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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

ANO DE 1960 29 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º149, EM 28 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, carias decretos-leis.
O Sr. Presidente mandou ler os esclarecimentos que o Sr. Ministro das Finanças entendera prestar à Assembleia sobre a revisão das pautas aduaneiras.
O Sr. Deputado Rodrigo Carvalho agradeceu ao Governo esses esclarecimentos.
O Sr. Deputado Urgel Horta falou sobre o problema da segurança do trânsito.
O Sr. Deputado José Sarmento enalteceu a acção da Fundação Gulbenkian.
O Sr. Deputado Peres Claro ocupou-se do problema da azeitona, e do azeite no Alentejo.
O Sr. Deputado Ramiro Valadão referiu-se às visitas do Sr. Ministro da Presidência à índia Portuguesa e ao Paquistão.
Também o Sr. Presidente falou sobre o mesmo assunto.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na especialidade da proposta de lei em que se transformou o Decreto-Lei n.º 42 178, que introduz alterações ao Código Administrativo.
Falaram os Sn. Deputados Homem Ferreira, Homem de Melo, Pinto de Mesquita, Pinho Brandão, Melo e Castro e Nunes Barata.
A Assembleia aprovou a proposta- com emendas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Águedo de Oliveira.

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Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Norte sobre a situação daquela indústria perante o agravamento pautal.
Do Grémio dos Industriais de Lanifícios de Gouveia a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Santos Júnior sobre o mesmo assunto.
Do engenheiro Corte Real, em nome da, comissão representativa da indústria têxtil, no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 19, 19. 1.ª série, de 25 do corrente, que insere os seguintes Decretos-Leis: n.º 42 816, que dá nova redacção ao artigo 53.º do Estatuto Judiciário; n.º 42 817, que fixa as condições a que deve obedecer a concessão dos empréstimos às províncias ultramarinas de Angola e Moçambique durante os anos de execução do II Plano de Fomento; n.º 42 818, que mantém em vigor durante o anu de 1960 o regime do Fundo de Socorro Social estabelecido para 1959 pelo Decreto-Lei n.º 42 093, com a nova redacção dada ao § 3.º do artigo 15.º e ao § único do artigo 19.º pelo Decreto-Lei n.º 42 299, e dá nova redacção ao § único do citado artigo 19.º; n.º 42 819, que autoriza a cunhagem de uma medalha, a qual será atribuída, juntamente com um diploma artístico, aos premiados de cada um dos prémios que até à data do presente diploma tenham sido instituídos com o fim de galardoar estudantes das escolas integradas na Universidade de Lisboa, e n.º 42 820, que regula a situação dos funcionários de todos os serviços dependentes das Secretarias de Estado da Agricultura, do Comércio e da Indústria que actualmente se encontrem ou que venham a ser chamados a prestar serviço em organismos internacionais.
Pauta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho enviou à Assembleia Nacional os esclarecimentos que o Sr. Ministra das Finanças entendeu dever dar à mesma Assembleia sobre o assunto do reajustamento das pautas alfandegárias, que tem sido aqui tratado por alguns Srs. Deputados. Vão ser lidos o ofício do Sr. Presidente do Conselho e os esclarecimentos referidos.
Foram lidos. São os seguintes:

«Presidência do Conselho. - Gabinete do Presidente. - Ex.mo Sr. Primeiro-Secretário da Mesa da Assembleia Nacional. - Em cumprimento do seguinte despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho:
Envie-se o esclarecimento de S. Ex.ª o Ministro das Finanças ao Ex.mo Presidente da Assembleia Nacional.
28 de Janeiro de 1960. - Oliveira Salazar.

tenho a honra de junto remeter a V. Ex.ª, nos termos do artigo 113.º da Constituição Política, o esclarecimento prestado por S. Ex.ª o Ministro das Finanças acerca das interpretações que têm sido dadas ao reajustamento sofrido por algumas taxas aduaneiras que

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incidem sobre a importação de determinadas máquinas e aparelhos industriais. Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.
A bem da Nação.
Gabinete de S. Ex. ª o Presidente do Conselho, 28 de Janeiro de 1960 - O Secretário, Sollari Allegro».

Esclarecimento para a Assembleia Nacional

1. A recente publicação da nova pauto, de importação (Decreto-Lei n.º 42 656, de 19 de Novembro de 1959) e as alterações posteriormente introduzidas (Decreto-Lei n.º 42 795, de 31 de Dezembro de 1959) deram lugar a numerosas interpretações a propósito du reajustamento sofrido por algumas taxas aduaneiras que incidem sobre a importarão de determinadas máquinas e aparelhos industriais susceptíveis de serem utilizados por actividades económicas que se encontram em plena fase de reequipamento.
Porque o assunto se reveste do maior significado, perante o actual condicionalismo económico du certos sectores industriais, afigura-se que convirá esclarecer convenientemente o quadro de pensamento dentro do qual se operou a referida revisão de taxas, de modo ti determinar o justo e exacto alcance dessa medida.
2. As máquinas e aparelhos industriais, na anterior nomenclatura pautal, dispersavam-se já por numerosas posições, mas a remodelação da estrutura técnica da pauta, de forma a ajustá-la à classificação-tipo de Bruxelas, acarretou ainda um maior desdobramento de dizeres, a par de lima reestruturação de outros, com as naturais dificuldades de adaptação entre as duas nomenclaturas.
Foi dentro deste quadro operacional que o reajustamento de taxas se processou, visando ainda a integração das «máquinas e aparelhos» utilizados pela indústria em dois grupos, conforme, para cada um deles, existia, ou não, produção nacional própria.
3. De facto, sempre que se tratava de equipamento industrial que as actividades nacionais estavam já aptas a produzir em razoáveis condições de preço e qualidade, o ajustamento de taxas a que se procedeu teve em conta o exame ponderado o criterioso das circunstâncias de ordem técnica, económica, social e conjuntural prevalecentes em cada sector dessas actividades, a luz do que então foi dado a conhecer aos Ministérios da Economia e das Finanças.
O reconhecimento dessas circunstanciai; nos sectores de produção dos referidos bens de equipamento não invalida, antes confirma, a intenção do Governo de assegurar igualmente junto dos utilizadores o justo equilíbrio de interesses só aparentemente antagónicos. Será da reactivação do circuito económico, pela melhoria das condições de produção de alguns sectores, que necessariamente hão-de advir também, directa ou indirectamente, benefícios e vantagens para os restantes. A solidariedade dos vários ramos da produção nacional assume, neste momento, e a qualquer luz que se considere, uma importância decisiva para o futuro económico do País.
4. Admite-se, no entanto,- que as taxas incidentes sobre certos bens de equipamento ainda não produzidos pela indústria nacional tenham sofrido também alguns reajustamentos, o que pode constituir, à primeira vista, motivo de reparo.
Atente-se, porém, que, ainda neste caso, não é de somenos importância considerar o destino final da utilização desse equipamento.
Na verdade, se as máquinas e aparelhos industriais nestas condições - isto é, não produzidos pela indústria nacional - se destinam a ser utilizados en sectores de actividade em relação aos quais só reconhece oficialmente a necessidade de modernização e reapetrechamento, poderão as empresas utilizadoras recorrer ao benefício da isenção da direitos.
Para tanto bastará que, nos casos de indústrias de reconhecida importância para a economia nacional, tratando-se de unidades de dimensão adequada, e em condições de sobrevivência económica, o equipamento a instalar se traduza numa modernização do processo tecnológico utilizado ou determine a constituição de uma nova secção ou estabelecimento doutro da unidade considerada. Foi esta a extensão dada por interpretação recente do Concelho Económico, ao conceito de «indústria nova» expresso na base IV da Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945, para efeito de as empresas industriais poderem beneficiar das isenções previstas na referida base, entre elas a isenção de direitos de importação sobre máquinas, utensílios e outros materiais necessários à instalação.
Carece, portanto, de significado económico o eventual agravamento de direitos sobre equipamentos destinados a empresas um que se verifique este condicionalismo, os quais nem sequer são passíveis dos direitos que vigoravam anteriormente à revisão pautal, porque passaram a poder beneficiar de total isenção.
5. É possível, no entanto, que as máquinas e aparelhos nessas condições sejam normalmente utilizados em sectores industriais em que o problema da sua modernização o reapetrechamento se não ponha, pelo menos, em termos idênticos aos referidos no número anterior.
Neste caso, e à luz de um critério de rigorosa objectividade, houve sempre a preocupação de não agravar as taxas anteriormente vigentes.
Admite-se, porém, que por circunstâncias fortuitas, decorrentes da profunda alteração da estrutura técnica sofrida pelo texto da pauta, (inclusão num dizer mais genérico, classificação inadequada, transposição paru outra posição pautal, etc.), num ou noutro caso os objectivos propostos não tenham sido plenamente alcançados.
Sempre que tal haja sucedido, proceder-se-á às indispensáveis correcções, para as quais se encontre devida justificação, após estudo documentado de cada caso.
Todavia, para não levantar embaraços às actividades interessadas, foi determinado que em todos os casos objecto de reclamação se aceitasse o depósito dos direitos, até resolução definitiva.
6. Expostas as condições objectivas em que se utilizou o instrumento pautal, como revigorador, embora transitório, de alguns sectores industriais - no quadro de uma política, económica que não perde de vista a indispensável harmonia de interesses e segundo a qual se torna cada vez mais imperioso que o interesse privado se concilie com o interesse nacional -, importa sublinhar, como nota final, que o Ministério das Finanças permanecerá atento ao desenrolar do processo.
Esforçar-se-á assim por que o reajustamento de certas taxas não venha a redundar em factor de estagnação económica e social, mas, pelo contrário, constitua ampla plataforma de partida para maiores progressos tecnológicos e mais rápido alargamento do parque industrial português, ao mesmo tempo que não hesitará, sempre que as circunstâncias o imponham, em retirar vantagens concedidas de que venha a fazer-se inadequada utilização.
Ministério das Finanças, 27 de Janeiro de 1960. - O Ministro das Finanças, António Manuel Pinto Barbosa.

