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18 DE MARÇO DE 1960 441

melhoria, pela segunda das características assinaladas, traduz uma redistribuição do rendimento, transferindo para salários parte do que até então se inscrevia como juros, rendas ou lucros. Quer dizer, tem-se verificado, e continuará decerto a verificar-se, a redistribuição vertical do rendimento, isto é, novos arranjos distributivos entre os grupos primários dos participantes.
Mas a justiça social, que imprimo com vigor crescente, a sua marca no complexo das relações humanas, exige mais. Hoje proclama-se, em seu nome, uma nova aspiração: além da redistribuição vertical, é necessário processar a redistribuirão horizontal do rendimento, isto é, importa modificar também o jogo da sua repartição entre as várias categorias componentes do mesmo grupo de participantes. Em resumo, a redistribuirão deve ser, a um tempo, vertical e horizontal, ou, para usar de léxico já consagrado, a redistribuirão deve ser oblíqua. Em outros termos, a redistribuição de tipo puramente funcional deve ceder lugar a redistribuição que seja, a um tempo, funcional e pessoal ou, ainda, a redistribuição simplesmente comutativa deve ser corrigida pela redistribuição distributiva.
Apesar de ainda serem raras, mesmo lá fora, as iniciativas de redistribuição horizontal, encontra-se entre nós recente exemplo nos Estatutos do Banco de Fomento Nacional (Diário do Governo n.º 170, 1.ª série, de 3 de Agosto de 1959), quando neles se prescreve a participação dos empregados nos lucros do mesmo Banco (3 por cento), em paralelo com a participação dos conselhos de administração e fiscal (1 por cento), participações que preferem à distribuição de dividendo às acções, não podendo este exceder 8 por cento. E vem a propósito acentuar três notas relevantes. A primeira, que respeita à redistribuição horizontal, está na diferenciação, em favor dos empregados, das porcentagens de participação: a segunda, de alto significado na redistribuição vertical, refere-se à prioridade concedida àquelas participações sobre a distribuição dos lucros aos accionistas, o que significa ficar a remuneração destes condicionada à, participação dos assalariados; finalmente a terceira, com implicações em ambos os tipos de redistribuição, consiste na limitação dos lucros distribuídos - dividendo máximo de 8 por cento.
É verdade que já há 33 anos o decreto orgânico do Banco de Angola (Diário do Governo n.º 180, 1.ª serie, de 17 de Acosto do 1926) provia também a participação do pessoal; mas então não nos lucros, antes no remanescente destes, após a distribuição do dividendo, fixado expressamente em 8 por cento. E tal participação igualava a participação dos corpos gerentes - 10 por cento daquele reliquat. Pode notar-se neste dispositivo um assomo de redistribuição horizontal, na medida em que só prevê a participação dos empregados, ao lado dos corpos gerentes, nos lucros do Banco. Mas não só a iniciativa, quanto a essa redistribuição, se apresentava débil pela igualdade das percentagens atribuídas às duas categorias de beneficiários, como se desprezava, a redistribuição vertical, concedendo prioridade à distribuição do dividendo, sujeito este embora a um limite máximo, sobre a referida participação.

14. Ora no projecto um apreciação estipula-se a limitação de remunera coes dos assalariados de circunstância, o que significa, ceteris paribus, ser reforçado o montante dos lucros das empresas à custa dos excedentes no limite fixado. Cria-se, desta forma, uma redistribuição de exclusiva verticalidade, e para mais de sentido contrário ao comandado pela política social. Acresce ainda que nenhum efeito se suscita atinente à redistribuição horizontal.
Não se julgue, no entanto, que o incitamento a este tipo de redistribuição se deve processar sem quaisquer reservas. Ainda que, directamente interessados, nela intervenham apenas componentes do mesmo grupo de participantes do rendimento, ao movimento de transferência não são estranhos, pelas suas consequências, os outros grupos; não se trata, para estes últimos, de uma simples res inter alios acta.
É que a referida transferência, processando-se no sentido das unidades de maior nível de rendimento pura unidades de menor nível de rendimento, arrasta implicações sobre o aforro, e portanto sobre o investimento e também sobre o consumo. Esta última até pode dar origem à inflação dos preços, susceptível de anular, ou mesmo superar, o benefício das unidades contempladas pela redistribuição, se de tal forma vissem diminuídos os seus salários reais. Por outro lado, e sobretudo numa economia como a nossa, em via de desenvolvimento, a debilitação da poupança, com os seus reflexos no investimento, podo prejudicar a política de crescimento económico.
Isto significará porventura que a redistribuição tem de ser promovida com ritmo não demasiadamente acelerado, para que não surjam efeitos, depressivos sobre o dinamismo do crescimento e o prejuízo daqueles cujo benefício se procura. A mesma prudência ainda é aconselhável pela contemplação dos parâmetros de ordem ética e de ordem psico-sociológica, sempre presentes em qualquer fenómeno económico e nomeadamente neste, da redistribuição dos rendimentos; cita-se, em especial, a rigidez das estruturas mentais de alguns sectores do corpo social, a qual tem de ceder lugar a uma plasticidade propícia à atenuação de antagonismos, por vezes insidiosamente alimentados. Como tantas vezes sucede na economia, providências impopulares produzem no tempo os seus bons frutos.
E a dominar este conspecto tenha-se presente que a redistribuição do rendimento tem por fim último a melhoria geral das condições de vida, mas que esta só poderá, ser alcançada se, a par de todas as outras providências, cada um produzir mais no mesmo tempo, cada um aumentar a sua produtividade.
Para finalizar apenas uma nota mais. Não seria possível enfrentar certos problemas, como o da redistribuição do rendimento, se não fora verificar-se essencial condição prioritária: a estabilidade do valor da moeda. No número de Setembro último do boletim do The First National City Bank of New York, e conforme já foi referido no relatório que precede a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1960, figuram ordenados 35 países, para cada um dos quais só indica a depreciação das respectivas moedas, medida pelo aumento do custo oficial da vida ou pelo índice dos preços de consumo. Obedecendo a ordenação dos 35 países à decrescência do índice do valor da moeda em 1958 relativamente ao valor de 1948 (índice 100), Portugal encabeça a lista, logo no primeiro lugar, com o índice 94, seguido imediatamente pela Suíça, com o índice 90, e pelos restantes 33 países com índices sucessivamente decrescentes. Há três dezenas de anos desfrutamos esse dom, que muito recentemente ainda um eminente economista, inspirador do chamado «milagre alemão» (como se fora milagre o trabalho produzir seus frutos ...), disse dever ser inscrito entre os direitos fundamentais de todos os cidadãos. E desfrutamo-lo em resultado de uma política iniciada e prosseguida indefectivelmente até aos nossos dias. Mas são passados 30 anos; talvez seja bom recordar o que a precaridade da memória dos homens tenha ajudado a esquecer.