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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 46

ANO DE 1962 16 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 46, EM 15 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas e 16 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário dos Sessões n.º 44.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, receberam-se na Mesa os n.º 53, 54, 55 e 56 da Diário do Governo, que inserem diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Herculano de Carvalho, sobre a revisão do sistema da administração política do ultramar; Nunes Barata, que se referiu ao 35.º aniversário da instituição das Casas dos Pescadores e respectiva Junta Central; Cutileiro Ferreira, acerca de problemas rodoviários do distrito de Évora, e Cardoso de Matos, para recordar a data da eclosão dos movimentos terroristas no Norte de Angola.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade das propostas de lei sobre a providência social e o Estatuto da Saúde e Assistência.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, Sales Loureiro, Jacinto Medina e Moura Ramos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Aguedo de Oliveira.

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Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes. .
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Voz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite, da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 110 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa para reclamação, e já foi distribuído, o Diário das Sessões n.º 44, correspondente à sessão de 13 de Março corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como não foi produzida qualquer reclamação, considero o referido Diário aprovado.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.º 53, 54, 55 e 56 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 9, 10, 12 e 13 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 44 226, que eleva à categoria de embaixada as missões diplomáticas de Portugal em Beirute, Montevideu e Lima n.º 44 229, que aprova, para ratificação, o Acordo entre o Governo Português e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para evitar dupla tributação dos rendimentos provenientes dos transportes aéreos e marítimos, assinado em Lisboa a 31 de Julho de 1961 n.º 44 230, que altera as condições de reembolso dos subsídios concedidos pelo Comissariado do Desemprego às Comissões Administrativas das Novas Instalações Universitárias e do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra por conta dos orçamentos dos mesmos organismos; n.º 44 232, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma quantia para fundo de manutenção da Cantina Escolar Alves Pimpão, anexa às escolas do núcleo de Carlão, concelho de Alijo, e n.º 44 234, que introduz alterações no Decreto-Lei n.º 36 085, que insere disposições relativas à fiscalização, comercio e emprego de explosivos e armamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano de Carvalho.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Sr. Presidente: chegado quase o termo da 1.º sessão da presente legislatura, parece-me não errar por excesso se afirmar que, de todos os problemas trazidos a esta Assembleia, os que mais interesse têm despertado são os relacionados com o nosso ultramar. Se isso por si só é já motivo de satisfação, porque de esperança, para as nossas províncias da África e da Ásia, mais o deve ser o facto de se caracterizarem por uma vincada unidade de doutrina - uma directriz integralmente construtiva - os pontos de vista aqui geralmente expressos.
Pelas intervenções até hoje ouvidas nesta Câmara, sente-se que é linha de acção por todos aceita imprimir-se ao nosso ultramar um ritmo de desenvolvimento

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capaz de colocar as províncias ultramarinas, humana e materialmente, ao nível das províncias metropolitanas ; e isto em curto prazo, sem que para tal se admita o mais ligeiro desvio em relação ao rumo histórico de Portugal.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não é, pois, para admirar a plena aceitação de propostas que noutro ambiente seriam recebidas com apatia, com estranheza ou mesmo com hostilidade.
Sente-se que é natural e lógico acabar-se com a corrente migratória para países estranhos e canalizá-la para o ultramar; aceita-se, porque inteiramente valida, a ideia da criação de Universidades portuguesas na África Portuguesa; compreende-se em todo o seu significado o interesse de se transferirem para os nossos territórios de além-mar órgãos de soberania da Nação; entende-se como simples medida prática na evolução da nossa política ultramarina uma completa revisão da estrutura e das funções do Ministério do Ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia Nacional está, pois, sentindo e vivendo integralmente a missão ultramarina de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso me atrevo a esperar encontrar eco para o que penso acerca de uma questão que se me afigura de importância vital dentro da problemática do ultramar português. Refiro-me à necessidade da revisão do estatuto que rege o sistema da administração política do ultramar.
Sr. Presidente, Sr s. Deputados: no que respeita a organização politico-administrativa dos nossos territórios ultramarinos, dispõe a Constituição, no final do seu artigo 134.º, que ela deverá tender para a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais.
Se se entender, como parece natural, que estes «outros territórios nacionais» são os mais avançados em matéria de desenvolvimento social e político, era lícito esperar-se que a máquina estivesse montada de modo a que aquela integração se tivesse vindo a processar gradualmente até poder culminar mais tarde ou mais cedo na transformação radical dos antigos sistemas administrativos num sistema único de estrutura paralela ao que está montado na metrópole.
Aquela tendência uniformizadora, assim expressa na Constituição, é, aliás, uma perfeita concretização dos nossos objectivos últimos em matéria de política ultramarina - a criação de prolongamentos espirituais, materiais e políticos desta pequena casa lusitana (note-se que, quando digo prolongamento, quero significar ramos iguais de um mesmo todo que é o Portugal euro-afro-asiático, e não domínios diferenciados de um Portugal europeu).

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o que se verifica é que a máquina não foi assim montada; ao invés de. se orientar a vida administrativa para a integração nacional, tomou-se como definitivo o que dispõe a primeira parte do mesmo artigo 134.º da Constituição, que, como solução provisória, admite outras formas administrativas, de acordo com o desenvolvimento local de cada território, enquanto não se puder realizar a tão desejada integração. Efectivamente, o que vigora em toda a sua força no nosso ultramar desde 1933 é um sistema funcionário maciço, posto em execução pela Reforma Administrativa Ultramarina. Quer dizer: enquanto o preceito constitucional em causa é de essência eminentemente evolutiva, e, portanto, dinâmica, o corpo de leis que o regulamenta não mostra tendência para se sair de uma situação que se arrasta desde 1933.
Parece assim, repito, ter-se ficado definitivamente numa posição que só seria de admitir como provisória. E o que esta situação tem, a meu ver, de mais grave e que o sistema, nem mesmo como provisório, seria de admitir, por tomar como base da organização administrativa das províncias ultramarinas uma estrutura funcionária de profissionais da governação civil. Ora é precisamente para este aspecto da questão que solicito a especial atenção desta Câmara e do Governo.
Não é a frequência de cursos especializados, nem o ingresso em quadros do profissionalismo administrativo, que confere aos homens qualidades para a governação dos povos; essas qualidades ou são natas ou se adquiriram por uma longa educação, mas, de um modo ou de outro, o poder da Administração só pode ser outorgado a quem já as tenha revelado e deve ser retirado sem delongas a quem não provar merecer a tremenda responsabilidade que se lhe confiou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Governante de carreira só o rei, porque esse, «assentando praça ao nascer», foi educado desde o berço para viver integralmente para o seu povo,...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - ... sem licenças nem aposentação, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e aprendeu e habituou-se a sentir que, sendo soberano, é o mais humilde dos servidores dos seus vassalos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No caso do administrador profissional, é natural que se processe uma atitude mental inversa: sem dispor de qualquer poder moderador entre si e os seus administrados, sentindo a sua posição garantida por laços contratuais que estabeleceu com o Estado, sentindo em muitos casos que a sua acção não é convenientemente fiscalizada pelos órgãos hierarquicamente superiores, desde que, por herança ou educação, não tenha as altas qualidades exigidas pelo cargo, por todas as tendências da sua natureza humana é levado a esquecer-se da sua missão de servidor para se outorgar a si mesmo direitos de senhor absoluto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Daqui aos desmandos, às arbitrariedades, às prepotências, vai um passo. E esse passo, com muita frequência, há quem o dê.
Por sua vez, o superior, por virtude do próprio sistema, vê a sua competência disciplinar limitada por razões de ordem humana até certo ponto compreensíveis.

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Qual o administrador que não hesitará em demitir ou propor a demissão de um subordinado sabendo que este tem encargos de família e por único ganha-pão o seu ofício de governante?
E, por outro lado ainda, quantas condescendências perigosas, quantos fechar-de-olnos muito graves cometidos à sombra do princípio da defesa do prestígio da Administração.
Já ouvi defender a tese de ser indispensável manter-se o actual sistema, porque a administração das populações ultramarinas exigiria uma preparação técnica especializada. Ora, creio que há aqui uma grande confusão. Fará administrar as populações ultramarinas, principalmente as menos desenvolvidas, não se necessita de grande bagagem de conhecimentos técnicos; o que é absolutamente indispensável é possuir-se todo o conjunto de qualidades exigido para um administrador público da metrópole e, em especial, muito tacto, dinamismo, um grande coração e um grande amor pelos povos que se tiver a honra de administrar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas isto, como já disse, não se aprende em compêndios escolares. Também não é inédita a ideia de o actual sistema apresentar a insubstituível vantagem de garantir continuidade à acção administrativa pela longa permanência das autoridades nos seus cargos. Mais uma vez, discordo. O sistema de nomeação em comissão, mais flexível, permite reconduzir quem o merecer e afastar sem demoras quem não tiver qualidades, garantindo assim a continuidade administrativa, mas só nos casos em que esta continuidade for útil.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Se não é de admitir a ideia de na metrópole os cargos de presidente de junta de freguesia, administrador de concelho, governador civil e até Ministro do Interior serem atribuídos a uma hierarquia de profissionais que se tivessem diplomado num hipotético instituto superior de estudos metropolitanos, com maioria de razão ela o não é no ultramar, onde a falta de qualidades de chefia dos homens pode ter resultados bem mais graves na unidade da Nação.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença? Conhecerá V. Ex.ª a teoria do empirismo na administração ultramarina?

O Orador: - Não me reporto a uma teoria de empirismo quando defendo esta tese. De resto, se V. Ex.ª quiser esperar um bocadinho, terá um pouco mais adiante a resposta explícita. Julgo que, por enquanto, não haverá talvez necessidade de dialogar a respeito deste assunto.
Para encurtar razões, creio firmemente ser um dever recomendar o retorno ao sistema - tradicional na nossa administração ultramarina - de se nomear por escolha e por comissões de serviço temporárias o pessoal que tenha de preencher cargos administrativos, sem prejuízo do que já se vem seguindo em algumas áreas urbanas no tocante a eleição das autarquias locais. Isto se quisermos efectivamente caminhar para a constitucional integração dos estatutos administrativos de todos os territórios nacionais.
Que não se julgue, porém, que pretendo que a administração seja entregue exclusivamente às populações locais, o que seria afinal a negação da unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que a nomeação dos administradores seja de âmbito nacional, porque tanto pode servir a causa um português nascido na região como qualquer outro ali radicado há muito ou há pouco tempo que, pelas suas qualidades morais e intelectuais e pelo seu conhecimento dos problemas da região, dê garantias de uma acção justa, dinâmica e sensata, em suma, de acção cristã, porque administrar não é fazer burocracia, è fazer cristandade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador:- Que a Nação inteira dê o seu contributo em valores humanos pura a valorização de todos os seus territórios, porque só assim se pode processar a fusão anímica de todos os povos da grande família lusitana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas que não se julgue também que pode vir a ser automaticamente um bom administrador um indivíduo exportado da metrópole já com esse rótulo só porque cursou Letras numa determinada escola técnica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao preparar o presente trabalho tive a preocupação de ser breve, mas o problema em causa è de tal modo evidente que, apesar de tudo, receio ter sido demasiado extenso.

O Sr. Manuel Correia: - Não foi.

O Orador: - Mas, mesmo assim, ajuda ouso juntar algumas considerações que poderão talvez ser úteis para melhor fazer compreender a orientação da minha tese.
Antes de mais, não se julgue que a minha posição é de ataque às instituições. De modo algum. Algumas palavras de crítica que fui obrigado a dizer explicam-se pela necessidade de justificar a proposta fundamental que já enunciei; aliás, se não demonstrasse que o actual sistema está errado, muito pouco lógico seria propor a sua modificação.
Que não se julgue também que ao analisar o sistema tentei, implicitamente, atingir as pessoas que o servem. Seria, de resto, injustiça não reconhecer no quadro do funcionalismo administrativo ultramarino a presença de homens de real merecimento, que os há efectivamente; mas a verdade é que a presença destes bons elementos por si só não justifica o sistema. Se é certo que o sucesso da execução de um programa depende em grande medida dos homens encarregados .de o executar, não é menos certo que o programa por si só pode concorrer também em grande medida para prevenir e neutralizar os erros humanos dos executores ou, pelo contrário, para os fomentar, multiplicar e agravar. Ora, o que procurei demonstrar é que o sistema vigente pertence a esta segunda categoria.

O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

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O Sr. Vasques Tenreiro: - Desculpe V. Ex.ª a interrupção.
V. Ex.ª põe o dedo na ferida quando pretende demonstrar que o nosso pois, seja na metrópole, seja no ultramar, sofre de uma «burocratite» aguda. Sem dúvida; não é só com pessoas de formação burocrática que se governam territórios. E preciso que os pessoas estejam imbuídas desse conteúdo humano que V. Ex.ª pretende demonstrar.
Devemos, no entanto, ter em consideração duas coisas: em primeiro lugar, precisamos de pessoas esclarecidas e tecnicamente apetrechadas para trabalhar no ultramar, e isso, apesar de tudo, pode e deverá ser dado nas escolas do País, não só no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, mas também nas outras escolas universitárias; em segundo lugar, não devemos cair neste caminho perigoso de procurar arranjar para o ultramar um «bode expiatório», porque, se os funcionários administrativos que estão no ultramar nem sempre têm cumprido eficientemente, a verdade é que também lhes não foram dadas as directrizes para eles cumprirem com eficiência. Se alguns não têm cumprido, outros, porém, se têm desempenhado muitíssimo bem dos seus lugares, e tanto assim que V. Ex.ª fez essa ressalva.
É muito perigoso, repito, procurar um «bode expiatório», e sei que neste momento há certa tendência a querer considerar o quadro administrativo como responsável imediato de uma série de problemas que se levantam no ultramar.
Os ingleses tiveram uma administração perfeita em certos aspectos, bem como os belgas, e até os próprios franceses, e isso porque aos seus funcionários eram dadas directrizes de forma a bem se poderem desempenhar dos seus lugares.
Aceite-se que nem todos os funcionários estão bem preparados; então o que é preciso é prepará-los melhor...

O Orador: - Não ataquei de maneira nenhuma o quadro administrativo, mas sim o sistema, o sistema, repito. E se a governação do povo é feita por profissionais, quer eles sejam excelentes, quer não, o que está em causa é o sistema, volto a afirmá-lo.
Temos de montar uma máquina de tal ordem que em qualquer altura possa ser aproveitado o que se possa aproveitar e rejeitado o que não presta, sem delongas e sem qualquer espécie de contemplações por posições assumidas ou por interesses criados.
Estamos em foce de um sistema que não permite fazer isso, e, portanto, o que há a fazer é modificar esse sistema.

O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex.ª, pelo visto, tem receio de que as coisas que são provisórias se tornem definitivas ...

O Orador: - É exactamente isso, e não procuro o bode expiatório, pois o que eu quis foi encarar um problema que me parece urgente resolver, porque, se queremos arranjar um sistema sobretudo baseado nas autarquias locais e nos governadores civis, que quando servem continuam, e muito bem, e quando não servem vão-se embora, à semelhança do que sucede na metrópole, então está bem, mas, se não procedemos com brevidade às necessárias modificações do sistema actual, então estamos mal.

O Sr. Armando Cândido: - Creio que de uma maneira geral e designadamente para o ultramar, não é de pôr em dúvida a conveniência de preparar funcionários administrativos através de escolas devidamente habilitadas para esse fim e abertas à frequência de todos os portugueses.

O Orador: - V. Ex.ª fez uma observação n propósito da formação do pessoal destinado ao quadro administrativo ultramarino que desejo esclarecer. Y. Ex.ª, sendo magistrado, pode, em qualquer altura, sem ter de se desviai; da sua carreira e formação profissional inicial, ser chamado a desempenhar qualquer cargo da administração pública.
Por detrás de V. Ex.ª encontra-se o presidente de uma câmara municipal, um médico, creio eu, que não é um profissional da administração pública.
Mas no caso da administração ultramarina, para que um homem ingresse no quadro tem de frequentar, em regra, um curso especializado.

