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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 28
ANO DE 1962 7 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º28, EM 6 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - No Diário das Sessões n.º 27, p. 629, col. 2.ª, l. 49 e segs., onde se lê: «O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, dia 6, tendo por ordem do dia a discussão da proposta de lei sobre arrendamento da propriedade rústica», deve acrescentar-se: «e a votação do texto da última redacção da lei sobre as providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos de governo do Estado da Índia».
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 26 e 27 do Diário das Sessões, com uma rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Armando Cândido quanto ao n.º 26.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, as informações requeridas pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira, em sessão de 9 de Janeiro, e as requeridas pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta, na mesma sessão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Brilhante de Paiva, para se referir a assuntos de interesse para Moçambique; Olívio de Carvalho, sobre questões de ensino; Cutileiro Ferreira, que enviou um requerimento à Mesa; e Pinto Bull, acerca de problemas da província da Guiné.
Ordem do dia. - Iniciou-te a discussão na generalidade da proposta de lei de arrendamento da propriedade rústica.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abranches de Soveral e Martins da Cruz.
Em segunda parte da ordem do dia foi votado e aprovado por unanimidade o texto da ultima redacção da lei sobre as providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos de governo do Estado da Índia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
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António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barras.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 104 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 26 e 27 do Diário das Sessões, correspondentes, respectivamente, às sessões de 1 e 2 de Fevereiro.
O Sr. Armando Cândido: - Pedi a palavra para apresentar as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 26:
Na p. 615, col. 1.º, l. 10, onde se lê: «Orta, reunida em 1960», deve ler-se: «Orta e reunida em 1960»; na p. 610, col. 1.º, l. 31, onde se lê: «Por isso», deve ler-se: «Por tudo isto»; na p. 615, col. 2.º, l. 33, onde se lê: «encontra-se, por isso», deve ler-se: «encontra-se, pois»; na p. 615, col. 2.ª, onde se lê: «Na verdade, não se percebe como os Estados Unidos não viram a tempo que, enquanto no Mundo existisse a ameaça comunista, não deveriam perder qualquer posição que lhes pertencesse ou pertencesse aos países do Ocidente e sustar qualquer apressada reivindicação de independência até terminar a luta com derrota total do inimigo», deve ler-se: «Na verdade, custa a perceber como os Estados Unidos não atentaram em que, enquanto no Mundo subsistisse a ameaça comunista, haveria que conservar todas ns posições do Ocidente, cumprindo, para tanto, sustar toda e qualquer apressada reivindicação de independência até terminar a luta com a derrota completa o inimigo».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero os referidos Diários aprovados com a rectificação apresentada ao n.º 26.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do presidente da Junta de Freguesia de Benavila, concelho de Avis, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Antunes de Lemos sobre a necessidade de restaurar algumas comarcas.
O Sr. Presidente: - Enviadas pela Presidência do Conselho, estão na Mesa informações para satisfazer o requerimento do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, apresentado na sessão de 9 de Janeiro nesta Assembleia. Vão ser entregues ao Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
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Estuo ainda na Mesa informações prestadas a requerimento do Sr. Deputado Elísio Pimenta, apresentado na sessão de 9 de Janeiro. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Brilhante de Paiva.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Sr. Presidente: das primeiras palavras que ouso dirigir a V. Exa. não pode ausentar-se o cumprimento de veneração à pessoa honrada, à moda dos antigos portugueses e que aqui, ante todos nós, constitui exemplo vivíssimo de que se não pode extinguir, nem nas nossas gerações, nem nas que se acham confiadas a nós, a chama da velha fidelidade; também se não pode ausentar delas o devido à lucidez superior de que V. Exa. dá provas a cada passo na orientação das actividades da Assembleia Nacional, depois de as ter dado também na orientação da actividade académica.
Assim como os estudantes que passaram pelas mãos V. Exa. nas lides escolares, assim também estou certo de que todos nós e a Nação havemos de guardar memória da figura de inteligência vigorosa e de perseverança decidida na guarda ao repositório de mandamentos morais em que se constituíram os exemplos herdados no testemunho da história, e de perfeita tolerância a tudo quanto representa uma atitude de colaboração honesta no sentido do bem comum.
Tive já ocasião, à imitação de um pedagogista mexicano, cujo nome se me apagou da memória, de dizer que ao professor impende sempre a obrigação - seja qual for o grau em que actue - de edificar o aluno no respeito e no amor à família e à pátria, em todos os pequenos princípios que constituem a bagagem a confiar a um espírito fértil sob todos os impulsos de orientação e, por vezes, sequioso de normas que o defendam de promessas vãs de liberdade, de tentativas de exploração da generosidade e abnegação, por vezes tão súbitas uma e outra, da nossa juventude, para o deixar precisamente atingir a liberdade e o direito de amar os seus antepassados, a sua pátria, a sua casa.
Textualmente, creio que dizia esse autor: «um professor não pode trair».
Deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, afirmar aqui, solenemente, que considero V. Exa. um professor.
Permita V. Exa. que dê aqui público testemunho do apreço, até da verdadeira e entusiástica admiração que me merecem todos os Srs. Deputados; manifesto-lhes nesta primeira oportunidade os meus respeitosos cumprimentos e a promessa de uma colaboração activa e leal.
Sr. Presidente: nunca foram mais oportunas do que nos dias que correm as palavras que nesta Assembleia se têm ouvido e continuarão a ouvir a respeito do nosso ultramar.
No entusiasmo patriótico de todas as intervenções dos Srs. Deputados e cujo objectivo tenha sido esse acervo de ofensas feitas à Nação a que coube a missão de pôr em contacto o Ocidente e o Oriente, o iniciar as primeiras actividades missionárias no reino do Congo, nas quais morriam padres sobre padres vitimados pelas terríveis febres até que pudessem entrar em acção os primeiros homens filhos da terra, aqui trazidos, formados aqui e em Roma - e que ainda achou em si forças para na América do Sul lançar as fundações de um grande e poderoso país; nesse entusiasmo que têm os Srs. Deputados posto no repúdio decidido de todas as atitudes de habilidade «morna» de políticos estrangeiros que se dizem amigos de Deus, mas para quem ... o Diabo também não é má pessoa; na defesa calorosa, quando não verdadeiramente ansiosa, que aqui se tem feito, do património nacional e do direito sagrado dos povos que se habituaram a ser portugueses, de terras e de gentes que se habituaram a ter como sua a nossa herança e a nossa maneira de viver - que nos cumpre entregar às gerações vindouras sem mutilações e sem sombras duvidosas; no decidido apoio ao Governo, que a Assembleia exterioriza em nome de todas as famílias metropolitanas, africanas ou goesas que constituem Portugal, para que não perca de mão o fio que a todos oriente na defesa; em tudo isto, Sr. Presidente, se tem visto que a causa da defesa ultramarina sobreleva de longe os pedidos particulares de cada eleitorado.
Na verdade, nenhum de nós aqui dentro, como nenhum português na sua casa, ou na sua família, ou no seu trabalho, que a todos aqui se dá representação válida à face de todas as nações do Mundo, nenhum de nós perde de vista os direitos de primado que o ultramar de há muito conquistou na vida nacional.
O ultramar acompanha-nos, desde os primórdios, pela história fora; antes de começarmos a navegar em busca do desconhecido, já no nosso sangue se achavam caldeadas as raças da mourisma; e, depois disso, cá vieram ter novas infusões vindas de todo o Mundo, do Brasil à África, do Malabar a Timor e à China.
Antes de termos sido forçados a tomar posse formal de terras, já no nosso espírito corriam lembranças de antepassados vindos do Magrebe ou dos Algarves de além-mar; já antes de D. Dinis havia, neste recanto da Península, veigas tratadas cuidadosamente por antepassados campesinos de extracção africana e mourarias junto da cidade mais populosa do Sul. Nos nossos topónimos, e até no vocabulário comum, há generosa contribuição de línguas estranhas à Europa, desde o arábico ao chinês. A confusão dos tipos humanos ainda hoje é tamanha entre nós que no mesmo lar se geram filhos diametralmente opostos; começamos por ser louros para nos amorenarmos com o tempo - a menos que sejamos escuros já desde nascença; o tipo louro, o puro «aria» dos hitlerianos ou dos nobres nórdicos, é uma minoria escassa, mas não defeito.
Aqui mesmo nesta Casa, e no campo das actuações políticas, continuamos a confusão: há Srs. Deputados nascidos em África e lá criados, que aqui se encontram eleitos por círculos metropolitanos, e há Deputados nascidos e criados na metrópole eleitos pelas províncias ultramarinas; e todos tentando defender, animados de igual ardor, as terras e as gentes que os elegeram, em particular, e, na generalidade, toda a concepção portuguesa, cristã e tolerante, mas ubíqua, da vida e do direito dos povos e dos indivíduos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A nossa definição de multirracial idade da gente portuguesa e de continuidade da terra portuguesa através dos mares, em que nome vêm os nossos excelsos detractores chamar farsa, que não seja o da perturbação, do caos, do genocídio, a que haja de suceder-se a invasão económica, vestida da candidez da colaboração?
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Se somos um conjunto que vive em vários continentes, a verdade é que no dia em que a Europa Ocidental viesse a ceder perante as ameaças
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ou perigos iminentes ou destruições vindas de Leste, aqui só ficaria a esperança de uma testa de desembarque, por onde entrassem a reocupar as suas terras os povos repelidos. Mas, porque é mais cómodo circundar a N. A. T. O., aí temos os poderes de Leste a baterem às portas de África, a roubarem-nos Goa, a tentarem desfazer os restos da presença holandesa no Oriente, depois de se ter forçado a França, em batalhas sangrentas, e o próprio Reino Unido, a bater em retirada.
Acendeu-se a fogueira contra a Europa Ocidental no Norte de África e nos domínios ingleses, franceses e belgas no Centro; hoje é o Gongo e o Norte de Angola; amanhã será o Norte ou o Centro de Moçambique. Tudo, desde as Rodésias aos países da América Central, irá na voragem, se se não acordar a tempo, nesses países que se arvoram em luminares da orientação mundial, e vão evitando a cara dos seus pequenos defensores.
Sr. Presidente: nesta hora grave da vida portuguesa recordo palavras de previsão pronunciadas em Moçambique pelo Dr. António Júlio de Castro Fernandes, ao tempo presidente da Comissão Executiva da União Nacional. Segundo elas, a observação da estratégia política das nações podia bem levar-nos a não esperarmos grande auxílio; podíamos achar-nos sós, ou quase sós, na defesa do ultramar.
Na verdade, está-se na Inglaterra perante a avalancha do laborismo, parente consanguíneo de outros «ismos» do oriente; na América, perante o receio do Congresso por um lado, pelo outro perante o namoro a novas nacionalidades (digo nacionalidades porque não devo dizer nações). O abandono dos aliados e dos amigos parecia já não significar o mesmo que nos tempos em que a ajuda destes era necessária. Um jornal da Rodésia anunciava mesmo que as entidades responsáveis de Londres - consultadas para o efeito - impediam a celebração de compromissos de carácter militar com o Governo Português para a defesa mútua dos territórios africanos, com o fundamento de que o estatuto de domínio conferido à Federação obrigava esta aos articulados de carácter militar da defesa conjunta do Império Britânico.
O peso das nossas razões, a coragem e firmeza da atitude do Governo na nossa representação internacional, as medidas de protecção das nossas províncias, felizmente em curso, o heroísmo dos portugueses de todos os credos e de todas as cores no Norte de Angola, a perfeita e incontestável unanimidade manifestada pelo povo português em todo o período eleitoral, demonstrada em votação activa, numa afluência que bem atestava quanto todos sentiam que chegara o momento de se decidirem e não podia de forma alguma ser ignorada lá fora, as palavras de ânimo, de ponderada decisão, que por toda a parte pronunciou o Ministro do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, as suas providências legislativas e administrativas, a coordenação entre a defesa e a administração pela concentração de poderes, a remessa das forças da ordem, a mensagem de Ano Novo de S. Exa. o Sr. Presidente da República e as palavras de justiça vigorosa de S. Exa. o Presidente do Conselho aqui pronunciadas em 3 de Janeiro e cujos ecos são marteladas na consciência dos políticos estrangeiros e desarmam o poder de descobrir fórmulas, modalidades ou compromissos, todas estas clamorosas manifestações de um povo que quer continuar a viver inteiro, e não cortado aos bocados, ao talante de tutores que só são firmes quando pensam em destruir, constituíram barreira ao passo avassalador das ambições vermelhas de Leste e apontaram o caminho aos indecisos ou aos manobreiros do Oeste.
De desejar é que continuemos, mas com redobrado esforço, mesmo com sacrifício de muitas das legítimas aspirações do povo metropolitano, a dedicar à defesa do ultramar a primazia nas nossas preocupações administrativas.
