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4.º SUPLEMENTO AO N.° 4
ANO DE 1961
19 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
Proposta de lei n.° 5
Estatuto da Saúde e Assistência
1. Passaram mais de dezassete anos sobre o envio à Câmara Corporativa, em 12 de Fevereiro de 1943, da proposta de lei que veio a transformar-se no Estatuto da Assistência Social, de 15 de Maio de 1944. Durante este largo período registaram-se profundas transformações no campo da saúde e assistência: muitas resultaram da evolução vertiginosa das ciências e das técnicas ; outras estão directamente ligadas a uma lei de aceleração da história que, se por vezes nos surpreende e conduz a erros graves, não raro também dá origem ou impulsiona relevantes benefícios sociais.
São conhecidos os debates que, a propósito do estatuto em vigor, se têm travado entre nós, à semelhança do sucedido, em situações paralelas, noutros países e em organismos internacionais. De um lado enfileiram os defensores de um conceito amplíssimo de assistência, de conteúdo acentuadamente paternalista, que vêem na iniciativa privada e na caridade individual a solução mais adequada, e mais humana, para os estados de carência e as disfunções sociais; do outro, com apoio fácil nas recomendações da Organização Mundial da Saúde e do E. C. 0. S. 0. C, situam-se os partidários de um conceito de saúde onde, num caminhar incessante para uma prevenção cada vez mais vasta, tudo ou quase tudo se inclui, até os riscos dos tecnicismos, nem sempre corrigidos, e às vezes acentuados, pelo contacto com a ciência pura e pela crescente convivência internacional. No primeiro grupo (e quantos, entre os seus adeptos, não se julgam discípulos de Ricardo Jorge?) incluem-se, em regra, os que receiam a técnica mais do que ela merece ser receada e em soluções tradicionais como as Misericórdias pensam encontrar o caminho de solução para os problemas desta índole. No segundo militam habitualmente os que tendem a sacrificar a essa mesma técnica algo destes seres de carne, e sangue, e espírito que somos todos nós; e os que se deixam levar por um internacionalismo cujos esquemas não terão talvez na devida conta as idiossincrasias nacionais.
Decerto não é função específica da Administração tomar partido no problema, pois as propostas de uns e outros não se mostram incompatíveis com o conteúdo ideológico do Estado. Todavia, o melhor parece ser aproveitarem-se, largamente e sem preconceitos, as lições externas e as conclusões a que os outros chegaram; e moldá-las depois, em toda a medida possível, na nossa experiência e nas nossas instituições, quando estas se revelem aptas para corresponder, na actualidade, ao que delas exige o homem e o Português. Internacionalismo no estudo da melhor solução; nacionalismo no modo de a executar. Talvez nem outra haja sido, no seu tempo, a grande lição de Ricardo Jorge.
2. O novo Estatuto da Saúde e Assistência não decorre de princípios opostos aos do estatuto anterior, apesar de se afastar em muitos pontos da velha Lei n.° 1998. Mas nele se procuraram considerar, aliás sem

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a inglória intenção de os enumerar a todos, os principais problemas que, no momento actual, mais preocupam este sector da Administração. Nalguns casos, aliás, optou-se por solução bastante próxima do parecer da Câmara Corporativa de 25 de Março de 1943.
A presente proposta de lei é um documento de transição e quase se considera adequado afirmar que com certeza será revista mais cedo do que o foi a lei anterior, tal a rapidez com que evoluem hoje os assuntos desta natureza. Pensa-se, contudo, que represente um estádio mais avançado do que o antigo estatuto e que seja susceptível, por si, e sobretudo na execução ou regulamentação que postula, de permitir considerar ampla e adequadamente muitos dos problemas agora prementes.
Como as leis fixam apenas «as bases gerais» dos regimes jurídicos, procurou-se eliminar da proposta — salvo um caso ou outro, ao qual se desejou atribuir relevo particular— quanto tivesse melhor cabimento em diplomas de diversa natureza: na verdade, a Lei n.° 1998 talvez pormenorizasse por vezes os princípios que definiu, e o facto, mais tarde, nem sempre veio a mostrar-se conveniente. Por outro lado, a criação do Ministério da Saúde e Assistência, em Agosto de 1958, tornou natural que o estatuto agora proposto procurasse circunscrever--se um pouco mais aos assuntos confiados a esse Ministério. É exacto que muitas vezes não foi possível fazê-lo, pois os problemas se interpenetram e é uma só a vida, das instituições como dos homens. Mas sempre há-de haver fronteiras e zonas de transição. Todavia, o esclarecimento era necessário, não se fosse considerar certas eliminações como efectuadas para significar o repúdio dos princípios que registavam: as mais das vezes, foram feitas apenas por se haver julgado preferível que esses princípios constassem, como muitos já constam, de leis sobre política de família, sobre educação, sobre política financeira ou sobre previdência social.
3. Sem embargo de quanto vai dito acerca do necessário equilíbrio entre as actividades de saúde e de assistência (se não até para o realizar), é inegável que o novo estatuto atribui papel de maior relevo aos problemas da saúde pública. Por um lado, mantém a preferência pelas medidas preventivas e recuperadoras; por outro, cria uma Direcção-Geral dos Hospitais. Esta ultima impunha-se há muito com premência crescente, tão-só com a progressiva realização do plano hospitalar, como modo de pôr termo à situação inadequada dos serviços do Ministério se distribuírem por uma direcção-geral de saúde pública (a Direcção-Geral de Saúde) e uma direcção-geral mista para assuntos de saúde pública e de assistência social (a Direcção-Geral da Assistência).
A fórmula tripartida é hoje das mais frequentes. Mas ela não deve impedir, por uma centralização inadequada, um tratamento autónomo a favor de certas grandes unidades centrais, entre as quais merecem especial referência os Hospitais Civis de Lisboa e a sua antiga e prestigiosa organização clínica, que muito interessa preservar e valorizar.
Além disso, e consoante pode ver-se na base XVIII, o estatuto orienta as direcções-gerais para as suas funções específicas, exclusivamente de carácter técnico; as tarefas administrativas e semelhantes, que hoje impendem sobre elas e lhes dificultam o conveniente desempenho das suas actividades essenciais, são agora desviadas para os serviços centrais. Deste modo se procurará também assegurar a necessária uniformidade dos critérios de administração e do estatuto do pessoal do Ministério.
4. A proposta de lei sofreu a influência das modernas correntes que tendem a transformar os hospitais em unidades polivalentes, que não ficam estranhas à prevenção da doença, à cobertura assistencial das famílias (e quem da importância deste aspecto, sobretudo nos internamentos prolongados, como, por exemplo, o da tuberculose?), à recuperação dos clinicamente curados, ao ensino das técnicas de saúde e assistência e à formação de profissionais e até de investigadores. Isso se nota, por exemplo, na base XII.
E, como outra das suas preocupações foi concentrar serviços, não causará estranheza que se preveja — e se deseje — a existência no mesmo edifício do hospital concelhio e do posto de saúde local (base, n.° 1).
Aliás, essa concentração conduziu à base XXVII, para as actividades de saúde e assistência nas freguesias e para a cobertura médica dos meios rurais. E levou igualmente, por exemplo, ao disposto na base XXI, n.ºs 2 e 3, na base XXVI, n.° 3, ou na base III, alínea d).
Mal interpretadas ou executadas, estas ideias decerto podem dar origem aos defeitos do estatismo na prestação da assistência. Não parece, porém, que de tal possa ser acusado um estatuto que atribui às Misericórdias funções de uma amplitude que há muito não têm e, em certos casos, talvez até nunca hajam tido.
5. O problema da unidade ou pluralidade do comando é dos mais delicados neste sector.
Ele situa-se, em primeiro lugar, no plano interno do Ministério da Saúde e Assistência e obriga a rever, entre outros, o regime jurídico dos institutos coordenadores. E exacto que alguns deles correspondem a grandes problemas sanitários com autonomia suficiente, exigindo técnica própria e unidade de direcção: é o caso da assistência materno-infantil, da luta contra a tuberculose e da saúde mental. Contudo, mesmo quanto a eles, não é possível, por falta de especialistas e de meios financeiros, levar actividades monovalentes até à periferia e às pequenas unidades locais. Terá, portanto, que rever-se o esquema e, mantendo embora o comando especializado (que é indispensável), dar características predominantemente polivalentes aos órgãos de execução regional e acentuar essa predominância na medida que for mais pequena a circunscrição territorial a cujas necessidades visem ocorrer. Quanto a certos institutos, haverá talvez que ir mais longe e ponderar em que medida não será aconselhável a sua integração em unidades já existentes. São aspectos a considerar na legislação que está a ser preparada. E o disposto no n.° 2 da base XIX, bastante afastado dos cânones administrativos tradicionais, carecerá também de adequado regulamento. Mas não parece lógico que, quando se façam as vacinações precoces pelos serviços da Direcção-Geral de Saúde, se não aproveite o ensejo para efectuar também a protecção contra a tuberculose ou que a prevenção desta última fique alheia às medidas profilácticas de carácter geral.
A concentração suscita, porém, outra ordem de problemas, que transcendem o âmbito de um só Ministério. Não se desejou, nesta primeira definição das linhas gerais de uma política, ir demasiado longe em matéria tão complexa, até porque a concentração de serviços (com a correlativa eliminação de duplicações custosas e muitas vezes de fraca rentabilidade social) é desejável até determinada altura, mas tem um ponto óptimo que se não deve ultrapassar. Todavia, os princípios foram definidos, o caminho ficou

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aberto aos estudos indispensáveis para a resolução progressiva do assunto e a base XLV consignou as garantias necessárias para que se não causem prejuízos, embora com boa intenção. No estatuto, optou-se pela solução prudente da base XVI. lá não parecerá estranho que na política de saúde e assistência ao Ministério respectivo se atribua o primeiro lugar.
6. Dentro da linha tradicional da nossa vida colectiva reconhece-se às Misericórdias o primeiro lugar nas actividades locais. Basta atentar na base XXV, que praticamente suprime as comissões municipais de assistência (de vida quase sempre apagada, deve reconhecer-se) e, sem prejuízo da sua natureza e das suas características, atribui às Santas Casas as funções centrais de saúde e assistência nos concelhos respectivos. Trata-se de uma medida da qual se espera advenham consequências benéficas, tão-só pela importante desfuncionalização do contacto directo com o assistido que dela certamente vai decorrer. Mas obriga as Santas Casas à profunda reorganização técnica e administrativa referida na base IX e cuja necessidade as próprias Misericórdias por várias vezes têm afirmado; e levará também, com a execução do plano hospitalar e a criação das carreiras médicas, a um certo número de adaptações dos serviços e dos métodos de trabalho, que se confia venham a revelar-se úteis para a cobertura sanitária do País.
A orientação proposta alarga sensivelmente as responsabilidades das Santas Casas. Ainda há pouco, porém, o Congresso das Misericórdias demonstrou quanto elas possuem de vitalidade e de capacidade realizadora: dir-se-ia que a herança da Princesa Perfeitíssima lhes assegura, com o dobar das idades e por estranho paradoxo, cada vez mais e maiores possibilidades de acção.
Ainda no campo vastíssimo da iniciativa privada merecem referência as fundações, a que também se reporta a base IX, e que uma adequada política fiscal grandemente poderá estimular (base XL, n.° 2), por modo, porém, a não pôr em risco o pendor natural, para as Santas Casas, da nossa benemerência particular. Todavia, cumpre ter presentes os limites que as iniciativas e as instituições privadas hoje encontram nas duras realidades da vida. A eles se reporta a base III na alínea c): o progresso da ciência e da técnica postula para certas actividades uma concentração de meios e uma actuação coordenada, e em todo o País, que se não compadece com o seu prosseguimento sem ser por intermédio do Estado ou sob o seu comando directo. Sucede isso, por exemplo, com a defesa contra a poluição dos cursos de água, com as campanhas contra o paludismo, com as vacinações precoces ou até com a luta contra a tuberculose. Em casos destes a iniciativa particular pode e deve ajudar no prosseguimento do esforço comum. Mas não se encontraria vantagem cm se lhe entregarem actividades que, pelo seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, só o Estado pode lealmente levar a efeito, tomando sobre si, pelo menos, os encargos principais.
7. Na base XXX estabelecem-se para os médicos a carreira de saúde pública e a carreira hospitalar.
Trata-se de problema de inegável actualidade, que vem preocupando crescentemente a classe médica, em Portugal como em tantos outros países. Vai ser difícil estruturá-las; e nem é de admitir que o possam ser de um momento para outro. Mas grandes serão as vantagens decorrentes do seu estabelecimento e espera-se que bastantes dos obstáculos que suscitam possam ser resolvidos graças à colaboração dos interessados, através da Ordem respectiva.
A carreira médica hospitalar terá importantes consequências, sobretudo quanto aos hospitais da província, lá aconselhará a que se considerem outros problemas congéneres, entre os quais avulta o dos farmacêuticos dos hospitais (aos farmacêuticos autónomos se refere a base XLII).
Está igualmente relacionado com este assunto o que dispõe a base XXIX quanto à Escola Nacional de Saúde Pública. Desejar-se-ia vê-la frequentada não só por médicos, mas também por farmacêuticos, assistentes sociais, engenheiros, arquitectos, veterinários, etc. E o problema dos cursos técnicos de carácter secundário, considerado na alínea h) dessa base, traz consigo toda a gama complexíssima dos pequenos especialistas de que o País tanto carece, desde as visitadoras sanitárias aos técnicos de raios N. Considera-se o assunto particularmente delicado e urgente; e por isso mesmo se espera poder dedicar-se-lhe, na legislação que está a ser preparada, uma atenção particular: a falta de profissionais competentes nestes diversos sectores (e a competência não se improvisa) poderá pôr em risco qualquer plano para tirar rendimento completo dos investimentos, já feitos ou a efectuar, para melhoramento da cobertura sanitária do País.
8. Pela sua importância fez-se também uma referência expressa ao serviço social, a que se reportam a base XV e também as bases XXVI, XXIX e XXX.
O facto contraprova o relevo que se atribui a esta actividade, indispensável a uma acção educativa (necessária para ajudar a fixar nas famílias os benefícios da assistência) e ao contacto directo com o assistido e o seu meio. Mas, sem embargo de registar, como merece, a acção individual e familiar, a base XV alude igualmente às técnicas modernas do serviço social de grupo ou de comunidade.
9. No capítulo 5.° consideram-se as responsabilidades financeiras pelos encargos das actividades de saúde e assistência.
O sistema não se afasta muito da Lei n.° 1998, estabelecido entre outras nas suas bases XXI e XXII. Todavia, suscita alguns problemas de certa dificuldade. Tal é o caso, por exemplo, dos encargos obrigatórios das câmaras municipais.
Tem-se dito que estes encargos não correspondem a uma antiga tradição; e, a certo aspecto, assim é. Contudo, verdade é também que só há relativamente pouco tempo os hospitais começaram a exigir despesas tão vultosas, e, mal isso sucedeu, logo a solidariedade e o auxílio mútuo (que o vínculo municipal traduz) começaram também a fazer-se sentir no que respeita ao pagamento, aliás, parcial e muito limitado, dos encargos com os pobres e indigentes. Quer dizer: assim que a necessidade social se fez sentir como tal nasceu a intervenção do Município e uma nova tradição surgiu. Nem outra coisa teria sido facilmente compreensível entre nós, na ordem psicológica como na ordem moral.
O problema situa-se, portanto, em sector diferente: o da com portabilidade dos encargos para as finanças municipais. O estatuto, na base XXXVII, não traz nova solução para o problema, que só a poderá encontrar, na medida do possível, na reforma financeira em estudo para as câmaras municipais. Porque, de facto, e antes

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que o desenvolvimento económico do País permita às famílias e à previdência ocorrer à generalidade dos casos, nem se vê como os fundos assistenciais possam chegar para custeá-los a todos, nem o Estado poderá tomá-los integralmente sobre si.
10. Na presente proposta de lei, a que se manteve o nome de «Estatuto» por herança da sua antecessora, incluíram-se algumas disposições de carácter normativo que melhor figurariam em texto de outra natureza. Pareceu conveniente fazê-lo, num Estado que não repudia, antes afirma, o seu conteúdo ético e quando se trata de considerar problemas como os da saúde e assistência, onde o respeito pela realidade unitária da pessoa humana, o culto pelas virtudes naturais e os limites da experimentação científica a cada momento podem surgir. E, dado a assistência ser tanto mais eficaz quanto mais tiver carácter educativo e familiar, isso mesmo se regista logo na base n. E se repudia o profissionalismo dos assistidos (que sobretudo nos grandes centros se vai tornando frequente) pela expressa afirmação da necessidade de criar ou desenvolver nestes, quando necessário, a ideia da aceitação do trabalho como base natural da sustentação do homem e elemento da sua dignidade.
As 48 bases desta proposta de lei não cobrem, evidentemente, a totalidade dos problemas, e seria fácil (sempre o é, aliás) enumerar aspectos importantes a que não se fez referência ou não tiveram desenvolvimento suficiente. Todavia, talvez se haja ido já bastante longe nalguns pontos fundamentais e se não tenha evitado tomar posição noutros neste momento claramente em fase transitória.
«Uma nova lei vale sobretudo pelo que promete de realizações», escreveu a Câmara Corporativa ao examinar o Estatuto da Assistência Social. E são essas realizações que, dentro do enquadramento geral agora traçado, se deseja sentir incompatíveis com o conformismo, com o frio espírito burocrático desprovido de alma e com o agir apartado das realidades ou contra elas. Mas —- e recordam-se ainda palavras de um documento antigo — que essas realizações se mostrem sempre possuídas da consciência clara dos objectivos a atingir, de um amplo sentido de justa medida na conciliação dos interesses divergentes, de um conjunto de princípios esclarecidos e actuantes onde, a par das grandes certezas do homem e da vida, se situe também a inquietação fecunda e renovadora que impede o ancilosamento, neste caminho infinito em que se procura sempre encontrar a melhor solução.
Estatuto da Saúde e Assistência
CAPITULO I
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores
Base I
A política de saúde e assistência realiza-se pelo combate à doença e pelo desenvolvimento do bem-estar dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições de ordem moral, social, económica e sanitária dos seus agrupamentos naturais.
Base II
1. A organização e a prestação dos serviços de saúde e assistência devem ter sempre presentes a natureza unitária da pessoa humana e a necessidade de agir com respeito pelas virtudes naturais. E também:
a) A missão primacial da família, como meio mais
adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem e como primeiro responsável pelo bem-estar dos seus membros;
b) A necessidade de formação moral e cívica e de
educação social e sanitária dos indivíduos e dos seus agrupamentos.
2. Na organização e na prestação desses serviços conceder-se-á preferência às actividades preventivas, em confronto com as actividades meramente curativas, mas sem prejuízo das medidas destinadas a reabilitar os deficientes mentais e físicos e os desadaptados psíquicos e sociais.
3. Sempre que tal seja necessário, a política de saúde e assistência deve orientar-se no sentido de criar ou desenvolver nos assistidos a ideia da aceitação do trabalho como base de sustentação do homem e elemento, da sua dignidade.
Base III
Compete ao Estado, dentro dos limites da prossecução do bem comum:
a) Estabelecer planos gerais para as actividades
de saúde e assistência; h) Orientar, coordenar e fiscalizar as referidas
actividades;
c) Organizar e manter os serviços de saúde e assistência que, pelo seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada, sem embargo da aceitação do auxílio que esta possa prestar-lhes;
d) Exercer funções supletivas em relação às iniciativas e instituições particulares, que deverá fomentar e favorecer desde que ofereçam suficientes condições morais, financeiras e técnicas, sobretudo quando integradas ou integráveis em planos gerais de actividade sanitária ou assistencial.
Base IV
A competência dos corpos administrativos em matéria de saúde e assistência será regulada por leis especiais, de acordo com os princípios estabelecidos no presente estatuto.
Base V
As instituições de previdência social cabe assegurar a cobertura económica das eventualidades previstas na respectiva legislação, na medida dos fundos afectos a cada uma dessas eventualidades.
Base VI
1. O exercício individual e colectivo da caridade ou da beneficência é livre, salvas as restrições legais.
2. As organizações canónicas com fins de saúde e assistência ficam sujeitas, nesta parte, ao regime especial previsto no artigo IV da Concordata.

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Base VII
1. As actividades de saúde e assistência, quanto ao seu âmbito territorial, podem ser:
a) Nacionais, se abrangem todo o País;
b) Regionais, se englobam vários concelhos ou um
ou mais distritos; 6') Locais, se abrangem um só concelho ou parte de um concelho.
2. Quanto à responsabilidade da administração e à origem dos recursos, as referidas actividades podem ser:
a) Oficiais, quando o Estado ou as autarquias as
administrem ou lhes garantam a sustentação;
b) Particulares, quando a administração pertença
a entidades privadas e para a sustentação das suas actividades contribuam fundos ou receitas próprias.
Base VIII
1. As instituições não perdem a característica de particulares pelo facto de receberem subsídios do Estado ou dos corpos administrativos para manutenção ou melhoria das suas actividades e consideram-se desoficializados os estabelecimentos ou serviços que forem entregues a entidades privadas.
2. A autonomia das instituições só poderá ser limitada pela tutela administrativa do Estado.
3. A tutela respeitará, porém, a vontade dos instituidores das fundações ou associações, sem prejuízo da actualização ou coordenação indispensáveis à maior eficiência das suas actividades.
Base IX
1. Quanto à natureza da sua constituição, as instituições particulares podem revestir a forma de associações ou de fundações.
2. Entre as associações têm regime especial as Misericórdias, cuja tradicional essência católica e actividade multivalente devem ser mantidas, sem prejuízo da actualização técnica e administrativa dos seus métodos de acção. A elas deve competir, na maior medida possível, o primeiro lugar na actividade hospitalar e assistencial dos concelhos, por acção dos seus serviços ricórdias, cuja tradicional essência católica e actividade afins.
CAPITULO II
Das actividades de saúde e assistência
Base X
As actividades de saúde e assistência abrangem:
a) As actividades de saúde pública, que incluem especialmente as de higiene e de medicina preventiva;
h) As actividades (domiciliárias ou hospitalares) de medicina curativa e recuperadora;
c) As actividades de assistência.
Base XI
As actividades de saúde pública destinam-se sobretudo a promover a saúde e a combater preventivamente a doença; e compreendem, entre outras, as relativas:
a) A educação sanitária da população;
b) Ao saneamento do meio ambiente;
c) A higiene da alimentação;
d) A profilaxia das doenças transmissíveis;
e) A higiene materno-infantil e à higiene infantil e escolar;
f) A luta contra as doenças sociais e profissionais;
g) A higiene do trabalho e das indústrias;
h) À higiene mental;
i) A hidrologia médica e às estações balneares; j) A fiscalização técnica do exercício das profissões médicas e paramédicas;
k) À vigilância da produção e distribuição de medicamentos e à sua comprovação; l) A defesa sanitária das fronteiras.
Base XII
1. A medicina domiciliária é exercida em clínica livre, individual ou colectivizada, ou em ligação com as unidades hospitalares.
2. As actividades hospitalares propõem-se prestar, em hospitais ou em colaboração com estes, cuidados de medicina curativa e recuperadora e, bem assim, colaborar na execução das providências de carácter preventivo e de reabilitação.
3. Os hospitais, tanto gerais como especializados, exercem uma acção de natureza simultaneamente médica e social e ainda, na medida adequada, de cooperação no ensino e na investigação científica. Por isso, são igualmente finalidades das actividades hospitalares:
a) Cooperar na luta contra as carências e desequilíbrios individuais ou de grupo relacionados com a doença;
b) Facultar campo de demonstração e de prática
para aperfeiçoamento das ciências e das técnicas de saúde e assistência e para formação dos respectivos profissionais.
4. A organização hospitalar assentará na divisão do País em zonas, regiões e sub-regiões e na integração funcional, num plano coordenado, de todas as unidades hospitalares, postos de consulta e de socorro e serviços auxiliares existentes em cada uma dessas unidades territoriais.
Base XIII
1. As actividades de assistência destinam-se a proteger os indivíduos e os seus agrupamentos contra os efeitos das carências e outras disfunções pessoais ou familiares e dos flagelos e calamidades públicas não cobertos pelos esquemas de protecção individual ou colectiva.
2. De maneira específica, abrangem:
a) A assistência à família;
b) A assistência à maternidade e à infância;
c) A assistência aos menores e aos velhos e inválidos ;
d) A acção educativa destinada à valorização pessoal e social dos indivíduos e dos seus agrupamentos naturais;
e) A educação e orientação profissional dos cegos,
surdos, mudos e outros deficientes físicos o psíquicos;

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f) A recuperação dos indivíduos diminuídos física ou socialmente;
g) A luta contra a mendicidade, o alcoolismo e a prostituição;
h) O socorro a situações resultantes de anomalias fortuitas e calamidades;
i) O exercício da tutela social dos necessitados e assistidos.
Base XIV A tutela social abrange:
a) A orientação e a defesa dos ignorantes, abandonados e desprotegidos;
b) As medidas para promover a participação dos assistidos em actividades compatíveis com as suas aptidões;
c) A faculdade de promover, com carácter obrigatório, a prestação de cuidados de saúde e assistência e de impedir que possam ser interrompidos, quando assim o determinarem motivos poderosos de ordem moral, social ou sanitária;
d) A representação legal dos assistidos, nos termos que a lei fixar.
Base XV
No desenvolvimento das actividades previstas nas bases anteriores deve ter particular relevo o serviço social, geral ou especializado, quer individual e familiar, quer de grupo ou de comunidade.
CAPITULO III
Dos órgãos de saúde e de assistência
Base XVI
1. Na execução da política de saúde e assistência, competirá, designadamente, ao Ministério da Saúde e Assistência:
a) Dar execução às atribuições do Estado previstas na base III;
b) Promover a cooperação dos outros Ministérios interessados no prosseguimento da referida política.
2. As actividades de saúde e assistência que sejam da competência de departamentos do Estado situados em vários Ministérios deverão ser coordenadas por meio de comissões interministeriais.
3. A política de saúde e assistência deve ser planificada e realizada por modo a evitar duplicações de serviços gerais ou locais e a eliminar as existentes.
Base XVII
1. São órgãos superiores do Ministério:
a) O Conselho Coordenador, no qual terão representantes os serviços principais do Ministério e ao qual cabe definir as linhas gerais da acção a desenvolver, bem como conjugar entre si a actividade dos diversos serviços, a fim de lhe imprimir unidade e eficiência;
b) O Conselho Superior de Saúde e Assistência, ao qual compete estudar e estabelecer os planos técnicos necessários e desempenhar as funções de órgão especializado de consulta e de recurso que a lei lhe conferir.
2. O Conselho Coordenador funcionará em plenário e pode estabelecer as comissões julgadas convenientes. Um conselho restrito será presidido pelo Ministro e constituído pelos directores-gerais e funcionários de categoria equivalente.
3. O Conselho Superior de Saúde e Assistência funcionará em plenário e por secções.
Base XVIII
1. São órgãos centrais do Ministério:
a) As Direcções-Gerais de Saúde, dos Hospitais e da Assistência;
b) Os serviços centrais, que compreenderão a Secretaria-Geral, a secretaria dos conselhos, o Gabinete de Estudos, a Repartição de Serviços Administrativos, a Comissão Orientadora de Abastecimentos e os serviços de inspecção, de contencioso, de relações internacionais e outros comuns a todos os departamentos do Ministério.
2. A Direcção-Geral da Assistência exercerá a tutela administrativa das instituições particulares, sem prejuízo das atribuições específicas das outras direcções--gerais, sobretudo pelo que respeita à Direcção-Geral dos Hospitais relativamente às unidades hospitalares distritais e concelhias.
Base XIX
1. Nas direcções-gerais ou na sua dependência haverá os serviços indispensáveis para o exercício das funções que a lei lhes atribuir, os quais poderão tomar a forma de institutos, inspecções superiores, direcções de serviços, centros de estudo ou de investigação ou outras que se revelem adequadas.
2. Os institutos coordenadores de actividades que caibam simultaneamente nas atribuições de mais de que uma direcção-geral ficarão dependentes de cada uma delas na parte respeitante à sua competência específica.
Base XX
1. São órgãos regionais de saúde e assistência:
a) As delegações distritais das direcções-gerais de saúde, dos hospitais e da assistência;
b) As comissões distritais de saúde e assistência;
c) As comissões inter-hospitalares.
Base XXI
1. As delegações distritais exercem na sua área as funções das respectivas direcções-gerais, na parte aplicável.
2. Enquanto não for necessário criar em determinados distritos delegação autónoma de alguma das direcções-gerais, poderá a representação dessa direcção-geral ser atribuída à delegação distrital de outra.
3. As delegações da Direcção-Geral de Saúde conservam a designação de delegações de saúde.
4. As delegações da Direcção-Geral da Assistência integrarão as actuais delegações do Instituto de Assistência à Família.
Base XXII
1. Junto das delegações de saúde, e na suar dependência, deverão funcionar centros de saúde, para acção local e apoio aos postos concelhios referidos na base XXXVI.

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2. Nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra os centros de saúde terão organização especial. Para tanto, serão reorganizados os actuais dispensários de higiene social por modo a que a respectiva actividade fique ligada não só com a das delegações distritais de saúde, mas também com a do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.
Base XXIII
1. As comissões distritais de saúde e assistência compete exercer, ao nível dos respectivos distritos, as funções indicadas na base XVII para o Conselho Coordenador do Ministério.
2. São seus membros natos os delegados das direcções--gerais.
Base XXIV
Junto das delegações da Direcção-Geral dos Hospitais em Lisboa, Porto e Coimbra funcionarão comissões inter-hospitalares, com jurisdição sobre os hospitais das respectivas zonas.
Base XXV
1. São órgãos locais de saúde e assistência:
a) As subdelegações de saúde;
6) As Misericórdias das sedes dos concelhos ou, na falta delas, as instituições locais escolhidas para desempenhar essa função.
2. Quando circunstâncias especiais o aconselhem, poderão ser criadas comissões municipais de saúde e assistência, que funcionarão na Misericórdia e sob a presidência do provedor. Os subdelegados de saúde serão vogais natos destas comissões, que se destinam a coordenar ao nível municipal as actividades da saúde e assistência e a encaminhar adequadamente os casos que se suscitem e não possam ser resolvidos pelas instituições e serviços existentes no concelho.
Base XXXVI
1. A acção das subdelegações de saúde exercer-se-á em postos de saúde instalados por acordo nos hospitais concelhios e dirigidos pelos subdelegados de saúde.
2. Quando não existirem hospitais concelhios, os postos de saúde podem ter instalações privativas.
3. Nos hospitais concelhios, e também em regime de acordo, poderão igualmente funcionar secções de serviço social.
Na falta de pessoal tecnicamente preparado, as secções de serviço social serão substituídas por simples secções de assistência.
Base XXVII
1. Sempre que possível e necessário, estabelecer-se-ão nas freguesias postos de saúde e assistência, de preferência instalados, por acordo, em instituições particulares ou oficiais já existentes.
2. A prestação de assistência médica às populações rurais será regulada em lei especial, que procurará assegurar-lhe a desejável unidade e eficiência.
CAPITULO IV
Do pessoal
Base XXVIII
1. O pessoal dos órgãos e serviços oficiais do Ministério constará de quadros de funcionários técnicos e administrativos, para os quais a lei estabelecerá as condições gerais de admissão e promoção. Esta última fundar-se-á não só na antiguidade como também na posse de conhecimentos especializados e actualizados por meio de estágios e de cursos de aperfeiçoamento.
2. Deverão ser regulamentadas as condições gerais de admissão e promoção do pessoal técnico e administrativo das Misericórdias, podendo estas condições ser oportunamente tornadas aplicáveis às outras instituições particulares de assistência, quando subsidiadas pelo Estado. As referidas condições terão, porém, em conta a autonomia e as características especiais daquelas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as possibilidades efectivas de recrutamento de pessoal nos meios locais.
Base XXIX
A preparação e o treino do pessoal, quando este carecer de habilitações especiais para o exercício das actividades consideradas neste diploma, far-se-á:
a) Em escola de saúde pública para o pessoal médico, bem como para o pessoal paramédico e sanitário;
b) Em escolas ou cursos apropriados para o pessoal de administração, de enfermagem, de serviços educativos e recuperadores e de outros serviços técnicos de saúde e assistência;
c) Em escolas de serviço social, para o pessoal que
a este serviço se destina.
Base XXX
1. São estabelecidas para os médicos a carreira de saúde pública e a carreira hospitalar. Leis especiais regulamentarão essas carreiras e as condições em que se poderá transitar de uma para a outra.
2. São igualmente estabelecidas as seguintes carreiras de pessoal:
a) Para o pessoal de serviço social, as de assistentes sociais, assistentes familiares e auxiliares sociais ou equivalentes;
b) Para os enfermeiros, as de enfermagem geral e de enfermagem especializada;
c) Para o pessoal administrativo, as de administração hospitalar e as de administração dos outros organismos de saúde e assistência.
Na regulamentação destas carreiras, que será feita tendo em conta o disposto no n.° 2 da base XXVIII, devem ser consideradas as condições em que se poderá transitar de uma para outra ou obter acesso à carreira superior.
CAPITULO V
Da responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência
Base XXXI
Os encargos da saúde e da assistência incumbem, de harmonia com o estabelecido neste capítulo;
a) Aos próprios assistidos e às respectivas famílias;
b) As instituições de previdência social;

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c) Aos organismos oficiais e particulaies de saúde
e assistência, por intermédio dos seus fundos e receitas próprias;
d) Às câmaras municipais;
e) Ao Estado.
Base XXXII
1. Os assistidos, seus cônjuges, ascendentes e descendentes ou ainda os irmãos e outros parentes que com eles tenham economia comum são os primeiros responsáveis pelo pagamento, total ou parcial, dos serviços recebidos.
2. Esta responsabilidade incumbirá, porém, a terceiros sempre que para eles haja sido transferida por contrato ou pela lei ou quando estes tenham praticado acto de que tal responsabilidade emergiu.
Base XXXIII
Constitui responsabilidade das instituições de previdência o pagamento dos serviços prestados aos seus beneficiários pelos organismos de saúde e assistência, quando este pagamento não constitua obrigação legal de outra entidade e os serviços prestados respeitem a eventualidades cobertas pela previdência social.
Base XXXIV
Os organismos de saúde e assistência suportarão, por intermédio dos seus fundos e receitas próprias, os encargos que lhes devam ser atribuídos em consequência da origem e natureza desses fundos ou receitas, da vontade dos benfeitores, da finalidade da instituição ou dos serviços e das disposições estatutárias ou regulamentares.
Base XXXV
E despesa obrigatória das câmaras municipais o pagamento da quota-parte que, de harmonia com diploma especial, lhes for atribuída quanto aos cuidados hospitalares e às outras modalidades de assistência de que beneficiem os pobres e os indigentes com domicílio de socorro nos respectivos concelhos.
Base XXXVI Constitui encargo do Estado:
a) A criação e manutenção dos serviços oficiais de saúde e assistência;
b) A construção e apetrechamento dos estabelecimentos oficiais de saúde e assistência e a parte das despesas de funcionamento desses estabelecimentos e dos demais serviços oficiais que, directa ou indirectamente, não for coberta pelas taxas pagas pelos usuários;
c) A comparticipação nas obras e apetrechamento
das instituições particulares e, bem assim, no pagamento dos serviços prestados por estas quanto à parte que não possa ser suportada pelos seus fundos e receitas ou por qualquer outro modo previsto nesta lei.
Base XXXVII
Os encargos municipais terão contrapartida nas receitas próprias das câmaras e no produto das derramas que estas podem ser autorizadas a lançar, com o fim exclusivo de pagar encargos ou ocorrer a necessidades de saúde e assistência dos respectivos concelhos. As derramas, cujos quantitativos carecerão de ser aprovados pelo Ministro das Finanças, incidirão sobre as contribuições directas cobradas, com expressa isenção dos pequenos contribuintes.
Base XXXVIII
1. Considera-se domicílio de socorro de um assistido o último concelho onde haja residido pelo período de um ano. Porém:
a) A mulher casada teia o domicílio de socorro do marido quando não estiver separada judicialmente de pessoas e bens;
b) O menor não emancipado terá o domicílio de socorro dos pais, do pai, da mãe ou do tutor a cuja autoridade se achar sujeito, ou ainda da pessoa a cargo de quem estiver o seu sustento o educação. Todavia, se viver por sua conta há mais de um ano, o domicílio de socorro será determinado segundo a regra geral;
c) Quando se não possa determinar a sua residência, considera-se domicílio de socorro o concelho ou concelhos em que o indivíduo for tratado ou assistido.
2. O domicílio de socorro do português proveniente das províncias ultramarinas ou do estrangeiro, onde haja vivido, será o do concelho da metrópole em que resida há mais de um ano ou em que for tratado ou assistido, se ainda não tiver completado nalgum concelho aquele período de residência.
3. Os estrangeiros receberão assistência em reciprocidade com as facilidades concedidas nos respectivos países aos súbditos portugueses. A determinação do domicílio de socorro dos que residem em Portugal obedecerá às normas estabelecidas nesta base para os portugueses.
4. Os cidadãos brasileiros ficam equiparados aos nacionais para efeitos de saúde e assistência.
Base XXXIX
1. As tabelas das diárias, serviços e honorários nos organismos de saúde e assistência serão aprovadas pelo Ministério da Saúde e Assistência. Salvo determinação legal em contrário, os serviços de medicina preventiva serão gratuitos.
2. As tabelas a que se refere a primeira parte do número anterior deverão variar com a situação, a categoria e a natureza dos estabelecimentos.
3. Os médicos que prestem serviço nos estabelecimentos oficiais de saúde e assistência poderão cobrar os serviços clínicos ou cirúrgicos prestados a pensionistas, segundo tabelas superiormente aprovadas. Serão definidas as condições em que os referidos serviços serão pagos aos médicos pelos doentes que só possam satisfazer uma parte das suas despesas de tratamento.
4. Em colaboração com a Ordem dos Médicos, os departamentos competentes deverão tomar providências tanto para evitar tabelas excessivas de honorários clínicos em medicina livre, como para procurar obstar à fixação de condições inadequadas ou de quantitativos demasiado exíguos pela prestação de serviços clínicos.
Base XL
1. Para aumentar as dotações destinadas a suprir a insuficiência das prestações voluntárias para a assistência, poderá o Governo determinar o lançamento, a favor de um fundo de socorro social, de taxas, que

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deverão principalmente incidir sobre os objectos de luxo, os gastos sumptuários ou supérfluos, os espectáculos e divertimentos, e também as actividades lucrativas pelo que respeite à organização de assistência à maternidade e à primeira infância.
2. O Governo ficará igualmente autorizado a fomentar a benemerência particular, pela concessão de facilidades e isenções a favor dos actos de generosidade praticados.
Base XLI
A responsabilidade pelos encargos de saúde e assistência que não forem voluntariamente satisfeitos será declarada e liquidada pelas comissões arbitrais, nos termos que a lei determinar.
CAPITULO VI Disposições especiais e transitórias
Base XLII
Para conveniente realização da cobertura sanitária do País, serão tomadas providências no sentido de assegurai melhor distribuição local da assistência farmacêutica. Para tanto, será revista a legislação em vigor por modo a facilitar-se o acesso da população às farmácias ou a postos de medicamentos suficientemente dotados e a procurar garantir-se aos farmacêuticos condições adequadas para o exercício da profissão.
Base XLIII
1. O Governo publicará a legislação necessária para permitir aos indivíduos com capacidade física diminuída, mas devidamente recuperados ou reabilitados, o exercício das profissões adequadas às suas possibilidades de trabalho.
2. Nos serviços do Estado e das empresas concessionárias de serviços públicos poderá ser desde já condicionado o direito de admissão de pessoal, em empregos susceptíveis de serem eficientemente desempenhados por indivíduos com capacidade diminuída.
Base XLIV
1. Carecem de prévia aprovação ministerial as obras públicas de natureza sanitária e as obras de construção ou grande ampliação ou remodelação de edifícios destinados a actividades de saúde e assistência.
2. As direcções-gerais sujeitarão anualmente à aprovação do Ministro o plano das obras ou melhoramentos, a realizar ou subsidiar, que considerem de maior interesse sanitário, hospitalar ou assistencial
Base XLV
Sempre que, em consequência da execução do presente estatuto ou de legislação que vier a regulamentá-lo, serviços dependentes de outros Ministérios transitarem para o Ministério da Saúde e Assistência, a sua transferência será feita por modo a respeitarem-se os direitos adquiridos e a não causar perturbação aos respectivos utentes.
Base XLVI
A Inspecção da Assistência Social será reorganizada, sem prejuízo das funções dos serviços técnicos de inspecção ou fiscalização que pertençam às direcções--gerais.
Base XLVII
Os funcionários dos actuais quadros do Ministério da Saúde e Assistência darão ingresso nos novos quadros mediante simples despacho ministerial e sem perda de nenhum dos seus direitos.
Base XLVIII
Até à aprovação dos regulamentos definitivos, o Ministro da Saúde e Assistência aprovará os regulamentos provisórios e as instruções indispensáveis à boa execução da presente lei. Os referidos regulamentos carecem da aprovação do 'Ministro das Finanças sempre que tratem de matéria administrativa ou financeira.
O Ministro da Saúde e Assistência, Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.

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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N 42/VII
Projecto de proposta de lei n.° 514
Estatuto da Saúde e Assistência
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 514, elaborado pelo Governo sobre o Estatuto da Saúde e Assistência, emite, pelas secções de Interesses de ordem espiritual e moral, Autarquias locais e Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Alberto Sobral, António Bandeira Garcês, António Jorge Martins da Mota Veiga, António Júlio de Castro Fernandes, Armando Gouveia Pinto, João Ubach Chaves, José Almeida Ribeiro, José Augusto Vaz Pinto, José Gabriel Pinto Coelho, José de Mira Nunes Mexia, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel Duarte Gomes da Silva, Pedro António Monteiro Maury e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
SUMÁRIO
PARTE I
Apreciação na generalidade
Capítulo I
números
Alcance da proposta ............... 1
Capítulo II
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores
Antecedentes .................. 2
A) A pessoa humana............ 3
D) A família................ 4
C) Actividades preventivas e recuperadoras . . 5
D) Atribuições do Estado.......... 6
E) Actividades de saúde e assistência .... 7
F) Associações e fundações. As Misericórdias 8
O) Caridade e liberdade........... 9
H) Saúde, assistência e previdência social . . 10
Capítulo III
As necessidades a atender
§ 1.°
Balanço das principais necessidades...... 11
§ 2.º
Assistência à maternidade e à infância..... 12
A) Maternidade............... 13 a 17
B) Primeira infância (lactentes)....... 18 a 23
C) Infância pré-escolar........... 24 e 25
D) Infância e juventude escolar....... 26 a 28
E) Saúdo escolar.............. 29
F) Crianças com deficiências físicas e mentais 30 a 32 67) Assistência às crianças doentes...... 33
§ 3.º
Assistência e prevenção na doença :
A) Assistência médica............ 34 a 36
B) Assistência hospitalar.......... 37 a 45
C) Doenças e anomalias mentais....... 46 a 50
D) Doenças do coração........... 51 a 55
E) Reumatismo............... 56 e 57
F) Luta contra o cancro........... 58 e 59
G) Doenças de nutrição e problemas de alimentação ............... 60 e 61

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Números
luta contra as doenças contagiosas...... 62 e 63
A) Varíola..................64
B) Febre tifóide.............. 65
C) Sarampo................ 66
D) Difteria................. 67
E) Poliomielite............... 68
F) Tracoma ................ 69
G) Tuberculose............... 70 a 78
H) Lepra.................. 79 a 86
I) Endemias rurais............. 87 a 90
§ 5.º
Prostituição.................. 91 a 94
§ 6.º
Outras necessidades :
A) Assistência à família...........95 a 102
B) Assistência aos inválidos.........103 a 109
C) Prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais............ 110
D) Doenças alérgicas............ 111
§ 7.º
População...................112 e 113
Capítulo IV
Dos órgãos de saúde e assistência
§ único
Da política de saúde e assistência:
A) Dos órgãos superiores do Ministério . . . 114 e 115
B) Dos órgãos centrais do Ministério .... 116 a 121
C) Dos órgãos regionais de saúde e assistência 122 e 123
D) Dos órgãos locais de saúde e assistência . . 124
E) Dos órgãos de coordenação da assistência 125
Capítulo V
Do pessoal
§ 1.º
DOS QUADROS :
A) Admissão e promoção dos funcionários e
revisão dos quadros.......... 126
B) Carreiras do pessoal........... 127
§ 2.°
DA PREPARAÇÃO DO PESSOAL:
A) Generalidades.............. 128
B) Da formação dos médicos e de outros profissionais ............... 129
C) Enfermagem ..............130 a 134
D) Serviço social..............135 e 136
CAPÍTULO VI
Da responsabilidade financeira pelos encargos da saúde e assistência..............137 a 140
PARTE II
Exame na especialidade
Capítulo I
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores .................... 147
Capítulo II
Das actividades de saúde e assistência...... 148
Capítulo III
Dos órgãos de saúde e assistência......... 149
Capítulo IV
Do pessoal................... 150
Capítulo v
Da responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência....... 151
Capítulo VI
Disposições especiais e transitórias........ 152
PARTE III
Conclusões................... 153
PARTE I
Apreciação na generalidade
CAPITULO I
Alcance da proposta
1. O projecto de proposta de lei sobre o Estatuto da Saúde e Assistência mantém, de um modo geral, os princípios que informaram o Estatuto da Assistência Social, em que se transformou a proposta de lei enviada a esta Câmara Corporativa em 1943.
No parecer que então emitiu, e de que foi relator o Prof. Doutor Marcelo Caetano, fez-se o inventário das principais necessidades do País em matéria de assistência social, equacionaram-se problemas, definiram-se princípios, apontaram-se soluções, preconizaram-se regras de disciplina jurídica e de organização dos serviços e indicaram-se os meios de realizar acção eficaz.
A proposta foi objecto de longo debate na Assembleia Nacional, no qual se pôs em relevo o contributo dado por esta Câmara ao esclarecimento da matéria em discussão, e, aprovadas as suas bases, veio a converter-se na Lei n.° 1998, de 15 de Maio de 1944.
Tanto no parecer da Câmara Corporativa como no debate travado na Assembleia Nacional se reconheceu a oportunidade da proposta, sem embargo de se haverem formulado algumas reservas à sua doutrina.
Dado o facto de o novo estatuto, como se assinala no bem elaborado relatório que o precede, «não decorrer de princípios opostos aos do estatuto anterior», esta Câmara tem a sua tarefa extraordinariamente facilitada, pois só em um ou outro aspecto terá de rever a orientação então perfilhada, em ordem a corrigir ou a actualizar alguns conceitos ou adaptar as estruturas administrativas existentes ao condicionalismo resultante do progresso da medicina, da evolução das ciências e das técnicas e da alteração dos meios que estas proporcionam ao homem para promover a saúde ou minorar os sofrimentos.
O realismo que inspira a nossa política há muito nos ensinou que, ao lado da firmeza dos princípios, existe a flexibilidade dos métodos da sua aplicação e que a estabilidade daqueles não equivale à sua imutabilidade, pelo menos quanto à posição relativa que lhes cabe ocupar no domínio da sua projecção nos factos.
A promoção da saúde, a luta contra a doença e a miséria, constituem problemas fundamentais da política social, visto da sua solução depender, em grande parte, a melhoria das condições de vida do homem, escopo da política social.
Na realização desse objectivo não pode descansar-se nem tão-pouco diminuir o ritmo de trabalho que tiver por fim o aperfeiçoamento dos métodos para o atingir. A saúde é uma criação contínua.

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CAPITULO II
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores
Antecedentes
2. Os princípios orientadores do novo Estatuto da Saúde e Assistência constam do capítulo i e base XVI do capítulo III e reduzem-se a fixar a forma como se realiza a política de saúde e assistência, em cuja prestação se deve ter presente a pessoa humana e a família; a dar preferência às actividades preventivas e recuperadoras sobre as actividades meramente curativas; a definir a competência do Estado e a sua atitude perante as iniciativas e as instituições particulares; a distinguir, quanto à responsabilidade da administração e à origem dos recursos, as actividades oficiais das actividades particulares ; a delimitar a autonomia das instituições e a estabelecer a forma que estas podem revestir; a assegurar a liberdade do exercício individual e colectivo da caridade ou da beneficência, «alvas as restrições legais; a prescrever que a» instituições de previdência devem assegurar a cobertura económica das eventualidades previstas na respectiva legislação, na medida em que o consintam os fundos afectos a cada uma dessas eventualidades; a prescrever que a política de saúde e assistência deve ser planificada e realizada por modo a evitar duplicações.
Ora, os referidos princípios, pelo menos no que neles pode considerar-se essencial, já constam da Lei n.° 1998 (bases I a VI, XI, XVII, XXV, XXXI, XXXVI), dos diplomas previstos na sua base x e dos publicados com vista à sua execução.
Na verdade, tanto no Estatuto da Assistência Social em vigor como no projecto, a política de saúde e assistência (assistência social na base i da Lei n.° 1998) propõe-se «valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições morais, económicas e sanitárias dos seus agrupamentos naturais» (Estatuto da Assistência Social, base I).
Como no parecer desta Câmara se disse ao apreciar o estatuto em vigor, o conceito de assistência social nele definido é muito amplo e a sua amplitude foi mantida no projecto de proposta agora submetido à consulta desta Câmara.
Efectivamente, nos termos da base i, a política de saúde e assistência realiza-se pelo combate à doença, pela promoção do bem-estar dos indivíduos e, sobretudo, pela melhoria das condições de ordem moral, social, económica e sanitária dos seus agrupamentos naturais. E, como os agrupamentos naturais dos indivíduos são a família de que fazem parte, a categoria profissional em que se integram e a comunidade de vizinhança ou nacional a que pertencem, segue-se que tudo quanto respeite à melhoria das condições económicas, sanitárias ou sociais da população interessa à realização da política de que a assistência é um dos aspectos.
A realização desta política não pode, pois, ser indiferente a constituição da família, a remuneração do trabalho, a salubridade da habitação, a cobertura dos riscos a que o homem está sujeito, etc.
A) A pessoa humana
3. Pela base n do projecto, na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência deve ter-se presente a natureza unitária da pessoa humana e a necessidade de agir com respeito pelas suas virtudes naturais.
Compreende-se que assim seja. O fim da sociedade não é absorver a pessoa humana, antes o meio de contribuir para o seu pleno desenvolvimento.
Mas respeitar as virtudes e direitos naturais da pessoa é respeitar a sua liberdade, independência e responsabilidade, o direito ao trabalho e à escolha da profissão, a iniciativa da inteligência e a generosidade do coração, o direito à vida e à integridade pessoal.
Na organização da assistência, como na organização económica, torna-se indispensável salvaguardar os valores humanos e ter em consideração não só as necessidades materiais da pessoa — alimentação, vestuário, habitação, segurança, etc. —, mas ainda as de ordem espiritual, porquanto o homem, expressão de todos os valores, medida de todas as coisas, com direitos próprios e anteriores aos que lhe advêm das leis positivas, reúne em si um pequeno mundo que, no dizer do Papa Pio XI, «vale muito mais que o imenso universo inanimado».
O homem não é mera peça ide engrenagem na poderosa máquina do Estado, sem vontade, iniciativa e responsabilidade individual e própria. Não. Sujeito de direitos inalienáveis, jamais poderá ser considerado como objecto de ideologia totalitária; fonte de valores espirituais que a existência humana postula, a sua consciência moral não pode ser afectada por quaisquer interesses ou princípios de ordem económica.
Com efeito, embora só na sociedade consiga cumprir a sua missão, certo é também que os seus direitos fundamentais não podem ser postergados em nome do interesse colectivo.
Desta sorte, e com o pretexto de o proteger, não é lícito reduzir o homem a um autómato, sem vontade, iniciativa e liberdade próprias; nem tão pouco, com o fundamento de que a sociedade cuida da sua segurança, pode obliterar-se nele o sentido da responsabilidade que lhe cabe quanto à obrigação de, pelo trabalho individual, prover à satisfação das suas necessidades e da sua família, e, pela propriedade individual ou pela poupança, assegurar, na medida do possível, a sua própria previdência.
B) A família
4. Ser social por natureza, é através da família que o homem se integra na comunidade.
Assim, a família é-lhe indispensável, pois só por meio dela pode verdadeiramente realizar a sua missão, tanto no plano biológico como no económico e espiritual.
Fonte donde brota a vida, a família constitui o meio natural onde ensaiamos os primeiros passos, balbuciamos as primeiras palavras, aprendemos as primeiras letras, rezamos as primeiras orações, cadinho em que se modela a alma, forma o corpo e forja o carácter. Na família recebemos os primeiros rudimentos de educação física e intelectual e os princípios de formação moral; na família encontramos as reservas de energia, de coragem e de confiança necessárias à luta e ao triunfo na vida; dela haurimos, finalmente, o bálsamo para todas as feridas, o amparo para todas as dores, o auxílio no infortúnio e na adversidade.
Como o homem é, em grande parte, a família de que provém, ou a família que fundou, o clima familiar reflectir-se-á na saúde e bem-estar de cada um dos seus membros.
Célula social irredutível e o primeiro dos elementos da orgânica do Estado, no dizer de Salazar, base da estrutura da sociedade, primeira forma da consciência colectiva, meio de transmissão das tradições locais e

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nacionais e dos princípios de ordem moral, compreende--se que as constituições modernas, entre as quais a Constituição Política Portuguesa, consagrem alguns preceitos à sua defesa, dando-lhe lugar de relevo na educação e na ordem política e administrativa.
Ao Estado compete «assegurar a constituição e defesa da família», que a nossa lei constitucional considera «fonte de conservação e desenvolvimento do povo português» e «base primária da educação, da disciplina e harmonia social».
Porque vive na família, o homem está ligado a ela pelos mais fortes laços de solidariedade. Tudo o que respeita à família interessa a cada um dos seus membros.
Deste modo, justifica-se que no projecto se mande ter em conta, na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência, a missão da família — primeiro responsável pelo bem-estar dos que a compõem.
O projecto, ainda nesta parte, teve por fonte o Estatuto da Assistência Social, constante da Lei n.° 1998, onde expressamente se estabelece que «a assistência terá em vista o aperfeiçoamento da pessoa a quem é prestada e da família ou agrupamento social a que pertencer» (base VI, norma 3.ª), ou ainda quando dispõe que «a insuficiência da economia familiar deverá ser suprida, proporcionando-lhe meios de trabalho, subsidiando a obtenção de habitações em condições de salubridade ou concedendo subsídios de alimentação ou agasalho» (base XI).
Assim, como consequência do princípio da unidade da família, a assistência deve ser prestada tendo em conta, no seu conjunto, os recursos e as necessidades do agregado familiar.
Por outro lado, como a família constitui o meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem [projecto, base n, alínea a)], segue-se que o internamento em qualquer estabelecimento deve ser limitado aos casos em que não é possível tratar em casa os doentes ou proporcionar a estes as condições de vida familiar normal e ainda aos que pela sua natureza contagiosa exigem isolamento sanitário.
Ainda no auxílio a prestar ou na concessão de subsídios, deve atender-se não só às necessidades reais do indivíduo, mas também às das pessoas a seu cargo, tão certo é que as necessidades materiais da família podem ser causa do enfraquecimento da sua coesão e até de desordem moral.
Todos estes princípios devem inserir-se numa política que vise o fortalecimento da unidade moral da família, a formação da consciência da responsabilidade que pesa sobre os seus chefes quanto ao sustento da mulher e à educação dos filhos, o respeito pela autoridade natural e legítima dos pais, a estabilidade dos lares e a obediência dos filhos, a melhoria da habitação e a criação da consciência da função social que à família cumpre desempenhar.
'No aspecto da educação e da dignificação da família, do amparo à maternidade, do fomento da habitação e do património familiar, do auxílio às famílias numerosas, da constituição dos lares independentes, há uma grande obra a fazer, e a assistência pode contribuir para criar e manter o ambiente moral indispensável à sua realização.
G) Actividades preventivas e recuperadoras
5. A preferência dada no projecto às actividades preventivas e às recuperadoras sobre as meramente curativas tem a sua fonte na base VI, norma 1.ª, do Estatuto
da Assistência Social, em que tal preferência é estabelecida em termos inequívocos.
A recuperação abrange o conjunto de medidas destinadas a dar aos deficientes mentais e físicos e aos desadaptados psíquicos e sociais, a que no mesmo projecto se faz referência expressa, possibilidade de se tornarem elementos úteis a si e ao agregado social.
Desde que a saúde do homem é um bem social, nada de mais natural que a sociedade tenha interesse em defendê-la dos perigos que a ameaçam.
Daí a preferência dada à acção preventiva.
Prevenir e curar são meios de defender e conservar a saúde, ou seja aquilo que, como notara La Bruyère, «os homens mais gostam de conservar e que menos poupam».
Conservar e defender a saúde é uma ciência e uma arte, e, se algumas vezes é difícil diagnosticar a doença, também não é fácil definir a saúde.
A Organização Mundial de Saúde considera-a «como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade».
Esta definição é muito ampla, pois engloba no mesmo conceito de saúde o bem-estar físico, mental e social.
Mas, como nota o Dr. Miller Guerra, a caracterização genérica da saúde é muito complexa, sendo o critério subjectivo «bem-estar», que está na base do conceito da Organização Mundial da Saúde, insuficiente para a definir, porquanto, «se o bem-estar físico e mental são difíceis de utilizar para esse fim, muito mais o ó ainda o bem-estar social, pois ele depende de múltiplos factores, que só longinquamente têm relação com a saúde». (O que é a saúde, pp. 8 e 20).
E o Prof. Baraona Fernandes, no relatório apresentado ao I Congresso Nacional de Saúde Mental, relatório que teve a colaboração do Prof. Pedro Polónio, anotou que a redução do conceito oficial de saúde «a um estado de bem-estar implica uma valorização hedonística que o toma criticável».
No referido relatório acrescenta-se: «O completo bem--estar social implicaria a falta de qualquer tensão, mesmo agradável, nas relações humanas — o que seria utópico e, de forma alguma, pode ser o escopo da higiene».
Assim é, de facto. O que, no entanto, não obsta a que a definição tenha sido aceite como moldada em ouro de lei e tomada como lema ou bandeira no campo das reivindicações sanitárias.
Uma coisa é, porém, certa: a saúde dá-nos uma sensação de bem-estar físico, de liberdade e de optimismo, ao passo que a doença traduz mal-estar, desequilíbrio, sujeição, desânimo e pessimismo.
Por isso, se o homem saudável se mostra mais apto, física e moralmente, a desempenhar as mais diversas tarefas e a obter pelo trabalho os meios indispensáveis à sua subsistência, aceita-se que a saúde seja tida como uma das condições para a felicidade e bem-estar da humanidade. Daí o lugar que na organização dos serviços de saúde deverão ter os que visem não só a prevenção e a cura da doença, mas ainda a reabilitação dos doentes, em ordem a torná-los elementos úteis no aspecto económico e social, uma vez que se considera o trabalho como base da sustentação do homem e elemento da sua dignidade.
Na medicina preventiva, mais do que em qualquer outra, há necessidade de observar normas de carácter geral que naturalmente devem ser ditadas pelo departamento que tenha a seu cargo a saúde ou higiene públicas.