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O Sr. Rodrigo Carvalho: - Sr. Presidente: ouvi com muito interesse o esclarecimento que S. Ex.ª o Presidente do Conselho enviou a esta Assembleia, dimanado do Ministério das Finanças.
Em meu nome pessoal e no dos meus ilustres colegas que me secundaram, ocupando-se do problema, por mim levantado, das apreensões trazidas ao sector têxtil pela última revisão pautai, venho agradecer ao Governo, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho, e em particular ao Sr. Ministro das Finanças, a forma pronta como procurou esclarecer esta Assembleia na medida em que a aplicação das soluções enunciadas virão contribuir para tranquilizar o sector ao qual tinha trazido tão graves apreensões a última revisão pautal.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que hoje, em breve intervenção, aborde mais uma vez um problema de alta gravidade e notável interesse nacional, para ele chamando a atenção das entidades responsáveis: o problema de segurança do trânsito.
Problema revestido de extrema complexidade, tem sido múltiplas vezes levantado com extraordinário vigor, devida objectividade e perfeito conhecimento, na Assembleia Nacional, que, dentro das responsabilidades inerentes à alta função que desempenha, o tem proficientemente ventilado nos seus variados aspectos, pela acentuada projecção e influência na conservação da vida humana e sentidos reflexos que atinge na vida social e económica da Nação.
Mas o instante problema que venho relembrar, de que pretendo ocupar-me, embora sucintamente, impõe-me o dever, a obrigação, de nesta oportunidade render merecida homenagem à magnífica campanha de segurança rodoviária, que o Diário de Lisboa, como órgão de grande tiragem e grande projecção, com responsabilidades perante a opinião pública, levou brilhantemente a cabo, nela se empenhando vigorosamente, como finalidade do mais alto sentido humanitário e patriótico, prestando assim à Nação um serviço bem digno de ser sinceramente lembrado e entusiasticamente aplaudido.
Aqui manifestamos ao considerado vespertino o nosso melhor aplauso, e Deus permita que dos seus magníficos propósitos e de outros venham a colher-se os melhores resultados.
Sr. Presidente: o problema da viação rodoviária, com os seus acidentes numerosos e constantes, de tão nefasta consequência, dando causa a prejuízos materiais e humanos de inigualável valor, foi na última legislatura da Assembleia Nacional tratado com o máximo desenvolvimento, apontando causas e efeitos e procurando soluções fáceis de apontar, mas difíceis de realizar, com os meios de que não sabemos, ou não queremos, fazer o devido uso.
O aviso prévio de que foi autor o ilustre Deputado Dr. Paulo Cancella de Abreu na VI Legislatura, aviso em que, depois de generalizado, participei, e comigo uma dezena de Deputados, e a discussão e aprovação, nessa mesma legislatura, do novo Código da Estrada, apresentado pelo Governo à Assembleia Nacional, cujo exame e estudo circunstanciado se prolongou durante uma larga série de sessões, bem demonstraram o interesse que o Governo e a Câmara puseram na sua actualização.
Assim se procedeu, observando-o e analisando-o nos seus variados aspectos, acontecimento que se revestiu de notável importância, na larga valorização resultante de uma boa factura e boa aplicação da lei, com grande influência sobre múltiplas actividades, especializando as turísticas, e ainda pelo aproveitamento de riqueza e trabalho, tão preciso e tão útil à economia nacional. E acima de tudo, Sr. Presidente, no respeito e na salvaguarda da vida humana, tão preciosa e tão desprezada, capital de valor incalculável, não respeitado por muitos dos que vagabundeiam ao longo das estradas, esquecidos desse valor, afogados na psicose da velocidade.
O problema, grave em todo o Mundo, é extraordinà-mente delicado entre nós, como as estatísticas o demonstram, urgindo solucioná-lo em parte, já que no todo se torna impossível, tantos são os imponderáveis e os imprevisíveis motivos que originam os acidentes. Posto que a segurança absoluta se revista de manifesta impossibilidade, há que actuar com decisão, firmeza e coragem na adopção de medidas de previdência e de repressão, que o Código da Estrada encerra, nas suas prescrições de ordem e de disciplina, compatíveis com a vida da sociedade, através das quais possamos libertar-nos do triste lugar que ocupamos, no concerto mundial, perante a tabela de acidentes.
São, portanto, os acidentes que importa combater, eliminando muitas das suas causas, que em grande percentagem, a mais elevada, são exclusivamente devidos à transgressão dos regulamentos do trânsito, à inobservância das suas prescrições, ignoradas e esquecidas por alguns, desprezadas por muitos, sejam eles condutores ou sejam peões.
O nosso código foi, na altura própria, cuidadosamente estudado e discutido, dentro de princípios actualizados, mas que se torna necessário rever dentro de certos períodos.
Foi elaborado à face do aumento constante do movimento automobilístico e dos seus perigos, em perfeita harmonia com os progressos da técnica, procurando assegurar a ordem, a disciplina e a segurança a que todos os que utilizam a estrada devem aspirar.
São, na verdade, as infracções à lei, não é de mais repeti-lo, responsáreis pela maior parte dos desastres. O rigoroso cumprimento do que se encontra estatuído sobre a matéria evitaria os constantes acidentes, que tantos prejuízos materiais e tantas vítimas vem causando.
Se a lei que regulamenta o trânsito fosse conhecida, respeitada e, portanto, cumprida, como devia sê-lo, por todos os usuários da estrada, condutores e público, dando inteiro cumprimento aos seus deveres de civismo, de acatamento e respeito pelos direitos alheios, o problema de segurança adquiriria um novo aspecto, isento da gravidade que presentemente acusa. Mas, no fundo e na essência, o problema é tão-sòmente um problema de educação e de disciplina que necessita estender-se, na sua meritória acção, a todas as camadas sociais, sem distinção, visto a estrada dar, as mais das vezes, nível de igualdade nas suas manifestações a pessoas de categoria inteiramente díspar.
Educar, prevenir, fiscalizar e reprimir são tarefas base da disciplina, que há necessidade de manter e intensificar, castigando rigorosamente todos os infractores que pratiquem o excesso de velocidade, realizem ultrapassagens extemporâneas, quer em curvas, quer em rectas, façam circulação pela esquerda, de tão perigosos efeitos, mau uso de luzes, provocando encandeamentos, falta de atenção à sinalização e tantas outras faltas dignas de exemplar castigo, geradoras de situações delicadas e graves.

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A prudência, a serenidade e a atenção serão garantia da integridade física do condutor e daquele público que não sabe respeitar, por ignorância e muitas vezes por distracção, as mais elementares regras de trânsito.
E se aos indivíduos, para conduzir, são exigidas condições de robustez física e psíquica, condições de normalidade orgânica suficientes, e dentro de períodos fixados por lei submetidos a exame médico sanitário, porque se não procede também a rigoroso exume técnico nos veículos velhos, tão usados, cujo período de resistência material está ultrapassado no desgaste pelo uso e pelo tempo, inferiorizado, portanto, na sua resistência?
O problema mio ú, pois, problema de insolubilidade, como se julga. Já o disse e volto a afirmá-lo: há dificuldades a vencer a que é preciso dar remédio através da aplicação de medidas resolutivas de algumas das suas parcelas.
O que não pode continuar, Sr. Presidente, é vermos as estradas transformadas num rodopio desenfreado de neuróticos e inconscientes, que julgam esquecer, na vertigem da velocidade e do perigo, os seus complexos e os seus recalques.
Para esses não existem limitações, ultrapassando em curvas encobertas, contra a mão, nas circunstâncias mais desfavoráveis; executando manobras arriscadas, como se o fizessem em pistas de corrida. Na sua aparente inconsciência revelam-se como verdadeiros suicidas, criminosos em potência, esperando oportunidade para o delito, que fatalmente terá de surgir. Todos quantos utilizam automóvel, por necessidade ou por distracção, arriscam constantemente a sua integridade física, a sua vida, no meio dessas manifestações de loucura, que parecem querer invadir a colectividade inteira.
Há nas minhas palavras um excesso de dureza?
É possível que assim seja, mas elas são expressão a da viva da verdade que as domina, avivando no meu espírito a lembrança, triste lembrança e penosa saudade, de alguns amigos que perdi nessa brutal luta de estrada, seres imolados a essa sanha diabólica dos que criminosamente esquecem o respeito devido à vida humana.
Impõem-se, Sr. Presidente, medidas drásticas para os prevaricadores, infractores ao código, que encontram sempre protecção e apoio para continuarem semeando a desgraça e a morte pelas estradas de Portugal.
Exige a consciência da Nação a prática e a adopção de medidas onde as formalidades complicativas sejam banidas, o prestígio da lei seja respeitado e aplicadas as devidas sanções, com o rigor que certos desmandos exigem.
Compete si Polícia de Viação e Trânsito a vigilância constante dos 27 000 km de estrada? percorridas pelos muitos milhares de carros que nelas circulam, em número de 186 000 em fins de Junho de 1959, incluindo motociclos. Aproximadamente 210 000 nesta data. Tem a Polícia a desempenhar um papel da mais alta importância na disciplina do trânsito. Mas não apenas em postos fixos, postos que todo o automobilista conhece, e junto dos quais as regras de prudência e atenção sofrem até exageros, mas sim em plena estrada, percorrendo-a constantemente por muitas brigadas especialmente instruídas para tal finalidade.
Não bastam para semelhante missão os guarnecedores dos postos fixos ou as brigadas móveis existentes, que são insuficientes para fiscalizar metade da extensão das nossas estradas.
Torna-se necessário e urgente o aumenta substancial dos efectivos actuais, para assim levarem a sus repressiva, mas benéfica acção, a todos, os cantos de Portugal.
Forneçam-se os meios indispensáveis à grave e delicada, função que a polícia desempenha, educando os seus elementos no cumprimento da defesa e respeito pela lei, como salvaguarda de bens materiais e humanas, verdadeira pertença da Nação.
Há muito a fazer nesta meritória tarefa de dar segurança a todos quantia encontram no automóvel e na estrada, fonte de trabalho, criação de riqueza, motivo de progresso e acentuada a melhoria nas múltiplas actividades de relação, comerciais, industriais e turísticas do País.
Continue-se essa magnífica obra de construção de novas estradas, melhorando e actualizando as existentes, dentro dos princípios aconselhados pela técnica, meio valorizante do automobilismo, completando assim esse vasto plano tão admiravelmente traçado pelo Sr. Ministro das Obras Públicas.
Exijam-se aos candidatos a condutores condições físicas e psíquicas indispensáveis ao exercício de mister com tanta responsabilidade, submetendo-os a exames sanitários rigorosos, obrigando-os a testes reveladores de muitas deformações patológicas centrais.
Dê-se às provas para exame de condução uma estrutura baseada em princípios práticos, fundamentais, seleccionando indivíduos para fazer esses exames, com reconhecida capacidade técnica e com idoneidade moral comprovada.
Exerça-se acção fiscalizadora sobre os carros que dentro do marcado limite de tempo hajam sofrido acção do tempo na resistência de matérias que constituem peças de maior importância, não esquecendo que a carga está em relação directa com a resistência do veiculo, não devendo permitir-se pesos fora dos limites devidos, marcados por lei.
Estabeleçam-se limites de velocidade, aplicando sanções aos que os não observem, não só nos povoados, mas também nas estradas, classificando-as dentro de um critério justo, obedecendo ao seu valor e à sua segurança.
Cumpram-se disciplinada e rigorosamente os horários do trabalho, obedecendo cegamente à lei, contrariando assim todos os excessos causadores de depauperamento orgânico, inimigo incompatível com o excesso da função, de que abusam muitos condutores.
Tente-se por todos os meios dar ao público e ao automobilista o conhecimento das leis, fazendo do Código da Estrada um manual educativo, cujos ensinamentos e preceitos devem fazer parte integrante da cultura dos usuários da estrada.
E dando cumprimento a estas bases, princípios em que assenta toda a orgânica rodoviária, não esquecendo a educação do povo, a educação do peão, vítima imolada à loucura de tantos condutores inconscientes, ter-se-á prestado um enorme serviço à causa da segurança rodoviária, evitando-se uma alta percentagem de desastres e criando-se aquele espirito de confiança e observância regulamentar, que devem animar não só o peão, que é o povo na sua mais alta expressão, mas quantos utilizam recreativamente, ou na luta pela existência, as estradas que cortam em todos os sentidos este magnífico rincão que é Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: no dia 23 do corrente os nossos jornais, no desempenho da honrosa missão de bem informar o público, publicaram um comunicado do conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian em que se relatam as principais actividades da Fundação desde 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1959.