Sr. Presidente: vieram-me à lembrança estas palavras perante a coincidência de duas notícias de profundo interesse para a província de Moçambique:
Primeira: da imprensa de Lisboa, de 4 e 5 do corrente, constam referências, algo pormenorizadas, à aprovação que S. Exa. o Ministro do Ultramar concedeu ao projecto das obras de saneamento da cidade da Beira, que compreende aspectos técnicos diversos, entre os quais a luta contra a invasão das águas de maré ao longo do famoso Xiveve, a extravazarem quase diariàmente para as largas faixas marginais e a impedirem a construção civil, e a consequente concentração da cidade, e, por outro lado, o transporte das águas de despejo industrial, doméstico e pluvial directamente para o mar por uma central elevatória.
Devo fazer à Câmara uma reserva: não conhecendo o projecto senão sumàriamente e por informação indirecta, não piso terreno muito firme ao referir-me a ele.
Mas a imprensa contém indicações sucintas, até da forma de angariar as verbas necessárias a execução da obra. E tudo isto constitui motivo de sincero regozijo para a população da cidade, feita de gente activa, generosa e de pronta e firme decisão; é gente que sabe o que quer e cujo vivo bairrismo não constitui apenas prova de vitalidade: resulta de factores evidentes - dado que a cidade se encontra na, foz de um grande rio, é já hoje um porto de grande rendimento, e ansioso por que lhe dêem meios de acção, e testa de ligação para a Niassalândia e Rodésias e da colonização do seu próprio interior, salubre e produtivo, à espera de cada vez maiores elementos humanos e materiais, até de capitais, que permitam o aproveitamento e valorização de concelhos como os do Dondo, Chimoio e Manica - para não citar outros que me não foi dado ainda conhecer, mas onde por certo irei achar um dia a mesma e vigorosa seiva.
Manica e Sofala, a sua capital e a sua gente, são ponto onde é uma esperança, que se situa na ordem dos factores inevitáveis, um rápido surto de desenvolvimento. Pena é que, por força de encargos, ou aduaneiros, ou portuários,- ou ainda fiscais - talvez até municipais -, a vida resulte ali mais cara do que em Lourenço Marques e, notàvelmente, para o consumidor normal.
Do regozijo de que se achará agora possuída a população - após as dolorosas horas de devastação por que passou durante a marcha do tufão - quero aqui dar parte à Câmara e, pela decisão tomada, apresentar a S. Exa. o Ministro do Ultramar e a S. Exa. o Governador-Geral de Moçambique o meu reconhecimento e aplauso em nome da gente da Beira.
Uma característica hipotética trazia preocupada a população quanto ao assunto quando me ausentei para junto de VV. Exa., e era ela que uma obra de tão vasto alcance, cuja importância vai situar-se na ordem dos 150 000 000$, viesse a ser cometida a uma só empresa ou grupo industrial, sem concurso público, de mão beijada, ou em concurso que logo nos seus articulados trouxesse as premissas de um rótulo. Isto correria o risco de desprestigiar os órgãos da Administração ou a corporação administrativa local e de terem as
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garantias de segurança, eficiência prática, duração, rapidez na execução dos trabalhos, de se refugiar na honestidade ou isenção de quem decida a forma dos contratos ou coordene a fiscalização. E este risco fatalmente havia de conter em si sementes de desânimo. Uma solução que o povo tivesse de olhar como monopólio ou favor constituiria fraco prémio ao entusiasmo esperançoso com que toda a região de Manica e Sofala acorreu às umas em apoio do Governo que a defendia.
A passagem de S. Exa. o Ministro do Ultramar pela Beira, num momento crítico, em que em todos os peitos ardia a indignação e a expectativa da invasão da província irmã, foi uma verdadeira lufada de ar fresco; falaram pela sua boca, pensaram pela sua cabeça, e sentiram pelo seu coração de português muitos milhares de almas generosas de, todas as cores e feitios. Bem pode dizer-se que soube, com a sua clareza, dinamizar um portuguesismo nato e até em vias de expressão activa.
A honestidade de Sua Excelência, que tem no Exmo. Sr. Governador-Geral, almirante Sarmento Rodrigues, perfeito equivalente, atrevo-me a confiar estas preocupações do povo, que, indubitàvelmente, reconheceu já que o resto da comunidade portuguesa lhe dedica todo o seu carinho, e deste lhe entrega provas concretas, pela mão dos dois grandes portugueses.
A outra notícia, de indiscutível mérito na apreciação, é a da visita de Sir Roy Welensky, presidente do Conselho de Ministros da Federação das Rodésias e Niassalândia, à nossa província de Moçambique. Levam-no ali, na expressão do noticiário, interesses de permuta económica, da amizade e compreensão do povo rodesiano à nossa presença, e não sei se mesmo o estudo das possibilidades de uma conjugação de esforços no campo da defesa comum. Oxalá que através da visita de Sua Excelência possamos também nós colher as provas expressas do apreço que felizmente nos dedica o seu povo. Angola e Moçambique são pontos chaves na defesa do centro do continente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A nossa defesa, de lugar primacial em todos os esforços ultramarinos e até metropolitanos, abrangendo campos económicos e sociais além dos consignados à ocupação militar, pesa no cumprimento que me atrevo a dirigir a S. Exa. o Governador-Geral e ao Primeiro-Ministro da Federação, que nos visita.
Termino, Sr. Presidente, por onde deveria ter começado: as «marchas do silêncio» com que por toda a parte Moçambique sublinhou a invasão de Goa não deixam margem a duvidar-se daquele povo. Caminhavam todos - até a mais tenra juventude escolar - entre lágrimas de profundo desgosto, tão salgadas como o mar das nossas mágoas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Olívio de Carvalho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: é talvez o professor do ensino secundário o que tem a tarefa mais pesada, de entre todos os graus de ensino. É sobre ele que recaem as maiores responsabilidades, visto que é a ele que a escola primária as transmite ao entregar-lhe crianças no limiar da adolescência para que ele as prepare e entregue à Universidade - e esta queixa-se muitas vezes das suas deficiências. É para ele que a sociedade se volta
quando critica a falta de cultura ou de preparação os jovens alunos dos liceus.
Situado no ponto intermédio do nosso sistema educativo, o ensino secundário, que deve assegurar ainda a sua finalidade própria, é obrigado a receber e a amortecer todos os remoques que lhe vêm dos outros graus.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O papel do professor do ensino secundário é particularmente importante e delicado, em especial no plano técnico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas este plano é largamente ultrapassado pela evolução das ideias em matéria pedagógica e pela evolução social.
A família, por seu lado, exige cada vez mais que a escola a liberte de certas funções para as quais já não tem competência, nem vagar, nem sequer vontade de exercer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A sociedade, cada vez mais especializada e evoluída, reclama para a servir indivíduos de competências cada vez mais precisas e aprofundadas, mas também indivíduos dotados de uma vasta cultura geral e de uma formação moral elevada, de um carácter capaz de se projectar do plano individual sobre os planos profissional e social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora o que está a passar-se nos liceus no que respeita ao recrutamento do pessoal docente tem tomado ùltimamente aspectos tão graves, com tendência para se avolumarem, que é forçoso, e urgente denunciar um estado de anomalia que, a não se remediar, trará as mais desastrosas consequências na preparação e formação da juventude.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na realidade, se para todas as profissões específicas se exige preparação adequada, como pode admitir-se que a grande maioria dos indivíduos que actualmente exercem o ensino nos liceus não possuam a habilitação pedagógica para o exercício da função docente?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta situação, que tende a agravar-se de dia para dia, deu origem a um desequilíbrio funcional no recrutamento do pessoal docente, de tal modo estranho que os professores diplomados com o Exame de Estado estão a constituir excepção dentro de cada liceu,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... pois o seu número é muito inferior ao dos indivíduos que exercem o professorado na qualidade de professores de serviço eventual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Mas, porque faltam professores?, pergunta-se. A resposta é simples. Em primeiro lugar, há uma razão de ordem económica. A remuneração não é compensadora e hoje ninguém procura profissões que não sejam rendosas ou com possibilidades de virem a sê-lo. O professor vê a sua actividade limitada exclusivamente à função docente, sem outras perspectivas que possam possibilitar-lhe outros proventos.
Mas outras razões podem aduzir-se para explicar o fenómeno. A carreira não é aliciante, pelo desprestígio em que caiu, mercê de circunstâncias várias, entre as quais avultam as que têm sido assinaladas na imprensa e que em síntese vamos dar pela palavra do Dr. Túlio Tomás, actualmente inspector do Ensino Liceal: «Que papel desempenham hoje os professores liceais na vida pública portuguesa? Não me parece que seja de grande relevo»; e comenta em tom de amarga ironia: «Parece que o exame de admissão ao estágio, o estágio subsequente e o Exame de Estado lhes vedam, automàticamente, caminhos que poderiam seguir, se se tivessem deixado ficar pela licenciatura. Ora o prestígio é uma compensação barata, pois não depende do orçamento do Estado. Nem por isso deixa de ser muito importante, porque é uma das que influem mais poderosamente no interesse que possa merecer a profissão. Mas não deve ser impossível fazer alguma coisa por elevar o prestígio de uma classe respeitável e honesta, que, periòdicamente, é alvo público de suspeitas acintosas, insultos disfarçados e acusações de incompetência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não conheço outro serviço público que seja mais mexido por tantos e de que se faça tão completo estendal, com a mais tranquilizadora das irresponsabilidades».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que aí fica dito é uma verdade flagrante e explica em boa parte o desinteresse pela profissão. Enquanto se não dignificar a função docente do professor, criando-lhe prestígio social e ambiente favorável ao desempenho da sua actividade pedagógica, que lhe permita exercer uma verdadeira acção formativa da juventude, não será fácil aliciar novas unidades docentes.
Os professores efectivos que actualmente roçam pelos 40 a 50 anos estão a tornar-se dos mais antigos e as brechas vão ficando abertas pela falta de concorrentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que destino espera aquele que se atreve ainda assim a seguir a carreira de professor do liceu? Concluída a licenciatura, terá de enfrentar um exame de admissão ao estágio que o obriga a dois anos de trabalho sem qualquer remuneração. Após o Exame de Estado, que lhe confere a habilitação pedagógica indispensável, é nomeado professor agregado, categoria em que poderá permanecer, muitos anos, u espera de vaga que lhe dê acesso à de professor auxiliar, para, depois desta, alcançar finalmente a situação definitiva de professor efectivo, se tiver a sorte de apanhar vaga. Vários professores se encontram há largos anos na situação de agregados, sem quaisquer garantias, pràticamente em pé de igualdade com os professores eventuais, ganhando apenas durante o tempo em que prestam serviço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta situação teima em manter-se e, apesar dos clamores constantes que se têm levantado dentro e fora desta Assembleia, o problema continua sem solução. Parece que o Prof. Leite Pinto, quando Ministro da Educação Nacional, impressionado com a flagrante injustiça da situação em que se mantém esta categoria de professores, se propunha resolver o problema, mas o certo é que, até agora, nada se fez.
É, pois, da maior urgência fazer justiça aos actuais professores agregados dos liceus, considerando-os num quadro em que possam receber os seus vencimentos durante doze meses, uma vez que se encontrem em exercício, enquanto se não resolve definitivamente, por um novo reajustamento de quadros, a sua categoria, com os encargos inerentes a um serviço permanente e anual.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - A situação é humilhante, é vexatória e não dignifica o organismo que mantém tal regime de retribuição de serviços prestados por funcionários a quem foi exigida preparação especializada para a função, mormente da importância e da responsabilidade que é a do ensino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece que o nosso país é o único que conserva este sistema, pois, segundo o volume La rétribution du personnel enseignant secondaire, publicado pela U. N. E. S. C. O., em 1954, numa relação em que figuram quase todas as nações do Mundo, incluindo o Laos, o Paquistão, o Ceilão, a Jordânia, o Iraque, etc., Portugal e o único país que não atribui remuneração durante as férias a alguns dos seus professores do ensino secundário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o relatório da comissão encarregada de estudar a unificação dos ensinos ministrados no 1.º ciclo dos liceus e no ciclo preparatório das escolas técnicas, com vista ao aumento da escolaridade primária pelo prolongamento de estudos preparatórios que hão-de preceder os dois ramos de ensino liceal e técnico, é um notável trabalho, que resultou de estudos prévios, de consultas feitas às entidades interessadas, de reuniões preparatórias para a discussão dos assuntos a versar, e constitui um inestimável estudo, com base científica e pedagógica, como já tivemos ocasião de pôr em relevo noutra altura; é um trabalho sério e consciencioso pela sua objectividade, profundo pela análise exaustiva do assunto, completo pela soma de informações que contém, agora acrescido do projecto de planos de estudo e respectivos programas. Mas, para a execução desse plano de estudos, que se impõe e é urgente realizar, são necessários professores. Enquanto os não tivermos em quantidade bastante e em qualidade satisfatória não é de aconselhar essa experiência, que poderá redundar num completo fracasso.