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Nesta matéria não podem distinguir-se os trabalhadores dos não trabalhadores, pois uns e outros estão sujeitos à doença, independentemente de classes, profissões e actividades.
O Estado, ao estabelecer os serviços de prevenção de doenças, não visa esta ou aquela classe, esta ou aquela profissão, mas todos os indivíduos.
D) Atribuições do Estado
6. Pela base III da Lei n.° 1998 (Estatuto da Assistência Social), em matéria de prestação de assistência ficaram a pertencer ao Estado múltiplas funções:
a) Activas, relativamente aos serviços de saúde
geral e outros cuja complexidade ou superior interesse público aconselhem a manter em regime oficial (base III, n.° 1) ;
b) Supletivas das iniciativas particulares, pelo
que só na falta ou insuficiência destas lhe competirá suscitar, promover ou sustentar as obras de assistência que as necessidades reclamarem, devendo, porém, as mesmas ser desoficializadas logo que isso se torne possível, sem prejuízo da assistência a prestar (base III, n.° 2) ;
c) Directivas, quanto à política da assistência
(base XXXI);
d) Orientadoras, tutelares e fiscalizadoras, relativamente aos organismos, instituições ou serviços que se destinem a prestá-la (bases III e XXXI).
O projecto do Estatuto da Sari de e Assistência mantém aquelas atribuições e salienta a intervenção do Estado, visto que a este passaria a competir designadamente:
a) Estabelecer planos gerais para as actividades
de saúde e assistência [base III, alínea a)] ;
b) Organizar e manter os serviços de saúde e assistência que, pelo seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada [base III, alínea c)] ;
c) Exercer funções supletivas em relação às iniciativas particulares, que deverá fomentar e favorecer, desde que ofereçam determinadas condições ou quando integradas ou integráveis em planos gerais de actividade sanitária ou assistencial [base III, alínea d)].
Deste modo, o Estado, tendo por missão traçar e esquematizar os planos de saúde e assistência, deixa, todavia, à iniciativa particular a prestação concreta dos serviços assistenciais. Só quando o superior interesse nacional e a complexidade dos serviços o aconselhem é que o Estado organizará e manterá os serviços de saúde e assistência.
Em suma: ao Estado ficaria a pertencer, nos termos do projecto em análise, a orientação superior, o travejamento dos planos e, em casos especiais, a execução dos programas; da iniciativa privada espera, porque na mesma confia, a execução em geral dos planos por ele traçados.
Também, no que respeita às actividades de saúde e assistência, não se limitaria a exercer a acção orientadora e fiscalizadora prevista no estatuto anterior, visto que, em conjunto com ela, se propõe coordenar a acção das referidas actividades [base III, alínea b)].
A Câmara Corporativa, no parecer que emitiu sobre o Estatuto da Assistência Social, opinou que o Estado, em Portugal, tem o dever de assegurar e desenvolver a assistência, tanto por imperativo da nossa lei fundamental (Constituição Política, artigos 6.° e 14.°) como pelo facto de os problemas de assistência social serem de superior interesse nacional e exprimirem, mais do que «quaisquer formas de política, a solidariedade que une entre si pelos laços do sangue e da história todos os membros da Nação».
Nada há que rever neste aspecto, tanto mais que a evolução das ciências e das técnicas, as convenções internacionais que assinámos, o custo dos meios de diagnóstico o terapêuticos e o volume de investimentos são outros tantos factores a considerar, pois, não podendo as iniciativas particulares suportar o encargo deles resultante, ao Estado cabe a iniciativa da criação dos serviços de saúde e assistência que se tornarem indispensáveis.
É que os problemas relativos à necessidade de pôr o homem a coberto da doença e da miséria, reduzindo ao mínimo as suas consequências, atingiram uma importância tal que o Estado está em melhores condições para os equacionar em plano de conjunto, ficando reservado à iniciativa particular papel decisivo na execução dos mesmos planos.
Como consequência da aspiração colectiva à segurança e ao bem-estar, a intervenção do Estado aumenta de ano para ano em todos os países, sendo esta uma das características que melhor definem a época que atravessamos, em que a solução dos problemas sociais e económicos constitui preocupação dominante.
Em primeiro lugar, a saúde não é só um bem individual, mas ainda um bem público ou social que, interessando a todos e a cada um em particular, não pode deixar de interessar à colectividade e, consequentemente, ao Estado.
Já Disraeli entendia «ser o cuidado pela saúde pública o primeiro dever do Estado, atendendo a que ela constitui o fundamento em que assentam a felicidade do povo e o poder do Estado».
Em segundo lugar, além da doença, o homem está sujeito a outros riscos e carências que o Estado, sob pena de faltar ao dever constitucional que lhe impõe «zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que aquelas desçam abaixo do mínimo humanamente suficiente», tem de evitar, ou pelo menos reduzir, dadas as suas consequências nos aspectos físico, económico e social.
Ora a protecção e defesa da saúde, a necessidade de assegurar o desenvolvimento normal das faculdades do homem e a estabilidade da família, primeiro agrupamento natural, exigem a organização de planos gerais em que a acção do Estado é fundamental.
Na verdade, só o Estado dispõe dos elementos necessários à definição dos objectivos a prosseguir; só o Estado tem autoridade para coordenar os diferentes serviços e fixar a ordem de prioridade em razão das disponibilidades económicas da Nação; só o Estado, finalmente, está em melhores condições de assegurar, ainda que em colaboração com a iniciativa particular e o seguro social, os vultosos investimentos que a realização de qualquer plano ou programa implica.
Isto não quer dizer, evidentemente, que as iniciativas privadas não fiquem a dispor de vasto campo em que poderão exercer, e só há conveniência em que o façam, a sua benemerente acção.
O Doutor Salazar, ouvido, quando desempenhava as funções de provedor da Misericórdia de Coimbra,

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pelo Diário do Notícias acerca da situação aflitiva em que se encontravam quase todas as Misericórdias do País, disse: «Deus nos livre que o Estado pretendesse substituir-se às velhas instituições portuguesas, fazendo por si a assistência. A oficialização da caridade seria a sua destruição, pela incomportável carestia da sua máquina burocrática, pela ingerência descabida e corrosiva da política, pela falta da fina sensibilidade moral que deve acompanhar o bem-fazer, sob pena de se transformar num vexame para a necessidade alheia, ou no árido cumprimento de uma obrigação legal que perigosamente eleva a miséria à categoria de uma fonte de direitos sobre a riqueza comum».
E acrescentou: «Há, pois, que colocar as instituições privadas de assistência em condições de reconstituírem os seus capitais primitivos e de enriquecerem cada vez mais», objectivo que na data das suas declarações parecia difícil de alcançar, porquanto observava: «É de facto geralmente conhecido que de há anos a esta parte (1922) parece ter-se estancado a fonte da caridade particular, diminuindo, até nalguns casos terem desaparecido por completo, as doações a favor das instituições de assistência, noutros tempos tão largamente contempladas (Diário de Notícias, de 6 de Março de 1922).
A situação actual é outra. Bastou que as instituições particulares de assistência tivessem confiança no Estado, que, longe de diminuir os seus rendimentos ou de entorpecer a sua acção, procurou valorizá-las por todas as maneiras, quer atribuindo-lhes novas funções, quer concedendo-lhes importantes subsídios de cooperação, para que a fonte da caridade particular continuasse a correr sob a forma de doações, cortejos de oferendas e outros actos que concorreram para o enriquecimento do seu património em algumas centenas de milhares de contos.
Simplesmente, se as possibilidades de vida das instituições particulares são agora maiores e a sua acção mais extensa, são também, por sua vez, enormes as necessidades e mais complexos e caros os serviços destinados a satisfazê-las.
Daí a necessidade da intervenção do Estado.
Mas a existência de planos de saúde e assistência não significa o rígido planeamento daquela intervenção. Neste domínio, mais do que em qualquer outro, não são de aceitar planos inflexíveis que, concebidos por técnicos ou subordinados à técnica, não tenham em suficiente conta o homem, na vivência complexa das suas necessidades pessoais e familiares.
Sem embargo da acção do Estado quanto às linhas gerais de orientação e coordenação, e ao funcionamento dos serviços tidos como fundamentais, fica de fora largo espaço que a iniciativa particular deve ocupar. Por outro lado, nada obsta a que, sem prejuízo das funções coordenadora e fiscalizadora que àquele incumbe, importantes serviços sejam confiados a instituições particulares de saúde e assistência.
Mais ainda: o Estado, como se prevê no projecto, deve fomentar a constituição dessas instituições e auxiliá-las no desempenho da sua missão, mormente quando esta se integre em planos gerais de actividade sanitária ou assistencial.
Cumpre ainda ao Estado respeitar a liberdade da pessoa, manter a ordem, promover o progresso social, assegurar o ambiente de paz, de confiança e de respeito pela vontade dos benfeitores, ou seja, numa palavra, criar as condições indispensáveis ao desenvolvimento da iniciativa privada que aquele tem por missão servir e não absorver.
Mas, se em tese se pode discutir o grau de intervenção do Estado, há um ponto em que todos estão de acordo: a necessidade de dar solução a alguns problemas de saúde e assistência de verdadeiro interesse nacional não se compadece com delongas ou adiamentos.
Se a iniciativa particular fosse capaz de os resolver, seria óptimo, mas, uma vez reconhecida a carência desta para por si lhes dar solução, o Estado tem de orientar e realizar uma política de assistência social de carácter nacional. A realização desta política exige o concurso de todos — Estado e particulares — e se, no que respeita à orientação e coordenação e aos grandes investimentos, compete ao Estado o primeiro lugar, na realização prática cabe às instituições particulares e à iniciativa privada papel de singular relevo.
Nem tem sido outra a política seguida nos últimos anos. Embora o Estado tivesse reservado para si, em matéria de prestação de assistência, função meramente supletiva, a verdade é que, sob a pressão das necessidades, se viu obrigado a tomar iniciativas, a criar e a desenvolver serviços que acusaram nos últimos anos um ritmo de crescimento jamais atingido.
O montante das verbas orçamentais destinadas à saúde e assistência aumenta de ano para ano, passando de 115 000 contos em 1944, data da publicação do Estatuto da Assistência Social, para 673 000 contos no corrente ano.
Simplesmente, esta posição do Estado, francamente activa e não supletiva, em nada prejudicou o princípio de que deve ele deixar à iniciativa privada a maior liberdade de acção em tudo o que respeita à assistência, reservadas a orientação e a tutela impostas pela necessidade de salvaguardar o interesse comum.
Assim, e paralelamente à larga intervenção do Estado, verificou-se o aumento do número de instituições particulares e a assistência por elas prestada atingiu volume nunca ultrapassado.
Quer dizer: a acção do Estado, longe de contrariar a iniciativa particular, constituiu estímulo para esta se desenvolver, e de tal forma que o aumento do património das instituições particulares verificado nos últimos dezasseis anos só encontra paralelo no que se teria dado no período áureo da criação das Misericórdias.
Torna-se necessário, pois, manter o clima de confiança que deu estes resultados e estabelecer planos de conjunto em que a acção do Estado seja completada e vivificada pela iniciativa privada, atribuindo-se a esta papel compatível com as suas possibilidades e a prática das virtudes de justiça e da caridade.
E como as possibilidades materiais variam de concelho para concelho, ou mesmo de freguesia para freguesia, conforme o valor da iniciativa privada e os meios postos por esta ao serviço da assistência, os métodos a empregar devem ter a maleabilidade necessária para que, sem prejuízo do interesse comum, possa ser utilizada no máximo a colaboração preciosa e inestimável dos particulares.
As palavras e as noções mais ou menos abstractas nada podem contra as realidades, pois são estas que contam.
Ora, o conhecimento dessas realidades impõe que o Estado, já que lhe cumpre combater a doença e velar pela melhoria das condições económicas, sociais e sanitárias do homem, assuma a orientação da política de assistência e, na execução desta, organize os planos, promova a sua realização e coordene os serviços e actividades — incluindo a actividade privada — que possam con-

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correr para o cabal desempenho das suas atribuições de curador do bem comum. Isto, porém, sem prejuízo da iniciativa privada, que lhe cumpre estimular, desenvolvendo no homem, através da acção educativa, os sentimentos de piedade, humanidade e caridade cristã, cujo grau dá a medida do seu aperfeiçoamento moral e constitui seguro índice da civilização dum povo.
Para além dos serviços de assistência, da ciência e das técnicas que utilizam, dos meios profilácticos e terapêuticos, está o homem, corpo e espírito, que como tal deve ser tratado.
Aos particulares cabe papel importante na humanização da assistência a prestar, na insuflação de alma à fria, objectiva e algumas vezes desumana assistência burocrática.
No domínio da assistência, mais do que em qualquer outro, é condenável tanto o individualismo estreme e a passividade do Estado como o estatismo absorvente e esmagador.
Estado e particulares não se excluem, porquanto a um e a outros compete comparticipar na mesma obra de melhoria social.
Estado e particulares, longe de entre si se substituírem na prestação da assistência, conjugam esforços na prossecução do mesmo objectivo: combater a doença, aliviar o sofrimento, promover o bem-estar físico, económico e social do homem.
E) Actividades de saúde e assistência
7. A face do projecto do novo estatuto, as actividades de saúde e assistência abrangem as de saúde pública, de medicina curativa e recuperadora e de assistência (projecto, base X) e dividem-se, quanto ao âmbito territorial, cm nacionais, regionais ou locais (base VII).
As referidas actividades podem ser oficiais ou particulares, conforme a administração ou a manutenção esteja a cargo do Estado ou dos particulares (base VII).
O simples facto de receberem subsídios do Estado ou dos corpos administrativos não tira às instituições o carácter de particulares, e estas, quanto à natureza da sua constituição, podem revestir a forma de associações ou fundações (bases VII e IX).
Ainda no que respeita às associações, «têm regime especial as Misericórdias, cuja tradicional essência católica e actividade multivalente devem ser mantidas sem prejuízo da actualização técnica e administrativa dos seus métodos de acção», ficando-lhes a «competir, na maior medida do possível, o primeiro lugar na actividade hospitalar e assistencial dos concelhos» (base IX).
Estas normas não se afastam das consignadas nas bases n, IV, v e XVII do Estatuto da Assistência Social, as quais reproduzem quase textualmente.
Entretanto, notam-se algumas diferenças:
Assim, no que respeita ao âmbito territorial, no Estatuto da Assistência Social só se distinguiram duas modalidades: local, se a esfera de actividade se limitava a determinada circunscrição ou agrupamento social; nacional, se abrangia todo o País.
O projecto, conservando a designação de nacionais para as actividades de saúde e assistência cuja acção se estende a todo o País e de locais para as que abrangem um só concelho, previu, ao lado delas, as actividades de saúde e assistência regionais, que englobam vários concelhos ou um ou mais distritos.
A existência de órgãos regionais justifica-se plenamente, tanto pelo facto de os problemas de satíde e assistência não serem, em regra, particulares a este ou àquele concelho, mas ainda porque só agrupando os concelhos ou distritos se pode, em alguns casos, assegurar mais eficazmente a coordenação dos serviços e a respectiva acção sanitária ou assistencial.
Não podendo cada concelho fazer face às suas necessidades nesta matéria, terá de ser abrangido, consoante os casos, por organismos ou actividades de carácter regional ou nacional, confirmando-se, deste modo, a orientação seguida na organização hospitalar, na assistência psiquiátrica e na luta contra a tuberculose. A experiência, própria e alheia, aconselha que se prossiga nessa orientação, devendo, porém, e quanto possível, fazer-se coincidir as áreas regionais para os diferentes sectores, e não estabelecendo áreas diferentes, conforme a actividade que deva abranger um ou mais concelhos.
F) Associações e fundações. As Misericórdias
8. No que respeita à natureza da sua constituição, o projecto, mantendo embora a divisão entre associações e fundações, absteve-se de as definir.
Entre as associações, o referido projecto distingue, como já o fizera o Estatuto da Assistência Social, a« Misericórdias.
O espírito cristão e a universalidade da caridade, abrangendo a alma e o corpo, as obras de misericórdia, tanto espirituais como corporais, estão na essência da tradição das Misericórdias, fruto do ambiente religioso em que foram criadas.
A esse ambiente religioso, imbuído de caridade cristã, ficamos devendo as mais diversas instituições de carácter beneficente e profissional.
Destas últimas escreveu Ricardo Jorge: «Cada arte, cada mister, à moda da Meia Idade, vivia fechada na sua bandeira e agremiada ainda em confrarias, sob a égide de um patrono santo; cada corporação de mesteres, vinculada pelo laço industrial e religioso, organizava-se bem cedo, outorgando-se regimentos ou estatutos e assegurando não só a solidariedade económica como o socorro mútuo e até a beneficência pública» (Origens e Desenvolvimento da População do Porto, p. 55).
Embora houvesse obrigações comuns quanto «à contribuição para o culto e veneração do padroeiro e à participação nas procissões públicas», a bandeira, como escreveu o Prof. Doutor Marcelo Caetano, «tinha sobretudo uma função de carácter cívico, como órgão de representação dos ofícios na vida política do Estado e na actividade administrativa local. Mas à margem dessa função cívica conservou carácter religioso».
Esse carácter religioso resulta nitidamente da leitura dos respectivos compromissos e do facto de as confrarias dos mesteres serem erectas em igrejas, capelas e mosteiros e sob a invocação do santo tomado como patrono da corporação.
Assim, no Porto, a Confraria de Santo António, dos tanoeiros, e a de S. José e de S. Brás, dos carpinteiros, foram erectas no Mosteiro de S. Francisco; a Confraria de Santo Elói, dos ourives, na Igreja de S. Nicolau; a Confraria de Santa Luzia, dos pedreiros, na Sé Catedral; a Confraria de Nossa Senhora de Agosto e de S. Bom Homem, na Capela de Nossa Senhora de Agosto (António Cruz, Os Mesteres do Porto, pp. XIX e XXIII).
Os compromissos das confrarias dos mesteres, ao lado das obrigações dos mestres, oficiais e aprendizes, de carácter profissional, consignavam disposições relativas

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ao concurso que uns e outros deviam dar para o culto, às missas a rezar pelos mestres da corporação que falecessem e ao socorro ou ajuda que devia ser-lhes prestada quando «doentes de moléstia grave».
Mas, não obstante o carácter multivalente destas confrarias, nenhuma delas desenvolveu, sob esse aspecto, actividade que se assemelhasse à das Misericórdias.
E o que resulta claramente do compromisso da Misericórdia de Lisboa, fundada pela rainha D. Leonor, quando se encontrava investida nas funções de regente do Reino, e desde logo aberta às pessoas que «fossem de boa fama e sã consciência e honesta vida, tementes a Deus e guardadoras dos seus mandamentos», e pusessem o sobejo da sua fazenda ou do seu tempo ao serviço de todas as obras de misericórdia.
Assumindo a forma de confraria, «por ser essa a fórmula associativa corrente», independentemente da «sua natureza profissional, assistencial ou religiosa», como notou o Prof. Doutor Marcelo Caetano, imediatamente «teve a promovê-la e a incentivá-la o interesse da coroa, a qual, durante os anos seguintes, vai difundi-la pelo resto do País e enchê-la de privilégios destinados a facilitar o exercício da sua acção beneficente de modo a convertê-la no que hoje chamaríamos um serviço público». Na base dela continua aquele professor, «encontra-se uma verdadeira mobilização de caridade cristã». «Aos irmãos não se pede apenas uma quota, ou simples apoio nominal: exige-se que sejam eles próprios os agentes das obras de misericórdia, que pratiquem como virtudes individuais os fins sociais da confraria e que façam da actividade associativa (como hoje diríamos) um instrumento da sua própria edificação espiritual, um meio de salvação eterna». (Actas do IV congresso das Misericórdias, vol. III, p. 53).
De feição universalista quanto ao objectivo, a instituição espalhou-se como labareda de caridade por todo o mundo português, bastando dizer que, fundada a Misericórdia de Lisboa em 1498, logo em 1505 nascia a de S. Tomé, a primeira das 11 que se fundaram em África, em 1520 era criada a de Goa, a primeira das 32 que surgiram na Ásia, e, finalmente, em 1543, aparecia no Brasil a de Santos, a primeira de cerca de 500 Casas de Misericórdia brasileiras que ainda estão em funcionamento para atestarem, para além da independência política do país irmão, o sentimento universalista e cristão do génio português.
Isto no que respeita à expansão no Mundo, porquanto, em relação à metrópole, esta foi tão rápida que, em 1525, ano da morte da fundadora da Misericórdia de Lisboa, já havia 01 Misericórdias espalhadas por todo o País, as quais, imbuídas do espírito de caridade cristã que está na sua origem, desempenhavam importante serviço. Actualmente são 368.
O projecto do Estatuto da Saúde e Assistência, ao atribuir-lhes, sem quebra da tradicional essência católica, e na maior medida possível, o primeiro lugar na actividade hospitalar dos concelhos e as funções de órgão local de saúde e assistência, confia-lhes relevantes funções públicas, sem prejuízo da sua natureza particular. O Estado pode, na verdade, desempenhar a sua missão assistencial tanto por intermédio de serviços oficiais como de instituições autónomas, dotadas de personalidade jurídica, criadas por sua iniciativa ou por iniciativa dos particulares, em que delegue, expressa ou tacitamente, parte dos seus poderes.
O problema que se põe, e que respeita tanto às Misericórdias como a outras instituições de assistência, é o do equilíbrio entre a liberdade que resulta da sua autonomia e a necessidade da tutela indispensável à actualização ou coordenação das suas actividades e à eficácia ou rendimento dos seus serviços.
O projecto do Estatuto da Saúde e Assistência considera a actualização das actividades e dos métodos de acção das Misericórdias e prevê para estas instituições um regime especial.
Não definindo em que consiste esse regime, a Câmara limita-se a chamar a atenção para a necessidade de conciliar as funções a exercer pelo Estado, no que respeita à tutela das Misericórdias, quanto às suas atribuições de carácter assistencial, com o facto de estas instituições serem criadas por iniciativa privada e a sua administração assentar, fundamentalmente, no zelo e dedicação dos seus dirigentes, escolhidos, em regra, de entre os mais dedicados irmãos. Dotados geralmente de invulgar espírito de sacrifício, desinteressados servidores do bem comum, o tempo que consagram à gestão das Misericórdias é roubado às actividades particulares donde tiram os proventos para fazer face à sua sustentação e à de suas famílias. Há, por isso, na medida do possível, que respeitar as suas susceptibilidades e a autonomia e independência das instituições, exercendo junto delas uma acção mais orientadora do que propriamente fiscalizadora.
Tanto no que respeita às Misericórdias, como em relação às outras instituições particulares de assistência, uma coisa terá de estar sempre presente: não podendo o Estado prover a todas as necessidades de ordem sanitária ou assistencial, deve fomentar a sua criação e auxiliá-las no desempenho das funções, pois, procedendo assim, realiza, e por forma mais eficaz e menos onerosa, a sua própria missão.
G) Caridade e liberdade
9. O Estatuto da Assistência Social consigna o princípio da liberdade individual da beneficência, salvas as restrições regulamentares dos peditórios públicos.
O projecto, mantendo este princípio, alarga-o ao exercício colectivo da caridade ou da beneficência.
Não podia ser de outra forma. Ainda que a caridade tenha por fundamento o dever moral de socorrer os necessitados ou o preceito religioso da prática das virtudes cristãs, o seu exercício é livre, isto é, cada um pode dar largas à sua generosidade como melhor entender, directa ou indirectamente, escolher o necessitado ou a necessidade a socorrer, determinar o grau de socorro, independentemente de qualquer autorização ou constrangimento. Isto não quer dizer que o bem não deva, sendo possível, fazer-se bem.
Para tanto, a caridade poderá ser organizada com vista a uma repartição justa e equitativa dos benefícios, não dando aos ociosos e vadios tratamento igual ao dispensado aos velhos e incapazes para o trabalho.
Mas organizar a caridade no sentido da justiça social, canalizar os socorros em ordem a obter deles o maior rendimento social, é coisa diferente de criar entraves, pôr diques, ordenar burocraticamente a generosidade particular. O curso desta é livre e só pode sofrer as restrições legais ou outras que resultarem directamente da necessidade de salvaguardar o bem comum.
Dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, albergar os que não têm casa, vestir os nus, visitar e tratar os doentes, aconselhar os que erram, ensinar os ignorantes, consolar os tristes, perdoar ou

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sofrer com paciência as injúrias, rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos, enterrar estes, são outras tantas facetas da caridade, fonte de amor do próximo que se não esgota, medida de solidariedade e de compaixão entre os homens, comunhão dos ricos e dos pobres, sacrifício que dá prazer, flor e fruto da nossa sensibilidade, índice da formação moral e espiritual do homem.
O ponto a que o Cristianismo elevou esta virtude é-nos dado por S. Paulo ao defini-la nestes termos: «Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos mas não tiver caridade, sou como o metal que soa ou como o sino que toca. Se eu tiver a fé que transporta montanhas e não tiver caridade, nada sou. Se eu distribuir todos os meus bens para sustento dos pobres e se entregar o meu corpo para ser queimado, mas não tiver caridade, nada disto me aproveita».
E ainda S. Paulo que nos dá a verdadeira natureza da caridade, quando ensina: «A caridade é paciente, é benigna. A caridade não é invejosa, não actua precipitadamente, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga sobre a iniquidade, mas alegra-se com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta».
A caridade, além de paciente e benigna, é discreta, evita toda a aparência de ostentação ou de protecção: «que a tua mão esquerda não saiba o que faz a direita», adverte o Evangelho.
Quem pratica a caridade não necessita de publicidade, basta-lhe a satisfação que dá o cumprimento do dever moral de socorrer os pobres e necessitados.
Mas, se o acto de caridade deve ser ignorado, a caridade em si deve ser exaltada publicamente, para o efeito de chamar a atenção de todos para a necessidade de a praticar, podendo o Estado, nos termos previstos no projecto, conceder facilidades e isenções a favor dos actos de caridade praticados (base XL).
Quanto às modalidades que pode revestir, são tantas quantas forem as necessidades a socorrer ou as dores a suavizar.
Ainda que a sociedade cumpra o dever de combater e prevenir a miséria, há manifestações imprevisíveis e inevitáveis que, uma vez verificadas, têm de ser socorridas.
O socorro pode ser prestado por um organismo oficial ou por um particular, dado o princípio de solidariedade entre os membros da mesma comunidade.
Sob o impulso desta virtude fundaram-se albergarias, hospitais e hospícios, criaram-se Misericórdias e outras obras de beneficência, em' relação às quais ficou ligado o nome de tantos benfeitores.
Labareda viva a cujo calor se humanizavam os corações e se salvavam as almas, entrou em declínio logo que as pessoas passaram a preocupar-se mais com o gozo da riqueza do que com o seu fim social.
Na medida em que a virtude da caridade enfraquecer, crescerá a obrigação da sociedade para com os pobres e o Estado, que é a sua expressão jurídica, terá de reorganizar os seus serviços por forma a reduzir as carências ao mínimo, combater as suas causas, prevenir as suas manifestações e assistir aos necessitados.
Mas o dever do Estado de prestar assistência não exclui o preceito da caridade que à Igreja cumpre estimular.
«Só da justa harmonia e cumprimento dos dois deveres — como se lê no relatório do Decreto-Lei n.° 32 255, de 12 de Setembro de 1942 — pode resultar a melhor assistência social».
As necessidades são da índole mais diversa: espirituais e materiais. Os necessitados formam enorme legião, constituída por deficientes físicos e mentais, inadaptados e desintegrados sociais, viúvas e órfãos, doentes e velhos, por todos, enfim, que carecem de alimento, agasalho ou amparo.
Mas, se o mar do infortúnio é largo e profundo, a caridade é imensa e, se arder em zelo e amor do próximo, pode chegar a toda a parte.
Que a Igreja estimule, pois, o cumprimento do dever religioso e moral da caridade; que os cristãos confirmem em obras a sua fé; que os vizinhos traduzam em acções a sua solidariedade; que a sociedade, em suma, tome consciência dos seus deveres cívicos, morais e religiosos, e haverá menos necessidades a socorrer e mais justiça no Mundo.
H) Saúde, assistência e previdência social
10. Os princípios consagrados nas alíneas c) e ã) da base III do projecto (aliás dentro da orientação já definida pela base m do estatuto vigente) — segundo os quais compete ao Estado «organizar e manter os serviços de saúde e assistência que, pelo seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada», bem como «exercer funções supletivas em relação às iniciativas e instituições particulares»— suscitam o problema das relações entre os sectores da assistência e saúde, de um lado, e, do outro, o sector da previdência ou seguro social.
A este respeito, estabelece o actual estatuto, na base vi, n.° 2.°, a regra de que «as actividades de assistência serão exercidas em coordenação com as de previdência, por forma a favorecer o desenvolvimento desta, e a dos organismos de feição corporativa, em coordenação com a das instituições de assistência existentes na mesma área ou circunscrição».
Semelhante regra não aparece reproduzida no projecto, talvez por se reputar desnecessária, tão evidente e imperiosa é a directriz ali exposta.
Em seu lugar, consta, porém, da base V do mesmo projecto que «às instituições de previdência social cabe assegurar a cobertura económica das eventualidades previstas na respectiva legislação, na medida dos fundos afectos a cada uma dessas eventualidades».
Esta disposição encerra mera tautologia, pois o princípio de que as instituições de previdência respondem pelas eventualidades previstas na respectiva legislação é da essência do seguro, e, por outro lado, nada esclarece sobre o problema em causa — o das relações entre os sectores acima referidos—, além de se afigurar deslocada num estatuto da saúde.
Ora o problema da definição dos campos de influência dos vários ramos do sistema de segurança social e da sua intercoordenação foi recentemente tratado pela Câmara Corporativa no parecer n.° 39/VII, acerca do projecto de proposta de lei sobre a reforma da previdência social (Actas da Câmara Corporativa, n.° 128, de 6 de Abril de 1961).
Aí se escreveu (parte i, capítulo III, § 3.°, n.° 87) que no sistema português de protecção contra os riscos sociais «a organização de assistência desempenha, em relação à de seguro social, uma função complementar — visando a proteger camadas sociais não abrangidas pelo seguro ou a cobrir eventualidades e encargos que excedam os esquemas da previdência obrigatória».

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«A outra regra fundamental nesta matéria é a de que, embora o Estado tome, em princípio, a iniciativa no desenvolvimento da política assistencial, a sua função, na prestação da assistência, é normalmente supletiva das iniciativas particulares», isto sem embargo de lhe competir «estabelecer planos para as actividades de assistência e, bem assim, orientar, coordenar e fiscalizar as referidas actividades». (Projecto, base III).
Esta regra admite, no entanto, duas excepções principais — já referidas na base III do estatuto actual o reiteradas na citada alínea c) da base III do projecto.
A primeira diz respeito às actividades que o «superior interesse nacional» aconselhe a cometer ao Estado. E o caso da medicina preventiva e higiene pública, em que a posição dos serviços oficiais de saúde deve ser dominante, quer relativamente ao seguro social, quer às iniciativas e actividades particulares. Trata-se, em suma, da «defesa da saúde pública», que, por imperativo constitucional (Constituição Política, artigo 6.°, n.° 4.°), incumbe ao Estado.
A segunda excepção interessa, nos termos dos mencionados preceitos, aos serviços que «pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada», entendendo-se esta última expressão em sentido suficientemente amplo para abarcar as próprias instituições de previdência social.
Tem-se em vista, designadamente, a organização hospitalar (Lei n.° 2011, de 2 de Abril de 1946), sem embargo da existência de estabelecimentos particulares de internamento complementares da rede estadual. Conforme se frisou no aludido parecer sobre a reforma da previdência, «a complexidade, extensão e custo de uma estrutura hospitalar de base, estendida a todo o País, aconselhou a cometer ao Estado, na maior parte, a iniciativa e a manutenção de uma organização dessa natureza (Lei n.° 2011, base XIX)».
«Para além destes objectivos de interesse geral — acrescenta-se —, vigora o princípio, acima expresso, da intervenção supletiva do Estado e das autarquias na protecção contra os riscos sociais».
Ora, no desempenho das atribuições que competem ao Estado, pelo Ministério da Saúde e Assistência, e das funções que,, nesta matéria, pertencem às instituições particulares, levantar-se o problema da sua coordenação com as actividades do seguro social, designadamente das que cabem à previdência obrigatória.
Também a este propósito a Câmara Corporativa tomou posição no aludido parecer (parte e capítulo citados, § 5.°, n.° 94).
Pode essa posição sintetizar-se nos seguintes pontos:
1.º É cada vez mais instantemente sentida a necessidade de assegurar, por forma eficaz, a conexão orgânica entre os principais sectores que integram o sistema português de protecção contra os riscos sociais: a previdência, os serviços oficiais de saúde e a assistência stricto sensu.
2.º Cria-se, para esse efeito, um órgão ao nível ministerial — o Conselho de Segurança Social — encarregado de estabelecer as directrizes e assegurar a execução da política coordenadora (base n do texto proposto pela Câmara Corporativa).
3.° Ao nível dos serviços, a coordenação deverá efectivar-se principalmente através de acordos entre os departamentos, organismos e instituições interessadas, de harmonia com as
regras emanadas do Conselho de Segurança Social e as disposições legais vigentes na matéria.
Tem a Câmara Corporativa fundada esperança de que, através deste mecanismo e com base nas maiores disponibilidades que o novo regime financeiro da previdência permitirá destinar à cobertura dos seguros de doença e maternidade, será possível alargar progressivamente não só o esquema de prestações daqueles seguros, mas ainda o sistema de acordos entre os dois sectores, evitando sobreposições condenáveis de serviços e obtendo o rendimento óptimo dos meios disponíveis, com vista à defesa da saúde da população portuguesa, no tríplice aspecto da prevenção, do tratamento e da recuperação.
CAPITULO III
As necessidades a atender
§1.º
Balanço das principais necessidades
11. Esta Câmara, ao apreciar o Estatuto da Assistência Social, entendeu que devia preceder o estudo crítico da proposta de um «balanço sumário das principais necessidades do País em matéria de assistência social».
Na verdade, conhecidas estas necessidades, é mais fácil não só preconizar a organização dos serviços destinados a satisfazê-las, como ainda estabelecer o grau de prioridade de umas em relação a outras.
No respectivo parecer escreveu-se: «Efectivamente, a necessidade maior não é de leis, mas de obras. Uma lei vale sobretudo pelo que promete de realizações».
Em que medida é que o Estatuto da Assistência Social correspondeu àquilo que prometia de realizações no domínio do social?
O balanço sumário a que vai proceder-se visa, assim, uma dupla finalidade: arrolamento das necessidades existentes em matéria de assistência social e seu confronto com as que existiam à data da publicação do referido estatuto.
§ 2.º
Assistência ã maternidade e à infância
12. Não obstante o caminho percorrido nos últimos anos, e que os números referidos adiante documentam, é ainda sensível o nosso atraso no que respeita à assistência materno-infantil.
Iniciada em 1775 com a instalação no Hospital de S. José de uma enfermaria destinada a grávidas — a Enfermaria de Santa Bárbara ¦—, a obra de protecção à mulher grávida e à criança tem-se desenvolvido lentamente, sem embargo de se haver acentuado muito o seu ritmo nos últimos anos.
Em 1893 e 1896 entraram em funcionamento os primeiros dispensários materno-infantis -—hoje ainda existentes e designados por dispensários da rainha D. Amélia —, tidos como precursores de tudo quanto se tem feito nesta matéria.
De 1896 a 1927 reconheceu-se nas leis a necessidade da fundação de creches, «obrigatórias nas fábricas e nas casas maternais», mas as suas disposições não chegaram a ser cumpridas. Elaboraram-se alguns projectos de maternidades a construir em Lisboa e no Porto, mas, no aspecto prático, pouco ou nada se realizou.

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Em 1927 foi inaugurada a Maternidade Bensaúde, com abrigo para mães e crianças; seguiu-se, no mesmo ano, a abertura da Maternidade Magalhães Coutinho, na qual passou a ser ministrado o ensino de obstetrícia.
Em 1932 foi criado o Instituto de Puericultura do Porto e abriu, em Lisboa, a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, justamente reputada entre as melhores da Europa.
Em 1938 inaugurou-se a Maternidade Júlio Dinis, no Porto, expressamente construída para esse fim, atribuindo-se-lhe, pela primeira vez, funções de assistência domiciliária, sempre que fosse possível dispensar-se o internamento.
Finalmente, em 1943 foi criado o Instituto Maternal, com função de promover, coordenar e orientar a assistência à maternidade e à primeira infância.
A) Maternidade
13. O parecer em referência, considerando que «a mulher foge cada vez mais ao fardo que para ela representa a maternidade», chega à conclusão de que, entre nós, «o problema demográfico apresenta-se hoje com aspectos alarmantes».
Ainda que hoje não haja razão para o pessimismo que o parecer traduz, existe, em todo o caso, motivo para preocupações.
A fuga da mulher ao dever de ser mãe mantém-se. As causas são de ordem económica e moral.
Em todos os países, o número de mulheres que trabalham fora do lar aumenta de ano para ano.
Esse aumento gera problemas delicados de natureza moral e social e reflecte-se no futuro das populações, porquanto a acumulação do trabalho doméstico das mães com o trabalho fora do lar mostra-se nociva à função maternal.
E se, por um lado, a fecundidade das mulheres que trabalham fora do lar é muito menor do que a daquelas que se dedicam exclusivamente a trabalhos domésticos, por outro, as medidas legislativas promulgadas com vista à protecção da mulher, designadamente à grávida que trabalha como operária, têm-se revelado insuficientes.
E necessário, pois, intensificar, através de meios adequados, a protecção da família de forma que a mulher — elemento fundamental da sua estabilidade e continuidade — possa criar em casa ós seus filhos, sem necessidade de se deslocar à fábrica ou ao escritório para, pelo seu trabalho, conseguir o complemento indispensável à sustentação do respectivo agregado familiar.
Desde que a função maternal, a mais nobre de quantas incumbem à mulher como geradora, criadora e educadora dos homens que asseguram a continuidade das famílias e a perpetuidade das pátrias, é atingida, a natalidade decai.
A baixa da taxa de natalidade é fenómeno comum à generalidade dos países.
No parecer desta Câmara referiu-se que «nos últimos anos a natalidade tem decaído no nosso país por forma assustadora».
Na verdade, as taxas superiores e>. 30, que, somente com 8 excepções, se verificaram de 1886 a 1929, têm descido para 29 (anos de 1929, 1930, 1931 e 1932), para 28 (anos de 1933, 1934 e 1935), não ultrapassando 25 a partir de 1950.
Em 1941, último ano referido no aludido parecer desta Câmara, a taxa de natalidade foi de 23,75.
De então para cá a referida taxa tem-se mantido estacionária.
O Anuário Demográfico de 1959 refere as seguintes taxas de natalidade:
1942 ................. 23,95
1943 ................. 25,07
1944 ................. 25,25
1945 ................. 25,99
1946 ................. 25,35
1947 ................. 24,48
1948 ................. 26,75
1949 ................. 25,47
1950 ................. 24,31
1951 ................. 24,52
1952 ................. 24,71
1953 ................. 23,45
1954 ................. 22,72
1955 ................. 23,94
1956 ................. 22,93
1957 ................. 23,74
1958 ................. 23,66
1959 ................. 23,54
Entre 1945 e 1959, as taxas de natalidade baixaram em todos os distritos, sendo a baixa mais acentuada no distrito da Guarda, em que passaram de 29,90 para 20,85; no de Castelo Branco, em que foram, respectivamente, de 26,10 e 19,69; e no de Santarém, que acusou as de 21,85 e 18,57 em cada um dos referidos anos.
Em Portugal, nos últimos 75 anos, a taxa de natalidade baixou 25 por cento.
Mercê de várias causas, as taxas de natalidade das cidades de Lisboa e Porto, ao contrário do que se verificou na maior parte dos países, subiram nos últimos anos.
Em Lisboa (cidade), foram em 1945 e 1959, respectivamente, 14,82 e 19,98. No Porto (cidade), a diferença foi mais acentuada, porquanto a taxa de 22,12, de 1945, subiu em 1959 para 29,90, taxa que, no continente, só foi excedida pelas verificadas no distrito do Porto, que foi de 30,73, e no distrito de Braga, de 33,15.
Do quadro que a seguir se insere pode concluir-se que o maior ou menor grau de população rural ou urbana, ou ocupada em trabalhos agrícolas ou industriais, já não basta para caracterizar o fenómeno da natalidade no que respeita às taxas acusadas nos últimos anos.

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QUADRO N.º 1 (a)
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 2 (a)
[Ver Diário Original]

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Segundo o Anuário Estatístico das Nações Unidas, as taxas de natalidade em diferentes países da Europa, nos anos de 1948, 1953 e 1958, foram as seguintes:
QUADRO N.° 3
Países 1948 1953 1958
[Ver Diário Original]
Da comparação destas taxas resulta que, com excepção da Islândia, Polónia e Jugoslávia, as nossas taxas de natalidade são ainda as mais altas da Europa.
E como a baixa da taxa de natalidade tem sido compensada largamente pela diminuição da taxa de mortalidade, os saldos fisiológicos não só se mantêm como têm melhorado.
As taxas relativas ao excedente de vidas, que nos anos de 1943, 1944 e 1945 foram, respectivamente, de 10,3, 11,62 e 10,47, passaram nos últimos anos (1957, 1958 e 1959) para, respectivamente, 12,31, 13,43 e 12,74.
A nossa posição, neste aspecto, é melhor do que a verificada na generalidade dos países da Europa.
Se em 1944, data da publicação do Estatuto da Assistência Social, nasceram em Portugal 201 373 crianças com vida, esse número subiu para 213 062 em 1959, não obstante a natalidade ter acusado uma baixa na respectiva taxa (25,25 em 1944, contra 23,54 em 1959).
A relativa estabilidade das taxas de natalidade está relacionada com o aumento das taxas de nupcialidade.
Estas, que foram de 7,40 em 1943, de 7,48 em 1944 e de 7,64 em 1945, passaram nos últimos anos a ser as seguintes: 8,06 em 1957, 8,14 em 1958 e, finalmente, 8,38 em 1959.
Entretanto, a influência da nupcialidade sobre a natalidade afigura-se limitada, dado o facto de ser cada vez maior o número de casais que só têm um filho.
A percentagem de nascimentos, segundo a ordem de geração, foi em 1959 de 31,32 para o primeiro filho, de 20,95 para o segundo, de 14,36 para o terceiro e de 10 para o quarto. Em 1942 as referidas percentagens haviam sido, respectivamente, de 18,58, 19,27, 16,56' e 12,86.
A diferença quanto ao número de nascimentos em primeira geração é enorme, pois passou de 18,58 para 31,32 por cento.
Dentro de poucos anos, um terço de nascimentos corresponderá a filhos únicos, o que permite prever uma futura baixa da natalidade.
Ainda que a nossa população seja das mais jovens da Europa, começa a envelhecer, em consequência das baixas acusadas pela taxa de natalidade e, sobretudo, da descida do índice de mortalidade geral.
Os números respeitantes à percentagem dos indivíduos com menos de 20 anos em relação à população global são os seguintes:
QUADRO N.º 4
[Ver Diário Original]
A redução da população com menos de 20 anos em relação à total tem especial significado, dado o facto de se ter acentuado nos últimos anos.
14. Directamente relacionado com o problema da natalidade, além de condenáveis práticas anticoncepcionais, está o aborto provocado, acto criminoso e anti-social, responsável, em alguns países, pela redução em mais de metade dos nascimentos que sem este flagelo deveriam verificar-se.
Esta Câmara teve ocasião de chamar a atenção para ele e de sugerir «a adopção de enérgicas medidas», com vista a acabar-se com a «vergonhosa tolerância dispensada à sua prática».
A situação não se modificou. Hoje, como ontem, o aborto continua a eliminar vidas e a pôr em perigo a saúde das mulheres que o sofrem.
A Rússia, no' período decorrido entre 1920 e 1935, entendeu que, autorizando-o em determinadas condições, afastaria esse perigo, mas a experiência encarregou-se de mostrar que as complicações não resultavam deste ou daquele processo, mas de todos.
Do simples facto de se interromper a gravidez resultam perturbações graves, e grande número de mulheres que provocaram o aborto não voltaram a ter saúde.
Em Portugal, ao lado das providências legislativas ou policiais que possam concorrer para a sua repressão, há necessidade de encarar e pôr em prática medidas preventivas, tanto de ordem moral como social.
Na base destas deve considerar-se a acção educativa e o auxílio eficaz às mães. Os chefes de família não podem demitir-se da responsabilidade que nessa qualidade lhes cabe, consentindo que suas mulheres se entreguem a actos criminosos.
Os dispensários materno-infantis devem desempenhar papel importante no combate ao aborto, vigiando e assistindo a grávida nos aspectos clínico e moral e chamando a sua atenção para o perigo que corre entregando-se a práticas abortivas.
A sua acção deverá ser conjugada com a exercida pelos médicos, enfermeiras, parteiras, assistentes sociais e farmacêuticos.
15. Como esta Câmara teve ocasião de acentuar, «não interessa apenas que a mulher goze de razoável bem--estar físico e moral e de certa segurança da sua vida e saúde no período da gravidez e do parto», porquanto «é preciso ainda que os filhos nasçam vivos e viáveis».

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Pois bem, se a nado-mortalidade, como foi notado no parecer desta Câmara, acusou tendência para subir entre 1929 (43,14) e 1941 (47,76), a partir desta data começou a baixar, como pode ver-se das taxas seguintes:
1942 ................. 47,47
1943 ............. . . 46,43
1944.................. 46,15
1945.................... 42,53
1946.................. 44,21
1947.................. 44,32
1948 ................. 44,71
1949 ............-..... 42,43
1950 ................. 42,63
1951 ................. 42,25
1952 ................. 42,51
1953 ................. 40,98
1954 ................. 41,05
1955 ................. 38,71
1956 ................. 38,50
1957 ................. 37,63
1958 ................. 37,69
1959 ................. 36,01
Assim, o número de nados-mortos por 1000 nascimentos desceu 10 unidades entre 1944 e 1959. Isto não quer dizer que a nado-mortalidade não continue a acusar taxas extraordinariamente elevadas.
Por outro lado, as referidas taxas seriam sensivelmente mais baixas se, em vez de, como acontece em Portugal, onde é considerado nado-morto o feto nascido sem vida, mas «com figura e organismo humano já suficientemente definidos» (artigo 231." do Código do Registo Civil), o que se verifica por volta das 8 a 10 semanas de gestação, apenas se considerasse como tal o feto que tivesse, pelo menos, 28 semanas de gestação, como sucede, na Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Dinamarca, Holanda, Inglaterra, Islândia, Japão, Jugoslávia, Noruega, Nova Zelândia, Paraguai, Polónia, Roménia e União Indiana, ou o mínimo de 26 semanas — Bélgica, Bulgária, Colômbia, República Árabe Unida, Finlândia, França e Itália.
Alguns países adoptam como critério da nado-mortalidade o comprimento fetal: para a Suíça é necessário que o feto tenha mais de 0,30 m; A Áustria, República Federal Alemã, Suécia e Checoslováquia exigem 0,35 m, o que se verifica por volta dos sete meses de gestação; a outros países, além do comprimento, interessa ainda o peso, o que corresponde a conceito errado, visto não se poder definir com precisão o limite inferior do peso abaixo do qual o nascimento prematuro deve ser considerado aborto.
Em vista desta diversidade de critérios, o I Congresso Nacional de Protecção à Infância, realizado em 1952, emitiu o voto de que o Governo promova, pelas instituições competentes, o estudo e o estabelecimento de um critério de nado-morto e de mortalidade infantil.
Recentemente, em comunicação apresentada à Sociedade Portuguesa de Pediatria, o Dr. Santos Bessa voltou a ocupar-se do problema da «definição dos conceitos de morte fetal e de nado-vivo», pois a sua inclusão no Código Civil, em estado adiantado de revisão, «reveste-se do maior interesse, tanto no ponto de vista médico como estatístico».
E, depois de se referir às disposições legais que em Portugal dizem respeito ao assunto, sugere:
a) A adopção doa critérios de morte fetal precoce
e de morte fetal tardia definidos pela comissão de peritos da Organização Mundial de Saúde e aprovados pela III Assembleia Mundial de Saúde;
b) A abolição da designação de «nado-morto» dos
nossos registos estatísticos;
c) A substituição do registo de «nado-morto» pelo
de «morte fetal tardia»;
d) A adopção da designação de «nado-vivo» aprovada pela III Assembleia Mundial de Saúde, que, aliás, está de acordo com a orientação seguida no Código Civil vigente;
e) A alteração do Código do Registo Civil de
acordo com as alterações a introduzir no Código Civil. (Dr. Santos Bessa, Semana Médica n.° 93, de 5 de Fevereiro de 1961).
A referida definição impõe-se, pois a desigualdade de conceitos dá lugar a erros resultantes do facto de se compararem entre si taxas que não são facilmente comparáveis, por partirem de conceitos diversos. Justamente por isso tem o Governo em preparação um projecto de diploma sobre este assunto.
16. No já citado parecer desta Câmara foram referidos alguns meios de assistir à mulher no período de gravidez e no parto.
Estes consistem, fundamentalmente, em consultas pré-natais, dispensários, maternidades e abrigos maternais e visam a vigilância da mulher no período da gravidez e do puerpério e a assistência no parto.
O seu número aumentou nos últimos anos, e com ele o das mulheres assistidas.
Assim, além de o Instituto Maternal dispor presentemente de 4 maternidades, onde se efectuaram 11 453 partos em 1959, as enfermarias de parto a cargo de outras entidades passaram de 85, em 1943, a 226, em 1959.
Só nos últimos 10 anos os partos assistidos nos estabelecimentos hospitalares subiram de 17 747 (ou seja cerca de 8,38 por cento) para 35 647 (16,33 por cento).
Também o número de partos assistidos por médicos mais do que duplicou no mesmo lapso de tempo (10,04 por cento em 1950; 22,21 por cento em 1959).
Na base vi do estatuto em vigor consignou-se o princípio de que «a assistência à maternidade, à orfandade ou abandono e à doença ou invalidez será prestada, de preferência, no lar».
As vantagens de ordem moral e social da assistência domiciliária no parto são indiscutíveis.
Entretanto, não foi possível dar a essa assistência o necessário incremento, dada a circunstância de ela ser muito dispendiosa e exigente em pessoal, sendo insuficiente o número de parteiras.
Em 1959 foram assistidos no domicílio 44 202 partos por parteiras particulares.
O Instituto Maternal, através dos seus dezanove serviços domiciliários, apenas assistiu a 1,9 por cento dos partos verificados no País e no domicílio, o que é manifestamente pouco, se atendermos a que são poucas as organizações privadas que dispõem desses serviços.
O referido Instituto, dadas as dificuldades encontradas na assistência domiciliária, chegou à conclusão de que havia necessidade de intensificar a assistência no parto em estabelecimentos adequados, criando, ao

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lado destes, serviços de assistência domiciliária post partum, com vista a permitir altas precoces, hoje facilitadas pela evolução das técnicas modernas.
Iniciou também a experiência da instalação de pequenas maternidades rurais, destinadas à realização dos partos de mulheres que frequentaram os dispensários durante a gravidez, maternidades que não exigem muito pessoal e por isso se mantêm com pequena despesa.
Por outro lado, há necessidade — e esta parece evidente — de aumentar o número de parteiras, dando-lhes a formação moral e a preparação técnica indispensáveis ao exercício da profissão.
Em consequência da situação que resulta dos números referidos, continua a ser grande a proporção dos partos que se realizam sem assistência especializada que é da ordem dos 60 por cento. Por tal modo, a posição de Portugal no que respeita à mortalidade materna, ou seja à relativa às mulheres falecidas por complicações da gravidez, do parto ou do puerpério, é desfavorável em relação às taxas verificadas nos diferentes países da Europa Ocidental, muito embora se tenha verificado melhoria nos últimos anos.
17. No que respeita propriamente à protecção social da grávida e da puérpera, o estatuto em vigor prevê a existência de abrigos maternais, destinados a receber, antes e após o parto, as que não tenham domicílio ou que por motivos económicos e sociais não possam continuar nestes, e de cantinas maternais, as quais forneceriam às grávidas e às mães os alimentos de que carecessem. •
Os primeiros têm assistido a alguns milhares de mulheres e crianças, com manifesta utilidade social.
Quanto às cantinas maternais, não lançaram raízes. As mães preferem ficar em casa a deslocar-se a uma cantina para tomar qualquer refeição de que não possa beneficiar toda a família.
A concessão de prémios de aleitamento às mães pobres que amamentarem os filhos, sistema já ensaiado nos distritos de Ponta Delgada e Funchal, parece conduzir, na ordem prática, a melhores resultados, tanto mais que ajuda a combater a tendência para o recurso exagerado à alimentação artificial.
Ainda a propósito da protecção à mulher no período da gravidez, além dos diplomas referidos no aludido parecer desta Câmara, há que ter em atenção a Convenção sobre a Protecção' da Maternidade, aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho em 1929 e revista em 1952.
Nos termos desta convenção, o seguro ou previdência social deve assegurar a concessão de subsídios pecuniários por ocasião do parto, bem como assistência médica ambulatória ou em regime de internamento, com livre escolha do médico e do local de hospitalização.
Por despacho do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social (Diário do Governo n.° 51, de 1 de Março de 1958), as mulheres casadas, sempre que o solicitem, devem ser dispensadas da prestação de trabalho em horas extraordinárias, sem que tal implique tratamento menos favorável, por parte das empresas, e podem ainda faltar ao trabalho até dois dias em cada mês, sem prejuízo da garantia do lugar, redução do período de férias ou perda de quaisquer regalias concedidas pelas empresas. Durante a gravidez, as mulheres que desempenharem tarefas incompatíveis com o seu estado, designadamente as que implicam grande esforço físico, trepidação, contacto com substâncias tóxicas ou posições incómodas e transportes inadequados, quando o pedirem ou por conselho médico, devem ser transferidas para trabalho que não as prejudique, sem perda do salário referente à sua categoria. Às mães são facultados dois períodos diários de meia hora para amamentarem os filhos.
(No sentido de levar as empresas a cumprir o disposto no Decreto de 14 de Abril de 1891 e Decreto n.° 14 498, de 29 de Outubro de 1927, foi criada uma taxa de 6$ mensais por mulher, a pagar pelas empresas que ocupem mais de 50 mulheres e não tenham organizada a assistência à maternidade e à infância, revertendo
O seu produto para o Fundo de Socorro Social. Ainda que, no aspecto do estímulo à criação de
creches e jardins de infância nas fábricas, a taxa referida se haja mostrado ineficiente, a receita tem contribuído para alargar a rede de consultas e dispensários em que é prestada assistência materno-infantil.
Pelo Decreto-Lei n.° 42 800, de 11 de Janeiro de 1960, foi concedido às funcionárias do Estado o direito de faltar ao serviço por ocasião do parto.
B) Primeira infância (lactentes)
18. No parecer desta Câmara sobre o Estatuto da Assistência Social foi salientado que o número de óbitos dos lactentes (crianças com menos de 12 meses) por 1000 nados vivos era enorme e «num período de 15 anos (1925 a 1940) se mantivera sensivelmente constante», pois fora de 132 por 1000 em 1925 e de 126,1 em 1940.
E acrescentou-se: «Se aos números representativos da mortalidade dos lactentes juntarmos os dos nados mortos, tiraremos resultados como este: em 1940 houve no continente 172 644 nascimentos com vida e registaram--se 8172 nados mortos e 23 690 óbitos de crianças até
1 ano, ou seja uma perda de 31 862 crianças, que corresponde a 18 por cento do número total de nascimentos (nados vivos + nados mortos)».
Pois bem, em 1959, entre 194 812 nascimentos com vida, registaram-se no continente 7100 nados mortos e 16 766 óbitos de crianças com menos de 1 ano, ou seja, o total de 23 867, contra os 31 862 registados em 1940, embora o número de nados vivos neste ano fosse inferior ao ocorrido em 1959.
Houve, assim, no ano de 1959, em relação a 1940, uma poupança de vidas de cerca de 8000, se se tivessem mantido as taxas de mortalidade infantil deste último ano.
Tendo em consideração, como acontece em tantos outros países, apenas os nados mortos com 28 e mais semanas, o número destes descerá para 6151, em vez dos 7100 registados no Anuário Estatístico.
Quer dizer: no aspecto da mortalidade infantil, a nossa situação, embora tenha melhorado nos últimos anos, está muito longe de ser satisfatória.
Do parecer referido constam os dados estatísticos pertinentes aos anos de 1925 a 1940.
Para conhecimento da forma como tem evoluído a mortalidade infantil, inserem-se a seguir os relativos aos anos de 1941 a 1960:
óbitos de crianças de menos de 1 ano de idade por 1000 nados vivos
1941 ................. 150,78
1942 ................. 131,35
1943 ................. 132,64
1944 ................. 122,17
1945 ................. 114,92

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
1946 ................. 119,42
1947 ................. 107,25
1948 ................. 100,20
1949 .................. 114,50
1950 ................. 94,11
1951 ................. 89,09
1952 ................. 94,33
1953 ................. 95,53
1954 ................. 85,54
1955 ................. 90,67
1956 ................. 87,82
1957 ................. 87,97
1958 ................. 83,99
1959 ................. 88,60
1960 ................. 77,49
Fonte: Anuário Estatístico e Instituto Maternal.
As taxas referidas mostram que entre 1941 e 1960 houve uma baixa de 77,29 unidades, quando nos 15 anos anteriores se manteve praticamente constante.
Por distritos, a mencionada baixa acusa diferenças verdadeiramente extraordinárias, como pode ver-se do quadro seguinte:
QUADRO N.° 5
[Ver Diário Original]
Também as taxas de mortalidade infantil, por concelhos, a partir de 1862, são reveladoras da sua desigualdade dentro do mesmo distrito.
Nos últimos vinte anos, e em relação aos concelhos de cada distrito, essa desigualdade não só se manteve, como, em certos casos, se agravou.
Basta referir as taxas verificadas em 1939 e 1959 em dois dos concelhos, por distrito, que acusam maiores diferenças para mostrar o fundamento da afirmação.
Aveiro:
Vale de Cambra:
1939 ............. 100,7
1959 ............. 52
Espinho:
1939 ............. 167,6
1959 ............. 168,15
Beja:
Odemira:
1939 ............. 86,4
1959............. 58,82
Aljustrel:
1939 ............. 127
1959 ............. 167,81
Braga:
Vieira:
1939 ............. 59,5
1959 ............. 54,10
Guimarães:
1939 ............. 173,3
1959 ............". 145,46
Bragança:
Vila Flor:
1939 ............. 145,3
1959 ............. 66,11
Vimioso:
1939 ............. 138,4
1959 ............. 163,26
Castelo Branco: Oleiros:
1939 ............. 105,4
1959 ............. 44,32
Covilhã:
1939 ............. 127,1
1959 ............. 97,79
Coimbra: Tábua:
1939 ............. 41,6
1959 ............. 36,63
Góis:
1939 ............. 62,3
1959 ............. 83,33
Évora: Mora:
1939 ............. 81,6
1959 ............. 51,72
Borba:
1939 ............. 183,9
1959 ............. 135

Página 260

138-(260)
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
Faro:
Aljezur:
1939 ............. 82,9
1959 ............. 39,21
Lagoa:
1939 ............. 96,5
1959.............. 95,65
Guarda:
Gouveia:
1939 ............. 97,3
1959 ............. 70,10
Pinhel:
1939 ............. 116,2
1959 ............. 128,54
Leiria:
Pombal:
1939 .............. 111,6
1959 ............. 40,36
Peniche:
1939 ............. 21,7
1959 ............. 99,09
Lisboa:
Cadaval:
1939 ............. 97,9
1959 ............. 42,40
Loures:
1939 ............. 190,9
1959 ............. 138,09
Portalegre: Avis:
1939 ............. 65,3
1959 ............. 37,59
Monforte:
1939 ............. 103,04
1959 ............. 195,48
Porto:
Baião:
1939 ............. 81,6
1959 ............. 54,59
Maia:
1939 ........•..... 154,7
1959 ............. 179,56
Santarém: Coruche:
1939 ............. 55,5
1959 ............. 32,54
Constância:
1939 ............. 200
1959 ............. 148,51
Setúbal:
Alcochete:
1939 ............. 169,6
1959 ............. 62,50
Moita:
1939 ............. 166,7
1959 ............. 145,88
Viana do Castelo: Melgaço:
1939 ............. 72
1959............ 42,78
Viana do Castelo:
1939 ............. 117,9
1959 ............. 98,59
Vila Real:
Montalegre:
1939............ • 91,9
1959 ............. 68,37
Alijó:
1939 ............. 112,6
1959 ............. 162,23
Viseu:
Mortágua:
1939 ............. 102,04
1959 ............. 32,15
S. João da Pesqueira:
1939 ............-. 122
1959 ............. 183,13
Angra do Heroísmo: Calheta:
1939 ............. 193,4
1959 ............. 104,54
- Angra do Heroísmo:
1939 ............. 161,2
1959 ............. 204,41
Horta:
Santa Cruz das Flores:
1939 ............. 114,16
1959 ............. 248,78
S. Roque do Pico:
1939 ............. 105,03
1959 ............. 89,10

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138-(261)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
Ponta Delgada:
Ribeira Grande:
1939 ............. 190,7
1959 ............. 95,63
Vila Franca do Campo:
1939 ............. 280,5
1959 ............. 160,32
Funchal: Calheta:
1939 ............. 105,01
1959 ............. 77,89
Câmara de Lobos:
1939 .....-.......-. 204,03
1959 ............. 134,64
Nos concelhos de Lisboa e Porto, e nos referidos anos, as taxas foram as seguintes:
Lisboa:
1939 ............... 132,7
1959 ............... 50,26
Porto:
1939 ............... 188,2
1959 ................ 85,91
As taxas de mortalidade infantil constantes dos quadros que a seguir se inserem (quadros n.ºs 6 a 28) mostram sensível alteração na sua repartição geográfica, sendo, de um modo geral, mais altas nas ilhas adjacentes e nos distritos do Norte, mais carecidos de assistência ou onde a taxa de natalidade é mais alta.
As taxas de natalidade e mortalidade respeitantes aos distritos de Braga, Bragança, Porto e Vila Real, quanto ao continente, e as de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada, relativamente às ilhas adjacentes, comprovam a afirmação.
QUADRO N.° 6
Taxas de mortalidade infantil por concelhos (1862 e 1939 a 1955)
Distrito de Aveiro
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 7
Distrito de Beja
[Ver Diário Original]

Página 262

138-(262)
DIÁRIO DAS SESSÕES N° 4
QUADRO N.° 8
Distrito de Braga
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 9
Distrito de Bragança
[Ver Diário Original]
QUADRO N.º 10
Distrito de Castelo Branco
[Ver Diário Original]

Página 263

138-(263)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.° 11
Distrito de Coimbra
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 12
Distrito de Évora
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 13
Distrito de Faro
[Ver Diário Original]

Página 264

138-(264)
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
QUADRO N.° 14
Distrito da Guarda
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 15
Distrito de Leiria
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 16
Distrito de Lisboa
[Ver Diário Original]

Página 265

138-(265)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.° 17
Distrito de Portalegre
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 18
Distrito do Porto
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 19
Distrito de Santarém
[Ver Diário Original]

Página 266

138-(266)
DIÁRIO DAS SESSÕES N." 4
QUADRO N.° 20
Distrito de Setúbal
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 21
Distrito de Viana do Castelo
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 22
Distrito de Vila Real
[Ver Diário Original]

Página 267

138-(267)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.° 23
Distrito de Viseu
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 24
Distrito de Angra do Heroísmo
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 25
Distrito do Funchal
[Ver Diário Original]

Página 268

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
QUADRO N.° 26
Distrito da Horta
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 27
Distrito de Ponta Delgada
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 28
Total de óbitos e óbitos de menos de 1 ano por concelhos de residência e nados vivos por concelhos de nascimento
Ano de 1959
[Ver Diário Original]

Página 269

138-(269)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
[Ver Diário Original]

Página 270

138-(270)
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
[Ver Diário Original]

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138-(271)
19 DE DEZEMBRO DE 1961
[Ver Diário Original]
19. A situação, se não se apresenta, em relação à generalidade dos distritos, com o mesmo aspecto, está, em todo o caso, muito longe de poder considerar-se idêntica à dos outros países.
E se é certo que, nos últimos vinte anos, as taxas de mortalidade infantil baixaram de 150,8, em 1941, para 77,49 em 1960, a verdade, porém, é que são ainda muito altas.
As diferenças que se notam quando comparadas com as que se verificam em outros países encontram a sua explicação em razões de vária ordem.
A primeira consiste na situação de nítido desfavor de que partimos.
Na verdade, quando no quinquénio de 1940-1944 as nossas taxas ainda se situavam na casa dos 132,1, já a Espanha havia conseguido a de 103,7 e a França a de 77,3.
Depois, é preciso não esquecer que, em certos países, o número de óbitos registados nas estatísticas e tomados em consideração para a determinação das taxas apenas incluem as crianças cuja inscrição consta do registo civil.
As mortes ocorridas antes desse registo (crianças com alguns dias) acrescem às taxas de mortinatalidade, mas fazem baixar as de mortalidade infantil.
Em França, por exemplo, podem registar-se como nadas mortas, e o mesmo sucede na Bélgica e na Holanda, as crianças que falecem antes de expirado o prazo para o registo de nascimento, isto é, nos três dias seguintes ao nascimento.
Como anota o Dr. Santos Bessa, para se fazer um juízo do que isto representa basta dizer que na Inglaterra, no primeiro dia morrem 40 por cento e no segundo 13 por cento dos que falecem no primeiro mês, isto é, nas primeiras 48 horas morrem mais de metade dos que se perdem no primeiro mês.
A elaboração da estatística sem ter em consideração, como acontece em outros países, as crianças falecidas antes do registo, que pode efectuar-se no prazo de três dias, faria baixar sensivelmente as nossas taxas de mortalidade infantil.
20. As causas da mortalidade dos lactentes já foram referidas no parecer desta Câmara, nas principais rubricas: perigo congénito, perigo alimentar e perigo infeccioso.
Certas doenças da primeira infância, para usar da nomenclatura actual, foram causa de cerca de 32,8 por cento dos óbitos de crianças de menos de 1 ano ocorridos em 1959; seguiram-se as doenças do aparelho digestivo, responsáveis por 27,31 por cento, e as das vias respiratórias, por 14,57 por cento.
Só por causa da gastroenterite e da colite, exceptuando a diarreia dos recém-nascidos, houve em 1959 5764 óbitos de crianças com menos de 1 ano.
É na defesa contra as causas de natureza alimentar, de que os números referidos dão ideia, que a acção sanitária pode colher os melhores frutos.
Relativamente ao perigo infeccioso, o mesmo manifesta-se por diversas formas, contando-se entre as principais causas de óbitos, segundo o Anuário Estatístico de 1959, as seguintes: óbitos
Broncopneumonia........... 2 333
Infecções dos recém-nascidos...... 1 421
Otite média e mastoidite........ 292
Bronquite aguda........... 383
Tétano................ 162
A falta de higiene no parto deve estar relacionada com as mortes por esta última causa.
Como as taxas de mortalidade infantil traduzem, mais do que qualquer outro índice, as condições de higiene e o nível económico e social de determinado país, torna-se urgente a realização de grande esforço no sentido de levar aos meios onde for mais necessário a assistência de que alguns centros urbanos já usufruem e que tanto contribuiu para a baixa da mortalidade infantil nestes verificada nos últimos anos.
Assim deverá prosseguir-se, tendo em atenção os distritos que em 1959 registaram taxas superiores a 100 (Braga, Bragança, Porto, Vila Real e Angra do Heroísmo) .
Essa acção terá de desenvolver-se em estreita coordenação com os médicos e serviços existentes (subdelegados de saúde, médicos municipais, das caixas de previdência e das Casas do Povo e dos Pescadores, Misericórdias, creches, dispensários e infantários), em ordem a evitar duplicações escusadas, tanto no aspecto preventivo como no curativo.
A instalação e funcionamento, nas Maternidades Dr. Alfredo da Costa e Júlio Dinis, de um serviço de prematuros, serviço também previsto para a Maternidade Bissaia Barreto, a inaugurar brevemente, veio completar, nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, a assistência à criança recém-nascida carecida de cuidados especiais.
21. No combate à mortalidade infantil, o dispensário desempenha papel essencial.
Mas não só o seu número é insuficiente como nem todos estão a dar o devido rendimento, em consequência de muitos deles se limitarem à consulta médica, por não disporem de pessoal de enfermagem para ministrar conselhos e ensinamentos às mães.
Entretanto, para avaliar do que se tem feito nesta matéria, basta referir que em 1943, data da criação do Instituto Maternal, havia apenas 2 dispensários mantidos por entidades particulares. Presentemente, o número de dispensários passou para 325, dos quais cerca de 200 recebem subsídios do Instituto ou beneficiam de cooperação técnica e financeira.
O Instituto, à sua parte, mantém em funcionamento 88 dispensários exclusivamente a seu cargo.
Não pode deixar de referir-se a notável acção realizada pelas antigas Juntas de Província da Beira Litoral e da Estremadura, hoje Juntas Distritais de Coimbra e de Lisboa, e pelo Dispensário de Puericultura «Dr. Alfredo Motta», de Castelo Branco.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
Os distritos onde mais se sentiu a acção da Junta de Província da Beira Litoral — Coimbra e Leiria —¦ contam-se entre aqueles em que a mortalidade infantil acusa taxas mais baixas.
A Junta de Província da Estremadura, através da manutenção na sua sede de dispensários materno-infantis, também contribuiu para a baixa da mortalidade infantil em grande número de concelhos da sua área.
No que respeita propriamente à cidade de Lisboa, a acção mais importante no domínio da assistência infantil cabe à Misericórdia, que nos últimos anos desenvolveu notável esforço no sentido de remodelar os dispensários a seu cargo, melhorando as respectivas condições de funcionamento e aumentando o seu rendimento médico-social.
A acção dos dispensários deverá ser completada pela que cabe às creches ou infantários e aos jardins da infância, criados por iniciativa do Estado ou dos particulares, e às famílias que aceitem crianças em regime de colocação familiar.
22. Os números referidos mostram que é necessário melhorar a protecção materno-infantil, tanto mais que as taxas de mortalidade neste domínio, em cuja apreciação nem sempre se atende à variedade de critérios que estão na sua base, são tomadas como índice de civilização dos respectivos povos.
Torna-se necessário, pois, estudar e estabelecer os respectivos planos, coordenar a actividade dos estabelecimentos e serviços da mesma modalidade, divulgar os conhecimentos necessários a uma profunda acção educativa, preparar o pessoal técnico e executar os serviços que a iniciativa particular não possa tomar a seu cargo.
O quadro n.° 29 que a seguir se insere, relativo às taxas de mortalidade infantil por distritos, nos anos de 1942 a 1959, mostra que, se em relação a alguns o número de crianças falecidas até 1 ano é actualmente inferior a metade dos óbitos que se teriam verificado mantendo-se as taxas de 1942, quanto a outros, designadamente aqueles em que é (predominante a população rural, a baixa não> é tão sensível.
Assim, no distrito de Lisboa, a taxa de 136,73, em 1942, desceu para 62,62, em 1959, ao passo que o distrito de Vila Real, sensivelmente com a mesma taxa em 1942 (136,42), acusa ainda a de 107,37 em 1959.
Quer dizer: no distrito de Lisboa a baixa foi de 74 unidades, não passando de 29 no de Vila Real.
Se, em vez das taxas relativas aos distritos, fossem comparadas as das cidades, a diferença seria ainda maior.
Isto revela a desigualdade de tratamento no que respeita à protecção materno-infantil, fruto de causas diversas, irremovíveis umas, outras fáceis de vencer ou cujos efeitos poderiam atenuar-se pelo alargamento dos serviços de protecção materno-infantil às zonas em que não existem.