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A importância das verbas distribuídas no nosso país pelos mais variados sectores e a sua influência sobre o nosso desenvolvimento artístico, cientifico e cultural merecem bem que a actuação da Fundação seja louvada pelo mais representativo órgão da soberania nacional. Por isso, Sr. Presidente, vou-me ocupar por uns momentos da sua actuação nos domínios da arte, da ciência, da educação e cultura e da beneficência.
Não quero deixar de destacar que já ilustres Deputados exaltaram nesta Casa a projecção quis a Fundação Gulbenkian viria a ter no desenvolvimento cultural e artístico do nosso país. Pedindo desculpa de não os citar a todos, apontarei somente o nome do ilustre Deputado Abel Lacerda, falecido em plena actividade política e artística. À sua memória presto comovida homenagem.
Salvo erro, foi ele o primeiro a destacar nesta Assembleia a gratidão da Nação à memória do benemérito amigo de Portugal Calouste Gulbenkian. Toda a Assembleia então o acompanhou e fez suas as suas palavras.
Sr. Presidente: a Fundação Gulbenkian, instituída pelo grande criador de riquezas que foi Calouste Sarkis Gulbenkian, após o seu falecimento, em 20 de Julho de 1955, só se institucionalizou após a publicação do Decreto-Lei n.º 40 690, de 18 de Julho de 1956, que materializou o pensamento generoso do seu instituidor.
Do relatório que precede o referido decreto-lei tomo a liberdade de citar os seguintes parágrafos:
«O instituidor escolheu Portugal para instalar a sede da sua Fundação e quis que ela se constituísse de harmonia com as suas leis, o que, antes de mais nada, vale como prova de afecto e de preferência pelo País, a que se acolheu em momento delicado da situação internacional, onde passou os últimos anos de sua operosa vida e onde fixou o seu domicílio. Por essa distinção lhe ficam gratos todos os portugueses.
Mas não poderiam os motivos sentimentais determinar uma escolha em matéria tão importante, e, necessariamente, outras razões mais ponderadas e reflectidas pesaram no ânimo do testador. Bem sabia ele o valor da paz portuguesa e a garantia que ela representava para a obra que iria prolongar o seu pensamento. Sobejamente apreciava a tranquilidade que entro nós se desfruta e estimava o que ha de estável nas instituições e no equilíbrio social, que são o espelho da nossa personalidade, assim como conhecia o grau de respeito que em Portugal se professa, em casos desses, pela vontade dos instituidores. Por tudo isto, a resolução que tomou foi também um acto do fé e confiança.
Não se desmentirá a justa expectativa de quem entregou ao nosso país a guarda de um legado magnífico, e a administração da Fundação, de maioria portugueses, não deixará de honrar plenamente essa confiança, pulo acerto dos seus actos e pelo exemplo posto na execução da vontade do testador».
As últimas palavras do relatório, que acabei de citar, escritas em 1956, mostram bem, depois de três anos de actividade da Fundação, que a expectativa nela depositada não foi vã. Calouste Gulbenkian não se enganou ao entregar a uniu maioria portuguesa a administração da Fundação. Em boa hora ele soube escolher, de entre os executores das suas ultimas vontades, o ilustre presidente do conselho de administração da Fundação, Dr. José de Azeredo Perdigão. A sua actuação notável permitiu, menos de um ano após o falecimento de Calouste Gulbenkian e depois de removidas as inúmeras dificuldades inerentes à transmissão dessa colossal fortuna, espalhada por todo o globo, que a Fundação iniciasse o seu labor em 18 de Julho de 1956. Seria injusto não destacar também neste momento as facilidades concedidas pelo nosso Governo para o cumprimento das últimas vontades de Calouste Gulbenkian.
Dois notáveis relatórios da comissão revisora das contas da Fundação já foram publicados.
O primeiro refere-se ao período que vai desde a criação du Fundação, em 18 de Julho de 1956, a 31 de Dezembro de 1957, o segundo diz respeito ao período decorrido entre 1 de Janeiro de 1958 e 31 de Dezembro do mesmo ano.
Antes de relatar sucintamente as actividades da Fundação através dos referidos relatórios, desejo patentear a gratidão e admiração do País ao grande benemérito que foi Calouste Gulbenkian. Ele entrou no nosso país em Abril de 1942, e de tal maneira se afeiçoou que, em testamento datado de 18 de Junho de 1953, lega a maior parte da sua fortuna a uma instituição de fins caritativos, artísticos, educativos e científicos, que deverá ter a sua sede em Lisboa. Bem haja a sua memória. Portugal ficar-lhe-á sempre grato.
Sr. Presidente: de 18 de Julho de 1956 a 31 de Dezembro de 1957 a Fundação autorizou para serem despendidos em Portugal cerca de 61 000 contos, assim
distribuídos: para fins artísticos cerca de 2000 contos, para fins educativos e culturais cerca de 6000, para investigação científica cerca de 28 000, etc. Destaco que foi nesse período que se fizeram as grandes obras de restauro da Igreja da Madre de Deus. Da elevadíssima verba de 28 000 contos destinada à investigação, o sector mais bem dotado, apraz-me registá-lo, 20 000 contos destinaram-se à criação do Instituto Calouste Gulbenkian, integrado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. No mesmo período concederam-se 371 bolsas de estudo, sendo 60 para o estrangeiro, 9 para doutoramentos e 302 no País.
De 1 du Janeiro de 1958 a 31 de Dezembro do mesmo ano foram autorizadas, para serem despendidas em Portugal, verbas num valor total de cerca de 59 000 contos. Para fins culturais cerca de 13 000 contos, para fins artísticos uns 11 000, pura fins educativos uns 21 000 e, finalmente, uns 14 000 contos para fins científicos.
No sector artístico destaco que a própria Fundação chamou a si a responsabilidade de interessar o meio português por realizações de grande envergadura. De entre elas, aponto a exposição sobre a rainha D. Leonor, no Mosteiro da Madre de Deus, acabado de restaurar, e integrada nas comemorações do 5.º centenário do nascimento da rainha. Essa exposição, que encantou profundamente todos os que a visitaram, mostra-nos bem do quanto a Fundação é capaz.
A importância de 35 000 contos autorizados para fins educativos e científicos permitiu distribuir bolsas no valor de 14 500 contos.
Na falta do relatório da comissão revisora das contas referente a 1959, socorro-me dos comunicados fornecidos pela Fundação à imprensa, para poder apontar a poderosa e bem ordenada actividade da Fundação no ano de 1959.
Para fins artísticos, só aio último semestre do ano findo, a Fundação concedeu subsídios no valor de 1310 contos, distribuindo 47 bolsas para o estrangeiro e 8
no País. Procedeu-se ao transporte para o Palácio Pombal, em Oeiras, propriedade da Fundação, da colecção de artes plásticas e decorativas, que guarneciam o palácio da Avenida de Iena, em Paris. Organizou-se o programa de construção, no Parque de Santa Gertrudes, de um conjunto de edifícios destinados a museus, bibliotecas, auditórios e serviços administrativos, cujo custo está orçamentado em cerca de 130 000 contos, tendo sido encarregado de elaborar os respectivos anteprojectos nove arquitectos portugueses, constituídos em três equipas distintas, que trabalham em separado, com a colaboração, a título de consultores, de mais dois arquitec-

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tos portugueses e dois estrangeiros - um inglês e um italiano -, todos de comprovado mérito.
Na secção de educação e cultura, no 2.º amestre do uno findo, foram concedidos subsídios no valor total de 8637 contos. 5000 contos foram destinados ao serviço das bibliotecas itinerantes. No mesmo período foram concedidos bolsas de estudo e subsídios de viagem num valor de cerca de 7000 contos.
O serviço das bibliotecas itinerantes, em boa hora criado, possui já 18 bibliotecas itinerantes, servindo 112 concelhos, com cerca de 90 000 leitores inscritos, elevando-se a 1 milhão o número de livros emprestados e requisitados durante o ano findo.
No sector da beneficência, também no semestre findo, foram autorizados subsídios no valor total de 2670 contos.
Para não alargar mais a minha intervenção, só direi que no 2.º semestre do ano findo foram distribuídos em Portugal, pelos diversos sectores, 17 128 contos.
Mas a actividade da Fundação não para. Já neste ano de 1960 temos a registar três factos de grande importância e que muito nos regozijam. Primeiro: foram levadas a bom termo as diligências que vinham a fazer-se para remover as dificuldades que as autoridades francesas opunham à saída de determinadas peças artísticas que guarneciam o palácio da Avenida de Iena, em Paris. Segundo: criar-se-á no mesmo palácio um instituto de cultura portuguesa. Terceiro; construir-se-á na cidade universitária daquela capital um pavilhão para, estudantes portugueses.
Estes três factos, do maior prestígio para Portugal, bem merecem ser destacados.
Sr. Presidente: vou terminar. Pena tenho de não ter podido dar a esta intervenção o calor que merecia, para assim vincar melhor quanto os Portugueses estão gratos à memória de Calouste Gulbenkian.
Mais acrescento que o muito que devemos à Fundação provém também, em grande parte, de à frente do seu conselho de administração se encontrar uma pessoa de alta inteligência, bom senso, grande administrador, bom diplomata e um grande português, que é o Dr. José de Azeredo Perdigão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: traz-me aqui hoje um problema de ordem económica da região que represento, o qual me parece, no meu pouco saber destas coisas, dever merecer a atenção de quem puder dar-lhe solução.
Como é sabido, Sr. Presidente, a economia alentejana assenta sobre três produtos essenciais à alimentação: o trigo, o azeite e o porco, cujos preços de venda são fixados superiormente e mantidos durante muitos anos, sendo por isso a penas a lavoura a suportar os prejuízos das más produções ou das flutuações do marcado. Sendo assim, também a ela cabe arrecadar os lucros dos anos bons, mas, pelo que ouço dizer, estes são bem poucos, e nos razoáveis apenas sã consegue equilibrar a receita com a despesa, dados os baixos preços de venda estabelecidos. Na região onde vivo, o volume de empréstimos da Caixa de Crédito Agrícola e do Banco Nacional Ultramarino são índice seguro da instabilidade económica, para não dizer debilidade,, em que a lavoura vive.
Pela Portaria n.º 17 393, de há bem poucos meses, foi finalmente revista a tabela dos preços do azeite, verificando-se aumentos que chegaram a l$90 em litro. À volta deles criou-se, imediata a logicamente, a psicose da alta: o pessoal da apanha exigiu paga mais elevada, o pessoal dos lagares viu os seus salários melhorados.
Aconteceu, porém, Sr. Presidente -e falo sobretudo da região de Estremoz, onde a mancha de olival é muito importante, mas parece que poderia falar de todos os olivais-, aconteceu que tendo a perniciosa mosca mediterrânica atacado as azeitonas, o azeite produzido este ano foi em menor quantidade e de maior acidez. Isto quer dizer que, se em 1000 kg de azeitona é normal extrair-se 19,5 por cento a 20 por cento de azeite, este ano se extraiu apenas 17,5 por cento a 18 por cento, e que o azeite norma l monte produzido com 1º do acidez agora se apresenta com, pelo menos, 3º, e, sendo a azeitona retardada, com 6º e 7º. O que o produtor, pela tabela antiga, vendia por 12$, e podia agora vender por 13$90, só pode efectivamente colocar por 12$60, por ser o produto de maior acidez, e mesmo os $60 de diferença não são valor real, porque a percentagem da produção foi abaixo da normal.
Mas, Sr. Presidente, para o consumo público só podem ser lançados azeites com 1º, 1,5º, 2,5º e 4º. Isto significa que os azeites deste ano tiveram de ser quase todos refinados, e sabendo-se que cada refinação dá de prejuízo o dobro da acidez mais 2 por cento, fácil será avaliar-se a quebra que se verificou na safra deste ano. Em números grosseiros, talvez possa dizer que, numa safra prevista de 80 milhões de quilogramas ide azeite, haverá uma quebra de 16 milhões. Não é pois de admirar que se fale já em importação de azeite espanhol.
O problema transcende assim o caso regional, para se tornar num verdadeiro problema de âmbito nacional, e facilmente se conclui que a solução a encontrar não é a de se pagar melhor à lavoura, mas a de evitar que a mosca mediterrânica continue a destruir uma das nossas poucas riquezas. Essa tarefa tem de ser feita por campanha governamental, para que todas as oliveiras sejam do mesmo modo tratadas e para não sofrerem os muitos cumpridores com a indiferença de alguns. E tem de ser feita com muita vigilância, para se evitarem até as pequeninas críticas, como as que se ouvem fazer a propósito do ataque ao burgo dos montados de azinho.
Ao trazer aqui, com as minhas poucas palavras, pouco técnicas, um problema que se tornou agora agudo na região em que vivo -e que parece existir em outras mais- fi-lo na esperança de que, a tempo e horas, seja feita a sua apreciação por quem sobre ele se deve debruçar, para que o azeite que comemos seja apenas nosso, de boa qualidade e não amaldiçoado pelos que têm de entregá-lo com sacrifício.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: regressei ontem à noite de uma longa viagem à Índia Portuguesa, ao Paquistão o à Itália. Tive a honra de acompanhar, em missão profissional, o Sr. Ministro da Presidência na viagem que realizou àquelas regiões. E não posso deixar de nesta Câmara testemunhar ao ilustre homem público o meu apreço e a minha admiração pelo modo como conseguiu um êxito magnífico em todas as regiões onde passou, contribuindo assim altamente para o prestígio de Portugal e para a unidade dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, quem um dia desembarca era Goa, quem percorre Damão e Diu, sente-se verdadeiramente emocionado com o trabalho magnifico que realizámos

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durante séculos, e não apenas com o trabalho de que reza a história antiga, mas com o esforço tantas vezes heróico e algumas ignorado que regista a história contemporânea.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Particularmente entendo de exaltar a acção magnífica dos portugueses da índia, desde o governador-geral, o mais alto responsável, até quantos em todas as emergências têm sabido continuar a glória portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: foi com emoção profunda que todos nós, os que em missão oficial ou profissional estiveram em Goa, nos ajoelhámos junto do túmulo de S. Francisco Xavier, e foi com idêntica emoção que quase nos ajoelhámos também, por exemplo, que das muralhas da fortaleza de Diu, como junto das pedras da «Velha Goa». Os que se entretém com a intriga e se comprazem com a intriga bem poderiam aprender a lição de sadio e forte optimismo dos portugueses da índia, que, tranquilamente, prosseguem a obra dos nossos antepassados, enfrentando os problemas com serena reflexão dos que os querem verdadeiramente solucionar.
Deste modo presto homenagem ao actual governador do Estado da índia, assim como a todos os seus antecessores, e presto também homenagem aos que com eles colaboraram em todos os sectores da Administração ou noutros e a quantos lá labutam para maior grandeza da Pátria!