Nesse relatório dá-se especial relevo à preparação e formação de professores nos seguintes termos: «Os problemas relativos ao pessoal docente mereceram o inte-
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resse especial da comissão, que os considera de importância fundamental, acima de todos os outros, para a eficiência de quaisquer planos de realização no ensino do ciclo. Um quadro de professores competentes, actualizados e progressivos, entusiastas, activos e empreendedores, respeitados e prestigiados, satisfeitos na sua profissão e dela orgulhosos, deve ser um objectivo a ter sempre em vista como factor essencial de qualquer organização escolar, para que esta possa realizar os seus objectivos.
A Sra. D. Custódia Lopes: - Muito bem!
O Orador: - O espírito do professor e a sua capacidade pedagógica constituem os valores supremos em qualquer organização educativa. Entre a geração que está e a que chega os professores têm de assegurar a permanência dos valores intangíveis da nossa civilização e de preparar a incorporação de novos valores e formas de pensar que hão-de constituir a contribuição da geração que lhes está confiada».
Posto o problema nestes termos, e nem poderia ser de outra forma, resulta que a primeira tarefa a realizar sem demora é a de formar professores capazes de tornarem eficiente o plano de estudos do ciclo preparatório e, consequentemente, os dois ramos de ensino que dele derivam: o liceal e o técnico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Serão necessárias centenas de professores. Onde ir buscá-los? As perspectivas que de momento se nos apresentam são bem precárias. No que respeita ao ensino liceal, o número de professores que concluíram o Exame de Estado nos últimos três anos é escassíssimo para as necessidades actuais: em 1959 saíram dos três liceus normais apenas 47 novos professores (26 do sexo masculino e 21 do sexo feminino); em 1960, o número desceu para 43 (sendo 20 do sexo masculino e 23 do sexo feminino); em 1961, o número continuou a baixar, com 42 professores (16 do sexo masculino e 26 do sexo feminino). Assiste-se a um decréscimo bastante desanimados, sobretudo na concorrência de homens ao estágio, pelo que o problema tem de ser revisto à luz de uma realidade que não pode ser falseada nem iludida, sob pena de ruir todo o sistema planeado e de se comprometer a educação das gerações que temos de entregar à Nação aptas e válidas para as tarefas que terão de realizar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Perante esta triste realidade, é urgente pensar-se numa vasta campanha de aliciamento junto dos jovens que terminam o 2.º ciclo dos liceus, de modo a informá-los das vantagens da profissão, dos ideais que ela comporta, da importância que incumbe ao professor na formação das camadas juvenis e, enfim, recorrer a todos os meios possíveis e susceptíveis de entusiasmar os rapazes na escolha da profissão de professores do liceu e ensino técnico. Mas, para que a juventude dos liceus possa enveredar pela carreira do ensino, impõe-se necessàriamente o estabelecimento de condições favoráveis a esse aliciamento.
Diga-se de passagem que, se neste momento se encontrasse o processo ou a forma de aliciar um número apreciável de jovens para o ensino, só dentro de uma década, na melhor das hipóteses, teríamos a primeira camada convenientemente preparada. Com efeito, após o exame do 5.º ano, o aluno que se decidisse pelo ensino teria ainda dois anos no 3.º ciclo e cinco na Universidade, com mais dois anos de estágio.
Isto prova que o problema é urgentíssimo e tem de enfrentar-se com decisão.
Como ponto de partida para a campanha de aliciamento para o ensino liceal, deverão criar-se incentivos que levem os actuais professores eventuais a encaminharem-se para o estágio. Para isso, deverá, estabelecer-se um subsídio que permita ao estagiário suportar os encargos da sua manutenção durante dois anos. Cremos que a maior dificuldade no acesso ao estágio reside principalmente em razões de ordem económica. O licenciado prefere concorrer às vagas de professores eventuais, porque sabe que os agregados não têm mais garantias nem melhor vencimento, e vai-se deixando ficar, transformando uma posição transitória em situação definitiva, visto que o Estado precisa dos seus serviços todos os anos.
Enquanto se não reorganiza o sistema de funcionamento doa liceus normais, conceda-se ao estagiário a faculdade de poder tomar a seu cargo a regência de metade das horas semanais normalmente atribuídas a um professor em regime de serviço eventual. Desta maneira terá ele uma compensação, embora modesta, sem encargos para a Fazenda, visto que a despesa será comportada pela verba destinada aos professoras de serviço eventual. O ensino beneficiará com esta medida, até porque o estagiário poderá ensaiar nas suas aulas, sem a assistência do metodólogo, métodos e processos de ensino e valorizar o seu estágio. Será mesmo muito mais lógico confiar os alunos ao estagiário que, tendo sido professor eventual, foi aprovado no exame de admissão que entregá-los a professores eventuais que, submetidos a esse exame, ficaram excluídos e voltaram a exercer a sua actividade no liceu onde estavam colocados. A argumentação de que os trabalhos do estágio não comportam tal acumulação só é válida na medida em que o estagiário se considerar incapaz de conciliar as duas tarefas.
Sr. Presidente: todos os anos, na abertura do ano lectivo, surgem dificuldades em prover as vagas de professores de serviço eventual, dado o aumento cada vez maior da frequência escolar. Há liceus que se mantêm sem professores durante semanas, por não se encontrarem nem sequer concorrentes com as habilitações mínimos para o exercício da função docente; e já não falo naqueles que aceitam serviço de disciplinas em cujos matérias são pouco mais do que leigos, para não dizer analfabetos. O número de agentes de ensino, mesmo de serviço eventual, com a licenciatura é bastante inferior às necessidades, sobretudo nalguns grupos. No presente ano lectivo cerca de 50 indivíduos prestam serviço eventual do 2.º grupo, sem a respectiva licenciatura. Nos liceus do ultramar a falta de professores é mais confrangedora ainda, pois há notícia de indivíduos colocados como professores dos liceus apenas com o 7.º ano. No último concurso para preenchimento de vagas de professores efectivos do ultramar apenas concorreram dois candidatos, não sei mesmo se com Exame de Estado, visto que podem concorrer a professores contratados só com a licenciatura e nestas condições se encontra a maioria, sobretudo em Angola.
Ora, este estado de coisas é simplesmente desolador, mas é necessário encontrar soluções, embora transitórias, que ajudem a resolver estas dificuldades. Nos liceus das ilhas e nos do ultramar recorreu-se já ao
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sistema de horas extraordinárias. Se esta foi a solução imediata para ocorrer à falta de professores, porque não é aplicado o processo aos liceus do continente?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um serviço complementar de quatro a seis horas semanais poderá ser atribuído aos professores diplomados com Exame de Estado que assim o desejarem. Esta medida trará grandes vantagens para o ensino, dada a competência de professores especializados nos seus respectivos grupos, visto que o suplemento de horas extraordinárias sairá da verba destinada aos professores de serviço eventual. Se cada professor com Exame de Estado quisesse tomar a seu cargo cinco a seis horas semanais de serviço extraordinário, quatro professores dispensariam um professor eventual.
Sabemos que nem todos os professores concordam com esta solução, mas a maioria aceitaria de bom grado este serviço, que nunca seria obrigatório. Teremos de enfrentar realidades e, não sendo possível, no momento grave que o País atravessa, encontrar a fórmula ideal para resolver o problema, forçoso se torna procurar um caminho que ajude a atenuar as dificuldades que se agravam de ano para ano, com os inevitáveis prejuízos para o ensino.
Sr. Presidente: para concluir, resumirei em articulado as medidas de emergência que me parecem urgentes e necessárias para atenuar a falta de professores dos liceus. Elas correspondem, nas suas linhas gerais, ao pensamento da maioria dos reitores e professores que, em artigos publicados em revistas de pedagogia ou noutras publicações, têm tratado do problema:
1.º Execução de um plano de propaganda junto dos alunos dos liceus que terminem, o exame do 2.º ciclo e pretendam prosseguir estudos universitários, no sentido de os aliciar para a carreira do professorado liceal;
2.º Atribuição de um subsídio aos estagiários ou distribuição de horas lectivas remuneradas, em regime de prestação de serviço eventual;
3.º Supressão da categoria de professores agregados ou, a manter-se esta designação para denominar os indivíduos habilitados com o Exame de Estado, atribuição de vencimento anual (nas condições dos actuais professores auxiliares), com direito a contagem de tempo de serviço para diuturnidades.
4.º Instituição do regime de horas extraordinárias, até ao limite máximo de seis horas semanais, para todos os professores habilitados com o Exame de Estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Nos precisos termos do Regimento requeira que, pela Presidência do Conselho, me seja fornecida cópia a memória descritiva que antecedeu o projecto do Bairro de S. Gabriel, anexo ao Emissor Nacional Ultramarino, ou das razões justificativas da sua construção.
Igualmente requeira que me sejam fornecidos todos os elementos concernentes ao numero de edifícios e habitações e ainda qual a utilização que nesta data está sendo dada ao referido Bairro.»
O Sr. Pinto Buli: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional: ao usar da palavra pela primeira vez nesta Assembleia, cujos trabalhos auguro que continuem sendo cada vez mais frutuosos, apraz-me apresentar a V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos e saudar o catedrático e parlamentar a todos os títulos ilustre e que com tanto aprumo e competência vem orientando os trabalhos desta VIII Legislatura.
Mestre insigne de direito, político de fino trato, estadista consagrado e parlamentar brilhante, com destacada relevância como leader nas anteriores legislaturas desta Assembleia, tem V. Exa. prestado assinalados serviços à Nação e conquistado a simpatia e a admiração dos seus antigos alunos, dos seus colegas e dos seus amigos, não só pelos dotes invulgares de inteligência e saber como também pela simplicidade do seu trato e pelo vincado patriotismo que tem imprimido em todos os seus actos.
Queira, pois, V. Exa. aceitar as minhas respeitosas homenagens e a afirmação sincera de quanto me agrada colaborar nesta Câmara, sob a orientação de tão ilustre presidente.
Para o Exmo. Deputado Conselheiro Albino dos Reis, que durante quatro legislaturas orientou com brilhantismo e excepcional tacto político os trabalhos desta Assembleia, vão igualmente as minhas homenagens e o testemunho do meu grande apreço pela distinção do seu trato, nobreza do seu carácter e o conforto das suas palavras amigas e de estímulo, sempre escutadas com prazer pelos novos Deputados.
Para o Sr. Deputado Veiga de Macedo, presidente da União Nacional, a quem a Nação muito ficou devendo pelos relevantes serviços prestados na pasta dos Corporações e Previdência Social e cujos trabalhos podem facilitar a extensão de tão importantes benefícios aos portugueses do ultramar, vão também as minhas homenagens e calorosas felicitações pelo acertado agrupamento étnico que conseguiu imprimir na representação dos nossos territórios de além-mar na presente legislatura desta Assembleia.
A todos VV. Exa., Srs. Deputados, dirijo os meus cumprimentos muito sinceros e os desejos de que os trabalhos desta VIII Legislatura se realizem num ambiente de harmoniosa colaboração e compreensão. São ainda decorridas poucas semanas que iniciei o grato convívio com VV. Exa., mas este curto lapso de tempo já me proporcionou oportunidade de verificar quão salutar e vantajoso constituirá o contacto entre os Deputados metropolitanos e ultramarinos, estes últimos representados nesta legislatura por elementos dos diferentes agrupamentos étnicos que constituem o nosso aglomerado multirracial: brancos, mestiços e negros.
Que a experiência seja frutuosa e que da boa e tradicional convivência e coexistência portuguesas se consigam nesta Câmara resultados que confirmem a necessidade de um maior alargamento da comparticipação no mais alto órgão legislativo do País, não só dos naturais do ultramar, como também dos antigos colonos, esses incansáveis obreiros da nossa expansão ultramarina, dignificados pelo valioso contributo na política
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e desenvolvimento da ocupação do hinterland africano e aos quais presto vivamente as minhas homenagens e o meu profundo apreço.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados: procuremos colaborar nesta demonstração da- validade dos nossos princípios e façamos com que por meio de uma política franca, leal e sincera, com base numa igualdade recíproca, se realize uma obra construtiva e, sempre que possível, se tragam ao debate desta Câmara problemas oportunos, de interesse e de realizações imediatas para os nossos territórios do ultramar, alvos da cobiça estrangeira e a verdadeira razão de todos os ataques que nos são dirigidos.
O momento é grave e, a meu ver, só com uma política de verdade, como aliás temos feito, e de resultados imediatos conseguiremos recuperar o tempo perdido e reconquistar a confiança das populações nativas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ponhamos de parte todas as dissenções políticas, se é que elas existem no seio desta Assembleia; cerremos fileiras contra o inimigo que nos espreita a todo o momento e apressemos o passo nas realizações em curso, sobretudo no campo económico e social, pois só assim poderemos chamar à razão as consciências transviadas e consolidar o importante contributo que os nossos briosos soldados e as autoridades administrativas estão levando a cabo com a campanha psicossocial nas zonas onde conseguiram manter ou restaurar a paz e o sossego.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: razões de serviço retiveram-me em Nova Iorque até fins de Dezembro passado, impossibilitando-me, por isso, de tomar assento nesta Assembleia na sua sessão inaugural e nas subsequentes até ao Natal. Fui por isso inibido de dirigir, quando da invasão de Goa, palavras de conforto e de solidariedade ao nosso colega da Índia.