O Sr. Pinto Buli: - Nesse particular V. Ex.ª está enganado, porque não é necessário. O ingresso no quadro administrativo está aberto para todos os portugueses que reunam as condições mínimas e exigidas por lei, o 5.º ano dos liceus. V. Ex.ª, que veio de Timor, certamente deve ter encontrado no quadro administrativo daquela província funcionários com as mais variadas habilitações. Entretanto creio que devemos acompanhar a evolução e o progresso que a administração ultramarina tem sofrido e, assim, não podemos fugir a esta experiência que tem produzido resultados: a preparação de um escol de funcionários para o desempenho dessas funções.
V. Ex.ª já viu ingressar na magistratura pessoas que não fossem formadas em Direito ou como oficiais do Exército pessoas que não tivessem frequentado a Academia Militar?

O Sr. Armando Cândido: - Essa mesma observação ia eu fazer ao Sr. Deputado Herculano de Carvalho!

O Orador: - Para os altos cargos da função pública no ultramar já a coisa está feita por um sistema de escolha. O problema está precisamente nos postos mais baixos, naqueles em que o homem está em contacto directo com o homem. Um governador de província está num lugar de coordenação, mas não está em contudo com a massa popular.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Mais uma razão para ser um especialista ...

O Orador: - Não tem de ser especialista, o que tem é de ter qualidades pessoais. E temos o exemplo da nossa história: até há pouco tempo a administração era desempenhada por quem lá estava: militares, sobretudo, fazendeiros, etc. E os bons resultados colheram-se daquele sistema.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Hoje há necessidade de criar um escol. Não andamos para trás, mas sim para a frente.

O Sr. Pinto Bull: - V. Ex.ª diz que o chefe de posto e o administrador são funcionários administrativos que estão em contacto com as massas populacionais. Ainda bem I Mas Y. Ex.ª sabe que mesmo em Timor a maior parte dos chefes de posto não são formados pelo Instituto. Igualmente nas províncias de Angola, Moçambique e Guiné, a maior parte dos chefes de posto, se-

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cretários e administradores não suo indivíduos formados pelo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e nem os lugares estão reservados apenas para os elementos formados naquele Instituto.
V. Ex.ª, certamente, baseia a sua intervenção naquilo que conhece do quadro administrativo de Timor, sem se lembrar que foi o que mais tempo resistiu à reorganização e, como tal, tem conservado alguns defeitos antigos.
Portanto, V. Ex.ª foca aqui o caso de Timor, ignorando o que se passa com todas as demais parcelas do ultramar.

O Orador: - V. EX.ª está a ver as coisas com um particularismo com que eu não estou.

O Sr. Pinto Bull: - Então o que me parece á que V. Ex.ª vem aqui atacar o quadro administrativo, o que é de lamentar.

O Orador: - Nada disso; repito que ataco apenas o sistema. Para estabelecer uma imagem, suponha v. Ex.ª que na metrópole um determinado indivíduo era nomeado presidente da junta de uma freguesia qualquer. Passados dois ou três anos, promoviam-no a presidente da câmara de qualquer concelho. Ao fim de mais três anos, esse homem era promovido segunda vez e nomeado governador civil, por exemplo de Portalegre. Passado mais algum tempo, ao fim de subir toda a escala, era promovido a Ministro do Interior. Ora é isto que se passa no ultramar, e é precisamente para este aspecto que estou a chamar a atenção.

O Sr. Pinto Bull: - Mas V. Ex.ª sabe que nas medidas legislativas ultimamente promulgadas se preconiza a expansão dos municípios.

O Orador: - Eu sei. É o Decreto n.º 43 730. Mas esse mesmo decreto insere uma disposição determinando que os presidentes dos municípios serão em regra os administradores dos concelhos - os profissionais.

O Sr. Pinto Bull: Mas o decreto diz só «normalmente».

O Orador: - Mas isso está mal, porque se é «normalmente» o fenómeno torna-se norma.

O Sr. Presidente: - Pedia a VV. Ex.ª que não continuassem a dialogar com o orador, porque ele já está a exceder o tempo regimental.

O Orador: - Vou continuar com as minhas considerações, Sr. Presidente.
Quanto ao destino a dar ao pessoal que hoje serve nos quadros da Administração, não me parece que isso constitua problema de maior. A administração pública precisa inevitavelmente de profissionais para o serviço da sua burocracia: secretários, chefes de repartição, adjuntos de repartição, chefes de secretaria, escriturários, etc. É para estas funções que os homens especializados se podem destinar de forma rendosa. E nada obsta também a que sobre os melhores deles recaiam nomeações para cargos de execução efectiva da Administração: chefes de posto, administradores de circunscrição, etc.
Finalmente, desejo tornar bem claro não pretender que se instale desde já em todo o ultramar o sistema administrativo adoptado para uso da metrópole; em política a adopção de fórmulas novas sem prévia preparação só pode conduzir a resultados funestos. Por isso, o que peço é que se volte a fórmulas velhas para que as novas se tornem naturalmente exequíveis em curto prazo. O que foi novo entre nós - diria mesmo insolitamente novo - foi precisamente o sistema burocrático-funcionário que se implantou no ultramar sem ter sido fruto de uma evolução naturalmente processada. O processo não era nosso, foi plagiado dos métodos seguidos pelas potências coloniais, que faliram na sua missão ultramarina; precisamente as potências falidas que hoje nos atacam nas assembleias internacionais.

O Sr. Ubach Chaves: - Muito bem!

O Orador: - Em meu modesto entender, creio ser nosso dever procedermos a um exame de consciência, a um profundo exame de consciência, e que nos decidamos a ser fiéis a nós mesmos. Se queremos continuar a construir um Mundo Português, creio que só o podemos fazer por métodos portugueses. Nunca ao longo da sua extensa e experimentada vida a Pátria Portuguesa se deixou levar por a ventos da história»; porquê, então, esta grave renúncia dos nossos princípios para se seguirem os ventos que sopravam de países que já então caminhavam para a autodestruição como impérios ultramarinos? Em matéria de filosofia das relações humanas, o que Portugal sabia constituía inestimável lição para quem como um raro Liautey a quisesse entender e seguir. Substituir a nossa doutrina por técnicas de importação não trouxe nada de útil à nossa causa.
Os responsáveis pelo destino da Pátria não podem esquecer que as populações nativas do ultramar têm uma visão crítica particularmente aguda e só respeitam o que é respeitável, nunca aceitando por bom o que o não é. Continuar a governá-las por métodos que tornam em rotina a contrafacção equivale a deixar-se perder o amor e o crédito que os nossos missionários, militares e bandeirantes só ao fim de séculos e de muitos sacrifícios conseguiram radicar nas almas daquelas gentes de Cristo, que hoje, por graça de Deus, são também gentes de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: no passado dia 11 completaram-se 25 anos sobre a promulgação de um diploma notável para a vida do País: a Lei n.º 1953, que, na orgânica corporativa da Nação, diz respeito às Casas dos Pescadores e à respectiva Junta Central.
A obra realizada neste entretém pó justifica que o facto seja lembrado nesta Câmara e enaltecido o esforço daqueles que tão dedicadamente se devotaram à melhoria da condição económico-social da vasta e laboriosa classe dos pescadores, ao mesmo tempo que pugnavam por um alimento de riqueza para o País.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - É ao dinamismo e persistente actuação do nosso ilustre colega nesta Câmara almirante Henrique Tenreiro que a Nação deve os sucessos obtidos neste sector.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Lembrá-lo, Sr. Presidente, será acto de elementar justiça nesta hora em que as minhas homenagens vão igualmente para todos os humildes e anónimos trabalhadores do mar e para quem soube um dia traçar as linhas gerais de um ordenamento que, ao fim de 25 anos, se justifica com a autoridade dos seus próprios êxitos.
Sr. Presidente: o espírito associativo tem grandes tradições entre os pescadores de Portugal.
Os «Compromissos Marítimos» visavam alcançar finalidades variadas, desde as de natureza eminentemente espiritual à assistência nas horas de infortúnio ou dor.
A conservação e ornamentação de capelas e santuários, as festas em honra dos santos protectores, os sufrágios por aqueles que o mar arrebatara, tudo testemunhava uma doce espiritualidade que as gerações sabiam transmitir e os «Compromissos» guardar.

O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - A presença do médico-cirurgião (e do sangrador), o apoio em remédios ou dinheiro nas horas da moléstia e da falta de trabalho, tudo se enquadrava num esquema de ajuda.
As próprias mercês e privilégios dos monarcas revelavam amparo e consideração.
Hás os tempos foram rodando, e com eles o processo de desintegração institucional, que não poupou os próprios pescadores.
O renascimento da ideia corporativa encontraria, ainda assim, numa classe sempre tão simpática a todos os portugueses, um bom campo de acção.
A base I da Lei n.º 1953 autorizava a criação, em todos os centros de pesca, de organismos denominados Casas dos Pescadores.
Estas, nos termos da base II, tinham fins de representação profissional, de educação e instrução e de previdência e assistência.
Puguava-se igualmente pelo dever de conservar e acarinhar todos os usos e tradições locais, especialmente os ligados à formação dos sentimentos e virtudes das gentes do mar.
Para orientar e coordenar a acção das Casas dos Pescadores, administrar e distribuir as verbas do fundo comum e elaborar relatórios circunstanciados sobre as actividades, criou-se (base V) a Junta- Central das Casas dos Pescadores.
Ainda no ano de 1937, pelo Decreto n.º 27 978 (20 de Agosto), foi promulgado o Regulamento das Casas dos Pescadores; diploma a que se seguiu em 1950 (4 de Fevereiro) o Decreto n.º 37 751.
Qual o balanço da obra deste quarto de século?
Existem 28 Casas dos Pescadores, com cerca de 50 000 associados.
As instituições cobrem não só o litoral do continente, como ainda se estendem às ilhas da Madeira e dos Açores.
Os sócios efectivos das Casas dos Pescadores beneficiam de assistência médica, cirúrgica e, em casos de necessidade, de assistência em medicamentos.
A assistência médica ultrapassa os serviços de consulta. Compreende a radiologia, as análises clínicas e, muitas vezes, o internamento hospitalar e sanatorial.
A assistência medicamentosa poderá estender-se aos manipulados e a 50 por cento do valor das especialidades farmacêuticas.
O serviço de abono de família conhece já a sua extensão aos sectores da pesca, embora ainda, aqui se pense ser necessário ir mais além.
O serviço do Fundo de reforma beneficia os pescadores do bacalhau e do arrasto.
O serviço de vendagem do pescado permite libertar os pescadores da ganância dos prestamistas e dos intermediários. Complementarmente, realizam-se, através do Fundo de Renovação e Apetrechamento da Indústria da Pesca, empréstimos a pescadores locais. Cabem aqui o financiamento dos apetrechos da pesca, da motorização de cerca de 1600 embarcações, enfim, mais de um milhar de pequenos empréstimos que ultrapassam os 16000 contos.
Quem se comove, Sr. Presidente, perante os pequenos grandes problemas da gente humilde não deixará de rejubilar ao ver que alguém lhes proporciona, realisticamente, oportunas soluções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O próprio regime paga o preço do gasóleo empregado na pesca costeira conhece uma redução de 50 por cento.
Mas um dos aspectos mais interessantes na obra de defesa dos pescadores é o da política habitacional.
Atingem 2000 as casas dos bairros para pescadores e as verbas despendidas na sua construção ultrapassam os 80 000 contos.
A seguinte relação é, a tal propósito, elucidativa:

[Ver tabela na imagem]

Observações. - Além dos bairros indicados, encontra-se construído nas Berlengas um de 16 casas-abrigos para pescadores da lagosta. No distrito do Ponta Delgada existem também 35 casas construídas, em sistema do comparticipação com a Junta, nas seguintes localidades : Ribeira Grande, Penais da Ajuda e Ponta Delgada.

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Outro aspecto é o das escolas de pesca.
A Junta Central das Casas dos Pescadores mantém em funcionamento catorze escolas de pesca, das quais uma profissional, em Lisboa, cinco elementares, em Matosinhos, Tavira, Funchal (arrais e motoristas), Horta (moços e motoristas) e Ponta Delgada (ajudantes de motoristas), e oito rudimentares, na Ericeira, Nazaré, Portimão, Porto, Póvoa de Varzim, Setúbal, Viana do Castelo e Vila do Conde.
A projecção destas escolas encontra-se expressa, nos 4600 alunos que as frequentaram no período de 1950-1959.

Alunos
1950 .................. 351
1951 .................. 397
1952. ................. 417
1953 ..:............... 504
1954. ................. 484
1955 .................. 403
1956 .................. 496
1957 .................. 500
1958 .................. 559
1959 .................. 532

A educação das filhas dos pescadores recebe os melhores cuidados nas 30 casas de trabalhos manuais e de ensino doméstico, com uma frequência anual de cerca de 600 meninas.
Finalmente, as colónias de férias trazem, com a alegria das suas crianças, a certeza de que as gerações futuras serão conscientes e robustas.
Sr. Presidente: -é incontestável que as pescas ocupam posição de relevo nos sectores da produção económica portuguesa.
Assim, no ano de 1961, o valor das pescas capturadas estima-se em mais de milhão e meio de contos.

[Ver tabela na imagem]

Desculpar-me-ão que aproveite o ensejo para dizer mais alguma coisa sobre este problema.
Em publicação da O. E. C. E. (Politique de pêche en Europe Occidentale et en Amérique du Nora, 1960),
sintetizavam-se assim os objectivos da política de pescas portuguesa:
1) Aumentar entre as populações o consumo de peixe, rico em proteínas;
2) Assegurar a estabilidade dos preços de retalho, ou mesmo promover a sua baixa;
3) Garantir trabalho aos pescadores e àqueles que em terra se encontram ligados às actividades complementares da pesca;
4) Contribuir para assegurar a actividade dos estaleiros navais e, consequentemente, a ocupação dos operários;
5) Estabelecer um regime de assistência e previdência, mantido, em parte, pelas entidades patronais;
6) Assegurar o funcionamento da indústria de conservas em boas condições técnicas e económicas ;
7) Proteger os recursos naturais das águas territoriais e ainda das que são frequentadas normalmente por navios portugueses.

Não irei desenvolver ou tecer comentários críticos a todos estes aspectos.
Creio, porém, de interesse focar questões conexionadas com um ou outro.
A evolução da indústria das pescas está intimamente ligada ao sucesso da organização corporativa do sector e o êxito desta ainda se deve ao delegado do Governo nos organismos da pesca, o nosso colega almirante Tenreiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Existem actualmente cinco Grémios: do Bacalhau (criado em 1936), da Sardinha (criado em 1938), do Arrasto (criado em 1939), da Baleia (criado em 1945) e, mais recente, do Atum.
Com base no Resumo Estatístico das Pescas Portuguesas, poderemos elaborar um quadro sobre a evolução, em toneladas, das pescas:

[Ver tabela na imagem]

Esta evolução corresponde, de resto, aos progressos verificados nas frotas:

[Ver tabela na imagem]

(a) Navios de linha e arrastões.

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Portugal situa-se hoje como um dos países de mais elevada capitação de consumo de peixe, conforme se constata da já citada publicação da O. E. 0. E.:

[Ver tabela na imagem]

Sr. Presidente: o esforço de valorização da indústria da pesca está ligado ao planeamento.
Ainda aqui nos encontramos com o labor e a inteligência desse preclaro Ministro da Marinha que foi o Sr. Almirante Américo Tomás.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... a quem desta tribuna rendo as minhas mais respeitosas homenagens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Reli há tempos, na publicação do Gabinete de Estudos das Pescas Renovação das Frotas de Bacalhau e de Arrasto, algumas das suas palavras orientadoras e já hoje históricas relacionadas com a 1.ª fase do Plano de Fomento das Pescas Nacionais.
Esta circunstância proporcionou-me ainda curiosidade para acompanhar a evolução do Fundo de Renovação e de Apetrechamento da Indústria da Pesca.
Data, na verdade, de Julho de 1953 o Decreto-Lei n.º 39 283, que instituiu este Fundo.
Os seus objectivos traduziam-se na concessão de créditos destinados a financiar a renovação e modernização das. diversas frotas de pesca, melhoria dos meios e processos de acção, aumento do apetrechamento destinado ao integral aproveitamento dos produtos da pesca- e criação de novas actividades.
Este decreto-lei autorizou ainda o Fundo a contrair um empréstimo amortizável até ao montante de 250 000 contos, limite que depois foi elevado para 300 000 contos (Decreto-Lei n.º 41 633).
Os 250 000 contos do Fundo tiveram, no período de 1953-1957, o seguinte destino:
1) Financiamento aos armadores da pesca do bacalhau relativo a quinze navios, com uma arqueação total de 15 281,05 t e uma capacidade de 229 249 q, num montante de 113000 contos;
2) Financiamento aos armadores da pesca de arrasto destinado a:
Construção de onze unidades e melhoria de uma outra de pesca de arrasto do alto, com uma tonelagem total de 5536,89 t e 1875 t de capacidade de porão, num montante de 94 946 contos; Construção de onze unidades e melhoria de mais duas de pesca costeira, com uma tonelagem bruta de 1508,19 t e uma capacidade de porão de 381 t, num montante de 22 800 contos.
3) Financiamento à pesca da sardinha na importância de 8120 contos;
4) Financiamento à pesca da baleia no total de 8000 contos;
5) Empréstimos à pesca local, já referidos, para motorizar as embarcações e modernizar as artes da pesca;
6) Financiamento no posto de depuração de ostras.

