O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 239

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

ANO DE 1962 4 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 9, EM 3 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

Nota. - Foram publicados os seguintes suplementos ao Diário das Sessões: cinco ao n.º 4, inserindo o 1.º a proposta de lei n.º 2 e o parecer n.º 33/VII, referentes ao emparcelamento da propriedade rústica; o 2.º a proposta, de lei n.º 3 e o parecer n.º 41/VII, referentes ao arrendamento da propriedade rústica; o 3.º a proposta de lei - n.º 4 e o parecer n.º 39/VII, referentes à reforma da previdência social; o 4.º a proposta de lei n.º 5 e o parecer n.º 42/VII, referentes ao Estatuto da Saúde o Assistência, e o 5.º a proposta de lei n.º 6 e o parecer n.º 45/VII, referentes ao regime do contrato de trabalho, e um ao n.º 8, inserindo o texto, aprovado pela Comissão de Legislação o Redacção, do decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1962.

SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente evocou, a figura do Sr. Tenente - Coronel Jaime Filipe da Fonseca, Subsecretário de Estado do Exército, manifestando o profundo pesar da Assembleia pela sua morte.
O Sr. Presidente interrompeu a sessão às 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente reabriu a sessão às 18 horas e 5 minutos, e anunciou que ia usar da palavra, como era teu direito constitucional, o Sr. Presidente ao Conselho.
O Sr. Presidente do Conselho pediu ao Sr. Presidente, da Assembleia o obséquio de ler o seu discurso. O Sr. Presidente da Assembleia desempenhou-se do cargo.
O Sr. Presidente da Assembleia suspendeu a sessão às 10 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.

Página 240

240 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levi.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq Albuquerque Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 118 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: a matéria da ordem do dia de hoje não permita, por não poder haver o período de antes da ordem, que se façam os comentários devidos nos dolorosos acontecimentos do Beja. Far-se-ão numa das próximas sessões. Não quero, no entanto, deixar de dizer uma palavra, e sei que assim interpreto o pensamento e sentimento da Assembleia, a respeito da acção e da morte do tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca, Subsecretário de Estado do Exército. Exemplo das mais altas virtudes militares, para ele a vida militar tinha o sentido de missão que era preciso cumprir sem alardes, como quem pratica actos de uma naturalidade que flui da própria formação.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - O heroísmo para ele não era uma excepção, mas puro prolongamento da segunda natureza que deve constituir a respiração das instituições militares.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - A lealdade é uma força que só tem, mas de que se nau fala. O amor da Pátria não se discute: é a vocação do soldado ...

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - ... é o imperativo das gerações, dos mortos, dos vivos e dos que estão por vir.

Página 241

4 DE JANEIRO DE 1962 241

Para cumprir aquela missão viveu, foi a Beja e morreu. Perdeu o Exército um dos seus mais prestigiosos oficiais, perdeu a Pátria um dos seus mais devotados servidores.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Inclinemo-nos diante da sua memória. A sua lembrança é uma grande lição ao serviço da Pátria. Guardemos no peito essa- lembrança e o preito da nossa homenagem.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão uns minutos.
Eram 17 liaras e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra o Sr. Presidente do Conselho, como é seu direito constitucional.

O Sr. Presidente do Conselho: - Com as emoções das últimas semanas sobreveio-me um acidente que me tirou a voz ou, pelo menos, não me deixou a voz suficiente para uma leitura de certa extensão.
Não devendo ser adiada a comunicação que o Governo deve aos portugueses sobre a invasão e ocupação de Goa pela União Indiana, não me pareceu haver outra solução que não fosse comparecer aqui, entregar na Mesa a minha exposição e pedir ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional o obséquio de proceder à sua leitura.

O Sr. Presidente da Assembleia Nacional leu então a exposição do Sr. Presidente do Conselho, que ê do teor seguinte:

SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL
SENHORES DEPUTADOS:

Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontro despojada do Estado Português da índia. Goa, portuguesa há 450 anos e agora ocupada pela União Indiana, representa um dos maiores desastres da nossa história e golpe muito fundo na vida moral da Nação. Para esta, o Estado Português da índia, sem expressão sensível na economia ou na força política portuguesa, contava sobretudo como padrão de um dos maiores acontecimentos, da história do Mundo e da comunicação do Oriente com a vida ocidental. Deixá-lo à guarda de um pequeno pais que foi com sacrifícios ingentes o fautor das grandes descobertas devia ser ponto de honra de todas as nações civilizadas e das que beneficiaram da acção portuguesa no Mundo

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Que este conceito se tenha chocado com outro da simples ambição expansionista - é mais uma prova - e esta flagrante - nos nossos tempos da decadência da legalidade e da depreciação dos valores morais.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Esta explicação não é no entanto satisfatória para os portugueses, que podem ter esquecido não ser a União Indiana sensível a razões históricas, jurídicas ou simplesmente humanas, mas confiavam em influências que no jogo da política mundial pudessem opor-se com eficácia às ambições de que foi vítima Goa. Temos assim de descer mais fundo no exame da questão e explicar com algum pormenor como tudo foi possível.