Quero aproveitar a oportunidade para o fazer neste momento, em que ainda estamos vivendo problemas relacionados com aquela província, e, assim, apraz-me testemunhar aos nossos irmãos do Estado da índia quão grande foi a minha repulsa pelo cobarde atentado que esbulhou do património nacional terras tão queridas e que já ocupávamos há mais de quatro séculos e manifestar-lhes a perfeita solidariedade da população da Guiné com todo o mundo português no repúdio do ignóbil acto e na condenação do infame procedimento da União Indiana pelo uso da força contra os territórios de Goa, Damão e Diu, verdadeiros centros de irradiação da civilização cristã nas terras do Oriente.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se ainda hoje é sofrimento doloroso para todos os bons portugueses a perda, temporária que seja, do Estado da índia, mais terá sido ainda para aqueles que directamente sofreram o embate do vil atentado perpetrado e consumado por Nehru, Mehnon e seus sequazes.
Para todos esses portugueses que nas longínquas terras do Indostão souberam cumprir com o seu dever e manter bem alto as tradições lusitanas e para as
populações civis sacrificadas vão as minhas homenagens e o preito da minha muita admiração pelas virtudes demonstradas.
Aproveito a oportunidade para igualmente testemunhar neste momento o meu apreço e prestar as minhas sinceras homenagens aos bravos soldados, às autoridades civis, e à população laboriosa que nas terras de Angola e da Guiné também já sofreram golpes traiçoeiros de militantes estrangeiros a soldo do comunismo internacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: calculo quão difíceis devem ter sido os momentos de dor, de desespero, de patriótica reacção e de perfeita solidariedade por que devem ter passado todos os bons portugueses durante o período da invasão e da verdadeira rapina dos nossos territórios do Estado da índia. Devem ter sido horas de tormento, mas não devem ter ultrapassado em intensidade a dolorosa angústia que os membros da delegação portuguesa à O. N. U: viveram durante esses malfadados dias, em que, ainda com o coração despedaçado pelo rude golpe, tiveram de suportar a convivência nas mesmas salas com os famigerados sequazes de Nehru, entre os quais se destacava o cínico Krishna Mehnon, que, depois de aquele ter executado a ignóbil proeza que nos roubou essa jóia tão preciosa que é Goa, teve a coragem, a ousadia e o desplante de se apresentar naquele areópago ainda com as mãos manchadas de sangue português derramado no Estado da Índia. Não quero lembrar-me desses dias tão negros da nossa permanência em Nova Iorque.
Mas, Srs. Deputados, como se isso não bastasse para nos torturar, ainda tivemos a desdita de tomar parte nas duas celebérrimas sessões do Conselho de Segurança onde foi debatido o caso de Goa e nas quais, apesar da clara explanação dos factos feita pelo incansável e dedicado chefe da delegação portuguesa, Embaixador Dr. Vasco Garin, refutando as frágeis alegações do representante indiano e comprovando a agressão sem provocação e o ultraje aos princípios da Carta e do direito internacional que a União Indiana acabava de praticar, ninguém nos quis compreender e, pelo contrário, houve quem nos quisesse condenar.
Sim, Srs. Deputados, quando da reunião do Conselho de Segurança, em 18 de Dezembro, para analisar o ataque armado contra os territórios de Goa, Damão e Diu, e depois de o delegado português ter solicitado as providências imediatas para o cessai fogo e a retirada das tropas indianas que já se encontravam no nosso território, apareceram quatro potências (Rússia, República Árabe Unida, Ceilão e Libéria) a contrariar os nossos legítimos direitos e a pedir a nossa condenação como responsáveis e até como provocadores do incidente! Apreciem, Srs. Deputados, até onde chegou a ousadia dos nossos inimigos! E se não fossem os lampejos do bom senso ainda existentes naquela Torre de Babel que é a O. N. U. essa histórica moção, que alguém chegou a classificar do documento mais abominável forjado nas oficinas da O. N. U., teria sido aprovada. Felizmente não passou de mais uma demonstração da harmonia entre os componentes do quarteto que actua naquele Conselho sob a batuta do maestro Zorine, mestre das oportunidades e que se distinguiu mais uma vez nessa mesma sessão com veto, com que contrariou a adopção da moção apresentada pelos Estados Unidos, Inglaterra e outros países para o cessar fogo e a retirada das tropas indianas do território português. Srs. Deputados, após um pequeno intervalo entre esse primeiro acto do descalabro das organizações unidas - ou melhor, desunidas! - acaba de terminar o pri-
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meiro quadro do segundo acto, com o debate da questão de Angola, consequência do relatório da Comissão dos Cinco, e que culminou com a votação quase em massa a favor da moção afro-asiática.
Da lição extraída do resultado negativo do último Conselho de Segurança, que se ocupou do caso de Goa, pudemos constatar não só a ineficácia da O. N. U. para solucionar problemas de certa transcendência como igualmente nos certificámos da apatia das grandes potências, como a Inglaterra e os Estados Unidos, que se deixaram vencer às portas de Goa, sem conseguirem sustar o avanço das tropas de Nehru, graças à fragilidade da tardia actuação que encetaram!
Os resultados da votação da assembleia geral da O. N. U. sobre o momentoso problema de Angola deixou-nos algo preocupados, porque, apesar de o conteúdo da moção afro-asiática ser mais moderado do que o da búlgaro-polaca, ela não esconde que as hostilidades contra nós aumentam de dia para dia. A experiência de três anos de O. N. U. dá-me esta certeza.
A aprovação da moção por 00 votos contra 2 (Espanha e África do Sul) e apenas com uma abstenção (França) é sintomática e carece de cuidadosa apreciação e meditação por parte dos bons portugueses. Entretanto não é caso para perdermos a confiança em nós nem a esperança de uma possível reviravolta das consciências, desde que efectivamente se ponham em execução as medidas ùltimamente promulgadas.
Perante este resultado é caso para se inquirir: onde estarão esses bons amigos de Portugal? Qual será o verdadeiro apoio que para o futuro poderemos esperar de países amigos como a Inglaterra, Estados Unidos, França, Bélgica e o Brasil?
Existirão de facto razões tão fortes que façam esquecer à nossa velha aliada os tratados de 1642 e 1661, ratificados em 1899 e até hoje sem qualquer renúncia de ambas as partes?
Terão os Estados Unidos esquecido tão depressa os vultosos benefícios morais, materiais e políticos que, sem qualquer hesitação e num momento que poderia ter sido de funestas consequências para nós, lhes dispensámos com a cedência das bases dos Açores?
Terão a França e a Bélgica esquecido a boa companhia que lhes fazemos na N. A. T. O. e as relações de boa vizinhança que outrora mantivemos em África?
Terá o Brasil dificuldades em compreender o fenómeno português em África ou as vantagens da interpenetração racial que vimos preconizando e realizando há séculos e em todos os continentes por onde passámos?
E a Rússia, quando fala do caso português, pensará duas vezes na verdadeira colonização que está praticando nesta desarticulada Europa e no neocolonialismo que pretende estabelecer em África?
Não tenho respostas para estas interrogações que neste momento invadem o meu espírito e estou em crer que só a história nos dará um dia a chave de todos estos enigmas que atormentam a humanidade.
Felizmente, meus senhores que existe uma Espanha, essa Espanha amiga e compreensiva...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... a respeito da qual nenhuma interrogação há a fazer, mas, pelo contrário, há que pùblicamente prestar cordial e sincero reconhecimento pelo firme e persistente apoio que vem dispensando à nossa causa e aos nossos delegados. Bem haja!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, a moção afro-asiática aprovada pela assembleia geral das Nações Unidas, embora moderada, ainda é hostil contra. Portugal e propõe abordar problemas que só a nós compete resolver.
Entretanto uma leitura mais atenta entre o texto aprovado e o do projecto inicial mostra-nos que para já se processou certa moderação na agressividade dos nossos inimigos, com a eliminação do § 7º, que preconizava a rápida ascensão do povo angolano à independência.
Esta vitória deve-se certamente à firmeza da posição assumida por Portugal e à sábia actuação da nossa diplomacia, superiormente orientada pelo ilustre titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, secundado pelo incansável labor do chefe da delegação portuguesa, ambos conhecedores profundos dos segredos e das chicanas da O. N. U.
Gostosamente presto as mais vivas homenagens e o preito da minha elevada consideração e admiração tanto a S. Exa. o Ministro dos Negócios Estrangeiros,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... Dr. Alberto Franco Nogueira, como ao Embaixador Dr. Vasco Vieira Garin, homenagens que torno extensivas a todos os demais membros da delegação, meus antigos companheiros de luta, e que com entusiasmo e patriotismo sempre procuraram defender, o melhor que souberam, a posição de Portugal durante estes longos seis anos da nossa participação nas reuniões da O. N. U.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados: S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, disse no seu histórico discurso de 3 de Janeiro findo: «Pois que não aceitamos a validade do facto consumado; a questão de Goa não terminou; pode dizer-se, com verdade, que é mesmo agora que começa», e a clareza da sua exposição deixou no espírito de todos que tivemos a honra de o escutar a certeza de que ele não abdicava da esperança de que Goa voltaria a ser portuguesa.
O Governo submeteu oportunamente à apreciação desta; Assembleia a proposta de lei transferindo para Lisboa o Governo do Estado da Índia e os respectivos órgãos de administração, proposta que mereceu o parecer favorável da Câmara Corporativa e das Comissões do Ultramar e de Redacção e Legislação e foi aprovada por unanimidade na última sessão desta Assembleia.
Parece, pois, que todos estamos de acordo em que se assegure o funcionamento dos órgãos de governo do Estado da Índia nas circunstâncias actuais.
Sendo assim, porque não se tenta salvaguardar também a perenidade e as tradições da velha Escola Médico-Cirúrgica de Goa, que nos deu valores profissionais e intelectuais de alta categoria como Froilano de Melo, Pacheco de Figueiredo, Roberto Frias, Gama Pinto e tantos outros que marcaram posição de destaque tanto na metrópole como no ultramar e alguns até com larga projecção internacional?
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Porque não sugerirmos no Governo a promulgação de medidas legislativas transferindo imediatamente aquele estabelecimento de ensino superior para Angola ou Moçambique e aproveitar todo o seu corpo docente, que assim teria possibilidades de se escapar às inevitáveis tentações de pressões da União Indiana?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As nossas províncias de Angola ou Moçambique muito ficariam lucrando com a medida e o Governo poderia assim proporcionar novos horizontes à juventude ultramarina e activar para já a formação de médicos para o quadro do ultramar, de há um tempo para cá tão falho de unidades de trabalho, dado que a escassez de licenciados em Medicina pelas Faculdades da metrópole se está sentindo cada vez mais, com enormes prejuízos para uma completa cobertura sanitária dos nossos territórios do ultramar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para mais, Srs. Deputados, a Escola Médica de Goa, como bem disse nesta Câmara o nosso colega e distinto professor universitário Melo Adrião, «... para além dos homens, acima do valor científico e expressão técnica que revela, representa a invocação de uma cultura de manifestação firme do desejo da comunidade portuguesa, em formação igualitária e fraternal».
A sugestão da transferência poderia partir desta Câmara e deixar-se-ia ao Governo a verificação da oportunidade ou não desta medida e a escolha, entre as duas províncias ultramarinas indicadas, da eleita para fiel depositária das tradições da Escola Médica de Goa.
Estamos certos de que nesta hora de verdadeiro sacrifício que estamos vivendo muitos ilustres professores extraordinários e distintos assistentes das nossas Faculdades, e que aqui dificilmente poderão ter acesso rápido às respectivas cátedras, se prontificariam a colaborar nesta cruzada e voluntàriamente se ofereceriam para ir preencher algumas lacunas que se verificassem nesta 1.ª fase da instalação da Escola.
Não se relegue a solução de todos estes problemas sòmente ao Governo, que nesta altura tem problemas transcendentes e encargos enormíssimos com a defesa nacional.
Haja quem em Angola ou Moçambique tome a iniciativa de organizar uma verdadeira campanha pró-Universidade e desde que todos queiram colaborar nesta grande obra, auxiliando-a com um dia dos respectivos salários ou vencimentos, depressa se reunirão os indispensáveis fundos para o apetrechamento da referida Escola Médica.
Aqui fica a sugestão, e onde quer que se inicie a campanha terei muito gosto em contribuir com um dia da minha gratificação como Deputado na Nação.
O Sr. Burity da Silva: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: quis o eleitorado da Guiné que fosse eu o primeiro filho daquela província a tomar assento nesta Câmara como representante da sua terra natal. Senti-me sobremaneira honrado com a distição, apesar de bem conhecer as dificuldades do cargo na presente conjuntura, e tudo farei para não desmerecer a confiança em mim depositada.
Na qualidade de Deputado pelo círculo da Guiné quero nesta minha primeira intervenção saudar todos os portugueses tanto da metrópole como dos demais territórios ultramarinos e afirmar ao Governo da Nação o incondicional apoio e a absoluta confiança da população da Guiné nos destinos da Pátria e na elevada e firme orientação do Governo neste momento crucial da nossa sobrevivência.