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro da Presidência teve a oportunidade, e com ele todos nós, de verificar que para além de qualquer raça ou religião, plenamente se realizou e estruturou a unidade dos que vivem sob a bandeira gloriosa de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Creio ser esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a maior colaboração portuguesa para o mundo de boje, e como nos grandes areópagos internacionais se fala não apenas no mundo de hoje, mas sobretudo no de amanhã, creio que essa será, para além de qualquer tipo de civilização técnica, o grande exemplo em todos os séculos passados e futuros!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ao regressar da índia Portuguesa, o Sr. Ministro da Presidência visitou o Paquistão, e a forma como aquele ilustre homem público foi recebido pelo Governo e povo daquele país, que tão vitoriosamente ultrapassam as dificuldades tremendas que têm de enfrentar, e a maneira como representou o País bem merecem que lhe testemunhemos a nossa admiração.
Recebido pelo Presidente do Paquistão, marechal Ayub Kham, e outros membros do Governo, o Doutor Pedro Teotónio Pereira esteve nas cidades de Karachi, Rawalpimdi, Peshawar, Labore e outras, e em toda a parte bem viva se verificou a amizade entre os dois países, recordando sobretudo as cerimónias decorridas na fronteira do Noroeste, onde foi testemunhada ao Sr. Ministro a claridade de sentimentos que muito nos apraz salientar.
Terminou a viagem com a audiência que o Santo Padre concedeu ao Doutor Pedro Teotónio Papeira e as conferências que teve com o Presidente do Conselho e com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália.
Tenho assim a firme certeza de que temos sérias razões para nos congratularmos com o êxito tia viagem do Sr. Ministro da Presidência, que foi novo e forte elo de unidade nacional e razão de maior prestígio para Portugal.
Quem ainda salientar neste instante - e com especial gosto o faço - que os portugueses da América do Norte, quando recentemente visitei aquele país, me pediram que aqui acentuasse o seu vivo patriotismo, que, na verdade, em todos os instantes se manifesto.
Vivam os portugueses na metrópole ou em qualquer província do ultramar ou habitem no estrangeiro, o mesmo sentimento de amor à Pátria os une. Possíveis excepções são triste raridade, que apenas torna mais furte e actuante a realidade que referi.
E foi essa realidade, tão eminentemente nacional, que o Sr. Ministro da Presidência notavelmente acentuou com a viagem que ontem findou com a sua chegada a Lisboa.
Congratulemo-nos, portanto, com a alegria que nos dá o seu triunfo, que foi um triunfo para todos nós, pois, como afirmei, altamente contribuiu para o prestígio da nossa pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: os factos a que acaba de fazer referência o Sr. Deputado Ramiro Valadão eram dignos, efectivamente, de ficar assinalados nos fastos da Assembleia com os seus aplausos calorosos.
É que, sobretudo, eles põem em relevo uma nobre política, inspirada no sentimento do mais puro patriotismo. Política de um Governo cônscio das suas responsabilidades perante a Nação, conduzida com uma firmeza, uma constância, um espírito de sequência, uma convicção de direito, uma fé verdadeiramente exemplaras. Prestar rendida homenagem ao homem que a concebeu, aos Chefes do Estado que a aprovaram e apoiaram e aos Ministros a quem coube a delicada e complexa missão de a executarem é um elementar dever de justiça. Mas é também um dever de elementar justiça reconhecer a unidade de todos os sectores do País à volta de questões que tocam problemas fundamentais da integridade do património nacional. Motivo para encararmos com inteira confiança o futuro do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Mas seria omissão indesculpável não nos congratularmos também com o êxito pessoal do Sr. Ministro da Presidência na missão que o levou a Goa e a Karachi, êxito em que se reflectem certamente as suas qualidades pessoais, mas que redundou em proveito do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 1.º da proposta de lei em que se converteu o Decreto-Lei n.º 42 178, quanto às alterações que pretende introduzir no artigo 72.º do Código Administrativo.
Tem a palavra o Sr. Homem Ferreira.

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O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidente: as brilhantes considerações do Sr. Dr. Carlos Lima reduzem a minha intervenção a um breve apontamento, para evitar demasiadas repetições. Ainda bem.
Ligam-me a dois dos signatários do parecer, meus velhos professores de Coimbra, laços da mais profunda e sói ida estima. Poderia, assim, ao discutir na especialidade o Decreto n.º 42 178, sofrer de uma espécie de uma espécie de inibição sentimental, capaz de afectar e diminuir a descontracção que a análise do assunto requeria.
Sem embarco, não posso deixar de dizer que o parecer da Câmara Corporativa peca em dois aspectos fundamentais; distorcer e amputar a consequência lógica das próprias premissas que adoptou e interpretar às avessas o verdadeiro significado da «aprovarão na generalidade» da Assembleia.
Na realidade, a tese da Câmara Corporativa fixa que o presidente do município é, essencialmente, um representante da colectividade concelhia é só subsidiariamente magistrado administrativo.
Por isso, e como necessita efeito doutrinal, se estabeleceu um período de tempo certo e determinado pura o respectivo mandato, exactamente para se proceder à verificação de quatro em quatro anos ou de oito em oito (como estava)- da autenticidade e justeza dessa representação da comunidade. Ora, esta linha doutrinal implica, forçosamente, a não limitação de reconduções.
Basta encarar a hipótese de, no momento em que obrigatoriamente se faz tal revisão, se concluir que todos os presidente com doze anos de exercício são os melhores representantes concelhios.
A substituição obrigatória entraria então em conflito com o próprio quadro doutrinal, ferindo o desenvolvimento lógico do sistema e, sobretudo, ofendendo as realidades e, até, as conveniências políticas e sociais.

O Sr. Homem de Melo: - Muito bem!

O Orador: - Mas, disse-se aqui, com inegável brilho, os factos têm aconselhado um limite à terceira recondução. Porque, ao fim de doze anos, os presidentes «perdem dinamismo, crescem os descontentes, diminui-se a capacidade pela acção política, a actividade tende a confinar-se aos aspectos burocráticos da administração ou até simplesmente à rotina», ou, ainda, os presidentes das câmaras passam a ser amigos do governador civil ou do Terreiro do Paço.
Serão estas as realidades? Creio que não e que se trata de juízos de valor e de crítica sobre erros dos homens, e não das leis.
É uma apreciação generalizada sobre, casos isolados. A verdade é muito outra.
Contam-se pelos dedos os presidentes das câmaras cujo contacto cerimonioso com o Terreiro do Paço criou laços de amizade.
Uma grande parte dos presidentes conhece os Ministros, quando muito, das fotografias dos jornais.
Quanto aos governadores civis, poucos têm durado até às terceiras recondução dos presidentes das câmaras.
Só aqueles que, por pertencerem a distritos onde há sobreposição de autoridades, parecem ter logrado que as entidades responsáveis se esquecessem de os substituir. De qualquer modo, casos excepcionais que não podem servir de alicerce a generalizações. A realidade é, de facto, outra. No que respeita à primeira parte que atrás indiquei (perda de dinamismo, etc.), são factores que não tom de ser considerados, pois, segundo a tese do parecer, o que importa verificar é se o presidente representa ou não si concelho e se tem a idoneidade requerida para magistrado administrativo, sendo indiferente aos fins do legislador a perda de dinamismo, o cansaço ou a temperatura das amizades pessoais.
Sr representa o concelho, o resto não conta, nem pode contar.
Porque, e ainda sob este ângulo, se o Governo, ao proceder à verificação da autenticidade representativa do presidente da câmara, se determina não pelo resultado desta verificação, mas porque o presidente se tornou um amigo indispensável, ou pelas outras razões enunciadas, isto significa que não actua de acordo com o quadril de valores legais, isto é, comete aquilo a que em direito administrativo se podia chamar um desvio de poder.
É, se assim é, também havia que criar-lhe um travão legislativo, visto estar sujeito às mesmas distorções e inversão dos valores legais, em relação às primeira e segunda reconduções.
Nós não pudemos raciocinar em termos de considerar o Governo em permanente desvio de poder, nem temos de estar, periodicamente, a ajeitar as leis à incapacidade dos homens!
Porque então teríamos de alargar a medida limitador a imensos casos e inúmeros sectores. Acabaríamos por resvalar numa verdadeira inflação legislativa!
Por outro lado, a Câmara Corporativa não apreendeu si verdadeiro mentido da aprovação na generalidade da Assembleia.
Transcrevo, textualmente, da p. 846 do parecer:
«Na presente conjuntura entendeu o Governo que era mais conveniente estabelecer um limite a essa livre recondução, ao cabo de doze anos de exercício. E a Assembleia, numa visão diferente das conveniências, entendeu dever vetar a deliberação do Governo».
Ora. se a Assembleia refou o limite da livre recondução, como é que a Câmara Corporativa redige e preconiza um preceito a consagrar como regra exactamente o limite da livre recondução, isto é, a consagrar como princípio, precisamente, o que a Assembleia vetou?!
Resta dizer que st nu solução a encontrar não têm de intervir senão considerações de conveniência ou oportunidade, como defende o parecer, então é mais lógico deixar o Governo com inteira liberdade para medir e avaliar a conveniência ou oportunidade de sucessivas reconduções, sem algemas ou limites que o impeçam de observar essa conveniência.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - A estabilidade também tem as suas virtudes. E tantas que não é lícito confundi-las com o conceito de monotonia política ...
Finalmente, sempre direi que o caso é paradoxalmente curioso: o Governo pretende limitar os seus próprios poderes, e é precisamente a Assembleia que lhos pretende confiar sem fatias a menos.
É um nítido caso de confiança política da Assembleia no Governo, e só é de estranhar a singular incompreensão do Executivo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: em 17 de Março de 1959 tive a oportunidade de levantar a minha voz contra certas alterações substanciais que o Decreto-Lei n.º 42 178, de 9 de Março do mesmo ano, estabeleceu ao artigo 72.º do Código Administrativo.
Algum tempo depois - 25 de Abril - voltei a usar da palavra sobre o assunto, encerrado o debate motivado pela inclusão na ordem do dia da apreciação daquele diploma, consequente de um requerimento que com mais treze Deputados, tive a honra de subscrever.
Julgava-me, assim, mais que dispensado - praticamente inibido - de voltar a pedir a atenção da Câmara,