I

O caso de Goa pode dizer-se que nasceu no momento em que a União Indiana se tornou independente. Apesar de o Império das índias se haver cindido em vários Estados, a união Indiana, que muito contrariadamente teve de conformar-se com a cisão, passou a considerar-se d si própria como verdadeira sucessora da Inglaterra e no fundo como o Estado que aglutinaria mais tarde ou mais cedo os outros Estados do Indostão. União Indiana, índia, Indostão, são termos que, confundindo a geografia e a ambição política, passaram a representar uma identidade na mente dos dirigentes de Nova Deli. Nesta 'orientação e tomando partido da confusão dos primeiros anos, a União Indiana fez um vasto trabalho de unificação por meio de acordos, de pressões e de conquistas, e detém a posse de outros territórios, como Caxemira, mesmo contra os repetidos votos e a condenação formal das Nações Unidas. O Primeiro-Ministro da União Indiana, Pândita Nehru, é o representante máximo desta ideia imperialista, contra a qual se esboroam todas as outras que também diz professar - pacifismo, não violência, boa vizinhança. Não o embaraçam as contradições nem do pensamento nem da acção, que aliás alguns benevolamente atribuem, às variações da opinião pública. Abusa do ilogismo ou pelo menos a sua lógica é diferente da nossa. Os anos de Londres podem ter-lhe facultado traços de cultura europeia, mas não tocaram a sua formação de origem. À. procura de alguma coisa que cimente, para garantia da mais que precária unidade política, o embrechado dos povos e raças que habitam a subcontinente, julga encontrá-la no substrato hindu. E por. mais estranho que pareça a quem escuta as suas prédicas, o Primeiro-Ministro da União Indiana é no fundo um racista e um antiocidental, pacifista em teoria e agressor na prática.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.

E não só na Ásia. A braços com a sobrepopulação e a miséria, tem também os seus planos de África, da África deserta, onde espera que o indiano pode vir a substituir o branco.
Quem não tiver bem presentes estes pontos dê referência não compreenderá a acção indiana que em anos não muito distantes se desenrolará naquelas partes do Mundo, nem entenderá o que se passou com Goa.
O Estado Português da índia foi sempre, como não podia deixar de ser, respeitado pelos ingleses, na soberania de Portugal.
A incorporação destes minúsculos territórios não interessava e estava vedada a uma nação como a Inglaterra, ali chegada dois séculos depois de nós, mas com os arrivistas do Poder as coisas não seriam assim; o maquinismo da unificação continuaria a funcionar e mesmo em prejuízo das soberanias estranhas ao Império Britânico.

Página 242

242 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

O caso de Goa foi sucessivamente mudando de aspecto na política e nos discursos do Primeiro-Ministro: começou-se pela reclamação de uma larga autonomia, (dias já existente, passou-se à independência e acabou-se na anexação, que era o fim a atingir. Neste processo a União Indiana ora se apresentou como detentora do direito de protecção de etnias iguais ou afins, onde quer que vivessem, ora como grande potência abrasada pelo ideal da luta anticolonialista, para libertar os povos escravizados. Apesar da insistência da campanha movida ao longo dos anos contra Portugal em Goa ou contra Goa portuguesa, os indianos não puderam, convencer o Mundo de terem, razão; muito menos puderam demonstrar que nós a- não tivéssemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Quanto a nós, a descoberta, os acordos com autoridades locais, a posse incontestada de séculos, a paz, a coesão espiritual e o progresso dos povos não podem ser contraditados no mundo ocidental como fundamentando a legitimidade da soberania. Mas, ao contrário do que se pensa entre nós, a antiguidade destes títulos e a continuidade do exercício do poder eram para a União Indiana razão a mais para se extinguirem, e não para se manterem.
As acusações contra a administração portuguesa e a falta de liberdade em Goa e as pretensas aspirações dos goeses a desligarem-se da pátria comum e o apodo de colonialismo eram tão contra a evidência que não se poderiam com seriedade manter, e foram geralmente considerados simples arma de propaganda política. O facto de todos os goeses serem desde sempre cidadãos portugueses de pleno direito, de possuírem o seu colégio legislativo, de terem representação desde 1822 na Câmara dos Deputados, de ascenderem aos mais altos postos na . burocracia e no Governo da Nação, de poderem exercer as suas profissões em todos os territórios portugueses, metropolitanos ou ultramarinos, tudo isso destrói péla base a acusação de que o Estado da índia, mascarado de província, era uma simples colónia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

E menos ainda que outros os goeses puderam ser convencidos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Depois de estabelecidas relações diplomáticas entre a União Indiana e Portugal, foi apresentada ao Governo, em Fevereiro de 1950, uma proposta para imediatas negociações sobre o futuro de Goa, ou mais claramente para se definirem os termos em que o Estado Português da índia seria integrado na União Indiana. Nós não podemos negociar, sem nos negarmos e sem trairmos os nossos, a cedência de territórios nacionais nem a transferência das populações que os habitam para soberanias estranhas: ...

Vozes: -Muito bem, muito bom!
Aplausos.

... legitimamente apenas podíamos negociar a resolução dos múltiplos problemas que surgem da vida corrente do Estados vizinhos. Mantivemos de começo a fim atitude, mas a única negociação que interessava à União Indiana e ela compreendia não era esta, e a que propunha era uma negociação para nós sem objecto possível.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Sobre esta nossa atitude assenta a sequência das providências tomadas pela União Indiana contra Goa e os goeses, para os convencer ou para os dominar. E um imenso rol de violências sobre as pessoas e os bens, as convicções e a vida, que nos países civilizados nascem do estado de guerra e na União Indiana se consideravam oficialmente manifestações de política pacifista. Não vou referi-las neste momento, seria impossível. Direi apenas que a posição portuguesa foi em todas as ocasiões não responder aos agravos e tentar vencer as dificuldades que nos eram criadas. A proibição do tráfego de pessoas e mercadorias por terra e por mar, o corte do caminho de ferro, a interrupção de comunicações, o encerramento dos portos, o congelamento de depósitos, a suspensão de transferências, as provocações dos «satyagrahis», os ataques aos postos fronteiriços, sob protecção 'das autoridades indianas, os atentados terroristas e a acção de agentes subversivos no interior de Goa tinham por fim tornar insegura ou impossível a vida e fazer recair sobre Portugal a responsabilidade pelo sofrimento das populações. Mas a União Indiana, que tinha podido asfixiar os estabelecimentos franceses, esqueceu as circunstâncias que a nós, com, um pouco de imaginação, boa vontade e alguns recursos, nos permitiriam vencer as dificuldades: era o mar largo em frente de Goa, Damão e Diu; era o espaço aéreo que sem violação abusiva não podia ser perturbado.
Com estes elementos moldou-se nova vida para o Estado da índia: intensificaram-se as comunicações com a África Portuguesa, com a metrópole e com o resto do Mundo; desenvolveu-se a economia da terra e a produção das minas; apetrechou-se o porto de Mormugão como talvez não se encontre muitos outros na Ásia e seguramente não na União Indiana; aumentaram-se as exportações, o caminho de ferro deixou de dar prejuízos - e Goa pôde respirar e viver, como se a União Indiana não existisse e não fizesse pesar sobre as fronteiras a sua hostilidade.

