por Portalegre para voltar a ter uma escola do magistério primário, e que tão carinhoso acolhimento recebeu por parte do ilustre titular da pasta da Educação, merece, em absoluto, o bom acolhimento por parte do Governo.
É que, Sr. Presidente, Portalegre não pede nada que já não tivesse tido. Por Decreto de 10 de Setembro de 1898, Portalegre foi dotada com a sua escola de habilitação para o magistério primário. Começou essa escola a funcionar, provisoriamente, em salas cedidas para tal efeito na antiga Escola Industrial Fradesso da Silveira e ai permaneceu até 1901, data em que transitou para o antigo edifício do seminário diocesano e onde permaneceu até que foi extinta por efeito da reforma de Maio de 1919. Apareceram então as chamadas escolas primárias superiores, e em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e nas ilhas as escolas normais primárias.
Em 1936 extinguiram-se as escolas primárias superiores, mas em 1942, pelo Decreto n.º 32243, datado de 3 de Setembro, foi promulgada a reforma das escolas do magistério, que, aos poucos, foram sendo criadas e restabelecidas em todo o Pais. Assim, instituíram-se escolas do magistério primário em Bragança, Vila Real, Porto, Braga, Viseu, Guarda, Coimbra, Évora, Lisboa, Faro e ainda há pouco tempo em Leiria. Embora com carácter particular, abriram-se escolas para o magistério primário em Viana do Castelo, Aveiro, Castelo Branco e Boja.
Conclusão: de entre todas as capitais de distrito creio que só não possuem escolas do magistério primário Santarém, Setúbal e Portalegre.
Perante o exposto, parece-me perfeitamente lógico, justíssimo e de elevado interesse, não só regional mas nacional, a abertura - ia a dizer a reabertura - da Escola do Magistério Primário de Portalegre.
Diminuirá a falta de professores primários se aumentar anualmente o número de diplomados; evitar-se-á que cresça o número de regentes escolares, não obstante os bons serviços que muitos destes tenham prestado e continuem a prestar; concede-se a muitos estudantes do distrito de Portalegre a possibilidade de possuírem uma habilitação a que aspiram e que estão impossibilitados de adquirir por falta de meios materiais que lhes permita a deslocação para as escolas do magistério mais próximas: Évora ou Castelo Branco.
De resto, Sr. Presidente, é intuitivo ser nos naturais das vilas e aldeias do Alto Alentejo que se pode e deve recrutar o futuro professor primário desse mesmo lugar, após a obtenção da necessária e imprescindível preparação pedagógica. Atas é- também intuitivo que se lhes devem facultar ás possibilidades de aquisição do seu diploma, tendo em conta os meios de que dispõem.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

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O Orador:-Vou terminar, Sr. Presidente, solicitando de Sr. Ex.º os Ministros da Educação Nacional e das. Finanças a melhor atenção para u exposição entregue ao Prof. Leite Pinto pelo governador civil de Portalegre. Satisfazendo este tão justo pedido da linda capital do Alto Alentejo dar-se-á mais um passo na tremenda luta que não mais finda e que é a educação de todos os jovens portugueses, com a alta finalidade de os integrar na cultura nacional.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - A luta não finda, mas queremos que ano após ano possamos registar novas vitórias.
Orgulhemo-nos da sede de cultura cada vez 'mais intensa, mas não esqueçamos que só a escota, com a sua ordem e o sen método, poderá mitigá-la. Aqui deixo, pois, o meu pedido para uma escola do magistério primário em Portalegre, convicto de que um acréscimo do número de professores primários só poderá resultar em bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: acaba o ilustre presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, coronel Alberto de Sousa Machado, de dar formalmente conhecimento à imprensa do programa em que se concretizará e desenvolverá a comemoração do .1.º centenário do nascimento do poeta de fina sensibilidade e diplomata de envergadura invulgar que foi o limiano António Joaquim de Castro Feijó.
Entre tantas outras, através das quais se tem traduzido a elevada noção de administração municipal e radicada dedicação â sua terra natal, esta louvável iniciativa do presidente da Camará Municipal de Ponte de ' Lima, calorosa e sentidamente apoiada e vívida por todos os limianos, não só porque representa uma justa homenagem ao maior dos poetas de uma terra de poetas, mas ainda porque envolve a recordação de alguém a quem a 'Nação deve relevantes e incontestáveis serviços, tinha necessariamente de exceder, como excederá, o Âmbito local da carinhosa vila que a António Feijó serviu de berço, assumindo antes a dimensão nacional, que muito legitimamente se lhe ajusta, quadra e compete.
Por isso mesmo, e pela minha parte, sem prejuízo da melhor atenção que o assunto ainda virá a merecer-me, quero desde já, como limiano de raiz que constantemente sente a atracção feiticeira da terra onde teve a felicidade de nascer, assinalar e vincar o facto, ainda que com despretensiosa singeleza, o qual, pelo seu significado e alcance, esta Assembleia não podia deixar passar em claro.
António Feijó, como português e diplomata, foi sem dúvida uma figura que no seu tempo marcou uma posição de inconfundível relevo, através de uma inteligência brilhante e de uma cultura rara, moldada à base do melhor que em ideias então o pensamento do homem produziu, soube elevar e impor no estrangeiro o nome e Portugal, e fê-lo em tais termos que, como já foi • escrito, a sua estada em Estocolmo como Ministro coincidiu, por virtude da sua acção e valor, com uma época áurea do prestigio de Portugal no Norte da Europa.
Muitas das suas poesias constituem revelação clara e iniludível da vastidão dessa cultura, do seu completo domínio das ideias envolventes de todos os problemas desde sempre mais preocupantes para o homem. Nelas a profundeza do pensamento e a riqueza infindável de

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sentimentos cosam-se em consonância perfeita com a arte a que tão elevada expressão quis e soube dar.
Para mim, porém, a quem o sempre lembrado Lima quis negar aquela arte que. prodigamente distribuiu por tantos dos poetas das suas doces margens, para mina. portanto, incapaz de penetrar mais longe em todo o significado da obra de António Feijó, duas facetas da na personalidade, talvez por mais acessíveis, talvez por mais humanas, talvez mesmo porque nelas consigo encontrar um denominador comum, tem tocado e calado mais fundo na minha alma: a sua dedicação extrema à companheira que escolheu para a vida e o seu arreigado amor a terra natal.
António Feijó tem sido, e continuará a ser, para mim o português que, como exemplo e modelo a seguir, viveu dominado pela preocupação constante de gravar e valorizar o nome de Portugal em terras estranhas.
Continuará a ser também o poeta que a distância da sua querida terra" e do seu rio saudoso angustiava e fazia sofrer, bem como o poeta que se dedicou e amou ao ponto de, como alguém já disse, ter verdadeiramente morrido de amor».
Creio, aliás, que muitos outros assim o entenderam e compreenderam.
Por isso mesmo, lá no recatado e - porque não ? - acolhedor campo santo da minha terra, sobranceiro e mirando os reflexos de e cristal das suaves aguas do Lima, quiseram os Limianos aproximar o poeta e a sua fiel e dedicada companheira, assinalando bem, com expressão feliz e significativa, que o amor os juntou, e nem mesmo a morte os separou».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedi á palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Num dos projectos relativos à reforma constitucional propõe-se que entre as matérias da exclusiva competência cia Assembleia Nacional figurem as bases gerais sobre a providencia do Habeas Carpiu. Daqui resulta o interesse e a vantagem de conhecermos a frequência e os resultados de utilização desta providencia, que, apesar das promessas e tentativas anteriores, só foi instituída em Portugal pelo Estado Novo no Decreto n.º 35 043, de 20 de Outubro de 1940. E a oportunidade da revelação estatística da sua utilização dar-se-á, porventura, no momento da discussão das alterações ao artigo 93.º da Constituição, contidas naquele projecto.
Nesta previsão, roqueiro que, pelo Ministério da Justiça, me sejam fornecidas, com a brevidade possível, as seguintes informações:

1.º Número de petições de Habeas Corpus distribuídas na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, a partir do inicio da vigência do Decreto n.º 35 043, de 20 de Outubro de 1945, até à presente data;
2.º Número de petições deferidas;
3.º Número de petições de Habeas Corpus apresentadas durante o período de tempo referido no n.º 1.º nas relações de Lisboa, Porto e Coimbra ou a elas remetidas pelos tribunais de l. instância e indicação das que não subiram ao Supremo Tribunal de Justiça e dos motivos por que não tiveram seguimento».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região' de Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: nos valiosos depoimentos prestados nesta tribuna em apreciação do plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa tem-se feito a justiça de deixar as palavras de louvor e agradecimento que se sabem ser devidas ao Sr. Ministro das Obras Públicas.
Também eu, Sr. Presidente, com plena adesão a essas palavras de tanto cabimento, que faço inteiramente minhas, quero aqui deixar consignada a minha homenagem u esse ilustre membro do Governo de Salazar, justamente havido e reputado como um dos mais esforçados obreiros do engrandecimento pátrio dos nossos dias.
E só cumpro um dever.
Todos nós conhecemos a ilimitada dedicação do Sr. Ministro das Obras Públicas ao bem comum e a na ávida preocupação de dirigir no rumo seguro das justas aspirações dos povos o poder de realização de que dispõe, valorizando-o com verdadeiro carinho numa obra a todos os títulos fecunda.
Foi certamente obedecendo a tal desígnio que S. Ex." entendeu dever submeter a esta Câmara a importante proposta de lei que temos interessadamente apreciado e, há pouco, a que refere o abastecimento de água às populações rurais, uma e outra documentos do mais transcendente valor na vida da Nação.
Apresentados nesta Assembleia muito mais ainda se valorizam esses documentos, porque a larga e independente discussão e apreciação que é costume ser feita nesta Casa mais lhes reforçará o seu teor de utilidade social e mais nítida e claramente ficarão traçados e definidos os objectivos que cumprirá atingir com eles.
Só se engrandece, portanto, o Sr. Ministro das Obras Públicas e o sen Ministério trazendo à Assembleia Nacional mais estes dois valiosos testemunhos da sua construtiva preocupação de fomentar o progresso e dignificação da nossa terra e o bem-estar da nossa grei.
Bem haja por isso.
Sr. Presidente: tenho ouvido referir, com o mais vivo interesse, as virtudes incontestáveis da proposta de lei que apreciamos, aliás também clara e doutamente assinaladas no notável parecer da Camará Corporativa. Dou-lhes a minha inteira adesão.
Trabalho de relevante importância, não poderá deixar de se lhe assinalar, no começo de uma rápida apreciação, apenas o seu tardio aparecimento e até, talvez, a demasiada modéstia dos horizontes em que pretende governar.
Na verdade, se, em consequência de uma natural e justíssima tendência, a humanidade sempre tem procurado viver aproveitando-se dos benefícios que se vão somando, como produto do engenho do homem dirigido à melhoria da vida em todos os seus aspectos, não podem nem devem os governos dos povos, minimizando o grande poder dessa tendência, alhear-se das suas múltiplas e prementes consequências.
Como ela faz parte integrante da própria estrutura da vida, verdadeira vanidade seria toda a tentativa de a eliminar.
Há, por isso, que aceitá-la na poderosa formulação do seu alto valor, procurando disciplinar-lhe os inconvenientes para que eles não turvem o expoente magnifico das suas incontestadas virtudes.

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Tais objectivos sempre os têm os- vários capitólios do Mundo e os seus governos incluído na linha de. rumo das suas maiores preocupações.
É que a ajustada distribuição demográfica e a consequente valorização de um estado e do seu território são dos mais importantes problemas que tal tendência suscita.
No douto parecer da Câmara Corporativa se traça com magistral clareza toda a estrutura destes fenómenos, que a proposta de lei encara, dentro dos limites que a si própria se traçou, apenas para o espaço da região de Lisboa.
Reconheceu-se que não pode continuar, nesta privilegiadíssima região que o Tejo domina com os seus mandamentos de grande senhor, a balbúrdia espacial em que se tem vivido e a arbitrária arrumação dos seus tão importantes valores.
É ambição da proposta em referência, portanto, introduzir ordem e método onde tais comandos não têm imperado e evitar ali as excessivas concentrações demográfica e industrial, que, sendo de há muito inquietastes problemas, pelo grande número daqueloutros que suscitam, só agora tiveram o condão de fazer ouvir o poder impressionante da sua força.
É que se sabe levarem a prejuízos irremediáveis as t cidades monstros, que vão desde as perdas derivadas do tempo gasto .nos inevitáveis congestionamentos do transito até às dificuldades provindas dos muitos problemas sociais gerados nessas cidades, onde a vida chega a assumir uma estranha e confrangedora expressão anti - natural e anti-humana.
Vai ser, por consequência, devidamente estudado sob os seus variados aspectos o desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa, em ordem a submete-lo à disciplina que lhe faltava.
O empreendimento, que é da mais transcendente utilidade e da maior premência, já há muito deveria ter sido encarado com vontade firme de se encontrarem as soluções que só agora se vão procurar.
Mas eu não sou muito optimista quanto aos resultados do plano que se pretende traçar para esta região se ele não for completado com estudos e planos das outras regiões de Portugal. Não vive a região de Lisboa isolada, económica e socialmente, do resto do Pais para que possam ter valor quase absoluto para todo ele, nesta importante matéria, as soluções encontradas apenas para si.
Se o primeiro escopo que se pretende atingir é o do seu descongestionamento demográfico e industrial, há que travar com medidas razoáveis as cansas desse perigoso inconveniente. Ora uma das mais importantes formas de o conseguir parece-me ser a larga disseminação no território nacional de condições de vida aceitáveis quanto às necessidades essenciais dos povos, de teor semelhante àquelas que são agora apanágio só dos grandes centros urbanos, de que Lisboa é o maior e mais típico.
Na verdade, se nos meios rurais continuar o ritmo brando em que se tem caminhado para os dotar com os elementos primordiais da vida civilizada, cada vez mais se fortalecerá o fluxo emigratório das suas populações, que, pela natural tendência de viverem a vida sem inibições intoleráveis, mais se lançarão para as grandes cidades ou para o estrangeiro em busca daquilo que a civilização criou mas o seu ambiente lhes nega.
Ora, a pobreza e a carência não são, de nenhuma maneira, grandes elementos de fixação dos povos ao seu torrão natal ...
É, portanto, necessário combatê-las vigorosa e eficientemente. Suponho que haveria apreciável vantagem em se reunirem os estudos dispersos que porventura se tenham feito sobre o valor económico das várias regiões do Pais, por forma a elaborar-se a nossa carta económica, devidamente estruturada e completada pelas necessárias averiguações que faltassem.
Essa carta, que nos haveria de fornecer os mais interessantes e oportunos ensinamentos nos planeamentos regionais, desvendaria o valor, até agora ignorado ou pelo menos minimizado, de muitos dos nossos centros e regiões, e permitiria criar e fomentar melhor a nossa riqueza e por forma muito mais racional e mais justa.

Ao mesmo tempo estou certo de que os prosélitos da intransponível fatalidade da estagnação de muitos dos nossos meios rurais teriam de reconhecer o seu tremendo erro e as funestas consequências dele derivadas.
Na verdade, porque a vida se apresenta difícil em alguns deles, em razão de muitos e variados problemas a resolver, não se tem curado de conhecer a origem e a essência dessas dificuldades e a melhor maneira de as eliminar.
Basta um conhecimento aprioristico delas para se concluir que já nada ali há a fazer: aquilo nunca mais passa da cepa torta ..., conclui-se em guisa de requiem e de argumento definitivo de fácil acomodação.
Ora não pode ser assim.
Se, com ajustado critério., se houvesse feito já o. estudo económico do Pais, e, consequente mente, dessas regiões, ter-se-ia alcançado o conhecimento da utilidade que elas podem produzir no concerto dos valores nacionais, e não haveria tantos atrasos acumulados, nem tanta premência nas migrações das nossas gentes, que o desânimo, como maldita erosão, arrasta para as incertezas de uma vida onde nem todos triunfam.
Se essa carta económica tivesse podido gritar os seus mandamentos, não teria sido tão fácil como foi afastar dos opulentos jazigos de ferro de Moncorvo a Siderurgia Nacional para a localizar em região privilegiada do Sul, que, em boa verdade, já não carecia de tão importante factor de engrandecimento para ser, como é, uma rica e famosa parcela do nosso território.
Em Trás-os-Montes, porém, como tão instantemente alegou nesta Camará o Sr. Deputado Urgel Horta, em repetidas orações, esta indústria básica teria sido um elemento de inestimável valor na poderosa incentivação do progresso local, fixando um teor de vida que os Trasmontanos bem merecem.
Mas, encarado à sombra de princípios isolados ou de certas conveniências, o progresso não se reparte; como diz o povo na sua alta sabedoria, acontece que vai o bem para o bem, fica o mal com quem o tem ...».
A valorização da vida rural é, portanto, Sr. Presidente, um dos mais importantes objectivos que aos governos cumpre atingir para contrapor aos males do urbanismo.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Para alcançá-la numa escala aceitável e dela extrair o importantíssimo somatório das suas incontestáveis virtudes, em cujo número avulta - como tanto aqui se tem repetido - a da fixação dos povos ao seu meio e o interesse por ele, nada poderá, ser minimizado ou desconsiderado.
É por isso que se apresenta como de excepcional interesse a outra proposta de lei do Ministério das Obras Públicas, versando o abastecimento de água às povoações rurais vivendo em localidades com mais de 100 habitantes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal proposta sugere um desenvolvido comentário, mas não é este o momento oportuno para fazê-lo. Assim mesmo, e sem qualquer ideia de antecipação, não posso deixar passar esta oportunidade sem

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lhe referir a extrema valia e a sua flagrante utilidade social.
Já o Sr. Deputado Camilo de Mendonça, pela forma brilhante como costuma vincar os grandes fastos nacionais, aqui referiu o merecimento, do importante conjunto de medidas que se estruturam nas bases dessa magnifica proposta de lei, cujo aparecimento é também em parte uma vitória desta Câmara, em que tire o gosto de poder colaborar, quando durante a discussão do Plano de Fomento, lamentando a não previsão nele dos abastecimentos de água aos agregados rurais, pedi, como alguns dos meus ilustres colegas, que atentasse o Governo na gravidade da omissão, remediando-a como cumpria.
Tinha o Ministério das Obras Públicas seguramente estudado o importante conjunto dos problemas deste valioso sector da sua actividade por intermédio de um notável escol de técnicos, a cuja devoção e zelosa competência rendo gostosamente as minhas homenagens, e por isso não foi difícil ao Governo estruturar as bases da aludida proposta de lei, da qual é licito esperar os mais assinalados benefícios.
É que, Sr. Presidente, é efectivamente impressionante que 11000 povoações com mais de 100 habitantes, abrangendo cerca de 3 milhões de almas, ainda não tenham, nestes tempos de tão avançada técnica de benefícios para os centros urbanos, o abastecimento da água necessária a vida; de boa água, que é espelho da saúde», e de muita água, que ó o sangue da terras, na feliz expressão do aludido estudo do Ministério das Obras Públicas a que aludi.
A falta desse elemento essencial que anda na base da melhoria da vida doméstica rural e na da intensificação da produtividade do esforço ingente dos que no campo mourejam conduz necessariamente ou ao êxodo dos povos ou ao sen regresso a um teor de trogloditismo que são males da mais alta virulência social.
Esta proposta de lei pode, portanto, ser justamente considerada como um elemento precioso na correcção da concentrada inflação demográfica dos centros urbanos nesta ignara idade da máquina.

O Sr. Nunes Barata: -V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Com todo o prazer.

O Sr. Nunes Barata: - Tenho estado a ouvir com todo o interesse o que V. Ex.ª tem estado a dizer, mas queria referir que há aqui um aspecto que está para lá do mundo da demografia e da economia - o problema das populações dos distritos das Beiras que emigram clandestinamente para França, sobretudo nos últimos anos, com esta agravante: é qne sectores do Partido Comunista francês tëm procurado aliciar essa gente.

Sabemos que ela tem tido até agora trabalho, porque uma grande massa de franceses se encontra deslocada na Argélia, por motivo de operações militares. E amanhã, quando regressar, essa gente não terá ocupação, e ao voltar para Portugal será composta de elementos que, industriados pelp Partido Comunista francês, poderão vir a fazer entre nós alguma coisa qne nós não poderemos considerar boa.

O Orador:-Agradeço muito a concordância de V. Ex.º e a ajuda que me dá. b, efectivamente, assim.

Posso dizer a V. Ex.3 que estive com alguns inspectores da Junta da Emigração, que me informaram haver, a partir de determinados sectores, emigração para França. E mais: que o mercado francês tem recebido magnificamente os nossos braços, pagando-lhes salários muitíssimo bons; quer dizer, reconhecem uma coisa que nós ainda não fomos capazes de fazer. E como na maior parte dos casos essa gente é composta de pessoas quase
sem cultura, acontece que virá formada por essa tremenda universidade, começando já a notar-se os primeiros sintomas dessa perigosa formação» ...

Vem a propósito citar o pensamento valioso do afamado Le Corbusier a que se refere o parecer da Câmara Corporativa, com a mais alta propriedade.
Tão notável urbanista, a quem a cidade e a sua vida parece terem feito notar em dado momento das últimas décadas o pecado mortal do esquecimento a que se votara o campo, não relutou em afirmar, numa digna atitude de justa reparação, que sé necessário que a vida rural, estiolada, exangue, que não subsiste senão mediante a seiva já desgastada de uma civilização calda, renasça esplendidamente, reintroduzindo na civilização da máquina a presença bendita da natureza; não somente os seus produtos, mas ainda a sua profunda influência sobre os homens», pois que, segundo o mesmo Le Corbusier, «a civilização da máquina só pode ser fundada sobre um ruralismo vivo, porque não poderá reformar-se a cidade senão pelo arranjo do espaço do campo».
Quem ousará afirmar que estes pensamento não valem muito mais para o nosso pais do que para a" imortal pátria do seu autor?
É a compreensão do valor do ruralismo, tão bem condensada nestes expressivos pensamentos, que me tem feito erguer a voz nesta Assembleia na defensão dos direitos incontestáveis dos povos humildes, sacrificados e sofredores, para quem a terra, ainda que pobre e pequena, é sempre uma mãe carinhosa, em cujo regaço se chora e se ri, se sofre e se morre, sem nunca a esquecer.
Abastecimentos de água limpa e abundante; electricidade efectivamente ao alcance de todas as bolsas, e não apenas nos fios que talam os campos e embaraçam os caminhos das aldeias, mas não mergulham nas casas; habitação condigna - havia tanto, tanto a referir neste capitulo ... ; assistência na doença e na adversidade, estradas e caminhos, esgotos e tantos, tantos outros elementos que definem a vida aceitável são armas indispensáveis à luta contra o fascínio da urbe, onde brilham com extraordinário fulgor, prometendo-se a todos, mas insidiosamente, não se dando senão a alguns ... dos muitos que na mole imensa da cidade vêem a terra prometida» ...
Ora ó preciso livrar as gentes rurais, na natural tendência de evasão à mingua que as tortura, de caírem em outro maior aniquilamento e de perturbarem com ele o equilíbrio social e económico da própria vida da Nação.
E chegaríamos agora à encruzilhada onde se perfila, em toda a sua transcendente nobreza, o sacrificado município português, cuja missão é a todos os títulos transcendente.
Porém, não é tempo de mostrar o peso da sua nodosa e avantajada cruz ... Isso se fará em outra altura, como se anunciou.
No momento basta, na sequência do nosso pensamento, apontar algumas causas dos males do urbanismo, e entre as quais se destacam, como se disse, as deficientes condições da vida rural.
São elas que principalmente impelem as suas gentes para o paraíso da urbe lisboeta, que, tendo-se-lhes desvendado nos muitos ângulos do seu primoroso aliciamento através dos mais variados meios, como a rádio, o cinema e a televisão, lhes faz nascer o incontido e quase patológico desejo de nele ingressarem sem demoras ... Por isso aqui afluem em larga legião.
Indústrias de toda a espécie e feitio acolhem os seus rudes braços, que jamais restituirão; o comércio não desdenha o sen concurso, e os muitos que não encontram a sonhada e fácil ocupação donde possam viver preferem um ganha-pão que não lhes garante uma sub-

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sistência séria, mas artificial, ao regresso ao torrão natal, onde seriam muito mais úteis.
Assim vão vivendo e vegetando nesta região fascinante que integra a nossa primeira urbe e que cresce num gigantismo arrepiante, causador das sérias preocupações de que a proposta de lei nos dá conta.
Ora, ao distrito de Coimbra e à vasta região das Beiras, zonas populacionais da maior importância, por serem verdadeiros e generosos alfobres humanos, pertence o considerável contingente que alimenta em larga medida a. emigração para as nossas duas maiores cidades - Lisboa e Porto.
Todavia, urge combater esta irresistível tendência das nossas gentes, dentro de aceitáveis critérios económicos e sociais.
Suponho que uma eficiente valorização de toda essa vasta mancha do território nacional seria a melhor maneira de se vencer o combate.
E na linha desse pensamento a ideia da industrialização aparece com o mais forte vigor.
Por não ser o distrito de Coimbra suficientemente rico em indústrias que favoreçam substancialmente o desenvolvimento e o engrandecimento dos seus numerosos centros populacionais, não poderá permanecer-se no estado de apatia em que se tem vivido nas últimas décadas, nas quais, à míngua de iniciativas e de no planeamento regional de devida escala, se tem caminhado com demasiada lentidão na senda da criação da poderosa alavanca do progresso que é, sem dúvida, uma indústria economicamente florescente.
Aquando da discussão do II Plano de Fomento -esse notável programa de realizações de que tanto esperam os Portugueses- tive ocasião de manifestar a minha mágoa por não ver .incluído entre os aproveitamentos eléctricos previstos o referente ao rio Mondego.
Sabendo eu que, a tempo e horas de ser estudado e atendido, a Companhia Eléctrica das Beiras, que tem a sua sede em Coimbra, havia elaborado com o maior cuidado e a expensas suas um minucioso estudo das muitas possibilidades económicas do maior rio português, referindo não só o aproveitamento do seu poder energético, como ainda os outros aproveitamentos não menos importantes, como o do abastecimento de água a cerca de meio milhão de pessoas, repartidas por uma vintena de concelhos dos distritos de Viseu, Guarda e Coimbra, e o da irrigação de mais de 50 000 ha dos campos do Mondego e dos de Cantanhede ao Vouga, era licito esperar que o elevado teor económico desse empreendimento - aliás claramente manifestado e assinalado nesse estudo e em outros de origem oficial- houvesse imposto a sua inclusão nos horizontes do II Plano de. Fomento. Sem embargo, tal não sucedeu; e, através da completa e brilhante exposição feita há pouco nesta tribuna pelo meu ilustre colega de circulo Sr. Deputado Nunes Barata dos problemas que tal aproveitamento poderia solucionar, facilmente se aquilata dos graves inconvenientes dessa omissão.
É que, além do mais, continua ainda e sempre mais pungente a situação dos campos do Mondego, assoreados e improdutivos pedaços de riqueza desaproveitada, que, no sen estado de desolação, representam .esbanjamento cada vez mais insuportável pela débil economia do agregado distrital e do próprio Pais.

