352 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 14
preciso abarcar essa gama de problemas, que ao emparcelamento sempre estarão ligados, com uma nova mentalidade, visando a uma economia de mercado, já que a economia de auto-suficiência está ultrapassada.
Julgo, assim, que o ponto de partida teórico e a enunciar imediatamente será este que acabo de referir e que me leva a pôr estas duas interrogações:
O emparcelamento visará à reconstituição das unidades tradicionais multiculturais, embora ampliadas quanto à respectiva área, onde o agregado familiar terá garantido um auto-abastecimento em produtos da terra e pouco mais?
Ou será antes seguida a política de fomentar a constituição da empresa agrícola como linha componente de uma cadeia de montagem agro-industrial de média ou de grande dimensão, com olhos postos no mercado externo?
Sendo a determinação das unidades de cultura a pedra de toque do emparcelamento, logo é notória a importância fundamental que terá a definição daquela dimensão teoricamente ideal e de acordo com uma das soluções enunciadas no dilema que acabo de invocar. Esta base de partida, de excepcional importância como disse, poderá vir a concorrer decisivamente para se criar um bom. ou um mau ambiente para o estabelecimento de grandes unidades agro-industriais que algumas firmas estrangeiras estão tentando já instalar entre nós. Temos mesmo conhecimento particular de que ao norte do Douro se deixou de montar ali uma empresa alemã exactamente por terem encontrado falta das condições mínimas favoráveis para o estabelecimento de uma vasta área do pomar. Por outro Indo, há que contar com os novos e importantes dados que nos serão oferecidos pelas perspectivas de uma futura integração no espaço económico português de todas as suas componentes ultramarinas, bem assim há que tomar em consideração os horizontes a abrir com uma futura e efectiva entrada de Portugal na organização económica à escala europeia.
Muitas e variadas são as medidas que considero forçoso complemento para o emparcelamento. Parte delas vêm já referidas no judicioso parecer que estamos apreciando. São do domínio da assistência técnica e financeira: recuperação de caminhos e de estremas para cultivo; abastecimento de águas; racionalização dos sistemas de rega, dos sistemas de cultivo, das técnicas de fertilização e de conservação da fertilidade; das defesas contra a erosão, da mecanização, do melhoramento da pecuária, etc. Mas todas estas medidas, tanto de incremento da assistência técnica como de estabelecimento de feitorias, serão aleatórias se não se fizer sentir paralelamente uma política de fomento pelo preço, pagando bem e melhor os produtos mais qualificados, pois tudo o que se fizer em matéria de valorização agrária será efémero se se desprezar a política da justa retribuição dos produtos da terra, bem assim se não se adoptar uma política de embaratecimento das matérias-primas consumidas pela lavoura: maquinaria, combustíveis, alfaias, adubos, produtos químicos e electricidade, esse género de primeira necessidade que para a lavoura está interdito enquanto o seu preço não for revisto.
Resulta daqui, implicitamente, a necessidade de se tomarem disposições atinentes à revisão das estruturas comerciais, seja pelo estabelecimento de cooperativas, seja pela simplificação da complicada e nociva rude de intermediários, por forma que os produtos cheguem ao consumidor menos onerados por improdutivas interferências.
Também a reabilitação do nosso armentio deverá estar no espírito dos responsáveis pelo emparcelamento, pois poder-se-á tirar favorável partido do aumento das áreas das actuais explorações em favor da pecuária nacional, outra vantagem do emparcelamento.
Todavia, neste capítulo do fomento da pecuária igualmente se impõe uma rasgada decisão para que se definam as linhas de trabalho. É que se chegou a uma encruzilhada de difícil saída e para esta pouco concorrem os extremistas defensores de que o gado nacional está a pedir imediata e colectiva certidão de óbito e, por tal, a requerer total substituição por animais importados. Nesta matéria, deveriam dar-se ouvidos aos criadores mais ousados e progressivos, pois a sua experiência e a sua contabilidade algo terão para dizer.
De qualquer modo, no Norte e nas regiões visadas pelo emparcelamento, solar do barrosão e do aroquês, ainda há, por certo, núcleos destas raças autóctones de bovinos, que não devem ser menosprezadas sem que se tenham efectuado testes honestos e estudos comparativos com vista a, com tais elementos, vir a construir-se prudentemente o verdadeiro caminho a seguir.
O estabelecimento de explorações agrícolas-piloto considero-o fundamental e outro dos primeiros passos a dar nos perímetros em perspectivas de emparcelamento, pois virão a constituir preciosos auxiliares e indispensáveis guias para quem se deverá ocupar de tão complexa como difícil tarefa.
Sabendo-se o elevado custo do emparcelamento e conhecendo-se o facto significativo de nalguns países com larga experiência neste campo se terem visto obrigados os técnicos a forçadas revisões, sobretudo em matéria das áreas das unidades de cultura que vieram a ser sucessivamente aumentadas, julga-se pertinente proceder a um rigoroso estudo sobre qual a melhor orientação a seguir, e em todas as facetas a considerar, para que reais vantagens sociais, agrícolas e industriais venham a ser obtidas, não só pela comunidade, como pelas classes mais desfavorecidas, primeira preocupação que deve hoje estar no espírito dos responsáveis, mas mercê de uma política social ajustada a uma boa política económica, para o que será fundamental nunca perder de vista a máxima de que «uma verdadeira política social só atingirá os seus objectivos se estiver apoiada numa verdadeira política económica», e, assim, o emparcelamento deverá integrar-se neste conceito, sem esquecer a justa retribuição, embora a longo prazo, que é devida ao erário público.
Há ainda um aspecto que não posso deixar de salientar aqui: é o da doutrinação dos interessados, visando levá-los à perfeita compreensão da utilidade que advirá para eles e para o País do emparcelamento e das demais medidas que o deverão acompanhar. Esta propaganda pretenderá conduzir à formação de uma mentalidade confiante e de total adesão aos novos empreendimentos e é a única base, no que se refere ao contributo do agricultor, donde se poderá partir para que tudo se processe como se planeou.
Poder-se-ia acreditar no êxito do emparcelamento se este for mal aceite ou não compreendido?
Poder-se-á confiar em executores avessos ou incrédulos?
A falta de mística no cumprimento de qualquer profissão ou a desconfiança em renovadas técnicas conduzirá, sem dúvida, a uma deficiente execução das tarefas.
Todos sabemos que a árvore que se planta, o rego da água que se encaminha, o adubo que se incorpora, o correctivo alimentar que se ministra, são singelas ope-