Vozes: - Muito bem!

Os sucessivos fracassos da política indiana, em face de uma decisão firme que pôde com dignidade aparar todos os golpes e sarar todas as feridas, fez exasperar os inspiradores do Primeiro-Ministro, que entretanto permitia a diversão de Dadrá e Nagar-Aveli. Aí era mais favorável a posição da União Indiana e desvantajosa a de Goa: os territórios contituíam enclaves, rodeados inteiramente de território inimigo, e o Governo Indiano, dentro do respeito sempre apregoado pela legalidade e pela paz, não permitiu mais as ligações. Não ás permitiu mesmo depois de o Tribunal internacional da Haia, a cujo julgamento a União Indiana não pôde esquivar-se, ter reconhecido em Acórdão da 12 de Abril de 1960 os direitos de Portugal. Para selar o completo desrespeito pela soberania portuguesa e o desprezo pelo veredicto da mais alta magistratura internacional, o Parlamento de Nova Deli acabou por aprovar em decreto a anexação dos referidos territórios.
Podemos concluir que nem na ordem dos factos, nem, nas razões expendidas, nem no terreno do direito e nas

Página 243

4 DE JANEIRO DE 1962 243

salas dos tribunais, nem nas mais altas instâncias políticas, como daqui a pouco veremos, a União Indiana, embora servida pelos poderosos meios da sua influência, pôde ganhar a Portugal. O nosso direito opunha-se às suas ambições, e era tão simples, tão claro, tão inocente, que todos se viam forçados a reconhecê-lo e muitos a reconhecer-lhe as vantagens para as populações, em paz entre si e no seio da Nação Portuguesa. Era demais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Batida em todos os campos, o único recurso que restava à União Indiana, visto não se libertar da sua obsessão em relação a Goa, era o emprego da força, e a única possibilidade nossa de o evitar era obrigá-la a montar uma operação em grande escala, com completo desprestígio do seu pacifismo e escândalo do Mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Muito tempo se pensou na União Indiana que um simulacro de levantamento em Goa podia prestar-se a uma intervenção de simples polícia que o Primeiro-Ministro apresentaria ainda como serviço gratuito à paz. Era desconhecer as circunstâncias locais: de um lado, o moral da população, a ausência absoluta de conflitos raciais ou religiosos, o nível de vida, embora modesto, muito superior ao da União Indiana, a liberdade -de- que gozava no seu pequeno país, como se lhe referia, e finalmente a união de séculos com Portugal não convidavam à aventura de mergulhar, com interesses, com tradições, com a nobreza da história, no pandemónio de lutas e miséria da União Indiana; de outro lado, a vigilância das autoridades fazia fracassar todos os planos. Tal método não se afigurou viável, embora só tivesse sido abandonado no último momento.

II

Agravada a questão pelas belicosas ameaças do Primeiro-Ministro da União Indiana e o começo de mobilização das suas forças militares, estava indicado se recorresse aos elementos políticos de que nos parecia podíamos dispor no nosso jogo. Daí as diligências junto dos Governos de Inglaterra, Estados Unidos e Brasil.

Temos com a Inglaterra velhas alianças consideradas plenamente em vigor pelos dois Governos. Não vale a pena referi-las, porque o essencial para o meu objectivo se encontra na declaração de 14 de Outubro de 1899, vulgarmente chamada Tratado de Windsor. Nesta declaração foi expressamente ratificada a validade do artigo 1.º do Tratado de 1642 e do artigo final do Tratado de 1661: o primeiro refere-se genericamente à aliança entre as duas nações; o segundo contém a obrigação do Governo Britânico de defender os territórios ultramarinos portugueses - na linguagem do tempo: todas as conquistas e colónias pertencentes à Coroa de Portugal - contra todos os seus inimigos presentes e futuros.
Tem sido entendido pelos dois Governos que a aliança luso-britânica não é automática, mas depende no seu funcionamento do casus foederis ou seja do juízo que cada um dos Estados forme da situação de guerra e da possibilidade de intervir. Isto quanto à aliança propriamente dita, porque quanto à obrigação de o Governo Britânico defender os territórios ultramarinos portugueses não entendemos nunca nem ninguém pode legitimamente entender que, formulada de maneira tão precisa e absoluta no Tratado de 1661, pudesse ficar dependente do casus foederis.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Quer dizer que a obrigação de defender o nosso ultramar pela maneira adequada às circunstâncias não pode ter elidida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Parece porém pretender desviar-se desta Unha a interpretação britânica, segundo a declaração feita na Câmara dos Comuns em 19 de Maio de 1958 pelo Secretário de Estado vara os Negócios Estrangeiros, que se referiu à forma de aplicação dos Tratados a territórios e a circunstâncias particulares sem a distinção que acima fiz. É peculiar à escola da prudentíssima diplomacia britânica, que tanto admiro neste particular (risos), esforçar-se, mesmo nas mais graves circunstâncias, por obter compromissos concretos em troca de promessas vagas (aplausos); e em face desta tendência uma simples declaração parlamentar, não acordada entre os Governos, não nos pareceu poder ter o valor de interpretação autêntica de um Tratado, que demais contém referência expressa às vantagens que Portugal concedera em troca da obrigação assumida pela Inglaterra.