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.º 29
Instituto Maternal
Taxas de mortalidade por distritos
Óbitos de crianças de menos de 1 ano de idade por 1000 nados vivos

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
23. Na base do funcionamento dos serviços estão os meios financeiros postos à sua disposição e o pessoal que há-de executar as diferentes tarefas — médicos, assistentes sociais ou familiares, enfermeiras, parteiras, visitadoras sanitárias e auxiliares sociais, empregados administrativos.
Quanto a médicos especializados, o seu número pode considerar-se insuficiente, mas, mais do que a insuficiência, impressiona a irregular distribuição.
Dos 7071 médicos inscritos na respectiva Ordem em Outubro de 1960, havia 212 pediatras, 131 obstetricistas e 214 ginecologistas.
Quanto aos pediatras, 49,5 por cento estão fixados em Lisboa, 22,6 por cento no Porto e 4,7 por cento em Coimbra. Os restantes distribuem-se pelos diferentes distritos, havendo alguns (Guarda e Viana do Castelo) que não contam entre os médicos um único pediatra.
Relativamente aos ginecologistas e obstetricistas, a sua situação não é mais brilhante. No seu conjunto, 52,7 por cento exercem a profissão em Lisboa, 24,6 por cento no Porto e 7,7 por cento em Coimbra.
Nalguns distritos há apenas um ou dois especialistas e em Bragança nenhum.
Além do internato para preparação de médicos obstetricistas e ginecologistas, o Instituto Maternal tem realizado estágios para actualização de conhecimentos dos clínicos gerais encarregados das consultas nos dispensários situados nos grandes centros. Não é fácil, porém, nem a fixação dos médicos nas zonas rurais, nem despertar o seu interesse pelas actividades de natureza profiláctica.
A má distribuição dos médicos corresponde a dos enfermeiros, visitadoras e auxiliares sociais, elementos fundamentais na educação sanitária das mães e na protecção materno-infantil.
O Instituto Maternal, através das escolas que funcionam presentemente em Lisboa, Porto e Coimbra, tem procurado não só elevar o número de parteiras, mas também o nível técnico da enfermagem.
Para obtenção desta finalidade criou em 1956 cursos de especialização em partos, destinados a auxiliares de enfermagem, como complemento dos que já existiam para enfermeiras.
A frequência destes cursos é, porém, ainda insuficiente e não corresponde às necessidades, designadamente às da extensão à população rural da assistência no parto que, de um modo geral, é assegurada às mães que vivem nos meios urbanos.
Se o número de parteiras é insuficiente, é-o igualmente o de enfermeiras para o desempenho das tarefas de educação no campo sanitário, que estão na base da acção dos dispensários.
C) Infância pré-esoolar
24. A mortalidade das crianças a partir de 1 ano de idade não revela a gravidade das taxas de mortalidade infantil e tem sofrido nos últimos anos uma evolução nitidamente favorável.
Ao passo que a mortalidade até aos 12 meses acusa taxas muito altas e a diminuição da sua percentagem em relação à totalidade dos óbitos não tem sido extraordinariamente sensível (21,57 em 1943 e 19,30 em 1959), outro tanto não se verifica quanto à mortalidade das crianças de idades compreendidas entre 1 e 4 anos, porquanto a mesma, que era de 11,71 em 1943, passou para 6,95 em 1959.
Nos anos de 1940 e 1959 registaram-se em crianças de 1 aos 5 anos os seguintes óbitos:
QUADRO N.° 29
[Ver Diário Original]
A conclusão a tirar destes números é a de que decorrido o primeiro ano se acentua a baixa de mortalidade e que a partir do segundo é sensivelmente metade da verificada há vinte anos.
Como causas da morte nos primeiros nove anos podemos considerar em especial as seguintes:
QUADRO N.° 30
[Ver Diário Original]
As causas de natureza alimentar continuam a contar--se como as mais graves entre todas as que põem em risco a vida das crianças, não obstante serem as mais fáceis de combater.
Hoje, como ontem, seguem-se as afecções das vias respiratórias, em que ocupam lugar predominante as mortes causadas por pneumonias e bronquites.
No que respeita ao número de óbitos por desastre, em consequência, as mais das vezes, de as mães trabalharem fora de casa, verifica-se ligeira descida.
QUADRO N.° 31
[Ver Diário Original]
No parecer desta Câmara sobre o estatuto em vigor indicaram-se alguns meios que a assistência na idade pré-escolar requer.

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
Entre estes, continuam a ocupar o primeiro lugar os dispensários, seguindo-se os jardins de infância e as escolas onde é ministrado o ensino pré-escolar.
Em Portugal, ao contrário do que sucede em outros países, o ensino pré-escolar está quase exclusivamente a cargo dos particulares ou de instituições subsidiadas pelo Estado ou ainda das autarquias locais, sendo justo destacar a acção da Junta de Província da Beira Litoral através das Casas da Criança.
Existem, presentemente, 429 semi-internatos para crianças até à idade escolar, quando em 1943 havia apenas 197.
25. As verbas consignadas no Orçamento Geral do Estado à assistência materno-infantil passaram de 10 433 566$ em 1945 para 32 040 000$ em 1959.
No que respeita ao Instituto Maternal e estabelecimentos na sua dependência, as respectivas receitas, que em 1945 foram de 6 444 023$67, ascenderam em 1959 a 52 272 618$40.
Estas incluem os subsídios do Estado, que passaram de 5 218 798$50 para 31 684 050$, os subsídios do Fundo de Socorro Social e da Misericórdia de Lisboa e ainda o rendimento dos próprios serviços.
Assim, no ano de 1959, o Estado contribuiu, como referimos, com 31 684 050$, o Fundo de Socorro Social com 6 762 500$, atingindo a importância de 6 709 983$60 as receitas dos respectivos serviços.
Se for aumentada a verba destinada à assistência materno-infantil e coordenada a acção dos serviços que lhe estão afectos com a desenvolvida por outros sectores, designadamente pelo da previdência social, é possível alargar a rede de protecção materno-infantil.
O interesse nacional e o prestígio internacional impõem o referido alargamento e a coordenação dos respectivos serviços, de que resultará o aumento do seu rendimento sanitário e social.
D) Infância e juventude escolar
26. A educação assenta em dois elementos fundamentais: a família e a escola, completando esta normalmente a acção daquela.
Mas se a família não existe ou falha na sua missão, cabe à escola suprir a sua falta. Nesta hipótese, não pode limitar-se a ensinar, porquanto lhe cumpre formar a personalidade do educando nos aspectos moral e intelectual, enriquecer-lhe o espírito, fortalecer-lhe o carácter, desenvolver-lhe o corpo, dar-lhe o sentido da responsabilidade, torná-lo, numa palavra, elemento útil à sociedade.
A obrigação escolar começa aos 7 anos. Da maneira como tem sido cumprida falam as taxas de analfabetismo e de escolaridade.
As primeiras são hoje inferiores a metade das que se verificavam no começo deste século.
No que respeita à escolaridade, os números são ainda mais expressivos.
Em 1890 o ausentismo escolar das crianças dos 7 aos 12 anos acusava a taxa de 71,2 por cento. Essa taxa em 1950 era ainda de 20,3 por cento. Pois bem: presentemente é inferior a 1 por cento.
Tomando em consideração todos os graus de ensino (infantil, primário, secundário e superior), e ainda o ensino artístico, de enfermagem e social, temos que em 1958-1959 o número de alunos inscritos foi de 1 182 288, quando em 1930-1931 apenas se haviam matriculado 473 758, número que em 1950-1951 subiu para 778 120.
27. Em que medida a acção 'assistencial acompanhou ou contribuiu para tornar mais infenso o labor escolar?
A referida acção assume os mais variados aspectos: internamento para crianças órfãs e abandonadas, concessão de subsídios e bolsas de estudo, fornecimento de alimentação, de artigos escolares, etc.
Ela é exercida por cerca de 500 estabelecimentos, que, em regime de internamento ou semi-internamento, recebem menores, por centros e escolas de formação familiar e ainda por numerosas caixas e cantinas escolares e outras, a cargo de instituições de assistência.
A rede de asilos e outros estabelecimentos destinados a internamento de menores estende-se por todo o País, acusando grandes diferenças de distrito para distrito.
Assim, contando o distrito de Santarém, por cada mil famílias, apenas com 1,4 de camas para internamento de menores, Lisboa e Porto, também por mil famílias, dispõem, respectivamente, de 16,9 e 10.
No seu conjunto, a capacidade dos referidos estabelecimentos, feitas ligeiras correcções, anda por 16 466 camas, correspondendo 7850 a rapazes e 8616 a raparigas.
A maioria dos menores neles internados está na idade escolar.
Deste modo, a assistência tem de olhar não só pela sua manutenção, mas ainda pela sua formação nos aspectos moral, intelectual, social e profissional.
Deve reconhecer-se, no entanto, que, não obstante a comprovada dedicação dos dirigentes dos estabelecimentos, a formação moral e profissional dos educandos tem sido descurada, em consequência da falta de preparação do pessoal —regentes, professores, vigilantes e prefeitos— e de uma orientação comum.
Há necessidade de criar semi-internatos e lares, especialmente destinados a órfãos e abandonados admitidos em regime aberto, que lhe permitissem frequentar escolas e cursos de aprendizagem comum. O internamento reservar-se-ia para casos de inadaptação social ou de reeducação motora, o que nem sempre se tem verificado.
Cada asilo admitia quem queria: menores na idade escolar ou pré-escolar, velhos e inválidos.
Para pôr cobro a tal situação, foi criado em 1945 o Instituto de Assistência aos Menores e definidas em seguida as suas atribuições.
Ao referido Instituto ficou a competir:
a) Coordenar a prestação da assistência aos menores nos casos de orfandade, abandono, incapacidade dos pais ou insuficiência económica familiar;
b) Fomentar a criação de novas instituições destinadas a educar e amparar os menores;
c) Estudar as condições em que devem ser concedidos subsídios de educação e estudo;
d) Promover a aprendizagem de um ofício e a colocação dos menores e exercer vigilância sobre os mesmos até atingirem a maioridade.
A acção do Instituto tem-se desenvolvido em obediência a determinados princípios.
Em primeiro lugar, sendo a família o meio natural onde se forma o espírito dos menores, estes só devem ser internados em estabelecimentos de assistência quando não tenham família ou esta lhes faça correr manifesto perigo moral.
Depois, quando internados, o asilo deverá proporcionar-lhes a aprendizagem de um ofício, tendo em conta a maior ou menor facilidade da sua colocação.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
Desde que se entrou no caminho das grandes concentrações industriais, mesmo com sacrifício do valor social das pequenas oficinas, há que rever a formação profissional dos rapazes, orientando-os no sentido da especialização.
A instalação, entre outras, de oficinas de mecânica, de tipografia, de electricidade, de serralharia e afins satisfaz esse objectivo.
A preparação para a vida pode ser feita nos estabelecimentos ou fora deles, em escolas oficiais ou em empresas privadas.
Na falta dos pais, cabe aos estabelecimentos, por si ou em colaboração com o Instituto de Orientação Profissional, encaminhar os educandos para o exercício da profissão mais conforme com as suas aptidões e vocação.
Ao lado da educação e preparação dos rapazes, existe o problema da educação e formação das raparigas.
A sua delicadeza é conhecida, tanto mais que os métodos geralmente seguidos não deram resultados satisfatórios.
Há que ensaiar novos processos educativos.
Na base, uma sólida formação moral, completada com a indispensável educação doméstica. Mas, como o futuro das raparigas nem sempre é o casamento, há, consequentemente, que as orientar no sentido da preparação para o exercício de profissões para que a mulher tem especial vocação: magistério, serviço social, enfermagem, dactilografia, estenografia, costura, etc.
A criação de «lares», dirigidos e orientados pelos próprios estabelecimentos que as educaram, onde as raparigas permaneçam nos primeiros meses de contacto com a vida e com os perigos que esta oferece, concorrerá para completar a sua formação.
Por outro lado, como a educação dos menores implica métodos e instalações diferentes, conforme a idade e sexo dos educandos, é necessário que o Instituto, através da sua acção coordenadora, continue a promover a separação e a criação de estabelecimentos em ordem a servirem a grupos etários relativamente homogéneos.
Ainda o Instituto tem acompanhado a acção desenvolvida pelas colónias de férias, subsidiando no ano findo 72, pelas quais passaram 12 463 menores.
Na assistência aos menores na idade escolar ocupa lugar de relevo a Casa Pia de Lisboa, que, em cada ano, assiste a alguns milhares de menores de todo o País, designadamente residentes no distrito de Lisboa.
A sua acção aumenta de ano para ano.
Para fazer face às respectivas despesas recebe subsídios do Estado e do Fundo de Socorro Social, os quais passaram de 11 334 contos em 1944 para 24 187 contos em 1960.
Na dependência do Ministério da Justiça funcionam a Direcção-Geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores e a Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância, que, através de reformatórios, colónias correccionais e refúgios, estão a realizar obra meritória na readaptação de cerca de 2000 menores transviados ou inadaptados.
As referidas Direcção-Geral e Federação e serviços na sua dependência foram dotadas no orçamento de 1960 com verbas no montante de 26 840 contos.
Por outro lado, as actuais juntas distritais também exercem larga acção na protecção aos menores na idade pré-escolar e escolar, mas esta, na sua maior parte, tem sido exercida pelas instituições particulares.
28. No parecer desta Câmara acerca do Estatuto da Assistência Social chamou-se a atenção para o problema da alimentação.
Ainda que se esteja longe de assegurar a todas as crianças uma alimentação equilibrada, o que se fez é já alguma coisa e merece ser registado.
Em 1940, segundo o aludido parecer, além das cantinas mantidas pela sociedade A Voz do Operário e pela Obra das Mães pela Educação Nacional, existiam outras que forneceram 900 000 refeições.
Ao todo, naquele ano, o número de refeições gratuitas em pouco teria ultrapassado o milhão, quando, em 1959, as cantinas escolares distribuíram mais de 15 milhões. De artigos escolares, dados pelas respectivas caixas, beneficiaram 681 442 alunos.
Por outro lado, as instituições particulares e os estabelecimentos oficiais de assistência proporcionaram 28 592 627 refeições aos menores a seu cargo.
Em regime de internato, de semi-internato, de colocação familiar ou de simples subsídio foram assistidos, em 1958, mais de 55 000 menores, cabendo às instituições particulares prestar assistência a cerca de 50 000 e aos estabelecimentos oficiais a 5000.
Mas, quer se trate de menores assistidos, quer de alunos das escolas, não oferece dúvida que uns e outros carecem de protecção sanitária.
E) Saúde escolar
29. Pelo Decreto n.° 23 807, de 28 de Abril de 1934, ficaram a competir à Direcção-Geral de Saúde Escolar, depois integrada na Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, entre outras atribuições, as de promover «a criação e desenvolvimento das melhores condições de saúde e higiene física e moral dentro das escolas portuguesas e de investigar e estudar as causas patológicas existentes nos meios escolares».
Aos médicos escolares cumpre, especialmente, proceder ao exame obrigatório de todos os alunos que se matricularem pela primeira vez, proceder à vacinação contra a varíola e auxiliar os professores na sua missão educativa.
Para o desempenho destas tarefas dispõem os serviços de saúde escolar, dependentes do Ministério da Educação Nacional, de 3 inspectores, 88 médicos e 42 visitadoras sanitárias.
Como o número de alunos dos diferentes graus de ensino é superior a um milhão, é manifesto que os serviços de saúde escolar não estão em condições de desempenhar cabalmente as funções que lhes competem.
No ano lectivo de 1959-1960 frequentaram o ensino primário oficial 830 000 alunos, sendo nove os médicos que asseguraram especialmente a sua higiene escolar.
Isto explica o relativo abandono a que tem sido votado este importante sector da população, que, em razão da idade, requer atenção especial.
Na verdade, cerca de 12 por cento dos alunos falta às aulas por doença e é grande a percentagem dos que apresentam defeitos da coluna vertebral, em consequência da má posição nas aulas, dos membros inferiores, deficiência dos órgãos da visão e da audição, insuficiências respiratórias, etc, corrigíveis em grande parte pela assistência médica.
O aumento da escolaridade verificado nos últimos anos no nosso país e o acréscimo da delinquência juvenil registado no estrangeiro vieram tornar mais premente o problema da assistência médico-social nas escolas.
Na medida em que as famílias se demitem da sua função educativa, tem a escola que suprir as suas faltas e deficiências.

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Ora, ao médico escolar cabe largo papel na educação dos alunos. Ele próprio deve ser um educador.
Para tanto, além de conhecimentos médicos, deve possuir conhecimentos de psicologia e de pedagogia que lhe permitam pronunciar-se sobre as causas do fraco rendimento escolar de alguns alunos, em virtude de perturbações orgânicas ou funcionais, e apreciar os programas escolares, organizados tantas vezes sem ter em conta as consequências do excesso de fadiga na saúde mental.
Como nem todos os alunos têm as mesmas possibilidades intelectuais e idêntica capacidade de adaptação à vida escolar, o parecer do médico é fundamental na sua distribuição por classes quanto possível homogéneas.
Os serviços de higiene escolar não podem limitar-se a examinar os alunos quando da sua entrada na escola e a proceder a vacinações antivariólicas, porquanto lhes cabe velar pela salubridade das escolas, vigiar a alimentação dos alunos, proceder ao rastreio das doenças contagiosas, estar atentos, numa palavra, a tudo quanto respeite ao desenvolvimento físico e intelectual dos alunos.
O simples enunciado destas atribuições é suficiente para concluir que as mesmas não podem ser desempenhadas pelos serviços de saúde escolar tal como se acham organizados.
Há, pois, que procurar solução que torne efectiva a higiene escolar.
A revisão dos quadros de saúde escolar dependentes do Ministério da Educação Nacional não se afigura viável, atenta a despesa que implica o seu alargamento por forma a que possam estender a sua acção às mais recônditas aldeias.
Os serviços de saúde pública, cuja rede abrange todos os concelhos, estão em melhores condições para proceder ao exame periódico dos alunos, combater as doenças contagiosas ou velar pela salubridade das escolas.
Falta-lhes, porém, a preparação pedagógica que lhes permita dar solução a alguns dos problemas que a higiene escolar suscita.
Assim, no estado actual do problema, parece que a fórmula mais simples e económica e que assegura um mínimo de eficiência consiste em coordenar a acção dos serviços de saúde escolar com a dos da saúde pública, com vista à mesma finalidade.
Os serviços dependentes da Direcção-Geral de Saúde teriam a seu cargo a higiene escolar dos alunos do ensino primário e dos das mais escolas que não tivessem médico privativo, funções estas de que, em certa medida, se têm desempenhado.
Além disso, colaborariam com os serviços de saúde escolar no rastreio e profilaxia das doenças infecto--contagiosas, no saneamento do ambiente, na vigilância sanitária dos professores e alunos das escolas com médico privativo.
Os resultados obtidos da colaboração dos serviços dependentes do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e da Direcção-Geral de Saúde com os da saúde escolar, no que toca ao rastreio e profilaxia da tuberculose e de outras doenças contagiosas, permitem concluir que muito há a esperar da coordenação de todos os serviços relacionados com os problemas de higiene geral e escolar.
Esta devia constituir uma secção do Conselho Superior de Saúde e Assistência, a consultar sempre que se suscitassem problemas relacionados com a higiene escolar.
Por outro lado, o Ministério da Educação Nacional, ao qual compete, no aspecto pedagógico, a orientação da medicina escolar, organizaria cursos e colóquios em que fossem discutidos os problemas específicos da higiene escolar, cursos que seriam frequentados por médicos escolares e sanitaristas.
Os períodos de evicção escolar por doenças infecto--contagiosas necessitam de ser revistos e reduzidos, por forma a assegurar, sem prejuízo sanitário, a maior assiduidade escolar.
O projecto de lei n.° 44, submetido à apreciação da Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Santos Bessa, que, depois do parecer desta Câmara, foi aprovado, visou essa finalidade (texto do Decreto da Assembleia Nacional, publicado no Diário das Sessões, de 12 de Maio de 1961).
F) Crianças com deficiências físicas e mentais
30. Consideram-se, de uma maneira geral, deficientes físicos aqueles cujas dificuldades de adaptação à vida normal são devidas a irregularidades motoras, sensoriais, verbais ou viscerais. .
As irregularidades motoras são determinadas por causas de natureza ortopédica ou neurológica, pelo que, com vista à sua correcção e orientação profissional, requerem diversas medidas a executar através de clínicas hélio-marítimas, de serviço de ortopedia e de ginástica adequada ou ainda por simples, aparelhos de correcção.
Não nos fornece a estatística qualquer elemento para ajuizar com segurança das necessidades a satisfazer, mas, dado o crescente aumento dos traumatismos que originam lesões causadoras de deficiências motoras, o problema da assistência a estes deficientes não poderá ser descurado.
As deficiências sensoriais são representadas pela surdez e pela cegueira, que colocam a criança em situação de inferioridade no que respeita às suas possibilidades de desenvolvimento mental e até de adaptação social. E que «a criança surda que nunca conheceu a palavra está desprovida de todas as possibilidades oferecidas pelas representações mentais aos exercícios da inteligência e à vida do espírito».
E devido à sua surdez que a criança é muda. Não podendo ouvir a palavra, fica inibida de a reproduzir e vive o mundo do silêncio.
Por isso, a sua educação deve ser ministrada em estabelecimentos especiais, tendo em vista a sua integração na convivência social.
Para educação dos surdos-mudos existem dois estabelecimentos de assistência a cargo da Casa Pia de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia do Porto, exercendo esta a sua acção em colaboração com o Instituto de Assistência aos Menores.
Devidamente apetrechados, dotados de pessoal pedagógico competente, o ensino neles ministrado tem-se mostrado eficiente, ao ponto de alguns alunos terem seguido, com bom aproveitamento, cursos de ensino secundário.
A sua capacidade é, porém, insuficiente, porquanto, no total, só assistem a 480 surdos-mudos de ambos os sexos.
A Junta Distrital de Coimbra propõe-se também assistir aos surdos-mudos, através do Instituto de Surdos-Mudos, a instalar em edifício próprio, junto da Bencanta.

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31. A cegueira situa-se entre as deficiências que ocasionam mais complexos entre as pessoas atingidas.
Contudo, a assistência aos cegos, iniciada por S. Luís, nos meados do século xin, tem-se desenvolvido muito lentamente.
Entre nós, antes de D. João VI ter fundado, em 1826, o Instituto de Cegos e Surdos-Mudos, não se regista acontecimento de monta.
No decurso do século XIX criaram-se algumas instituições destinadas a prestar assistência aos cegos, destacando-se o Asilo de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide, e, em Lisboa, o asilo para cegos a cargo da Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos, o Asilo-Escola António Feliciano de Castilho e a Escola Profissional de Cegos, que em 1908 tomou a designação de Instituto de Cegos Branco Rodrigues.
Este Instituto, a cargo da Misericórdia de Lisboa, passou a ministrar ensino liceal, de que aproveitam presentemente cerca de metade dos internados.
Em 1927 fundou-se a Associação de Beneficência Luís Braille e em 1951 a Liga de Cegos João de Deus, que têm prestado assistência a milhares de cegos.
Não se pode esquecer a benemérita acção desenvolvida pelo Asilo de Cegos de S. Manuel, a cargo da Misericórdia do Porto, pelo Asilo Pereira de Lima, em Vila Nova de Gaia, pelo Lar de Nossa Senhora dos Anjos, criado pelo Instituto de Assistência aos Inválidos, e pela Junta Distrital de Coimbra.
A aprovação, em 1959, dos estatutos da Fundação Raquel e Martin Sain veio abrir novas perspectivas ao problema da educação e recuperação dos cegos.
Segundo o censo de 1940, existiam na metrópole 11 891 cegos, número que em 1950 baixou para 10 434, o que corresponde à diminuição de 12 por cento.
Mas, tendo aumentado o número de cegos menores, torna-se urgente olhar pela sua educação.
Nesse sentido, uma comissão a que presidiu o Dr. Madeira Pinto, que ao tempo exercia as funções de provedor da Misericórdia de Lisboa, elaborou vasto programa de acção de assistência aos cegos de todas as idades.
Para fazer face aos respectivos encargos a Misericórdia de Lisboa propôs a criação de um adicional sobre a lotaria, mas esta proposta não logrou aprovação.
No corrente ano, porém, haverá duas emissões especiais de lotaria, cujo rendimento líquido, na parte pertencente ao Estado, será consignado à protecção dos cegos.
Na verdade, a falta de serviços que assegurem a protecção destes e, bem assim, dos surdos-mudos coloca-nos em situação desfavorável em relação a outros países.
Ainda recentemente o Sr. Deputado Nunes Barata chamou a atenção da Assembleia Nacional para a necessidade de «uma política sistemática de recuperação e assistência aos cegos existentes no País», política que, em seu entender, deveria desenvolver-se em dois momentos:
1.° Avaliação, através de um recenseamento especial, do número de cegos e das suas condições de existência (nível económico, cultural, etc.);
2.° Medidas de conjunto que com eficácia os beneficiem se possível na totalidade (Diário das Sessões n.° 202, de 22 de Fevereiro de 1960, p. 476).
Os resultados obtidos na vizinha Espanha, e a que o referido Deputado aludiu, permitem encarar com optimismo a solução que vise a melhoria da situação dos cegos em Portugal.
32. Por deficientes mentais consideram-se aqueles cujas irregularidades são devidas a perturbações do desenvolvimento intelectual ou do carácter, compreendendo os idiotas, imbecis, débeis mentais, instáveis, emotivos, paranóicos, etc.
Estes doentes incluem-se no foro médico pedagógico ou psiquiátrico, conforme o seu grau de recuperação.
Sem curar das causas destas deficiências, há que estudá-las em todos os aspectos por forma a sustar, na medida do possível, o aumento da sua incidência e a assistir aos diminuídos.
Não sendo possível determinar o número de menores portadores de deficiências mentais, por não estar feita a estatística da população neste sentido, calcula-se que cerca de 1 a 2 por cento da juventude em idade escolar sofre de irregularidades mentais mais ou menos graves.
O problema da reeducação destas crianças é complexo, visto abranger medidas de natureza pedagógica, psicológica, médica, social e profissional. Deste modo, desde a colocação em famílias até ao internamento em asilo ou colónia agrícola, desde as classes especiais às oficinas de aprendizagem pré-profissional, são múltiplos os instrumentos ou meios a utilizar na reeducação destes menores.
A necessidade de prosseguir no desenvolvimento dos serviços que visem à recuperação dos menores afectados de anomalias e deficiências mentais e à sua reintegração social é tão manifesta que não carece de demonstração.
É necessário, pois, completar e desenvolver a acção que vem sendo exercida pelos instituto e serviços especializados, designadamente pelos Institutos António Aurélio da Costa Ferreira, de Lisboa, e Dr. Dias de Almeida, da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
G) Assistência às crianças doentes
33. O Dr. Santos Bessa vem preconizando há muito que «o hospital de crianças em Portugal tem que ser não só uma instituição para tratamento de crianças doentes, mas também um centro de medicina preventiva».
Na verdade, a nova concepção do hospital de crianças tende a transformá-lo num centro técnico de saúde que reúna em volta da criança uma equipa de especialistas, cuja actividade deverá ser coordenada com vista a obter o máximo de eficácia na assistência prestada.
Esta concepção de hospital infantil visa a criança em todos os aspectos, somáticos e psíquicos, sociais e individuais, e abrange tanto a medicina preventiva como a curativa (Prof. Mareei Lelong, III Revue de l’Assistance Publique à Paris, n.° 45, Janeiro e Fevereiro de 1957, pp. 15 e 16).
Entretanto, para além desta concepção, o problema que se põe é eiste: o hospital de crianças deve ser um hospital separado e diferente do hospital de adultos ou, pelo contrário, deve constituir mera divisão ou secção deste? (Prof. Robert Debré, na cit. revista, p. 13).
Tanto no Seminário realizado em Paris, em 1956, em que participaram médicos dos mais diversos países, como no X Congresso Nacional de Pediatria, realizado em Madrid, em Outubro de 1960, prevaleceu a tese de que o hospital infantil deve ter personalidade própria, o que, de um modo geral, é aceite na Europa. Na "América, porém, «'parece preferir-se um bom serviço pediátrico integrado num hospital geral». (Comunicação ao

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referido Congresso do Dr. Inácio Aragó, director da secção de estudos sobre os hospitais e beneficência do Colégio dos Médicos de Barcelona).
As razões que militam a favor do internamento de crianças em hospitais especializados ou em serviços especiais dos hospitais gerais são de ordem psicológica, moral, material, médica, social e educativa. Conhecidas de todos, não vale a pena enunciá-las.
Depois de ter procedido à sua análise, a Dr.ª N. P. Masse, directora do ensino do Centro Internacional de Infância, chegou à conclusão de que nas grandes cidades as soluções aconselháveis são: hospitais autónomos com 200 a 400 leitos, possuindo todos os serviços especializados, ou serviços de pediatria integrados num hospital universitário ou em hospitais gerais.
No que respeita às cidades de importância média, também pode optar-se por qualquer destas soluções: pequenos hospitais infantis independentes, com a lotação de 50 a 150 camas, ou serviços de pediatria que constituam uma secção do hospital regional.
Nas regiões de fraca população ou em que esta se encontra disseminada por pequenos centros, a solução consiste na existência de enfermarias de crianças no hospital local, as quais seriam dotadas de pessoal especializado.
O internamento de crianças ali admitidas demoraria apenas alguns dias, porquanto os casos mais graves seriam tratados no hospital regional. (Organização dos Hospitais de Crianças, pp. 2 e 3).
De harmonia com esta orientação, têm sido construídos nos últimos anos e entrado em funcionamento nos mais diversos países hospitais privativos de crianças, como o de Santa Justina, no Canadá, o Hospital de Linz, na Áustria, e o de Aurau, na Suíça, notáveis pela sua arquitectura e decoração interior e pelo ambiente acolhedor, bem diferente do que, em regra, existe nos hospitais gerais.
Por outro lado, têm sido criados serviços especiais destinados a crianças nos hospitais universitários ou gerais, em obediência ao princípio, hoje tido como fundamental, de que estas não devem ser hospitalizadas nas enfermarias de adultos.
A adaptação do Hospital D. Estefânia a hospital infantil suscitou atitudes diversas, que acusam as tendências já apontadas.
Ao passo que os pediatras defendem o hospital especializado e privativo, por entenderem que é este o mais próprio para o tratamento de crianças, o enfermeiro--mor dos Hospitais Civis de Lisboa, pelas razões que constam do 'relatório apresentado ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência, não concordou «com a transformação deste Hospital, exclusivamente destinando-o a um hospital de pediatria». (Relatório, p. 54).
Uma coisa, porém, é certa: entre nós há necessidade de aumentar o número de camas destinadas ao internamento de crianças. Os hospitais especializados só se justificam nas cidades de Lisboa e Porto, pois em relação às outras cidades e vilas deverá optar-se por serviços ou enfermarias especiais integrados nos hospitais gerais.
Na organização dos hospitais especializados ou dos serviços de pediatria deverá ter-se presente a necessidade de criar uma atmosfera familiar e de manter a ligação das crianças com a família, designadamente com as mães.
Também há toda a conveniência em aumentar o número de pediatras e estender a sua acção à província, visto que, presentemente e na sua maior parte, exercem a sua actividade em Lisboa, Porto e Coimbra.
A manter-se o ritmo dos que enveredam por esta especialidade —.5, em média, por ano—, as crianças de muitos distritos terão de aguardar largo tempo antes que possam ser assistidas por médicos especializados.
Na falta destes, torna-se necessário empreender activa propaganda no sentido de proteger a saúde das crianças, organizar cursos de aperfeiçoamento, em que médicos rurais e outros se inteirem dos problemas que mais interessam a essa protecção, coordenando a sua acção com a dos serviços especializados na assistência às crianças em qualquer dos aspectos que esta comporta — físico, mental, preventivo, curativo, pedagógico e recuperador.
§ 3.°
Assistência c prevenção na doença
A) Assistência médica
34. A semelhança da orientação seguida no parecer desta Câmara acerca do Estatuto da Assistência Social, só depois de enunciados alguns problemas relacionados com a assistência à maternidade e à infância se alude sucintamente à assistência na doença em geral.
Esta assenta, fundamentalmente, na assistência médica, prestada em clínica livre pelo médico individual ou de família ou pela medicina organizada, através de hospitais, dispensários, postos de consulta, a cargo da assistência ou da previdência social.
O grau dessa assistência varia de país para país e, dentro do mesmo país, é diferente, conforme a população assistida vive nas cidades ou nos meios rurais.
Para os 2700 milhões de habitantes em que se calcula a população mundial, há, presentemente, 1236 000 médicos, o que corresponde a 1 médico por cada 2184 pessoas.
Em França há cerca de 1 médico por 1000 habitantes, nas cidades, e por 2000, nos meios rurais. Nos Estados Unidos esta média varia entre 1 médico por 700 pessoas, nas cidades, e 1700 nas zonas rurais (aglomerados populacionais com menos de 2500 habitantes). Na Inglaterra, o National Health Service tinha limitado a 2000 o número das pessoas que um médico podia tratar, mas esse número, a pedido dos médicos, subiu para 4000. Na Turquia, os médicos concentram--se nas grandes cidades, havendo largas zonas rurais que só. dispõem de 1 médico por 100 000 habitantes.
Na metrópole portuguesa o número de médicos que existe em relação à população pode à primeira vista parecer razoável e a situação, ao contrário do que se tem dito, não sofreu agravamento.
Não há, assim, necessidade de criar novos cursos simplificados e de menor duração, como na Rússia, ou de facilitar o exercício da clínica a médicos estrangeiros, o que em muitos países sucede.
Em 1940, para uma população de 7 709 425 habitantes, existiam 4916 médicos, o que correspondia a haver 1 médico por 1568 habitantes; essa proporção era, no ano findo, de 1 para 1285, tendo em atenção a população existente (9 100 000 habitantes) e o número de médicos inscritos na Ordem respectiva (7071).
No entanto, esta proporção é ainda baixa, designadamente se tivermos em atenção que os países em que as percentagens são mais altas continuam a queixar-se da falta de médicos, porquanto o chamado «consumo médico» aumenta à medida que evoluem os agrupamentos populacionais e se adquire uma maior consciência do valor da saúde.

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E se é certo que, nos últimos anos, não tem diminuído o número de médicos pela primeira vez inscritos na Ordem, não se pode esperar nos próximos anos aumento de inscrições que compense o acréscimo de necessidades que se deverão verificar no País, como consequência do seu desenvolvimento por virtude do II Plano de Fomento em curso. Na verdade, não só a frequência das Faculdades de Medicina se tem mantido estacionária, como revela certa tendência para baixar. Assim, o número total dos estudantes matriculados nas três Faculdades de Medicina foi o seguinte:
QUADRO N.° 32
Anos lectivos Número
1955-1950 3173
1950-1957 3151
1957 1958 3122
1958-1959 3012
1959 1900 3124
1960-1901 3 030
Mas entre as razões da má assistência médica no País avulta a que resulta da distribuição dos médicos pelas várias zonas.
Hoje, como em 1940, a sua distribuição apresenta-se com a irregularidade apontada no já referido parecer desta Câmara.
Só os distritos de Lisboa e Porto dispõem de cerca de 60 por cento dos médicos inscritos na respectiva Ordem.
Na zona hospitalar do centro, com sede em Coimbra, a relação entre os médicos e a população urbana ou rural a que prestam assistência é a seguinte: meios urbanos, 1 médico para cada 253 habitantes; meios rurais, 1 para 2704. (Boletim da Ordem dos Médicos, vol. IX, n.° 4, p. 310).
O referido Boletim contém o mapa que se segue, «em que se faz a distribuição, por distritos, do número de médicos em 1956, do número de habitantes por médico em 1950 e da taxa de mortalidade global em 1956».
QUADRO N.° 33
[Ver Diário Original]
O referido mapa foi publicado para mostrar que os distritos ao norte do Douro (Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real), contando apenas 1 médico por 2677 habitantes (Braga), 1 para 3085 (Bragança), 1 para 1004 (Porto), 1 para 3537 (Viana do Castelo) e 1 para 3101 (Vila Real) se contam entre «aqueles que apresentam as maiores taxas de mortalidade global».
Simplesmente, além da maior ou menor possibilidade de assistência médica, a referida mortalidade é influenciada por outros factores.
Só assim se explica que o distrito de Viana do Castelo, com 1 médico por 3537 habitantes, acusasse a mortalidade de 11,68, quando no distrito do Porto, com 1 médico por 1004 habitantes, a taxa de mortalidade registada no mesmo ano fosse de 13,42. A taxa de mortalidade de Viana do Castelo é ainda mais baixa do que a verificada nos distritos de Braga (13,52), de Bragança (14,41), de Coimbra (12,58), da Guarda (13,39), de Vila Real (13,84) e de Viseu (13,26), em que, proporcionalmente à população, o número de médicos é superior.
Nos distritos do sul do País a diferença não é menos sensível. O distrito de Setúbal, em que a assistência médica é assegurada por 79 médicos, à razão de 1 médico por 3043 habitantes, registou no mesmo ano a taxa de 8,79, a mais baixa dos distritos do País, quando o distrito de Lisboa, com 2442 médicos (1 médico por 552 habitantes) acusou a de 11,68.
Que a concentração dos médicos nas grandes cidades tende a agravar-se mostra-o o que se passa em Lisboa e Porto, onde em 1959 existia 1 médico para 334 habitantes (Lisboa) e 1 para 228 (Porto).
Por isso, o Prof. Almeida Garrett, tendo em conta a actual distribuição dos médicos, entende que é necessário deslocar 1800 para as zonas rurais. Mas a irregularidade da distribuição dos médicos e as consequências que da mesma resultam acentuam-se quanto aos médicos qualificados (especialistas).
Assim, no que respeita aos psiquiatras, existem nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, consideradas em conjunto, 72, ao passo que no resto do País há apenas 3: 2 em Braga e 1 em Faro.
Quanto aos neurologistas sucede outro tanto: 53 nas três referidas cidades e outro no resto do País (Braga).
Desproporção idêntica se verifica na distribuição dos restantes especialistas.
Há, pois, necessidade de criar condições que permitam a fixação de médicos na periferia, tanto de clínicos gerais como de especialistas.
Deve, por outro lado, procurar-se que o número de diplomados a sair das Faculdades de Medicina tenha um aumento substancial nos próximos dez anos.
35. Os números referidos e as taxas de mortalidade infantil e geral põem o problema da assistência às populações rurais, cujas deficiências já foram apontadas no parecer desta Câmara acerca do Estatuto da Assistência Social.
Por população rural, para o efeito do seu enquadramento nos planos que visem a prestação da respectiva assistência, deverá entender-se a que vive nas zonas rurais, independentemente da profissão ou modo de vida.
Paralelamente, deve considerar-se urbana a população que habita nas cidades ou no seu subúrbio, em zonas densamente povoadas, com hábitos e modos de ser comuns.

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O Instituto Internacional de Estatística, quando da sua reunião em Praga, em 1938, definiu como «zona rural toda a circunscrição administrativa cujo núcleo mais importante não excede um certo número de habitantes e cuja população agrícola excede 60 por cento da população activa total». A quantidade de população limite do aglomerado urbano será fixada, em cada país, de acordo com o seu condicionamento peculiar. Na Inglaterra e na Alemanha fixou-se este número limite em 5000 habitantes, nos Estados Unidos em 2500.
O Código Administrativo classifica os concelhos em urbanos e rurais, atribuindo a primeira categoria àqueles que tenham a sede em cidade ou vila de 20 000 ou mais habitantes.
Sendo, no aspecto da assistência médica, a situação diferente, conforme se trata de núcleos populacionais com mais ou menos de 5000 habitantes, as zonas rurais devem classificar-se segundo este critério, tal como sucede na Inglaterra* e na República Federal da Alemanha.
Assim, estas estendem-se por todo o País e compreendem porções de território que variam de região para região e distrito para distrito.
No seu conjunto, as zonas rurais abrangem uma área de 58 370 km2, habitada por cerca de 3 900 000 habitantes.
Se forem tomados como base de critério da ruralidade a densidade demográfica e o predomínio da agricultura em relação às outras actividades, o resultado, quanto à população e superfície rurais, será sensivelmente o mesmo.
Independentemente do critério que se adopte, pode dizer-se que cerca de 45 por cento da população metropolitana é rural.
Em que medida, no aspecto da saúde e assistência, lhe ó dispensada a protecção de que beneficia a população urbana?
O quadro é conhecido.
Em consequência do progresso industrial que trouxe para a cidade uma multidão de operários que se instalaram em péssimas condições de salubridade, as taxas de mortalidade, por todas as causas, agravaram-se, atingindo proporções assustadoras as causadas pela tuberculose.
Entre nós, a cidade do Porto mereceu em certo momento o qualificativo de «cidade cemitério», atenta a sua alta taxa de mortalidade.
E, na medida em que os higienistas denunciavam o ambiente das cidades como infecto e insalubre, poetas e romancistas louvavam a pureza do ar do campo, a salubridade do meio ambiente, a alimentação sadia e a longevidade da população rural.
No parecer acerca do Plano Director do Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa (proposta de lei n.° 14), de que foi relator o digno procurador José Pires Cardoso, considera-se o «suicídio biológico das cidades» como um facto, «pois que o índice da natalidade, em regra, diminui à medida em que aumenta a concentração urbana, sendo, portanto, mais baixo nas grandes do que nas pequenas cidades e mais baixo ainda quando o termo da comparação seja o aglomerado rural».
Também, segundo o mesmo parecer, «o índice de mortalidade, mesmo com o aperfeiçoamento dos serviços de saúde, tem de manter-se alto em razão de certas características específicas dos grandes centros: poluição da atmosfera pela presença de gases produzidos pelas comissões industriais ou dos motores de explosão, acidentes de viação, ritmo de vida trepidante, ruídos incómodos, etc».
O parecer está certo, pois se refere à generalidade dos países e ao que se passava entre nós há duas dezenas de anos.
Ultimamente, porém, as coisas modificaram-se.
As taxas de mortalidade das cidades acusam baixas mais acentuadas do que as verificadas nos aglomerados rurais.
A taxa do Porto, por exemplo, é presentemente inferior em metade da registada no primeiro quartel deste século (30,27 no decénio de 1901-1910, 31,53 no período de 1911-1920).
As taxas de mortalidade infantil em Lisboa e Porto, entre 1940 e 1959, acusam a baixa de 110,3 e de 103,2 unidades respectivamente, quando, no mesmo período, a baixa não excedeu 6,2 em Vila Real e 10 em Aveiro, distritos em que a percentagem da população rural excede 60 por cento.
A regra de que o índice da natalidade, como se diz no aludido parecer, «diminui à medida que aumenta a concentração urbana», parece não se confirmar actualmente em Portugal.
Pelo mapa n.° 1 atrás inserido verifica-se que no período decorrido entre 1945 e 1959 a taxa de natalidade baixou em todos os distritos do País, sendo a baixa de 3,2 em Bragança, 9 na Guarda, 5,7 em Viseu e 5,3 em Viana do Castelo, para só referir os distritos em que a população rural excede 70 por cento da total.
Pois bem: nas cidades de Lisboa e Porto, e no referido período, subiu 5,2 e 7,8 respectivamente.
A inversão dos índices relativos à natalidade e à mortalidade do campo para a cidade é resultante dos mais diversos factores: elevação do nível de vida da população urbana, salubridade das cidades, relativo abandono das aldeias, auxílio económico às famílias dos trabalhadores das cidades através da concessão do abono de família, facilidades de tratamento médico destes, quando doentes, assistência hospitalar, etc.
A desigualdade de nível de vida e da distribuição da riqueza acarreta o êxodo dos campos, com todas as suas consequências de ordem económica, moral e social.
O movimento da população, em 1959, dos distritos em que a ruralidade é mais acentuada (Bragança e Guarda) ilustra o asserto.
Bragança (1959):
Saldo fisiológico.......... 3 942
Emigrantes:
Para o estrangeiro . . 1 787
Para o ultramar .... 1 293 3 080
Saldo líquido............ 862
Percentagem de emigração sobre o saldo fisiológico......... 78,1
Guarda (1959):
Saldo fisiológico.......... 3 077
Emigrantes:
Para o estrangeiro ... 1 992
Para o ultramar .... 1 084 3 076
Saldo líquido............ 1
Percentagem de emigração sobre o saldo fisiológico......... 99,9

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
QUADRO N.° 34
Emigração por distritos
[Ver Diário Original]
A frequência emigratória (emigrantes por 1000 habitantes), que no referido ano foi de 0,6 em Lisboa e de 2,3 no Porto, atingiu 6,7 na Guarda, 7,9 em Bragança e 5 em Vila Real.
O desnível de vida entre a população rural e a população urbana não é peculiar ao nosso país.
Nos próprios Estados Unidos, um inquérito realizado em 1947 mostrou que 6 milhões de habitações rurais careciam de ser melhoradas e que 22 milhões de habitantes das zonas rurais não dispunham de abastecimento, de água em condições satisfatórias.
Em França, cerca de um terço das comunas rurais não dispõem, igualmente, de abastecimento de água em boas condições.
Em Portugal, a situação, apesar do esforço desenvolvido nos últimos anos, é idêntica ou pior, dada a conhecida carência dos meios financeiros e dos recursos económicos.
Quanto às sedes dos concelhos, das 273 do continente só 36 aguardavam em 1959 o abastecimento domiciliário, e, destas, 12 traziam obras em curso e 9 tinham incluído o projecto no respectivo plano.
Quanto às povoações rurais, a situação não é tão brilhante.
De 1932 a 1958 foram realizados 8338 abastecimentos de águas, dos quais 1307 de abastecimento domiciliário.
Nos dois últimos anos o ritmo das obras aumentou. Não obstante, ainda existem cerca de 10 000 povoações de mais de 100 habitantes que não dispõem de água em condições satisfatórias, pelo que está em curso o plano de «abastecimento de água às populações rurais», elaborado pelo Governo, de harmonia com o disposto na Lei n.° 2103, de 22 de Março de 1960.
Esta Câmara, ao apreciar a proposta de lei n.° 38, que, aprovada pela Assembleia Nacional, veio a converter-se na referida lei, teve ocasião de pôr em relevo a sua transcendente importância e larga projecção sanitária e social.
Mercê da orientação seguida no Ministério das Obras Públicas e do seu extraordinário activo de realizações, as perspectivas, neste aspecto, são boas.
Ainda não há um século as taxas de mortalidade nas zonas rurais eram mais baixas cerca de 50 por cento do que as verificadas nas cidades. Presentemente são idênticas.
Entre as causas desta aproximação contam-se o baixo nível de educação sanitária, fraco índice de salubridade e de protecção social, ineficácia da assistência clínica.
Já atrás foi apontada a desigualdade existente na distribuição dos médicos em relação à população servida.
Essa desigualdade agrava-se em relação aos médicos especialistas, às parteiras e enfermeiras.
O distrito de Bragança dispõe apenas de dois dentistas e de duas parteiras. Cada enfermeira deve assistir, nos distritos de Vila Real e da Guarda, a mais de 10 000 habitantes.
Os quadros que a seguir se inserem mostram a distribuição dos médicos e dos auxiliares de medicina nos distritos em que a ruralidade é mais acentuada, nas cidades de Lisboa e Porto e ainda nos diferentes distritos.
QUADRO N.° 35
1959
[Ver Diário Original]

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 36
1959
[Ver Diário Original]
Mas, se as populações rurais constituem elementos de estabilidade e de saúde moral, se nas virtudes tradicionais da gente do campo, na sua coragem, resignação, resistência à adversidade, espírito de sacrifício e devoção patriótica, assentam, em grande parte, a própria duração, liberdade e independência da Pátria, parece que é tempo de olhar para elas, esbatendo as diferenças que dividem o País em duas zonas distintas.
Com idêntica finalidade, incluiu-se na Lei de Autorização das Receitas e Despesas para 1961 o artigo 17.° e definiu-se no relatório que precedeu a respectiva proposta o triplo objectivo de bem-estar rural:
a) Melhorar a produção e aumentar os recursos da população, de forma a tornar possível uma mais rápida elevação do seu nível de vida;
b) Transformar o quadro rural, de maneira a torná-lo estável, na medida em que consiga dotá-lo do mínimo de facilidades e de comodidades que as cidades oferecem;
c) Levar a cabo, paralelamente à acção económica e técnica, uma educação social da população, a fim de a adaptar às novas normas impostas pelo progresso.
Esta Câmara tem tido ocasião de apreciar várias propostas e projectos de lei em que é nítida a preocupação do Governo em atenuar os desequilíbrios regionais.
Ainda recentemente foi submetido à sua apreciação o projecto de decreto-lei n.° 520, relativo à criação, no Ministério da Economia, da Junta de Planeamento Económico Regional.
No relatório que antecede o projecto aponta-se a correcção dos desequilíbrios regionais como um dos

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
objectivos essenciais de todo o plano de expansão económica nacional, a desenvolver segundo directrizes em que se inclui a «progressão da melhoria das condições sociais de vida, por intermédio da política de habitação e de saúde pública e da expansão do ensino e da formação profissional».
Mercê da acção desenvolvida, as condições de vida da maior parte da população rural são totalmente diferentes das que existiam há poucas décadas. Mas, não obstante o muito que se tem feito no sentido de melhorar a situação das populações rurais, a verdade é que a desigualdade em relação à que desfruta a população urbana não só se mantém, como, no aspecto sanitário, se tem agravado.
A fuga para as cidades e a excessiva concentração demográfica em certas zonas urbanas são consequências, em parte, dessa desigualdade.
No tocante à assistência médica à população rural, é de esperar que a fórmula preconizada no recente parecer desta Câmara sobre a reforma da previdência social — inscrição progressiva dos trabalhadores rurais e equiparados e respectivas famílias nas caixas regionais de previdência, para o seguro - prestações médicas — possa concorrer para diminuir a apontada desigualdade em relação aos meios urbanos, sobretudo se, paralelamente, se estabelecer uma coordenação eficaz com os serviços e os estabelecimentos de saúde e assistência, dentro da orientação definida pelo referido parecer (ver Actas n.° 128, citada, p. 1299).
Por outro lado, como, no dizer de Winslow, «o mínimo económico é fundamental na resolução dos problemas de saúde», deverão desenvolver-se as zonas rurais e estender à população que as habita a acção do serviço social, em ordem a este estudar os seus problemas de ordem moral, sanitária e social e ajuizar da medida em que a mesma é capaz de os resolver.
36. Não faltam elementos que possam empenhar-se Tia luta em prol da melhoria sanitária da população rural.
Na primeira linha dessa melhoria sanitária estão os subdelegados de saúde, que poderão desempenhar-se cabalmente da sua missão desde que lhes sejam facultados os meios necessários para, além do mais, montarem no hospital sub-regional, nos serviços locais das caixas distritais de previdência, na sede da Casa do Povo ou do partido médico municipal, pequenos centros ou dispensários em que, ao lado da medicina preventiva, se exerça uma acção educativa, designadamente nos aspectos da higiene individual e colectiva, da vigilância da alimentação e da salubridade do meio ambiente. A sua acção será coadjuvada pelos médicos municipais, das Casas do Povo e das caixas de previdência.
E se a política de assistência à população rural prevista no Código Administrativo não deu os frutos que dela era lícito esperar, isso resultou de lhe haver faltado o órgão propulsor susceptível de vencer a inércia de uns, a comodidade de outros e a incompreensão da maior parte.
Por outro lado, não foram asseguradas aos subdelegados de saúde e aos médicos municipais as facilidades de transporte e outras, indispensáveis ao desempenho da sua missão.
Mas a vitória já obtida sobre algumas das endemias rurais convence de que, adoptados e aperfeiçoados à luz da experiência os métodos usados, se pode ir bastante mais longe.
Por isso, vencido o flagelo do sezonismo, os respectivos serviços estão aptos a prestar apoio a uma campanha sanitária que abranja toda a população rural, campanha que é necessário «empreender quanto antes».
Na conferência dos peritos do paludismo da Organização Mundial de Saúde, realizada em Palermo em 1960, chegou-se à conclusão de que os serviços da luta antipalúdica deviam colaborar com os de saúde rural ou ser integrados nestes últimos. Efectivamente, os referidos serviços podem participar activamente na luta contra outras endemias e na protecção sanitária da população rural.
O êxito da campanha dependerá, em grande parte, da forma como se efectivar a coordenação de serviços dependentes de vários Ministérios, das Misericórdias e de outras instituições de assistência, das caixas regionais de previdência e das Casas do Povo, todos, directa ou indirectamente, interessados na defesa da saúde da população rural e na sua protecção social.
O saneamento, a higiene materno-infantil, o combate às doenças transmissíveis, a educação sanitária, devem situar-se na primeira linha das preocupações do organismo ou dos serviços encarregados de orientar a campanha.
Deverá ter-se presente que as coisas mais simples, facilmente aceites pela generalidade da população, são, no aspecto prático, as mais úteis e importantes.
Os serviços afectos à sanidade rural devem integrar-se, quanto possível, nos que já existem localmente, sem prejuízo do indispensável auxílio financeiro e técnico a conceder a estes pelo organismo central. A cooperação local é indispensável.
Quando, nas freguesias ou na sede do concelho, não existam os elementos necessários a uma assistência eficaz, devem aquelas agrupar-se de harmonia com a maior ou menor facilidade de comunicações e identidade dos problemas que lhes respeitem, constituindo pequenos distritos sanitários, em cuja sede se centralizem as actividades da respectiva zona.
A constituição de brigadas móveis especialmente encarregadas do rastreio das endemias, das vacinações colectivas e da educação sanitária da população afigura-se fundamental.
Elas constituiriam ainda a força 1 disposta a correr a qualquer ponto do território em que aparecesse algum surto epidémico ou em que fosse necessária a sua presença, atento o agravamento de qualquer das taxas de mortalidade ou de morbilidade.
B) Assistência hospitalar
37. Entre nós, como nos outros países, a necessidade de recolher e cuidar dos pobres que não disponham de meios para o seu tratamento em casa levou à criação dos hospitais.
Estes apareceram sob os nomes mais diversos — albergues, albergarias, hospícios, hospitais, etc. —, mas com finalidade idêntica: dar agasalho e tratamento aos doentes, peregrinos, viandantes e a toda a espécie de miseráveis, condenados a perecer à míngua, se não houvesse quem os socorresse.
A medida que as técnicas médicas e cirúrgicas se desenvolviam e se reconhecia o carácter contagioso de certas doenças, especializaram-se os hospitais, tanto pela necessidade de isolar os doentes do meio em que viviam como pela conveniência de empregar no seu tratamento certos métodos que nem sempre podiam ser utilizados no domicílio.