Quero igualmente, nesta hora de incertezas e em que os nossos territórios ultramarinos constituem o alvo escolhido pelas hordas do comunismo internacional, afirmar o acendrado portuguesismo das populações nativas da Guiné, o seu acrisolado patriotismo e a sua completa fidelidade à Mãe-Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A pressão exterior é cada vez mais forte, as tentativas de subversão cada vez maiores, mas, firme como uma rocha e consciente dos seus deveres, a população da Guiné vai resistindo ao embate dos inimigos de proveniência comum, mas com bases e tácticas diferentes nos dois territórios vizinhos que envolvem geográfica e ètnicamente aquela nossa província.
Mas hoje, como no passado, os guineenses são e querem continuar a ser portugueses, e pela integridade do nosso território estão dispostos a lutar até à última gota do seu sangue.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outra atitude não era de esperar das gentes da Guiné, a primogénita filha deste imortal Portugal das caravelas e berço de heróis como Honório Pereira Barreto, esse grande português africana que já em 1837, e apenas com 26 anos, ascendeu ao elevado cargo de governador de Bissau e depois governador da província.
Este filho dilecto da sempre portuguesa Guiné escreveu verdadeiras páginas de glória que mereciam ser cantadas por poetas ilustres e narradas por historiadores de mérito para servirem de exemplo seguro para a mocidade daquela nossa província nesta hora de incertezas e de indecisões por parte dos mais fracos de espírito ou dos mais ambiciosos. Sim, Srs. Deputados, o exemplo de Honório Barreto, esse grande português negro, mas de coração puro e cujas actividades um historiador da actualidade sintetizou assim: «Normalizou e reorganizou a administração pública, desorganizada e corrompida; bateu ou pacificou os indígenas utilizando forças militares ridículas; promoveu os primeiros ensaios de colonização agrícola; comprou à sua custa aos potentados nativos inúmeros terrenos, principalmente nos rios Cusamansa, de Bissau e de Buba, doando-os a seguir ao Estado; assinou tratados em que os régulos reconheciam a nossa soberania; tentou, desprovido de forças, opor-se à instalação dos franceses no Casamansa e dos ingleses em Bolama, agitando de tal maneira esses casos junto do Governo Central que este agiu oficialmente, ao menos a respeito de Bolama. Em resumo, e sem exagerar, pode dizer-se que, se hoje há uma Guiné Portuguesa, isso se deve em grande parte a Honório Barreto»; repito, o seu exemplo poderia e deveria servir de padrão a todos os filhos da Guiné nesta hora crucial que atravessamos.
Como filho da Guiné, e hoje como porta-voz de todos os habitantes da província, ouso afirmar que ca nobre lição que nos deixou Honório Barreto, de desinteresse
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e valorosa combatividade, perdurará na actual e nas sucessivas gerações ao longo dos tempos, numa manifestação de permanência dos valores morais».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Descoberta em 1446, a Guiné teve períodos de grandes agitações e, pode dizer-se, só em 1916 ficou completamente pacificada, graças ao valoroso militar que foi João Teixeira Pinto.
Acompanhou em passos titubeantes o progresso que surgia nos demais territórios africanos e a primeira sacudidela que teve foi no período governativo do ilustre alentejano e governador distinto que foi Jorge Frederico Torres Velês Caroço e que deixou na Guiné, entre outros benefícios, um bem delineado e executado plano rodoviário.
Outros grandes governadores deixaram vincada a sua passagem na Guiné: Luís Carvalho Viegas, que moralizou os finanças públicas e completou a pacificação de Canhabaque, no arquipélago dos Bijagós, utilizando em grande parte tropas irregulares indígenas, capitaneadas por esses valorosos oficiais de segunda linha, que, através de todos os tempos, vêm demonstrando o seu patriotismo e completa fidelidade à Pátria; Sarmento Rodrigues, o grande governador e realizador, que mereceu o título, muito bem aplicado pelo povo, de «homem que redescobriu e tornou conhecida a Guiné» e cujos trabalhos no campo político, económico e social são de tal envergadura que dariam para uma intervenção completa; Raimundo Serrão, que, além do grande condito que teve em terminar todas as obras e iniciativas do seu antecessor Sarmento Rodrigues, concretizou a criação do Colégio-Liceu Honório Barreto, hoje transformado em liceu, aspiração máxima das gentes da Guiné durante muitos anos; Melo e Alvim, em cujo período governativo foram concluídas a ponte acostável de Bissau e a grande ponte do Ensalmá, que terminou com a penosa passagem na jangada de Nhacra, que tantas vidas ceifou, e teve início a grande obra da asfaltagem da estrada Bissau-Mansoa, melhoramento de grande alcance para a vida económica da província; Silva Tavares, que nos deixou obra de grande envergadura no campo económico e social e procurou sempre, com entusiasmo e compreensão, elevar o nível económico, cultural e social dos populações nativas. Teve ainda este grande governador o condão de fazer desaparecer o mito de que não era possível recrutar entre os civis valores para governarem as nossas províncias do ultramar, e tanto o conseguiu demonstrar que, saído da Guiné, foi pouco tempo depois mandado para a imensa Angola, onde deixou uma obra transcendente; António Augusto Peixoto Correia, o actual governador da província, que vem realizando, apesar das contrariedades próprias do momento difícil que atravessamos, uma obra a todos os títulos notável em todos os sectores, e a quem se deve em grande parte o surto de desenvolvimento da província. Não exagerarei ao afirmar que a integridade territorial e a paz em que tem vivido a Guiné se deve também em grande parte à sua prudentíssima governação, auxiliada, é certo, pela firme presença das nossas forças armadas.
Sem receio de comparação com os territórios vizinhos, a Guiné vem acompanhando o surto do progresso que se verifica em África, e as suas lindas cidades têm sido alvo de melhoramentos modernos e dotadas de meios indispensáveis para facilitar a evolução educacional e técnica da juventude.
Não deixa, porém, a Guiné, como aliás todas as demais províncias ultramarinas e mesmo as da metrópole, de ter os seus problemas, alguns deles carecendo de urgente solução. Estão neste caso os seguintes e para os quais peço a costumada e sempre esclarecida atenção do Governo:
1) Solução o mais urgente possível da questão da colocação do excedente da produção de amendoim e que está levantando certa celeuma nos três sectores interessados: produtor, intermediário e exportador. Estes últimos, alegando que a metrópole não pode receber mais de 40 0OO t desse produto, põem certa dúvida na compra das 20 000 t excedentes ao preço normal sem que lhes seja garantida a sua colocação ou facilitada a sua exportação para o estrangeiro, com benefício de determinadas isenções; os intermediários, em face da incerteza dos exportadores, vêem cerceados os abonos e financiamentos normais e antecipados para poderem comprar ao produtor toda a produção; os produtores, por sua vez, e como sempre os mais directamente sujeitos aos prejuízos advenientes, estão alarmados e, quem sabe, julgando-se até ludibriados com a intensiva propaganda das autoridades administrativas e técnicos agrícolas para uma maior produção, resultado obtido graças também à notabilíssima campanha psicossocial em curso na província.
Este estado de coisas, além do clima pernicioso que cria no interior da província, serve de pretexto para continuados ataques dos nossos inimigos, sempre prontos a lançar mão da mais simples anormalidade verificada na nossa vida interna.
Sei que o Governo tem o assunto entre mãos e está-lhe dispensando um cuidadoso estudo, mas estes problemas, principalmente no momento actual, carecem de certa rapidez, e é por isso, e só por isso, que levo a minha voz junto do ilustre membro do Governo a quem está confiada a resolução deste assunto, na certeza de que tudo fará para, conciliando os interesses de todos, dar imediata solução ao momentoso problema económico e político.
O Sr. Sousa Meneses: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Sousa Meneses: - Tenho estado a seguir as considerações que V. Exa. vem fazendo relativamente ao excedente de produção de amendoim na Guiné e aos consequentes reflexos económico-sociais que têm trazido à província e parece deverem ser considerados, por quem de direito, como extremamente importantes e de solução rápida para que não aconteça o que aconteceu em princípios de 1960, na Baixa de Cassange, com o algodão de Angola. Os casos não serão totalmente iguais, mas parecem-me suficientemente paralelos para que, nesta altura da vida nacional, não se deva transigir com nada que vá afectar a acção de integração e de unidade que todos nós vimos fazendo a bem da nossa pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Muito obrigado pelas palavras de V. Exa. O meu desejo é de colaborar na solução do problema.
2) Um pouco ligado ao problema anterior temos a questão cambial da província e que, de uma maneira aflitiva, vem afectando o desenvolvimento económico e o investimento de novos capitais.
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O problema é de difícil solução devido à importação superior às necessidades locais e que outrora tinha caminho certo para os territórios vizinhos, com a relativa vantagem para a nossa economia, por proporcionarem divisas, que, no entanto, não entravam na circulação por dificuldade de contrôle.
O franco senegalês tem rareado e a verdadeira fuga de capitais, por força da situação que atravessamos, complicou ùltimamente o statu quo e a situação vai de mal para pior. Sei que S. Exa. o Ministro do Ultramar não tem descurado o assunto e parece até que já encontrou uma solução provisória para debelar a crise. Oxalá tudo caminhe depressa e que a solução definitiva também não se faça esperar.
3) Outro problema também ainda ligado à importação e à exportação e que preocupa grandemente as gentes da Guiné é a questão do recente aumento de fretes nos navios que demandam os portos da província e que são tidos como os mais caros do Mundo.
No momento de verdadeiro sacrifício que estamos atravessando só razões muito fortes poderiam justificar este aumento.
O problema está delicado, mas com um pouco de boa vontade das entidades competentes é possível que possa ser melhorado, pelo menos nesta quadra crucial da nossa vida política e económica.
A Junta da Marinha Mercante, que tão bem tem sabido resolver problemas desta envergadura, não deixará certamente de dispensar ao caso da Guiné a atenção que merece.
4) O problema do fomento agro-pecuário numa província com características da Guiné tem uma certa acuidade. Muito se tem feito neste sector, mas longa caminhada há ainda a percorrer. Há que se pensar a sério nos ensinamentos, estímulo e auxílio a dispensar aos nativos e aos colonos para o estabelecimento racional da criação de gado, enfim, a criação de um organismo de crédito para tornar eficaz qualquer iniciativa neste sentido.
O único banco estabelecido na província não concede créditos para estimular estas iniciativas e a Caixa Económica Postal, ao contrário do que acontece por exemplo em Cabo Verde, também não tem este serviço entre as já apreciáveis modalidades de crédito que concede.
O Sr. Ministro do Ultramar nas suas visitas a Angola e Moçambique verificou a oportunidade de criação de caixas de crédito agro-pecuário e já estão promulgadas as medidas legislativas que regularão o funcionamento destes organismos de fomento agrícola e pecuário.
Não se poderão estender tão salutares medidas à portuguesíssima província da Guiné? Não será oportuno criarmos ambiente e condições de vida não só aos nativos, mós também à juventude metropolitana, que em cumprimento dos deveres militares se vem adaptando a vida da província? Será utópico pensar-se fazer da Guiné, paralelamente a um aumento de salubridade e elevação do nível de vida dos seus naturais, um local de fixação para colonos cabo-verdianos e mesmo metropolitanos?
5) O magno problema do desenvolvimento industrial do nosso ultramar poderá estender-se até à Guiné? Eis uma resposta que as gentes da Guiné gostariam de ter nesta hora em que todos os bons portugueses devem procurar mostrar ao Mundo que não temem o conluio dos nossos inimigos e que, seguindo o ritmo cadenciado mas seguro que sempre norteou a nossa política, os capitais portugueses chegam e sobejam para dar aos nossos territórios o desenvolvimento económico e industrial de que carecem.
Uma sábia propaganda das autoridades administrativas e dos industriais de produtos líquidos levou os nativos a dedicarem-se intensivamente à cultura da cana sacarina, que hoje já excede as necessidades de tais indústrias rudimentares e até certo ponto prejudiciais no campo social.
Não será oportuno começar a estudar-se a fundo a possibilidade de se transformarem tais indústrias numa açucareira?
Sei que o ilustre titular da pasta do Ultramar pensa fazer deslocar à Guiné uma comissão económica para estudar alguns dos seus problemas mais ingentes. Que este seja incluído no programa são os votos que o Deputado da Guiné faz na sua primeira intervenção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: outros problemas relacionados com o ensino, saúde, assistência social, bem-estar das populações, sobretudo no que diz respeito nos salários, melhoria das condições de nutrição e ao preocupante problema da habitação; política de investimentos e elevação do nível cultural das populações mereciam hoje ser abordados. Não quero contudo abusar da. condescendência de VV. Exas., mas prometo desde já voltar ao assunto depois da próxima visita que tenciono fazer à Guiné aproveitando o primeiro intervalo das sessões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre arrendamento da propriedade rústica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abranches de Soveral.