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até porque se me afigurava que a votação unânime da Assembleia, ratificando com emendas o decreto-lei, exteriorizara o aplauso que as minhas palavras haviam suscitado - não, certamente, por virtude de orador, mas pela justiça dos princípios que então defendeu.
Sucede, porém, que o exaustivo parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei em que, por força da votação du Assembleia, o Decreto-Lei n.º 42 178 entretanto se transformou, obriga-me a regressar ao debate, tantas vezes sou honrado com a citação das minhas pobres palavras, não raro para ser chamado a capítulo.
Embora a, ratificação com emendas de um decreto-lei signifique doutrinal e legalmente que nem a Assembleia nem a Câmara Corporativa haverão de debruçar-se sobre a generalidade do diploma (como magistralmente ensina o relator do parecer), uma vez que a votação dos Deputados «deixou arrumado o debate quanto à oportunidade e vantagens dos novos princípios legais o quanto à economia do decreto-lei», a verdade, Sr. Presidente, é que a Câmara Corporativa tão atenta aos saltos lógicos que ferem a minha intervenção de 17 de Março - breve pareceu esquecer a posição defendida, cedendo à tentação de acompanhar os profundos conhecimentos do ilustre relator sobre a matéria, através dos largos caminhos que levam ao debate na generalidade.
Efectivamente, tendo o cuidado de proclamar u cada passo que a Câmara Corporativa só poderia ater-se ao exame na especialidade, acaba por aceitar ser, todavia, necessário apurar o verdadeiro sentido da generalidade aprovada pela Assembleia ao ratificar uni decreto-lei. E daí lançar-se no apuramento da generalidade aprovada, generalizando também.
O facto deixa-me livre para seguir método idêntico, por mais breve que queira, e deva ser.
Sr. Presidente: a Assembleia Nacional, que é um órgão de soberania com funções políticas e legislativas, reduziu-se, mercê das circunstâncias próprias do sistema, em que vivemos, a um órgão quase exclusivamente político - de apreciação política, para me servir do termo porventura exacto.
Apreciar e controlar a actividade do Governo, fazer-se eco da opinião pública, defender as grandes linhas da legalidade política - eis, segundo penso, as suas três nobres e essenciais tarefas.
Ora, ao levantar a minha voz contra as alterações que o Decreto-Lei n.º 42 178 introduzia ao artigo 72.º o Código Administrativo, diligenciava tão-somente apreciar e criticar um acto político do Governo (de acordo com uma das tarefas essenciais da Assembleia atrás definidas), sem me ater aos princípios jurídicos que poderiam justificar ou reprovar a publicação das referidas alterações.
Para atingir esta evidência gasta a Câmara Corporativa cinco densas páginas de notável e erudita análise jurídica e doutrinal, que não posso deixar de considerar inútil para a economia do debate, até porque são responsáveis por um manifesto salto lógico que adianto referirei.
Mas parece-me lícito que abra um parêntesis e registe desde já não ter afinal, no debate em curso, o monopólio dos atropelos contra a ciência aristotélica. como a Câmara Corporativa dá a entender.
O problema é só este: o Governo julgou oportuno (expressão talvez preferível ao julgou conveniente que a Câmara perfilha) alterar a disposição que permitia a livre recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, estabelecendo um limite 'àquela faculdade ao cabo de doze anos de exercício do cargo e marcando uma data (31 de Março) para que cessassem funções, automaticamente, todos os presidentes e vice-presidentes em exercício há mais de doze anos. O Governo julgou a Assembleia Nacional julgou inoportuno, e não só inoportuno, como politicamente injusto em relação a muitos dos que eram demitidos pelo novo processo.
Este quadro - marcadamente político - não conduzia necessariamente a largas apreciações doutrinais, quis se revelam ser tanto do agrado (como aliás se compreende) do ilustre relator e do alguns dos Dignos Procuradores que subscrevem o parecer.
Mas o que resulta lamentável é que por mor da doutrina a Câmara acabasse por cair em contradições, que não se verificariam se se tivessem limitado, como era mister, a apreciar a proposta de lei nos precisos termos em que a Assembleia Nacional havia colocado o debate.
Lancei deste lugar, Sr. Presidente, e o nosso ilustre colega. Homem Ferreira daquela tribuna, com muito brilho o vibração, um grito de alarme essencialmente contra o que nos pareceu constituir um acto de flagrante injustiça política, na medida em que o Governo, cedendo aos ventos demagógicos que sopravam, decidira varrer dos cargos que exerciam todos os presidentes e vice-presidentes das Câmaras que o fossem há mais de doze anos. E grito de alarme ainda, mas consequente e não já essencial, contra a introdução do principio da substituição obrigatório ao fim de certo período de tempo, que se nos afigurou da mesma forma inconveniente sob o ponto de vista político e juridicamente incongruente («pleonasmo jurídico» lhe chamou o Dr. Homem Ferreira).
Esta a posição tomada, que a Assembleia Nacional aprovou, pelo menos parcialmente, não concedendo a ratificação pura e simples ao decreto que introduzia as alterações.
E, movendo-me sempre em plano de apreciação política, perguntava, então, porque é que só os presidentes e vice-presidentes das câmaras eram atingidos pela disposição legal que os demitia automaticamente no dia 31 de Março de 1959 e também não caíam na alçada da lei os administradores por parte do Estado em empresas concessionárias ou naquelas em que este tenha posição accionista, os delegados ido Governo junto de vários organismos, os governadores civis, todos enfim os que por qualquer forma desempenham cargos de confiança? Perguntava-o e volto hoje a interrogar o Poder, tão certo estava e estou que a crítica contra o imobilismo político, a que o Governo pareceu dar satisfação através do Decreto-Lei n.º 42 178, não tinha a sua origem na continuidade da administração local, mas no que se verificava e verifica em outros sectores da vida publica portuguesa.
Contra o que me pareceu revestir uma gritante injustiça e um nítido caso de falta de realismo político é que me insurgi e foi, afinal, na sequência do caminho que tracei que a Assembleia, após outras intervenções de ilustres colegas, veio a votar, com emendas, a ratificação do diploma, convertendo-o na proposta de lei agora em discussão na especialidade.
Não se ignora que aos Dignos Procuradores já não competia apreciar a disposição que exonerava a partir de 31 de Março todos os presidentes e vice-presidentes das câmaras em exercício há mais de doze anos, dado que o seu conteúdo se tinha esgotado antes que a Assembleia tivesse oportunidade de proceder à apreciação do diploma. Mas na fertilidade de comentários, juízos de valor e apreciações em que o parecer se baseia talvez não ficasse deslocada uma referência justa ao facto que, afinal, provocara decididamente a reacção da Assembleia.
De resto, a fixação de um período de tempo para além du qual não é possível a prorrogação do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras munici-

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pais - que n Câmara Corporativa veio a considerei o pólo do debate - não tinha que ser apreciado à luz de princípios doutrinários ou jurídicos, mas tão-somente em face de razões e considerações políticas. E quanto a estas é que se manifestou o desacordo da Assembleia.
Ora, às razões de natureza política invocadas responde a Corporativa com razões jurídicas e doutrinárias, para concluir, como já frisei, que afinal se trata de um problema cuja solução tem de ser ditada apenas por considerações de mera conveniência.
Como aceitar, assim, pertinente e útil a longa elaboração doutrinal a que a Câmara Corporativa procedeu?
Na verdade, a política -à escala em que a estamos a apreciar - é coordenação do interesse da colectividade municipal com interesse da grei; é o reconhecimento das realidades locais caso a caso, e não a apreciação dos problemas concelhios através de prismas gerais; é, em suma, a arte do concreto, e não a análise do abstracto ou do genérico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, bem: procedendo à substituição indiscriminada de alguns presidentes das câmaras e introduzindo o princípio da substituição obrigatória o Governo actuou com perfeita inversão de valores políticos, facto que veio a merecer a desusada reacção da Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A esta cumpre agora reparar o que julgou ser erro e injustiça política por parte do Executivo. E na impossibilidade de evitar os afeitos que resultaram da aplicação do § único do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 42 178, cujo conteúdo se esgotou em 31 de Março de 1959, há que diligenciar o regresso ao princípio da livro nomeação, demissão e recondução, revogando-se definitivamente o da substituição obrigatória.
Antes, porém, de concretizarmos ainda teremos algum caminho a percorrer.
Sr. Presidente: como já disse, a Câmara Corporativa socorre-se no seu douto parecer de largas considerações jurídicas e determinada cadeia doutrinal que a levam a concluir que o Governo bem poderia ter actuado como actuou (sem quebra de doutrina), embora tiveste sido politicamente inconveniente a iniciativa, adoptando, pois, ainda que superficialmente, o ponto de vista expresso pela Assembleia.
A realidade é, porém, muito diferente.
Quem se tenha dado ao trabalho de ler e analisar o parecer elaborado pelo ilustre relator Prof. Doutor Braga da Cruz não poderá ter deixado de encontrar lima ou duas evidentes contradições. E porque a Câmara Corporativa não se dispensa de referir os saltos lógicos que vitimam a minha intervenção de 17 de Março de 1959, não posso, em acto de pura consciência, perder a oportunidade de lhe pagar na mesma moeda.
Vejamos, então.
Se a Câmara Corporativa não tivesse procurado enquadrar a actuarão do Governo em determinada cadeia doutrinal nada haveria a dizer quanto às conclusões perfilhadas. Mas, precisamente porque ao elaborar a referida cadeia doutrinal, a Câmara Corporativa conclui pela autonomia do princípio da substituirão obrigatória, quando, de acordo com a lógica do sistema defendido, essa autonomia não existe, é que se torna necessário chamar a atenção para o salto lógico que inadvertidamente a Câmara Corporativa aprovou.
Na verdade, o digno relator procura demonstrar que uma coisa é a nomeação dos presidentes e vice-presidentes das câmaras por período certo de tempo e outra o principia da substituição obrigatória, aquela na lógica do sistema que entre nós vigora quanto à natureza jurídica daqueles cargos, esta com perfeita autonomia doutrinal. Quer dizer: o principio da nomeação por período certo de tempo não poderá ser ofendido, sob pena de quebrar toda a cadeia doutrinal elaborada, em que avulta o facto de o presidente da câmara ser, ao mesmo tempo, um representante da colectividade e um magistrado administrativo, como tal representante do Governo; por outro lado, o principio da substituição obrigatória surge, aos olhos da Câmara Corporativa, como independente, do sistema - susceptível de ser ou não adoptado sem que se verifique desacordo ou quebra de doutrina.
Dando como certa a posição jurídica do presidente da câmara que o parecer detende (e adiante evidenciarei as dúvidas quanto à sua bondade), os pressupostos em que assenta a tese defendida pelo ilustre relator levam a uma evidente contradição.
Na verdade, se os presidentes das câmaras têm a dupla qualidade du representação municipal e de representantes do Governo e aquela (como sustenta o douto parecer) precede e suporta esta - como será possível proclamar a autonomia doutrinal do princípio da substituição obrigatória se esto revela exclusivamente um acto de força política por parle do Governo, determinado por circunstâncias de ordem geral, independente das realidades e factures locais que deveriam condicionar - na lógica do sistema - a permanência ou a demissão de um presidente da câmara essencialmente representante da colectividade municipal?
Por outras palavras: a demissão generalizada dos presidentes e vice-presidentes das câmaras a que assistimos no dia 31 de Março do ano passado poderá ser considerada aceitável à, luz dos pressupostos doutrinais tão brilhante arquitectados pela Câmara Corporativa - ou não se terá apresentado antes como acto arbitrário e ilógico do Poder, em nítido desacordo com a cadeia doutrinal defendida pela Câmara Corporativa?
Efectivamente, Sr. Presidente, será possível integrar na, lógica, de um sistema que coloca o presidente da câmara na posição de «representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho» (como se afirma no parecer) com a demissão maciça a que assistimos e mesmo com o principio da substituição obrigatória?
Na realidade, se o principio da nomeação por período certo de tempo é uma consequência do facto de os presidentes e vice-presidentes das câmaras desempenharem antes de tudo o mais cargos representativos (que só razões ponderosas obrigam, na lógica do sistema vigente, a não considerar electivos, na opinião da Câmara Corporativa), como aceitar a autonomia doutrinal do princípio da substituição obrigatória, uma vez que poderia conduzir à impossibilidade de a certa altura, se apresentar ao sufrágio precisamente aquele dos munícipes que tivesse maiores probabilidades de ser eleito, no caso de o cargo voltar a ser electivo, como o ilustre relator defende?
Isto significa que, ao adoptar a cadeia doutrinal referida, a Câmara Corporativa não poderia concluir que o principio da substituição obrigatória pode ser solucionado com perfeita autonomia, doutrinal. E, porque concluiu, o salto lógico tornou-se evidente.
É que, de acordo com os pressupostos em que se baseia o parecer, havia que rejeitar, contrariamente ao que se afirma, o princípio da substituição obrigatória, seguindo-se a única solução doutrinalmente imposta pela solução adoptada quanto aos problemas anteriores.
E essa serio, o regresso ao regime anteriormente em vigor.