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Ao lado da evolução das ciências médicas, a elevação geral do nível económico e cultural da população, a melhoria das instalações hospitalares e a humanização dos seus serviços foram outros tantos factores que contribuíram para transformar o ambiente do hospital, que, começando por recolher e tratar apenas os pobres —doentes agudos, crónicos, velhos e inválidos, pouco a pouco estende a sua acção a todas as classes da população e passa a desempenhar papel decisivo na cura das doenças.
Os pequenos estabelecimentos instalados em casas modestas, com uma ou duas dezenas de camas, a que cabiam mais as funções de hospício do que as de hospital, continham em embrião os modernos hospitais, dotados de algumas centenas de camas e de instalações e serviços, cujo custo monta a dezenas ou centenas de milhares de contos, que prestam assistência em regime de internamento e ambulatório a milhares de doentes por ano e que se propõem estender a sua acção ao próprio domicílio do doente, em ordem a evitar a saída deste do meio familiar.
Mas a evolução do conceito de hospital não fica por aqui. Se a sua primeira finalidade consistiu em recolher os pobres e curar a doença, ao lado dela foi reconhecida a vantagem de exercer larga acção recuperadora, procedendo, sempre que se torne necessário, à readaptação funcional dos doentes, por forma que estes, uma vez saídos do hospital, possam ocupar-se em actividade compatível com as suas forças e aptidão.
Por outro lado, dada a interdependência da medicina curativa e preventiva, entendeu-se que esta não devia continuar a ser apanágio, no que respeita à execução, de órgãos especializados, porquanto os hospitais estão em condições de exercer larga acção no rastreio e combate às doenças através dos seu serviços de isolamento, de investigação e de diagnóstico, como também podem servir de centros de apoio a brigadas móveis constituídas com esse fim.
Neste aspecto o hospital sub-regional e o centro de saúde deverão funcionar como se constituíssem uma única unidade.
Por último, o hospital constitui o meio mais adequado não só ao ensino e à investigação médica, como ao desenvolvimento das técnicas de serviço social, dados os reflexos da doença na economia e estabilidade da família.
Em conclusão: ao hospital, na medida da extensão dos seus serviços e da categoria do pessoal que nele trabalha, compete exercer acção curativa, recuperadora, preventiva e pedagógica, ao mesmo tempo que desempenha larga função social, tanto em relação aos doentes que trata, os quais não devem ser considerados isolados ou fora da família a que pertencem, como ao próprio pessoal.
38. O projecto traduz, de um modo geral, esta concepção de hospital.
Tudo está em que a mesma não seja interpretada por forma a conduzir a exageros ou a extremismos perigosos que não se coadunam com o nosso modo de ser.
Não pode perder-se o sentido da justa medida.
O facto de se dizer que a primeira finalidade do hospital é curar os doentes não significa, evidentemente, que todos os doentes devam ser ali internados. Por forma alguma.
Nos aspectos moral, familiar e social só há vantagem em que o doente seja tratado no domicílio e em regime de clínica individual ou familiar.
O internamento hospitalar reservar-se-á para aqueles casos que envolvam intervenções que se nos hospitais podem ser feitas, ou exijam elementos de diagnóstico ou ainda cuidados que só estes estabelecimentos estejam em condições de fornecer ou dispensar.
O hospital é o complemento natural da clínica individual e da medicina organizada. Se o médico rural tiver possibilidade de tratar os seus doentes no hospital, este facto fará aumentar a sua influência como médico de família.
Por isso deve pôr à disposição de qualquer médico, e não unicamente dos médicos dos seus quadros, o conjunto de meios de que dispõe, no sentido de completar, com os seus serviços, a experiência e a observação do médico do consultório.
Como a grande maioria dos doentes pode ser tratada em casa, a acção do médico de clínica individual e do seguro social é indispensável e insubstituível.
Este é o juiz da necessidade de internamento, conforme o desenrolar da doença e as próprias circunstâncias económicas, sociais e familiares que concorrem no doente ou constituem o seu ambiente natural.
Simplesmente, no período de demissões individuais e colectivas que vivemos, têm os médicos que prevenir--se contra a tendência de fugir ao que é essencial na profissão — o acto médico —, enviando para os hospitais e casas de saúde os doentes que são chamados a tratar, quando, as mais das vezes, o seu tratamento podia ser feito em casa sem qualquer inconveniente.
39. Quando D. João II extinguiu 43 hospitais de Lisboa para criar o hospital que mais tarde se havia de chamar Hospital de Todos-os-Santos, deu-se o primeiro passo no sentido da organização hospitalar do País.
Uma concentração de meios financeiros, de técnicas e de pessoal pôs termo, quanto a Lisboa, à pulverização de instituições que em pequena escala, por forma dispersa e fragmentária, exerciam a mesma actividade.
Que o exemplo frutificou mostram-no, entre outros, os hospitais de Coimbra, Évora e Santarém, também criados pela concentração de diversas instituições.
Em 1498 foi criada a Misericórdia de Lisboa, a que se seguiram muitas outras, as quais, consignando embora nos respectivos compromissos como fim a realização das diferentes obras de misericórdia, desde logo dedicaram especial atenção e carinho à assistência aos doentes.
Daí a fundação de numerosos hospitais, e tantos foram que, com excepção de Lisboa e Coimbra, pode dizer-se que a assistência hospitalar do País assentava quase exclusivamente na benemerente acção das Misericórdias.
Mas, se os recursos destas instituições, em consequência das leis de desamortização e de outras causas, não eram suficientes para fazer face aos respectivos encargos, a situação agravou-se com o encarecimento dos cuidados médicos, por virtude de novas terapêuticas e. modernas técnicas.
Por outro lado, cada hospital vivia sobre si, isto é, contava exclusivamente com as suas instalações, pessoal e serviços, sem qualquer ligação com estabelecimentos ou serviços da mesma natureza e finalidade.
40. Para pôr cobro a esta situação o Governo elaborou e submeteu à apreciação da Assembleia Nacional uma proposta de lei que, depois de parecer desta Câmara, veio a converter-se na Lei n.° 2011, de 2 de Abril de 1946.

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«Pela primeira vez» — escreveu-se no referido parecer — «lançam-se as bases de uma organização geral de assistência hospitalar do País, de forma a garantir com uma rede de centros sanitários o socorro médico e cirúrgico e o tratamento de urgência que os acidentes e a doença reclamam».
Assim foi efectivamente. A organização hospitalar, nos termos da referida lei, abrange todo o País, cobrindo-o com uma rede de hospitais devidamente hierarquizados quanto às funções que lhes competem.
Criaram-se três zonas hospitalares, com sede em Lisboa, Porto e Coimbra, divididas em regiões e estas em sub-regiões.
Aceitando em princípio a divisão administrativa, deu-se, todavia, à organização hospitalar a maleabilidade suficiente para que fossem tidos em conta os usos dos povos, as condições de geografia ou de vida locais e as facilidades de acesso.
Em cada zona, um ou mais hospitais centrais asseguram não só a assistência hospitalar da respectiva região, mas ainda a assistência mais qualificada das regiões nela integradas e que os hospitais regionais não possam prestar.
Também, como formações sanitárias dos centros universitários, exercem funções pedagógicas, proporcionando vasto campo ao ensino e à investigação científica.
Nas regiões e sub-regiões cabe aos hospitais regionais e «ub-regionais assegurar na respectiva área, escalonadamente, a assistência médica e cirúrgica.
Foram ponderados não só os aspectos quantitativos da organização, através de fórmulas indicativas do número de camas a atribuir a cada hospital, mas ainda a própria composição qualitativa dos hospitais, pela enumeração dos serviços gerais e especializados que devem existir em cada escalão (bases VII a XVI da Lei n.° 2011).
E, se o problema da construção ou remodelação dos hospitais aparece no primeiro plano das preocupações do legislador de 1946, por ser, na ordem cronológica, o primeiro a encarar, nem por isso a lei deixou de estabelecer certos princípios e regras gerais quanto ao financiamento (base XIX) e ao recrutamento do corpo clínico.
Ainda na base XXIII se aponta a necessidade de regular por diploma especial a organização administrativa e o funcionamento dos hospitais, a preparação técnica, o modo de recrutamento e de acesso do pessoal dentro dos respectivos quadros.
Esta base foi redigida em perfeita concordância com o relatório da respectiva proposta, em que se escreveu:
Mas é evidente que a construção de novos hospitais e a modificação da sua orgânica serão insuficientes para assegurar a assistência hospitalar, se as mesmas não forem acompanhadas da preparação e recrutamento do pessoal técnica e moralmente idóneo para o desempenho das difíceis e delicadas funções de directores e executores dos serviços hospitalares.
A reorganização hospitalar só será frutuosa na medida em que o hospital se torne um centro de solidariedade humana, em que o pessoal veja no doente não um paciente designado por um número, mas um ser humano que necessita de cuidados especiais, dispensados com tanto maior carinho quanto maior for a sua fraqueza para reagir contra as faltas ou negligências do mesmo pessoal.
41. A execução da Lei n.° 2011, ma parte relativa à construção e melhoramento dos edifícios, ficou entregue à Comissão de Construções Hospitalares, prevista na base XXI da Lei n.° 2011 e regulamentada pelos Decretos-Leis n.ºs 35 621, de 30 de Abril de 1946, e 41 497, de 31 de Dezembro de 1957.
A base da referida lei programou uma primeira fase de dez anos, durante a qual seria inscrita anualmente no orçamento da despesa extraordinária do Ministério das Obras Públicas e posta à disposição daquela Comissão a dotação de 50 000 contos, pelo menos.
A Comissão procedeu à visita de todos os estabelecimentos hospitalares das sedes dos distritos e das localidades onde, em princípio, supunha deverem funcionar futuros hospitais regionais.
Foram contratados técnicos para a elaboração de vários projectos de edifícios novos: Viana do Castelo, Bragança, Castelo Branco, Portalegre, Beja, Faro e Ponta Delgada.
A própria Comissão tomou a seu cargo os projectos de remodelação e ampliação dos de Braga, Viseu e Évora, além dos do grupo dos Hospitais Civis de Lisboa — S. José, D. Estefânia, Santa Marta e Curry Cabral.
Dados os encargos financeiros com a construção e equipamento dos Hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e de S. João, no Porto, não foram postas à disposição da Comissão as verbas prevista na referida base, mas «outras de quantitativo inferior.
Isto levou a Comissão a suspender os estudos em curso, que só retomava à medida que iam sendo inscritas as dotações correspondentes.
E, como se tivesse verificado não ser possível o aproveitamento das escassas dotações do Fundo de Desemprego atribuídas a obras hospitalares para a construção de novos hospitais regionais, quer por se tratar de obras muito dispendiosas, quer por as Misericórdias respectivas não poderem dar contrapartida às comparticipações, voltou-se a Comissão para os hospitais sub--regionais, mais simples e mais baratos, aproveitando todas as oportunidades de utilizar os recursos locais, tanto em complemento financeiro como em assistência técnica.
A obra realizada nestes hospitais sub-regionais avalia-se bem pelos números seguintes: 61 edifícios projectados e construídos de raiz, totalizando 1736 camas; 39 grandes remodelações e ampliações; 11 obras novas e 4 remodelações em curso neste momento.
Nos próprios hospitais regionais foi possível aproveitar circunstâncias locais favoráveis e construir os de Setúbal, Angra do Heroísmo e Mirandela (l.a fase). Houve também oportunidade de ampliar com novos blocos de internamento, num total de 456 camas, os hospitais regionais de Braga, Aveiro, Évora, Viseu, Lamego e Horta.
Os postos de socorros e consultas construídos de novo foram oito e os remodelados seis. Alguns destes postos possuem reduzido número de camas para hospitalização.
Nos hospitais centrais a Comissão apenas procedeu à remodelação dos Hospitais de D. Estefânia e Santa Marta, em Lisboa, mas interveio largamente em muitos outros estabelecimentos hospitalares, quer dirigindo construções novas, quer grandes ampliações e melhoramentos.
O custo das obras realizadas e do equipamento adquirido avalia-se pelos números seguintes:
1 a Contos
Dotações inscritas no Orçamento Geral do Estado............... 69 959
A transportar..... 69 959

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Transporte...... 69 959
Importâncias postas à disposição da Comissão............... 12 524
Em regime de comparticipação com as Misericórdias ............. 242 285
Total........ 324 768
A Comissão Administrativa dos Novos Edifícios Universitários concluiu a edificação dos hospitais escolares de Lisboa e Porto, com capacidade para 2600 camas, em cuja construção e equipamento se despenderam cerca de 800 000 contos.
Por outro lado, pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, nos anos de 1939 a 1959, foram gastos em obras de construção, conservação, equipamento e mobiliário de estabelecimentos hospitalares 278 709 contos.
Quer dizer: nos últimos vinte anos foram gastos cerca de 1 500 000 contos no apetrechamento hospitalar geral e no especial (sanatórios, maternidades, hospitais psiquiátricos, etc).
42. No que respeita aos estabelecimentos e camas destinadas à assistência hospitalar geral, a situação actual e a sua evolução, nas três últimas décadas, pode resumir-se assim:
Em 1928 existiam 6500 camas nos hospitais gerais.
Em 1940, segundo o Anuário Estatístico, esse número subira para 16 910 camas, distribuídas pelos 321 hospitais civis existentes no continente e ilhas, compreendendo nesta categoria 27 casas de saúde privadas.
Destes, informa ainda o referido Anuário, só 64 possuíam instalações de raios X, incluindo nesse número 21 de Lisboa, Coimbra e Porto.
Dez anos depois, em 1950, os hospitais gerais dispunham de 19 054 camas, número que em 1960 ascendera a mais de 25 000, incluindo as das casas de saúde particulares e as das que estão a cargo dos organismos corporativos.
Se, em 1940, apenas 43 hospitais gerais dispunham de instalações de raios N, em 1960, 263 dispunham desse meio de diagnóstico, 276 de agentes físicos, 69 de laboratórios de análises clínicas e 308 de serviços de urgência.
Se compararmos estes números com os referidos no parecer desta Câmara sobre o Estatuto de Assistência Social ou ainda com os de 1946, data da publicação da Lei n.° 2011, verificar-se-á o grande caminho percorrido.
E a diferença não vai tanto na quantidade das camas como na qualidade das instalações e dos serviços e até do pessoal que os executa.
A substituição de velhos conventos e de casas que não reuniam o mínimo de condições, e onde por vezes tudo faltava, por novos edifícios concebidos e projectados, tendo em atenção o fim a que se destinavam, onde as facilidades de trabalho e a comodidade dos doentes não receiam confronto com os que oferecem os estabelecimentos estrangeiros, o acréscimo do número de doentes tratados e os resultados obtidos constituem verdadeiramente o saldo destes quinze anos de acção hospitalar.
43. Ao lado do esforço realizado na construção e no melhoramento dos edifícios hospitalares, há que registar o acréscimo da comparticipação financeira do Estado nas despesas de funcionamento dos hospitais, tanto oficiais como particulares, nos termos que constam do quadro seguinte:
QUADRO N.° 37
Subsídios atribuídos através da Direcção-Geral da Assistência a estabelecimentos hospitalares
[Ver Diário Original]
Em 1960 os hospitais centrais (Hospitais Civis de Lisboa, Hospital de Santa Maria, Hospitais da Universidade de Coimbra, Hospital de S. João e Hospital de Santo António) receberam subsídios no montante de 219 029 639$50, ao passo que os hospitais regionais e sub-regionais, no mesmo ano e com um número de camas superior, quando consideradas em conjunto, receberam apenas 13 625 752$70 e 21 291 466$70, respectivamente, ou seja o total de 34 917 229$40.
44. Terá a eficiência dos hospitais acima construídos e financiados correspondido ao esforço realizado? Comecemos pelos hospitais centrais.
QUADRO N.° 38
Hospitais centrais
[Ver Diário Original]
A análise deste quadro revela o crescendo de rendimento técnico dos hospitais centrais.
Através de uma taxa de ocupação altíssima, que em 1957 chegou a 99,11 por cento e teve ligeiro alívio nos anos seguintes, por virtude da abertura do Hospital de Santa Maria e da redução progressiva da demora média, o número de doentes tratados em regime de internamento ó cada vez maior, como se vê do quadro seguinte:
QUADRO N.º 39
Doentes internados
[Ver Diário Original]

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
Efectivamente, a demora média dos doentes internados evoluiu da forma seguinte por períodos quinquenais
QUADRO N.° 40
Demora média (dias)
[Ver Diário Original]
Os índices de ocupação verificados, todos superiores a 90 por cento, e o número de doentes tratados mostram que os hospitais centrais têm cumprido o seu dever para com a Nação.
Ainda que a demora média de hospitalização tenha baixado por forma a que presentemente é idêntica à que se verifica em França, há ainda necessidade de a reduzir, atentas as consequências que daí resultam: admissão de maior numero de doentes, sem o correspondente aumento do número de camas.
Passemos agora aos hospitais regionais e sub-regionais.
QUADRO N.° 41
Hospitais regionais
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 42
Hospitais sub-regionais
[Ver Diário Original]
Do exame dos quadros referidos e dos números deles constantes tiram-se algumas conclusões:
A primeira é de que aumentou o número de camas e o de doentes hospitalizados por ano e assistidos diariamente.
A demora média, que em 1946, como foi referido no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei n.° 2, relativa à organização hospitalar, ultrapassava 30 dias, não excedeu, em 1959, 21,6 dias nos hospitais centrais, 15,77 nos hospitais regionais e 19,16 nos hospitais sub-regionais.
Como consequência dessa baixa, só nos Hospitais Civis de Lisboa foram tratados, em 1959, 69 158 doentes, quando o seu número não excedera 50 730 em 1950.
Nos hospitais regionais e sub-regionais a percentagem de aumento dos doentes tratados é mais elevada, porquanto, em relação a eles, se verificou não só a baixa da demora média, mas o aumento substancial do número de camas. Só a partir de 1950 esse aumento foi de 1067 camas nos hospitais regionais e de 1191 nos hospitais sub-regionais.
E, ainda que a taxa de utilização baixasse, a existência média diária de doentes aumentou de 506 nos hospitais regionais e de 1339 nos hospitais sub-regionais.
São cerca de 2000 doentes a mais por dia, ou seja, atenta a baixa da demora média, mais de 36 000 doentes por ano que recebem assistência nos hospitais regionais e sub-regionais em relação aos que a poderiam receber, mantendo-se as condições referidas no aludido parecer.
Como estes factos são do conhecimento geral e público, não se pode deixar de considerar estranha a afirmação de que nos últimos anos a situação hospitalar, longe de melhorar, se agravara e de que as palavras constantes do parecer desta Câmara, em que se chamava a atenção para a circunstância «de as médias habituais em outros países girarem em torno de 15 dias de hospitalização por doente, enquanto nos nossos hospitais ultrapassavam 30 dias», podiam ainda ser hoje escritas com igual exactidão.
A crítica procedia se, em vez dos termos em que foi formulada, incidisse sobre o não aproveitamento, em média, de cerca de 5000 camas dos hospitais regionais e sub-regionais.
Situação a que urge pôr termo, a mesma filia-se, em grande parte, na falta de recursos financeiros das Misericórdias que têm a seu cargo os referidos hospitais.
Na verdade, como já atrás se referiu, ao passo que aos hospitais centrais, com uma existência média diária de 6636 doentes, foram atribuídos em 1960, pela Direcção-Geral da Assistência, 219 000 contos de subsídios, o auxílio às Misericórdias, que têm a seu cargo hospitais regionais e sub-regionais, com existência média diária de 7420 doentes, não chegou a 35 000 contos.
No corrente ano a desproporção agravou-se, porquanto foram atribuídos os subsídios ordinários seguintes:
Hospitais centrais....... 209 700 000 $00
Hospitais regionais...... 12 038 000$00
Hospitais sub-regionais .... 13 455 000 $00
Tendo em conta a existência média diária de doentes em cada uma das referidas categorias de hospitais — centrais, regionais o sub-regionais —, verifica-se que, por cama utilizada, foram concedidos os seguintes subsídios:
Hospitais centrais, por cama .... 31 600$00
Hospitais regionais, por cama .... 4 200$ 00
Hospitais sub-regionais, - por cama . . 2 900$00

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Quer dizer: os hospitais regionais e sub-regionais receberam, por cama utilizada, subsídios no montante de cerca de 7 e 11 vezes menos, respectivamente, do que os hospitais centrais.
Esta desigualdade de tratamento explica, só por si, a baixa taxa de ocupação, dadas as dificuldades financeiras com que as Misericórdias se debatem, em consequência de não disporem de recursos suficientes para fazer face aos crescentes encargos da assistência hospitalar.
Assim, de pouco valerá consignar na lei (base IX do projecto) que às Misericórdias deve competir o primeiro lugar na actividade hospitalar e assistencial dos concelhos, se paralelamente lhes não forem atribuídos os meios financeiros necessários ao cumprimento dessa obrigação, bem como a possibilidade de recrutarem o pessoal técnico indispensável.
Dada a natureza dos serviços prestados, o custo da diária e o facto de se tratar, com excepção do Hospital de Santo António, de estabelecimentos oficiais, compreende-se perfeitamente que aos hospitais regionais e sub-regionais sejam atribuídos subsídios de montante bastante inferior aos concedidos aos hospitais centrais.
Tudo, porém, que exceder a diferença de 1 para 4 e de 1 para 5, conforme se tratar de hospitais regionais ou sub-regionais, pode ofender a justiça distributiva e contrariar a política que visa a descentralização da assistência e a valorização, no plano regional, das instituições que a prestam.
45. A Câmara Corporativa, ao apreciar o projecto de proposta de lei n.° 518, de autorização das receitas e despesas para o ano de 1961, teve ocasião de salientar a necessidade de descentralizar a assistência, estendendo aos hospitais regionais e sub-regionais o plano de reapetrechamento previsto no artigo 12.° da referida proposta.
Assim, lê-se no parecer: «É intento do Governo, consoante se lê neste artigo, iniciar em 1961 a execução de um plano de reapetrechamento dos hospitais, de modo que estes possam cumprir eficientemente a sua função assistencial.
A Câmara Corporativa dá O' seu caloroso aplauso a tal programa, que, além do mais, vai ao encontro do voto por ela formulado no parecer de 1959, rio sentido de se acrescerem, substancialmente, as dotações destinadas à saúde pública e à organização hospitalar, a fim de que o País possa dispor, no mais curto prazo possível, de uma eficiente e completa rede de serviços de combate à doença em geral, no seu tríplice aspecto de prevenção, tratamento e reabilitação.
Como é sabido, o hospital assume, na moderna política sanitária, um papel dominante.
Os progressos do diagnóstico e da terapêutica, exigindo a cooperação de técnicas especializadas e cada vez mais complexas, colocaram o médico isolado em manifestas condições de inferioridade quanto aos meios de acção. A medicina passou a ser essencialmente uma actividade de grupo e o hospital ascendeu à posição de verdadeiro centro de saúde.
A maior parte dos nossos hospitais, sem embargo da notável obra de construção de novas unidades em todo o País, não está tecnicamente dotada dos meios indispensáveis ao desempenho da sua alta missão.
0 plano de reapetrechamento e modernização técnica agora anunciado revela-se, pois, como um imperativo inadiável.
Quanto ao seu âmbito, crê-se que esse plano deverá abranger não só os hospitais centrais, como também as unidades regionais e sub-regionais. Só o desenvolvimento do nível técnico destas últimas — em toda a medida permitida pelos recursos locais no que respeita ao pessoal médico e auxiliar — permitirá descentralizar a assistência e ocorrer ao grave problema da concentração crescente dos doentes de todo o País nos três grandes centros hospitalares».
De harmonia com a proposta e o parecer desta Câmara, a Lei n.° 2106, de 21 de Dezembro de 1960, firma o propósito em que está o Governo de iniciar no corrente ano um plano de reapetrechamento de hospitais, o que leva esta Câmara a repetir agora o que então escreveu: «A Câmara Corporativa, e com ela o País, aguarda com o maior interesse os fecundos resultados que são de esperar do programa contido neste preceito».
C) Doenças e anomalias mentais
46. Em entrevista recentemente publicada no Jornal do Médico, o Sr. Ministro da Saúde e Assistência declarou que «o problema sanitário ou assistencial que neste momento mais o preocupava era o da saúde mental».
As suas preocupações são partilhadas por quantos se debruçam sobre este problema, visto o estudo do mesmo haver levado à conclusão de que «o aumento do número de doentes mentais é constante de há um século a esta parte».
As causas desse acréscimo são conhecidas: traumatismos físicos e morais, hereditariedade, materialismo, desarmonia, inquietude, insegurança, fadiga, desconfiança, desadaptação e pessimismo.
A vida trepidante de hoje não só está aberta a todas as sugestões nocivas, como é extraordinariamente propícia à criação de todos os estados de insatisfação.
O excesso, a falta de moderação e de medida parecem ser uma das características fundamentais do nosso tempo: no automatismo do trabalho, na velocidade, na alteração de hábitos, nas aspirações, na alimentação, nos prazeres e nos desportos.
Uma das consequências do progresso técnico foi a aceleração do ritmo social.
Todos participamos, activa ou passivamente, em profundas transformações económicas e sociais que anteriormente só se processavam através de muitas gerações.
As noções de estabilidade, permanência, segurança, continuidade, conformidade, resignação, como que desapareceram do Mundo de hoje.
As perspectivas abertas à nossa geração são diferentes das proporcionadas aos nossos pais e das que hão-de oferecer-se à geração dos nossos filhos, se não diminuir o actual ritmo de aceleração do progresso material.
E, porque as pessoas não acompanharam espiritualmente esse ritmo, quebraram-se os quadros tradicionais, geraram-se conflitos, enfraqueceram-se os laços familiares, perdeu-se o equilíbrio afectivo e social nas famílias, diminuindo o papel destas na educação e formação moral dos filhos e na estabilidade dos lares.
As tensões, as nevroses, os estados de loucura, são em grande parte, o fruto da ansiedade, da insatisfação, do desvairamento, da desordem e da confusão da época que atravessamos.
Ora, quanto mais o Mundo se mostrar perturbado e agressivo, tanto maior será a necessidade de cultivar as virtudes tradicionais de paz na consciência e no lar; de serenidade, de equilíbrio e de simplicidade na vida;

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de sobriedade na alimentação, nos prazeres e nos desportos; de moderação nas ambições e nos apetites; de confiança e de optimismo no futuro.
Só assim se poderão obter as condições necessárias ao equilíbrio da personalidade e à participação do homem nas modificações do meio social ou físico, sem perturbações nervosas ou emocionais.
A protecção da saúde mental interessa a todos, e não apenas aos estabelecimentos e médicos especializados.
Interessa às famílias, através da sua estabilidade e coesão, tão certo é que as desuniões familiares são factores de desordens mentais.
Interessa aos professores, cuja acção deverá completar a da família, tanto na formação e educação como na correcção de pequenos desvios de comportamento das crianças normais ou irregulares.
Família, professores, médicos, assistentes sociais e auxiliares sociais, visitadoras sanitárias devem unir-se para velar pelo desenvolvimento equilibrado das crianças, tanto no aspecto físico como no psíquico, dada a sua interdependência — mens sana III corpore sano.
Interessa às empresas, através da adaptação das técnicas ao homem e deste às novas técnicas, pois determinado índice de inadaptação pode ocasionar acidentes nevróticos.
Interessa aos sanitaristas, zeladores da higiene sob todas as formas: da alimentação, da habitação, do trabalho, do repouso, da salubridade e da calma do meio ambiente.
Interessa, finalmente, aos médicos de clínica geral e a todos os que lutam contra os flagelos sociais: doenças infecciosas e venéreas, prostituição, tuberculose, alcoolismo, pois qualquer deles é susceptível de alterar a saúde mental.
Entre mós, o quadro da saúde mental não se apresenta com as cores sombrias de tantos outros países, o que não quer dizer, evidentemente, que o problema não se situe entre aqueles que merecem especial atenção e estudo.
Em Portugal, como lá fora, ao lado de homens que não sofrem de perturbações nervosas ou mentais e com capacidade de adaptação aos climas, às actividades e às mais diversas circunstâncias da vida, há outros que não resistem aos factores agressivos do meio ou que trazem no sangue as causas das suas perturbações psíquicas.
Os doentes mentais, como os doentes do corpo, são de todos os tempos, mas as primeiras notícias do seu tratamento em Portugal remontam apenas a 1539.
Em 1848 fundou-se o Hospital de Rilhafoles, actual Hospital Miguel Bombarda, que foi o primeiro estabelecimento destinado exclusivamente ao tratamento de loucos.
Três anos depois, em 1851, foi publicado o primeiro regulamento deste Hospital e regulada a admissão dos doentes mentais.
Começou por essa altura a organização, entre nós, da assistência psiquiátrica em bases técnicas e científicas.
No entanto, no seu "conjunto, a referida assistência só veio a ser regulada pela Lei de 4 de Julho de 1899 (Lei Sena), que criou um fundo de beneficência destinado a esta modalidade.
Pelas receitas desse fundo seriam construídos quatro manicómios, asilos para oligofrénicos e enfermarias anexas aos estabelecimentos penitenciários. A verdade, porém, é que nenhum dos estabelecimentos previstos na lei se construiu.
Não logrou melhor sorte a reforma de 1911, que autorizou o Governo a edificar sete novos manicómios e criou dez colónias agrícolas para assistência aos alienados incuráveis e válidos, ao mesmo tempo que regulava, técnica e administrativamente, este «abandonado serviço público».
Também, com base nesta reforma, não se abriu qualquer manicómio ou colónia agrícola, porquanto desde 1899, data da publicação da Lei Sena, a 1942, se abriram no continente apenas quatro estabelecimentos de assistência particular, fundados por ordens religiosas — as Casas de Saúde do Telhai, Idanha, Barcelos e Braga.
Em 1942 procedeu-se à inauguração do Hospital Júlio de Matos.
A abertura do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira veio preencher uma lacuna no domínio da assistência psiquiátrica infantil. Estabelecimento dependente do Ministério da Educação Nacional, compete-lhe a observação e classificação das anomalias mentais e o estudo e tratamento das crianças e adolescentes anormais ou difíceis de educar.
Na assistência psiquiátrica no nosso país a Lei n.° 2006, de 11 de Abril de 1945, constitui verdadeiro marco miliário.
As principais inovações desta lei podem resumir-se pela forma seguinte:
a) Instituição do regime aberto para o internamento de doentes mentais;
ò) Criação de dispensários de higiene mental, com funções preventivas (no campo da higiene e profilaxia mentais) e curativas;
c) Abertura de novos estabelecimentos e melhor aproveitamento dos existentes, criando nestes as condições que permitissem a terapêutica ocupacional, a ludoterapia e a socioterapia.
Ao abrigo desta lei criaram-se os Dispensários Centrais de Lisboa, Porto e Coimbra e o Dispensário Regional de Faro, estando em organização o do Funchal. Destes dispensários partem brigadas móveis que asseguram o funcionamento de 42 postos de consulta, os quais levam a todo o País a assistência aos doentes mentais, ao mesmo tempo que exercem larga acção profiláctica.
Ainda como resultado desta lei, pode ser apontado o número de camas existentes e de doentes tratados à data da sua publicação e actualmente.
Assim:
Em 1944 havia: camas
a) Em estabelecimentos oficiais . . 1 783
b) Em estabelecimentos particulares 2 340
Total........ 4 123
Em 1960 existiam:
a) Em estabelecimentos oficiais . . 3 934
b) Em estabelecimentos particulares 4 381
Total........ 8 315
Em 1944 foram assistidos:
Poentes
Em regime de internamento (só nocontinente)........... 3 640
Em regime ambulatório...... 7 455

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Em 1960 foram assistidos: Doentes
Em regime de internamento .... 7 146 Em regime ambulatório...... 39 509
E, como índice de desenvolvimento que os estabelecimentos psiquiátricos tiveram desde 1945, é singularmente expressiva a indicação das verbas afectas pelo Estado a esta modalidade de assistência:
Em 1944 ........... 7 500 000$00
Em 1960 ........... 50 871 000$00
Em 1961 ........... 52 500 000$00
47. Apesar do caminho percorrido, a luta contra as doenças e anomalias mentais continua a ser, entre nós, como na generalidade dos países civilizados, se não o mais grave, pelo menos um dos mais graves problemas de saúde.
Isto resulta do elevado grau de incidência destas doenças — «no mundo contemporâneo o homem morre menos, mas endoidece mais» — e dos seus reflexos na ordem sanitária, económica e social.
A França conta com mais de 1 000 000 de doentes mentais; destes, estão internados 100 000 e ©m cada ano dão entrada 5000 nos hospitais psiquiátricos, que se encontram superlotados.
Faltam 40 000 camas e, tendo em conta o aumento contínuo da morbilidade, em breve serão necessárias mais de 60 000, o que elevaria para 160 000 o número de camas afectas naquele país aos doentes mentais.
Em Portugal o censo relativo a 1940 revelou-nos a existência de 14 231 doentes mentais. (7750 varões e 6462 fêmeas), quando o anterior acusava apenas 7800.
O censo de 1950 é omisso quanto ao número de loucos, mas, tendo em atenção o censo de 1940 e o aumento da população, aquele deve andar por 16 000.
Isto quanto, aos declarados e publicamente reconhecidos como tais.
Não estão incluídos, pois, naquele número os portadores de psiconeuroses graves ou ligeiras, que constituem a enorme legião dos doentes deste foro.
O Prof. Pedro Polónio, em trabalho recentemente publicado, calcula em 4 por mil a proporção' dos doentes mentais sobre a totalidade da população, o que corresponde aproximadamente ao dobro do número apurado nos últimos censos, sem contar com a grande percentagem dos neuróticos carecidos de assistência médica.
Do referido trabalho respigamos alguns números relativos às camas ocupadas com doentes mentais e ao custo da assistência que lhes é prestada em determinados países.
Os Estados Unidos, com mais de 700 000 camas destinadas a doentes mentais (camas que todos os anos aumentam de 16 000 unidades), gastam anualmente com a saúde mental 33 000 000 de contos.
O Canadá tem 50 por cento das suas camas ocupadas por doentes mentais.
A Inglaterra destina ao mesmo fim 44 por cento das suas camas hospitalares.
A Suécia, com 7 400 000 habitantes, dispõe de 33 800 camas (5,1 por mil), que perfazem 40,2 por cento das 90 000 camas dos hospitais-suecos. Este país, gastando anualmente 1 375 000 contos com os serviços de saúde, destina 458 000 contas às doenças mentais.
Em Portugal, dado o predomínio da população rural, menos carecida de assistência psiquiátrica do que a urbana, e o facto de a população ser uma das mais jovens da Europa, a incidência da doença é sensivelmente menor.
Entretanto, a industrialização crescente, o deslocamento das populações rurais para os centros urbanos, com as inerentes dificuldades de adaptação a novos ambientes e a novos regimes de trabalho, etc.; a maior duração da vida, trazendo como consequência maior número de doentes idosos a assistir; e ainda a necessidade de não descurar a higiene infantil, obrigam a prestar a maior atenção aos problemas da saúde mental.
Por se ter consciência da gravidade do problema é que foi publicada em 1945 a Lei n.° 2006 e criado em 1958, pelo Decreto-Lei n.° 41 759, o Instituto da Assistência Psiquiátrica.
A este Instituto ficou a competir, «de um modo geral, o superior enquadramento dos estabelecimentos e serviços oficiais, aos quais se atribuiu como fim a acção profiláctica e pedagógica no domínio das anomalias e doenças mentais, e, bem assim, a orientação e fiscalização das iniciativas particulares que se proponham o mesmo objectivo».
Em pouco mais de dois anos de actividade o Instituto procurou resolver alguns pontos que são condição do melhor desenvolvimento da luta contra as doenças mentais.
Anotam-se, principalmente, o estabelecimento de orientação comum no funcionamento de todas as instituições de assistência psiquiátrica e a promoção com uniformidade, da realização de medidas de higiene mental individual e colectiva.
Mas a consequência mais importante da criação do Instituto foi a de possibilitar o estudo, em escala nacional, das necessidades do País e da melhor maneira de as satisfazer.
A gravidade do problema justifica que o Instituto, com a designação actual, ou com a de Instituto de Saúde Mental, alargue as suas funções mos aspectos da prevenção, da educação e da recuperação, pelo menos enquanto não for substituído por outro organismo com idênticas funções.
48. A experiência colhida na execução da Lei n.° 2006 aconselha a que, sem prejuízo da acção nela prevista, nos aspectos profiláctico, terapêutico e pedagógico, e até como seu necessário complemento, se dê o maior desenvolvimento à acção recuperadora, à assistência psiquiátrica infantil, se simplifiquem as normas relativas à hospitalização dos doentes, se melhore o serviço social, se coordenem os serviços de assistência psiquiátrica com os outros serviços, designadamente com os hospitalares e de saúde pública.
Por outro lado, dado o progresso verificado na terapêutica, a noção de asilo psiquiátrico, como estabelecimento destinado ao tratamento, normalmente em regime fechado, das doenças de evolução prolongada, parece ultrapassada, visto actualmente se considerar recuperável uma grande parte dos doentes mentais.
O grau de incidência do alcoolismo e as suas consequências justificam a criação de serviços especiais de desintoxicação e de psicoterapia, os quais podem abranger outras toxicomanias.
49. No que respeita propriamente aos organismos e serviços dependentes ou coordenados pelo Instituto, convém criar ou desenvolver;
a) Os de higiene e profilaxia mental;
b) Clínicas psiquiátricas infantis;
c) Estabelecimentos destinados ao tratamento de neuróticos e epilépticos;

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d) Brigadas móveis que actuem em conjugação
com os centros e dispensários;
e) Clínicas e serviços psiquiátricos a instalar em
hospitais gerais, asilos e em dipensários polivalentes ;
f) Serviços de assistência domiciliária e de colocação familiar;
g) Serviços de recuperação de indivíduos afectados por doença de evolução prolongada.
O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira deverá coordenar a sua acção com a dos mais serviços de psiquiatria, em ordem a assegurar-se o melhor rendimento, tanto na observação, tratamento e recuperação das crianças e adolescentes anormais, como na preparação de pessoal especializado.
Se os organismos e serviços forem criados e postos a funcionar em condições de darem o rendimento que deles é lícito esperar, parece não haver necessidade de aumentar a capacidade dos hospitais especializados em mais de 4000 camas nos anos mais próximos, número este sensivelmente inferior ao preconizado em estudos recentes.
50. Como os princípios da Lei n.° 2006 se têm mostrado eficientes, só há que continuar a projectá-los nos factos, como a Câmara sabe ser pensamento do Governo, com os ajustamentos indispensáveis, através da abertura de novos estabelecimentos da natureza dos nela previstos e da ligação destes com os serviços dos hospitais, postos de consulta e muito especialmente com os dispensários polivalentes.
A acção profiláctica, por meio de activa campanha de higiene mental, tem de estender-se a grande parte da população.
Enquanto o número de camas não for suficiente para o tratamento, em regime de internamento, dos doentes que dele careçam, terá de intensificar-se o tratamento ambulatório, sob a orientação e vigilância dos serviços de dispensários, das consultas externas e brigadas móveis.
A preparação de enfermeiros especializados, com conhecimentos técnicos de trabalhos manuais e da melhor forma de ocupar os doentes, demandou grande esforço, tendo sido contratados enfermeiros especializados suíços, que prepararam e educaram os monitores das nossas escolas de enfermagem psiquiátrica.
É necessário que os frutos deste esforço não se percam, antes pelo contrário: há que intensificar a preparação de enfermeiros, com vista, não só à terapêutica ocupacional, mas ainda à reeducação e reabilitação dos doentes.
Por outro lado, embora o número de médicos especializados em psiquiatria seja hoje superior ao triplo do que era à data da publicação da Lei n.° 2006, o mesmo é ainda manifestamente insuficiente, atenta a necessidade de descentralizar os serviços e de estabelecer consultas de saúde mental em todas as regiões hospitalares do País.
A preparação dos psiquiatras está facilitada, visto que, como notou o Prof. Barahona Fernandes, «a ligação do ensino e da assistência está para a psiquiatria feita muito intimamente e em boas condições», porquanto «os professores das clínicas universitárias têm a possibilidade legal de utilizar para o ensino doentes e outros elementos de todos os outros serviços». Trata-se de uma inovação da Lei n.° 2006 (base v), a que não tem sido dado o devido relevo.
D) Doenças do coração
51. No parecer desta Câmara sobre o Estatuto da Assistência Social afirmava-se que as doenças do coração constituíam um dos grandes problemas médico-sociais. E, para dar ideia da gravidade do mal, indicava-se a mortalidade causada por estas doenças nos anos de 1933 a 1940.
O problema mantém hoje a mesma importância e as doenças do coração continuam a ser uma das mais frequentes causas de morte, como se vê do quadro que segue.
QUADRO N.° 43
Mortalidade por doenças cardiovasculares
[Ver Diário Original]
O número de óbitos por doenças cardiovasculares foi, assim, em 1959, de 26,4 por cento da totalidade de óbitos verificados (97 754), sendo cinco vezes maior que o dos causados por todas as formas de tuberculose (4628), cerca de três vezes o dos causados por tumores malignos (8244) e por pneumonia (7812).
52. Estes números revelam a necessidade de desenvolver larga actividade neste sector. E preciso, como se dizia no citado parecer desta Câmara, reduzir os efeitos da doença, «primeiro profilácticamente, atacando as suas fontes, entre as quais o reumatismo, a sífilis e a arterioesclerose, depois pesquisando, tratando ou facultando o tratamento e orientando profissionalmente o cardíaco».
Os meios de profilaxia e tratamento vão-se mostrando cada vez mais eficazes, sobretudo pela eficiência do novas técnicas cirúrgicas e de novos recursos terapêuticos, pelo que a esperança de cura é cada vez maior e mais justificada.
Hoje, é já possível, quando não obter a cura completa, prolongar a vida das pessoas afectadas destas doenças por 20, 30 anos e até mais.

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53. Mas as doenças do coração não constituem problema exclusivamente médico; têm de ser encaradas também sob o aspecto social, pois não atacam apenas as pessoas idosas. Atingem igualmente o homem na idade em que a sua actividade é mais produtiva.
Faltam, entre nós, estatísticas completas sobre o grau de incidência das doenças do coração relativamente à idade, profissão, etc. Tio entanto, os resultados não podem ser muito diferentes daqueles que se verificam noutros países, e de que dão conta os apontamentos seguintes, extraídos do Boletim da Sociedade Belga de Cardiologia (tomo VIII, 1960, n.ºs 1 e 2).
Em França 4 a 5 por cento dos trabalhadores são atingidos por doenças do coração.
Na Bélgica a percentagem de inválidos por cardiopatia a cargo da «Assurance Maladie-Invalidité» aumentou de 6 por cento em 1946 para 20 por cento em .1955, referindo-se estes 20 por cento a três vezes mais indivíduos do que os 6 por cento verificados em 1946, o que mostra o aumento do número absoluto de doentes entre os trabalhadores.
Um inquérito americano revelou 9 por cento de car-diopatias em indivíduos entre os 30 e os 59 anos em Framingham (Massachusetts) e mais de 12 por cento em indivíduos -entre os 35 e 64 anos em Baltimore.
54. Torna-se necessário, pois, fazer alguma coisa por estes doentes.
Em primeiro lugar impõe-se divulgar a ideia de que, ao contrário do que é corrente pensar-se entre leigos, o cardíaco não está impossibilitado de exercer uma actividade útil.
No seu trabalho «Os doentes do coração sob o aspecto médico-social» o Doutor João Porto indica mais de 160 profissões acessíveis a cardíacos de diversos grupos, o que mostra as largas possibilidades de os empregar, evitando-lhes um repouso forçado, que até no aspecto médico tem efeitos perniciosos.
Em muitos casos é possível encontrar o trabalho que convém ao cardíaco dentro da profissão que vem desempenhando ; outras vezes a solução consistirá numa ocupação diferente, dentro da mesma empresa ou fora dela, ocupação não especializada ou de fácil especialização.
Muitas vezes, porém, terá de haver uma mudança radical de trabalho, o que importa a criação de serviços que proporcionem ao cardíaco a possibilidade de se preparar para o exercício de nova profissão.
Uma sondagem levada a efeito pelo Instituto de Cardiologia Social, envolvendo o estudo de 605 doentes crónicos das consultas de cardiologia de Lisboa, mostrou ser viável a recuperação de 36,53 por cento no exercício da mesma profissão e de 32,23 por cento no exercício de profissão diferente da exercida anteriormente. Contudo, as percentagens de desempregados eram de 22,62 Se existissem serviços especializados de reeducação profissional estes números seriam mais baixos.
Urge, pois, fazer a estimativa da capacidade de trabalho dos cardíacos e desenvolver os processos tendentes à sua reabilitação.
Deverá evitar-se que os cuidados e vigilância médica e os esforços clínicos empregados sejam destruídos por um ritmo de vida e um tipo de trabalho impróprios.
55. A acção profiláctica e terapêutica, a divulgação de princípios, as técnicas de investigação médica e de reabilitação social dos cardíacos terão de ser organizadas, orientadas e prosseguidas por órgãos preparados e dotados das condições que a natureza da tarefa exige.
Esses órgãos terão de utilizar os meios existentes e criar os que faltam ou desenvolver os insuficientes, aproveitando, nomeadamente, as possibilidades que a organização corporativa faculta no aspecto da recuperação para o trabalho, como sugere, na obra citada, o Prof. João Porto, que especialmente se tem dedicado ao estudo do problema médico-social dos cardíacos.
Funcionam, actualmente, além de clínicas de cardiologia, em Lisboa, Porto e Coimbra, o Centro de Cardiologia Médico-Social de Coimbra, criado em 1940, e o Instituto de Cardiologia Social, fundado em Maio de 1957, tendo como fim último a prestação de assistência médico-social aos doentes do coração.
A gravidade do problema e os resultados já obtidos no funcionamento do Instituto e do Centro aconselham não só que se promova o desenvolvimento da sua acção, mas ainda a criação de centros da mesma natureza em outras cidades, articulando os seus serviços com outros que visem a prevenção e cura dos doentes cardíacos ou a sua recuperação profissional e social.
E) Reumatismo
56. Pela sua frequência e gravidade, pelas suas consequências de ordem económica e social, o reumatismo passou a ser considerado no mesmo plano que os outros grandes flagelos sociais.
Nos países que dispõem de estatísticas rigorosas acerca das faltas ao trabalho e suas causas chegou-se à conclusão de que as doenças reumatismais, só por si, são responsáveis por cerca de um décimo da invalidez causada por todas as outras doenças.
Não se apresenta o reumatismo, é certo, com o carácter espectacular de outras doenças, mas, lenta e insidiosamente, infiltra-se no homem, causa-lhe sofrimentos prolongados, torna-o total ou parcialmente inválido para o trabalho.
Na Suíça tem-se como assente que a morbilidade do reumatismo ultrapassa 20 por cento da morbilidade total, ao passo que a da tuberculose não excede 2 por cento.
Se, no que respeita ao número de dias de doença causados pela tuberculose e pelo reumatismo, a proporção é de 1 para 8, quanto à invalidez a mesma é mais significativa, porquanto é de 1 para 51.
O reumatismo e a tuberculose custam à Suíça, por ano, 430 e 100 milhões de francos, respectivamente.

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GRÁFICO N.° 44
SUÍÇA
[Ver Diário Original]
Na Holanda 15 a 20 por cento da população queixa--se do reumatismo, computando-se em 4 por cento a percentagem da que carece de tratamento médico.
Em inquérito realizado naquele país chegou-se à conclusão de que a importância de subsídios pagos em consequência do reumatismo excedia a quinta parte dos subsídios respeitantes a todas as outras doenças.
Deste modo, e no que respeita à invalidez, o reumatismo é considerado na Holanda como o inimigo social n.° 1.
Assim, a indústria e o comércio, através do Fundo de Profilaxia, concorrem com avultadas importâncias para a luta contra o reumatismo e o Estado consagra--lhe vultosas verbas, além de ter autorizado uma lotaria especial em favor da referida luta.
Na Inglaterra, como na Holanda, 4 por cento da população (cerca de 2 milhões de pessoas) sofre de reumatismo. Um sexto das faltas ao trabalho verificadas na indústria inglesa são causadas por esta doença. Só os operários industriais perdem 18 milhões de dias de trabalho por ano em consequência das doenças reumatismais e há quem admita que a produção de carvão nas ilhas britânicas poderia duplicar se todos os mineiros que sofrem de reumatismo se curassem.
Daí o facto de aumentar de ano para ano o interesse pelos problemas relacionados com a investigação das causas do reumatismo, bem como o numero de centros destinados à sua profilaxia e tratamento.
Nos Estados Unidos da América cerca de 5 por cento da população (7 500 000) sofre de reumatismo, doença que, como se vê do quadro e gráficos juntos, dá lugar a maior número de casos de invalidez.
Isto explica a acção desenvolvida contra este flagelo pelo Instituto Nacional de Artrites e Doenças de Metabolismo, cujo orçamento excede 7 milhões de dólares por ano, e pela Fundação de Artrite e Reumatismo no campo da investigação e da preparação de pessoal especializado.
Foi o reconhecimento das consequências de ordem económica e social do reumatismo que levou os Governos dos mais diversos países a dispensar-lhe a devida atenção, a identificar a luta contra a doença, tanto no aspecto preventivo como no curativo, e a criar cadeiras destinadas ao seu ensino em algumas das suas Faculdades de Medicina.

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GRÁFICO N.º 45
ESTADOS UNIDOS
GRÁFICO I
[Ver Diário Original]
57. Ainda que em Portugal os reumatismos não atinjam as proporções registadas nalguns países setentrionais, eles são, sem dúvida, responsáveis por um número elevado de óbitos e, sobretudo, por muitos milhares de casos de invalidez, longa e acentuada ou recidivante.
Pelo que respeita à morbilidade reumática, pode dizer-se que é semelhante à da maioria dos países do Centro e do Sul da Europa, tanto pelo número como pela variedade das formas registadas.
Nd parecer desta Câmara acerca da proposta de lei n.° 501, sobre a autorização das receitas e despesas para 1955, escreveu-se o seguinte: «O problema médico-social do reumatismo tem ganho nos últimos anos uma importância excepcional, sobretudo, como é natural, nos países onde o flagelo é mais violento».
E, depois de referir que «a importância social do reumatismo advém, na verdade, da sua grande frequência e da longa duração dos seus períodos de invalidez», o mesmo parecer acrescenta: «Nos países onde os seguros em casos de doença estão já organizados verificou-se que o reumatismo fazia perder mais dias de trabalho e pagar mais gravosas indemnizações que a tuberculose e o cancro».
No que respeita a Portugal, ainda no aludido parecer, observa-se que, «sem termos tantos reumatizantes como os Suíços ou os Ingleses, há razões para
afirmar que a gravidade do problema médico-social do reumatismo entre nós não é inferior à da tuberculose e do cancro».
Daí a conclusão: «Em Portugal há seguramente alguns milhares de inválidos definitivos por causa do reumatismo. Este número aumenta na medida da falta de diagnósticos precisos e de tratamentos adequados e persistentes».
Na discussão travada na Assembleia Nacional acerca da referida proposta intervieram vários Deputados que puseram em evidência a necessidade de organizar um programa de luta contra o reumatismo.
Assim, o Sr. Deputado Rebelo de Sousa anotou: «aquelas enfermidades que se agrupam na terminologia geral do reumatismo constituem, na verdade, uma das causas mais comuns e de mais longa duração de incapacidade física, que nem sempre terá merecido a atenção devida, porventura porque, «impossibilitando muitos, para poucos é fatal».
E, depois de salientar que tanto as doenças reumatismais como as cardíacas e cardiovasculares ocupam lugar proeminente entre as que produzem baixas no trabalho, acrescentou: «de forma geral, umas e outras crescem de frequência e de gravidade à medida que a idade avança, e, como a longevidade do homem aumenta, deduz-se, assim, que chegarão a ser predominantes, como factor social, médico e económico, na

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vida das sociedades. Umas e outras cabem hoje, perfeitamente, dentro da noção que temos de doença social».
Na mesma ordem de ideias se pronunciou o Sr. Deputado Cortês Pinto, que, entre outras considerações, referiu que «as doenças reumatismais, através das diversas formas de que se revestem para atacar o indivíduo e pela inibição de actividades de trabalho que produzem, têm-se revelado nas estatísticas das diversas nações como o maior aniquilador do rendimento económico do trabalho humano».
E acrescentou: «Já de há longos anos que as estatísticas a vêm apontando como o inimigo social n.° 1, superior à própria tuberculose».
A surpresa que tal afirmação possa causar resulta da sugestão menos espectacular e sentimental da palavra «reumatismo» em face de outras de ressonância mais trágica, tais como, por exemplo, «tuberculose» e «cancro».
Ora, como judiciosamente anota, «a maior gravidade económica do reumatismo provém justamente da menor mortalidade da doença. O aspecto paradoxal da afirmação desaparece quando atendermos a que, sob o ponto de vista económico, um doente que se transforma num inválido de longa vida é mais oneroso para a família e para a sociedade do que um doente que morre».
, Os Portugueses sofrem de reumatismo desde o alvor da nacionalidade. Os nossos primeiros reis frequentaram caldas e termas (Marco de Canaveses, S. Pedro do Sul, etc), onde foram buscar a cura da doença ou, pelo menos, alívio para o seu sofrimento.
A rainha D. Leonor fundou nas Caldas da Rainha um dos primeiros hospitais termais do Mundo.
Entretanto, pouco atreitos a contas, demoraram a fazer as relativas ao prejuízo que resulta para a economia nacional dos dias de trabalho perdidos e, fatalistas ou imprevidentes, têm-se limitado a considerar o reumatismo como mal inevitável, contra o qual pouco há a fazer.
Assim, só há pouco é que começou a formar-se entre nós a consciência de que, constituindo o reumatismo verdadeiro flagelo social, havia necessidade de travar contra ele luta idêntica à desenvolvida contra outros flagelos da mesma natureza.
A referida luta deve abranger os três aspectos médico-sociais (profiláctico, curativo e recuperador) e, além disso, esclarecer o público, preparar pessoal médico e auxiliar, promover a investigação científica, realizar estudos e rastreios, com vista a um conhecimento cada Vez mais perfeito dos diferentes aspectos do problema reumatológico nacional.
Tudo isto tem feito o Instituto Português de Reumatologia, na escala em que os seus recursos o têm consentido.
O referido Instituto, em dez anos de actividade intensiva e progressiva, observou e tratou milhares de doentes, cujo número aumenta de ano para ano, como mostra o mapa seguinte:
Número de doentes assistidos
1950 ................. 500
1951 ................. 908
1952 ................. 1 711
1953 ................. 2 482
1954 ................. 3 229
1955 ................. 3 704
1956................. 3 857
A transportar..... 16 391
Transporte...... 16 391
1957 ................. 4 225
1958 ................. 4 608
1959 ................. 5 112
Total........ 30 336
Mercê da acção do Instituto, deram-se os primeiros passos decisivos para a profilaxia dos reumatismos agudos e crónicos e para a assistência social aos doentes afectados por estas doenças; e reuniram-se milhares de documentos objectivos e seguros para o estudo, entre nós, dalguns aspectos nacionais do problema reumatológico respeitantes: aos factores reumatogénicos, médicos e sociais; à variedade das doenças e síndromes reumatismais; à incidência profissional e à distribuição geográfica dos reumatismos; às despesas e outros prejuízos causados por estas doenças, etc.
Ao Instituto devem-se ainda a realização de cursos e conferências para o aperfeiçoamento médico no campo reumatológico; a participação activa em reuniões internacionais; a prova da extensão do reumatismo e das suas consequências de ordem social, e o esforço permanente, útil e generoso em prol da organização da luta contra o reumatismo.
A despesa efectuada pelo Instituto com a assistência aos doentes e na luta contra o reumatismo foi de cerca de 10 000 contos, tendo o Estado contribuído com subsídios no montante de 6900 contos.
A importância médico-social das doenças reumatismais e o seu reflexo na economia nacional pelas perdas de dias de trabalho que ocasionam aconselham que a luta contra o reumatismo seja enfrentada no mesmo plano em que são combatidos outros flagelos sociais, tal como acontece em França, em que a luta contra o reumatismo é considerada no mesmo aspecto da luta contra a tuberculose, o cancro e as doenças venéreas.
F) Luta contra o cancro
58. Remontam ao começo do século as primeiras tentativas para estudar e combater o cancro em Portugal.
A primeira ficou a dever-se ao Prof. Azevedo Neves, que nos primeiros anos deste século iniciou no Hospital de S. José um serviço especial para o estudo do cancro.
A segunda, com mais projecção e continuidade, coube ao conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa, que em 1911 criou no Hospital Escolar um serviço clínico e uma consulta para cancerosos, confiando a sua direcção ao Prof. Francisco Gentil, o qual, a partir dessa data, ligou o seu nome à luta anticancerosa no País, de que tem sido esforçado paladino.
Em 1923 o Governo criou o Instituto Português para o Estudo do Cancro, com sede provisória no Hospital Escolar de Santa Marta, ficando a competir-lhe:
a) Organizar a luta contra o cancro em Portugal;
b) Manter e desenvolver um centro regional de
luta contra o cancro em Lisboa e promover e auxiliar a criação de outros centros regionais ;
c) Praticar o estudo do cancro, promover pesquisas científicas, fazer publicações, organizar uma biblioteca especial;
d) Divulgar os conhecimentos e preceitos úteis ao
público, realizando uma propaganda eficaz contra o «perigo do cancro»;

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e) Melhorar as condições de trabalho e de estudo do seu pessoal científico e técnico, fundar laboratórios de investigação científica e adquirir o material necessário ao estudo e tratamento do cancro.
Não obstante a multiplicidade de funções e o facto de se considerar o cancro como «uma séria ameaça para a saúde e a existência de todas as raças», não houve ocasião de dotá-lo com a verba mínima indispensável à sua instalação e funcionamento, e só em 1927 foi concedida a dotação necessária para se fazerem as primeiras instalações e se adquirir o primeiro material de tratamento de doentes.
Também neste ano, pelo Decreto n.° 13 098, de 29 de Janeiro, foi autorizado o conselho de administração do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral a contrair na Caixa Geral de Depósitos um empréstimo para aquisição do terreno e construção do edifício para o funcionamento do Instituto Português do Cancro.
Deste modo, o Instituto, criado em 1923, só em 1927 inscreveu e tratou o primeiro doente.
Em 1933 começou a edificar-se o pavilhão do rádio e em 1948 foi inaugurado o hospital.
59. No parecer desta Câmara sobre o estatuto em vigor indicaram-se os processos a adoptar na luta contra o cancro: a profilaxia e o diagnóstico precoce.
E, depois de se apontar o armamento próprio da luta anticancerosa (centros de diagnóstico, centros regionais, hospital e asilo), afirma-se que «todo esse armamento está previsto e em via de obter-se e de funcionar pela execução sistemática do plano do Instituto Português de Oncologia».
Infelizmente, os factos encarregaram-se de demonstrar que não havia razão para o optimismo que tais palavras traduzem.
Decorridos dezasseis anos sobre a data em que foram escritas, não se abriu um único centro regional ou de diagnóstico destinado àquilo que no parecer, e bem, se tinha como fundamental: a profilaxia e o diagnóstico precoce.
Esta falta suscitou a intervenção do Sr. Deputado Cerveira Pinto, que, na sessão da Assembleia Nacional de 21 de Abril de 1950, chamou a atenção do Governo para o facto de não terem sido organizados os centros regionais previstos no artigo 4." do Decreto n.° 9333, de 23 de Dezembro de 1923, nem tão-pouco as delegações do Instituto de Oncologia e centros de tratamento no Porto e Coimbra, expressamente considerados na base x da Lei n.° 1998.
O mesmo senhor Deputado, depois de apontar o número de óbitos causados pelo cancro e de pôr o problema de saber quantas vidas se teriam salvo se o mal tivesse sido diagnosticado a tempo, referiu que em França considera-se que o diagnóstico e tratamento precoce podem curar um grande número de doentes afectados de cancro, nas percentagens seguintes:
Cancros da pele............ 95
Cancros do lábio........... 60
Cancros da língua e da laringe..... 35
Cancros do seio e do útero....... 50
Cancros do estômago e dos intestinos . . 40
Estas percentagens, que, dada a evolução das técnicas cirúrgicas, são hoje superiores, justificam largamente a necessidade do estabelecimento de centros de diagnóstico e tratamento precoce do cancro, pelo que a sua falta constitui uma das maiores lacunas da nossa organização sanitária.
Assim, sem se negarem ou diminuírem os altos serviços prestados pelo Instituto Português de Oncologia, entre os quais avultam: o facto de ter sido o pioneiro da enfermagem moderna em Portugal; de haver promovido algumas centenas de conferências com larga participação de prelectores estrangeiros; de ter realizado vasta obra de divulgação através da publicação do seu Boletim,; de ter iniciado o tratamento do cancro, entre nós, pelos rádio-isótopos e pela bomba de cobalto; de ter efectuado numerosos exames anátomo-patológicos de fragmentos de tecidos humanos, vindos de todos os pontos do País, a verdade é que falhou num dos aspectos fundamentais da luta contra o cancro: o diagnóstico precoce.
Desligado dos demais serviços hospitalares e do próprio departamento ministerial em que estes se acham integrados, o Instituto circunscreveu a sua acção a Lisboa, atendendo, no entanto, os doentes vindos dos diferentes pontos do País.
O Dr. Pires da Cruz, que ao tempo desempenhava as funções de Subsecretário de Estado da Assistência Social e que teve ocasião de estudar o problema, chegou à conclusão de que a ideia que presidira à elaboração do Decreto n.° 9333, que criou o Instituto do Cancro, confiando o seu tratamento a hospitais especializados, está hoje em quase toda a parte ultrapassada.
Por outro lado, assentando o tratamento do cancro, em grande parte, nas intervenções cirúrgicas, que tanto podem ter lugar num hospital especializado como em hospitais gerais, pois não há em parte alguma cirurgia específica do cancro, mas antes cirurgia abdominal, torácica, ginecológica, facial, etc, não se justifica a atribuição exclusiva desta cirurgia àquele hospital.
Esta pode, normalmente, fazer-se em hospitais gerais e regionais, uma vez que o diagnóstico precoce tenha possibilidade de ser feito nestes hospitais, sem necessidade de os doentes se deslocarem a Lisboa para o efeito de serem tratados no Instituto de Oncologia, com todas as suas consequências de ordem económica e psíquica.
Na verdade, independentemente da duplicação de investimentos e serviços, que se deve evitar quanto possível, o factor psíquico foi suficiente para, em alguns países, se condenarem os hospitais especializados no tratamento do cancro e para se estabelecer que os doentes afectados por este flagelo deveriam dar entrada nos hospitais comuns.
Por isso, parece que é tempo de mudar de orientação, entregando aos hospitais gerais que reúnam as condições necessárias ao tratamento dos cancerosos, reservando-se, quando muito, para o Instituto ou para serviços especializados, o daqueles casos que exijam aplicação de meios terapêuticos que só ali possam ser aplicados.
A articulação dos serviços do Instituto com os hospitais centrais e regionais afigura-se urgente, tanto mais que ao referido Instituto cabe papel decisivo na coordenação e orientação técnica dos diferentes serviços afectos à luta e na preparação do pessoal especializado.
Com vista ao rastreio do cancro torna-se necessário abrir consultas nos hospitais regionais e facultar--lhes meios técnicos de diagnóstico e pessoal devidamente habilitado.