O Sr. Nunes Barata: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador:-Com todo o gosto.

O Sr. Nunes Barata: - Há, de resto, um aspecto que convém sempre salientar no problema do aproveitamento do Mondego: o efeito multiplicador das obras públicas.
Os Espanhóis tem feito trabalhos de importância relativamente aos efeitos multiplicadores nos aproveitamentos levados a cabo nos últimos anos em Espanha. E verifica-se realmente todo um conjunto de desenvolvimentos bem lisonjeiros. Ora essa importância para nós, tanto na região do Mondego como em qualquer outra -parece que ó a região do Mondego que está em causa-, será sumamente de estimar, dado que a economia desta região vive num relativo marasmo.

O Orador:-Agradeço o esclarecimento de V. Ex.a, com que estou inteiramente de acordo, porque, na verdade, como V. Ex.a. sabe, o teor económico do nosso contacto não é de molde a sossegar.
Perder a electricidade que o rio Mondego pode produzir e a utilidade económica do mais variado matiz que ela propicia e que, por amor do sen aproveitamento, emergiria por acréscimo é, na verdade, uma perda que compromete seriamente toda a estrutura económica do distrito de Coimbra, repercutindo-se desfavoravelmente até nos distritos de Viseu e da Guarda.
O conhecimento destes grandes inconvenientes e a sua evidente interferência, pelas razoes já expostas, nos males que começam a afligir toda a região de Lisboa e, em especial, a zona desta cidade são razões suficientemente ponderosas para ditarem uma revisão imediata do condicionalismo imposto ao distrito de Coimbra, em ordem a modificá-lo, como cumpre. É que valorizar Coimbra e a sua vasta região, dando aos seus povos o fácil acesso aos. bens da civilização, representará, não apenas uma meritória obra de engrandecimento regional, mas ainda a resolução de muitos problemas suscitados pelo urbanismo e agora postos em equação, sendo por isso uma tarefa de verdadeiro cunho nacional.
Sr. Presidente, não me atrevo a alongar mais o meu depoimento. Despretensiosas como são sempre as minhas palavras, elos querem significar inteira concordância com a proposta de lei cuja generalidade me preocupou.
Dar-lhe-ei o meu voto, na esperança de que a sua regulamentação seja o primeiro passo, decidido e inequívoco, no sentido da elaboração dos muitos outros planos reguladores que se mostram necessários para o arranjo e valorização de todo o espaço nacional, em harmoniosa escala de valores, para que possa terminar de vez o mito que tanto confrange e tortura as almas de muitos portugueses, que ouvem frequentemente afirmar, sem rebuço e com um esgar de desdém, que Portugal é Lisboa e o resto, todo o resto, um amontoado de vilarejos a que por cá se chama, com sobranceria, ca províncias!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não esta mais ninguém inscrito para a discussão da generalidade desta proposta de lei, nem durante ela foi levantada qualquer questão prévia sobre a qual haja de incidir uma votação especial da Assembleia. Por esse motivo considero aprovada na generalidade a proposta de lei em discussão.
Vai passar-se à discussão na especialidade.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: requeira que a discussão na especialidade desta proposta de lei corra sobre o texto da Camará Corporativa.

O Sr. Presidente: -Ponho à votação este requerimento do Sr. Deputado Melo Machado.

Submetido à votação, foi aprovado.

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760 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

O Sr. Presidente: - Ponho à discussão a base I da proposta no texto da Câmara Corporativa. Juntamente com o texto da Câmara Corporativa a Câmara poderá apreciar o texto da proposta do Governo.
Vai ser lida a base I.

Foi lida. E a seguinte:

BASE i

1. O Ministro das Obras Públicas promoverá a elaboração, no prazo de três anos, do plano urbanístico da região de Lisboa.
2. A Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização fica encarregada de estudar e propor superiormente, dentro do prazo de um ano, as normas provisórias destinadas a vigorar até à data da aprovação do plano urbanístico da região de Lisboa que repute mais urgentes sobre a disciplina de certos aspectos contidos no âmbito do referido plano, nomeadamente sobre a construção de edificações em certas áreas da região de Lisboa, definida no número seguinte.
3. Consideram-se incluídos na região de Lisboa, para os fins desta lei, os seguintes concelhos:
a) Do distrito de Lisboa: Cascais, Lisboa, Loures, Oeiras, Sintra e Vila Franca de Xira;
b) Do distrito de Setúbal: Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal.
4. O Ministro das Obras Públicas poderá determinar os ajustamentos na delimitação desta área que vierem a mostrar-se convenientes no decurso da elaboração do plano.

O Sr. Presidente: - Sobre esta base há na Mesa duas propostas: uma das Comissões de Economia e Obras Públicas e outra do Sr. Deputado Peres Claro.
Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE I

Propõe-se a substituição desta base pela base I da proposta do Governo.
O n.º 2 desta base seria o que propõe a Câmara Corporativa:

A Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização fica encarregada de estudar e propor superiormente, dentro do prazo de um ano, as normas provisórias, destinadas a vigorar até à data da aprovação do plano director da região de Lisboa, que repute mais urgentes sobre a disciplina de certos aspectos contidos no âmbito do referido plano, nomeadamente sobre a construção de edificações em certas áreas da região de Lisboa, definida no número seguinte:

O n.º 2 da proposta do Governo passa a n.º 3.
E ao n.º 3, que passa a n.º 4, propõe-se o acrescentamento seguinte: «nomeadamente o caso de Setúbal, com vista a uma eventual organização autónoma da sua região».
Aprovada a base I da proposta do Governo, sempre que apareça referência ao «plano urbanístico da região de Lisboa», deverá ser substituída por aplano director da região de Lisboa».

Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Camilo Lemos de Mendonça - João Dias Rosas - Virgílio Pereira e Cruz-Fernando Muñoz de Oliveira - João de Brito e Cunha - Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.

Proposta de emenda

Proponho que o n.º 1 da base I da proposta de lei n.º 14 passe a ter a seguinte redacção:

1. O Ministro das Obras Públicas promoverá a elaboração, no prazo de três anos, do plano director do desenvolvimento e urbanismo das regiões de Lisboa e Setúbal, abreviadamente designado por plano regional de Lisboa e Setúbal.

Lisboa, 6 de Maio de 1959. - O Deputado, Rogério Peres Claro.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: na minha sugestão de emenda há duas correcções a considerar: uma é a inclusão no designativo da proposta da região de Setúbal, porque a proposta governamental é no sentido de abranger-se essa região, orientação que esta Assembleia reconheceu ser a melhor, em oposição à Câmara Corporativa.
Não podendo considerar-se Setúbal - com a sua autonomia citadina e industrial e os seus traços constitutivos, pelas palavras da Câmara Corporativa- directamente influenciada por Lisboa, parece que a sua referência no designativo da proposta está perfeitamente dentro do que é lógico. No entanto, ouvido o parecer da Comissão, peço licença a V. Ex.ª para retirar esta primeira correcção.
A outra correcção baseia-se no exemplo a que a Câmara Corporativa alude ao informar-nos de que um diploma muito recente estabeleceu em França a fusão dos dois planos até agora elaborados separadamente: o programme daction regionais, ou seja o plano de desenvolvimento, e o plan daménagement regional, isto é, o plano de arranjo urbanístico.
E exatamente porque a proposta do Governo abrange os aspectos de desenvolvimento e de urbanismo e baseado ainda no caso francês, que fundindo num só os dois planos lhe chamou depois plan regional de dévelop-pement économtque e tsocial et daménagement du territoire, é que propus que o plano apresentado se chamasse de desenvolvimento e urbanismo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se autoriza que o Sr. Deputado Peres Claro retire a sua proposta.

Consultada a Assembleia, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a base I, com as alterações apresentadas pelas Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação a base n, tal como se contém no parecer da Câmara Corporativa. Vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

BASE II

1. O plano urbanístico da região de Lisboa será baseado em inquéritos e estudos sobre os condicionamentos de nível nacional a que deva subordinar-se, bem como sobre as características e tendências da região em todos os aspectos que interessem aos objectivos do plano.
2. A partir da análise dos resultados a que conduzirem os referidos inquéritos ou estudos, serão

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definidas as linhas gerais do desenvolvimento da região, abrangida, em especial no que se refere:
a) Á distribuição da população pelos núcleos já existentes e a criar, assim como à fixação das características gerais a imprimir ao seu desenvolvimento ou das limitações reputadas necessárias;
b) As redes gerais de comunicações e transportes;
c) A definição das zonas a afectar a tipos especiais de utilização, tendo em vista, designadamente, a preservação de áreas adequadas á exploração agrícola e ao povoamento florestal e a criação de espaços livres públicos e de instalações de interesse colectivo a integrar nas zonas rurais;
d) À delimitação das zonas especiais onde será autorizada ou interdita a criação de a expansão de instalações industriais;
e) Â. defesa e valorização dos monumentos e locais de interesse histórico, artístico ou arqueológico, paisagens, estâncias de recreio ou repouso e outros locais ,de turismo;
d) À organização geral dos serviços necessários ao abastecimento público (águas, electricidade, etc.) e ao saneamento urbano;
g) Às condições de segurança e defesa da população em emergências graves, nomeadamente no caso de guerra.
3. Fará parte integrante do plano o respectivo regulamento, no qual serão enunciadas- as disposições gerais necessárias para garantir a efectivação das medidas previstas no plano e os condicionamentos especiais a que deverão ajustar-se os planos de urbanização das povoações ou das zonas compreendidas na região de Lisboa.
4. Em diploma especial serão reguladas também as condições a que deve subordinar-se a transferência em casos excepcionais das indústrias cuja localização actual na região de Lisboa porventura se reconheça como altamente nociva, fixando-se as zonas que devem considerar-se interditas para todas ou apenas para determinadas instalações industriais e estabelecendo-se o sistema de compensações a conceder às empresas abrangidas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Ponho agora em discussão a base in, que vai ser lida à Assembleia.

Foi lida. E a seguinte:

BASE III

1. A aprovação do plano urbanístico da região de Lisboa será da competência do Conselho de Ministros, mediante proposta do Ministro das Obras Públicas e ouvida a Gamara Corporativa.
2. O diploma que aprovar o plano estabelecerá as condições em que deverá efectuar-se a sua revisão periódica e, bem assim, os prazos concedidos para a revisão dos planos de urbanização locais a que se refere a base IV.
3. No mesmo diploma serão também definidas as condições necessárias à execução do plano, em ordem a serem plenamente atingidos os seus objectivos, e designadamente a forma de assegurar tanto a indispensável coordenação das entidades interessadas como os meios de ordem administrativa e financeira adequados aos empreendimentos a realizar.

O Sr. Presidente:-Sobre esta base há na Mesa uma proposta de alteração, apresentada pelas Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações, que também vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

BASE III

Propõe-se que os seus n.08 2 e 3 sejam substituídos pelo seguinte:

O diploma que aprovar o plano estabelecerá, além das condições da sua execução e da sua revisão periódica, a forma de assegurar tanto a coordenação das entidades interessadas como os meios de ordem administrativa e financeira indispensáveis à sua realização, bem como os prazos concedidos para a revisão dos planos de urbanização locais previstos na base IV.

Os Deputados: Simeão Pinto de Mesquita-Francisco de Melo Machado - Camilo Lemos de Mendonça -João Dias Rosas - Virgílio Pereira e Cruz - Fernando Munoz de Oliveira-João de Brito e Cunha.

O Sr. Presidente:-Estão em discussão.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Quero somente esclarecer a Assembleia de que o espirito da Comissão ao redigir a alteração a esta base foi condensar num só número aquilo que ficaria pleonàsticamente distribuído por dois números, segundo o texto do parecer da Cornara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se a base m com a alteração proposta.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: -Segue-se agora a discussão da base IV, que vai ser lida.

Foi lida. Ë a seguinte:

BASE IV

Aprovado o plano urbanístico da região de Lisboa, proceder-se-á imediatamente à revisão dos planos de urbanização locais que estiverem em vigor, a fim de os ajustar àquele referido plano, considerando-se desde logo revogadas as- disposições que o contrariem.

O Sr. Presidente:-Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Vamos passar agora à discussão da base v, que vai ser lida.

Foi lida. Ë a seguinte:

BASE v

1. Na área abrangida pelo plano urbanístico da região de Lisboa e até à aprovação das normas

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previstas no n.º 2 da base i carecem de prévia autorização do Ministro das Obras Públicas, ouvidas a respectiva câmara municipal e a Comissão ou o Gabinete do referido plano:
a) A criação de novos núcleos populacionais e u construção, reconstrução ou ampliação de instalações industriais da l.ª ou 2.ª classe, quando, num e noutro caso, se situem fora das zonas para esse efeito previstas nos planos de urbanização legalmente aprovados;
b) As novas explorações regidas pela legislação referente a pedreiras e a ampliação da área do terreno declarada e na qual u exploração estava autorizada à data da presente lei, bem como a execução de terraplenagens importantes de qualquer natureza susceptíveis de alterar a configuração geral do terreno e o derrube de árvores em maciço de área superior a l ha.
2. Para os casos regulados nas alíneas precedentes e que não venham a ser abrangidos pelas normas provisórias previstas no n.º 2 da base i, o regime de autorização prescrito no número anterior funcionará até à aprovação do plano urbanístico da região de Lisboa.
3. Para obterem o necessário licenciamento em tudo quanto respeite ao conteúdo dás duas alíneas do n.0' l, devem os interessados exibir, perante os serviços competentes, o documento que prove a autorização prévia exigida no corpo do mesmo número.
4. Até à aprovação do plano, fica também sujeita â prévia autorização do Ministério das Obras Públicas, por intermédio da Direcção-Geral dos Serviços de • Urbanização e mediante parecer da respectiva câmara municipal, a construção de novas edificações nos aglomerados existentes, quando situadas fora dos seus perímetros actuais ou das zonas de expansão definidas nos planos de urbanização legalmente aprovados.
5. As autorizações serão negadas sempre que se verifique que da sua concessão poderá resultar inconveniente para a execução futura do plano regional.
6. O Ministro das Obras Públicas poderá fixar, por simples despacho, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, os perímetros das povoações a considerar na aplicação do disposto nesta base.
7. As câmaras municipais não poderão conceder as licenças a que se refere o n.º 20.º do artigo 51.º do Código Administrativo sem se mostrar ter sido concedida a autorização exigida nesta base.

O Sr. Presidente: - Sobre esta base há uma proposta das comissões, que vai ser lida & Assembleia.

Foi lida. E a seguinte:

Proposta de alteração

BASE v

Alínea b) interpor entre as palavras «derrube» e de árvores» a palavra contínuo». A alínea ficará assim redigida:

b) As novas explorações regidas pela legislação referente a pedreiras e a ampliação da área de terreno declarada e na qual a exploração estava autorizada à data da presente lei, bem como a execução de terraplenagens importantes de qualquer natureza susceptíveis de alterar a configuração geral do terreno e o derrube contínuo de árvores em maciço de área superior ai ha.

Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Camilo Lemos de Mendonça - João de Brito e Cunha - Fernando Munoz de Oliveira - João Dias Rosas - Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: suscitaram-se dúvidas a propósito da alínea a) e também da alínea V) desta base v, tal como se contém no texto da proposta de lei.
As dúvidas tinham origem no facto de se prever entregar exclusivamente ao Ministério das Obras Públicas a competência para decidir, especialmente, em matéria de construção, reconstrução ou ampliação de instalações industriais de l.ª ou 2.º classe.
Ora a verdade é que, efectivamente, estas dúvidas, ou, melhor, receios, a terem lugar, encontram-se muito atenuadas desde logo pelas alterações propostas pelas Comissões de Obras Públicas e de Economia: primeiro, pela inclusão na base i da proposta de lei do n.º 2, proposta pela Camará Corporativa, que estipula a fixação de normas provisórias no prazo de um ano; segundo, pelo aumento de representantes qualificados do Ministério da Economia na Comissão do Plano Regional de Lisboa.
Se para além disto qualquer dúvida ou problema pudesse ainda recear-se, pareceu que tanto o espírito da lei como o dos serviços bastariam para desfazer uma e outro.
Por sobre tudo não se têm dúvidas de que o Sr. Ministro das Obras Públicas não deixaria de ter o cuidado de ouvir, antes de tomar a decisão em matéria de tão grande importância, a Secretaria de Estado da* Indústria, que, aliás, já estaria antecipadamente informada da posição, das questões por qualquer das direcções-gerais que fazem parte da Comissão do Plano Regional de Lisboa, nomeadamente a Direcção-Geral dos Serviços Industriais.
Julgando que, dentro deste espirito, não haverá lugar u preocupações, pareceu não se justificarem quaisquer alterações do texto da Camará Corporativa, que se adoptou, e confia-se em que o espírito de que um e outro Ministério dão prova é suficiente para que as soluções adequadas sejam encontradas sem transtornos ou obstáculos irremovíveis.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se a base v com a alteração proposta pelas comissões.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão da base vi, que vai ler-se.

Foi lida. E a seguinte:

BASE VI

1. A Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e as câmaras municipais serão competentes para promover o embargo e a demolição das obras executadas com violação do preceituado na base anterior.

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2. A demolição será feita à custa dos proprietários e sem que estes tenham direito a qualquer indemnização.
3. A cobrança das importâncias a que der lugar a aplicação desta disposição, na falta de pagamento voluntário, competirá aos tribunais das execuções fiscais, constituindo título executivo a certidão passada pelos serviços donde conste o quantitativo despendido.

O Sr. Presidente:-Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão da base vil, sobre a qual há. na Mesa uma proposta de aditamento ao n.º l e de acrescentamento de um n.º 3, apresentada pelas Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações.
Vão ser lidas a base VH e a referida proposta.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VII

1. A cooperação das diversas entidades interessadas na elaboração do plano urbanístico da região de Lisboa será assegurada por intermédio de uma comissão, de carácter eventual, a constituir no Ministério das Obras. Públicas e na. dependência do respectivo Ministro, designada por Comissão do • Plano Urbanístico da Região de Lisboa.
2. Compete à Comissão:
a) Pronunciar-se e fazer recomendações sobre a preparação e elaboração do plano;
b) Assegurar a execução dos trabalhos de inquérito e estudo na parte dependente dos organismos nela representados;
c) Apreciar o projecto das normas provisórias a propor superiormente, consoante o disposto no n.º 2 da base I;
d) Apreciar o projecto do plano;
e) Dar parecer, para os fins consignados na base v, sobre os pedidos de autorização que o Ministro das Obras Públicas, em razão da sua importância, entenda dever submeter-lhe;
f) Pronunciar-se sobre quaisquer assuntos relacionados com o plano e acerca dos quais o Governo julgue conveniente ouvi-la.

BASE VII

1. ... de Lisboa, independentemente daquela que, em relação a tudo quanto interesse a cada um dos concelhos incluídos na região, deve ser sempre pedida às respectivas camarás, ouvidos os conselhos municipais.
2. ....................
3. Para os fins consignados na primeira parte desta base compete aos conselhos municipais, no que respeita à área dos respectivos concelhos:
a) Pronunciar-se e sugerir o que tiverem por conveniente sobre a condução dos trabalhos dos inquéritos;
b) Dar parecer sobre aspectos concretos da elaboração do plano;
c) Promover que os organismos e entidades locais, bem como os municípios, prestem a colaboração que for necessária à execução dos inquéritos e à elaboração do plano.

Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Camilo Lemos de Mendonça - João Dias Rosas - João de Brito e Cunha - Fernando Muñoz de Oliveira - Alberto Carlos de Figueiredo franco Falcão.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pauta.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se a base v com as modificações introduzidas pela proposta das Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se discussão da base viu, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração das Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações.
Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VIII

1. A Comissão do Plano Urbanístico da Região de Lisboa terá a seguinte composição:
a) O director-geral dos Serviços de Urbanização, que servirá de presidente, o director dos Serviços de Melhoramentos Urbanos da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, o director do Gabinete do Plano Urbanístico da Região de Lisboa, um director de serviços da Junta Autónoma de Estradas e um arquitecto, com a necessária especialização urbanística, ambos da livre escolha do Ministro das Obras Públicas;
b) Um representante da Camará Municipal de Lisboa, trás representantes das demais camarás municipais dos concelhos da região de Lisboa a norte do Tejo e outros três das camarás municipais dos concelhos da região de Lisboa a sul do Tejo;
c) Um representante do Secretariado Nacional da' Informação, Cultura Popular e Turismo e outro da Inspecção Superior do Plano de Fomento;
d) Um representante do Secretariado da Defesa Nacional;
e) Um representante da Direcção-Geral de Administração Política e Civil;
f) Um representante de cada uma das Direcções--Gerais dos Serviços Industriais, dos Serviços Florestais e Agrícolas, dos Serviços Agrícolas e de Minas e Serviços Geológicos e outro do Instituto Nacional de Investigação Industrial;
g) Um representante da Direcção-Geral de Transportes Terrestres e outro da Administração - Geral do Porto de Lisboa;
h) Um representante da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações;
i) Um representantte da Direcção-Geral de Saúde
j) Duas individualidades a designar pelo Ministro das Obras Públicas, uma delas, pelo menos, com a necessária especialização em economia.
2. A composição fixada no número antecedente poderá ser ampliada, mediante portaria do Ministro das Obras Públicas, se tal vier a mostrar-se necessário.
3. Cabe ao Presidente do Conselho e aos Ministros da Defesa Nacional, do Interior, da Economia, das Comunicações, das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência a designação dos

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vogais das alíneas c), d), s), f), (J), li) e t), respectivamente. Os representantes das camarás municipais, excepto o da Câmara Municipal de Lisboa, serão por elas escolhidos em reunião presidida pelo respectivo governador civil.
4. Por cada vogal será designado um suplente, que deverá substituí-lo nos seus impedimentos.
õ. Á nomeação dos vogais da Comissão será feita em portaria do Ministro das Obras Públicas.

Proposta de aditamento

BASE VIII

Alínea a): Acrescentar cê outro da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos».
Alínea f): Acrescentar, depois dos Serviços Agrícolas, Junta de Colonização Internai.
Alínea g): Acrescentar se outro da Junta Central de Portos».
Alínea j) Substituída por:
Duas individualidades a designar pelo Ministro da Educação Nacional, sendo uma delas um geógrafo e a outra especializada em economia.

Alínea l) (nova):

Duas individualidades designadas pelo Ministro das Obras Públicas, sendo uma delas de reconhecida competência histórico - artística.

A redacção do n.º 3 deverá ser alterada em conformidade com esta proposta.

Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Camilo Lemos de Mendonça - João Dias Rosas - Virgílio Pereira e Cruz - Fernando Munoz de Oliveira - João de Brito e Cunha - Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.

O Sr. Presidente:-Estão em discussão.