Vozes: -Muito bem!

A nossa interpretação devia pois ser a melhor.

Vozes: - Muito bem!

Eu nunca fizera, em mais de trinta anos de governo, apelo aos Tratados de aliança, por entender quê uma fidelidade nunca desmentida os converteu de textos a invocar e discutir em sentimentos profundos e atitudes permanentes na política das duas nações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Mas a Inglaterra, sim, invocou expressamente a aliança, por exemplo, para a concessão de facilidades nos Açores, em 1943, apesar da nossa declaração de neutralidade no começo da guerra. O livro branco sobre os Açores publicado em Londres em 1946 omitiu a referência às notas de 16 e 23 de Junho, 14 de Setembro e 4 de Outubro daquele ano, precisamente aquelas que se referem às garantias dadas pelo Governo Britânico a respeito da manutenção da soberania portuguesa em relação ao ultramar.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

Verdade seja que a mesma prudentíssima diplomacia (risos) embora não limitasse no tempo a garantia prestada, a circunscrevera indirectamente às ameaças ou riscos que derivassem das nossas concessões de então. Dado o aperto em que a Inglaterra se encontrava, não nos pareceu bem levantar a questão e gastar

Página 244

244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

tempo em discussões inúteis, e por isso me- limitei a referir de passagem o caso numa das citadas notas. O certo é que, fossem quais fossem, as limitações circunstanciais das promessas então feitas, a garantia genérica ou, melhor, os compromissos britânicos continuavam a ser sem contestação os dos Tratados de 1661 e de 1899, e por isso a esses nos reportámos quando resolvemos dirigir-nos à Inglaterra.

Vozes: - Muito bem!

A minha repugnância pessoal em solicitar serviços alheios, mesmo contratualmente devidos, tinha de quebrar ante a gravidade da causa. O que o Estado da índia representava -e continua a representar- para a Nação Portuguesa não pode medir-se pela pequenez do território, mas pela grandeza da história a que ficou ligado e pela altura da missão que ali levou os portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Partindo da nossa interpretação do Tratado de 1899 e não desconhecendo unta reacção, aliás intempestiva e unilateral, do Governo Britânico de 1954, há pouco recordada na Câmara dos Lordes pelo Secretário de Estado, o Governo solicitou em 11 de Dezembro a indicação dos meios com que aquele Governo podia cooperar com as forças portuguesas para fazer frustrar a agressão indiana. O Governo de Sua Majestade respondeu-nos, tem demora e essencialmente, o seguinte: na eventualidade de um ataque a Goa havia inevitáveis limitações quanto à assistência que o Governo Britânico estaria em condições de dar ao Governo Português em luta com outro membro da Comunidade (risos). A referência eufemística ás «inevitáveis limitações» tinha de interpretar-se no caso como significando que o Governo Britânico se eximia ao cumprimento dos Tratados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Eu sou dos que estão convencidos de que o Governo Britânico fez nesta emergência muito mais esforços e diligências muito mais prementes para impedir a agressão indiana do que os conhecidos através da imprensa ou a nós directamente comunicados. E a razão é simples. Embora Goa nunca pudesse ser para o entendimento britânico destes problemas o que é para nós - um pedaço da Nação Portuguesa -, ê imensamente desagradável para o brio e o prestigio de uma grande potência eximir-se ao cumprimento de obrigações certas que tiveram a devida contrapartida em vantagens concedidas por Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Deve também considerar-se intolerável à educação e à moral individual dos britânicos que a Inglaterra venha a ver-se aumentada no mínimo que seja, através da Comunidade, com pedaços de território roubados ao seu mais antigo aliado.

Vozes - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Mas se as inevitáveis limitações agora invocadas significam a impossibilidade britânica de agir eficazmente no respeitante aos ataques armados dos membros da Comunidade contra territórios portugueses, outro aspecto se deverá encarar. É que, dada a extensão da Comunidade e a agressividade e ambições expansionistas dos seus novos associados, o Governo Português deverá estudar qual o conteúdo positivo que ainda resta da segunda parte da declaração de Windsor de 1899, para, em face das conclusões, determinar a sua atitude futura quanto às obrigações existentes entre os dois países.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Ê admirável o pragmatismo da política britânica: simplesmente, nem sempre pode evitar o aborrecimento de dolorosas contradições.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Nós pedimos também ao Governo Britânico autorização para utilizar alguns aeródromos necessários a ligações com, Goa. Tenho dê lamentar que o Governo Britânico demorasse oito dias a tornar-nos conhecida a impossibilidade de utilização, porque, se não fora essa demora, nós tínhamos de certeza conseguido rotas alternativas e teríamos levado à índia a tempo reforços de material e pessoal que nos pareciam necessários a mais prolongada defesa do território.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Vejamos o que respeita aos Estados Unidos.
Os Estados Unidos foram, pelo efeito de duas grandes guerras vitoriosas, como pelo seu poder económico e financeiro, extensão territorial e população, elevados ao mais alto nível entre as nações e havidos como expressão superior e guia do que consideramos o mundo livre. Que intencionalmente, deliberado/mente, tenham procurado ascender a esta posição ou a ela fossem apenas guindados pelo conjunto de circunstâncias históricas, não importa (risos). O que a todos nos importa é saber se, ocupando o lugar, também estão dispostos a desempenhar a função.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos frenéticos.