Entretanto, com o produto dst 6.ª série de obrigações, fizeram-se mais os seguintes financiamentos:
Contos
Pesca do bacalhau ...................................... 23 500
Pesca do arrasto ....................................... 16 720
Pesca costeira ......................................... 3 250
Pesca da sardinha ...................................... l 000
Pesca da baleia ........................................ 750
Frigoríficos de Matosinhos ............................. l 120
Grémio dos Armadores da Pesca do Arrasto ............... 3 500
Posto de depuração de ostras ........................... 160

A entrada em execução do II Plano de Fomento traduziu-se ainda na manutenção de apoio do Estado ao desenvolvimento e consolidação das actividades piscatórias.
Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 42 518 prorrogou a vigência do Fundo de Renovação e de Apetrechamento da Indústria de Pesca, alterando u sua estrutura e funcionamento.
O Fundo foi autorizado a contrair, durante os anos de 1959 a 1964, um empréstimo interno amortizável, no máximo de 300 000 contos, dando o Estado o seu aval às obrigações deste empréstimo.
E assim vai prosseguindo, dentro do II Plano de Fomento, e agora com o apoio do actual titular da pasta da Marinha, almirante Quintanilha Mendonça Dias, uma tarefa que todos desejamos paru fomento do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: entre os problemas que as pescas agora põem avulta, segundo creio, o da comercialização, com um conveniente abastecimento do País.
De facto, embora a capitação seja das mais elevadas da Europa, como acentuámos, são nítidas as diferenças entre valores das regiões costeiras e do interior.
A muitas zonas do interior chega pouco peixe, mau e excessivamente onerado, dada a multiplicidade dos intermediários. Não lucra a produção, nem beneficiam os consumidores. Apenas a mesma classe parasitária, que noutros sectores tantas dificuldades truz u Nação, ainda aqui causa prejuízos.
O Grémio dos Armadores da Pesca do Arrasto, por exemplo, tem consciência destes problemas e destas dificuldades.
Um inquérito promovido por todo o País revelou a carência de abastecimento em muitas regiões.

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Embora simples conjecturas, os números que a seguir reproduzo são, a tal propósito, elucidativos, ao menos como testemunho de uma expressão tendencial no que respeita a capitações.

[Ver tabela na imagem]

Consciente da missão que sobre mim recai de defender o consumidor e de atender à situação das classes mais modestas, que encontrariam num conveniente abastecimento de peixe inestimável recurso para o robustecimento das suas economias familiares, lanço um apelo para que o problema da comercialização seja encarado em autêntico plano nacional.
Creio que este é o voto mais oportuno na hora em que se festeja a grande vitória da Lei n.º 1953.

O Sr. Alberto de Meireles: - Não quero, Sr. Deputado Nunes Barata, deixar de acompanhar V. Ex.ª num comentário, não à obra das pescas, que V. Ex.ª tão cuidadosamente referiu, mas, sobretudo, ao fasto dos 25 anos da Junta Central das Casas dos Pescadores, associando-me, de todo o meu coração, às felicitações que V. Ex.ª dirigiu àquela Junta.
Quero lembrar os colaboradores do Sr. Almirante Tenreiro, aqueles que iniciaram, na referida Junta, a obra que ele continuou, entre eles o Sr. Almirante Batalha, para afirmar que não estão esquecidos, e que essa obra foi possível certamente pelo dinamismo dos oficiais da corporação da Armada, obra essa à qual se votaram de tal maneira que os resultados estão à vista de todos.
Foram os capitães dos portos, investidos nas funções de dirigentes das Casas dos Pescadores, que continuaram essa obra, enternecedora e humana sob todos os aspectos, dos Magníficos Compromissos Marítimos do litoral do Algarve, cuja fundação data do século XV, e que foram como que os iniciadores da estrutura viva da Corporação da Pesca.
Não quero deixar de referir os comandantes Adolfo Trindade, Henriques de Brito, Tavares de Almeida e o actual comodoro Laurindo dos Santos, que, em Viana do Castelo, fez uma obra notável, e poderia citar muitos outros nas outras capitanias.
E, finalmente, quero afirmar que tudo isso foi possível porque realizado em atitude leal e colaborante e porque há na Armada um espírito profundamente corporativo.
Desejo ainda lembrar os nomes dos Srs. Almirante Ortins de Bettencourt e o Almirante Américo Tomás, que, na qualidade de Ministros da Marinha, deram sempre carinhoso apoio à obra triunfal das Casas dos Pescadores e sua Junta e tanto concorreram para a obra notável que a Junta Central das Casas dos Pescadores fez nestes 25 anos.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está a fazer um aparte?

O Sr. Alberto de Meireles: - Pensava estar, Sr. Presidente, e vou terminar dizendo que, se a Junta Central das Casas dos Pescadores fosse uma unidade naval, poderia ostentar, justamente desde ontem, e no mastro grande, o galhardete que significa «Missão cumprida».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Nunes Barata o favor de continuar.

O Orador: - Já terminei.

O Sr. Presidente: - Então não era um aparte.

Risos.

O Orador: - Termino, agradecendo ao Sr. Deputado Alberto Meireles o seu aparte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: com as mais respeitosas homenagens a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a todos os Srs. Deputados, volto a usar da palavra nesta Câmara, movido pelo maior interesse em servir a causa pública.
Na certeza de que todos os mais instantes problemas, tanto de carácter nacional como regional, merecem a melhor das atenções, por parte do Governo da Nação, no sentido da sua justa solução, venho hoje falar, Sr. Presidente, de alguns problemas rodoviários do distrito de Évora. Por se tratar de um sector dependente do Ministério das Obras Públicas, devo, e porque devo gostosamente o faço, começar as minhas breves considerações por expressar o muito reconhecimento do meu distrito, que aliás é o sentimento geral da Nação, pela pessoa digna, ilustre, humana e, sobretudo, inteligente, que é o Sr. Ministro das Obras Públicas.
Não podem as minhas palavras, por pobres, dar a medida exacta do que todos devemos a S. Ex.ª, mas podem, e isso faço gostosamente, pedir o auxílio que lhe emprestam as funções em que estou investido, a projecção nacional desta Câmara, muito especialmente o apoio de todos VV. Ex.ª, para endereçar no Sr. Ministro das Obras Públicas as melhores homenagens.
Desde sempre, e em todos os países civilizados, tem sido problema premente, dominante até, o das comunicações terrestres entre os povos. Já Roma nos deixou evidentes e monumentais vestígios da forma como encarou, e resolveu, o problema rodoviário.

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Com o andar dos séculos evoluíram, e de que forma, todas as técnicas ligadas à solução dos problemas emergentes. De ordinária, a viação passou a acelerada ... aceleradíssima.
Do transporte de pesos mínimos passámos a pesos da casa das dezenas de toneladas. De vagos utentes rodoviários, cheios de vagar e paciência, passámos aos super apressados e em multidões.
Do caminho vicinal, que se percorria escassas vezes, passámos às auto-estradas, em que, passe o ligeiro exagero, quase vivemos enquanto não morremos.
Ë evidente que o desenvolvimento comercial, industrial, agrícola, científico, turístico e o astronómico aumento demográfico criaram uma crescente necessidade de mais e melhores estradas. Hoje não se pode admitir a inexistência de estradas nem o imobilismo das populações.
A circulação nas rodovias cresceu numa proporção um que, há apenas vinte anos, dificilmente se poderia acreditar. A Administração é compelida aos maiores esforços, secundada pelos contribuintes, para manter, melhorar e criar estradas em boas condições para pessoas e material.
Há países em que a Administração é passiva de procedimento judicial, por parte dos utentes, pela má conservação das vias públicas. O facto dá bem a ideia do que elas representam para a economia geral.
Um dia, que esperamos não demore muito, Portugal usufruirá das mesmas regalias que, evidentemente, só serão possíveis quando a Administração tiver cumprido os planos directores que, aliás, já se impôs.
Pelas fugidias notas que acabo do vos expor, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, infere-se, sem dificuldade, da importância das rodovias na vida dos povos.
Passando aos factos concretos que motivaram esta minha intervenção, desejo, na certeza de ser atendido como é de inteira justiça, chamar a atenção do Governo para que promova as indispensáveis providências para que sejam construídas as seguintes estradas, aliás já projectadas há muito:
Estrada nacional n.º 18, no troço Évora-Azaruja. Esta estrada ligará directamente a cidade de Évora com a mais importante freguesia do seu concelho, Azaruja, que é centro de reconhecido valor económico na indústria corticeira - a mais importante fonte de divisas estrangeiras do Portugal metropolitano- e aglomerado populacional que mantém, mercê da sua indústria, necessidade instante de fáceis, rápidas e económicas vias de comunicação. A cortiça que anualmente é transportada de Azaruja para os portos de embarque cifra-se em alguns milhares de toneladas, que, depois de construída a estrada que se solicita, beneficiará da economia de milhares de quilómetros, que representarão poupança de combustíveis, lubrificantes, viaturas, pneus, e, consequentemente, um poderoso contributo para a melhoria da nossa deficitária balança de pagamentos.
Esta estrada, além do já exposto, facilitaria e diminuiria substancialmente a distância Évora-Estremoz e igualmente a distância Caia-Évora e Caia-Lisboa, o que permitiria um fácil acesso de turistas estrangeiros à monumental Évora, que, diga-se de passagem, bem o merece. Há ainda a considerar que a construção do troço devido aliviaria' o intenso tráfego da estrada internacional n.º 4, no troço entre Estremoz e Montemor-o-Novo, e o facto certamente a todos traria vantagens.
Outra estrada, a 372/1, no troço Vimieiro-Casa Branca, merece, e até por razões especiais que já direi, o melhor acolhimento para a sua construção. Necessito de reverter, por momentos, a tempos distantes já alguns séculos, para explicar as razões especiais que referi: quando a Ordem de Cavalaria de Évora se transladou para Avis, dando origem à Ordem que ainda hoje perdura, manteve-se, pela via cuja construção se solicita, um permanente elo de ligação entre Évora e o distrito de Portalegre. Essa ligação continuou por séculos, sendo por ela que pura essa região se fazia a projecção da Universidade de Évora, e por ela vinha um número elevado de distintos alunos dessa Universidade.
Tão grande foi essa troca de valores intelectuais que ainda hoje é copioso o número de alunos das escola» secundárias de Évora que, seguindo uma tradição científica, são oriundos da região em causa. Por não ser frequente que uma estrada se justifique, tanto como esta, por um argumento tão nobre -a educação-, aqui se revela o facto para que se considere na grandeza que possui.
Ainda outra estrada merece especial atenção, a 373, no troço de Alandroal a Redondo. Esta via também tem o seu carácter histórico: por ela se ia à irridente Olivença. E a mais fácil e directa ligação com a sede da comarca de populosas freguesias que hoje são forçadas a longos e custosos desvios para cumprirem as suas obrigações judiciais, fiscais e de carácter económico.
As estradas de que acabo de vos falar, Sr. Presidente, todas estão devidamente projectadas e representam justíssimos anseios das populações que virão a servir. Atender o que se solicita é atender problemas graves, tanto de carácter político, como económico e social. Eu sei, todos sabemos, que ao Governo da Nação não são indiferentes quaisquer aspectos dos problemas, mas, como no caso vertente, quando esses aspectos são múltiplos e são sérios, há a satisfação de se fazer um pedido que bem merece ser atendido.
Não queria, Sr. Presidente, deixar de chamar a atenção de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas para o estado, o mau estado, em que se encontra grande parte da estrada entre Évora e Montemor-o-Novo. Esta é a única via directa Évora-Lisboa e, de longe a mais. frequentada das que partem de Évora. Falar do que representa para a minha região a única ligação com Lisboa parece-me desnecessário, por tão evidente. E certo que, por prudente administração do Sr. Director de Estradas local, que se louva, se fizeram ligeiros arranjos e se renovaram escassos quilómetros à entrada de Montemor-o-Novo.
Mas isto não basta. Urgentemente se necessita de uma reparação que reponha esta via em condições de satisfazer aos altos interesses que serve. Tudo o aconselha, e até a segurança dos utentes.
Sei que há planos directores, que algumas estradas do meu distrito já estão dotadas com elevadas vergas, como a n.º 4 (internacional), mas também sei que em 1951 havia no distrito 849 km de estradas nacionais e que dez anos depois, em 1961, havia 930 km. Reconheço que no capítulo de estradas muito se tem feito, mas um aumento de apenas 81 km em dez anos é certamente pouco.
O problema dos pavimentos, assunto ainda hoje de animadas controvérsias técnicas, apenas me merece um ligeiro apontamento: 25 por cento das estradas do meu distrito são ainda do tipo Mac Adam.
Parece-me que o caso deverá ser atendido com o cuidado que habitualmente os nossos serviços põem na solução dos problemas técnicos.