O Sr. Simeão. Pinto de Mesquita: - Quero referir-me particularmente à introdução desta última alínea Z), que inclui na Comissão do Plano pessoa com competência histórico - artística.
É necessário, quanto à fisionomia pitoresca e histórica de Lisboa, manter-se e conservar-se o mais possível, evitando-se delitos de lesa - arte , que, infelizmente, se tom dado tantas vezes e que Ramalho qualificava numa expressão sintética famosa de alvião municipal».
O espírito do progressismo não se alterou nos últimos anos na minha cidade do Porto, metrópole qualificada do barroco. Ainda recentes exemplos se deram, como a demolição da Casa da Fábrica e o emparedamento do Palácio do Freixo, tão admirado por Haupt, embora arquitectònicamente mal interpretado por ele.
Eu próprio, em Lisboa, assisti, com olhos absolutamente impotentes e atónitos, a demolição das estruturas de salas góticas na edificação do Limoeiro, porventura contemporâneas e que assistiram aos sucessos históricos da morte de Andeiro, narrada por Fernão Lopes.
É necessário que factos destes não se repitam. Essa a razão pela qual se propõe o aditamento da alínea. Z), embora o relatório ministerial e o parecer, tão bem feito, tão completo, da Camará Corporativa já tivessem marcado' a necessidade de num plano destes se salvaguardar esse património. Não estavam suficientemente qualificadas e indicadas a pessoa ou pessoas que deveriam preencher na Comissão do Plano uma posição com que se pudesse ressalvar os riscos de atentados de tal natureza.

Evidentemente que as pessoas que devem ser nomeadas para assistir e para fazer parte da Comissão para esse efeito são' difíceis de qualificar, visto que não entram em quadros burocráticos. Recordo pessoas do passado, como Júlio de Castilho, José de Figueiredo e Diogo de Macedo, nessas condições, e dos felizmente vivos aponto nomes como Reinaldo dos Santos, Matos Sequeira e Pastor de Macedo.
Já se vê que uma personalidade altamente qualificada neste particular é indispensável na Comissão do Plano. Esta a razão pela qual as Comissões de Economia e Obras Públicas resolveram propor a esta Assembleia este aditamento da alínea Z).
Tenho dito.

O Sr. Presidente:-Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da. palavra, vai votar-se a base viu com as alterações propostas pelas Comissões de Economia e Obras Públicas e Comunicações.

Submetida d votação, foi aprovada.

Q Sr. Presidente: -Vão ser lidas as bases IX, X e XI.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE IX

1. Os membros da Comissão do Plano Urbanístico da Região de Lisboa terão direito ao abono da importância de 15Q£ por cada sessão a que assistirem.
2. Aos membros da Comissão, quando hajam de deslocar-se no desempenho das suas funções, serão abonadas as ajudas de custo e as despesas de transporte correspondentes à sua categoria. Esta será equiparada à designada pela letra C no Decreto--Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, para . os vogais que não forem funcionários do Estado ou dos corpos administrativos.

BASE X.

1. É criada na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, e na dependência imediata do respectivo director-geral, o Gabinete do Plano Urbanístico da Região de Lisboa, ao qual compete tudo o que respeite & preparação e elaboração do plano, incluindo a execução das recomendações da Comissão a que se refere a base viu.
2. O Gabinete será dirigido por um técnico com a necessária especialização, a nomear pelo Ministro das Obras Públicas de entre os funcionários do quadro da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, ou, mediante contrato, de entre técnicos estranhos àquele quadro também com a necessária especialização.
3. O director do Gabinete, quando a escolha recaia em funcionário da referida Direcção-Geral, terá direito a gratificação, a fixar pelo Ministro das Obras Públicas, com o acordo do Ministro das Finanças.
4. O pessoal técnico, administrativo e menor necessário ao funcionamento do Gabinete poderá ser contratado ou assalariado para as categorias e em número a determinar mediante despacho do Ministro das Obras Públicas.
5. Para u preparação e elaboração do Plano é autorizada a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização a contratar técnicos urbanistas de reconhe-

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cida competência, nacionais ou estrangeiros, bem como a mandar elaborar os estados especializados que eventualmente se tornem necessários, em qualquer dos casos sob o regime de prestação de serviços e nas demais condições aprovadas pelo Ministro das Obras Publicas.
6. Passarão a ser exercidas por intermédio do Gabinete as atribuições da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização referentes à urbanização da área da região de Lisboa e à fiscalização do cumprimento do plano de urbanização da Costa do Sol, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37 251, de 28 de Dezembro de 1948.

BASE XI

1. Os encargos a que der lugar a execução da presente lei serão suportados pelas dotações adequadas do orçamento da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
2. As importâncias que vierem eventualmente a ser fixadas como participação das camarás municipais nos encargos a que se refere o número anterior darão entrada nos cofres do Estado, devendo ser abatidas ao montante a entregar anualmente pelo Comissariado do Desemprego, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 34337, de 27 de Dezembro de 1944.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Ë só para dizer, Sr. Presidente, que me parece que a base XI foi aqui incluída por, previamente, u proposta de lei ter sido objecto de um projecto de decreto; e digo isto porque a fixação de vencimentos e assuntos idênticos não cabem dentro da nossa competência, que é apenas votar bases, e não matéria regulamentar. Em todo caso, como não há nenhuma emenda apresentada, deixo apenas este reparo.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se.
Submetidas à votação, foram aprovadas as bases IX, X e XI.

O Sr. Presidente:-Está concluída a discussão e votação da proposta de lei.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Há na Mesa, em relação com o debate que acaba de produzir-se,- uma moção que vai ser lida à Assembleia.

Foi lida. E a seguinte:

Moção

«Tendo ponderado bem a importância da presente proposta do Governo como instrumento de uma política nova de ordenamento e de valorização regional, que vem ao encontro da necessidade de procurar assegurar o equilíbrio do desenvolvimento económico no âmbito de todo o território da Nação; e reconhecendo, assim, que esta política de organização do território impõe a permanente harmonização das realidades sociais de cada região à luz dos objectivos de ordem nacional; considerando que este mesmo pensamento se evidencia, com nitidez, no relatório da proposta, conquanto, por agora, apenas se tenha tido em vista a região de Lisboa, e entendendo, por isso, que deve ser dada a esta iniciativa uma clara expressão política que ajude a encontrar nos seus destinatários a receptividade de que, em grande parte, dependerá o seu êxito: a Assembleia Nacional, na sequência dos depoimentos manifestados durante este debate, exprime o vivo apoio que lhe dá e recomenda ao Governo que a leve por diante com aquele alcance, procurando projectá-la a todo o País e tornando conhecidos, quanto possível, os seus objectivos.

Os Deputados: Francisco de Afeio Machado - Simeão Pinto de Mesquita - Francisco José de Vasques Tenreiro- João de Brito e Cunha-Fernando Munoz de Oliveira - José Fernando Nunes Barata-João Carlos de Sá Alves - Artur Máximo Saraiva de Aguilar - Camilo Lemos de Mendonça-João Dias Rosas.-»

O Sr. Presidente:-Estão em discussão.

O Sr. Presidente:-Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: como a Camará sabe, foram hoje presentes à Assembleia oito pareceres da Camará Corporativa, que vão baixar às Comissões de Legislação e Redacção e Política e Administração Geral e Local e alguns também u Comissão do Ultramar.
O número dos projectos e a importância e complexidade dos assuntos carecem de reflexão e estudo, para que o debate tenha a dignidade e altura próprias da transcendência do assunto e de ama Câmara constituinte. Por isso, designo a próxima sessão para o dia 21, tendo por ordem do dia o debate sobre as alterações à Constituição.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João Maria Porto.
José António Ferreira Barbosa.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

VII LEGISLATURA

SUMÁRIO

Alteração da Constituição Política

Parecer n.º 13/VII, acerca do projecto de lei n." 19, apresentado pelo Sr. Deputado António Carlos dos Santos Fernandes Lima. Parecer n." 14/VII, acerca do projecto de lei n.º 20, apresentado pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral. Parecer n.º 15/VII, acerca do projecto de lei n." 21, apresentado pelo Sr. Deputado Manuel José Archer Homem de Melo. Parecer n.º 16/VIT, acerca do projecto de lei n.º 22, apresentado pelo Sr. Deputado Afonso Augusto Pinto.

Parecer n.º 17/VII, acerca do projecto de lei nº 23, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Lopes Moreira e outros. Parecer n." 18/VIT, acerca do projecto de lei n." 24, apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Duarte Silva. Parecer n.º 19/VIT, acerca do projecto de lei n.º 25, apresentado
pelo Sr. Deputado Américo Cortês Pinto e outros. Parecer n.º 20/VIT, acerca do projecto do lei n.º 26, apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Ousar Cerqueira Gomes. .

PARECER N.º 13/VII

Projecto de lei n.º 19

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103." da Constituição, acerca do projecto .de lei n.º 19, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), u qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros , José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. O projecto de lei de revisão constitucional n.º 19, da autoria do Sr. Deputado António Carlos dos Santos

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Fernandes Lima, diz respeito a pontos particularmente importantes da primeira e segunda partes da Constituição Política que bem merecem ser ponderados. Convém realmente verificar se a ética do regime, as necessidades políticas ou outras circunstancias de relevo reclamam ou não que se perfilhem as alterações constantes do projecto. Ë justamente o que vai fazer-se no exame da especialidade.

2. O projecto foi apresentado depois de a Assembleia Nacional ter resolvido assumir poderes constituintes para poder antecipar a revisão constitucional, observando-se na sua apresentação o disposto no § 2.º do artigo 176.º da Constituição. Nada, pois, se opõe a que n Câmara Corporativa o examine e a que a Assembleia Nacional sobre ele delibere.

II Exame na especialidade

ABTIGO 1º

1. Pela redacção que ao artigo 93." da Constituição foi dada na Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, a Assembleia Nacional passou a ter uma competência legislativa reservada. Passou a ser da sua competência exclusiva aprovar as bases gerais, sobre certas matérias referidas nas cinco alíneas desse preceito: a organização da defesa nacional, o peso, valor e denominação das moedas principais, o padrão dos pesos e medidas, a criação de bancos ou instituto» de emissão e a organização dos tribunais.
O alcance prático deste preceito consiste em que ao Governo passou a ser vedado legislar sobre tais assuntos na forma de decretos-leis (como até aí lhe era possível fazê-lo, usando da sua competência legislativa genérica conferida pelo n.º 2." do artigo 109.º da Constituição), n Comparando a redacção primitiva do artigo 93.º com a actual, verifica-se (é, pêlo menos, este o melhor entendimento) que, com a primeira, se pretendia tão-somente excluir a 'possibilidade de o Governo disciplinar as matérias a que artigo aludia, sob forma regulamentar: essas matérias teriam de ser integralmente reguladas sob a fornia de lei ou de decreto-lei. Com a redacção actual, diferentemente, pretende-se que os princípios gerais respeitantes a esses assuntos revistam a fornia de lei e sejam, portanto, necessariamente aprovados pela Assembleia Nacional, podendo o Governo, sucessivamente, editar decretos-leis ou regulamentos que acrescentem a essa disciplina básica a regulamentação complementar indispensável.
A Assembleia Nacional perfilhou, em 1951, quanto a este ponto, a sugestão da Câmara Corporativa, exposta no seu parecer n.º 13/V (in Diário, das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1951).
A Câmara Corporativa entendeu haver vantagem em que o Governo não pudesse normalmente legislar por decretos-leis num certo domínio de questões que o interesse nacional ou o melindre dos interesses particulares em cousa aconselhe sejam tratados com maior circunspecção e a plena luz». Por outro lado -acrescentou-se-, a existência dessa zona reservada à competência da Assembleia Nacional assegurar-lhe-á um mínimo de acção legislativa, que, mesmo quando tudo
o mais vá passando à efectiva competência do Governo, restará como homenagem às tradições parlamentares».

2. Nesta orientação, a Câmara entendeu dever sugerir que às matérias enunciadas na proposta governamental se acrescentassem algumas outras: a transformação de actividades privadas em empresas públicas, a administração e exploração dos bens e empresas do Estado, a organização do Conselho de Estado e da Câmara Corporativa e, finalmente, a criação de impostos e taxas.

3. O problema de saber se a criação de impostos e taxas deveria ou não ser confiada, a título exclusivo, à Assembleia Nacional foi discutido nesta Câmara em 1951, dentro de um quadro mais largo, e foi posto assim: deve ou não ser incluída no elenco do artigo 93.º a matéria do artigo 70.º? Isto explica que na redacção • do artigo 93.º, sugerida pela Câmara, apareça, como matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional, não só a criação de impostos e taxas, mas também aã administração e exploração dos bens e empresas do Estado», a que, no seu n." 3.º, igualmente se refere o artigo 70.º (Mal se compreende, por isso, que se tenha afastado a inclusão desta matéria no quadro das do domínio reservado da Assembleia, com a alegação de que se lhe não conseguira determinar com precisão o conteúdo). Por outro lado, deve entender--se que, quando a Câmara se referiu à criação de impostos e taxas, dados os termos em que a questão foi por ela posta, quis significar que a Assembleia Nacional passaria a ter competência, em princípio reservada, para fixar os princípios gerais relativos aos impostos e às taxas a cobrar nos serviços públicos», nos termos do artigo 70.º

4. No fundo, porém, a Câmara Corporativa não foi, em 1951, ao ponto de sugerir que a Assembleia ficasse com uma competência realmente exclusiva para a criação de impostos ou taxas. Admitiu que o Governo os pudesse criar por decreto-lei cem caso de urgência e necessidade pública». Isto importaria naturalmente tanto como facultar ao Governo legislar sobre impostos e taxas no intervalo das sessões legislativas, não lhe ficando, inclusive, de todo vedado - parece - fazê-lo durante estas.
A verdadeira inovação prática estaria em que os decretos-leis do Governo sobre impostos e taxas seriam obrigatoriamente sujeitos à ratificação da Assembleia Nacional na primeira sessão legislativa que se seguisse à sua publicação.
5. Esta orientação teve na Assembleia Nacional os seus sequazes, mas não vingou. Recordou-se aí em seu favor que sesta função (de criar impostos e taxas) é necessariamente função da Assembleia Legislativa, porque, na verdade, ela é uma das mais graves resoluções que o Governo pode tomar e que interessa ao País inteiro; por consequência, não se entendia que a Assembleia Nacional não fosse ouvida e nau desse o seu voto sobre esta matéria». Contra, foi invocado, em substância, que a Assembleia tem, segundo o direito constituído, oportunidade de tomar contacto com os princípios gerais relativos aos impostos e às taxas a propósito da aprovação da Lei de Meios.

6. No artigo 1.º do projecto de lei em análise vem agora renovada, em termos mais ou menos semelhantes, a sugestão que esta Câmara formulara em 1951.
A discussão parlamentar e a posição que sobre o assunto a Assembleia nessa altura tomou forçam a Câ-

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mara a reexaminar o assunto. Ë esse o alcance dos desenvolvimentos seguinte».

7. Em matéria tributária é preciso que a legislação constitucional disponha em termos de a iniciativa e a competência parlamentares não comprometerem o equilíbrio financeiro. Os parlamentares são frequentemente inclinados a votar desagravamentos fiscais que conduzem em linha recta a deficits orçamentais mais ou menos importantes, tanto mais quanto é certo que, por outro lado, eles são também quase sistematicamente favoráveis aos acréscimos de despesas públicas, que, a ser-lhes dada iniciativa nesse domínio, aumentariam progressivamente. Os deputados para o dizer numa fórmula- são, em princípio, agentes redutores de receitas e aceleradores de despesas.
Além disso, é um dado de experiência que os membros das assembleias legislativas não estão normalmente ao corrente das consequências financeiras e económicas de uma lei que estabelece, modifica ou extingue um imposto (ou que acarreta uma nova despesa). Trata-se de problemas técnicos especializados para cuja apreciação eles se derem considerar normalmente menos preparados.
Estas duas razões concorrem no sentido de se dever retirar aos membros das assembleias legislativas a iniciativa em matéria de criação, alteração ou extinção dos impostos e taxas e de a atribuir exclusivamente aos governos. Mas não são necessariamente no sentido de retirar a tais assembleia» a competência para criarem, modificarem ou extinguirem os impostos e as taxas da iniciativa do Governo.
Em favor da competência de decisão do Poder Legislativo em matéria financeira, e designadamente em matéria tributária, está, por sua vez, em primeiro lugar, o facto de os impostos e as taxas constituírem um sacrifício da propriedade e dos direitos privados dos cidadãos, de que o Parlamento é considerado o guarda e protector; em segundo lugar, o facto de as imposições tributárias terem, por via de regra, efeitos importantes e múltiplos na vida económica nacional, sendo, por isso, conveniente ouvir os representantes de todos os interesses em jogo; em último lugar, o facto de, através da publicidade da discussão sobre os tributos no Parlamento, se mostrar aos contribuintes o interesse público da sua cobrança.
Foram razões desta ordem - designadamente a primeira - que conduziram, na Inglaterra, à vitória completa e definitiva do Parlamento na questão da criação os impostos em 1688-1689, altura em que o BUI of Rights declarou, de um modo geral, ilegal toda a requisição de dinheiro para a Coroa e para seu uso, sob pretexto de prerrogativa, por um período diferente e de forma diversa daquela por que tal requisição foi autorizada pelo Parlamento. Uma vez reconhecido o princípio da votação do imposto, todas as outras fontes da receita pública foram aos poucos passando para o controle do Parlamento. Esta evolução consumou-se, como se sabe, no século XVIII.
Em França, em 1789, a Assembleia Nacional pôde solenemente proclamar, por uma vez, que toda a imposição tributária se teria de fazer, e só se poderia fazer, com o consentimento formal dos representantes da nação a. E da França o sistema transmitiu-se progressivamente a toda a Europa.
Ora bem. A Inglaterra obteve a harmonização dos dois princípios -o da exclusividade da iniciativa governamental em matéria tributária e o da competência de decisão da assembleia legislativa nessa matéria - pela forma seguinte: em matéria de receitas, os membros dos Comuns não podem, sem recomendação da Coroa, propor medidas cujo resultado seja fazer pesar sobre o povo novos encargos. São, assim, proibidas as iniciativas tendentes à criação de um imposto novo, ao aumento de um imposto existente, à mudança das modalidades do imposto e & supressão da isenção de um imposto existente. Podem, pelo contrário, ser propostas por eles todas as medidas que não aumentem os encargos fiscais, tais como a redução de um imposto existente, a criação de uma taxa em troca de um serviço prestado pelo Estado 1. O que sucede é que, na prática, os deputados ingleses nunca exercem o seu direito de iniciativa e de emenda nesta matéria 2. E não o exercem, deixando-o exclusivamente ao Gabinete, porque a sua missão primordial, na medida em que façam parte da maioria, é apoiarem os projectos que envolvam a política geral do Governo. Fazendo parte da minoria, não a exercem porque a sorte das suas propostas está antecipadamente traçada. A supressão da iniciativa individual nesta matéria é, afinal de contas, como se vê, uma expressão do two parties system inglês 3.
Já o tradicional sistema francês, praticado desde a III República, por seu turno, não conduzia a uma fórmula satisfatória de conciliação das exigências e princípios atrás expostos, admitindo não só a competência do Parlamento como a iniciativa dos deputados, individualmente e através da Comissão do Orçamento ou das Finanças. Esta iniciativa conduziu frequentemente a desfigurar o projecto orçamental do Governo, a desagravamentos tributários injustificáveis e aos consequentes desequilíbrios orçamentais 4.
Segundo a Constituição da IV República Francesa, os deputados tinham plena iniciativa em matéria de receitas, embora certas disposições do regulamento da Assembleia Nacional consignassem limitações ao direito de iniciativa e de emenda no sentido da sua redução. Simplesmente, dada a própria índole do regime constitucional, estas limitações foram ignoradas na prática.
Nos termos da Constituição da Y República, por último, os membros do Parlamento não podem apresentar propostas e emendas cuja adopção determine uma diminuição das receitas públicas.
Em Portugal, desde a Constituição de 1822 até à de 1911, a regra foi que as assembleias legislativas interviessem na fixação dos impostos e no seu voto anual º. Sem embargo, na nossa prática constitucional, tornou-se frequente que, fora da oportunidade da votação do projecto de orçamento, o Executivo fosse autorizado pelo Parlamento a elaborar e publicar leis tributárias avulsas ou reformas tributárias amplas. De toda a maneira, as normas editadas pelo Parlamento em matéria de impostos tiveram quase invariavelmente uma generalidade tal que o Poder Executivo ficou nesse campo com uma liberdade considerável. Desta sorte, as regras que entre nós regularam as contribuições foram quase sempre

1 Cf. G. Jèac, Cours de Science de Finanoes (Théorie générale du bulget), 6.ª edição, p. 11.
1 Cf. autor e obra citados, p. 10.
1 Cf. M. A. Soulier, «L'article 17 de la Constitution et sés incidences sur la reforme budgétaire», in Ia Reformo Budgétaire, n, 1054, p. 80.
C.F. Maurice Duverger, Inatitutions Financiarei!, 195C, p. 848.
Cf. autor e obra citados, pp. 848 s seguintes; Soulier, obra citada, pp. 80 e seguintes; Eneyclopadia of the social science», vol. m, p. 43.
Cf. .Soulier, obra citada, p. 81.
Cf._Duverger , obra citada, pp. 350 e seguintes.
' Aliás, cem recuadas épocas aparece-nos já o princípio do voto do imposto em Cortes como ponto fundamental do direito português». Cf. Armindo Monteiro, Do Orçamento Português, vol. n, 1922, p. 140.

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mais ou menos longinquamente fundadas em vagas disposições de lei e tiveram uma feição caracterizadamente regulamentar 1.
De qualquer modo, os perigos e inconvenientes da iniciativa parlamentar, no capítulo das receitas, vieram a ser, se não conjurados, pelo menos restringidos, primeiro pela Lei de 20 de Março de 1907 e depois pela «Lei travão B, de 15 de Março de 1913, que proibiu aos membros das Câmaras apresentarem projectos de diminuição de receitas durante a discussão orçamental e consagrou a legitimidade do veto financeiro do Governo para os projectos de lei que, em qualquer momento diferente desse, diminuíssem as receitas.

8. Foi provavelmente tendo em conta o facto histórico de as normas tributárias serem entre nós praticamente todas editadas pelo Executivo, quer no exercício de autorizações legislativas, quer no exercício da sua competência regulamentar, e considerando ainda, de um lado, a natureza especial das questões tributárias, de índole marcadamente técnica e especializada, e, de outro, a incúria parlamentar neste domínio como em outros, que na Constituição vigente se consagrou a competência concorrente da Assembleia Nacional e do Governo em matéria de impostos e de taxas 2. Neste domínio, tanto pode legislar a Assembleia Nacional como o Governo.
Os Deputados, por seu turno, têm praticamente (nos termos do artigo 97.º) o poder de iniciativa ou de emenda restrito à criação ^e novos impostos ou taxas ou à alteração dos existentes, em termos de não ser diminuída a receita do Estado criada por leis anteriores. Quer dizer: não gozam de iniciativa para a diminuição das exacções fiscais. Nada impede, portanto, que apresentem, na Assembleia projectos de lei ou propostas de emenda para a criação de impostos ou taxas.
Deve salientar-se que, mesmo quando se confiasse à Assembleia Nacional a competência de decisão em matéria de receitas, também não poderia caber aos Deputados iniciativa para apresentar projectos de diminuição destes réditos fiscais, de acordo com um cânone mais ou menos admitido hoje no direito constitucional comparado.

9. Será aconselhável modificar agora este sistema de repartição dos poderes constitucionais entre a Assembleia Nacional e o Governo?
Há-de reconhecer-se que atribuir à Assembleia Nacional competência, em princípio exclusiva, para legislar em matéria fiscal corresponderia a desconhecerem-se as realidades e, de toda a maneira, a fechar os olhos aos graves inconvenientes que tal medida poderia acarretar. As realidades, com efeito, são estais: em toda a parte onde há governos estáveis e eficientes a regra é serem eles a monopolizar a iniciativa fiscal, ficando aos deputados, como na Inglaterra, o papel de apoiarem as medidas legislativas propostas e a função de controlarem a actividade financeira do Executivo. De qualquer modo, a nossa tradição e, portanto, as realidades portuguesas são no sentido de, como se :disse atrás, ser o Executivo a legislar em matéria tributária, com grande latitude, ficando ao Legislativo o papel de atribuir autorizações legislativas ou de consignar directrizes muito vagas à actividade regulamentar do Governo. A tradição portuguesa é no sentido, em suma, de fazer da função fiscal uma função predominantemente executiva.
Depois, o Governo poderia, durante o período de funcionamento da Assembleia, ter que se debater com a inércia ou com as demoras desta na votação das medidas tributárias julgadas indispensáveis ao interesse público. Porventura pior do que isso seria o facto de as medidas legislativas do Governo, tomadas fora do funcionamento efectivo da Assembleia, em caso de urgência e necessidade pública, terem de ser sujeitas a ratificação, nos termos gerais, não vigorando, claro está, então, as limitações do artigo 97.º da Constituição. Estaria, assim, aberto o caminho para a possibilidade de criação de desaconselháveis dificuldades à vida financeira do País, ao mesmo tempo que se daria oportunidade à verificação de atritos indesejáveis entre o Governo e a Assembleia. De qualquer modo, na concepção constitucional portuguesa, o Governo tem e deve continuar a ter uma posição primordial na orientação da vida financeira do Estado. É esta posição que se pretende agora abalar e comprometer, sem vantagem que se possa reconhecer. E preciso não esquecer que, inclusive num regime de tão vincadas características parlamentares como é o inglês, o Parlamento tem, na matéria que estamos considerando, um papel secundário, pertencendo a função tributária primordial e realmente ao Executivo. Será o caso de devermos abandonar uma concepção para a qual outros fundamentalmente se orientam?
Esquece-se, aliás, muito facilmente, ao pugnar-se pela restauração da prerrogativa parlamentar em matéria fiscal, que o Governo é, por assim dizer, um órgão indirectamente representativo, na medida em que se apoia na vontade de um órgão, esse directamente representativo e responsável perante a Nação, que é o Chefe do Estado.
Esquece-se também, por outro lado, que a Assembleia Nacional tem competência para se pronunciar anualmente sobre a cobrança de impostos estabelecidos por tempo indeterminado ou por período certo que ultrapasse uma gerência (§ 2.º do artigo 70.º) e, naturalmente, sobre os impostos a estabelecer por um período anual, na ocasião da votação da Lei de Meios. Os impostos criados no intervalo das sessões, para serem cobrados durante a gerência, serão com certeza excepcionais.
Por último, não se esqueça que a Assembleia, ainda muito recentemente, conferiu ao Governo autorização para proceder ao complemento da reforma fiscal em curso, reconhecendo assim, implicitamente, que, em matérias de tal melindre e tecnicidade, melhor será deixar a decisão final ao Governo e aos técnicos de que possa rodear-se.