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A acção do Instituto deve estender-se a todo o País, através de secções especiais de diagnóstico e tratamento, a instalar quanto antes nos hospitais centrais do Porto e Coimbra e nos hospitais regionais.
A morbilidade e a mortalidade do cancro não admitem delongas.
Esta última aumenta de ano para ano. Segundo o parecer desta Câmara, teriam morrido de cancro e outros tumores malignos em 1940 3538 pessoas de ambos os sexos — 1478 homens e 2059 mulheres.
Em' 1953 esse número subiu para 6130, registando-se, pela mesma causa, 6549 óbitos em 1954, 7370 em 1955 e, finalmente, 8244 em 1959.
A extensão do mal e a necessidade de reduzir os seus efeitos levam a sugerir, à semelhança do que se verifica na generalidade dos países, a colocação do Instituto de Oncologia na dependência do Ministério da Saúde e Assistência, salvo no que respeita às funções pedagógicas e de investigação científica em que deve ficar subordinado ao Ministério da Educação Nacional, em situação idêntica à dos demais hospitais e serviços afectos ao ensino.
(?) Doenças de nutrição e problemas da alimentação
60. O parecer desta Câmara, várias vezes citado, refere que entre as doenças da nutrição «a única que reveste carácter de verdadeiro mal social é a diabetes».
De facto assim é.
Doença de nutrição, as suas causas são pouco conhecidas e a sua profilaxia aleatória.
Por isso, no domínio da assistência, pouco mais se poderá fazer — e é muito — que proporcionar aos doentes pobres assistência médica e farmacêutica e concorrer para o diagnóstico precoce.
A Associação Protectora dos Diabéticos Pobres, criada em 1926, conta entre as suas atribuições o estudo da doença e dos métodos a seguir no seu tratamento e a protecção aos diabéticos pobres.
A acção que tem desenvolvido é verdadeiramente notável, porquanto tem distribuído alguns milhões de unidades de insulina e assistido a cerca de 5000 doentes em cada ano.
No que respeita à mortalidade, a respectiva taxa é mais elevada nos Estados Unidos, Dinamarca, Austrália, Bélgica e Canadá do que na Itália, Espanha e Portugal.
O maior consumo do azeite em substituição das gorduras de origem animal pode, em parte, explicar a diferença quanto a estes últimos países.
Em Portugal, os anos de 1957, 1958 e 1959 acusam uma ligeira descida da taxa em relação a 1955 e 1956.
QUADRO N.º 46
Mortalidade
(100 000 habitantes)
[Ver Diário Original]
Estudando a gravidade da doença e as possibilidades de vida do indivíduo diabético e do indivíduo com saúde os americanos chegaram à seguinte conclusão:
QUADRO N.° 47
[Ver Diário Original]
Tanto o número de óbitos como as perspectivas de vida mostram que não pode descurar-se o problema da assistência aos diabéticos pobres.
61. Se a diabetes não é o resultado de carências alimentares, estas são, no entanto, causa de outras doenças, como o escorbuto, que tanto afligiu os navegadores das descobertas, o raquitismo e a pelagra.
Pode considerar-se desfeita a lenda que fazia do povo português um povo faminto, porquanto inquéritos alimentares levados a efeito pela Direcção-Geral de Saúde no Minho, Douro Litoral, Ribatejo e Alto Alentejo permitem concluir que a alimentação dos rurais das referidas regiões, sob o ponto de vista energético, é satisfatória. A qualidade não é, contudo, a mais aconselhável, pois revela deficiências de proteínas de origem animal, de cálcio e de vitaminas.
Isto mostra que se deve ser cauteloso na apreciação das necessidades alimentares, sob pena de se tirarem conclusões apressadas que as realidades se encarregam de desmentir.
Há conveniência, porém, em que prossigam os estudos relativos à composição e valor dos alimentos e à forma como se alimenta a população portuguesa, porquanto, nos hospitais de Lisboa e Porto, têm-se observado crianças que apresentam sinais mais ou menos graves de desnutrição, devido, em grande parte, à falta de proteínas na alimentação em consequência das condições económicas dos pais e, sobretudo, da falta de educação sanitária no que respeita à composição alimentar.
Por outro lado, torna-se necessário intensificar a fiscalização relativa à preparação, transporte, armaze-

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nagem e venda dos géneros alimentícios, em ordem a assegurar não só as condições higiénicas do fabrico, mas ainda que cheguem ao consumidor em perfeito estado.
Neste aspecto, a colaboração dos veterinários e agrónomos afigura-se indispensável.
§ 4.°
Lula contra as doenças contagiosas
62. No parecer desta Câmara acerca do Estatuto da Assistência Social foram consideradas as doenças infecciosas como um grave problema para a saúde pública portuguesa, constituindo o perigo venéreo, só por si, verdadeiro «flagelo social».
Decorridos dezasseis anos sobre o parecer, o quadro das doenças infecciosas não se apresenta tão sombrio, embora continue a constituir motivo de preocupação para quantos se debruçam sobre os problemas sanitários.
No que respeita às doenças venéreas, a descoberta dos antibióticos não só provocou uma descida brusca no número de casos, como alimentou a esperança de que as mesmas viriam a desaparecer em curto prazo.
Simplesmente, os factos encarregaram-se de desmentir expectativa tão optimista.
Na verdade, após uma queda vertical das respectivas taxas de morbilidade e mortalidade, não só a curva descendente deixou de se acentuar, como se assistiu, em alguns países, a sensível aumento das doenças venéreas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a tendência para a diminuição destas doenças, que a partir de 1950 se vinha acentuando, sofreu não só paragem, mas até alguma recrudescência, como resulta dos seguintes números: em 1957, os casos verificados de sífilis e de blenorragia foram 6516 e 216 476, respectivamente, tendo-se registado, em 1959, 8178 casos de sífilis e 237 318 de blenorragia.
Sendo assim, o Governo procedeu acertadamente ao elaborar a proposta que, depois de parecer desta Câmara, veio a converter-se na Lei n.° 2036, de 9 de Agosto de 1949.
Na referida lei estabelecem-se normas gerais a observar na luta contra as doenças contagiosas, incluindo nestas as que especialmente respeitam às doenças venéreas (bases XII, XIII e XIV), as quais, devidamente observadas, reduziriam extraordinariamente o perigo venéreo.
E, como a gravidade deste está relacionada com a prostituição, regulamentada ou clandestina, a referida lei não só proibiu «novas matrículas de prostitutas e a abertura de novas casas de toleradas» (base XV), como estabeleceu a obrigatoriedade do tratamento das pessoas afectadas de doenças venéreas em fase de contágio e a observação daquelas em relação às quais existissem presunções graves de estarem afectadas (base XII).
A Direcção-Geral de Saúde, nos termos da referida lei, compete «promover o exame sanitário das pessoas que se entregam à prostituição» (base III).
Como estas providências legislativas foram acompanhadas da criação de alguns dos organismos e serviços previstos na referida lei e do desenvolvimento de outros, as taxas de mortalidade e morbilidade das doenças venéreas têm baixado de ano para ano, ainda que a sua baixa não se tenha acentuado tanto como se podia esperar dos meios empregados na luta contra o perigo venéreo.
Entre os serviços efectados à luta destacam-se os dispensários, que, em número de 44, distribuídos por todos os distritos, trataram ou observaram, em 1958, 31 899 indivíduos.
A sua acção é completada com a desenvolvida pelas subdelegações de saúde e hospitais, empenhados igualmente na luta contra as doenças venéreas, cujas consequências de ordem sanitária, moral e social são conhecidas de todos.
63. Mas a referida Lei n.° 2036 não se limitou, como atrás se referiu, a definir a orientação a seguir quanto às doenças venéreas, porquanto encarou a luta contra as mais doenças contagiosas, com excepção da relativa à tuberculose e à lepra, que é regulada por diplomas especiais.
O parecer desta Câmara acerca do Estatuto de Assistência Social, «para não se alargar demasiadamente», limitou-se a fazer referência especial à varíola, difteria, febre tifóide, sarampo, sezonismo, tuberculose e lepra.
Para não correr o mesmo risco, este parecer limitar-se-á, igualmente, a apontar a evolução sofrida pela morbilidade ou mortalidade de algumas doenças, embora, quanto a outras, a mesma possa deduzir-se dos quadros que a seguir se inserem.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
QUADBO N.º 48
Morbilidade
(Taxas por 100 000 habitantes)
1945-1959
[Ver Diário Original]
Os elementos constantes do presente mapa foram colhidos: 1940 a 1953 — no n.° 1 do volume II (1955) do Boletim dos Serviços de Saúde Pública; 1954 a 1958 — no n.° 3 do volume VI (1959) também do Boletim dos Serviços de Saúde Pública; 1959 — no Boletim dos Serviços de Saúde Pública.

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QUADRO N.° 49
Morbilidade
mero de casos de algumas doenças transmissíveis
1945-1959
[Ver Diário Original]
Os elementos constantes do presente mapa foram colhidos: 1910 a 1953 — Vol. n (1955), n.° 1, do Boletim dos Serviços de Saúde Pública; 1954 a 1958 — Vol VI (1959), n.° 3, também do Boletim dos Serviços de Saúde Pública; 1959 — Do Boletim dos Serviços de Saúde Pública.

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QUADRO N.° 50
Mortalidade de algumas doenças de notificação obrigatória
(Óbitos e taxas por 100 000)
[Ver Diário Original]
Nota. — Com excepção dos elementos referentes à tuberculose, que foram obtidos no Relatório do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos (1957-1958), os elementos constantes do presente mapa foram colhidos: 1940 a 1953—n.° 1 do vol. II (1955) do Boletim dos Serviços de Saúde Pública; 1954 a 1958 — n.° 3 do vol. VI (1959) também do Boletim dos Serviços de Saúde Pública, e 1959 — Anuário Demográfico de 1959

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A) Varíola
64. Desde que em 1796, na Inglaterra, se iniciou a profilaxia da varíola pela vacinação, até aos nossos dias, é longo o caminho andado no sentido de imunizar as pessoas do flagelo das «bexigas».
Em Portugal, como se salientou no já referido parecer desta Câmara, a luta iniciou-se em 1796, ano em que, «sob a inspecção do grande intendente Pina Manique («o ditador sanitário», no dizer do Dr. Silva Carvalho), se criou em Lisboa um hospital para variolização das crianças, onde, para estreia, foram imunizados, à frente de todas, os alunos da Casa Pia».
Em 1812, após uma nota que lhe dirigiu o Dr. Bernardino António Gomes, foi criada pela Academia das Ciências de Lisboa a «instituição vacínica», destinada a promover intensa campanha a favor da aceitação e vulgarização da vacina, à qual se ficou devendo em grande parte o facto de, cinco anos após o seu início, se haverem vacinado em Portugal 17 000 indivíduos. (Prof Jorge da Silva Horta, O Médico e o Académico Dr. Bernardino António Gomes e o Brasil, pp. 6 e 7).
E, porque a luta contra a varíola continua a fazer-se, como há século e meio, pela vacinação, a sua morbilidade e mortalidade constituem um dos índices mais expressivos da evolução sanitária de um povo.
Pelo que nos respeita, alguns números bastam para documentar o asserto.
Nd decénio de 1918 a 1927 registaram-se no continente e ilhas 17 760 óbitos causados pela varíola, ou sejam, em média, 1776 por ano.
No decénio seguinte a situação melhora, mas está muito longe de ser brilhante, porquanto ainda se verificaram, em média, 342 óbitos por ano.
No decénio de 1940 a 1949 a curva descendente acentua-se, sem que, entretanto, a luta tivesse atingido o seu objectivo: 64 óbitos por ano marcam este período.
A partir de 1950 a varíola deixou de constituir problema sanitário com reflexos na taxa de mortalidade.
Desde 1953 não se registou a existência de qualquer caso de varíola em Portugal. A sua erradicação é um facto e só há a recear novo surto em consequência da entrada no País de pessoas infectadas.
Bastou que uma criança, proveniente de Bombaim, tivesse desembarcado no mês de Fevereiro último em Espanha e falecido ali dois dias depois, atacada de varíola, para que as autoridades sanitárias daquele país se sentissem na obrigação de tomar medidas especiais com vista ao combate de uma eventual epidemia.
Perto no tempo, estamos muito longe, quanto à amplitude desta doença, do ano de 1939, em que ainda se registaram cerca de 3000 casos e em que o Dr. Fernando Correia computava em 21,5 por cento os cegos em Portugal devido à varíola.
B) Febre tifóide
65. No parecer tantas vezes citado, depois de referir a mortalidade pela febre tifóide nos anos de 1902 a 1940, concluía-se: «O que há de grave nesta estatística não é só a confirmação da endemia; é a verificação de que as febres tifóides e paratifóides não só não cederam durante todo o largo período que vem desde o princípio do século, como até parecem crescer, apesar do grande número de obras de saneamento e de águas que foram empreendidas nos últimos anos».
A situação mudou, designadamente quanto à mortalidade por esta doença, como claramente se deduz dos mapas n.ºs 12 e 13, o que resultou, em grande parte, daâ novas armas terapêuticas.
Por toda a parte se tem observado um aumento progressivo dos casos devido à paratifóide B, em relação à febre tifóide, cujo paratífico se transmite, em regra, por via dos alimentos vegetais.
Há, assim, necessidade de prosseguir no saneamento, principalmente nos meios rurais, de fiscalizar os géneros alimentícios e tornar mais eficiente a assistência médica às populações rurais, sem prejuízo do uso da vacina, sempre que os serviços responsáveis julguem conveniente a sua aplicação à generalidade das pessoas que possam ser atingidas em consequência de qualquer surto epidémico
C) Sarampo
66. Os progressos verificados na prevenção do sarampo não têm sido extraordinários. Por isso, até nos países dotados do mais alto padrão sanitário surgem de tempos a tempos epidemias mais ou menos graves de sarampo, cuja letalidade varia entre 1 a 7 por cento, em razão das complicações que acarreta.
Ainda que se mantenha certo grau de morbilidade, a melhoria obtida nos últimos dezasseis anos, quanto à mortalidade, é substancial.
D) Difteria
67. No já referido parecer desta Câmara fez-se referência ao número de casos participados, que foi, em média,, de 2324 por ano, no período de 1928 a 1934, e à letalidade da doença, que atingiu a percentagem de 13,8.
Ora, os números estatísticos registados nos últimos anos revelam uma sensível redução de morbilidade e acentuada baixa de mortalidade.
No ano de 1959 registaram-se 143 óbitos causados por esta doença, quando 20 anos antes se haviam verificado 691.
Assim, como foi então observado por esta Câmara, há necessidade de insistir pelo reforço da vacinação das crianças em percentagem que torne, dentro de curto prazo, relativamente rara esta doença em Portugal.
E) Poliomielite
68. O citado parecer desta Câmara não se referiu à poliomielite, certamente por esta virose ainda não ter adquirido a importância que presentemente tem.
Paralelamente ao seu desenvolvimento, verifica-se a elevação progressiva da idade em que se regista maior número de casos.
Ainda que os números de morbilidade e mortalidade, com excepção do ano de 1958, não sejam extraordinariamente elevados, requerem, em todo o caso, a maior atenção, porquanto de um ano para o outro pode assistir-se a um surto epidémico que venha a constituir grave problema sanitário.
Não se pode esperar pelo aparecimento de uma epidemia de certa gravidade para iniciar campanha adequada de defesa das crianças que podem ser suas vítimas.
F) Tracoma
69. Grassando em várias regiões do País, designadamente nas do litoral, só há poucos anos se iniciou e desenvolveu a luta contra esta endemia. Com essa finalidade criaram-se serviços, instalaram-se dispensários e postos, desenvolveu-se a acção das brigadas móveis.
A rede constituída por aqueles serviços e postos estende-se a todo o País e a redução substancial do número de casos corresponde à acção desenvolvida.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
O tracoma é uma das causas da cegueira e gerador dos mais variados complexos de ordem moral e social. Assim, combater o tracoma, evitar a propagação da doença, é uma das maneiras de enriquecer a Nação, dados os efeitos perniciosos de perda de visão, que se reflecte na própria economia do País.
No combate à cegueira e na recuperação de numerosos cegos destaca-se a acção desenvolvida pelo Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, que, nos regimes de internamento e ambulatório, presta assistência a- alguns milhares de doentes por ano.
G) Tuberculose
70. Em 1899, sob a orientação da Rainha D. Amélia, iniciou-se em Portugal a luta contra a tuberculose, que, decorrido apenas um ano, dava os primeiros frutos: a inauguração do Sanatório do Outão.
Em 1901 foi inaugurado, em Lisboa, o primeiro dispensário, seguindo-se em 1902 o de Bragança, em 1903 os de Porto e Faro e em 1905 o de Viana do Castelo. »
Paralelamente, desenvolveu-se intensa campanha a favor da criação de sanatórios, que deu o resultado de, logo a seguir ao do Outão, serem inaugurados o de Carcavelos (1902), o de Sousa Martins, na Guarda, (1907) e o do Dr. Rodrigues Gusmão, em Portalegre. Em 1910 concluiu-se o Sanatório D. Carlos I, em Lisboa, que só veio a ser inaugurado em 1912.
Depois desta data e até 1926 foi aberto, em 1914, um único dispensário: o de Ponta Delgada.
A este desinteresse correspondeu o aumento de mortalidade pela tuberculose.
71. E, como esta situação se mantivesse na data em que esta 'Câmara emitiu parecer acerca do Estatuto da Assistência Social, no mesmo escreveu-se: «Está dito e redito que a tuberculose é um dos maiores flagelos sociais portugueses».
Para documentar esta afirmação mencionaram-se os dados estatísticos relativos ao número de óbitos por todas as formas de tuberculose, ocorridos desde 1934 a 1940, e que foram os seguintes:
QUADRO N.° 51
[Ver Diário Original]
A este número de óbitos correspondeu o índice de mortalidade por 100 000 habitantes variável entre um máximo de 175,1, em 1934, e 144,2, em 1939.
A situação, como resulta da leitura do quadro seguinte, manteve-se com pequena baixa nos anos imediatos:
QUADRO N.° 52
[Ver Diário Original]
72. Daí a necessidade de encarar em profundidade o problema da luta contra este flagelo.
Com essa finalidade, o Governo elaborou uma proposta de lei, que, depois de parecer da Câmara Corporativa, veio a converter-se na Lei n.° 2044, de 20 de Julho de 1950.
Dadas as repercussões de ordem demográfica, económica e financeira da doença, o Estado, pela referida lei, assumiu a função de orientar, coordenar e fiscalizar os meios de luta contra a tuberculose, ao mesmo tempo que estimulava e favorecia as iniciativas particulares que tivessem em vista o mesmo fim, auxiliando a criação e a manutenção dos respectivos serviços.
Nos termos dessa Lei, a luta contra a tuberculose abrange a acção profiláctica, terapêutica e recuperadora e é assegurada por:
a) Centros de diagnóstico e profilaxia; 6) Dispensários;
c) Brigadas móveis;
d) Preventórios;
e) Sanatórios;
f) Centros de convalescença e readaptação.
De como se tem desenvolvido a luta contra a tuberculose dão ideia os organismos e serviços que lhe estão afectos.
O número de dispensários passou de 6 para 91; aos 5 sanatórios existentes em 1926 opõem-se hoje 16 a cargo do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e 17 pertencentes a particulares.
A estes elementos acrescem 86 consultas-dispensários, 66 enfermarias-abrigo, 9 preventórios, 3 centros de diagnóstico e profilaxia, 2 centros de cirurgia torácica, 16 unidades de vacinação e 18 unidades móveis.
O simples confronto entre o número de camas de que se dispunha em 1926 (cerca de 1000) e as que existem actualmente (11 342) dá ideia do caminho percorrido.

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73. Em execução do disposto na base VIII da Lei n.° 1998, foi criado, em 1945, o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, e, definidas as suas atribuições pelo Decreto-Lei n.° 35108, foram estas ampliadas pela citada Lei n.° 2044.
Ao referido Instituto ficaram a competir, entre outras atribuições, as de orientar e coordenar a assistência aos tuberculosos, promover a criação e funcionamento dos estabelecimentos destinados a prestá-la, divulgar os preceitos de higiene e profilaxia antituberculosa, orientando a respectiva propaganda e promovendo a vacinação pelo B. C. G.
O volume da assistência prestada, designadamente a partir da Lei n.° 2044, e os resultados obtidos documentam a acção desenvolvida pelo Instituto.
O confronto dos números que traduzem o movimento dos diferentes serviços em 1958 e os gráficos que a seguir se inserem documentam o acréscimo verificado:
QUADRO N.° 53
[Ver Diário Original]
Mas, se em 1858 foram observados 115 980 indivíduos nos dispensários e tratados nos sanatórios 15 464 doentes, esses números, em 1959, subiram para 125 834 e 17 012, respectivamente.
No que respeita ao radiorrastreio é que se verificou uma ligeira descida na população observada: 1 026 804 pessoas em 1958, contra 1 018 735 em 1959.
Em 1960, a acção profiláctica aumenta, porquanto nos primeiros nove meses foram vacinados 109 608 indivíduos e observados por radiorrastreio 945 730, o que corresponde a um aumento de 10 por cento e 23 por cento em relação ao ano anterior.
Também o número de doentes internados, em média, que em 1959 atingira 5087, passou em 1960 para 5530, o que corresponde a um acréscimo de cerca de 9 por cento.
Os resultados obtidos compensaram o esforço desenvolvido.
Conjugados os elementos constantes dos mapas juntos, verifica-se o seguinte: a taxa de mortalidade por 100 000 habitantes, que era de 150,4 em 1948, passou para 50,8 em 1958, o que corresponde a um declínio da ordem dos 66,2 por cento (Table 2, III relatório do Dr. Pamplona, consultor da Organização Mundial de Saúde, a que adiante se fará alusão).
Se o confronto for feito entre as taxas verificadas em 1950, data da publicação da Lei n.° 2044, e os obtidos no ano findo, o resultado é ligeiramente superior.
1950 ................. 143,6
1960 ................ 45,2
Diferença para menos 98,4
Como já se referiu em relação à mortalidade infantil, também as taxas referidas de mortalidade por tuberculose pulmonar variam de distrito para distrito e, dentro de cada distrito, de concelho para concelho.
A baixa acusada também não é uniforme.
Indicam-se, em relação a cada distrito, as taxas verificadas em 1950, data da publicação da Lei n.° 2044, e em 1959, o que permite conhecer a evolução sofrida pela mortalidade pela tuberculose no último decénio:
QUADRO N.º 54
[Ver Diário Original]
Os distritos do Porto (134,2), Lisboa (124,3) e Setúbal (89,7) são aqueles que acusam maior diferença entre as taxas verificadas naqueles anos. Nos distritos de Leiria, Guarda e Bragança, a diferença para menos foi apenas de 31,23, 23,8 e 22,6, respectivamente.
74. Para a realização do programa que o Instituto se propôs executar, em obediência aos princípios formulados pela Lei n.° 2044, o Estado tem consignado avultadas verbas. Os subsídios concedidos em 1925-1926 foram apenas do montante de 802 contos; em 1948 subiram para 121 000 contos; atingiram 136 620 contos em 1958; em 1959 passaram para 140 252 e, finalmente, para 153 045 contos, em 1960.
75. Como se escreveu no relatório da proposta de lei destinada a enfrentar a luta contra este flagelo, a tuberculose é uma doença cara, visto que, «contando os

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
dias perdidos para o trabalho e as despesas que ocasiona, calcula-se que o seu custo representa cerca de uma quarta parte da importância despendida com todas as outras doenças».
Assim, não podendo o Estado suportar todo o volume das despesas, na base XIV da já referida Lei n.° 2044 previu-se que as instituições de previdência social indicadas no artigo 1.° da Lei n.° 1884, de 16 de Março de 1935, ou as instituições em que as mesmas se acharem integradas para efeito da prestação da assistência na doença, responderiam pela assistência aos sócios ou beneficiários e pessoas de família por elas abrangidas, quando tuberculosas, na medida em que a assistência aos tuberculosos estivesse prevista nos seus regulamentos.
Na verdade, como se escreveu no relatório da proposta, «se os beneficiários das instituições de previdência podem normalmente suportar, ainda que com algum sacrifício, as despesas com doenças de curta duração, o mesmo não acontece com a tuberculose, que, além de afectar a sua capacidade de ganho durante um longo período, ocasiona despesas de tratamento incompatíveis com os seus recursos».
Decorridos dez anos sobre a publicação da Lei n.° 2044, a situação é a seguinte: «Encontra-se em vias de conclusão o primeiro acordo celebrado nos termos da base XIV, n.° 4 da citada lei, o qual visa fundamentalmente os serviços de vacinação, radiorrastreio e tratamento em regime ambulatório. Não se inclui, por ora, a sanatorização nem a recuperação profissional do doente». (Parecer sobre a reforma da Previdência Social, Actas da Câmara Corporativa n.° 128, pp. 1300).
Entretanto, como se pode ver do quadro elaborado pelo referido Dr. Pamplona, a tuberculose continua a ser responsável entre nós por cerca de um terço dos óbitos verificados ria idade mais produtiva do homem (20 aos 34 anos).
76. No ano findo, sob proposta da Direcção-Geral de Saúde, a tuberculose foi incluída na tabela das doenças contagiosas, cuja declaração é obrigatória, como foi previsto na alínea d) da base n da Lei n.° 2044.
Sendo esta declaração comunicada ao dispensário local, facilita o tratamento precoce, de que depende, em grande parte, o êxito da luta.
77. Apesar da diminuição da mortalidade pela tuberculose não se pode diminuir o ritmo da luta contra esta doença, antes, pelo contrário, é necessário prosseguir nela de harmonia com a orientação oportunamente definida e as correcções que a experiência tenha aconselhado.
78. A pedido do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, a Organização Mundial de Saúde indicou um dos seus consultores para estudar e rever com as entidades sanitárias portuguesas, o programa da luta contra a tuberculose.
A designação recaiu sobre o Dr. Paulo A. Pamplona, do programa da tuberculose dos serviços de saúde dos Estados Unidos, que para esse fim se deslocou a Portugal, onde tomou conhecimento da organização da luta contra a tuberculose e do funcionamento dos respectivos serviços.
No bem elaborado relatório que apresentou chega a algumas conclusões e formula certas recomendações.
Em primeiro lugar, acha conveniente manter o sistema actual de subordinação de todos os estabelecimentos e serviços a «uma única jurisdição».
O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos dá satisfação a esse propósito.
Recomenda, em seguida, a inclusão da tuberculose entre as doenças de declaração obrigatória, sugestão que já foi atendida.
Considera que, dado o facto de Portugal «ter melhorado os seus serviços de tuberculose até um ponto apreciável, não há necessidade de mudanças drásticas ou de aditamento ao programa estabelecido».
Dado o baixo nível económico de grande número de doentes, aconselha que a assistência sanitária seja completada com a assistência económica. A proposta de lei sobre a reforma da previdência social visa a este fim, na medida em que inclui nos esquemas das caixas o subsídio pecuniário enquanto durar esta doença.
Havendo necessidade de mais camas, opina que estas devem ser colocadas nos grandes centros populacionais (Lisboa e Porto) e não em locais remotos do País.
Por outro lado, quando houver necessidade de diminuir o seu número, deverá acabar-se com as «enfermarias-abrigo», pois estão localizadas em concelhos isolados e dispõem de meios modestos.
Como ainda estamos longe da verificação dessa hipótese, as referidas enfermarias, feliz iniciativa do antigo Subsecretário de Estado da Assistência Social, Dr. Melo e Castro, que a este e a outros problemas conexos dedicou o maior interesse, devem, corrigidos os seus defeitos, continuar, porquanto, não só contribuíram para atenuar o problema do internamento dos tuberculosos, como, no aspecto da cura dos doentes, o seu saldo é francamente positivo.
O relatório aponta ainda a necessidade de: coordenar os diferentes serviços sanitários e de previdência social com o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos; dispensar maior interesse à vacinação dos recém-nascidos pelo B. C. G.; encurtar a estadia habitual dos doentes cujas lesões se tenham estabilizado ou que não sejam contagiosos, os quais podem ser tratados nos dispensários, proporcionando, assim, maior número de camas disponíveis aos doentes que careçam de hospitalização.
Como o tratamento se prolonga por largos meses, o Dr. Pamplona entende que devem ser fortalecidos os serviços destinados a assegurar a terapêutica de ocupação dos doentes e a proporcionar a sua readaptação.
Dos resultados obtidos na luta contra a tuberculose, das conclusões do referido relatório, pode concluir-se que a orientação definida na Lei n.° 2044 está certa e, assim, só há que prosseguir nela, com os meios postos à disposição do Instituto, como entidade responsável pela orientação e coordenação da referida luta.

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.° 55
Mortalidade por tuberculose
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 56
Óbitos por tuberculose
[Ver Diário Original]
QUADRO N.º 57
Taxa de mortalidade por tuberculose
[Ver Diário Original]

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
GRÁFICO N.° 58
Mortalidade por tuberculose e por 100 000 habitantes
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 59
Luta contra a tuberculose
(Zona rural — Zona urbana)
[Ver Diário Original]

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
QUADRO N.º 60
Mortalidade por tuberculose em Portugal
1948-1958
[Ver Diário Original]
GRÁFICO N.° 61
Inscritos por profilaxia e por doença
[Ver Diário Original]
GRÁFICO N.º 62
Consultas e exames radiológicos
[Ver Diário Original]

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 4
GRÁFICO N.º68
Dispensários e consultas-dispensário
[Ver Diário Original]
Percentagem de novos casos de tuberculose pulmonar em relação aos novos exaninados
GRÁFICO N.º69
[Ver Diário Original]

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19 DE DEZEMBRO DE 1961
H) Lepra
79. A profilaxia e terapêutica da lepra têm sido influenciadas, através idos séculos, por conceitos populares e 'pelo sentimento de horror que a doença sempre causou nos povos. Esse horror subsiste ainda hoje na recordação de certas histórias, mais ou menos dramáticas, dos tempos bíblicos e medievais.
A doença não é, porém, uma simples doença histórica característica de épocas passadas; é, ainda hoje, um mal que deve ser combatido e do qual estão atacados, em todo o mundo, mais de 5 milhões de pessoas, muito provavelmente mesmo o dobro deste número.
E se esta multidão de doentes existe actualmente, isso resulta, sobretudo, da ideia feita e aceite nos últimos séculos de que a lepra era flagelo que já não interessava combater, por se encontrar praticamente extinto.
A evolução da doença na Europa parecia, de facto, induzir e justificar aquela confiança e o abandono de medidas de profilaxia que tinham sido mantidas com rigor até ao século XV. Estas medidas, que consistiam quase unicamente no isolamento dos leprosos, pois a terapêutica pouco além ia dos inofensivos caldos de víbora, produziram o seu resultado, e, por este motivo, ou, como pretendem outros, porque se tivesse verificado uma vacinação espontânea da população, o mal podia considerar-se desaparecido ao iniciar-se o século XVI.
O que se passou no resto da Europa sucedeu em Portugal, onde os doentes eram isolados em gafarias, que chegaram a ser em número de mais de 60, estabelecidas principalmente no litoral e no norte, protegidas e dotadas pela generosidade dos nossos reis.
Também, entre nós, ao abrandamento das medidas de isolamento correspondeu, nos séculos XVI, XVII e XVIII, um aumento do número de casos de lepra, que, raros a princípio, já constituíam problema no século XIX.
Nos anos de 1800 existiam focos de lepra não só em países da África, do Oriente e da América Latina, mas também em vário® países da Europa, incluindo Portugal.
Este recrudescimento veio mostrar a necessidade de se regressar ao sistema do isolamento, que a diminuição do número de casos e a crença, que entretanto se criara, da hereditariedade da doença, fizeram abandonar.
No fim do século XIX a descoberta do bacilo específico da lepra, confirmando o seu carácter contagioso, veio dar uma justificação de base científica aos defensores do isolamento como meio de proteger a população sã.
E o perigo começou desde então a ser denunciado: na Conferência de Berlim de 1898 e noutras conferências e congressos, como o de Estrasburgo, em 1923, o de Banguecoque, em 1930, e o de Manila, em 1931. Os organismos internacionais começam a interessar-se e a Sociedade das Nações cria uma Comissão da Lepra, encarregada de estudar as normas a seguir na luta contra o flagelo.
80. No nosso país, a gravidade que o problema começou a ter ditou as resoluções dos Congressos Nacional e Internacional de Medicina, realizados em Lisboa, respectivamente em 1898 e 1906, o primeiro dos quais emitiu o voto de a recomendar ao Governo a organização de estudo cuidadoso da lepra e do seu ensino, e a organização do censo dos leprosos e o estabelecimento de colónias agrícolas destes doentes, fundando-se, junto de cada colónia, os serviços clínicos em que se ensaiem todos os meios de combater a doença».
A este voto não foi até 1930 prestada qualquer atenção, como o não foi aos estudos individuais de Zeferino Falcão, Miguel Bombarda, Silva Carvalho, Rocha Brito, Fernando Correia e outros, a quem se havia antecipado António Gomes (pai).
Só em 1930 foi nomeada uma comissão encarregada de estudar e propor as medidas adequadas à profilaxia e isolamento dos leprosos. Esta comissão não chegou a apresentar relatório dos seus trabalhos e da sua actividade resultou unicamente o primeiro e incompleto censo dos leprosos, que, realizado com a colaboração da Fundação Rockfeller, veio a ser publicado em 1938, assinalando a existência de 1127 doentes.
Nesse mesmo ano de 1938 deu-se o primeiro passo decisivo na luta contra a lepra, com a publicação do Decreto-Lei n.° 29 122 (15 de Novembro), que criava a leprosaria a que se dava o nome do benemérito Rovisco Pais, cuja herança era afectada à construção daquele estabelecimento.
Em execução deste decreto-lei, foi adquirida, no concelho de Cantanhede, lugar da Tocha, a Quinta da Fonte Quente, propriedade que, pela sua situação, extensão e topografia, reunia excepcionais condições para a instalação de uma colónia de leprosos.
A construção dos edifícios que haviam de constituir o futuro hospital-colónia foi iniciada pouco depois e a sua inauguração viria a ser feita em 9 de Setembro de 1947.
81. Construído o Hospital-Colónia Rovisco Pais, havia que estatuir o regime jurídico do combate à lepra.
Com este fim, foi publicado, em 2 de Agosto de 1947, o Decreto-Lei n.° 36 450, de cujas providências se esperava, como se diz no respectivo relatório, que «a extinção da lepra venha a verificar-se dentro de curto período; ou, pelo menos, uma diminuição substancial do número de leprosos e, portanto, uma melhoria muito sensível da nossa situação sanitária».
No sistema deste decreto-lei, os indivíduos atacados de lepra eram, conforme os casos, sujeitos a um dos seguintes regimes:
a) Observação e vigilância sanitária;
b) Vigilância e tratamento ambulatório;
c) Internamento em estabelecimento adequado;
d) Tratamento domiciliário.
A doença foi tornada de declaração obrigatória, foram estabelecidas medidas de isolamento (no Hospital--Colónia ou na própria residência) e proibida a entrada ou permanência em Portugal dos estrangeiros atacados de lepra.
A assistência aos leprosos seria prestada em dispensários (central e regionais), preventórios, casas de educação, no Hospital-Colónia, em asilos e por brigadas móveis.
Com funções de orientação e coordenação na luta contra a lepra, o referido decreto-lei criou o Instituto de Assistência aos Leprosos, ao qual compete, ainda, uma actividade de estudo e investigação, de divulgação de medidas profilácticas, de assistência aos doentes e famílias e de preparação do pessoal.
82. A acção do Instituto começou a exercer-se nos variados sectores que as suas funções englobavam.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 4
Como primeiro e urgente passo, procedeu à actualização do censo dos doentes publicado em 1938, censo que, repetido em an^s sucessivos, registou em 1959 a existência de 2667 doentes.
Organizou o arquivo administrativo e médico-social de todos os doentes (internados e não internados, contagiantes e não contagiantes), suspeitos e conviventes.
Para cada caso rastreado procedeu a inquérito epidemiológico e social e organizou o respectivo processo individual e familiar.
No aspecto da orientação técnica, o Instituto tem acompanhado o desenvolvimento dos serviços do Hospital-Colónia, dos dispensários e brigadas móveis, reorganizado serviços médicos e instalado outros, como os de cirurgia de recuperação e cirurgia plástica, sectores de recuperação e de neurologia e o serviço de enfermagem domiciliária.
Por iniciativa da direcção do Instituto, e para apoio técnico deste, foi criado o Conselho Técnico de Leprologia, ao qual compete dar parecer sobre as medidas a serem seguidas na profilaxia e terapêutica da doença.
Desenvolvendo paralelamente uma actividade de estudo, o Instituto propôs e viu aprovada a criação de um Centro de Estudos de Leprologia.
Para preparação do pessoal, foram realizados vários cursos de adestramento, não só para pessoal clínico do hospital, como para delegados e subdelegados de saúde, e um curso internacional de leprologia, que, com o patrocínio da O. M. S., se efectuou no ano findo, e, bem assim, foram facultados estágios de pessoal médico no País e no estrangeiro.
Exercendo larga acção social, tem o Instituto concedido subsídios a doentes e famílias; conseguido a colocação dos filhos dos hansenianos, não só na creche do Hospital-Colónia e no preventório, como ainda em colocações familiares e em estabelecimentos de assistência a menores; procedido à distribuição de medicamentos pelos doentes externos, e obtido aparelhos de prótese necessários à recuperação social dos doentes.
Ainda o Instituto se tem preocupado com a resolução de problemas de ordem jurídica dos hansenianos pobres ou indigentes, bem como com a regularização das suas situações militares ou civis.
Finalmente, tem procedido à divulgação de medidas de higiene e de profilaxia e sujeitado a rigorosa vigilância clínica tanto os doentes externos como os seus comunicantes.
83. Mas o principal papel na luta contra a lepra tem pertencido ao Hospital-Colónia Rovisco Pais, estabelecimento dotado de autonomia técnica e administrativa e que compreende:
a) O dispensário central, ao qual compete a vigilância e tratamento dos doentes de Hansen em regime de consulta externa;
b) O hospital, destinado ao tratamento das doenças intercorrentes e dos leprosos que necessitem de qualquer intervenção ou tratamento especial;
c) O asilo, para o internamento dos doentes inválidos ;
d) As casas de trabalhadores, para os que se encontram aptos para o trabalho;
e) Os núcleos familiares, que permitem a vida em
conjunto às famílias dos doentes;
f) Os preventórios e as casas de educação, destinados aos filhos dos leprosos internados.
Todos estes serviços estão a funcionar de modo satisfatório. Sem necessidade de referir especialmente a acção de qualquer deles, indica-se apenas o movimento do hospital e dos doentes assistidos, que é o seguinte:
Nos primeiros 10 anos foram internados 1693 doentes, tendo obtido alta 627.
Em 31 de Dezembro de 1958 achavam-se internados 896 doentes, número que em igual data de 1959 passou para 901, sendo de 891 em 31 de Dezembro de 1960.
Quanto aos doentes externos (com alta, isolamento domiciliário e tratamento ambulatório), foram tratados nos últimos anos os seguintes:
1957 ................. 1 643
1958 ................. 1 732
1959 ................. 1 766
1960 ................. 1 822
Estes doentes têm sido medicados de acordo com as modernas terapêuticas, incluindo o uso de sulfonas, e, em relação a eles, têm sido utilizadas as técnicas de recuperação mais recentes.
A percentagem dos curados é relativamente elevada (627 nos primeiros anos).
As despesas com a manutenção do Hospital foram durante os anos de 1957, 1958 e 1959:
1957 .............. 9 850 102$90
1958 .............. 9 953 289$40
1959 .............. 12 251 659$40
84. Indicado o regime jurídico da luta contra a lepra e apontadas, resumidamente, as principais realizações das duas entidades a quem essa luta foi confiada — Instituto e Hospital-Colónia —, é o momento de considerar se aquele regime deve ser modificado e alterado o ritmo destas realizações.
O estudo destas questões obriga-nos a ponderar, em primeiro lugar, se deve ou não ser mantida a disposição legal que impõe o isolamento dos doentes contagiantes.
Embora havendo unanimidade de pontos de vista quanto à necessidade de se facultar a todos os doentes de lepra e suas famílias uma completa assistência médica, já as opiniões se dividem quanto à conveniência de estabelecer ou não o isolamento obrigatório.
Fundamentam-se os defensores do tratamento livre em razões de ordem sanitária, médica, social e financeira, visto o isolamento compulsivo levar à ocultação de muitos casos de doença, que, por esse motivo, deixarão de ser vigiados.
Por outro lado, as novas possibilidades de tratamento pelas sulfonas e a crença na possibilidade de imunização pelo B. C. G. e outros meios permitiriam a adopção de uma série de medidas eficazes, que reduziriam em muitos casos carecidos de isolamento. O principal papel deixaria de pertencer à leprosaria para caber ao dispensário.
Socialmente, o isolamento obrigatório tem de reprovar-se, por constituir factor de desintegração da família e a discriminação injusta e desumana de uma classe de enfermos.
Finalmente, a criação e manutenção dos serviços e estabelecimentos necessários ao isolamento de todos-os doentes contagiantes implicaria um encargo financeiro dificilmente comportável para a maioria dos estados onde o problema existe.
Estes argumentos, entre outros, levaram à afirmação (Seminário Pan Americano sobre a Profilaxia da Lepra — Belo Horizonte, 1958— e 7.° Congresso Inter-

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nacional de Lepra, realizado em Tóquio no mesmo ano) de que o isolamento compulsório em estabelecimentos especiais «acarreta sérios inconvenientes, que prejudicam a execução das medidas essenciais à profilaxia».
Esta ideia, de resto, já tinha sido defendida anteriormente em reuniões internacionais, nomeadamente no Congresso Internacional para a Defesa e Reabilitação Social do Hanseniano (Roma, Abril de 1956). Ao receber os participantes desse Congresso, Sua Santidade o Papa Pio XII, sempre esclarecido sobre os grandes problemas sociais e humanos, afirmou que «a supressão dos preconceitos correntes e dos métodos de coacção condiciona o sucesso das campanhas anti-leprosas». Isto depois de ter dito que «não há motivo para adoptar em relação à lepra medidas mais severas do que para outras doenças contagiosas; evitar-se-á mesmo assim uma das causas mais activas da sua propagação: a dissimulação do mal», mostrando, assim, estar longe o tempo em que a Igreja proibia o casamento aos leprosos.
Não pode negar-se que esta moderna orientação se funda em razões até certo ponto válidas.
Sucede, porém, que não está ainda demonstrada a eficácia do B. C. G. como método profiláctico da lepra e que, por outro lado, a eficiência de novas terapêuticas sulfónicas sofre os inconvenientes de ser normalmente aplicada em fases já adiantadas da doença e de exigir, em muitos casos, largos períodos de tempo antes de se obter a negativação bacteriológica.
Em Portugal o problema tem ainda que ser apreciado de acordo com as realidades.
Assim, grande parte dos doentes não se preocuparia com medidas tendentes a evitar o contágio, como não teria em casa as condições higiénicas necessárias para o evitar e, sobretudo, em relação a crianças.
Em segundo lugar, a existência de núcleos afastados, geralmente poucos, de doentes não permitiria que se fizessem, em boas condições económicas, e mesmo técnicas, o seu tratamento e vigilância domiciliários.
Finalmente, o encargo financeiro que resulta do internamento obrigatório é perfeitamente comportável, pois, como se viu, a manutenção do Hospital-Colónia Rovisco Pais não chega a custar 13 000 contos anuais.
É de ponderar que a lei estabelece uma organização que, neste aspecto, pode considerar-se feliz. De facto, a existência dos núcleos familiares, do preventório e casas de educação contribui em larga medida para obviar àquele inconveniente apontado — e um dos mais graves apontados —, que é o da desagregação da família.
Por outro lado, não se pode esquecer que o surto da doença verificado no século XIX foi em muito consequência do abandono das medidas de isolamento, e que estas medidas foram praticadas com êxito na Suécia, na Noruega e na Islândia, pelo que só com muitas hesitações se pode ir para a alteração do princípio estabelecido na legislação portuguesa.
85. Em geral, o esquema da luta contra a lepra, instituído pelo Decreto-Lei n.° 36 450, tem-se mostrado eficiente, sem embargo de se ter verificado a conveniência de rever um ou outro aspecto. Há, pois, que continuar a dotar o Instituto e o Hospital-Colónia dos meios necessários para exercerem a sua acção; dar o maior desenvolvimento às campanhas profilácticas e de educação da população; tentar a descoberta precoce de novos casos, e possibilitar o uso, com larga generosidade, dos novos métodos de imunização e terapêutica que, sobretudo a partir de 1941, a ciência tem descoberto.
E já que o isolamento dos hansenianos contagiantes é um recurso de que não parece oportuno abdicar, há que humanizá-lo, tornando-o cada vez menos penoso para os que infortunadamente têm de suportá-lo.
O carinho e o cuidado do pessoal ao serviço no Hospital-Colónia criaram nos estabelecimentos o ambiente de compreensão humana, que ajudará a melhor sofrer a doença e as suas consequências.
Ao lado das medidas de isolamento será fundamental a acção dos dispensários, prevista no citado Decreto-Lei n.° 36 450 e que é necessário instalar em ligação com os serviços de saúde. Estes, como ficou entendido no V Congresso Internacional de Lepra, em Havana, terão as funções seguintes: procura dos casos e isolamento dos contagiados; investigação epidemiológica; selecção de casos para internamento; controle e tratamento dos casos não isolados, de suspeitos, dos comunicantes e dos evadidos; internamento no preventório, quando necessário, dos filhos dos contagiantes e educação sanitária.
Todas estas funções dos dispensários correspondem às que a nossa lei lhes atribui.
Terá também de prestar-se cada vez mais atenção à recuperação social dos leprosos, aumentando a actividade do centro respectivo, para o que, aliás, já foi adquirida uma quinta no concelho de Tábua.
As cirurgias plástica e de recuperação devem ser usadas na maior escala possível.
O rastreio e tratamento intenso dos doentes externos e a colaboração cada vez mais estreita dos leprólogos com os médicos e autoridades sanitárias permitem prever, com certo optimismo, a resolução não muito distante deste problema.
Na luta contra a lepra há, portanto, que prosseguir no caminho traçado em 1947.
86. Por se poder confundir com a lepra e ainda com doenças do sistema nervoso, cabe neste parecer breve referência à afecção heredofamiliar conhecida por paramiloidose de tipo Corino de Andrade, por haver sido especialmente estudada por este neurologista.
O principal foco situa-se nos arredores do Porto.
Para coordenar os estudos pertinentes a esta doença, tanto no aspecto do seu reflexo na saúde pública, como no da investigação científica, foi criado o Centro de Estudos da Paramiloidose.
I) Endemias rurais
87. Se bem que o sezonismo já fosse conhecido desde o século XVIII, deve-se a Ricardo Jorge o primeiro plano da luta contra a endemia.
No relatório que, por incumbência do Ministro do Reino, elaborou, em 1903, escreveu: «A questão do sezonismo é, como poucas, uma questão patriótica», porquanto «a infecção sezonal avulta entre as piores pragas colectivas que flagelam a população portuguesa». Entretanto, acrescentou: «Ninguém o diria ao atentar na resignada indiferença com que nos deixamos açoitar por ela, numa passividade cobarde ou impotente, como se a malária fosse uma calamidade inevitável e incoercível, das que ferem o homem desapiedadamente e sem remédio».
A resignada indiferença a que aludia Ricardo Jorge prolongou-se por cerca de seis lustros, até que, em 1931, foi concedida a primeira dotação para o início da campanha contra o sezonismo, a qual veio a desenvolver-se a partir de 1938, com a criação dos serviços anti-sezonáticos.

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Deste modo, quando, em 1943, foi enviada a esta Câmara a proposta relativa ao Estatuto da Assistência Social, no parecer que então emitiu, o problema do sezonismo foi posto com toda a clareza: «Não é o sezonismo das doenças de maior letalidade no nosso país, mas é das que fazem perder mais dias de trabalho à população rural e atingem mais fundo o organismo, depauperando os indivíduos e definhando a raça».
Na verdade, como se lê naquele parecer desta Câmara, de 1931 a 1941 foram tratados 94 450 indivíduos com mais de 15 anos atingidos pelas sezões, devendo os mesmos, segundo cálculos internacionalmente estabelecidos, ter perdido 1 718 100 dias de trabalho, ou seja 18 dias de trabalho por indivíduo e por ano.
Ainda no referido parecer são comparadas as importâncias despendidas na luta com as relativas aos salários recuperados, pois, com base nessa comparação, pode avaliar-se o lucro que resultou para a economia nacional da campanha anti-sezonática, lucro este extraordinariamente aumentado nos últimos anos.
Mas o referido número estava ainda aquém da realidade, visto que, com base nos arquivos dos serviços de higiene rural e defesa anti-sezonática, se apuraram 253 388 casos nos anos de 1940 a 1945, o que corresponde, em média, a 50 000 por ano.
E, como muitos deles não fossem registados nos serviços, o Prof. Cambournac calculou em 70 000 o número de indivíduos impaludados em cada um dos referidos anos.
Nos cinco anos referidos verificaram-se 2207 óbitos causados pelo sezonismo. O número destes baixa de ano para ano: 248 em 1945, 168 em 1946, 83 em 1947, até que o sezonismo acaba por desaparecer no nosso obituário.
Paralelamente, a morbilidade sofre uma baixa impressionante: nos anos de 1957 a 1960 verificaram-se, em média, 28 casos por ano, em vez dos 50 000 que, em média, se registaram nos anos que antecederam a campanha.
Também os resultados obtidos contra o sezonismo permitiram rever a política do condicionamento da cultura do arroz, passando esta a estender-se a, zonas que anteriormente lhe estavam vedadas.
Em 1945 produziram-se 44 483 t de arroz; dez anos depois, a produção subia para 178 816 t, passando a área cultivada de 13 100 ha para 38 704 ha.
O País, de um momento para o outro, passou de importador de arroz, sua posição tradicional, para exportador.
A morbilidade por paludismo, nos últimos quinze anos, é dada pelo quadro seguinte:
QUADRO N.° 65
[Ver Diário Original]
88. Presentemente, a situação sanitária do País, no que respeita a esta endemia, é bem diversa da descrita no parecer desta Câmara de 1943 sobre o estatuto em vigor.
Mas isto não quer dizer que se possa repousar à sombra dos louros conquistados. Não.
As zonas mais ou menos expostas ao reaparecimento do sezonismo abrangem 36 234 km2 e são habitadas por cerca de 2 milhões de habitantes.
Provenientes do ultramar e de outras regiões onde o sezonismo ainda não foi erradicado, entram no País muitos imigrantes que podem ser «portadores» de plasmódios e, portanto, originar o reaparecimento da doença, uma vez que não faltam entre nós os mosquitos transmissores.
Também nas zonas do paludismo tradicional podem existir indivíduos aparentemente sãos, mas entretanto capazes de originar focos epidémicos, por serem «portadores» de parasitas.
Torna-se necessário, pois, vigiar os imigrantes suspeitos e curar radicalmente os «portadores» indígenas.
Se não faltam razões para encarar com manifesto optimismo a situação actual, nem por isso se pode esquecer que a própria benignidade do clima e as nossas ligações com o ultramar são factores propícios à reaparição da endemia.
89. Além do paludismo, as endemias rurais mais conhecidas são o kala-azar,a ancilostomíase, a bilharzíase e a tinha.
O kala-azar ataca quase exclusivamente as crianças, contribuindo assim para o agravamento da mortalidade infantil.
São conhecidos os principais focos endémicos: um no Sul, tendo por centro da maior incidência Alcácer do Sal; outro no Norte, na região do Alto Douro.
Devido a medidas profilácticas tomadas pelos serviços de higiene rural e defesa anti-sezonática, quase se eliminou o foco do Sul, enquanto o do Douro, pelo contrário, se mantém activo.
A acção dos referidos serviços pode ainda considerar-se notável na luta contra a ancilostomíase.
O mapa junto mostra a evolução das taxas de morbilidade pelas referidas endemias: kala-azar, paludismo e ancilostomíase, taxas estabelecidas não em relação à totalidade da população, mas em relação à das regiões ou das profissões especialmente afectadas.
Pode ainda referir-se a eliminação da bilharzíase, que grassava no Algarve, com reflexo no turismo naquela província e nas próprias obras de hidráulica agrícola em curso ou realizadas no Sul do País.

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O combate à tinha tem estado confiado a oito brigadas móveis, chefiadas por médicos dos serviços técnicos de profilaxia das doenças infecciosas e sociais, dotadas de viaturas privativas e equipadas com microscópios e aparelhagem de radioterapia superficial.
Graças à campanha empreendida e à descoberta do poder terapêutico de novos antibióticos específicos, a tinha deixará de constituir em breve problema sanitário.
Apesar de não se tratar de endemia causada por agente infeccioso, deverá ainda referir-se o bócio endémico de que se têm registado bastantes casos no concelho de Oleiros.
90. O combate às endemias rurais tem de enquadrar-se no plano mais vasto da protecção da saúde da população rural. É que, se, por um lado, estamos ligados à Europa Ocidental pela raça e pela cultura, por outro, as nossa relações económicas de convivência tendem a estreitar-se com a África, onde se situa a maior superfície do território nacional.
Estamos, pois, em condições excepcionais para importar as doenças próprias dos países quentes, que, encontrando clima favorável, podem ter na metrópole expansão idêntica à registada em algumas zonas do ultramar.
Este condicionalismo económico, geográfico e nacional obriga à maior vigilância e a cuidados especiais.
QUADRO N.° 66
Taxas de morbilidade de algumas endemias
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[Ver Diário Original]
§ 5.º
Prostituição
91. A prostituição é mal antigo. Atribuem-se-lhe geralmente como causa factores de ordem individual, familiar, económico-social, cultural e moral.
Seria difícil dizer qual a relevância social que cabe a cada um desses factores. A experiência parece mesmo indicar que todos eles agem cumulativamente, criando as condições e ambiente propícios à manutenção e desenvolvimento deste flagelo social.
A luta contra a prostituição terá, por isso, de ser orientada no sentido de se alterarem as causas que lhe estão na origem.
A solução do problema implica reformas sociais, económicas, jurídicas e de ensino e, sobretudo, o fortalecimento do indispensável clima moral.
92. Entretanto, tem de partir-se da realidade de que a prostituição existe e que, ao lado das medidas gerais que poderão contribuir para a sua diminuição, há que obviar, de momento, aos seus inconvenientes e impedir o seu desenvolvimento.
No parecer desta Câmara sobre o Estatuto da Assistência Social dizia-se que «ainda aqui a grande acção a desenvolver é a da profilaxia social». E, depois de enumerar algumas causas indirectas da prostituição, o parecer concluía pela necessidade de se dar «o lugar

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devido às obras de preservação particularmente organizadas para defesa e protecção das raparigas».
E incontestável que a acção profiláctica será a mais importante, mas julga-se que ao lado desta deverá exercer-se actividade que vise a regeneração.
Existem algumas obras de carácter particular que, com extraordinária boa vontade dos seus dirigentes, se têm dedicado à regeneração de «raparigas perdidas». Os resultados obtidos não correspondem à gravidade do mal, mas a falha deve resultar da falta de pessoal especializado e, principalmente, da inexistência de plano de conjunto que integre as casas de regeneração num complexo de instituições que vão acompanhando os diversos estádios da readaptação social da mulher moral e psicologicamente recuperada.
93. Mas a questão não tem apenas aspectos sociais. Levanta importantes problemas sanitários, sabido, como é que a prostituição é uma das causas de propagação das doenças venéreas. Por isso, a Lei n.° 2036, de 9 de Agosto de 1949, sobre doenças contagiosas, ao encarar a luta contra as doenças venéreas, não esqueceu o problema da prostituição.
A base XV da referida lei estabelece a proibição de novas matrículas de prostitutas e a abertura de novas casas de toleradas e, ainda, a possibilidade de a autoridade sanitária determinar o encerramento destas casas, quando representem perigo grave para a saúde pública.
Como consequência da publicação desta lei, diminuiu, de então até hoje, o número de casas e de matriculadas, pela forma que o quadro seguinte mostra:
QUADRO N.º 67
[Ver Diário Original]
Parece, portanto, que alguma coisa resultou da publicação da Lei n.° 2036. Mas o que se avançou nesta matéria foi menos do que seria para desejar, pois a esta diminuição do numero de mulheres matriculadas correspondeu, especialmente nos grandes aglomerados populacionais, um aumento da prostituição clandestina.
O encerramento progressivo das casas de toleradas dá satisfação a princípios morais de validade indiscutível.
Além disso, a incomodidade do exercício da prostituição clandestina, sobretudo se forem adoptadas medidas policiais adequadas, e a maior dificuldade de organização dos interesses daqueles que vivem à custa da mulher prostituída, podem levar à diminuição do seu número.
E a vantagem que assim se obtém não acarreta os inconvenientes sanitários que os defensores da prostituição organizada e oficializada invocam.
Por toda a Europa se aboliram as casas de prostituição e os seus regulamentos, sem que daí tenham resultado prejuízos graves para a saúde pública.
Em Portugal, desde Ricardo Jorge, o abolicionismo tem sido defendido por importante sector da opinião pública.
Os seus defensores procuram demonstrar que a regulamentação não dá suficientes garantias, fundados nas seguintes razões:
à) Ser grande a percentagem de matriculadas que, apesar da regulamentação, não são sujeitas a vigilância sanitária;
6) Poder o contágio ter lugar no intervalo das inspecções;
c) Provocar a confiança do homem, que, baseado
na vigilância, que supõe suficiente, não toma quaisquer precauções;
d) Facilitar a existência de casas de toleradas os
contactos sexuais e, portanto, o aumento do risco de doenças venéreas;
e) Ser a inspecção feita só à mulher e transmitir-se a doença também através do homem.
For outro lado, acrescentam, é possível desenvolver acção profiláctica eficaz, independentemente do facto de a prostituição estar regulamentada, porquanto:
a) A maior extensão e eficiência dos serviços de saiíde pública permite melhores cuidados profilácticos não só em relação às mulheres, mas também quanto aos homens;
6) A existência de meios eficazes no tratamento das doenças venéreas leva à consequente diminuição do número de casos em fase contagiante ;
c) Com medidas sanitárias e policiais adequadas é possível circunscreverem-se os perigos da prostituição clandestina.
94. Enquanto se não extinguir por completo a prostituição, meta para que firmemente se deve tender, há que tomar as providências necessárias, em vista a diminuir os seus efeitos.
No IV Congresso das Misericórdias, realizado em Lisboa, em 1959, foi defendida pelos Srs. Dr. Norton Brandão e pela assistente social D. Maria de Jesus Lamego a necessidade de legislação severa, com o fim não só de evitar a extensão do mal, mas ainda de permitir a regeneração e reabilitação da mulher prostituída.
Essa legislação terá de orientar-se no sentido de acabar com a prostituição regulamentada, de reprimir o tráfico das brancas e punir os exploradores da prostituição ; de fomentar a criação de casas de protecção à infância, às raparigas e às mães solteiras, desenvolvendo outras medidas de natureza preventiva, em ordem a diminuir as causas da prostituição.