Por estes motivos e pelas relações especiais que entre nós se estabeleceram, exactamente para defesa de princípios fundamentais da vida dos povos civilizados, pensou o Governo que seria levado à conta de descabido orgulho não solicitar dos Estados Unidos a sua intervenção. Outra razão havia ainda.
Não posso deixar de revelar que em 7 de Agosto de 1961 os Estados Unidos fizeram saber ao Governo Português o seguinte: «0 apoio dos Estados Unidos ao conceito de autodeterminação de modo nenhum, implica o apoio americano a quaisquer aspirações intervencionistas ou expansionistas ou a ataques depredatórios contra territórios ultramarinos portugueses por parte de outras nações.

Vozes: - Parece impossível!

Página 245

4 DE JANEIRO DE 1962 245

Pelo contrário, os Estados Unidos sem dúvida se oporiam, nos planos políticos, diplomático e nas Nações Unidas, a quaisquer tentativas de Estados vizinhos de anexarem territórios ultramarinos portugueses. Embora em 9 de Dezembro tenha sido comunicada ao Governo Português uma explicação daquela primeira atitude que não se sabe ainda bem até que ponto a invalida, adiámos muito grave para as relações e convenções existentes entre os dois Estados que a primeira declaração não fosse a tradução de uma política assente e incondicionada, aliás resultante da adesão comum. a um estado de direito a cada momento se opondo às violências da força na vida internacional. E assim nos dirigimos ao Governo Norte - Americano.
Este fez de facto as mais reiteradas diligências em Washington e em Nova Deli no sentido de dissuadir a União Indiana de atacar Goa. O Presidente Kennedy terá mesmo escrito ao Primeiro-Ministro da União Indiana e o último apelo dissuasivo do embaixador dos Estados Unidos em Nova Deli precedeu de apenas duas horas a ordem de atacar.
Não podemos pôr em dúvida a forca destas diligências e das da Inglaterra, nem o interesse político e ideológico das duas nações em que o Estado Português da índia não fosse invadido para ser anexado à União Indiana por acto de guerra. Não só ambas temiam acabasse de desvanecer-se por completo a lenda pacifista da União Indiana como receavam vir a verificar-se quão frágil e inoperante é o edifício tão amorosamente por elas construído o sustentado para preservar a paz (risos e aplausos). Mas então, temos de ver o seguinte: Já hoje na índia um pequeno país despojado pela forca dos seus territórios e às portas de Goa duas grandes potências também vencidas - a Inglaterra e os Estados Unidos - , e isto prenuncia para o Afundo uma temerosa catástrofe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

É triste e desoladora a derrota dos pequenos; mas ó incomparavelmente mais grave a impotência dos grandes para defender o direito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Voltemo-nos agora para o nosso Brasil.
O Tratado de Amizade e Consulta que lançou as bases da Comunidade Luso - Brasileira limitou-se a verter para o campo jurídico uma realidade existente; mas só depois de formulado podia eficientemente orientar a política tanto dos dois países entre si como sobretudo da Comunidade em relação ao Mundo. As suas grandes linhas, ao mesmo tempo amplas e vagas, podem ser o alicerce de uma construção internacional do mais vasto alcance ou limitar-se a inspirar timidamente apenas mensagens sentimentais. Partindo daí, aos estadistas das duas margens do Atlântico incumbe construir de jacto a Comunidade para benefício das duas pátrias, tal como a História as forjou e portugueses e 'brasileiros as pretendem perpetuar, e neste sentido envidaremos os nossos melhores esforços.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

O anticolonialismo é uma constante da política brasileira; mas outra constante é também o não reconhecimento das anexações territoriais obtidas pela forço. A primeira não havia de preocupar-nos, senão na medida em que o desconhecimento da realidade do ultramar português pudesse porventura turvar a compreensão do fenómeno que ali se verifica; a segunda jogaria sempre a nosso favor na pretendida sujeição de Goa à União Indiana. Apesar de certas flutuações, este ano verificadas no alinhamento do Brasil com os países afro-asiáticos, ao menos quanto d índia a atitude dos responsáveis pela política brasileira não tinha que sofrer qualquer mudança e situou-se sempre na condenação de qualquer agressão e consequentemente em não reconhecer o Brasil a anexação que dai resultasse. Goa foi sempre um caso â parte no pensamento brasileiro.
Nenhuma dificuldade ou resistência houve, portanto, que vencer para que o Brasil declarasse publicamente e por mais de uma vez o pensamento oficial a respeito dos ataques iminentes ou em curso contra o Estado Português da índia. E estornas convencidos de que a atitude tomada só traduziu o sentir geral da Nação Brasileira. Ter estado o Brasil encarregado da defesa dos interesses portugueses na União Indiana dava-lhe ainda especial posição para defender o povo de Goa contra a absorção que se preparava.
A intervenção do Brasil, como as outras já referidas, foi também inoperante, e da mesma forma as diligências em Nova Deli realizadas pela Espanha, Canadá, Austrália, Alemanha, Argentina, Bélgica, Holanda - estas as de que temos conhecimento directo.