10. Tudo ponderado, a Câmara Corporativa entende não dever apoiar a inclusão da projectada alínea f) no artigo 93.º, e, consequentemente, pensa que tem de ficar prejudicado o § único que se pretende adicionar a este artigo.

11. Em princípio, a matéria dos vários direitos, liberdades e garantias individuais, enunciados nos diferentes números do artigo 8.º da Constituição, não é regulada em leis especiais, isto é, em leis que tenham esses assuntos exclusivamente por objecto, mas sim em leis gerais, ou seja em leis que se lhes referirão no quadro da regulamentação de matérias mais amplas com as quais esses direitos, liberdades e garantias individuais têm conexão. Ora, na maior parte das vezes, não se justificará que essas matérias mais amplas sejam disciplinadas em leis propriamente ditas. Seria anómalo exigir-se que, ao estabelecer-se a regulamentação delas, se enviasse à Assembleia tudo quanto dissesse

_______________

1 Cf. autor, obra e volume citados, p. 153.
2 Em todo o caso, Armindo Monteiro, Ligues de Direito Fiscal, vol. I, pp. 96 e seguintes, sustentou, como se sabe, que, ante a Constituição de 1933, o decreto-lei e a lei não estão no mesmo plano no campo do direito tributário.

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respeito aos direitos, liberdades e garantias em questão, a fim de que aí fossem regulados em forma de lei. Por exemplo: não pode concordar-se com que a disciplina do direito de propriedade, que será naturalmente fixada no Código Civil em preparação e, em parte, consta hoje, inclusive, de múltiplos regulamentos gerais e até locais, tenha necessariamente de constituir matéria, de lei) emanada da Assembleia Nacional.
Mas no § 2.º do artigo 8.º prevê-se que o exercício de certas liberdades públicas - a liberdade de expressão de pensamento, de ensino, de reunião e de associação -, bem como as condições do uso da providência excepcional do ,habeas corpus, serão regulados em leis especiais. No domínio destas matérias já se justifica que se confie a Assembleia Nacional competência exclusiva. Por um lado, devendo elas ser reguladas em leis especiais, não subsistem as dificuldades de técnica legislativa que se verificam em relação às restantes. Por outro lado, o melindie muito particular que assume a disciplina de tais assuntos milita também no sentido de a confiar exclusivamente à Assembleia. Estão, na verdade, em causa, no exercício dessas liberdades, as relações mais melindrosas entre o indivíduo e a Administração, convindo portanto que lhe não pertença, em via de princípio, a disciplina jurídica básica dessas relações. As exigências do princípio da divisão de poderes têm aqui um peso que não convém ignorar.
A Câmara Corporativa, tendo em conta o que vem de expor, opta pela seguinte redacção para a alínea g): «o exercício das liberdades a que se refere o § 2.º do artigo 8.º e as condições do uso da providência excepcional do habeas corpus».

12. Igualmente não repugna que as garantias fundamentais dos juízes dos tribunais ordinários, a que aludem os artigos 119.º e 120.º, constituam, necessariamente, pelo menos nos seus aspectos básicos, matéria de lei e sejam, portanto, matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional. Há toda a conveniência em entregar a um órgão diferente do Governo a disciplina jurídica fundamental de uma série de actos através dos quais ele pode diminuir as garantias de independência dos juízes ordinários. A divisão dos poderes tem aqui também bom lugar para ser consagrada.
E certo que os princípios fundamentais do estatuto dos juízes talvez se devam entender como fazendo parte da «organização dos tribunais», a que o artigo 93.º já alude. Na dúvida, porém, nada se perde em deixar o assunto completamente esclarecido.
Quanto, em especial, à última parte da alínea h), a que nos estamos referindo, ela justifica-se,, não só pelas razões expostas, como também pelo facto de uma regulamentação editada pelo Governo deixar à Administração a possibilidade de seguir, na atribuição de comissões aos juízes, uma política porventura nem sempre satisfatória.

13. Não vale como argumento em contrário que não se tenha até hoje, publicado um diploma geral básico nesta matéria, estando a sua disciplina dispersa pelo Estatuto Judiciário e por múltiplos diplomas especiais que incidentalmente se lhe referem. A Câmara entende, com efeito, que a especial importância do assunto em causa, reconhecida, aliás, em todas as legislações, é muito decisivamente no sentido de que deva caber exclusivamente à Assembleia Nacional a fixação dos aspectos fundamentais do seu regime jurídico, ficando naturalmente reservada ao Governo a competência para desenvolver, pormenorizar e aplicar esse regime, em tantos diplomas quantos os que forem julgados necessários e designadamente num «estatuto judiciário».
Nem se diga que a orientação sugerida pela Câmara não concorre em nada para assegurar aos juízes a garantia da independência, uma vez que essa garantia não está em conexão com a natureza do orgão de que o a estatuto» judiciário emana, mas sim com o conteúdo e sentido dessa legislação, donde quer que ela provenha.
E, porém, óbvio que a procedência das normas não é aqui inteiramente indiferente e pode mesmo ser decisiva para se lograr uma regulamentação conveniente.
Por último, não parece que constitua bom argumento contra esta tese da Câmara e do projecto que seja sempre necessário que o Governo fique com certa liberdade de escolha em tal domínio de assuntos, designadamente em matéria de atribuição de comissões permanentes ou temporárias aos juízes dos tribunais ordinários. O problema não é, no entanto, esse - é antes o de saber se o Governo, podendo legislar, a título de legislador normal, sobre estes assuntos, não fica com a possibilidade de instituir um regime que lhe faculte maior discricionaridade do que a que convém, quer à salvaguarda da independência dos juízes e da sua hierarquia, quer à defesa do seu prestígio perante a opinião pública.
A Câmara, na sua maioria, deu preferência a estas considerações sobre as que alicerçaram a tese oposta, sendo de parecer que a doutrina do projecto é de manter. Optou, porém, pela seguinte redacção: «b) A matéria dos artigos 119.º e 120.º».

ARTIGO 2.º

1. Pretende-se elevar de três para cinco meses a duração das sessões legislativas da Assembleia Nacional, mantendo-se a possibilidade de o seu Presidente prorrogar o funcionamento efectivo dela até um mês e interrompê-lo, neste caso sem prejuízo da duração fixada para essas sessões. Pretende-se ainda que não haja uma data - limite para o encerramente da sessão legislativa.
Quer dizer: segundo o projecto, as sessões legislativas da Assembleia Nacional passariam a ter uma duração normal superior à que sempre tiveram as sessões legislativas em Portugal (Constituição de 1822, três meses; Carta Constitucional, três meses; Constituição de 1838, três meses; Constituição de 1911, quatro meses). E certo, porém, que, no passado, as sessões legislativas foram correntemente prolongadas.
Um tal alongamento da sessão legislativa pode ter como objectivo dar à Assembleia possibilidade de se desempenhar das novas atribuições legislativas que no projecto se pretende reservar-lhe, e pode visar também dar oportunidade à Assembleia de efectivar, durante um período mais longo, as suas funções de fiscalização da Administração.
Tendo em conta, porém, que a Câmara não se inclina para a aprovação de todas as novas atribuições exclusivas que se pretende conferir à Assembleia, e que, de qualquer modo, a experiência não é no sentido de provar que a Assembleia precise de ver o seu período normal de funcionamento alargado para poder desempenhar-se cabalmente das suas atribuições legislativas, não se pode dar apoio ao projecto neste ponto.
Quanto à possível alegação de que o período actual de funcionamento da Assembleia não faculta o amplo exercício das atribuições de fiscalização que se julga necessário assegurar, não parece que deva proceder. Os três meses de que a Assembleia dispõe, frequentemente elevados a quatro, não têm sido tão inteiramente aproveitados para esse efeito que se deva pensar num alargamento do período da sessão legislativa.

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De toda a maneira, ainda mesmo que viesse agora a ser ampliado o quadro das atribuições legislativas reservadas à Assembleia Nacional, o facto não seria de per si decisivo para justificar a necessidade de sessões legislativas mais amplas. Esgotada a sessão legislativa e prorrogado por um mês o funcionamento efectivo da Assembleia, se esta não pudesse cumprir com a sua «agenda», o facto não deixaria, como não tem deixado até hoje, por via de regra, de determinar uma convocação extraordinária, a exemplo do que sucede nas presentes circunstâncias em que, designadamente para lhe dar possibilidade de se desempenhar de uma atribuição exclusiva - a revisão constitucional -, o Chefe do Estado acaba de a convocar extraordinariamente.
Sendo a Câmara deste parecer sobre o projectado alargamento da duração das sessões legislativas, supõe ficar prejudicada a ideia da eliminação da data limite para o encerramento dos trabalhos da Assembleia. Seja, porém, como for, ela é de opinião que essa data deve subsistir, não convindo facultar que esse encerramento tenha lugar em data incerta, através da mecânica das interrupções. Militam neste sentido a comodidade dos Deputados, a conveniência do serviço público (em relação aos Deputados que exerçam funções públicas) e a necessidade de evitar que uma assembleia periódica se torne numa assembleia mais ou menos permanente.
A sessão legislativa ordinária pode, hoje em dia, em todo o caso, excepcionalmente, ultrapassar a data limite estabelecida no § único do artigo 94.º Para que tal suceda é necessário que o/Presidente da República a adie (Constituição, artigo 81.º, n.º 5.º). Por esta via se conseguirá satisfazer ao interesse que no projecto se teve provavelmente em conta para sugerir a eliminação da referida data.

ARTIGO 3.º

1. Tem-se especialmente em vista, com a nova redacção projectada para o § 3.º do artigo 109.º, introduzir no vigente regime constitucional de relações entre a Assembleia Nacional e o Governo uma alteração primo conspectu substancial. Segundo o actual § 3.º, só têm de ser sujeitos a ratificação da Assembleia Nacional os decretos-leis publicados pelo Governo fora dos casos de autorização legislativa, durante o funcionamento efectivo desta. O projecto de lei em exame pretende agora que todos os decretos-leis publicados pelo Governo, com exclusão apenas dos emanados no uso de autorização legislativa, sejam sujeitos a ratificação parlamentar.
A alteração não é, porém, vistas bem as coisas, uma alteração verdadeiramente muito significativa. Na verdade, quanto aos decretos-leis publicados fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, nada impede que qualquer Deputado, no exercício do direito de iniciativa que a Constituição e o Regimento lhe conferem, apresente os projectos de revogação ou de alteração que entender (com a única ressalva de que não devem envolver aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por aqueles decretos-leis). O exercício de uma tal faculdade corresponde, no fundo, a um requerimento no sentido de que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia, na medida pretendida por qualquer membro dela. O não exercício dessa faculdade significa que esse Deputado ratifica tacitamente, e como ele a Assembleia, qualquer desses diplomas emanados do Governo.
Em substância, portanto, o projecto não acrescenta nada à competência que a Assembleia hoje fundamentalmente detém para recusar a sua aprovação à legislação do Governo, publicada no intervalo das sessões legislativas ou, genericamente, fora do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional.
Se isto é certo, é-o também, em todo o caso, que a fórmula do projecto tem um determinado alcance, digamos, ideológico, visando objectivamente acentuar que a Assembleia e o Governo devem ser, não órgãos legislativos de iniciativa concorrente, cumulativa ou paralela, mas instâncias legislativas de hierarquia diferente o Governo subordinado à Assembleia. O Governo passaria a legislar num plano de delegação permanente de faculdades fundamentalmente pertencentes apenas à Assembleia Nacional, o que explicaria que a sua actividade legislativa, de um modo geral, devesse ser submetida a um controle correctivo desta, traduzido na sua sujeição a ratificação expressa ou tácita.
Uma tal fórmula e uma tal concepção esquecem de algum modo que (como se acentuou no parecer da Câmara Corporativa, emitido sobre a proposta de lei de revisão constitucional de 1945) o Governo passou, na realidade, a ser o orgão legislativo normal e a Assembleia o órgão legislativo excepcional. Não ficou isso expresso na Constituição, amas em certos casos importa mais a verdade real do que a verdade formal, desde que aquela não contrarie juridicamente esta, como de certo modo acontece hoje». E aí se acentuava, em reforço desta orientação, que as normas legais vão tomando, dia a dia, um aspecto cada vez mais técnico, e que esse facto aconselha a instauração de um sistema que atribuísse essencialmente ao Governo o exercício da função legislativa. As assembleias legislativas devem intervir, em princípio, apenas quando se trate de definir grandes orientações ou de assuntos ou matérias adstritos a altos interesses nacionais (cf. Diário das Sessões n.º 176, 1945, suplemento, pp. 642 e seguintes).
Não tem esta Câmara, no presente momento, razões para alterar este seu modo de ver. Por consequência, não se inclina para a aprovação da redacção sugerida para o § 3.º do artigo 109.º

2. O projectado § 3.º-A, que se pretende ver adicionado ao artigo 109.º, estabelece um regime, digamos, de excepção em relação ao que se pretende estabelecer para a ratificação dos decretos-leis que revoguem, total ou parcialmente, leis emanadas da Assembleia Nacional.
Tem de se presumir que o Governo só se dispõe a revogar ou alterar uma lei emanada da Assembleia Nacional, designadamente uma lei recente, ante muito sérios motivos para assim proceder. Da seriedade, ponderação e consciência das responsabilidades, e ainda do respeito que o Governo necessariamente tem pela representação nacional, decorre que ele se não decidirá a modificar uma posição assumida pela Assembleia, sobretudo se de recente data, fora de muito graves e ponderosas determinantes.
Quando o Governo assim procede, e justamente porque há que presumir que decide fazê-lo com base em sérios motivos de interesse público, o desejável não é facilitar a abertura de um conflito ou a simples criação de atritos entre os dois órgãos da soberania, como seguramente resultaria da aprovação de um preceito como o do projectado § 3.º-A. O mais razoável será, se não erramos, não criar a este respeito qualquer regime especial. E o caso de se deverem esperar piores resultados do estabelecimento de uma disciplina especial, instituída na base de «ressentimento» político, do que da ausência dessa disciplina e do. consequente entrega do assunto ao domínio de certas normas não escritas, que poderemos chamar «normas de correcção constitucional», as quais

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relações entre esses órgãos da soberania. Certas infracções a .estas normas verificadas no passado devem ser esquecidas, tendo-se confiança em que se não repitam.

ARTIGO 4.º

1. Não julga esta Câmara dever dar a sua adesão à projectada alteração do regime de fiscalização da constitucionalidade pelos motivos que passa a expor.
No § único do artigo 123.º da Constituição, tal como se encontra hoje redigido, dispõe-se que a inconstitucionalidade orgânica ou formal das regras de direito consta ates de diplomas promulgados pelo Presidente da República é insusceptível de apreciação jurisdicional, sendo exclusivamente passível de um controle político efectivado pela Assembleia Nacional, por sua iniciativa ou do Governo. Entendeu-se que num país como o nosso, em que à separação dos Poderes Executivo e Legislativo não corresponde uma equivalente e estrita separação de funções, desapareceram ou atenuaram-se os receios de uma legislação do primeiro desses poderes, não fazendo, por isso, sentido que os cidadãos dispusesse II de uma arma contenciosa contra as infracções dos princípios constitucionais de repartição das competências normativas. O que sobretudo interessa os cidadãos é uma defesa contenciosa contra as infracções respeitantes ao fundo da Constituição, não uma defesa contra as infracções de valor processual ou formal.
Daí que no § único do artigo 123.º se tenha negado a legitimidade de um controle jurisdicional da inconstitucionalidade orgânica ou formal das regras de direito constantes de diplomas promulgados pelo Chefe do Estado, atribuindo-se antes à Assembleia Nacional o direito de defender as suas atribuições específicas contra as intromissões do Governo, realizadas, quer a título legislativo, quer a título regulamentar. As questões desta ordem, repete-se, não tem, ou pretende-se que não tenham, relevância no domínio dos direitos e interesses do» cidadãos. Têm um alcance, digamos, meramente político, implicam apenas com as funções e o prestígio da Assembleia Nacional. Que seja ela, portanto, a repor as coisas no seu lugar.
Ora bem. Este regime de apreciação da inconstitucionalidade orgânica ou formal implica que caiba exclusivamente à Assembleia a apreciação de infracções que se traduzam na publicação de decretos regulamentares legais isto é, contrários quer às leis, quer aos decretos-leis, e na publicação de decretos-leis que excedam as autorizações legislativas concedidas pela Assembleia ao Governo.
Não há dúvida de que estas infracções têm uma gravidade e um relevo que não são inferiores aos que se associam à publicação de decretos-leis os decretos regulamentares no domínio das matérias reservadas exclusivamente à lei, segundo o artigo 93.º da Constituição. Também aqui se trata, sobretudo, de preservar a competência da Assembleia, não directamente de defender os cidadãos. Que seja, portanto, a Assembleia a defender-se a si própria, sem necessidade de intervenção dos tribunais nesse sentido. Não entrem os tribunais nas querelas sobre fronteiras de competência entre o Governo e a Assembleia Nacional; não se intrometam em problemas como esses, de natureza essencialmente política. Onde a Assembleia vir a sua reserva de competência invadida, que tome a iniciativa de a defender, nos termos hoje vigentes, expressos no § único do artigo 123.º da Constituição. Se a Constituição tivesse previsto a existência de um tribunal de garantias constitucionais ou tivesse atribuído exclusivamente a uma alta instância judiciária competência para tutelar a constitucionalidade, ainda se poderia compreender e aceitar uma modificação como a proposta. Mas num sistema em que todos os tribunais de todas as instâncias e de qualquer natureza têm poderes para não aplicar os diplomas que reputem, inconstitucionais, tem de se reputar inadmissível a concessão de semelhante faculdade em relação aos diplomas do Governo que pretendidamente tenham invadido o domínio de atribuições da Assembleia Nacional.
Julga-se, inclusive, que tal modificação seria fundamentalmente prejudicial aos particulares, na medida em que ofenderia os valores de certeza e da segurança jurídica. O regime do § único do artigo 123.º, na medida em que faculta à Assembleia determinar os efeitos da inconstitucionalidade, preserva muito mais adequadamente estes valores do que o regime do corpo do artigo.
Pelo exposto, a Câmara Corporativa não recomenda a adopção da projectada alteração do § único do artigo 123.º da Constituição.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, pelas razões expostas durante o exame na especialidade, é de parecer que devem ser rejeitadas todas as alterações e adicionamentos projectados, com excepção dos respeitantes às alíneas g) e h) do artigo 93.º da Constituição, referidos no artigo 1.º do projecto.
Essas alíneas poderiam ter a seguinte redacção:

g) O exercício das liberdades a que se refere o § 2.º do artigo 8.º e as condições do uso da providência excepcional do Habeas corpus.
h) A matéria dos artigos 119.º e 120.º

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima. (Não concordei com a doutrina da alínea h) do artigo 93.º da Constituição, segundo o artigo 1.º do projecto, a inserir com referência aos artigos 119.º e 120.º
Á semelhança do que acontece com algumas das garantias individuais enunciadas no artigo 8.º, «o carácter vitalício, a inamovibilidade e irresponsabilidade dos juízes dos tribunais ordinários e os termos em que se faz a sua nomeação, promoção, demissão, suspensão, transferência e colocação fora do quadro ou em que pode ser feita a respectiva requisição para comissões permanentes e temporárias* não são tradicionalmente objecto de leis especiais. E matéria que se contém, na sua generalidade, no Estatuto Judiciário, ou está dispersa pelos diplomas legislativos que fixam a orgânica dos mais variados serviços públicos.
Compreende-se mal que fique inibido o Governo de publicar um novo estatuto judiciário, ou de reorganizar ou criar um serviço para o qual devam ou possam ser chamados em comissão juízes dos tribunais ordinários, sem submeter a sua apreciação à Assembleia Nacional. Lembro-me especialmente da organização dos tribunais especiais, como os administrativos, os do trabalho, os militares, os do contencioso das contribuições e impostos, os das execuções fiscais, os das alfândegas, os de polícia, os de géneros alimentícios, os das reclamações e transgressões das câmaras, os das avaliações e até o Conselho Ultramarino.

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São casos estes em que não pode duvidar-se da aplicação da alínea em projecto. Dúvidas só se podem suscitar quanto às comissões dentro do próprio Ministério da Justiça, visto não haver, neste caso, nenhuma requisição de juízes, mas simples nomeação pelo Ministro.
Por outro lado, a necessária independência da magistratura em relação ao Governo só aparentemente se assegura com a medida projectada. E que essa independência depende, não do facto de pertencer exclusivamente à Assembleia Nacional a fixação do estatuto próprio dos juízes, mas do conteúdo do próprio estatuto. Até que a Assembleia se pronuncie tudo continuará como até aqui, e não há, pela Constituição, qualquer limitação à competência da Assembleia Nacional, para intervir desde já, se entender que o actual regime não convém à necessária independência dos magistrados).
Guilherme Braga da Cruz (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Fernando Andrade Pires de Lima).
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barros.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

PARECER N.º 14/VII

Projecto de lei n.º 20

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 20, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O presente projecto de lei de revisão constitucional, apresentado à Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral, visa introduzir no documento constitucional em vigor certas modificações, todas de relevo e algumas particularmente importantes. Nenhuma objecção existe a que sobre ele a Câmara Corporativa emita o seu parecer e a Assembleia Nacional resolva em último termo: a Assembleia Nacional, por força da sua resolução publicada no Diário do Governo de 17 de Abril de 1959, está munida dos poderes constituintes indispensáveis para poder, neste momento, rever a Constituição, e o projecto de lei n.º 20 foi-lhe apresentado com observância do prazo estabelecido no § 2.º do artigo 176.º

II

Exame na especialidade

ARTIGO 1.º

1. A Câmara Corporativa já teve ocasião de versar o assunto da necessidade de eliminação do § único do artigo 84.º da (Constituição e de fazer a esse respeito uma sugestão, no seu recente parecer n.º 10/VII, sobre a proposta de lei n.º 18. Desta sorte, não tem, a este propósito, mais do que manter o já sustentado e remeter para esse lugar.

ARTIGO 2.º

1. Já na proposta de lei n.º 18, com a concordância desta Câmara, se deu satisfação a algumas das alterações agora projectadas em relação ao § 3.º do artigo 95.º Assim, designadamente, reconheceu-se no parecer n.º 10/VII que não há nada que justifique a possibilidade de participação dos membros do Governo apenas nas comissões permanentes, e não nas comissões eventuais.
Sugere-se agora que nas sessões da Assembleia Nacional em que sejam apreciadas alterações propostas pela Câmara Corporativa tome necessariamente parte um delegado desta. Pelo regime actual, tal delegado pode tomar parte nas sessões das comissões - não sendo obrigatória a sua participação.
Não parece que o projecto mereça aprovação neste ponto.
Por um lado,, não tem a prática revelado a necessidade da presença de um tal delegado. Não há notícia de a Câmara Corporativa ou a sua Mesa terem alguma vez reconhecido a necessidade ou a simples conveniência de a Câmara se fazer representar nas sessões das comissões da Assembleia em que se estudem os projectos ou propostas que ela previamente examinou, ou de a Assembleia ter solicitado a comparência de um delegado desta Câmara nas referidas sessões.
Depois, não pode desconhecer-se que as comissões da Assembleia reúnem por vezes paralelamente com a Câmara, não podendo esta fazer-se utilmente representai nessas comissões, justamente na altura em que elabora os seus pareceres, em especial pelo relator, que é quem, em princípio, estaria mais indicado para comparecer na Assembleia.