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§ 6.º
Outras necessidades
A) Assistência à família
95. Com o fim de favorecer a constituição da família e promover a melhoria das suas condições morais, económicas e sanitárias, foi criado em 1945, pelo Decreto-Lei n.° 35 108, o Instituto de Assistência à Família, que de certo modo sucedeu à Organização Nacional de Defesa da Família, instituída pelo Decreto-Lei n.° 25 936, de 17 de Outubro de 1935.
Foram-lhe confiadas funções de orientação e de coordenação das actividades que tivessem como finalidade a defesa da família e ainda a de completar a acção das instituições particulares que visassem o mesmo objectivo, quando esta se mostrasse incapaz ou insuficiente.
Ficou, também, a competir a este Instituto a prestação de socorros urgentes, designadamente por ocasião de calamidades públicas ou de sinistros.
Sendo como é a discrição na forma de actuar uma das características essenciais do Instituto, os números não podem exprimir o conjunto da sua actividade, nem traduzir com fidelidade os benefícios resultantes da sua acção.
Como órgão coordenador, o Instituto deveria exercer principalmente acção orientadora e de coordenação das actividades particulares e oficiais, e não de execução directa.
Não é fácil, porém, fomentar a iniciativa privada para o exercício dessa modalidade de assistência. Ao contrário do que sucedeu em outros tempos, em que a boa vontade dos que exerciam a caridade através da prática das obras de misericórdia chegava para satisfazer as exigências da época, a complexidade dos problemas actuais, suscitados pela existência de grandes núcleos populacionais, com a consequente necessidade de pessoal dotado de conhecimentos técnicos especializados no serviço social, e a indispensável discrição que deve rodear este tipo de assistência, são factores que não contribuem para atrair, em escala apreciável, a caridade particular.
Assim, a assistência particular, nesta modalidade, quase se reduz a alguns poucos centros de assistência social e à acção benemerente das Conferências de S. Vicente de Paulo.
Perante esta situação, viu-se o Instituto de Assistência à'Família obrigado a preencher a lacuna deixada pelas actividades privadas e a criar, ele próprio, uma rede de inquérito social e de assistência directa nas capitais de distrito e nos núcleos populacionais mais importantes.
96. Utilizando profissionais de serviço social, o Instituto procura conseguir o levantamento moral, social e económico das famílias, orientando-as no sentido de levá-las a resolver os seus próprios problemas, encaminhando-as para as entidades e obras tanto oficiais como particulares que possam cooperar nessa solução.
Esta rede de assistência, muito embora pertencendo a organismo oficial, não se tem revestido de características estaduais ou socializantes e não actua por forma abstracta e padronizada, antes tem procurado manter--se dentro do espírito e da doutrina do serviço social — contacto directo e ao serviço de cada pessoa, das famílias e mais comunidades.
Graças à existência do Instituto de Assistência à Família e aos seus métodos de trabalho, tem sido possível auxiliar milhares de famílias para cujos problemas se encontrou a solução mais adequada e humana.
E, mesmo tendo em conta as deficiências de actuação que algumas vezes se terão verificado, por se ter feito mais assistência directa do que serviço social, o que se fez, e até a forma como se fez, constitui largo saldo positivo a favor do Instituto.
97. A assistência à família nos seus desequilíbrios — verdadeiro complemento das restantes actividades de saúde e assistência ¦— sofre, como é natural, o reflexo das insuficiências existentes nos vários sectores da vida nacional.
Se as consultas hospitalares não prestam assistência farmacêutica; se o doente veio para os grandes centros para ser hospitalizado e aguarda cama ou se encontra em tratamento ambulatório; se não ha possibilidades de reeducação e readaptação para os deficientes físicos, sensoriais e motores, ou se, uma vez readaptados, não encontram colocação; se os salários são insuficientes para a manutenção da família, sobretudo em casos de doença; se o chefe de família perdeu o emprego e tem dificuldade em conseguir outro por falta de trabalho ou de preparação profissional; se a habitação é má e o esquema do seguro social é insuficiente — o encargo da assistência a essas famílias recai, muitas vezes, sobre o Instituto de Assistência à Família.
Entre as causas que mais frequentemente concorrem para os desequilíbrios familiares, contam-se: a deficiente preparação da mulher para a vida do lar; o insuficiente conhecimento dos problemas familiares e as condições impróprias de habitação.
Aqui reside a grande dificuldade na actuação do Instituto, que se vê obrigado a agir, por vezes, fora das suas finalidades principais. Mas reside também, em grande parte, o mérito da actuação, evitando a existência de uma «terra de ninguém» em que as famílias ficariam desamparadas.
Com a melhoria constante que se verifica nas condições de funcionamento das diversas actividades de saúde, assistência e previdência, o Instituto de Assistência à Família poderá gradualmente ir circunscrevendo a sua acção à esfera da sua competência directa e desenvolver, tanto quanto possível, o serviço social de caso, de grupo e de comunidade em ordem à elevação do nível moral, sanitário, económico e social das famílias e dos agrupamentos em que estas se integram.
98. A deficiente preparação da mulher para a vida do lar está muitas vezes na origem da desagregação de muitas famílias e do consequente recurso ao serviço social. Com efeito, a mulher portuguesa, inexcedível de dedicação pela família, nem sempre está preparada para a vida doméstica, e nesse facto reside a origem de muitos desequilíbrios, não só de ordem económica como moral.
A acção da Obra das Mães pela Educação Nacional, através dos seus centros de formação familiar e doméstica, os cursos da Mocidade Portuguesa Feminina, a colaboração prestada pelo Instituto de Assistência à Família, organizando cursos de educação familiar e doméstica, etc, são factores que muito têm contribuído para a melhoria do ambiente familiar. Neste aspecto, porém, há ainda muito a fazer.
99. A habitação, conforme se lê em parecer desta Câmara, constitui o «elemento fundamental de uma eficaz assistência social». A falta dos requisitos mini-

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mos de conforto e salubridade conduz à instabilidade e à dispersão da família, com todas as nefastas consequências de ordem moral e familiar.
O esforço desenvolvido nas últimas décadas, cujo ritmo ainda aumentou recentemente, no sentido de proporcionar melhor habitação à população portuguesa, não poderá deixar de reflectir-se por forma benéfica na estabilidade dos lares.
Há, porém, alguns aspectos do problema a que nem sempre tem sido dada a devida importância: o estudo das necessidades das famílias a que as habitações se destinam e das suas possibilidades económicas; a adaptação das famílias que viviam em más condições às novas instalações que lhes são facultadas, o seu acompanhamento durante algum tempo, em ordem a garantir a conservação das casas e a levar os seus habitantes a criar os seus próprios círculos de relações e de divertimentos. Quanto a estes aspectos, torna-se indispensável a intervenção do serviço social do Instituto de Assistência à Família e de outros organismos, sendo de assinalar a acção desenvolvida pelas Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto.
Não se esquece, todavia, que na Direcção-Geral de Previdência e Habitações Económicas, do Ministério das Corporações, funciona, há cerca de quatro anos, um serviço de inquéritos habitacionais, ao qual incumbe a recolha de elementos respeitantes às condições de ordem familiar, social e económica a que devem obedecer as casas económicas ou de renda económica a construir pelo Estado e pelas instituições de previdência nas diversas regiões do País. 0 aludido serviço dispõe de pessoal especializado e de meios que lhe permitem desempenhar a sua missão.
Por outro lado, tanto como a construção de novas casas, interessa a melhoria das existentes, o que se poderia conseguir através de pequenos empréstimos, reembolsáveis em prestações.
A esta finalidade visou a Lei n.° 2092, de 9 de Abril de 1958, sobre a cooperação das instituições de previdência e das -Casas do Povo e suas federações no fomento da habitação. As bases i, x e seguintes deste diploma regularam a concessão de empréstimos, pelas respectivas instituições, aos beneficiários e contribuintes das caixas & aos sócios efectivos das Casas do Povo para construção, benfeitorias e obras de conservação de habitações. O número de empréstimos concedidos nos termos dos citados preceitos ascendia, em Abril do corrente ano, a 397 e o seu montante a 23 400 contos.
100. A necessidade de favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade constitui obrigação do Estado em obediência a preceito constitucional. O que se tem feito nesse sentido é muito.
Nota-se, contudo, a falta de instituições privadas que procurem criar entre nós uma verdadeira consciência familiar quanto às responsabilidades que, nesta qualidade, pesam sobre os chefes de família.
Da falta dessa consciência resultam perturbações na vida pessoal, familiar e social, que poderiam ser evitadas e que, na medida em que o não são, se agravam, transformando-se em males sociais.
Da mesma circunstância derivam também dificuldades de adaptação à vida de família, a frequência da taberna e o alcoolismo, o recurso ao asilo para internamento das crianças e dos velhos e o consequente afrouxamento progressivo dos laços familiares.
Se bem que alguma coisa se tenha feito no sentido de dar estabilidade e coesão à família, muito há ainda a realizar, sobretudo no sentido do fomentar a criação de organizações particulares que se ocupem destes problemas, pois a acção do Estado nesta matéria é necessariamente limitada e supletiva.
101. Além de actuar em tudo o que respeita à assistência aos agregados familiares e que não é da competência específica de outros organismos, o Instituto de Assistência à Família foi incumbido de realizar os inquéritos sociais que se tornem necessários para a prestação de outras modalidades de assistência, dado o facto de muitos serviços não disporem de pessoal privativo ou de este se dedicar a tarefas de serviço social especializado.
São óbvias as vantagens de o inquérito ser realizado por pessoal qualificado, até porque aquele constitui um dos meios de se conseguir o diagnóstico social quanto possível perfeito.
Nem sempre é fácil recrutar pessoal especializado, dado o facto de ser ainda reduzido o numero de assistentes sociais e familiares diplomadas pelas várias escolas.
Para suprir, em parte, a sua falta foram criados cursos de auxiliares sociais. A experiência de alguns anos de funcionamento aconselha que se proceda à sua remodelação, a fim de dar satisfação às necessidades actuais dos serviços.
102. Ainda que as actividades de assistência à família em tudo o que respeita às inúmeras diligências e contactos directos, com vista à sua protecção e defesa, não sejam traduzíveis em números, indicam-se, em todo o caso, algumas que dão ideia do que se tem feito e das importâncias gastas.
As verbas aplicadas pelo Instituto de Assistência à Família, que em 1946 foram de 8 841 036$20, atingiram 19 225 440$30 em 1950, 37 063 4381 em 1955 e 48 487 757$20 em 1959. Estas quantias provêm, na sua maior parte, do Comissariado do Desemprego, correspondendo a 10 por cento das suas receitas, e do Fundo de Socorro Social, para o fornecimento de refeições e para outras formas de repressão da mendicidade.
Com destino à concessão de auxílios às famílias necessitadas residentes do concelho de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia, que ao Instituto tem prestado inestimável colaboração, confia anualmente à sua administração 8 900 000$. O Instituto tem ainda recebido auxílios da Caritas, das comissões distritais de assistência, dos governos civis e dos Institutos de Assistência aos Menores e aos Inválidos.
O pagamento de subsídios concedidos por diversas entidades, através do Instituto de Assistência à Família, confere a vantagem de permitir o estudo dos casos por pessoal competente.
O Instituto concede subsídios mensais, de invalidez e eventuais, roupas de uso pessoal e roupas de cama e paga o fornecimento de refeições, com o objectivo de reprimir a mendicidade.
Concede também empréstimos sem juros a famílias que se encontrem em dificuldades transitórias ou que pretendam adquirir meios de trabalho. A quantia anual despendida em empréstimos é presentemente superior a 1000 contos, tendo sido recebidas cerca de 8000 prestações de reembolso, num total superior a 800 contos.
Anualmente são efectuadas muitas dezenas de milhares de visitas domiciliárias.
O Instituto colabora ainda com as mais diversas entidades, não só oficiais como particulares, tais como as

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Obras Paroquiais, as Conferências de S. Vicente de Paulo, a Caritas e com a Fundação Gulbenkian, no que respeita à realização de inquéritos destinados à concessão de bolsas a estudantes pobres.
A acção desenvolvida pelo Instituto de Assistência à Família em quinze anos de funcionamento, não obstante a insuficiência das verbas e os defeitos inerentes a quem dá os primeiros passos, leva a considerá-lo como peça essencial na estrutura da assistência no País.
A medida em que for libertado do inquérito económico e dos encargos que sobre ele têm pesado por insuficiências ainda existentes noutras modalidades de assistência, o Instituto poderá ocupar-se mais do estudo dos problemas familiares e completar a sua acção orientadora e coordenadora de cooperação com Misericórdias, Casas do Povo e dos Pescadores, estimulando a criação de instituições particulares.
B) Assistência aos Inválidos
103. A assistência aos inválidos respeita essencialmente a duas categorias de pessoas, que têm de comum a impossibilidade de angariar por si os meios necessários à sua subsistência.
Uma delas é constituída por indivíduos de idade avançada que não conseguiram economizar o bastante para a velhice e não beneficiam de qualquer tipo de previdência.
Na outra incluem-se os que se encontram incapacitados para o trabalho, por estarem física ou psiquicamente diminuídos.
Estes dois grupos de pessoas pereceriam à míngua se a caridade privada ou a assistência pública lhes não facultassem os meios de que carecem.
104. Pelo Decreto-Lei n.° 35 108 foi criado o Instituto de Assistência aos Inválidos, com funções de orientar e coordenar as instituições que se proponham amparar e proteger os velhos e os inválidos. A sua actividade exerce-se, nos termos da lei, em colaboração com o Instituto de Assistência à Família, com as Misericórdias, outras instituições particulares e com as Casas do Povo e dos Pescadores.
O fulcro desta modalidade de assistência continua, porém, a ser a iniciativa privada, limitando-se o Instituto a dar-lhe a colaboração de que carece e a exercer uma actividade complementar quando aquela iniciativa se mostre insuficiente.
Não obstante, tem o Instituto em muitos casos necessidade de actuar directamente, para o que lhe foram agregados o Asilo de Mendicidade de Lisboa, de Velhos de Marvila e Portuense de Mendicidade, destinados a pessoas idosas; o Lar de Nossa Senhora dos Anjos e o Centro de Recuperação de Cegos, em Lousa, para cegos, e os recolhimentos da capital, em número de cinco, para residência de senhoras viúvas ou filhas de oficiais do Exército ou de civis que prestaram serviços relevantes ao País.
Recentemente, iniciou-se a criação de lares para casais idosos, aos quais se evita, por esta forma, uma separação dolorosa.
Nos recolhimentos da capital tem procurado criar-se e manter-se o ambiente de dignidade e de decência correspondente à categoria social das senhoras recolhidas.
Actualmente cuida de instalar-se na cidade do Porto um recolhimento com natureza e fins semelhantes aos dos da capital.
105. A assistência prestada pelo Instituto de Assistência aos Inválidos e o seu desenvolvimento no que respeita a internamentos pode apreciar-se através dos elementos seguintes:
QUADRO N.° 68
Assistidos nos três asilos agregados ao Instituto de Assistência aos Inválidos
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 69
Acordos de cooperação com instituições particulares
[Ver Diário Original]
Pelo Instituto e instituições por ele coordenadas foram fornecidas, durante o ano de 1958, 11 691468 refeições, sendo 2 857 759 pelos estabelecimentos oficiais a 8 833 709 pelas instituições particulares.
Quando, por falta de vagas, não é possível promover o internamento ou este é contra-indicado por motivos psicológicos, familiares ou sociais, o Instituto concede subsídios, cujo montante tem vindo a aumentar de ano para ano.
106. Em relação às pessoas de idade avançada, não surgem problemas de recuperação. Quanto a estas, a preocupação principal deverá consistir em evitar aos internados a desadaptação social que o seu internamento pode originar. É essencial criar-lhes ambiente tão semelhante quanto possível àquele em que vivem os indivíduos da mesma criação que, mais favorecidos pela fortuna, continuam integrados na sua família e no seu meio social.
Na orientação a seguir haverá que aproveitar a experiência dos países que estão na vanguarda do estudo dos problemas de assistência à velhice, adaptando as suas soluções aos recursos e às particularidades próprias da gente portuguesa.
107. Problema diferente é o daqueles que se encontram mental ou fisicamente diminuídos por motivos de acidentes ou de outras causas, sobressaindo entre estas as sequelas da poliomielite. Nesta situação estão quase duas dezenas de milhares de pessoas.
Não é recente a ambição de recuperar ou de, pelo menos, aproveitar o trabalho dos diminuídos físicos.
Na sua Peregrinação conta Fernão Mendes Pinto que na cidade de Pequim, «onde reside o mais do tempo

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o rei da China», se os enjeitados «por defeito da natureza não são para aprender ofícios também se lhes dá outro remédio de vida, conforme a necessidade de cada um. Se são cegos dão a cada atafoneiro, que tem engenho de mão, três, dois para moer e um para peneirar; os aleijados dos pés, que não podem andar, dão-se aos espardeiros para que torjam tamiças e façam empreitas para seirões e outras coisas que as mãos podem fazer. E para os aleijados das mãos, que não podem trabalhar com elas, dão-lhes uma seira para que, às costas, acarretem das praças, por dinheiro, pescado, hortaliça e outras coisas à gente que nem tem quem lho leve nem o pode ela levar».
E isto passava-se na China e no século XVI!
Hoje, todos os países civilizados procuram o equivalente moderno das soluções daquele engenhoso rei da China.
Em Portugal a primeira tentativa séria de recuperação económica e social dos deficientes físicos e sensoriais coube à Comissão de Auxílio aos Inválidos, do Fundo de Socorro Social.
Apesar da incompreensão quase geral que rodeou o trabalho da Comissão, os efeitos da sua actividade foram apreciáveis.
Fundou e manteve entre 1946 e 1955 uma consulta para observação de inválidos que careciam de aparelhos ortopédicos ou de substituição, na qual se incutia ao diminuído físico a ideia de que as consequências da sua invalidez podiam ser superadas e se lhe indicavam os meios de o poder conseguir.
Obteve-se, por este modo, a recuperação de alguns inválidos, que hoje se bastam, completamente ou em grande parte, com os proventos da profissão que passaram a exercer.
Além disso, a Comissão concedeu à paralíticos cadeiras de rodas, no valor de 1000 contos, e despendeu na aquisição de outros aparelhos, destinados a suprir certas deficiências ou formas ¦ de invalidez, cerca de 4000 contos.
Em Julho de 1955, a Comissão de Auxílio aos Inválidos foi integrada no respectivo Instituto, a cargo do qual ficaram a consulta e a concessão de aparelhos ortopédicos. Com a aquisição destes têm-se gasto verbas progressivamente mais elevadas, que, tendo sido de 307 209$80 em 1956, passaram para 1 189 000$ em 1959 e 1 783 425| em 1960.
A simples concessão dos aparelhos de prótese não resolve, porém, o problema, se os necessitados não forem industriados sobre a forma como devem orientar a sua adaptação e não lhes for dada a faculdade de exercer uma actividade. Com vista a obter a sua preparação psicológica e a indispensável aprendizagem, pensou o Instituto em montar um centro de recuperação, estando presentemente a efectuar diligências no sentido de conseguir o terreno próprio para a implantação dos edifícios necessários.
A Câmara nada tem a objectar, desde que daí não resulte uma duplicação desnecessária.
108. Outras iniciativas têm surgido neste campo, como as da Liga dos Deficientes Motores, da Associação dos Deficientes da Mobilidade, ambas de Lisboa, e o Centro de Recuperação da Quinta da Prelada, a cargo da Santa Casa da Misericórdia do Porto, em ligação com o Grémio dos Seguradores.
Também a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com a organização e os recursos de que dispõe, sensivelmente acrescidos nos últimos anos mercê da acção desenvolvida pelo seu provedor, resolveu encarar este problema em profundidade, propondo-se instalar um centro de medicina física e de reabilitação dos diminuídos motores.
O centro, cujo custo foi orçado em 60 000 contos, disporá de um hospital localizado no concelho de Cascais, em Alcoitão, com unidades de internamento para 252 doentes, e de duas consultas externas, uma no próprio hospital, outra em Lisboa.
A organização compreenderá, além dos indispensáveis serviços administrativos, serviços de diagnóstico (laboratórios de análises e de raios X, electrodiagnóstico, etc); serviços de tratamento (fisioterapia, terapêutica ocupacional e funcional, oficinas de confecção de dispositivos de compensação das insuficiências físicas, etc.); e serviço social de psicodiagnóstico, de psicoterapia, de foniatria, de orientação vocacional, de actividades recreativas e de assistência espiritual.
Os edifícios onde estes serviços hão-de funcionar estão quase concluídos, esperando-se para breve a sua inauguração.
Entretanto, preparam-se médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e ergoterapeutas, técnicos de confecção de membros artificiais e de aparelhos ortopédicos e outras categorias de pessoal, em cursos orientados de acordo com as normas internacionais.
Enquanto se aguardava a conclusão dos edifícios que hão-de constituir o centro, a Misericórdia de Lisboa organizou provisoriamente, no Sanatório de Santana, serviços de fisioterapia e terapêutica ocupacional, dos quais foi já obtido considerável rendimento.
O cuidado com que os esquemas de funcionamento do centro foram elaborados e a concordância que mereceram ao Dr. H. A. Rusk, presidente da Associação Mundial de Reabilitação, justificam a esperança de que a iniciativa da Misericórdia de Lisboa represente passo decisivo no caminho iniciado pela Comissão de Auxílio aos Inválidos, do Fundo de Socorro Social, e continuado, na medida dos seus recursos, pelo Instituto de Assistência aos Inválidos.
A experiência que vier a colher-se do funcionamento do centro permitirá o desenvolvimento gradual, mas agora mais rápido, dos meios e serviços que se destinam à reabilitação dos diminuídos físicos e sensoriais.
É mister, porém, que todas as entidades com interesse na solução do problema cooperem na execução de um plano homogéneo, que terá de traçar-se de tal forma que os esforços despendidos não venham a prejudicar-se pela sua dispersão.
Além do mais, importa não perder de vista que o problema da recuperação e reeducação de inválidos não é mero problema assistencial, e, designadamente no caso de se tratar de antigos trabalhadores, ele respeita directamente ao departamento responsável pelas questões de trabalho, cuja colaboração se afigura indispensável para que o mesmo, de verdadeiro interesse nacional, encontre as soluções mais convenientes.
109. O inválido que se torna total ou parcialmente apto para o trabalho precisa de exercer a profissão mais apropriada à sua aptidão.
Ao dever de trabalhar corresponde o direito ao trabalho, que o Estado deve procurar tornar efectivo, condicionando o direito de admissão do pessoal, em ordem a facilitar a colocação dos inválidos tornados aptos.
Problema delicado, não pode resolver-se impondo às empresas a obrigação de fornecer trabalho que a sua direcção repute desnecessário, o que ofenderia o princípio consignado no artigo 17.° do Estatuto do

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Trabalho Nacional. Mas, dentro do esquema de trabalho de cada empresa, há que organizá-lo por forma a proporcioná-lo também aos indivíduos parcialmente inválidos, a quem deverá ser atribuída a remuneração justa, isto é, proporcional ao seu grau de aptidão e rendimento do trabalho efectivamente prestado.
Nesta orientação, algumas convenções colectivas de trabalho já têm inserido cláusulas sobre a remuneração a atribuir a profissionais fisicamente diminuídos.
C) Prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais
110. Quanto ao aspecto da prevenção dos acidentes de trabalho e doenças profissionais é longo o caminho percorrido desde que Ramazzini publicou o famoso livro De Morbis Artificum Diatriba.
Em Portugal, as primeiras disposições legais com vista à melhoria das condições higiénicas do trabalho industrial foram publicadas em 3 de Janeiro de 1837. A partir de então, têm-se sucedido as providências legislativas, destacando-se, de entre elas, o Decreto de 10 de Fevereiro de 1890 sobre o trabalho das mulheres e menores; o Decreto de 28 de Dezembro de 1898 sobre a criação dos Serviços de Higiene da Indústria e do Trabalho; o Decreto n.° 8364, de 25 de Agosto de 1922, que aprovou o Regulamento da Higiene e Salubridade das Indústrias Insalubres, Incómodas ou Perigosas ; o Decreto n.° 14 497, de 29 de Outubro de 1927, que reorganizou a Inspecção da Higiene do Trabalho e das Indústrias.
Pela Lei n.° 1942, de 27 de Julho de 1936, foi assegurado o direito à assistência clínica às vítimas de um acidente de trabalho que lhes ocasione alguma lesão ou doença, direito este extensivo também a determinadas doenças profissionais.
Na dependência da Direcção-Geral de Saúde funcionam os serviços técnicos de higiene do trabalho e das indústrias, aos quais competem, entre outras, as seguintes atribuições:
a) Estabelecer as normas de salubridade dos locais de trabalho e as relativas à prevenção dos acidentes de trabalho e à profilaxia das doenças profissionais e fiscalizar a sua observância ;
b) Dar parecer sobre o licenciamento das indústrias insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas, em relação às quais deve determinar a adopção de medidas de higiene, salubridade e segurança e fixar as normas relativas aos períodos de trabalho ;
c) Colaborar com outros sectores da administração pública no estudo de problemas respeitantes à higiene do trabalho, nomeadamente com a Junta de Energia Nuclear, no tocante à protecção contra as radiações ionizantes.
Simplesmente, para fazer face às suas atribuições, os serviços dispõem apenas de um director e de um adjunto devidamente especializados, pelo que, na sua maior parte, as mesmas são desempenhadas por delegados e subdelegados de saúde, sem tão completa preparação.
Por outro lado, na Direcção-Geral do Trabalho, do Ministério das Corporações, existe uma secção de higiene e segurança do trabalho, encarregada de estudar problemas referentes à higiene e segurança dos locais de trabalho, prevenção de acidentes e doenças profissionais e readaptação profissional (regulamento aprovado pelo Decreto n.° 37 268, de 31 de Dezembro de 1948, artigo 17.°). A Inspecção do Trabalho, do mesmo Ministério, competem diversas funções respeitantes à fiscalização das normas em vigor sobre higiene e segurança do trabalho, prevenção de acidentes e doenças profissionais (Decreto-Lei n.° 37 245, de 27 de Dezembro de 1948). Pelo Decreto n.° 43 189 foi aprovada a primeira tabela nacional de incapacidades, elaborada pela secção de acidentes de trabalho e doenças profissionais do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica. Nos termos da Portaria n.° 17 118, de 11 de Abril de 1958, a Junta de Acção Social tem dirigido a Campanha nacional de prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais com invulgar perseverança.
Por iniciativa do Grémio dos Seguradores foi criado em 1957 o Centro de Prevenção de Acidentes de Trabalho e doenças profissionais, com o fim de estudar e investigar as causas, frequência e gravidade dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, as suas repercussões de ordem económica e social e as medidas tendentes a proteger a vida e a integridade pessoal dos trabalhadores. O Centro criou delegações em Angola e Moçambique.
A sua actividade tem-se desenvolvido principalmente nos aspectos da propaganda da prevenção e acção educativa, pois, além da publicação de várias brochuras e do boletim periódico Prevenção, o Centro conta no seu activo a realização de várias palestras pela rádio e televisão e, bem assim, a organização de cursos de monitores de segurança, dos quais o último acusa a frequência de 152 candidatos.
Em matéria de segurança dos locais do trabalho, a lei atribui também competência a determinados serviços dependentes do Ministério da Economia.
Esta dispersão de actividades afins por diferentes departamentos, sem a indispensável coordenação, conduz a deficiências no que respeita à higiene do trabalho e prevenção dos acidentes e profilaxia das doenças profissionais e protecção das respectivas vítimas.
A correcção destas deficiências não depende dos serviços afectos a um único Ministério, mas a vários.
Há, pois, necessidade de rever à luz das realidades e das prementes necessidades nacionais,, o problema de medicina do trabalho, fixando-se em primeira linha o papel que há-de competir aos médicos das empresas que excedam determinada dimensão.
A fixação dos princípios e a coordenação dos diferentes serviços deverão fazer-se em ordem a definir com rigor a competência e atribuições de cada um dos Ministérios interessados.
De acordo com a posição que a Câmara Corporativa acaba de tomar no seu recente parecer sobre a reforma da Previdência, acerca da futura integração dos riscos de acidentes e doenças do trabalho no seguro social, parece aconselhar que os problemas conexos da prevenção de acidentes e doenças profissionais e da recuperação de sinistrados fiquem mais directamente ligados ao Ministério responsável pelas questões de trabalho, sem prejuízo das normas gerais sobre higiene e profilaxia emanadas da Direcção-Geral de Saúde e das directrizes superiores relativas à coordenação dos diferentes departamentos que vierem a ser estabelecidas pelo Conselho de Segurança Social.
D) Doenças alérgicas
111. Pela sua frequência e reflexos de ordem social e sanitária, haveria ainda a considerar a necessidade

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de instalar e desenvolver serviços especializados para o tratamento da asma brônquica e das outras doenças alérgicas, em franca progressão na generalidade dos países.
A iniciativa da acção neste domínio coube à Junta Distrital de Lisboa, que mantém uma consulta destinada ao tratamento das referidas doenças.
Dado o número de doenças deste foro, impõe-se instruir a população sobre os factores que podem concorrer para o desenvolvimento da asma e meios de os combater, e criar serviços em que seja prestada assistência aos doentes, de harmonia com os novos métodos de diagnóstico, profilaxia e tratamento.
§ 7.º
População
112. Como a demografia é, no dizer de Arnould, a contabilidade da higiene, importa referir alguns números relativos ao seu movimento e à sua estrutura.
Ainda que tenha interesse relacionar esta com a evolução do movimento populacional e com os recursos económicos do País, para não alongar este parecer só se aludirá aos primeiros aspectos: movimento e estrutura da população. Esta reflecte de tal modo os acontecimentos políticos e as vicissitudes sociais e económicas por que passa a Nação, que o seu exame, como se afirmou no relatório sobre 25 anos de administração política (Ministério do Interior) «basta para aferir do bom ou mau resultado de uma política».
A população aumenta de ano para ano.
Desde 1527 — ano em que, por ordem de D. João III, se procedeu ao recenseamento dos «vizinhos» ou «fogos» — até esta data, a população portuguesa aumentou mais de 600 por cento.
Este aumento, porém, não foi uniforme.
Assim, se foram necessários mais de 200 anos para duplicar a população de 1527, nos últimos 100 anos passou de 4 035 330, em 1861, para 9 124 514, em 1960.
Como se vê no quadro junto, o ritmo de aumento acusa diferenças apreciáveis de decénio para decénio.
[Ver Diário Original]
O acréscimo natural da população é o resultado de dois factores essenciais: a natalidade e a mortalidade, que se exprimem por taxas calculadas por 1000 habitantes.
Assim, no que respeita às taxas de natalidade, variaram entre um máximo de 33,01, verificadas no quinquénio de 1886-1890, e um mínimo de 23,54, registadas em 1959.
Em Portugal, como na generalidade dos países, é nítida a tendência para a baixa das taxas de natalidade.
O facto de no decénio' de 1911-1920 serem mais altas do que nos decénios imediatamente anteriores constitui verdadeira excepção.
Quanto à mortalidade, deu-se o contrário: as taxas registadas naquele decénio (23,68) são superiores às verificadas nos decénios anteriores, em que não ultrapassaram 21,23 (1891-1900) e 19,06 (1901-1910).
O quadro que se segue mostra como as taxas de natalidade e mortalidade se reflectiram no crescimento da população e nas taxas relativas aos excedentes de vidas.
QUADRO N.° 71
[Ver Diário Original]

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As nossas taxas de natalidade situam-se entre as mais altas da Europa, e, quanto às de mortalidade geral, correspondem às que se registam noutros países da Europa (França, Inglaterra, Bélgica).
Directamente relacionadas com as taxas de natalidade estão as taxas de nupcialidade, designadamente as respeitantes à idade dos casamentos, porquanto uma nupcialidade precoce aumenta, por via de regra, as taxas de natalidade, de fecundidade geral e de reprodução.
O quadro n.° 72 traduz as taxas brutas de nupcialidade, que acusam tendência para subir nos últimos anos.
QUADRO N.° 72
[Ver Diário Original]
Mas não interessa apenas conhecer as taxas de natalidade, mortalidade e nupcialidade, é necessário ver como as mesmas se reflectem nos vários aspectos da estrutura da população: idade, número de famílias, proporção entre os indivíduos casados e solteiros, natalidade legítima e ilegítima.
O quadro n.° 73 mostra que o envelhecimento da população é pouco acentuado. Portugal conta-se entre os países cuja população é considerada jovem, visto a percentagem da que tem menos de 20 anos ser superior a um terço da total.
QUADRO N.º 73
[Ver Diário Original]
Como se vê dos quadros n.ºs 74 e 75, Portugal, com excepção da Finlândia, é o país que apresenta maior percentagem de jovens com menos de 15 anos.
QUADRO N.° 74
Alguns grupos etários em percentagem da população total
(1950-1854)
[Ver Diário Original]

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QUADRO N.° 75
População segundo a idade
1954-1956
[Ver Diário Original]
O confronto da pirâmide demográfica de Portugal e da França mostra claramente que, em relação a este país, as nossas reservas de jovens são muito maiores, o que permite encarar com optimismo a manutenção das taxas actuais de natalidade e o crescimento da população e do potencial de emigração, com vista ao povoamento do ultramar.
GRÁFICO N.º 76
Pirâmide demográfica
[Ver Diário Original]

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Da esperança de vidas, por idades, quando comparada com a de outros países, dá nota o quadro seguinte:
QUADRO N.° 77
Esperança de vida, por idades — «Anuário da 0. N. U.», ano de 1959
[Ver Diário Original]

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O número de famílias constituídas, a média de famílias por 1000 habitantes e a de pessoas por família, bem como a reduzida percentagem das que se encontram separadas judicialmente ou divorciadas, são índices de relativa estabilidade familiar.
QUADRO N.° 78
[Ver Diário Original]
QUADRO N.° 79
[Ver Diário Original]
O quadro n.° 80 dá-nos a evolução das taxas de natalidade, desde 1900 a 1959, legítima e ilegítima. Ambas acusam apreciáveis baixas, mas a verificada na taxa de natalidade ilegítima é mais acentuada.
QUADRO N.° 80
[Ver Diário Original]

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O quadro n.° 81 mostra o movimento da população da metrópole nos anos de 1948 a 1958 e as taxas de mortalidade geral (por 1000 habitantes) nos mesmos anos, taxas presentemente inferiores às verificadas na Bélgica, França e Inglaterra.
113. Os elemento referidos permitem encarar com confiança a evolução demográfica do País nos próximos anos. O excedente de vidas, que é uma das constantes do nosso movimento demográfico, afasta a hipótese de um possível despovoamento.
A população portuguesa continuará a aumentar, não obstante a emigração, que desde 1900 a 1959 atingiu o elevado montante de 1 577 646 emigrantes, dos quais 1 139 843 foram enriquecer com as suas qualidades de iniciativa e de trabalho o grande país que é o Brasil.
QUADRO N.° 81
Movimento da população portuguesa na metrópole e taxas de mortalidade geral (por 1000 habitantes) nos anos de 1948 a 1958 em diferentes países
[Ver Diário Original]
Qualquer baixa de natalidade que venha a verificar--se terá de ser compensada com a descida da mortalidade infantil, capítulo da nossa sanidade em que ainda há muito a fazer.
O facto de esta geração ter criado as condições que permitiram poupar alguns milhares de vidas por ano e proporcionar ao desenvolvimento do ultramar alguns milhares de braços pode inscrever-se no seu activo como investimento que retribui com juro elevado o capital nele investido.
CAPITULO IV
Dos órgãos de saúde e assistência
§ único
Da política de saúde e assistência A) Dos órgãos superiores do Ministério
114. Conhecidas, ainda que de forma sumária, as principais necessidades a atender, é a altura de entrar na apreciação dos preceitos relativos aos órgãos e serviços especialmente incumbidos de dar execução à política de saúde e assistência.
No estatuto vigente essa política estava a cargo do Ministério do Interior, através do Subsecretariado de Estado da Assistência Social, coadjuvado, quanto às funções de orientação, pelo Conselho Superior de Higiene e Assistência. Social, e, pelo que respeita às de direcção e acção tutelar e às de inspecção permanente, respectivamente, pela direcção-geral competente e pela Inspecção de Assistência Social (Estatuto, base XXXI).
Admitia-se a concentração numa única direcção--geral de todos os serviços centrais, mas, no caso de dualidade de direcções, os seus órgãos centrais poderiam ser ouvidos ou dar parecer em conferência, sempre que o assunto o reclamasse [base XXXIII, alínea c)].
Pelo Decreto-Lei n.° 35 108, de 7 de Novembro de 1945, foram reorganizados os serviços de assistência social com um duplo objectivo: reajustar a sua orgânica aos princípios definidos no Estatuto da Assistência Social e intensificar a sua acção, por modo a vencer-se o nosso atraso neste domínio.
Da forma como os serviços corresponderam ao fim em vista dão conta os números referidos neste parecer. Sem necessidade de novas armas, dominaram-se epidemias, como a varíola, que deixou de constituir

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problema sanitário, e com o emprego de novas técnicas afastou-se o perigo de algumas das «pragas colectivas que flagelavam a população portuguesa», como o sezonismo.
Mercê de uma intensa acção educativa e profiláctica, do desenvolvimento da acção curativa, da melhoria do nível de vida, de estabilidade do trabalho e do incremento do seguro social, as nossas taxas de mortalidade geral, que se situavam entre as mais altas da Europa, colocaram-se ao mesmo nível, sendo mesmo, e nos últimos anos, sensivelmente mais baixas do que as registadas na Inglaterra, na França e na Bélgica.
No esquema do citado Decreto-Lei n.° 35 108, a unidade de direcção ou de comando era assegurada pelo Subsecretariado de Estado da Assistência Social. No que respeita às funções executivas, foram estas cometidas a duas direcções gerais, em vez de a uma só, como se preconizava no relatório da proposta do estatuto vigente.
As funções consultivas ficaram a caber a um único órgão — o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social —, assim como as de fiscalização passaram a ser desempenhadas por um órgão comum às duas direcções-gerais — a Inspecção da Assistência Social (relatório do Decreto-Lei n.° 35 108).
Neste diploma referiram-se ainda as atribuições e a competência de cada um destes órgãos e criaram-se os institutos de coordenação da assistência, aos quais ficaram a competir, em relação a determinadas modalidades, a orientação e a coordenação da assistência e, bem assim, a organização e manutenção dos estabelecimentos e serviços que se mostrassem necessários.
Com a publicação do Decreto-Lei n.° 35 108, procurou, pois, o Governo dar satisfação à orientação definida pela Câmara Corporativa no seu anterior parecer, não só quanto à unidade de direcção, mas também quanto à especialização e diferenciação dos órgãos superiores.
Ainda em conformidade com a orientação que merecera o aplauso da Câmara enquadraram-se as principais modalidades em organismos dotados de personalidade jurídica e de autonomia administrativa.
Com o objectivo de se conseguir a descentralização, igualmente preconizada pela Câmara Corporativa, criaram-se órgãos locais de saúde e de assistência: as delegações e subdelegações de saúde e as comissões regionais de assistência (distritais, municipais e paroquiais).
115. Em que medida se afastou o projecto agora em apreciação do esquema que nas suas linhas gerais foi apontado?
No que respeita à execução da política de saúde e assistência, a sua direcção, que, pelo estatuto em vigor, competia ao Ministro do Interior, através do Subsecretariado de Estado da Assistência Social, passou naturalmente para o Ministério da Saúde e Assistência. Deste modo, se ao lado da política económico-financeira há uma política de saúde e assistência —e não parece que o Estado possa dispensar-se de definir essa política— o Ministério da Saúde e Assistência é o primeiro responsável pela sua realização.
Como tal, além das funções referidas, cumpre-lhe promover a especialização de profissionais destinados a executá-las, criar e desenvolver serviços, fomentar a iniciativa privada, coordenar a acção desta com a do Estado, numa palavra, assegurar os meios necessários à efectivação dessa política.
Para tanto dispõe o Ministério de órgãos superiores, centrais, regionais e locais.
Quanto aos primeiros, prevêem-se: o Conselho Coordenador, ao qual compete definir as linhas gerais de acção a desenvolver e em que terão representação os serviços principais do Ministério; o Conselho Superior de Saúde e Assistência, com funções de estudar e estabelecer os planos técnicos necessários, além das de consulta e de recurso que a lei lhe conferir, e o conselho restrito, emanação do Conselho Coordenador, constituído pelos directores-gerais e funcionários de categoria equivalente.
O Conselho Coordenador do Ministério, que foi criado pelo Decreto-Lei n.° 42 210, de 13 de Abril de 1959, é presidido pelo Ministro e constituído por todos os directores de serviços, inspectores superiores e inspector-chefe da Assistência e por dois representantes da Ordem dos Médicos, um dos quais será considerado delegado permanente (idem, artigo 3.°).
O Ministro da Saúde e Assistência pode ainda convocar outros funcionários do Ministério e convidar entidades particulares para tomarem parte nos seus trabalhos.
O Conselho Superior de Saúde e Assistência não constitui criação nova, visto suceder ao Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, previsto na base XXXII do Estatuto da Assistência Social.
A sua actual designação, constituição e competência foram estabelecidas pelo Decreto-Lei n.° 35 108, embora este órgão tenha já uma longa vida. Na origem denominava-se Junta de Saúde, criada por Decreto de 28 de Agosto de 1813, à qual sucederam o Conselho de Saúde Pública (Decreto de 3 de Janeiro de 1837), a Junta Consultiva (Decreto de 3 de Dezembro de 1868), o Conselho Superior de Higiene Pública (Decreto de 4 de Outubro de 1899 e Reforma dos Serviços de Saúde, de 24 de Dezembro de 1901) e o Conselho Superior de Higiene (Decreto de 7 de Agosto de 1929). O Estatuto da Assistência Social passou a designá-lo por Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, denominação que conservou no Decreto-Lei n.° 35 108, não sem alguma hesitação quanto à manutenção da palavra «superior», visto que, como se observou no parecer desta Câmara, não há necessidade do seu emprego.
O actual Conselho Superior de Higiene e Assistência Social é formado, em grande parte, pelos funcionários que formam o Conselho Coordenador, porquanto são seus vogais natos os directores-gerais de Saúde e da Assistência, os directores dos Institutos de Assistência Maternal, aos Menores, aos Inválidos, aos Tuberculosos, o provedor da Misericórdia de Lisboa, o enfermeiro-mor dos Hospitais Civis de Lisboa, e o director do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, ou seja a maioria daqueles funcionários que, em razão das funções que exercem, também têm assento no Conselho Coordenador.
'Mas não só as pessoas são quase as mesmas, como as funções são também idênticas, visto que o estudo e o estabelecimento dos planos técnicos -—¦ papel que cabe ao Conselho Superior de Saúde e Assistência — implicam o conhecimento prévio das linhas gerais de acção que os referidos planos se propõem desenvolver.
Não se vê vantagem em duplicar órgãos de consulta de composição e finalidade idênticas.
No decurso de quase século e meio de existência o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social prestou importantes serviços. Mas, como nem todos os dias se elaboram planos ou se definem normas técnicas, o Conselho passou a preocupar-se também com casos de

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mera rotina, que, sem qualquer inconveniente, podiam ser informados pelos serviços respectivos e resolvidos sem aguardar o seu parecer.
Os inconvenientes que deste facto resultam são manifestos.
Em primeiro lugar,, (atenta a circunstância de o Conselho não reunir todos os dias úteis, protela-se o andamento dos processos, com prejuízo de um dos aspectos que mais caracterizam a eficácia de qualquer administração — a celeridade na resolução dos assuntos que lhe são submetidos.
Depois, e isto é ainda mais grave, a deliberação colectiva ou colegial, em casos em que não é necessária, só contribui ipara enfraquecer o espírito de iniciativa e obliterar o sentido da responsabilidade dos funcionários.
Por isso, a solução do problema não consiste em sobrepor ia um órgão outro da mesma natureza, constituído na sua grande maioria pelas mesmas pessoas e com idênticas atribuições, o que só por si viria a ser fonte de incertezas e de conflitos quanto à sua competência, mas em definir a constituição e as atribuições de um único conselho — o Conselho Superior de Saúde e Assistência —, por forma a que se mantenha dentro da sua competência específica, sem exercer funções em campo que normalmente não lhe pertence.
Ao lado dele poderão funcionar os mais órgãos consultivos que forem previstos na lei orgânica do Ministério, constituídos, em regra, por vogais especializados nos assuntos em que serão chamados a dar parecer ou em posição de poderem contribuir para assegurar a coordenação e a unidade de orientação de serviços na sua dependência.
O Conselho Superior de Saúde e Assistência reunirá, conforme a natureza dos assuntos a tratar, em sessão plenária ou por secções.
E, dada a amplitude das funções que ficam a competir ao Ministério da Saúde e Assistência, o Conselho em causa deverá constituir um verdadeiro conselho nacional — na vizinha Espanha é designado por Consejo Nacional de Sanidad —, estando nele representados os vários departamentos que se ocupem de actividades de saúde e assistência ou de assuntos com elas relacionados, tanto na metrópole como no ultramar.
Na verdade os problemas sanitários são comuns à generalidade da população. Por isso, deve criar-se no Conselho Superior de Saúde e Assistência, com condigna representação do Ministério do Ultramar, uma secção especialmente destinada ao estudo das doenças tropicais ou específicas das regiões em que se situam as províncias ultramarinas e à defesa da população metropolitana e ultramarina em relação a essas doenças.
Mas o problema da organização do Conselho e das respectivas secções que o devem formar, constituindo matéria regulamentar, não cabe dentro do projecto em apreciação.
B) Dos órgãos centrais do Ministério
116. Da base x do projecto conclui-se que este adoptou uma divisão tripartida das actividades do Ministério, a saber: as de saúde pública ou de higiene e de medicina preventiva; as de medicina curativa e recuperadora, e"as de natureza caracterizadamente assistencial.
As primeiras visam a defender a saúde e a combater preventivamente a doença, agindo sobre a população, tomada no seu conjunto.
Devem compreender, assim, as relativas à higiene geral e especializada (higiene materno-infantil e infantil, escolar, de alimentação e do trabalho), ao saneamento do meio ambiente, à luta contra as doenças transmissíveis, que inclui a defesa sanitária dos postos e fronteiras, à estatística sanitária, à fiscalização da produção e do comércio de medicamentos e à sua comprovação.
As segundas pressupõem a acção individual da medicina, a qual pode ser exercida tanto em clínica particular ou organizada como em ligação com os hospitais.
Estas actividades dividem-se, assim, em actividades domiciliárias e hospitalares [alínea ò) da base x], podendo as primeiras ser exercidas em clínica livre, individual ou colectivizada, ou em ligação com as unidades hospitalares (base XXI, n.° 1).
No que respeita às actividades hospitalares, elas pro-põem-se exercer, segundo o projecto, simultaneamente a medicina curativa e recuperadora, dando a sua colaboração às providências de carácter preventivo ou de reabilitação (base XII, n.° 2).
Por último, a alínea c) da base x prevê as actividades de assistência que, de um modo geral, visam a proteger os indivíduos e os seus agrupamentos naturais contra os efeitos das carências de ordem individual ou familiar e das que resultam dos flagelos e calamidades públicas não cobertas por qualquer das formas de segurança social (base XIII).
Cada grupo de actividades ou modalidade de saúde e de assistência tem os seus problemas específicos. As primeiras e as segundas têm um objectivo comum: a defesa da saúde e o combate à doença. Mas para o alcançar utilizam métodos próprios.
Assim, ao passo que a medicina preventiva constitui a primeira arma utilizada pela saúde pública, as actividades hospitalares ou domiciliárias protegem a saúde e combatem a doença através da acção terapêutica e recuperadora.
As actividades de saúde pública preocupam-se especialmente com a defesa da população no seu conjunto, as curativas com o indivíduo que sofre de doença que é necessário curar.
Se, quanto às primeiras, já não se discute a necessidade da unidade de direcção e da existência de uma disciplina destinada a tornar obrigatórias determinadas medidas que visem a defesa da população, no que respeita às segundas, assiste-se por toda a parte à luta entre a medicina particular e a medicina organizada.
No que respeita ao hospital e às funções que lhe cabem, o projecto é explícito.
Efectivamente, os números 2, 3 e 4 da base XII assinalam a natureza complexa do hospital, simultaneamente médica e social, e atribuem-lhe, ao lado da acção curativa e recuperadora, a de colaborar nas providências de carácter preventivo e, bem assim, nas que visem a reabilitação. Além disso, marcam a posição do hospital no campo do ensino, da investigação científica e da formação dos médicos e de outros auxiliares da medicina.
A amplitude de funções atribuídas pelo projecto ao hospital permite concluir que este se orientou no sentido de o considerar o fulcro da medicina curativa do futuro.
A Câmara Corporativa, ao versar o problema da assistência hospitalar, já teve ocasião de se referir a esta concepção do hospital, a que nada tem a objectar, desde que, em vez de absorver a clínica livre, se proponha coadjuvá-la.

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117. Para a realização idas actividades de saúde e assistência, o projecto prevê a existência dos seguintes órgãos centrais do Ministério:
a) As Direcções-Gerais de Saúde, dos Hospitais e
da Assistência;
b) Os serviços centrais.
A designação de cada órgão ou serviço deve ser clara, por forma a afastar, quanto possível, dúvidas quanto à sua competência e atribuições.
Ora, a dada no projecto à Direcção-Geral de Saúde pode prestar-se a confusões por se dar a uma parte a denominação que em pura lógica só ao todo podia caber. Na verdade, o termo «saúde» tem hoje significado muito amplo e abrange tanto a medicina preventiva como a curativa e recuperadora.
No entanto, a Câmara Corporativa nada tem a objectar a que continue a designar-se por Direcção-Geral de Saúde o departamento que tem especialmente a seu cargo a luta contra as doenças transmissíveis, o saneamento do meio ambiente e, bem assim, a direcção das actividades e serviços pertinentes à higiene pública, porquanto, além de essa designação estar consagrada entre nós, o projecto do estatuto não lhe retira nenhuma das atribuições que actualmente lhe cabem.
Por outro lado, a criação da Direcção-Geral dos Hospitais, prevista no projecto, em nada afecta a actual competência da Direcção-Geral de Saúde, visto esta não superintender nos hospitais, que, presentemente subordinados à Direcção-Geral da Assistência, passarão a ficar na dependência da respectiva Direcção-Geral. v
118. No que respeita à Direcção-Geral dos Hospitais, a necessidade da sua criação é uma consequência do estado de evolução em que se encontra já a organização hospitalar do País e da necessidade de estabelecer a hierarquia quanto às funções que competem aos hospitais, conforme eles sejam centrais, regionais ou sub-regionais.
Por dificuldades de ordem financeira, não se executou totalmente a 1.ª fase de construções previstas na Lei n.° 2011, nem tão-pouco se procedeu à sua organização de conjunto, que implica uma coordenação mais perfeita com os serviços de previdência. Mas, ainda que as obras tivessem sido executadas, seria difícil proceder à hierarquização e coordenação dos nossos hospitais, por falta de um órgão central de natureza técnica que tomasse sobre os ombros a realização dessa tarefa.
A Direcção-Geral da Assistência, de feição predominante administrativa, não possui meios de contacto directo com os hospitais, nem tão-pouco está organizada por forma a assumir o papel de seu orientador técnico.
A regionalização operada pela Lei n.° 2011 foi, em muitos aspectos, precursora de sistemas ainda mal pressentidos noutros países, que, só anos depois, procederam à classificação geral dos hospitais e à fixação dos serviços que lhes competem, de harmonia com princípios anteriormente definidos nas bases daquela lei.
O projecto do estatuto em apreciação não contém nesta matéria qualquer inovação que não seja a criação da Direcção-Geral dos Hospitais e o funcionamento em Lisboa, Porto e Coimbra de comissões inter-hospitalares com jurisdição sobre os hospitais das respectivas zonas (bases XVIII e XXIV).
Dado o isolamento em que os hospitais trabalham, desconhecendo-se mutuamente, sem orientação e coordenação superior, a criação de um órgão central e de
órgãos regionais capazes de imprimir eficiência, nos escalões respectivos, aos estabelecimentos hospitalares corresponde ao preenchimento de uma lacuna que há muito se fazia sentir.
A experiência das comissões inter-hospitalares iniciou-se em 1959, com a criação da de Lisboa, logo seguida da do Porto.
Parece vantajoso mantê-las, organizá-las e torná-las extensivas às regiões, a título definitivo, dado o papel que lhes está reservado na planificação e coordenação da política hospitalar regional.
119. A Direcção-Geral da Assistência prevista corresponde ao actual organismo com a mesma designação, ao qual competem, como também no projecto se prevê, a tutela administrativa das instituições particulares de assistência, em número de cerca de dois milhares, e a tutela social dos utentes da assistência.
A cargo da Direcção-Geral dia Assistência ficará, de modo especial, a protecção dos indivíduos e dos seus agrupamentos naturais contra as carências e riscos a que estão sujeitos, designadamente em relação àqueles que não estejam cobertos por qualquer espécie de seguro e não disponham de recursos para satisfazer as suas necessidades mínimas de ordem económica e sanitária.
120. A Inspecção Superior de Saúde e Assistência corresponde à actual Inspecção da Assistência Social, cuja competência e atribuições foram definidas no Decreto-Lei n.° 35 108. No relatório deste diploma escreveu-se que «despendendo a generosidade particular e o Estado com a assistência importâncias que montam anualmente a algumas centenas de milhares de contos, nada se pode reputar mais urgente do que a criação de uma inspecção que, em contacto com as realidades e não apenas com a fria revisão dos orçamentos ou com as cifras inexpressivas das contas de gerência, possa atestar, sem prejuízo da legítima autonomia das instituições, a realidade do seu bem-fazer, garantindo a certeza do bom rendimento dos donativos e mais verbas destinadas a fins de assistência». Estas palavras não perderam a actualidade, pois a Inspecção deve continuar a ser um organismo paralelo às direcções-gerais, às quais prestará colaboração.
121. O projecto prevê a existência de órgãos centrais do Ministério, constituídos, além das direcções-gerais já referidas, por serviços centrais, que incluem a Secretaria-Geral, a secretaria dos conselhos,, o Gabinete de Estudos, a Repartição de Serviços Administrativos, a Comissão Orientadora de Abastecimentos e os Serviços de Inspecção, Contencioso, das Relações Internacionais e outros comuns a todos os departamentos do Ministério.
Ora, desde que os serviços centrais compreendem, além dos referidos na alínea b) da base XVIII do projecto, «outros comuns a todos os departamentos do Ministério», não há vantagem em proceder a uma descriminação que teria de ser incompleta.
C) Dos órgãos regionais de saúde e assistência
122. A Câmara Corporativa, no parecer acerca do estatuto em vigor, ocupou-se de alguns princípios orientadores da organização dos serviços administrativos da assistência social, afigurando-se-lhe que, em matéria tão complexa, seriam aconselháveis os seguintes: «Unidade de orientação e direcção; especialização dos órgãos burocráticos superiores; especialização e autono-

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mia dos serviços nacionais de execução; desconcentração local da autoridade e contacto assíduo entre serviços centrais e locais».
Por meio das delegações e subdelegações dos institutos e dos órgãos regionais de saúde e de assistência, procurou-se tornar efectivo o princípio da «desconcentração e descentralização na execução», defendido no parecer desta Câmara e já anteriormente, e por forma mais radical, na proposta de lei n.° 328, de 9 de Maio de 1903. Com efeito, no relatório da referida proposta, escreveu-se: «Factos que nas localidades se originam e subsistem e aí mesmo se transformam por efeito de mil circunstâncias de sua natureza variáveis, só nas localidades podem ser justamente apreciados, factos sobre que é possível tomar resoluções prontas e adequadas a cada um, resoluções que devem ser sempre concordantes para bem servirem todos os interesses da justiça, da equidade, das convivências sociais e da administração só nas localidades podem ser julgados».
De harmonia com o exposto, o relatório concluía: «Impõe-se por tudo isso a necessidade de descentralizar a execução dos serviços da assistência, confiando-os inteiramente às unidades locais».
O Decreto de 27 de Dezembro de 1905, em obediência ao mesmo pensamento, criou em Lisboa quatro Comissões Protectoras dos Pobres, nomeadas pelo Governo, sob proposta do governador civil, as quais funcionariam nos edifícios das administrações dos bairros.
Também no relatório do Decreto-Lei n.° 35 108 se faz referência às comissões de assistência, à sua constituição e às funções que lhes ficavam a competir, contando-se, entre estas, «as de cooperar com a Direcção-Geral na coordenação da actividade das instituições locais e na melhoria do seu funcionamento e a de promover a prestação de assistência aos que tenham domicílio de socorro na respectiva área».
O citado decreto-lei estabeleceu que os órgãos locais compreenderiam as delegações e subdelegações de saúde, que, na respectiva área, representariam a direcção--geral.
123. No projecto em apreciação os órgãos regionais de saúde e assistência compreendem: as delegações distritais das Direcções-Gerais de Saúde, dos Hospitais e da Assistência; as comissões distritais de saúde e assistência e as comissões inter-hospitalares. Deste modo, as delegações distritais passam a ser três, tantas quantas as direcções-gerais. Entende, porém, esta Câmara que de momento não há necessidade de criar delegações da Direcção-Geral dos Hospitais fora de Lisboa, Porto e Coimbra. No que respeita às comissões distritais, pasmarão a existir em todos os distritos, quando actualmente só as há nos distritos autónomos do Funchal, de Ponta Delgada, da Horta e de Angra do Heroísmo.
A Câmara Corporativa nada tem a objectar ao princípio de estender ao continente o que está estabelecido para as ilhas adjacentes, tanto mais que as comissões distritais de assistência que ali funcionam têm realizado obra notável que as enraizou no meio em que exercem a sua actividade.
D) Dos órgãos locais de saúde e assistência
124. O projecto prevê apenas dois órgãos locais de saúde e assistência: as subdelegações de saúde e as Misericórdias das sedes dos concelhos ou, na falta delas, as instituições locais escolhidas para desempenhar essa função.
A título excepcional, quando circunstâncias especiais o aconselhem, o projecto admite a criação de comissões municipais de saúde e assistência, que funcionarão na Misericórdia e sob a presidência do provedor.
A acção das referidas comissões municipais, à semelhança da exercida pelas comissões distritais de assistência criadas pelo Decreto de 25 de Maio de 1911, não foi brilhante.
Por isso, em referência a umas e outras, com excepção das dos distritos autónomos, não perderam a actualidade as palavras que se têm no relatório do Decreto-Lei n.° 35 108: «Vem de longe a ideia das comissões regionais de assistência e, se as experiências passadas nos abonaram as iniciativas dos que promoveram a sua criação, cremos que isso se deve mais à forma da sua constituição e à falta de agentes do poder central, com autoridade e prestígio para as orientar e estimular, do que à impossibilidade congénita de exercerem acção proveitosa».
Tendo em conta a lição da experiência, o projecto toma posição prudente: prevê, de modo permanente, a constituição de comissões distritais, a que na regulamentação da lei não deixarão de ser atribuídas funções de coordenação das actividades das instituições de saúde e assistência da respectiva área e a criação, quando as circunstâncias a aconselhem, de comissões municipais de assistência.
A Câmara Corporativa nada tem a objectar, desde que, na apreciação das circunstâncias a que alude o n.° 2 da base XXV do projecto, não se esqueça a necessidade de fortalecer a vida local, nem tão-pouco o princípio de que a prestação da assistência deve, quanto possível, ser descentralizada.
No que respeita às Misericórdias, também não é nova a ideia de fazer destas instituições o órgão coordenador e o fulcro da assistência no respectivo concelho.
Assim, pelo § 1.° do artigo 3.° do Decreto n.° 10 242, de 1 de Novembro de 1924, ficou a caber às Misericórdias «a assistência obrigatória do concelho», ou seja a prestada aos pobres e indigentes.
Para fazer face aos respectivo encargo era-lhe facultado «o direito de pedir um adicional, até 5 por cento, sobre todas as contribuições gerais do Estado», cujo produto se destinava a estas instituições e ainda a outras que carecessem de subsídios para satisfação das suas despesas ordinárias de assistência (citado Decreto n.° 10 243, artigo 13.°).
O Decreto n.° 15 809, de 23 de Julho de 1928, foi, a este respeito, ainda mais explícito, porquanto estabeleceu que «a Misericórdia será dentro do concelho o órgão primordial de assistência e pode congregar em torno de si os restantes organismos da assistência concelhia, se nisso tiverem mútua conveniência» (citado decreto, artigo 2.°).
Para uniformizar a vida das Misericórdias foi criado por este diploma o Conselho de Inspecção das Misericórdias, ao qual, entre outras funções, foi atribuída a de elaborar, no prazo de três meses, contados a partir da sua instalação, um projecto do Código das Misericórdias, contendo as bases fundamentais a que devem subordinar-se os estatutos das diferentes Misericórdias (artigo 4.°, § 2.°).
O referido projecto não chegou a ser elaborado.
Com a publicação do Código Administrativo de 1936 a função coordenadora atribuída às Misericórdias acentuou-se, visto passarem a constituir o órgão central da assistência do respectivo concelho, «cumprindo-lhes con-

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gregar a acção beneficente de todos os estabelecimentos de assistência pública e privada» (citado código, artigo 372.°).
Mas, como observou o Sr. Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro, na primeira sessão plenária do IV Congresso das Misericórdias, estas não lograram «grande êxito» no exercício da referida função coordenadora.
Ainda neste aspecto, no já tantas vezes citado parecer desta Câmara sobre o Estatuto de Assistência Social, depois da referência ao Código Administrativo de 1936 e ao princípio consignado no seu artigo 372.°, relativamente às funções das Misericórdias, escreveu-se: «A comissão revisora chegaram, porém, tantas objecções, provenientes em grande parte das próprias Misericórdias, que alegavam não possuir meios para exercer tal missão, que não houve remédio senão, no texto de 1910, substituir o preceito por outro (artigo 433.°) de carácter menos prático».
O estatuto em vigor estabeleceu que as «Misericórdias serão, quanto possível, o órgão coordenador e supletivo das finalidades previstas nas bases XII e XIV, e nesse sentido deverá encaminhar-se a reforma dos seus compromissos e respectivas actividades de assistência» (Estatuto de Assistência Social, base XVII).
Deste modo, além das funções coordenadoras, fica-ram-lhes a competir as de suprir a falta de estabelecimentos ou serviços oficiais em tudo quanto respeita à assistência materno-infantil (base XII) e à assistência à vida ameaçada ou diminuída, designadamente nas modalidades previstas na base XIV do referido estatuto.
O projecto, sem se afastar, no aspecto da coordenação, desta orientação, alarga, como se escreveu no relatório, sensivelmente as responsabilidades das Santas Casas, porquanto, além de órgão local de saúde e assistência (base XXV), ficará a competir-lhes, na maior medida do possível, o primeiro lugar na actividade hospitalar e assistencial dos concelhos (base IX).
A Câmara Corporativa nada tem a opor a que se insista no ponto de vista tão claramente expresso no Código Administrativo de 1936, desde que, como se salientou no citado parecer, se «procure auxiliar com os recursos necessários as Misericórdias que não possuírem meios para exercerem aquela missão».
E que, sem embargo de o IV Congresso das Misericórdias haver demonstrado «quanto elas possuem de vitalidade e capacidade realizadora», a verdade é que, dado o elevado custo da assistência que prestam e a modicidade, em regra, dos seus recursos financeiros, não parece que devam atribuir-se-lhes mais funções sem que paralelamente lhes sejam proporcionados os meios suficientes para o seu cabal desempenho.
E) Dos órgãos de coordenação da assistência
125. Com o fim de orientar e coordenar, em relação a determinadas modalidades, a acção da assistência das instituições e completar essa acção através da organização e manutenção dos estabelecimentos e serviços que se mostrarem necessários, foram criados os Institutos Maternal, de Assistência à Família, de Assistência aos Menores, de Assistência ao Inválidos, de Assistência Nacional aos Tuberculosos, de Assistência aos Leprosos, de Assistência Psiqtiiátrica e Nacional do Sangue.
Com excepção à deste último, que, criado pelo Decreto-Lei n.° 41 498, de 2 de Janeiro de 1958, só veio entrar em efectivo funcionamento após a publicação
do Decreto-Lei n.° 42 210, de 13 de Abril de 1959, já foi posta em relevo a acção desenvolvida pelos institutos em referência, ao tratar-se da respectiva modalidade de assistência.
A experiência obtida nos poucos anos que decorreram após a sua criação convence de que continua a ser «inteiramente de aplaudir» a orientação já sugerida por esta Câmara no sentido de «tirar carácter burocrático aos serviços de saúde e assistência» através da autonomia que for julgada necessária dos seus órgãos, isto sem embargo de se pôr o problema da extensão da acção directa dos órgãos coordenadores ou dos serviços especializados à periferia na medida em que ela pode conduzir à sobreposição de serviços.
CAPITULO V
Do pessoal
§ 1.º
Dos quadros
A) Admissão e promoção dos funcionários e revisão dos quadros
126. Se os fins que a política de saúde e assistência visa são ideais, os meios destinados à sua execução são materiais e constituídos não só pelos recursos financeiros postos à disposição da Administração, mas também pelos serviços e pelo pessoal que os deve desempenhar. Efectivamente, ao pessoal cabe velar pela aplicação dos princípios e praticar os actos necessários para assegurar a sua execução.
O problema da fixação dos quadros do pessoal reveste diversos aspectos: o da preparação dos agentes e o da sua admissão e promoção. Esses aspectos foram considerados no projecto em apreciação, mas, tendo sido relegado para lei especial o estabelecimento das condições gerais de admissão e promoção, a Câmara Corporativa não procederá à análise dos princípios orientadores nesta matéria.
Tratando-se de actividades em pleno desenvolvimento, parece prudente consignar-se o princípio de que os quadros poderão ser revistos de harmonia com as necessidades dos serviços. Na verdade, os quadros devem ser fixados em obediência a determinados princípios, entre os quais se contam a sua conformidade com o fim e as necessidades a que visam e a eficácia dos serviços a que respeitam.
Ora, os serviços são eficazes quando atingem o objectivo que se propõem e, para tanto, gastam apenas o estritamente necessário.
A revisão dos quadros ainda se justifica pela necessidade de modernizar e actualizar os métodos de trabalho. Se, quanto às empresas privadas, a reorganização dos serviços constitui, por via de regra, fonte de economias, não se chega a entender a razão por que o princípio não é válido quando se trata de reorganizar os serviços públicos. E, sendo o Estado, pelo número de servidores que fazem parte dos seus quadros, o primeiro empresário do País, também não se compreende que tão-pouco se preocupe com o rendimento dos serviços e a produtividade dos seus agentes. Os estudos relativos ao aumento desta deverão fazer-se em conjunto e por forma a que qualquer administração ou serviço não possa continuar na sua tradicional rotina, sem ter em conta os métodos utilizados em outros serviços, com vista ao seu aperfeiçoamento e ao dinamismo que caracteriza a gestão de algumas empresas privadas.