Além dos três países referidos, cuja actuação política era particularmente fundamentada, a Chancelaria portuguesa procurou alertar as nações amigas em todos os continentes, mais como mobilização moral em defesa do direito do que acção de que se esperassem efeitos decisivos. A algumas- portas não foi mesmo necessário bater, porque a comunhão de princípios e a identidade de interesses apontaram sem hesitação o caminho. É de justiça pôr a Espanha em primeiro lugar ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

... muito em primeiro lugar, por si e junto dos países sul-americanos seus amigos, como merecedora da nossa gratidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Ela tem vivido como nós o drama de Goa, e com razão, porque, se há território português que se haja estruturado sob a influência conjunta dos dois Estados da Península, esse é o de Goa, que deve tanto ao génio de Afonso de Albuquerque como à doutrinação de S. Francisco Xavier.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Além disso, numa Europa que ameaça desmoronar-se, por ter perdido a confiança em si própria, a Espanha pôde revigorar ao fogo de uma experiência dolorosa a sua fé nos princípios da civilização que di-

Página 246

246 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

fundiu pelo Mundo e é um povo onde o grande e heróico têm ainda lugar na vida e um sentido moral.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

A Espanha compreende bem e em toda a sua extensão o estado de alma português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Estavam esgotados os recursos das nações individualmente consideradas para parar a agressão indiana. Apenas a actuação da organização mundial, chamada Nações Unidas, podia tentar-se, através do pedido de reunião urgente do Conselho de Segurança. O estudo do problema e a experiência que vamos tendo do funcionamento do sistema não deixavam no nosso espírito dúvidas acerca da inutilidade do apelo. Mas, por um lado, a nossa presença na organização mal se compreenderia se a ela não estivéssemos dispostos a recorrer; por outro lado, a maneira como havia de comportar-se seria mau uma prova gritante de que, nos termos em que funciona, já está a ser mais do que inútil, porque está a ser prejudicial.
O caso foi levado ao Conselho no primeiro dia da invasão de Goa e pouco depois desta começada; tratava-se de agressão não provocada e de território ainda não ocupado pelo inimigo - caso extraordinariamente simples para aplicação dos princípios da Carta. A moção aprovada pela maioria de sete votos, que mandava suspender as hostilidades, recuar as forças invasoras para os pontos de partida e fazer negociações para a solução do conflito, foi, porém, vetada péla Rússia e ficou, por isso, sem efeito. As atitudes naturalmente convergentes do Presidente da República Soviética, que, em Nova Deli, incitara à invasão de Goa, e do representante russo no Conselho de Segurança, que vetava a moção aprovada, se mais uma vez lançavam a União Indiana nos braços dos sovietes, punham a claro a paralisia da chamada defesa colectiva contra a Rússia ou contra uma potência que a Rússia proteja.
O caso, embora previsto, produziu alarme no Mundo. A declaração do delegado da União Indiana de que com Carta ou sem Carta, com Conselho ou sem Conselho de Segurança, com direito ou sem ele, o seu país prosseguiria o seu caminho, representou tal desafio aos fins e à estrutura jurídica da instituição que melhor seria dá-la logo ali por morta. Os Estados Unidos acharam que de facto o que se passava prenunciava o fim próximo da organização, mas, numa tentativa de consolidá-la, ainda se uniram, no dia seguinte com todos os mais numa votação contra Portugal e dois dias depois apressavam-se a confirmar à União Indiana o seu apoio financeiro.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

Isto deve estar certo, mas é muito difícil para nós compreendermos, e sobretudo não quadra à nossa sensibilidade moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Ê lícito perguntar o que estamos nós ali a fazer ou o que estão ali a fazer os que, não sendo grandes potências, não dispõem do favor russo ou, por causa da sua solidariedade com o Ocidente, atraem a aberta hostilidade do bloco antiocidental.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Também se perguntará como fomos ali parar (risos).
A política do Governo foi, na peugada da sensatíssima Suíça, não requerer a sua admissão nas Nações Unidas. Fizemo-lo mais tarde a pedido da Inglaterra e dos Estados Unidos com o argumento da necessidade de reforçar a posição ocidental em qualquer emergência (risos). Fomos durante anos vetados pela Rússia e entra-mos depois «em trocos miúdos» na Organização (risos). Verificando-se uma transferência de poderes do Conselho para a Assembleia Geral, dominado o primeiro pela Rússia e a segunda pelo bloco comunista e afro-asiático, as potências ocidentais, em que incluo a América do Sul, perderam toda a possibilidade de conduzir com a sua mais larga experiência os negócios da comunidade internacional, de moderar certos ímpetos irreflectidos, de evitar que o governo do Mundo caia sob uma ditadura intolerável de paixões racistas e de irresponsabilidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Assim, pensamos ter direito a uma palavra sobre ser já inútil a nossa presença e a nossa colaboração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Mesmo que essa palavra não venha, não sei ainda se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos vibrantes.

E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração no que não seja do nosso interesse directo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

III

A política militar do Governo no respeitante ao problema de Goa foi sempre encarada à luz dos seguintes elementos: dadas a distância e a superioridade esmagadora da União Indiana, nenhuma esperança de salvar Goa da eventual invasão inimiga, sem apoio aliado; necessidade de manter forças suficientes para evitar a acção dita policial e dissuadir, se possível, a União do ataque; defender, .em última instância, aquele torrão sagrado com sacrifício das vidas e haveres, como o reclamava a tradição portuguesa na índia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Mantivemos este esforço, ora com maiores, ora com menores efectivos, conforme os tempos e a gravidade das ameaças, mas sempre em nível suficiente para atin-