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Em seguida, há que ponderar que a Câmara (Corporativa tem por norma elaborar os seus pareceres com toda a minúcia e desenvolvimento, não sendo natural que a Assembleia se não aperceba de todo o pensamento da Câmara e precise sistematicamente de obter esclarecimentos suplementares sobre os assuntos versados nesses pareceres.
Por último, a comparência às reuniões das comissões da Assembleia de maneira sistemática importaria para os procuradores relatores uma sobrecarga de sacrifícios de tempo, que não se deve exigir de quem, no exercício das suas funções, não presta serviços em regime de full-time, acumulando-os frequentemente com outras funções públicas por princípio absorventes.
Aliás, para se ser coerente (visto que há entre as duas hipóteses paridade de razão), deveria então ter-se proposto uma alteração correspondente ao § 3.º do artigo 104.º, no sentido de na discussão dos projectos de lei na Câmara Corporativa dever necessariamente intervir o Deputado que do projecto houvesse tido a iniciativa. E isso não se fez.

ARTIGO 3.º

1. Entre os meios de que os Deputados dispõem hoje para exercerem a competência que a Constituição, no seu artigo 91.º, n.º 2.º, confere à Assembleia Nacional para apreciar os actos da Administração em geral contam-se aqueles a que faz alusão o seu artigo 96.º: os membros da Assembleia podem - diz esta disposição - ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acerca de assuntos de administração pública. Estas faculdades podem ser exercidas independentemente do funcionamento efectivo da Assembleia; quando esta está em funcionamento,, cumpre aos Deputados, nos termos do Regimento, usar do período de antes da ordem do dia para formular os pedidos de consulta dos processos nos serviços públicos, os pedidos de informação e de esclarecimentos sobre a execução desses serviços e sobre acontecimentos de natureza política e social.
É, eu face disto, caso para pôr o problema de saber se, com a nova redacção projectada para o artigo 96.º, se acrescenta alguma coisa de relevante ao já hoje disposto neste preceito.
Se atendêssemos apenas ao texto desta disposição constitucional poderíamos ser levados a concluir que entre ele a redacção agora proposta não há nenhuma diferença de fundo. Ante ambas as fórmulas os Deputados podem, afinal de contas, formular às estacões oficiais pelos Ministérios competentes, os pedidos de esclarecimentos que entendam sobre qualquer assunto de administração pública.
Se, porém, cotejarmos o artigo 96.º com o Regimento da Assembleia e com a prática parlamentar verificaremos que as informações e esclarecimentos pedidos pelos Debutados não são, ou de qualquer modo não têm que sei, publicados no Diário das Sessões. O presidente da Assembleia limita-se normalmente a comunicar que «estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado F.», sem que o teor desses elementos obtenha, em regra, publicação. Se o Deputado interessado não quiser fazer, ou entender não dever fazer, posteriormente, na Assembleia comentário a esses elementos, designadamente sob a forma de avisos prévios, a opinião pública ficará por esclarecer. Afigura-se, por isso, a esta Câmara que há interesse em perfilhar o projecto de alteração aqui analisado.
O que se pretende agora introduzir na Constituição com o n.º l.º proposto para o artigo 96.º é a legitimidade de os Deputados dirigirem aos Ministros perguntas por escrito, a que estes ficarão politicamente obrigados a responder, também, naturalmente (no nosso sistema não pode normalmente suceder de outro modo), por escrito, com vista ao esclarecimento da opinião pública, o que,, é evidente, só se conseguirá com a inserção tanto das perguntas como das respostas no Diário das Sessões.
Até agora, os Deputados tanto podiam consultar os processos nas corporações ou estações oficiais, como ouvi-las ou solicitar delas informações, naturalmente sobre o que desses processos constava. Tratava-se, portanto, de um direito de dirigir perguntas aos serviços, não aos Ministros, isto é, ao Governo. Tanto assim que, na última parte do artigo 96.º, se dispõe que «as estações oficiais (que é como quem diz os serviços) não podem responder sem prévia autorização do respectivo Ministro».
Agora, não se tratará só de um controle parlamentar da burocracia (a que alude o projectado n.º 2.º, correspondente ao actual artigo 96.º). Tem-se em vista um certo controle do próprio Governo e da sua política, pois serão as suas respostas que serão conhecidas e as suas atitudes que serão apreciadas quer pela Assembleia, quer pela opinião pública.
A ser aprovado o projecto neste ponto, virá assim a consagrar-se no nosso direito constitucional, na medida compatível com as exigências fundamentais do nosso regime, um meio de controle parlamentar admitido na prática da generalidade dos países com instituições parlamentares do tipo europeu.
As perguntas, lá fora, podem, em regra, ser escritas e orais, tratando-se, em ambos os casos, de pedidos de informações ou esclarecimentos dirigidos por um parlamentar a um ministro.
No primeiro caso (perguntas escritas), os parlamentares dirigem-se por escrito ao ministro para obterem deste uma resposta escrita, que receberá publicidade no jornal oficial da Câmara. Se a resposta não for dada no prazo prescrito, o autor da pergunta escrita poderá transformá-la numa pergunta oral, que, por sua vez, é um instrumento mais enérgico do que a pergunta escrita e subentende um regime parlamentar em sentido estrito, isto é, portanto, a necessária comparência do Governo nas sessões do Parlamento.
As perguntas orais são afinal também, em rigor, geralmente perguntas escritas, uma vez que, onde se admitem, se moldam pela prática parlamentar inglesa, segundo a qual o assunto sobre que o ministro deve responder na Câmara (antes da ordem do dia) lhe é, em princípio, comunicado por escrito com quarenta e oito horas de antecedência. A resposta, essa, é que é oral. O ministro responde frequentemente só com uma frase, por vezes apenas com um sim ou com um não. O autor da pergunta eventualmente replica, sempre em curtas palavras, agradece e declara-se satisfeito ou descontente. Nesta última hipótese poderá formular uma nova pergunta acessória, uma pergunta aupplementary, desta vez uma pergunta realmente oral, a que o ministro responderá agora sem preparação ou de improviso. O speaker vigiará por que a troca de perguntas e respostas orais não degenere num debate anti-regimental. Mas se o deputado se não considerar ainda suficientemente informado tem a faculdade de retomar a questão no fim da sessão.
Até há pouco em França admitiam-se também as perguntas orais: em cada sexta-feira a Assembleia Nacional inscrevia, no início da sua ordem do dia, dez perguntas orais que eram notificadas oito dias antes ao Governo. Tanto o autor da pergunta como o ministro interrogado dispunham de cinco minutos cada um, que, de resto, não chegavam, por via de regra, a uti-

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lizar completamente. O autor podia replicar, mas nem sempre usava desse direito.
Também na República Federal Alemã se admitem essas perguntas orais, mas, enquanto as perguntas escritas têm de ser assinadas por trinta deputados, as orais podem ser apresentadas por um só. São estas, compreensivelmente, as mais frequentes.
A prática das perguntas escritas é mais recente do que a das perguntas orais. Em Inglaterra só foram admitidas em 1902 e na França em 1909.
Dado o inconveniente de das perguntas orais poderem degenerar facilmente em debate, como se tratasse de interpelações permanentes, com as consequências que se imaginam para a vida e acção do executivo, a Suíça só admite as perguntas escritas, não as orais 1.
Ante a nossa orgânica constitucional, como já dissemos, só os perguntas escritas poderão admitir-se, como se propõe. Espera-se que a prática deste meio de controle parlamentar do Governo e da Administração concorra para dar um pouco mais de publicidade à vida política e administrativa do Governo e consequentemente para prevenir, em primeiro lugar, as suspeições e, depois, os possíveis arbítrios, abusas e injustiças e os simples erros da gestão governativa e administrativa em geral.
E certo que, uma vez posta- em marcha a instituição que se projecta, o Governo há-de muitas vezes ter a sensação de que perde tempo com a preparação das respostas a dor à Assembleia. Se, porém, ponderar que esse é o custo de um alto serviço prestado, antes de mais, a si próprio - o de afastar suspeitas -, nunca deverá lamentar-se do tempo aparentemente perdido nesta tarefa de informar o público, ao serviço do qual, de resto, o Governo se encontra.
Não se ignora, que o uso do processo dos perguntas pelos Deputados pode degenerar em abuso, tornando-se, como às vezes lá fora se torna, num serviço de consulta gratuita em beneficio do eleitor ou numa arma insidiosa contra os Ministros. Competirá ao Regimento da Assembleia regulamentar o exercício do direito de perguntar, em termos de impedir o mais possível que ele sirva para fins diferentes daqueles para cuja consecução a sua adopção aqui se recomenda. Ao Regimento caberá também fixar o prazo dentro do qual o Ministro deve responder 2. Ë claro que a responsabilidade pela falta de resposta tem de ser simplesmente política. Tal como lá fora sucede, também cá há-de ser ponto de honra responderem os Ministros às perguntas dos Deputados.
Em conclusão, a Câmara dá a sua adesão à redacção proposta no projecto para o artigo 96.º e, de qualquer modo, perfilha da sua doutrina e orientação.

ARTIGO 4.

1. Em 1951 foi posta na Câmara Corporativa a questão que, neste artigo, o projecto em exame pretende agora resolver, justamente de acordo com o que, aliás com bastantes hesitações, acabou por ser sugerido por ela (cf. o parecer n.º 13/V). A Assembleia não seguiu

1 Cf., sobre todo este assunto, Emita Blamont, Lês Conditions du Controle Parlementaire, in Rovue du Droit Public, 1990, pp. 389 e seguintes; Georges Burdeau, Traitó do Science Politíquo, tomo vi, 1957, pp. 884 e seguintes; Ubert, El Parlamento, 1926, pp. 9G e seguintes.
Recorde-se que em 1951, tia discussão sobre a proposta de lei que veio converter-se na Lei n.º 2048, de 11 do Junho desse ano, o Sr. Deputado Manuel Lourinho expôs o ponto de vista de que os Deputados deveriam fazer perguntas por escrito aos Ministros, sendo a resposta escriba e obrigatória, dentro do prazo do trinta dias. V. Diário das Sessões», p. 817.

então a sugestão da Câmara, certamente pelas razões que esta enunciou nessa altura: ao processo actual, no que respeita à iniciativa das propostas de eliminação, substituição ou emenda, evita o espectáculo, que por vezes poderia ser chocante, da rejeição ostensiva das propostas da Câmara Corporativa. A frequência dessa rejeição poderia tomar a aparência de um conflito entre as duas Câmaras».
A Câmara Corporativa está hoje mais inclinada para atribuir todo o peso a esta consideração, não fazendo à Assembleia Nacional a injustiça de conceber que ela não pondere sempre os suas razões e não considere com a devida reflexão as alterações que lhe são sugeridas em relação aos projectos ou propostas de lei que lhe cumpre apreciar.
Acresce que o sistema em vigor está mais de acordo com a função da Câmara Corporativa em relação a legislação. Desde que esta Câmara não funciona como segunda Câmara, não se prevendo, por via disso, uma fórmula de conciliação entre os pontos de vista dela e da Assembleia Nacional, o melhor é, realmente, não a sujeitar a ver, sem apelo nem agravo, as suas propostas rejeitadas pela assembleia dos Deputados.

ARTIGO 5.

l. Ante o que tivemos ocasião de esclarecer em comentário ao artigo 3.º deste projecto, nada há que objectar a este adicionamento.

ARTIGO 6

1. A Câmara Corporativa teve ensejo de, no seu parecer n.º 10/ XII, sugerir a votação da alteração do § 2. do artigo 110.º a que neste artigo do projecto se alude.

ARTIGO 7.

1. No seu parecer n.º 10/VII a Câmara Corporativa ocupou-se, com certa amplitude, de alterações propostas pelo Governo em relação ao § único do artigo 113.º da Constituição, que em parte coincidem com as agora sugeridas neste projecto. Cabe-lhe nesta altura apreciar a única alteração original que o projecto encerra.
A Câmara não pode acompanhar o projecto no seu propósito de facultar ao Presidente do Conselho delegar nos Secretários de Estado comparecer na Assembleia Nacional para se ocuparem de assuntos de reconhecido interesse nacional». E a mesma posição toma para a hipótese de se seguir a sua proposta de que os Ministros possam comparecer na Assembleia, não como delegados do Presidente do Conselho, imas simplesmente autorizados por ele.
Não deve esquecer-se que a realização dos fins gerais dos Ministérios que compreendam Secretarias de Estado é fundamentalmente da responsabilidade do respectivo Ministro (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 41 824, de 13 de Agosto de 1958). Os Secretários de Estado têm competência para praticar, em princípio, apenas actos de administração que entram nas atribuições legais dos Ministros (artigo 2.º do mesmo diploma). A situação de relativa dependência política dos Secretários de Estado em relação aos Ministros resulta vincada, ainda, pelo facto de à sua nomeação serem aplicáveis os preceitos que regulam a dos Subsecretários (artigo 1.º).
Sendo assim, parece que deve caber exclusivamente ao Presidente do Conselho e aos Ministros a comparência na Assembleia Nacional para aí se ocuparem de assuntos de reconhecido interesse nacional. Os Ministros, como responsáveis pela política geral dos seus Ministérios, são naturalmente as entidades indicadas para se ocuparem na tribuna da Assembleia dos assuntos

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do reconhecido interesse nacional que correm pelas suas pastas.
Aliás, a não ser assim, não haveria razão plausível para não admitir também os Subsecretários de Estado a comparecer na Assembleia com o mesmo objectivo.
Feio exposto, a Câmara Corporativa não fie inclina para a aceitação do proposta modificação.

III Conclusões

Tirando as conclusões do seu exame na especialidade aos vários preceitos do projecto em análise, a Camará Corporativa é de parecer que:
a) Não é de aprovar o artigo 1." Ao § único do artigo 84." - da Constituição deve antes ser dada a redacção sugerida por esta Câmara nas conclusões do seu parecer n.º 10/VÏI;
b) Não é de aprovar a redacção projectada no artigo 2.º para o § 3.º do artigo 95.º da Constituição. Prefere-se a redacção sugerida pelo Governo na sua proposta de lei n.º 18;
c) É de aprovar a redacção projectada no artigo 3." para o artigo 96." da Constituição;
d) Não é de aprovar o adicionamento projectado no artigo 4.º ao artigo 97.º da Constituição;
e) E de aprovar o adicionamento de uma nova alínea, projectada no artigo 5.º, ao artigo 101." da Constituição;
f) E de aprovar a sugestão feita no artigo 6.º, coincidente, aliás, com a que esta Câmara fez nas conclusões do seu parecer n.º IO/VII;
g) É de rejeitar a redacção projectada no artigo 7.º para o § único do artigo 113.º da Constituição. A Câmara mantém a sugestão que fez a este propósito nas conclusões do seu referido parecer.

Palácio de 8. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso .
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barras.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queira, relator.

RARECER N.º 15/VII

Projecto de lei n.º 21

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 21, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini; Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex." o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. Dispõe a Assembleia Nacional, no presente momento, de poderes constituinte», que assumiu mediante resolução publicada no Diário do Governo de 17 de Abril de 1959. Pode, portanto, proceder u revisão antecipada da Constituição Política.

2. O Governo apresentou à Assembleia uma proposta de lei de revisão constitucional (proposta de lei n.º 18).

O presente projecto de lei, de que é autor o Sr. Deputado Manuel José Archer Homem de Melo, foi, .por sua vez, apresentado dentro do prazo de vinte dias, a coutar da data de apresentação, daquela proposta do Governo, como é imposto pelo § 2.º do artigo 176.º da Constituição. Está, portanto, em perfeita ordem para ser apreciado pela Câmara Corporativa e discutido pela Assembleia Nacional.

3. A Câmara entende que, dizendo o projecto respeito a alguns aspectos particularmente importantes do regime constitucional vigente, se impõe o seu estudo especialmente atento. O projecto em apreciação parece dominado por uma preocupação fundamental de reforçar os poderes da Assembleia, em detrimento da autoridade do Governo. Tem de se apreciar cuidadosamente o ponto de saber até onde é que, neste aspecto das coisas, se pode ir, não vamos nós, com inadvertidas modificações constitucionais, aparentemente sem grande significação, minar perigosamente o princípio da autoridade governamental, esquecendo-nos de que não na Estado forte onde. o Executivo o não é e de que «lê depute de tous les temps, qu'il soit riche ou pauvre, de gaúche ou de droite, partisan ou adversaire du regime repré-

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sentatif, tend à dévorer tout pouvoir qui ne procède pas de lui et à élargir le sien jusqu'à instaurer cê gouvernement dês deputes qui est sou revê»1.

II Exame na especialidade

ARTIGO 1.º

1. No seu parecer n.º 10/VII, a Câmara Corporativa deu a sua aprovação à proposta de lei do Governo visando elevar de cento e vinte para cento e trinta Deputados a composição da Assembleia Nacional. Não pareceu ao Governo, como também não pareceu à Câmara, que se devesse ir além deste número. Não se vislumbram boas razões para o exceder em mais vinte unidades. Esta composição da Assembleia não concorreria seguramente para a tornar mais expedita no exercício designadamente da função legislativa. Por outro lado, não se tem a impressão de que seja necessário aumentar o quadro dos eleitos da Nação para que esta, no plano territorial e estritamente político, obtenha melhor representação, ou, noutras palavras, para que o valor representativo da Assembleia se reforce.
Nestes termos, a Câmara Corporativa não recomenda a aprovação da modificação projectada.

2. Na redacção proposta no projecto para o corpo do artigo 85.º nota-se uma outra divergência em relação ao texto hoje em vigor, mas conforme com a sugerida na recente proposta de lei sobre a revisão constitucional. Enquanto, pelo texto actual, o mandato dos Deputados tem a duração de quatro anos improrrogáveis, salvo o caso de acontecimentos que tornem, impossível a convocação dos colégios eleitorais, pelo texto do projecto e da proposta esse mandato terá a mesma duração, salvo o caso de acontecimentos que tornem impossível a realização do acto eleitoral.
A primeira fórmula estava em consonância com a do actual § l.º do artigo 72.º, em vias de alteração. Mas tem de reconhecer-se que a outra, agora sugerida, é preferível. Realmente, desde que no momento oportuno para a convocação dos colégios eleitorais se verifique uma situação de força maior que de todo desaconselhe essa convocação, o mandato dos Deputados deve receber a correspondente prorrogação, resultante do facto de, assim, o acto eleitoral não poder realizar-se na altura própria.
Pode também verificar-se a hipótese seguinte: na altura indicada para a convocação dos colégios eleitorais nada desaconselha ou impede uma convocação; mas, posteriormente, sobrevêm acontecimentos que não permitem a realização do acto eleitoral na data marcada. Deve então ser lícito cancelar-se a convocação e adiar o acto sine die ou para outra data determinada. Também neste caso são acontecimentos que tornam impossível a realização do acto eleitoral a determinarem uma prorrogação do mandato dos Deputados para além de quatro anos.
Desta sorte, afigura-se a esta Câmara que o artigo 85.º da Constituição deve, de preferência, ter a redacção sugerida pelo Governo na sua recente proposta de lei de revisão.

ARTIGO 2.º

1. Pretende-se, fundamentalmente, com este artigo, que os Deputados gozem, enquanto for válido o seu mandato, e não apenas durante o exercício efectivo das suas funções, das imunidades e regalias a que se referem as alíneas b) e d} do artigo 89.º da Constituição.
Não se justifica o proposto quanto à alínea 6), porque, como ensinou Marnoco e Sousa em relação a preceito idêntico da Constituição de 1911, tal prerrogativa foi introduzida na Constituição para não se poder dar o Deputado como jurado, perito ou testemunha, e assim impedir a sua assistência à sessão.
E também se não justifica o proposto quanto à alínea d). Á. regalia ou imunidade a que nesta alínea se faz referência visa garantir que os Deputados possam desempenhar as suas funções parlamentares; não visa conferir-lhes um privilégio. Trata-se, como também lembra Marnoco e Sousa, de regalia estabelecida, não no interesse do Deputado que dela aproveita, mas no interesse do parlamento, no interesse da própria soberania nacional que ele representa - tanto que não pode renunciar a ela 2.
Com as necessárias adaptações, os Procuradores à Câmara Corporativa têm, de resto, a este respeito, um estatuto semelhante (cf. o § 3.º do artigo 102.º da Constituição e o artigo 12.º do seu Regimento, aprovado em sessão plenária de 27 de Novembro de 1953).

ARTIGO 3.º

1. Sobre a atribuição de competência, em princípio exclusiva, à Assembleia Nacional para. a criação de impostos e taxas já a Câmara se pronunciou, em termos negativos, na sua análise ao projecto de lei n.º 19. Devolve-se, portanto, para o lugar próprio desse parecer.

2. Não se concorda com a ideia de atribuir à Assembleia, a título exclusivo, competência para a aprovação das bases gerais do regime e organização da eleição do Chefe do Estado e dos Deputados, a que se alude na alínea g), que se pretende acrescentar ao artigo 93.º Não parece que, nesse assunto, haja grande ocasião para a fixação de- «bases gerais». O que justamente aí tem relevo são os pormenores técnicos do processo eleitoral. E para dispor sobre esta regulamentação puramente técnica está, em princípio, o Governo pelo menos tão bem colocado como a Assembleia. Se esta quiser ocupar-se do assunto, pode perfeitamente fazê-lo, embora não a título de exclusivamente competente para tal.

3. Também não parece que a Assembleia Nacional deva ser o órgão constitucional exclusivamente competente para legislar sobre a nacionalidade portuguesa. Importância idêntica, para os cidadãos, à da nacionalidade, revestem-na assuntos como o estado das pessoas, a sua capacidade, os regimes matrimoniais, as sucessões e doações, etc., e não pode pensar-se em enveredar pelo caminho de os reservar à competência exclusiva da Assembleia Nacional, dados os aspectos técnicos que todos estes assuntos revestem.

4. Ao versar a matéria respeitante ao artigo 1.º do projecto de lei n.º 19, a Câmara expressou a sua concordância com o fundo do que se propõe neste projecto sobre o conteúdo da alínea i), & adicionar ao artigo 93.º da Constituição. Apenas julga dever divergir do proposto neste projecto quanto à redacção.
______________

1 Cf. Roger Priouret, La Republique dês Deputes, 1959, p. 62.
1 Cf. Constituição Política da República Portuguesa, Comentário, 1913, p. 354.
2 Cf. obra citada, pp. 355 e seguintes. Cf. também Prof. Doutor Marcelo Caetano, A Constituição de 1933, 1956, p. 87.

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5. Não é viável, no critério da Câmara, conferir à Assembleia Nacional competência exclusiva para legislar nas matérias de enumeração ou descrição típica das infracções e de punição.
Trata-se, sem dúvida, de matérias da mais alta gravidade para os cidadãos e para a sociedade. Tem, todavia, de se reconhecer que o Governo se vê muitas vezes, ao legislar sobre os mais diferentes assuntos, na necessidade de incluir disposições penais avulsas nos diplomas legais que publica, não sendo praticável solicitar a todo o momento uma intervenção legislativa complementar da Assembleia quanto a esses pontos.
Não é tudo, porém, nem o mais importante. Quando se tratasse de empreender uma codificação global do direito penal, não seria praticável recorrer à Assembleia para que ela fixasse os princípios gerais em matéria de enumeração e descrição típica das infracções e de punição, ficando o Governo com competência para versar em decreto-lei todos os outros aspectos, além desses, que não podem deixar de constar de um código penal moderno: tipicidade, ilicitude e culpa, medidas de segurança, etc. A competência para versar legislativamente a enumeração das infracções e a punição deve arrastar a competência para versar todos os outros referidos aspectos. Se o Governo fica com competência para disciplinar estes últimos, há-de ter também competência para disciplinar os primeiros. Se só a Assembleia puder disciplinar a descrição típica e a punição, então só ela há-de poder disciplinar as restantes matérias próprias de um código penal.
Simplesmente, esta última orientação é inviável, dada a complexidade técnica que os outros aspectos revestem boje em dia, no estado actual da ciência do direito criminal. Aliás, a intervenção das assembleias legislativas em matéria criminal nunca se revelou útil ao longo da nossa legislação, como se vai ver.

6. Aprovado na ditadura de Passos Manuel, por decreto de 4 de Janeiro de 1837, o projecto de José Manuel da Veiga, não foi ele abrangido pelo bil de indmnidade de 27 de Abril de 1837, continuando assim em vigor as Ordenações!
Por sua vez, o Código Penal de 1852 - ainda hoje lia-se da nossa legislação criminal - foi aprovado por concreto de 10 de Dezembro daquele ano, sendo pura E simplesmente sancionado pelo bil de 1 de Julho de ]853.
O desinteresse das Cortes pelos problemas penais conduziu a que nunca entrasse em vigor o célebre projecto de Levy Maria de Jordão, de 1861. Proclamava José Luciano de Castro a esse respeito: e logo depois da publicação do actual Código Penal (de 1852) fora nomeada uma comissão para entender da sua reforma. Ao cabo de alguns anos, essa comissão deu por terminados os seus trabalhos, oferecendo ao Governo um código penal modelado num sistema novo e, porventura, mais racional e completo do que o da legislação vigente. Esse trabalho chegou a ser apresentado às Cortes por um dos meus antecessores, mas nem sequer alcançou parecer da respectiva comissão. Parou aí a reforma. O projecto, apesar de louvado por nacionais e estrangeiros, lá jaz esquecido e desamparado nos arquivos parlamentares».
É certo que a proposta de Barjona de Freitas sobre a modificação das penas e sua execução veio a converter-se na Lei de 1 de Julho de 1867. Mas também é verdade que foi votado sem que da discussão parlamentar resultasse qualquer utilidade.
Objecto de apreciação pelas Cortes foi, por sua vez, ) projecto do Ministro da Justiça Lopo Vaz, de 1884, que, convertido em lei, veio a ser integrado no Código de 1852, dando lugar ao de 1886. Mas a discussão abrangeu tão-só parte da proposta, em nada contribuindo para a melhorar. ,
O mesmo se diga da Lei de 1893 sobre liberdade condicional e suspensão da pena.
A história das Leis de 3 de Abril de 1896, cuja origem remonta a 1894, mostra bem, por outro lado, as dificuldades com que deparavam os projectos nas Cortes relativamente a matéria penal.
Não deixa também de ser interessante observar que toda esta legislação não resultou de iniciativa das Cortes, mas do Governo.
Note-se, por outro lado, que a grande maioria das mais importantes modificações legislativas em direito criminal durante o século actual tem tido lugar sem a intervenção das assembleias legislativas, sendo certo que, se exceptuarmos a Lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935 (associações secretas), e a Lei n.º 2053, de 22 de Março de 1952 (abandono de família),, no que toca a incriminações, e a Lei n.º 2000, de 16 de Março de 1941 (na parte referente a reabilitação), no que respeita a efeitos das penas - aliás da iniciativa do Governo e de que só se votaram as bases -, nunca a Assembleia Nacional, desde o seu funcionamento, se ocupou de matéria penal substantiva.