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E, porque se fala em serviços, justo seria que Évora fosse dotada com um edifício condigno para os serviços de estradas, que bem poderia ser construído à entrada da cidade, na estrada de Lisboa. Essa construção permitiria, além da desocupação das actuais precárias instalações, uma eficiente ordenação de todas as descendências, com a consequente melhoria no rendimento o trabalho, e, factor muito de ponderar, ajudaria a compor uma entrada da cidade bem digna de edifícios com certa grandeza.
Não desejo, Sr. Presidente, perder esta oportunidade sem falar de uma estrada de tipo especial que sobremaneira interessa à cidade de Évora - a estrada de circunvalação.
Como se infere, trata-se da via que, circundando a cidade junto à cinta das suas velhas, gloriosas e monumentais muralhas, serve, como grande radial, a todas as vias divergentes e como avenida de alto valor turístico. Acontece, porém, que, com a extensão total de cerca de 6 km, a sua reconstrução tem sido de uma lentidão tal que, tendo sido consignada a 1.ª fase em 9 de Outubro de 1948, hoje, a mais de treze anos de distância, estamos a menos de metade do seu desenvolvimento total. E com certeza enervante o ritmo imposto a estes trabalhos. Creio, e os factos hão-de dar-me razão, que o ritmo será modificado no melhor sentido.
Além do mais, esta via ajudaria o desenvolvimento de Évora, por ser a grande circular que se impõe, não só para descongestionar o trânsito intramuros, mas ainda como fulcro dos arruamentos dos novos bairros já construídos e a construir. Nem tudo se pode esperar das câmaras municipais, porque nas condições actuais o que se lhes pede é de tal forma incomportável com os seus réditos que em breve será mais difícil arranjar um presidente de câmara municipal que um astronauta voluntário.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: passa hoje o primeiro aniversário dos tristes acontecimentos que tão profundamente perturbaram a tradicional paz em que Angola vivia, quebrando brutalmente o seguro ritmo do labor das suas gentes, interrompendo o processar de uma obra de progresso geral, a todos os títulos meritória, apesar das imperfeições de toda a obra humana, que, a par do honesto reconhecimento de quem a via com isenção, não poucas invejas suscitava.
No transe foi mister recorrer a improvisações e houve de fazer-se recurso a meios não os mais próprios, justificados, aliás, pela urgência das medidas a tomar, impostas por uma situação que se não compadecia da elevação das normas que sempre foram nosso timbre.
Neste primeiro aniversário do eclodir da selvática onda de terrorismo que inundou o Norte daquela província, venho lembrá-lo não tanto pelas amargas recordações que, a meu pesar, conservo no meu íntimo e que sei dever guardar bem recalcadas no meu coração, mas porque a marcha do tempo, a natural fraqueza humana, a tolerância até, que achamos virtude, tende a esquecer o mais remoto, a causa e o imediato efeito, melhor lembrando o mais recente que lhe parece inadequado.
A vida não se faz agarrada ao passado, mus é nele que vamos colher os ensinamentos que nos permitem caminhar mais segura e firmemente. Certo teremos de nos esforçar por esquecer os tempos maus e olhar o futuro por forma a torná-lo melhor, mas sangram ainda muitos corações, está ainda muito viva a lembrança desse recente passado para que possamos deixar de ter presente a memória dos que pereceram e das circunstâncias em que as suas vidas foram ceifadas.
Mais: hoje ainda, e infelizmente, a paz não voltou por completo e muitos dos nossos irmãos vivem a ansiedade do momento difícil que atravessamos e esperam que lhes seja concedida a possibilidade de voltarem ao ambiente próprio que os acontecimentos lhes roubaram.
Será uma questão de tempo, mas este passa, perde-se, e há que recuperá-lo com urgência, sob pena de se avolumarem os atrasos, com consequente agravamento da situação.
É este um problema militar que acompanhamos, como acompanhamos os problemas político e económico de Angola - todos intimamente ligados e requerendo urgente solução, pese embora o sacrifício que para tanto haja a fazer-se. Já o disse aqui e repito: é forçoso criar uma consciência nacional que não deixe subsistir dúvidas em ninguém de que tanto é província Angola como o são o Minho ou o Algarve e, para que o objectivo se atinja, há que entrar deliberadamente nas reformas que se impõem , legislando mas cumprindo com plenitude o que se sabe ser imprescindível ao fim em vista.
Também já trouxe a esta Assembleia o pensamento responsável da necessidade de aceleração da integração económica do espaço nacional, efectivando o previsto e decretado Mercado Único Português.
Enquanto este se não concretiza, mas por estrita obediência às limitações técnicas que lhe são impostas, que algo se faça tendente a eliminar o desconhecimento da situação real da interdependência de todas as nossas províncias metropolitanas e ultramarinas, demonstrando-se com a maior dureza o que Angola representa, no todo português e equacionando-se os problemas que nos surgem e mais nos afligirão - quer políticos, quer económicos - se a economia daquela província, que continua n ter uma- economia própria, não for saneada e tornada capaz de suportar o que em todos os campos lhe é exigido agora. Acabe-se com as recriminações e com as quezílias, fruto as mais das vezes de ignorâncias que é forçoso esclarecer cabalmente e que constituem vasto campo onde proliferam mal-intencionados, que os há sempre. Mas, ao mesmo tempo, apresse-se a aplicação das medidas preconizadas e verificadamente capazes de sanear a situação de Angola, que o não está ainda, infelizmente.
Uma obra inacabada pode perder-se por completo, e com ela todo o enorme esforço que já se fez. Ê forçoso, portanto, exigir-se um pouco mais de sacrifício paru que se complete, na certeza do muito que se ganha.
Não se ignora quanto se fez no campo militar; têm tido larga divulgação as medidas tomadas para melhorar a situação política e, quanto à económica, também concretamente se podem apontar as soluções encontradas para alguns dos seus problemas considerados dos mais urgente. Mas, não obstante, e reconhecendo o que se tem feito, temos de confessar que, quer militar, quer política, quer economicamente, a obra está por completar e, consequentemente, em risco de ver perdidos alguns dos muitos esforços que já se fizeram.
No campo militar e no político, talvez que o tempo ajude a obra e até a favoreça; mas a economia requer solução urgente aos seus mais prementes problemas,

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que têm de ser encarados de frente e dentro de toda a realidade.
Sabemos que o Governo não se poupa a esforços no sentido de encontrar as soluções que se desejam e que se impõem, mas nem sempre sabemos os resultados dos estudos feitos, nem as medidas que se preconizam para alcançar tão almejado fim. E, em nosso entender, sem prejuízo de naturais reservas a observar, a Nação deve ser informada, não só para mais conscientemente se manter integrada nos seus problemas, mas até para sentir os esforços do Governo e conservar a confiança, que de outro modo se pode extinguir.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Muito bem!

O Orador: - Prevista, e prestes em entrar em execução, a integração do espaço económico português, não se enxerga como resolver o problema cambial de Angola e não se concebe o mercado único sem aquela resolução.
Há cinco anos que venho levantando nesta Câmara o assunto e demonstrando a sua transcendência, sem que se vejam, mau grado nosso, tomadas as medidas que se requeriam e cada vez mais se impõem.
Se tempo houve em que se poderia pensar na solução com os meios próprios de Angola, está hoje ultrapassado o pensamento, em nossa opinião, pois graves riscos se correm nos campos político e económico se se ignorarem as necessidades de desenvolvimento de Angola e a aceleração que se lhe deve imprimir com urgência. Ora a solução do problema cambial limitada aos recursos próprios, além de problemática e morosa, tem forçosamente reflexos económicos e políticos tão graves, pelo menos, como o problema que se pretende resolver.
Reconhecido como está o quanto Angola carece de capitais imprescindíveis ao seu progresso, ao seu desenvolvimento, que não pode parar, tudo haverá a fazer-se para os chamar - e nunca os teremos enquanto garantias não forem dadas, não diremos já da sua segurança, mas da livre disposição da sua rentabilidade.
As realidades têm de ser encaradas como realidades que são, sem nos determos no bom ou mau que nelas existam. O contrário é viver de utopias, de sonhos, na certeza de um despertar bem desagradável, pior que a própria realidade. Nada ganhamos em persistir na teoria de que os capitais acorrem a simples chamamento, a um acenar de boa aplicação, que não tenha evidência e não seja plenamente garantida. Ressalvam-se as excepções, que é justo destacar, mas que não passam de excepções.
De resto, parece que o problema não se resolve no âmbito nacional, e, assim, o que se preconiza tem ainda mais razão de ser.
As considerações que precedem, não apresentando situações novas, terão o mérito de lembrar a premência de se resolver o que está na base de tudo o que há a fazer-se em Angola: os investimentos a largo prazo, sem o que não haverá nada de estável.
Encarada a necessidade de investimentos transcendendo o mercado nacional de capitais - e mesmo neste -, fácil se torna conceber que terá de se ter em linha de couta a concorrência que nos fazem todos os que se encontram em circunstâncias idênticas e que, apesar da vantagem de mais vasto campo de prospecção e angariamento dos referidos capitais, não hesitam nas facilidades e garantias oferecidas na solicitação dos mesmos. Que fazer do nosso lado senão concorrer também oferecendo idênticas facilidades e garantias?
E um facto que tem de ser entendido como tal e que, portanto, implica a criação urgente da política correspondente. De resto, se a situação cambial é deficitária por falta de capitais, parece óbvio que a solução estará em encontrá-los, já que as medidas restritivas até aqui tomadas na esperança de a resolver se mostraram improfícuas, insuficientes. Cremos mesmo e firmemente que um surto de investimentos em massa que permitisse a exploração dos recursos que o aguardam significaria a melhor e mais rápida solução do problema cambial de Angola. Mas sem garantias prévias e bastantes não teremos essa solução, porque não haverá investimentos.
Ao mesmo tempo, para mais fácil recuperação de todos os recursos de Angola e com a experiência dos bons resultados obtidos pelo Ministro do Ultramar com as medidas tomadas em situação de excepção, tudo aconselha a manutenção de mais largos poderes para prosseguimento da obra encetada, já que tão bons frutos deu. Essa obra, como todas, não pode nem deve ser interrompida, sob pena de se perder o muito que já se fez.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Embora dita há um ano nesta mesma Casa, continua com propriedade esta minha afirmação: «Há que agir hoje, para que não seja tarde amanhã».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se a

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade as propostas de lei sobre a previdência social e o Estatuto da Saúde e Assistência.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: no cumprimento de um dever que a minha formação, quer de médico, quer de Deputado, impõe a minha consciência de homem subo hoje a esta tribuna, que tantas vezes tenho ocupado, para apreciar o projecto de lei em debate, que comporta a reforma ou, melhor, a criação de um novo estatuto de saúde e assistência. Problema de alta projecção na vida nacional, encerra no seu conteúdo o novo estatuto, e há que confessar ao iniciar, as poucas e breves considerações que pretendo fazer, que o facto se reveste para mim de extraordinária dificuldade, pois semelhante apreciação, de uma delicadeza e gravidade bem patentes, acarreta graves responsabilidades ao meu espírito.
Julgo este diploma, pela sua grandeza e pela sua delicadeza no exercício da sua acção profunda na vida nacional, problema da mais alta relevância e merecimento dos mais delicados que têm vindo à Assembleia Nacional, não podendo ser tratado de ânimo leve, mas devendo pôr ao serviço de causa de tanta nobreza e gravidade como é a sua publicação toda a reflexão e todo o empenho em busca de rumos certos, tendentes à conservação da vida e da saúde. Há que despender notável esforço para conscientemente se proceder a um estudo conveniente dos princípios-bases que constituem.

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esse projecto de lei, não tendo dúvida em afirmar, o que sinceramente me penaliza, não dispor de facilidades e de tempo que me permitissem estudar como desejaria esse articulado de providências, motivo e causa para uma transformação completa e perfeita nos vastos domínios da saúde e da assistência.
E inteiramente digno da Lomenagem que aqui lhe desejamos tributar o Sr. Ministro da Saúde e Assistência, pela profícua actividade que vem realizando dentro do cargo em que há três anos foi investido, actividade inteligente, mais uma vez demonstrada em face da proposta de lei, que, após prévio estudo e parecer da Câmara Corporativa, baixou à Assembleia Nacional.
E não posso, Sr. Presidente, nem quero, neste instante deixar de pôr em evidência a acção da Câmara Corporativa na ordenação do seu exaustivo e completo trabalho, emitindo um parecer que muito honra e dignifica todos quantos nele colaboraram, com destaque especial para o seu ilustre relator, o Dr. Trigo de Negreiros, que mais uma vez teve ocasião de confirmar as suas brilhantes qualidades de inteligência e os seus dotes extraordinários de homem público.
Sr. Presidente: são inteiramente necessárias todas as medidas que possam favorecer e debelar o atraso em que. se encontram diversos sectores da nossa assistência, e a proposta de lei n.º 5, no seu relatório preambular, faz demonstração clara dos obstáculos que temos a vencer para tirarmos rendimento útil do estatuto em discussão, como suprimento das nossas reconhecidas carências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, antes de mais, que conseguir recursos financeiros suficientes para tal desiderato, sem os quais não haverá possibilidades de resolver problemas que de dia para dia tendem a agravar-se. E, embora a iniciativa particular, manifestada das mais variadas formas, valha ou represente parcela de reconhecida importância, o Estado tem necessidade absoluta de aumentar vultosamente as suas dotações, as suas verbas, para assim poder solucionar os diferentes problemas da saúde e da assistência.
E de inteira justiça pôr em destaque as actividades particulares, onde a bondade e a caridade se afirmam exuberantemente, muito especialmente a obra realizada pelas Misericórdias, que desde séculos vêm efectivando inigualável tarefa no campo assistência!, bem merecendo serem ouvidas e atendidas nas suas justas reclamações e apoiadas as suas magníficas sugestões.
E não pode também esquecer-se, Sr. Presidente, o ingente sacrifício de ordem assistencial que as câmaras municipais, tão carecidas de recursos, vêm realizando em colaboração com as suas comissões de assistência, em via de extinção no projecto estatutário, comissões que bem mereceram, apesar de tudo, ura aceno da melhor simpatia e homenagem.
Só hora grave que o País atravessa não podem descurar-se os problemas da Administração, olhando com carinho e o interesse devido o futuro da grei portuguesa, que necessita ser valorizado pela saúde e pela instrução adequadas, os maiores e os melhores valores de um povo. São extraordinariamente complexos e delicados os problemas inerentes à saúde e à assistência devida às populações, e só à custa de uma palpável melhoria de recursos financeiros, como venho afirmando, eles poderão ser solucionados.
A vida hospitalar exige métodos revulsivos e práticos, que ao Estado compete realizar, numa função de alta finalidade que por direito e razão lhe cabe. Não se aceitam nem se justificam economias perante a vida e perante a saúde do povo, pois de semelhante actuação nada resulta de útil para as famílias ou para a sociedade, que necessitam de ser atendidas em suas necessidades assistenciais.
Há serviços de feição puramente burocrática que bem poderiam simplificar-se, concentrar-se, e não penalizar-se; serviços com os quais se despendem quantitativos necessários ao doente, que é o elemento único e fundamental a que tem de atender-se com o melhor carinho e o maior interesse. Não são de aceitar ou de admitir, como já disse e repito, economias ou carências que envolvam a saúde e o bem-estar das populações, evitando-se as multiplicantes e exigentes formalidades de ordem burocrática, que nada representam ou valem e muito pesam na orgânica administrativa dos respectivos departamentos. A criação do Ministério da Saúde e Assistência marcou na vida da Nação assinalado triunfo, magnífica vitória, que não pode nem deve perder-se em face das complicações de certos serviços que urge actualizar e simplificar, não dando causa a embaraços ou a dispêndios inúteis.
Sr. Presidente: disse há pouco que às Misericórdias suo devidos merecidos louvores pelo muito que têm realizado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Elas promoveram e continuam obra de extraordinário vulto que nunca será de mais louvar e enaltecer. Merece bem um destaque especial, que muito me apraz aqui deixar, a acção magnífica, vasta e profunda que a Santa Casa da Misericórdia do Porto vem desenvolvendo nos largos séculos da sua existência.
Os seus hospitais, à frente dos quais se coloca o Hospital Geral de Santo António, como grande estabelecimento assistencial que é e continuará sendo, têm prestado ao País inigualáveis serviços. Mas como grande hospital tem as suas necessidades, necessidades de que o Estado está completamente inteirado e que forçosamente hão-de ser resolvidas, vistos os seus problemas financeiros constituírem o problema mais difícil de solucionar. Mas, não abdicando da independência de que goza, subsidiada pelo Estado, a Misericórdia do Porto vem actualizando a sua velha orgânica, adaptando-a às necessidades da hora actual, de modo a poder continuar o Hospital Geral de Santo António, após a sua reorganização técnica e administrativa, a velha tradição que lhe cabe, considerando-o como um dos melhores estabelecimentos de assistência do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim integrado na orgânica nacional, ele poderá continuar a desenvolver-se e a actualizar-se, com o máximo proveito para os doentes e para os próprios médicos. As Misericórdias são olhadas no estatuto da saúde e assistência em projecto com o interesse e o carinho que bem merecem, atribuindo-se-lhes o primeiro lugar nas actividades locais dos respectivos concelhos, cabendo-lhes assim a responsabilidade das funções de saúde e de assistência, o que se me afigura inteiramente justo.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: as carreiras médicas, sendo um dos problemas que a Ordem dos Médicos vem tratando com o maior interesse, não são esquecidas no
projecto do estatuto em discussão, visto este pretender desde já o estabelecimento das carreiras de saúde pública e das carreiras hospitalares.
Aguardamos o resultado de semelhantes medidas, parecendo-nos que a classe médica e o seu labor sofrerão uma melhoria e uma valorização bastante sensíveis. Há necessidade, grande necessidade, de criar especialistas, técnicos, investigadores, que tanta falta nos fazem, e, embora as dificuldades de que essa operação se reveste sejam grandes, é preciso vencê-las para nosso prestígio.
Sr. Presidente: silo a tuberculose e o cancro as duas grandes doenças sociais que mais têm afligido a humanidade, constituindo problemas extremamente graves, se é de urgência minimizar nos perigos que acusam, luta contra a endemia bacilar tem sido orientada entre nós em diferentes planos, não podendo dizer-se havermos cometido erros na preparação do arsenal defensivo que lhe é necessário. Tudo quanto se realizou - grandes sanatórios, dispensários, enfermarias-abrigos, etc. - nada se perdeu.
Embora a época da multiplicação de camas esteja ultrapassada, pode bem afirmar-se que tudo quanto está feito foi e é bem aproveitado, visto os grandes hospitais de doentes tuberculosos, embora perdendo uma grande parcela da sua função, continuarem sendo magnífica reserva para casos devidamente indicados.
A medicina preventiva desempenha hoje perante a tuberculose a melhor arma de combate contra tão maléfica endemia. Há que usar dos meios que a medicina hoje oferece àqueles que são atingidos pela doença, e esta poderá hoje, à face dos novos métodos, ser tratada até em sua própria casa sem qualquer prejuízo para os que privam com o doente. O que se torna indispensável é que o diagnóstico se faça a tempo, e o radiorastreio é uma segura na despistagem da enfermidade.
Este e a vacinação em massa pelo B. C. G. são elementos essenciais que precisam levar-se aos mais recônditos lugares da nossa terra. Mas o que sucede com a tuberculose, cujas taxas de mortalidade se torna necessário reduzir ao mínimo, dá-se com outras doenças, cuja vacinação confere imunidade certa ao indivíduo.
O que é preciso é agir com segurança, numa prevenção aturada e geral, visto que nos últimos dez anos a epidemiologia, a táctica a seguir na luta contra a tuberculose e a terapêutica sofreram alteração profunda. Parece estar ultrapassada a febre da construção de grandes sanatórios, que não foram, não são e nem serão, como já o afirmei, elementos dispensáveis, visto terem uma função que na sua especificidade é, e será sempre, valiosíssima.
Não pode negar-se, tão real é hoje o facto, que a bacilemia de Kock dispensa, na grande maioria de casos, terapêutica sanatorial. Prevenir, bem melhor do que remediar, é velho aforismo. Está na medicina preventiva a mais económica e a melhor arma de que dispomos contra a tuberculose, que não dispensa, à face da patologia, os elementos curativos que a terapêutica actualizada indica e aconselha.
Sr. Presidente: no que acabo de sucintamente expor vai uma súmula do muito que há a realizar entre nós, onde uma rasgada política de saúde e assistência se impõe na renovação e actualização de processos e meios capazes de transformar, pelos seus resultados, ambientes de descrença em labaredas de fé e de confiança
nos homens e nos processos, mima melhoria de condições de vida onde a manutenção da saúde e o combate preventivo da doença ocupam o lugar que por direito es compete.
Sr. Presidente: quando em Dezembro passado se discutiu na Assembleia Nacional a Lei de Meios, tratei desenvolvidamente do grave problema respeitante à mortalidade infantil, nas suas nefastas e graves consequências, problema que se confunde desde a sua origem com a assistência materno-infantil.
Largo comentário tracei, em face dos quadros estatísticos que aqui trouxe, facto que naturalmente passou despercebido à Assembleia Nacional e às entidades superintendentes em assunto dê ordem tão delicada e de tanta actualidade.
Não vou agora repetir essas considerações, baseadas em números que de maneira alguma satisfazem os nossos anseios.
Impõe-se afirmar neste momento ser a taxa de mortalidade infantil um índice perfeito de civilização em países adiantados, especialmente no período que diz respeito aos primeiros 28 dias de sobrevivência. Esta taxa, que atinge 2,7 por cento do total, está na dependência das condições do ambiente de sanidade em que a mãe vive e gera o seu filho, o que inteiramente justifica uma assistência materno-infantil realizada dentro dos melhores moldes e dos preceitos mais actualizados.
Nas quatro primeiras semanas da vida infantil mais de um quarto do total dos nascimentos, e de muitos prematuros, pagam com a vida os efeitos da organização, que poderia e deveria salvar muitos dos que morrem. Este facto, pela sua importância, demonstra o absoluto da necessidade que existe de olhar o problema da mortalidade infantil, problema da mais alta transcendência, com a melhor atenção, colocando-o na sua gravidade a par da tuberculose.
A ele se refere numa das suas bases o projecto do estatuto da saúde e assistência, e votos formulamos para que às palavras, que por vezes parecem dizer muito sem dizerem nada, correspondam actos de firmeza, na execução de planos correspondentes ao valor representativo da conservação da vida da criança, que desde o período intra-uterino até determinada idade exige cuidados especializados da mais alta delicadeza.
Sr. Presidente: na base-projecto de estatuto nacional de saúde e assistência, apresentado pelo Governo, nada se diz acerca da luta a estabelecer contra uma das mais perigosas doenças que atacam a humanidade em todas as suas camadas.
Bem andou a Câmara Corporativa não esquecendo na elaboração do seu magnífico parecer a importância e a gravidade de que se reveste o cancro, como um dos grandes flagelos sofridos pelas populações, ceifeiro de vidas na plenitude magnífica da sua existência.
Em todo o Mundo, especialmente nas nações de adiantada civilização, o canoro, nas suas malignas consequências, com taxas de mortalidade aterradoras, é objecto de justificadas preocupações, dando lugar ao premente estudo do problema tão grave como delicado, impondo a necessidade de ser encarado em toda a sua extensão, em toda a sua profundidade.
O cancro, sendo a doença social mais perigosa e mais mortífera, é objecto e motivo de investigação aturada e constante dos cientistas de todos os países, multiplicando-se, os seus centros, no seu despiste, na sua etiologia, nas suas causas e nos seus efeitos.