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Eis o paradoxo em que caiu a Câmara Corporativa.
Na verdade, ou a argumentação e os pressupostos em que o parecer se baseia estão certos, e é ilógica a conclusão, ou esta procede, mas são falsos os pressupostos. Daqui não há que sair.
Sr. Presidente: movi-me até agora no quadro que a Câmara Corporativa traçou.
Procurarei agora, no mais breve espado do tempo, alinhar as ideais que sobre a matéria defendo para chegar às conclusões que me hão-de levar a propor o regresso ao sistema que o artigo 72.º do Código Administrativo prescrevia, ou a uma solução de compromisso em que as ideias essenciais que detendo não deixem de triunfar.
Em primeiro lugar não se me afigura que a natureza mista dos cargos de presidente e vice-presidente das câmaras municipais possa ser validamente posta em causa.
Eles são, na realidade, os representantes dos munícipes, que representam junto do Poder Central, e são também os representantes do Governo junto da autarquia.
Mas querer demonstrar, de juri constituto, que o presidente da câmara é um representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho parece-me inteiramente improcedente.
A posição, desde há muito conhecida, do ilustre relator Prof. Braga da Cruz (que aliás se revela nas entrelinhas do parecer) preconizando que o cargo de presidente da câmara volte a ser idêntico terá conduzido a Câmara Corporativa a encontrar no presidente da câmara municipal primeiro o representante da colectividade e depois o magistrado administrativo.
Talvez assim devesse ser. Mas o problema não tem agora que se discutir de jure constituindo, mas tão-somente à face do direito constituído e do direito aplicado - e estes só por sofisma poderão interpretar-se como o Prof. Braga da Cruz ensaiou.

A interferência do Poder Centro! junto das autarquias locais é de tamanha monta; a possibilidade de escolha dos presidentes e vice-presidentes das câmaras tão vasta (embora o corpo do artigo 71.º do Código Administrativo pareça timidamente apontar um caminho, que aliás, o Governo, por força do § 2.º do mesmo artigo, é livre de seguir ou não); o poder discricionário do Ministro do Interior é tão grande, nomeando, reconduzindo, demitido -que só de muito boa vontade parece possível concluir pela subordinação do magistrado administrativo ao representante da colectividade, como fez a Câmara Corporativa.
Não, Sr. Presidente. A dualidade de magistraturas que os presidentes e vice-presidentes das câmaras exortem ó paralela, e não subordinada; mas, se o não fosse, o direito aplicado (já não digo o positivo) indicar-nos-ia que a subordinação era precisamente ao invés da que defende a Câmara Corporativa.
Repare-se que só por assim ser é que o Governo não hesitou em demitir, genericamente e de uma só vez, todos os presidentes das câmaras municipais em exercício há mais de doze anos - precisamente porque os considerou seus representantes, paralela ou subordinadamente ao facto do serem também os representantes dos concelhos em que exerciam os respectivos cargos. Daí o ter-se arrogado a facilidade de os substituir, sem ter em linha de conta o interesse político local.
Ora bem: a introdução da principio da substituição obrigatória é manifestação da mesma realidade que se revela incoerente à luz dos pressupostos doutrinais defendidos pela Câmara Corporativa (embora o parecer diga o contrário), mas perfeitamente integrada na posição do Governo, uma vez que a autonomia doutrinal
só se pode aceitar desde que a natureza jurídica mista dos cargos de presidente e vice-presidente seja paralela ou subordinada em sentido inverso àquele que a Câmara Corporativa quis demonstrar.
A Assembleia Nacional é que, embora sem poder censurar a posição jurídica e doutrinal do Executivo, a condenou politicamente.
E, assim, podemos regressar ao ponto de partida, agora já de acordo com a Câmara Corporativa: o Governo julgou oportuno; a Assembleia Nacional julgou inoportuno. Nada mais.
Descendo agora ao pormenor das hipóteses ventiladas e da solução que a Câmara Corporativa acaba por defender afigura-se que a Assembleia Nacional deveria votar o regresso ao statu que ente, embora se aceite a redução de oito para quatro anos do período de cada mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, o que parece pertinente.
A Câmara Corporativa repudia o regresso ao sistema de liberdade absoluta de recondução, defendendo, como principal argumento, a necessidade de se pôr termo ao pecado da permanência pela permanência e da estabilidade pela estabilidade, reverso vicioso da instabilidade política e administrativa que campeava no regime anterior à Revolução de 28 de Maio de 1926.
Ora, Sr. Presidente, tenho alguma autoridade na matéria, porque, muito antes do próprio Presidente do Conselho proclamar a necessidade e o sentido da renovação, já a defendera com o maior entusiasmo. Muito me constrangeria verificar que se pensasse ter mudado de opinião.
O mal está na tentação em que o Governo se deixou cair de renovar por renovar, quando o que se lhe pedia ou exigia era uma renovação consciente e discriminada.
Renovar indiscriminadamente è permitir que o tal vento subverino, na, felicíssima expressão do Dr. Homem Ferreira, se instalo no comando da nau política e provoque as maiores injustiças e as mais sérias dificuldades.
Renovar por renovar é coisa que se espera de adversários; não é processo que se empregue entre muros de determinada cidadela política, vitimando precisamente os que servem ideias e causa comuns.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora quando uma lei confere aos governantes o poder discricionário de nomear, reconduzir e demitir e surge outra que pretende efectivar às cenas um dos referidos poderes, o menos que se concluirá é que o legislador reconheceu a importância do órgão que deveria actuar no sentido de fazer uso do poder que a lei já lhe conferia.
Mas a Assembleia Nacional não poderá reconhecer tão flagrante inferioridade do Executivo, até porque lhe compete também velar pelo prestígio dos governantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E esta não deixará de ser uma das razões mais ponderosas que conduzem ao sistema anteriormente em vigor.
A solução de compromisso preconizada pela Câmara Corporativa não parece ainda merecedora de aplauso, pelo menos em toda a sua extensão.
Na verdade, porque se há-de responsabilizar o vértice político do Estado pela recondução de um presidente de câmara ao fim de doze anos, pedindo a solidariedade e a assinatura dos Presidentes da República e do Conselho num casa que o Ministro do Interior pode perfeitamente resolver com pleno conhecimento de causa?

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Para quê complicar o que é simples? Para quê acrescer às responsabilidades directas do Chefe do Estado e do Presidente do Conselho a simples recondução de um presidente ou vice-presidente de câmara?
Para quê introduzir a referida fórmula nestes casos, quando a Constituição enumera taxativamente no § 6.º do artigo 109.º as nomeações que deverão revestir a especial solenidade de decreto?
Mas a política é a arte do possível, e só porque assim é me decidi a subscrever a proposta da Comissão de Política e Administração Geral e Local, dado que se me afigurou inoportuno e pouco razoável fazer do caso uma questão fechada.
Lembro, todavia, que a transigência não significa que qualquer dos pontos de vista essenciais defendidos deixasse de triunfar. Assim, a revogação pura e simples do princípio da substituição obrigatória; assim, o reconhecimento da inoportunidade do Decreto-Lei n.º 42 178 e suas consequências, verbi gratia, a demissão generalizada dos presidentes e vice-presidentes de câmaras em exercício há mais de doze anos; assim, a demonstração dos ilogismos em que a Câmara Corporativa caiu, quando precisamente procurava verberar os saltos lógicos de outrem,.
Nestes termos, votarei a proposta, embora esteja certo de que não se terá encontrado a fórmula mais feliz.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de se prosseguir na discussão vou mandar ler uma proposta de aditamento que chegou à Mesa posteriormente à apresentação da primeira proposta de alteração.

oi lida. É a seguinte:

Proposta de aditamento

«Propomos que ao artigo 72.º do Código Administrativo, tal como se encontra no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178, seja aditado um § 2.º, com a seguinte redacção, proposta pela Câmara Corporativa:

§ 2.º Para os efeitos deste artigo é equiparada à recondução a nomeação para o mesmo cargo antes de decorridos quatro anos sobre a data em que o nomeado deixou de desempenhá-lo.

José Guilherme de Melo e Castro,
Manuel Tarujo de Almeida,
Joaquim de Pinho Brandão,
João Carlos de Sá Alves,
Manuel José Archer Homem de Melo e
Augusto Duarte Henriques Simões.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: ao discutir-se na generalidade a ratificação do Decreto-Lei n.º 42 178 tive ocasião de marcar o meu modo de ver quanto ao problema da limitação ou não limitação no tempo de exercício dos presidentes das câmaras municipais. Então pus em relevo as inconsequências lógicas a que conduzia a inovação híbrida do vigente Código Administrativo de os ditos presidentes desigdos pelo Governo serem simultaneamente os representantes dos municípios e os delegados do Governo. As férteis incongruências a que tal compromisso conduz foram objecto da lúcida dialéctica jurídica com que o Sr. Dr. Carlos Lima ontem aqui nos enlevou a todos e, particularmente, a nós juristas, mais preparados, como é natural, para o puro gozo da arte pela arte, que é possível mesmo em seca matéria jurídica, assim o Dr. Carlos Lima no-lo exemplificou.
Isto, já se vê, sob a ressalva de não nos terem convencido todas as suas conclusões tão brilhantemente concluídas, a não ser a da generalidade da crítica severa a. que sempre se há-de prestar o híbrido sistema, ao invés da predominante multissecular tradição portuguesa do paralelismo das duas magistraturas, a local, electiva, e a governamental, nomeada.
A propósito, aqui alinhamos, de jure condendo, com o pensamento do saudoso Dr. Mário de Aguiar ao propor com outros nesta Câmara, em 1946, o regresso ao regime dual de magistraturas.
Não podemos, assim, acompanhar o Sr. Deputado José Saraiva nas razões que com brilho invocou a favor da tese da nomeação governativa em subordinação ao princípio da unidade, tese sustentada, aliás, sob signo de unia compreensível perplexidade, o que, aliás, ao tempo tanto chocou o Sr. Deputado Homem de Melo.
E a este propósito de unidade seja-nos lícito recordar o que nos ensinava há 50 anos o bom senso fundamental do Dr. Calisto, seja o de a unidade ter de se alcançar sociològicamente contemporizando e enfeixando a diversidade.
Sr. Presidente: perdoe-me que na ocorrência me socorra do testemunho de V. Ex.ª e do Sr. Deputado Cancela de Abreu, pois creio que, comigo, sejamos os únicos discípulos aqui presentes que o fomos daquele Mestre: mestre de quem, por se tratar de um notório original, todas as opiniões e assertos eram injustamente tidos por meras originalidades e não valorizados no devido grau, por vezes de sólido merecimento, como precisamente aquele a que acabamos de aludir.
E, prosseguindo, aqui me quero também associar às palavras de justo encómio que ao Sr. Deputado Carlos Lima mereceu o parecer que nos veio da Câmara Corporativa relatado pelo ilustre Prof. Braga da Cruz.
Quero destacar, sobretudo, nesse parecer, dentro dos limites a que, sublinhadamente, o mesmo se diz adstrito, a construção jurídica a que soube condicionar a interdependência do princípio da nomeação do Governo com o da correcção do automatismo do plafond temporal.
Felicitamos o autor dessa construção, que assim fez trasladar o problema do campo do mero empirismo intuitivo para o de um mais convincente conceptualismo jurídico.
E, em todo o caso, concedam-me os Srs. Deputados Homem Ferreira e Homem de Melo, que com tanto prazer acabo de escutar, que pelo menos si non é vero é bene trovato.
Isto posto, foquemos a especialidade sobre que hemos de nos pronunciar e como remendo melhor a uma solução que genericamente não é a nossa.
Quando da discussão na generalidade inclinámo-nos a perfilhar a doutrina do Governo, embora atenuando para casos excepcionais o seu radicalismo, paralelo ao dos limites de idade para os funcionários. Admitimos os casos excepcionais a consagrar a bem do comum. Mas, como excepcionais, esses casos deverão ser realmente raras excepções, que nunca tendam a converter-se em regra pela flacidez fácil dos nossos costumes. Sugerimos, então, como possíveis soluções a de um despacho fundamentado do Ministro do Interior, e sobretudo a que nos parece melhor por analogia com o caso afim previsto no § 3.º do artigo 75.º do Código Administrativo - a consagrada por resolução do Conselho de Ministros. Assim se garantiria melhor a pureza da raridade excepcional que se pretende atingir.
Outra a solução que para o efeito, e concordando com as reservas construtivas desta Câmara, nos pró-