7. De qualquer modo, sempre seria de considerar que, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos, não seriam só essas matérias criminais propriamente ditas que poderiam requerer uma intervenção exclusiva da Assembleia: o processo penal, designadamente, poderia aspirar a idêntico tratamento. Não parece, porém, que por este caminho se deva enveredar.

ARTIGO 4.º

1. A redacção projectada para o § 3.º do artigo 95.º está, na sua primeira parte, de acordo com a proposta de lei n.º 18, que mereceu, por sua vez, a concordância desta Câmara no seu parecer n.º 10/VII.
Mas no presente projecto acrescenta-se um preceito novo ao § 3.º, em cujos termos será obrigatória a presença de um membro do Governo nas sessões das comissões, desde que a maioria dos seus membros o requeira.
Não se pode concordar com esta pretensão; em primeiro lugar, porque ela se tem de reputar desnecessária: não é de admitir que um Ministro, Secretário de Estado ou Subsecretário de Estado se recuse a comparecer nas sessões das comissões da Assembleia Nacional, quando por estas convidado.
Depois, dada a separação de poderes, que é como quem diz a autonomia recíproca de que fruem a Assembleia Nacional e o Governo, não deixaria de repugnar aos princípios que as comissões da Assembleia dispusessem de um direito desta ordem.
Tudo desaconselha a aprovação de um tal preceito.

ARTIGO 5.º

1. A Câmara Corporativa já se ocupou do § único do artigo 113.º no seu parecer n.º 10/VII, citado. Para ele se devolve no que for pertinente também ao que neste artigo do projecto se propõe. Mas este vai muito mais longe, impondo-se, portanto, fazer-lhe algumas sumárias referências especiais.

2. Pretende-se, com a redacção proposta para tal § único, tornar obrigatória a presença de membros do Governo na Assembleia Nacional, ase um terço dos Deputados em exercício efectivo assim o requerer», para efeito de responder sobre matérias indicadas no requerimento.

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Trata-se de procurar instituir entre nós o processo de controle parlamentar do Governo conhecido por «perguntas orais», de que esta Câmara teve já ocasião de se ocupar a propósito do projecto de lei n.º 20. A diferença está em que o sistema, lá fora, não necessita, para funcionar, de um tal número de Deputados a pedir a comparência do Ministro no Parlamento, para efeitos de responder sobre o assunto de que antes lhe foi dado conhecimento; e em que a resposta do Ministro iria ter lugar, não no período antes da ordem do dia, mas em plena ordem do dia, «que constará da comunicação à Assembleia Nacional que o Governo sobre o assunto entenda fazer», circunstância que não é, compreensivelmente, sem relevo, uma vez que concorreria para dar à resposta ministerial uma ressonância muito maior do que se tivesse lugar no período antes da ordem do dia.
Julga-se poder evitar que o sistema das perguntas orais, que se pretende ver consagrado, degenere em um verdadeiro sistema de « interpelações », na medida em que se prescreve que «sobre a comunicação governamental não poderá incidir qualquer votação da Assembleia».
Mas o que se não impede é que sobre essa comunicação incida um debate espectacular, através da réplica dos autores do «requerimento» e do comentário crítico dos demais Deputados que queiram contradizer o Ministro ouvido. Ao fim e ao cabo, mesmo sem votação expressa, não seria normalmente difícil saber que posição assumira a Assembleia Nacional perante o Ministro convocado ou até perante o Governo no seu conjunto. Com o inconveniente, aliás, de se não prever o direito de o Ministro se defender, no final, da crítica que na Assembleia se fizesse aos seus actos.
O ponto até onde a Câmara julga que se pode ir, sem se atraiçoar a concepção consagrada no nosso regime constitucional, foi já exposto no seu parecer sobre o projecto de lei n.º 20 e traduz-se em admitir o processo menos enérgico, sem deixar de ser eficaz, das perguntas escritas. Admitir o sistema proposto no projecto agora em exame seria contradizer francamente, frontalmente, as ideias básicas e fundamentais do regime instituído em 1933-seria admitir hoje, embora sob uma forma desviada ou indirecta, a responsabilidade política do Governo perante a Assembleia, quando originariamente se julgara dever preservar a autoridade do Executivo, como condição da sua indispensável eficácia, através justamente da sua separação do Legislativo. Em vez, pois, de parlamentarismo, seguiu-se, neste ponto, à letra, a concepção presidencialista da organização constitucional, segundo a qual, por um lado, os membros do Executivo não têm acesso às assembleias legislativas, uma vez que não são membros delas, e, por outro, estas assembleias não podem censurar formalmente os Ministros, cuja autoridade lhes advém de outro órgão, do Presidente da República, por sua vez também eleito pela Nação.
Não se ignora que este esquema recebeu, com o tempo, temperamentos, de tal modo que, hoje, na prática americana, existe uma certa cooperação ou ligação do Executivo com o Congresso, ou, melhor, do Executivo com as comissões permanentes, em que SB concentra na actualidade a verdadeira actividade do Parlamento americano, perante as quais os ministros comparecem, como cidadãos, para efeito de serem interrogados à porta fechada. Em caso de desacordo, porém, o Executivo prevalece, sem que a sua acção seja verdadeiramente paralisada. De qualquer modo, não vigora na América nada que corresponda ao espectacular sistema que no presente projecto se advoga.
A Câmara Corporativa, tudo ponderado, não dá o seu apoio à projectada redacção do § único do artigo 113.º, aliás formalmente defeituosa, em especial enquanto alude a um «representante do Governo» e a um requerimento de que constará obrigatoriamente a matéria sobre a qual a Assembleia Nacional «deseja ser ouvida».

ARTIGO 6.º

1. O alcance da modificação de redacção agora projectada é conferir aos Deputados iniciativa legislativa nas matérias que, nos termos do artigo 93.º e do artigo 150.º, n.º 1.º, são da exclusiva competência da Assembleia Nacional em relação ao ultramar. Como se depreende da leitura do actual n.º 1.º deste artigo, a Assembleia Nacional tem, sim, competência reservada em certas matérias consideradas particularmente importantes, mas essa competência só pode ser exercida «mediante propostas do Ministro do Ultramar».

2. Com o advento da Monarquia liberal e a instauração do sistema de assimilação na administração ultramarina portuguesa, a orientação que passou a dominar a nossa legislação constitucional foi a de confiar às Cortes competência para elaborar a generalidade das leis a aplicar no ultramar, com paridade de iniciativa para a Administração e para os Deputados, só a título muito excepcional se atribuindo competência legislativa ao Executivo. As necessidades, porém, impuseram que dessa faculdade excepcional o Executivo usasse com largueza, sem que o Parlamento reagisse, dado o seu clássico desinteresse pelas coisas do ultramar.
A Constituição de 1911, descurando estas necessidades, reforçou a orientação de se confiar exclusivamente ao Congresso a competência para legislar para o ultramar, como, aliás, para o resto do território português, não havendo qualquer discriminação entre o Executivo e os membros do Parlamento em (matéria de iniciativa.
Em 1920, a Lei n.º 1005 introduziu uma reforma importante nesta matéria: de legislador colonial normal, o Congresso passou a ser legislador de excepção para o ultramar. Daí em diante dispôs de uma competência reservada ou exclusiva, ficando o Executivo a ser competente para as restantes providências extensivas a mais de uma colónia. Mas, em matéria de iniciativa legislativa, as coisas continuaram como anteriormente.
Em 1926, porém, nas suas «Bases orgânicas da administração colonial», João Belo introduziu neste último ponto uma alteração significativa, que foi a seguinte: a competência exclusiva do Congresso só poderia ser exercida por este mediante propostas do Ministro das Colónias. Os membros do Congresso não poderiam ter a iniciativa da generalidade das leis coloniais propriamente ditas.
O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português conservaram esta orientação. Mantiveram-na também a Lei n.º 2048 e a Lei Orgânica do Ultramar Português.
Que levou João Belo a perfilhar este ponto de vista e que levou os legisladores posteriores a conservarem-se-lhe fiéis? A razão foi que se considerou encontrar-se a generalidade dos membros do Parlamento, insuficientemente informada sobre os problemas ultramarinos e, por essa época, pouco atenta e pouco interessada por tais problemas. O Executivo e, dentro dele, um Ministro, muito particularmente, têm outra informação e outro contacto com esses problemas. O Ministério do Ultramar está naturalmente especializado nos assuntos da administração ultramarina.
Daí que, sem deixar de atribuir ao Legislativo a última decisão, convenha associar à elaboração das mais importantes e melindrosas leis respeitantes ao ultramar português justamente o Ministro do Ultramar, a entidade em último termo responsável pelas grandes linhas de orientação político-administrativa das províncias ul-

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tramarinas. O Executivo deve, portanto, continuar a ser directamente associado ao exercício da competência legislativa da Assembleia em matéria ultramarina (quando se não queira dizer, talvez mais rigorosamente, que é a Assembleia que deve continuar a ser associada ao Governo no exercício desta competência).
E a solução, justifica-se tanto mais quanto é certo terem, hoje em dia, os problemas ultramarinos um melindre muito especial, que se acrescenta àquele que as matérias do n.º 1.º do artigo 150.º por natureza já oferecem. Convém, mais do que nunca, nos nossos dias, ser particularmente prudente em tudo quanto ao ultramar diga respeito. Uma iniciativa "simpática" ou ousada, mas não realista, como sempre naturalmente se pode recear de pessoas sem contacto com o fundo dos problemas ultramarinos e possuídas das melhores intenções, poderia ser fonte de dificuldades políticas e de riscos que não convém nem correr nem enfrentar. O Executivo tem uma reserva clássica de funções: o exército, a diplomacia e o ultramar. Este deve ser o último de que deve abrir mão por completo em favor do Parlamento.
Fiquemo-nos pelo sistema de colaboração ou associação dos dois órgãos - Governo e Assembleia: o princípio da unidade política, consagrado na Constituição e na Lei Orgânica do Ultramar Português, não requer necessariamente uniformização integral de legislação. A Câmara Corporativa não apoia o projecto em mais este ponto.

ARTIGO 7.º

Tal como sucede na metrópole, para que seja exigível a observância das leis e mais diplomas no ultramar é necessário criar a possibilidade de serem conhecidos por aqueles a quem se destinam. Para serem conhecidos é necessário serem publicados. Desta sorte, a publicação é naturalmente uma formalidade essencial para conhecimento da legislação ultramarina, uma condição sine qua non da sua eficácia.
Como se sabe, a publicação consiste na inserção do texto dos diplomas numa colectânea oficial de legislação. Na metrópole, essa colectânea é o Diário do Governo. Em cada província ultramarina, por seu turno, publica-se um Boletim Oficial, em regra semanalmente. Nele serão insertos todos os diplomas que devem vigorar em cada uma delas.
Ora bem. Por força do artigo 150.º, § 2.º (e não, como se supõe no projecto, do § 2.º do n.º 3.º do artigo 150.º), da Constituição e da base LXXXVIII da Lei Orgânica do Ultramar Português, todos os diplomas emanados de órgãos metropolitanos para vigorar nas províncias ultramarinas serão aí publicados pelo Ministro do Ultramar, o qual, para o efeito, aporá neles a menção de que devem ser publicados no Boletim Oficial da província ou províncias onde hajam de executar-se. Esta menção será escrita no original do diploma e assinada pelo Ministro.
Será de manter este regime? A Câmara entende que sim. Ele está, em primeiro lugar, de acordo com o sistema que faz do Ministro o responsável supremo pelo conjunto da administração ultramarina, sendo, como é, o chefe da generalidade dos serviços dos territórios do ultramar. Em segundo lugar, constitui uma forma eficaz de solucionar o problema de saber que diplomas elaborados na metrópole é que devem ser publicados no ultramar e nesta ou naquela província ultramarina. Deveria deixar-se uma decisão a este respeito aos serviços da imprensa oficial de cada província? O melindre de lhe deixar tal decisão patenteia-se se nos lembrarmos de que há diplomas, emanados da Assembleia Nacional ou do Governo, em que se incluem disposições de aplicação além-mar, nem sempre claras sobre o âmbito territorial da sua eficácia. A solução de publicar no ultramar todos os diplomas emanados da Assembleia Nacional ou do Governo é, por sua vez, insatisfatória. É muito mais aceitável a fórmula actual, que atribui, como se disse, ao Ministro do Ultramar competência para ordenar a publicação dos diplomas legais emanados da metrópole - as leis e resoluções, os decretos-leis e os decretos e portarias. Para mais, se os serviços da imprensa oficial estão, em último termo, na sua dependência, e se se não compreende muito bem que possam agir por iniciativa própria, há-de caber ao Ministro, através da sobredita menção, dar-lhes a ordem de publicação.
Aliás, não é de admitir a possibilidade de o Ministro do Ultramar se recusar a publicar os diplomas emanados da Assembleia Nacional para vigorarem no ultramar ou em alguma parte dele, sobretudo tendo-se em conta - no caso das leis, das resoluções, do decretos-leis e dos decretos - que eles são promulgados pelo Presidente da República, com a referenda do Presidente do Conselho. Por último, assinale-se que, se houvesse que perfilhar a orientação do projecto em relação aos diplomas emanados da Assembleia Nacional, não haveria razão para o não adoptar também em relação aos decretos-leis do Governo, visto que este órgão tem também competência para legislar para o ultramar, nos termos do n.º 2.º do artigo 150.º da Constituição e do n.º III da base IX da Lei Orgânica.

ARTIGO 8.º

1. Não parece de afastar a ideia geral da inserção de um novo parágrafo, no artigo 176.º da Constituição, que limite a liberdade de iniciativa dos Deputados em matéria constitucional. O sistema vigente, que faculta a cada um dos membros da Assembleia Nacional a apresentação de projectos de revisão constitucional, não satisfaz. É conveniente que se reúna à volta da ideia de certa alteração ou de certas alterações um número mínimo de Deputados, a fim de que estes exerçam uma espécie de controle ou de crítica prévia de tal ideia, não lhe permitindo apresentar-se na hipótese de não ter logrado convencer os poucos que a deveriam apoiar. Explica-se neste domínio um agravamento do processo legislativo, traduzido na exigência de um número mínimo de assinaturas para a admissão dos projectos de lei de alteração constitucional, dada a hierarquia e o carácter estável e quase sagrado que a lei constitucional tem em relação à legislação ordinária.
Não é inédito que, justamente por motivos desta ordem, as constituições exijam que as alterações projectadas devam ser apresentadas por um número mais ou menos elevado de membros das câmaras legislativas. Lembremos, por exemplo, o caso da Constituição Brasileira, que, no seu artigo 217.º, requer o mínimo de um quarto dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal a propor qualquer emenda à lei fundamental.
O que não parece é que, a entrar-se por este caminho, se deva exigir que o projecto seja subscrito por um mínimo de, apenas, cinco Deputados. Talvez algo como quinze assinaturas seja bastante para corresponder aos objectivos da alteração constitucional agora sugerida neste projecto.

2. Quanto à ideia de considerar que uma das comissões permanentes em que a Assembleia se pode organizar - a Comissão de Legislação e Redacção- tenha, como tal, iniciativa nesta matéria, a Câmara sente uma certa relutância em a apoiar. Em primeiro lugar, criar-se-ia assim uma inconveniente hierarquização entre as comissões permanentes. Em segundo lugar,

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não parece que esta Comissão seja necessariamente de presumir a mais qualificada para preparar projectos de revisão constitucional em todos os domínios versados pela lei fundamental. É, pelo contrário, de admitir que outras sejam mais idóneas em assuntos da sua especial competência. Por último, a ser admitida a sugestão desta Câmara sobre o número mínimo de quinze Deputados necessário para a apresentação de projectos de lei, teríamos que, fundamentalmente, nove Deputados os componentes da Comissão de Legislação e Redacção - teriam na Assembleia um estatuto especial em relação aos restantes no que respeita ao seu poder de iniciativa. Não parece que por este caminho se deva seguir.

3. A Câmara está de acordo em que o parágrafo a adicionar ao artigo 176.º seja o 4.º Isto significa que o actual § 4.º passaria então a ser o 5.º

III

Conclusões

A Câmara Corporativa condensa nas seguintes conclusões a sua apreciação do projecto na especialidade:

a) O corpo do artigo 85.º da Constituição deverá ter, não a redacção projectada no artigo 1.º, mas a seguinte, correspondente, aliás, à sugerida pelo Governo na sua recente proposta de lei de revisão:

Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e trinta Deputados, eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, e o seu mandato terá a duração de quatro anos improrrogáveis, salvo o caso de acontecimentos que tornem impossível a realização, do acto eleitoral.

b)0 artigo 2.º não deve merecer aprovação;
c) Das inovações sugeridas no artigo 3.º só deve merecer aprovação a respeitante à alínea i), mas com a redacção que para a alínea g) foi por esta Câmara sugerida nas conclusões respeitantes ao artigo 1.º do projecto de lei n.º 19;
d) Da redacção do § 3.º do artigo 95.º da Constituição, proposta no artigo 4.º do projecto de lei, a Câmara recomenda a aprovação apenas da primeira parte;
e) O artigo 5.º deve ser rejeitado;
f) Deve ser rejeitada a redacção sugerida no artigo 6.º para o n.º 1.º do artigo 150.º da Constituição;
g) Não se concorda com a redacção proposta no artigo 7.º para o n.º 3.º do artigo 150.º da Constituição. Finalmente.
h) Concorda-se com o adicionamento de um novo parágrafo ao artigo 176.º da Constituição, que seria o 4.º, passando o actual § 4.º para § 5.º Esse novo parágrafo teria a seguinte redacção:

§ 4.º Os projectos de revisão constitucional só serão recebidos quando subscritos pelo mínimo de quinze membros da Assembleia Nacional em efectividade de funções.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barros.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

PARECER N.º 16/VII

Projecto de lei n.º 22

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 22, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Exª. O Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O projecto de alteração da Constituição Política firmado pelo Sr. Deputado
Afonso Augusto Pinto res-

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tringe-se a dois pontos, qualquer deles de relevo, dignos,
por isso, de constituírem objecto de um projecto de lei e revisão0 constitucional. Referem-se, por sinal, ambas as alterações sugeridas ao problema geral das garantias contenciosas do cidadão - a garantia da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração e a garantia da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das normas jurídicas.

2. O projecto foi apresentado em tempo, conforme o disposto no § 2.º do artigo 176.º da Constituição. Dispondo a Assembleia Nacional, neste momento, em consequência da resolução de antecipação que votou, de poderes constituintes, nada se opõe a que a Câmara Corporativa lhe dê sobre o projecto em referência o seu parecer.

II

Exame na especialidade

ARTIGOS 1.º e 2.º

1. A função do n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição é dar uma ideia geral das atribuições administrativas do Governo no âmbito metropolitano: compete ao Governo superintender no conjunto da administração pública. Seguidamente, faz-se nesse número uma especificação mais ou menos incompleta dos poderes em que se analisa esta superintendência. Entre os actos administrativos concretos, apenas se faz aí referência aos respeitantes à nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar.
A fonte directa deste preceito deve ter sido o n.º 4.º do artigo 47.º da Constituição de 1911, segundo o qual competia ao Presidente da República (como elemento do Poder Executivo e com referenda do Ministro competente) "nomear, reintegrar, transferir, aposentar, reformar, demitir ou exonerar os funcionários civis ou militares". Era por esta forma extremamente sincopada que nesta Constituição se enunciavam as atribuições administrativas do Executivo 1.
A fórmula que se encontra no início do n.º 4.º do artigo 109.º -"fazendo executar as leis", essa encontra-se no artigo 122.º da Constituição de 1822, donde é natural que tenha sido chamada para o texto actual.
Quanto à parte final do n.º 4.º do actual artigo 109.º, a sua fonte é seguramente a parte final do n.º 4.º do artigo 47.º da Constituição de. 1911. Esse n.º 4.º terminava assim: "..., ficando sempre ressalvado aos interessados o direito de recurso aos tribunais competentes".- A fórmula agora usada é ligeiramente diferente: "..., com ressalva para os interessados do recurso aos tribunais competentes". •
É esta fórmula que se elimina na redacção do projecto para o n.º 4.º do artigo 109.º, propondo-se no seu artigo 2.º que, em vez dela, seja adicionado um § 7.º ao artigo 109.º, concebido nos seguintes termos: "Todos os actos de conteúdo essencialmente administrativo, definitivos e executórios, dos órgãos da administração pública são susceptíveis de apreciação contenciosa, nos termos da lei, pelos tribunais competentes".
Não parece que esta sugestão seja de aplaudir.

2. Em primeiro lugar, o projectado § 7.º iria enquadrar-se num título referente ao Governo e, apesar disso, abrangeria actos praticados por órgãos diferentes dos órgãos governativos, uma vez que se refere, genericamente, a todos os actos ... dos órgãos da administração pública. Esta, considerada no seu aspecto subjectivo ou orgânico, abrange não só a administração governativa como também a administração descentralizada ou autárquica.
Depois, o parágrafo sugerido no projecto refere-se a "actos de conteúdo essencialmente administrativo"- e não há actos essencialmente administrativos, por oposição a actos essencialmente políticos ou de conteúdo essencialmente político, por muito que na lei orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de Setembro de 1956, artigo 16.º, n.º 2º) se tenha partido de ideia contrária. Actos políticos ou "de governo" são, se bem pensamos, todos os actos do Executivo que a lei considere absolutamente insusceptíveis de apreciação contenciosa, qualquer que seja o grau da sua vinculação legal e não obstante o seu carácter de actos definitivos e executórios. São actos que revestem todos os requisitos gerais de impugnabilidade, mas que o legislador, enumerativamente ou por meio de "cláusulas gerais", exclui, do contencioso. O número destes actos é muito variável de sistema jurídico para sistema jurídico, conforme o grau de independência que o legislador em cada um deles entenda conferir ao Executivo, relativamente aos tribunais do contencioso administrativo. A história jurídica e o direito comparado revelam-nos que é de todo instável a lista dos actos políticos ou "de governo". Há sistemas em que esse número é muito restrito e há sistemas que transcendem o núcleo clássico dos "actos de governo", invadindo o sector tradicional da actividade administrativa. Isto sucede de todas as vezes que o legislador retira a garantia contenciosa a um acto da Administração, embora ele reúna todos os comuns requisitos de impugnabilidade 1.
Sendo assim, nada se esclarece, nada se adianta, dizendo, como no projecto se diz, que todos os actos "de conteúdo essencialmente administrativo"... são susceptíveis de apreciação contenciosa.
Em terceiro lugar, o projecto parece orientar-se no sentido de garantir a todos os actos definitivos e executórios (excluídos os actos políticos, de que se faz provavelmente uma ideia muito restritiva) a possibilidade de apreciação contenciosa. Não se desconhece, naturalmente, que a fiscalização jurisdicional serve um interesse público da maior importância a defesa da legalidade, ao mesmo tempo que, através dela, se protegem, subsidiária ou reflexamente, os particulares cujos direitos ou interesses são afectados pela actuação ilegal dos agentes administrativos. Simplesmente, pode o legislador legitimamente entender que há, nesta ou naquela hipótese, um interesse público de mais peso do que o da defesa jurisdicional do direito o interesse de deixar toda a independência aos agentes ante os tribunais, em termos de a decisão daqueles se ter de presumir correcta e legal, ainda que o não seja de facto. Quando isto sucede dizemos que o legislador deu primazia à "política" sobre o direito e a legalidade. Em vez do valor iustitia, o valor salus publica, asquitas política. Presta-se então culto, em tais hipóteses, não a uma concepção normativista da vida estadual, mas a uma concepção, digamos, "salutista". É esta a explicação para os casos em que o legislador exclui qualquer controle contencioso de certos actos da Administração e, designadamente, do Governo 2.
1 Em rigor, deve dizer-se que a Constituição de 1911 sempre ia mais longe do que isto, referindo-se no n.º 3.º do artigo 47.º à expedição de decretos, instruções, e regulamentos, e no n.º 9.º a tudo quanto fosse concernente à segurança interna e externa:

1 Cf. Afonso Rodrigues Queiró, Teoria dos Actos de Governo, Coimbra, 1948, passim.
2 Cf. autor e ob. cits., passim.

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3, Não parece, portanto, que se deva perfilhar a doutrina e a forma do § 7.º proposta, no projecto. Vamos ainda pela conservação do § 4.º, tal como está hoje redigido. Tem por ele, antes de mais, a tradição, pois, na parte que ora nos interessa, vam quase sem modificações desde a Constituição de 1911. Por outro lado, não toma partido quanto à fiscalização contenciosa da actividade administrativa em geral, referindo-se apenas ao controle jurisdicional de alguns actos administrativos. Mesmo quanto a estes, é muito duvidoso que o intuito do legislador constituinte tenha sido o de assegurar a sua impugnabilidade contenciosa, sem possibilidade de excepções. Há, pelo menos, que atentar na diferença de redacção existente entre o texto do n.º 4.º do artigo 47.º da Constituição de 1911 e o texto da parte final do n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição vigente: enquanto naquele se dizia que ficava sempre ressalvado aos interessados o direito de recurso aos tribunais competentes, no texto actual diz-se, mais frouxamente, que fica ressalvado para os interessados o recurso aos tribunais competentes. Não será que, assim, se quis estabelecer, não uma norma rígida ou cogente, mas uma simples directiva? De qualquer modo, à Câmara não repugna um entendimento liberal deste texto, em termos de se deverem considerar inconstitucionais todos os diplomas referentes aos actos administrativos enunciados na parte final do n.º 4.º do artigo 109.º, na parte em que retirem aos interessados o direito de interpor desses actos recurso contencioso.
Resumindo, a Câmara opta pelo texto actual do n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição.