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B) As carreiras do pessoal
127. O problema das carreiras do pessoal —médico, de serviço social, de enfermagem e de administração — considerado no projecto insere-se na organização dos diferentes serviços, de que é um dos aspectos.
As carreiras visam, além de uma cobertura sanitária eficiente, a assegurar uma relativa estabilidade aos funcionários e a criar nestes uma expectativa de acesso à categoria superior, de harmonia com o critério que vier a ser estabelecido.
Ultimamente tem sido ventilada a questão das carreiras médicas, designadamente quanto à carreira hospitalar e de saúde pública.
Os quadros em que se integram teriam âmbito nacional e implicariam a ocupação em tempo completo ou parcial dos médicos que fizessem parte dos mesmos. No que respeita à carreira de saúde pública, o seu exercício importaria ainda a proibição do exercício da clínica particular.
De qualquer forma, no estabelecimento da carreira médica, como na organização de qualquer outra, não pode esquecer-se que ela não é um fim em si mesma, mas apenas um meio que a Administração junta a outros, coordenando-os, com vista à realização de determinado objectivo.
O custo administrativo dos serviços, o seu rendimento ou eficácia, as receitas para fazer face às despesas, têm de ser apreciados em conjunto, e não apenas em. relação a um dos seus elementos, ainda que este constitua a peça fundamental do sistema.
0 projecto, tanto no que respeita às carreiras médicas como às outras carreiras, limita-se a estabelece-las com carácter geral, deixando, porém, para leis especiais a sua regulamentação e, bem assim, a das condições em que se poderá transitar de uma carreira para outra.
Dados os inevitáveis reflexos de ordem económica e profissional e o facto de não serem previsíveis os resultados que advirão da alteração dos quadros tradicionais em que tem sido exercida a medicina, entende a Câmara que deverá caminhar-se com prudência, pois não pode deixar de ter-se em conta a autonomia das instituições que incluem nos seus esquemas a prestação de serviços clínicos e as suas possibilidades financeiras.
Prestam serviço nas instituições particulares, percebendo remunerações relativamente modestas, 1621 médicos, sendo, por sua vez, de 1586 e de 417 o número dos que exercem as suas funções nos serviços oficiais dependentes das Direcções-Gerais da Assistência e da Saúde, respectivamente.
A falta de garantias da carreira e a deficiência das remunerações percebidas pelos médicos justificam em grande parte o regime actual de acumulações e o tempo que lhes é concedido para o exercício da clínica particular, embora destes factos resulte prejuízo para a eficiência e rendimento dos serviços hospitalares a seu cargo.
Ninguém ignora a importância despendida com a construção e apetrechamento dos novos hospitais, em que só nos últimos vinte anos foi gasto mais de um milhão de contos.
Pois bem, a sua taxa de utilização, no que respeita às consultas externas, é extraordinariamente baixa, em consequência de só funcionarem com pleno rendimento da parte da manhã.
E é difícil pôr termo a esta situação enquanto os médicos, por insuficiente remuneração, forem autorizados a acumular diversos cargos e forem dispensados do cumprimento do horário a estabelecer de harmonia com as necessidades dos serviços.
§ 2.º
Da preparação do pessoal
A) Generalidades
128. A existência de quadros pressupõe a dos agentes destinados a guarnecê-los em quantidade e qualidade, isto é, em número suficiente e com a aptidão necessária para o cabal desempenho das tarefas que lhes forem confiadas.
Dada a evolução da ciência e das técnicas para o exercício de determinadas funções são necessários conhecimentos que só se obtêm em escolas ou em cursos e estágios adequados.
O reconhecimento desta necessidade suscita o problema do departamento que deverá velar pela sua satisfação: o Ministério da Educação Nacional, onde funcionam a generalidade das escolas, ou aquele que for mais directamente interessado na preparação dos profissionais que em grande maioria ingressarão nos seus quadros ?
A solução não é pacífica.
Se as escolas se destinam à formação geral do homem, a desenvolver a sua inteligência e a aumentar a sua cultura, deverão funcionar nos quadros do Ministério da Educação Nacional.
A dúvida só se põe em relação àquelas escolas que, mais do que o homem, visam o candidato ao exercício de determinada profissão.
Nesta hipótese, compreende-se que o ensino dependa não só do Ministério da Educação Nacional, mas daquele que venha a utilizar o trabalho dos alunos, correspondendo o curso — e de certo modo — a uma forma de estágio que antecede a sua admissão nos quadros onde são chamados a exercer funções adequadas à preparação recebida.
Os Ministérios a que os alunos se destinam conhecem mais de perto as necessidades dos respectivos serviços e isto permite-lhes criar com mais facilidade cursos adequados, fixar a sua duração, estabelecer ou alterar programas de harmonia com essas necessidades.
Por outro lado, a criação e funcionamento das escolas junto dos estabelecimentos e serviços a que os alunos se destinam facilitam a integração destes no ambiente em que terão de exercer a sua actividade profissional.
B) Da formação dos médicos e de outros profissionais
129. Compete às Faculdades de Medicina formar os médicos, ministrando-lhes conhecimentos que os habilitem ao exercício da profissão.
Sem ofensa deste princípio, têm sido criadas na dependência dos Ministérios que têm a seu cargo a defesa da saúde pública numerosas escolas destinadas ao ensino sanitário.
O facto de estar pendente da apreciação desta Câmara o projecto de proposta de lei n.° 519 relativo à criação, entre nós, de uma Escola Nacional de Saúde Pública, dispensa que neste parecer se faça referência especial à preparação profissional de médicos e de outros servidores de saúde pública, através da frequência dos cursos previstos no referido projecto.

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Apenas se anota que a preparação dos médicos sanitaristas e de outros agentes sanitários constituía há muito preocupação do Governo, como resulta da profunda remodelação do ensino da medicina sanitária ministrada no Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e na sua delegação do Porto, efectuada já há alguns anos, dos cursos de aperfeiçoamento frequentados por algumas centenas de médicos e da concessão de bolsas de estudo a médicos, engenheiros e auxiliares da medicina, com o fim de frequentarem no estrangeiro escolas e serviços especialmente qualificados para o ensino da higiene e preparação de pessoal destinado às tarefas de carácter sanitário.
C) Enfermagem
130. Se a enfermagem, como função de tratamento de enfermos, é velha como a própria enfermidade — que o mesmo é dizer como a própria humanidade —, foi somente com Florence Nightingale que ela começou a evidenciar-se como profissão autónoma.
A sua evolução foi lenta. Foi o desenvolvimento da medicina, curativa e preventiva, da higiene e, sobretudo, da medicina social, orientadas no sentido do tratamento do homem, integrado no seu meio social, profissional e familiar, que fez mostrar a necessidade da enfermagem e marcou naturalmente o sentido da sua evolução.
A medicina integral, no conjunto dos seus vários aspectos, necessita indiscutivelmente do médico, mas não apenas deste, pois é indispensável a colaboração da enfermeira. Por isso as profissões de médico e de enfermeira são complementares uma da outra.
A enfermeira não é simples servidora ou auxiliar do médico, mas sua imprescindível colaboradora, pelo que, a par de forte preparação moral, deve possuir conhecimentos técnicos adequados.
131. Foi com a publicação do Estatuto da Assistência Social que se tomou consciência das nossas necessidades em matéria de enfermagem e que aumentou o ritmo do sua formação.
O desenvolvimento dos serviços de assistência, a construção de hospitais, a abertura e funcionamento de outros estabelecimentos de saúde e assistência tornaram necessária a preparação de enfermeiras destinadas a guarnecer os respectivos quadros profissionais.
O Decreto-Lei n.° 36 219, de 10 de Abril de 1947, com o duplo objectivo de aumentar o número de profissionais de enfermagem e de melhorar a sua preparação técnica, marcou decisivo passo na organização do ensino da enfermagem. No relatório do referido diploma escreveu-se:
«Há, pois, necessidade de remodelar profundamente o ensino da enfermagem com o fim de aumentar o número de enfermeiros e de elevar o seu nível moral, social e profissional. Com esta dupla finalidade são previstos por este diploma cursos preparatórios ou de pré--enfermagem, de auxiliares de enfermagem e de enfermeiros, conforme o grau e preparação técnica exigida para o exercício da respectiva profissão».
O Decreto-Lei n.° 38 884 e o Decreto n.° 38 885, ambos de 28 de Agosto de 1952, viriam consolidar esta orientação.
Os referidos diplomas completaram, entre nós, a evolução da enfermagem como profissão autónoma, dotada de técnica e de ética próprias.
132. A data da publicação do Estatuto da Assistência Social existiam três escolas oficiais: Artur Ravara e Dr. Ângelo da Fonseca, que funcionavam, respectivamente, nos Hospitais Civis de Lisboa e nos Hospitais da Universidade de Coimbra, e a Escola Técnica de Enfermeiras do Instituto Português de Oncologia.
Quanto às particulares, havia dias no Porto (a Escola do Hospital de Santo António e a das Franciscanas Hospitalares Portuguesas), uma em Lisboa (Escola de S. Vicente de Paulo) e outra em Braga (Henrique Teles).
Actualmente, existem, além daquelas, as escolas oficiais do Hospital de Santa Maria, Hospital de S. João, Escola de Enfermagem de Ponta Delgada, Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa, Escola de Enfermagem de S. João de Deus (Évora), e as escolas particulares das Irmãs Franciscanas de Calais (Porto), das Franciscanas Missionárias de Maria (Lisboa), da Rainha Santa Isabel (Coimbra), de Castelo Branco, de S. José de Cluny (Funchal).
Isto quanto à enfermagem geral, porquanto, no que respeita à especializada, funcionam sete escolas em Lisboa, Porto e Coimbra, dedicando-se três oficiais e uma particular (a dos Irmãos de S. João de Deus, Telhai) à preparação de enfermeiros psiquiátricos e três à formação de enfermeiras puericultoras.
Em 1944 diplomaram-se 56 enfermeiros e enfermeiras e 14 auxiliares de enfermagem, ou seja o total de 70, número que em 1959 subiu para 756, não contando com os enfermeiros especializados.
Que este número tende a aumentar prova-o a quantidade de alunos que no ano lectivo de 1959-1960 frequentaram as várias escolas, que, segundo informação prestada pela Direcção-Geral da Assistência, são as seguintes:
Escolas de enfermagem geral...... 1 607
Escolas de enfermagem especializada . . 294
Total........ 1 901
133. Não obstante este aumento, torna-se necessário intensificar ainda o ritmo de preparação do pessoal de enfermagem, em consequência da abertura de novos hospitais, sanatórios e dispensários e do número crescente de serviços.
A enfermagem tem de acompanhar o progresso da medicina e das novas técnicas, havendo, assim, necessidade de rever os programas que visam a sua preparação.
Não admira, pois, que no relatório da proposta de lei da autorização das receitas e despesas para 1957 fosse abordado o problema da formação do pessoal de enfermagem, merecendo desta Câmara a apreciação seguinte:
«O problema da enfermagem, encontrando-se na base não só da assistência hospitalar, como ainda de qualquer outra modalidade de assistência sanitário-social, reveste-se entre nós de particular acuidade.
Em inquérito organizado pelos serviços competentes chegou-se à conclusão de que o País dispõe apenas de 7006 profissionais de enfermagem, incluindo neste número enfermeiras e auxiliares diplomadas, profissionais com simples prática registada, e uma boa soma de ilegais. Feitas as deduções, o número de verdadeiras enfermeiras não ultrapassa 2495, bastando para se avaliar do seu significado real associá-lo com a actual popu-

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lação portuguesa e acrescentar que a proporção hoje reputada desejável é de uma enfermeira para 500 habitantes.
Na base desta situação de facto depara-se com a insuficiente produção das escolas de enfermagem actualmente existentes, com o número reduzido destas escolas, com o próprio método de preparação, que não orientam num sentido multivalente, com a falta de pessoal técnico de ensino, de estímulo nos vencimentos e de propaganda no sentido de despertar vocações. A caracterização da situação actual não deixará certamente de iluminar o caminho que importa trilhar num futuro que se desejaria próximo».
Ainda que, segundo os números fornecidos pela Direcção-Geral da Assistência, o número de profissionais de enfermagem tenha subido para 9498, nem por isso se pode parar quanto à abertura de novas escolas e à admissão nestas de cada vez maior número de candidatos.
134. Do exposto conclui-se que a preparação dos enfermeiros destinados a guarnecer os quadros dos estabelecimentos de saúde e assistência não tem sido descurada, porquanto não só foram definidos os princípios orientadores e estabelecidos os planos de acção, como se procurou dar-lhes execução através da abertura de novas escolas.
Equacionado o problema da enfermagem dentro da realidade portuguesa, só há que corrigir um ou outro aspecto e prosseguir na rota traçada, por forma a atingir-se a dupla finalidade assinalada no relatório do Decreto-Lei n.° 36 219: maior número de enfermeiros e aumento do seu nível moral, social e profissional.
D) Serviço social
135. Tal como se verifica em relação a todas as outras modalidades de assistência, as actividades que hoje se sistematizam e integram na organização do serviço social são remotas, tão remotas quanto as adversidades que podem diminuir o homem.
Com efeito, movido por um simples impulso natural, pela caridade cristã, pela imposição de um dever moral ou pelo receio de que os males do próximo o possam atingir a si próprio, o homem não pode manter-se alheio aos infortúnios que atingem o seu semelhante.
Sob formas mais ou menos empíricas e rudimentares, é de sempre a solidariedade em favor dos diminuídos.
Mas a sociedade cresce, a vida complica-se, multiplicam-se os problemas e as dificuldades avultam. A industrialização e o urbanismo são fonte constante de situações que geram a desadaptação do indivíduo e a instabilidade da família, que o mesmo é dizer da sociedade.
Não bastam já os actos isolados de beneficência, as vocações de generosidade não podem resolver todas as situações. Impõe-se a organização de um serviço exclusivamente dedicado à assistência social, que passa assim a constituir objecto de uma profissão — melindrosa profissão, à qual, sobre todas, se exige solidez moral, elevação de espírito, conhecimentos técnicos e, sobretudo, vocação e devoção.
136. A multiplicidade de necessidades determinou a correspondente variedade de meios para as atender: a assistência especializou-se. Fácil é definir o conteúdo da assistência na doença, na invalidez, na orfandade .
mas já o mesmo não se pode dizer da modalidade designada por «serviço social». Ela exerce-se, com efeito, em todas as situações de dificuldade em que os indivíduos se possam encontrar; não a exclui qualquer outra forma de assistência, pois dela carecem os doentes, os inválidos, os órfãos, cumulativamente com a modalidade específica de assistência que a sua situação exija.
Numa tentativa de sistematização, dir-se-á que o serviço social tem como principais funções:
a) Ajudar os indivíduos e as famílias a aproveitar
da melhor maneira os benefícios que os serviços oficiais e particulares e a própria vida em comum lhes podem proporcionar;
b) Colaborar com os indivíduos, as famílias e os
mais agrupamentos naturais na resolução dos seus problemas de ordem moral e material, despertando neles a sua capacidade de cooperação social;
c) Cooperar com os organismos e instituições de
assistência no aperfeiçoamento dos seus serviços, completando a sua actividade com uma adaptação cuidada às circunstâncias especiais de cada caso, humanamente considerado;
d) Tomar conhecimento das necessidades e aspirações dos indivíduos, das famílias e de outros agrupamentos naturais, com vista a auxiliá-los nas adaptações e nos ajustamentos devidos à formação da própria sociedade ou à sua inaptidão para nela se integrarem;
e) Colaborar no aperfeiçoamento das estruturas
sociais e na sua adaptação ao homem.
A execução de tão vasto e delicado programa impõe processos especiais, como sejam o permanente contacto humano, a individualização dos casos e a mais rigorosa discrição.
O seu êxito exige a presença constante dos princípios que devem norteá-la: a crença na possibilidade de reabilitação do homem e na sua autodeterminação e o respeito pela dignidade humana.
Desde logo ressaltam as precauções de que se deve rodear o recrutamento de candidatos a tal profissão e o critério que deve presidir à sua formação.
No nosso país a multiplicidade de situações que exigem a intervenção do serviço social determinou a preparação de profissionais pelos Ministérios da Educação Nacional e Saúde e Assistência.
Sob a orientação do Ministério da Educação Nacional, funcionam os Institutos do Serviço Social, um em Lisboa e outro no Porto, e a Escola Normal Social, em Coimbra. Nelas se ministram os cursos de serviço social e de educação familiar, destinados à preparação de assistentes sociais, assistentes familiares e monitoras familiares.
Ao Ministério da Saúde e Assistência tem cabido a preparação de duas importantes categorias de agentes do serviço social — as auxiliares sociais e as visitadoras sanitárias. O curso, que funciona nos termos do Decreto-Lei n.° 38 884, é ministrado por duas escolas, ambas em Lisboa, uma delas oficial — a de S. Pedro de Alcântara— e a outra particular — a de S. Vicente de Paulo.
O Ministério das Corporações e Previdência Social, através da Junta de Acção Social, tem contribuído financeiramente para a formação de trabalhadoras sociais.

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Até Dezembro de 1960 foram diplomadas pelas diferentes escolas, não contando as visitadoras sanitárias, as seguintes profissionais:
Assistentes sociais .......... 393
Assistentes familiares......... 53
Monitoras familiares......... 40
Auxiliares familiares......... . 475
Agentes de educação familiar rural . . . 111
As duas últimas categorias de profissionais, em número mais elevado, trabalham normalmente sob a orientação de unia assistente social ou familiar.
Sendo estes cursos de recente criação, é já considerável o número de profissionais que formaram. Assim se mostra a atenção que nos últimos tempos tem merecido este importante sector da assistência social, verdadeiramente complementar de todos os restantes.
Confiadas a entidades idóneas, que bem souberam impregná-las do espírito que deve presidir à formação dos agentes do serviço social, só há que continuar a encorajar o desenvolvimento destas escolas e a estimular as vocações dos que possuam qualidades para colaborar em tão árdua tarefa.
CAPITULO VI
Da responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência
137. O projecto em apreciação consagrou o capítulo v à «responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência».
As bases XXXI e XLI, contidas neste capítulo, tratam, sucessivamente, das pessoas individuais ou colectivas que devem suportar aqueles encargos, a começar pelos próprios utentes e suas famílias, passando às instituições de previdência social, aos fundos e receitas próprias dos organismos oficiais ou particulares que prestam a assistência, às câmaras municipais e, em último lugar, ao Estado.
O disposto na base XXXI da proposta, em que são referidas aquelas pessoas e entidades, não se afasta muito da base XXI do estatuto em vigor, em que se consigna que pela satisfação dos encargos da assistência respondem não só os assistidos e suas famílias e os responsáveis pelo nascimento de filhos ilegítimos, mas ainda os organismos corporativos e as instituições de seguros, os fundos e receitas das instituições que a prestam, as câmaras municipais e o Estado.
Assim, a diferença consiste no facto de não se mencionarem os organismos corporativos, substituídos pela previdência social.
Mas, ainda nesta parte, Do estatuto em vigor e da proposta ressalta uma preocupação comum: distribuir os encargos pelas mais diversas entidades, sem curar especialmente das fontes de financiamento da assistência social.
138. Assim, e na ausência de qualquer orientação de carácter geral, importa ver como o sistema de financiamento da protecção contra os riscos sociais tem evoluído ao longo da história.
Como já houve ocasião de referir, a assistência, na primeira fase, não passou de beneficência, assentando esta na liberdade de iniciativa.
Como a beneficência dependia exclusivamente da vontade de quem a exercia, o seu carácter aleatório e precário era manifesto.
Isto levou as pessoas mais prudentes a pouparem hoje para poderem gastar amanhã.
Deste modo, a primeira modalidade de financiamento da cobertura económica contra os riscos da vida foi a poupança ou a previdência individual. É a forma instintiva e milenária de prevenir as eventualidades ou de lhes reparar as consequências. O pé-de-meia, as acumulações de bens, os depósitos nos bancos, os papéis de renda fixa e até a inscrição livre em sociedades de seguro comercial, tudo são meios de pôr ao alcance fácil dos seus proprietários recursos imediatamente realizáveis para dominar as contingências físicas e sociais da vida do homem.
A poupança é, pois, da iniciativa individual, assenta na liberdade e estimula o sentido da responsabilidade de cada um pelo seu próprio futuro. Estas as suas indiscutíveis virtudes.
Mas, em contrapartida, favorece o egoísmo natural do homem; pode levá-lo ao extremo de minimizar o dever de solidariedade social; pode ser antieconómica, quando subtrai ao circuito económico importantes quantias que ficam imobilizadas, em vez de serem investidas; e, sobretudo, é manifestamente insuficiente, em face da carestia extraordinária dos meios actuais de prevenção e reparação dos riscos, principalmente do risco da doença.
139. As deficiências da protecção puramente individual deram lugar ao aparecimento das instituições de socorros mútuos.
A liberdade de iniciativa no mutualismo mantém-se, mas os capitais que resultam do pagamento das quotas o o seu rendimento vão fazer face às prestações previstas nos respectivos esquemas.
As associações de socorros mútuos desempenharam papel valioso na transição do regime puramente individualista para o da cobertura colectiva dos riscos. Aparecem, porém, afectadas das mesmas insuficiências que já se verificavam no primeiro sistema. A liberdade de pertencer a estas associações nunca permitiu que elas atingissem o nível de segurança financeira suficiente para cobrir os maus riscos ou mesmo os riscos bons, em condições satisfatórias.
Sem embargo do pensamento generoso que estava na base da sua constituição, e que merece ser realçado, verificou-se a breve trecho que o mesmo não bastava para lhe assegurar a indispensável estabilidade administrativa e financeira.
140. Os seguros sociais obrigatórios já não aceitam a liberdade de inscrição, nem os meios financeiros de que dispõem resultam exclusivamente das quotizações dos beneficiários. Cada categoria profissional e as respectivas entidades patronais são compelidas a contribuir para o financiamento do seguro, e as instituições sujeitas à fiscalização do Estado gozam de determinadas isenções e regalias.

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141. Raramente se poderão encontrar exemplos puros de qualquer das fórmulas apontadas: caridade, beneficência, assistência particular ou oficial, seguro social. Em regra, os vários processos de financiamento subsistem, lado a lado, com predominância de um ou de outro, consoante a posição ideológica de cada povo.
Na verdade, não podem confundir-se sistemas tão diversos como o de seguros sociais obrigatórios ou o de segurança socializada, com o que assenta na responsabilidade individual e se limita a fixar o esquema relativo à ordem e à proporção em que cada responsável é chamado a assumir os encargos que lhe pertençam.
Uma coisa, porém, é adoptar um dos sistemas referidos, outra é estabelecer as fontes de financiamento. Estas são as mais diversas.
Atribuir a responsabilidade de todo o esquema só aos indivíduos seria tão inadequado como atribuí-la exclusivamente às câmaras municipais, à previdência social ou ao próprio Estado.
Mas, uma vez que todos são chamados a intervir, é necessário fixar a ordem de prioridade.
Importa, todavia, antes de mais, evitar certa imprecisão de conceitos nesta matéria.
Em primeiro lugar, as fontes de receita destinadas a fazer face ao conjunto das despesas das organizações de segurança social não devem confundir-se com a determinação dos responsáveis pelo pagamento de diversas prestações em espécie concedidas pelos respectivos serviços ou instituições.
Depois, quanto à origem dos recursos, deve distinguir-se o sector oficial do particular.
Quanto ao primeiro, sendo a manutenção dos respectivos serviços garantida pelo erário público, as suas receitas principais provêm de verbas inscritas no orçamento do Estado para fazer face às despesas inerentes ao seu funcionamento.
A estas juntam-se as que resultam do rendimento de bens próprios, do produto de donativos e do pagamento pelos utentes dos serviços prestados.
No que respeita ao sector particular, além dos fundos e receitas próprias, provenientes do rendimento dos seus bens, da quotização dos irmãos ou associados e de quaisquer donativos, devem poder contar com os subsídios de cooperação do Estado, a conceder por este, tendo em atenção o volume da assistência que prestam e o grau de necessidade de auxílio de que carecem para fazer face aos respectivos encargos.
Relativamente ao pagamento de certos serviços por parte dos utentes, as receitas dessa proveniência assumem a mesma natureza das cobradas no sector oficial.
Esse pagamento funda-se em duas ordens de razões.
Por um lado, é natural consequência do princípio, já referido, segundo o qual a protecção contra os riscos sociais incumbe, em primeira linha, ao indivíduo e à família.
A outra razão é de ordem administrativa. Entende--se que o pagamento, embora parcial, do existo de certas prestações em espécie, concedidas pelos estabelecimentos e serviços de saúde e assistência, é indispensável para prevenir abusos por parte dos utentes, inevitáveis na hipótese de prestações gratuitas.
Estas últimas apenas serão de outorgar em casos de comprovada indigência ou pobreza, salvo no que respeita à medicina preventiva, como adiante se dirá. Nos mais casos deverá efectuar-se o pagamento do custo efectivo do serviço, total ou parcial, conforme as condições económicas de cada interessado.
Admite-se, porém, que ao utente se substitua, legal ou contratualmente, outra entidade no pagamento dos referidos serviços. E o caso, por exemplo, das instituições de previdência obrigatória com respeito aos seus beneficiários.
142. Para fazer face aos encargos que resultem para as câmaras municipais do facto de ficarem obrigadas ao pagamento da quota-parte que lhes caiba na despesa com a assistência de que beneficiem os pobres e indigentes com o domicílio de socorro nos respectivos concelhos, a proposta aponta as receitas próprias e, em segundo lugar, o produto de derramas.
Ainda que nada haja a objectar em princípio quanto ao pagamento dos encargos pelas receitas próprias, o mesmo não sucede em relação às derramas.
É que na nossa técnica tributária as derramas são formas de obter receita extraordinária, pelo que o seu produto não deve ser afecto ao pagamento de despesas ordinárias. Ora, não há dúvida de que as despesas com a saúde e a assistência constituem encargos normais, e não eventuais ou excepcionais. Há, pois, que achar para eles fundos de natureza correspondente.
As câmaras municipais afirmam não dispor de receitas suficientes para ocorrer às obrigações que o Código Administrativo e outras leis lhes impõem. As suas dívidas para com os hospitais, cujo pagamento se arrasta por longos anos, comprovam a afirmação.
No entanto, verifica-se que dos 273 concelhos do continente apenas 164 solicitaram o lançamento de derramas no ano de 1959, variando a percentagem destas sobre as contribuições directas cobradas entre o mínimo de 2,5 e o máximo de 14.
O produto das derramas no referido ano foi de cerca de 24 000 contos e variou entre um mínimo de 250 contos e um máximo de 2594 contos, respectivamente nos distritos de Aveiro e de Santarém.
Tendo em conta esta situação, parece que a solução definitiva não reside na autorização para lançar derramas, processo excepcional, anual e contingente, mas em equacionar um processo normal de realização de receitas com esse fim, a qual não pode deixar de revestir a natureza de imposto.
Esse processo consistiria em lançar sobre os impostos arrecadados para o Estado um adicional destinado a ocorrer aos encargos municipais com a assistência aos pobres e indigentes.
Não se ignora que esse adicional, pela afectação do seu produto, ofende um dos princípios clássicos dos impostos — o da sua universalidade — e contraria a orientação seguida na política financeira, que constitui extraordinário activo do Regime.
Assim, a Câmara Corporativa, tendo algumas dúvidas quanto à solução que mais convém, limita-se a sugerir a criação do adicional que permita equilibrar os orçamentos municipais nesta matéria.
Ao Governo, se a sugestão for aceite, cabe indicar os impostos sobre que recairá o adicional e, uma vez votado este pela Assembleia Nacional, tomar as medidas necessárias para que o seu produto seja exclusivamente afectado à satisfação dos referidos encargos.
Tendo em atenção a necessidade de melhorar o nível das regiões mais atrasadas e mais pobres, o produto do adicional referido seria afectado a um fundo especial, que podia designar-se por «Fundo Nacional de Assistência».
As suas receitas seriam gastas obrigatoriamente no concelho em que fossem cobradas, na percentagem de 75 por cento, e os 25 por cento restantes constituiriam um fundo comum a distribuir, tendo em atenção o grau de necessidades de cada região.

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Na Inglaterra, a par dos subsídios para fins especiais, existe um subsídio geral que é concedido às colectividades locais em cujas circunscrições se verifique que o rendimento colectável por habitante é inferior à média do mesmo rendimento no país, subsídio este que se destina a reduzir a desigualdade dos seus recursos (Roger Garreau, Le Local Governernent en Grande-Bretagne, p. 144).
143. O Fundo de Socorro Social foi instituído pelo Decreto-Lei n.° 35 427, de 31 de Dezembro de 1945, «com o fim de auxiliar os indivíduos em casos de calamidade ou sinistro, ou quando os recursos da sua economia forem por circunstâncias anormais insuficientes para dar satisfação às necessidades mínimas da família».
Dado o seu carácter provisório, a autorização para a cobrança das receitas que o constituem carece de ser renovada todos os anos.
Presentemente rege-se pelo Decreto-Lei n.° 42 093, de 9 de Janeiro de 1959, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 42 293, 42 818 e 43 144, respectivamente de 3 de Junho de 1959, 25 de Janeiro e de 3 de Setembro de 1960.
As receitas serão aplicadas não só na prossecução do fim especialmente previsto no Decreto-Lei n.° 35 427, mas ainda na assistência materno-infantil e na prevenção e repressão da mendicidade, não podendo ser inferiores a 60 por cento das importâncias arrecadadas as destinadas a esta última modalidade.
Nos catorze anos da sua existência foram despendidos pelo Fundo de Socorro Social mais de 500 000 contos, cifra que dá a medida do volume da acção assistencial desenvolvida com base nas suas receitas.
As despesas administrativas e todas as outras relativas à sua gerência não atingiram 1 por cento das receitas cobradas.
Dado o objectivo para que foi criado, e que deve ser mantido, não se justifica que parte do seu produto, como na proposta se prevê, seja afecto ao reforço das dotações insuficientes, o que equivaleria à sua aplicação indiscriminada.
Ora, desde que se mantenham as circunstâncias que motivaram a afectação do fundo a determinados fins — necessidade premente de socorros, com dispensa de formalidades burocráticas, designadamente em relação às vítimas de sinistros ou de calamidades públicas, luta contra a mendicidade —, parece que esses fins não devem ser alterados.
144. O domicílio de socorro é a circunscrição a que cada cidadão pertence, para efeitos de assistência.
A sua determinação obedece a critérios diversos nos vários países, desde o da naturalidade ao da residência, ou até ao da origem do ramo familiar.
Em Portugal, para só referir a legislação mais recente, o domicílio de socorro determinava-se no Código Administrativo pela residência do necessitado (artigo 751.°, n.° 7) e na Lei n.° 1998 pela sua naturalidade conjugado com o critério da residência.
O projecto regressa ao regime do Código Administrativo, optando pela residência.
Parece de apoiar este retorno ao sistema anterior. Na verdade, a localidade do nascimento pode não ter com o interessado qualquer ligação posterior ao momento do nascimento. Não é raro que os nascimentos se verifiquem em lugares nos quais nem o assistido nem os seus pais exercem qualquer actividade.
Pelo contrário, a residência representa na realidade o local onde cada indivíduo desenvolve a sua actividade, centraliza os seus interesses, adquire direitos e assume obrigações fundamentais.
A experiência da Lei n.° 1998 foi concludente a este respeito, já que aos organismos na sua vida diária de assistência se têm deparado por tal motivo dificuldades constantes e muitas vezes altamente lesivas dos seus interesses.
Por isso, nada há a objectar ao princípio geral da residência determinante do domicílio de socorro, embora se reconheça que ele pode originar fraudes e vir a onerar as câmaras municipais das grandes cidades, dado o conhecido êxodo rural.
145. O projecto, estabelecendo em relação aos estrangeiros o princípio da reciprocidade em matéria de assistência, abre uma excepção a favor dos Brasileiros, que, para todos os efeitos, são equiparados aos nacionais.
Os princípios que estão na base da Comunidade Luso--Brasileira e os laços espirituais que nos ligam ao Brasil constituem o fundamento em que se apoia esta excepção.
146. O projecto, no capítulo em apreciação, contém ainda preceitos relativos à aprovação da tabela das diárias e serviços e à gratuitidade da medicina preventiva.
Quanto aos primeiros, a Câmara nada tem a opor, dado o carácter público dos organismos de saúde e assistência.
Pelo que respeita, porém, à gratuitidade dos serviços de medicina preventiva, «salvo determinação legal em contrário», parece não ser de manter o preceito, porquanto se, em princípio, a medicina preventiva deve ser gratuita, a regra admite excepções, como na própria proposta se reconhece, as quais, como é óbvio, não devem ficar dependentes de texto legal que as autorize, sob pena de se correr o risco de jamais virem a ser estabelecidas.
De resto, dada a fluidez das fronteiras que separam a medicina preventiva da curativa, a disposição constante da proposta podia prestar-se a interpretações que não estariam no pensamento do legislador.
PARTE II
Exame na especialidade
CAPITULO I
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores
Base I do projecto
147. Esta base tem por fonte a base i do Estatuto da Assistência Social (Lei n.° 1998), segundo a qual a assistência se propõe valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições morais, económicas e sanitárias dos seus agrupamentos naturais.
Na proposta esta fórmula foi substituída por outra, em que se define a forma de realizar a política de saúde e assistência «pelo combate à doença e pelo desenvolvimento do bem-estar dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições de ordem moral, social, económica e sanitária dos seus agrupamentos naturais».

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Tal redacção enferma, porém, de um defeito: o âmbito que se atribui à saúde e assistência é tão amplo que abrange sectores que lhes são completamente estranhos, pois, no fundo, antes se integram numa concepção de política social, no sentido mais lato.
Ora, parece preferível limitar o conteúdo desta base ao que é específico da política de saúde e assistência, ou seja ao combate à doença e à prevenção e reparação das insuficiências individuais e familiares.
Igualmente se afigura vantajoso especificar as modalidades que abrange o combate à doença na sua concepção total, compreendendo a acção preventiva, curativa e recuperadora.
Por outro lado, a política define os fins, marca a vontade do Estado, quanto ao objectivo a atingir, pertencendo à Administração, no cumprimento das leis, realizar essa política.
É preferível, pois, que a lei se limite a definir o fim da política de saúde e assistência a referir propriamente a forma como a mesma se realiza.
Em face do exposto, alvitra-se a redacção seguinte:
Base I
(Base I do projecto)
1. A política da saúde e assistência visa a combater a doença e a prevenir e reparar as carências do indivíduo e dos seus agrupamentos naturais.
2. O combate à doença abrange a acção preventiva, curativa e recuperadora.
Base II do projecto
A base n corresponde à base vi do estatuto em vigor (normas 1.ª e 3.ª), em que expressamente se estabelece que as actividades preventivas ou recuperadoras terão preferência sobre as meramente curativas e que a assistência tem em vista o aperfeiçoamento da pessoa a quem é prestada e da família ou agrupamento social a que pertencer.
A nova base aceita estes princípios e justifica que se tenha sempre presente «a missão primacial da família», por a considerar «como o meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem e como
o
primeiro responsável pelo bem-estar dos seus membros».
Neste parecer (n.° 4) já foi posto em relevo o papel da família e a sua importância na orientação da política da saúde e assistência.
Mas, se a missão da família é fundamental ou essencial, não é, em todo o caso, primacial, porquanto a primazia cabe naturalmente ao homem, sujeito de direitos inalienáveis, expressão dos mais altos valores, medida de todas as coisas.
Não admira, pois, que o projecto tivesse em conta em primeiro lugar a pessoa humana.
Na verdade, só depois de no corpo da base n se estabelecer que «a organização e prestação dos serviços de saúde e assistência devem ter sempre presente a natureza unitária da pessoa humana e a necessidade de agir com respeito pelas virtudes naturais» é que também se manda considerar a missão primacial da família, não como fim em si mesma, mas «como meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem».
Constituindo esta última parte a razão ou fundamento da norma, pode, em pura técnica jurídica, discutir-se se há ou não necessidade de a incluir na base. Dada, porém, a natureza especial do Estatuto da Saúde e Assistência, a Câmara entende que no respectivo projecto cabe perfeitamente não só a referência à missão da família, mas ainda que esta constitui o «meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem e o primeiro responsável pelo bem-estar dos seus membros».
Relativamente ao n.° 2 desta base, a restrição posta na parte final torna confusa a ordem de preferências, parecendo melhor dizer claramente que às actividades preventivas será concedida relevância sobre as curativas e recuperadoras.
De harmonia com as observações feitas, sugere-se a seguinte redacção:
Base II
(Base II do projecto)
1. Na execução da política de saúde e assistência deverá ter-se presente:
a) A natureza unitária da pessoa humana;
b) A missão fundamental da família, como
meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem e como primeiro responsável pelo bem-estar dos seus membros;
c) A necessidade de formação moral e cívica e de educação social e sanitária dos indivíduos e dos seus agrupamentos;
d) O dever do trabalho como base da sustentação e da dignidade do homem.
2. Na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência conceder-se-á preferência às actividades preventivas relativamente às curativas e recuperadoras.
Base III do projecto
A base III do projecto, que corresponde a igual base do estatuto em vigor, inverte na enumeração a ordem dos princípios nesta adoptados.
Ao passo que o estatuto vigente assinalava, logo no n.° 1 da referida base, como princípio fundamental, o carácter supletivo da intervenção do Estado, o projecto só na alínea d) se refere à acção supletiva deste, após haver enumerado as funções que lhe competem quanto ao estabelecimento de planos gerais, à orientação, coordenação e fiscalização das actividades de saúde e assistência e à organização e manutenção de serviços próprios.
No fundo, é a iniciativa particular que nos aparece, agora, a completar a acção dos serviços públicos.
O projecto dá, assim, um passo no sentido da aplicação concreta de um princípio que já havia sido enunciado por esta Câmara no exame da proposta do anterior estatuto. Como se lê no parecer então emitido, «o Estado, em Portugal, tem o dever de assegurar a assistência social», o que «não parece duvidoso à face da Constituição Política».
No mesmo parecer consignava-se também o princípio de que «a assistência do Estado não deve excluir nem embaraçar a assistência privada».
Foi esta, afinal, a fórmula que se procurou realizar através da base III do projecto que está sujeito à apreciação da Câmara.
Por outro lado, a referência à competência do Estado, «dentro dos limites da prossecução do bem comum», é desnecessária, porquanto, estando o Estado limitado pela moral e pelo direito (Constituição Política, ar-

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tigo 4.°), não pode prosseguir fins que não se contenham dentro dos referidos limites.
Sugere-se para esta base uma nova redacção, que, no essencial, respeita a do projecto.
Base III (Base m do projecto) Compete ao Estado:
a) Estabelecer planos gerais para as actividades de saúde e assistência;
b) Orientar, coordenar e fiscalizar as referidas
actividades;
c) Organizar e manter os serviços que, pelo
seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada;
d) Fomentar a criação de instituições particulares que se integrem nos princípios desta lei;
e) Exercer acção supletiva em relação às iniciativas e instituições particulares, que deverá favorecer desde que ofereçam suficientes condições morais, financeiras e técnicas.
Base IV do projecto
 base IV do projecto, que não tem relação directa com qualquer disposição do estatuto em vigor, falta conteúdo dispositivo.
A competência dos corpos administrativos em matéria de saúde e assistência está definida no Código Administrativo, onde tem o seu assento próprio. Quaisquer alterações deverão, portanto, ser introduzidas nesse código, não parecendo indicado relegar para leis avulsas a definição da sua competência nesta matéria.
Tal como se encontra redigida, a base IV não obriga a coisa alguma, porquanto, inserindo-se numa lei ordinária, pode livremente ser revogada por outra lei posterior que dê nova redacção aos artigos do Código Administrativo que tratam de saúde e assistência ou que consigne princípios diferentes dos constantes do estatuto em elaboração.
Por isso, a Câmara sugere a eliminação desta base.
Base V do projecto
Também é nova no projecto a base v, se bem que seja possível relacioná-la com a norma 2.ª da base vi do Estatuto da Assistência Social, em que se fala da coordenação entre a previdência e a assistência, e com o disposto na base XIV, alínea b), da Lei n.° 2036 e na alínea c) da base XIV da Lei n.° 2044, respectivamente de 9 de Agosto de 1949 e de 20 de Julho de 1950, em que foi prevista a responsabilidade das instituições da previdência pela assistência prestada aos seus beneficiários, nos termos fixados nos respectivos regulamentos ou mediante acordos a estabelecer entre os organismos interessados.
Mas, como noutro lugar se observou (n.° 10), o princípio consignado nesta base — segundo o qual compete às instituições de previdência assegurar a cobertura económica das eventualidades previstas na respectiva legislação— é da essência do seguro, e não há necessidade de o reafirmar no Estatuto da Saúde e da Assistência.
O problema das relações entre o sector da saúde e assistência e o da previdência social desdobra-se predominantemente em dois aspectos. O primeiro diz respeito à coordenação entre as respectivas actividades e já foi oportunamente tratado no parecer desta Câmara sobre a reforma da previdência social.
O segundo interessa à responsabilidade das instituições de previdência por serviços prestados aos seus beneficiários em estabelecimentos de saúde e assistência.
Desta matéria se ocupa a base XXXIII do projecto. Pelo exposto, a Câmara Corporativa sugere a eliminação da base V do projecto.
Base VI do projecto
Esta base teve por fonte a base XVIII do estatuto em vigor, na qual se estabelece: «o exercício da beneficência é livre, salvas as restrições regulamentares de peditórios públicos».
Mas não parece bastante preceituar que é livre o exercício da beneficência: torna-se necessário dizer que constitui um dever social.
O n.° 2 desta base refere-se ao regime especial previsto no artigo IV da Concordata e aplicável às organizações canónicas com fins de saúde e assistência. Ora, a referência a tal regime não cabe dentro desta base, mas sim naquela em que seja previsto o regime aplicável à generalidade das instituições. Para preencher esse objectivo redigiu-se a base XXIV, cujo n.° 2 contém esta matéria.
De acordo com as considerações feitas, a base VI da proposta passará a IV, com a redacção seguinte:
Base IV
(Base VI do projecto)
O exercício individual ou colectivo da caridade ou beneficência é livre, salvas as restrições legais, e constitui dever social.
Bases VII e viu do projecto
Estas bases reproduzem, com algumas alterações de redacção, as bases II e IV do estatuto em vigor.
Engloba-se o n.° 1 da base viu na base anterior, por a matéria esclarecer e completar o sentido das actividades particulares referidas no n.° 2, alínea ò), da base VII.
Sugere-se uma ligeira correcção na alínea b) do n.° 1, porquanto, se a característica de regionais lhes advém de englobarem vários concelhos, não há necessidade de acrescentar «um ou mais distritos».
Assim, de harmonia com as observações feitas, os n.ºs 2 e 3 da base VIII, que tratam da tutela administrativa, constituem uma base nova, que deve ser colocada depois da que corresponde à base IX do projecto, onde se estabelece a distinção entre associações e fundações, por esta forma subdividindo as instituições particulares que se mencionam na base VII, III fine.
Deste modo, os n.ºs 2 e 3 da base VIII passarão a constituir, no quadro das sugestões formuladas, a base VII.
Base V
(Base VII e n.° 1 da base viu do projecto)
1. As instituições e serviços de saúde e assistencial, quanto ao seu âmbito territorial, podem ser:
a) Nacionais, se abrangem todo o País;
b) Regionais, se englobam a área de mais de um concelho;
c) Locais, se abrangem um ou parte de um concelho.

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2. Quanto à responsabilidade da administração e à origem dos recursos, podem ser:
a) Oficiais, quando o Estado ou as autarquias
locais as administrem ou garantam a sua manutenção;
b) Particulares, quando a administração pertença a entidades privadas e para a manutenção das suas actividades contribuam fundos ou receitas próprias.
3. As instituições particulares não perdem esta natureza pelo facto de receberem subsídios do Estado ou dos corpos administrativos para manutenção ou melhoria das suas actividades. Consideram--se desoficializados os estabelecimentos ou serviços que forem entregues a entidades privadas.
Base IX do projecto
Esta base corresponde, em grande parte, à base v do estatuto em vigor, cujo n.° 1 reproduz textualmente.
No n.° 2 alude-se ao regime especial das Misericórdias, exactamente como fazia o n.° 3 da base V do estatuto em vigor.
A Câmara nada tem que objectar e limita-se a sugerir a eliminação do último período do n.° 2, cuja matéria está nitidamente deslocada entre disposições que definem princípios gerais de orientação da política de saúde e assistência social.
Deste modo, a base passaria a VI, com a seguinte redacção:
Base VI
(Base IX do projecto)
1. Quanto à natureza da sua constituição, as instituições particulares podem revestir a forma de associações ou fundações.
2. Entre as associações, têm regime especial as Misericórdias, cuja tradicional essência católica e actividade multivalente devem ser mantidas, sem prejuízo da actualização técnica e administrativa dos seus métodos de acção.
(N.ºs 2 e 3 da base VIII do projecto)
Como atrás se referiu, os n.ºs 2 e 3 da base viu do projecto não têm nenhuma relação com o n.° 1 da mesma base. Deste modo, este número foi incluído na base v, de que passou a constituir o n.° 3. Quanto aos n.ºs 2 e 3, respeitantes à tutela administrativa, passam a formar a base VII.
Base VII (N.ºs 2 e 3 da base VIII do projecto)
1. A autonomia das instituições particulares só poderá ser limitada pela tutela administrativa do Estado.
2. A tutela respeitará a vontade dos instituidores das fundações e das associações, sem prejuízo da actualização ou coordenação indispensáveis ã maior eficiência das respectivas actividades.
CAPITULO II
Das actividades de saúde e assistência
Base X do projecto
148. Na divisão constante desta base distinguem-se três zonas ou sectores: a saúde pública, a medicina curativa e recuperadora e a assistência.
No primeiro caso trata-se de uma acção geral a desenvolver relativamente ao conjunto da população.
No segundo encara-se a acção individual da medicina livre ou organizada no quadro hospitalar.
No terceiro abrangem-se as actividades de assistência e os diferentes problemas relativos à protecção e recuperação dos indivíduos e dos seus agrupamentos naturais contra os riscos não cobertos pelos esquemas de segurança individual ou colectiva.
A Câmara Corporativa, nada tendo o objectar quanto à divisão referida, sugere para a base X, que passaria a base VIII, a redacção seguinte:
Base VIII (Base x do projecto)
A execução da política de saúde e assistência abrange:
a) As actividades de saúde pública, que incluem, especialmente, as de higiene e de medicina preventiva;
6) As actividades de medicina curativa e recuperadora ;
c) As actividades de assistência.
Base XI do projecto
No estatuto em vigor as modalidades de assistência encontram-se previstas em numerosas bases (VII a XVII), em que se mencionam primeiro as relativas à acção sanitária e depois as respeitantes à assistência.
A proposta representa um esforço apreciável no sentido de uma ordenação e sistematização mais perfeita através da inclusão de normas gerais que substituem as específicas constantes do estatuto vigente, de carácter nitidamente regulamentar.
Dando a sua concordância a esta orientação, a Câmara entende que se pode ir um pouco mais longe na redacção das bases, por forma a que estas se limitem a definir o que, em matéria de lei, deve haver-se como essencial.
Assim, a base XI do projecto desenvolve o conceito da actividade da saúde pública e contém uma enumeração que, embora exemplificativa, consta de doze alíneas.
Estas podem reduzir-se por modo a abrangerem apenas os grandes sectores da higiene e da medicina preventiva.
A redacção que se sugere visa esse objectivo.
Base IX (Base XI do projecto)
As actividades de saúde pública destinam-se a promover a saúde e a combater preventivamente a doença, compreendendo em especial:
a) A educação sanitária da população;
b) O saneamento do meio ambiente;
c) A higiene materno-infantil, infantil, escolar, da alimentação e do trabalho;
d) A higiene mental;
e) A profilaxia das doenças transmissíveis e sociais;
f) A defesa sanitária das fronteiras;
g) A hidrologia médica e as estações balneares ;
h) A fiscalização da produção e do comércio
de medicamentos e a sua comprovação.

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Base XII do projecto
Sugere-se, em primeiro lugar, a eliminação da palavra «colectivizada», que consta da base XII do projecto, visto o seu emprego se prestar a interpretações equívocas.
Parece, por outro lado, conveniente precisar que a medicina não se deve limitar à acção terapêutica e recuperadora, visto lhe caberem também fins pedagógicos e de investigação.
Quanto às actividades hospitalares, a sua acção será coordenada tendo em conta as funções que cabem a cada categoria de hospital.
A redacção que se sugere está de acordo com as observações feitas.
Base X
(Base XII do projecto)
1. As actividades de medicina curativa e recuperadora abrangem especialmente:
a) O exercício da medicina, individual ou organizada, com fins curativos e de recuperação, tanto sob a forma domiciliária como ambulatória ou hospitalar;
b) A acção médico-social com fins pedagógicos e de investigação científica.
2. As referidas actividades devem ser exercidas em estreita ligação com as de natureza preventiva previstas na base anterior.
3. A actividade hospitalar será coordenada por forma a integrar num plano funcional os hospitais centrais, regionais e sub-regionais, os postos de consulta ou de socorros e os serviços auxiliares.
Base XIII do projecto
De harmonia com o critério seguido em relação às bases anteriores, é possível dar à base XIII do projecto lima redacção que, sem prejuízo do seu âmbito, permita chegar a uma enumeração mais sintética.
Alvitra-se a redacção seguinte:
Base XI (Base XIII do projecto)
As actividades de assistência destinam-se a proteger os indivíduos e os seus agrupamentos contra os efeitos das carências e desadaptações pessoais ou familiares, na medida em que não estiverem cobertos por esquemas de seguro privado ou social.
Incluem designadamente:
a) A assistência à família, à maternidade, à infância, aos menores, aos velhos e aos inválidos;
b) A acção educativa destinada à valorização pessoal e social dos indivíduos e dos seus agrupamentos;
c) A educação e a recuperação dos surdos, mudos e de outros deficientes físicos ou mentais, bem como de indivíduos socialmente diminuídos;
d) A luta contra a mendicidade, o alcoolismo, a prostituição e outros flagelos sociais;
e) O socorro a prestar aos indivíduos em caso
de sinistro, de calamidade e de outras
eventualidades;
f) A tutela social dos necessitados e assistidos.
Base XIV do projecto
Esta base tem por fonte a base XIV do estatuto em vigor. Não havendo nada a objectar quanto ao fundo, a redacção que se sugere limita-se a pequenos retoques de redacção e a excluir da tutela os ignorantes.
Base XII (Base XIV do projecto)
A tutela social abrange:
a) A orientação e defesa dos abandonados e desprotegidos;
b) As providências destinadas a promover a participação dos necessitados em actividades compatíveis com as suas aptidões;
c) A faculdade de assegurar, com carácter obrigatório, a concessão de prestações sanitárias e assistenciais, quando motins ponderosos o justifiquem;
d) A representação legal dos assistidos, nos termos que a lei fixar.
Base XV do projecto
Por maior que seja a importância do serviço social, não excede a dos serviços médicos ou de enfermagem, pelo que não se lhe deve conferir relevo que sobreleve o dos restantes.
Por outro lado, não se afigura correcto estabelecer uma hierarquia no domínio da assistência, em que é princípio dominante o da cooperação solidária.
No entanto, justifica-se que num projecto da natureza do Estatuto da Saúde e Assistência se faça referência ao serviço social e às diferentes modalidades que reveste.
Nestas condições, a Câmara Corporativa sugere que a base XV do projecto seja substituída pela seguinte:
Base XIII
(Base XV do projecto)
Na realização das actividades de saúde e assistência deverá assegurar-se a conveniente participação do serviço social, geral ou especializado, quer individual e familiar, quer de grupo ou de comunidade.
CAPITULO III
Dos órgãos de saúde e assistência
Base XVI do projecto
149. Esta base e as que se seguem até à base XXVII constituem o capítulo III, designado: «Dos órgãos de saúde e assistência».
No que respeita propriamente à matéria da base XVI, que tem por fonte a base XXXI do estatuto em vigor, parece haver conveniência em delimitar a competência do Ministério da Saúde e Assistência, por forma a ressalvar as atribuições que por lei competirem a outros departamentos, considerando em especial o caso da saúde escolar.
Por outro lado, deverá ser dado o devido relevo à coordenação entre os serviços de saúde e assistência e os de previdência social, com vista a evitar a desnecessária duplicação ou sobreposição de serviços.