Página 247

4 DE JANEIRO DE 1962 247

gir o objectivo de levar a União Indiana ou a desistir da absorção de Goa, ou a fazer uma operação espectacular de- guerra que causaria grande dano ao seu crédito moral e não daria nem honra nem glória ao seu exército.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Os nossos efectivos deviam ainda ganhar o tempo necessário para que Portugal pudesse apresentar gueixa às Nações Unidas contra a agressão indiana.
Um punhado de homens - 3500 oficiais, sargentos e praças da metrópole e 900 indo-portugueses - forçou a União Indiana a mobilizar um exército de 30 000 a 40 000 homens, apoiado por numerosas formações de artilharia pesada e de carros de combate, e com a cooperação, no ataque, de uma esquadra naval e de várias esquadrilhas de aviões de bombardeamento e de caça. Com uma superioridade em homens de, pelo menos, um para dez e em material muito mais-mesmo assim, a ocupação de cerca de 3500 km2, dispersos por quatro territórios e com uma profundidade de apenas 20 a 50 Tem no distrito de Goa, levou vários dias. Só por si este facto dá a nota da firme resistência que os portugueses devem ter oferecido. Para mim, a maior preocupação era que a desproporção das forcas e a violência e plano do ataque fossem tais que a nossa gente, dada a estreiteza do terreno, não pudesse mesmo bater-se bem e defender aquela portuguesa terra, à altura do seu valor e espírito de sacrifício.
Na última mensagem enviada ao governador-geral, e escrita, sabe Deus, com que amargura na alma, eu dizia termos plena consciência da 'modéstia das nossas forcas, mas desde que a União Indiana podia multiplicar por um factor arbitrário as forças de ataque, havia de revelar-se sempre no final grande desproporção.

Vozes: - Muito bem!

A política do Governo fora sempre, na impossibilidade de assegurar por si só uma defesa plenamente eficaz; manter em Goa forças que obrigassem a União Indiana a montar em grande, como se via naquele momento, uma operação militar que escandalizaria o Mundo, e a não fiar o êxito das suas pretensões de simples operações de polícia. Os factos mostraram que a primeira missão estava cumprida. A segunda missão consistia em não se dispersar contra agentes terroristas a fingir de libertadores, mas em organizar a defesa pela forma que melhor pudesse fazer realçar o valor dos nossos homens, segundo a velha tradição da índia. Era, para mim, horrível pensar que isso podia significar o sacrifício total, mas eu recomendava e esperava esse sacrifício como o maior serviço que podia ser prestado ao futuro da Nação.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

O governador ainda pôde responder a agradecer em nome das forças sob o seu comando a confiança que nelas depositávamos e desejariam, honrar através de todos os sacrifícios.
Não temos elementos suficientes para fazer ideia de como decorreram as operações terrestres e navais, como se operou a resistência, como se fez a defesa. Oportunamente se apresentará ao País o relato destas operações e se fará a justiça devida a todos quantos tiveram a honra de ser chamados a bater-se ou a morrer por Goa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

IV

Em face Aos preparativos bélicos da União Indiana e, a seguir, da sua agressão ao Estado Português da índia notou-se uma reacção violenta da opinião pública mundial. Temos de exceptuar os informadores oficiais e a imprensa de alguns países comunistas e afro-asiáticos que manifestaram, o seu aplauso e solidariedade com o invasor; nos países da Europa Ocidental e das duas Américas e 'mesmo nalguns de África e do Oriente exteriorizou-se uma, repulsa viva e sentiu-se grande inquietação. Os órgãos de informação de todos os matizes ideológicos, com representação ou sem representação nos governos dos respectivos países, têm tratado o assunto à margem destes, por vezes em oposição a estes, como livres expoentes de uma opinião sobressaltada. Porquê? Pela razão de ser Goa um caso típico que se apresentava sem complicações ou dificuldades de interpretação. Tratava-se na verdade de um pequeno território incorporado politicamente durante quatro séculos e meio na soberania portuguesa, soberania reconhecida pela comunidade internacional e até pelo agressor. Esse território todos o consideravam ao abrigo de uma decisão, favorável a Portugal, do Tribunal da Haia, cuja competência fora aceite pelos dois Estados interessados; possuía a garantia de alianças e de compromissos bem estabelecidos; devia julgar-se protegido pelas engrenagens da segurança colectiva através das Nações Unidas. E neste caso, política e juridicamente cristalino, que nunca foi nem seria um problema, o Mundo verificou que, tendo-se recorrido a tudo, tudo falhara para impedir a agressão e evitar a conquista. Ou esta situação é sanada ou Goa faz voltar uma página na vida das sociedades do nosso tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

E assim se pôs um problema de ordem geral.
Há no Mundo três ou quatro nações - meia dúzia o máximo - que não receiam ou não têm de recear ser agredidas por outras; mas todas as mais ou vivem do consenso unânime de que a sua independência e integridade são respeitadas ou estão à mercê dos mais ambiciosos e fortes. Não se foge à dificuldade e ao perigo senão pela forma clássica de alianças que constróem sistemas de forcas equilibradas, ou por organização tendente a abranger a universalidade das nações pacíficas. Simplesmente, no primeiro caso é essencial o cumprimento dos tratados e no segundo a fidelidade aos pactos, e a crise moral em que nos debatemos não assegura nem uma coifa nem outra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Como as Nações Unidas, na melhor hipótese, se encontram antecipadas de séculos em relação ao espírito dos homens e das sociedades, e além disso se deixaram invadir por multidão tumultuaria de Estados que não têm o espírito de paz, não só não tem sido fácil defen-

Página 248

248 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 9

der ali os direitos das nações, como dentro da Organização se constituíram partidos e solidariedades que, em substituição das antigas alianças, fazem vingar interesses de grupo sem se importar da justiça devida a todos.

Vozes: -Muito bem!

Quando se perde de ideia que para conservar a paz é necessário estar disposto a bater-se por ela; ...

Vozes: - Muito bem!

... guando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer; ...

Vozes: - Muito bem!

... quando por sistema se transige e se recua diante dos que, não tendo experiência nem responsabilidades, podem ser ousados sem custo a revolucionar continentes, temos de interrogar-nos a sério sobre se vamos pelo bom caminho.