O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: uso da palavra na apreciação desta proposta de lei sobre arrendamento rústico tão-sòmente para trazer à Assembleia as sugestões e dúvidas que se me suscitam em virtude da minha experiência e que serão apreciadas e atendidas dentro do espírito que as anima e que tão-sòmente é o de tornar a lei mais útil e mais adaptada às realidades de facto.
O exame superficial da proposta em discussão, segundo o texto da Câmara Corporativa, apresenta-nos fogo à primeira vista aquilo que, salvo o devido respeito, classificarei de deficiente designação dos títulos - a qual pode conduzir a interpretações erróneas o leitor desacautelado.
Realmente, e tirando o título das disposições transitórias, que não vem ao caso, a proposta de lei divide-se em dois títulos que se epigrafam: «Do arrendamento rural» e «Do arrendamento familiar».
Pareceria assim que se estatuía um único regime de arrendamento rural extensivo a todo o País, ao qual se abria uma excepção em benefício do arrendamento familiar.
Era efectivamente esse o propósito da primitiva proposta do Governo, e por isso a designação dos títulos estava ali perfeita.
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Mas não nos parece que possa considerar-se efectivamente esse o escopo da proposta da Câmara Corporativa, e por isso nos parecem enganosas as designações derivadas da primitiva proposta para encabeçarem os títulos da proposta nova.
Na verdade, a Câmara Corporativa - a nosso ver bem - repeliu, por ainda inadaptado ao nosso meio, o essencial do proteccionismo familiar que constituía a matéria do título II da proposta governamental.
Dando-se também conta da dualidade do arrendamento rústico efectivamente existente no País, supomos que quis essencialmente consagrar legislativamente tal dualismo na efectivação prática daquele princípio de justiça que manda tratar por forma diferente o que diferente é na vida real.
Há realmente dois tipos diferentes de arrendamento no nosso país, consoante se trata de regiões minimifundiárias ou latifundiárias.
Nestas predomina o arrendamento de tipo comercial ou industrial, em que o rendeiro, explorando grandes propriedades com trabalhadores assalariados, procura fazer render da melhor forma o capital que investe na exploração; naquelas o caseiro procura obter melhor compensação para o seu trabalho pessoal e dos seus familiares.
Um não pode arrendar sem capital; o outro arrenda porque não tem capital.
São estes, grosso modo, os traços basilares que informam e distinguem os dois tipos de arrendamentos nacionais, não obstante a diversidade infinita dos pormenores; e é em função delas que se há-de estabelecer o regime jurídico respectivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De harmonia com o enunciado supomos que se quis orientar- a proposta no sentido de criar, no título I, o regime geral tende em vista o primeiro tipo de arrendamento, a que chamaremos o do rendeiro-capital, e reservando o título II para as alterações que se revelaram ou revelem indispensáveis para adaptar aquele regime geral ao arrendamento do caseiro-agricultor da parte minimifundiária do País.
Realmente, desde que se repeliu o proteccionismo familiar proposto pelo Governo, por carecido de melhor estudo, não há razão alguma pura mutilar a essência do pequeno arrendamento rural do Norte, restringindo-o apenas ao tipo familiar, quando efectivamente ele deve abranger todo o tipo de arrendamento em que o rendeiro aplica o seu trabalho próprio, seja ou não acompanhado de família.
Desta sorte, deveria modificar-se a designação do título II da proposta, por forma a definir perfeitamente o conteúdo e função de tal título, por exemplo, «Do arrendamento ao cultivador directo» ou outro equivalente.
Em complemento, e na sequência deste raciocínio, que se aplica apenas ao pequeno rendeiro, porque só ele nos interessa nestas considerações, mais entendemos que se deverá modificar a redacção da base XXII por forma a torná-la mais explícita, vincando o verdadeiro campo de acção deste título.
Bastará para tanto substituir a parte final daquela base na forma que será objecto de uma proposta de alteração.
Quanto à matéria contida na base XXIV, suponho que devia ser pura e simplesmente eliminada por teòricamente infundada e perigosa ou ineficaz na sua aplicação prática.
Infundada, porque, baseando-se num projecto de lei que Deus fará, parte de um pressuposto jurídico que não existe ainda e que não creio que venha a introduzir-se na lei: o de responsabilizar o senhorio pela falta de produção do prédio.
Ineficaz e perigosa na prática, porque não vemos comovo tribunal possa decidir com justiça, nos moldes acanhados desta base, o problema complexo, melindroso e de alta indagação suscitado com a devida largueza na base X.
Não, não vemos razão para uma disposição legal desta índole, numa excepção odiosa ao estatuído naquela base X.
É que de duas uma: ou a perda da colheita resulta de autêntica calamidade pública a que o Governo deve já acorrer com a medida especial imposta pelas especiais circunstâncias, ou a perda resulta de outras causas, e então a disposição da actual base XXIV redundaria em arbitrariedade, com laivos de espoliação, por não haver para o proprietário a compensação no caso de colheitas excepcionalmente abundantes.
De igual modo é de suprimir, pura e simplesmente, a matéria da base XXV, que mereceu os mais ponderosos reparos e justa oposição da parte de muitos dos Dignos Procuradores da Câmara Corporativa.
Como é que se compreende que um arrendatário pelo curto prazo de um ano tenha mais latos poderes de beneficiação que o arrendatário pelo prazo mínimo de seis anos?
Como se aceita, ou se admite, u benfeitoria de um arrendatário que, por falta de capital, utiliza o seu trabalho?
E o que é infinitamente mais grave - qual é o critério por que se há-de aferir o aumento de valor resultante da benfeitoria útil? Pelo critério do trabalhador manual, que beneficia com a multiplicação e variedade de culturas que lhe absorvam o tempo disponível? Ou pelo do proprietário, a quem manifestamente convirá a monocultura que reduza o trabalho ao mínimo?
Não; o arrendatário por tempo tão breve não tem o direito de fazer benfeitorias sem autorização do senhorio; e se ns fizer por sua conta as faz.
Mas, se acaso assim se não entendesse, se se entendesse que, em inadmissível excepção e ao arrepio do princípio geral estatuído na base XVI, se devia obrigar o proprietário a pagar benfeitorias úteis que não queria, então que o pagamento delas se efectue apenas na medida em que elas determinem um efectivo aumento de renda e por conta de tal aumento.
Pelo que vemos, não há razões algumas que a nosso ver aconselhem ou justifiquem a matéria contida nas bases XXIV e XXV, em chocante contraste com as bases X XVI; e, ao invés, há fortes e decisivos motivos a desaconselharem a permanência delas.
Deve, desta sorte, o conteúdo de tais bases ser substituído com outros assuntos, que a meu ver mereceriam consagração legislativa.
Um deles é a antecedência do despedimento sobre o termo do contrato.
Pelo disposto no n.º 2 da base III o prazo de despedimento é uniforme e será de 60 dias; a verdade, porém, é que esse prazo pode ser demasiadamente curto.
Supomos injusto que o arrendatário que, como tantas vezes sucede, se manteve por largos anos na usufruição de um prédio possa ser despedido no mesmo prazo que o arrendatário adventício, que se mantém na terra pelo transitório prazo de um ou dois anos. Somos de opinião
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que tal prazo devia variar consoante a efectiva duração o contrato: dois meses, se o arrendamento tivesse durado por período não excedente a três anos; seis meses, se houvesse durado de três a dez anos, e quinze meses, se o arrendamento tivesse durado por mais de dez anos.
Outro ponto aqui a estabelecer será o de permitir a possibilidade de incluir, como cláusula expressa destes contratos, a obrigação de prestar determinados serviços agrícolas ao senhorio; é que há muita gente que já hoje faz arrendamentos, para assegurar trabalhadores que lhes façam as culturas dos outros prédios nas épocas próprias.
A principal deficiência, porém, da proposta de lei, e que a nosso ver se impõe remediar, é a do direito de preferência que a proposta do Governo sugeria por forma restrita e que a Câmara Corporativa suprimiu, com uma argumentação que, salvo o devido respeito, considero especiosa e que por forma nenhuma logra convencer-nos. O direito de preferência não se destina, como se insinua, a pôr termo a situações jurídicas inconvenientes ou pouco convenientes.
Hoje em dia a figura jurídica do direito de preferência apresenta extraordinária virtualidade e utilidade jurídica - de sorte que cada vez se estende mais o seu campo de acção -, com pleno êxito e sem qualquer inconveniente.
A lei concede o direito de preferência ao arrendatário comercial e industrial, e jamais nos constou que o arrendamento comercial e industrial seja um inconveniente jurídico.
Ainda há poucos dias esta Assembleia estabeleceu novos direitos de preferência para o Estado, e o artigo 176.º do recente Código da Sisa estatuiu direitos de preferência que não vingariam se se aceitasse a tese que a Câmara Corporativa parece patrocinar.
Tudo isto nos mostra que o direito de preferência pode desempenhar, e vai já desempenhando, as funções mais variadas e da maior utilidade social e jurídica.
É precisamente o caso em discussão.
Não reconhecemos direito de preferência mais sagrado do que aquele que confere ao agricultor a preferência na compra, do prédio que ele fecundar com o seu suor; não é qualquer prédio, como diz, em conceito puramente materialista, a Câmara Corporativa, é aquele prédio.
É mais legítimo este direito do que o do arrendatário comercial ou industrial.
E não nos parece carecer de especial refutação o frágil argumento que pretende que o direito de preferência dificulta a transmissão do prédio e restringe o poder de disposição do proprietário.
Não restam dúvidas no nosso espírito de que o direito de preferência concedido no caseiro traduz alto benefício de utilidade pública e justiça social. A justiça e equilíbrio sociais beneficiarão na medida em que o lavrador-caseiro possa tornar-se lavrador-proprietário. E por isso reputo de alta utilidade pública tudo quanto possa conduzir a tal resultado.
São estas as sugestões mais frisantes que entendo dever pôr à consideração da douta Assembleia.
E, para terminar, uma nota simples.
Verifico cora prazer que o problema agrário tem ocupado as melhoras atenções desta Assembleia!
Só um cego não verá a acuidade e gravidade do problema agrário português. As medidas votadas e a votar são indiscutìvelmente úteis, mas são claramente insuficientes. Há que ver o mal com inteira realidade e resolvê-lo por meio das medidas enérgicos que ele reclama.
Só assim verdadeiramente se servirá a Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: a proposta de lei de arrendamento da propriedade rústica, cujo debate hoje se inicia, insere-se no conjunto das providências legislativas através das quais a Secretaria de Estado da Agricultura pretende agora operar, com eficiência, a reforma agrária do País - de há muito preocupação do Governo, aqui e além exposta e manifestada, e até já, em parte, traduzida em dispersos diplomas legais anteriores, a que, no entanto, as contingências do tempo e da fortuna terão roubado virtualidade prática, reduzindo-os a mera afirmação dos princípios, mais salutares que eficazes, que neles se contêm.
Desta vez, a necessidade cada vez mais acentuada de uma evolução técnico-agrária suficiente para enfrentarmos o concurso da economia agrícola da Europa, em que, mais ano menos ano, nos veremos totalmente envolvidos, a urgência de uma rápida e substancial melhoria económico-social das populações rurais e o surto de louvável dinamismo e corajosa decisão que anima os responsáveis da referida Secretaria de Estado permitem esperar que sorte diversa aguarde, no domínio pragmático, as leis que para tanto vierem a ser promulgadas.
Constituiria imperdoável redundância de quanto já foi dito e escrito bem recentemente a esse propósito insistir nas razões que impõem a profunda reforma de que a agricultura nacional carece.
Mas talvez valha a pena recordar, para sossego dos tímidos e moderação dos audazes, alguns dos princípios que nela têm de estar sempre presentes, para nos não desviarmos dos caminhos da justiça, por onde teremos sempre de avançar, seja qual for o desígnio de acção que nos proponhamos alcançar ou corrigir no sector agrário.
Todos os movimentos económico-sociais, confirmem ou revolvam soluções em prática, devem destinar-se apenas a servir o homem, na sua eminente dignidade de ser com um destino transcendente e eterno, em cuja medida cabem sòmente os méritos e os deméritos pessoais.
A propriedade privada, como essencial condição de liberdade e independência, sem as quais o homem não pode realizar-se, continua a ser fundamental e intangível, sem embargo da sua função social, amplamente ensinada no magistério social da Santa Igreja e abertamente proclamada na doutrina da Revolução Nacional.
A iniciativa privada, como expressão do maravilhoso poder criador do homem, é ainda o maior estímulo e a melhor fonte de todo o progresso humano, cultural, social e económico e força ou autoridade alguma pode substituí-la com vantagem.
No limiar do estudo de uma proposta de lei com finalidade específica também social, e por isso propícia à afirmação de pontos de vista que, pela sua própria natureza, não é fácil enquadrar em zonas de rigorosa delimitação doutrinária, julgo de vantagem invocar estes princípios de meditação benéfica tanto à euforia das esperanças como ao entorpecimento dos receios.
O objecto da proposta de lei é o contrato de arrendamento de prédios rústicos.