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Pelo exposto, sugere-se para esta base a redacção seguinte:
Base XIV
(Base XVI do projecto)
1. Na execução da política de saúde e assistência, compete ao Ministério da Saúde e Assistência:
a) Assegurar o exercício das atribuições do
Estado, ressalvadas aquelas que por lei competirem a outros departamentos;
b) Orientar tecnicamente a actividade dos
órgãos de saúde e assistência dependentes de outros Ministérios, designadamente quanto à higiene e à medicina preventiva;
c) Dar execução, na parte que lhe competir,
às directrizes estabelecidas pelo Conselho de Segurança Social quanto à coordenação entre os serviços de saúde e assistência e os das instituições de previdência, com vista a evitar desnecessárias sobreposições de actividades.
2. Em matéria de saúde escolar, os serviços do Ministério da Saúde e Assistência desempenharão as funções que não puderem ser efectivamente asseguradas pelos órgãos ou serviços dependentes da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Base XV
(Base xliv do projecto)
No projecto, a competência do Ministério da Saúde e Assistência conota de duas bases: a XVI, ou seja a primeira do capítulo ii «Dos órgãos de saúde e assistência», e a xliv, a terceira do capítulo vi, que inclui as disposições especiais e transitórias.
Dada a afinidade da matéria e o facto de as disposições contidas na base xliv não terem carácter especial nem transitório, sugere-se a sua inclusão no capítulo III, onde passariam a constituir a base XV, com a redacção seguinte:
Base XV (Base xliv do projecto)
Compete ainda ao Ministério da Saúde e Assistência:
a) Autorizar a abertura e funcionamento de
hospitais, casas de saúde, dispensários e estabelecimentos análogos;
b) Aprovar as obras de construção, grande
ampliação ou remodelação de edifícios destinados aos referidos estabelecimentos.
Base XVII do projecto
A base XVII do projecto assinala, como órgãos superior eis do Ministério, o Conselho Coordenador e o Conselho Superior de Saúde e Assistência.
O Conselho Coordenador foi criado pelo Decreto-Lei n.° 42 210, de 13 de Abril de 1959, e, nos termos do artigo 3.°, a sua composição inclui quase exclusivamente representantes dos órgãos do Ministério.
O Conselho Superior de Saúde e Assistência é o Conselho de Higiene e Assistência Social a que se referem as bases XXXI e XXXII do estatuto vigente.
Os dois conselhos — Conselho Coordenador e Conselho Superior de Saúde e Assistência — surgem no projecto com domínios de acção mais ou menos concêntricos, porquanto, competindo ao primeiro a definição das linhas gerais de acção a desenvolver e ao segundo o estudo dos planos técnicos necessários ao referido desenvolvimento, a fluidez das fronteiras da sua competência,, que resulta da própria natureza das coisas, faria correr o risco de duplicar as intervenções dos referidos conselhos, o que é sobretudo, indesejável num projecto em que é nítido o propósito de não* só as evitar, mas ainda de eliminar as existentes.
Ao lado do Conselho Superior de Saúde e Assistência poderão funcionar outros órgãos consultivos, a criar de harmonia com a natureza e as necessidades dos diferentes serviços.
Do que fica dito, resulta dever a base XVII do projecto passar a ter a redacção seguinte:
Base XVI
(Base XVII do projecto)
1. Junto do Gabinete do Ministro funcionará o Conselho Superior de Saúde e Assistência, ao qual cabe dar parecer acerca da orientação geral da política de saúde & assistência e estabelecimento dos respectivos planos, bem como pronunciar-se sobre os demais assuntos da sua competência.
2. Além do Conselho Superior de Saúde e Assistência e da Comissão Nacional de Hospitais, a que se refere a base XVIII, haverá os mais órgãos consultivos que forem previstos na lei orgânica do Ministério.
Base XVIII do projecto
A base XVIII tem por fonte, a base XXXIII do estatuto vigente.
Corrige-se a redacção por não fazer sentido dizer que os serviços centrais são parte dos órgãos centrais do Ministério. Parece mais adequado enumerar sem adjectivação os órgãos ou serviços do Ministério e incluir nessa enumeração a Inspecção Superior, dadas as funções que lhe devem competir.
E, desde que não se especificam os serviços que ficam na dependência das direcções-gerais, também não se deve fazer menção dos que compreenderão os serviços centrais, sob pena de, em certos aspectos, se invadir o domínio reservado à lei orgânica do Ministério.
A referência ao Instituto Português de Oncologia justifica-se não só por os respectivos serviços transitarem para o Ministério da Saúde e Assistência, mas ainda pela razão de ficar sujeito à orientação do Ministério da Educação Nacional, no que respeita à investigação científica e às funções docentes.
Em face do exposto, alvitra-se a redacção seguinte:
Base XVII (Base XVIII do projecto)
São serviços do Ministério da Saúde e Assistência:
a) As Direcções-Gerais de Saúde, dos Hospitais e da Assistência e serviços na sua dependência;
b) A Inspecção Superior da Saúde e Assistência ;
c) Os serviços centrais.
2. Na dependência das direcções-gerais poderá haver organismos ou serviços especializados, dotados ou não de personalidade jurídica e com a autonomia técnica e administrativa julgada con-

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veniente, especialmente encarregados da orientação e coordenação de determinadas actividades e da organização e manutenção dos estabelecimentos e serviços que se mostrarem necessários.
3. Os serviços do actual Instituto Português de Oncologia transitam para o Ministério da Saúde e Assistência, sem prejuízo da sua dependência do Ministério da Educação Nacional no que respeita à investigação científica e às funções pedagógicas.
4. As atribuições dos diversos serviços e a sua distribuição pelos departamentos do Ministério serão fixadas em diploma especial.
Base XIX do projecto (Eliminada)
Pareceu indicado transferir para a base anterior, referente aos serviços do Ministério, a matéria da base XIX do projecto, dando-lhe redacção diferente.
Deste modo, sugere-se a eliminação desta base.
Base XVIII
Dada a importância dos problemas relativos à orientação e funcionamento dos hospitais, há conveniência em criar junto da respectiva direcção-geral a Comissão Nacional de Hospitais, especialmente encarregada de dar parecer sobre a planificação e coordenação das actividades hospitalares e em tudo quanto respeita à preparação do pessoal e às diversas carreiras deste, em ordem a assegurar a sua estabilidade e o maior rendimento dos serviços.
A Comissão Nacional de Hospitais corresponde ao Conselho Nacional de Assistência Hospitalar, previsto no anteprojecto da lei orgânica de Assistência Médica Hospitalar no Brasil. (Hospital de Hoje, vol. 14, ano IV).
Sugere-se para esta base a redacção seguinte:
Base XVIII
(Nova)
Junto da Direcção-Geral dos Hospitais funcionará a Comissão Nacional de Hospitais, à qual compete elaborar estudos, fazer sugestões e dar parecer sobre os problemas gerais relativos à orientação e funcionamento da organização hospitalar, especialmente no que respeita à planificação e coordenação das suas actividades, à preparação do pessoal e ao estabelecimento de carreiras em que o mesmo deva ser integrado.
Base XX do projecto
O n.° 2 da base XXXIII e a base XXXIV do estatuto em vigor determinavam a constituição de delegações regionais encarregadas de coordenar as actividades locais de sanidade e assistência, delegações estas em que as funções de assistência podiam ser acumuladas com as de saúde ou com as da Organização da Defesa da Família e as de inquérito de assistência.
Em execução do referido estatuto foi publicado o Decreto-Lei n.° 35 108, de 7 de Novembro de 1945, que previu não só as delegações e subdelegações de saúde, mas ainda as comissões regionais de assistência. Tanto o artigo 59.° deste diploma como o Decreto n.° 36262, de 5 de Maio de 1947, que criou as comissões distritais de assistência nos distritos autónomos das ilhas adjacentes, podem ser considerados como fonte desta base, excepto no que respeita às comissões inter-hospitalares, que, pela primeira vez, são previstas em diploma da natureza daquele a que respeita o projecto.
A Câmara, nada tendo a objectar quanto à existência dos referidos órgãos, limita-se a sugerir ligeiras modificações de redacção.
Base XIX
(Base XX do projecto)
São órgãos regionais de saúde e assistência:
a) As delegações distritais; h) As comissões distritais; c) As comissões inter-hospitalares.
Bases XXI, XXIII e XXIV do projecto (Eliminadas)
Tratam estas bases das funções das delegações distritais, das comissões distritais e das comissões inter-hospitalares.
Sugere-se a sua eliminação. Na verdade, tendo-se deixado para diploma especial a definição das atribuições das Direcções-Gerais como órgãos centrais do Ministério, parece de adoptar o mesmo critério quanto às que ficarão a competir aos órgãos regionais.
Base XXII do projecto
Ainda que seja discutível o carácter dispositivo desta base, a Câmara Corporativa nada tem a objectar à matéria do n.° 1 e à da primeira parte do n.° 2.
Quanto à reorganização dos actuais dispensários, é evidente que poderá ser feita em qualquer altura, independentemente de autorização prévia.
A base XXII do projecto deve, pois, dar-se a seguinte redacção:
Base XX (Base XXII do projecto)
1. Na dependência das delegações de saúde haverá centros de saúde para acção local e apoio aos postos concelhios previstos na base XXII.
2. Nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra os centros de saúde terão organização especial.
Base XXV do projecto
Pela base XXV do projecto, são órgãos locais de saúde e assistência:
a) As subdelegações de saúde;
b) As Misericórdias das sedes dos concelhos ou, na falta delas, as instituições locais escolhidas para desempenhar essas funções.
A título excepcional prevê-se a criação de comissões municipais.
Desde que não se definiram as funções das comissões distritais, também não há razão para especificar as que competem às comissões municipais.
Por outro lado, não se estabelecendo a composição destas comissões, deverá deixar-se para a respectiva regulamentação a indicação dos subdelegados de saúde como seus vogais natos.
De harmonia com o exposto, sugere-se para esta base a seguinte redacção:
Base XXI (Base XXV do projecto)
1. São órgãos locais de saúde e assistência:
a) As subdelegações de saúde;
b) As Misericórdias das sedes dos concelhos
ou, na falta delas, as instituições locais

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escolhidas para desempenhar as respectivas funções.
2. Quando as circunstâncias o aconselhem, poderão ser criadas comissões municipais de saúde e assistência, que funcionarão na Misericórdia, sob a presidência do provedor ou, quando seja caso disso, nas instituições previstas na parte final da alínea ò) desta base.
Base XXXVI do projecto
A fonte desta base é o artigo 60.° do Decreto-Lei n.° 35 108. A acção das subdelegações de saúde não pode limitar-se aos postos previstos nesta base, pois estende-se a todo o concelho. Também o projecto não prevê a falta de acordo quanto à instalação de postos nos hospitais concelhios.
Pelo exposto, sugere-se a redacção seguinte:
Base XXII (Base XXXVI do projecto!
1. As subdelegações de saúde funcionarão, de preferência, em postos instalados por acordo nos hospitais sub-regionais.
2. Na falta de acordo, ou quando não existam hospitais sub-regionais, os postos de saúde podem ter instalações privativas.
3. Nos hospitais sub-regionais poderão funcionar secções de serviço social.
Base XXVII do projecto Esta base prevê:
a) Sempre que possível e necessário, estabelecer-
-se-ão postos de saúde e assistência nas freguesias;
b) A prestação de assistência médica às populações
rurais será regulada em lei especial.
Como se verifica, a base em apreciação não contém qualquer preceito de aplicação imediata, mas apenas a promessa do estabelecimento de um futuro regime para a prestação médica às populações 'rurais, em que não deixarão de ser enquadrados os postos de saúde e assistência previstos no n.° 1 desta base.
Pelos fundamentos já aduzidos na apreciação de outras bases, julga-se aconselhável eliminar esta.
De resto, a anunciada regulamentação da prestação de assistência médica às populações rurais poderá ser feita em qualquer altura, sem necessidade de lei que especialmente a autorize.
Base XXIII
(N.° 2 ire fine da base IX do projecto)
No n.° 2 da base IX do projecto estabeleceu-se que às Misericórdias deve competir, na maior medida possível, o primeiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial dos concelhos, por acção dos seus serviços próprios ou como centros coordenadores daquelas actividades.
Parece que esta matéria deve ser incluída no capítulo referente aos órgãos de saúde e assistência, tanto mais que no mesmo é feita refeiência expressa às (Misericórdias, ali consideradas como órgãos locais de saúde e assistência.
A Câmara Corporativa, em razão do exposto, sugere a transferência do disposto na parte final da base IX por uma nova base, que passaria a ser a XXIII.
O número de Misericórdias existentes — 368 —, o volume da assistência por elas prestada, a necessidade de desenvolver a sua actividade multivalente, são outros tantos factores a aconselhar que lhes seja cometido, na maior medida possível, o primeiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial dos concelhos.
Pelas considerações feitas, sugere-se a base XXIII, com a redacção seguinte:
Base XXIII
As Misericórdias compete, na maior medida possível, o primeiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial dos concelhos, por acção dos seus serviços próprios ou como centros coordenadores daquelas actividades.
Base XXIV
Funcionando presentemente em Portugal 1980 instituições de assistência particular que se dedicam às mais diversas modalidades de assistência, entre as quais 368 Misericórdias e 115 fundações, o projecto, dividindo-as embora quanto ao âmbito territorial e natureza da sua constituição, não contém uma única base relativa ao seu regime jurídico.
A base XXIV, n.° 1, cujo aditamento se sugere, pretende remediar a omissão.
O n.° 2 da base vi do projecto passa a constituir igual número desta base, visto a sua matéria se relacionar com a contida no n.° 1, o que não sucede relativamente ao n.° 1 da base vi do projecto.
Pelo exposto, a base XXIV passaria a ter a seguinte redacção:
Base XXIV
(Nova)
1. As instituições e organismos de assistência, oficiais ou particulares, regem-se pelo disposto nesta lei, na legislação complementar e nos respectivos regulamentos, estatutos ou compromissos.
2. As instituições canónicas com fins de saúde e assistência ficam sujeitas, nesta parte, ao regime especial previsto na Concordata.
CAPITULO IV Do pessoal
150. O projecto ocupa-se do pessoal nas bases XXVIII, XXIX e XXX.
Ora, o n.° 1 da base XXVIII do projecto e a base XXX podem ser resumidos numa única base em que se estabeleça que o pessoal do Ministério constará de quadros sujeitos a revisão, devendo a lei que organizar os respectivos serviços consignar as condições gerais de admissão e promoção.
A matéria de carreiras de pessoal, directamente relacionada com as normas pertinentes à admissão e promoção do pessoal, ficaria a constar desta base.
Dada a autonomia de que gozam as Misericórdias e demais instituições de assistência e a diversidade de recursos financeiros de que dispõem, não se afigura possível submetê-las para já a um regime comum de admissão e promoção de pessoal que inclua as carreiras médicas previstas na base XXX do projecto.

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Pelo exposto sugere-se a eliminação do n.° 2 da base XXVIII do projecto, dando-se à base XXV do texto da Câmara Corporativa a seguinte redacção:
Base XXV
(N.° 1 da base XXVIII e base XXX do projecto)
1. 0 pessoal dos serviços do Ministério constará de quadros, que poderão ser revistos de harmonia com as necessidades dos serviços.
2. A lei regulará as condições gerais de admissão e promoção.
3. Serão estabelecidas carreiras para o pessoal médico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar da medicina e, bem assim, para o pessoal de administração.
Base XXXVI (Base XXIX do projecto)
Desde que se diga que a formação do pessoal que necessita de habilitações especiais será feita em escolas ou cursos apropriados ou em estágios adequados, ter-se-á disposto quanto à matéria que constitui as diferentes alíneas desta base.
Por isso, sem prejuízo da sua substância, sugere-se a redacção seguinte:
Base XXXVI (Base XXIX do projecto) A formação de pessoal que careça de habilitações especiais será feita em escolas próprias, ou em cursos e estágios adequados.
CAPITULO V
Da responsabilidade financeira pelos encargos das actividades de saúde e assistência
151. Atendendo à matéria das bases que constituem este capítulo, o título devia ser substituído pelo seguinte: «Da responsabilidade pelos encargos da prestação da assistência», pois só este aspecto parecer ter estado presente no espírito do Governo ao elaborar o projecto.
Mas há outros, e fundamentais, que não podem deixar de ser encarados: os que respeitam aos encargos gerais que resultam da instalação e funcionamento de serviços de saúde e assistência, e à gestão das instituições, tanto no aspecto da sua autonomia administrativa, como em relação à capacidade de aquisição de bens e ao regime da respectiva contabilidade. Daí a necessidade de aditar às bases previstas no projecto duas novas bases e de substituir o título do capítulo v por outro, que se denominará «Do regime financeiro».
Assim, antes do estabelecimento de normas que visem a definir a responsabilidade pelos serviços de assistência efectivamente prestada, importa saber quem suporta os encargos com a instalação e funcionamento dos estabelecimentos que os prestam e estabelecer a ordem de prioridade dos fundos destinados a satisfazê-los.
Deve, nestas condições, integrar-se no projecto uma base com a redacção seguinte:
Base XXVII
(Nova)
1. Os encargos de instalação e funcionamento dos estabelecimentos e instituições de saúde e assistência serão suportados:
o) Pela receita de quotizações, rendimento de bens próprios e pagamento de serviços prestados, segundo tabelas aprovadas;
b) Pelo produto de heranças, legados e doações ou donativos de qualquer natureza e proveniência;
c) Pelas dotações inscritas no Orçamento Geral do Estado e por subsídios concedidos pelo Governo ou pelas autarquias locais.
2. Nas instalações e funcionamento dos referidos estabelecimentos serão respeitadas a vontade dos benfeitores, a finalidade das instituições e as disposições estatutárias ou regulamentares.
Base XXVIII (Base XXXIX do projecto)
Esta base, além de determinar que as tabelas das diárias, dos serviços e dos honorários nos organismos de saúde e assistência serão aprovadas pelo Ministério da Saúde e Assistência, princípio já estabelecido na base XXIII do estatuto em vigor, preceitua que, salvo determinação legal em contrário, os serviços de medicina preventiva são gratuitos.
Ora estes tanto podem interessar ao conjunto da população como aos indivíduos isoladamente considerados.
Se em relação aos primeiros, interessando a toda a população, se compreende a gratuitidade, o mesmo não se pode dizer quanto aos segundos. A exigência de determinação legal para que quaisquer serviços de medicina preventiva possam ser remunerados é manifestamente excessiva e presta-se a abusos, tanto mais que, em certos casos, os serviços de medicina preventiva terão necessidade de praticar actos de pura medicina curativa.
A base prevê providências destinadas a evitar tanto tabelas excessivas de honorários clínicos em medicina livre como a fixação de quantitativos exíguos pela prestação dos mesmos serviços.
A Câmara, atento o interesse público do exercício da medicina, nada tem a opor à disciplina a que a base visa, mas entende que a mesma, em medicina livre, é da competência do Ministério das Corporações e Previdência Social.
Pelo exposto, a Câmara Corporativa entende que a base XXXIX do projecto deve ser substituída por outra, com a seguinte redacção:
Base XXVIII (N.ºs 1, 2 e 3 da base XXXIX do projecto)
1. As tabelas das diárias, dos serviços e dos honorários pela assistência prestada nos estabelecimentos de saúde e assistência oficiais, variáveis com a situação, a categoria e a natureza dos referidos estabelecimentos, serão aprovadas pelo Ministro da Saúde e Assistência, sem prejuízo dos acordos a que se refere o n.° 3 da base XXIX.
2. Os serviços de medicina preventiva serão, em regra, gratuitos.
Base XXIX
(Base XXXI do projecto)
Esta base tem por fonte o disposto na base XXI do estatuto em vigor, em que se estabelece:
1. Respondem pelos encargos da assistência:
a) Os próprios assistidos, seus ascendentes ou descendentes e os demais parentes com obrigação legal de alimentos;

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6) Os responsáveis pelo nascimento de filhos ilegítimos ;
c) Os organismos corporativos ou as instituições
de seguros;
d) Os fundos ou receitas próprias das instituições;
e) As câmaras municipais, em relação aos assistidos com domicílio de socorro nos respectivos concelhos;
f) O Estado, pelas dotações destinadas à assistência, e outras entidades oficiais, pelas receitas ou donativos eventualmente recolhidos com esse destino.
Posteriormente, pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 39 805, de 4 de Setembro de 1954, foi esta base alterada, mas apenas quanto à responsabilidade pelos encargos de assistência hospitalar.
O projecto exclui da responsabilidade pelos encargos da assistência os organismos corporativos e os responsáveis pelo nascimento de filhos ilegítimos, adoptando, nesta parte, a orientação definida no artigo 1.° do citado decreto-lei, mas mantém a do Estado prevista na alínea /) da base XXI do estatuto em vigor.
Parece, porém, que o critério adoptado no Decreto--Lei n.° 39 805 é o mais aconselhável em relação ao Estado, que, financiando embora a assistência por intermédio dos seus fundos e receitas próprias, não responde concretamente pelos encargos da prestada a esta ou àquela pessoa.
Pela assistência efectivamente prestada respondem os indivíduos e as respectivas famílias e ainda as câmaras municipais em relação àquela de que beneficiem os pobres e indigentes com domicílio de socorro nos respectivos concelhos.
A responsabilidade pode transferir-se, no todo ou em parte, mediante contrato ou disposição legal, como acontece normalmente nos acidentes de trabalho e de viação e nas doenças profissionais, em que respondem pelos encargos da assistência as entidades patronais e seguradoras.
No que respeita às instituições de previdência, indicadas na alínea b) da base xxxx do projecto, elas só podem responder pelos encargos resultantes da assistência prestada aos seus beneficiários, dentro dos esquemas aprovados.
E evidente que, nestes casos, não existe atribuição de responsabilidade a título supletivo, como nos outros que estão enumerados nas alíneas a) e d). O que há é a substituição do assistido por uma entidade que, em virtude de contrato ou de disposição legal ou regulamentar, cobre a sua responsabilidade.
Também isso se teve em conta na revisão da base XXXI do projecto.
Pelo exposto, a Câmara sugere para a base XXXI, que figurará no novo texto como base XXIX, a seguinte redacção:
Base XXIX (Base XXXI do projecto)
1. A responsabilidade pelo pagamento de serviços de saúde e assistência prestados, cabe:
a) Aos próprios assistidos;
b) As respectivas famílias;
c) As câmaras municipais.
2. A responsabilidade pode transferir-se para terceiros, no todo ou em parte, mediante convenção, preceito legal ou norma regulamentar.
3. As instituições de previdência respondem pelos encargos da assistência prestada aos respectivos beneficiários, conforme o disposto nos seus regulamentos, ou nos termos de acordos celebrados com estabelecimentos ou serviços de saúde e assistência.
4. Os estrangeiros receberão assistência em regime de reciprocidade e de harmonia com as facilidades concedidas aos súbditos portugueses nos respectivos países, mas os cidadãos brasileiros ficam, para o efeito, equiparados aos portugueses.
Base XXX
Parece manifesta a conveniência de estabelecer que as dívidas provenientes da assistência prestada a qualquer dos cônjuges se presumam contraídas em proveito comum do casal.
O facto de se tornar a dívida comunicável afasta um grande número de questões que têm surgido na cobrança das dívidas contraídas por um dos cônjuges.
Pelo exposto, inclui-se uma base com a seguinte redacção:
Base XXX (Nova)
As dívidas resultantes da assistência prestada a qualquer dos cônjuges presumem-se contraídas em proveito comum do casal.
Base XXXI (Base XXXII do projecto)
A base XXXII do projecto estabelece que os assistidos, seus cônjuges, ascendentes e descendentes, ou ainda os irmãos e outros parentes que com eles tenham economia comum, são os primeiros responsáveis pelo pagamento total ou parcial dos serviços recebidos.
Esta fórmula peca pelo defeito de considerar globalmente como primeiros responsáveis os assistidos, seus cônjuges e outros parentes que com eles tenham economia comum, sem distinguir entre os assistidos, que devem ser os primeiros responsáveis, e as pessoas de família, cuja responsabilidade deve ser subsidiária. Em segundo lugar, não estabelece qualquer ordem de preferência no que toca à responsabilidade dos diferentes familiares, pelo que teria de entender-se que essa responsabilidade era conjunta, o que originaria grandes dificuldades de cobrança. Parece, pois, que se deve fixar uma ordem de precedência na declaração das responsabilidades, a exemplo do que se verifica na obrigação de prestar alimentos.
Acresce a circunstância de a referência aos irmãos e outros parentes que com eles tenham economia comum ser muito vaga, porquanto abrange todos os parentes em qualquer grau, e não apenas os que estão obrigados à prestação de alimentos. Com essa extensão o preceito peca por exagero, dado o enfraquecimento dos laços de parentesco para além de certo grau.
Quanto à matéria do n.° 2 desta base, foi a mesma incluída na base XXIX do texto que a Câmara Corporativa sugere, por ser ali o lugar próprio.
Em harmonia com o exposto, a base XXXII da proposta deve ser substituída pela seguinte:
Base XXXI
(Base XXXII do projecto)
Quando os assistidos não puderem satisfazer, no todo ou em parte, os encargos com o pagamento de serviços de saúde e assistência, responderão, por

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ordem sucessiva, os descendentes, ascendentes e cônjuge e, ainda, os irmãos e sobrinhos que com aqueles tenham economia comum.
Base XXXIII do projecto
Por ter sido incluída na base XXIX do texto sugerido por esta Câmara a matéria contida na base XXXIII do projecto, impõe-se a sua eliminação.
Base XXXIV do projecto
Sugere-se a eliminação desta base por a sua matéria já estar incluída, ainda que com outra redacção, na base XXVII do texto sugerido por esta Câmara.
Base XXXII (Bases XXXV, XXXVII e XXXVIII do projecto)
Respeita esta base à responsabilidade das câmaras municipais pela assistência prestada aos pobres e indigentes com domicílio de socorro nos respectivos concelhos. Tal responsabilidade foi prevista em vários diplomas (Código Administrativo, Decretos-Leis n.ºs 35 108 e 39 805), mas a sua fonte directa é a base XXI do estatuto em vigor, onde se estabelece que, além de outras pessoas e entidades, respondem pelos encargos de assistência «as câmaras municipais em relação aos assistidos com domicílio de socorro no respectivo concelho».
O Código Administrativo indica os indivíduos que devem ser considerados como pobres e indigentes, competindo às juntas de freguesia a «organização, conservação e revisão anual do recenseamento dos pobres e dos indigentes da freguesia» (Código Administrativo, artigos 253.°, n.° 2.° e 256.º §§ 1.º e 2.°).
Directamente relacionada com o princípio da responsabilidade das câmaras encontra-se a matéria constante das bases XXXVII e XXXVIII do projecto, relativa à contrapartida que os encargos municipais têm nas receitas próprias das câmaras e ainda no produto das derramas a lançar, bem como ao domicílio de socorro.
Como respeitam às câmaras e constituem, em última análise, o desenvolvimento do princípio estabelecido na base XXXV, só há conveniência em integrar a sua matéria na mesma base.
Relativamente ao critério adoptado para a fixação do domicílio de socorro nada há, em princípio, a objectar, embora se reconheçam alguns inconvenientes na sua determinação com base na residência e por período tão curto.
Os n.ºs 3, primeira parte, e 4 da base XXXVIII do projecto ficam a constituir o n.° 4 da base XXIX do texto sugerido, porquanto o princípio da reciprocidade e, bem assim, o da equiparação dos brasileiros aos nacionais, para efeito da prestação da assistência, nada têm que Ver com o domicílio de socorro.
Tendo em conta as considerações feitas, foi englobada numa única base a matéria das bases XXXV, XXXVII e XXXVIII do projecto, a qual passará a ter no texto sugerido pela Câmara a redacção seguinte:
Base XXXII
(Bases XXXV, XXXVII e XXXVIII do projecto)
1. Constitui despesa obrigatória das câmaras municipais o pagamento da quota-parte que, de harmonia com a legislação especial, lhes for atribuída pela assistência prestada aos pobres e indigentes com domicílio de socorro nos respectivos concelhos.
2. Os encargos municipais terão contrapartida no produto de derramas que as câmaras serão autorizadas a lançar com o fim exclusivo de ocorrer a necessidades de saúde e assistência dos respectivos concelhos. As derramas incidirão sobre as contribuições directas cobradas, e, quando o seu produto for transitoriamente insuficiente para o pagamento dos referidos encargos, serão estes satisfeitos pelas receitas próprias.
3. Considera-se domicílio de socorro o do último concelho da metrópole onde o assistido haja residido pelo período de um ano, ressalvados os seguintes casos:
a) A mulher tem o domicílio de socorro do
marido, quando não esteja separada judicialmente de pessoas e bens;,
b) O menor não emancipado tem o domicílio
de socorro dos pais, do pai, da mãe ou do tutor a cuja autoridade se achar sujeito, ou ainda da pessoa a cargo de quem esteja o seu sustento e educação. Se viver por sua conta há mais de um ano, o domicílio de socorro será determinado segundo a regra geral;
c) Os internados em estabelecimentos de assistência conservam o domicílio de socorro que tinham à data do internamento;
d) Quando não .possa determinar-se a sua residência, considera-se domicílio de socorro o concelho ou concelhos em que o indivíduo for tratado ou assistido.
4. A determinação do domicílio de socorro dos estrangeiros que residem em Portugal obedecerá às regras estabelecidas nesta base para os portugueses.
Base XXXIII
(Base XXXXVI do projecto)
Segundo esta base, constitui encargo do Estado, por um lado, a criação e manutenção dos serviços oficiais de saúde e assistência e a construção e apetrechamento dos respectivos estabelecimentos e, por outro lado, a comparticipação nas obras e no apetrechamento das instituições particulares, bem como no pagamento dos serviços por estas prestados, quando o respectivo encargo não possa ser suportado pelos fundos ou receitas próprias, ou ainda por qualquer outro modo. Assim, com o disposto nesta base, procura dar-se solução ao princípio consignado na base III, segundo a qual ao Estado compete organizar e manter os serviços de saúde e assistência, que, pelo seu interesse e complexidade, não devam ser entregues à iniciativa privada e fomentar e favorecer as instituições particulares, designadamente quando a sua actividade se integre em planos gerais de sanidade ou assistência.
A Câmara, tendo dado a sua concordância ao referido princípio, nada tem a objectar à doutrina desta base, pelo que se limita a sugerir pequenas alterações de redacção, que constam da base XXXIII do texto que apresenta.
Base XXXIII
(Base XXXXVI do projecto)
No financiamento das actividades de saúde e assistência, cabe, especialmente, ao Estado:
a) Criar, construir e apetrechar os estabelecimentos oficiais de saúde e assistência

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e prover à manutenção dos respectivos serviços, na parte não coberta, directa ou indirectamente, pelas mais receitas; b) Comparticipar na construção, remodelação e apetrechamento dos estabelecimentos a cargo das instituições particulares e na manutenção dos respectivos serviços, ma medida em que os encargos não possam ser suportados por força de outros recursos.
Base XXXIV
(Base XL do projecto)
Para aumentar as dotações destinadas a suprir a insuficiência das prestações voluntárias para a assistência, poderá o Governo determinar o lançamento de determinadas taxas a favor do Fundo de Socorro Social.
Como a insuficiência se verifica em todas as modalidades, a aceitar-se a proposta, as receitas do Fundo poderão ser aplicadas indistintamente.
Ora não foi com essa finalidade que se criou o Fundo, o qual, constituído por receitas extraordinárias, deverá ser destinado a satisfazer necessidades da mesma natureza. Estas razões levam a Câmara a sugerir a substituição da base XL pela seguinte:
Base XXXIV (Base XL do projecto)
1. 0 Governo poderá determinar o lançamento, a favor do Fundo de Socorro Social, de taxas cujo produto será destinado a satisfazer encargos relativos a socorros urgentes, designadamente nos casos de calamidades ou sinistros, e a prevenir e reprimir a mendicidade.
2. As taxas a favor do Fundo de Socorro Social deverão incidir principalmente sobre gastos sumptuários ou supérfluos, objectos de luxo, espectáculos e divertimentos.
3. As empresas industriais ou comerciais serão contribuintes do referido Fundo, nos termos que forem fixados em lei especial, quando empreguem determinado número de mulheres e não disponham de serviços de assistência à maternidade e à infância, ou estes funcionem por forma deficiente.
4. O produto dessa contribuição será consignado ao financiamento dos estabelecimentos e serviços de assistência materno-infantil.
Base XXXV
Há necessidade de definir o regime jurídico das instituições e estabelecimentos de assistência quanto à autonomia administrativa, à capacidade para adquirir bens e à aplicação de normas de contabilidade pública e de julgamento de contas, as quais deverão ser as que regem os serviços públicos, com as adaptações aconselhadas não só pela natureza das instituições, mas ainda pela necessidade de apurar os resultados económicos.
Deste modo, ao lado da contabilidade orçamental deverá existir a contabilidade patrimonial e económica, com vista à determinação dos custos dos serviços e ao inventário do património.
Em harmonia com o exposto, a Câmara Corporativa é de parecer que deve incluir-se uma base — a XXXV — redigida nos seguintes termos:
Base XXXV
(Nova)
1. As instituições, estabelecimentos e outras entidades de saúde e assistência gozarão da autonomia administrativa que, de harmonia com a sua natureza e a importância das funções respectivas, lhes for atribuída por lei ou pelos regulamentos, estatutos ou compromissos.
2. As referidas entidades podem adquirir bens, usufruir os que lhes forem atribuídos para realização dos seus fins e aceitar heranças, legados e doações.
3. As transmissões de bens a favor das mesmas instituições e estabelecimentos gozam de isenções tributárias, podendo ser concedidas outras facilidades e galardoados os benfeitores.
4. Na gerência das mencionadas entidades e estabelecimentos observar-se-ão as regras gerais de contabilidade e de julgamento de contas aplicáveis aos serviços públicos, com as adaptações aconselhadas pela sua natureza e pela necessidade de apurar os resultados.
Base XLI do projecto
Estabelece-se aqui que a «responsabilidade pelos encargos de saúde e assistência que não forem voluntariamente satisfeitos será declarada e liquidada pelas comissões arbitrais, nos termos que a lei determinar».
Esta base tem, assim, por fonte o n.° 4 da base XXIV do estatuto em vigor e o disposto nos artigos 40.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 35 108, em que se previu a existência de órgãos jurisdicionais especiais, definindo-se a sua composição e competência.
Como a função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais (Constituição, artigo 116.°), a forma de que se usou na base XLI — responsabilidade declarada e liquidada «pelas comissões arbitrais, nos termos que a lei determinar» — não é suficientemente clara para justificar a sua existência de harmonia com o referido princípio constitucional.
Por outro lado, não alterando o regime vigente, não se vê qualquer vantagem em incluir no projecto esta base.
De harmonia com o exposto, a Câmara Corporativa sugere a sua eliminação.
CAPITULO VI Disposições especiais e transitórias
Base XLII do projecto
1 52. Esta base, limitando-se a anunciar determinadas providências no sentido de assegurar melhor distribuição da assistência farmacêutica e a revisão da legislação em vigor, deverá ser eliminada por lhe faltar conteúdo dispositivo.
Na verdade, nada obsta a que se proceda a tal revisão ou a que se tomem as anunciadas providências, e algumas foram tomadas recentemente. Assim, pela Portaria n.° 18323, de 14 de Março de 1961, foi estabelecido o regime relativo à abertura e transferência de farmácias e à abertura de postos de medicamentos, o que constituía uma das finalidades desta base.
Sugere-se, assim, a sua eliminação.

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Base XXXXVI
(Base XLIII do projecto)
Esta base tem por fonte o disposto na base XXIX do estatuto em vigor, em que se consignou o princípio de que «nos serviços do Estado e nos de empresas concessionárias de serviços públicos poderá ser condicionado o direito de admissão do pessoal a empregos susceptíveis de serem eficientemente desempenhados por cegos ou outros indivíduos com capacidade diminuída».
Ora, não tendo o Governo usado da faculdade prevista nesta disposição legal, que a nada obriga, não se proporcionou, ao seu abrigo, emprego a qualquer indivíduo com capacidade diminuída. Entretanto, são conhecidas as diferentes maneiras de facilitar ocupação aos inválidos, proporcionando-lhes oportunidades idênticas àquelas que se oferecem aos indivíduos totalmente aptos para o trabalho.
As disposições especiais vão desde a regulamentação minuciosa do emprego dos inválidos até ao simples estímulo às empresas que os recebam em situação idêntica à dos outros trabalhadores e conforme o grau da sua aptidão para executar determinado trabalho.
Noutros países adoptaram-se providências mais eficientes, e que consistem em impor às empresas a obrigação de assegurar trabalho a determinada percentagem de trabalhadores inválidos ou de reservar para estes certos tipos de trabalho em indústrias ou actividades determinadas.
Assim, na Inglaterra e na Holanda cada empresa que tenha ao seu serviço mais de vinte assalariados é obrigada a contratar pelo menos uma quota de inválidos correspondente a 2 por cento do seu pessoal.
Na França, as empresas que empreguem normalmente mais de dez pessoas maiores de 18 anos têm obrigação de admitir inválidos de guerra ou vítimas de acidentes de trabalho até ao equivalente a 10 por cento do seu pessoal.
A Bélgica não tem legalizada esta orientação, limitando-se, na prática, a reservar aos inválidos o exercício de determinadas profissões.
Em Portugal, além da definição do referido princípio, pouco se fez no sentido de facilitar o trabalho aos inválidos. O seu direito é igual ao de qualquer outro trabalhador e torna-se efectivo pelo contrato individual ou colectivo, não podendo sê-lo por sua imposição ou pela dos organismos corporativos ou do Estado (Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 23.°).
A base XLIII do projecto, mantendo o estabelecido no estatuto em vigor e anunciando o propósito de publicar a legislação necessária em ordem a permitir aos indivíduos com capacidade física diminuída o exercício das profissões adequadas às suas possibilidades de trabalho, parece marcar uma orientação no sentido de tornar efectiva a sua colocação.
A Câmara nada tem a objectar, salvo quanto ao carácter facultativo e vago da matéria da base em referência.
Por isso, sugere que os n.ºs 1 e 2 sejam fundidos num só número e que se alargue a todas as empresas, e não apenas às concessionárias, a faculdade de regular a admissão de pessoal. Por outro lado, deve acrescentar-se um outro relativo à própria recuperação dos deficientes, que deve ser assegurada por centros e serviços especializados, ligados ou independentes dos hospitais.
De harmonia com o exposto, sugere-se para a base XXXXVI a seguinte redacção:
Base XXXXVI (Base XLIII do projecto)
1. A recuperação dos deficientes é assegurada por centros e serviços especializados, ligados ou não aos hospitais.
2. Serão reguladas pelos departamentos competentes as condições de admissão do pessoal dos serviços do Estado e das empresas, com vista a proporcionar aos diminuídos trabalho compatível com a sua capacidade e aptidão.
Base XLIV do projecto
Sugere-se a eliminação do n.° 2, dado o seu carácter nitidamente regulamentar, e a inclusão na base XV do texto sugerido por esta Câmara da matéria contida no n.° 1, porquanto a mesma é de carácter permanente e não transitório.
Pelo exposto, propõe-se a eliminação desta base.
Base XXXVII (Bases XLV e XLVII do projecto)
A matéria destas bases pode fundir-se numa única base, que, no texto sugerido por esta Câmara, terá o n.º XXXVII, com a redacção seguinte:
Base XXXVII (Bases XLV e XLVII do projecto)
Os funcionários dos actuais quadros do Ministério da Saúde e Assistência e os dos estabelecimentos ou serviços do Estado que transitarem para este Ministério darão ingresso nos novos quadros mediante simples despacho ministerial e sem perda de nenhum dos seus direitos.
Base XLVI do projecto
A Inspecção da Assistência Social poderá ser reorganizada, independentemente do estabelecido nesta base, que, no aspecto positivo, nada dispõe e a coisa alguma obriga.
Sugere-se, por isso, a sua eliminação.
Base xlviii do projecto
A Câmara Corporativa, nada tendo a objectar ao princípio de o Ministro da respectiva pasta elaborar, até à publicação dos regulamentos definitivos, os regulamentos provisórios que se tornarem indispensáveis, dá parecer favorável à inclusão desta base, com ligeiras alterações de forma.
Base XXXVIII
Até à publicação dos regulamentos definitivos, o Ministro da Saúde e Assistência elaborará os regulamentos provisórios e as instruções indispensáveis à boa execução da presente lei.
Os referidos regulamentos carecem de aprovação do Ministro das Finanças sempre que contenham matéria financeira.
PARTE III Conclusões
153. A Câmara Corporativa, tendo estudado e apreciado o projecto de proposta de lei sobre o Estatuto da Saúde e Assistência, dá, na generalidade, parecer favo-

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rável à sua aprovação e, na especialidade, sugere que, de harmonia com as considerações feitas, o seu texto seja substituído pelo seguinte:
CAPITULO I
Da saúde e assistência e dos seus princípios orientadores
Base I
1. A política de saúde e assistência visa a combater a doença e a prevenir e reparar as carências do indivíduo e dos seus agrupamentos naturais.
2. O combate à doença abrange a acção preventiva, curativa e recuperadora.
Base II
1. Isa execução da política de saúde e assistência deverá ter-se presente:
a) A natureza unitária da pessoa humana;
b) A missão fundamental da família, como meio mais adequado à vida e ao desenvolvimento integral do homem e como primeiro responsável pelo bem-estar dos seus membros;
c) A necessidade de formação moral e cívica e de educação social e sanitária dos indivíduos e dos seus agrupamentos;
d) O dever do trabalho, como base da sustentação
e da dignidade do homem.
2. Na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência conceder-se-á preferência às actividades preventivas relativamente às curativas e recuperadoras.
Base III
Compete ao Estado:
a) Estabelecer planos gerais para as actividades de saúde e assistência;
b) Orientar, coordenar e fiscalizar as referidas actividades;
c) Organizar e manter os serviços que, pelo seu
superior interesse nacional ou pela sua complexidade, não possam ou não devam ser entregues à iniciativa privada; cl) Fomentar a criação de instituições particulares que se integrem nos princípios desta lei;
e) Exercer acção supletiva em relação às iniciativas e instituições particulares, que deverá favorecer desde que ofereçam suficientes condições morais, financeiras e técnicas.
Base IV
O exercício individual ou colectivo da caridade ou beneficência é livre, salvas as restrições legais, e constitui dever social.
Base V
1. As instituições e serviços de saúde e assistência, quanto ao seu âmbito territorial, podem ser:
a) Nacionais, se abrangem todo o País;
b) Regionais, se englobam a área de mais de um concelho;
c) Locais, se abrangem um ou parte de um concelho.
2. Quanto à responsabilidade da administração e à origem dos recursos, podem ser:
a) Oficiais, quando o Estado ou as autarquias locais as administrem ou garantam a sua manutenção ;
b) Particulares, quando a administração pertença a entidades privadas e para manutenção das suas actividades contribuam fundos ou receitas próprias.
3. As instituições particulares não perdem esta natureza pelo facto de receberem subsídios do Estado ou dos corpos administrativos para manutenção ou melhoria das suas actividades. Consideram-se desoficializados os estabelecimentos ou serviços que forem entregues a entidades privadas.
Base VI
1. Quanto à natureza da sua constituição, as instituições particulares podem revestir a forma de associações ou fundações.
2. Entre as associações têm regime especial as Misericórdias, cuja tradicional essência católica e actividade multivalente devem ser mantidas, sem prejuízo da actualização técnica e administrativa dos seus métodos de acção.
Base :VII
1. A autonomia das instituições particulares só poderá ser limitada pela tutela administrativa do Estado.
2. A tutela respeitará a vontade dos instituidores das fundações e das associações, sem prejuízo da actualização ou coordenação indispensáveis à maior eficiência das respectivas actividades.
CAPÍTULO II
Das actividades de saúde e assistência Base viu
A execução da política de saúde e assistência abrange:
a) As actividades de saúde pública que incluem, especialmente, as de higiene e de medicina preventiva;
b) As actividades de medicina curativa e recuperadora ;
c) As actividades de assistência.
Base IX
As actividades de saúde pública destinam-se a promover a saúde e a combater preventivamente a doença, compreendendo em especial:
a) A educação sanitária da população;
b) O saneamento do meio ambiente;
c) A higiene materno-infantil, infantil, escolar,
da alimentação e do trabalho;
d) A higiene mental;
e) A profilaxia das doenças transmissíveis e sociais;
f) A defesa sanitária das fronteiras;
g) A hidrologia médica e as estações balneares;
h) A fiscalização da produção e do comércio de medicamentos e a sua comprovação.

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Base X
1. As actividades de medicina curativa e recuperadora abrangem, especialmente:
a) 0 exercício da medicina, individual ou organizada, com fins curativos e de recuperação, tanto sob a forma domiciliária como ambulatória ou hospitalar;
b) A acção médico-social com fins pedagógicos e
de investigação científica.
2. As referidas actividades devem ser exercidas em estreita ligação com as de natureza preventiva previstas na base anterior.
3. A actividade hospitalar será coordenada por forma a integrar num plano funcional os hospitais centrais, regionais e sub-regionais, os postos de consulta ou de socorros e os serviços auxiliares.
Base XI
As actividades de assistência destinam-se a proteger os indivíduos e os seus agrupamentos contra os efeitos das carências e desadaptações pessoais ou familiares, na medida em que não estiverem cobertos por esquemas de seguro privado ou social.
Incluem, designadamente:
a) A assistência à família, à maternidade, à infância, aos menores, aos velhos e aos inválidos ;
b) A acção educativa destinada à valorização pessoal e social dos indivíduos e dos seus agrupamentos;
c) A educação e a recuperação dos surdos, mudos
c de outros deficientes físicos ou mentais, bem como de indivíduos socialmente diminuídos ;
d) A luta contra a mendicidade, o alcoolismo, a prostituição e outros flagelos sociais; c) 0 socorro a prestar aos indivíduos em caso de sinistro, de calamidade e de outras eventualidades ;
e) A tutela social dos necessitados e assistidos.
Base XII
A tutela social abrange:
a) A orientação e defesa dos abandonados e desprotegidos;
b) As providências destinadas a promover a participação dos necessitados em actividades compatíveis com as suas aptidões;
c) A faculdade de assegurar, com carácter obrigatório, a concessão de prestações sanitárias e assistenciais, quando motivos ponderosos o justifiquem;
d) A representação legal dos assistidos, nos termos que a lei fixar.
Base XIII
1. Na execução da política de saúde e assistência, deverá assegurar-se a conveniente participação do serviço social, geral ou especializado, quer individual e familiar, quer de grupo ou de comunidade.
CAPITULO III
Dos órgãos de saúde e assistência
Base XIV
1. Na execução da política de saúde e assistência, compete ao Ministério da Saúde e Assistência:
a) Assegurar o exercício das atribuições do Estado, ressalvadas aquelas que por lei competirem a outros departamentos;
b) Orientar tecnicamente a actividade dos órgãos
de saúde e assistência dependentes de outros Ministérios, designadamente quanto à higiene e à medicina preventiva;
c) Dar execução, na parte que lhe competir, às
directrizes estabelecidas pelo Conselho de Segurança Social, quanto à coordenação entre os serviços de saúde e assistência e os das instituições de previdência, com vista a evitar desnecessárias sobreposições de actividades.
2. Em matéria de saúde escolar, os serviços do Ministério da Saúde e Assistência desempenharão as funções que não puderem ser efectivamente asseguradas pelos órgãos ou serviços dependentes da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Base XV
Compete ainda ao Ministério da Saúde e Assistência:
a) Autorizar a abertura e funcionamento de hospitais, casas de saúde, dispensários e estabelecimentos análogos;
b) Aprovar as obras de construção, grande ampliação ou remodelação de edifícios destinados aos referidos estabelecimentos.
Base XVI
1. Junto do Gabinete do Ministro funcionará o Conselho Superior de Saúde e Assistência, ao qual cabe dar parecer acerca da orientação geral da política de saúde e assistência, estabelecimento dos respectivos planos, bem como pronunciar-se sobre os demais assuntos da sua competência.
2. Além do Conselho Superior de Saúde e Assistência e da Comissão Nacional de Hospitais, a que se refere a base XVIII, haverá os mais órgãos consultivos que forem previstos na lei orgânica do Ministério.
Base XVII
São serviços do Ministério da Saúde e Assistência:
a) As Direcções-Gerais de Saúde, dos Hospitais, da Assistência e serviços na sua dependência;
b) A Inspecção Superior de Saúde e Assistência;
c) Os serviços centrais.
2. Na dependência das direcções-gerais poderá haver organismos ou serviços especializados, dotados ou não de personalidade jurídica e com a autonomia técnica e administrativa julgada conveniente, especialmente encarregados da orientação e coordenação de determinadas actividades e da organização e manutenção dos estabelecimentos e serviços que se mostrarem necessários.

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3. Os serviços do actual Instituto Português de Oncologia transitam para o Ministério da Saúde e Assistência, sem prejuízo da sua dependência do Ministério da Educação Nacional no que respeita à investigação científica e às funções pedagógicas.
4. As atribuições dos diversos serviços e a sua distribuição pelos departamentos do Ministério serão fixadas em diploma especial.
Base XVIII
Junto da Direcção-Geral dos Hospitais funcionará a Comissão Nacional de Hospitais, à qual compete elaborar estudos, fazer sugestões e dar parecer sobre os problemas gerais relativos à orientação e funcionamento da organização hospitalar, especialmente no que respeita à planificação e coordenação das suas actividades, à preparação do pessoal e ao estabelecimento de carreiras em que o mesmo deva ser integrado.
Base XIX
São órgãos regionais de saúde e assistência:
a) As delegações distritais;
b) As comissões distritais;
c) As comissões inter-hospitalares.
Base XX
1. Na dependência das delegações de saúde haverá centros de saúde para acção local e apoio aos postos concelhios previstos na base XXII.
2. Nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra os centros de saúde terão organização especial.
Base XXI
1. São órgãos locais de saúde e assistência:
a) As subdelegações de saúde;
b) As Misericórdias das sedes dos concelhos ou,
na falta delas, as instituições locais escolhidas para desempenhar as respectivas funções.
2. Quando as circunstâncias o aconselhem, poderão ser criadas comissões municipais de saúde e assistência, que funcionarão na Misericórdia, sob a presidência do provedor, ou, quando seja caso disso, nas instituições previstas na parte final da alínea b) desta base.
Base XXII
1. As subdelegações de saúde funcionarão, de preferência, em postos instalados por acordo nos hospitais sub-regionais.
2. Na falta de acordo, ou quando não existam hospitais sub-regionais, os postos de saúde podem ter instalações privativas.
3. Nos hospitais sub-regionais poderão funcionar secções de serviço social.
Base XXIII
As Misericórdias compete, na maior medida possível, o primeiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial dos concelhos, por acção dos seus serviços próprios ou como centros coordenadores daquelas actividades.
Base XXIV
1. As instituições e organismos de assistência, oficiais ou particulares, regem-se pelo disposto nesta lei, na legislação complementar e nos respectivos regulamentos, estatutos ou compromissos.
2. As instituições canónicas com fins de saúde e assistência ficam sujeitas, nesta parte, ao regime especial previsto na Concordata.
CAPITULO IV
Do pessoal Base XXV
1. O pessoal dos serviços do Ministério constará de quadros, que poderão ser revistos de harmonia com as necessidades dos serviços.
2. A lei regulará as condições gerais de admissão e promoção.
3. Serão estabelecidas carreiras para o pessoal médico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar da medicina e, bem assim, para o pessoal de administração.
Base XXXVI
A formação do pessoal que careça de habilitações especiais será feita em escolas próprias, ou em cursos é estágios adequados.
CAPITULO V
Do regime financeiro
Base XXVII
1. Os encargos de instalação e funcionamento dos estabelecimentos e instituições de saúde e assistência serão suportados:
a) Pela receita de quotizações, rendimento de bens próprios e pagamento de serviços prestados, segundo tabelas aprovadas;
b) Pelo produto de heranças, legados, doações ou donativos de qualquer natureza ou proveniência;
c) Pelas dotações inscritas no Orçamento Geral do Estado e por subsídios concedidos pelo Governo ou pelas autarquias locais.
2. Na instalação e funcionamento dos referidos estabelecimentos serão respeitadas a vontade dos benfeitores, a finalidade das instituições e as disposições estatutárias ou regulamentares.
Base XXVIII
1. As tabelas das diárias, dos serviços e dos honorários pela assistência prestada nos estabelecimentos de saúde e assistência oficiais, variáveis com a situação, a categoria e a natureza dos referidos estabelecimentos, serão aprovadas pelo Ministro da Saúde e Assistência, sem prejuízo dos acordos a que se refere o n.° 3 da base XXIX.
2. Os serviços de medicina preventiva serão, em regra, gratuitos.
Base XXIX
1. A responsabilidade pelo pagamento de serviços de saúde e assistência prestados, cabe:
a) Aos próprios assistidos;
b) As respectivas famílias;
c) As câmaras municipais.

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2. A responsabilidade pode transferir-se para terceiros, no todo ou em parte, mediante convenção, preceito legal ou norma regulamentar.
3. As instituições de previdência respondem pelos encargos da assistência prestada aos respectivos beneficiários, conforme o disposto nos seus regulamentos, ou nos termos de acordos celebrados com estabelecimentos ou serviços de saúde e assistência.
4. Os estrangeiro® receberão assistência em regime de reciprocidade e de harmonia com as facilidades concedidas aos súbditos portugueses nos respectivos países, mas os cidadãos brasileiros ficam, para o efeito, equiparados aos portugueses.
Base XXX
As dívidas resultantes da assistência prestada a qualquer dos cônjuges presumem-se contraídas em proveito comum do casal.
Base XXXI
Quando os assistidos não puderem satisfazer, no todo ou em parte, os encargos com o pagamento de serviços de saúde e assistência, responderão, por ordem sucessiva, os descendentes, ascendentes e cônjuge e, ainda, os irmãos e sobrinhos que com aqueles tenham economia comum.
Base XXXII
1. Constitui despesa obrigatória das câmaras municipais o pagamento da quota-parte que, de harmonia com a legislação especial, lhes for atribuída, pela assistência prestada aos pobres e indigentes com domicílio de socorro nos respectivos concelhos.
2. Os encargos municipais terão contrapartida no produto de derramas que as câmaras serão autorizadas a lançar, com o fim exclusivo de ocorrer a necessidades de saúde e assistência dos respectivos concelhos. As derramas incidirão sobre as contribuições directas cobradas e, quando o seu produto for transitoriamente insuficiente para o pagamento dos referidos encargos, serão estes satisfeitos pelas receitas próprias.
3. Considera-se domicílio de socorro o do último concelho da metrópole onde o assistido haja residido pelo período de um ano, ressalvados os seguintes casos:
a) A mulher tem o domicílio de socorro do marido,
quando não esteja separada judicialmente de pessoas e bens;
b) O menor não emancipado tem o domicílio de
socorro dos pais, do pai, da mãe ou do tutor a cuja autoridade se achar sujeito, ou ainda da pessoa a cargo de quem esteja o seu sustento e educação. Se viver por sua conta há mais de um ano, o domicílio de socorro será determinado segundo a regra geral;
c) Os internados em estabelecimentos de assistência conservam o domicílio de socorro que tinham à data do internamento;
d) Quando não possa determinar-se a sua residência, considera-se domicílio de. socorro o concelho ou concelhos em que o indivíduo for tratado ou assistido.
4. A determinação do domicílio de socorro dos estrangeiros que residem em Portugal obedecerá às regras estabelecidas nesta base para os portugueses.
Base XXXIII
No financiamento das actividades de saúde, e assistência cabe, especialmente, ao Estado:
a) Criar, construir e apetrechar os estabelecimentos oficiais de saúde e assistência e prover à manutenção dos respectivos serviços, na parte não coberta, directa ou indirectamente, pelas mais receitas;
b) Comparticipar na construção, remodelação e
apetrechamento dos estabelecimentos a cargo das instituições particulares e na manutenção dos respectivos serviços, na medida em que os encargos não possam ser suportados por força de outros recursos.
Base XXXIV
1. O Governo poderá determinar o lançamento, a favor do Fundo de Socorro Social, de taxas cujo produto será destinado a satisfazer encargos relativos a socorros urgentes, designadamente nos casos de calamidades ou sinistros, e a prevenir e reprimir a mendicidade.
2. As taxas a favor do Fundo de Socorro Social deverão incidir principalmente sobre gastos sumptuários ou supérfluos, objectos de luxo, espectáculos e divertimentos.
3. As empresas industriais ou comerciais serão contribuintes do referido Fundo, nos termos que forem fixados em lei especial, quando empreguem determinado número de mulheres e não disponham de serviços de assistência à maternidade e à infância, ou estes funcionem por forma deficiente.
4. O produto dessa contribuição será consignado ao financiamento dos estabelecimentos e serviços de assistência materno-infantil.
Base XXXV
1. As instituições, estabelecimentos e outras entidades de saúde e assistência gozarão da autonomia administrativa que, de harmonia com a sua natureza e a importância das funções respectivas, lhes for atribuída por lei ou pelos regulamentos estatutos ou compromissos.
2. As referidas entidades podem adquirir bens, usufruir os que lhes forem atribuídos para realização dos seus fins e aceitar heranças, legados e doações.
3. As transmissões de bens a favor das mesmas instituições e estabelecimentos gozam de isenções tributárias, podendo ser concedidas outras facilidades e galardoados os benfeitores.
4. Na gerência das mencionadas entidades e estabelecimentos observar-se-ão as regras gerais de contabilidade e de julgamento de contas aplicáveis aos serviços públicos, com as adaptações aconselhadas pela sua natureza e pela necessidade de apurar os resultados.
CAPITULO VI
Disposições especiais e transitórias
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1. A recuperação dos deficientes é assegurada por centros e serviços especializados, ligados ou não aos hospitais.

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2. Serão reguladas pelos departamentos competentes as condições de admissão do pessoal dos serviços do Estado e das empresas, com vista a proporcionar aos diminuídos trabalho compatível com a sua capacidade e aptidão.
Base XXXVII
Os funcionários dos actuais quadros do Ministério da Saúde e Assistência e os dos estabelecimentos ou serviços do Estado que transitarem para este Ministério darão ingresso nos novos quadros mediante simples despacho ministerial e sem perda de nenhum dos seus direitos.
Base XXXVIII
Até à publicação dos regulamentos definitivos, o Ministro da Saúde e Assistência elaborará os regulamentos provisórios e as instruções indispensáveis à boa execução da presente lei. Os referidos regulamentos carecem de aprovação do Ministro das Finanças sempre que contenham matéria financeira.
Palácio de S. Bento, 22 de Maio de 1961.
António Avelino Gonçalves. António da Silva Rego. Domingos Cândido Braga da Cruz. Maria Luísa Ressano Garcia.
Jorge Augusto da Silva Horta (a crítica fundamental feita pela Câmara ao Instituto Português de Oncologia, donde resultou a proposta para que este mesmo Instituto saia do Ministério da Educação Nacional, onde se encontrava ligado à Universidade (Decreto n.° 39 001), e seja «colocado» no Ministério da Saúde e Assistência, é o facto de o mesmo Instituto não ter feito uma obra eficaz no que respeita ao diagnóstico precoce e profilaxia do cancro.
Em consequência desta crítica, formula-se outra; de durante dezasseis anos não se ter aberto um único centro regional.
1) Deve ponderar-se em primeiro lugar que as afirmações de alta mortalidade do cancro não são apoiadas em bases estatísticas em relação aos outros países e não se entrou em linha de conta com o aumento da longevidade para corrigir os números apresentados de mortalidade por cancro em Portugal.
2) Sem dúvida que a luta contra o cancro reside, sobretudo, no seu diagnóstico precoce; neste ponto — afirma-se no parecer — o Instituto «falhou».
O diagnóstico precoce do canoro depende, em grande parte, da intervenção da anatomia patológica no seu sector da canserologia. Os médicos, para trabalharem neste sector, têm de ser em primeiro lugar anátomo-patologistas gerais e é evidente que, em virtude do material tão especializado com que lidam os institutos de oncologia, a formação de anátomo-patologistas gerais não pode ser atribuição destes mesmos institutos. Aos hospitais gerais competia ter feito um numero suficiente de anátomo-patologistas, e não ao Instituto de Oncologia; este último apenas os especializaria no seu campo restrito.
Em 1944 escrevemos num artigo da revista Amatus Lusitanus intitulado «A anatomia patológica, a sua finalidade, o seu ensino, o seu futuro entre nós», no capítulo referente à aprendizagem: «Todo o serviço de anatomia patológica com o seu prossector, o seu director e o seu chefe — uma vez que tenham um certo movimento de casos deve constituir um centro de ensino para aqueles que se interessam pela especialidade — deve constituir uma escola».
Chamámos nesta altura a atenção para o pequeno número de serviços dé anatomia patológica que possuíamos e afirmámos: «Cada hospital devia ter um serviço desta especialidade».
Entretanto a Universidade, através das suas três Faculdades, forneceu ao País (metrópole e ultramar) os anátomo-patologistas que hoje possuímos, ao passo que o Ministério do Interior não dedicou ao problema a devida atenção. Inclusivamente, apesar das instâncias constantes dos clínicos que consideravam insuficiente o número de anátomo-patologistas do seu quadro nos Hospitais Civis de Lisboa, ele é ainda hoje nestes Hospitais reduzidíssimo:
Número
de camas
1930-1931 — 2 anátomo-patologistas .......... ... 3 630
1943 — 2 anátomo-patologistas . . 4 522
1961— 3 anátomo-patologistas (mais dois assalariados) .... 3 805
O Instituto Português de Oncologia não podia, portanto, especializar neste sector um número suficiente de anátomo-patologistas para o diagnóstico precoce do cancro, de forma a poder espalhar estes mesmos especialistas por vários pontos do País, uma vez que ele próprio possuía nos seus quadros um número tão exíguo.
3) O segundo ponto sobre que incidiu a crítica foi a não abertura dos «centros regionais».
As razões destes factos encontram-se na falta de verba, e não nos esforços feitos pelo Instituto para que os mesmos centros fossem abertos.
Não se deve esquecer que têm sido sempre escassas as possibilidades financeiras do referido Instituto, as quais foram até cerceadas há anos com a publicação do Decreto n.° 39 805, de 2 de Setembro de 1954, elaborado pelo Ministério do Interior, que minorou a responsabilidade das câmaras municipais perante o Instituto.
Por outro lado, o quadro do pessoal inscrito no orçamento do Estado é exíguo, tendo havido necessidade de contratar muitos mais profissionais, que têm sido pagos desde há catorze anos pelas verbas próprias daquele estabelecimento.
4) Finalmente, desejamos referir-nos às ligações do Instituto Português de Oncologia com a Universidade. É com mágoa que na qualidade de professor da Faculdade de Medicina assistimos a mais uma dependência da Universidade em relação a departamentos de outros Ministérios. A Universidade tem uma função de tal maneira elevada que colocá-la na dependência de outros departamentos é, em parte, atingi-la nos seus fundamentos. As funções pedagógicas do sector médico da Universidade são tão inseparáveis das funções assistenciais como o são das de investigação.
Hoje a cancerologia exige um ensino pós-graduado muito complexo: ora, é exactamente nesta altura que a Universidade, pelas razões expostas, se encontra impossibilitada de cumprir integralmente neste sector uma das suas mais altas finalidades — a extensão universitária.

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A interferência no mesmo Instituto de duas administrações e a existência de dois quadros de pessoal (Ministério da Saúde, na parte hospitalar, e Ministério da Educação Nacional, no que respeita ao ensino de investigação), com todas as consequências que daí advirão e cujos exemplos bem conhecemos, vão certamente atingir a unidade do Instituto, que, evidentemente, não se quererá transformar num hospital para cancerosos.
A coordenação com a restante rede hospitalar poderia ser eficazmente levada a efeito mantendo-se o Instituto de Oncologia na dependência da Universidade. Esta dependência encontra-Se, de resto, em muitos países. Por exemplo: Frances Delafield Hospital, anexo à Universidade da Colúmbia, e o célebre Memorial Center for Câncer and Allied Diseases, que engloba o Memorial Hospital, o James Ewing Hospital, o Sloan Kettering Institute for Câncer Research e a Strang Prevention Clinic. No Memorial Center especializaram-se nos últimos 30 anos quase todos os principais cancerologistas das Américas do Norte, Central e Sul. Ora o Memorial Center depende da Universidade Cornell.
Cada vez é maior o número de Faculdades de medicina que incluem no seu ensino disciplinas de cancerologia e assistimos a uma multiplicidade cada vez maior de cursos de especialização no mesmo ramo. Na Inglaterra, a par do ensino de base de cancerologia, há ensino pós-graduado para manter os médicos a par dos progressos e terapêutica do cancro e ainda um curso superior que assegura a formação de cirurgiões, radioterapeutas e médicos que queiram especializar-se no tratamento do cancro.
A especialização em oncologia é muito particular, é uma «especialização de grupo». Cada especialista, qualquer que seja o seu ramo de especialidade geral, tem de possuir uma formação oncológica, que só tem possibilidade de adquirir através de um ensino aprofundado em institutos altamente organizados e perfeitamente equipados. Grande erro o pensar —repetimos — que um instituto de oncologia é um hospital para cancerosos.
Há hoje toda a tendência para centralizar o combate contra o cancro em institutos de oncologia, e é de desejar que assim seja no futuro (último Congresso Internacional do Cancro, Londres, 1958).
O problema oncológico é tão particular que a Organização Mundial de Saúde, que é um órgão coordenador de todos os assuntos médicos, o deixou a cargo de outra organização — a União Internacional contra o Cancro.
Do que acabámos de expor não podemos concordar com a «passagem» do Instituto do Cancro para o Ministério da Saúde, apesar de se afirmar que desta passagem» não devem resultar prejuízos para o ensino e para a investigação).
António Vitorino França Borges.
José Albino Machado Vaz.
Luís Gordinho Moreira.
Luís de Castro Saraiva.
José Seabra Castelo Branco.
Francisco Manuel Moreno.
João Militão Rodrigues.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queira.
Augusto Cancella de Abreu.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Alberto Sobral.
António Bandeira Garcês.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
António Júlio de Castro Fernandes.
Armando Gouveia Pinto.
João Ubach Chaves.
José de Almeida. Ribeiro.
José Augusto Vaz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Pedro António Monteiro Maury.
Joaquim Trigo de Negreiros, relator.
Imprensa Nacional de Lisboa

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