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põe a Câmara Corporativa e que um grupo de ilustres Deputados perfilha - a de as nomeações em casos tais revestirem a forma de decreto.
(Assumiu a presidência o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral).
Tendo os decretos de ser referendados pelos Srs. Presidentes da República e do Conselho, parece-me ter-se encontrado uma solução razoável da garantia que aos casos de excepção como tais seja preciso dar. Coloca-se em grau intermédio entre as hipóteses interrogativas que formulámos aquando da discussão na generalidade- «despacho fundamentado do Ministro do Interior» e «Resolução do Conselho de Ministros».
De facto, o despacho, embora fundamento do Ministro do Interior, não aliviaria este suficientemente dos embaraços que lhe haviam, de trazer os respectivos casos, colocados entre as solicitações estimulantes ou inibitórias para o resolver; ou aceitaria, com a responsabilidade exclusiva, reconduções que poderiam sobreolhar-se como casos susceptíveis de discussão, particularmente comparativa - e neste campo de ávida apetência local o que é atingirá grau de indiscutível? -, e daí possível brecha de precedentes difícil de colmatar-se ou a defesa pela recusa de reconduções, ou seja a consignação do uma faculdade que, como tantas, só viveria na lei.
Isto me levará, Sr. Presidente, a optar pela emenda proposta pela Câmara Corporativa como dando melhor satisfação às reservas que formulei ao discutir a generalidade, não me repugnando, embora, aceitar a fórmula já proposta nesta Assembleia, sem embargo dos princípios doutrinais ali então formulados também.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: subscrevo a proposta de alteração ao artigo 72.º do Código Administrativo, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 42 178, agora em discussão na especialidade. Por isso desejo também intervir no respectivo debate.
A Câmara Corporativa emitiu a este respeito o parecer de que o corpo do citado artigo deve manter-se com a redacção que lho foi dada pelo citado Decreto-Lei n.º 42 178, mas opina pela introdução de dois parágrafos, o primeiro dos quais a admitir a recondução para além de duas vozes, quando circunstâncias excepcionais imperiosamente o exijam, devendo então a recondução ser feita por decreto. Fundamenta o seu parecer em razões de ordem política exclusivamente, pois - diz - «o problema não tem uma solução doutrinalmente exigida ou imposta pela lógica no sistema administrativo vigente».
E aponta como razões políticas a necessidade de renovação de quadros, o perigo do imobilismo político e administrativo e a acção que o tempo exerce sobre os dois aspectos em que se desdobra a função do presidente da câmara: por um lado, de representante da comunidade concelhia e, por outro lado, de representante de Governo junto do concelho respectivo.
Ora, acrescenta a Câmara Corporativa, à medida que o tempo passa, o presidente da câmara vai esquecendo ou descurando o aspecto da sua função de representante concelhio e tomando com anais seriedade o outro aspecto da função - o de representante do Governo junto do concelho; além disso, o seu contacto assíduo com o4 superiores hierárquicos, estreitando relações, cimentando amizades e descobrindo qualidades excepcionais nos presidentes, impede se proceda à substituição destes, quando necessária.
Assim argumenta a Câmara Corporativa.
A isto respondo, Sr. Presidente, que a necessidade de renovação de quadros não conduz necessariamente ao princípio legal da limitação do prazo no exercício da função de presidente da câmara, mas do uso da faculdade que ao Governo é concedida pelo artigo 73.º do Código Administrativo, ou seja ao uso do poder que tem o Ministro do Interior de livre exoneração dos presidentes das câmaras.
E tanto que a necessidade de renovação de quadros é extensiva a outros cargos políticos e administrativos - governadores civis e Ministros (e certamente aqui essa necessidade verifica-se com maior frequência) - e nem por isso se julgou necessário (nem é) que o exercício destes cargos fosse limitado pela lei ordinária ou pela lei constitucional par períodos certos e determinados.
E nem se diga, como no parecer, que a experiência mostra que não é suficiente o preceito do artigo 73.º do Código Administrativo para operar a conveniente renovação nos quadros da magistratura municipal. O que a experiência pode mostrar neste aspecto é que ao fim e ao cabo a renovação dos quadros deve começar a fazer-se nos quadros superiores da política e da administração e carece de escolha cuidada de pessoas para o exercício dos respectivos cargos.
De resto, e apesar de tudo, a Câmara Corporativa entendeu ser necessário introduzir no texto legal a possibilidade de em casos excepcionais e imperiosos, se fazer a recondução para além de duas vezes. Ora isto, Sr. Presidente, conduz à necessidade de o Governo examinar caso por caso a situação dos presidentes das câmaras com doze anos de exercício, decidindo-se pela recondução ou pela exoneração, conforme as conclusões a que se chegue.
E esta conduta de examinar caso por caso a seguir pelo Governo no uso da faculdade conferida pelo artigo 73.º do Código Administrativo torna desnecessário qualquer preceito legal a impor um período para além do qual se não possa exercer o cargo de presidente da câmara.
Quero ainda acrescentar que a acção do tempo sobre os dois aspectos ou funções do presidente da câmara não influi muitas vezes no enfraquecimento da actividade deste magistrado como representante concelhio, mas sim no fortalecimento dessa mesma actividade pelo melhor e mais profundo conhecimento dos problemas municipais e da forma mais própria para a resolução desses mesmos problemas.
A verdade é que, Sr. Presidente, sucede frequentes vezes que à medida que o tempo avança o magistrado administrativo sente-se cada vez mais ligado e preso à obra concelhia a desenvolver, cada vez mais apaixonado pela resolução dos problemas da sua terra e cada vez com mais coragem de fazer ver ao Governo a justiça que assiste na resolução dos problemas locais.
E nem se diga ainda, Sr. Presidente, quê o exercício continuado do cargo de presidente da câmara conduz algumas vezes ao divórcio entre a acção daquele magistrado e a vontade do concelho e que s preciso se não esqueça que. o presidente da câmara deve ser um representante dessa vontade.
É, porém, o Governo quem no actual sistema escolhe a pessoa que representa o concelho e, portanto, a ele compete, pelo análise e exame de cada caso, verificar se o presidente da câmara continua ou não a gozar da confiança geral dos seus munícipes, e nem pode acontecer que alguém venham exercendo o lugar por dilatados anos e continue a gozar da inteira confiança dos seus munícipes.

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É preciso, por outro lado, que não se esquema que a periodicidade tio exercício de um cargo ó conceito totalmente diferente de transitoriedade desse, exercício, sendo aquela considerada no artigo 72.º e esta no artigo 73.º do Código Administrativo. Ora a periodicidade é consequência somente de a escolha do presidente da câmara ser feita pelos munícipes: não deriva de maneira alguma da sua qualidade de representante da colectividade concelhia que a lei lhe assinala. Ora essa escolha passou no sistema vigente pura o Governo, e por isso não se vê outro motivo para continuar a existir consignada na lei a periodicidade do exercício da função, impondo-se somente neste sistema a necessidade de se consignar a transitoriedade desse exercício, e ela encontra-se consignada, como se referiu já, no artigo 73.º do Código Administrativo.
Transige-se, porém, com a existência na lei do princípio da periodicidade, porque isso obriga de certo modo o Governo a rever a situação dos presidentes das câmaras no fim de certo período de exercício.
Pelas razões que acabo de expor, voto a proposta que tive a honra de subscrever.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: só a circunstância de, por mandato da Assembleia, me caber dirigir os trabalhos da Comissão de Política e Administração Geral e Local determina que deva dizer uma palavra, de justificação da única proposta, que se encontra na Mesa para ser submetida à votação.
Não deixarei de confessar a VV. Ex.ªs que nesta matéria, em que, quer a Assembleia Nacional, quer a Câmara Corporativa, intervieram larga e exaustivamente, com manifestações da maior proficiência, sou algo hóspede.
Não tive oportunidade, por na altura me encontrar no estrangeiro, de acompanhar os trabalhos da Assembleia e de sentir certos momentos de vibração que houve há um ano, quando aqui foi discutida a matéria do decreto-lei agora em discussão.
Depois foram produzidas aqui intervenções várias de ilustres Deputados, tanto o ano passado como nesta mesma sessão em que nos encontramos, intervenções notáveis, seja pela análise, jurídica, do assunto, seja pelo que revelam de experiência de política geral. Também não menos notável - exaustivo, ouvi há pouco chamar-lhe o Sr. Deputado Homem de Melo - foi o parecer da Câmara Corporativa, elaborado pelo ilustre Prof. Guilherme Braga da Cruz.
Depois de análises tão vastas e tão profundas do assunto, a Comissão de Política e Administração Geral e Local pôde colher as lições mais salientes dessas várias intervenções e pôde produzir uma proposta, a que se encontra na Mesa, que se me afigura, em grande parte, conter uma síntese das melhores luzes que puderam ser descobertas nessa análise. Contém, também quero crer, uma solução de bom senso político. Na verdade, em meu entender, esta questão já não tem hoje consistência jurídica nem importância de maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa proposta revela uma síntese do que de mais saliente se manifestou aios debates da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa. Quer nas sessões da Assembleia Nacional do ano passado, quer no parecer da Câmara Corporativa, todos os que sobro a questão se debruçaram só revelaram concordeis, e concorde se mostrava também, neste ponto, o regime anterior do Código Administrativo - que o mandato dos presidentes das câmaras municipais deve ser sujeito a prazo.

(Reassumiu a presidência o Sr. Deputado Albino dos Reis).

Efectivamente, suponho que- não existirão no direito público de qualquer país uni funções representativas ou políticas mandatos vitalícios. Não existirão ou serão raríssimos. Estes mandatos devem ser sujeitos a prazo, quer tenham origem em nomeação, quer em eleição. Em vários países da América Latina os mandatos políticos derivados de eleição não são susceptíveis de recondução. No Brasil passa-se precisamente isto.
Neste ponto todos se mostram concordes em que deve continuar sujeito a prazo um mandato dos presidentes das câmaras municipais.
Todos também se mostram concordes, quer a solução do decreto, quer os ilustres Deputados que aqui intervieram no debate, quer ainda o parecer da Câmara Corporativa, em que o prazo seja reduzido de oito para quatro anos. E todos também se mostram concordes na determinação das razões pelas quais o mandato deve ser sujeito a prazo, quer o mandato seja electivo, quer seja de nomeação. É necessário que de quando em quando soja revista a posição do magistrado e se verifique se ele ainda está dotado daquela frescura de espírito e capacidade de acção que lhe permitam fazer face às suas responsabilidades. Nisso estamos todos concordes.
O que é que de novo, além deste princípio, nos traz a proposta que se encontra na Mesa? Apenas que a revisão que convém fazer da posição do magistrado, da sua capacidade para o exercício das funções, depois de doze anos de exercício, seja feita mais cuidadosa e profundamente. Efectivamente, há que ter em conta o desgaste do tempo, e isto mesmo foi salientado aqui, creio que por todos os Srs. Deputados que intervieram no debate. Também o foi no parecer da Câmara Corporativa .
De modo que a exigência de maior solenidade -em vez de uma portaria um decreto simples - que se insere nesta proposta destina-se apenas a chamar a atenção para a necessidade de que essa revisão seja mais profunda. Creio que é apenas isto.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Não e só razão fisiológica. Pode haver uma razão política a recomendar a substituição do presidente da câmara.

O Orador: - Evidentemente. Por isso dizia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se me afigura que a proposta que vai ser submetida à votação contém, se não posso dizer tudo, pelo menos a maior parte, ou a mais saliente, dos pontos de vista manifestados quer na Assembleia, quer na, Câmara Corporativa. É uma solução de síntese.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação do artigo 1.º da proposta de lei com relação ao artigo 72.º do Código Administrativo. Em primeiro lugar votar-se-ão as propostas apresentadas pela Comissão de Po-

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lítica e Administração Geral e Local, que vão ler-se novamente.
Foram lidas.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de alteração que se refere ao corpo do artigo 72.º e seu § único.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para requerer a V. Ex.ª que ficasse registado no Diário das Sessões que esta proposta foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Defira o requerimento de V. Ex.ª Ponho agora à votação o aditamento de um parágrafo que passaria a funcionar como o § 2.ª do artigo 72.º
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º da proposta de lei com relação às alterações que pretende introduzir no artigo 145.º do Código Administrativo. Vai ler-se o artigo referido e a proposta de substituição enviada para a Mesa.