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Sem curar de analisar se o direito positivo vigente serviria ao fim em vista, com o retoque de algumas das suas disposições e a substituição de outras, por, quanto a esse aspecto, parecer unânime a opinião da necessidade de uma inovação integral que capte e instaure os novos conceitos que, no mundo do social, e do económico, tendem a informar a relação jurídica proprietário-arrendatário, sem de tal curar, repito, a um profissional do direito logo surge o problema da autonomia da própria lei proposta, frente à codificação global do nosso direito privado, agora em plena elaboração, com vista ao futuro Código Civil.
Em face da conveniência, da necessidade mesmo, de manter a unidade de todo o direito civil, materializada na sua codificação e expressa nos princípios fundamentais que devem, que têm de servir de base à estruturação de todos os seus institutos, nasce a dúvida sobre a legitimidade da autonomia de uma lei singular sobre matéria cuja natureza parece aconselhar não seja retirada do diploma fundamental, regulador dos relações privadas no seu conjunto unitário.
O presente momento na história do nosso direito civil mais avoluma a hesitação nesta fase em que está já elaborado o anteprojecto do contrato de locação no futuro Código Civil Português, no qual o arrendamento dos prédios rústicos foi precisamente contemplado e em termos, aliás, de cujos princípios se não afastam algumas das bases principais da proposta de lei em apreço.
Para os que entendem - e entre eles me incluo - que urge defender o direito privado na unidade dos princípios que o informam e dos institutos que o constituem, salvaguardando-o de uma nociva dispersão não apenas nos aspectos conceptuais, mas também na facilidade da sua quotidiana aplicação, a autonomia desta lei estaria assim prejudicada.
A sua inserção no futuro Código Civil seria a solução ideal. O contrato de arrendamento de prédios rústicos teria ali o seu lugar adequado no livro dos contratos; com os seus princípios gerais, a sua regulamentação específica, o seu confronto com as outras espécies de contratos mais próximos ou mais diferentes, mas sempre, de algum modo, semelhantes, a ajudarem a uma melhor compreensão, interpretação e aplicação de todos os seus preceitos.
A mim se me afigura também ser essa a solução mais conveniente e a que, vencidas as razões adiante expostas, apreciaria ver seguida.
No entanto, sem dificuldade aceito, até lá, a doutrina da proposta de lei, também perfilhada no parecer da Câmara Corporativa, quando significa optar, para já, para esta espécie de contrato, por uma lei própria, fora do contexto do futuro Código Civil.
É que, apesar dos denodados esforços do grupo de eminentes civilistas que vêm trabalhando na preparação do futuro Código Civil Português, e apesar dos explícitos desejos de S. Exa. o Ministro da Justiça, não se vê que aquele diploma possa vir à luz do dia em tempo breve, em condições de, por ele, se não retardar a urgente reforma agrária do País, cujo processo não pode prescindir de nova regulamentação do arrendamento rural.
Mas publicado ele, parece tudo recomendar que os preceitos em que porventura venha a converter-se a proposta em debate para ali sejam transferidos, cujo contexto, longe de prejudicar o seu entendimento e aplicação, favorecê-los-á, segundo penso.
É certo que o contrato de arrendamento de prédios rústicos, se aparece, na economia da proposta de lei, com traços fundamentais idênticos aos previstos para contrato da locação em geral no futuro Código Civil, apresenta de igual modo uma caracterização específica, provinda do incipiente direito agrário, de marcada acentuação social que de certo modo poderia justificar a sua autonomia legislativa.
Mas erro seria negar ao futuro Código Civil possibilidade de considerar uma tal caracterização com idêntica ou maior amplitude que a usada no texto em discussão.
Por outro lado ainda, do contrato de arrendamento de prédios rústicos se afastam, no teor da proposta de lei, espécies afins que nem sempre, nas realidades da vida, dele hão-de viver longe. E se a vida, nas suas exigências inelutáveis, os aproxima, não se vê vantagem em que os textos legais que os contemplam se ignorem em diplomas mui diferentes.
Quero dizer: a inadiável necessidade de não retardar, por falta de instrumento jurídico adequado, a prossecução da reforma agrária no que ela dependa do novo regime jurídico do arrendamento da propriedade rústica leva-me a admitir a conveniência de, neste momento, em lei própria, à margem do direito civil codificado, se fixarem os novos preceitos do arrendamento rural, em conformidade com a proposta de lei e o parecer da Câmara Corporativa, mas com o desejo de vê-la regressar ao Código Civil logo que este venha a ser publicado.
No que pode o regime jurídico do arrendamento rural contender com a reforma agrária?
Das formas de exploração da terra praticadas em Portugal, o arrendamento corresponde, na média geral do País, a cerca de 25 por cento do seu número total, o que bem exprime, de per si, a relevância e a incidência do arrendamento rural na nossa vida agrícola. Anote-se que este número não dá, contudo a dimensão real do arrendamento na agricultura portuguesa, conhecida a deficiência, para menos, da estatística agrária entre nós.
Mais lamentável ainda é a falta de cifras que refiram a área, mesmo aproximada, correspondente àquela percentagem de número de arrendamentos; pelos elementos conhecidos, é-se levado a admitir que a área arrendada exceda a quarta parte da terra cultivável.
Assim, para a cultura do trigo no triénio 1953-1950 a área explorada em regime de arrendamento foi de cerca de 50 por cento da área total no Alentejo e de cerca de 40 por cento em todo o País.
Relativamente à cultura do arroz, o arrendamento detinha, em 1956, 48 por cento da produção do País, quando em 1949 não ia além de 28 por cento!
No distrito de Évora o arrendamento detém 52 por cento de propriedades médias, 45 por cento de grandes propriedades e 29 por cento de propriedades muito grandes; no de Portalegre estas percentagens são, respectivamente, de 56, 48 e 33 por cento.
Na Cova da Beira ascende a 61 por cento a área arrendada da grande propriedade, e na freguesia de Santo Tirso, que talvez possa tomar-se como possível expressão de uma situação regional, vai até 75 por cento das propriedades o número das abrangidas pelo arrendamento.
Isto é - tanto pelo número de arrendamentos em confronto com os das restantes formas de exploração da terra, como pela área neles abrangida-, o fenómeno repercute-se de maneira incisiva na agricultura nacional.
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O conveniente aproveitamento agrícola da terra portuguesa e o ritmo do seu desenvolvimento estão, assim, em larga escala, dependentes da eficácia do arrendamento como forma de exploração agrícola, e é o condicionalismo jurídico criado ao arrendamento dos prédios rústicos que, por sua vez, liberta ou prende aquela eficácia.
Os estudos feitos e a experiência colhida parecem demonstrar que a deficiente estruturação outorgada ao contrato de arrendamento rural no regime em vigor é também responsável pelo estado improgressivo das terras arrendadas, muito aquém dos índices possíveis de produção - o que, ao fim e ao cabo, redunda em prejuízo da comunidade.
Na proposta de lei em apreço notam-se, por isso, e antes de mais, determinantes agrárias do novo regime do contrato de arrendamento rural: fomentar a produção agrícola e promover a exploração da terra em ordem a um aumento de produtividade é um dos seus primaciais objectivos. Mas aí se supõe que, modificado o regime do instituto, a produção agrícola nas zonas arrendadas beneficie de forte impulso.
Mas, por sua vez, tal escolho depende em larga medida, para não dizer quase exclusivamente, das condições que defendam a posição do arrendatário nas relações contratuais com o proprietário e a defendam em ordem a garantir-lhe a estabilidade e a segurança na exploração agrícola, com o total aproveitamento do seu trabalho e do seu capital.
Esta contingência reconduz o problema a uma visão social que, sem embargo das exigências da justiça, tem de comandar, em última análise, as soluções procuradas.
E estas, tenham a amplitude que tiverem, hão-de ser o sinal de uma orientação que não reforce o edifício capitalista que o liberalismo ergueu sobre a terra cultivada, com base apenas na lei da oferta e da procura.
Esperemos poder contribuir, através das fórmulas que buscamos, para a instauração de um regime de relações donde possamos eliminar a dúvida a que tão impressionantemente alude o Prof. Castro Caldas (in Formas de Exploração da Propriedade Rústica, Lisboa, 1947, p. XVII):
... continua a não se entender se a terra é explorada pelo homem, ou se alguns homens exploram, por meio da terra, os seus mais desafortunados semelhantes.
Daqui a nossa dúvida que sempre nos acompanha: o problema de que tratamos será o das formas de exploração do solo ou o das formas da exploração do homem pelo homem, na vasta oficina da terra cultivada?
Uma das condições basilares da eficiência ora pedida ao novo regime jurídico de contrato de arrendamento rural é, sem dúvida, o prazo mínimo da sua duração.
Na verdade, se pelo arrendamento, em última análise, se busca o melhor aproveitamento da torra, com o seu melhor rendimento, e se este é função da continuidade da exploração agrícola, objecto do contrato, há que garantir a este a duração mínima que a economia agrária repute indispensável ao seu total desenvolvimento.
O investimento de capitais e de trabalho, sob as diversas formas que ele pode tomar, na preparação das terras com vista às rotações das culturas, que se dilatam por ciclos de variável duração, não o fará o arrendatário em termos convenientes se lhe faltar a caução do prazo adequado.
Já se vê estarem condenados em exploração de largo volume os contratos a curto prazo que, determinando a instabilidade do rendeiro, o levam a sistemas de cultivo prejudiciais para a fertilidade da terra e o conduzem a uma poupança exagerada dos meios de cultivo, com o justificado receio de ver-se privado do resultado do seu esforço e do seu dinheiro.
Daqui se infere ainda a necessidade de afastar, neste domínio, a completa, liberdade negociai, das partes, tão do agrado do individualismo.
A norma injutiva fixará o prazo mínimo, procurando o Estado, com a sua intervenção, salvaguardar o interesse de ambos os contraentes integrado no da própria comunidade.
A proposta de lei é, neste aspecto, totalmente inovadora na ordem jurídica nacional, adiantando-se mesmo ao anteprojecto do Código Civil na concretização de princípios ali, é certo, já expostos, mas, quer parecer-me, de forma exageradamente cautelosa.
O prazo mínimo de seis anos proposto pelo Governo e aceite pela Câmara Corporativa para os arrendamentos respeitantes a explorações patronais talvez não seja o mais conveniente a uma reforma agrária como a de que necessitamos, desde que se não prevê a renovação do contrato por mera vontade do arrendatário, ainda que condicionada.
Como acentua o Prof. Henrique Barros, in Economia Agrária, III, p. 644, Lisboa, 1954, «na opinião geral considera-se que só a partir desta duração (seis anos) o rendeiro tem possibilidades técnicas de intensificar a cultura sem chegar ao esgotamento da fertilidade do solo e sem perder o resultado dos seus dispêndios».
A orientação geral da legislação estrangeira, conjugando a duração do prazo com a possibilidade da renovação do contrato, oferece ao arrendatário melhores perspectivas de continuidade de trabalho do que a proposta de lei em discussão, tanto no texto inicial do Governo, como no da Câmara Corporativa.
E não deixarei de registar que aquela orientação se encontra traduzida em diplomas já em vigor, alguns com largas dezenas de anos e promulgados em países em que os alcatruzes da política partidária ora elevam, ora inclinam, facções governamentais de divergente posição doutrinária.
Apesar disso, não demoraram a instauração de prazos mais ou menos longos no regime de arrendamento, altamente benéficos para a respectiva agricultura.
Dada a possibilidade de uma permanente directriz económica na vida nacional, temos de lamentar que os sucessivamente responsáveis - desde há 30 anos - pelo sector agrícola português só agora hajam chegado a essa conclusão.
Porquê este atraso? Porquê este lugar fundeiro entre países europeus de cultura social e agrícola semelhante à nossa?
Acodem sérias dúvidas sobre se os seis anos da proposta de lei e do parecer da Câmara Corporativa se mostrarão ao arrendatário prazo suficiente para lograr compensação remuneradora do investimento dos capitais necessários a obras de rega e enxugo, por exemplo, ou mesmo à adopção de culturas de ciclo mais demorado e mais custosas, como os da pomicultura.
É certo que se prevê o reembolso das benfeitorias. Mas o realismo da vida obriga a considerar que o arrendatário não vai elaborar planos de exploração com o recurso a benfeitorias de elevado custo ou a plantações
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dispendiosas se pressentir que, por falta de tempo, não pode extrair delas um resultado remunerador.
E para esses casos não se afigura tranquilizador o prazo de seis anos, a não ser que se reconheça ao arrendatário o direito de, por sua decisão, prorrogar o contrato por novo período.
É, aliás, esta a solução que julgo preferível. Sempre que o arrendatário houvesse levado ao prédio benfeitorias de certo volume, em ordem a uma exploração agrícola de maior duração, poderia o contrato ser prorrogado se ele assim o desejasse.