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Há que manter perante a malignidade que ele acusa uma ofensiva aberta a todas as suas manifestações, utilizando nos centros de especialidade da cancerologia todos- os meios possíveis para o seu precoce diagnóstico e, concomitantemente, para aplicação dos meios terapêuticos de que presentemente se dispõe.
Nos centros de mais adiantado avanço essa luta envolve um dos problemas de maior incidência e de maior relevo em face da saúde pública. Não é animadora a nossa situação perante questões de tão alta magnitude e gravidade, tornando-se necessária e urgente a organização, em plano nacional, da coordenação de elementos indispensáveis ao seu combate.
Os diagnósticos precoces, base confiante do êxito terapêutico, têm de ser feitos ou realizados nos serviços das variadas especialidades, como sejam a ginecologia, a gastrenterologia, a otorrinolaringologia, a urologia e tantas outras especialidades. Os respectivos tratamentos deverão ser executados nos centros instituídos e destinados n tal finalidade, centros que é urgente fundar, tendo de reconhecer-se ser o Porto a cidade menos protegida em semelhante matéria.
Ao Instituto Nacional do Cancro caberá no seu máximo um grande papel no combate cerrado e persistente, que tem de ser cada vez mais activo e mais profundo, pertencendo-lhe a maior soma de responsabilidades no desempenho de tão meritória como ingrata tarefa. Para execução de um plano de grande fundo verdadeiramente nacional, que não pode nem deve limitar-se a Lisboa, ao Porto e a Coimbra, mas a todo o País, sugestiona a Câmara Corporativa, como elemento de progresso a que se está procedendo no Estatuto da Saúde e Assistência, a integração do Instituto Português de Oncologia no Ministério da Saúde, afastando-o assim do Ministério da Educação Nacional, a que sempre tem estado ligado.
Não combatemos semelhante ideia, cujos fundamentos a Câmara Corporativa, na sua quase unanimidade, bem compreende e apoia, o que não é de estranhar, visto os Hospitais de Santa Maria e de S. João se encontrarem já presentemente integrados no Ministério da Saúde e Assistência.
Quer-nos parecer que nenhum prejuízo adviria em semelhante transferência, acautelados que fossem os interesses ligados ao ensino e à investigação, que tão necessária se torna.
Para caso de tanta importância chamo a atenção da Assembleia Nacional, pedindo que seja olhado com o cuidado e o interesse que são inteiramente devidos à sugestão apresentada pela Câmara Corporativa no seu parecer sobre o estatuto, onde o cancro parece ter sido esquecido, numa concessão de liberdade que se aceita e se compreende.
Sr. Presidente: vou dar por findas as breves e modestas considerações que venho fazendo, nas quais, muito ao de leve, abordei como entendi alguns dos problemas que o Estatuto da Saúde e Assistência pretende resolver. Mas sentiria remorsos na minha consciência de médico, de Deputado da Nação e de homem que sempre lutou pela verdade se, ao terminá-las, esquecesse a obra realizada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social através dos serviços médicos das caixas de previdência.
E de extraordinária grandeza e volume na sua benéfica, generosa e protectora actividade a tarefa realizada nos últimos anos pelos Serviços Médico-Sociais, cuja acção se alarga de dia para dia, estendendo-se a mais de milhão e meio de beneficiários, direitos que lhes são assegurados pelo exercício de tão meritória função, abrangendo os mais diversos ramos de uma assistência eficiente e perfeita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode bem afirmar-se, sem qualquer receio de desmentido sério, que essa tarefa de ordem médico-social, levada a cabo pelas caixas de previdência, marca belo e inigualável triunfo nas realizações do Ministério das Corporações, onde tanto e tão devotadamente se vem trabalhando na última década.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É extraordinariamente grato ao meu coração de português deixar aqui, perante V. Exa, Sr. Presidente, e perante os membros da Assembleia Nacional que me escutam, a homenagem devida a todos quantos vêm trabalhando no sector assistência! ligado ao respectivo Ministério, sendo-me permitido n realce devido à inteligente, fecunda e vigorosa actividade do Sr. Dr. Soares da Fonseca ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e que deste lugar saúde o mais devotado obreiro dessa magnífica o ora: o Dr. Veiga de Macedo ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... que ao serviço da Nação vem sacrificando uma grande parcela da sua vida, sempre orientado pela defesa do bem comum ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... prestigiando a função que tão brilhantemente exerceu e honrando a Pátria, que o conta no número dos seus estadistas e dos seus filhos mais ilustres.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sales. Loureiro: - Sr. Presidente: ao debruçarmo-nos sobre a legislação agora trazida a esta Câmara desde logo se nos afigura estarmos perante diplomas cuja importância é de tal largueza e consequência que desde logo se impõe o nosso aplauso quase geral às propostas em discussão.
As mesmas, na sua urdidura, revelam o claro engenho dos seus artífices e a coragem do Governo em ir de encontro aos problemas gerais da mais flagrante actualidade, procurando, para além das complexas limitações da hora que passa, fornecer-lhe conveniente arrumo e encontrar-lhe eficiente solução.
Tendo em conta n proposta de lei sobre a reforma da previdência social, não nos alongaremos no nosso estudo senão em aspectos de particularidade, porquanto a esclarecida e esgotante análise feita por quem de direito no início da discussão, o Sr. Deputado Dr. Veiga de Macedo, fez suspender a atenção da Câmara pela brilhante tese que apresentou sobre n problemática da matéria que ora se discute.

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Entretanto, acorrem-nos à guisa de intróito considerações do que deve entender-se por previdência.
Esta pretende obviar era certa medida às necessidades eventuais mais instantes, presentes e futuras do indivíduo, entendido na sua trama familiar e no seu círculo social.
Visa a dar-lhe uma segurança que numa medida o preserve das contingências da vida no que ela lhe reserve quanto à saúde, ao acidente, ao emprego ou u velhice.
Mas, para além desta relativa segurança que uma previdência progressiva lhe possa conceder, fica sempre aquela insegurança que aos espíritos conduz o medo da guerra absoluta e relativa dos cataclismos políticos e sociais.
A paz, a segurança, entendidos os conceitos na sua forma suprema, no seu conteúdo total, nunca existiram senão como uma aspiração humana, que nem o avanço das técnicas nem a melhoria de nível de vida das populações conseguiram de todo rebater.
A segurança e a paz, mais que realidades objectivas, suo estados de espírito que pertencem a mundo de tal forma vasto e complexo que não há Legislação humana que o abarque.
Entendida, entretanto, a segurança, no domínio social, há nela entre nós lima gradação que do quase mula emergiu ao ponto em que ela actualmente se encontra e a que lhe deram corpo vários artigos e números da Constituição Política, o Estatuto do Trabalho Nacional, o Estatuto da Assistência Social e outra legislação complementar.
Toda esta legislação acentua os deveres do Estado perante a chamada «segurança social».

O Sr. Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - Esta, visando a cobrir os riscos individuais ou familiares, é uma obrigação a que não se podem furtar as sociedades emancipadas que dela fazem código de honra nos regimentos da sua ética e da sua política. Assim, ao Estado, em sociedades estruturadas como a nossa, compete-lhe intervir de ânodo que não se perca o equilíbrio social, em que há-de forçosamente assentar o pleno funcionamento da estabilidade social do contingente humano.

O Sr. Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - Mas o Estado previdente está longe - por motivos éticos e razões insofismáveis - de ser o Estado previdente.
Desta forma, a previdência acorre a algumas necessidades do indivíduo e da família, e não à totalidade dessas mesmas necessidades.
Logo, a previdência não é, nem alguma vez poderá vir a ser, providência, com que alguns a querem confundir.

O Sr. Jorge Correia: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Jorge Correia: - Falou V. Exa. na extensão da previdência aos rurais. É fundamental.
Entendo que não podemos dizer que temos uma previdência se não a estendermos a todos os sectores da população. Os rurais representam um grande sector
dessa população, visto que esta é essencialmente agrícola. Portanto, temos de encorar de frente, e de vez, o problema dos rurais, e temos necessariamente de fazer em relação a eles o mesmo que fizemos em relação aos outros sectores, sob pena de criarmos um fosso enorme entre os empregados do comércio e da indústria e os rurais.
sou economista; o que sei é que temos de pedir à Nação um esforço no sentido de se estenderem a toda a população os benefícios da previdência.. Creio que é sentimento unânime de todos os portugueses a extensão desses benefícios aos rurais. Vamos, portanto, ver se arranjamos maneira de o fazer, pois estou convencido de que, se se pedir à Nação um X que se destine a uma melhoria dos rurais, não hw ninguém no Paia que não aplauda com fervor esta medida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muito me congratulo com o reforço que V. Exa. quis trazer às minhas considerações. Como V. Exa. verá dentro em breve, no desenvolvimento do articulado que aqui agora é expresso esses problemas são-me extremamente caros e apresento para a sua solução umas outras hipóteses, que, evidentemente, não passam de meras hipóteses, mas que, ao fim e ao cabo, são umas achegas para a resolução do problema.
Mesmo a segurança social em qualquer país terá permanentemente de ser vista à luz da ambiência económica em que o mesmo se desenvolve.
Isto não significa que não se ampliem numa escala coda vez maior os benefícios da segurança, pela cobertura progressiva dos riscos sociais, visto que tal cobertura nunca virá diminuir o sentido da responsabilidade pessoal, como alguns julgam, ou restringir o rendimento nacional, como outros pensam. A certeza daquilo com que se pode coutar nos dias do futuro, a confiança na capacidade do trabalho, o orgulho de se sentir saudável, tudo isto dá ao segurado uma certa satisfação de viver e uma considerável alegria no trabalho, a todos os títulos indispensáveis ao desenvolvimento da iniciativa individual e no melhor rendimento do mais excelente capital - o capital humano.
Assim, buscar remédio eficaz na protecção contra as vicissitudes da existência é objectivo essencial da sociedade, do Estado, e doutrina tradicional da Igreja.
Ela a desenvolve através de encíclicas notabilíssimas, como Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Divini Redemptoris e Mater et Magistra, todas elas apoiadas nos pressupostos que o espírito de caridade e os sentimentos de solidariedade postulam.
Destarte surge como pertinente e inevitável o seguro social obrigatório, na ilação com a melhoria das condições de vida e trabalho dos operários.
O problema que desde logo se põe, quanto a esse seguro, é o de saber se ele poderá ser extensivo aos assalariados da agricultura, comércio, indústria, profissionais livres e trabalhadores domiciliários e do serviço doméstico, como recomendava a Organização Internacional do Trabalho, desde 1921, ou se, pelo contrário, só deverá ser aplicado apenas a determinados sectores de actividades e classes profissionais.
Torna-se por de mais evidente que a justiça social impugna, por objurgatória, a segunda alternativa.
No desenvolvimento deste articulado surge como lógica a extensão a esses campos do mundo do trabalho dos seguros sociais obrigatórios, na doença, invalidez, velhice, morte e desemprego.