ABTIGO 3.º

1. A interpretação corrente do corpo do artigo 123.º da Constituição é no sentido de ele se referir, não apenas à inconstitucionalidade material de qualquer diploma, mas também à inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas não promulgados pelo Presidente da República.
A primeira objecção a fazer à projectada redacção desse corpo do artigo 123.º será, pois, a de passar a abranger só a inconstitucionalidade material. Uma portaria ou um despacho genérico, por exemplo, na medida em que ofenderem os princípios da Constituição no que respeita à forma que as regras de direito devem revestir ou à competência do órgão constitucional de que devem emanar, ficariam fora do alcance da fiscalização da generalidade dos tribunais.
Não parece que se deva seguir semelhante orientação.

2. Pretende-se com o texto advogado no projecto, em segundo lugar, que, quando em qualquer tribunal se suscitar, oficiosamente ou por iniciativa de qualquer das partes, o incidente de inconstitucionalidade de um diploma, o seu julgamento seja deferido a um Supremo Tribunal, subindo até aí, naturalmente, o incidente para esse efeito.
Antes de mais, temos de observar que o projecto não é claro quanto a saber-se se as decisões desse Supremo Tribunal em matéria de inconstitucionalidade seriam eficazes erga munes, isto é, se teriam o efeito de uma lei derrogatória ou se, pelo contrário, teriam eficácia só em relação ao pleito em que a excepção de inconstitucionalidade se deduzir ou for suscitada, conduzindo, portanto, apenas à inaplicabilidade do diploma reputado materialmente inconstitucional.
Na verdade, ambas as soluções cabem no texto que se pretende ver adoptado.
Com ele é compatível a solução de o Supremo Tribunal decidir o incidente com eficácia erga omnes, tendo, em consequência disso, o tribunal em que o incidente
surgiu obrigação de não aplicar o diploma superiormente reputado inconstitucional.
Mas também se pode sustentar que a decisão do Supremo Tribunal seria referida apenas ao pleito em quê o incidente se levantou: decidindo que certo diploma é inconstitucional, o Supremo resolve que se não aplique e mandará que assim se proceda no pleito sub judice.

a) A primeira das soluções apontadas tem o inconveniente de atribuir ao Supremo Tribunal um papel político de extraordinário relevo. Todos os diplomas, mesmo os emanados do Governo e da Assembleia Nacional, estariam sujeitos ao veto judiciário de um único tribunal, que decidiria em primeira e única instância e que teria o poder de atiatlar todo e qualquer diploma de ordem legal. Caber-lhe-ia, portanto, inapelavelmente, a definição dos valores e dos princípios constitucionais, tendo o legislador ordinário que se cingir a essa definição em toda a sua produção normativa. Desta sorte se acabaria por conferir ã um pequeno colégio de magistrados, de mentalidade normativista, quiçá formalista e conservadora, um poder fundamentalmente constituinte. Far-se-ia dele o melhor e mais qualificado, o definitivo intérprete, dos rumos que a legislação pode seguir. Viríamos assim a consagrar o que Lambert chamou lê gouvernement dês jugos.
Tal orientação não parece recomendável, embora tenha sido autorizadamente defendida entre nós 1, com o argumento de que, com o sistema actual, se corre o risco da diversidade de soluções e da incerteza da jurisprudência, que só muito lentamente, pela via morosa dos recursos, viria a desvanecer-se. O poder político acrescenta-se hesitará em dobrar-se às decisões da 1.º instância e não cederá no propósito da aplicação da lei antes de se esgotarem as jurisdições dos tribunais superiores. Enfim, na prática a dispersão desta competência conduz a que fique realmente sem efeito tão importante poder conferido aos tribunais.
Salvo o devido respeito, não parece que seja necessário assegurar nesta matéria um grau de uniformidade jurisprudência! que transcenda o que se julga suficiente quanto à generalidade dos pontos de direito controvertidos nos tribunais. E não se cuida que seja de deplorar que a uniformidade possível dos julgados só venha a conseguir-se pela via dos recursos e, de qualquer modo, também pela lógica formação de correntes jurisprudencial, que, como se sabe, têm uma eficácia de certo modo equiparável à que resulta, no direito anglo-saxónico, do princípio do stare decisis.
Também não parece de lamentar que o poder político se não conforme facilmente com as decisões que, em matéria de inconstitucionalidade dos seus diplomas, sejam tomadas em 1.ª instância. Não resulta daí qualquer inconveniente que nos impressione. De resto, que o poder político tenha propriamente de «dobrar-se» perante outro poder eis o que não parece dever augurar-se como sistema. A fórmula hoje em dia em vigor, nos termos do corpo do artigo 123.º é muito mais equilibrada, na medida em que não erige os tribunais em geral num poder capaz de validamente revogar as leis e decretos-leis.
Por último, não se vê que a dispersão da competência de fiscalização da constitucionalidade das leis e demais diplomas pelos vários tribunais de todas as espécies e de todas as instâncias conduza a que essa competência fique necessariamente sem efeito. Ou muito nos enganamos ou a consequência dessa dispersão é justamente a inversa. O sistema actualmente consagrado no corpo do artigo 123.º é, fundamentalmente, mais liberal do

1 Cf. Prof. Doutor Marcelo Caetano, A Constituição de 1933, Coimbra, 1956, pp. 149 e seguintes.

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que o sistema agora proposto, na medida em que, por via de regra, admite várias instâncias a decidir sucessivamente os incidentes de inconstitucionalidade deduzidos em qualquer tribunal e permite aos próprios juízes suscitarem e julgarem oficiosamente esses incidentes.
O sistema vigente nesta matéria tem já em Portugal as suas tradições, vindo fundamentalmente desde 1911. Não há razão nenhuma válida para que se altere. A Câmara, pelo menos, não o recomenda.
b) A segunda solução não teria nenhuma espécie de vantagens sobre o regime actual e teria, designadamente, o importante inconveniente de praticamente admitir uma única instância a decidir, no pleito submetido a julgamento, da aplicação ou não aplicação de determinada norma arguida de inconstitucional.

3. O projecto fala em Supremo Tribunal, sem esclarecer a sua composição. Será o Supremo Tribunal de Justiça que funcionará como tribunal constitucional? Será um tribunal misto, que poderá ser mesmo o Tribunal de Conflitos, composto de juízes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo 1, ou composto desses elementos e de outros destacados das instâncias supremas dos vários ramos do contencioso? Ou será um tribunal constitucional, nos moldes do que, em direito comparado, pela primeira vez nos nossos dias foi instituído em Fevereiro de 1920 pela lei preliminar da Constituição checoslovaca 2P
Seja como for, trata-se, de abandonar um sistema que não deu motivos de queixa e de o substituir por outro que se justifica em certos países mais com vista a resolver os conflitos constitucionais de competência entre os elementos básicos de Estados federativos, do que a controlar a constitucionalidade das leis e mais diplomas. Nenhuma verdadeira necessidade temos nós de introduzir este sistema no direito constitucional metropolitano. É certo que, no ultramar, o Conselho Ultramarino funciona como tribunal constitucional único - mas, prescindindo da questão de saber em que medida é que o sistema instituído pela base LXVIII da Lei Orgânica do Ultramar Português se deve considerar de acordo com a Constituição, para o ultramar podem descortinar-se razões que justifiquem essa orientação. Designadamente, terá estado presente na consagração desse regime a ideia de evitar penosos conflitos entre a generalidade dos tribunais das províncias ultramarinas e as autoridades desses territórios, munidas de competência normativa, a propósito da regularidade constitucional dos diplomas por elas editados. Na administração ultramarina deve evitar-se tudo o que possa ser origem de atritos entre as autoridades de todas as ordens, preservar-se o seu prestígio e assegurar-se a necessária unidade de acção. O Conselho Ultramarino ocupa justamente posição de reconhecida e eminente autoridade e é venerado pelos serviços prestados em mais de um século de governação ultramarina, fruindo do respeito, da independência e da imparcialidade indispensáveis ao exercício das funções de fiscal da constitucionalidade da legislação ultramarina. Na metrópole as circunstâncias são diferentes: aqui pode bem confiar-se aos tribunais em geral competência para a apreciação da constitucionalidade das leis. Para que não acabem por assumir um papel de relevo político indesejável, nega-se-lhes a faculdade de anular as leis, ficando apenas com a de, na contradição entre a lei ordinária e a lei constitucional, dar incidentalmente preferência a esta. Por outro lado, a dispersão das faculdades de controle da constitucionalidade das leis pelo conjunto dos tribunais não deixará de concorrer para despersonalizar e, portanto, para atenuar a supremacia política que esse controle acarreta consigo 1.
Pode ainda alegar-se, contra o sistema actualmente em vigor na metrópole, e em favor do instituído para o ultramar, que o primeiro é um sistema praticamente ineficiente, enquanto o segundo tem conduzido a resultados apreciáveis, havendo subido ao Conselho Ultramarino vários incidentes de inconstitucionalidade sobre os quais recaíram acórdãos largamente fundamentados e em geral aceites sem discrepância pela crítica 2. Simplesmente, a razão do facto está em que se tem entendido que o Conselho Ultramarino fiscaliza não apenas a inconstitucionalidade material, mas também a inconstitucionalidade orgânica ou formal, e os incidentes desta última espécie são no ultramar particularmente frequentes.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo em mente a apreciação que do projecto fez na especialidade, pronuncia-se pela não aprovação de qualquer dos seus preceitos.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barros.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

1 Cf. o estudo do relator do presente parecer no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXVI, intitulado "O Controle da Constitucionalidade das Leis".
2 Cf. Prof. Doutor Marcelo Caetano, ob. cit., p. 154.

1 Como propõe o Prof. Doutor Marcelo Caetano, ob. Cit. p. 154.
2 Este tribunal era constituído por três elementos parlamentares escolhidos pelo Presidente da República e por quatro juízes, dois designados pela Corte Administrativa Suprema e dois pela Corte de Cassação. Tribunais constitucionais mistos deste modelo ou semelhantes foram depois criados na Áustria (1920), na Espanha (1931), na Itália (1948), na Alemanha (1949), etc.
A ideia de um tribunal político - judiciário remonta a Sieyès, que na convenção proclamou a necessidade de um jury constitutionnaire. Na Constituição de 1799 previa-se um Sénat conservateur, com competência para anular as leis inconstitucionais.
Em França foram em 1903 apresentadas às Câmaras duas propostas neste sentido, uma, de Charles Benoist, tendente à criação de um Tribunal Supremo especial, composto de membros nomeados pelo Presidente da República, sob proposta das corporações representativas da ciência e da prática do direito, e outra, de Jules Roche, que visava confiar ao Tribunal de Cassação em pleno a função de vigiar pela salvaguarda do Acto fundamental do Estado (cf. Biscaretti di Ruffia, Lo Stato Democrático Moderno, Milão, 1946, pp. 641 e seguintes).

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PARECER N.º 17/VII

Projecto de lei n.º 23

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, DOS termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 23, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barro», José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex." o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. O projecto de lei n.º 23, apresentado por um grupo de onze Srs. Deputados, à frente dos quais se inscreve o nome do Sr. Carlos Alberto Lopes Moreira, caracteriza-se por pretender reforçar ou vincar um certo número de afirmações programáticas daquela parte da Constituição referente à metrópole e ao ultramar a que a doutrina costuma hoje chamar e constituição social». De um modo geral, pode dizer-se que um projecto concebido predominantemente com este alcance é um projecto que não quadra com os objectivos que deve visar uma lei de revisão. Não é, pois, de estranhar que, na especialidade, a Câmara Corporativa venha a pronunciar-se pela sua não aprovação.

2. Seja, porém, como for, o projecto foi apresentado em tempo (artigo 176.º, § 2.º) e sobre ele a Assembleia pode, portanto, deliberar.

II

Exame na especialidade

ARTIGO 1.º

1. Duas objecções preliminares opõem-se à aprovação deste artigo do projecto. Em primeiro lugar, não deixaria de chocar que em 1959 se fizesse à Constituição o adicionamento de um preâmbulo, que, por verdadeira ficção, aí passaria a figurar como se dela constasse desde 1933. Desde que a Constituição não foi inicialmente votada com um preâmbulo desta ordem, não deixa de ser incongruente antepor-lho agora em termos de se querer fazer entender que ele consta dela desde início e como correspondendo á vontade do legislador constituinte de 1933. Em segundo lugar, a Nação, contra o que no texto proposto se diz, não votou pelou seus representantes eleitos a lei fundamental em questão. Todos sabem que ela foi aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933.

2. Nas constituições do século passado e do nosso encontra-se frequentemente a invocação do nome de Deus por parte do legislador constituinte, seja ele o povo no seu conjunto, sejam os seus representantes membros de assembleias com poderes dessa ordem. Uns e outros declaram então proceder cem nome de Deus, invocam a Sua protecção ou pretendem legislar a com a Sua ajuda».

O significado geral desta invocação da Divindade pode, talvez, resumir-se no seguinte: visando a constituição estabelecer uma ordem total e instituir estàvelmente um dado sistema de valores, uma determinada concepção da vida, a exigência da permanência, da estabilidade dessa ordem é servida e de certo modo assegurada na medida em que a lei que a consagra se coloca desde a origem sob a invocação e protecção do Ente Supremo. O direito constitucional estabelecido adquire um carácter de certo modo propício à sua desejada perpetuação.
Outro alcance hoje em dia não pode geralmente atribuir-se a semelhante invocação, não devendo seguir-se aquela conhecida doutrina de Cari Schmitt, na sua Verfassungslehre, de que esta sorte de preâmbulos (e outros em que se enunciam mais ou menos vagamente certas declarações de princípios) tem uma importância de primeira ordem na construção jurídica e na interpretação e aplicação dos preceitos de determinada ordem jurídica, os quais só teriam sentido com estas decisões políticas fundamentais». A melhor doutrina parece ser a de que tais invocações e declarações de princípios de nada servirão se não se traduzirem num sistema de normas e de instituições concretas realmente inspiradas por elas. Se é certo que estas normas e instituições carecem, então de sentido se as não conexionarmos ideologicamente com essas decisões políticas», não é menos certo que estas, por sua vez, só têm sentido constitucional na sua vinculação com aquelas 1.

3. Estas considerações inclinam a Câmara para que se não deva atribuir ao projectado adicionamento uma importância tal que force as consciências à sua apro-

1 Cf. Manuel Garcia-Pelayo. Derecho Constitucional Comparado, Madrid, 1950, pp. 78 e 98 e seguintes; Costantino Mortati, La Costitusione in Senso Materiole, 1940, pp. 65 e seguintes e 181 e seguintes.

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vação: o essencial é que a Constituição, quer enquanto complexo de normas, quer enquanto conjunto de instituições, esteja o mais possível de harmonia com quanto decorre da concepção cristã da vida. Ora não pode esquecer-se que a Constituição' vigente está, de um modo geral, inspirada pela concepção católica da sociedade e do Estado, perfilha a doutrina social da Igreja e chega a considerar expressis verbis a religião católica como religião da Nação Portuguesa. São particularmente de recordar, a este respeito, preceitos como os dos seus artigos 4.º, 6.º, 43.º, § 3.º, 45.º e 140.º
É, aliás, tão pouco importante a inserção de um preâmbulo do género do sugerido no projecto em análise que aã leis constitucionais do próprio Estado da Cidade do Vaticano, de 7 de Junho de 1929, não se iniciam por qualquer invocação ou preâmbulo confessional do género!
A falta de um tal preâmbulo ainda poderia causar alguma estranheza se o Estado Português fosse um Estado confessional, tivesse uma religião própria ou oficial. Mas, desde que a não tem, a falta de invocação do nome de Deus não é de surpreender, para mais não tendo havido em 1933 a lembrança de fazer essa invocação nos termos em que é formulada no projecto.
Acrescente-se a isto que a inserção de um preâmbulo ou invocação desta ordem não está praticamente na tradição constitucional portuguesa.
Não deve esquecer-se também, por outro lado, ao considerar-se a sugestão do projecto, que Portugal não é apenas constituído por populações católicas ou, de toda a maneira, por populações que creiam no mesmo Deus. Na África e Da Ásia contam-se por milhões os portugueses de confissões diferentes, mesmo de religiões superiores. E de admitir a possibilidade de a alteração constitucional projectada não satisfazer muitos desses portugueses e vir a constituir um motivo de dificuldades políticas a considerar.
Mesmo aqueles a quem as razões enunciadas não convenceram durante a discussão na Câmara depararam com a dificuldade insuperável de encontrar uma fórmula de invocação do nome de Deus, com a sobriedade, a elevação e a dignidade necessárias, e que, ao mesmo tempo, se não prestasse ao equívoco de deixar supor que fora inscrita no pórtico da Constituição desde a sua apresentação ao plebiscito nacional de 1933.

4. A Câmara Corporativa está cônscia do melindre de que se reveste a conclusão a que chegou no seu exame deste ponto do projecto. Não é, na verdade, sem constrangimento que recomenda a rejeição da inclusão, no pórtico da lei positiva suprema, de uma invocação religiosa que está de acordo com a fé, a consciência e os sentimentos cristãos da unanimidade dos seus membros. Mas uma coisa é esta fé, outra é a falta de unidade religiosa dos portugueses dos vários pontos do Mundo, que não são todos eles fiéis da mesma Igreja. Esta circunstância, muito em. especial, firma a Câmara na convicção de que o ponto de vista para que se inclina corresponde nos interesses concretos do bem comum nacional e é, no plano dos interesses da própria Igreja Católica, uma posição tolerável e inclusivamente salutar. Não pretende a Câmara Corporativa que o Estado Português deva assumir e assuma de facto, no plano dos princípios, uma posição neutralista e secularizante, uma posição indiferentista em matéria religiosa; trata-se apenas de atender ao facto de que são múltiplas as divisões religiosas entre os cidadãos portugueses dos vários continentes. Ora é sabido que a Igreja mostra sistematicamente grande compreensão pelo que o Estado, neste domínio e em outros conexos, tem de omitir por prudência política: essas omissões redundam, afinal de contas, em benefício do bem comum.

ARTIGO 2.º

1. Não se vê a necessidade da alteração de redacção que no projecto se sugere para o § 2.º do artigo 8.º da constituição, nem se compreende, por outro lado, muito bem a inovação a que alude a última parte do texto em referência.
O texto actual é mais lógico e mais completo que o proposto agora, como poderá notar quem os coteje.
O acrescentamento, segundo o qual aã inobservância deste preceito fundamental implicará a responsabilidade prevista no n.º 4.º do artigo 115.º, põe um problema de interpretação. Que se quer dizer? Que a Assembleia Nacional ou o Governo, quando editem leis especiais com inobservância da primeira parte do parágrafo, praticam um crime de responsabilidade? Provavelmente que não. Que. a inobservância das leis especiais que regularem o exercício das liberdades públicas no parágrafo enunciadas, de acordo com esse preceito, implica a responsabilidade a que alude o artigo 115.º, n.º 4.ºMas isso é o que já resulta desta disposição. Sendo assim, não há necessidade de o repetir no próprio artigo 8.º
Em resumo, a Câmara não adere ao projecto em mais este ponto.

ABTIGO 3.º

1. Que uma ou mais leis especiais regulem o exercício da liberdade pública de expressão do pensamento, que, portanto, haja obrigação de publicar uma alei de imprensai, já resulta expressamente do § 2.º do artigo 8.º Não há necessidade nenhuma de o reafirmar 110 artigo 23.º
De qualquer modo, a fórmula de que se usa no projecto é demasiado ampla, pois, supõe-se, não cabe numa alei- de imprensa» definir todos os direitos e deveres das empresas jornalísticas, nem todos os direitos e deveres dos profissionais da imprensa.
A directriz com que o texto termina é, para uma lei constitucional, imprudente, pelas interpretações inadmissíveis a que poderia conduzir, em contradição com o pensamento geral do actual título vi da primeira parte da Constituição.

ABTIGO 4.º

1. A redacção do projecto para o corpo do artigo 27.º da Constituição não difere substancialmente da redacção actual quanto à afirmação do princípio de que as acumulações de empregos públicos são proibidas e de que só a título excepcional são admissíveis. Neste ponto o projecto sugere apenas uma modificação de redacção, uma alteração de simples forma, que não se vê por que deva ser apoiada.

2. Além desta modificação puramente formal, o projecto consigna uma alteração de fundo, sobre que esta Câmara tem de se pronunciar.
A situação legislativa actual um matéria de acumulação de empregos é a seguinte: não é permitido acumular, salvo nas condições previstas na lei, empregos do Estado ou das autarquias locais ou daquele e destas (Constituição, artigo 27.º). O Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, estendeu a interdição aos lugares das corporações administrativas, que é como quem diz, hoje em dia, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (artigo 24.º).
Em boa interpretação, seguida, aliás, na prática, os organismos de coordenação económica, instrumentos de acção governativa na vida económica nacional, dotados embora de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira (Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de

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Julho de 1936, artigo 2.º), devem considerar-se abrangidos por aqueles preceitos respeitantes a acumulações.
Também oficialmente se entendeu que os próprios organismos corporativos se têm e considerar sob o alcance do Decreto-Lei n.º 26 115, no tocante à acumulação de empregos.
Consequentemente, em relação aos empregos de todas estas entidades públicas, as acumulações só são permitidas nas hipóteses dos §§ 1.º e 2.º do artigo 24.º e do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 26 115 - isto é, no caso de dependência de determinadas funções em relação a outras, às quais as primeiras se possam considerar inerentes, no coso de serviço em comissões ou conselhos consultivos, e no caso de lugar cuja acumulação seja autorizada em Conselho de Ministros, sob proposta fundamentada do respectivo serviço.
Tendo isto em conta, conclui-se que o específico alcance prático do projecto, neste assunto, vem a ser o de considerar inacumuláveis os empregos das empresas que explorem serviços de interesse público, ou destas com os empregos do Estado, das autarquias locais, dos organismos corporativos e de coordenação económica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
3. Este ponto tem o seu melindre e deve, portanto, ser ponderado. Pode discutir-se, antes de mais, que justiça pode haver em se distinguir, a propósito da acumulação com empregos públicos, entre empregos de a empresas que explorem serviços de interesse público» e empregos de empresas privadas em geral. Naquelas ainda se pode dizer que o funcionário ou, de um modo geral, o agente público concorre directamente para a realização de uma função de interesse público, e até, em alguns casos, para o funcionamento de um serviço público. Na generalidade das empresas privadas é que nem isso sucede. Por que há-de ficar livre a um funcionário ou agente público em geral (salva, para aquele, a necessária autorização ministerial, nos termos do § 3.º do n.º 2.º do artigo 23." do Estatuto Disciplinar dos funcionários Civis do Estado) acumular o seu emprego com um ou mais empregos em empresas estritamente privadas, sendo-lhe vedado acumulá-lo com um ou mais empregos em empresas, igualmente privadas, que explorem serviços de interesse público? Tais empresas, repete-se, são privadas, embora explorem serviços de interesse público. Gomo entes privados, terão interesse em poder escolher com largueza os seus administradores (lato sensu), e poderão licitamente pôr os seus olhos em agentes públicos (ou em administradores de outras empresas do mesmo género) especialmente qualificados pelos seus conhecimentos, seriedade e tino administrativo.
A este interesse privado opõe-se, em princípio, o interesse público, o interesse do serviço em que o agente está empregado. Este interesse requer naturalmente que o funcionário tenha os seus. cuidados e o seu tempo absorvidos pelo desempenho da sua função. O funcionário deve devotasse à sua função, deve dar todo o seu tempo, toda a sua actividade ao serviço - e as ocupações exteriores têm normalmente como consequência desviá-lo dele, afectando o seu rendimento.
Do ponto de vista social, por outro lado, pode dizer-se que é necessário pôr entraves sérios a que alguns já colocados absorvam as ocupações disponíveis, em prejuízo dos valores que não encontram o emprego necessário ou que, de qualquer modo, não gozam das complacências das empresas que explorem serviços de interesse público, ou do próprio Governo.
A acumulação de emprego público com empregos privados deste género, finalmente, põe problemas de ordem moral e política quanto ao uivei que, por esse processo,
podem atingir as remunerações dos funcionários, a título de ordenados, e designadamente suscita a questão de saber se é admissível que os funcionários beneficiados com a acumulação acabem por receber, a esse título, mais do que recebem como vencimento os agentes que ocupam os lugares superiores doa vários ramos da hierarquia administrativa (Ministros).
Uma política demasiado rígida neste domínio, em que se poderia pensar a partir destas últimas considerações, seria, porém, susceptível de levar muitos dos melhores e mais categorizados funcionários a preferirem os empregos privados aos seus cargos oficiais, abandonando estes, com todos os prejuízos que daí adviriam para os serviços públicos, que não podem facilmente prescindir da experiência e do saber dos seus melhores servidores.
Acrescente-se que, a seguir-se tal política,» ficaria o Governo inibido de se fazer representar junto das empresas em questão, ou de fiscalizá-los, por intermédio de funcionários públicos - e por vezes se imporá, com certeza, a designação deles para cargos de direcção, administração ou fiscalização, quer por causa das suas próprias aptidões, eventualmente singulares, quer por força da especial confiança que oferecem quanto à sua capacidade para realizarem ou assegurarem a realização, junto delas, da política económica do Governo.
No regime actual cabe ao Governo apreciar as circunstâncias que, em cada caso, aconselhem determinar ou autorizar a acumulação. É natural que a rigidez de uma norma precisa, especialmente de uma norma constitucional, fosse prejudicial para a salvaguarda, em cada caso, do interesse público. E por isso que esta Câmara não se inclina para a redacção sugerida no projecto em exame.