Vozes: - Muito bem!

O que se viu connosco agora legitima de facto a ansiedade das consciências e a inquietação das sociedades mais sãs. O homem da rua, que não pode elevar-se às altas congeminações dos filósofos e dos políticos, moa tem a ambição de ganhar a sua vida e conservar em paz o seu lar, vê o problema com a simplicidade do bom senso, e esse bom senso indica-lhe que as coisas não estão certas quando os criminosos são erigidos em juizes e ousam ainda condenar as pessoas de bem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Ë nesse vivo despertar da consciência do Mundo ante os conluiados nos atropelos à paz e à soberania alheia que pode entrever-se uma réstia de esperança no sentido de serem revistos a tempo os métodos de conduzir a comunidade internacional. A tempo, digo, porque está já a ver-se que de uma violência não reparada surgem outras violências maiores.

Vozes: - Muito bem!

E daqui parto para breves reflexões finais.

V

Pois que não aceitamos a validade do facto consumado, a questão de Goa não terminou.; ...

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

... pode dizer-se, com verdade, que é mesmo agora que começa.

Vozes: -Muito bom!

As razões que nos impediram de negociar a cedência dos territórios do Estado Português da índia são as mesmas que em absoluto nos vedam de reconhecer a conquista.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

A União Indiana pôde fazer a guerra contra nós, mas não pode sem nós estabelecer a paz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Da mesma forma que não houve rendição de forças nem entrega de barcos, também não pode haver tratado que reconheça a soberania da União sobre aqueles territórios.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Terá de aguardar-se que a comunidade internacional repare o agravo à soberania portuguesa e a reintegre nos seus legítimos direitos, para ser restabelecida uma situação normal.

Vozes: - Muito bem!

Por este motivo vai ser submetida à Assembleia Nacional proposta de lei com o fim de se assegurar o funcionamento dos órgãos do governo daquela província nas presentes circunstâncias.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

A primeira consequência que daqui resulta é que a representação parlamentar do Estado da índia continuará confiada aos eleitos pelos povos de Goa, Damão e Diu.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Aplausos.

A Câmara não terá objecção quanto à presente situação, e nas legislaturas futuras há-de encontrar-se meio de conferir e tornar praticável o direito de escolha aos goeses que, vivendo fora dos territórios ocupados pela União, mantenham a sua dedicação à Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

Tendo-se manifestado por toda a parte tão portugueses como ou melhores e tendo arrostado com dificuldades enormes para se manterem fiéis, é apenas obrigação da nossa parte reconhecer-lhes um direito que os honra o os faz continuar presente entre nós.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

A segunda consequência é que a cidadania portuguesa deverá continuar a ser reconhecida de direito e de facto

Página 249

4 DE JANEIRO DE 1962 249

aos goeses, independentemente de lhes vir a caber dupla nacionalidade por imposição unilateral da União Indiana.

Vozes: - Muito bem!

Não pode-mos prever o procedimento da União quanto o esta e a numerosas outras questões que vão emergir da ocupação de facto dos territórios portugueses. K bem possível que nestes primeiros tempos uma política de aliciamento e captação seja prosseguida pelas autoridades ocupantes. As dificuldades surgirão para uns e para outros quando o programa de indianização de Goa se chocar com a cultura aos goeses e o Primeiro-Ministro verificar que uma individualidade própria foi ali criada através aos séculos pela interpenetração de culturas e pelo cruzamento de raças.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.
Penso que as violências vão ser em proporção das dificuldades e que, a demorar muito a reintegração de Goa, se siga à espoliação e à forçada igualdade na pobreza, a perda de liberdade que, quanto à língua, à religião, à cultura, diminuirá os goeses. Ë de esperar por isso que muitos desejem subtrair-se às inevitáveis consequências da invasão, e todos hão-de ser bem recebidos em qualquer parte do território nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Não devemos ter ilusões sobre os obstáculos, e dificuldades de toda a ordem que se levantarão à execução do nosso programa quanto aos goeses que se encontram fora dos territórios portugueses. A pertinácia, a raiva com que a União Indiana prossegue desde a independência à captação dos filhos de Goa no seu território vão redobrar em relação aos que levam a sua vida em territórios estrangeiros, nos quais a nossa própria acção pode vir a ser entravada por influência sua. Mas o nosso dever é lutar pelos goeses e por Goa, sem olhar a sacrifícios, coma fizemos até aqui.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Uma pergunta desejava ainda fazer: em face dos factos, não será lícito duvidar da justeza dos caminhos por onde foi conduzida a nossa política com, a União Indiana, no respeitante a Goa? Respondo com outra pergunta: as outras soluções que se nos deparavam que resultado trariam? A negociação, a entrega; a independência, a perda do pequeno Estado, com a integração subsequente; a constituição de uma federação com o Estado independente de Goa faria regressar a questão ao princípio, por ser considerada esta fórmula como a continuação do nosso colonialismo na índia. Em qualquer destes casos perda irreparável e sem esperança. E nós devemos continuar a esperar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

Pelas reacções verificadas em todo o mundo português e em todos os países onde existem núcleos de portugueses podemos concluir que o sentimento exigia não mentirosas negociações para encobrir o esbulho, mas a afirmação do nosso direito, a denúncia da agressão e a luta em todos os campos para jazê-lo reconhecer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O sentir nacional foi tão vibrantemente afirmado por todos os nossos meios de informação que não seria lícito desconhecê-lo e seria imperdoável duvidar da sua autenticidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejaria morrer, com ela.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Vou suspender a sessão. Continuará esta sessão amanhã, cora n mesma ordem do dia: Goa e emparcelamento da propriedade rústica.
Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Burity da Silva.
Fernando António da Veiga Frade.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 250

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×