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Mas já em 1951 e 1952 a Conferência Internacional do Trabalho apresenta como norma mínima de segurança social além daquelas eventualidades as seguintes: maternidade, acidentes de trabalho, doenças profissionais e sobrevivência e encargos familiares.
Com base nas deficiências da estrutura agrária, na debilidade económica das empresas agrícolas e na insuficiência dos salários, que reduziam a um mínimo quase de valor simbólico as prestações dos trabalhadores surgiu em quase todos os países um movimento paru excluir os trabalhadores agrícolas da quase totalidade dos ramos do seguro obrigatório.
Torna-se desde logo notório que a classe do trabalhador rural não pode ser enquadrada no âmbito do esquema proposto para os seguros das outras classes, entre outras, por razões de ordem financeira.
Mas se foge ao esquema, não é isso motivo para que se não tenha em conta que, por seu condicionalismo, tal classe necessita da mesma repartição de benefícios que a previdência distribui pelas que agora abrange.
Demais, o princípio da universalidade, em tendência a abarcar progressivamente a colectividade nacional, impõe que tal se verifique.
O mesmo se deve verificar em relação aos trabalhadores independentes, porquanto de todos se deve exigir a incorporação no esquema de segurança, porque desta forma o mesmo mais se aperfeiçoa e melhor se justificam os benefícios indiscriminatórios que o mesmo concede.
O Estado não pode alhear-se dos direitos destas classes, que constituem o principal suporte em que se apoia a estabilidade social e política do Regime. Em vários países que não são de índole socialista, o Estudo subsidia, em regime de compensação, as caixas seguradoras de regime deficitário.
Tal fundo ou o vai extrair do rendimento das empresas, que será o fundo de compensação social, ou então opta pela tributação de um imposto especial sobre os rendimentos gerais, e, neste caso, temos o seguro social universal.
Pergunta-se: e qual será aqui a função dos beneficiários utentes de uma benesse para a qual não contribuíram directamente?
As suas quotizações ou prestações, essas, ou seriam comparticipantes com o Estado em regime misto ou reservá-las-iam, mais especialmente, para a assistência social ou para seguros u curto prazo.
Do que não resta dúvida é de que, reconhecida a utilidade pública dos serviços de segurança, tem pleno cabimento e é absolutamente exequível a comparticipação ou subvenção governamental.
E complexo o problema, tem incidências que exigem cautelas?!
Muito bem! Mas estude-se com afinco, tornando já como bom o muito que se fez, mas tendo-se em couta que o mundo em que vivemos carece de reformas e que, tal como Sir Beveridge disse, a hora é apara modificações profundas, não para remendos»!
Mas com moderação, sem excluir a pertinácia, vamos ao menos remendando, certos de que não muito longinquamente tenhamos os resultados práticos por que todos anseiam e legitimamente esperam.
A segurança social tem de realizar-se pela comparticipação de toda a colectividade e há-de generalizar-se a todo o agregado, mediante o alargamento do esquema das eventualidades, não de molde a resolver todas as necessidades primárias dos indivíduos e da família, mas de modo a obstar que por imprevidência caiam no abismo da miséria.
Há, pois, que trabalhar por incluir no sistema, em tempos vizinhos, as pessoas ligadas à agricultura, que aguarda logicamente uma fixação de preços para os produtos agrícolas, da mesma sorte que os vê fixados para os que derivam das outras actividades.
Então ela encontrar-se-á disposta a acorrer aos sacrifícios que porventura lhe caibam na nova orgânica da previdência. Sem embargo das dificuldades, que, no nosso país, não são menos ampliadas, olhemos de frente este problema, certos de que teremos realizado a melhor obra a bem da comunidade agrária de Portugal.
Tal como no Plano Beveridge, não desesperemos mesmo de encontrar solução para um seguro social que abranja a dona de casa. Trabalhadora incansável, numa labuta tantas vezes anónima, mas heróica, a mulher portuguesa que vive em casa e para o» seus transforma tantos vezes o lar, pela acção s pelo exemplo, numa maravilhosa oficina de almas, donde irradia a acendalha perene da melhor fisionomia nacional: o luzeiro esplendorosa da família.
Também a mulher tio lar aguarda que a segurança social lhe venha, uma segunda fase na actual legislação, oferecer os bons-dias num sorriso, que é o melhor reconhecimento público dos seus inestimáveis serviços.
A dona de casa, anjo tutelar da comunidade familiar, concedendo ao agregado, pelo exercício da virtude, forte estímulo de progressão moral e espiritual, bem merece do Estado a consideração que a relevância do seu papel legitima.
Voltando-nos, entretanto, agora, para o problema da capitalização das receitas da previdência, entendemos que deveria esta fazer-se, como atrás se disse, a custa das percentagens sobre ordenados e salários e das receitas correspondentes os subvenções do Estado.
Mas tal capitalização, mitigada, como convém no sistema e tal como é definida na proposta, merece a nossa inteira adesão.
Adesão que do mesmo modo concedemos à opção pela forma de seguro obrigatório, cujas receitas, contrapostas às do seguro facultativo, bem revelam a excelência daquela primeira forma de previdência.
Apenas se lamenta, como atrás se disse, que aquele seguro se não generalize à nossa gente do campo.
Aqui, pela via das Casas do Povo - cuja criação deveria ser intensificada imediatamente a seguir à valorização do sector primário -, haveria que, pelo menos, abranger a invalidez e a velhice.
Da mesma forma deverá que estender ao rural os benefícios do abono de família.
De outro lado, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais de todas as actividades deveriam ser abrangidos pelo seguro social ou pelo seguro privado, conforme os ângulos sob que se encarem, por se ter em conta que, pelos mesmos seguros, será a maior parte das vezes possível a recuperação.

O Sr. Jorge Correia: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Jorge Correia: - V. Exa. falou em seguros de acidentes de trabalho e em seguro de doenças profissionais. Mas os acidentes de trabalho já estão cobertos pelas companhias. Por isso, acho que, primeiro, seria melhor pensar na previdência dos riscos das doenças profissionais. Sei, e o caso já tem sido ventilado nesta Assembleia, que as companhias discutem, tornam a discutir esses processos, que se arrastam durante meses

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e até anos, como disse o Sr. Deputado Sousa Birne, e que acabam por ser para as viúvas os indemnizações.
A doença profissional não resulta de um caso, surge ao longo de uma vida rle trabalho. Mas um belo dia surge eminentemente com toda a sua repercussão. Portanto, ela arrasta-se. E difícil saber se é profissional, se natural, e quando teve início, e daí as discussões.
Acho que é na previdência que ela tem o seu lugar certo. Desta forma, tratar-se-ia como qualquer outra doença, não dando origem a controvérsias.

O Sr. Veiga de Macedo: - Desejava fazer um pequeno apontamento. Não é positivamente para me pronunciar sobre a questão de fundo. De resto, já tive ensejo de o fazer há dias e espero voltar ao problema dentro em breve. Foi produzida aqui uma afirmação pelo Sr. Deputado Jorge Correia, a qual me parece necessitar de um esclarecimento. Foi dito, com efeito, que os riscos de acidente de trabalho já estão cobertos através das companhias seguradoras e que o mesmo não se verifica no tocante às doenças profissionais. Ora o certo é que um e outro riscos estão cobertos obrigatoriamente. A lei vai mesmo ao ponto de prescrever que a cobertura destes riscos não possa cindir-se. Esta é, pelo menos, a interpretação que me parece mais aceitável e é a mais generalizada, se bem que há já também doutrina em sentido contrário. Mas o que interessa é frisar que os dois riscos têm cobertura, embora no regime do seguro privado. O que pode discutir-se, e afinal está em discussão, é se o método do seguro mercantil deve manter-se ou ser substituído pelo do seguro social. Este é, pois, o problema: problema, aliás, de grande interesse para o trabalho.

O Sr. Jorge Correia: - Agradeço a V. Exa. esse esclarecimento.

O Sr. Sousa Birne: - O risco das doenças profissionais não está de forma alguma bem coberto com o sistema que actualmente existe, pois ele é errado. Tem de se tender para uma única entidade, senão não se resolve.

O Sr. Veiga de Macedo: - Como VV. Exas. sabem, nem todas as doenças profissionais estão consideradas na lei para efeitos de cobertura social. Há, na realidade, certas doenças profissionais que não se mostram incluídas na lista prevista na lei. Esta lista está, pois, desactualizada. Por isso, há cerca de dois anos, na qualidade de Ministro das Corporações e Previdência Social, foi-me dado ordenar essa actualização. Os trabalhos chegaram a ser feitos e um diploma legal esteve para ser publicado. Como, porém, o assunto suscitasse sérias dificuldades de vária ordem, achou-se mais prudente aguardar.
Em conclusão: em rigor as doenças profissionais estão cobertas pelo seguro privado. Os portadores de doenças adquiridas por causa do exercício profissional que não constam da respectiva lista têm, porém, a protecção geral do seguro de doença das caixas de previdência. Frise-se, contudo, que os esquemas do seguro-doença são diferentes dos esquemas do seguro privado relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais.

O Orador: - Estou extremamente grato à minha própria intervenção pela oportunidade que me dá de ver incidir sobre um dos seus aspectos tão esclarecidas afirmações. Estou grato, portanto, aos Srs. Deputados
Jorge Correia, Veiga de Macedo e Sousa Birne pela magnífica oportunidade que me deram de ver confirmadas as minhas afirmações. Devo, no entanto, referir, no desenvolvimento da ideia que vou expressar acerca dos acidentes de trabalho, que nesses acidentes cabem apenas alguns riscos no seu desenvolvimento. Nota-se, sobremaneira, uma certa imperfeição.

A recuperação e readaptação dos diminuídos físicos é problema primordial da previdência portuguesa.
Não há dúvida de que a riqueza de um país se mede pela capacidade de trabalho dos seus nacionais.

Assim, proteger as vítimas de acidentes ou doenças profissionais é realizar obra ingente em prol da produtividade do trabalho, que é como quem diz da economia da Nação. E, para além da criação de um estabelecimento adequado na Misericórdia de Lisboa, têm particular relevância as possibilidades que aos diminuídos motores oferecem as Termas de S. Pedro do Sul.
O tratamento crenoterápico oferece ali perspectivas verdadeiramente singulares, e a Colónia de Férias António Correia de Oliveira poderia, desta sorte, transformar-se numa colónia anual de internamento de deficientes motores, que tratamento adequado tornaria aptos para o trabalho e para a vida.
O termalismo social é já uma saborosa certeza, com as mais vastas incidências no domínio da recuperação!
Sabemos que este aspecto mereceu a melhor atenção do actual e prestigioso Ministro das Corporações, sob cuja esclarecida inteligência, senso de oportunidade e acrisolado carinho fica todo o pleno desenvolvimento do articulado da presente proposta e da legislação futura, de que esta vai ser significativo corolário.
Mas, para além das aspirações e justos anseios que aqui deixamos ao distinto Prof. Gonçalves Proença, fica a nossa profunda gratidão ao labor incansável, à salutar devoção, ao sentido inteligente e acertado do espírito dinâmico e autor do plano da proposta, Sr. Dr. Veiga de Macedo, que, como ilustre Ministro, realizou uma obra que bem merece do reconhecimento público do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A ele alio também o nome de outro preclaro Ministro que ao mesmo Ministério ofertou durante largos anos a sua lúcida inteligência, o seu constante zelo: o Sr. Dr. Soares da Fonseca.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Antes de concluir quero realçar que o direito à ascensão pelo estudo dos filhos dos trabalhadores, pelo menos dos que mais méritos revelem, é medida rasgada e apertadíssima de que terá imediato proveito a produtividade geral do País.
E, antes da conclusão, quero salientar o maior apreço pelo que o Ministério das Corporações tem feito no sector da prevenção dos acidentes de trabalho, na assistência médica e medicamentosa, no abono de família e no planeamento habitacional.
Essas, entre outras, as razões que me levam a prestar as minhas mais sinceras homenagens ao Governo, que, pela aprovação dos diplomas em discussão, é credor da congratulação geral da Nação.
No que concerne aos diplomas da saúde e assistência, do mesmo modo, voto pelo menos na generalidade, e realço mesmo o seu notável valor pela amplitude dos problemas que versam e resolvem e, bem ainda, pelo

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delineamento de coordenação que se encontra já nas suas relações com a previdência. Há, entretanto, uma base, a XXXV da proposta governamental, que considero de nefastas consequências paru o imperioso progresso do municipalismo.
A expressão «cuidados hospitalares» é demasiado lata e ambígua e pode levar a indigência financeira dos municípios.
Preferível o texto da Câmara Corporativa, depois de mais verdadeiramente precisadas as bases do seu esquema financeiro.
Até há pouco as responsabilidades municipais estendiam-se aos tratamentos, apenas.
E já de si cedia, pelo ângulo assistêncial, o normal exercício da administração municipal.
Mas a exigência dos compromissos camarários extensivos aos tratamentos, análises e radiografias, baseado em douto parecer da Procuradoria da República, tornou verdadeiramente incomportáveis os aludidos compromissos.
E, salvo melhor opinião, carecendo n referido parecer de conveniente homologação, parece-nos bem que as responsabilidades do município estarão no mesmo ponto em que se encontravam antes do parecer a que agora aludimos.
O recurso à derrama, que é uma tributação provisória, não é meritório e tem os seus inconvenientes, inclusive os de ordem política.
Os municípios não querem de qualquer fornia alijar as suas responsabilidades, pretendem, isso sim, que as suas dificuldades não sejam insuperáveis.
Limitem-se, por exemplo, os seus encargos ao quinto dos adicionais, ou então criem-se receitas próprias, que apenas sejam votadas à assistência.
Outra forma seria a de responsabilizá-los somente, e numa certa medida, em relação aos hospitais locais.
Seja como for, o município é o órgão mais notável da tradição administrativa do País, e é ele, hoje em dia, o mais belo facho onde se vão acender as melhores esperanças das gentes do nosso meio rural.
Importa desafogá-lo de tudo o que pela essência da sua orgânica lhe não pertença, para que ele se realize e cumpra por inteiro a tarefa que dele todos esperam, os que crêem firmemente no valor das nossas instituições.
Enquanto tal não suceder, tem a actividade municipal de circunscrever-se num processo de rotina, para que não perigue em oscilações perniciosas que lhe roubam toda a dignidade.
Não asfixiemos mais o município, salvemo-lo da vida quase vegetativa em que tem vivido!
Temos fé, enorme fé, no breve desafogamento desse magnífico órgão da nossa velha tradição municipalista.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Medina: - Sr. Presidente: poderá parecer à primeira vista que, visando as propostas de lei em discussão, Estatuto da Saúde e Assistência e a reforma da previdência social, apenas a reforma das estruturas vigentes na metrópole, não haveria motivo Sara que os Deputados do ultramar tomassem parte nos debates. Assim não o entendo, contudo, e por dois motivos. Em primeiro lugar, porque não me parece que o ultramar se deva ou se possa desinteressar do que diz respeito à metrópole, na mesma medida em que exigimos que na metrópole o ultramar esteja sempre presente e que seja sempre viva a consciência dos seus problemas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Metrópole e ultramar constituem a Nação na plenitude da sua dimensão. Os seus interesses são globais. Tudo o que respeita a uma das parcelas repercute-se e é vivamente sentido nas outras.
Em segundo lugar, porque ao serem definidas no mais alto órgão legislativo da Nação as grandes linhas de um problema verdadeiramente nacional, do problema magno da nossa época, a política social, que visa à memória do nível de vida das populações, parece indispensável que seja traçada uma directriz, definidas as linhas gerais, feita pelo menos uma referência à política a seguir nas províncias ultramarinas.
Daí a minha intervenção, em que não analisarei em detalhe a matéria em discussão por muito especializada, mas em que darei uns breves apontamentos sobre os seus aspectos no ultramar.
A tendência generalizada para o crescimento económico, possibilitada pelos progressos da técnica nos domínios da produção, das comunicações e da energia a seguir a segunda grande guerra, atingiu também o ultramar e veio a traduzir-se no terreno social pela necessidade de intensificar a política de valorização humana e por uma forte e generalizada aspiração de melhoria do nível de vida dos seus naturais, quer através de uma roais justa distribuição dos riquezas, de modo a fazer delas participar em maior produção as camadas da população mais desfavorecidas, quer através da protecção eficaz contra as eventualidades capazes de pôr em risco a vida e a conservação dos meios de existência.
Nos meios essencialmente rurais, o nativo, pelo seu primitivismo, ainda não tem plena consciência dos problemas sociais tal como os concebemos e goza de uma apreciável estabilidade, garantida pelos mecanismos da estrutura tribal em que se radica. As suas necessidades são diminutas, as suas aspirações limitadas. E domínio em que a política de promoção social e de bem-estar tem de realizar-se essencialmente através da defesa da saúde, da assistência sanitária e da educação, esta tomada quer no sentido de uma alfabetização generalizada e intensa, quer no sentido da melhoria das técnicas de produção e consequente aumento da rentabilidade do trabalho.