4. Isto não quer dizer que se não repute útil uma regulamentação do assunto, que ponha limites à liberdade do Governo, que procure assegurar sempre e só a primazia do interesse público e que disponha também em matéria de limites aos vencimentos dos acumulantes.
Está neste momento pendente do parecer da Câmara um projecto de lei (projecto de lei n.º 27) sobre remunerações dos corpos gerentes de certas empresas. Será, porventura, de aproveitar a ocasião para se proceder a um estudo exaustivo do assunto e para se seguir a regulamentação razoável dele l.

ABTIGO 5.º

1. Não há interesse em modificar, no sentido pretendido pelo projecto, o n.º 3.º do artigo 31.º da Constituição. Por um lado, por força do princípio corporativo, tal como é entendido entre nós, já o Estado há-de impedir que qualquer dos factores da produção se desvie das finalidades sociais e humanas para cuja satisfação existe. O artigo 29.º da Constituição é particularmente nesse sentido. Por outro lado, a modificação de redacção pretendida - que se considera,

1 Deve recordar-se que, em 1951, o Sr. Deputado Mendes do Amaral apresentou um projecto de alteração, entre outros, do artigo 27.º da Constituição, em sentido idêntico ao actual. Esse projecto não chegou a ser discutido na Assembleia Nacional.

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ARTIGOS 6.º e 7.º

1. É também o novo número que se pretende adicionar ao artigo 31.º uma disposição programática, cujo sentido já se encontra expresso, quer na Constituição, quer no Estatuto do Trabalho Nacional. Resulta ele do princípio corporativo que inspira todas as disposições do título VIII da Constituição e a generalidade das do Estatuto, especialmente os artigos 29.º e 31.º, n.ºs 2.º e 3.º, da lei fundamental e variadas disposições do Estatuto que ocioso seria enumerar.
Não deve haver, portanto, lugar para aprovação dos artigos 6.º e 7.º do projecto.

ARTIGO 8.º

1. Já esta Câmara se pronunciou, a propósito dos projectos de lei n.º 19 e 21, sobre a ideia de incluir na competência exclusiva da Assembleia Nacional a fixação de princípios gerais relativos às matérias- dos n.01 1.º e 2.º do artigo 70.º da Constituição.
Parece, por outro lado, que também não há razão para reservar para a competência da Assembleia Nacional a matéria do n.º 3.º do artigo 70.º

2. De toda a maneira, tem de se ter em conta que, na técnica ou sistema da Constituição, é nos artigos 91.º e seguintes que se define a competência da Assembleia Nacional! No artigo 70.º não se trata disso. Pretende-se, tão-só, aí, circunscrever o que tem de constar de lei ou decreto-lei e não pode, portanto, ser tratado no plano regulamentar. O projecto esquece isto.

AETIGO 9.º.

1. Não se justifica a alteração sugerida. Não faz hoje grande sentido que a Assembleia tenha de ratificar os decretos-leis publicados- pelo Governo no exercício de autorizações legislativas durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional. Se a Assembleia conferiu ao Governo uma autorização legislativa é porque confiou nele para formular sobre determinado assunto a disciplina jurídica mais conveniente. Não há-de, portanto, num momento posterior, ir averiguar se essa disciplina é ou não, do seu ponto de viste, a melhor. O que pode é verificar se o Governo transcendeu os limites da autorização recebida. A Assembleia poderá então usar dos poderes que lhe são conferidos no § único do artigo 123.º da Constituição, se acaso dessa maneira o Governo aparentar ter invadido a esfera de competência reservada à assembleia legislativa (ou dos próprios poderes do § 3.º do artigo 109.º, na hipótese diversa de o Governo ter transcendido a autorização, mas não ter invadido a esfera de competência legislativa reservada à Assembleia Nacional).
Pelo que se acaba de dizer, parece não se justificar a alteração sugerida.

ARTIGO 10.º

. Quando em 1951 se substituiu o termo «colónias» elo termo «províncias» teve-se justamente o propósito e não deixar qualquer dúvida sobre a equiparação constitucional entre a parte europeia e a parte não europeia do território português. A terminologia anterior (colónias e império colonial) podia deixar supor que a metrópole detinha um e império, isto é, um senhorio sobre os territórios ultramarinos e que estes, portanto, se encontravam sujeitos à dominação metropolitana. Era naturalmente outro o alcance destas designações, que pretendiam exprimir a sujeição destes territórios, não ao domínio político, mas à civilização portuguesa. De vários preceitos do Acto Colonial se depreendia que, quanto ao mais, metrópole e territórios ultramarinos estavam em pé de igualdade, constituindo elementos solidários da mesma unidade política. Mas, seja como for, a designação actual - províncias - traduz efectivamente melhor do que a outra a equiparação constitucional de todos os territórios portugueses, dos quais uns não são colónias de outros, mas, como estes, províncias da mesma unidade política: o Estado português ou, se quiser, a Nação Portuguesa. Como quer, pois, que se compreenda ou interprete a relação entre o Estado e o seu território, a verdade é que, ante a nova lei constitucional vigente, e em especial ante o seu artigo 134.º, o território do ultramar português se encontra na mesma situação, em relação ao Estado Português, em que se encontra o território metropolitano. São no direito constitucional português totalmente inaplicáveis doutrinas como a que antigamente na Alemanha considerava os territórios ultramarinos alemães como territórios estranhos (Ausland), por oposição ao território metropolitano, o único que faria parte do Estados (Inland). Nessa concepção, os territórios coloniais não fariam parte do Estado», embora estivessem sujeitos ao ordenamento jurídico alemão. Em certo momento, a doutrina italiana navegou em idênticas águas, considerando os territórios coloniais não como elementos intrínsecos do Estado, mas como simples apêndices ou fragmentos dele destacados, objecto de um direito real público, enquanto, por sua vez, o direito do Estado sobre o território metropolitano seria um direito sobre a própria pessoa. Nenhuma destas orientações se pode considerar conforme à nossa vigente doutrina constitucional.

Em resumo: a nova redacção, no fundo, nada acrescenta ao que já é direito vigente.

ABTIGO 11.º

l. Também a redacção do projecto para o artigo ]35.º não se justifica. Em substância, trata-se apenas de englobar nele notas que já, na redacção actual deste artigo e do anterior, se encontram bem expressas ou; pelo menos, suficientemente vincadas. A redacção proposta tem, porém, além disso, a desvantagem de eliminar a afirmação indispensável de que as províncias ultramarinas são parte integrante do Estado Português. Depois, em vez de, como geralmente se admite desde a grande geração de colonialistas do último quartel do século passado, aceitar o princípio da especialidade da organização .política administrativa de cada província, o projecto faz a afirmação do princípio de que os províncias ultramarinas terão a mesma estrutura da metrópole. Confira-se o artigo 138.º da Constituição e a base v da Lei Orgânica do Ultramar Português para se perceber todo o alcance da alteração sugerida. Por último, não se vê bem em obediência a que intuitos, pretende-se substituir a designação a metrópole D pela designação «continente» para referir as parcelas do território da Nação situadas na Europa. Não há razão para a proposta mudança de terminologia. Em primeiro lugar, o termo e metrópole» não está, que se saiba, carregado de suspeições sujeccionistas ou seolonialistas, que poderiam explicar a alteração sugerida. Em segundo lugar, 4 a própria Constituição que, no artigo 1.º, mostra que os territórios portugueses da Europa se não podem designar por «continente», uma vez que na Europa o território português compreende só continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores». Aliás, o termo «metrópole» está disperso por vários artigos do título vir, sem que se tenha proposto a sua substituição.

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III Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo em conta a apreciação que do projecto fez na especialidade, não vê razões para recomendar a sua aprovação.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz. (Não me repugna aceitar a doutrina do parecer sobre as vantagens de remeter para lei especial a questão suscitada pela nova redacção proposta para o artigo 27.º, até porque essa redacção, enfrentando com dureza
talvez excessiva o problema num dos seus aspectos, deixa de todo em claro outros igualmente importantes; mas não desejo vincular-me a quaisquer considerações sobre o fundo do problema antes do estudo exaustivos que a Câmara propõe que dele se faça a propósito da apreciação o recente projecto de lei n.º 27).
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barras.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queira, relator.

PARECER N.º 18/VII

Projecto de lei n.º 24

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 24, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral è Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barras, José Cueiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob o presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O projecto de lei do Sr. Deputado Adriano Duarte Silva visa, fundamentalmente, como se dirá no exame da especialidade, pôr a Constituição de acordo com o que a Assembleia Nacional já aceitou quando aprovou a vigente Lei Orgânica do Ultramar Português (Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953), não se lhe podendo, portanto, negar oportunidade. Afastar obstáculos constitucionais a que, na altura própria, possa ser legislativamente consagrado um regime que assimile a administração de um território ultramarino (Cabo Verde) à administração metropolitana ou a uma especial parte dela, é tarefa de que a Assembleia Nacional se deve desempenhar com gosto e em que esta Câmara, por sua vez, também colabora com satisfação. Não se pode, porém, quanto ao problema prático do momento em que a integração administrativa em causa se deve operar, deixar de chamar a atenção para o que a Câmara Corporativa opinou em 1951, no seu parecer n.º 10/V.
2. O projecto de lei n.º 24 foi apresentado tempestivamente e a Assembleia Nacional, por força da sua resolução publicada no Diário dó Governo de 17 de Abril de 1959, tem poderes para o apreciar.

II

Exame na especialidade

I, II e III

1. O conjunto das alterações projectadas visa, segundo parece, exclusivamente tornar constitucional o disposto no n.º II da base V da Lei Orgânica do Ultramar Português. Segundo este preceito, «quando as circunstâncias o aconselharem, poderá instituir-se no respectivo estatuto (de qualquer das províncias ultramarinos) um regime de. administração semelhante ao das ilhas adjacentes.
Ficou bem claro na discussão parlamentar a seu respeito que se visou tornar possível não ao a integração, em momento oportuno, da província de Cabo Verde na organização administrativa da metrópole, mas também, se as circunstâncias algum dia o aconselharem, a de qualquer outra província ultramarina.
Simplesmente, ao votar-se este preceito (que não fora, deve dizer-se, sugerido pela Câmara Corporativa no seu projecto de lei orgânica do ultramar, que serviu de base à votação na Assembleia), não se reparou na» dificuldades constitucionais que ele suscitava. Não se reparou, designadamente, em que a efectivação dele contrariaria preceitos constitucionais como os dos artigos 134.º, 148.º e 155.º
Como vencer estes obstáculos à constitucionalidade do n.º II da base V da Lei Orgânica do Ultramar Português? Ou, melhor, como tornar constitucionalmente possível a aplicação, em Cabo Verde ou em qualquer outra província, de um regime administrativo idêntico ao das ilhas adjacentes?
No projecto em análise julga-se para isso necessário tocar na redacção dos artigos 1.º, 134.º e 148.º da Constituição.

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Não parece que seja preciso alterar, para o efeito, a redacção do artigo 1.º da Constituição.
Quanto ao artigo 134.º, afigura-se-nos mais indicado dar-lhe a seguinte redacção: «Os territórios indicados na lei que defina o seu regime geral de governo denominam-se genericamente províncias e têm organização político-administrativa adequada á situação geográfica e às condições do meio social». Quer dizer: passaria da Constituição para a Lei Orgânica do Ultramar Português a indicação dos territórios com o estatuto de províncias ultramarinas. No momento em que se quiser, por exemplo, integrar Cabo Verde na organização administrativa metropolitana, ou, melhor, conferir a este território um regime de administração semelhante ao das ilhas adjacentes, não há necessidade de mais do que alterar a redacção do actual artigo 1.º dessa lei.
A proceder-se assim nem há necessidade de mexer na redacção do artigo 148.º ou de qualquer outro mais, e, por sua vez, deixa de ser necessário manter o próprio n.º n da base v da Lei Orgânica do Ultramar Português.

III Conclusões

Ante o exposto no exame do projecto ma especialidade, esta Câmara entende que:

a) O artigo 1.º da Constituição deve manter a sua actual redacção;

b) O artigo 134.º da Constituição deve passar a ter a seguinte redacção:

Art. 134.º Os territórios indicados na lei que defina o seu regime geral de governo denominam-se genericamente províncias e têm organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social.

c) O § único do artigo 148.º deve conservar a sua presente redacção.

Palácio de 8. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Liana.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barras.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queira, relator.

PARECER N.º 19/VII

Projecto de lei n.º 25

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º. 25, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política s economia ultramarinas), à qual foram agregados os dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. A competência de revisão da Constituição só deve ser usada pela Assembleia Nacional para introduzir nela alterações requeridas por novas exigências da realidade nacional - não e por um mero prurido de perfeição», como se teve ocasião de acentuar em 1951, no parecer desta Câmara n.º 15/V. Aí se acentuou
também que as alterações devem corresponder a motivos de profunda necessidade política.
Considerando o projecto em apreciação, da autoria de um grupo de quatro Srs. Deputados, á frente do qual se encontra o Sr. Deputado Américo Cortês Pinto, não pode esta Câmara deixar de expressar o parecer de que ele não preenche estes requisitos, correspondendo tão-só a uma preocupação, fora de lugar, de exactidão terminológica, senão de mera perfeição estilística.

II Exame na especialidade

ARTIGO ÚNICO

1. No artigo 12.º da Constituição o termo «raça» aparece no contexto seguinte: e O Estado assegura a constituição e defesa da família como fonte de conservação e desenvolvimento da raça ...».
É natural que o intuito do projecto seja o de acentuar que aquilo de que no artigo se trata não é do

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desenvolvimento da «raça portuguesa», que no âmbito da antropologia física ou biológica não existe. O legislador constituinte não .pode ter concebido a constituição e defesa da' família como fonte de conservação e desenvolvimento de um grupo humano entendido, naturalisticamente, com uma especial estrutura biológica. Deve ter tido em vista, não a «raça portuguesa» sensu stricto, que não existe, como um grupo humano com um tipo físico determinado, com caracteres somáticos específicos, mas a traça portuguesa» «como povo» ou «nacionalidade», como grupo caracterizado por uma cultura, uma moral e uma psicologia próprias, independentemente, de qualquer uniformidade de tipo fisiológico.
Em tal sentido, entende-se que a expressão raça portuguesa é admissível 1.
E certo que, no plano científico (antropologia, sociologia, etc.), há quem proponha que para se designarem os grupos humanos- caracterizados pela sua psicologia e cultura, ou seja pelas suas propriedades noológicas, se empregue o termo etnia, contrapondo-o à palavra raça, no sentido de grupo humano determinado por caracteres somáticos2. Assim, em vez da craca portuguesa», dir-se-ia a «etnia portuguesa».
Basta, porém, que as duas expressões se empreguem com o mesmo sentido para que não seja imperioso optar

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M Cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXIV, p. 187.
1 Cf. ob. cit., vol. x, p. 606.

pela segunda, como no projecto se pretende. É, aliás, e ter em conta que a palavra «etnia» não é de uso corrente e não seria muito adequado utilizá-la no contexto do artigo 12.º

III

Conclusões

A Câmara Corporativa não recomenda a aprovação do projecto.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barras.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queira, relator.

RARECER N.º 2O/VII

Projecto de lei n.º 26

Alteração da Constituição Política

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 26, emite, pela sua secção de Interesses de ordem, administrativa (subsecções de Política e administração geral e Política e economia ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Júlio de Castro Fernandes, Carlos Barata Gagliardini Graça, Domingos da Costa e Silva, José Augusto Correia de Barros, José Caeiro da Mata, José Gabriel Pinto Coelho Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I Apreciação na generalidade

1. O projecto do Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes caracteriza-se por pretender suprimir na Constituição todos os vestígios da democracia individualista

e instituir, em vez dela, uma democracia orgânica, uma democracia corporativa mais ou menos pura. A ordem corporativa, independentemente de ser ou não ser já neste momento uma ordem social espontânea, viva e actuante, passaria a ser transposta para o plano político, tomando completamente o lugar que a Constituição ainda reserva à democracia individualista territorial ou, como também se usa dizer, à «democracia de massas». Trata-se, como se vê, de uma ousada inovação, bem digna de figurar num projecto de lei de revisão constitucional, qualquer que seja o juízo que 110 final sobre ela se tenha de emitir.

2. Apresentado à Assembleia Nacional dentro do prazo fixado pela Constituição (§ 2.º do artigo 176.º), e estando aquela munida de poderes constituintes, em consequência da resolução que tomou de antecipar a revisão constitucional, o projecto em causa está em condições de ser examinado e discutido.

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II

Exame na especialidade

ARTIGO 1.º

1. A Câmara Corporativa teve ocasião de dar o seu parecer sobre o sistema de eleição do Chefe do Estado, ao analisar recentemente a proposta de lei n.º 18 (parecer n.º 10/YII), considerando aqui reproduzidas as considerações quê então a este propósito fez.
O presente projecto está de acordo em que de tal eleição participem os membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa em efectividade de funções. Exclui, porém, dos Procuradores à Câmara Corporativa, os designados pelo Governo».
Os Procuradores em causa devem ser os que são designados pelo Conselho Corporativo, que é, em boa verdade, hoje, um Conselho de Ministros restrito. £ preciso, porém, não esquecer que a maioria desses membros da Câmara tem nela a específica função de representar o interesse geral, enquanto os restantes estão aí representando interesses parcelares de certos organismos, categorias e entes. Se, designados embora pelo Conselho Corporativo, há razões para confiar na sua alta compreensão do interesse geral para apreciar a correspondência da actividade normativa do Governo e da Assembleia Nacional a esse interesse, se justamente são escolhidos com base nos seus predicados de reconhecida competência e isenção, não será talvez justo estabelecer em seu desfavor uma discriminação que os elimine da eleição do Chefe do Estado. Não pode esquecer-se que assim se afastariam de um acto capital da vida da Câmara elementos dos mais salientes e representativos.
Aliás, não deixa de ser curioso salientar que, neste mesmo artigo 1.º do projecto de lei, se propõe que nessa eleição participem elementos designados pelo Governo, como seriam seguramente, pelo menos, os representantes dos comandos militares.

2. Em vez de admitir a participar no colégio para a eleição do Presidente da República, ao lado dos Deputados e Procuradores, os representantes municipais do País, o presente projecto de lei pretende associar aos Deputados e Procuradores certos membros da hierarquia eclesiástica, representantes da magistratura, comandos militares superiores e representantes do ensino superior e das instituições de alta cultura.
Se, porém, consultarmos a lei orgânica da Câmara Corporativa (Decreto-Lei n.º 29 111, de 12 de Novembro de 1938, alterado pelo Decreto-Lei n.º 39 442, de 21 de Novembro de 1953) e a resolução do Conselho Corporativo de 23 de Novembro de 1957, verificamos que, excluída a magistratura, todas as demais instituições ou «ordens» estão já representadas na Câmara e intervirão, portanto, na eleição do Presidente da República. E se a magistratura aí não está representada é talvez em obediência à ideia de que os tribunais constituem um órgão da soberania autónomo. De qualquer modo, talvez não seja oportuno associá-la a um acto de significado político - a ela que, por princípio, serve outros valores que não a Política: os valores do Direito.

Desta sorte, não parece oportuno satisfazer ao proposto, sobre este ponto, no projecto de lei em análise.

ARTIGO 2.º

l. O projecto pretende substituir, na eleição dos membros da Assembleia Nacional, o sistema de sufrágio individualista - territorial pelo sistema do sufrágio orgânico. Mas não deixa de ser curioso notar que o seu
autor ainda em 1951, recentemente portanto, acentuando embora que não há dúvida de que o sufrágio orgânico é o que verdadeiramente pode exprimir n realidade viva da Nação, entendia ser em todo o coso também verdade que a Nação não está ainda estruturada na sua feição orgânica». «E preciso -continuou- deixar recriar a verdadeira consciência dos grupos e esperar que ganhem consistência os órgãos que os enfeixam e os exprimem». «Por isso, o sufrágio orgânico, se está na lógica dos nossos princípios, não está ainda indicado pelas realidades da vida nacional». (Cf. Diário das Sessões, p. 839). Não passou tanto tempo, nem .evoluíram tanto as realidades sociais que pareça justificar-se devidamente que se mude, pelo menos já, de orientação.
Pouco antes, no seu discurso de 20 de Outubro de 1949, o Prof. Doutor Oliveira Salazar confessava que o problema do futuro da Assembleia Nacional permanecia, no seu espírito, indeciso. Concordando que a Câmara Corporativa é, muito mais que a Assembleia, representativa dos interesses que se movem no seio da Nação, ponderava, no entanto, que não parece certo que o interesse nacional seja apenas constituído pela combinação dos diversos interesses materiais ou morais, ou que, pelo menos, não haja, além destes interesses específicos e particulares de grupos, um interesse político geral relativo à Nação como ser e unidade moral». (Discursos, vol. IV, p. 435).
Não crê esta Câmara indispensável enfrentar agora este problema, por um lado, porque não se pode entender, de modo nenhum, chegada a hora de ele se pôr seriamente, e, por outro lado, porque, no projecto em análise, a Assembleia Nacional nos surge, do ponto de vista representativo, como uma simples duplicação da Câmara Corporativa. Desacompanhado o artigo 2.º do projecto de qualquer outro preceito em que se sugira a eliminação da Câmara Corporativa, parece-nos ele naturalmente de desaprovar.

2. No artigo em apreciação pretende-se também elevar de quatro para cinco anos o mandato dos Deputados e, consequentemente, a duração das legislaturas. Nunca, na história constitucional portuguesa, a legislatura durou cinco anos. Segundo a Constituição de 22 durava dois anos; segundo a Carta, quatro anos, segundo a Constituição de 38, três anos, e três anos também conforme o segundo Acto Adicional e a Constituição de 1911.
A aproximação dos actos de renovação total das Câmaras e, portanto, o encurtamento das legislaturas, significa uma preocupação de assegurar uma correspondência mais efectiva entre a vontade da representação nacional e a vontade do eleitorado, que naturalmente se vai alterando à medida que nos afastamos da data das eleições parlamentares. Pelo contrário, o alongamento das legislaturas implica uma probabilidade maior de desacordo entre o eleitorado e a sua representação, nos últimos anos do mandato dos Deputados.
Teoricamente, a democracia realiza-se melhor com consultas frequentes ao eleitorado. Mas há outras considerações a ter em conta, que aconselham o espaçamento delas por períodos relativamente longos.
Supõe a Câmara que não deve ir-se além dos quatro anos, não seguindo, portanto, a sugestão do projecto.

3. A propósito do projecto de lei n.º 21, já a Câmara teve ocasião de dizer que não vê razões para que o número dos Deputados suba para 150, entendendo que deve ser de 130, como o Governo sugeriu na sua recente proposta de lei de revisão constitucional.

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III

Conclusões

A Gamara Corporativa não recomenda a aprovação António Trigo de Morais. do presente projecto de lei.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Conclusões Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Júlio de Castro Fernandes.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Barras.
Augusto Cancella de Abreu.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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