Foram lidos. São os seguintes:

Art. 145.º .....................................................................
§ 4.º Os médicos municipais podem reclamar das deliberações sobre delimitação das áreas dos partidos médicos, com fundamento em inconveniente público, para uma comissão nomeada pelo Ministro do Interior e de funcionamento permanente junto da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, composta por um representante da mesma Direcção-Geral, um representante da Direcção-Geral de Saúde e um funcionário dos serviços geográficos e cadastrais. A comissão ouvirá a câmara interessada e seguidamente decidirá, confirmando ou alterando a deliberação reclamada. As suas decisões terão força executaria nos mesmos termos das sentenças dos auditores e são susceptíveis de recurso, restrito aos vícios de incompetência, excesso de poder e violação de lei, a interpor para o Supremo Tribunal Administrativo.
................................................................................
Proposta de substituição

Propomos que a redacção do § 4.º do artigo 145.º do Código Administrativo, tal como se encontra no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178, seja substituída pela redacção seguinte, sugerida pela Câmara Corporativa:

§ 4.º Os médicos municipais podem reclamar para o Ministro do Interior das deliberações sobre delimitação das áreas dos partidos médicos, com fundamento em inconveniente público. O Ministro decidirá sobre parecer de lima comissão por ele próprio nomeada e de funcionamento permanente junto da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, composta por um representante da mesma Direcção-Geral, um representante da Direcção-Geral de Saúde e um funcionário dos serviços geográficos e cadastrais. A comissão ouvirá obrigatoriamente a câmara interessaria antes de formular o seu parecer

José Guilherme de Melo e Castro, Joaquim de Pinho Brandão, Manuel Tarujo de Almeida, João Carlos de Sá Alves, Manuel José Archer Homem de Melo, Artur Proença. Duarte e José Fernando Nunes Barata.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Nunes Barata: -Sr. Presidente: a alteração sugerida pela Câmara Corporativa relativamente ao § 4.º do artigo 145.º do Código Administrativo merece, em meu entender, ser aprovada.
A solução até agora em vigor tem revelado alguns inconvenientes, salientados, aliás, em estudos sobre o Código Administrativo (cf. Dr. Pires de Lima, Código Administrativo Anotado).
Atente-se, por exemplo, no seguinte:
1.º O recurso previsto constitui uma exepção a todo o regime normal de recursos. É qualquer coisa de anómalo aceitar um recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão de uma comissão constituída por funcionários, embora nomeados pelo Ministro do Interior;
2.º A posição do Ministro do Interior sai minimizada. Na verdade, as decisões da comissão não estão sujeitas a homologação ministerial, não havendo, igualmente, lugar a recurso hierárquico ;
3.º A comissão, substituindo-se às câmaras municipais, ofende um mínimo de ética quanto a uma desejada autonomia municipal. Que seja o Ministro a decidir, está bem, mas uma simples comissão de funcionários, parece-nos exagero...

Aliás, a intervenção desses funcionários pode mesmo colidir com um acto ministerial anterior. É o caso de o Ministro do Interior ter aprovado a criação do partido médico em que agora se funda a reclamação, se porventura a decisão da comissão dos funcionários der provimento à mesma reclamação.
A circunstância de o recurso ser interposto directamente para o Supremo Tribunal Administrativo justifica que a intervenção superior deve ser do Ministro, decisão da qual se poderá recorrer nos termos normais. A comissão de funcionários deve desempenhar uma função meramente consultiva, embora de utilidade não despicienda para ajudar o Ministro a formular um juízo que conduzirá a uma conveniente decisão.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação do artigo 1.º da proposta de lei relativamente ao artigo 145.º do Código Administrativo juntamente com a proposta de substituição já lida à Câmara.
Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se agora o § 2.º do artigo 149.º do Código Administrativo tal como consta da proposta de lei em discussão.
Fui lido. É o seguinte:
Art. 149.º .....................................................................
§ 2.º A comissão a que se refere, o § 4.º do artigo 145.º, sob proposta da respectiva câmara municipal, com o parecer concordante do governador civil e ouvido o delegado de saúde do distrito, poderá autorizar o médico municipal de um partido rural a residir na sede do concelho quando se mostre que assim facilita o acesso

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29 DE JANEIRO DE 1960 349

a todas as povoações do partido e que não há melhor forma de delimitar as áreas dos partidos existentes. Aplica-se às resoluções da comissão o disposto na parlo final do citado § 4.º do artigo 145.º
...........................................................................

O Sr. Presidente: - Sobre este parágrafo há na Mesa uma proposta de substituição que também vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição

Propomos que a redacção do § 2.º do artigo 149.º do Código Administrativo, tal como se encontra no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178 agora transformado em proposta de lei, seja substituída pela redacção seguinte, sugerida pela Câmara Corporativa:

§ 2.º O Ministro do Interior, sob proposta da respectiva câmara municipal, ouvido o delegado de saúde o com o parecer concordante do governador civil do distrito e da comissão a que se refere o § 4.º do artigo 145.º, poderá autorizar o médico municipal de um partido rural a residir na sede do concelho quando se mostre que assim facilita o acesso a todas as povoações do partido e que não há melhor forma de delimitar as áreas dos partidos existentes.

José Guilherme de Melo e Castro, Joaquim de Pinho Brandão, Manuel Tarujo de Almeida, João Carlos de Sá Alves, Manuel José Archer Homem de Melo, Artur Proença Duarte e José Fernando Nunes Barata.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: só duas palavras para justificar o motivo por que se adoptou a sugestão da, Câmara Corporativa. Esta sugestão é uma consequência lógica da posição adoptada quanto ao § 4.º do artigo 154.º do Código Administrativo. Uma vez votado o § 4.º do artigo 145.º do Código Administrativo nos termos em que o foi impõe-se agora dar nova redacção ao § 2.º do artigo 149.º
Ainda aqui a comissão de funcionários passa a ter uma intervenção meramente consultiva, competindo ao Ministro do Interior decidir.
Trata-se de uma solução lógica, de harmonia com as regras normais sobre a interferência tutelar do Poder Central.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se a proposta de substituição do § 2.º do artigo 149.º do Código Administrativo tal como consta da proporia de lei em discussão.
Submetida à cotação, foi aprovada a proposta da substituição do § 2.º do artigo 149.º do Código Administrativa nos termos propostos pelos Deputados Melo e Castro e outros.

O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão o artigo 1.º da proposta de lei relativo aos artigos 180.º, 184.º, 187.º, 272.º e 469.º do Código Administrativo e os artigos 2.º e 3.º da mesma proposta, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ser lidos.

Foram lidos. São os seguintes:

Art. 180.º A comissão administrativa da federação de municípios é constituída pelos presidentes das câmaras municipais associadas, servindo de presidente o presidente da câmara do concelho onde funcionem os respectivos serviços de secretaria, ou um procurador ao conselho provincial designado pela junta de província quando a federação não abranja o município onde aqueles servidos funcionem.
§ único. Se os municípios federados pertencerem a mais de uma província, o procurador a que se refere a parte final deste artigo será substituído por um representante do Governo, nomeado pelo Ministro do Interior.
................................................................................
Art. 184.º As federações de municípios terão secretaria privativa.
§ 1.º O pessoal das secretarias privativas será destacado das secretarias das câmaras municipais associadas, sem abrir vaga nos respectivos quadros.
§ 2.º Quando as federações tenham apenas os objectivos referidos nos n.ºs 2.º e 4.º do artigo 178.º podem os seus serviços de secretaria correr pela secretaria de uma das câmaras que a constituem ou pela secretaria da junta de província.
§ 3.º Se em qualquer dos municípios associados existirem serviços municipalizados tendo por objecto outras atribuições paru além das que prossiga a federação, poderão os serviços do secretaria correr pela, secretaria desses serviços municipalizadas.
§ 4.º No caso a que se refere o § 2.º, e quando se não verifique o disposto no § 1.º do artigo 140.º e no § único do artigo 327.º, as funções de tesoureiro serão desempenhadas pelo tesoureiro da, respectiva câmara municipal ou junta de província, mediante a gratificação mensal de 300$, 400$ ou 600$, conforme se trato de federações com receitas até 300.000$, de mais de 300.000$ até 600.000$, ou de mais de 600.000$.
................................................................................
Art. 187.º A federação voluntária de municípios dissolve-se pelo preenchimento do fim a que se destinava, pela expiração do respectivo prazo e por deliberação da maioria das câmaras federadas.
§ 1.º Exceptua-se o caso das federações do municípios que tenham por objecto a produção, o transporte ou a distribuição de energia eléctrica, para cuja dissolução bastará deliberação de qualquer das câmaras federadas, com aprovação do Governo, pelo Ministério da Economia.
§ 2.º Quando se dissolver uma federação voluntária, o destino dos bens será determinado por acordo entre as câmaras, ou, na falta de acordo, pelos tribunais.
...........................................................................

Art. 272.º Em cada freguesia, salvo nos concelhos de Lisboa e Porto, haverá um regedor e um substituto deste, ambos nomeados pelo presidente da câmara municipal e por ele livremente demitidos.
............................................................................

Art. 469.º .....................................................................
§ único. Quando a nomeação dê ingresso no quadro a quem não seja funcionário ou, sendo-o, não tenha provimento definitivo, o provimento terá carácter provisório durante dois anos, findos os quais o funcionário será provido definitivamente ou demitido.
Art. 2.º Os indivíduos actualmente providos em cargos de presidente ou vice-presidente de câmara poderão manter-se em exercício até se completar o período de oito anos por que foram nomeados ou o período dos quatro anos posteriores à recondução.
§ único. Consideram-se exonerados, a partir de 31 de Março do ano corrente, os presidentes e os vice-presi-

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350 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

dentes das câmaras que nessa data se encontrem em exercício há mais de doze anos.
Art. 3.º As funções que por leis especiais estejam atribuídas aos regedores passam a ser exercidas em Lisboa e Porto pela Polícia de Segurança Pública.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Está assim concluída a discussão na especialidade da. proposta de lei em que se converteu o Decreto-Lei n.º 42 178.
Srs. Deputados: como é meu propósito interromper o funcionamento da Assembleia a partir do dia 31 do corrente, temos, neste momento, de conferir à Comissão de Legislação e Redacção o nosso costumado voto de confia ura para que esta possa, dar a última redacção aos diplomas já votados o respeitantes ao abastecimento de água às populações rurais e àquele em que se transformou o Decreto-Lei n.º 42 178.
Creio interpretar o sentimento da Câmara ao dar àquela nossa Comissão essa voto de confiança.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Como acabo de referir, não é com prazer que me vejo forçado a usar da faculdade de interromper o funcionamento efectivo desta Assembleia. Se o faço, é na convicção e mesmo na certeza de que essa interrupção só pode resultar em prestígio da Câmara. De outra forma, sem essa interrupção, a Assembleia teria de suspender os seus trabalhos até estarem em condições de apreciação por esta Câmara diplomas que o Governo entende conveniente sejam submetidos à sua apreciação.
Como exemplos, posso citar um diploma sobre a viação rural e outros, como o plano das escolas primárias (em substituição do Plano dos Centenários), a lei da colonização interna, emparcelamento de prédios rústicos, profissionalismo e amadorismo no desporto, a reforma da previdência, um projecto de lei emanado da Assembleia relativo à limitação das remunerações em serviços públicos e ainda outros diplomas.
Esperamos que na reabertura tios trabalhos alguns destes diplomas poderão ser imediatamente submetidos ao estudo das comissões desta Assembleia. Recordo à Câmara que foi constituída uma comissão especial para o estudo das alterações a introduzir no seu Regimento determinadas pelas alterações introduzidas no texto constitucional. A apreciação dessas alterações será o nosso primeiro trabalho na reabertura da Assembleia Nacional.
Assim, e usando da faculdade que a Constituição me confere, declaro interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional a partir do dia 31 do corrente até ao dia 10 de Março. Quer dizer: a Câmara estará interrompida no seu funcionamento efectivo durante todo o mês de Fevereiro e primeiros nove dias de Março.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 livras.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Coelho.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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