O Sr. Marques Lobato: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tanto os serviços de saúde e instrução como até mesmo as missões, apesar de todos os inconvenientes conhecidos da acção de algumas, têm exercido neste campo acção notável, se tomarmos em consideração a exiguidade normal dos meios em relação a vastidão da obra a realizar. Impõe-se, é certo, muito mais, e injusto seria ignorar os esforços que o Governo está a fazer nesse sentido.
São indício seguro o recente aumento dos quadros dos serviços de saúde em Angola, por exemplo, e as medidas tomadas no sentido do desenvolvimento da escolaridade primária, que se pretende se estenda praticamente à sanzala. Desenvolvimento horizontal no plano do ensino primário elementar.
Nos meios urbanos, o problema tem acuidade semelhante na metrópole e no ultramar: formação crescente de um proletariado urbano e a dispersão das famílias, criando a necessidade premente da protecção económica contra as contingências da vida.

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Aí, em qualquer dos grupos era presença, europeu ou de origem europeia, mestiço ou negro, vamos encontrar vastos sectores de nível económico acentuadamente baixo, vivendo do seu braço e do seu salário, com proventos que mal ultrapassam o limite de subsistência e em que é nula a capacidade de suportar quaisquer contingências que, por tempo mesmo curto, impliquem interrupção, redução ou cessação dos réditos que proporcionam os meios de existência ou a necessidade de suportar encargos para os quais o rédito normal deve presumir-se insuficiente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para quem por dever de ofício ou pendor natural se tenha debruçado ou tomado de qualquer fornia contacto com as camadas mais necessitadas da população, procurando de qualquer forma resolver os seus problemas económicos e sociais, ressalta que nos grupos estabilizados dois sectores requerem especial atenção: o dos velhos e inválidos e o da juventude.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Naquele encontramos situações verdadeiramente trágicas de desamparo e insuficiência de recursos, que nos elementos europeus principalmente, por completamente desligados do apoio familiar e do seu meio de origem, assumem por vexes extremos de miséria e de degradação quase desconhecidos na metrópole.
É situação que urge atenuar e remediar pejo alargamento imediato dos esquemas de assistência e acção social, procurando-se mais tarde, e progressivamente, a sua substituição pelas modalidades correspondentes do seguro social, a todos os títulos mais conformes com a dignidade da pessoa humana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Direito que se adquire pelo trabalho e para o qual se contribui, e não dádiva que se mendiga e que muitas vezes se não obtém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na juventude, especialmente negra, temos o drama do desemprego numa vasta camada da população que por falta dos necessários recursos, na maioria dos casos, não atingiu no ensino liceal ou técnico as habilitações necessárias para o ingresso no funcionalismo público ou não adquiriu preparação profissional que lhe permita fácil admissão nas actividades industriais e comerciais ou até o exercício de actividades de conta própria.
A quem, como nós, quase diariamente recorrem rapazes e raparigas procurando uma ocupação ou a ajuda de uma recomendação relatando dificuldades sem couto, frustrações e desalentos, que insensivelmente somos levados a imaginar os nossos filhos em situação semelhante, a braços com os mesmos anseios e angústias, impõe-se claramente, como imperativo urgente, uma acção social vigorosa no âmbito do trabalho para a conveniente solução do problema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além de conveniente actuação dos serviços de colocação dos sindicatos, da criação de cursos
de preparação para profissões menores e actividades artesanais, uma política que favorecesse e estimulasse a iniciativa particular em actividades comerciais ou na pequena indústria poderia ser de instrumental valor.
De qualquer modo, o problema exige que sobre ele se debrucem com urgência as entidades responsáveis, por imperativo humano e se não queremos ver essa juventude transviar-se e ceder às solicitações da subversão, que, explorando as suas dificuldades, ambições legítimas e recalcamentos, não deixará de tentar atraídos para os ínvios caminhos da revolta contra a Pátria.

O Sr. Marques Lobato: - Muito bem!

O Orador: - De considerar também os problemas ligados ao êxodo rural, que dá lugar à reunião nos centros urbanos de grandes massas de homens desligados e desamparados das suas sociedades tradicionais e em que os processos de adaptação a um novo meio dão Lugar, por vezes, a dramas de evolução psicológica que se repercutem prejudicialmente no meio de origem.
Não menos importantes os problemas ligados à protecção da família em meios em que o casamento vai rareando, as uniões são instáveis, se não episódicas, e a experiência sexual é precocemente adquirida. E um domínio em que será de grande auxílio uma acção social orientada no sentido de criar uma atitude de perfeita compreensão em relação às responsabilidades familiares.
Do ponto que fica dito se deduz a importância de que só reveste no ultramar a assistência social nos aspectos da assistência à família, da assistência aos menores e aos velhos e inválidos, da acção educativa destinada à valorização pessoal e social dos indivíduos, nos seus agrupamentos naturais, da luta contra o alcoolismo e a prostituição, etc.
Aliás, o problema foi clara e brilhantemente, posto pelo ilustre Ministro do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, no discurso proferido no Porto, faz hoje precisamente um ano, quando afirmava: «A batalha da justiça social é a mais grave e decisiva que se trava no mundo, superando em muito a própria questão do colonialismo. Tem para nós uma importância transcendente, e ao desafio do nosso tempo temos de responder com uma autenticidade incriticável que tem o seu princípio muito claro e simples na velha regra que manda dar a cada um aquilo que lhe pertence ...

O Sr. Marques Lobato: - Muito bem!

O Orador: - ... Nisto temos de ser intransigentes e responder com entusiasmo e decisão tis solicitações sociais que confiam na capacidade de justiça do Estado.
E não apenas do Estado, mas também, e antes disso, na capacidade de justiça social de todos e cada um dos que naqueles territórios representam o capital e a técnica que valorizam a terra e os braços que ali se encontravam sem contribuir em nada para o bem-estar da humanidade. Esta é a resposta mais importante e transcendente que temos de dar aos desafios e às provocações do nosso tempo».

O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos actuais regimes de assistência e previdência na nosso ultramar farei umas breves observações. Referir-me-ei em especial a Angola, cuja situação mais de perto conheço.

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De um modo geral, no ultramar, os governos locais, no que se refere à assistência, têm dedicado até agora maior atenção ao aspecto sanitário, protecção da saúde, do que no aspecto propriamente social. Em Angola, e julgo que de um modo geral em todas as províncias ultramarinas, observa-se a gratuitidade da assistência médica, cirúrgica e farmacêutica para todos aqueles que pela sua condição social ou situação económica de]a careçam.
Têm direito a assistência médica gratuita os funcionários públicos, com certas limitações para os de categoria, superior a primeiro-oficial, os contratados e assalariados, os militares, a população pobre, as viúvas e famílias dos funcionários falecidos e os trabalhadores por conta de outrém, quer rurais, quer do comércio e indústria, independentemente da assistência nas doenças profissionais ou provocadas por desastres no trabalho.
A assistência aos funcionários públicos civis e militares, à população pobre e as das áreas rurais é prestada directamente pelos serviços de saúde oficiais. A assistência aos trabalhadores é prestada pelas empresas, principalmente as de certa importância, ou pelos sindicatos respectivos, que nesse sector hoje concentram a sua principal actividade - diga-se de passagem, com eficiência notável -, apesar de alguns defeitos de orgânica e da sobreposição de meios que certamente terão de ser corrigidos.
A assistência no campo da protecção à saúde é de primordial importância no ultramar e é o embasamento indispensável a qualquer obra de colonização.
Os elementos seguintes mostram, em relação a Angola, que as realizações levadas a cabo no sector público, ainda que sem darem completa satisfação às necessidades, nos colocam em situação proeminente em relação ao restantes países africanos: 3 hospitais centrais; 13 hospitais regionais; 32 maternidades; 205 postos sanitários; 13 dispensários centrais; 5 gafarias; 1 hospital psiquiátrico; 80 delegacias de saúde; 80 enfermarias regionais; 1 hospital para tuberculosos; 1 parque vacinogénico; 1 laboratório farmacotécnico; 281 médicos; 800 enfermeiros; despesa anual: cerca de 130 000 coutos.
Além dos médicos do quadro dos serviços de saúde do Estado e dos militares, ainda conta a província com cerca de 100 médicos em actividade privada.
No que respeita a acção assistencial, segundo um estudo feito pela Dra. Maria Laura Babaca Gaspar, é de um modo geral exercida através de várias instituições de caridade, umas públicas outras privadas, cuja acção é coordenada e centralizada pelos organismos oficiais de assistência pública.
A acção destes desenvolve-se através de organismos que eles próprios administram ou pela concessão de subsídios às instituições particulares.
Em Angola é através do Instituto de Assistência Social que o Governo-Geral intervém na orientação e coordenação das actividades da assistência social, e da beneficência pública.
O Instituto tem uma larga competência, que vai desde criar e manter asilos e recolhimentos ao socorro directo dos necessitados, ao subsídio às associações e instituições de caridade, ao subsídio a estudantes pobres, ao auxílio aos desempregados, à construção de bairros económicos e sociais, etc.
Com tão latas atribuições e vasto campo de aplicação o Instituto podia desempenhar função notável se não fosso a exiguidade dos seus quadros e ou reduzidos meios
financeiros com que tem sido dotado, que não têm excedido a marca dos 11 000 contos por ano.
E ainda de referir a Portaria n.º 9516, de 7 de Novembro de 1956, que criou a Comissão Provincial do Bem-Estar Rural. Indígena com o fim do coordenar esforços que abarcassem num programa de conjunto toda a província e de estabelecer uma orientação uniforme com vista ao progresso dos indígenas para a civilização portuguesa, como só diz no preâmbulo da referida portaria.
No respeitante à assistência social propriamente, a actividade é incipiente, os esforços desconexos e isolados, sem correspondência com o que as necessidades reclamam e sem uma adequação de meios afins.
A necessidade de assistir sob várias formas às populações deslocadas que tiveram de abandonar as suas áreas depois da eclosão do terrorismo em Angola veio mostrar a importância da organização dos serviços sociais, e assim dar novo impulso aos esforços no sentido da sua organização e conveniente estruturação no ultramar.
Como primeiro passo, organizaram-se cursos de emergência para a preparação de trabalhadores sociais, auxiliares sociais o educadores familiares e de infância logo seguidos da criação dos institutos de educação e serviço social em Angola e Moçambique.
Como disse noutra ocasião, a sua projecção será certamente a maior, pois, além de abrir aos naturais um novo campo de actividade profissional, permitirão obter localmente o pessoal necessário à vasta acção social que tanto se impõe. Além da sua actuação na resolução dos problemas sociais atras referidos, antevemos o largo emprego destes agentes nos serviços sociais que convirá organizar em todas as empresas industriais e agrícolas de certa importância, assim como em serviços estatais, em especial nos autónomos, que empreguem largas massas de trabalhadores em situação semelhante à das empresas privadas, e em que os agentes especializados serão pelo exemplo e pela acção elementos vivos de concórdia do aproximação de classes e de educação, isto é, de felicidade e bem-estar pessoal e colectivo.
Dada a vasta obra a realizar nos domínios da saúde e da assistência, sempre crescentes com o progresso e desenvolvimento dos territórios ultramarinos, especialmente Angola e Moçambique, e a insuficiência dos meios e da orgânica em relação à segunda, impõe-se com urgência, e para isso peço a atenção do ilustre Ministro do Ultramar, que se procure estruturar em ordem a um conjunto e a finalidades previamente traçadas as actividades da saúde e assistência nas províncias ultramarinas, procurando reorganizá-las técnica e administrativamente e promovendo a publicação dos respectivos estatutos em cada província.

O Sr. Brilhante de Paiva: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Tenho ouvido com a maior atenção a intervenção que V. Exa. está a fazer com raro brilho - raro, mas sempre certo em V. Exa. Verifica-se, todavia, que na assistência no ultramar talvez soja necessário prestar um pouco de atenção ao colono, ao operário não exclusivamente indígena, e talvez seja de recomendar a atenção, nunca desmentida, do Sr. Ministro do Ultramar para esse aspecto, visto que os colonos são, pelo menos inicialmente, e muitas

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vezes durante grande parte da sua permanência e da sua vida, economicamente dignos da designação de débeis.
Estou absolutamente convencido de que este aparte está dentro do espírito de V. Exa. e, por isso, só me resta felicitá-lo vivamente.

O Orador: - Muito obrigado. Sobre esse aspecto quero frisar que é especificamente da competência do Instituto de Assistência Social em Angola a protecção ao colono. Essa função cabe agora à Junta de Povoamento, que tem, de acordo com o que está estatuído, de prestar assistência aos colonos, que, esperamos, cada vez com maior intensidade irão aumentar a população do nosso ultramar. Quando me referi à população queria referir-me a toda ela, quer seja de origem europeia, quer seja originária da província.
É incipiente ou inexistente à organização da previdência social nas províncias ultramarinas, lacuna grave na política social que convém preencher com urgência.
Em Angola, por exemplo, a única caixa para trabalhadores é uma caixa de empresa; n Caixa de Reformas, Pensões e Socorros da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, criada em 1923.
Para funcionários existem seis instituições - caixas, montepios e cofres de previdência -, cobrindo quase todas apenas as eventualidades de reforma e morte. Uma, o Montepio Ferroviário, cobre também os acidentes, e outra, o Cofre de Previdência do Pessoal da Polícia de Segurança Pública, a incapacidade.
Na modalidade do seguro facultativo há uma mutualidade e um montepio, aquela cobrindo apenas os riscos de morte e invalidez, esta os mesmos, incluindo ainda, no seu esquema de benefícios, dotes, funerais e rendas vitalícias.
Em qualquer das instituições o regime financeiro, e consequentemente o nível das contribuições e das prestações, parece estar baseado apenas em dados empíricos, não se tendo realizado previamente quaisquer estudos actuariais.
Quais as causas fie tal situação era assunto de tanta importância e apesar de há muito se debater nas organizações sindicais e em todos os sectores ligados aos problemas do trabalho?
Muitas haverá certamente, e de relevo, mas para mini avulta entre todas a inexistência de um organismo adequado e específico que desse o primeiro impulso à criação das caixas de previdência e à organização do seguro obrigatório, estudasse os estatutos e regulamentos dessas instituições, estudasse a organização dos esquemas de benefícios, estudasse e executasse o plano de integração das diversas actividades e profissões na organização da previdência, etc.
E de ver que em matéria tão complexa, que na metrópole absorve largo sector de todo um Ministério, institutos, conselhos superiores, etc., não era possível realizar qualquer progresso ou mesmo ensaiar os primeiros passos desde que para todo esse trabalho de estudo e orientação a que acabo de me referir se dispunha apenas de uma 2.ª secção da 2.ª Repartição da Direcção dos Serviços da Administração Civil, à qual, além de outras funções, cabia: as questões que interessam aos cultos, à beneficência, à assistência, a associações de classe e outras; assuntos relativos aos organismos de natureza corporativa; de um modo geral, todos os assuntos relativos à administração social da província.
É inacreditável, mas é verdade, ou, por outra, era verdade até há pouco tempo, o que nos dá uma ideia nítida da ineficácia das descentralizações ou das autonomias se paralelamente não forem criados os órgãos e facultados os meios que permitam a sua concretização em realizações palpáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A larga visão e dinamismo do Sr. Ministro do Ultramar se fica a dever a primeira medida decisiva para se sair do impasse, com a publicação do Decreto n.º 44 111, de 21 de Dezembro findo, que cria desde já em Angola e Moçambique os institutos de trabalho, previdência e acção social, com o fim de, como determina o artigo 1.º, assegurar o estudo, a elaboração e a execução das normas de natureza social, designadamente em matéria de organização corporativa, trabalho e previdência.
Oxalá comecem a sua actividade em breve e sejam dotados com os. meios necessários para o desempenho das suas transcendentes funções, que, além da organização da previdência, incluem a organização corporativa, pela criação de grémios, sindicatos, Casas do Povo e dos Pescadores, o que também se impõe com urgência.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - De notar na criação destes institutos n marcada intenção de, ao contrário do regime vigente na metrópole, não incluir entre as actividades da previdência a prestação da assistência sanitária.
Essa continuará, como até agora, a cargo dos serviços públicos e das empresas, se não dos sindicatos e grémios, com resultados que se podem considerar bastante satisfatórios.
As prestações do seguro-doença serão certamente asseguradas pelas instituições de previdência apenas sob a forma dê subsídios pecuniários.
Esboçado assim de forma forçosamente rápida, e compatível com a meia hora regimental, o panorama dos problemas sociais, designadamente da previdência nu ultramar, parece poder concluir-se em especial quanto a este sector que há toda uma obra a realizar e que as bases para a sua conveniente estruturação só agora foram lançadas.
Por coincidência, que me parece feliz, debate-se nesta Câmara a reforma da previdência social, em cuja base I se diz que compete ao Governo regular no quadro nacional os objectivos e as realizações da previdência.
Isto para mim traduz-se em dar ao problema a sua verdadeira dimensão, o que me leva a pensar, em prol de uma verdadeira coesão e unidade nacionais, imperativo essencial, que a lei que da discussão resultar não deverá deixar de fazer uma referência ao ultramar, ainda que não seja senão para dar uma orientação geral, estabelecer uma directriz ou cânone esquemático, como não pode deixar de ser em face da doutrina dos artigos 148.º e 149.º da Constituição. De resto, tal directriz nem sequer contraria tal doutrina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Julgo que satisfaria uma base nova, a introduzir nas disposições finais, e que teria a redacção seguinte:

1. Nas províncias ultramarinas as instituições de previdência social asseguram, em realização progressiva, conforme as circunstâncias o permitam, a protecção na doença, maternidade, invalidez, velhice, morte do chefe de família, desemprego in-

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voluntário e acidentes de trabalho, bem como promovem a realização do salário familiar pela concessão do abono de família, tendo em atenção a evolução das populações e o exercício do trabalho nos meios agrícola, piscatório, comercial e industrial.
2. Dado o condicionalismo económico das províncias ultramarinas e estádios de organização actual da assistência e da previdência social, deve a acção das duas organizações ser coordenada dentro de um plano de conjunto, de forma a evitarem-se sobreposições de esferas de acção e a estabelecer-se a conveniente ligação entre os diversos serviços.
3. A organização da previdência social nas províncias ultramarinas constará dos respectivos estatutos.

Acrescento que não faço questão de que n redacção seja exactamente a que proponho e aceito perfeitamente que as Comissões do Trabalho e Previdência e da Política Geral e Local, que estão neste momento a estudar a proposta em discussão, lhe dêem redacção mais adequada.
Dentro do mesmo espírito, parece-me que seria do maior alcance que o Ministro do Ultramar também fizesse parte do Conselho de Segurança Social, apesar do disposto no n.º 2 da base II, já que as decisões de qualquer natureza ou estudos que venham a ser submetidos àquele Conselho conterão sempre elementos de interesse para a condução da política social no ultramar dentro de uma doutrina verdadeiramente nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aliás, no plano dos serviços, no Ministério do Ultramar, duas medidas me parecem também impor-se como consequência lógica da organização da previdência social no ultramar: uma será a nomeação .de uma comissão interministerial permanente para proceder à coordenação dos serviços relacionados com a previdência dos Ministérios do Ultramar e das Corporações e Previdência Social, a exemplo da criada pela Portaria n.º 17 248, de Julho de 1959, para a saúde e assistência, com tão fecundos resultados; a outra será a criação de uma Inspecção Superior de Previdência, integrada na actual Direcção-Geral da Saúde e Assistência, a transformar-se mais tarde, quando as circunstâncias o justificarem, numa Direcção-Geral do Trabalho e Previdência.
No plano dos governos provinciais aparecerá certamente a necessidade absoluta, em obediência ao princípio da unidade por que se orienta a moderna política de segurança social, da criação de mais um lugar de secretário provincial, que coordene superiormente, dentro de um plano de conjunto, a acção dos serviços de saúde, da assistência e da previdência, defina os fins da política de segurança social e assegure a execução progressiva dos princípios que a norteiam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal medida estaria de acordo com a linha de pensamento que presidiu em 1955 às alterações da base XXIII da Lei Orgânica do Ultramar Português, de 1953, em que, reconhecendo-se a dificuldade cada vez maior de conseguir adequada repartição dos serviços pelos dois secretários provinciais, sobrecarregados com tarefas muito heterogéneas, nem todas próximas da sua especial preparação técnica ou profissional, se
suprimiu a limitação do número e se estatuiu apenas que nas províncias de Angola e Moçambique poderá haver secretários provinciais nomeados e exonerados pelo Ministro, etc.
De então para cá o problema tem tomado cada vez maior acuidade não só no que respeita ao volume das tarefas como à sua especialização, parecendo mesmo dever-se começar a encarar uma distribuição com carácter permanente de funções pelos secretários provinciais, os quais passariam a ter uma designação fixa- correspondente: secretário provincial das obras públicas e comunicações, secretário provincial da economia, secretário provincial do bem-estar social, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se correspondentemente fossem criadas secretarias ou gabinetes adstritos n caria secretário provincial, à medida que o volume dos problemas o justificasse ir-se-ia criando os embriões das Secretarias de Estado dos governos locais, que certamente virão a ser necessárias, juntamente com o fortalecimento de outros órgãos do governo local, h medida que o desenvolvimento económico e social de Angola e Moçambique venha a justificar o alargamento da descentralização e autonomia previstas na Constituição.
E problema que não é oportuno tratar neste momento e que penso reservar para uma futura intervenção.
O Sr. Ministro do Ultramar, com a sua clara inteligência e superior critério, está já certamente atento aos problemas expostos e não deixará de lhes encontrar a conveniente solução.
Sr. Presidente: visando a proposta do Governo para a reforma da previdência social alargar o campo de aplicação do sistema da previdência, ampliar o esquema de eventualidades cobertas e melhorar o nível e eficiência dos benefícios, melhorando assim consideràvelmente a estrutura actual, dando, designadamente, os primeiros passos no sentido de tornar extensível a previdência às populações rurais, contendo a proposta preceitos que permitem concretizar os fins visados, é com muita satisfação que lhe dou a minha aprovação na generalidade, esperando, contudo, que lhe sejam introduzidas as ligeiras alterações a que tive a honra de me referir.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: ao entrar no debate na generalidade da proposta de lei, relativa à reforma da previdência social não podemos deixar de nos congratularmos com o seu aparecimento, na medida em que prevê a adopção de providências destinadas a prosseguir o aperfeiçoamento e a expansão do seguro obrigatório no nosso país.
Mas não podemos calar a nossa mágoa por, através da referida proposta, se verificar o facto de o condicionalismo actual tal como há cinco anos quando a proposta foi elaborada, não permitir que se possa avançar mais neste domínio, nomeadamente no de alargar a protecção contra os riscos sociais aos trabalhadores do campo, tão carecidos dessa protecção, como por várias vezes já foi aqui salientado nesta Câmara.
O bem elaborado relatório que precede a proposta do Governo e o douto parecer da Câmara Corporativa esclarecem-nos tanto que pouco haveria que acrescentar a análise tão perfeita dos objectivos da proposta em causa.

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Por isso, apenas nos limitaremos a fazer um ligeiro apontamento pelo que respeita ao clima, ao ambiente, que na nossa região rodeia uma das instituições a quem competirá assegurar os objectivos que a reforma se propõe quanto aos trabalhadores rurais - as Casas do Povo.
Na medida em que a nossa previdência é de base institucional, a protecção eficiente aos trabalhadores rurais fica dependente do alargamento das redes das Casas do Povo. Ora estas, pelo que delas conhecemos, não têm conseguido ser bem compreendidas e acatadas pelas populações que são chamadas a servir. Montou-se a máquina para as fazer caminhar, mas a verdade é que elas não caminham. Têm de ser impostas, e as instituições impostas têm de contar sempre com a incompreensão de alguns, a resistência passiva de outros e com a maledicência dos detractores: Isto apesar de ser a melhor a doutrina que presidiu à sua criação.
Já alguém escreveu que: a é talvez no enquadramento orgânico da vida rural, através das Casas do Povo, que se proclama, por maneira mais clara e mais insofismável, o realismo intransigente da nossa doutrina corporativa D.
Mas o que é certo é que, ao longo de tantos anos de experiência, ainda não foi possível encontrar o justo equilíbrio entre os diversos interesses em jogo.
Os responsáveis pelo funcionamento das Casas do Povo queixam-se de que o povo não paga as quotas e, por isso, não podem dar benefícios aos trabalhadores; por sua vez, estes dizem que não sentem os benefícios e, por isso mesmo, não pagam as quotas.
Por outro lado, para além de uma antipatia generalizada a estas instituições, há por vezes ainda o caso particular de terem sido criadas Casas do Povo abrangendo várias freguesias; ora, é sabido que, de um modo geral, há sempre pequenas rivalidades entre as freguesias vizinhas e a circunstância de numa delas se situar uma Casa do Povo com jurisdição sobre as restantes vai exacerbar essas rivalidades por vezes ao ponto de as populações fora da sede não utilizarem os benefícios, revoltando-se contra o pagamento das quotas.
Não poderia encontrar-se uma solução diferente daquela que está em vigor! É certo que não podemos esperar que o povo pague de sua livre vontade as quotas da Casa do Povo, do Grémio da Lavoura, etc., pois tudo quanto é pagai- encontra sempre grande relutância.
Que fazer então?
Parece que não podemos nem devemos cruzar os braços e deixar avançar assim a reacção contra esta doutrina que o Estado considera básica.
Mas criar Casas do Povo para fomentar discórdias, malquerenças, revoltados nas freguesias, também não está certo nem é política aconselhável. Poderá ser muito bom para efeitos estatísticos, mas é péssimo no domínio da política.

O Sr. Quirino Mealha: - Se V. Exa. me desse licença, afigura-se-me que talvez houvesse vantagem em reformas os estatutos das Casas do Povo de maneira que se integrassem nos meios locais a que se destinam.
No Alentejo, em que aqueles organismos são florescentes, só há que ajustá-los e completá-los para o desenvolvimento dos esquemas dos mesmos organismos.
Pelo processo da revisão dos estatutos talvez se remediasse, em parte, algumas das deficiências apontadas.

O Orador: - Perfeitamente.
Nos nossos contactos amiúde com o povo sabemos como os inimigos do regime exploram esta situação, aproveitando-se desta atmosfera de mal estar para indispor, dividir e conseguir adeptos.
Se queremos, de facto, que as Casas do Povo se adaptem, prosperem e se coloquem em posição de, como centros de comunidade, fazerem o enquadramento dos trabalhadores rurais na organização geral da previdência temos de modificar o estado de coisas actual. É preciso que o trabalhador rural aufira, tal como os restantes trabalhadores, regalias como o abono de família, assistência médica e medicamentosa, reforma, etc., o que viria atenuar o êxodo rural que dia a dia mais acentuado vem sendo. Na distribuição de benefícios é que nos parece que as Casas do Povo poderão ter a sua justificação e aceitação.
Bem sei que a situação do trabalhador rural é bastante diferente da do operário. Este, inscrito no elenco de qualquer empresa, tem a sua situação definida e estabilizada. A sua actividade exerce-se na fábrica ou na oficina, debaixo de telha, não dependendo das condições atmosféricas, Trabalha todos os dias e, no fim da semana, recebe no escritório da sua empresa a féria respectiva, depois de descontada a quota com que contribui para a sua caixa de previdência. A empresa, ao remeter as quotas dos seus operários, entra também com a sua, conforme as disposições regulamentares. Com o trabalhador rural as coisas processam-se de modo bastante diferente.
A sua actividade exerce-se normalmente no campo, ao ar livre e, por conseguinte, prejudicada pelas condições atmosféricas. Em períodos de intempérie o trabalhador rural passa dias, e por vezes semanas, sem poder ganhar o pão para o sustento da sua família. Não aufere salário e contudo as suas despesas não param. Também não tem sempre patrão certo; sobretudo nos meios em que a propriedade está mais dividida ele trabalha ora para um ora para outro e no fim da semana quando recebe a sua féria recebe-a de várias mãos.
Ora se n actividade do trabalhador agrícola não é regular, se não trabalha todos os dias, ou todo o dia, a sua quota tem necessariamente de ser pequena, simbólica; e se o patrão não é sempre o mesmo difícil se torna juntar a quota patronal.
Mas o trabalhador rural tem a sua vida vinculada à terra. Pode variar o patrão que ocasionalmente lhe fala e lhe paga, porém, é sempre a terra que prende os seus cuidados e as suas actividades. Justo parece, pois, que seja a terra que entre com a sua quota patronal. Esta quota poderia ser paga através do Orçamento Geral do Estado, mediante um pequeno adicional sobre a contribuição predial rústica. Pode objectar-se que com tal prática se tiraria valor à instituição, mas na verdade assim não sucederia. Esperar que os povos tenham amor e interesso por uma Casa do Povo que lhes é imposta e de que não recebem benefícios é que, salvo o devido respeito, me parece utópico.
O que se torna necessário é que a instituição preste benefícios, pois só assim o povo se interessará por ela e a fará sua. Mas para a prestação de benefícios torno-se necessário dinheiro. É, pois, um problema de verba o que está na base do alargamento e da melhoria da previdência social, aos trabalhadores rurais. E onde deverá ir buscar-se, se não puder ser inscrita no Orçamento Geral do Estado, a dotação para se fazer a cobertura da previdência aos rurais e de não ser possível, em larga escala, a compensação financeira entre o sector agrícola e os restantes? Uma vez que todos os trabalhadores descontam para o Fundo de Desemprego, não

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poderia ser afectada uma percentagem substancial das suas receitas à cobertura das despesas com a previdência .dessa gente?
E não poderia pôr-se termo à anomalia que se traduz no facto de ser cobrada às instituições de previdência a percentagem de 0,5 por cento a título de indemnização para a Caixa Geral de Depósitos, consignando essas importâncias - que no ano de 1960 ascenderam a 8034 contos - à ampliação do esquema dos eventualidades pelo que respeita aos trabalhadores da terra? Ou ainda: porque não afecta p Estado o produto dos impostos cobrados à previdência - e que orçam pelos 6000 contos anuais - à cobertura das despesas com a protecção aos rurais?
Concluindo e resumindo:

1.º Há que fazer alguma coisa no sentido de ampliar e melhorar substancialmente a previdência aos trabalhadores rurais, equiparando-os em certos benefícios nos restantes trabalhadores, reorganizando a assistência médica e alargando-a aos centros que a não possuem;
2.º Qualquer destes aspectos deverá ser estudado e realizado mediante o esquema das Casas do Povo, criando-se, porém, a estas condições de aceitação e sobrevivência, sem o que não poderemos encarar com êxito o problema do alargamento da sua rede;
3.º Dado, porém, que em grande parte as freguesias onde existem as Casas do Povo não são queridas pelas populações, há que, simultaneamente, ou mesmo previamente, reorganizar a sua estrutura por forma que possam vir a confirmar um sentido de simpatia e utilidade que até agora não têm conseguido granjear nalgumas zonas do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Feito este ligeiro apontamento damos, Sr. Presidente, a nossa aprovação na generalidade à proposta que está a ser apreciada, lançando daqui o nosso apelo ao Governo para que não tarde em adoptai-
as medidas julgadas necessárias e convenientes a fim de que a reforma da previdência social possa ser aplicada, no mais curto prazo de tempo e em toda a sua amplitude, aos trabalhadores da terra, como é de inteira justiça. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Ornelas do Rego.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco Lopes Vasques.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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