Não vai na afirmação propósito de favorecer o rendeiro, deixando, neste caso, ao seu arbítrio a renovação do contrato. Vai simplesmente a convicção de que essa possibilidade pode decidi-lo a vencer a hesitação de investimentos de maior volume, hesitação em que o lançaria a incerteza da continuidade do arrendamento para lá dos seis anos iniciais. O óbice da desactualização da renda, em relação ao novo período, desapareceria desde que para tais casos se previsse a sua alteração, de modo a repô-la no seu justo valor, relativamente aos factores de que houvesse decorrido a sua quebra.
Em reforço ainda destas conclusões e em ordem a pôr o arrendatário em condições de não regatear à exploração todos os meios de investimento conveniente, parece defensável reconhecer-lhe o direito de preferência na compra do prédio, se o senhorio se dispuser a vendê-lo, tal qual se reconhece já ao inquilino comercial; nada parece opor-se ainda a que também o direito de preferência para prosseguir no arrendamento seja reconhecido ao inquilino rural, se no final do contrato o senhorio voltar a arrendar o prédio. Só haveria neste caso que conjugar o exercício do direito de preferência com a indemnização que as benfeitorias pudessem originar.
Dou, pois, o meu voto à solução proposta, mas com o aditamento que resulta de quanto venho de referir: prorrogação do contrato por novo período e por simples decisão do arrendatário, quando for caso de benfeitorias de valor aceitável em face do montante da renda, direito de preferência, ainda neste caso, na hipótese de venda do prédio e de novo arrendamento.
Por mais estranho que possa parecer, tenho de assinalar que tanto a proposta do Governo como o parecer da Câmara Corporativa são totalmente omissos quanto a este elemento básico no arrendamento rural: a garantia de uma renda contratual justa.
E como não posso invocar, em explicação do facto, desvio doutrinário a fazer larga concessão a um liberalismo económico que vem sendo condenado sem piedade, vejo-me na eventualidade de por ele responsabilizar o temor das reacções que levantaria a inserção, no texto proposto para lei, do princípio que a defendesse.
Explico:
A proposta de lei, pelo que à renda concerne, limita-se a referir a natureza da prestação rentária, a forma do seu pagamento e a sua possível redução e revisão nos casos excepcionais que contempla.
A renda, segundo o texto governamental, na sua linha geral, será fixada em géneros, mas paga em dinheiro. Esta fórmula, um tanto singular, procuraria garantir não a justiça da renda estipulada, mas apenas a identidade do valor da renda inicial através das possíveis desvalorizações da moeda, ocorridas na vigência do contrato. A sua revisão e redução nas hipóteses previstas obedecem ao mesmo intento.
Preocupação dominante, pois, na proposta do Governo: manter, ao longo de toda a duração do arrendamento, a igualdade do valor da renda contratada no seu início, sem ter em conta se a renda, em si, é justa ou injusta.
Há aí, reconhece-se, uma evidente aspiração de justiça, que seria a de tentar impedir, durante a duração do contrato, a alteração do valor da renda inicialmente ajustada entre os interessados.
Mas esta preocupação pode degenerar precisamente em maior iniquidade; se a renda inicialmente concertada for injusta, não agravarão a sua injustiça as providências preconizadas para conservá-la tal qual?
Mas não antecipemos.
Em relação ao texto das iniciativas do Governo, a Câmara Corporativa aponta soluções diferentes que, na economia da proposta, se me afiguram melhores, quer quanto à natureza e pagamento da renda, quer quanto ao hipotético condicionalismo da sua revisão e redução.
Quanto, porém, ao aspecto considerado da justiça da renda contratual estabelecida, a Câmara Corporativa revela a mesma insensibilidade.
Estranho esta, dir-se-ia propositada, ausência de se considerar em diploma que se propõe trazer à reforma agrária do País contribuição valiosa e inovadora elemento de tanta monta.
Sem ele a renda continuará, numa economia que dizemos corporativa, e sem mero resultado da lei da oferta e da procura, entregue, na sua formulação quantitativa, à absoluta liberdade individual do proprietário que oferece a terra para arrendar, e do inquilino que a procura, e ao puro jogo dos interesses e necessidades postos frente a frente.
Em puro liberalismo económico o sistema é perfeito, a renda será sempre a consequência das forças económicas em presença, simples fenómeno científico, natural, alheio à ideia de justiça ou injustiça.
A minha dúvida não está na exactidão do ponto de vista do liberalismo económico, mas em saber como terá sido possível adoptá-lo em proposta de lei governamental ao fim de mais de 30 anos de doutrinação essencialmente anti-individualista, em prol do ideário corporativo, todo ele impregnado de uma justiça social que não pode exigir-se ao liberalismo quando se instaura a vida económica nos meios de organização e funcionamento do corporativismo.
Relativamente à oposição ao liberalismo económico, merece a pena referir o comentário do Prof. Henrique de Barros, citado pelo Prof. Eugénio de Castro Caldas in Formas de Exploração da Propriedade Rústica, p. 217:
A tendência social da moderna doutrinação económica varreu esta (a concepção liberalista) e outras concepções sedutoras no que apresentavam de frieza científica, mas falsas, profunda e perigosamente falsas, por não fornecerem critério algum de equidade nas relações sociais e não terem na menor conta esta coisa afinal basilar em matéria sociológica: a dignidade humana.
Tal como o problema do justo preço (complexo, como raros outros) e o do salário justo entraram no campo das preocupações dos economistas, o mesmo sucedeu à questão, talvez não menos grave, da renda justa.
Esta última, porém, e ao invés das outras anteriores, não passou ainda dos domínios da doutrina para os da acção prática.
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Legisla-se e intervém-se (quiçá demasiadamente) na formação dos preços, regulam-se e fiscalizam-se vencimentos e salários, mas nada de semelhante se tem feito no aspecto das rendas das propriedades rústicas.
Dir-se-ia que invisível mas eficiente tabo protege este domínio contra as incursões das contemporâneas tendências da equidade social, já vitoriosas ou a caminho de o serem em tantos outros sectores da actividade económica.
A proposta de lei ora em debate dá inteira razão ao lamento do Prof. Henrique de Barros: «Invisível, mas eficiente tabo», terá impedido que nela se estipulasse ao menos um critério de orientação em defesa da renda justa.
E sem justificação, penso eu.
A renda justa é fundamental exigência da nossa doutrina. Nós pugnamos por que toda a actividade económica se processe em ordem àa dignidade da pessoa humana, vista no lado mais fraco como no mais forte, das respectivas relações. Nós não consentimos que o simples jogo das forças económicas se sobreponha, no malabarismo da oferta e da procura, à satisfação do mais profícuo postulado da justiça social que está na raiz do pensamento de Salazar.
Não se atinge nem compreende como ao estruturar uma reforma agrária de nítidos intuitos sociais, na qual se prevê tão larga aplicação do arrendamento rural, de cujo êxito será factor decisivo, se esqueça a justiça da renda ou, o que não será melhor, se confie a sua instauração e defesa ao simples funcionamento dos interesses de quem oferece e das necessidades de quem procura, sabido que tanto uns como outras podem ser nulos ou exigentíssimos.
No campo dos princípios há grave deficiência na proposta governamental e no parecer da Câmara Corporativa.
E tanto mais assinalável quanto é certo que no domínio da investigação pura o problema da renda justa foi já entre nós objecto de estudos científicos de invulgar mérito por parte do falecido Prof. Lima Basto.
Vêm-lhe dando a sua adesão, por vezes com algumas reservas e aditamentos, é certo, outros economistas agrários de reconhecida competência e probidade, como os Profs. Henrique Barros e Castro Caldas.
Na economia e sociologia agrária nacionais não era, pois, assunto por debater.
Mas ainda que as soluções aí expostas e defendidas não merecessem já tradução em preceitos de lei por se não suporem definitivas, no campo da aplicação prática, temos já à nossa frente o exemplo de outros países e - o que não deixa de ser sintomático - menos obrigados do que nós, por imperativo de posição doutrinária, a prosseguirem uma política de criação e defesa da renda justa, com a intervenção directa ou indirecta do Poder na determinação e ajustamento do seu montante: a França, a Grã-Bretanha, a Holanda, a Itália, a Alemanha Federal, a Espanha, a Irlanda, o Uruguai, a Malásia, Cuba, em 1948, a Guatemala, etc.
Por processos mais simples ou complicados, através de órgãos autónomos ou em directa dependência do Estado, todos esses países admitem a intervenção do Estado na fixação ou ajustamento da renda contratual justa.
Porque não seguir o seu exemplo, aliás tão conforme aos princípios que estruturam a doutrina social da Revolução Nacional?
Renda justa não é um equívoco a esconder outras intenções.
Renda justa entende-se e exige-se tanto para o arrendatário como para o proprietário.
Que este receba o que for justo e que aquele pague o que justo for.
É a justiça o mais sólido alicerce de toda a paz social - mas justiça verdadeira, real, sem disfarces nem eufemismos.
O Sr. Proença Duarte: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Proença Duarte: - E qual será o critério para a fixação da renda?
O Orador: - Posso dizer que em Cuba, por exemplo, em 1948 se adoptou o critério seguinte: o proprietário não pode estabelecer renda superior ao juro de 6 por cento sobre o valor do prédio, valor esse que é calculado em função do valor que consta da Conservatória do Registo Predial.
Este critério também podia ter entre nós certa aplicação na medida em que este valor é hoje utilizado em muitas operações que interessam ao Estado, à sociedade e ao proprietário. Mas na presente conjuntura em que se encontram as matrizes prediais rústicas portuguesas admito que este critério não sirva.
O Sr. Proença Duarte: - É preciso que esta Câmara, ao votar, conheço, os critérios preconizados e que haja uma disposição normativa que fixe o critério a que se deve atender.
O Orador: - O critério neste aspecto não me satisfaz.
A mim o conceito de renda justa parece-me lato, devia ser mais preciso. Podia ser, por exemplo, o do professor Lima Bastos, mas este afigura-se-me difícil de pôr em execução no nosso meio agrícola, porque necessita de uma contabilidade rigorosa por parte do rendeiro.
O que é preciso é que haja um critério que permita ao proprietário e ao rendeiro o recurso à decisão de uma comissão arbitrai, como por exemplo, em Espanha, segundo a lei de 1935. Este é o que me parece mais de seguir, pois permite tanto no proprietário como ao rendeiro o recurso aos tribunais.
O Sr. Proença Duarte: - V. Exa., que é técnico, sabe quantas questões judiciais isso poderia, ocasionar.
O Orador: - A dificuldade da questão não justifica que o legislador não trabalhe para a defesa do bem comum.
O Sr. Azevedo Coutinho: - O Estado tem estado a proceder à reforma do cadastro e prevê o rendimento colectável de um prédio rústico. O Estado sabe normalmente que uma propriedade em regime de arrendamento tem de proporcionar rendimentos para três entidades. Para o Estado, como contribuição; para o proprietário, como renda, e para o rendeiro, como remuneração justa do seu trabalho. Ora se o Estado sabe fixar, em relação ao rendimento colectável, qual é a percentagem que lhe compete, e que é revista de cinco
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em cinco anos, também deveria saber quais as percentagens justas que elevem caber às outras duas partes contratantes.
O Orador: - Podia ser esse, realmente, o critério a seguir...
O Sr. Azevedo Coutinho: - À não ser que houvesse dois limites...
O Orador: - Tenho um certo receio da tecnocracia.
O Sr. Azevedo Coutinho: - Também eu.
O Orador: - Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Está marcada outra matéria para a ordem do dia e chamo a atenção de VV. Exas. para esse facto.
Esta matéria respeita ao texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção sobre as providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos de governo do Estado da Índia.
Entrei em dúvida, em face do § 1.º do artigo 43.º do Regimento, sobre se tinha feito bem em marcar para a ordem do dia de hoje as reclamações sobre o texto relativo ao decreto da Assembleia, e entrei em dúvida por esta razão: no referido § 1.º do artigo 43,.º diz-se: «Elaborado o texto, será inserto no Diário das Sessões e poderá qualquer Deputado reclamar contra ele na sessão imediata».
Ora pergunto: sessão imediata à publicação do texto no Diário das Sessões, ou sessão imediata àquela em que o texto aparece no Diário das Sessões?
Interpretei esta disposição no sentido de que era sessão imediata à publicação no Diário das Sessões. Admito, porém, que a disposição regimental se interprete como significando sessão imediata àquela em que o texto aparece no Diário das Sessões e este é posto em reclamação.
A questão que vou pôr, para ficar arrumada a interpretação, é esta: qual das duas interpretações sugeridas deve adoptar-se? A que eu pressupus ao marcar para a ordem do dia de hoje a aprovação do texto estabelecido pela Comissão ou a outra?
Consultada a Assembleia, foi aprovada a interpretação pressuposta pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Está, assim, aprovado que a intrepretação que pressupus é a exacta.
Vou pôr agora à votação o texto que está no Diário das Sessões de hoje. E o decreto da Assembleia Nacional sobre as providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos de governo do Estado da Índia.
Está em reclamação a redacção.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados pediu a palavra, considero a redacção do referido decreto aprovada.
Vou encerrar a sessão.
Amanhã a sessão terá a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rui de Moura Ramos.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR, Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA