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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57
ANO DE 1962 11 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 57, EM 10 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi introduzido na sala o Sr. Deputado Manuel Lopes de Almeida.
A Assembleia aprovou o Diário das Sessões n.º 56.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 44 737, 44 738, 44 740, 44 741, 44 742, 44 747, 44 749, 44 759, 44 761, 44 763 e 44 764 e ainda a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963.
O Sr. Deputado Costa Guimarães referiu-se à criação da região hospitalar de Guimarães e ao posto dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência.
O Sr. Deputado Pinto Carneiro evocou a memória e a figura do falecido Sr. Deputado Egberto Pedro.
O Sr. Deputado Sousa Rosal congratulou-se com a breve construção do aeroporto de Faro e fez considerações sobre o turismo no Algarve.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista recordou a importância e o êxito extraordinário da visita do Chefe do Estado a Valença.
O Sr. Deputado Augusto Simões congratulou-se com o triunfo obtido pelo Orfeão Académico de Coimbra nos Estados Unidos da América.
O Sr. Deputado Martins da Crus tratou dos problemas do ensino secundário na provinda da Beira Baixa.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta assinalou o êxito da recente visita de S. Ex.ª o Presidente da República ao Porto.
Ordem do dia. - Começou o debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1963.
Falaram os Srs. Deputados Virgílio Pereira da Cruz, Délio Santarém e Manuel João Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
CAMARÁ CORPORATIVA. - Parecer n.º 6/VIII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 502 (autorização das receitas e despesas para 1963).
O Sr. Presidente: -Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo.
Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
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António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Boseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 102 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está nos Passos Perdidos o Sr. Deputado Manuel Lopes de Almeida, que durante esta legislatura ainda não tomou assento na Assembleia.
Conforme é tradição desta Casa, designo os Srs. Deputados Soares da Fonseca, Ubarh Chaves e Júlio Evangelista para introduzirem na sala aquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 56, de 27 de Novembro findo.
Pausa.
O Sr. Presidente: - como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o referido Diário.
Enviados pela Presidência do Conselho, e para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa:
Diário do Governo n.º 275, 1.ª série, de 29 de Novembro último, que insere os Decretos-Leis n.08 44 737, que regula a situação dos militares que se encontrem com auto de corpo delito pendente à data da sua nomeação ou do embarque por imposição para prestarem serviço no ultramar; 44 738, que introduz modificações no número e designação das classes dos oficiais e sargentos e praças da Armada, estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 42 045 e alterados pelos Decretos-Leis n.08 43 515 e 43 733; 44 740, que autoriza a Secretaria de Estado da Agricultura a subsidiar os organismos corporativos da lavoura e as associações agrícolas e suas federações e uniões no encargo inerente ao pagamento do vencimento dos funcionários requisitados aos seus serviços ao abrigo do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44038, e 44741, que cria na zona hospitalar do Norte uma região hospitalar com sede em Guimarães, constituída pelos concelhos de Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Guimarães, Lousada, Mondim de Basto e Paços de Ferreira;
Diário do Governo n.08 276 e 277, 1.º série, respectivamente de 30 de Novembro findo e 3 de Dezembro corrente,
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que inserem os Decretos-Leis n.ºs 44 742, que define a situação militar dos oficiais das forças armadas que exerçam funções de Presidente da República, de Presidente do Conselho de Ministros e de Ministros, Secretários e Subsecretários de departamentos militares; 44 744, que dá nova redacção ao § 2.º do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 42 641 (sistema do crédito e estrutura bancária); 44 747, que aprova o plano de aquisição do mobiliário e equipamento para o Centro de Reabilitação dos Diminuídos Motores, em Alcoitão; 44 748, que permite, quando se verificar a hipótese prevista no § 4.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43 748, que possa ser nomeado o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho e define a respectiva competência, e 44 749, que considera abrangido, para todos os efeitos, o presidente do Supremo Tribunal Militar pelo disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 26 526 (uso de automóveis do Estado);
Diário do Governo n.º 278, 1.ª série, de 4 do corrente mês, que insere os Decretos-Leis n.ºs 44 759, que estabelece os preceitos que deverão observar os vizinhos das regedorias residentes no estrangeiro à data da publicação do Decreto-Lei n.º 43 893 para a regularização da sua situação militar; 44 761, que cria o concelho fiscal de 3.º classe de Vendas Novas e insere disposições necessárias à organização dos serviços fiscais no mesmo concelho; 44 762, que prorroga por mais dois anos o prazo concedido às fábricas açorianas de destilação de álcool para a exploração, nas condições legais actualmente em vigor, do fabrico de açúcar e seus derivados, e 44 764, que estabelece o regime para laboração das fábricas descascadoras de arroz na campanha de 1962-1963 e revoga várias disposições do Decreto-Lei n.º 27 149 (Regulamento do Comércio de Arroz).
Enviada pelo Governo, encontra-se também na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963, objecto da ordem do dia, e cuja discussão na generalidade será hoje iniciada.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Guimarães.
O Sr. Costa Guimarães: - Sr. Presidente: pelo Decreto-Lei n.º 44 740, dimanado do Ministério da Saúde e publicado no Diário do Governo de 29 de Novembro findo e hoje presente a esta Assembleia para a ratificação que mereceu, foi criada a região hospitalar de Guimarães, afecta à zona hospitalar do Norte do País.
Este decreto é a confirmação do despacho ministerial de Abril de 1961 que definiu a mesma região hospitalar.
Tal decisão governamental, pelo intenso júbilo com que foi recebida pelo povo da região de que sou filho, e muito especialmente pelo da minha terra natal, determina-me esta intervenção, que prometo será breve, pois não será necessária rendilhada e extensa dialéctica para, de forma expressiva e sincera, exteriorizar nesta alta tribuna da Nação o reconhecimento do povo de um rincão onde a palavra gratidão é das mais vincadas no vocabulário dos seus sentimentos.
De resto, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, e permitam VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que me arreigue da convicção de que, muito embora me pronuncie em nome das gentes da minha terra e por via dos seus interesses, seguramente todos VV. Ex.ªs lhe serão sensíveis, pois são da terra mãe da nacionalidade, da nacionalidade de que todos os portugueses nos honramos e orgulhamos de ser.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ao significar nesta Casa o agradecimento devido e penhor sentido ao Estado por mais este benefício, a juntar aos tantos ultimamente concedidos a Guimarães, constrange-me a minha falta de capacidade e do sentido de expressão com que por tudo, e muito especialmente por de forma mais intensa ter vivido a satisfação desta aspiração, aqui poderia deixar, em vibrante e significativa intervenção, aquele que foi o grande defensor e impulsionador da aspiração consumada. Quero referir-me ao que foi distinto parlamentar da anterior legislatura e é meu ilustre conterrâneo, o engenheiro Duarte do Amaral.
Pela estrénua dedicação com que se votou à justa pretensão que daqui formulou, a acrescer ao que referi, S. Ex.ª melhor cumularia uma profícua e brilhante actividade no objectivo atingido e transmitiria às gentes do Governo, e em nome das da minha terra, a gratidão que se lhes impõe, fazendo-o de forma bem superior à que sei.
Afirmava aqui, em 16 de Março de 1960. o engenheiro Duarte do Amaral, no abordar a pretensão ora deferida, que todas as terras têm as suas necessidades para além das suas aspirações. E acrescentava:
É muito urgente esta de que vou falar agora. Trata-se na verdade da saúde dos que trabalham, sobretudo dos remediados e dos pobres. Por isso me tenho interessado com devoção por este caso que hoje aqui levanto, certo de que serei bem sucedido.
Felizmente que, como era lógico e de justiça, a lógica procedeu e a justiça se fez.
Creio que presto a minha melhor homenagem a este incomparável bairrista ao ligá-lo aqui neste agradecimento que sentidamente dirijo ao Governo e afirmando ainda que por certo foi ele o vimaranense que mais intensamente viveu as diligências e vibrou com o deferimento. Esperava S. Ex.ª ser bem sucedido, e foi, recebendo Guimarães a justa satisfação do que a superior orientação do Ministério da Saúde e Assistência, pela Direcção-Geral dos Hospitais, criteriosamente realizou.
Ao Governo da Nação, muito especialmente a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, fautor supremo do progresso do País, por tudo, e sobretudo pela ordem e disciplina conferidas à vida política da Nação, e garante do seu desenvolvimento e progresso, ao Ministério da Saúde e Assistência e seus departamentos, com particular destaque para o ilustre Ministro cessante, o Dr. Henrique Martins de Carvalho, Guimarães afirma aqui, pela palavra deste seu humilde filho, a sua indelével gratidão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E consciente dos notáveis benefícios que do deferido advém para o seu povo, tem igual consciência da certeza com que há-de corresponder inteiramente aos objectivos visados, para integral cumprimento das intenções e princípios definidos pela Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1961.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Guimarães sempre teve instituições hospitalares e de assistência nobilíssimas, e quer elas, com o seu prestígio histórico e cultural, como o seu desenvolvimento económico e elevado grau de industrialização, este bem reconhecido no próprio decreto-lei, garantem tal certeza.
A decisão definida pelo decreto em causa é um passo em frente naquilo que me permito classificar de execução
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de um seguro e eficaz planeamento regional de assistência hospitalar, e que oxalá possa ser seguido em tantos outros campos fundamentais da vida nacional.
Observe-se, porém, que, estruturada e criada a circunscrição hospitalar que nos vai servir, se impõe que a satisfação intensa aqui expressa se possa processar com a continuidade que só a plena eficiência do seu funcionamento nos pode dar.
Tal só se poderá verificar, como em corpo perfeito, se todas as suas células vivificadoras se quiserem completar para cumprir a missão de conjunto que a espera. E bem alta é esta missão, pela causa do bem comum e pela virtude nobilitante da Misericórdia, missão que, devendo ser cumprida com caridade, não é caridade no sentido simplicista da palavra, pois é um dever profundamente social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso se impõe que, funcionando a região, o conjunto do seu coração, a sua mesa administrativa, o seu corpo clínico, os serviços e as próprias instalações, correspondem inteiramente às responsabilidades que implica.
Quanto às instalações, creio confiadamente que as boas vontades conjugadas dos competentes departamentos dos Ministérios das Obras Públicas e da Saúde e Assistência necessariamente acarinharão e solucionarão o problema que determina a eficiente cobertura assistencial de uma população global de 223 340 almas, correspondente esta aos concelhos de Celorico de Basto. Fafe, Felgueiras e Guimarães, que ora constituirão a região criada, e que, no futuro, será substancialmente acrescida pela referente aos concelhos de Cabeceiras de Basto, Lousada, Mondim de Basto e Paços de Ferreira, que virão a ser integrados em ocasião oportuna e cujo censo actual atinge, em conjunto, 86 900 almas.
No que respeita à mesa administrativa do hospital sede da região, impor-se-lhe-á um dinamismo e uma eficiência plenos de zelo e canseiras, a que, estou certo, não se pouparão os homens bons que a servirem.
Quanto ao corpo clínico e serviços, o conjunto técnico, seguramente confio naqueles que devotadamente se lhe dedicarão e, sem que qualquer apelo se me imponha ou justifique, aqui exprimo a convicção em que estou de que há-de ser u região um estímulo forte pura mais e melhor se fazer.
Sobretudo, há-de contribuir para que distintos médicos filhos da terra mais se radiquem à volta dela, fazendo de Guimarães um centro de actividades clínico-cirúrgicas e assistenciais que honrem e ilustrem os seus pergaminhos.
Antes de terminar esta breve intervenção desejarei, em duas palavras mais, afirmar: é a região hospitalar um seguro impulso na resolução dos problemas assistenciais da região.
Para Guimarães, porém, para plena satisfação das suas preocupações no aspecto fundamental da vida social que é a assistência médica e, dentro desta, no sector da previdência, uma questão importante se impõe resolver.
Quero referir-me ao posto existente dos Serviços Médico- Sociais - Federação de Caixas de Previdência.
As instalações existentes já não servem as crescentes e exigentes necessidades do progressivo meio comercial e industrial local.
Com beneficiários abrangidos num total global de mais de 9000 inscritos, a que há a juntar os agregados familiares, em número de 12 000, somam um número global de 21 000 os interessados em recorrer aos serviços médicos do posto.
Atendendo a que as consultas atingiram, no ano de 1961, 34 724, e que no ano corrente esta cifra deve ser apreciavelmente ultrapassada, é evidente que não é compatível com um bom e eficiente serviço um edifício adaptado, que, tendo servido na ocasião em que ali foi instalado, está agora ultrapassado pelo movimento e necessidades.
Apenas se dispõe de quatro consultórios, um deles para um serviço de especialidade. E serviços há que, como o de oftalmologia, fundamental em meio industrial, embora dotados com equipamentos, aguardam gabinetes próprios para a respectiva instalação.
Por isso aqui deixo o sentido desejo local de que tal posto seja dotado com novas e condignas instalações, consubstanciando-o em respeitoso apelo, que ponho à consideração de S. Ex.ª o Ministro das Corporações e do Sr. Presidente dos Serviços Médicos-Sociais - Federação de Caixas de Previdência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo seu deferimento a assistência providencial cobrará fortes benefícios que os trabalhadores da minha terra muito agradecerão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Carneiro: -Sr. Presidente: em nome dos Deputados pelo círculo de Coimbra, rendo a V. Ex.ª o tributo da nossa homenagem pelas palavras elogiosas, justas e sinceras com que evocou a saudosa memória do Deputado Egberto Rodrigues Pedro.
A nobre atitude de V. Ex.ª, cuja presença tornou mais luzido o saimento fúnebre daquele nosso querido companheiro de trabalho, é a prova irrecusável de que V. Ex.ª, sendo o professor exímio e o político de primeira estirpe, é também o coração sensível e enternecido que não sabe desertar perante as eclosões da dor alheia.
Por isso, peço licença, Sr. Presidente, para depor nas mãos patrícias de V. Ex.ª o testemunho da nossa gratidão.
Sr. Presidente: «Quando o roble da floresta ramalha, oscila e tomba ao embate das iras da tempestade é que nos é dado ver de perto, e ver bem, a rijeza daquela carne, a pujança daquelas arrancas, a corpulência, enfim, daquela árvore que tão alto subiu em busca do sol brilhante, que tão fundo mergulhou a beber a seiva renovadora» - assim se exprimiu um eminente orador sagrado ao tecer o elogio de uma grande figura nacional.
A morte é sempre o maior testemunho das grandezas da vida ...
Por isso, só depois de os crepes funerários terem cingido na algidez das suas dobras a figura simples, abnegada, singularmente simpática, do engenheiro Egberto Pedro é que podemos aquilatar os primores invulgares da sua alma deleita, profunda como as raízes das árvores que plantara, rumorejante como as florestas que o enterneceram, transparente como a bênção luminosa do sol da sua aldeia, que afagara os seus sorrisos de criança.
A admiração que a sua vida despertara só tem par na saudade dolorida que a rudeza de uma morte tão prematura nos deixou.
Que o digam aqueles que de si ouviram a palavra de ordem e as vozes de comando; que o digam aqueles que se aqueceram ao calor da sua amizade prestimosa e vibrante; que o digam os olhos da gente humilde que, no dia do seu passamento, orvalharam de lágrimas o pequenino cemi-
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tério de Lavos, adormecido entre planuras de verdes mestos e de poentes vermelhos como craveiros ensanguentados.
Sr. Presidente: a glória, no alto conceito de Cícero, é o ádito luminoso por onde os homens entram na imortalidade.
Mas como as estrelas, sem despirem a mesma veste de rainhas do firmamento, descrevem órbitas diferentes, como diferentes são os resplendores que emitem e as galáxias em que se situam, também é diversa a celebridade dos homens, como diversos são os caminhos que conduzem à sua consagração, embora acabem todos por encontrar-se no mesmo templo da glória.
Se umas personalidades, escalando espectacularmente o capitólio 'dos seus triunfos, se enfeitam com os mirtos de uma glória que deslumbra para depois esmaecer, outros, mais discretos e comedidos na aura que os envolve, trilhando radiosamente a via láctea de honra e do dever, distendem nas almas o fluido espiritual de uma admiração que não morre.
Se aqueles se assemelham às ondas alterosas que embatem no rochedo do litoral para depois, quebradas e submissas, volverem ao oceano de onde saíram, estes são como arroios perenes de água cristalina que fecundam, florescem e perfumam os vergéis por onde deslizam.
Não é por serem altas e frondosas, mas pela natureza, pelo solo e pelo clima, que as árvores dão os frutos mais apetecidos.
Não é pelo tamanho, mas pelo esmero da lapidação, que os diamantes mais intensamente reverberam e maravilhosamente fascinam.
Sr. Presidente: o engenheiro Egberto Pedro foi um espírito desprendido, consciência impoluta, alma liberta das vaidades coloridas da vida, revelando no conjunto da sua estrutura psicológica o cunho da mais castiça autenticidade.
Não lhe enalteceram o nome os festões de luzidas genealogias nem o seu berço foi «de marfim entre brocados», como diz o nosso Eça a quem o lê nos Contos.
E bem pode dispensar o desvanecimento dessas flores-cências sociais quem, como ele, perlustra a heráldica da sua vida com um devotado amor ao trabalho, com a luz de uma inteligência possante, com a firmeza de um carácter límpido, com a elegância de uma sensibilidade requintada, com a finura de uma modéstia translúcida e aliciante, com a probidade incontroversa e sem mácula da sua actuação profissional.
O prestígio do seu nome não lhe adveio por graciosa sucessão hereditária, mas por direito de conquista na luta ardorosa da vida.
Na roda de ilusões que o orgulho dos homens vai urdindo ainda há quem aponte como peça de maior valia do seu património espiritual apenas a glória dos feitos dos seus antepassados, como se a grandeza dos que foram pudesse suprir a pobreza dos que são.
Será sempre tremendo engano reputar como próprio o que, em verdade, é valor alheio. A gralha empavonada que a fábula desemplumou constitui um símbolo universal ...
O mérito do engenheiro Egberto Pedro foi a resultante da sua solicitude, do seu esforço pessoal, da chama ardente que crepitou no seu espírito e que só a morte conseguiu extinguir.
Se a estas virtudes acrescentarmos o desvelo de pai enternecido, de marido carinhoso e de amigo leal e prestantíssimo, talvez tenhamos encontrado os contornos do perfil moral do Deputado Egberto Rodrigues Pedro.
Nascido na pequena e vidente aldeia de Lavos, espraiando os seus olhos sonhadores pelos pinhais erguidos numa rigidez ascética e pelas dunas adustas sob chapadas de sol mesclado de maresia, ouvindo, numa confusão estranha e sedutora, as vozes da floresta e o bramido do oceano, Egberto Pedro sentiu que o seu espírito tinha asas para abraçar a Natureza.
As coisas têm, por vezes, segredos latentes que misteriosamente encaminham as almas.
Lamartine, tocado pela beleza abscôndita das coisas, cinzelou poeticamente o ouro reluzente das suas Harmonias. E Herculano, desiludido dos homens, reconfortava os seus olhos tristes e solitários no conspecto de dilatadas campinas.
Egberto Pedro encetou em Coimbra, com raro entusiasmo, os seus estudos, que no Instituto Superior de Agronomia concluiu com muito brilho.
Era a voz do pai, modesto obreiro da floresta, era a voz da terra, era a voz da gente humilde e laboriosa a modelar, desde cedo, as suas aptidões de técnico consumado.
O brilho da sua vida académica foi o simples clarão de uma auspiciosa alvorada, porque, no decurso da sua carreira profissional, o seu talento desdobrou-se em preciosas florações nos vários cargos que ocupou.
Nas repartições técnicas dos serviços florestais, na metrópole ou no ultramar, o engenheiro Egberto Pedro patenteou a sua grande alma serenamente iluminada, amplamente compreensiva, extremamente delicada e generosa.
Muito acima das névoas da vaidade, da petulância ou de um hiperautoritarismo arrogante, nas relações com os seus subordinados foi superior afável, mestre solícito e companheiro lealíssimo. A todos ouvia, a todos ensinava, em todos incutia a força de um alento ou acendia o fogo de uma esperança.
Ele sabia bem que aqueles que, subindo os degraus da hierarquia, se apresentam sobranceiros e menosprezam os subalternos atraiçoam a sua missão.
Na flatulência da sua presunção mostram-se luzidios por fora, mas escurecidos e estéreis por dentro. No seu ruidoso artificialismo lembram elementos de pirotecnia que fascinam com fugazes fosforeseências, para depois se ocultarem no espaço imenso que sempre deixam vazio.
Ele sabia bem que o superior arrogante cria à sua roda, aduladores, intriguistas e hipócritas, mas nunca forma almas abertas, sinceras, confiantes, numa receptividade patente às luzes que irradiam os grandes ideais.
O engenheiro Egberto Pedro, na ascensão da sua vida profissional e sem a menor quebra ou afrouxamento do respeito à disciplina, crescia em modéstia, em transparência e em generosidade.
Em cada subordinado tinha um servidor, um discípulo e um amigo.
Dotado de uma cultura técnica acentuadamente especializada, assinalou com prestimoso relevo a sua passagem na Junta de Investigações do Ultramar, de que foi delegado junto da F.A.O.
Incansável na sua actividade, fez ouvir a sua voz autorizada em vários congressos internacionais.
São ainda testemunho incontestável dos seus méritos valiosas obras que publicou e que constituem do seu formoso espírito e omnímodo talento.
Numa ânsia incontida de conhecimento e de perfeição, com o mesmo entusiasmo percorreu as serras do continente como sondou os mistérios das florestas virgens do nosso ultramar, que, ébrias de música e ressumantes de perfumes, tinham para ele irresistíveis seduções.
Por isso, já alguém que muito o admirara alvitrou, com justiça, que, a título póstumo, lhe fossem concedidas
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as insígnias tia Ordem de Mérito Agrícola e Industrial, galardão que, enaltecendo a sua memória, também honraria as mãos de quem o conferisse.
Chamado a ocupar um lugar nesta Assembleia, estou certo que sempre o desempenharia com a elevação, com a dignidade e com a limpidez intelectual que foram o timbre de toda a sua vida.
Por tudo isto, Sr. Presidente, de Lisboa até à aldeia natal, o seu corpo inanimado, fazendo a última viagem por entre árvores aprumadas como mãos erguidas e à beira do mar que embalou os seus sonhos de menino, foi recebendo as homenagens com que a gente grada e a gente humilde, o rico e o pobre, pretenderam aquecer-lhe a algidez do túmulo e tornar menos pungido o negrume da sua morte.
Féretro simples, como simples fora toda a sua vida ...
Nem crepes decorativos, nem os ritos mais solenes da liturgia, nem excessivas flores a engrinaldarem o ataúde.
Apenas recolhimento sentido, preces fervorosas e lágrimas sinceras ...
Naqueles despojos já não havia o sorriso do amigo que comove, nem a mão do pai e do esposo que acaricia, nem o talento do profissional que ilumina.
Mas ainda rebrilhava, como um clarão, o prestígio do seu exemplo, a translucidez da sua vida e o lume acalentador da. sua enobrecida bondade.
Por isso, de entre a multidão que o chorava sobressaía, de olhos tristes como círios, a mancha negra do povo anónimo, desse povo agradecido a quem ele tantas vezes mitigou a fome ou despontou os espinhos do sofrimento.
Deus chamou pela sua alma; o seio da sua terra, que também é segunda mãe. recolheu comovidamente o seu corpo.
E entre a terra e o céu perdurará a sua memória como um sulco luminoso unindo a saudade que deixara à imortalidade a que subira.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal:-Sr. Presidente: anunciou em Faro, no dia 16 do mês findo, o director-geral da Aeronáutica Civil a decisão do Governo de mandar iniciar imediatamente a construção do aeroporto do Algarve, bem como a previsão da sua abertura à exploração na Primavera de Í964.
Com ele se reforça e alarga a infra-estrutura nacional da Aeronáutica, se melhora a segurança da navegação aérea, pelas condições climáticas excepcionais de que goza a região onde vai ser implantado, o se facilita o desenvolvimento turístico do Algarve, o qual, dadas as suas perspectivas, será manancial certo de riquezas e de intenso convívio internacional, que nesta hora incerta temos a mais alta conveniência em cultivar com o melhor da nossa natural simpatia.
Este melhoramento, que ultrapassa as fronteiras do regional, era, desde há muito, legítima e premente aspiração do Algarve, e a qual mantive sempre viva nesta Assembleia, desde que aqui tive assento.
A razão do Algarve, e a minha insistência em aventá-la, está felizmente satisfeita e provado o seu acerto no passo que se vai dar.
Neste momento, em que essa querida aspiração toma foros de realidade, julgo ser obrigação, que cumpro com o maior prazer, por gentil delegação dos meus estimados colegas pelo círculo de Faro, trazer até aqui os ecos de contentamento dos meus comprovincianos ao Governo, designadamente ao Sr. Ministro das Comunicações, e a quantos contribuíram efectivamente para que o aeroporto do Algarve passe a ser mais um facto a assinalar a marcha ininterrupta e operosa da política de engrandecimento do nosso poder económico.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - É com o mesmo sentimento de independência e espírito de justiça com que transmiti os pedidos e reclamações formulados pelo Algarve, a propósito das vicissitudes que ornamentaram o longo período da sua gestação, que aqui estou a agradecer e a louvar.
Abre-se com ele, para o turismo internacional, que tão interessado anda em conhecer e viver as excepcionais condições. naturais do Algarve, que andam na. boca do Mundo, a porta aérea que com tanto empenho solicitava.
Amanhã será a vez de anunciar a abertura da porta terrestre, que, voltada para Espanha, está apenas entreaberta a um trânsito incómodo e inseguro e terá de ser aberta de par em par, fácil e segura, com o lançamento da ponte sobre o Guadiana por Ayamonte - Vila Real de Santo António, por força da pressão exercida pela multidão turística que anda pela Andaluzia, da ordem dos cinco milhões, e que em grande parte entraria, por via dela, no Algarve e se espalharia por todo o País com uma propaganda bem orientada e servida por melhores comunicações ferroviárias e rodoviárias entre o Sul e o Norte do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Depois só ficará por franquear a sua porta marítima, e essa por Lagos, por ser a mais natural, com a construção de um molhe-cais no seu magnífico, amplo e seguro porto, colocado na região mais linda das suas costas rendilhadas.
Com ele possibilitava-se a atracação de barcos de turismo de toda a espécie e tonelagem e a consequente inclusão do Algarve na escala das rotas dos cruzeiros marítimos, que só por falta de acesso o não está sendo, como se ouve dizer com insistência.
De outra maneira não poderá entrar na região algarvia, sem atropelos e condicionalismos impertinentes e enfadonhos, o número de turistas que está sendo previsto pelos que estão atentos ao desenvolver do fenómeno turístico que por toda a parte se processa e, particularmente, ao que se passa na vizinha Espanha e a que me referi, com certo desenvolvimento, nesta Câmara na sessão de 1 de Março do corrente ano.
Este é apenas um dos aspectos a encarar no planeamento do turismo no Algarve, que não me canso de submeter à consideração do Governo, com a mesma persistência com que o fiz durante treze anos para o aeroporto do Algarve. Outros, não menos básicos, como os da urbanização, instalações hoteleiras, comunicações entre os pontos turísticos e saneamento, estão postos, não com menos acuidade, ao nosso entendimento, a desafiar a nossa capacidade de realização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -A afirmação feita pelo secretário nacional da Informação em Faro. seguidamente às declarações do director-geral da Aeronáutica Civil sobre a construção do aeroporto do Algarve, de que se trabalhava para que. o Algarve possa acolher, dentro de cinco anos, 500 000 turistas, constitui uma garantia de que se vai entrar num período de sério e intenso trabalho a favor do fomento do turismo da região, tanto mais que foi pronunciada
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pouco tempo depois da visita que fez na companhia do Sr. Ministro de Estado à região espanhola da Costa do Sol, onde aquilo que ali está patente e se fez em meia dúzia de anos e se continua febrilmente a fazer é um exemplo a seguir e um testemunho do que se pode quando se sabe o que se quer e para tal se dispõem os meios suficientes sob comando capaz.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - O Algarve ouviu com júbilo mais uma prometedora notícia a bem do surto de progresso que agora o bafeja pela mão do turismo.
Boa nova que não se tomou como um simples enunciado de um desejo, mas sim como sendo uma certeza bem medida pelo que foi observado em casa alheia e foi julgado capaz de se repetir em nossa casa por quem está em situação de o dizer com autoridade e fundamento.
Este sentimento de alegria foi imediatamente seguido pelo do agravamento da noção de responsabilidade pela colaboração que aos algarvios lhe será pedida e terão de dar com o maior esforço e a melhor compreensão com assento num órgão regional, que já tarda, com autoridade sobre toda a província e poder para falar em nome de todos os interesses que ali estão ligados ao turismo.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aguarda-se a todo o momento, como é óbvio, a palavra de ordem e as providências para o desencadear de uma ofensiva em todos os ramos de incidência das actividades solicitadas pela montagem e exploração de uma indústria de turismo à escala mundial, dando combate sem tréguas para vencer toda uma série de obstáculos que se adivinham e galgar toda a espécie de atrasos que se conhecem, a fim de pôr a casa em ordem e apta a receber tantos em espaço tão limitado de tempo, se considerarmos a natureza, a complexidade e a delicadeza dos empreendimentos que lhe são peculiares.
Os acontecimentos e as perspectivas aconselham antes do mais a aprovação de um plano de urbanização geral que não descaracterize a região e inspirado por directrizes que permitam uma elasticidade tal que se adapte às circunstâncias no decorrer da sua elaboração, para não emperrar ou desviar iniciativas úteis, com argumentos puramente burocráticos, como acontece por .algumas partes, e servido por um apropriado plano de fomento.
A marcha do turismo nacional já não se detém dentro dos limites das disposições das Leis n.08 2073, 2081- e 2082, que estruturam a sua organização e condicionam a sua vida administrativa, pelo que é de recomendar medidas que abram novos horizontes dentro dos quais caibam as soluções dos problemas que para o Algarve têm de ser resolvidos sem demora.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: -Julgo não ser de mais coutar com um plano especial de investimentos do Estado para fomentar o turismo do Algarve com a mesma largueza de vistas e substancial quantitativo com que foram ajudadas e activadas outras indústrias de base e de resultados menos prometedores.
Os apoios financeiros instituídos pela Lei n.º 2082, e aqueles que podem vir do Orçamento Geral do Estado, por conta das despesas extraordinárias à margem do Plano de Fomento, não se julgam suficientes para erguer o que se projecta e se tem como indispensável para valer às exigências da conjuntura presente.
Plano de Fomento que tenha o necessário para despertar e estimular iniciativas e capitais particulares de origem nacional para o exercício de uma actividade económica que se apresenta com o melhor dos auspícios, reclamando a presença de homens de acção.
Já é tempo de se ver entre nós o que está sendo visto por empresários lá de fora, avaliado pela tomada de posição no Algarve, adquirindo terrenos e organizando empresas com olhos que estão habituados a ver à distância e em profundidade e prontos a avaliar de um golpe, com saber de experiência feito, os resultados deste ramo de negócio.
A propósito de compras de terreno, seja-me permitido chamar a atenção do Governo para que se inteire completamente acerca do que ali se passa neste particular e neste momento, em que estão em leilão os terrenos que confinam com a orla da costa, e intervenha para disciplinar as transacções,, definindo e impondo obrigações, de modo a pôr cobro a tudo o que representar especulação ou possa pôr em perigo a nossa independência económica e a segurança do território.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - É o que parece estar-se já a passar com alguns recintos para campismo.
O Orador: - Vou terminar, solicitando a atenção do Sr. Ministro das Finanças, presentemente ligado à organização do Orçamento Geral do Estado, para a possibilidade de nele se inscreverem verbas para obras de maior interesse para o desenvolvimento do turismo no Algarve, como aliás é facultado pela doutrina e pela letra do artigo 19.º da Lei de Meios para 1963, presente nesta Câmara para apreciação e aprovação.
Uma para saneamento das zonas de mais visível interesse turístico, o que não tem podido nem pode ser feito pelas câmaras municipais que sobre elas têm jurisdição, por insuperáveis dificuldades dos orçamentos municipais. Isto utilizando os mesmos argumentos que levaram o Governo a dotar o saneamento da Costa do Sol portuguesa com 38 000 contos.
Outra para completar as obras em curso de reconstrução dos balneários das Caldas de Monchique, iniciadas pela sua demolição há mais de vinte anos.
O Sr. Rocha Cardoso: -V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor!
O Sr. Rocha Cardoso: - Como Deputado mais novo pelo Algarve, em nome do qual V. Ex.ª já teve a honra de exprimir ao Governo a sua gratidão sincera pelo que ele acaba de fazer em seu proveito, eu queria, também, testemunhar a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados Sebastião Ramires e almirante Henrique Tenreiro, cujos esforços, em todas as legislaturas, contribuíram para o estado de euforia, grandiosa e esperançosa, em que se encontram todos os algarvios, todo o meu reconhecimento, agradecendo igualmente todas as considerações feitas, tanto por V. Ex.ª como pelos ilustres. Deputados já citados, no sentido de resolver o problema da urbanização.
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O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª as palavras carinhosas que proferiu, mas devo lembrar que entre as pessoas que citou fui eu, sem dúvida, a que teve acção mais modesta.
Não se pode dizer que este melhoramento não seja de alto interesse para o turismo e não se ajuste à intenção ditada pela redacção do artigo 19.º da Lei de Meios para 1963, e não caiba dentro da sua alínea d) sob a rubrica «Realização de melhoramentos e construções de interesse para o turismo», dado que da sua reconstrução depende a valorização de uma zona que no conjunto do Algarve é um caso à parte como estância de repouso, pelo seu clima e pela sua beleza, e de cura, pelo milagre das suas águas.
Também limitam a favor da reconstrução dos balneários razões de fomento económico e saúde pública, acarinhadas pelo Governo no artigo 19.º da Lei de Meios para 1963.
Sem ele não se fazem as construções que se projectam para hotéis e residências particulares, nem se estimula a vinda de mais doentes por falta de alojamentos capazes e suficientes e pela incomodidade como se fazem os tratamentos, além de que está a privar o Estado de um rendimento que lhe pode vir do arrendamento do conjunto da estância termal, e este só é viável depois de terminada toda a obra projectada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: no último dia do mês de Agosto deste ano viveu a minha terra horas verdadeiramente inesquecíveis de entusiasmo e sentida alegria quando oficialmente a visitou o venerando Chefe do Estado. Trata-se de uma data que não se apagará tão cedo da memória dos que tiveram o privilégio de vivê-la.
Valença é pequena vila do Alto Minho, ali mesmo na raia de Espanha, velha praça de guerra que um surto de progresso transformou num dos mais belos recantos turísticos do País. É vila de gente boa e devotada ao trabalho, vivendo dentro das muralhas de uma fortaleza, onde cada baluarte é memória de lutas viris ao serviço da Pátria e onde cada revelim nos recorda feitos heróicos.
Passou por ali a onda de progresso que, um pouco por toda a parte, em Portugal se faz sentir. Passou por ali, levada por esse extraordinário Ministro que é o engenheiro Arantes e Oliveira - a cujas qualidades de governante da melhor água todos, nesta Câmara, rendemos homenagens -, e em poucos anos se transfigurou o aspecto do velho burgo muralhado, ponto obrigatório de passagem para quem entra ou sai do País pela fronteira Norte.
Ainda a convite do Sr. Ministro das Obras Públicas, ali foi o venerando Chefe do Estado, em visita oficial, para presidir à inauguração de importantes melhoramentos, sobre cujo significado noutra oportunidade me ocuparei perante a Assembleia.
Não quero deixar passar este primeiro ensejo que se me oferece, depois da visita do Supremo Magistrado da Nação à minha terra, sem destacar devidamente essa visita, perante V. Ex.ª e perante os Srs. Deputados. Foi verdadeiramente apoteótica a recepção feita por Valença ao Sr. Almirante Américo Tomás. Ninguém ficou em casa naquele dia; tanto na vila como nas aldeias, tudo veio para a rua exteriorizar o seu entusiasmo, a sua eufórica alegria, a gratidão inapagável de uma gente que se viu amparada nas suas aspirações.
As nossas terras são a nossa pátria pequena, e também elas têm a sua história, na qual se registam os seus fastos. Esta visita do Sr. Almirante Américo Tomás a Valença há-de ficar inscrita como acontecimento sem paralelo, desde a construção, nos séculos XVII e XVIII, da sua actual cintura de muralhas.
Mas o que mais sobrelevou, e justifica sobremodo estas palavras, foi aquele pulsar entusiástico do povo à passagem do Chefe do Estado. E nem só Valença, pois foram também as terras do percurso - Caminha, Vila Nova de Cerveira e Monção - que vieram para a rua e se vestiram de festa; foram ainda Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Ponte de Lima, com gente que das mais remotas aldeias se deslocava para saudar o Sr. Almirante Américo Tomás e sua ilustríssima esposa.
Foi jornada altamente significativa aquela do dia 31 de Agosto, por terras do Alto Minho. É esse significado, a repercussão tão benéfica da visita do Chefe do Estado, que esta Câmara não deixará de registar com aprazimento. Em nome da minha terra e do meu distrito daqui dirijo a S. Ex.ª o meu sentido agradecimento. Como português, bendigo os altos serviços que vem prestando ao País. Oxalá todos o compreendam e lhe saibam corresponder.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a todos VV. Ex.ªsas dirijo a expressão dos meus melhores cumprimentos no início dos trabalhos desta nova sessão legislativa e, obedecendo aos imperativos da minha consciência, a todos renovo o oferecimento da mais leal colaboração, que, modesta embora, terá muito do seu desvalor suprido pela sua sinceridade e devotamento.
Sr. Presidente: nesta hora conturbada da nossa gloriosa história, em que, por força do negrume de tantas almas, tão mal nos querem muitos daqueles que melhor temos servido e tão ostensivamente nos atacam alguns cuja dignidade andamos empenhados em defender na nossa luta pela civilização cristã que sempre servimos, tudo quanto possa valer para demonstrar os primados do nosso empenho em estreitar os laços da fraterna amizade que dedicamos aos povos dessa mesma civilização merece ser devidamente destacado nesta Casa.
É que sempre daqui irradiaram afirmações especialmente valiosas, porque, com a mais alta objectividade, todos nós procuramos servir as grandes causas nacionais, no cumprimento do honrosíssimo mandato que recebemos da Nação.
Por isso aqui trago hoje ligeiro apontamento da visita do Orfeão Académico de Coimbra aos Estados Unidos da América, que terminou precisamente quando iniciamos os trabalhos desta sessão.
E venho realçar o grande significado desta visita porque ela se situa no mais alto escalão das frutuosas diligências que se têm praticado para o fortalecimento das relações luso-americanas nos 150 anos que vão decorridos desde que nasceu o conhecimento diplomático entre os dois países.
Ora, sendo assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem ficará entre os fastos a que esta Câmara tem concedido um destacado merecimento pelo seu cunho designificativa importância esta visita agora feita à América do Norte, ao serviço de Portugal, pelo Orfeão Académico de Coimbra.
Vozes: -Muito bem!
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O Orador:- Na verdade, este organismo da Academia de Coimbra, já tão carregado de nobres tradições de requintada benemerência na sua pereníssima juventude de mais de oitenta anos de vida, não se deslocou ao continente americano apenas em representação da mesma Academia e da cidade do Mondego.
Evidentemente, muito mais alta e mais categorizada foi a representação que pertenceu à embaixada da nossa juventude universitária, e ela foi a de representar o próprio Portugal!
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Assim o entendeu o afirmou, com sobrante autoridade, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Doutor Franco Nogueira, perante o testemunho categorizado dos Srs. Embaixadores Teotónio Pereira e Vasco Garin, quando definiu as muitas responsabilidades dessa honrosíssima representação.
As suas palavras, porém, a despeito da sua alta expressão patriótica, apenas afervoraram sentimentos já dominadores das almas e dos corações de todos os componentes do organismo coimbrão.
E então, percorrendo quilómetros sem fim para actuar em cerca de 40 cidades, entre as quais as grandes urbes de Washington, Nova Iorque e Chicago e aquelas em que mais labutam e vivem os portugueses, New Bedford, Cambridge, Waterbury e Boston, o Orfeão Académico de Coimbra pode afirmar Portugal, no muito valor de um selecto programa de cantares clássicos e do nosso impressivo folclore, em longa série de magníficas actuações, arrancando intermináveis aplausos que, recebidos, logo eram dirigidos à Pátria distante, com a unção de quem reza a mais fervorosa das preces ...
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Ficaram os americanos a conhecer muito melhor Portugal e os portugueses e a saber que os fortes mandamentos da civilização exuberantemente demonstrada na galhardia e no aprumo daquele punhado de jovens de todo o Portugal não consentem antagonismos deletérios, mas concitam à compreensão e à estima de verdadeiros amigos.
Não pensam, certamente, de outra maneira os milhares de privilegiados espectadores que, no moderníssimo Lincoln Center de Nova Iorque, auditório selecto e rigoroso, cujo palco só tem sido pisado por quem se possa abonar na celebridade e no muito merecimento, de pé, longamente, demoradamente, aplaudiram os estudantes de Coimbra, que são estudantes de Portugal!
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não pensam diversamente também os americanos que tiveram a felicidade de se poderem contar entre os quatro milhares que na imponente Catedral de Nossa Senhora da Conceição de Washington ouviram, inebriados, todo um programa de música profana, da execução do qual se dizia, depois, que tinha feito sorrir de encantamento as belas imagens dos sumptuosos altares!
Pensamento semelhante não podem deixar de ter os muitos milhões de americanos que viram e ouviram, através do melhor programa da sua televisão, um expressivo programa com que o Orfeão Académico de Coimbra lhes desvendou Portugal e o arrebatador lirismo dos nossos cantares e do nosso fado ...
Mas o Orfeão Académico de Coimbra também cantou para as comunidades portuguesas e luso-americanas do estado de Massachusetts.
E foi um verdadeiro delírio ...
Os jornais que servem principalmente essas comunidades dão notícia das mais extraordinárias afirmações de portuguesismo que possam supor-se e de que de muitos olhos se desprenderam torrentes de lágrimas de comovida emoção quando, magistralmente, o Orfeão cantou A Portuguesa.
Naqueles inolvidáveis momentos nem o tempo nem o espaço tinham qualquer
dimensão ...
Ali estava a Pátria e só a Pátria, na plenitude das suas virtudes e glórias, na perenidade da sua história, na proba integridade da sua missão civilizadora, afirmada por forma tão veemente que não se cantou, mas rezou-se Portugal ...
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:-Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante tão valiosa e patriótica actuação, cujos frutos foram amplamente reconhecidos pelo Sr. Embaixador Doutor Pedro Teotónio Pereira no banquete de despedida que ofereceu aos componentes do Orfeão, quando afirmou que melhor propaganda do nosso país fizera este nos 40 dias da sua visita à América do que qualquer outro organismo português nos últimos 40 anos, não seria lícita a nossa indiferença.
Certamente que o Governo da Nação não deixará sem o merecido galardão este importante serviço prestado à, causa do prestígio de Portugal.
A Academia de Coimbra, através do seu glorioso Orfeão, demonstrou mais uma vez o grande escol das suas altas virtudes e o seu aprumo sem par, pela forma elevada como representou Portugal e a sua juventude no continente americano.
Assim o entenderam já a gloriosa Universidade do Coimbra, as autoridades e as forças vivas da cidade, que, em triunfal recepção na Câmara Municipal e no Paço das Escolas, renderam à embaixada académica as homenagens que ela tanto merece.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Falta, porém, ao Governo perpetuar ainda este alevantado serviço, pela forma justa e apropriada.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Estou certo de que não deixará de o fazer, pois na bandeira do Orfeão Académico de Coimbra, onde já luzem tantas e tão significativas provas da sua benemerência e do seu patriótico altruísmo, ficará bem mais uma venera a atestar o imperecível reconhecimento da Nação.
Disse.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz:- No regresso a esta Assembleia para o reinicio, na presente sessão legislativa, da sua alta função não esconderei o júbilo que trago comigo por poder contar com a generosidade do sábio e fecundo magistério de V. Ex.ª a corrigir as minhas deficiências e a dar segura directriz aos meus propósitos de bem servir os superiores
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interesses da Nação. Há-de V. Ex.ª permitir-me que, para o entusiasmo, a devoção, mesmo o arrebatado desejo que no meu íntimo dão sinal à missão deste cargo, procure alento e paradigma na extraordinária e maravilhosa lição com que V. Ex.ª, para honra dessa tribuna e proveito nosso, pôs a III aos trabalhos desta Assembleia na sessão legislativa passada.
Escutámos então palavras reconfortantes, que afastaram do nosso horizonte a bruma das apreensões e nele repuseram a límpida claridade da esperança.
Escutámos então palavras experientes de sabedoria, palavras com que reforçámos o nosso propósito de integral fidelidade aos princípios e à doutrina da Revolução Nacional, que o mesmo é dizer aos princípios e à, doutrina desse homem excepcional, mercê da Providência, nas horas graves e decisivas da Pátria, ontem e hoje.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Escutámos então palavras do mais cativante companheirismo, que mais nos obrigam à admiração e ao respeito, admiração e respeito que anseiam por alcançar, na sua medida, o grau das qualidades que os solicitam e são as que exornam V. Ex.ª
E ainda inebriado pelos sentimentos que fui vivendo quando então escutava V. Ex.ª que regresso por eles fortalecido para o exame e o estudo dos problemas que a Nação põe à nossa consciência nesta Assembleia; que regresso com a segurança que me anima e o propósito que me estimula a cumprir o meu dever. Agradeço-os a V. Ex.ª. a quem peço licença para o cumprimentar com o mais vivo respeito e a mais viva admiração.
Sr. Presidente: quando, há cerca de um ano, me foi permitido trazer, pela primeira vez, a este hemiciclo a representação dos interesses da Beira Baixa, era o conspecto do seu ensino secundário que havia de solicitar a minha preferência.
Renovo agora a atitude de então: é que nem o problema terá perdido acuidade que me dispense de a ele regressar, nem as providências oficiais recentemente postas em acção consentiriam a quem tanto com elas se regozijou o silêncio da ingratidão.
Não continuarei, pois sem que primeiro expresse os mais vivos agradecimentos a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional de então, hoje o nosso ilustre colega Prof. Lopes de Almeida, por ter enriquecido o distrito de Castelo Branco com um novo estabelecimento de ensino técnico oficial - a Escola Industrial da Sertã, criada pelo Decreto n.º 44533, de 21 de Agosto último -, e de nestas palavras de reconhecimento envolver ainda S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem Castelo Branco agradece o novo edifício da sua Escola Comercial e Industrial, em funcionamento desde Outubro findo.
Ambas estas efemérides as vivemos e interpretamos, as gentes da Beira Baixa, em duplo alcance, alcance de certeza e de esperança: certeza de vigilância - ao Governo da Nação não fogem os aspectos de maior urgência na solução dos problemas fundamentais do País, ainda que em simples projecção regional, e o do ensino técnico profissional estará, na presente conjuntura, à frente dos demais, assim me parece; esperança-na diligência que sempre continuará presente nos programas da governação em ordem si neles atribuir lugar cimeiro à preparação cultural das gerações que ano a ano chegam às portas da juventude.
Pois bem, mais talvez do que outras regiões do País, bem carece a Beira Baixa, neste como em alguns outros planos sociais, de atento cuidado dos Poderes Públicos.
Porque o sabemos, logo somos gratos quando nos atendem, mas, com reconhecê-lo, não olvidamos quanto continuaremos a precisar.
Daí esta singular junção de dois sentimentos que definem a franqueza das gentes beiroas: agradecemos pedindo, agradecemos lembrando sempre que as nossas necessidades não findaram.
E teremos, Sr. Presidente, de continuar a pedir e a lembrar que é urgente, que é indispensável criar novas escolas técnicas e profissionais na Beira Baixa.
É que da sua população na idade dos 11-16 anos o período ideal para a preparação cultural e profissional de base, apenas 15 por cento podem ir além da 4.ª classe da instrução primária!
Os restantes - e são 85 por cento dos rapazes e raparigas daquela província! - param o seu acesso a uma cultura maior, a uma profissão evoluída, a uma vida melhor, param o seu anseio de melhor poderem servir Portugal às portas do bem elementar 1.º ciclo do ensino secundário - e apenas porque não têm escolas que os recebam.
A mim dói-me profundamente que assim seja.
E se agradeço em nome daqueles sobre que Minerva estendeu já seu manto nos claustros de nova escola, há-de perdoar-se-me que peça, que insista, que importune até, para que igual oportunidade seja dada a todos, e, neste caso, dela carecem, em termos absolutos, aqueles 85 por cento dos jovens meus compatrícios detidos na vida porque impossibilitados de desenvolverem as faculdades de trabalho e de inteligência de que a generosidade divina os terá dotado e que inadmissíveis factores circunstanciais se apegam em esconder debaixo do alqueire, na simbólica mas viva condenação do Evangelho.
Por certo, Sr. Presidente, que a gente moça do meu distrito já não é analfabeta. Pôde ela, mercê precisamente de providências excepcionais que V. Ex.ª iniciou quando Ministro da Educação Nacional e que viriam ter, anos após, idóneo complemento na autêntica revolução, generosa, idealista e fecunda que o hoje nosso ilustre colega Dr. Veiga de Macedo levou aos negócios da instrução primária, pôde ela, repito, libertar-se do pesadelo do analfabetismo.
Só há poucos anos? É exacto. Como lamentaria o Sr. Presidente do Conselho ao definir o direito à instrução como um dos dois maiores que ao homem podem ser concedidos, não bastaria anunciá-lo nos discursos nem inscreve-lo nas leis - era preciso efectivá-lo na prática.
Pois nós vínhamos a anunciá-lo nos discursos desde a segunda metade do século XVIII com redobrada oratória desde 1820; vínhamos a inscrevê-lo e a reinscrevê-lo nas leis desde 1836. Mas foi precisa a Revolução Nacional para o efectivarmos na prática, embora e por ora apenas ao nível da 4.ª classe!
Mas, Sr. Presidente, quatro anos de ensino obrigatório, se de per si constituem extraordinária conquista social, reduzem, no entanto e fatalmente, o programa a saber ler, escrever e contar, ainda que com uns rudimentos de aritmética, de história e de ciências naturais.
Nesta fase do século XX dar à juventude apenas instrução tão limitada é como que negar-lhe a preparação suficiente para entender, colaborar e viver a civilização do seu tempo; é como que negar-lhe a possibilidade da sua extraordinária, da sua maior riqueza - a sua capacidade mental, a aplicação da sua inteligência; é como que condená-la a uma vida de acanhado horizonte, numa idade em que o homem está a vencer o que os próprios astros apresentam à sua insaciável sede de descobrir e de saber.
Pois, Sr. Presidente, a grande maioria - 85 por cento! - da juventude das terras de Castelo Branco está aí. nesse quadro que me entristece profundamente, que
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me coage a pedir, até ser importuno, que lhe acudam, que a socorram, que não consintam se afogue na semies-curidão do que ignora.
Três dos onze concelhos do distrito não beneficiam ainda de qualquer estabelecimento de ensino secundário, oficial ou particular: Vila de Rei, Oleiros e Vila Velha de Ródão.
Se a proximidade deste em relação à capital do distrito pode supor-se elemento que de algum modo facilite a uma pequena percentagem da respectiva população escolar o prosseguimento dos seus estudos, tanto o de Vila de Rei como o de Oleiros nem com tão pouco poderão contar!
A gente nova que os habita, se os réditos familiares lhe não permitirem a deslocação para outro meio, e nessa medida estarão 95 por cento dos pais, aos 10 ou 11 anos ela terá findado para sempre o seu anseio do melhor compreender e entender a sua própria- vida, o seu próprio destino.
A justiça social nos bens mais valiosos, que são os do espírito, não alcançou ainda essa juventude abandonada.
E em nome dela, é em nome das gerações que vão suceder-lhe, que peço ao Sr. Ministro da Educação Nacional a urgente, a imperiosa, a inadiável criação de escolas técnicas, industriais ou agrícolas naqueles concelhos.
Além destes, mais de 50 por cento dos restantes do distrito não dispõem de estabelecimentos de ensino secundário oficial, e os do ensino particular aí existentes, tendo de funcionar em regime industrial, por menor que seja o espírito lucrativo de seus proprietários, afastam desde logo da sua frequência a grande maioria da população escolar.
Rapazes e raparigas, cujos pais, trabalhadores rurais ou de ocupação quase equivalente, mal ganham para o escasso sustento, de elementares exigências, aliás, como poderiam aspirar à frequência de um colégio a troco de uma mensalidade que tantas vezes, só ela, é de per si superior ao ganho mensal familiar?
Aí o contraste dos que podem, e nem sempre serão os melhores, com os que não podem e que não deveriam perder-se e se perdem para as maiores tarefas da grei, sinto-o como o vivem quantos o contemplam: com desolação e, queremos desejá-lo, com esperança! A esperança de que termine quanto antes, a esperança de que a Nação possa contar com todos para as missões ingentes que o presente e o futuro põem ao nosso esforço e à nossa consciência.
E, por isso, eu sei que poderão, com alguma justiça, é certo, alcunhar-me de incomodativo, mas nem por isso deixarei de insistir: a escola técnica do Fundão teria já ultrapassado os 1000 alunos se fora criada quando pedida, não se alcançando que razões possam vir obstando ao seu aparecimento e à sua instalação, ainda que precária, mas imediata.
Porque assim se não tem entendido, porque assim se não tem decidido, ali continuamos a desperdiçar a nossa maior riqueza - a nossa juventude, condenada ao malogro nas suas mais legítimas e mais fecundas aspirações - as do seu crescimento intelectual-, o único que poderia conduzi-lo à integral realização da sua vocação e do seu destino.
Os concelhos de Idanha-a-Nova, Penamacor, Belmonte e Proença-a-Nova, porque sofrem de mal idêntico, carecem de igual remédio.
Certo que é no ensino profissional que estou a estruturar quanto requeiro.
E pela via de uma profissão evoluída e instruída que as grandes massas podem ir dar à cultura. Vão longe os tempos, felizmente, em que o trabalho se afigurava antagónico da cultura. Hoje deram-se as mãos. Se esta dispensa a especulação pela especulação, aquele foge de ser um aprendizado servil para se tornar no exercício de uma actividade a praticar mais com a energia mental do que com a força muscular.
Ainda bem.
Não vá ainda supor-se que o problema do ensino secundário está totalmente resolvido na própria capital da província. Infelizmente, nem aí.
E que uma tal questão não é estática, é dinâmica. As soluções, ao menos no seu lado quantitativo, e só deste euro agora, nunca são definitivas. Avançam continuamente ao impulso das forças sociais inevitáveis que, ano a ano, colocam à beira da juventude novas gerações.
E por isso Castelo Branco carece urgentemente de ver ampliado o quadro das suas instalações docentes com o liceu feminino, já tantas vezes lembrado e ainda não obtido.
O seu único liceu, com edifício inaugurado há cerca dei 15 anos, para 600 alunos, abriga 1500. dos quais 700 são rapazes e 800 raparigas.
Fosse ele de frequência masculina apenas e mesmo assim facilmente se compreenderiam os gravíssimos inconvenientes pedagógicos de ministrar o ensino a- 1500 alunos em estabelecimento estudado, projectado e construído para 600. Mas esse parece ser já mal corrente por esse País além.
Repare-se, contudo, que ali o agrava sobremaneira a presença de 800 alunas! Os inconvenientes e até os perigos da coeducação em tais condições atingem probabilidades chocantes, que só o denodado esforço do seu incansável reitor, Dr. José Catanas Diogo, e do diligente corpo docente que o acompanha vem evitando.
Por outro lado, a frequência feminina cresce ano a ano, o que afasta toda - a esperança de resolver o problema sem II criação do imprescindível liceu feminino. Aliás, aqui se juntam duplas razões - as da instrução e as da formação adequada que devemos à nossa juventude, a cujas exigências, em tal condicionalismo, não é possível atender como merece.
E se novas realizações não vierem alterar, como é de desejar e de esperar, o condicionalismo do ensino técnico nacional, não será arrojado profetizar que dentro de breves anos também aí a situação será idêntica à que ora oferece o ensino liceal.
O novo edifício da Escola Comercial e Industrial, aberto no começo do corrente ano lectivo, está a ser frequentado por cerca de 1400 alunos! Se o ritmo do crescimento anual for o registado em concelhos de menor população escolar que o de Castelo Branco, aquele número terá dobrado dentro de 6 anos, o que significará a necessidade de nova escola profissional.
Sem embargo de reconhecer-se o forte núcleo industrial da Covilhã e seu termo, certo é que a grande maioria da população activa da Beira Baixa se ocupa na agricultura e actividades afins.
Não existe, porém, ali, como também e infelizmente na quase totalidade das restantes províncias, uma simples e elementar escola agrícola.
Toda aquela fundamental actividade continua a ser dominada pelo tradicional empirismo. Certamente que há nele muito de útil e de aproveitável; não será, porém, com ele que poderemos levar a bom termo as reformas agrárias já decretadas e, em perspectiva. Não será, porém, com ele que poderemos levar o indispensável progresso às lides da agricultura. E que só a técnica será capaz de extrair da terra os produtos em quantidade que corresponda à finalidade de todas as reformas projectadas e legisladas.
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Mas como defender e ensinar a técnica sem escolas agrícolas?
Delas carece urgentemente todo o distrito na conveniente exploração da sua pomicultura, da sua pecuária, da sua silvicultura, bem como nos restantes ramos da actividade agrícola.
A parte norte e oriental do distrito e a sua capital não podem, não devem, continuar privadas de escolas práticas de agricultura que, na próxima década, possam facultar à agricultura da Beira Baixa a técnica e a mão-de-obra qualificada indispensáveis ao grau de aproveitamento e rentabilidade por que tanto se vêm esforçando os seus conscientes proprietários e lavradores.
São assim grandes e urgentes, Sr. Presidente, as necessidades escolares da Beira Baixa - liceu feminino em Castelo Branco, escolas industriais e escolas práticas de agricultura em quase todos os seus concelhos, pois em quase todos eles estamos a perder, do modo que constrange e preocupa, o seu melhor recurso: o capital humano da sua juventude.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta:- Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª a bondade de me ter concedido a palavra pela primeira vez nesta legislatura. Vão, portanto, para V. Ex.ª as minhas homenagens mais respeitosas ao político íntegro a quem o País deve assinalados serviços, ao mestre insigne do Direito e ao homem de carácter que suscita a estima de quantos têm o privilégio do seu convívio e com estas homenagens os cumprimentos afectuosos e os protestos de constante dedicação na alta missão que esta Assembleia é chamada a exercer, sobretudo na hora singular que u Pátria vive, em que cada um de nós, no uso dos seus direitos de Deputado, deve medir com justeza o que convém ao bem comum, como V. Ex.ª lembrou no início da sessão legislativa presente, actuando por forma que em nenhuma circunstância se contribua para o afrouxamento da unidade nacional ou para servir os criminosos objectivos do inimigo externo ou interno.
Não teria sido indispensável que V. Ex.ª houvesse pronunciado palavras aliás tão sensatas sobre a actividade parlamentar. O passado desta Assembleia é garantia do futuro e a actividade parlamentar foi sempre a expressão dos sentimentos patrióticos de quantos, com plena consciência das suas responsabilidades, para aqui vieram trazidos pelos votos dos bons portugueses, zelosos do respeito pela honra dessa eminente qualidade e da dignidade e integridade nacionais.
Mas foi bom que as tivesse dito para que todos, fora deste lugar, compreendessem melhor que a função parlamentar se exerce plenamente, procurando fazer-se a crítica ou suscitar o esclarecimento público, sempre objectivados na contribuição para esse indispensável bem comum, que compete ao Governo realizar superiormente.
A experiência do passado, reforçada pela presença de V. Ex.ª nessa ai tu presidência, garante o direito constitucional de crítica e de esclarecimento, mas sempre usado com o estudo e conhecimento dos problemas e a recta intenção, que são o apanágio das nossas consciências.
É esse o meu pensamento e o meu propósito, ao retomar a acuividítude parlamentar, e tenho a consciência tranquila, mesmo quando haja de dominar impulsos sentimentais perante acontecimentos que normalmente não devem ser previstos pelos menos esclarecidos.
Sr. Presidente: duas palavras se impõem sobre um acontecimento recente que, muito embora do conhecimento do País, através de quantos tiveram o privilégio e a alegria de a ele assistirem, e do devido relevo dado pelos órgãos da informação, não pode deixar de ser aqui referido, desde já, dado o significado cívico e patriótico que dele transcende, pela honra dada à cidade do Porto e pela maneira como os seus habitantes souberam compreender e corresponder a essa honra.
Trata-se, como é óbvio, da visita ao Porto do venerando Chefe do Estado, para inaugurar mais 1003 habitações destinadas a desalojados das infectas e vergonhosas «ilhas» e 3 grupos escolares, num total de 34 salas de aula, construídos pela Câmara Municipal, com o patrocínio e a cooperação do Governo, dentro do Plano de Melhoramentos e do Plano de Construções Escolares, respectivamente, o primeiro em notável estado de adiantamento, por forma a poder prever-se o seu cumprimento rigoroso no prazo previsto', e o segundo totalmente realizado.
Não me referirei, agora, desenvolvidamente a qualquer desses planos, esperando poder fazê-lo em ocasião mais oportuna, pois entendo que nesta primeira sessão de trabalhos só devo falar de uma visita que define expressivamente o interesse do Sr. Presidente da República por tudo quanto se passa no País, das coisas mais simples às mais importantes, e, consequentemente, pelo progresso da terra onde nasci, e represento nesta Assembleia, exaltando, ao mesmo tempo, orgulhoso, a maneira como o Porto tem sabido corresponder a esse interesse.
Na verdade, motivos especiais existem para que a visita do Chefe do Estado não passe sem uma palavra de quem, além da sua qualidade de filho do Porto, foi testemunha próxima desse interesse e dessa gratidão.
Desde o início do seu mandato que o Porto vê a seu lado, no caminho árduo e por vezes semeado de incompreensões da resolução dos seus problemas mais instantes - incompreensões, diga-se com justiça, mais do passado do que do presente -, a figura digna, plena de compreensão, de simpatia e de bondade do Sr. Almirante Américo Tomás.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Pelo que lhe respeita, nunca a cidade deixou através das suas autoridades representativas, tanto devoção como dever protocolar, mas sobretudo através do seu povo, na espontaneidade da presença calorosa, no soar das aclamações demoradas e fortes, nas ruas ou rios recintos públicos, do receber o Chefe do Estado, por ocasião das suas frequentes visitas como lhe competia.
Recordo um momento grave da vida da Nação, e será bom recordá-lo sempre, a esse ou a qualquer outro que com ele se identifique, para que a lembrança dos erros cometidos, mais por culpa nossa do que por virtude dos outros, nos não deixe voltar a cair neles, recordo, dizia, um momento grave em que os mais baixos instintos, despertados pelas exibições circenses de um louco ambicioso, quase transformaram em autêntica licença a liberdade em que vivemos.
Mas ao lado desse lamentável espectáculo, que nos entristece até por ser característica habitual da escolha dos governantes em países de várias latitudes e longitudes, que pretendem eles próprios impor-nos o seu modo de viver, a dignidade serena de alguém que a Nação havia de eleger, com plena consciência das suas responsabilidades perante o futuro do País e nunca ultrapassada manifestação de civismo.
Pois bem, isto vem para dizer que, pouco tempo depois da sua eleição, o Sr. Almirante Américo Tomás era con-
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vidado a visitar oficialmente o Porto, a sua primeira visita ao povo que o elegerá, e certamente V. Ex.ª, Sr. Presidente, e algumas das pessoas aqui presentes se lembrarão do que foi essa viagem triunfal, dos limites das terras da Feira, em Aveiro, às de Famalicão, em Braga, aclamado vibrantemente por uma população inteira que, respeitosa, afectiva e carinhosa, mostrou durante dias a sua alegria de ter por hóspede o primeiro magistrado da Nação, que viera, é certo, inaugurar obras de vulto, como o edifício dos Paços do Concelho e o Hospital Escolar de S. João, mas, sobretudo, e isso ainda mais sensibilizara esse bom e patriótico povo do Porto, viver a sua vida, tomar contacto com os seus problemas, patrocinar a sua resolução.
O acontecimento repetiu-se há pouco e não necessito desta vez de invocar o testemunho de V. Ex.ª e de alguns dos meus colegas presentes para a recepção que o povo do Porto fez novamente ao Chefe do Estado, agora já não apenas como a esperança que despontava em 1958, em dias de digna chefia em mãos firmes e decididas de português e de marinheiro da melhor estirpe, que em outros postos altos havia dado provas excepcionais de devoção patriótica e serviço do bem comum.
Era a certeza de um amigo sincero e leal, do impulsionador do desenvolvimento material e intelectual da cidade - recordo a Faculdade de Letras -, do garante fiel de um progresso sensível, cuja expressão vai ser dada, mais uma vez, dentro de meses, com a inauguração festiva dessa monumental obra de engenharia que honra o Ministro das Obras Públicas que determinou a sua construção, os sábios e os técnicos portugueses que a conceberam e os operários que a executaram - a ponte da Arrábida - e a entrada oficial em serviço da nova doca de Leixões, e ainda, certamente, o anúncio ou o início de um novo plano dessa obra ímpar no País, da substituição de todas as ilhas e habitações infectas da cidade por habitações à altura das aspirações, mais, dos conceitos sociais e morais, das necessidades, dos deveres humanos, dos nossos tempos.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Aqui ficam, Sr. Presidente, como imperativo da minha consciência, as palavras de gratidão de todos nós, portuenses, e de louvor às gentes do Porto por haverem sabido receber dentro dos muros da sua cidade e nos seus próprios corações de bons portugueses aquele que pelas suas virtudes, tanto como pelo magistério que exerce, é o primeiro dos portugueses, o Chefe da Nação Portuguesa.
Bem haja o venerando Chefe do Estado!
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: -Está em discussão a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1963.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a proposta da Lei de Meios em discussão adapta-se às horas graves que o País atravessa e traduz o propósito firme de as enfrentar com dignidade e realismo de soluções.
Por ela vemos que o programa financeiro para 1963 assenta numa escala de valores onde se dá prioridade aos encargos com a defesa nacional, mas se procura harmonizar este imperativo com a continuidade do esforço de desenvolvimento do País. Para esse fim o Governo inscreverá no orçamento de 1963 as verbas destinadas à realização dos investimentos previstos no Plano de Fomento e ainda, à margem deste, procurará prosseguir e incrementar múltiplas realizações de elevado interêssse económico, social e cultural.
A fim de ocorrer ao vasto esquema de acção proposto na Lei de Meios torna-se necessário continuar com uma severa economia sobre despesas não essenciais, pedir à Nação um maior esforço, e para aproveitar da melhor forma possível os recursos de origem interna e externa convirá orientar os investimentos segundo os critérios da maior utilidade nacional.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Dentro dessa disciplina vai o Governo acelerar a formação de pessoal docente universitário, começando por ampliar substancialmente os quadros de assistentes, e para facilitar o aproveitamento de valores que por debilidade económica não poderiam ascender à cultura universitária vai acrescer o número de bolsas do ensino superior, bem como o seu quantitativo.
O progresso firme da Nação exige que aos sectores da educação nacional e da saúde seja dada a maior largueza de meios possível.
O investimento intelectual, como cria um trabalho mais qualificado e o rápido aumento da sua produtividade, é de todos os investimentos o mais reprodutivo.
Para enfrentar as necessidades que se avizinham precisamos de continuar a adaptar o sector do ensino ao imperativo de multiplicar os diplomados de que o País carece, tanto no ultramar como na metrópole; isto para sobrevivermos como nação livre e independente.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- A batalha do ensino será para nós tão importante como a batalha das armas. Se não guarnecermos convenientemente a frente do ensino, correremos o risco de perder a curto prazo o que se ganha agora pela força das armas.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - É preciso que não escasseiem os meios para fazer face às necessidades em instalações, em reapetrechamento e em quadros gerais, necessidades urgentes criadas pelo vertiginoso crescimento da população escolar e pelas modernas exigências do ensino.
Nalgumas Faculdades a frequência tem aumentado ao ritmo de 10 por cento ao ano, o que equivale a duplicar a frequência em cada período de sete anos, e nas escolas técnicas o crescimento da frequência ainda tem sido maior.
A formação de quadros docentes para todos os graus do ensino terá de estar na primeira linha de preocupações, porque sem esses quadros poderíamos, num futuro próximo, ter escolas, mas não ter professores, e ter indústrias, mas não dispor de técnicos.
Por isso, e com o pensamento no futuro, peço que o orçamento para o ensino seja generoso.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Sobre a grande importância do sector da saúde, cujas dotações serão reforçadas em 1963, apenas direi que um são desenvolvimento da sociedade humana beneficia todos os seus membros e que é na saúde e no vigor físico e espiritual dos portugueses que se apoia a forca presente e futura da Nação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: como nos anos anteriores, II apreciação da proposta da Lei de Meios é muito facilitada pelo esclarecedor relatório que. a precede, documento notável pela lucidez da análise, riqueza informativa e seriedade das medidas propostas. Bem pode dizer-se que é um documento que dignifica a administração pública.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Ao ilustro Ministro das Finanças dirijo, por isso, desta tribuna, uma palavra de admiração e apreço.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Mostra o relatório a marcha financeira e sócio-económica interna e externa e o progresso revelado pela evolução geral da conjuntura económica metropolitana. Em 1961 o produto interno bruto metropolitano aumentou de 7 por cento, valor superior II média verificada no último decénio, e em 1962 a nossa economia continua em ritmo de expansão, embora, segundo as previsões, em cadência levemente decrescente.
No ano que está a findar é ainda digna de relevo a maneira como tem decorrido a execução do Plano de Fomento, esperando-se que o programa estabelecido para 1962 venha a ser cumprido na sua quase totalidade.
Apesar de atravessarmos um período grave da nossa história, foi possível enfrentar a situação sem afectar as posições-chave e, num prodigioso esforço, a metrópole tem fornecido importante parcela dos capitais requeridos para o desenvolvimento das províncias ultramarinas.
As despesas militares e o elevado montante a que ascendem poderão afrouxar em certos sectores o ritmo de execução dos programas de desenvolvimento, mas as grandes verbas desses meios, que ficam no nosso país, sem se escoarem para as fábricas estrangeiras, não são perdidas, animam o circuito económico no ultramar e na metrópole e fixam nas terras de África homens e empresários.
O déficit das permutas comerciais com o estrangeiro foi apreciavelmente inferior ao de 1961 e, em consequência desse facto, a balança de pagamentos tem no ano corrente evoluído de modo favorável, principalmente por virtude da contracção do déficit comercial e das operações de crédito negociadas com o estrangeiro. O mercado monetário foi também objecto de considerável melhoria e a posição cambial do País elevou-se notavelmente. No 1.º semestre do ano o aumento nas reservas de ouro e divisas do Banco de Portugal permitiu uma melhoria real de 2 200 milhares de contos. Em 7 de Novembro último essas reservas atingiam o alto quantitativo de 22 210 milhares de contos.
No decurso do presente ano pôde, pois, o País preservar o seu tradicional equilíbrio financeiro no tríplice aspecto orçamental, monetário e cambial. Conservou-se margem de cobertura largamente satisfatória para a pontual liquidação dos compromissos internacionais e a nossa moeda permaneceu largamente consolidada.
Nos oito primeiros meses deste ano as exportações registaram uma expansão de 15 por cento em relação a
igual período de 1961, retomando desta forma a tendência ascensional registada a partir de 1959, mas a estrutura do nosso comércio externo pouco tem melhorado.
Continuamos a exportar principalmente géneros alimentícios não essenciais, matérias-primas e tecidos e fios de algodão. Para a volumosa exportação dos artigos da indústria têxtil de algodão muito têm contribuído as possibilidades criadas pelo Decreto n.º 40 874, de 23 de Novembro de 1956, que concedeu a indústria em geral, para investimentos conducentes a novos fabricos, à redução de custos ou a melhoria de qualidade dos produtos que já fabricavam, benefícios de natureza fiscal com o objectivo de fomentar os investimentos produtivos.
Com esses benefícios está a conseguir-se em toda a indústria portuguesa, e principalmente no sector têxtil algodoeiro, uma real valorização do seu parque industrial, que já se projecta com relevantes efeitos no comércio exportador e numa mais justa remuneração do capital e do trabalho.
Pelo Decreto n.º 43871, de 22 de Agosto de 1961, foi prorrogado por dois anos, isto é, até fim de 1962, o regime de protecção fiscal aos investimentos criados pelo referido decreto, que, embora publicado em 1956, só em 1958 começou a produzir os seus efeitos.
Como os planos de reequipamento são sempre morosos e há vantagem em que a indústria portuguesa não interrompa, mas até amplie, os programas de reequipamento, é do maior interesse para a economia nacional e para o equilíbrio da balança comercial que a protecção fiscal aos investimentos, criada pelo Decreto n.º 40874, seja prorrogada até à entrada em vigor do novo Código da Contribuição Industrial, que possibilitará a toda a indústria deduzir dos lucros tributáveis a parte que tenha sido reinvestida em instalações ou reequipamentos de interesse nacional.
Sobre a importância do Decreto n.º 40 874 e a incidência dos seus benéficos efeitos no sector têxtil foi feita nesta tribuna uma importante intervenção durante a VII Legislatura pelo ilustre Deputado Sr. Eng.º Rodrigo Carvalho, que, pela seriedade das intenções e pelo rigor da argumentação, mereceu o apoio unânime do sector têxtil e a melhor atenção do Governo.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- O sector algodoeiro tem suportado um ónus tributário muito elevado; no período de 1940 a 1955, enquanto os encargos tributários da indústria em geral subiram, em média, 221 por cento, o seu aumento na indústria têxtil algodoeira foi de 764,3 por cento.
A fixação do rendimento colectável, feita a partir de 1940 através de indicadores - o número de fusos e o de teares -, quer houvesse lucro ou prejuízo, além de levar a indústria a uma situação crítica, tem dificultado a criação das reservas indispensáveis e diminuído, em relação a numerosas empresas, a possibilidade de renovar as suas instalações por meio de auto-financiamento. Espera-se que o novo código de contribuição industrial realize uma tributação mais proporcionada à verdadeira capacidade das empresas.
O Sr. Gosta Guimarães:- V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Faz favor.
O Sr. Costa Guimarães:- Queria apenas frisar que, independentemente de todas as vantagens colhidas, a manutenção da doutrina desses decretos vem assegurar a cria-
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cão de maior matéria colectável e garantir a continuação da existente. Daí não advêm só vantagens para a indústria, mas também para a situação económica do País.
O Orador:- Agradeço a V. Ex.ª
Na nossa balança comercial também ocupa posição de relevo a exportação do vinho do Porto.
Nos últimos anos, graças a uma propaganda bem dirigida e ao esforço de penetração nos mercados externos, o vinho do Porto está a alcançar uma recuperação firme das posições perdidas.
Para fazer virar a corrente de procura para este magnífico produto há que manter e se possível, ampliar o esforço financeiro suportado pelo Fundo de Fomento de Exportação e pelo comércio exportador.
As dificuldades ou o desafogo da região do Douro andam sempre ligados à exportação do seu vinho generoso. Tudo o que for feito para aumentar a exportação do vinho do Porto reverterá em favor da laboriosa e sofredora gente do Douro e em benefício de todos os que estão ligados a esse importante sector da nossa economia.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- E ao falar da região vinhateira do Douro queremos chamar a atenção do Governo para a necessidade de que os preceitos do Decreto n.º 44 172, de 1 de Fevereiro de 1962, que isenta de contribuição industrial, e, correspondentemente, da licença de estabelecimento comercial ou industrial os grémios da lavoura (grémios mistos) e as suas federações e uniões, quando limitem as respectivas actividades à realização dos fins designados nas alíneas f) e g) da base III da Lei n.º 1957, de 20 de Maio de 1937, sejam literalmente extensivos aos grémios diferenciados, isto é, aos grémios e federações de vinicultores e a outras federações de produção agrícola.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- E isto porque tanto os grémios mistos, que abrangem nas suas funções a defesa de vários produtos, como os organismos diferenciados, que defendem uma monocultura, são considerados igualmente grémios da lavoura pela base I da Lei n.º 1957, à, qual se refere também o citado Decreto n.º 44 172.
A extensão, na letra da lei, desta protecção fiscal a tão prestimosos organismos, além de estar dentro de um são princípio de equidade e justiça tributária, ajudaria a Casa do Douro e respectivos grémios de vinicultores à mais plena realização dos fins para que a lei os instituiu.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: no ano transacto o déficit da balança de pagamentos, aliado à tendência para o entesouramento e à propensão do aforro para investimentos imobiliários, provocou a diminuição da liquidez bancária e consequentes dificuldades prestamistas do sistema de crédito, o que originou delicadas situações.
Felizmente que no decurso do corrente ano se tem registado evolução favorável destas determinantes com acréscimo notável de depósitos - à ordem e a prazo - no conjunto do sistema bancário e sensível recuperação do respectivo grau de liquidez, elementos benéficos à concessão de crédito para o desenvolvimento económico em curso.
O crédito normal e a taxa moderada são muito úteis à vida produtiva da Nação, e fortes perturbações se verificariam com a sua falta, tanto na ordem económica como até na vida social.
A exportação de mercadorias encontra-se estreitamente ligada aos problemas de crédito. É com crédito a médio prazo e possibilidades de pagamentos diferidos que os industriais estrangeiros colocam muitas das suas exportações.
Nas crises é principalmente a Caixa Geral de Depósitos que, sem comprometer a prudente margem de liquidez, corajosamente ajuda a vencer as dificuldades dos que se vêem mais atingidos. A administração dessa prestigiosa instituição de crédito dirijo uma palavra de muito apreço, na pessoa dos seus administradores e nossos ilustres colegas nesta Câmara Srs. Dr. Ulisses Cortês e Eng.º Araújo Correia.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Para manter o ritmo de trabalho e a criação de fontes de riqueza que permitam melhorar dia a dia o nível de vida da Nação temos de continuar sem desfalecimentos ou interrupções um enorme esforço de desenvolvimento. Isso exige grandes investimentos e a necessidade de recolher abundantes capitais para o crédito a médio e a longo prazo.
São elevados os valores de investimento já necessários ao desenvolvimento acelerado do País, e estes valores irão aumentando à medida que entrarem em execução novos planos de fomento.
Só duas centrais hidroeléctricas, a de Pisões (Alto Rabagão) e a de Bemposta (Douro internacional), que estão a ser construídas aos ritmos programados para entrada em exploração durante o actual Plano de Fomento, custarão ao País cerca de 2500 milhares de contos, e no III Plano de Fomento haverá necessidade de investir, só para a produção de electricidade, cerca de 6 milhões de contos se. for judiciosamente conjugada a produção térmica e hídrica. Esta importância ascenderá a cerca de 8 milhões de contos se se mantiver a política de construção quase exclusiva de aproveitamentos hidroeléctricos. O esforço financeiro é grande, mas para satisfazer as nossas elevadas taxas de crescimento de consumo torna-se necessário que de 1956 a 1970 (período de vigência do III Plano de Fomento) entrem em serviço centrais com produtividade equivalente às que foram construídas desde sempre até 1961.
No nosso país, na ordem económica e constitucional, a iniciativa privada é o mais fecundo instrumento do progresso da Nação e, por isso, grande volume de investimentos necessários ao nosso desenvolvimento terá de provir do sector privado, ou seja dos aforros particulares e das suas vastas possibilidades. Os recursos do orçamento do Estado, apesar da sua importância e da sua função motora, são, limitados e sobretudo têm muito por onde se repartir como chuva benéfica.
E preciso, pois, haver clima e condições propícias para que as fontes particulares se abram e que através delas se assegurem financiamentos na extensão desejada.
Os capitais privados exigem segurança e estabilidade. Estímulos devidamente adequados canalizam as poupanças para os investimentos produtivos.
O Ministro das Finanças, sempre atento aos grandes problemas e com perfeito conhecimento das melhores soluções, tem criado incentivos fiscais aos investimentos, procurando que o sistema tributário coadjuve o processo económico.
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Entre outros estímulos, os imposto sobre os dividendos das acções foi reduzido de 14 e de 10 por cento (segundo a empresa estava ou não isenta de contribuição industrial) para 5 por cento.
As emissões de acções, se os títulos estão acima do par, passam a ser desoneradas do imposto, incidindo sobre a maior valia. E as obrigações emitidas para fomento de determinadas actividades do País beneficiam de um regime favorável de taxas sobre os seus juros.
A tomada de acções e obrigações tinha afrouxado de interesse nos últimos tempos, mas é de esperar que estes incentivos fiscais tornem mais aliciante a aplicação das poupanças privadas na compra de títulos das empresas.
Uma outra inovação importante do Código do Imposto de Capitais, que se insere na política de fomento, é a isenção estabelecida para as sociedades de participação financeira, isto é, as sociedades do tipo holding.
Estas sociedades, cuja actividade consiste na gestão de carteiras de títulos, poderão vir a ser elementos motores do investimento privado para financiar o desenvolvimento económico do País.
Facilitando a aplicação segura e rendosa do pé-de-meia e das pequenas economias, podem mobilizar múltiplos aforros com vista ao fomento, procurando a sua criteriosa aplicação em sectores que um eficiente serviço de estudos económico-financeiros demonstre serem os de menor risco e dotados de melhores expectativas de rentabilidade.
Para financiar os empreendimentos, além das disponibilidades internas, contam também os recursos externos.
Na elaboração do II Plano do Fomento em 1958 tinha sido estimado, com base na incidência que os investimentos a realizar teriam na balança de pagamentos, que a cooperação do crédito externo na sua realização seria da ordem dos 7 milhões de contos até ao fim de 1964. Até agora, decorridos dois terços do período de vigência do Plano, encontra-se negociada cerca de igual fracção do montante total previsto.
Por seu intermédio podemos, sem desfalque das nossas reservas de ouro e divisas, levar a cabo. neste momento difícil da nossa história, grandes realizações que o País tem vindo a planear e que são susceptíveis, uma vez concluídas, de vivificarem o panorama económico português.
Mas para além do crédito externo negociado pelo Governo há também vantagem no recurso a capitais estrangeiros de origem privada e dirigidos ao sector privado; interessam por isso medidas que estimulem o seu afluxo à metrópole e ao ultramar, tanto no domínio da fiscalidade como no que respeita à concessão de garantias.
Nas últimas décadas Portugal quase não tem utilizado o crédito externo e muitos estrangeiros desconhecem as possibilidades gerais de investimentos reprodutivos que os nossos territórios oferecem; por isso será de todo o interesse elaborar um guia de investimentos em Portugal que dê nos mercados financeiros internacionais o conhecimento das possibilidades de investimento existentes no continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas e o conhecimento da legislação portuguesa respeitante às aplicações de capital estrangeiro no nosso país.
O afluxo de dinheiro estrangeiro pode ser muito útil ao nosso desenvolvimento acelerado, mas não poderá resolver milagrosamente todos os problemas; teremos nós, através de uma política de paz, de prestígio e de trabalho, de fazer o resto.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: ao apreciar a proposta de lei de autorização de receitas e despesas referente a 1963, quero manifestar o grande interesse e
agrado com que li o proficiente parecer da Câmara Corporativa. Ao seu ilustre relator, Sr. Prof. Jacinto Nunes, dirijo, por isso, desta tribuna uma palavra de merecida consideração.
E para terminar a minha intervenção desejo ainda reforçar os votos que têm sido produzidos nesta Assembleia acerca dos melhoramentos rurais.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Será do maior alcance social acelerar, na medida do possível, a realização de obras de tão elevados intuitos humanos para a satisfação das necessidades e dos justos anseios da parte da nossa população mais desprotegida - a das aldeias rurais.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Ninguém terá dúvida sobre o que representa de valorização material e humana o conceder-se a cada cidadão português aqueles benefícios elementares que estão na base da sua vida e da sua saúde, benefícios que teremos de pôr ao seu alcance: água, higiene, escolas, caminhos e electricidade.
Fortalecer os meios rurais é engrandecer a Nação.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- A política do bem-estar rural, assim como reduz o abandono dos campos e afrouxa o alastramento do chamado deserto demográfico e agrícola, levará benefícios directos aos meios rurais e benefícios indirectos aos meios urbanos, contribuindo assim duplamente e por forma decisiva para o bem-estar de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Délio Santarém:- Sr. Presidente: ao iniciar os meus trabalhos neste- segundo ano da VIII Legislatura desejo em primeiro lugar reafirmar os meus sentimentos de apreço e de admiração pelas muitas e altas virtudes de V. Ex.ª
Srs. Deputados: aceitem VV. Ex.ªs também as minhas respeitosas homenagens e cordiais saudações.
Sr. Presidente: Portugal está ainda em guerra. É esta, infelizmente, uma dura realidade que temos de ter sempre presente no nosso espírito. E em guerra porque, por um lado, ao cabo de muitos trabalhos, de árduos sacrifícios e de particular sabedoria, começaram a surgir, aos olhos estupefactos do Mundo, os frutos destas nossas ancestrais virtudes: são escolas, são liceus, são hospitais, são vias de comunicações, são transportes, são barragens por todo o mundo português daquém e além-rnar. E é também o petróleo.
Em guerra, especialmente, porque, por outra banda, pululam, além-fronteiras, uns ambiciosos que não respeitam o direito, nem a moral, nem a justiça.
E, Sr. Presidente, para tudo se tenta uma justificação. É que as coisas vão de tal jeito que até se pretendeu glorificar um famigerado filicídio! E atingiu-se, infelizmente, um fim, mas não, graças a Deus, o fim.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Por via desta anarquia espiritual, ora tão corrente, já nem pasmamos que os nossos inimigos afirmem que estamos em guerra simplesmente porque não obedecemos aos rumos dos ventos da história.
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Pois é claro que não. Porque somos um povo que tem o seu destino e não anda à deriva, ao sabor dos ventos, sempre inconstantes e traiçoeiros.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Resistimos no cabo das Tormentas e chegámos à índia.
Temos os pés bem firmes, como Nun'Alvares, no chão sagrado da Pátria e não há ventos que nos movam, por mais «históricos» que se apresentem.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Para mais os ventos não são imutáveis. Nunca podemos prever, com segurança, de que lado vêm a manifestar-se. E parece até estar já a sentir-se, de certo quadrante, uma brisa fagueira capaz de mostrar uma réstia de luz no horizonte pardacento.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- É nesta esperança de melhores dias que nos atrevemos, Sr. Presidente, a trazer até esta Assembleia uma das nossas ansiedades, que, como muitas outras, tem, forçosamente, afinidades ou dependências com os grandes e delicados problemas económicos e financeiros do Estado.
Todavia, não nos afastamos da desoladora realidade presente e afirmamos o nosso profundo respeito pelas preocupações constantes do Sr. Ministro das Finanças, a quem desejamos prestar justíssima homenagem pelo seu talento, valiosíssimo labor e extraordinária dedicação patriótica.
Não será com este caso, de que em seguida vamos cuidar, que causaremos mais dores de cabeça a S. Ex.ª, pois, tendo nós a noção da gravidade da hora que vivemos, só pretendemos que o nosso problema seja desde já atentamente estudado, para depois se solucionar na medida em que o possa permitir o mais sagrado interesse nacional, que é o da defesa da integridade da Pátria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: frequentemente temos encontrado representadas as vicissitudes da vida nacional por desenhos muito sugestivos de variados aspectos das tradicionais lareiras portuguesas. E muito bem, porque para nós a família foi sempre a célula primária da vida da Nação.
Unidas umas às outras por necessidades naturais e imperativos que não nos atrevemos a discutir, as famílias formaram, desde tempos remotos, os municípios para, com a valiosíssima ajuda da Igreja, defenderem e desenvolverem os seus bens materiais e espirituais. E nada mais parece necessário acrescentar para justificar a relevância dos municípios e, simultaneamente, destacar o grande empenho que todos devemos sentir para que às câmaras municipais sejam dados os meios necessários ao integral desempenho da sua missão histórica e na verdade, fundamental à vida administrativa do País.
Mesmo nem nos sentimos com forças para ir além deste simples silogismo, atrevendo-nos pelo labirinto adentro das variadas razões filosóficas e políticas; das inesperadas erupções municipalistas da Idade Média; da fraseologia apologética às cidades livres ou ao município portucalense dos séculos XIII e XIV, e que poderia levar-nos ao encontro das mais virulentas controvérsias.
Mas julgamos oportuno recordar, com a devida vénia, alguns conceitos admiráveis contidos no brilhante discurso pronunciado, há poucos meses, na sede do concelho de Cantanhede, pelo Sr. Ministro do Interior, a quem temos a honra de, deste lugar, prestar justa homenagem pelo seu afincado labor ao serviço da valorização e do maior prestígio dos municípios.
São de S. Ex.ª as seguintes palavras:
Tomando parte nesta festiva inauguração dos Paços do Concelho de Cantanhede, é-me dada oportunidade de prestar a minha homenagem à acção profícua e desvelada dos municípios, significando a minha consideração por essas valiosas instituições, que são a base da vida administrativa da Nação. Verdadeiros baluartes de um são e compreensivo nacionalismo; autênticos e tradicionais representantes das respeitáveis e legítimas prerrogativas do povo, na medida em que valorizarmos e defendermos as câmaras municipais, estamos a consolidar a mais coesa e mais forte armadura da vida política nacional.
E mais adiante:
Na medida em que se conferem meios às câmaras municipais para bem desempenharem a sua missão se está a praticar política da melhor e mais útil para a unidade e engrandecimento da Nação.
Era-nos difícil resistir ao íntimo desejo de trazer até aqui estas judiciosas declarações do Sr. Ministro do Interior, Dr. Santos Júnior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a família é a célula primária da Nação e o município um seu órgão fundamental e indispensável.
Mas este corpo social encerra em si os mistérios divinos da criação, inacessíveis ao mais vivo poder de investigação dos biologistas e que limitam também as ansiedades dos sociólogos e dos políticos.
Por esta razão de fé não podemos ambicionar, nesta vida temporal, a perfeição do paraíso onde governa a sabedoria infinita, mas temos a pretensão de poder aguardar mais desafogo quanto à posição amargurante em que há muito se encontram as câmaras municipais.
Ora esse desafogo, em ordem à sua sobrevivência útil, não está garantido com o mais alto saber, a mais pura consciência e o anseio de bem servir de uma edilidade sem mácula, porque esta sente, além da pressão de um espartilho legislativo demasiadamente centralizador e de uma dramática insuficiência de meios, o peso, bem pesado, de muitos encargos a que o Estado se esforça por dar ajuda, mas de forma claudicante e através de uma burocracia que leva às vezes o remédio ao moribundo e não ao doente.
É certo que, até por própria definição, o município não deve esperar tudo do Poder Central, e um recto exame de consciência leva-nos rapidamente ao reconhecimento de muitos valiosíssimos auxílios do Estado às autarquias. Seria até uma gravíssima injustiça não destacar aqui a extraordinária acção do Sr. Ministro das Obras Públicas, de quem se pode e se deve afirmar, sem o mais ligeiro receio de contestação, que todos os municípios do País devem benefícios e obras de valor incalculável. O nome do Sr. Eng.º Arantes e Oliveira está já na história de todas as câmaras municipais e, através delas, ficará na história do País.
Duvidamos de que certo dia se tenha dito que até a religião se queria como o sal na comida - nem de mais, nem de menos, a precisa -, mas cônscios estamos de que para a apreciação dos direitos e obrigações do Estado e das câmaras é preciso um critério justamente condimentado e desapaixonado. Não culpar sempre o Estado pelas dificuldades dos municípios, mas reconhecer a estes o direito a uma acção supletiva do Estado mais eficaz.
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E dentro deste espírito crítico nota-se, realmente, que, apesar do grande esforço do Governo, ainda persistem incongruências que tornam dificílima e até, nalguns casos, quase impossível a vida das câmaras municipais.
Desculpem-nos VV. Ex.ªs que venhamos trazer até aqui alguns males que afligem as câmaras sem aquele rigor de uma análise profunda, científica, dos técnicos na matéria, mas como simples reacção, natural e espontânea, de quem, desde alguns anos II esta parte, vem acompanhando, ou, mais ainda, sentindo e vivendo as ansiedades ou angústias de um município.
Sr. Presidente: promulgou-se em 1940 o actual Código administrativo. Não é demasiado longo o período de 22 anos como fracção de um século; porém, dados os acontecimentos ocorridos nas órbitas nacional e internacional e a evolução político-social-económica felizmente desenvolvida em Portugal, afirmar se pode que para a vida dos municípios tão curto lapso de tempo representa o decurso de um século.
Desenvolveram-se as actividades municipais, mas estas não acompanharam, como preciso se tornava, o aumento constante de necessidades, de obras de fomento e progresso, porque, não se tendo criado novos mananciais de recursos e não se tendo actualizado as fontes de receitas existentes, se não deram às câmaras municipais possibilidades para ocorrerem a encargos que lhes pertenciam e, muito menos, para acudirem a novas despesas que lhes foram impostas, ou a recrudescimento de outras que sobre os municípios pesavam e pesam.
Nos concelhos desprovidos de indústria as receitas das câmaras municipais são irrisórias em face das exigências e necessidades prementes a satisfazer.
Há 112 câmaras municipais com receitas ordinárias e próprias inferiores a 1000 contos, 89 com receitas de 1000 a 2000 contos, 34 com receitas entre 2000 e 3000 contos, 20 com receitas entre 3000 e 4000 contos, 14 com receitas entre 4000 e 5000 contos e 22 com receitas entre 5000 e 10 000 contos; com mais de 10 000 contos contam-se apenas 12. Isto significa haver câmaras pobres, outras remediadas e outras consideradas ricas.
Mas, mesmo em concelhos dotados de fortes unidades industriais, a contribuírem com verbas volumosas para o erário municipal, não há aquele desafogo que à primeira vista parece.
Se as percentagens que recaem sobre as actividades industriais se não encontram nos máximos, nem sempre é fácil recorrer à sua elevação, por razões várias que ocioso se torna aduzir aqui. Se há investimentos industriais - com o reapetrechamento de unidades fabris, a facultar a produção de artigos para exportação, bem como a melhoria dos produtos que fabriquem, ou a baixa do seu custo -, o Estado concede benefícios de dedução no rendimento tributável, que se reflectem em descontos substanciais na colecta da contribuição industrial e nos adicionais para as câmaras e ainda da licença municipal de comércio ou indústria, quando as reclamações dos interessados alcançam vencimento nos tribunais.
Cabe aqui referir que a Câmara Municipal de Santo Tirso - uma das consideradas ricas - perdeu irremediavelmente 2122 contos nos adicionais às contribuições directas do Estado, mais 1830 contos no tocante a licença de estabelecimento comercial ou industrial e ainda tem em risco 1776 contos da referida licença.
O Estado pode conceder benefícios, e bem é que os conceda à indústria para seu desenvolvimento, mas não deve sacrificar os municípios que não têm outros recursos para se ressarcirem de quebras de monta.
Ora, como estas quebras se estão a verificar e resultaram da publicação dos Decretos n.ºs 40 874 e 43 871, de
23 de Novembro de 1956 e 22 de Agosto de 1961, respectivamente, é justo que o Estado procure, por qualquer forma, recompensar as câmaras municipais dos prejuízos que tais diplomas provocaram.
Os prejuízos advindos das deduções correspondentes aos benefícios prejudicam muito a administração municipal na realização de obras e melhoramentos imprescindíveis, a ponto de não poderem as câmaras executar o previsto no Plano de Fomento, porque, não havendo disponibilidades financeiras, possível não é executarem-se - ao menos nos prazos estabelecidos - obras comparticipadas pelo Estado o contempladas no Plano de Fomento.
Para mais, os encargos das câmaras municipais elevam-se de ano para ano, em progressão geométrica, enquanto as receitas, quando sobem, tomam o passo do progressão aritmética.
Há, além disso, fontes de receitas desactualizadíssimas. A tabela de taxas anexa ao Código Administrativo conta 22 anos. A de emolumentos 32 anos. Uma certidão ou um atestado por 5$. de que a câmara recebe apenas 2$20, parece ultrapassar a barreira do ridículo. Gasta-se mais em tempo, impressos e livros do que a receita arrecadada para o município. Em licenças policiais cobram-se taxas para os governos civis, e para as câmaras um reduzido emolumento, que também mal cobre a despesa ocasionada com impressos e livros.
O Estado cobra às câmaras percentagens nos adicionais: 4 ou 5 por cento sobre todos os adicionais e mais 4 por cento para o Fundo de Cadastro nos da predial rústica. Das receitas de turismo absorve a quinta parte: 20 por cento. Para o censo da população contribuiu cada câmara municipal com dezenas de contos. Ao Tribunal de Contas pagam as câmaras emolumentos. Há receitas que, deixando de pertencer a funcionários, foram atribuídas às câmaras, mas sobre as quais continuou a incidir a contribuição industrial.
Concluímos esta parte do nosso trabalho sobre recursos dos municípios com o lugar já hoje comum, mas nunca repetido em demasia, de que as câmaras municipais vivem uma vida difícil, aflitiva, precária, pela exiguidade de receitas em face das atribuições que lhes competem.
Sr. Presidente: quanto a despesas forçadas ou ao seu agravamento desde a promulgação do Código Administrativo, muito haveria a referir se os ócios nos permitissem uma investigação aturada, o que deixamos aos especialistas na matéria.
Com o mudar dos tempos, o pessoal dos quadros foi alvo da concessão do abono de família, bem como de respectivas melhorias e da concessão de suplementos e reajustamento de ordenados e salários, ficando a perder de vista as despesas com o pessoal se as compararmos às de 1940. Fez-se tão-somente justiça, mas não se cuidou de criar novas receitas que cobrissem tais encargos.
Legislou-se, e muito bem, sobre tratamento de doentes pobres, alargando-se as barreiras deste ramo de assistência de modo a chegar-se a uma certeza, a um alívio, a uma consolação altamente espiritual: o pobre, o falho de recursos, não morrerá por falta de tratamento. Mas sobre as câmaras caiu um dilúvio de contas e encargos hospitalares, para que as previsões do orçamento se nos apresentam sempre insuficientes. Podem as câmaras ressarcir-se com derramas, a agravar a situação dos contribuintes. É imposto antipático, mal aceite.
Deu-se impulso à assistência a indigentes pobres. Criaram-se as comissões municipais e paroquiais de assistência. Previram-se fontes de receita. Mas a principal fonte de receita, quando não a única, consiste em subsídios de
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monta a conceder pelas câmaras municipais, segundo acordo a estabelecer, podendo tais subsídios fixarem-se em nada menos de 10 por cento das receitas ordinárias das câmaras. É outro encargo e bem pesado, sem compensação ou sem a criação de receitas especialmente destinadas a este fim.
A execução do Plano dos Centenários para a construção de escolas primárias veio patentear uma desoladora realidade: durante muitas décadas descurou-se o problema da construção de escolas. Tantos edifícios se têm construído e tantos se estão a construir e para construir que parece que desde o princípio da nacionalidade se não construíram escolas.
Porém, outra realidade se verifica: aos municípios se atribuíram encargos bem pesados: aquisição de terrenos; obras de urbanização: pagamento, em vinte anos, de metade das despesas de construção e mobiliário - continuando, como anteriormente, a responsabilidade por conservação e renovação de mobiliário, conservação dos edifícios e fornecimento de material didáctico, água, luz e expediente.
As rodovias municipais deixaram de ter aquele carácter restrito de comunicação entre aglomerados populacionais do concelho ou entre concelhos limítrofes com a acelerada viação automóvel. Constituem verdadeiras vias nacionais. Já se não toleram pavimentações a macadame ou a calçada à antiga portuguesa. Exigem-se a cubos ou betuminoso e caixas reforçadas por via dos veículos pesados. E o que por aí não vai ainda de más estradas e péssimos caminhos !
Para a construção e beneficiação de estradas e caminhos municipais acorre o Estado com subsídios da ordem dos 75 por cento, mas necessário se torna elaborar projectos, submetê-los a aprovação, esperar, com muita paciência, a comparticipação do Estado e até que as câmaras municipais possuam disponibilidades que lhes permitam despender os 25 por cento restantes e, mais ainda, abonar a empreiteiros o correspondente aos subsídios do Estado, que se não recebem adiantadamente.
Para conservação de rodovias recebem as câmaras subsídios e compensações que mal chegam para o abono de família dos cantoneiros.
Nestes tempos, as vias municipais (e a maior parte devia passar para cargo do Estado) constituem um sector dos mais importantes das actividades camarárias e um problema só a longo prazo solúvel, a não ser que o Estado venha a conceder subsídios da ordem dos 90 por cento ou as tome inteiramente a seu cargo, visto que muitas outras atribuições bastam para entreter e absorver os recursos municipais.
O que se apontou não é tudo. Muitos outros encargos impendem sobre as câmaras municipais, quando só ao Estado deviam competir.
As instalações e mobiliário e água e luz das repartições do Ministério das Finanças, dos tribunais judiciais e das conservatórias dos registos predial e civil e das cadeias comarcas; as instalações para as subdelegações de saúde e para a Guarda Nacional Republicana; as casas e mobiliário para magistrados, etc.
Constroem-se edifícios modernos, amplos, não sumptuosos, mas com as devidas comodidades, para instalação dos serviços do Ministério da Justiça. Obra meritória, sem dúvida, a engrandecer os concelhos e a dignificar a justiça,, mas à custa também do sacrifício dos municípios, que têm de fornecer terreno urbanizado e comparticipar na construção, ficando os edifícios a pertencer às câmaras, que terão de gastar largas somas para a sua conservação.
Constroem-se casas dos magistrados, também em grande parte à custa dos municípios e à custa destes ficam, permanentemente, as despesas com a sua conservação e as do mobiliário.
E constroem-se escolas secundárias com a cedência pelas câmaras de terrenos e, muitas vezes, a comparticipação de centenas de contos no custo do edifício.
Tudo isto contribui para a diminuição do poder de desenvolvimento dos concelhos no que respeita a abastecimento de água. electrificação, saneamento, urbanização, melhoria de comunicações, etc.
A contribuição das câmaras para os palácios de justiça, escolas secundárias e primárias, para a instalação ou manutenção de diversos serviços que deviam pertencer exclusivamente ao Estado (finanças, justiça, saúde, educação, etc.). necessariamente, forçosamente, que há-de inibir a gestão municipal em grande parte.
Para bem dos municípios, impõe-se uma revisão do Código Administrativo e de certas leis, no sentido de se aliviarem as câmaras municipais de todos ou alguns dos principais encargos que referimos e de certos descontos que incidem sobre as suas receitas.
Citamos ainda a Câmara Municipal de Santo Tirso para exemplificar, com algumas cifras, o que se tem despendido nos últimos três anos com alguns encargos ou imposições legais:
Contos
Despesas com os serviços de saúde e tratamento de doentes ........... 1 576
Educação, incluindo construção de edifícios ......................... 1 538
Percentagens para o Estado deduzidas nos adicionais
para as câmaras e nas receitas de turismo ........................... 794
Construção das casas dos magistrados ................................ 324
Construção do tribunal .............................................. 700
Convém acrescentar que no mesmo triénio despendeu a mesma Câmara com melhoramentos em rodovias 3880 contos, tendo recebido 658 contos de compensação pelo imposto sobre veículos automóveis e não automóveis e de subsídios do Estado.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: -Faça favor.
O Sr. António Santos da Cunha: -Quanto ao imposto de compensação do Estado, já o ano passado chamei a atenção para este caso, verdadeiramente absurdo, que se passa.
Quando se estabeleceu o imposto único para os automóveis e se cancelou às câmaras a faculdade de tributarem esses veículos, criou-se essa verba de compensação e o legislador - e muito bem - previu isto: se a verba inscrita no orçamento não chegasse para satisfazer todos os municípios, estabelecia-se o rateio.
Mas o que se dá? É que o imposto duplicou, triplicou talvez, e o Ministério das Finanças continua há mais de dez anos a inscrever a mesma verba.
Ora isto, salvo ò devido respeito, representa, da parte do Estado, estar a cometer uma fraude ao espírito da lei. Porque, quando manda inscrever a verba X para compensação às câmaras, sabe de antemão que essa verba não chega a metade para satisfazer esse dever a que ele próprio se obrigou, e vai então servir-se da disposição que manda que se faça o rateio, mas a previsão continua a ser a mesma de há dez anos, sabendo-se de antemão que o imposto duplicou.
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Isso é um assunto que afecta muito as câmaras municipais, que estão a atravessar, como V. Ex.ª bem salientou, uma crise tremenda.
Mas há um ponto em que não posso concordar com V. Ex.ª, quando reclama no sentido de passarem para o Estado alguns dos encargos das câmaras. Se somos municipalistas, não podemos atirar com todas as funções para o Estado, temos de chamar à câmara o máximo das funções que lhe possam caber.
O problema, quanto a mim, é de acréscimo de receitas dos municípios. V. Ex.ª referiu-se à demodéc tabela anexa ao Código Administrativo, e eu posso informar que, há mais de dez anos também, a Direcção-Geral de Administração Política e Civil fez um estudo e depois uma proposta no sentido de o mal ser remediado. Mas essa proposta dorme o sono dos justos.
O Orador:- Agradeço reconhecidamente a V. Ex.ª, Sr. Deputado Santos da Cunha, a sim magnífica intervenção por muitos motivos, e especialmente, por virtude ainda mais saliente, o problema das dificuldades que os municípios vivem aflitivamente. Mesmo quando afirma não concordar com a transferência dos encargos municipais para o Estado não encontro verdadeira discordância, porquanto na generalidade também não abdicamos do verdadeiro significado do município.
Os encargos a que nos referimos são casos especiais, como o de certas estradas que não pertencem a um único concelho e que devem ser consideradas verdadeiras estradas nacionais; e outros casos com todas as características nacionais.
É evidente que mesmo nos concelhos largamente industrializados - como o de Santo Tirso - os respectivos municípios não sentem aquela prosperidade que tal desenvolvimento industrial pode fazer prever; e não se pode ignorar que os meios fabris adquiriram hábitos diferentes dos das populações rurais e que, por via disso, apresentam exigências maiores, que, quando não podem ser atendidas, até chegam a despertar delicados problemas políticos e sociais.
São necessários mais volumosos e frequentes subsídios do Estado e a dispensa de muitos encargos, verdadeiramente insuportáveis, para que um concelho assim industrializado e de população tão densa possa viver em perfeita harmonia, dando satisfação às naturais reivindicações próprias do seu meio social, seduzido pelo ritmo de progresso da época em que nos encontramos.
É absolutamente preciso que se preste a merecida atenção à vida preocupante e difícil dos municípios; que no Estatuto da Função Pública, anunciado pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro último, sejam previstos e considerados os problemas relacionados com a organização administrativa local quanto aos seus serviços e funcionários; que se procure, enfim, dar solução rápida e eficiente às suas múltiplas dificuldades, realizando-se, desta forma, «política da melhor e mais útil para a unidade e engrandecimento da Nação», como afirmou o Sr. Ministro do Interior.
Sr. Presidente: esforçamo-nos por evitar uma apreciação unilateral, deformada por paixão do cargo. Não sabemos se o conseguimos. E provável que não. Todavia, não nos parece que resulte qualquer mal por, apaixonadamente, se desejar a valorização do País através de uma maior e melhor assistência aos municípios.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel João Correia:- Sr. Presidente: no relatório que precede a proposta da Lei de Meios para 1968 faz-se referência à evolução da conjuntura económica do ultramar. É, pois, de harmonia com essa referência
- no estudo e na apreciação de problemas económicos da Nação - que subo a esta tribuna para focar aspectos que se prendem com o desenvolvimento económico do ultramar português, e nomeadamente Moçambique.
Sr. Presidente: disse em intervenções que fiz na última sessão legislativa desta Assembleia que Moçambique precisa de aumentar a sua produção, não só paru resolver o problema do desequilíbrio da sua balança comercial, como também para criar condições de trabalho para mais braços de portugueses.
Volto hoje a insistir no mesmo tema, com a convicção cada vez mais firme, comprovada por inúmeros factos que todos os dias desfilam perante os nossos olhos ou chegam ao nosso conhecimento, que não se pode, nem se devo, adiar por mais tempo a exploração intensiva dos vastos recursos económicos da nossa grande província da costa oriental da África.
Produzir deve ser, pois, uma das principais preocupações de Moçambique, mas é preciso que certas disposições da lei e outras dificuldades existentes não impeçam o alcance deste objectivo.
Outro seria hoje certamente o panorama industrial de Moçambique se o desenvolvimento deste sector da sua actividade económica não tivesse sido entravado pela doutrina do Decreto n.º 26 509, de 11 de Abril de 1980, publicado para regular o estabelecimento das indústrias nas províncias ultramarinas.
Depreende-se claramente da leitura do preâmbulo daquele decreto que a preocupação do legislador não foi a de promover o desenvolvimento industrial do ultramar, mas. pelo contrário, que ele se mantivesse apenas, sem outras ambições, numa situação humilde de produtor de matérias-primas para alimentar a indústria metropolitana.
A indústria da metrópole ficaria o encargo de transformar essas matérias-primas em produtos manufacturados, para os fornecer depois a esse mesmo ultramar.
Atentemos nestas palavras escritas no citado preâmbulo:
É, portanto, mais lógico que por enquanto as colónias produzam matérias-primas de que a indústria metropolitana careça.
Esta era a velha prática, seguida por todas as nações da Europa com domínios africanos, de fazer da África uma simples produtora de matérias-primas para abastecimento da indústria dessa mesma Europa, sem que lhe ficasse, portanto, qualquer possibilidade de criar e desenvolver a sua própria indústria.
Que isto tivesse acontecido em certos países europeus cuja política ultramarina era orientada por fins meramente mercantilistas ainda se compreenderia, mas nunca com o nosso velho e glorioso Portugal, com a sua larga experiência de séculos no trato com povos das mais diversas regiões do Mundo, que tem educado e erguido para a luz da civilização.
É realmente de lamentar a insistência no erro, a insistência numa política económica de resultados tão perniciosos para a expansão industrial das nossas províncias ultramarinas como aquela que se infere do preâmbulo do referido Decreto n.º 26 509.
São ainda do mesmo preâmbulo as seguintes palavras:
Por outro lado, importa fixar regras que definam as indústrias que convém instalar nas colónias.
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E triste dizê-lo, mas vê-se claramente que a intenção não era a de proteger as indústrias que pudessem vir a instalar-se no ultramar; era a defesa da indústria metropolitana, pois não pode duvidar-se que a maior preocupação do legislador era a de definir as indústrias que convinha que se instalassem nas colónias, precisamente aquelas que não viessem porventura concorrer com a indústria da metrópole.
Foi lamentavelmente estreita esta maneira de encarar problema de tanta importância, impedindo-se o ultramar português de criar e desenvolver uma indústria que tão útil poderia ter sido à Nação. Útil sobretudo na ocupação demográfica dos nossos vastos territórios ultramarinos, que facilmente poderiam ter assim absorvido os 337 906 emigrantes portugueses que, no decénio de 1951 a 1960, deixaram a metrópole e as ilhas adjacentes para se fixarem no estrangeiro.
Vem de longa data o receio da metrópole de que lhe faltem mercados onde possa colocar o excedente da sua produção industrial, pelo que sempre tem procurado a colocação desses excedentes ao abrigo de proteccionismos aduaneiros e outros nos mercados do nosso ultramar. Mas a verdade é que a metrópole conta, e pode contar, com o seu próprio mercado continental e insular, com mais de 9 000 000 de consumidores, cuja capacidade de aquisição aumenta gradualmente à medida que as suas condições económicas melhoram. E um mercado em nada inferior em capacidade de absorção, desde que o nível económico da sua população seja melhorado, aos mercados de que dispõem muitos outros países da Europa muito mais industrializados, como sejam, por exemplo, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Suíça, a Holanda, a Bélgica, etc., e que não possuem territórios ultramarinos.
Moçambique, quando muito, terá de fazer prosperar e desenvolver a sua indústria contando apenas com o mercado que lhe oferecem os seus 6 600 000 habitantes, grande parte dos quais ainda com pequena capacidade de aquisição, mas, mesmo assim, não alimenta receios quanto ao êxito que espera das suas iniciativas industriais.
O industrial metropolitano tem oposto resistência, muitas vezes, ao desenvolvimento da indústria no ultramar. Veja-se o que disse a este respeito o engenheiro A. B. Ramalho Correia no seu trabalho intitulado A instalação de indústrias em Moçambique alimentará as relações económicas com a metrópole, cujas palavras oportunas a seguir transcrevo:
O industrial metropolitano, em geral, tem-se oposto à industrialização de Moçambique, mesmo reduzida como tem sido.
Justificar-se-á a afirmativa com alguns exemplos. Em 1948 as autorizações dadas a uma província ultramarina para a instalação das indústrias de extracção de óleos e sabões foram objecto de exposição dos mais importantes industriais metropolitanos, argumentando-se que, com elas, se:
a) Consubstancia a negação dos princípios da solidariedade e coordenação enunciados no artigo 5.º do Acto Colonial;
b) Traduz um ataque aos interesses nacionais, que a lei expressamente procura salvaguardar e defender.
E escreveu ainda o mesmo autor um pouco mais adiante no seu referido trabalho:
Em 1952, para protecção da indústria moçambicana foi condicionada a importação de camisas, só a permitindo a quem provasse ter-lhe adquirido um mínimo de 20 por cento do valor das camisas, do mesmo tecido, a importar. Suspendeu-se também a importação de fatos (camisa e calção) ou fardamentos para trabalhadores indígenas.
Pois bem, esta medida, que favorecia até a tecelagem metropolitana, natural abastecedora da indústria da província, foi objecto de exposição da Associação Industrial Portuense, que a transcreveu no seu órgão (n.º 394, Outubro de 1952), e onde se dizia que se consideravam as restrições como «lesivas dos legítimos interesses da indústria e do comércio da Nação».
Estas palavras foram escritas por alguém que tem ocupado e ocupa posições de muito relevo na vida de Moçambique e que conhece profundamente os problemas relacionados com a sua indústria.
Veja-se ainda, a propósito da transcrição que acabei de fazer, o que disse recentemente a mesma Associação Industrial Portuense ao dar o seu parecer «sobre o projecto de diploma versando a livre circulação de mercadorias e o sistema de pagamentos inter-regionais no espaço português».
Respigo desse parecer, em primeiro lugar, o seguinte parágrafo:
No que toca aos aspectos da dimensão, também aqui se sublinham os receios de importantes sectores industriais, já preocupados com a desproporção da capacidade de produção para o consumo, em face da viabilidade da concorrência das indústrias instaladas ou a instalar no ultramar (têxteis e calçado, por exemplo).
No que respeita à indústria têxtil, reservo os comentários a fazer para uma próxima oportunidade, em que tratarei do assunto com maior largueza, já que não quero tornar esta intervenção mais extensa. Mas não posso deixar de referir-me à indústria de calçado, cujas possibilidades de desenvolvimento em Moçambique são das mais promissoras.
A província possui toda a matéria-prima para o abastecimento desta indústria e um mercado de consumo em potência, no qual podem descansar as nossas melhores esperanças. E das indústrias cuja evolução, desde a matéria-prima na sua origem até ao momento em que o calcado sai das mãos do operário, apresenta um dos aspectos mais interessantes. Moçambique possui os bovinos que fornecem as peles, possui a indústria de salga das mesmas peles (assinalemos aqui, entre parêntesis, que Moçambique é, de todo o ultramar português, a região que tem apresentado na metrópole os couros secos e salgados de melhor qualidade), possui uma indústria de curtumes em franco desenvolvimento técnico, com fábricas apetrechadas ou em via de se apetrecharem com as mais modernas máquinas que existem para aquela indústria, fabricando produtos cuja qualidade não receará, em breve, à concorrência com o que de melhor se fabrica no estrangeiro, e possui ainda, além de dezenas de pequenas oficinas de fabrico manual, três fábricas, em Lourenço Marques, com organização técnica e equipamento fabril capazes de desenvolverem uma grande indústria de calcado.
Não receio o epíteto de optimista ao dizer que as indústrias de curtumes e de calçado em Moçambique poderão, no futuro, reflectir-se poderosamente na sua vida económica.
Vejamos, a título de curiosidade e por se tratar de um país vizinho de Moçambique, o que se passa com as indústrias de curtumes e de calçado da República da África do Sul.
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A produção da indústria sul-africana de calçado anda presentemente à roda dos 21 milhões de pares por ano, no valor de 2 milhões de contos. Emprega, para esta produção, cerca de 4500 t de sola e 19 milhões de pés quadrados de cabedal. As suas fábricas de curtumes trabalham anualmente 1 250 000 peles de bovinos,
400 000 peles de ovinos e caprinos e 100 000 peles de outros animais. A sua indústria de calçado emprega 17 000 operários, a quem paga cerca de 600 000 contos por ano, sendo o valor da sua exportação anual superior a 80 000 contos.
Eu sei que a população da República da África do Sul é de 15 800 000 habitantes, enquanto a de Moçambique é apenas de 6 600 000. Eu sei também que o nível económico da população daquele país é, de uma maneira geral, muito superior ao de Moçambique. Mas também sei que são elevados os números que acabei de citar e que bastaria, portanto, para Moçambique, uma pequena percentagem daqueles números para isso representar uma posição de relevo na sua produção industrial.
Mas voltemos ao comentário que vinha fazendo ao parecer da Associação Industrial Portuense.
Diz-se ainda naquele parecer que os industriais compreendem «a necessidade de criação de uma economia diversificada nas províncias ultramarinas. Mas entendem que se devem preferir aqueles meios de processar o rápido desenvolvimento que menos afectem a posição da metrópole, opinando pelo estabelecimento de muitas actividades industriais, com vista ao aproveitamento integral de muitas das suas matérias-primas»; que não crêem «que o desenvolvimento do ultramar só seja possível em detrimento da metrópole»; que «poderão inicialmente instalar-se ali as indústrias que. empregando a mão-de-obra autóctone, permitiriam contribuir para a resolução dos seus problemas de desemprego ou subemprego»; que o Governo deve «providenciar no sentido de que o desenvolvimento económico do ultramar se processe aproveitando primeiramente os factores aí disponíveis»; que se tinha começado «por saber se existiriam unidades industriais no ultramar em condições de poder concorrer na metrópole»; que se tinha ainda procurado «conhecer em que medida o novo condicionalismo afectaria o abastecimento metropolitano em matéria-prima de origem ultramarina»; que se tinha reconhecido «que a metrópole seria afectada tanto no abastecimento como no preço da matéria-prima para algumas das suas actividades (têxteis de algodão)»; que se tinha concluído «que as indústrias têxteis de algodão, sedas, malhas e as de passamanarias receavam a concorrência ultramarina, bem como a litografia (esta por motivo da excessiva protecção pautai no ultramar)»; que se recomendava «a pronta revisão dos condicionalismos jurídicos forjados sem atender a essa política de integração, e mormente os que sejam susceptíveis de afectar imediatamente as legítimas posições de concorrência dos industriais metropolitanos»; que a «política de valorização regional favorável ao ultramar é susceptível de criar sérias limitações ou até inibições quanto à colocação nesses territórios de produtos metropolitanos»; que, «por consequência, em vez de o investimento privado se dirigir, no ultramar, a coberto da protecção pautai dos próximos dez anos, à instalação de unidades susceptíveis de vir afectar as que no mesmo ramo já existem na metrópole ...», e, finalmente, que entendem «que o desenvolvimento industrial do ultramar deve processar-se em obediência aos princípios gerais do condicionamento industrial».
O Sr. Pinheiro da Silva:- V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Faz favor.
O Sr. Pinheiro da Silva:- É que V. Ex.ª há bocado citou um diploma legislativo de 1936 e tive a impressão de que a situação ainda subsistia, mas agora vejo que não é o caso.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o favor de esperar pelo fim da minha intervenção.
O Sr. Pinheiro da Silva: -Era só um esclarecimento.
O Orador: - Mas esse esclarecimento virá na devida altura.
Isto é o que se pensa, num certo sector da vida industrial da metrópole, com respeito ao possível desenvolvimento industrial do ultramar.
Tem um grande interesse o conhecimento da opinião da Associação Industrial Portuense, já pelo prestígio de que esta Associação desfruta, já porque representa o pensamento de um grande e importante sector da indústria metropolitana.
Como poderemos aceitar um desenvolvimento industrial ultramarino apenas baseado no aproveitamento das suas matérias-primas?
Como poderemos aceitar a hipótese de que «o desenvolvimento do ultramar só seja possível em detrimento da metrópole»?
Nunca a um homem do ultramar se poderá pôr esta inaceitável suposição. As terras portuguesas do ultramar são tão portuguesas como as terras da metrópole, ou, melhor ainda, usando uma feliz expressão do ilustre Ministro de Estado Dr. Correia de Oliveira: «... no ultramar, onde Malanje ou a Beira são tão Portugal como Famalicão ou Guimarães». Não poderá haver detrimento da metrópole em benefício do ultramar, nem detrimento do ultramar em benefício da metrópole. Tudo é Portugal.
Como poderemos limitar o nosso desenvolvimento industrial apenas à criação de indústrias que contribuam para a resolução de problemas de desemprego dos autóctones? A verdade é que, em Moçambique, como em todo o ultramar português, não somos mais nem pretos, nem mestiços, nem brancos; somos todos portugueses. Os problemas de desemprego, de resto, tanto poderão afectar os africanos, como os europeus, o que infelizmente tem acontecido, embora possa parecer incompreensível que haja desempregados onde tanto há que fazer.
Receia-se a concorrência da indústria ultramarina e recomenda-se que, através de regras de condicionamento, se acautele quanto à instalação no ultramar de unidades industriais que possam prejudicar as similares existentes na metrópole.
Mais adiante, num outro passo desta intervenção, direi o que penso acerca do condicionamento industrial.
Não me alongo mais em comentários ao citado parecer, pois não quero que se veja, nas minhas apreciações, menos consideração ou respeito pela digna Associação Industrial Portuense, pela qual, aliás, nutro a maior simpatia. Mas como homem de Moçambique - de Moçambique, que também é Portugal - vejo-me forçado a manifestar o meu enérgico repúdio por uma doutrina económica que o futuro industrial de Moçambique não pode de maneira alguma aceitar.
Seja-me permitido agora citar alguns dos entraves para o desenvolvimento industrial de Moçambique que resultaram da publicação do Decreto n.º 26 509.
Atentemos, por exemplo, no seguinte:
A alínea a) do artigo 1.º determina que é necessária autorização do Ministro das Colónias para «a instalação, nas colónias, de novos estabelecimentos industriais que
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laborem matérias-primas que a colónia onde se vão instalar não produza».
Nada mais injusto e prejudicial. É fácil calcular o enorme prejuízo que esta disposição tem causado ao desenvolvimento industrial de Moçambique. A ida do processo à metrópole, com todas as consequentes demoras, tem causado a desistência de muitos pedidos para a instalação de indústrias que hoje poderiam ser belas realidades e muito contribuiriam para o progresso da vida económica da província.
Vejamos sumariamente os trâmites que segue, depois de deixar Moçambique, um pedido de instalação de indústria que pretenda laborar matérias-primas que a província não produza. O processo é remetido, em primeiro lugar, à Direcção-Geral de Economia do Ministério do Ultramar para efeitos de informação; em seguida, é enviado, para parecer, ao Conselho Ultramarino, e, finalmente, para despacho, ao Ministro do Ultramar.
Até aqui tudo correria normalmente se não surgissem, em certos casos, incidentes que podem provocar a demora na decisão a tomar. Sucede, por vezes, que os elementos constantes do processo não satisfazem à Direcção-Geral de Economia ou ao Conselho Ultramarino, o que redunda na devolução do mesmo a Moçambique. Há processos que, por aquele motivo, chegam a ser devolvidos à província duas vezes. Um processo pode, portanto, perder dois anos (e isto tem acontecido com frequência) antes que no mesmo recaia o despacho definitivo. Mas se o pedido envolver interesses relacionados com indústrias metropolitanas, então estes prazos podem contar-se por muitos anos, como aconteceu, por exemplo, com o pedido para a instalação da indústria de fósforos em Moçambique, que foi apresentado, pelo primeiro pretendente, em 1951, e sobre o qual só agora, no mês de Agosto último, decorridos onze anos, foi tomada uma decisão.
Foi verdadeiramente desanimador o que aconteceu, em variadas e complicadas andanças, aos dez pedidos para a instalação desta indústria que foram sucessivamente dando entrada na repartição competente. Por fim, o Ministério do Ultramar chegou mesmo a sugerir que sé considerasse a hipótese de os dez interessados se constituírem numa sociedade para a exploração da indústria. Mas o pior é que ao longo de tantos e demorados anos de triste expectativa, o entusiasmo de uns tinha esmorecido completamente e outros tinham até acabado por morrer!
Este é um dos aspectos desencorajadores a que ficam sujeitos os pedidos de instalação de indústrias no ultramar que pretendam laborar matérias-primas que as respectivas províncias não produzem.
Quantas indústrias Moçambique tem irremediavelmente perdido por causa da formalidade de as autorizações terem de ser concedidas pelo Ministro do Ultramar!
Tivesse, no caso apontado, a autorização dependido exclusivamente do governador-geral da província e há muito que teríamos em Moçambique uma indústria fosforeira, mau grado a concorrência que pudesse porventura fazer à indústria similar da metrópole, que, de resto, dispõe, na própria metrópole, de um bom mercado para a venda da sua produção.
Entretanto, a província continuou a importar fósforos, em grande parte de origem estrangeira, tendo as suas importações, nos últimos dez anos, atingido a cifra impressionante de 54 600 contos. Deste número, apenas couberam à metrópole 6713 contos.
Há que concluir, sem qualquer outro fim que não seja o de sermos lógicos, que a obrigatoriedade de os pedidos para a instalação de indústrias terem de vir à metrópole tem causado a Moçambique enormes prejuízos para o desenvolvimento da sua economia. Outro seria hoje o panorama da sua indústria se tal obrigatoriedade não constituísse uma disposição do referido Decreto n.º 26 509.
Outro exemplo sobre o qual podemos também fazer recair a nossa atenção foi o que se passou com a nova indústria de tintas de Moçambique, cuja fábrica iniciou, há poucos meses, a sua laboração próximo da cidade de Lourenço Marques.
Neste caso, a atitude tomada por uma fábrica de tintas da metrópole, no sentido de aniquilar a actividade da fábrica moçambicana, mostrou claramente e de forma insofismável a mentalidade exclusivista que ainda domina um grande sector da indústria metropolitana.
A fábrica de tintas de Lourenço Marques foi autorizada pelo governador-geral de Moçambique, porque se indicou, no pedido de instalação, que laboraria matérias-primas produzidas na própria província. Por este motivo, o respectivo processo não teve que ser enviado à metrópole para efeitos de autorização, por esta ser da competência atribuída ao mesmo governador-geral.
Sucedeu, porém, que, no início da sua laboração, precisou de importar algumas matérias-primas, por a província ainda as não produzir todas, embora possa vir a produzi-las, como sejam, por exemplo, o óleo de aleurites (planta que já cultiva), certos látex e corantes minerais.
Ora a referida fábrica de tintas da metrópole tem reclamado insistentemente contra a nova fábrica de Lourenço Marques, alegando que ela não labora matérias-primas produzidas na província e invocando o que a tal respeito dispõe o Decreto n.º 26 509. Serve-se da doutrina preceituada por aquele, na parte que visa a protecção da indústria metropolitana, para procurar aniquilar uma indústria honestamente estabelecida em terra que também é portuguesa e fundada por portugueses.
Essa boa gente de Moçambique, que acredita profundamente nas grandes possibilidades económicas da sua província e que na sua indústria tem investido o produto das suas economias, ganhas com o esforço honrado do seu trabalho, não deve ser tratada desta maneira injusta, sob pena de vir a perder toda a fé no trabalho de ocupação económica que está realizando numa parcela portuguesa que hoje representa uma das mais lídimas esperanças da Nação.
Antes de terminar a citação destes exemplos, quero ainda referir-me, em breves palavras, a um outro caso que me chocou profundamente. Os plantadores de sisal de Moçambique requereram, em Maio de 1960, licença para instalar naquela província uma cordoaria mecânica. Pois alguns fabricantes de cordas da metrópole, ao terem conhecimento deste facto, apresentaram imediatamente queixa à Fidurop (Interfederal Body of European Hard Fibre Spimiers), que é uma associação internacional dos cordoeiros europeus, com sede em Zurique, pedindo-lhe que protestasse contra a decisão tomada pelos ditos plantadores, mesmo que tivesse de recorrer à ameaça de que nenhum seu associado compraria, se persistissem na sua decisão, um único fardo de sisal de Moçambique!
Os cordoeiros nacionais cumpriram rigorosamente a ameaça que fizeram por intermédio da Fidurop, embora não exista ainda em Moçambique qualquer cordoaria. Com efeito, as exportações de sisal moçambicano para a metrópole, que tinham sido, em 1959, de 7319 t, caíram bruscamente para 2926 t em 1960 e 2538 t em 1961!
Parece-me que não é preciso fazer qualquer comentário ... A historia é, só por si, suficientemente elucidativa e mostra tristemente que, em matéria ultramarina, há portugueses que, em certas circunstâncias, se esquecem de que a resolução das nossas questiúnculas domésticas não deve ser entregue a organismos internacionais.
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É com tristeza que profiro estas palavras, pois a verdade é que não me move qualquer má vontade contra a laboriosa classe industrial da metrópole, pela qual tenho o maior apreço e respeito e em cujo seio conto até amigos dos mais dilectos. Mas atraiçoaria indignamente o espírito desta minha intervenção se não usasse aqui de toda a minha franqueza e não utilizasse a linguagem clara e verdadeira que anima os homens, como eu, sempre prontos a colaborarem no engrandecimento da Pátria.
Preceitua o artigo 4.º do já citado Decreto n.º 26 509 que «será recusada autorização para em determinada colónia se instalar ou reabrir qualquer estabelecimento industrial ... sempre que na metrópole ou nessa ou noutra colónia existam estabelecimentos industriais fabricando o mesmo produto que se propõe fabricar o estabelecimento cuja instalação ou reabertura se requer ...».
Este é um princípio de condicionamento que a boa lógica e a preocupação nacional do desenvolvimento rápido do ultramar português não poderão permitir que se mantenha com força de lei. impondo drasticamente que numa província ultramarina não possa instalar-se ou sequer reabrir «qualquer estabelecimento industrial» sempre que na metrópole ou noutra província ultramarina existam estabelecimentos que fabriquem os mesmos produtos.
O condicionamento industrial é prática aconselhável e até, em certos casos, indispensável, mas apenas quando esse condicionamento se refira exclusivamente ao território de uma única província ultramarina, isto é, não extensivo a todo o espaço português.
É defensável o condicionamento industrial dentro de uma província ultramarina (doutrina aliás fixada pelo referido artigo 4.º), pois não se compreenderia que, neste caso, as licenças para a abertura de novos estabelecimentos industriais fossem concedidas de forma desregrada e que, por exemplo, novas unidades fabris viessem concorrer com fábricas já existentes, de modo que nenhuma pudesse sobreviver e daí resultasse não a valorização económica que se deseja, mas a ruína e a falta de confiança em futuros empreendimentos.
A Nação só poderá ser realmente forte e próspera se forem prósperas e fortes todas as parcelas que a constituam. Mas será irremediavelmente fraca e pobre se também forem pobres e fracas essas mesmas parcelas. Embora os diversos territórios portugueses espalhados pelo Mundo se encontrem dispersos geograficamente, há uma verdade que não aceita contestação: é que todos esses territórios estão fortemente ligados pelo espírito da nacionalidade. São todos territórios portugueses, parcelas da mesma nação, mas nem todos eles têm os mesmos problemas económicos.
Estabelecer, portanto, um condicionamento industrial que abranja todo o espaço português, isto é, colocando no mesmo nível a metrópole, as ilhas adjacentes e as províncias ultramarinas, criará problemas graves de ordem económica, impedirá o desenvolvimento de certas parcelas do território nacional e enfraquecerá, consequentemente a Nação. Fará sangrar a ferida do descontentamento das populações das nossas províncias ultramarinas, pois fácil é compreender que um condicionamento dessa natureza se reflectirá prejudicialmente no desenvolvimento industrial dessas mesmas províncias.
Insisto, portanto, na doutrina que entendo ser justa: pode haver - e deve mesmo haver - condicionamento industrial dentro do espaço de uma única província ultramarina, para que ela possa desenvolver-se e desabrochar num aproveitamento total de todas as suas possibilidades económicas, sem que umas actividades atropelem as outras, mas não pode haver um condicionamento industrial, injusto e antieconómico, que impeça parcelas do território nacional de instalar determinadas indústrias, com todas as possibilidades de êxito e para abastecimento das suas próprias populações, só porque essas mesmas indústrias já se encontram instaladas noutras parcelas da Nação.
Constava em Moçambique, à data em que estas linhas foram escritas, que organismos da metrópole estavam a proceder ao estudo das bases em que deveria assentar um plano de condicionamento industrial de todo o espaço económico português.
Como de costume em circunstâncias semelhantes, o que é sempre de lamentar, não houve o cuidado de consultar sobre tão momentoso assunto as entidades oficiais da província, nem as suas associações económicas. Umas e outras teriam certamente dado contribuição de apreciar.
E chegaram-nos até rumores que nos encheram de preocupação: parece pretender-se insistir no princípio - errado e anacrónico - de se criar um condicionamento que impedirá a instalação no ultramar de indústrias que visem a produção de artigos que já sejam fabricados na metrópole.
Não quero acreditar que tal determinação seja possível e que o Governo Central consinta em promulgar medida que tanto ferirá a população de Moçambique e dos restantes territórios ultramarinos.
O problema precisa de ser encarado segundo um princípio que faculte o desenvolvimento industrial de Moçambique de acordo com a capacidade de consumo que o seu mercado interno for permitindo e ainda, em certos casos, das perspectivas oferecidas pelo próprio mercado de exportação. Outra política económica, que siga caminho diferente, não será certa, pois criará desgostos e, o que é pior ainda, impedirá a província de desenvolver-se, como é justo que aconteça e representa uma das suas mais legítimas aspirações.
Tem que se concluir, em face das circunstâncias verificadas, que o Decreto n.º 26 509 precisa de ser revogado e substituído por legislação da própria província que regule a instalação de novos estabelecimentos industriais.
Esta é uma das formas de descentralização administrativa que Moçambique pede ao Governo Central; que lhe seja concedido o direito de poder deliberar livremente sobre as indústrias que devem ser instaladas no seu território, sem que tenha de ser ouvido o Ministério do Ultramar ou outro qualquer organismo situado na metrópole. E faz este pedido consciente e certa do impulso que assim poderia ser dado ao crescimento e expansão da sua vida em todos os campos de actividade, nomeadamente no da sua ocupação demográfica, cuja necessidade é inútil encarecer.
O Decreto n.º 26 509 foi publicado há 27 anos. Pode facilmente calcular-se o prejuízo enorme que causou, em tão longo período, ao desenvolvimento industrial de Moçambique e, portanto, no desenvolvimento da sua economia, que outra seria hoje certamente se outra tivesse sido a visão acerca dos nossos problemas ultramarinos.
Esta é uma intervenção feita com intuitos construtivos.
Não seria meu desejo que se visse nas palavras que acabei de proferir outra intenção que não fosse o objectivo são e honesto de procurar o progresso e a prosperidade para uma das mais esperançosas parcelas da Nação Portuguesa, onde se fala a mesma língua que falam os nossos irmãos da metrópole, onde se acarinham as mesmas tradições que se cultivam do Minho ao Algarve e onde, devotada e orgulhosamente, nos debruçamos sobre as mesmas páginas da história que conta a epopeia do que era um pequeno povo de pouco mais de 1 milhão de intrépidos lutadores no tempo das Descobertas, mas que conseguiu
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erguer-se e constituir-se no que é na actualidade, um grande e vigoroso povo de mais de 23 milhões de homens, mulheres e crianças de todas as raças e de todas as cores, de olhos corajosamente postos no futuro de uma grande Pátria, engrandecida e respeitada.
Nós, gente de Moçambique, continuamos, lá longe, nas praias brancas banhadas pelas águas tépidas do Indico, de olhos postos nesse mar oriental em cujas águas navegaram as caravelas portadoras da primeira mensagem civilizadora da Mãe-Pátria, com a mesma inquebrantável certeza, que continua a aquecer os nossos corações, que, através desse mesmo mar ou já agora em pleno século das mais audaciosas conquistas científicas, também pelo ar, essa mesma Mãe-Pátria continuará a enviar-nos o seu conforto espiritual e moral, o seu auxílio material e também as expressões mais límpidas de uma verdadeira e incontestável justiça.
Esperamos, portanto, que ao desenvolvimento económico de Moçambique, como ao do resto do ultramar português, seja dada uma verdadeira prioridade, como a maior obra nacional dos nossos dias, que precisa de ser solucionada com a maior urgência e, sobretudo, com a maior inteligência, para que tudo quanto se fizer se reproduza em benefícios e progresso para a comunidade portuguesa; que nada se perca, que todos os empreendimentos lançados no ultramar frutifiquem e se convertam em realizações que satisfaçam ao bem comum.
Pedimos, pois, e esperamos que o Governo Central mande proceder a uma revisão completa de toda a legislação que, elaborada e publicada numa época em que dominava o pensamento colonialista, com todos os seus erros de visão, impede e prejudica o livre desenvolvimento do ultramar.
O Sr. Presidente: -Se V. Ex.ª não vir nisso qualquer inconveniente, terminada que foi a primeira parte do seu discurso, eu interromperia agora, ficando V. Ex.ª com a palavra reservada para amanhã.
O Orador: - Decerto. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não quero também deixar de dizer a todos VV. Ex.ªs que, naturalmente, terei de cortar algumas intervenções no período de antes da ordem do dia,
para que nos termos constitucionais, se possa proceder à discussão, na generalidade e na especialidade, a votação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963.
Contrariar-me-á muito se tiver de o fazer, mas VV. Ex.ªs certamente, serão os primeiros a compreender as razões e a concordar inteiramente comigo, atendendo a que, pelos motivos indicados, não poderei proceder de outra maneira, dada a posição em que me encontro.
O debate continuará amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutou.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras. António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
James Pinto Bull.
José Augusto Brilhante de Paiva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Tarujo de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963
I
Economia internacional
1. Evolução geral da conjuntura
1. A expansão da actividade económica da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da América prosseguiu no 1.º semestre de 1962. O ritmo de crescimento da economia da Europa Ocidental manteve-se, no entanto, a nível praticamente idêntico ao do ano anterior, como consequência fundamental das limitações impostas pela capacidade produtiva disponível. Por outro lado, a expansão da economia norte-americana experimentou sensível abrandamento no mesmo período, dado o comportamento desfavorável das relações económicas externas e, de um modo geral, dos componentes da procura interna.
2. Europa Ocidental
2. Como se referiu no relatório que acompanhou a Conta Geral do Estado de 1961, o ritmo de expansão da actividade económica na Europa Ocidental registou, no último ano, sensível decréscimo. De facto, a taxa de crescimento do produto nacional bruto para o conjunto dos países do Ocidente europeu, que se elevou a cerca de 6 por cento em 1960, diminuiu para 4,5 por cento no ano transacto.
A avaliar pelos indicadores actualmente disponíveis, nos seis primeiros meses deste ano não parece ter-se registado alteração de vulto na taxa de crescimento da economia da Europa Ocidental em relação ao ano anterior. Naquele período, a escassez de mão-de-obra qualificada constituiu um dos principais obstáculos a uma expansão mais acelerada da actividade produtiva na maioria dos países da zona.
Pela sua importância na expansão registada no 1.º semestre de 1962, deve salientar-se o incremento da taxa de acréscimo das exportações, particularmente significativas na Bélgica, Holanda e Itália. Todavia, o consumo público e privado continuou a desempenhar importante papel como factor de expansão.
Por seu turno, na generalidade dos países da área, a taxa de crescimento do investimento privado em equipamento industrial registou contracção, em parte determinada pela diminuição nos lucros das empresas. Por outro lado, o aumento na construção de habitações exerceu - principalmente no 1.º trimestre do ano corrente - influência relevante na expansão da economia da maioria dos países.
Deve, ainda, referir-se que, em consequência das favoráveis condições de aprovisionamento de matérias-primas e dado que se não prevê, a curto prazo, a expansão acentuada da produção, o ritmo de constituição de stoclcs de matérias-primas diminuiu no período em análise.
3. Á semelhança do que se verificou no decurso do último ano, continuou a observar-se no 1.º semestre deste ano escassez de mão-de-obra disponível, principalmente da especializada, dando origem a pressões no mercado
de trabalho que determinaram acréscimo do nível de salários na generalidade dos países da Europa Ocidental.
Esta elevação da remuneração do factor trabalho, que o aumento da produtividade foi insuficiente para compensar, esteve na origem da alta registada nos preços dos produtos manufacturados.
Efectivamente, no 1.º semestre do corrente ano, os preços no consumidor experimentaram acréscimo na maioria dos países da Europa Ocidental.
Por seu turno, os preços por grosso aumentaram, igualmente, de forma sensível em alguns países, especialmente na Áustria.
4. Nos primeiros cinco meses de 1962, as importações e exportações globais dos países da Europa Ocidental registaram acréscimos de 7 e 6 por cento, respectivamente, em relação a igual período do ano anterior, tendo-se verificado um agravamento de 16 por cento do saldo negativo cia balança comercial do conjunto dos países da área. Nesta evolução desempenhou papel decisivo o comportamento do comércio intra-europeu, cujo valor, no período considerado, acusou um acréscimo de 10 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior. Para este comportamento contribuíram os movimentos de liberalização das trocas intra-europeias actualmente em curso.
Por outro lado, no 1.º semestre deste ano, o comércio com a América do Norte evoluiu em sentido favorável em consequência, fundamentalmente, da elevada expansão das exportações - 15 por cento.
Finalmente, as importações provenientes de terceiros países aumentaram de 4 por cento, enquanto as exportações a, eles dirigidas acusaram uma diminuição da mesma amplitude.
5. A avaliar pela evolução das reservas de ouro e divisas do conjunto dos países europeus da O.C.D.E., que experimentaram reduzido acréscimo no 1.º semestre do ano, o excedente da balança global de pagamentos foi inferior ao registado em período correspondente de 1961. Este comportamento teria sido, essencialmente, determinado pelo agravamento do déficit global das balanças comerciais dos países da área, a que anteriormente se fez referência, bem como por diversos reembolsos ao Fundo Monetário Internacional, designadamente os efectuados pelo Reino Unido.
Por outro lado, parece legítimo admitir que, no mesmo período, os movimentos de capitais privados, tanto a curto como a longo prazo, tenham evoluído favoravelmente. Para este comportamento contribuiu, principalmente, o afluxo de capitais ao Reino Unido e à França, cujas reservas de ouro e divisas experimentaram acréscimos substanciais.
6. De acordo com os elementos actualmente disponíveis, parece possível prever que, até ao fim deste ano, não venha a verificar-se alteração importante do ritmo de crescimento da actividade económica na generalidade dos países da Europa Ocidental. Contudo, a intenção manifestada pelos poderes públicos no sentido de limitar a elevação do nível de salários deverá permitir que as pressões inflacionistas observadas, no 1.º semestre, venham a ser atenuadas na segunda metade do ano.
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3. Estados Unidos da América
7. A expansão do produto nacional bruto dos Estados Unidos da América experimentou abrandamento nos seis primeiros meses deste ano. Considerando a taxa anual (ajustada em função das variações sazonais), aquele valor global aumentou nos mesmos seis meses 3,2 por cento. Esta evolução é nitidamente menos favorável do que a do ano anterior, na altura em que a economia norte-americana iniciava a sua recuperação.
As despesas do sector público, que exerceram influência preponderante no movimento de recuperação iniciado em Março de 1961, mantiveram-se praticamente estacionárias no 1.º semestre do ano corrente, em consequência, principalmente, do comportamento das despesas dos governos estaduais e locais. Do mesmo modo, o ritmo de formação de stocks, após ter registado sucessivos acréscimos, a partir do início da recuperação da actividade económica até final do 1.º trimestre, experimentou posteriormente sensível redução.
Embora o consumo privado deva considerar-se como o principal factor de expansão da economia norte-americana na primeira metade deste ano, o seu progresso foi inferior ao observado no período correspondente de 1961.
Por seu turno, a construção de habitações e o investimento privado em equipamento industrial, depois de se terem mantido estacionários no 1.º trimestre, registaram nos três meses seguintes ligeira expansão. A este comportamento do investimento privado, que se previa constituísse o elemento mais dinâmico da actividade económica em 1962, não foram estranhas as perspectivas desfavoráveis quanto à política fiscal (nomeadamente em matéria de amortizações) e quanto à política aduaneira do governo federal e ainda as perturbações verificadas na Bolsa de Nova Iorque no decurso do 2.º trimestre.
8. Nos seis primeiros meses do corrente ano, a expansão da actividade industrial processou-se a taxa inferior a observada em 1961, embora tenha registado sensível acréscimo no 2.º trimestre de 1962.
Conquanto esta evolução deva imputar-se ao comportamento da generalidade dos sectores industriais, merece especial referência a quebra registada na produção de carvão, aço e cimento.
Por seu turno, a contracção do ritmo de crescimento da actividade industrial determinou a manutenção de elevado grau de capacidade produtiva por utilizar, principalmente na siderurgia.
9. Embora o número de desempregados represente ainda cerca de 5,5 por cento do total da população activa dos Estados Unidos, o nível de emprego regista melhoria no 1.º semestre de 1962.
Esta evolução deve, fundamentalmente, atribuir-se à expansão da procura de mão-de-obra no sector dos serviços e às recentes incorporações nas forças armadas.
O nível de salários não registou, no período considerado, variação sensível, para o que concorreu decisivamente a rápida intervenção dos poderes públicos nas perturbações verificadas num dos sectores-chaves da economia norte-americana - a indústria siderúrgica. Esta intervenção desempenhou ainda importante papel na relativa estabilidade de preços verificada durante o 1.º semestre do ano em curso, a que não foi igualmente estranha a existência de apreciável capacidade de produção disponível.
10. Ao contrário do que se verificou em 1961, evoluiu desfavoravelmente o comércio externo dos Estados Unidos no decurso dos primeiros seis meses do corrente ano.
Com efeito, o saldo positivo da balança comercial experimentou, no referido período, uma contracção no respectivo valor de 25 por cento em relação ao mesmo período do ano anterior.
Nesta evolução teve influência determinante o acréscimo de 17,5 por cento nas importações, superior ao das exportações - 3,5 por cento. Não se verificou, portanto, qualquer alteração da tendência expansionista das importações - nomeadamente de máquinas, veículos, produtos siderúrgicos, cobre e ferro -, observada desde o início da recuperação.
Por outro lado, embora as exportações tenham atingido, nos primeiros seis meses deste ano, nível superior ao verificado em idêntico período do último ano, registou-se considerável decréscimo no 2.º trimestre de 1962.
11. Na primeira metade de 1962, o déficit da balança geral de pagamentos nos Estados Unidos da América elevou-se a 1500 milhões de dólares - valor anual, corrigido em função cias variações estacionais -, o que representa sensível melhoria em relação ao anterior. Este comportamento foi, em grande parte, determinado pelo abrandamento das saídas de capitais a curto prazo e pelo acréscimo das receitas de invisíveis - principalmente rendimentos de investimentos externos -, que compensaram a contracção do saldo positivo da balança comercial. Por outro lado, para a formação do elevado saldo negativo contribuíram, principalmente, as despesas de carácter militar no estrangeiro e os donativos e créditos do sector público, no âmbito do auxílio económico externo.
Paralelamente, as reservas de ouro e divisas norte-americanas sofreram nova contracção no 1.º trimestre, mantendo-se posteriormente estacionárias.
II
Economia nacional
1. Metrópole
1.1. Evolução geral da conjuntura
12. Como se referiu no relatório que acompanhou as Contas Públicas de 1961, registou-se elevada expansão da actividade económica portuguesa no decurso do ano transacto. Com efeito, de harmonia com as últimas estimativas do Instituto Nacional de Estatística, o produto interno bruto metropolitano aumentou de 7 por cento em 1961, o que representa acréscimo superior à média dos verificados no último decénio. E este comportamento foi ainda ultrapassado em 1960, em que se registou um incremento do produto interno bruto de 8 por cento.
Para a evolução operada no decurso do último ano contribuíram, fundamentalmente, os acréscimos registados na indústria (8,9 por cento) e nos serviços (7,3 por cento), porquanto as actividades englobadas no sector primário experimentaram, no conjunto, variação positiva menos acentuada (3,4 por cento).
Na expansão da actividade económica metropolitana em 1961 desempenhou papel determinante o comportamento da procura interna, uma vez que as exportações de bens e serviços diminuíram, ainda que ligeiramente, enquanto as importações acusaram um acréscimo de cerca de 19 por cento.
De acordo com as primeiras estimativas apresentadas pelo Instituto Nacional de Estatística, para o aumento de 11 por cento experimentado pela procura interna con-
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correu não só o incremento das despesas de consumo, tanto dos particulares como do Estado - em que se verificaram acréscimos de 9 e 19 por cento, respectivamente-, mas também a formação bruta de capital fixo, que se elevou de cerca de 10 por cento. Deve, ainda, referir-se que, após três anos de consecutivas variações negativas, os stocks registaram no ano anterior aumento particularmente acentuado.
A expansão do consumo privado, aliada à contracção experimentada por algumas produções agrícolas, determinou a realização de avultadas importações, que tornaram possível o normal abastecimento do mercado. Por seu turno, a forma como decorreu o abastecimento público contribuiu em grande parte para a estabilidade de preços que se observou em 1961. Por outro lado, uma vez que os índices de salários, tanto rurais como por profissões, experimentaram sensível expansão, parece poder afirmar-se que se verificou significativo acréscimo do poder de compra da população activa no decurso do último ano.
Em suma, pode afirmar-se que, apesar das modificações operadas na conjuntura financeira, monetária e cambial em 1961, foi possível operar-se a expansão da economia metropolitana a ritmo acelerado, conseguindo-se, simultaneamente, manter as finanças equilibradas, estabilidade do valor do escudo, equilíbrio fundamental do banco central e elasticidade do sistema bancário, sem prejuízo da sua estabilidade.
13. No último ano, o produto originado na «Agricultura, silvicultura, pecuária e pesca» registou um acréscimo de 3,4 por cento. De acordo com as estimativas actualmente disponíveis para 1962, prevê-se expansão a ritmo ligeiramente superior do valor global da produção neste sector, em consequência do aumento esperado da produção agrícola, que beneficiou, de um modo geral, de condições climáticas mais favoráveis do que as verificadas em anos anteriores, nomeadamente no que se refere às produções de trigo e de vinho.
Gomo se tem assinalado em relatórios precedentes, a produção agrícola registou nos últimos anos comportamento muito irregular, por natural dependência das condições climáticas e devido às conhecidas deficiências de natureza estrutural, a cuja correcção o Governo tem dedicado a melhor atenção. Assim, com vista à reforma agrária da metrópole, foram publicados em 1962 os diplomas legais que promulgam as bases do arrendamento rural (Lei n.º 2114, de 15 de Junho) e do emparcelamento da propriedade rústica (Lei n.º 2116, de 14 de Agosto), tendo ainda o Governo apresentado à Assembleia Nacional, no decurso da anterior legislatura, um projecto de diploma relativo à revisão do regime jurídico da colonização interna.
A publicação destes diplomas permitirá a realização de importantes empreendimentos de hidráulica agrícola, bem como a correcção de deficiências estruturais do sector.
Do mesmo modo, a fim de incrementar o aproveitamento das potencialidades frutícolas do País, no sentido de uma melhor utilização das possibilidades que neste campo se oferecem nos mercados interno e internacional, foi publicado, em 7 de Maio do corrente ano, um despacho ministerial que estabelece as linhas gerais de uma nova política frutícola.
Com o objectivo de acelerar o desenvolvimento das actividades primárias deve, igualmente, referir-se a publicação, em 21 de Agosto ultimo, do Decreto-Lei n.º 44 534, que torna possível o alargamento do crédito agrícola com vista ao fomento agro-pecuário, uma vez que os melhoramentos fundiários contemplados na anterior legislação constituíam apenas uma parcela do condicionalismo base daquele desenvolvimento. O diploma estabelece, ainda, que as taxas de juro dos empréstimos a conceder pelo Fundo de Melhoramentos Agrícolas se situem entre 2 e 4,5 por cento.
Os resultados da produção silvícola em 1962 não devem, em termos globais, afastar-se significativamente dos alcançados no ano anterior. Segundo os elementos da Junta Nacional da Cortiça, a produção corticeira deve elevar-se, no corrente ano, a 170 0001, o que corresponde a um aumento de cerca de 11 por cento em relação a 1961.
Inversamente, porém, de acordo com estimativa apresentada pela Junta Nacional de Resinosos, a produção de resina deve atingir cerca de 70 000 t em 1962, o que representa um decréscimo de 29 por cento. Saliente-se, no entanto, que a produção alcançou no último ano nível excepcionalmente elevado, tendo o preço médio das incisões no pinhal acusado considerável incremento. Ainda, à quebra prevista para o ano em curso na produção de resina parece não ser estranha a diminuição registada no preço médio da tonelada exportada, tanto de pez como de aguarrás, acompanhada, quanto a este último produto, de uma contracção de 28 por cento na quantidade exportada nos 8 primeiros meses deste ano.
No que se refere à pecuária, e tomando como indicador a tonelagem de gado abatido, julga-se possível prever um acréscimo da respectiva produção. Na verdade, nos primeiros oito meses de 1962, a quantidade de gado abatido no continente atingiu 73 254 000 t, o que traduz aumento de 16 por cento em comparação com a de igual período do ano anterior.
Os elementos actualmente disponíveis sobre algumas das restantes produções pecuárias (leite, lã e avicultura), nos sete primeiros meses deste ano, mostram, igualmente, considerável incremento em relação ao mesmo período de 1961.
A pesca desembarcada no continente1, no período de Janeiro a Junho de 1962, elevou-se a 93 835 t, o que representa um acréscimo de cerca de 3 por cento relativamente a igual período do ano anterior. A contínua expansão do volume de pesca desembarcada nos últimos anos tem sido, em grande parte, determinada pelo desenvolvimento da frota pesqueira nacional - nomeadamente, no que respeita ao número de unidades, sua modernização e aumento de tonelagem.
14. Como se referiu, a produção industrial registou, no decurso de 1961, elevado incremento. Contudo, o comportamento dos respectivos índices mensais2, corrigidos das variações sazonais, revela sensível afrouxamento da produção na segunda metade do ano. Na verdade, em 1961, o valor médio do índice geral, relativo ao 2.º semestre, foi inferior em cerca de 3 por cento ao correspondente aos seis primeiros meses. Esta evolução deve-se, fundamentalmente, à contracção verificada na produção dos sectores dos «Têxteis, vestuário e calçado», da «Madeira, cortiça e mobiliário» e das «Indústrias químicas e dos petróleos», que a expansão da generalidade das restantes indústrias foi insuficiente para compensar.
O comportamento observado parece ter persistido no 1.º quadrimestre do ano em curso. Neste período, nenhum dos sectores considerados no cálculo do índice geral experimentou nítido acréscimo, merecendo referência a contracção da produção nas «Indústrias químicas e dos petróleos».
1 Excluindo a pesca do bacalhau.
2 Calculados pela. Associação Industrial Portuguesa. Ver mapa anexo n.º 8.
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Todavia, a recuperação experimentada pela maioria dos índices sectoriais nos meses de Maio e Junho, determinou que o valor médio do índice geral relativo ao 1.º semestre do ano em curso (183 pontos) fosse praticamente idêntico ao verificado em igual período do ano anterior, o que representa um aumento de 4 por cento em relação ao índice médio do 2.º semestre de 1961.
Para a expansão a que anteriormente se fez referência contribuiu em especial a melhoria particularmente nítida registada nos sectores das «Indústrias químicas e dos petróleos», «Produtos minerais não metálicos», «Indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material eléctrico», cujos índices, relativos aos seis primeiros meses de 1962, acusam considerável incremento em comparação com os observados no período homólogo do ano anterior.
Deve, todavia, salientar-se que o processo de evolução industrial ultimamente observado deve ter afectado sensivelmente a representatividade dos índices mensais da produção industrial. De facto, a criação de novas indústrias e a reorganização de vários sectores de actividade alteraram, de algum modo, a importância relativa das produções que constituem a amostra do índice da produção industrial de cada sector. Por outro lado, essa representatividade foi também desfavoravelmente influenciada por alterações correntes da procura. Assim, nomeadamente, a expansão da procura de «aglomerados de madeira» em detrimento dos «contraplacados» - produção que, com a de «cortiça», constitui a amostra do índice mensal das «Indústrias das madeiras, cortiça e mobiliário» - afectou necessariamente o significado deste índice.
Finalmente, importa referir que a construção de edifícios na metrópole experimentou, no 1.º semestre do ano corrente, sensível contracção. O número de edifícios construídos (9420) diminuiu de 6 por cento, tendo o correspondente número de pavimentos (15 205) acusado um decréscimo de cerca de 7 por cento.
Este comportamento deve-se, pelo menos em parte, às providências de natureza fiscal e outras, adoptadas no decurso do último ano, com o objectivo de desencorajar o crescimento excessivo da construção de habitações de renda não económica.
15. No que se refere à «Energia eléctrica e serviços», os elementos disponíveis respeitam apenas, como é habitual, a algumas das actividades englobadas neste sector. De acordo com esses elementos, pode estimar-se um ritmo de expansão sensivelmente inferior ao registado em anos anteriores.
Assim, na actividade comercial - de importância preponderante no produto originado no sector dos serviços -, o número e o valor global dos efeitos liquidados nas câmaras de compensação experimentaram, no 1.º semestre de 1962, acréscimos de 7 e 5 por cento, respectivamente, em relação a igual período do ano transacto. Por seu turno, o número de letras descontadas, no mesmo período, sofreu uma diminuição de 3 por cento, embora o correspondente valor tenha aumentado de 8 por cento.
Por outro lado, nos sete primeiros meses do ano em curso, as actividades transportadoras parece não terem registado expansão significativa. Com efeito, ainda que no número de passageiros-quilómetro transportados por caminho de ferro se tenha verificado um acréscimo de 11 por cento em relação a igual período do ano precedente, o número de toneladas-quilómetro transportadas decresceu sensivelmente e as receitas líquidas dos caminhos de ferro mantiveram-se praticamente estacionárias. Quanto à navegação aérea, o número de passageiros-quilómetro foi, de Janeiro a Julho de 1962, superior ao registado em idêntico
período do último ano, mas o número de toneladas-quilómetro acusou uma contracção de 28 por cento. Do mesmo modo, o número de navios entrados em portos metropolitanos diminuiu, ainda que ligeiramente.
No decurso do 1.º semestre deste ano, verificou-se decréscimo de cerca de 5 por cento na produção de energia eléctrica, determinado exclusivamente pela produção de origem hídrica. Com efeito, a produção de energia eléctrica, que nos primeiros seis meses de 1961 se elevou a 1773 milhões de kilowatts-hora, atingiu apenas 1680 milhões no período homólogo do corrente ano.
16. Tendo presente a evolução das diferentes componentes do produto nacional bruto metropolitano durante os primeiros meses de 1962, a que anteriormente se fez referência, parece possível prever que o crescimento da economia nacional se processará, no ano em curso, a ritmo menos acelerado do que o observado no último ano.
Com efeito, de acordo com os elementos disponíveis apenas o produto formado no sector da «Agricultura, silvicultura, pecuária e pesca» - que representa cerca de 25 por cento do produto interno bruto - parece susceptível de registar em 1962 expansão superior à observada no ano precedente.
No que se refere à produção industrial, e tendo por base a evolução observada nos índices mensais, pensa-se que não será possível que a taxa de crescimento anual se aproxime dos elevados níveis atingidos nos dois últimos anos. De facto, o valor médio daqueles índices registou, nos seis primeiros meses do ano em curso, uma variação positiva de 0,5 por cento em relação a igual período do ano anterior, enquanto em 1960 e 1961 as taxas de aumento dos índices médios, relativos ao 1.º semestre, atingiram 7,2 e 11,7 por cento, respectivamente. A este comportamento dos índices da produção industrial correspondeu um ritmo de crescimento anual do produto formado no sector de 10.5 por cento, em 1960, e 8,9 por cento, no último ano.
Finalmente, os elementos disponíveis relativos às actividades terciárias parecem indicar que o comportamento deste sector se processará, em 1962, de forma menos favorável que a observada no ano anterior.
17. Não se torna possível, neste momento, por carência de elementos, formular uma previsão adequada sobre o comportamento em 1962 da procura interna, que constituiu, nos últimos anos, o principal factor de expansão do produto nacional. Saliente-se, contudo, que as exportações registaram uma expansão de 15 por cento nos oito primeiros meses de 1962, o que permite prever que a procura externa constituirá, este ano, factor de expansão de efeitos acentuadamente superiores aos registados no ano anterior.
Em 1962 tem-se tornado possível, de um modo geral, assegurar o normal abastecimento do mercado interno em bens de consumo de primeira necessidade. Para este comportamento tem contribuído, de forma decisiva, a acção desenvolvida pelo Estado no sentido de eliminar ou atenuar os desequilíbrios mais profundos entre a oferta e a procura dos referidos bens. Esta acção comporta, fundamentalmente, a realização oportuna das importações julgadas indispensáveis, o controle dos preços e a atribuição de subsídios, tanto de fomento à produção, como de compensação ao agravamento dos preços.
Assim, para assegurar o normal abastecimento do mercado, tornou-se necessário efectuar em 1962 importações de trigo, centeio, milho, arroz, carne e bacalhau. Saliente-se, no entanto, que as importações de milho e arroz
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necessárias ao abastecimento da metrópole provieram das províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, não constituindo, portanto, encargo para a balança de pagamentos da zona escudo.
Com o objectivo de compensar os produtores de trigo do desfavorável resultado da anterior colheita e em consequência do aumento do preço do trigo se mostrar inconveniente pelos reflexos que daí adviriam sobre o custo de vida, decidiu o Governo atribuir aos referidos produtores uma subvenção no valor global de 160 milhares de contos, de harmonia com o disposto no Decreto-Lei n.º 44571, de 12 de Setembro último.
Importa, ainda, assinalar que a elevada produção de azeite no ano anterior permitiu não só fazer face às necessidades de consumo interno, mas também a formação de um excedente para exportação, que foi possível intensificar mercê das medidas excepcionais de protecção à actividade olivícola.
Em face das estimativas de produção agrícola actualmente disponíveis prevê-se que no decurso dos últimos meses de 1962 e na primeira parte do próximo ano se torne indispensável realizar determinadas importações.
18. Finalmente, deve referir-se que os índices de preços, que nos últimos anos se têm mantido praticamente estacionários, aumentaram ligeiramente na primeira metade do ano corrente.
Efectivamente, quando comparados com igual período do'ano anterior, os índices de preços por grosso para a cidade de Lisboa referentes ao 1.º semestre de 1962 acusam ligeiro aumento: cerca de 3 por cento. Para esta evolução parece terem contribuído, fundamentalmente, os acréscimos registados nos preços médios das «Bebidas e tabacos» e «Combustíveis e lubrificantes», embora parcialmente compensados pelas diminuições experimentadas pelos preços médios dos «Produtos da indústria química» e «Matérias-primas não alimentares». Por outro lado, o comportamento do índice geral médio ficou a dever-se à elevação dos preços médios dos produtos importados do estrangeiro, dos produtos fabricados na metrópole com matérias-primas importadas e dos produtos metropolitanos, a que apenas se opôs ligeira diminuição dos produtos de origem ultramarina.
No que se refere aos índices de preços no consumidor, verificou-se igualmente ligeiro incremento das médias semestrais relativas à primeira metade de 1962, em comparação com o período homólogo anterior. Das cidades que são objecto da respectiva observação estatística, os acréscimos mais significativos (cerca de 2,5 por cento) corresponderam a Lisboa, Porto e Coimbra, tendo-se mantido praticamente estacionárias as médias relativas às cidades de Évora e Viseu.
Por outro lado, entre Março de 1962 e Março de 1961, o índice ponderado de salários por profissões para a cidade de Lisboa, calculado pelo Banco de Portugal, aumentou de 3 por cento.
1.2. Balança de pagamentos da zona do escudo
19. Não se dispondo ainda da balança de pagamentos da zona do escudo para o 1.º semestre de 1962, apenas se torna possível neste momento tentar avaliar da sua evolução através do comportamento das liquidações cambiais do Banco de Portugal.
Aliás, a respectiva balança cambial reflecte a maioria dos resultados da balança de pagamentos, uma vez que a importância relativa das liquidações efectuadas directamente pelos bancos comerciais e pelo Tesouro Público ó, em regra, pouco significativa.
QUADRO I
Balança cambial do Banco de Portugal
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Excluindo as entregas de ouro no valor de 431 milhões de escudos ao F.M.I. e de 207 milhões de escudos ao B.I.R.D, relativos à participação de Portugal no capital destas instituições.
Nota.-Não inclui a parte das liquidações multilaterais que corresponde aos pagamentos em dólares no quadro do Acordo Monetário Europeu e às transferências entre o Banco de Portugal e outros bancos centrais, quer para a constituição de coberturas, quer para pagamentos nos termos de acordos bilaterais.
Fonte: Banco de Portugal.
Como pode verificar-se pelo quadro anterior, a diferença entre as entradas e saídas de cambiais no banco emissor atingiu no 1.º semestre do corrente ano avultado valor positivo, que representa uma recuperação de 3600 milhares de contos em relação ao período homólogo do ano anterior. Esta melhoria foi determinada não só pela expansão de 70 por cento das entradas de cambiais como também pela contracção das saídas, superior a 16 por cento.
Por outro lado, a referida evolução resultou tanto dos progressos observados nas liquidações em dólares como da melhoria registada nas liquidações nas moedas dos países participantes no Acordo Monetário Europeu. Saliente-se ainda que sómente as liquidações em dólares acusaram saldo positivo, que alcançou cerca de 2300 milhares de contos.
Pela sua relevância na melhoria observada na balança cambial do Banco de Portugal, importa salientar, em primeiro lugar, o papel desempenhado pelas operações de crédito externo realizadas pelo Governo, no âmbito do programa de financiamento do II Plano de Fomento, a que deve imputar-se cerca de 50 por cento da referida melhoria.
Para além da evolução favorável registada nas operações de capital a longo prazo, o comportamento da balança comercial da metrópole com o estrangeiro contribuiu também de forma sensível para a melhoria da balança cambial do banco emissor.
Assim, segundo a estatística de liquidações, observou-se uma contracção de 856 milhares de contos no déficit da balança comercial nos cinco primeiros meses de 1962.
Reflectindo o comportamento dos pagamentos internacionais registou-se acréscimo sensível nas disponibilidades líquidas em ouro e divisas do banco emissor no 1.º semestre do corrente ano.
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Deste modo, tendo presente a~ evolução da balança de pagamentos nos anos anteriores, em que se têm registado normalmente excedentes no 2.º semestre, parece legítimo prever-se com tranquilidade os resultados finais.
Balança comercial da metrópole
20. No período de Janeiro a Agosto de 1962 as relações comerciais da metrópole com o estrangeiro experimentaram apreciável melhoria. De facto, a avaliar pela estatística alfandegária, o saldo negativo da balança comercial diminuiu de 24,4 por cento.
Este comportamento das transacções com o estrangeiro foi determinado, simultaneamente, por contracção das importações e por elevada expansão do valor exportado. Merece especial referência o acréscimo observado nas exportações - 15 por cento -, que retomaram, desta forma, a tendência ascensional registada a partir de 1959 e interrompida no último ano.
QUADRO II
Balança comercial da metrópole com o estrangeiro
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
Por outro lado, a melhoria das relações comerciais externas determinou melhoria do coeficiente de cobertura das importações pelas exportações, que se elevou de 42,4 para 52,9 pontos.
Importa ainda referir que de Janeiro a Agosto deste ano o preço médio da tonelada exportada aumentou de 7,4 por cento, enquanto o da tonelada importada experimentou acréscimo consideravelmente inferior - 3 por cento. Deste modo, deve ter-se registado melhoria na razão de troca.
21. Por outro lado nos dois primeiros quadrimestres de 1962, a distribuição do comércio externo da metrópole por zonas monetárias1 experimentou alteração em relação a igual período de 1961. Com efeito, diminuiu, ainda que ligeiramente, a participação da zona do Acordo Monetário Europeu, quer nas importações, quer nas exportações da metrópole, em benefício da zona do dólar.
Note-se, no entanto, que, embora os deficits parciais com as zonas monetárias consideradas tenham diminuído sensivelmente, a melhoria da balança comercial foi determinada, fundamentalmente, pela contracção do déficit com a zona do Acordo Monetário Europeu. Essa contracção, que atingiu 1166 milhares de contos, resultou, por sua vez, de um aumento das exportações, de cerca de 10 por cento, a que se adicionou uma diminuição das importações de igual amplitude.
Deve ainda mencionar-se que evoluíram favoravelmente nos primeiros meses do ano as relações comerciais, tanto com o conjunto dos países da C.E.E., como com os restantes membros da A.E.C.L., o que se traduziu por contracção do saldo negativo das respectivas balanças comerciais - de cerca de 20 por cento. A melhoria observada nas transacções com os países da G.E.E. resultou não só de acentuado acréscimo das exportações - mais 22 por cento -, como da diminuição, de cerca de 8 por cento, nas importações. Por seu turno, a evolução favorável das relações comerciais com a A.E.G.L. ficou a dever-se, exclusivamente, à contracção de 13 por cento apurada nas importações, uma vez que as exportações se mantiveram praticamente estacionárias.
Em face deste comportamento, alterou-se sensivelmente a estrutura do comércio externo da metrópole com o estrangeiro. Assim, as exportações para os países da A.E.G.L., que nos oito primeiros meses de 1961 representaram cerca de 29,5 por cento do total exportado, atingiram apenas 25,5 por cento daquele total em igual período do ano em curso. Por seu turno, a importância relativa das importações originárias da A.E.G.L. no total importado diminuiu de 28 para 26 por cento.
No que se refere às exportações para a G.E.E., a sua participação no valor global das exportações para o estrangeiro aumentou de 27 para 29 por cento. Por outro lado, as importações, à semelhança do que se tinha verificado no ano anterior, continuaram a representar 40,5 por cento do total importado do Mercado Comum.
Por último, as relações comerciais com a zona do dólar melhoraram acentuadamente no período considerado, em virtude da sensível expansão das exportações - mais 33 por cento -, que compensou largamente o acréscimo das importações, pelo que se verificou a elevação do coeficiente de cobertura de 73,5 para 85.
22. Se bem que a diminuição das importações tenha constituído a principal determinante da contracção do déficit da balança comercial da metrópole com o estrangeiro, importa salientar o comportamento favorável das exportações, cuja expansão se situou de novo a nível idêntico ao observado em 1960 -15 por cento - após a sensível quebra do ritmo de crescimento registada em 1961. Embora no incremento das exportações tenham, ainda, exercido influência preponderante alguns produtos do sector primário - nomeadamente azeite, amêndoa e cortiça em bruto -, deve assinalar-se a apreciável contribuição para esta evolução de diversos produtos da indústria transformadora - especialmente produtos das indústrias têxtil e metalomecânica.
Na verdade, nos produtos têxteis, observou-se acréscimo de 35 por cento no valor exportado de fios e tecidos de algodão e uma expansão de 86 por cento para o conjunto dos metais comuns e produtos metalúrgicos.
Para a contracção verificada na importação contribuiu, fundamentalmente, o decréscimo de cerca de 400 milhares de contos observado nas aquisições de material de transporte, cujo valor fora particularmente elevado em 1961 pela aquisição de importante unidade para a marinha mercante nacional.
Registou-se, igualmente, no período considerado, sensível quebra nas importações de ramas de petróleo - substituídas, em parte, por importações provenientes de Angola, que se elevaram a mais de 19 milhares de contos - e de produtos siderúrgicos.
Por outro lado, de Janeiro a Agosto de 1962, as importações de máquinas e aparelhos industriais aumentaram ligeiramente em relação ao período homólogo do ano anterior. Do mesmo modo, as aquisições no estrangeiro de
1 V. anexo mapa n.º 9.
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produtos alimentares acusaram sensível acréscimo, exclusivamente determinado pelas elevadas importações de trigo, embora realizadas ao abrigo da Lei dos Excedentes Agrícolas, dos Estados Unidos da América, no valor de 416 milhares de contos.
23. Nas relações comerciais da metrópole com o ultramar observou-se no decurso dos primeiros oito meses deste ano um saldo positivo de 378 milhares de contos, enquanto no período correspondente do ano anterior se registara um saldo negativo de 112 milhares de contos.
QUADRO III
Balança comercial da metrópole com o ultramar
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Fonte: Instituto Nacional de Estatística
Para o saldo positivo registado na balança com o ultramar contribuíram os saldos das balanças comerciais com cada uma das províncias, com excepção de Cabo Verde. Merece, todavia, particular referência o saldo positivo alcançado nas relações comerciais com Angola -344 milhares de contos -, que representa sensível aumento em relação ao ano anterior. Note-se, ainda, a melhoria observada na balança comercial com Moçambique, que após um saldo negativo no período de Janeiro a Agosto de 1961 registou em igual período do corrente ano um superavit de 82 milhares de contos.
Por outro lado, na contracção observada nas importações provenientes do ultramar teve influência relevante o decréscimo no valor importado de algodão em rama
(181 milhares de contos), em especial de Moçambique. Registaram também valores sensivelmente inferiores aos correspondentes a igual período de 19G1 as aquisições de sementes e frutos oleaginosos, milho e café. Em sentido contrário operaram, principalmente, além das importações de ramas de petróleo, a que anteriormente se fez referência, a apreciável expansão das importações de tabaco e madeira.
No que se refere às exportações, deve salientar-se o acréscimo experimentado pelos produtos têxteis (+78 milhares de contos) - especialmente, tecidos de algodão destinados a Angola -, máquinas e aparelhos e, ainda, pneumáticos.
1.3. A evolução dos meios de pagamento
24. O volume da moeda em circulação, que tinha diminuído de 1640 milhares de contos nos oito primeiros meses de 1961, registou um aumento de 1831 milhares de contos, em igual período do corrente ano.
Deste modo, a tendência expansionista dos meios de pagamento em anos anteriores sofreu acentuado desvio de Janeiro a Agosto do último ano, devido em especial ao elevado déficit da balança de pagamentos.
QUADRO IV
Moeda em circulação
(Milhares de contos)
Ver Tabela na Imagem]
(a) Incluindo o dinheiro em cofre nas tesourarias da Fazenda Publica.
(b) Excluindo a moeda metálica comemorativa.
(c) Incluindo os saldos das contas correntes do Tesouro Público e da Junta do Crédito Público e do diversas responsabilidades à vista do Ranço de Portugal e o montante dos depósitos obrigatórios na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Para a evolução registada no ano em curso contribuiu não só a expansão de 394 milhares de contos da moeda legal, mas também, e principalmente, o acréscimo de 1437 milhares de contos registado nas disponibilidades à vista.
Deste modo, diminuiu, ainda que ligeiramente - 0,4 por cento -, a participação da moeda legal na composição dos meios de pagamento, à semelhança do que se tem verificado em anos anteriores. Esta evolução é particularmente significativa quando comparada com igual período do ano anterior, em que se registou incremento de 5 por cento na importância relativa daquela componente no conjunto da moeda em circulação.
O acréscimo das reservas de ouro e divisas do Banco de Portugal nos dois primeiros quadrimestres de 1962 foi a principal determinante do comportamento dos meios de pagamento, à semelhança, aliás, de que se verificou no último ano, em que a variação negativa daquelas reservas exerceu elevado efeito contraccionista. Verifica-se, no entanto, que tem diminuído a correlação entre os movimentos cambiais e as variações da circulação interna. Ponderados, porém, os graves inconvenientes que poderão ainda advir dessa correlação, será de encarar o estudo de medidas que melhor defendam a circulação 'interna.
25. Apesar da favorável evolução dos meios de pagamento, registou-se contracção no volume da emissão fiduciária durante os oito primeiros meses deste ano, retomando-se assim a linha de tendência observada em anos anteriores, que havia sofrido solução de continuidade em igual período de 1961.
QUADRO V
Variação da emissão fiduciária
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
(a) Compreendo, além da variação resultante do movimento de compras e vendas de ouro e divisas, os ajustamentos contabilísticos determinados pelo novo contrato com o Banco do Portugal.
(b) Inclui a entrega do 1 293 000 coutos ao F.M.I.
Nota. - Elementos elaborados pela Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.
Este comportamento foi fundamentalmente determinado pela diminuição do crédito concedido pelo Banco de Portugal, que motivou uma mais intensiva utilização das reservas de caixa dos bancos comerciais para fazer face à expansão da procura de crédito, o que implicou, por seu turno, elevada contracção dos depósitos de bancos e banqueiros no banco emissor.
Por outro lado, o efeito expansionista determinado pelo aumento das reservas de ouro e divisas veio a ser compensado pelo aumento dos depósitos e contas correntes do Tesouro e da Junta do Crédito Público e ainda por
diferentes ajustamentos determinados pelo novo contrato celebrado entre o Estado e o Banco de Portugal.
Para aquele acréscimo das reservas de ouro e divisas contribuíram, em grande parte, a melhoria a que anteriormente se fez referência na balança geral de pagamentos da zona do escudo e ainda o apuramento de uma mais valia do ouro na posse do Banco.
Por seu turno, esta mais valia resultou da aceitação por parte do Fundo Monetário Internacional da paridade do escudo em relação ao dólar de $ 1=28$75 - igual, portanto, à que o Governo Português fixara em 1949, em seguida à crise do esterlino.
1.4. O comportamento do sistema bancário
26. De Janeiro a Agosto de 1962 o volume do crédito distribuído pelo conjunto do sistema bancário registou uma redução de 715 milhares de contos, particularmente significativa quando comparada com o acréscimo de 664 milhares de contos verificado em igual período do ano anterior.
Nesta contracção teve influência determinante a diminuição no crédito concedido pelo Banco de Portugal através das operações englobadas na rubrica de empréstimos diversos, uma vez que a diminuição na sua carteira comercial foi, em grande parte, atenuada pelo aumento na mesma rubrica dos bancos comerciais.
Não pode, no entanto, deixar de se ter presente que no crédito distribuído não se consideraram os empréstimos concedidos pelo Banco de Fomento Nacional, que registaram no período considerado um acréscimo de 262 milhares de contos.
Deve sublinhar-se que aumentaram, de forma sensível, os totais dos depósitos - à ordem e a prazo - no conjunto do sistema bancário. Para este comportamento concorreu a favorável evolução dos depósitos à ordem no Banco de Portugal e nas caixas económicas e, no que se refere aos depósitos a prazo, a expansão registada nos bancos comerciais, no Banco de Fomento Nacional e nas caixas económicas.
QUADRO VI
Evolução da situação bancária
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - Elementos fornecidos pela Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.
27. Nos oito primeiros meses do ano observou-se acréscimo de 561 milhares de contos no crédito concedido pela banca comercial, em consequência da elevada expansão da carteira comercial - ainda que parcialmente compensada pela redução observada na rubrica de empréstimos diversos.
Este incremento no crédito concedido, conjugado com uma tomada de títulos que atingiu cerca de 400 milhares de contos no período em análise, determinou pronunciada mobilização pelos bancos comerciais das suas reservas de caixa, que foram ainda afectadas pela diminuição
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de 410 milhares de contos observada nos depósitos à ordem.
A este comportamento dos depósitos à ordem não foi certamente alheia a expansão de 861 milhares de contos no montante dos depósitos a prazo na banca comercial. Por seu turno o acentuado acréscimo desta categoria de depósitos deve-se ao desejo, por parte das unidades económicas, em encontrar níveis mais favoráveis de remuneração das suas disponibilidades, embora com prejuízo da sua liquidez.
28. No que respeita ao Banco de Portugal, o total das disponibilidades líquidas em ouro e moedas estrangeiras, nos oito primeiros meses do ano, atingiu 21 399 milhares de contos, o que representa um acréscimo de cerca de 18 por cento em relação a 31 de Dezembro de 1961. Esta evolução resultou não só da melhoria nos resultados da balança de pagamentos da zona do escudo, mas também, como anteriormente se referiu, da mais-valia do ouro na posse do Banco, de acordo com o ajustamento determinado pela actual cotação deste metal.
A expansão das reservas totais de ouro e divisas, embora atenuada pelo aumento de 1476 milhares de contos nas responsabilidades-escudos à vista, determinou sensível incremento da relação entre estes dois valores globais, que se elevou a 82,8 por cento em 31 de Agosto último.
Paralelamente, a percentagem das reservas legais atingiu 56,5 por cento, nível superior ao observado nos anos anteriores - cerca de 55 por cento.
Por outro lado, como se referiu, diminuiu o crédito concedido pelo Banco de Portugal, no período em análise, o que se poderá tomar como consequência natural da menor pressão exercida sobre os depósitos à ordem dos bancos comerciais.
29. Em 29 de Junho do corrente ano foi publicado o Decreto-Lei n.º 44 432, autorizando o Ministro das- Finanças a realizar novo contrato com o Banco de Portugal e aprovando a alteração dos respectivos estatutos.
As bases do novo contrato e as consequentes adaptações dos estatutos resultaram da necessidade de se prosseguir, tendo em atenção os condicionalismos observados após a reforma monetária de 1931, no reforço do sistema e dos meios que possam garantir uma situação de solidez, não sómente em relação à função emissora, mas muito especialmente no que se refere às funções que mais directamente respeitam à estabilidade da moeda, à acção reguladora e de distribuição do crédito e do mercado monetário em geral, às reservas e garantias da responsabilidade do Banco e à expansão ou acção coadjuvante junto de organismos igualmente empenhados no desenvolvimento económico nacional.
De entre as alterações introduzidas nos estatutos destaca-se a elevação do capital social para o dobro. Este aumento de capital tem um importante efeito, que se projecta para além do seu próprio campo de directa aplicação, uma vez que, pelo sistema de fundos de reservas agora estabelecido, o montante da reserva legal passa de 50 por cento do capital para um limite igual à importância do próprio capital.
Merece ainda referência a alteração para 500 milhares de contos do anterior limite de 200 milhares de contos da conta corrente gratuita do Estado com o Banco, cujos levantamentos continuarão, no entanto, a ser feitos unicamente em representação de receitas orçamentais do exercício respectivo.
30. Quanto às caixas económicas, acentuaram-se os sintomas de recuperação evidenciados nos últimos meses de 1961. Com efeito, registou-se no decurso deste ano elevado acréscimo dos depósitos à ordem e, consequentemente, melhoria das reservas de caixa destas instituições, embora a expansão do crédito concedido tenha experimentado abrandamento.
A evolução observada deve-se às medidas restritivas adoptadas com vista a uma mais eficiente aplicação das respectivas disponibilidades, especialmente na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, dada a excessiva utilização da sua capacidade prestamista, durante o último ano, em substituição do mercado financeiro.
31. Com o objectivo de estimular e orientar a poupança, foram recentemente promulgadas algumas medidas do novo Código do Imposto de Capitais, isentando deste imposto os juros dos depósitos à ordem, dos depósitos a prazo efectuados na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e no Banco de Fomento Nacional e, ainda, dos depósitos a prazo nas restantes caixas económicas, quando não excedam determinado montante.
1.5. O financiamento do desenvolvimento económico
Metrópole
32. Como se assinalou no relatório da Conta Geral do Estado de 1961, podem apontar-se como principais elementos do quadro em que se processou o financiamento do desenvolvimento económico nacional no último ano: o elevado déficit da balança de pagamentos - e, consequentemente, contracção da liquidez do sistema bancário, pelos seus efeitos sobre as disponibilidades de ouro e divisas -, o reforço da tendência para o entesouramento e a crescente .propensão do aforro para investimento imobiliário.
No decurso do corrente ano, estas determinantes parecem ter, de um modo geral, registado evolução mais favorável, a que não foi alheia a acção desenvolvida nesse sentido pela Administração.
De facto, a avaliar pelos elementos actualmente disponíveis, verificou-se elevado saldo positivo na balança de pagamentos da zona do escudo, no 1.º semestre de 1962, o que veio a reflectir-se no nível de reservas de ouro e divisas, que experimentou sensível aumento.
Este comportamento, a que veio aliar-se o acréscimo dos depósitos no conjunto do sistema bancário, como anteriormente se referiu, determinou sensível recuperação do respectivo grau de liquidez. Ainda, tendo presente a expansão dos depósitos à ordem e a prazo, parece legítimo admitir ter afrouxado a tendência para o entesouramento verificada no ano transacto.
Por outro lado, a diminuição na construção de habitações, nos primeiros seis meses deste ano, parece traduzir, pelo menos em parte, o efeito das medidas adoptadas pelos poderes públicos, nomeadamente no domínio fiscal, para obstar à excessiva canalização do aforro para o investimento imobiliário.
O elevado montante de empréstimos externos e internos contraídos pelo Estado - e a política de despesas de capital implícita -, o recurso em escala apreciável das empresas privadas ao mercado externo para o financiamento das suas despesas de investimento e a recuperação do sistema bancário deverão permitir que, em 1962, o desenvolvimento económico nacional se processe sem o
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aparecimento de sérias dificuldades de ordem financeira, embora se admita ligeiro abrandamento do ritmo de expansão da formação bruta do capital fixo.
33. Pela importância de que se reveste a sua participação no financiamento do processo de desenvolvimento económico nacional, merece especial referência a acção desenvolvida pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e pelo Banco de Fomento Nacional.
34. Embora inferior à registada em igual período do ano anterior, verificou-se expansão no crédito distribuído pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência de cerca de 250 000 contos nos oito primeiros meses do ano em curso.
Nesta evolução desempenharam papel preponderante as operações com o sector privado para fomento da actividade económica, cujo aumento excedeu o observado em igual período do ano anterior em cerca de 38 por cento.
Para este incremento contribuiu fundamentalmente o crédito distribuído aos sectores industriais, que experimentou acréscimo de 482 436 contos, mais do quádruplo do registado no mesmo período de 1961.
Crédito distribuído pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência
Variações entre 31 de Dezembro de 1961 e 31 de Agosto de 1962
Contos
1. Operações com o sector público ............... + 155 049
2. Operações com o sector
corporativo e de coordenação económica .......... - 194 230
3. Operações com o sector privado:
A) Fomento da actividade económica (a) .......... + 825 957
B) Outras operações ............................. - 40 015 + 285 942
Variação total .............. + 246 761
(a) No que se refere ao crédito agrícola não inclui arrematações.
A contracção mais significativa verificou-se nas operações com o sector corporativo e de coordenação económica, em grande parte determinada pela amortização do empréstimo de 220 milhares de contos à Federação Nacional de Produtores de Trigo, autorizado pelo Decreto-Lei n.º 43 831, de 29 de Julho de 1961, com o objectivo de atenuar as dificuldades com que depararam os produtores de trigo, em consequência da escassez das colheitas. Saliente-se, contudo, que as operações de financiamento com idêntica finalidade, autorizadas pelo Decreto-Lei n.º 44 570, de 12 de Setembro .último, deverão vir a compensar o decréscimo registado neste grupo de operações.
Importa, ainda, mencionar que parte substancial do crédito distribuído pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, no decurso dos dois primeiros quadrimestres deste ano, foi afectada ao financiamento de empreendimentos abrangidos no II Plano de Fomento. De facto, o valor global dos empréstimos contratados e outros financiamentos referentes a empreendimentos englobados no II Plano elevou-se, no período considerado, a 626143 contos - contra 182 495 contos em igual período do ano anterior.
Contudo, para além do crédito distribuído, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência desempenhou papel relevante no mercado financeiro, através da tomada de títulos. Com efeito, aquela instituição subscreveu nos oito primeiros meses deste ano cerca de 181 200 contos de títulos, dos quais 150 milhares de contos em títulos da dívida pública, o que representa acréscimo de cerca de 31 por cento em relação a igual período de 1961.
35. Por seu turno, no 1.º semestre de 1962, o Banco de Fomento Nacional aprovou operações de financiamento e garantia num total de 682 800 contos. De entre estas operações destacam-se os empréstimos directos e as participações financeiras, que absorveram cerca de 64 e 17 por cento, respectivamente, daquele montante.
No volume global dos empréstimos directos aprovados, cerca de 118 900 contos respeitaram a pedidos de financiamento do ultramar, destinando-se 89 645 contos à província de Angola e o restante a Moçambique.
No período em análise, o volume das operações realizadas pelo Banco atingiu 427 686 contos, o que traduz contracção de cerca de 22 por cento em relação às efectuadas no correspondente período de 1961.
O total dos empréstimos directos realizados repartiu-se pela metrópole - 42 operações, no valor de 114 378 contos - e pelo ultramar - 32 operações, num total de 96 966 contos -, com a seguinte distribuição sectorial:
QUADRO VII
Empréstimos directos realizados
(Milhares de escudos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui a pesca.
(b) Inclui o financiamento de autarquias locais, da construção civil e da construção de habitações e instalações comerciais (crédito predial).
Fonte: Banco de Fomento Nacional.
No que se refere a participações financeiras, o Banco despendeu 114 890 contos na aquisição de acções e obrigações de empresas do continente e ultramar.
Realizaram-se ainda operações diversas, no valor de 89 294 contos, dos quais 76.900 contos em operações na metrópole e o restante no ultramar.
Por último, o valor global das garantias concedidas ascendeu a 12 158 contos. Saliente-se, todavia, que mais de 50 por cento deste total provém de operações aprovadas no ano anterior.
36. A acção exercida pelo Estado e pelas instituições de crédito anteriormente referidas permitiu assegurar, no ano em curso, o volume de financiamentos necessário aos empreendimentos de maior interesse para o desenvolvimento económico nacional.
Aliás, os elementos disponíveis sobre a realização do II Plano de Fomento nos primeiros meses de 1962 vêm confirmar que, do ponto de vista financeiro, não se verificaram perturbações sérias na sua execução.
37. Depois de introduzidos os ajustamentos julgados convenientes, o volume de financiamentos programados para 1962 no âmbito do II Plano de Fomento atinge montante superior a 4855 milhares de contos.
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Nos seis primeiros meses do ano, efectuaram-se financiamentos no valor de cerca de 1489 milhares de contos, o que corresponde a 31 por cento da previsão corrigida.
Esta percentagem de realização é sensivelmente idêntica à verificada nos períodos homólogos precedentes. Acresce
que a experiência adquirida em anteriores programas revela aceleração da cadência de execução nos últimos meses do ano. Nestes termos, parece legítimo esperar que o programa estabelecido para 1962 venha a ser cumprido na sua quase totalidade.
QUADRO VIII
II Plano de Fomento (metrópole) (a)
l.º semestre de 1962
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Elementos fornecidos pela Inspecção Superior do Plano de Fomento.
Como pode verificar-se pelo quadro precedente, sómente os financiamentos efectuados nos sectores da «Pesca, indústrias extractivas e transformadoras» e «Transportes e comunicações» são inferiores a 30 por cento das respectivas previsões.
No sector da «Agricultura, silvicultura e pecuária» os financiamentos atingiram cerca de 31 por cento da correspondente previsão. Saliente-se, contudo, que os financiamentos relativos aos empreendimentos em «Reorganização agrária» e «Melhoramentos agrícolas» representaram cerca de 50 por cento das dotações previstas, enquanto os financiamentos para «Abastecimento de água das populações rurais» se elevaram a 77 por cento.
Ao ritmo relativamente lento de execução no sector da «Pesca, indústrias extractivas e transformadoras» que o quadro anterior evidencia não foi alheio o facto de, nos financiamentos referentes às indústrias-base, se dispor apenas de elementos sobre os efectuados por uma unidade empresarial. Com efeito, nos restantes grupos de empreendimentos registou-se ritmo de execução consideravelmente superior.
Por seu turno, no sector da «Electricidade» realizaram-se cerca de 38 por cento dos financiamentos previstos, apesar de não se ter efectivado qualquer dos financiamentos programados em «Transporte de energia».
No que se refere ao sector dos «Transportes e comunicações» deve assinalar-se que a percentagem dos investimentos em relação às previsões foi consideravelmente afectada pelo atraso na execução da ponte sobre o Tejo, parecendo possível que este atraso venha, no entanto, a ser recuperado até final do ano. Saliente-se ainda que os financiamentos de empreendimentos englobados nos «Transportes marítimos» ultrapassaram já a respectiva previsão.
Finalmente, na «Investigação e ensino técnico», cuja execução atingiu quase 34 por cento do montante estimado, deve mencionar-se que os financiamentos relativos às «Escolas técnicas» se elevam a cerca de 39 por cento da dotação planeada.
Por outro lado, as verbas efectivamente despendidas representaram 31 por cento da previsão. Merece, no entanto, especial referência o facto de as importâncias gastas no sector da «Pesca, indústrias extractivas e transformadoras» terem excedido significativamente os montantes financiados, em consequência da recuperação de atrasos verificados em programas anteriores.
38. O recurso às diferentes fontes de financiamento tem-se processado, em 1962, de forma acentuadamente diferente da prevista. Na verdade, o volume dos financiamentos a cargo das fontes públicas 1 efectivamente realizados, no 1.º semestre do corrente ano, representa cerca de 63 por cento do total financiado - sensivelmente superior ao inicialmente previsto, 41 por cento.
QUADRO IX
II Plano de Fomento. Programa de 1962
Execução de 1 de Janeiro a 30 de Junho
(por fontes de financiamento)
[Ver Tabela na Imagem]
1 Consideram-se fontes públicas de financiamento: Orçamento Geral do Estado, Fundo de Fomento de Exportação, Fundo de Desemprego, fundos especiais, autarquias locais, instituições de previdência, Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e autofinanciamento público.
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39. Assinale-se, no entanto, que o montante dos investimentos programados no âmbito do II Plano de Fomento representa apenas parte, ainda que significativa, da formação bruta do capital fixo na metrópole.
A participação, na formação de capital, dos investimentos realizados no quadro do II Plano de Fomento, nos dois primeiros anos da sua execução, elevou-se a mais
de 28 por cento. Em 1961 esta participação atingiu cerca de 23 por cento e, no corrente ano, os elementos disponíveis indicam que a referida participação se situará próximo de 32 por cento.
Como o quadro seguinte evidencia, a execução do II Plano de Fomento tem exercido influência preponderante no aumento da formação bruta de capital fixo.
QUADRO X
Participação da formação bruta de capital fixo no produto nacional bruto
(Preços de 1954)
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Primeiro ano para o qual se conhecem elementos estatísticos sobre a formação bruta de capital fixo (V. «O Rendimento Nacional Português», Estudos, n.º 34, Instituto Nacional de Estatística).
(b) Valores corrigidos.
(c) Primeiras estimativas.
Ultramar
40. Para além do esforço financeiro efectuado para ocorrer às necessidades do desenvolvimento económico do continente, a metrópole fornece ainda importante parcela dos capitais requeridos pelos processos de desenvolvimento das províncias ultramarinas.
O fluxo de capitais da metrópole para as províncias ultramarinas é constituído não só por capitais privados, mas também, e em larga medida, por donativos e empréstimos do sector público.
Os empréstimos concedidos pelo Tesouro metropolitano destinam-se, quase exclusivamente, a empreendimentos de infra-estrutura englobados no II Plano de Fomento que, pela sua baixa ou mesmo nula reprodutividade imediata, não são susceptíveis de atrair os capitais privados. Daí que a sua concessão se faça normalmente em condições favoráveis de juro (3 a 4 por cento) e amortização (prazos superiores a vinte anos), por forma a que o serviço destes empréstimos não constitua pesado encargo para as províncias ultramarinas que deles beneficiam.
Nos dois últimos anos a assistência financeira prestada às províncias ultramarinas através do Tesouro ascendeu a cerca de 1470 milhares de contos, representando as dotações destinadas às províncias de Angola e Moçambique cerca de 70 por cento daquele valor global.
Nos dez primeiros meses de 1962 os compromissos de auxílio de natureza financeira elevam-se a 1908 milhares de contos, distribuídos da seguinte forma:
Angola:
a) Empréstimo de 150 milhares de contos, proveniente da emissão de promissórias de fomento nacional;
b) Empréstimo de 300 milhares de contos, através do Banco de Angola, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 429, de 29 de Junho de 1962;
c) Empréstimo de 50 milhares de contos, proveniente de disponibilidades do Tesouro metropolitano;
d) Prestação de aval a operações de crédito externo da província no montante de cerca de 500 milhares de contos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 43 710, de 24 de Maio de 1961.
Moçambique:
a) Empréstimo de 100 milhares de contos, proveniente de disponibilidades do caminho de ferro da Beira;
b) Empréstimo de 200 milhares de contos, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 275, de 10 de Abril de 1962;
c) Empréstimo de 500 milhares de contos, através do Banco Nacional Ultramarino, de harmonia com o Decreto-Lei n.º 44 513, de 17 de Agosto de 1962.
Cabo Verde:
Empréstimos, no montante de 48 166 contos, concedidos nos termos do Decreto-Lei n.º 42 479, de 31 de Agosto de 1959, vencendo o juro de 3 por cento e amortizáveis em 24 anuidades, a primeira das quais terá lugar em 31 de Dezembro de 1965.
Timor:
Empréstimos de 27 667 contos, concedidos de acordo com o diploma precedente. Estes empréstimos são gratuitos e as suas condições de amortização serão fixadas apenas em 1965, de harmonia com a situação económica e financeira da província.
S. Tomé e Príncipe:
Empréstimos no valor de 23 850 contos, vencendo o juro de 4 por cento e com um prazo de amortização de 24 anos.
Guiné:
Empréstimo de 7 milhares de contos, à taxa de 4 por cento e amortizável em vinte anos.
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Macau:
Donativos, no valor global de 890 contos.
Todavia, na medida em que as infra-estruturas se vão completando e se criam condições para a instalação de unidades de produção, as províncias necessitam, de forma crescente, de assistência financeira para os diversos sectores da actividade produtiva.
Este apoio é assegurado, nomeadamente, pelo Banco de Fomento Nacional, que, nos dois primeiros anos de funcionamento, emprestou ao ultramar cerca de 750 milhares de contos e, no 1.º semestre de 1962, concedeu elevado volume de empréstimos às províncias de Angola e Moçambique, como anteriormente se referiu.
Embora destinados a empreendimentos directamente reprodutivos, os empréstimos do Banco de Fomento Nacional - a médio e longo prazo - são concedidos em condições de juro sensivelmente mais favoráveis que as normalmente vigentes nas regiões beneficiárias. Na verdade, as taxas de juro estabelecidas pelo Banco para estas operações, determinadas segundo a reprodutividade do empreendimento em causa, situam-se à volta de 5 por cento.
2. Ultramar - Evolução geral da conjuntura
2.1. Angola
41. Embora afectada por condições climáticas adversas, parecem favoráveis as perspectivas da produção agrícola angolana no corrente ano.
De facto, pré vê-se que a presente colheita de algodão permita obter cerca de 22 000 t, o que representa um acréscimo de 69 por cento em relação à produção registada na campanha precedente. Em virtude do crescente interesse que esta cultura tem merecido, tanto da parte dos agricultores autóctones como europeus, parece legítimo esperar incremento do volume de algodão produzido na província em futuro próximo.
Do mesmo modo, a produção de café estimada para 1962 excede 200 000 t, quantidade consideravelmente superior à do ano transacto. Julga-se igualmente provável que o aumento da produção de café se acentue nos próximos anos, uma vez que, por acção do Instituto do Café, se têm vindo a alargar as áreas cultivadas, existindo actualmente milhares de hectares de cafezais que não atingiram ainda pleno rendimento.
A produção mais afectada pela excessiva pluviosidade registada na província no ano em curso parece ter sido a do milho, que, no entanto, não deve apresentar decréscimo sensível em relação à colheita anterior.
42. De harmonia com os elementos actualmente disponíveis, parece possível prever que a contínua expansão da indústria angolana prossiga no decurso deste ano.
Com efeito, no que se refere às indústrias extractivas, verificou-se um acréscimo na produção de petróleo no 1.º trimestre de 1962, quase quíntuplo do observado no mesmo período do ano anterior, o que permitiu não só o integral abastecimento da refinaria de Luanda mas, ainda, a realização de avultadas exportações.
Igualmente, as extracções de minérios de ferro e manganês, de rocha asfáltica e de sal têm registado acréscimos sensíveis, esperando-se que a entrada em funcionamento do caminho de ferro de Cuíma a Vila Kobert Williams dê lugar, no próximo ano, a uma exportação de minério de ferro superior a um milhão de toneladas, o que determinará uma quase duplicação do actual
volume exportado. Contudo, têm-se verificado decréscimos na extracção de alguns minérios, nomeadamente de cobre.
43. Embora, nos três primeiros meses do ano em curso, o volume de pesca desembarcada registe significativo acréscimo em relação a igual período de 1961, a indústria de transformação de pescado não parece ter-se libertado ainda, excepto no que se refere ao sector das conservas, da crise que há alguns anos a vem afectando. No entanto, as cotações de farinha de peixe têm experimentado nítida melhoria nos últimos meses, em consequência de acordos internacionais recentemente realizados.
Dos restantes sectores da indústria transformadora importa destacar, pela expansão particularmente nítida da respectiva produção no decurso de 1962, os tecidos, derivados de petróleo, bebidas (sobretudo cerveja), cimento, celulose e pasta de papel. Assinale-se, ainda, que se encontram em execução ou projectados- vários empreendimentos nos sectores do abate e conservação de carnes, fabricação de pneus e câmaras-de-ar, montagem de tractores, camiões e jeeps, o que torna possível prever considerável acréscimo da actividade industrial da província nos próximos anos.
Finalmente, a actividade no sector da construção civil, que sofreu sensível contracção em 1961 em virtude dos acontecimentos ocorridos no Norte da província, parece estar praticamente normalizada, sobretudo em Luanda. Deve, ainda, referir-se que para a resolução do problema habitacional das classes economicamente débeis, particularmente agudo em Luanda, estão projectadas importantes realizações no domínio da construção.
44. A balança comercial de Angola apresentou, no 1.º semestre do ano, um saldo negativo de 134 milhares de contos, enquanto em igual período de 1961 evidenciara um saldo positivo de 450 milhares de contos. Este agravamento da balança comercial angolana ficou a dever-se não só ao aumento de cerca de 30 por cento do valor das importações, mas também ao decréscimo de quase 10 por cento registado nas exportações - em parte resultante da diminuição do preço médio da tonelada exportada.
O acréscimo acusado pelas importações foi, fundamentalmente, determinado pelo aumento das aquisições de veículos, respectivas peças e pneus, geradores, conversores e motores, receptores de radiodifusão, vinhos, tecidos e calçado. Por seu turno, para a contracção das exportações contribuíram, em especial, os diamantes, a farinha de peixe, o peixe seco e o café. Note-se que esta contracção da exportação deve atribuir-se, para alguns dos produtos considerados, a dificuldades temporárias de escoamento, e não a decréscimos da produção.
Em consequência da evolução registada no 1.º semestre de 1962, parece provável que se registe acentuado decréscimo no saldo da balança comercial angolana, no ano em curso, em relação ao elevado nível alcançado em 1961 (+600000 contos). Este facto confirma, em certa medida, o carácter acidental do saldo obtido no último ano, em parte determinado pelo retardamento de exportações que se deveriam ter realizado em 1960.
2.2. Moçambique
45. A contínua expansão da produção agrícola da província observada no decurso dos últimos anos não experimentou, segundo se pensa, alteração sensível na campanha de 1961-1962.
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Para o aumento estimado da produção relativa à última campanha agrícola parece terem contribuído, em especial, as colheitas de copra, chá e sisal. Inversamente, as produções de castanha de caju e algodão registaram decréscimo em relação à campanha anterior.
46. A indústria extractiva continua a evoluir lentamente, mantendo-se a extracção de carvão como principal produção deste sector. Nos cinco primeiros meses de 1962 a quantidade de carvão exportado foi superior em cerca de 3 por cento à de igual período de 1961.
A actividade na indústria transformadora parece ter-se mantido praticamente estacionária no decurso de 1962. Este comportamento contrasta profundamente com o verificado no ano anterior, em que se registou incremento da produção superior a 20 por cento.
As produções de cimento e fibrocimento registaram, nos quatro primeiros meses de 1962, sensível contracção, em virtude, nomeadamente, da considerável quebra verificada na construção civil.
Contudo, a concretização de alguns dos empreendimentos cuja realização foi recentemente anunciada - entre os quais se destacam os de descasque da castanha de caju e produção de açúcar, aproveitamento da fibra de coco e produção de celulose e pasta para papel - poderá concorrer, decisivamente, para que se acelere o processo de crescimento da indústria transformadora da província.
47. A expansão do sector terciário da economia moçambicana, em que os transportes ferroviários e o movimento portuário desempenham papel preponderante, continua a processar-se a ritmo acelerado.
Com efeito, em comparação com igual período do ano anterior, o tráfego portuário aumentou, no 1.º semestre de 1962, cerca de 15 por cento - acréscimo idêntico ao verificado no decurso de 1961.
O movimento dos caminhos de ferro e camionagem do Estado- registou, nos três primeiros meses do ano corrente, expansão de cerca de 20 por cento em relação ao período homólogo de 1961.
48. De harmonia com a tendência observada no último ano, o saldo negativo da balança comercial de Moçambique, no período de Janeiro a Abril de 1962, foi inferior em cerca de 23 milhares de contos ao verificado em igual período do ano anterior.
Esta melhoria do saldo da balança comercial deve-se ao facto de a contracção das importações ter sido superior ao decréscimo experimentado pelas exportações. Para esta evolução do valor exportado contribuiu, decisivamente, a quebra registada nas exportações de castanha de caju, algodão e açúcar.
2.3. Outras províncias
49. Cabo Verde. - À semelhança do que se tem verificado em anos anteriores, o último ano agrícola da província foi dominado pela seca, que afectou profundamente a produção do arquipélago. Assim, prevê-se que as vendas de bananas à metrópole, que em 1961 tinham experimentado contracção, diminuam ainda no ano em curso.
A produção de sal não experimentou alteração significativa no ano em curso. As actividades que trabalham para satisfação da procura interna - nomeadamente a produção de tabaco - têm registado melhoria.
Ainda, a efectivação dos importantes investimentos planeados na indústria da pesca e seus derivados - cujo produto aumentou, em 1961, cerca de 80 por cento - deverá determinar considerável acréscimo do ritmo de desenvolvimento económico da província.
50. Guiné. - Os elementos disponíveis são por demais escassos para permitirem ajuizar da evolução económica da província no decurso de 1962. Parece, no entanto, ter-se mantido o comportamento favorável evidenciado no último ano, por alguns sectores da produção.
Por outro lado, o aumento registado na importação não parece ser de molde a criar dificuldades de ordem cambial.
51. S. Tomé e Príncipe. - Apesar da crescente escassez de mão-de-obra, não foram afectadas as principais produções da província. Pelo contrário, em virtude dos investimentos feitos com o objectivo de elevar a produtividade das explorações agrícolas, a produção - nomeadamente de cacau - tem aumentado.
Contudo, as cotações internacionais do cacau e das oleaginosas têm mostrado tendência para a baixa, o que se reflectiu desfavoravelmente na balança comercial da província.
52. Macau. - De acordo com os elementos actualmente disponíveis, não sofreu alteração, no decurso de 1962, a tendência expansionista da produção industrial da província registada nos últimos anos. As indústrias ligadas à pesca, que em anos anteriores registaram comportamento pouco favorável, parece terem recentemente experimentado nítida melhoria.
O melhor dimensionamento projectado das empresas industriais, nomeadamente no sector das indústrias têxteis, deverá contribuir, aliás, para acentuar a tendência de crescimento evidenciada pelo sector secundário da província.
Nos cinco primeiros meses de 1962, o saldo negativo da balança comercial de Macau agravou-se ligeiramente em relação a igual período de 1961, porquanto as importações acusaram uma expansão mais acentuada que as exportações.
Todavia, pensa-se que os deficits comerciais não virão a criar dificuldades cambiais, uma vez que Macau dispõe de outras fontes consideráveis de divisas. Acresce que a execução do vasto plano de desenvolvimento do turismo, recentemente anunciado, deverá certamente concorrer para elevar significativamente as disponibilidades de divisas da província.
53. Timor. - Os elementos de que se dispõe sobre a actividade económica da província não permitem a apreciação do seu comportamento em 1962.
Apenas se pode referir, no que diz respeito a perspectivas, que se espera que a exploração dos recursos mineiros da província venha a ter considerável efeito sobre o saldo da sua balança comercial. Neste aspecto, depositam-se as maiores esperanças na extracção de minério de manganês, para o qual se dispõe do mercado japonês, que oferece favoráveis condições.
3. Unificação económica portuguesa
54. Como se referiu no relatório da anterior proposta da Lei de Meios, foi publicado, em 8 de Novembro de 1961 o Decreto-Lei n.º 44 016, que contém um conjunto de importantes disposições visando -a realização de fase decisiva do processo de unificação económica portuguesa. Com esta finalidade, o referido diploma estabelece os princípios a que deverá obedecer a eliminação dos obstáculos
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às trocas de mercadorias, força de trabalho e capitais entre as diferentes parcelas de território nacional que constituem a Nação Portuguesa.
Assim, as transacções de mercadorias nacionais no espaço económico português serão isentas de direitos aduaneiros no prazo máximo de dez anos, embora se admita, em determinados casos, que este prazo atinja doze anos.
A eliminação de direitos aduaneiros cobrados no território metropolitano sobre as mercadorias de origem nacional transaccionadas com as províncias ultramarinas efectua-se de acordo com o seguinte calendário:
Na importação:
Em 1 de Julho de 1962 - todas as mercadorias cujo valor global das transacções em 1960 tenha sido inferior a 50 000$.
Em 1 de Janeiro de 1963 - 50 por cento do valor global das aquisições em 1960.
Em 1 de Janeiro de 1964 - totalidade das importações.
Na exportação:
Em 1 de Julho de 1963 - totalidade das exportacões.
A eliminação das barreiras aduaneiras nas províncias ultramarinas processar-se-á num período mais lato do que o estabelecido para a metrópole, uma vez que não parece aconselhável, dado o estádio de desenvolvimento económico da generalidade das províncias ultramarinas, efectuar tão rápida eliminação da protecção aduaneira.
Contudo, os direitos aduaneiros, cobrados no comércio entre territórios nacionais, que ainda subsistam em 1 de Janeiro de 1967, serão objecto de eliminações ou reduções, segundo um plano a fixar pelo Governo antes dessa data.
No que se refere a restrições quantitativas, o Decreto-Lei n.º 44 016 estabelece a sua total eliminação a partir de 30 de Julho último, salvo casos muito especiais em que a manutenção de tais restrições se encontre plenamente justificada.
O referido diploma prevê, ainda, a instituição de um sistema de pagamentos que permita a liquidação das transacções correntes e dos movimentos de capitais e contribua, ainda, para a progressiva liberalização destas operações. Este sistema comportará, nomeadamente, a criação de um Fundo Monetário da Zona do Escudo, cujo agente será o Banco de Portugal.
Com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.º 44 016, foi publicado em 30 de Dezembro de 1961 o Decreto-Lei n.º 44 139, contendo a lista das mercadorias que a partir de 1 de Julho do corrente ano beneficiariam de isenção de direitos de importação na metrópole. Na mesma data foram estabelecidas as listas das mercadorias de origem nacional que, nas províncias ultramarinas, passariam a estar isentas de direitos de importação e exportação a partir de 1 de Julho do ano em curso.
Todavia, tendo-se reconhecido a necessidade de conceder aos serviços públicos e actividades privadas espaço de tempo mais lato para estudo e adaptação aos novos condicionalismos da economia nacional, o início do processo de unificação económica nacional foi diferido para 15 de Agosto último.
De facto, teve lugar nesta data a primeira fase do processo de eliminação das barreiras aduaneiras entre as diferentes parcelas do território nacional.
Pelo Decreto-Lei n.º 44 507, de 14 de Agosto, foram abolidas as restrições quantitativas ao comércio de mercadorias que obedeçam aos requisitos de que depende a sua qualificação como mercadorias de origem nacional. Foram, no entanto, transitoriamente mantidas as restrições à importação que constam da lista anexa a este diploma, e que se destinam a permitir a adaptação e reorganização de determinadas produções por forma a suportar a concorrência de produções nacionais similares. Admite-se ainda, mas com a maior prudência, a introdução excepcional e temporária de restrições quantitativas, em virtude de dificuldades ocasionais da balança de pagamentos de qualquer das parcelas do território nacional. Pré vê-se, contudo, que em virtude do sistema de pagamentos a instituir estas situações possam vir a ser em parte atenuadas, não afectando, portanto, de forma significativa, o bom funcionamento . do mercado interno.
Ainda em 14 de Agosto último, foi publicado o Decreto-Lei n.º 44 508, que fixa as mercadorias que, a partir de 1 de Janeiro de 1963, passarão a gozar de isenção de direitos de importação na metrópole quando provenientes das províncias ultramarinas e a que possa ser conferida a origem nacional. De acordo com o disposto neste diploma, ultrapassa-se largamente o limite da isenção aduaneira estabelecida no Decreto-Lei n.º 44 016 (50 por cento), uma vez que o nível médio de liberalização de que o ultramar beneficiará, a partir do início do próximo ano, se situa em cerca de 69 por cento.
Contudo, como expressamente se referiu no Decreto-Lei n.º 44 016, o processo de integração agora iniciado não visa apenas os aspectos comerciais, mas antes tem por finalidade a criação de uma economia nacional no espaço português, em que os aspectos monetário-cambiais desempenham papel de relevante importância.
Neste sentido, em 31 de Agosto do ano em curso, foi aprovado pelo Conselho de Ministros um conjunto de seis diplomas cujos objectivos imediatos e primaciais são, por um lado, a uniformização, tão completa quanto possível, do regime regulador dos mercados de câmbios dos diversos territórios nacionais e a definição das regras das operações de pagamentos interterritoriais e, por outro, assegurar a intertransferibilidade das várias formas monetárias por que o escudo-padrão se representa.
Seguir-se-á, em tempo oportuno, a promulgação dos decretos relativos às operações de capitais privados entre os territórios nacionais e entre as províncias ultramarinas e o estrangeiro, de harmonia com o disposto nas normas vigentes no continente e ilhas adjacentes. Serão também publicados os princípios reguladores e instruções de ordem técnica indispensáveis à execução dos regimes instituídos, bem como as listas das operações de invisíveis correntes e de capitais, tanto entre os territórios nacionais como entre eles e o estrangeiro, que desde já poderão ser liberalizadas. Entretanto, proceder-se-á à necessária revisão dos contratos celebrados entre o Estado e os bancos emissores, por forma a acordar com estes a forma de dar perfeita execução ao regime referido e, bem assim, à celebração de um contrato especial com o Banco de Portugal para regular a sua intervenção como agente do sistema e do fundo monetário da zona do escudo.
Procura-se, assim, dar efectiva unidade prática à zona monetária do escudo, estabelecendo, nomeadamente, uma articulação estreita, mas flexível, do sistema bancário nacional com o de instituições de natureza específica. Ter-se-á sempre em atenção os princípios de manutenção da estabilidade financeira interna e solvabilidade externa do escudo, sem que, contudo, se esqueça, como última finalidade, o apoio aos processos de desenvolvimento e unificação económica nacional em curso.
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Aliás, tendo presente este objectivo, o Governo julgou conveniente programar a sua acção em alguns dos sectores mais preponderantes no desenvolvimento global da economia portuguesa, com especial incidência no que se refere à aceleração do ritmo de crescimento das regiões subdesenvolvidas.
Neste sentido, foi promulgado, em 27 de Outubro último, o Decreto-Lei n.º 44652, que estabelece medidas de política económica tendentes à prossecução das finalidades anteriormente referidas.
Em matéria de desenvolvimento económico e planos de fomento, o diploma em causa prevê que o Estado preste o maior apoio possível à iniciativa privada, orientando-a, completando-a ou, mesmo, suprindo-a, quando os interesses superiores e gerais da Nação assim o exigirem. Assim, para a realização de empreendimentos declarados de reconhecido interesse para a economia nacional e em relação aos quais a iniciativa privada se mostre insuficiente ou hesitante, o Estado poderá promover a constituição de empresas de economia mista.
Ainda, no sentido de incentivar o aforro privado e orientá-lo para o investimento mais conveniente ao processo de desenvolvimento económico nacional, assegurando a concretização dos programas das empresas que ofereçam particular interesse para o referido processo, poder-se-ão celebrar contratos entre a Administração e essas empresas nos quais se estabeleçam as condições de prestação, pelo Estado, de auxílio financeiro, de aval e operações de crédito, de isenções ou reduções fiscais e de assistência técnica.
Tendo em conta as alterações verificadas na situação político-económica do País e considerando, muito especialmente, os problemas decorrentes do processo de integração económica, o Governo determinará até 31 de Março de 1963 as revisões aconselháveis no II Plano de Fomento. Estabelecem-se, ainda, no referido diploma, as regras a que deve obedecer a elaboração dos futuros Planos de Fomento e, eventualmente, de um plano de transição entre o Plano actualmente em curso e o que se lhe seguirá no encadeamento de uma política de desenvolvimento económico a longo prazo.
No que se refere ao ordenamento agrícola e condicionamento industrial, o diploma em análise prevê a revisão, até 30 de Junho de 1963, dos sistemas instituídos, tanto na metrópole como no ultramar. Esta revisão visará a simplicação e unificação dos sistemas vigentes, tendo em conta os novos condicionalismos da economia nacional.
Por outro lado, de acordo com o citado diploma, ficam sujeitas a prévio parecer favorável do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos as emissões de títulos privados, cujo valor anual exceda 10 milhões de escudos, e a constituição de empresas, cujo capital social seja superior a 50 milhões de escudos. Prevê-se, também, a reorganização do sistema de crédito e da estrutura bancária das províncias ultramarinas e a criação de bolsas de fundos nas cidades de Luanda e Lourenço Marques, e, posteriormente, nas cidades ultramarinas que o justificarem.
Ainda, no Decreto-Lei n.º 44652, enunciam-se os princípios orientadores da assistência técnica do Estado aos sectores da produção, por forma a acelerar, tanto quanto possível, o ritmo de desenvolvimento económico nacional.
Finalmente, com o. objectivo de assegurar uma perfeita adaptação da estrutura dos quadros técnicos e administrativos ao novo condicionalismo económico, o diploma estabelece que, até 31 de Dezembro de 1963, será promulgado o estatuto profissional da mão-de-obra e o da função pública, prevendo também a fusão num só «Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos» dos actuais Conselho de Ministros para o Comércio Externo e Conselho Económico. O novo Conselho desempenhará as funções de órgão de definição e de coordenação da política económica nacional, no seu sentido mais lato. E também criado o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, junto do qual funcionará a Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica, que, nomeadamente, assegurará a efectiva colaboração da iniciativa privada na formulação da política económica.
55. Mas os imperativos de aceleração do desenvolvimento harmónico do todo nacional não são apenas impostos pelo processo de unificação económica.
Portugal, como os restantes membros da Associação Europeia de Comércio Livre, solicitou, no decurso do ano corrente, a abertura de negociações com a Comunidade Económica Europeia. Todavia, para que a participação de Portugal no movimento de integração económica da Europa Ocidental se efectue sem o aparecimento de tensões excessivas, torna-se indispensável que o desenvolvimento económico nacional se processe de forma tão acelerada quanto possível.
Note-se, porém, que as exigências impostas ao País pela sua participação no referido movimento se conciliam com as finalidades que Portugal a si mesmo se impôs: o desenvolvimento acelerado e harmónico das diferentes parcelas do território nacional.
III
A proposta de lei de autorização para 1963
Introdução
56. Os elementos anteriormente apresentados sobre a evolução da actividade económica nacional tiveram como principal objectivo evidenciar as tendências recentemente reveladas pela economia portuguesa por forma a inferir o seu comportamento provável- em 1963, ano em que irá executar-se a proposta de lei de autorização das receitas e das despesas a que o presente relatório respeita. No entanto, e porque se está perante o diploma a que deverá subordinar-se a elaboração do plano orçamental para o próximo ano, julga-se conveniente referir, em termos gerais, a forma como paralelamente se desenvolveu a actividade financeira do Estado, para que se torne possível apreender o conjunto de factores que condiciona e determina o diploma em causa.
57. O produto interno bruto e a formação bruta de capital fixo tiveram, em 1961, comportamento particularmente favorável, apesar dos efeitos adversos dos resultados obtidos nas relações económicas externas e da quase estagnação do valor acrescentado pela agricultura. Com efeito, o produto interno bruto registou elevado acréscimo - 7 por cento -, em consequência, fundamentalmente, da expansão do produto industrial e dos serviços. Por seu turno, esta evolução da actividade económica - pelas suas repercussões sobre a matéria colectável -, a que se aliaram as medidas fiscais adoptadas em 30 de Junho de 1961, a severa disciplina imposta nos gastos públicos e a solidez do crédito do Estado, tornou possível fazer face às superiores necessidades de defesa nacional e à realização de avultadas despesas de investimento, sem que fosse afectado o equilíbrio financeiro do Estado.
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Em 1962, tanto quanto pode depreender-se dos elementos actualmente disponíveis sobre a evolução da economia portuguesa, deverá registar-se abrandamento da respectiva taxa de acréscimo. Paralelamente, prevê-se que a expansão da actividade financeira do Estado venha a processar-se a ritmo inferior, em virtude, nomeadamente, do crescimento menos acentuado das despesas de defesa.
58. No período financeiro a que a presente proposta de lei respeita, parece legítimo esperar sensível incremento da actividade financeira. Com efeito, o acréscimo da receita ordinária, que neste momento se antolha, devido fundamentalmente à natural expansão da matéria colectável e à entrada em vigor da reforma dos impostos directos, conjugado com o elevado montante de empréstimos contraídos, tornará possível ocorrer à cobertura das despesas impostas pela defesa da população e da integridade nacional e, ainda, a uma maior participação do Estado no financiamento do desenvolvimento económico.
Autorização geral
59. Embora se não reconheça necessidade de justificar os dois primeiros artigos da presente proposta de lei, dado o seu conteúdo genérico e identidade com os preceitos correspondentes insertos nas leis de meios anteriores, parece conveniente referir, ainda que em termos gerais, a evolução da actividade financeira do Estado no ano precedente e nos oito primeiros meses de 1962.
60. Em 1961, o crescimento das receitas ordinárias processou-se à taxa de 12,7 por cento, sensivelmente superior às registadas nos últimos períodos financeiros. Este comportamento das receitas ordinárias deve, fundamentalmente, imputar-se à elevada expansão do produto nacional bruto (7 por cento) - que esteve na origem do aumento da matéria colectável - e, ainda, às providências fiscais adoptadas em 30 de Junho do ano transacto, de que resultou um acréscimo de receita de cerca de 400 milhares de contos.
QUADRO XI
Receitas orçamentais do Estado cobradas no triénio 1959-1961
[Ver Tabela na Imagem]
61. Como pode verificar-se pelo quadro anterior, para o incremento de 1 221 900 contos das receitas ordinárias, em 1961, concorreu principalmente o crescimento nos «Impostos indirectos» -16,4 por cento-, a que devem atribuir-se cerca de 50 por cento do acréscimo total.
Assim, e de harmonia, aliás, com a tendência evidenciada a partir de 1958, acentuou-se a importância relativa dos «Impostos indirectos» no conjunto das receitas ordinárias, em detrimento dos «Impostos directos gerais», cuja expansão se processou a ritmo inferior - 7,7 por cento.
Embora se tenha verificado, igualmente, acréscimo nos restantes capítulos da receita ordinária (excepto nas receitas englobadas em «Reembolsos e reposições»), merecem especial referência os aumentos particularmente nítidos dos réditos provenientes de «Indústrias em regime tributário especial» e do «Domínio privado, empresas e indústrias do Estado» -22,9 e 38,2 por cento, respectivamente -, o que elevou a sua participação no total das receitas.
O incremento na cobrança dos impostos englobados em «Indústrias em regime tributário especial», em 1961, mais do que triplo do verificado no ano anterior, ficou a dever-se, em grande parte, às medidas fiscais promulgadas em 30
de Junho daquele ano - nomeadamente pelas suas repercussões sobre as receitas do imposto de fabrico de tabacos e do imposto de fabricação e consumo de cerveja. Por outro lado, na percepção dos rendimentos provenientes do «Domínio privado, empresas e indústrias do Estado - Participação de lucros», cujo montante ascendeu a 711 200 contos, teve influência determinante a expansão das receitas provenientes dos saldos de exploração do caminho de ferro da Beira, de serviços florestais e Aquícolas e, ainda, de amortizações de títulos de crédito na posse da Fazenda, relativas aos empréstimos de renovação da marinha mercante e de apetrechamento da indústria da pesca.
62. Pela sua importância no conjunto das receitas ordinárias, julgou-se conveniente discriminar no quadro XII, que a seguir se insere, os principais impostos agrupados no primeiro capítulo da receita ordinária.
No período financeiro transacto, o montante das receitas originadas em «Impostos directos gerais» atingiu 3 294 700 contos, o que traduz crescimento a ritmo mais acelerado do que o verificado em 1960, ainda que inferior ao do total da receita.
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QUADRO XII
Receitas orçamentais do Estado cobradas em 1959-1961
[Ver Tabela na Imagem]
Este comportamento foi devido, fundamentalmente, ao aumento das receitas arrecadadas através do imposto complementar, sisa e imposto sobre a aplicação de capitais, a que devem imputar-se cerca de 72 por cento do incremento de 235 200 contos nos «Impostos directos gerais».
Para esta evolução da cobrança do imposto complementar e de sisa contribuíram não apenas a expansão da matéria colectável, mas também, e de forma sensível, os efeitos sobre os rendimentos arrecadados, no 2.º semestre, da aplicação dos adicionais criados pelo Decreto-Lei n.º 43 763, de 30 de Junho de 1961.
Por seu turno, o acréscimo da receita do imposto sobre a aplicação de capitais deve atribuir-se, exclusivamente, ao natural desenvolvimento da matéria colectável, uma
vez que nenhuma das providências de natureza fiscal, anteriormente referidas, afectou a sua estrutura.
Importa, ainda, assinalar que, à semelhança do que se tem verificado nas gerências precedentes, os réditos provenientes da contribuição industrial - de importância preponderante no conjunto dos impostos directos - registaram ligeiro acréscimo: 2,4 por cento. Esta evolução foi, pelo menos em parte, determinada pelas deduções concedidas pelos Decretos n.ºs 40 874 e 43 871, respectivamente de 23 de Novembro de 1956 e 22 de Agosto de 1961, às empresas que procedam a investimentos conducentes a novos fabricos, à redução dos custos ou a melhoria de qualidade dos produtos que já fabricavam. A contracção da matéria colectável determinada pelos diplomas mencionados atingiu, em 1961, cerca de 115 240 contos, como o quadro seguinte evidencia.
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QUADRO XIII
da aplicação do Decreto n.º 40874, de 23 de Novembro de 1956, e do Decreto n.º 43871, de 22 de Agosto de 1961
[Ver Tabela na Imagem]
QUADRO [...]
Nota dos rendimentos relativos aos benefícios concedidos até 31 de Outubro de 1962 em virtude da aplicaç
[Ver Tabela na Imagem]
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63. Como se referiu, os impostos indirectos desempenharam papel decisivo no comportamento das receitas ordinárias em 1961. Na verdade, verificou-se expansão de 16,4 por cento na cobrança destes impostos, a mais elevada do último sexénio.
Para este incremento contribuíram, como mostra o quadro seguinte, todos os impostos indirectos, com excepção dos direitos de exportação, que acusaram, como em 1960, ligeira contracção.
QUADRO XIV
Receitas orçamentais do Estado cobradas no triénio 1959-1961
[Ver Tabela na Imagem]
Em 1961, de entre os restantes grupos de impostos indirectos, deve salientar-se o acréscimo de 35,4 por cento na receita obtida por intermédio da taxa de salvação nacional, mais do que o triplo do registado no ano precedente, evolução a que certamente não foi estranha a alteração introduzida na estrutura .deste imposto, em 30 de Junho.
Merece, igualmente, referência o incremento de 12,4 por cento nos direitos de importação, ainda que inferior ao observado em 1960 - 14,7 por cento; Fará além do abaixamento de direitos realizado de acordo com o esquema de desmobilização aduaneira previsto no Tratado de Estocolmo, contribuiu para o abrandamento do ritmo de crescimento dos direitos aduaneiros a elevada quebra de receita determinada pelos incentivos fiscais concedidos com o objectivo de acelerar o processo de desenvolvimento económico nacional - nomeadamente no que se refere ao equipamento de novas indústrias, à modernização das já existentes e, ainda, ao fomento da exportação.
QUADRO XV
Isenções de direitos e benefícios concedidos pela aplicação de regimes de draubaque
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Assinale-se ainda a criação de impostos sobre o consumo de refrigerantes e bens de consumo supérfluo ou de luxo, pelo Decreto-Lei n.º 43 764, de 30 de Junho de 1961, cujo rendimento se elevou a 57,4 milhares de contos.
64. Com o objectivo de permitir uma apreciação da evolução da carga fiscal global e sua estrutura nos últimos anos, apresenta-se seguidamente o quadro
XVI:
QUADRO XVI
Pressão fiscal global (a)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Cálculos provisórios baseados nos elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística. Nos impostos incluem-se os impostos directos e indirectos relativos ao Orçamento Geral do Justado, aos serviços autónomos e fundos autónomos, às autarquias locais e serviços autónomos das autarquias locais e à providencia social.
(b) Primeira estimativa.
A pressão fiscal global elevou-se ligeiramente no decurso do último ano, em consequência principalmente do aumento da carga fiscal determinado pelas medidas
adoptadas em 30 de Junho de 1961, embora se tivesse situado a nível inferior ao atingido em 1958. Ainda, se se excluísse do montante dos impostos directos e indirectos
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cobrados o quantitativo que se estima poder imputar-se à promulgação daquelas medidas, 400 000 contos, a pressão global situar-se-ia em 17,4 por cento.
De entre as providências fiscais a que anteriormente se fez referência, avulta a criação de um imposto sobre o consumo de artigos supérfluos ou de luxo e os ajustamentos operados em alguns outros já existentes.
A aplicação destas medidas foi imposta, essencialmente, pelas necessidades de defesa da Nação. No entanto, elas representam a primeira fase da reorganização geral da tributação do consumo actualmente em curso, que passa a desempenhar papel estabilizador num sistema tributário orientado no sentido do rendimento real.
Por outro lado, foram também cuidadosamente ponderadas estas alterações na estrutura fiscal do Pais em função das repercussões do processo de eliminação das barreiras aduaneiras entre os membros da Associação Europeia de Comércio Livre, da unificação económica portuguesa e, ainda, da eventual participação de Portugal na Comunidade Económica Europeia na economia nacional. Nomeadamente no que se refere à possibilidade que esse tipo de tributação oferece de evitar desníveis no poder de concorrência internacional dos produtos nacionais.
Finalmente, houve a expressa preocupação de proteger os económicamente débeis, excluindo da tributação os bens de consumo essenciais.
65. As receitas ordinárias cobradas de Janeiro a Agosto do corrente ano elevaram-se a 8222 milhares de contos, o que corresponde a um acréscimo de 9,3 por cento, idêntico ao observado em igual período do ano anterior.
QUADRO XVII
Receitas cobradas
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Para o acréscimo de 700 milhares de contos nas receitas ordinárias nos primeiros oito meses deste ano concorreu o incremento nas receitas provenientes do «Domínio privado» e «Indústrias em regime tributário especial», que representaram cerca de 65 por cento daquele aumento.
A expansão observada no «Domínio privado» foi fundamentalmente determinada pelas receitas provenientes da «Venda e amortização de títulos de crédito na posse da Fazenda» (+51 milhares de contos), do «Caminho de ferro da Beira» ( + 100 milhares de contos) e dos «Lucros das lotarias» (+ 165,4 milhares de contos).
Para o aumento das receitas das «Indústrias em regime tributário especial» contribuiu, principalmente, o comportamento das cobranças do imposto de fabrico de tabaco (+73 milhares de contos) e do imposto de consumo e fabricação de cerveja (+ 35,5 milhares de contos).
Merece ainda referência a evolução, no período de Janeiro a Agosto de 1962, dos «Impostos directos gerais» e dos «Impostos indirectos» - de importância preponderante no conjunto das receitas ordinárias -, que registaram moderado acréscimo em relação a igual período do ano anterior.
Na verdade, as receitas provenientes dos impostos directos experimentaram incremento de 5 por cento, ligeiramente superior ao verificado em idêntico período do ano anterior. Esta evolução resultou, em grande parte, da expansão de 17,9 por cento observada na contribuição industrial - cuja taxa de crescimento se situara no último ano em 2,4 por cento -, a que se opôs diminuição dos rendimentos provenientes da sisa (- 23,7 milhares de contos) e do imposto complementar (- 14,8 milhares de contos).
O elevado acréscimo registado no rendimento da contribuição industrial foi determinado não só pelo natural alargamento da matéria colectável mas também, e principalmente, pela alteração nas taxas resultantes da aplicação da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961. Por seu turno, parece existir estreita correlação entre o decréscimo no rendimento da sisa e o verificado na actividade da construção civil, enquanto a diminuição da receita do imposto complementar deve atribuir-se a dificuldades técnicas na cobrança, que se encontram já superadas.
Os impostos indirectos, que nos oito primeiros meses de 1961 se elevaram de cerca de 15 por cento, experimentaram no mesmo período deste ano um aumento de 4,8 por cento. Esta quebra de ritmo de crescimento das receitas provenientes destes impostos foi, essencialmente, devida à contracção de 174 900 contos na cobrança dos direitos de importação. Para além da diminuição das importações metropolitanas, julga-se terem tido influência relevante neste comportamento dos direitos de importação as reduções efectuadas no âmbito da Associação Europeia de Comércio Livre, do G.A.T.T. e, ainda, do processo de unificação económica nacional.
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Contudo, a variação negativa dos direitos de importação foi mais que compensada pela expansão dos rendimentos da taxa de salvação nacional ( + 144,8 milhares de contos), do imposto sobre o consumo de refrigerantes e bens de consumo supérfluo ou de luxo (+89 milhares de contos) e do imposto do selo e estampilhas fiscais (+73,5 milhares de contos).
À evolução da taxa de salvação nacional e do imposto do selo e estampilhas fiscais não foram certamente estranhas as alterações introduzidas em 30 de Junho de 1961.
A expansão do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo, criado pelo Decreto-Lei n.º 43 764, da mesma data, deve imputar-se ao alargamento do campo de incidência do imposto estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 44 235, de 14 de Março de 1962, e ainda à acção desenvolvida pelo serviço de prevenção e repressão nos primeiros meses deste ano.
66. Referido nas suas linhas gerais o comportamento das receitas nos últimos anos e nos primeiros meses de 1962, convirá observar seguidamente, ainda que de forma sucinta, a evolução das despesas públicas em idênticos períodos.
Como mostra o quadro XVIII, o valor global das despesas da administração central tem vindo a assumir importância crescente na despesa nacional, tendência a que não foi alheio o contínuo acréscimo da participação do sector público no esforço de desenvolvimento económico do País.
QUADRO XVIII
Despesas públicas e despesa nacional
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Compreendo: Conta Geral do Estado; organismos de coordenação económica; Emissora Nacional do Radiodifusão; Hospitais Civis do Lisboa; Misericórdia do Lisboa; Correios, Telégrafos e Telefones; Fundo do Desemprego; Fundo das Casas Económicas; Fundo de Socorro Social.
(b) Primeira estimativa.
Nota. - A maioria das séries das contas nacionais foi revista pelo Instituto Nacional de Estatística.
67. Para permitir uma observação mais pormenorizada do comportamento das despesas da administração central no último triénio, apresenta-se o quadro XIX, em que se discrimina o respectivo total segundo as principais rubricas da classificação funcional.
QUADRO XIX
Despesas públicas
Administração central
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Compreende: organismos de coordenação económica; Emissora Nacional de Radiodifusão; Hospitais Civis de Lisboa; Correios, Telégrafos e Telefones; Fundo de Desemprego; Fundo das Casas Económicas; Fundo de Socorro Social; Misericórdia de Lisboa.
Ás despesas da administração central têm evidenciado nos últimos anos tendência nitidamente expansionista. Assim, em 1961 o valor global destas despesas ascendeu a 15 448 milhares de contos, o que traduz incremento de cerca de 17 por cento, superior portanto ao verificado no ano anterior - 14 por cento.
Para este aumento contribuíram, fundamentalmente, as despesas efectuadas por conta do Orçamento Geral do Estado, uma vez que os montantes despendidos pelos organismos autónomos e de coordenação económica têm experimentado acréscimo sensivelmente menor.
68. Em 1961 os encargos totais com a dívida pública, que representaram cerca de 6 por cento das despesas da administração central, acusaram aumento de 58 milhares de contos - acentuadamente inferior ao registado no ano anterior.
Saliente-se, ainda, que o afrouxamento do ritmo de expansão dos encargos da dívida pública foi determinado pelo menor acréscimo tanto dos encargos efectivos do Tesouro como daqueles que têm compensação em receita.
QUADRO XX
Acréscimo dos encargos da divida pública
[Ver Tabela na Imagem]
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Quanto à evolução provável dos encargos da dívida pública nos próximos anos, pode prever-se nítido incremento, em consequência de um mais intensivo recurso ao mercado de capitais, interno e externo, para ocorrer às necessidades impostas pelo financiamento do processo de crescimento económico do País.
69. Os encargos com os órgãos superiores do Estado - Presidência da República, Governo e Representação Nacional - sofreram no decurso do último ano contracção de 18 por cento, particularmente significativa quando comparada com o aumento de 89 por cento verificado em 1960. Deste modo, a participação destes encargos no total das despesas da administração central, que em 1960 era de cerca de 1 por cento, desceu no ano transacto para 0,6 por cento.
70. O montante despendido com os serviços de defesa militar e segurança elevou-se em 1961 de 1963 milhares
de contos, o que corresponde a uma taxa de crescimento de 60 por cento, acentuadamente superior à verificada em 1960 (13 porcento).
Assim, a importância relativa destes encargos no conjunto das despesas da administração central aumentou de cerca de 25 por cento, em 1960, para 34 por cento, no último ano.
Esta evolução foi imposta, como se referiu no relatório da anterior proposta da Lei de Meios, pelas superiores necessidades de defesa a que houve que fazer face.
71. No total dos encargos com a administração central continuou a verificar-se, em 1961, predomínio das despesas com os serviços da administração civil, que representaram cerca de 60 por cento daquele total. Deste modo, pareceu conveniente proceder à sua decomposição, de harmonia com as principais rubricas que as integram, com o objectivo de permitir uma apreciação mais detalhada do respectivo comportamento.
QUADRO XXI
Despesas com os serviços de administração civil
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Em consequência da contracção, ainda que diminuta, do montante despendido em investimento no ano precedente, atenuou-se de forma apreciável a diferença
na importância relativa destas despesas e dos gastos com o funcionamento dos serviços no total das despesas.
QUADRO XXII
[Ver Tabela na Imagem]
72. Com o objectivo de permitir uma mais completa apreciação dos encargos com os serviços sociais, culturais e económicos apresenta-se seguidamente o quadro XXIII.
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QUADRO XXIII
Despesas dos serviços sociais, culturais e económicos
Funcionamento e investimento
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Embora o ritmo de crescimento tenha sido em 1961 acentuadamente inferior ao registado no ano precedente, o total despendido com os serviços de natureza social, cultural e económica elevou-se a 7615 milhares de contos.
Para o incremento de 167 milhares de contos naquele valor global contribuíram, exclusivamente, os encargos com os serviços sociais e económicos, que aumentaram, respectivamente, de 140 e 29 milhares de contos.
73. O total das autorizações de pagamento emitidas de Janeiro a Agosto de 1962 atingiu 7973,3 milhares de contos, o que representa acréscimo de cerca de 5 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior.
Para esta expansão concorreram, ainda que de forma diversa, a generalidade das despesas, com excepção das relativas aos serviços de administração civil.
Na verdade, os encargos da dívida pública registaram incremento de cerca de 6 por cento, superior ao verificado no mesmo período do ano transacto: 4 por cento.
Por seu turno, as despesas com os órgãos superiores do Estado, que diminuíram sensivelmente no decurso dos oito primeiros meses de 1961, acusaram uma expansão de 15 por cento.
Os encargos com os serviços de defesa militar e segurança mantiveram a tendência expansionista registada no ano anterior, evidenciando, porém, considerável abrandamento no ritmo de crescimento. Na verdade, a taxa de aumento destas despesas, que em 1961 atingiu cerca de 68 por cento, situou-se em 19 por cento no período em análise.
Finalmente, o abrandamento experimentado pelos encargos com os serviços de administração civil foi determinado pelo afrouxamento das autorizações de pagamento referentes a investimentos.
Embora os encargos de investimento tenham, no conjunto, registado variação negativa, as autorizações de pagamento referentes a despesas de investimento em assistência, instrução, educação física e desportos e, em especial, na indústria acusaram acréscimos em relação ao período homólogo do ano anterior. Com efeito, esta expansão foi particularmente nítida nos encargos com empreendimentos industriais, que ultrapassaram os realizados no ano anterior em cerca de 23 por cento - contra 7 por cento em 1961.
Todavia, da utilização de importantes empréstimos, tanto internos como externos, recentemente contraídos parece possível esperar que até final do ano em curso se verifique acentuada recuperação no valor global dos investimentos do Estado.
74. Para fazer face à expansão das despesas no último ano e nos oito primeiros meses de 1962, e porque não foi possível utilizar em tão larga escala o excedente do orçamento ordinário, tornou-se necessário recorrer a uma mais intensa mobilização de recursos extraordinários.
Com efeito, no decurso do último ano a receita extraordinária escriturada ascendeu a cerca de 3130 milhares de contos, o que representa uma expansão de 73 por cento em relação a 1960. Por seu turno, nos dois primeiros quadrimestres do corrente ano a receita extraordinária escriturada elevou-se a cerca de 542 milhares de contos, contra 15 milhares de contos no mesmo período de 1961.
75. Pela sua importância na receita extraordinária, discriminam-se as emissões da dívida pública, que em 1961 se elevaram a 1437 milhares de contos:
Milhares de contos
Certificados da dívida pública (Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949) ....................................... 750
3 V2 Por cento, de 1960 - 5.º centenário do infante D. Henrique (Decreto-Lei n.º 43 481,
de 24 de Janeiro de 1961) .................................... 500
3 por cento, de 1959 - 3.a série - Renovação da marinha mercante - II Plano de Fomento (Decreto-Lei n.º 42 517, de 21 de Setembro de 1959, e Decreto n.º 43 479, de 20 de Janeiro de 1961) .......................................... 100
4 por cento, de 1959 - 4.ª série - Renovação o apetrechamento da indústria da pesca - II Plano de Fomento (Decreto-Lei n.º 42 518, de 21 de Setembro de 1959, o Decreto n.º 43 489, de 28 de Janeiro de 1961) ......................... 74
Certificados de aforro (Decretos-Leis n.ºs 43453 e 43 454, de 30 de Dezembro de 1960) .................................... 4,5
Valor actual da renda perpétua criada ......................... 8,5
Total ............................... 1437
76. No decurso dos oito primeiros meses de 1962 efectuaram-se as seguintes emissões de títulos da dívida pública:
Milhares de contos
Certificados da dívida pública (Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949) ........................................... 250
3 por cento de 1959 - 4.ª série - Renovação da marinha mercante - II Plano de Fomento (Decreto-Lei n.º 42 517, de 21 de Setembro de 1959, e Decreto n.º 44 173, de 1 de Fevereiro de 1962) ............................................... 100
4 por cento de 1959 - 5.a série - Renovação e apetrechamento da indústria da pesca - II Plano do Fomento (Decreto-Lei n.º 42 518, de 21 de Setembro de 1959, e Decreto n.º 44 167, de 30 de Janeiro de 1962) ...................................... 74
A transportar .......... 424
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Milhares de contos
Transporte ............ 424
Obrigações do Tesouro - 3 1/2 por cento, 1962 - II Plano de Fomento (Decreto-Lei
n.º 44 402, de 16 de Junho de 1962) ... 800
Certificados de aforro (Decretos-Leis n.ºs 43 453 e 43 454, de 30 de Dezembro
de 1960) .............................. 2,8
Valor actual da renda perpétua criada . 4,5
Empréstimo contraído junto do Governo dos Estados Unidos da América - Importação de cereais (Decreto-Lei n.º 44 029, de 15 de Novembro de 1961) ..................... 341
Promissórias emitidas nos termos do Decreto-Lei n.º 44 250, de 24 de Março de 1962, no montante de D. M. 150 000 000 .1 077
Promissórias emitidas nos termos do Decreto-Lei n.º 44 360, de 23 de Maio de 1962, no montante de U. S. $ 20 000 000 .................. 576
Total ............ 3225,3
Pela sua natureza, merecem especial referência os empréstimos contraídos na Alemanha e nos Estados Unidos da América, nos termos dos Decretos-Leis n.ºs 44 250 e 44 360.
De acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 44 250, o empréstimo externo realizado com um instituto de crédito da República Federal da Alemanha destina-se, por um lado, ao prosseguimento das obras de fomento hidroagrícola e, por outro, à realização de vários trabalhos projectados na construção de aeroportos com vista a um melhor aproveitamento dos recursos turísticos de certas zonas do País. Contudo, até à sua integral utilização nos citados projectos, o produto desta operação servirá de base ao financiamento intercalar de outros projectos de desenvolvimento económico já iniciados. Importa ainda referir que este empréstimo foi contratado à taxa de 3 1/4 por cento, particularmente favorável em face das actualmente praticadas no mercado internacional de capitais.
Por seu turno, o produto do. empréstimo de U. S. $ 20 000 000, negociado com um conjunto de bancos americanos, tem como. objectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 360, o financiamento de empreendimentos englobados no II Plano de Fomento.
Do mesmo modo, como o demonstra a própria natureza dos títulos emitidos, a quase totalidade da dívida interna contraída no ano em curso destina-se ao financiamento do processo de crescimento económico nacional.
Assim, parece legítimo esperar que, como se referiu, o volume global dos investimentos do sector público registe acentuada recuperação no futuro próximo.
77. Em consequência do elevado acréscimo da dívida pública em 1961 aumentou a relação entre esta e o rendimento nacional.
QUADRO XXIV
Dívida pública e rendimento nacional
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Primeira estimativa.
Uma vez que, por um lado, a taxa de expansão do valor global das emissões efectuadas em 1962 ultrapassará a alcançada no último ano e, por outro, se estima ligeiro abrandamento do ritmo de crescimento do produto nacional líquido ao custo dos factores, deve prever-se que a relação em causa se eleve no ano em curso.
Equilíbrio financeiro
78. Mantém-se na presente proposta, sem qualquer alteração, o artigo 3.º da Lei de Meios para 1962. Pretende, portanto, o Governo continuar autorizado a adoptar as medidas necessárias à garantia do equilíbrio das contas públicas e do regular provimento da tesouraria, ficando o Ministro das Finanças com a faculdade de:
a) Providenciar, de acordo com as exigências dos superiores interesses nacionais, no sentido de obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados ou comparticipados;
b) Reduzir ou suspender as dotações orçamentais;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes.
Justifica-se a manutenção da presente disposição porque não parece, neste momento, possível que o esforço de defesa exigido à Nação possa experimentar abrandamento no período a que a presente proposta de lei respeita: está em causa, como a partir de Março de 1961, a defesa da sua população e a integridade do seu território. Acresce que este esforço se alia, nas actuais circunstâncias, à intenção do Governo em dar mais um passo no processo de unificação económica nacional e na intensificação do desenvolvimento económico das diferentes parcelas do território, ao mesmo tempo que se torna conveniente operar os ajustamentos internos indispensáveis que permitam à economia nacional enfrentar com êxito o actual movimento de integração da Europa Ocidental.
79. Pareceu ainda conveniente eliminar o artigo 4.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961, uma vez que se iniciaram já os estudos necessários à elaboração e execução de um orçamento geral da tesouraria, que o afluxo sempre crescente de fundos que transitam pelos cofres públicos e pela Caixa Geral do Tesouro e a diversidade de origens e de regimes de utilização tornam da maior utilidade para a gestão financeira.
Política fiscal
80. Publicados em 1962, na sua quase totalidade, os códigos respeitantes à reforma dos impostos directos sobre o rendimento, e assegurada a publicação dos restantes a tempo de entrarem já em vigor em 1963, pode considerar-se como característica fundamental da política tributária para o próximo ano a necessidade de se processar em todo o seu decurso uma adaptação progressiva e adequada na estrutura real e jurídica das instituições, nas concepções e métodos fiscais, na expressão formal das fontes do imposto e na mentalidade dos sujeitos da obrigação fiscal.
Vai ainda a reforma tributária entrar em execução num período da vida nacional e assentar num condicionalismo político, económico e financeiro de características tão excepcionais, que não poderia, naturalmente, deixar de se exigir, no sector da política fiscal afecto à consideração destes problemas, um conjunto de particularidades ou
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de lhe imputar um largo teor de responsabilidades que seriam por certo inteiramente dispensáveis em momentos normais da vida da Nação.
Às solicitações da comunidade dos povos que, no campo económico, impõem uma firme coordenação dos esforços nacionais de revigoramento de estruturas internas com a cooperação e progresso da economia de conjunto acresce, quanto a nós, a anomalia de situações de excepcional dispêndio que, embora não quiséssemos e de que nem tão-pouco fôssemos causadores, não poderemos, todavia, deixar de suportar.
Conseguido, por esforço da Nação e do seu Governo, em mais de 30 anos, não unicamente o saneamento das finanças públicas, mas uma solidez e intransigente firmeza no equilíbrio entre a capacidade das receitas e a imperiosidade dos gastos, obtida e consolidada, nos sectores financeiros internacionais, uma posição de crédito seguro de um convívio e prática de relações que não deixam dúvida nem quanto à seriedade dos métodos nem quanto à segurança dos meios, não poderíamos agora, necessariamente, perante circunstâncias ocasionais, anómalas e transitórias, abandonar, na participação deste sector, um dos princípios fundamentais de uma sã e eficiente administração pública.
Se o sistema de tributação tem, pois, de constituir firme pilar da estabilidade financeira, de acorrer simultaneamente às exigências do progresso económico nacional, às solicitações da economia internacional e à garantia do crédito e da confiança nas relações entre países e organizações já habituados à segurança do trato e à solidez da moeda, não poderia a reforma fiscal deixar de se processar fora da consideração destes valores em relação a uma política fiscal que se projecte para o futuro, nem poderá o Governo deixar de recorrer, transitoriamente, a medidas que, sem afectar os princípios duradouros, ajudem a resolver problemas de conjuntura.
Já em relatórios anteriores, e muito particularmente no da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1959, se esboçaram as linhas fundamentais a que iria obedecer a reforma dos principais impostos directos sobre o rendimento, ao mesmo tempo que se publicou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações: procura-se fazer incidir a tributação, tanto quanto possível, sobre o rendimento real; dá-se mais relevância às declarações dos contribuintes e aperfeiçoam-se tecnicamente os sistemas tributários, procurando tornar mais equitativa a imposição; reforça-se a confiança nas relações entre os contribuintes e a Fazenda e procura-se coadjuvar a política de fomento em todos os aspectos da política económica da Nação.
Na preparação dos diplomas da reforma usou-se do maior escrúpulo para que o pensamento já definido e favoravelmente acolhido pela opinião pública mais esclarecida premiasse toda a sua estrutura, nos aspectos jurídicos, económicos e financeiros, e não deixasse de inspirar, até, muitas disposições de pormenor, que alguns poderão considerar porventura de restrito alcance, mas que num futuro próximo hão-de vir a ser reputadas de certeira eficácia e de incontestável justiça.
Se, porém, na reforma fiscal se procurou estabelecer um regime tributário estável, capaz de regular a vida financeira das receitas fiscais do Estado num futuro razoavelmente longo, sem menosprezar as circunstâncias de momento, a verdade é que não apenas as necessidades de adaptação aos quadros actuais, mas essas próprias circunstâncias ocasionais de excepcional premência de todos conhecidas obrigam a estabelecer para o ano de 1963 medidas meramente transitórias.
81. Em 27 de Abril e 10 de Setembro de 1962 foram publicados os diplomas que aprovaram os Códigos do Imposto Profissional e do Imposto de Capitais, segundo e terceiro dos textos de lei que surgiram no desenvolvimento da reforma fiscal em curso.
O novo imposto de capitais, criado agora pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 561, vem substituir o imposto sobre a aplicação de capitais, a que deu vida a Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922, e que o Decreto n.º 8719, de 17 de Março de 1923, posteriormente regulamentou.
Animado embora por concepções semelhantes às que ditaram o imposto que até agora tem vigorado, nele se introduziram alterações de decisiva importância.
Não obstante a sua nova designação, inspirada na linguagem abreviada dos serviços e do público, o imposto de capitais continua a pertencer à categoria dos impostos sobre o rendimento. Tributam-se com ele certas disponibilidades que afluem periodicamente à economia dos contribuintes e que têm, quando muito, o carácter de simples riqueza em formação, e nunca o de riqueza já adquirida e consolidada.
Com isto desde logo se afasta dos impostos directamente incidentes sobre o capital, assim denominados porque atingem a própria riqueza que ocupa já lugar no sector da produção ou permanece entesourada a título definitivo ou meramente transitório.
Certo é que todos os sistemas fiscais admitem, ao lado dos impostos que absorvem não mais do que uma determinada parcela dos rendimentos dos particulares, outros aos quais é dada uma configuração tal que permite remetê-los para esta segunda categoria de tributação imediata do próprio capital.
Na tipologia dos vários impostos, considerados os sistemas tributários mais evoluídos e divulgados, constituem formas mais ou menos características destes últimos, sujeitos embora a discussão no campo doutrinal da qualificação, o imposto geral sobre a riqueza, os impostos sobre as transmissões de bens a título oneroso e a título gratuito e, finalmente, o imposto sobre os ganhos excepcionais e fortuitos do capital (windfall profits), que surge nos países de língua latina com a designação de imposto sobre as mais-valias.
Não considerando o primeiro, fruto de circunstâncias excepcionais pela sua própria natureza, vamos encontrar no nosso sistema os dois seguintes e projecta-se a integração nos quadros da presente reforma fiscal de um imposto sobre as mais-valias, até agora desconhecido entre nós, pelo menos como forma de tributação geral e sistemática.
O imposto sobre as transmissões de bens a título oneroso recebe entre nós a designação de sisa e incide, como se sabe, sobre «as transmissões da propriedade de bens imobiliários a título oneroso, exceptuadas as dos fundos consolidados que se acharem imobilizados» (artigo 2.º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações); o imposto sobre as transmissões de bens a título gratuito é conhecido entre nós por imposto sobre as sucessões e doações e incide «sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários» (artigo 3.º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações). A regulamentação jurídica de ambos encontra-se reunida no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958, o primeiro dos textos da presente reforma fiscal.
A afirmação do artigo 1.º do Código do Imposto de Capitais de que este imposto incide «sobre os rendimentos da aplicação de capitais» permite já, por si, afastá-lo de qualquer das formas de tributação cuja incidência seja definida através do capital, tanto nos casos em que se
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pretende atingir através dele determinadas parcelas de rendimento, como naqueles em que seja o capital o verdadeiro objecto da tributação.
O que encerra verdadeira importância sob o ponto de vista político-fiscal, e não se descortina através daquela disposição, é a questão de saber quais são os rendimentos que o imposto de capitais efectivamente tributa. Com efeito, para além das dificuldades que se suscitam em torno de uma definição do conceito de «capital», há que entrar em linha de conta com a circunstância de alguns rendimentos que constituem indiscutivelmente remuneração do capital terem, no nosso sistema tributário, as suas cédulas próprias. Tal é o caso da contribuição predial, que atinge os rendimentos do capital fundiário.
Só, pois, uma análise mais cuidada dos princípios que complementarmente definem a incidência do imposto nos pode fornecer uma ideia da natureza dos rendimentos derivados da aplicação de capitais que com ele se visam.
Estruturalmente, o imposto de capitais está dividido em duas secções - A e B -, que abrangem, respectivamente, duas subcategorias dos rendimentos tributados. Na secção  são compreendidos os rendimentos que se traduzem numa remuneração pela privação temporária de determinada soma de dinheiro, ou de certos bens que, para efeitos fiscais, a ela se reputam equiparáveis; na secção B, além dos rendimentos dos capitais colocados (lucros dos sócios das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, juros das obrigações emitidas por qualquer sociedade, etc.), tributam-se ainda certos outros rendimentos que se julgou oportuno assimilar a estes e que se enunciam, juntamente com eles, nos vários números do artigo 6.º do código.
O traço comum que a todos acompanha é o de se tratar de rendimentos que se traduzem numa remuneração pela cedência do uso de um elemento fundamental da produção, o capital, em forma de bens ou representado pelo valor destes em moeda. Daqui resulta a particular delicadeza que revestiu a definição da estrutura do imposto, pois, se por um lado se trata do factor de produção decisivo para o progresso económico, por outro trata-se precisamente daquele que maior sensibilidade tem revelado ao regime tributário. Havia que encontrar-se uma plataforma que impusesse aos capitais a justa contribuição para os encargos gerais do Tesouro, sem prejudicar o fomento de riqueza que anda ligado à sua utilização em investimentos produtivos.
Disse-se já que, com o Código do Imposto de Capitais, agora publicado, não se teve em vista alterar a concepção ou a estrutura jurídico-fiscal do imposto sobre a aplicação de capitais introduzido pela Lei n.º 1368; procurou-se, pelo contrário, aproveitar a estrutura tradicional deste imposto, insuflando-lhe, no entanto, novas virtualidades.
Assim, se se manteve a diversidade de processos de cobrança que justifica a divisão clássica em duas secções, se os princípios que mostraram a elaboração do Decreto n.º 8719 obtêm ainda largo reflexo no texto do código, foram numerosas as alterações que se introduziram.
Quis-se com elas, desde logo, conceder expressão e relevo a todos os elementos obtidos com a experiência da execução do Decreto n.º 8719, que ora aconselhou algumas modificações que virão certamente potenciar a eficiência dos serviços, ora outras diversas que representam evidentes vantagens para o contribuinte.
Ainda dentro do espírito de actualização, ordenação e revisão sistemática que caracteriza a reforma, cuidou-se de dar ao imposto uma correcta informação jurídica que, para além das puras vantagens de maior exactidão e rigor, aliviasse o peso das dúvidas de interpretação relevantes.
Aqui se insere a solução acolhida para os créditos titulados por letras, que passam a beneficiar de um novo regime. Neste, não apenas é de sublinhar a sua mais exacta correspondência às realidades presentes e aos princípios que informam a tributação dos rendimentos do capital aplicado, mas ainda a correcta técnica jurídica que o serve. Trabalhando com os conceitos de obrigação cambiaria e de obrigação subjacente ou fundamental, logrou conseguir-se um sistema de presunções informando por critérios objectivos e simples, do qual é lícito aguardar os melhores resultados.
Paralelamente a esta revisão de aperfeiçoamento formal, introduziram-se variadas alterações substanciais, que ora corrigem o desenvolvimento lógico do Decreto n.º 8719, afeiçoando melhor as suas disposições aos objectivos que as inspiraram, ora acolhem os corolários que definem naturalmente dos princípios mais gerais que norteiam a reforma fiscal em curso.
São particularmente de salientar, sob este ponto de vista, as modificações introduzidas no capítulo da incidência.
No que respeita à secção A, não se incluíram na tributação os rendimentos provenientes das vendas a crédito efectuadas por comerciantes, fazendo com que lhes aproveitasse uma isenção. Ponderou-se que tais rendimentos são fruto do exercício da função mercantil, pelo que com maior propriedade seriam tributados em contribuição industrial; e, para além desta simples razão que as necessidades de rigor e de coerência técnico-tributária tornam por si persuasiva, considerou-se a vantagem de libertar a actividade comercial de escolhos e embaraços que dificultem o seu livre desenvolvimento.
Com as mesmas razões se abona o regime dos créditos titulados por letras. Está impregnado da ideia de que se o crédito resultar do normal exercício da actividade comercial não devem ficar sujeitos a imposto de capitais os rendimentos que dele derivam. E daqui surgiu a distinção entre letras que possibilitam pagamentos e as que, por representarem um meio típico de efectivação de contratos de mútuo, devem considerar-se títulos de colocação de capitais. Já atrás se referiu a técnica jurídica com base na qual se procurou extrair desta diferença as consequências fiscais que se julgaram mais razoáveis e adequadas.
Por outro lado, procurou avançar-se tanto quanto possível no sentido da tributação do rendimento real, sujeitando ao imposto o juro efectivo nos casos em que as situações de crédito não resultem de empréstimos remunerados ou de contratos de abertura de crédito.
Quanto à secção B, as alterações são ainda mais extensas.
Interveio aqui sobremaneira a consideração de que, projectando-se a instituição de um imposto geral sobre as mais-valias, não havia razão para continuar a tributar em imposto de capitais certas situações que melhor cabimento teriam no primeiro, por se traduzirem em verdadeiros ganhos de capital. Assim, desapareceu a tributação dos fundos de reserva incorporados no capital das sociedades e dos aumentos de capital com reserva de preferência para os antigos accionistas, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 33 128, de 12 de Outubro de 1943. A mesma consideração obstou ainda a que se incluísse a tributação das reservas na altura da liquidação das sociedades ou a dos ganhos de capital auferidos com a transmissão de quotas e outras partes sociais.
Aliás, para qualquer dos casos, não deixou igualmente de se ter presente que a lógica que dimanava da própria estrutura do imposto exigia que a sua incidência ficasse
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circunscrita aos rendimentos que afluem com certa prioridade à economia dos contribuintes; e, bem assim, que a tributação em imposto de capitais acrescia à tributação em contribuição industrial, pelo que só no caso de rendimentos normalmente destinados a serem gastos se poderia tolerar a incidência sobreposta dos dois tributos.
Igualmente não se incluíram na tributação os rendimentos provenientes das disponibilidades à ordem. Entendeu-se que a concepção que ditou a configuração do imposto não era de molde a permitir considerá-los como derivados de uma verdadeira aplicação de capitais.
Simultaneamente, alargou-se o campo da incidência a alguns casos que o Decreto n.º 8719 não previa. Alguns deles correspondem à feição própria das realidades actuais, que há muito superaram o condicionalismo que orientou a elaboração do Decreto n.º 8719: assim, nomeadamente, a tributação dos lucros de todos os sócios das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando até agora se tributavam apenas os lucros dos sócios não gerentes das sociedades por quotas e os dos sócios comanditários das sociedades em comandita; outros respondem a certas dúvidas de interpretação suscitadas já na vigência do Decreto n.º 8719: tal é o caso da tributação do saldo dos juros apurados em conta corrente; os restantes defluem do princípio de que o imposto incide sobre os rendimentos derivados da aplicação de capitais, não figurando senão as suas lógicas e necessárias consequências: refira-se, como exemplo, a tributação dos lucros auferidos em regime de conta em participação.
Não são estranhos à regulamentação do imposto, tendo-a, pelo contrário, influenciado profundamente, como já se referiu, os imperativos decorrentes da actual política de desenvolvimento. Além de se terem conservado todas as medidas já introduzidas por meio de legislação extravagante e que se traduzem, sobretudo, na concessão de reduções da taxa do imposto, outras vieram acrescer às existentes. Estas, ora têm o mesmo carácter das primeiras - v. g. a redução da taxa do imposto prevista para favorecer as obras de valorização regional -, ora representam medidas novas, como seja a isenção de imposto a favor dos sócios das sociedades cuja actividade consista na mera gestão de uma carteira de títulos, sociedades que tão grande papel vêm desempenhando como poderosos factores de progresso económico.
Pode concluir-se, sem receio, que o Governo tem a consciência de nada haver descurado dentro dos limites impostos pelos princípios ou demarcados pelas conveniências.
Não descurou igualmente o Governo a necessidade de estabelecer um regime transitório que acautelasse os legítimos interesses dos particulares, obviando a que fossem surpreendidos por uma tributação cujas características não podiam caber nas suas expectativas normais.
Para tanto, além de ter sancionado um longo período de vacatio legis, em virtude do qual o código só entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 1963, foi mesmo até ao ponto de conceder que os rendimentos respeitantes a períodos anteriores a essa data continuassem a ser tributados de harmonia com a legislação em vigor.
Exceptuaram-se apenas desta regra geral, no que toca à secção A, os prazos para liquidação e cobrança do imposto e, no respeitante à secção B, os casos previstos nos §§ 1.º e 3.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 44 561, que aprovou o código.
Por força do primeiro dos textos legais citados, os lucros dos sócios de quaisquer sociedades, quando atribuídos posteriormente a 1 de Janeiro de 1963, serão já tributados de harmonia com o código, o mesmo acontecendo aos lucros relativos ao exercício de 1962, ainda que atribuídos antes dessa data; o § 3.º, por sua vez, estabelece que os dividendos cujo pagamento só seja ordenado depois da entrada em vigor do código serão tributados de harmonia com as suas disposições, ainda que tenham sido votados antes de 1 de Janeiro de 1963.
Bem se vê, pois, que, salvo os casos descritos, onde o risco de fraude era maior, o Governo ponderou com atenta meticulosidade os interesses dos contribuintes, fixando um regime pelo qual a generalidade das disposições do código só entrará em completo funcionamento em 1964, quando se prover à liquidação do imposto sobre rendimentos respeitantes ao ano de 1963.
Nem pode ignorar-se, porque abona a forma verdadeiramente consequente como se procurou materializar os princípios que inspiram a presente reforma fiscal, aquilo que o Decreto-Lei n.º 44 561 estatui no seu artigo 13.º, à semelhança, aliás, do que fez o Decreto-Lei n.º 44 305 em relação ao imposto profissional.
Para se alcançar a pretendida melhoria de relações entre os contribuintes e o fisco, deveria começar-se pela adopção de uma série de medidas que, abertamente, não apenas acautelassem todos os interesses relevantes daqueles, mas que representassem também uma certa compreensão pelas suas insuficiências e descuidos mais leves, tantas vezes apreciados com um critério excessivamente rigoroso.
Ter-se estabelecido que durante o ano de 1963 só poderão ser levantados autos de transgressão com prévia autorização superior, sómente concedida quando se julgue ter havido culpa grave, é medida que necessariamente há-de facilitar o desejado clima de confiança entre os particulares e os órgãos de administração financeira, contribuindo para tornar mais acessível aos primeiros a justa compreensão do fenómeno tributário.
82. Dentro da linha de rumo traçada e justificada no relatório da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1959, iniciou-se a reforma da nossa tributação directa do rendimento com a promulgação, em 27 de Abril do ano corrente, do Código do Imposto Profissional, que começará a vigorar no continente e ilhas adjacentes no dia 1 de Janeiro de 1963.
Obedecendo à orientação geral da reforma em curso, a tributação dos rendimentos do trabalho sofre sensíveis modificações na sua estrutura e técnica com vista à verificação, tanto quanto possível, da incidência em rendimentos reais em vez de rendimentos normais ou presumíveis.
Alarga-se, assim, a base da incidência no sentido de submeter ao imposto tanto os rendimentos do trabalho, mesmo ocasionais, como rendimentos que, não provindo directamente do trabalho, mas da cedência de direitos e das criações do trabalho intelectual, podem ser assimilados aos primeiros, e neste caso estão, por exemplo, os rendimentos correspondentes a direitos de autor e os percebidos pelos artistas plásticos, que até agora não constituíam matéria colectável de nenhum imposto, não obstante o reconhecimento de tais rendimentos atingirem, por vezes, certo vulto.
Em contrapartida, o âmbito da incidência pessoal do imposto sofre uma restrição, passando a ser sujeitos a contribuição industrial contribuintes que exercem profissões até agora sujeitas a imposto profissional - profissões liberais -, ao mesmo tempo que se uniformiza a isenção do imposto e se eleva a 18 000$, o que vem beneficiar cerca de 40 000 empregados por conta de outrem, abandonando-se assim o sistema vigente de se isentarem os ordenados e salários em função da residência dos seus beneficiários.
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Como se disse, de acordo com a orientação que predomina na reforma, o imposto profissional passa a incidir sobre o rendimento real dos contribuintes, tanto no que toca a empregados e assalariados como no que respeita aos profissionais livres. Daí resultar que a liquidação do imposto passa a fazer-se no ano seguinte ao da produção do rendimento, ou até no próprio ano, e não no ano anterior, como sucedia até aqui, respeitando, portanto, o imposto não ao ano em que é cobrado, mas àquele em que o rendimento se obtém.
A determinação do rendimento real dos trabalhadores por conta de outrem opera-se nos moldes idênticos aos actualmente em vigor - rendimentos declarados -, passando também a determinar-se o rendimento das profissões liberais com base na declaração do contribuinte, controlada por comissões mistas ou por documentação do próprio interessado, substituindo-se, desta forma, o sistema de taxas fixas e formação de contingentes seguido até aqui na tributação das profissões liberais, o qual vem sendo acusado de conduzir a injustiças e arbitrariedades.
A taxa de imposto é agora uniforme para todas as espécies de rendimentos e para todas as categorias de contribuintes, abandonando-se a actual discriminação predominantemente qualitativa por uma discriminação apenas quantitativa, por se afigurar mais justa uma Variação de taxas fundada no montante dos rendimentos do que na forma da sua obtenção.
Estabelece-se, assim, a taxa de 8 por cento para os rendimentos anuais excedentes a 300 contos e taxas degressivas para os restantes, desde 7 por cento, para o rendimento de 250 a 300 contos, até 1 por cento, para os rendimentos de 18 a 40 contos.
Justifica-se no relatório que antecede o código que os rendimentos do trabalho, pela sua natureza instável e precária, deviam sofrer, qualquer que fosse o seu montante, uma tributação mais leve que a dos rendimentos da propriedade. Daí a taxa máxima de 8 por cento do imposto profissional se apresentar inferior à dos restantes impostos parcelares.
Por sua vez, como os rendimentos médios constituem muitas vezes os principais recursos dos seus titulares e os pequenos rendimentos são, na maioria dos casos, os únicos recursos dos empregados por conta de outrem, procurou-se com as taxas degressivas obter um adequado desagravamento de que uns e outros beneficiassem mais de acordo com as suas faculdades tributárias.
E assim é que da simples observação dos escalões estabelecidos para a determinação da taxa em função do rendimento percebido verifica-se que uma grande maioria de contribuintes vem a ser abrangida pela taxa de 1 por cento, o que, de certo modo, representa uma apreciável diminuição de imposto de que beneficiam os empregados que aufiram rendimentos anuais compreendidos entre 18 e 40 contos.
A entrada em vigor do código no dia 1 de Janeiro de 1963 não significará a sua inteira aplicação no próximo ano. Assim, se em relação aos contribuintes que trabalham por conta própria o imposto será já lançado e liquidado sobre os rendimentos percebidos em 1962, pelo que se refere aos empregados por conta de outrem o novo sistema consagrado no código só terá plena aplicação em 1964.
83. Quanto à tributação do rendimento da propriedade imobiliária, e da exploração agrícola, vai entrar em vigor, em 1963, o novo Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola.
Também, como nos demais, foi preocupação fundamental, neste domínio, subordinar os esquemas fiscais às imposições das circunstâncias actuais, conjugando as naturais preocupações doutrinais com os dados da experiência e procurando, num espírito realista, actualizar e inovar, sem menosprezar a conjuntura, e com a preocupação de aproveitar quanto possível as estruturas orgânicas e jurídicas vigentes.
Inovação de relevo é a que autonomiza o imposto sobre a indústria agrícola, fazendo-o incidir sobre o lucro do cultivador, ao lado da contribuição predial, que procura, por si, tributar o rendimento dos prédios. Trata-se de uma realidade já reconhecida pelo legislador de 1929 e que só por motivos de oportunidade não foi então consagrada.
A distinção entre os dois impostos, se é certo que representa um inegável progresso técnico, é já, de certo modo, pertinente ao sistema fiscal em vigor, posto que sem expressão dentro do regime vigente. Na verdade, ao menos tendencionalmente, a contribuição predial rústica vem incidindo sobre a renda da terra, acrescida do lucro do cultivador. Tratando-se de rendimentos de origem diversa, que podem não afluir a um mesmo património, é inegável a necessidade de lhes atribuir uma tributação separada no sistema celular que a reforma adoptou, dada a repercussão que é necessário conseguir no campo da personalização do imposto que se pretende obter através do imposto complementar.
Destas e de outras razões que constam do relatório do novo código, nele se considerou, quanto ao rendimento da propriedade rústica, por um lado, a tributação da renda e, por outro, o imposto sobre indústria agrícola, incidindo sobre e lucro do cultivador.
Na verdade, renda e lucro são rendimentos de natureza e estabilidade diferentes, e cuja titularidade, se é certo que muitas vezes coincide na mesma pessoa, outras, de real significado, respeita a pessoas diferentes.
A renda é a parte do produto que cabe ao capital fundiário, à terra ou recursos naturais e aos respectivos melhoramentos, compreendendo, entre outras, as construções, as dependências e as benfeitorias.
Por sua própria natureza a renda sofre flutuações lentas. Pode dizer-se que é a contrapartida da terra e respectivos melhoramentos, supondo-se esta arrendada.
Mas sobre a terra, ou recursos naturais, e melhoramentos nela incorporados pode exercer-se uma actividade que supõe em maior ou menor grau, iniciativa e organização, disponibilidades de explorador. O lucro da empresa é semelhante ao lucro da empresa comercial ou industrial, diversificando-se nitidamente da renda, nos casos em que a titularidade imobiliária e a de condução da empresa agrícola respeitam a pessoas diferentes; menos definido, menos individualizado, igualmente se verifica nos casos em que a titularidade da terra e a da exploração pertencem à mesma pessoa ou entidade.
A diversa natureza e estabilidade da renda e do lucro, rendimentos provenientes de realidades distintas, vinha, pois, a impor a distinção nítida entre duas tributações, o que se procurou fazer sujeitando a renda à contribuição predial rústica e tornando o lucro passível do imposto sobre a indústria agrícola.
Neste último caso, duas orientações se apresentavam como possíveis: ou sujeitar o lucro agrícola ao imposto industrial que incidisse sobre o rendimento líquido das demais empresas, ou criar um imposto próprio que atentasse no condicionalismo particular que se verificasse no seu sector de aplicação.
Adoptou-se o último critério por múltiplas razões, entre as quais avultam a impossibilidade de aplicação à indústria agrícola dos métodos de determinação de matéria colectável da contribuição industrial que supõem a
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contabilização da empresa e, ainda, a flutuabilidade da situação e perspectivas da agricultura e a conexão entre a renda e o lucro.
Estas circunstâncias, a par das que vêm já do facto de, tradicionalmente, a situação dos rendimentos de propriedade imobiliária e respectiva exploração ser regulada no mesmo diploma, e, finalmente, a de muitas disposições relativas à contribuição predial serem aplicáveis ao novo imposto, excluem a solução, que se apresentava teoricamente viável, de integrar o seu regime particular em capítulo do Código da Contribuição Industrial.
Salienta-se, porém, que só para lucros avultados se cria o imposto sobre a indústria agrícola, prevendo-se uma isenção de grande alcance.
Com esta isenção procurou articular-se este imposto com a tributação dos rendimentos do trabalho; prevendo o Código do Imposto Profissional a isenção dos rendimentos provenientes do trabalho até um certo limite, haveria, por igualdade de razão, que isentar o lucro agrícola, na suposição de que nele normalmente, em maior ou menor medida, estará incorporado trabalho do explorador e, em muitos casos, da respectiva família.
Justificada a dualidade dos impostos coincidentes sobre os rendimentos da propriedade imobiliária e da indústria
agrícola, postas em relevo as conexões existentes entre o último e a tributação da indústria e do trabalho, importa referir as grandes linhas a que obedeceu a reforma neste sector sob o ponto de vista financeiro, económico, social e jurídico.
Do ponto de vista financeiro e pelo que respeita à contribuição predial rústica, as grandes transformações consistem na adopção, com carácter de generalidade, do princípio de avaliação cadastral, o que implica,, atenta a natural morosidade com que caminham os respectivos trabalhos, a actualização rápida das matrizes prediais e a vigência de um regime transitório.
Na verdade, vem de longa data o reconhecimento de que a base mais perfeita para a tributação é o cadastro geométrico. Ora a avaliação cadastral só passará a determinar a renda fundiária, isto é, a parte do produto que deve ser atribuída à propriedade da terra e respectivos melhoramentos, desinteressando-se da sorte da exploração agrícola, silvícola ou pecuária, cujo lucro efectivo, por natureza, não é previsível. Houve, pois, que aperfeiçoar a legislação cadastral e integrá-la no código.
Quanto à contribuição predial urbana, adoptou-se o princípio da tributação dos rendimentos reais, no que respeita à tributação dos prédios arrendados; parte-se, nestes casos, do rendimento efectivo declarado pelo contribuinte, prevendo-se ainda a tributação dos sublocadores quando a renda que recebem seja superior à que pagam ao senhorio. Quanto aos prédios não arrendados, manteve-se a tributação com base num rendimento estimado, sujeito a actualização periódica, tendo-se apenas feito alguns aperfeiçoamentos de pormenor.
Como princípio geral comum a ambos os casos, caminhou-se, pela primeira vez, no sentido de deduzir nos rendimentos encargos médios, com energia, porteiros, aquecimento, etc., calculados para todo o País.
Pelo que respeita ao imposto sobre a indústria agrícola, procura-se tributar o lucro líquido de exploração com base em declarações dos contribuintes, corrigidas, quando for caso disso, por uma comissão de verificação, que poderá fixar a matéria colectável. Estabelece-se, porém, como vimos, uma isenção de largo alcance, que faz recair o imposto apenas sobre explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias de grande dimensão.
Merece referência especial ò regime dos prédios urbanos não arrendados em que se exerçam actividades comerciais ou industriais, sobre as quais não incidirá contribuição predial, isto porque se entendeu que, fazendo tais prédios parte do capital da empresa, vêm a reflectir-se nos resultados da exploração, onde é tributado o respectivo rendimento.
Referente a taxas, unifica-se a da contribuição predial rústica a um nível médio mais baixo do que o actual, mantendo-se a de contribuição predial urbana sem alterações, fixando-a em 12 por cento, atento que nela se incorpora a actual taxa de compensação. Estabelecem-se taxas mais reduzidas, por um período transitório, para ambos os ramos da contribuição predial.
Quanto ao imposto sobre a indústria agrícola, fixa-se a taxa em 10 por cento.
Neste capítulo, foi orientação dominante a de procurar reduzir as taxas pela obtenção de um maior rigor na determinação da matéria colectável, a fim de se conseguir por essa via atingir maior equidade na distribuição da carga tributária, sem afectar gravosamente o nível das receitas públicas.
Por mais este motivo se impõe, pois, a título provisório, actualizar os rendimentos colectáveis constantes das matrizes prediais, enquanto prosseguem os trabalhos de reavaliação geral, de que estão encarregados os serviços cadastrais.
Com a actualização, não obstante reduzir-se consideravelmente o nível médio das taxas, acontecerá que alguns proprietários fiquem mais onerados, mas apenas em resultado da mais correcta determinação da matéria colectável
Receou-se, porém, que, não obstante a redução do nível médio das taxas, a reavaliação da matéria colectável trouxesse um inesperado agravamento de carga tributária, na contribuição predial rústica, pelo que se prevê um período transitório de três anos em que a taxa será de 8 por cento.
No que respeita à liquidação e cobrança, adaptou-se a técnica à distribuição dos rendimentos reais, quando foi caso disso, pelo que, tendo a cobrança de ser posterior à produção da matéria colectável, haverá que admitir uma liquidação provisória com base nas matrizes, para não se verificarem dificuldades de tesouraria. Há que referir ainda que se estabelecem várias providências referentes à liquidação e cobrança e às reclamações tendentes a tratar o contribuinte mais equitativamente e a ter em atenção a sua comodidade.
Do ponto de vista económico interessa salientar que, tratando-se neste sector de tributar rendimentos provenientes de actividades de maior relevo na vida económica do País, não se abstraiu da política de desenvolvimento em curso, sem esquecer que não compete à reforma fiscal ser por si só o único veículo dessa política.
Por isso mesmo se procurou na elaboração do código fornecer estímulos que, de harmonia com as directrizes fundamentais do desenvolvimento, melhor o servissem e com ele cooperassem.
Assim, estabelecem-se e ampliam-se numerosas isenções, quer no sector da agricultura -tais como as referentes a casais agrícolas, melhoramentos agrícolas, florestamento, emparcelamento, cooperativas de exploração agrícola, silvícola e pecuária e a importante isenção no imposto sobre indústria agrícola-, quer ainda no sector da habitação.
Entre as preocupações de ordem social, figuram as que se referem ao novo sistema de isenções destinadas a fomentar a construção civil no sector da habitação económica.
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À luz do critério agora adoptado, o sistema de isenções aplica-se a prédios submetidos aos mais diversos regimes jurídicos, tais como o das casas económicas, de renda económica, ou de renda limitada, mas apenas quando destinadas a famílias pobres ou de modestos recursos.
Com idênticos objectivos é concedida isenção aos contribuintes que não tenham mais do que a casa em que habitem, quando o rendimento colectável desta não exceda 300$, e ainda se isentam os rendimentos colectáveis dos prédios rústicos até 1200$ por cada contribuinte que não possua outros bens imobiliários e naqueles tenha estabelecidas explorações agrícolas puramente familiares. Neste último caso, trata-se de uma isenção que, respeitando ao seu rendimento colectável da contribuição predial rústica, é estabelecida por considerações estranhas à mecânica do imposto, pois nestes casos, normalmente, o trabalho familiar incorporado em explorações deste tipo fica sem remuneração equitativa. Finalmente, é dispensada a tributação dos rendimentos colectáveis cuja soma, em cada concelho ou bairro e por cada contribuinte, não exceda 100$, em vez de 15$ como até agora.
Do ponto de vista jurídico, procurou-se elaborar um código equilibrado, cuidado na forma, preciso nos conceitos, e que resolvesse tanto quanto possível as dúvidas acumuladas por longa elaboração jurisprudencial e administrativa.
De destacar, a formulação explícita do conceito fiscal de prédio, cuja importância não necessita de ser posta em relevo, como elemento integrador na definição da incidência e, através dela, podendo influir em grande parte na estrutura do código, determinando soluções de pormenor.
Finalmente, não podendo o código ser posto em vigor, imediatamente e em globo, por natural necessidade de adaptação, previu-se um regime transitório de que destacaremos as grandes linhas.
Em princípio, o código deverá começar a vigorar em todo o continente e ilhas adjacentes no dia 1 de Janeiro de 1963. No entanto, a contribuição predial a pagar no próximo ano será lançada e cobrada segundo a legislação actualmente em vigor, e não poderá ser corrigida em virtude de aumentos de rendimento que venham a ocorrer nesse ano.
O lançamento da contribuição a pagar em 1964 terá por base os rendimentos colectáveis de 1963, determinados nos termos do código, ficando o Ministro das Finanças autorizado a tomar todas as providências necessárias para que as matrizes sejam tempestivamente reorganizadas.
O primeiro lançamento do imposto agrícola efectuar-se-á apenas em 1964.
Serão ressalvadas, relativamente a prédios já construídos, em construção ou a construir em terrenos adquiridos para o efeito até à entrada em vigor do decreto de aprovação, as isenções temporárias de contribuição predial actualmente aplicáveis à parte destinada à habitação.
Estabelecem-se ainda os métodos de correcção das matrizes rústicas existentes nos concelhos não submetidos ainda ao regime do cadastro geométrico, que tomarão por bases índices que exprimam as variações sofridas pelos rendimentos, de forma que estes fiquem a traduzir apenas a renda fundiária.
Os índices serão fixados tomando por base a avaliação de prédios-tipo em cada concelho ou freguesia, considerando-se também as datas em que os rendimentos foram inscritos.
Deverão ainda os índices ser corrigidos tendo em conta o grau variável de desactualização dos prédios.
Por sua vez, as matrizes urbanas continuarão em vigor, corrigindo-se, porém, os rendimentos dos prédios não arrendados, por formas semelhantes às previstas para a actualização das matrizes prediais rústicas.
84. Como tem sido frequentemente assinalado, a reforma dos impostos directos sobre o rendimento foi orientada no sentido de a tributação se aproximar tanto quanto possível do rendimento real dos contribuintes.
Nesta linha de pensamento, a contribuição industrial, que no regime vigente incide em regra sobre o rendimento normal proveniente do exercício do comércio e da indústria, passa a ter por base de imposição o rendimento real resultante das mesmas actividades.
Se esta evolução da nossa política fiscal corresponde ao mesmo tempo a imperativos da justiça tributária e 'às exigências da política de desenvolvimento, é ainda uma consequência da necessidade, decorrente da liberalização do comércio europeu e dos compromissos internacionais assumidos pelo Governo, de colocar a produção do País em condições de concorrência, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional.
Sendo o preço dos produtos nacionais onerado pela contribuição industrial, que é, entre nós, ao contrário do que sucede em outros países, elemento do custo da produção, há que estruturar o imposto por forma a evitar-se que motivos de ordem fiscal comprometam as condições de concorrência que as mercadorias portuguesas poderiam alcançar.
Incide, assim, a nova contribuição industrial sobre o rendimento real, sobre o lucro resultante do exercício do comércio, indústria ou profissões independentes.
Deste modo, passam a ficar sujeitos a imposto os lucros obtidos através de actos de comércio isolados, que no regime actual, por não se enquadrarem nos conceitos de comércio, indústria, arte ou ofício, estavam afastados da tributação em contribuição industrial.
Por outro lado, sendo o lucro tributável o resultado líquido de toda a actividade da empresa, sejam quais forem as fontes desse rendimento, impôs-se um reajustamento dos vários impostos parcelares. A título de exemplo, refere-se o facto de deixarem de ser tributados em contribuição predial os prédios onde se encontrem instaladas as empresas, quando eles sejam sua propriedade.
Entendeu-se também que, sendo a finalidade das sociedades comerciais, ou civis sob a forma comercial, a obtenção de lucros, estes devem ficar sujeitos à incidência de contribuição industrial.
No que toca à distinção, para efeitos tributários, entre as indústrias e as profissões independentes segue-se o critério de se conservarem sujeitas a imposto profissional apenas as profissões liberais e outras a elas assimiláveis, sujeitando-se as demais a contribuição industrial.
Embora se passe a tributar o lucro obtido pelas empresas, há que adoptar ainda, de harmonia com as condições do exercício da actividade e a dimensão das próprias empresas, diferentes métodos de determinação da matéria colectável, métodos, como é óbvio, tanto mais completos e perfeitos quanto maior e melhor organizada é a empresa.
No regime actual, os contribuintes agrupam-se em três categorias diferentes, sendo tributados os mais modestos por taxas fixas, os que ao tempo em que o sistema foi estruturado se admitia serem de maiores rendimentos - as sociedades por acções - em função do capital e do lucro distribuído e os restantes tendo em conta o rendimento líquido que se presume possam obter.
Mantêm-se no novo regime da contribuição industrial três grupos de contribuintes, mas estruturam-se de fornia
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diversa, em virtude de se passar a avaliar a dimensão das empresas por outros critérios.
Atende-se à natureza da actividade, ao tipo de estruturação jurídica adoptado, ao volume dos meios utilizados e, finalmente, às condições de exercício da actividade considerada.
O que essencialmente influiu na diferenciação dos contribuintes por três grupos distintos foi a consideração de que, enquanto na grande e média empresa o rendimento resulta da aplicação, em termos variáveis mas representativos, do capital, do trabalho e da iniciativa, na pequena empresa o capital não tem significado apreciável e o rendimento é essencialmente produto do trabalho do contribuinte, quase só se distinguindo dos rendimentos das profissões para efeitos tributários.
Considerou-se também que só as grandes e médias empresas estarão em condições de suportar certas obrigações fiscais indispensáveis a uma rigorosa determinação da matéria colectável, já que daí resultam encargos que necessariamente hão-de onerar o custo da produção.
A nova contribuição industrial estabelece-se assim em bases diferentes para cada um dos grupos de contribuintes.
Constituem o grupo A as grandes empresas e outras que, sem o serem, exerçam actividades sujeitas a fiscalização especial. Neste caso a contribuição incide sobre os lucros efectivamente obtidos, determinados através da contabilidade dos contribuintes.
A adopção de um tal sistema de determinação da matéria colectável implica a necessidade de fixação de critérios legais para o apuramento dos ganhos e para a avaliação dos encargos, e bem assim para a uniformização dos métodos de determinação dos lucros. Importa igualmente o exercício de um controle eficiente das declarações dos contribuintes.
No grupo B encontram-se as empresas médias, tributadas em função dos lucros que presumivelmente tenham obtido.
Quer sobre os contribuintes do grupo A, quer sobre os do grupo B recai a obrigação de apresentarem anualmente a declaração dos lucros do exercício anterior.
Os lucros declarados pelos contribuintes do grupo A, salvas as excepções previstas, só podem ser corrigidos à face da escrita; os declarados pelos do grupo B poderão ser objecto de apreciação por parte das comissões concelhias, às quais compete fixar anualmente o rendimento colectável.
A tributação dos pequenos contribuintes incluídos no grupo C basear-se-á nos lucros que normalmente possam obter e que serão fixados pelas mesmas comissões concelhias.
Importa observar, porém, que estas só deverão rever o rendimento fixado pela primeira vez na vigência do regime previsto, quando se verifique que a variação observada excede certa percentagem do rendimento. Assim se reduz o trabalho das comissões sem se afectar sensivelmente a justiça relativa.
A base de tributação é, pois, para as grandes empresas o rendimento real, efectivo, para as médias o rendimento presumido e para as de pequena dimensão o rendimento normal.
Através de uma rigorosa fiscalização, a exercer por peritos contabilistas, será controlada a matéria colectável dos contribuintes do grupo A. Quanto aos restantes o controle será exercido pelos meios comuns da fiscalização tributária. Tender-se-á para um sistema que faculte às comissões que fixam o rendimento e àquelas às quais incumbe o julgamento das reclamações o maior número de elementos sobre o rendimento dos vários contribuintes.
A constituição e funcionamento destas comissões tem sido objecto de especial atenção, de modo a assegurar-se-lhes uma actuação eficaz, embora sem esquecer as garantias do contribuinte, que também são reforçadas.
Não deixaram também de ser considerados os regimes especiais substitutivos da contribuição industrial, que são reduzidos apenas a três: o dos tabacos, o dos espectáculos e divertimentos públicos e o do jogo. Todas as demais actividades tributadas em regime especial passam a estar sujeitas a contribuição industrial.
Igualmente se atendeu aos problemas postos pela tributação dos organismos corporativos e das sociedades de desenvolvimento regional. Dado o modo por que passa a fazer-se a incidência e dados os sistemas de determinação da matéria colectável, há que estabelecer a liquidação e a cobrança de modo que lhe seja adequado.
Uma vez que se tomam como base da determinação do lucro tributável as declarações dos contribuintes e estes só após o encerramento das contas as podem prestar, a arrecadação do imposto passa a fazer-se no ano imediato ao da produção.
A liquidação definitiva far-se-á, pois, em época já adiantada do ano, o que, a não se tomarem as providências convenientes, pode afectar o regular abastecimento da tesouraria.
For isso se estabelece, tal como sucede na generalidade dos países da Europa, uma liquidação provisória com vista a um adiantamento parcial da contribuição em prestações cobráveis em Janeiro e Julho, a tomar na devida conta na liquidação definitiva.
Desta liquidação provisória estão naturalmente afastados os contribuintes do grupo C, quer pelo volume reduzido da receita do imposto, quer porque será possível relativamente a ele, dado o processo de determinação da matéria colectável, proceder à cobrança em Abril.
Besta salientar, no sumário das características fundamentais deste imposto, que à sua estruturação não foi alheia a preocupação de integrar a política fiscal na política de desenvolvimento.
E assim podem citar-se, além de outras medidas igualmente importantes, p tratamento de favor previsto para os lucros não distribuídos que venham a ser reinvestidos em determinadas condições, a protecção dispensada à valorização regional, às despesas com a investigação científica, ou para fins sociais e culturais, aos encargos da higiene, saúde, comodidade e segurança no trabalho, que traduzem bem o propósito de não contrariar, senão mesmo de incentivar, gastos que se considerem da maior importância para o desenvolvimento económico do país e para a elevação do nível de vida.
85. Conquanto tenha sido devidamente considerada a possibilidade de se estabelecer entre nós um imposto único sobre o rendimento, disse-se já, na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1959, qual a razão por que não se julgou preferível, de momento, a adopção dessa forma de tributação, tendo-se mantido, portanto, o sistema de impostos parcelares completado por um imposto de sobreposição, que agirá, entre outros fins, como correctivo do sistema, embora possa vir a ser substituído, numa futura evolução, pelo mencionado imposto único, depois de colhidos os frutos que da aplicação das medidas resultantes da reforma fiscal em curso decerto resultarão.
Procurar-se-á que o imposto complementar constitua fundamentalmente o elemento de personalização do sistema tributário, ou seja o elemento que permita dar mais um passo para se atingir uma maior justiça tributária. E, para a estruturação do imposto que permita a con-
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secução deste objectivo, atender-se-á às características da vida nacional, ao condicionalismo em que vivemos, à política geral do Governo e ao progresso da ciência e técnicas fiscais, não se repudiando a experiência adquirida com a aplicação das diversas regulamentações do imposto complementar até lio j e publicadas.
Promulgado inicialmente sem carácter definitivo (cf. artigo 4.º do Decreto n.º 15 467, de 14 de Maio de 1928, e relatório do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929) e com objectivo de compensar as receitas que deixariam de ser arrecadadas por força de supressão do imposto pessoal sobre o rendimento, criado pela Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922 (cf. artigo 2.º do Decreto n.º 15 290, de 30 de Março de 1928), o imposto complementar nunca se apresentou totalmente com carácter pessoal.
No entanto, e isto deve ser posto em evidência, as características inerentes à pessoalidade do imposto foram-se acentuando, designadamente em virtude da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 35 594, de 13 de Abril de 1946.
É nesta linha de evolução que se situa a estruturação do imposto complementar que resultará dos trabalhos em curso para a sua integração na reforma fiscal, o que corresponde aos propósitos que vêm sendo expostos.
Para tal, muito vai contribuir a tributação parcelar assente sobre o rendimento real do contribuinte, visto tornar possível mais justo e verdadeiro apuramento da matéria colectável com vista à determinação do rendimento pessoal
Mas sendo assim, tendendo o imposto complementar para a pessoalidade, impõe-se que atinja, ressalvadas determinadas espécies de réditos, o rendimento global de certa categoria de contribuintes, quer os elementos constitutivos daquele tenham sido ou não tributados anteriormente. Não poderão também deixar de ser tidos em atenção, em certas circunstâncias, não só os rendimentos do próprio contribuinte, mas também os das pessoas que lhes estão ligadas por vínculos familiares mais íntimos, na parte em que reforcem ou dependam decisivamente da economia do chefe de família.
Com vista à realização da maior justiça tributária, atender-se-á não apenas ao mínimo de existência mas também aos encargos do contribuinte, gerais e familiares. O mesmo é dizer que se pretende ter na devida conta a situação particular do contribuinte, para cuja determinação todos esses elementos são de primacial importância, ou, em alguns casos, absolutamente necessários.
Acresce que, relativamente aos encargos gerais, se atenderá a elementos que actualmente não são previstos e que, quanto aos encargos familiares, se estatuirá, independentemente de inovações que pretendem traduzir a realidade, um modo diferente de sua consideração.
Procurar-se-á, assim, estruturar um imposto proporcionado à situação económica do contribuinte, tendo as respectivas taxas, necessariamente, carácter progressivo, mas que, em virtude de o imposto assentar sobre realidades, apresentarão modificações substanciais relativamente às que actualmente vigoram.
Não tem sido, porventura, tão rápido quanto se desejava o trabalho de elaboração do novo Código do Imposto Complementar. A justificação reside na circunstância de se tornar impossível proceder a tal elaboração sem que estejam publicados todos os códigos que hão-de tributar os rendimentos parcelares. A sua publicação pode prever-se, todavia, para 1963, por forma a vir a abranger já a tributação desse ano.
Serão ainda necessárias medidas transitórias para obstar a que se verifique uma não pretendida solução de continuidade, com as inerentes dificuldades, entre a nova regulamentação e a anterior. Porém, elas serão estabelecidas tendo-se presente o objectivo que tem presidido à elaboração no novo código.
86. Avizinhando-se o termo dos trabalhos da reforma dos impostos directos -e encontrando-se concluído, nomeadamente, o Código da Contribuição Industrial - crê o Governo ser chegado o momento de instituir o imposto sobre o valor das transacções.
No relatório da proposta de autorização das receitas e despesas para 1961 referiram-se as razões que tornam aconselhável o estabelecimento, em Portugal, de um imposto sobre o consumo de carácter geral. Por um lado, afigura-se necessário proceder à reorganização dos impostos sobre o consumo, em aditamento à reforma dos impostos directos, por forma que os primeiros passem a representar o natural complemento dos últimos, conferindo-se o indispensável grau de equilíbrio e harmonia ao sistema fiscal português; por outro lado, a participação do nosso país na Associação Europeia de Comércio Livre, a eventualidade da adesão à Comunidade Económica Europeia e o interesse em proteger legitimamente a indústria portuguesa no plano da concorrência internacional determinam a preocupação de alargar o domínio dos impostos indirectos, aos quais se reportam as disposições da Convenção de Estocolmo e do Tratado de Roma relativas às restituições tributárias na exportação e à aplicação de impostos compensatórios na importação.
Tem-se registado, nas últimas décadas, em grande número de países do mundo ocidental, o nítido ressurgimento dos impostos sobre o consumo, na forma de tributação do valor das transacções. Criados, na maior parte dos casos, em circunstâncias excepcionais, sob a pressão de inadiáveis necessidades financeiras, os impostos sobre o valor das transacções não tardaram, porém, a estabilizar-se e, submetidos a sucessivos aperfeiçoamentos, transformaram-se em elementos normais e permanentes dos sistemas tributários.
Em contraposição aos clássicos impostos especiais sobre o consumo - de que são exemplos, entre nós, os tributos que atingem o tabaco, o álcool, a gasolina -, os impostos sobre o valor das transacções recaem sobre as transmissões da generalidade dos produtos, numa ou em todas as fases do circuito de produção e distribuição.
A gradual elevação das taxas e a acentuação do carácter progressivo dos impostos sobre o rendimento reflecte-se no desencorajamento da poupança voluntária. Ora os impostos sobre o consumo não reduzem o incentivo para o aforro; antes o ampliam, pelo que se mostram particularmente vantajosos em países como Portugal, que se defrontam com uma taxa insuficiente de formação de capital.
A acusação dirigida aos impostos gerais sobre o consumo, segundo a qual estes revestiriam um carácter regressivo - dado que os indivíduos com alto nível de vida tendem a gastar menor percentagem dos seus rendimentos do que os indivíduos económicamente mais débeis -, pode ser sem dúvida afastada ou atenuada pela isenção dos produtos de primeira necessidade e de taxas agravadas para os consumos supérfluos.
Pelo Decreto-Lei n.º 43 764, de 30 de Junho de 1961, foi criado entre nós o imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo. Este tributo, que veio corresponder à urgente necessidade de obtenção de meios financeiros para fazer face às despesas de segurança e fomento das províncias ultramarinas, constituiu como que o banco de ensaio do imposto sobre o valor das transacções, que já então se encontrava em estudo.
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A taxa do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo, que incidia sobre o preço de venda ao público de determinados produtos, constantes de uma tabela anexa ao decreto-lei que o instituiu, era de 15 por cento. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 44 235, de 14 de Março de 1962, remodelou a estrutura do imposto, ampliando a lista dos bens tributáveis e estabelecendo três taxas (10, 15 e 20 por cento), aplicáveis em função do grau de superfluidade dos produtos. Assim se tornou bem evidente o intuito de personalização que, de resto, preside naturalmente à criação dos impostos que agravam consumos tidos como sumptuários ou, pelo menos, como dispensáveis.
A opinião pública acolheu favoravelmente a base de progressividade do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo, mas suscitaram-se reparos quanto a certos aspectos da sua estruturação concreta. Da aplicação deste imposto resultaram, porém, úteis ensinamentos, que estão a ser devidamente considerados na preparação do imposto sobre o valor das transacções.
A fixação da incidência no estádio do comércio a retalho tem particular justificação no domínio dos impostos sobre consumos de carácter sumptuário: além de se tornar possível a tributação de certos serviços considerados de luxo, só assim se consegue que o imposto incida rigorosamente sobre a despesa do consumidor. Há ainda a considerar que no campo da tributação dos consumos supérfluos ou de luxo avulta mais o valor do que a quantidade das unidades consumidas.
Por outro lado, é desejável que um imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo apresente elevado grau de progressividade: por isso se procedeu à distinção das várias taxas e à delimitação, segundo o seu valor, dos produtos tributáveis, por forma que, em muitos casos, o imposto só viesse a agravar, dentro de certo tipo de produto, os artigos cujo preço excedesse determinada cifra.
O novo regime, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 44 235, ampliou, como se referiu, a lista dos artigos tributáveis alargando, por esta forma, a sua incidência.
Havendo o propósito de substituir este imposto pelo imposto sobre o valor das transacções, interessa apenas focar os aspectos que assumem relevo para a preparação deste último.
A fixação da fase do comércio a retalho para estádio de incidência e a delimitação complexa dos produtos tributáveis, em conjugação com a diferenciação nas taxas, que são teoricamente as melhores formas de resolução do problema do estabelecimento de um imposto geral sobre o consumo de carácter progressivo, constituem soluções desaconselháveis no plano da sua aplicação prática ao caso português.
A escolha da fase final do circuito da distribuição para estádio de incidência tem o mérito de afastar os inconvenientes característicos da tributação fixada em fases anteriores da distribuição e produção; só assim é possível tornar a carga fiscal proporcional às despesas dos consumidores - de harmonia com critérios predeterminados -, evitando-se as disparidades que se produzem, na plano da tributação do grossista ou do produtor, por virtude da diversidade de estrutura dos circuitos concretos.
Teoricamente vantajosa, a escolha do estádio do retalhista envolve, contudo, graves dificuldades na sua transposição para o plano prático. O Estado terá de cobrar o imposto de uma multiplicidade de pequenos comerciantes, que não dispõem de convenientes sistemas de escrituração e em relação aos quais a fiscalização se mostra dispendiosa e ineficiente.
No nosso país o Comércio a retalho é ainda realizado, em larga medida, através de pequenas lojas, constituindo
frequentemente uma actividade familiar, pelo que se afigura difícil a escolha do estádio do retalhista para ponto de incidência de um imposto geral sobre o consumo.
Por outro lado, a distinção, dentro do mesmo tipo de produto, entre os artigos tributáveis e os não tributáveis faz suscitar problemas intrincados de interpretação, incita à realização de transformações não económicas nos artigos produzidos e dificulta extremamente o apuramento do imposto e a acção da fiscalização.
Pelas razões enumeradas, conclui-se que o imposto sobre o valor das transacções não poderia resultar de um simples aperfeiçoamento do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo. Há, que manter, é certo, a preocupação da progressividade - dentro do que é tecnicamente realizável. Importa ainda transferir o ponto de incidência para um estádio diferente do comércio a retalho, o que implica o estabelecimento de uma nova estrutura da tributação sobre o consumo.
Acresce que o imposto deverá ser constituído por forma a não prejudicar a formação de capital, factor básico do desenvolvimento económico, e a não dificultar o correcto funcionamento do sistema de restituições tributárias na exportação e de aplicação de tributos compensatórios às mercadorias importadas.
O imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo não é um imposto geral; não pode enquadrar-se na categoria genérica dos impostos sobre o valor das transacções, porque apenas atinge as transacções de determinados produtos e as prestações de certos serviços - uns e outros correspondendo a consumos de carácter não essencial -, ficando fora do seu campo de aplicação a grande massa dos bens de consumo. Tendo constituído uma medida de emergência, o imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo deverá, pois, ser substituído pelo imposto geral sobre o valor das transacções.
No relatório da proposta de autorização de receitas e despesas para 1961, depois de se aludir ao início dos estudos para a criação do imposto sobre o valor das transacções, notou-se que «entre os pontos cujo estudo apresenta particular importância salientam-se a medida da generalidade do tributo, a determinação do ponto do circuito económico em que deve incidir e o problema do estabelecimento de taxas diferenciadas».
Pode considerar-se como questão fulcral a da determinação do estádio de incidência: da sua solução fica dependente toda a estruturação do imposto.
Esquematicamente, os impostos sobre o valor das transacções podem classificar-se em impostos sobre o valor pleno e impostos sobre o valor acrescentado.
Os primeiros incidem sobre o valor das transacções, em todas as fases do circuito de produção e de distribuição (imposto cumulativo), ou num estádio apenas (imposto único); os segundos recaem sobre o acréscimo de valor verificado no produto em cada fase.
O imposto cumulativo, que é aplicado na Alemanha, enferma de diversos vícios, que desde logo o tornam desaconselhavel: como incide sobre todos os estádios, a carga fiscal varia consoante a maior ou menor extensão dos circuitos das mercadorias, produzindo-se disparidades ,que só podem ser eliminadas pela introdução de impostos únicos especiais. E inútil referir as dificuldades que a aplicação deste imposto suscita no domínio das importações e exportações e a complexidade da sua fiscalização, dado o elevado número de contribuintes.
Afastada, também, pelas razões já expostas, a solução de criar - ou manter - o imposto único incidente sobre a venda a retalho, resta escolher entre o imposto sobre
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o valor acrescentado (tipo francês), o imposto único na produção e o imposto único na fase do comércio por grosso (tipo inglês).
A tributação do valor acrescentado, sistema tecnicamente evoluído, que assegura a proporcionalidade entre a carga fiscal e as despesas dos consumidores, envolveria, na sua aplicação ao caso português, dificuldades que por agora se afiguram intransponíveis. Este imposto assenta em complexo processo de deduções tributáveis, para o qual os contribuintes não estão preparados; não se coaduna com uma orientação personalizadora, e faz surgir problemas de cobrança e fiscalização análogos aos verificados no plano do imposto único para o retalhista.
Resulta de todas estas considerações que os sistemas de imposto único na produção e no comércio por grosso são sem dúvida os mais adequados às actuais condições económicas e sociais portuguesas. A sua maior vantagem reside na substancial redução do número de contribuintes, no melhor apetrechamento destes para proceder à concreta determinação do imposto e na simplificação da fiscalização.
Não se ignora que a fixação da incidência do imposto sobre o valor das transacções na transmissão efectuada pelo produtor ou na que o grossista realiza dá origem a certos problemas, ligados à eventual supressão das transacções tributáveis, por efeito da integração dos circuitos. Estas dificuldades são, contudo, superáveis e não deixarão de se considerar na estruturação do novo imposto.
São apreciáveis as vantagens da tributação das vendas por grosso, em confronto com a imposição na produção. Dada a maior proximidade em relação ao consumo, a disparidade entre a carga fiscal e as despesas dos consumidores é menos acentuada e torna-se mais simples a aplicação do sistema de restituição na exportação e compensação na importação.
A incidência do imposto sobre o valor das transacções será, portanto, fixada no estádio do comércio por grosso. O imposto recairá sobre o preço de venda dos produtos tributáveis, na passagem do grossista - ou do produtor, na hipótese de não existir um grossista independente - para o retalhista.
Além da taxa geral - aplicável genericamente a todos os produtos - haverá uma taxa agravada e uma taxa reduzida, o que corresponde às exigências de personalização. As numerosas isenções serão ditadas por duas preocupações fundamentais: a de não agravar o custo da vida - o que determina a isenção dos consumos de carácter essencial - e a de não prejudicar o esforço de desenvolvimento económico do País - de que decorre a isenção dos principais bens de produção.
Deixará de se exigir a indicação do imposto em separado do preço de venda dos produtos, porque se crê que uma das vantagens capitais dos impostos sobre o consumo reside na relativa insensibilidade do consumidor ao seu pagamento. Assim se evitará a reacção psicológica de retraimento, que porventura se tem feito sentir no que se refere ao actual imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo.
A instituição do imposto sobre o valor das transacções coincidirá com a reorganização da tributação do consumo. A extinção do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo, que constituiu uma solução de emergência, de carácter naturalmente provisório, acrescerá a integração no imposto sobre o valor das transacções da tributação de certos produtos até agora sujeitos a regimes especiais.
87. Independentemente dos preceitos legais específicos de cada um dos códigos agora publicados e dos diplomas
que os aprovam, quanto à necessidade de um certo escalonamento da sua entrada em vigor e quanto à adaptação temporária de algumas situações que não se compadecem com o salto brusco de um regime para outro, importa estabelecer na presente lei, para vigorarem em 1963, disposições temporárias ou meramente transitórias, para que não possa correr-se o risco do desencontro entre os dois regimes e a omissão consequente de situações que até agora são contempladas pelos diplomas de incidência fiscal.
Acresce que as já invocadas circunstâncias excepcionais em que vivemos e que legitimaram, nas gerências imediatamente anteriores, o recurso a medidas extraordinárias, ou de teor manifestamente temporário, impõem em alguns casos a sua manutenção por mais um período de administração financeira, por necessidade de prosseguimento no objecto de uma política geral que os interesses fundamentais da Nação não podem dispensar.
Avulta entre essas medidas o imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar que se aplicou no ano em curso às empresas cuja situação fizesse presumir um razoável índice de disponibilidades.
A experiência de um ano na aplicação deste imposto - que só a esse mesmo ano aliás respeitava - dá suficiente garantia para se julgar não ter ele constituído elemento perturbador na economia das empresas que o suportaram, nem se haver notado, na sua sujeição, qualquer surto digno de relevo de evasão condenável.
88. Apesar de se contar com a entrada em vigor do Código da Contribuição Predial, que vai alterar profundamente o regime de isenções, julga-se conveniente manter ainda na proposta de lei a disposição da alínea b) do artigo 6.º da Lei n.º 2111, para vigorar transitoriamente. Não porque se tivesse já verificado um importante efeito imediato dessa medida, dada a circunstância de os prédios iniciados em 1962 só serem inscritos na matriz nos próximos anos; mas porque importa manter a disposição até se providenciar definitivamente sobre esta matéria, a fim de não se perder o efeito da política de defesa contra o custo da habitação.
Vai o Ministério das Finanças elaborar o diploma adequado ao cumprimento do preceito do novo código sobre isenções de contribuição predial, para ser publicado no início do próximo ano. Conquanto seja difícil estabelecer desde já princípios seguros a esse respeito, pode dar-se como certo que o pensamento que se julga mais aconselhável não é apenas o do estabelecimento de limites uniformes e abstractos de rendas, mas sim o de atender também ao número de divisões de cada habitação. Desse modo, ajudar-se-á a resolver o grave problema do alojamento das famílias numerosas e económicamente débeis ou, pelo menos, de rendimentos desproporcionados em relação aos actuais níveis das rendas efectivas.
89. Também em relação ao imposto complementar se mantém o regime que vigorou no ano corrente. Espera-se que o novo código entre em vigor a tempo de estabelecer o regime que a seu respeito há-de vigorar para futuro. Providencia-se apenas no sentido de que da entrada em vigor dos novos códigos não resulte ficar este imposto privado de matéria de incidência em relação a situações ou a rendimentos a ele já tradicionalmente sujeitos.
90. Prolongam-se, para o ano de 1963 e até ao regime definitivo, as medidas tomadas no ano corrente em relação aos grémios da lavoura, suas federações e uniões quanto a contribuição industrial; igualmente se procede para o imposto sobre as sucessões e doações devido pelas pessoas
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morais perpétuas a que se refere o artigo 35.º do Código Civil, dada a manutenção das razões que ditaram II sua suspensão.
91. Mantém-se para 1963 a obrigação de providenciar quanto à eliminação das causas de dupla tributação nas relações interterritoriais do nosso país. Posto que o diploma em causa se encontre pronto há bastante tempo, julga-se indispensável a sua articulação com as medidas gerais de integração do espaço português.
Aproveita-se para prever a possibilidade de o nosso país ter de firmar em 1963 acordos internacionais sobre dupla tributação para que tem sido solicitado e que fazem parte da política geral seguida nesse campo.
92. Um dos aspectos para que, no relatório da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1962, se chamou particular atenção, como objecto de decisiva importância da política fiscal, foi o da necessidade de reforma da estrutura orgânica e funcional dos serviços de administração fiscal e de justiça tributária, dada a consideração de que a boa ou má eficiência da reforma dos impostos dependeria, necessariamente, não apenas da disponibilidade e qualidade dos meios e das pessoas que a hão-de executar mas também da própria mentalidade a criar entre os dois sujeitos da relação tributária: os serviços e os contribuintes.
Postas já em vigor e acção efectiva em 1962 algumas medidas de decisiva importância para a consecução dos objectivos anteriormente expostos, pode todavia considerar-se ainda com plena actualidade tudo que nessa proposta se disse a respeito de tais problemas, uma vez que as medidas até agora tomadas não passam de meros ajustamentos ou soluções cuja urgência se não compadecia com maiores delongas.
Forçoso é, pois, prosseguir, em 1963, na política traçada para este sector e já iniciada, por forma a completá-la a tempo de evitar uma eventual desarticulação entre os princípios e exigências da reforma fiscal e os meios oficiais ou particulares que hão-de executá-la. Dando-se, pois, como reproduzidas as considerações constantes da anterior proposta, designadamente nos seus n.ºs 105 a 110, espera o Governo poder completar em 1963 todo o conjunto de medidas indispensáveis aí previstas que não tenha podido pôr em execução no ano corrente.
Uma nota sobre o estado actual dos trabalhos relativos à resolução dos principais problemas da reforma orgânica e funcional dos serviços e sobre alguns dos resultados já obtidos no melhoramento deste sector não será descabida, agora que se lhes entrega toda a responsabilidade na execução da reforma.
Têm sido já largamente referidos, em relatórios anteriores, os meios utilizados para criar entre os contribuintes um clima de entendimento e para gerar ou fortalecer uma consciência cívica de cooperação e criação de um seguro ambiente de confiança e de boa fé, julgados necessários a uma eficiente aplicação das leis tributárias, e neles se tem dado um especial relevo ao plano das relações públicas, iniciado entre nós com a criação do Serviço de Informações Fiscais. Iniciada a sua execução em 1960, com o intuito de possibilitar ao contribuinte o esclarecimento de dúvidas respeitantes aos seus deveres, elucidá-lo quanto aos seus direitos, conseguir uma melhoria das condições em que se processavam os contactos com a Administração e recolher nomeadamente as sugestões com que o contribuinte julgasse melhorá-la, pôde já no fim desse primeiro ano ser considerado um êxito a sua criação por se ter verificado, no primeiro ano do seu funcionamento, ter sido procurado por 24 843 contribuintes. A certeza da sua utilidade foi, porém, largamente confirmada, uma vez que o número de contribuintes que procuram o serviço cresce de dia para dia. Na verdade, durante o ano corrente e unicamente até ao fim de Setembro, procuraram já o Serviço de Informações Fiscais em Lisboa 64 496 contribuintes. Quanto ao Porto, viu-se confirmada a esperança que se formulava de se ver a realização com a mesma eficiência e interesse do público dos efeitos tão largamente obtidos em Lisboa, pois procuraram durante o mesmo período deste ano o Serviço de Informações Fiscais ali criado 22 009 contribuintes. Tais resultados comprovam a confiança que o Serviço de Informações Fiscais, estruturado de forma a possibilitar a manutenção do anonimato por parte do consulente, e de acordo com o mais rigoroso princípio do segredo profissional, conseguiu conquistar.
Na mesma linha de rumo, importa salientar o rendimento com que está a funcionar o serviço de prevenção e repressão das infracções fiscais, criado pelo Decreto-Lei n.º 43 861, de 16 de Agosto de 1961, e em que se depositavam confiadas expectativas no relatório anterior. Constitui este serviço um complemento lógico do anterior, pois entre as suas funções se conta a prevenção dos contribuintes susceptíveis do cometimento de infracções por ignorância da lei, por boa fé ou falta de atenção não reprovável - o que constitui uma função de informação oficiosa estruturada em proveito directo do contribuinte. Conjuga-se ainda esse serviço com o das informações fiscais, enquanto lhe compete a observação de todos os factores que possam causar a evasão e a fraude fiscal, bem assim como a observação do cumprimento das leis tributárias. O mesmo se pode dizer quanto à sua competência repressiva, pois tem como pressuposto a ideia de que tendo sido colocadas à disposição do contribuinte novas facilidades relativamente ao conhecimento dos deveres fiscais é natural exigência um seu cumprimento exacto.
O estado adiantado dos estudos para a reforma dos serviços de justiça, fiscal e muito especialmente da orgânica e processo do contencioso permitiu já ao Governo resolver em 1962 a situação dos escrivães das execuções fiscais, que de longa data aguardavam uma solução que não podia ser unilateral, dada a sua integração num sistema orgânico que só agora pode ser reformado. A publicação do Decreto n.º 44 181, de 9 de Fevereiro do ano corrente, permitiu também dar aos informadores fiscais uma possibilidade de acesso que não poderiam ter no limitado âmbito das funções que até agora exerciam. Julga-se que as medidas tomadas além de constituírem um acto de justiça para com os funcionários por elas abrangidos representam também a expressão de um espírito administrativo que espera dos servidores o estímulo pela melhoria constante ou um verdadeiro entusiasmo pelo desempenho das funções que se há-de necessariamente traduzir num maior rendimento e numa mais acentuada compreensão dos respectivos deveres. Sob este aspecto pode dizer-se constituir apenas o Decreto n.º 44 181 um exemplo a documentar a política de interesse pelas condições em que o funcionalismo desempenha as tarefas que lhe estão confiadas e que tem sido constante preocupação dentro da política que neste sector está a ser seguida.
93. No que se refere propriamente à reforma orgânica e funcional dos serviços de justiça tributária - considerado o sector judiciário do Ministério Público e das actividades preparatórias e auxiliares - pode dar-se como findo o respectivo estudo, aguardando-se apenas que sejam publicados os diplomas da reforma fiscal que a possam afectar para se promover a sua entrada em vigor, tanto quanto possível em regime de simultaneidade.
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Trata-se de dotar o País de uma magistratura especializada, embora seguindo tanto quanto possível os traços fundamentais da organização e funcionamento da magistratura comum; a criação de alguns tribunais fiscais de 1.ª instância de competência territorial regional - em número que se prevê bastante reduzido- resolve toda a. gama de problemas que esta importante matéria pode suscitar.
Tendo presente que o acto de julgar exige autoridade em exclusivo serviço da interpretação e aplicação da lei, julga-se indispensável tornar independente a magistratura judicial fiscal, libertando-a da sujeição a ordens ou instruções - salvo o dever de obediência à própria hierarquia judicial-, bem como declará-la irresponsável, em princípio, alheando os magistrados das consequências que possam derivar do normal exercício da sua função.
E ainda no intuito de proporcionar ao juiz a serenidade e objectividade necessárias para a adequada posição dos factos em face da lei, considera-se imprescindível tornar a magistratura judicial fiscal inamovível, quer pela impossibilidade de interrupção dos períodos por que é feita a nomeação provisória, quer pelo seu carácter vitalício, quando esta se tornar definitiva, subordinando, neste caso, o afastamento do magistrado do exercício das suas funções à expressa previsão na lei.
Por outro lado, não se deixou ainda de ponderar que a especialidade da jurisdição fiscal se funda na especialidade da matéria, o que aconselha, tanto quanto possível, um movimento paralelo de especialização da magistratura judicial, pela enunciação de índices a serem tidos em conta no momento da nomeação.
Quanto à magistratura do Ministério Público Fiscal, não pode deixar de ser paralela à respectiva magistratura judicial, mas dela independente, não podendo os seus representantes receber ordens, instruções, advertências ou censuras dos respectivos juizes.
Julga-se indispensável estruturar um órgão essencialmente técnico que possa agregar à pura função de procuradoria-geral da Fazenda, ou seja à representação e defesa dos interesses da Fazenda Nacional junto dos tribunais fiscais, as funções gerais de vigilância da legalidade fiscal, em cujo exercício desenvolverá não só uma actividade de controle da obediência e acatamento da lei como também tomará a iniciativa de prestar auxílio técnico aos contribuintes legalmente considerados como dele carecendo, quer assumindo a sua defesa em processos de natureza fiscal, quer prestando-lhes assistência, quer mesmo recorrendo para os tribunais superiores das decisões proferidas nos tribunais fiscais, sempre que isso seja pedido pela protecção dos legítimos interesses dos próprios contribuintes.
Estes aspectos são, afinal, a projecção orgânica do espírito unitário dá Reforma Fiscal, que é -diga-se uma vez mais - o de proporcionar o justo equilíbrio entre o direito do Estado e a protecção do efectivo interesse do contribuinte.
Como nota geral, que sublinha toda a organização judiciária fiscal e simultaneamente justifica o particular cuidado posto no seu estudo e elaboração, impõe-se referir que a necessidade de uma adequada organização dos tribunais se funda verdadeiramente na exigência de eficácia prática da norma jurídica através da justiça e prontidão da sua aplicação. E esta tarefa encontra, certamente, entre as suas condicionantes fundamentais o necessário apetrechamento, já que a fraqueza do direito tanto pode derivar da insuficiência da lei como da insuficiência dos seus meios de aplicação.
Ainda no prosseguimento da reforma do contencioso encontra-se actualmente em preparação um código de processo fiscal, tarefa que essencialmente assenta na preocupação de regulamentar com unidade sistemática os elementos componentes da relação jurídico-processual, nas matérias relativas à acção, sujeitos e objectos do processo e formalismo processual. E embora este trabalho se apoie em muitos aspectos na linha de orientação já existente e planeada nos vários diplomas que regulam o processo fiscal outros há inteiramente novos.
No processo declaratório, mais correspondente ao actual contencioso das contribuições e impostos, manter-se-ão as formas de processo já existentes relativamente à impugnação do acto de lançamento e liquidação e às infracções fiscais, separação processual que se continua a julgar logicamente procedente em face da diversidade substantiva que apresentam e, consequentemente, também extensiva às exigências que postulam.
No seguimento do actual sistema tem-se igualmente em vista orientar a estrutura processual pelo princípio da verdade material, e, conciliando devidamente as necessidades de celeridade e economia processuais com um formalismo, que, embora reduzido ao essencial, sempre se tem de conservar, porque imposto pela ideia de ordem do processo e, sobretudo, como garantia dos interesses das partes intervenientes. Característica fundamental que aqui se apontará como ideia base que preside à reforma do contencioso, e a integral jurisdicionalização do processo declaratório fiscal. Pretende-se, assim, uma nítida separação entre os aspectos administrativos e jurisdicionais do contencioso, passando toda a competência de decisão, como princípio geral, em processo declaratório fiscal, para a exclusiva pertença dos tribunais fiscais, órgãos com o monopólio do julgamento, «suprapartes» e delas independentes pela sua constituição.
Trata-se de uma ideia já com assento no actual sistema e cuja continuidade reveste, sem dúvida, particular importância como realização do espírito de efectiva defesa dos interesses dos contribuintes.
A reforma do processo do contencioso fiscal havia de, lógica e necessariamente, abranger a do processo executivo.
O actual Código das Execuções Fiscais acha-se naturalmente desactualizado, embora represente para a época da sua elaboração um assinalado progresso.
A execução ocupa, no ordenamento processual, um lugar de suma importância, pois através dela se realiza a garantia prática do direito do credor que, neste caso, é o Estado.
A natureza e destino das receitas tributárias e de outros rendimentos públicos determinaram, para a sua cobrança coerciva, a criação de um processo dotado de características especiais.
Na reforma em preparação mantêm-se essas características, que- podem resumir-se: numa simplicidade de rito, numa supressão de actos e diligências inadequados à estrutura do processo e à sua finalidade, numa oficiosidade que se revela no impulso inicial do processo sem dispensar a promoção do representante da Fazenda Nacional, por indispensável, o que tudo lhe confere uma particular eficiência, que é sem dúvida o seu natural escopo.
Contudo, isto não significa que se minimizem as garantias do executado, que terá à sua disposição os fundamentos e os meios para se opor a uma pretensão ilegítima ou infundada.
Poderá, ainda, ao impugnar a validade do lançamento e liquidação da dívida no contencioso competente, pedir a suspensão do processo executivo.
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A regulamentação da execução fiscal obedece a um princípio de suficiência, tanto quanto baste para atingir a sua finalidade específica, mas sem prescindir, por impossível, da recepção material das disposições de processo civil ou da sua aplicação subsidiária nos casos omissos.
94. Para além dos importantes incentivos fiscais concedidos - nomeadamente em matéria de contribuição industrial, de isenção de direitos de importação e de restituição de regimes de draubaque - às empresas que visam, principalmente, à colocação dos bens que produzem no mercado externo, constituiu intenção do Ministério das Finanças, desde há anos, proceder à progressiva eliminação dos direitos de exportação.
Simplesmente, para que o sacrifício de ordem orçamental que a prossecução de uma política desta natureza comporta tenha inteiro significado do ponto de vista do fomento dos sectores de actividade mais directamente ligados à exportação torna-se necessário que, concomitantemente, se proceda à revisão das diversas imposições que oneram as mercadorias a exportar nas diferentes fases da produção.
Dentro desta política se enquadram a reforma fiscal em curso, as alterações efectuadas ou previstas nos impostos sobre o consumo e, principalmente, o disposto na alínea b) do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, e, no que se refere à exportação para países estrangeiros, o artigo 13.º da Lei n.º 2111. de 21 de Dezembro de 1961.
Com efeito, a referida disposição do Decreto-Lei n.º 44 016 estabelece que «a partir de 1 de Julho de 1962 serão livres de direitos de exportação todas as mercadorias com destino às províncias ultramarinas». Por seu turno, pelo disposto no artigo 18.º da anterior Lei de Meios, foi o Governo autorizado a «isentar de direitos de exportação todas as mercadorias destinadas aos países que, por efeito de acordos, tratados ou convenções, gozem de tratamento especial».
Eliminaram-se, assim, no decurso deste ano os direitos aduaneiros sobre a exportação de mercadorias para o ultramar português. Por outro lado, no que se refere às exportações destinadas aos restantes países da A.E.C.L., e de harmonia com os compromissos assumidos no âmbito da Convenção de Estocolmo, deixaram de cobrar-se os direitos relativos às mercadorias abrangidas pelos seguintes artigos da respectiva pauta:
15 - Baga de sabugueiro.
24 - Couros e peles não especificados, em bruto ou preparadas, até 32 kg.
25 - Idem com mais de 32 kg.
30 - Cortiça enguiada.
31 - Feldspatos.
36 - Madeira de pinheiro, em bruto, não especificada.
40 - Idem para tanoaria ou marcenaria, excluindo pinheiro.
42 - Idem em postes telegráficos e mastros para embarcações.
44 - Minério de estanho.
44-A - Minério de volfrâmio, em bruto ou tratado.
46-B - Ossos, raspas de peles, etc. - 48-A - Peles de gardunhas, etc.
51-B - Resíduos de minérios de volfrâmio, etc.
58 - Trapo de quaisquer fibras e ourelos.
62 - Capas ou fardos de fibras animais, etc. 115 - Obras de arte e objectos arqueológicos,, etc.
Foram ainda eliminadas as sobretaxas que incidiam sobre as mercadorias incluídas nos artigos:
29 - Cortiça em prancha.
44 - Minérios de estanho (cassiterite).
44-A - Minérios de volfrâmio.
51-B - Resíduos de volfrâmio.
Nestes termos, resta considerar, no que se refere a direitos de exportação, o caso das mercadorias destinadas a países estrangeiros e não contempladas pelas providências promulgadas no corrente ano. Neste aspecto, e de acordo com um plano de eliminação sucessiva dos encargos que ainda afectam a exportação, promoverá o Governo, a curto prazo, a eliminação dos direitos que actualmente incidem sobre as mercadorias descritas nas classes 5.ª e 6.ª da pauta de exportação - «Aparelhos, instrumentos, máquinas e utensílios empregados na ciência, nas artes, na indústria e na agricultura; embarcações e veículos» e «Manufacturas diversas» -, que parecem exigir, de forma mais imediata, desagravamentos que melhorem as suas condições de concorrência nos mercados internacionais.
Defesa nacional
95. Dada a importância que continuam a assumir os encargos com a defesa da população e da integridade territorial no conjunto das despesas destinadas a fazer face às necessidades públicas, mantém-se na presente proposta de lei disposição análoga à do artigo 15.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961.
Reconhece-se, assim, necessário que de novo o Governo fique expressamente autorizado a conceder prioridade às despesas inerentes à defesa nacional.
No entanto, a prioridade imposta pela natureza destas despesas não significa necessariamente compressão do consumo nacional, nem envolve rigidamente sacrifício total do investimento e, por esta forma, do próprio progresso económico do País. Aliás, como já oportunamente se esclareceu «nas actuais circunstâncias e no pensamento do Governo, prioridade das despesas militares quer - simples e felizmente - dizer que parte dos recursos que poderiam ser investidos para incrementar o bem-estar das gerações presentes, e sobretudo futuras, é destinada à necessidade superior de concorrer para que se não desfaçam as vocações da nacionalidade. Nelas se enlaçam e fundem, como todos nós, os que nos precederam e os que hão-de vir».
Por outro lado, não deve deixar de ter-se presente que o facto de se tornar imprescindível afectar adequado volume de recursos à realização das despesas de emergência no ultramar se não repercutirá integralmente de forma negativa sobre o comportamento da actividade económica nacional, uma vez que as importantes despesas de defesa a realizar devem determinar sensível expansão da procura interna - tanto na metrópole como no ultramar. Acresce que o comportamento recente da economia portuguesa, a que anteriormente se fez referência, e as perspectivas que actualmente se abrem ao País no que se refere a formação bruta de capital fixo, em consequência do volume de fundos que foi possível mobilizar interna e externamente e dos que se prevê venha a ser possível obter em futuro próximo, permitem encarar confiadamente a evolução da actividade económica em 1962.
96. O artigo 16.º da presente proposta de lei encontra-se formulado em termos semelhantes aos da disposição análoga - artigo 16.º - inserta na Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961, pelo que não se impunha, em princípio,
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uma referência especial. Parece, contudo, conveniente referir, tal como se tem feito em anos anteriores, a forma como tem decorrido a efectivação dos compromissos internacionais de ordem militar e a sua evolução provável no período a que respeita a presente proposta de lei.
Após a promulgação da lei de autorização das receitas e despesas precedente o limite máximo autorizado para as despesas afectas a compromissos internacionais foi fixado em 4 300 000 contos.
Desta importância global foram despendidos até final do último ano 3 634 007 contos, como a seguir se discrimina:
Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1061:
Contos
Limite máximo autorizado legalmente........... 4 300 000
Pago em:
1952.......................................... 282 882
1953.......................................... 467 279
1954.......................................... 386 388
1955.......................................... 377 558
1956.......................................... 352 623
1957.......................................... 233 108
1958.......................................... 322 326
1959.......................................... 366 506
1960.......................................... 430 388
1961.......................................... 414 949
3 634 007
Guias de reposição que não puderam ser abatidas nos anos de:
1952..................................... 3 573
1953..................................... 1 744
1954..................................... 575
1955..................................... 820
1956..................................... 340
1957..................................... 3 157
1958..................................... 759
1959..................................... 7 448
1960..................................... 1 607
1961..................................... 222
20 245
3 613 762
Para os 4 300 000 faltam........ 686 238
m 1962:
Foram orçamentados.................... 260 000
Reforço pelo Decreto-Lei n.º 44 568,
de 12 de Setembro de 1962............ 70 045
330 045
Reserva para 1963........... 356 193
Assim, dado que o saldo susceptível de aplicação em 1963 não difere sensivelmente da média das importâncias despendidas nos últimos anos e tendo, ainda, presente os elevados encargos a que urge fazer face com a defesa das províncias ultramarinas - em que estão em causa não apenas os superiores interesses do País mas também, em
última análise, os do próprio mundo ocidental - não se vê, em 1963, necessidade de elevar o plafond de 4300 milhares de contos anteriormente autorizado. Do mesmo modo, julga-se conveniente inscrever no Orçamento Geral do Estado para 1963 a dotação de 260 milhares de contos para satisfação dos compromissos internacionais de ordem militar, à semelhança do que se verificou no ano precedente.
Investimentos públicos
97. No presente capítulo incluem-se disposições de um modo geral análogas às contidas nos artigos 17.º a 21.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961.
Assim, o artigo 17.º da presente proposta de lei tem como objectivo conceder autorização ao Governo para que em 1963 as verbas destinadas aos investimentos programados para o 5.º ano de execução do II Plano de Fomento sejam inscritas no orçamento tendo em atenção a prioridade imposta pelos encargos com a defesa nacional.
Em consequência ainda do elevado montante das despesas a realizar para fazer face às imperiosas necessidades determinadas pela preservação da integridade territorial da Nação pretende o Governo, pelo artigo 18.º, ficar autorizado, como em 1962, a limitar os encargos extraordinários previstos em diplomas anteriores, com excepção das dotações relativas aos empreendimentos programados no Plano de Fomento, por forma a não afectar sensivelmente a sua execução.
Todavia, no artigo 19.º, o Governo propõe que lhe seja conferida autorização para inscrever no orçamento para 1963 as verbas que, à margem do Plano de Fomento, esteja habilitado por lei a escriturar em despesa extraordinária, devendo ainda, com preferência da conclusão de obras em curso, seguir uma ordem de prioridades idêntica à fixada no ano anterior, excepto no que se refere a educação e cultura.
Como se referiu no relatório que acompanhou a anterior proposta da Lei de Meios, estas despesas extraordinárias têm sido realizadas pelo Governo tanto na sequência de diversos diplomas especiais - onde se fixam os quantitativos totais a despender e, geralmente, também o prazo de duração dos respectivos projectos -, como na execução de outros empreendimentos de natureza semelhante, sem obediência a programa estabelecido em diploma legal.
No quadro que a seguir se insere indica-se, quanto ao conjunto de investimentos do Estado não abrangidos no Plano de Fomento, o montante total, as despesas efectuadas nos últimos onze anos, a dotação inscrita no Orçamento Geral do Estado para 1962 e o total a despender.
QUADRO XXV
Investimentos do Estado não abrangidos no Plano de Fomento
Empreendimentos em curso nos anos de 1961 e 1962
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
(a) A inscrever do 1958 a 1965, de conformidade com as disponibilidades orçamentais.
(b) A inscrever sem prazo, de conformidade com as disponibilidades orçamentais.
(c) O Plano devia estar concluído em 1956. Porém, até ao fim de 1961 gastaram-se cerca de 203 789 contos.
(d) O encargo do Estado é de 37500 contos, a distribuir igualmente pelos anos de 1956 a 1965; o encargo da Junta Geral do Distrito Autónomo é de 12500 contos.
(e) O Estado contribui com 5 contos para cada uma das 10 000 casas previstas. Não há prazo para a construção.
(f) 8400 contos foram pagos de 1957 a 1960 à Câmara Municipal do Porto pela cedência de uma sua propriedade.
(g) 3750000 contos a inscrever em despesa extraordinária durante quinze anos (1956 a 1970), sendo 180000 contos de 1956 a 1958 e 267500 contos de 1959 a 1970; 2 250 000 contos suo desposa ordinária Igualmente repartida poios anos de 1956 a 1970.
(h) A 1.ª fase do Plano devia estar concluída em 1955. Porém, até ao fim de 1961 gastaram-se 129 994 contos.
(i) 52 000 contos respeitam a Ponta Delgada, a despender do 1956 a 1961 pelo Estado, Junta Geral o câmaras municipais; 22600 contos respeitam à Horta, a despender de 1958 a 1962 pelo Estado, Junta Geral e câmaras municipais.
(j) A parte não gasta até 1961 será satisfeita em 1962.
(l) A comparticipação do Tesouro é de 18 000 contos.
O total dos pagamentos relativos aos investimentos não abrangidos no Plano de Fomento elevou-se em 1961 a 722 -586 contos - o que representa cerca de 96 por cento da respectiva previsão orçamental. Pela sua importância no valor global dos investimentos realizados, devem destacar-se os referentes à rede de estradas do continente (267 500 contos), ao caminho de ferro da Beira (150 milhares de contos) e aos edifícios escolares (96 750 contos).
Assinale-se que nestes investimentos deveriam incluir-se os relativos ao reapetrechamento das Universidades e escolas e, ainda, dos estabelecimentos hospitalares, a que no entanto se fará referência especial posteriormente.
Sublinhe-se a importância dos empreendimentos anteriormente indicados para dotar o País com as infra-estruturas económicas e sociais indispensáveis ao processo de crescimento económico nacional, que deverá ser apreciada conjuntamente com a elevada participação do Orçamento Geral do Estado no financiamento do II Plano de Fomento, a que em outro passo do presente relatório se fez desenvolvida referência.
98. Ainda no artigo 19.º, alínea c) «Educação e cultura», figuram este ano, pela primeira vez, duas novas rubricas: «Aceleração na formação do pessoal docente universitário» e «Intensificação da concessão de bolsas de estudo». Uma ideia comum caracteriza o aparecimento e a localização destas rubricas: o reconhecimento expresso
da sua natureza infra-estrutural no plano social e económico. Além do seu significado puramente cultural e humano, pretende-se, com a sua inclusão, o fortalecimento das estruturas em que funciona o nosso sistema económico. E, como se sabe, para o fortalecimento das estruturas de funcionamento há condições prévias, pressupostos, infra-estruturas, em suma, que se não caracterizam por uma rentabilidade directa e imediata, mas que são condições indispensáveis para o funcionamento -e, portanto, para o desenvolvimento - do sistema. Não interessa muito, talvez, saber se a essência do progresso económico está na acumulação de capital ou na melhoria da destreza humana. Parece até que será nesses dois aspectos simultaneamente que se deverá procurar a referida essencialidade. Mas o que é fora de toda a dúvida é que as infra-estruturas se- não esgotam em pressupostos materiais. Elas absorvem em si aspectos humanos e espirituais.
E com este significado básico e com este alcance que se inscreveram as novas rubricas.
A formação acelerada do pessoal docente universitário
é, como se sabe, um problema «estratégico» para o nosso desenvolvimento social e económico.
O problema tem uma grandeza e uma evidência tais que parece dispensar muitas explicações. O que será conveniente acentuar é que se não poderia, numa altura de luta pela sobrevivência nacional, atacar o problema em todas ou, pelo menos, em muitas das possíveis e conve-
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nientes direcções. Optou-se, por isso, por visar uma carência que parece traduzir talvez a maior necessidade, de momento, do ponto de vista docente, e que é orçamentalmente comportável: a carência de assistentes. Não será necessária muita reflexão para se compreender o que significa a carência de assistentes: número excessivo de aulas e turmas demasiadamente grandes. Estes aspectos desdobram-se em inconvenientes muito sérios para o ensino:
1.º Preparação difícil, morosa e ineficiente de novos professores;
2.º Fuga de elementos aptos para outras ocupações de maior rentabilidade ou de melhores condições de trabalho;
3.º Cursos deficientemente organizados;
4.º Aulas mal preparadas e com um número de alunos desaconselhável;
5.º Desinteresse e falta de rendimento dos próprios alunos;
6.º Más condições de trabalho para os que já são professores.
Não é fácil, de momento, criar novos professores ou transformar e melhorar radicalmente as suas condições de trabalho. Mas é possível aumentar substancialmente o número de assistentes, pois a frequência universitária é perfeitamente suficiente para se conservar ou, até, apurar os critérios de escolha e selecção.
Á presente situação em matéria de bolsas de estudo vem do Decreto-Lei n.º 31 658, de 21 de Novembro de 1941, que, no seu artigo 22.º, instituiu 100 bolsas, da importância de 3000$ anuais, entregues em 10 prestações iguais durante os 10 meses do ano lectivo, e a distribuir, proporcionalmente ao número de alunos inscritos, pelas diferentes escolas do ensino superior. Pelo Decreto-Lei n.º 35 885, de 30 de Setembro de 1946, foram ainda instituídas 5 bolsas a conceder a alunos do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 41 362, de 14 de Novembro de 1957, dispôs, no artigo 7.º, que as bolsas de estudo a que se refere a base XI da Lei n.º 2043, de 10 de Julho de 1950, serão da importância de 3000$ por ano escolar e em número total de 25 para as duas Escolas Superiores de Belas Artes de Lisboa e Porto. No total, portanto, existem actualmente 130 bolsas de estudo para o ensino universitário, no valor de 300$ mensais.
Ao serviço de todo o conjunto de valores que o acesso dos mais aptos representa aumenta-se o número de bolsas do ensino superior e o seu quantitativo para o máximo permitido pela presente conjuntura nacional.
Não deve, no entanto, deixar de referir-se, como o quadro seguinte documenta, que não tem sido possível utilizar integralmente as dotações orçamentais inscritas para a concessão de bolsas de estudo no ensino primário, liceal e técnico profissional, pelo que se compreende que o aumento de dotação recaia exclusivamente sobre o ensino superior.
QUADRO XXVI
Número de bolsas e movimento das verbas
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui um reforço de 20 000$.
(b) Até 38 de Outubro.
99. Como anteriormente se referiu, tem o Governo realizado um conjunto de investimentos abrangidos pelo plano de reapetrechamento em material didáctico e laboratorial das escolas técnicas, institutos, liceus e Universidades e ainda pelo plano de reapetrechamento dos hospitais. A estes investimentos se refere o artigo 20.º da presente proposta de lei, que corresponde a idêntica disposição da Lei n.º 2111. À semelhança do que se verificou no ano anterior, pretende o Governo prosseguir na realização desses planos na medida das possibilidades do Tesouro, sem prejuízo dos encargos prioritários que possam surgir noutros sectores - nomeadamente no da defesa nacional.
Apresentam-se seguidamente os resultados obtidos, a partir de 1957, na execução do plano de reapetrechamento das escolas técnicas, liceus e Universidades.
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QUADRO XXVII (a)
Reapetrechamento em material das escolas superiores e secundárias
Valores relativos ao período de 1957 a Outubro de 1962
(Em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Elementos fornecidos pela Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias.
Nos três primeiros trimestres do corrente ano foram despendidos 15 984 contos, no âmbito daquele plano, com a seguinte distribuição:
Contos
Ensino técnico. .......................... 13 021
Ensino liceal ............................ l 498
Ensino superior .......................... 1 465
Com o objectivo de completar os elementos apresentados, incluem-se em anexo os mapas n.ºs 11 a 15, em que se discriminam as verbas, concedidas, por tipos de material adquirido, relativamente ao ensino secundário, e por estabelecimentos, no que se refere ao ensino superior.
100. Em relação ao reapetrechamento hospitalar, a respectiva comissão apresentou ao Governo em 1961 um plano de aquisição de equipamento para hospitais no montante de 19 472 contos, com enquadramento na dotação inscrita no Orçamento do mesmo ano - 20 milhares de contos.
Em 1962 foram abertos concursos respeitantes a parte do fornecimento desse equipamento, embora os processos relativos à aquisição do restante material, de harmonia com o I Plano de reapetrechamento Hospitalar, se encontrem já próximos do seu termo.
O II Plano, praticamente ultimado, foi organizado dentro da dotação concedida em 1962 - 14 000 contos - e totaliza 13 827 contos, assim distribuídos:
Contos
Hospitais centrais ................... 4 974
Hospitais regionais:
Norte ................................ 1 318
Centro ............................... 716
Sul .................................. 1 762
3 796
Hospitais sub-regionais:
Norte ............................... 1 845
Centro .............................. 1 287
Sul ................................. 1 925
5 057
13 827
O equipamento a adquirir por conta das dotações acima especificadas abrangerá, nomeadamente, material de cirurgia e urgência, análises clínicas, radiologia, sangue, fisioterapia, obstetrícia e ginecologia, estomatologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, ortopedia e pediatria.
Desta forma, o reequipamento para os hospitais poderá atingir, pelo que respeita apenas às dotações concedidas através do Orçamento Geral do Estado, cerca de 34. milhares de contos em dois anos. A esta importância há todavia que adicionar as comparticipações das autarquias locais, oferecidas ou fixadas.
101. Finalmente, o artigo 21.º da presente proposta de lei dispõe que o Governo inscreverá como despesa extraordinária em 1963 as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o Decreto-Lei n.º 31 975, de 20 de Abril de 1942.
O cadastro geométrico da propriedade rústica é um dos mais valiosos meios de acção de que a administração de um país poderá dispor. Não apenas por proporcionar a única maneira de a colecta sobre a propriedade rústica ser, tanto quanto possível, justa e equitativa, mas também por dar conhecimento do valor da riqueza agrícola e da forma da sua distribuição e evolução, sem o que nenhum estudo sério de planificação agrária se pode elaborar. E, ainda, quando baseado numa boa carta topográfica geral em grandes escalas, por facultar com grande economia de tempo e de dinheiro as plantas necessárias ao estudo de obras de fomento, desde as de grande envergadura - sistemas de rega interessando vastas zonas, estabelecimento de albufeiras e de grandes vias de comunicação, etc. - às de restrito interesse local, como sejam caminhos vicinais e abastecimento de água a populações. Há também a considerar como complemento cartográfico de um país a possibilidade de uma carta de fomento de tão grande utilidade, que, embora caso único, há uma grande nação europeia que a fez publicar e a mantém actualizada, sem que lhe dê utilização cadastral, isto é, sem que nela estejam representadas as estremas dos prédios.
102. A necessidade do nosso cadastro foi desde 1801, ano em que pela primeira vez se promulgaram medidas legislativas tendentes à sua realização, periodicamente posta em relevo pelos governos da Nação, no Parlamento e na imprensa. Especial menção merece a comissão de serviço de que foi encarregado o conselheiro António José de Ávila, em 1846, e de que resultou a apresentação, no ano seguinte, de um bem fundamentado relatório, que em muitos passos se pode ainda considerar actualizado, e a consequente nomeação de uma comissão encarregada de "preparar as instruções, os trabalhos e o orçamento das despesas necessárias para a medição do terreno, o levantamento das plantas cadastrais, para avaliação dos prédios, e para a conservação do cadastro; e organizar as propostas de lei sobre as medidas precisas para se harmonizar a
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nossa legislação com a instituição do cadastro, e para escolherem todas as vantagens que nela se compreendem».
Dos trabalhos desta comissão, praticamente apenas resultou um notável relatório do conselheiro Silva Ferrão, em que é profundamente estudada a situação jurídica da propriedade em regime de cadastro. Bastantes outras tentativas se seguiram, entre as quais se destacam duas propostas de lei apresentadas, uma em 1911 na Assembleia Nacional Constituinte e a outra em 1920 na Câmara dos Deputados, que nem sequer foram discutidas, embora a última fosse da autoria de dois Ministros, e o Decreto n.º 7873, de Dezembro de 1921, pelo qual se criou o serviço do cadastro geométrico que não chegou a funcionar.
Na verdade, sendo o cadastro geométrico uma obra muito cara e de longa execução, era utopia a sua realização em 1846, quando nem sequer se dispunha de um mapa do País de relativa confiança e se impunha o levantamento de uma carta geral que pudesse servir de base ao estudo da nossa rede primária de vias de comunicação, carta que o espírito realista de Fontes em breve ia impulsionar a publicação na escala de 1 : 100 000. Mas terminada esta carta, que em cinco décadas demandou o emprego de numeroso pessoal técnico e o dispêndio de muito avultadas quantias, só bem conhecidas dificuldades financeiras impediram que se iniciasse e fizesse progredir uma obra que todos os governantes reconheciam ser necessária a uma boa administração do País.
103. Foi só em 1926, pela publicação do Decreto n.º 11 712 e imediata concessão de, para a época, uma avultada dotação, que puderam ser iniciados grandes trabalhos de apoio geodésico necessários ao levantamento da planta cadastral do País.
Foi muito árdua a tarefa de que então foi incumbido o Instituto Geográfico e Cadastral, criado ainda em 1926, em substituição de um organismo praticamente ineficaz que tinha a seu cargo os trabalhos geodésicos, corográficos e cadastrais. Do ponto de vista técnico, ia passar-se da prática de levantamentos em pequenas ou, acidentalmente, escalas médias à de levantamentos em regra em grandes escalas. E isso obrigava ao trabalho moroso e muito delicado do estabelecimento de novas triangulações com a precisão requerida por levantamentos em grandes escalas, que era muito superior à das que haviam sido executadas, tantas vezes muito à pressa, apenas com o fim imediato de servir de apoio a levantamentos na escala de l: 50 000; e, ainda, estudar convenientes métodos de apoio geométrico de pormenor e torná-los bem conhecidos do pessoal destinado às operações do levantamento. Como complemento de grande importância, ao Conselho de Cadastro, que fora criado para funcionar junto do mesmo Instituto, era dada a missão de preparar toda a legislação que deveria regular as complexas operações de avaliação é registo matricial da propriedade. Lógico era esperar que os primeiros anos, que foram também de apetrechamento de .um organismo que do seu antecessor praticamente nada recebera de aparelhagem, fossem principalmente destinados a trabalhos de triangulação, sem os quais não podiam ser executados os de levantamento. Mas logo que pelos primeiros se pôde dispor de uma suficiente vasta zona geodèsicamente apoiada, os de levantamento, por processos clássicos, foram-se intensificando por forma a se vir
a obter um rendimento anual da planta cadastral na escala de l: 5000, correspondente a 120 000 ha.
Foi só a partir de 1944 que, devido a adequadas dotações orçamentais, em regra anualmente aumentadas, os trabalhos puderam progredir por forma a serem dos mais importantes entre os congéneres que na Europa se realizam.
Para isso contribuiu largamente o emprego da fotogrametria aérea, que a partir de 1940 passou a ter ampla aplicação mundial, mercê de muito notáveis aperfeiçoamentos introduzidos nas máquinas de tomada de fotografia aérea e aparelhos de restituição e também de novos métodos de trabalho ainda actualmente objecto de apurados estudos tendentes a reduzir cada vez mais as operações sobre o terreno, que tão dispendiosas são. A aparelhagem fotogramétrica que metodicamente se foi adquirindo permite dizer, que, exceptuado o Instituto Geográfico Nacional Francês, nenhuma outra organização oficial ou particular dos países europeus abertos ao conhecimento geral dispõe de um equipamento em qualidade e quantidade comparável ao do nosso Instituto Geográfico e Cadastral, e que compreende, além de valiosa aparelhagem acessória, várias maquinas fotográficas modernas e vinte estereorrestituidores de precisão requerida no levantamento de plantas em grandes escalas. Deve, acidentalmente, dizer-se que idêntico espírito renovador se estendeu aos sectores de geodesia e da publicação de cartas, que foram dotados do mais moderno equipamento.
104. Os trabalhos do cadastro estão a ser executados no continente e arquipélagos adjacentes. As escalas adoptadas têm sido, conforme o fraccionamento da propriedade: l: 500 e 1 : 1000 na parte regada da ilha da Madeira; l: 2000, l: 2500 e l: 5000 nas restantes zonas continentais e insulares.
As zonas de planta cadastral levantada no continente totalizam uma área de cerca de 4 000 000 ha, isto é, um pouco menos de metade do território a cadastrar.
Na ilha da Madeira, às condições orográficas extraordinariamente difíceis alia-se, nas zonas regadas, uma grande fragmentação da propriedade, o que torna o seu cadastro de custo muito elevado.
No entanto, apenas com a aplicação de processos clássicos, pois ainda não se pôde fotografar a ilha, operação que a construção do aeroporto local virá facilitar, o levantamento da planta cadastral estende-se a uns 25 000 ha, isto é, a cerca de uma terça parte do terreno a levantar.
Na ilha de S. Miguel, que houve oportunidade de fotografar parcialmente, operações de levantamento iniciadas bastante depois das da Madeira levaram a uma planta cadastral correspondente a zonas com a área de 40 000 ha, isto é, 40 por cento do terreno a levantar.
105. Paralelamente se tem desenvolvido a avaliação cadastral, que compreende a elaboração de quadros de qualificação e classificação e de tarifas, em que intervêm técnicos do Instituto e representantes das autoridades agrícolas locais, e a distribuição parcelar.
Em gabinete têm sido feitos trabalhos de desenho, de medição das áreas das parcelas e de escrituração necessários à organização da matriz cadastral. E como um cadastro que se não mantém actualizado ou que, no dizer corrente, se não conserva em breve perde o seu valor, desde há anos se faz a revisão dos cadastros concelhios mais antigos por forma a ficarem registadas as alterações de cultura e de figura havidas nos prédios, o que obriga a nova distribuição parcelar e a trabalhos topográficos. Isto mostra a grande extensão da parte do cadastro já feito.
E se se pensar ainda no delicado trabalho da revisão da triangulação geodésica, pode ter-se ideia do valor de uma obra que sem alarde se vai erguendo e que tão proveitosa tem sido já, tanto na utilização fiscal que se lhe tem dado como no aproveitamento da planta cadastral por parte de serviços do Estado, câmaras municipais e organismos corporativos. A apresentação de estudos que
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interessavam a vastas zonas pôde ser antecipada de alguns anos por se dispor da planta cadastral respectiva. Ultrapassa mais de 5 000 000 ha a área das zonas representadas nas cópias de plantas extraídas da carta cadastral e que permitiram uma economia de mais de 100 000 contos em levantamentos parciais, que assim se evitaram.
106. A parte do cadastro a executar representa um bastante maior encargo financeiro que o já efectuado, não obstante já se ter gasto em aquisição de aparelhagem fotogramétrica bastante mais do que custará a que terá de ser adquirida. Não tanto pela extensão territorial, que, praticamente, equivale à da parte já em regime de cadastro ou prestes a sê-lo, mas pelas bastante mais difíceis condições de relevo do terreno e maior fragmentação da propriedade que no continente se nota à medida que, ultrapassado o Tejo, se caminha em direcção ao Norte. Já nestes últimos anos a escala normal da planta cadastral tem ali sido de l: 2000, em vez de 1:5000 normalmente utilizada a sul do mesmo rio, com a excepção de parte do Algarve. Mas em breve terá de se utilizar com muita frequência a escala l: 1000 e embora, em contrapartida, também isso venha a dar-se relativamente à ainda não empregada l: 10 000 (que passará a sê-lo no levantamento dos grandes maciços montanhosos), verdade é que tanto a planta cadastral como a avaliação passarão a ser bastante mais caras por unidade de superfície, por haver muitas zonas que além das dificuldades orográficas apresentam uma muito grande fragmentação da propriedade. A este mal pretende-se dar remédio pelo emparcelamento da propriedade, operação que só utilizando a planta cadastral se deverá levar a efeito. Além disso, se até agora pelo desenvolvimento de triangulações apoiadas na triangulação fundamental, a única que se aproveitou no continente, se pôde conseguir um apoio conveniente a levantamentos na escala l: 2000, isso não se poderá dar na escala 1: 1000. E, assim, desde há anos o Instituto trabalha no estabelecimento de uma nova triangulação fundamental que proporcione a precisão requerida e que será apoiada em três bases, uma das quais com perto de 19 km de extensão, já medida, é uma das maiores da Europa. Espera-se que os trabalhos desta triangulação estejam terminados dentro de três anos.
Tais são as grandes dificuldades a vencer para se terminar o cadastro do País. E não bastam apenas recursos financeiros que permitam a intensificação dos trabalhos, por forma que isso se dê em prazo de antemão fixado sem se atender a condições de outra natureza.
Em primeiro lugar há um limite abaixo do qual o cadastro passaria a ser excessivamente dispendioso por escassez do período de amortização de aparelhagem muito cara. E a formação de técnicos demanda, além de qualidades pessoais e preparação científica, que muitas vezes não se encontram reunidas, alguns anos de prática dos trabalhos. O custo de um bom cadastro e as dificuldades da sua realização levaram por toda a parte a destinar-se-lhe um longo período de execução. Na Suíça, com uma área um pouco inferior a metade da do nosso país, atribuiu-se-lhe uma duração de 60 anos. Longo prazo de execução foi também o do novo cadastro italiano, há pouco terminado; e o mesmo se dará com o cadastro francês, que se tornou necessário refazer por deficiente conservação do antigo. Estudado o nosso problema, reconheceu-se que um prazo mínimo aceitável para se terminar, o Cadastro seria de 17 anos, ao qual corresponderia um programa de trabalhos porventura mais árduo que o enfrentado em Itália nos anos de maior intensificação dos seus trabalhos cadastrais. O encargo resultante, incluindo as despesas de conservação do cadastro, seria de 820200 contos, a que corresponderia um encargo médio anual de 48 200 contos. Na dedução da verba indicada considerou-se, além da aquisição de aparelhagem necessária, a verba de 50 milhares de contos destinada à construção de um edifício para instalação do Instituto Geográfico e Cadastral, sem o que, como se reconheceu, não podem ser conduzidos com o rendimento que a aparelhagem utilizada proporciona todos os trabalhos a seu cargo e especialmente os do cadastro.
Tais são as condições em que se apresenta o nosso cadastro, que o Governo entende dever ser realizado por forma a ser terminado em prazo conveniente à boa administração do País.
Providências sobre o funcionalismo
107. Um dos problemas que se têm situado sempre na primeira linha das preocupações do Governo é, sem dúvida, o da assistência na doença aos servidores civis do Estado, em nítida situação de desvantagem em relação aos trabalhadores das empresas privadas, desde há muito a usufruírem esquema de benefícios muito mais amplo do que o concedido àqueles.
O Governo, com plena consciência desta situação, tem procurado resolvê-la gradual e metodicamente, em condições de segurança e de continuidade, estando decidido a assegurar os meios indispensáveis à execução integral do plano de assistência à doença enunciado na proposta da Lei de Meios para 1957.
Tratava-se, todavia, de um problema vasto e complexo, de um empreendimento necessariamente difícil pelas implicações de ordem técnica e financeira inerentes, pelo que, para a sua resolução, se tornou necessário atender a uma prudente e criteriosa hierarquização das necessidades mais prementes, não se perdendo nunca de vista as possibilidades consentidas pela economia nacional.
108. Quando os trabalhadores das empresas privadas já beneficiavam do «seguro doença», em princípio restrito à indemnização pecuniária pela perda de salário e em breve alargado à própria prestação sanitária (Estatuto do Trabalho Nacional e Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935), aos funcionários civis do Estado só lhes era assegurada a assistência quando vítimas de acidentes em serviço ou- em razão da tuberculose.
Foi então que se procurou ampliar, progressivamente e dentro do condicionalismo atrás indicado, a protecção prestada aos funcionários públicos, fazendo-os participar num esquema que culminaria com a assistência a todas as formas de doença e extensiva a todo o agregado familiar.
109. Gomo fase intermédia desse esquema foi possível alargar os benefícios da assistência na tuberculose aos cônjuges e filhos dos servidores do Estado.
E só não se foi, então, mais além porque, entretanto, se decidira relacionar este problema com a revisão do regime da segurança social do sector privado.
110. Atinge-se agora - não obstante o condicionalismo financeiro que, necessariamente, informará a previsão orçamental para 1963 - uma fase importantíssima do plano traçado, com a concessão da assistência, em todas as formas de doença, aos servidores civis do Estado.
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De facto, encontra-se ultimado, prevendo-se a sua publicação dentro de curto prazo, o diploma que concede a assistência em todas as formas de doença aos serventuários dos serviços civis do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira.,
Dominado pelo espírito da mais ampla generalização, nele se prevê a assistência médica e cirúrgica (abrangendo consultas e visitas domiciliárias de clínica geral e especialidade, meios auxiliares de diagnóstico, meios de terapêutica, internamento e intervenções cirúrgicas), materno-infantil (a realizar, de preferência, mediante acordo com estabelecimentos e serviços adequados), de enfermagem e medicamentosa.
Prevê-se ainda, no mesmo diploma, que a assistência na doença poderá estabelecer serviços de enfermagem em regime ambulatório e domiciliário ou celebrar acordos com serviços desta natureza já existentes, oficiais ou particulares.
É de salientar ainda, entre os princípios gerais que se estabelecem, o da liberdade de escolha dos médicos por parte dos- utentes dos serviços de assistência.
111. O Governo, solucionando assim um dos problemas por largo tempo situado na primeira linha das suas preocupações, julga dar satisfação, em medida adequada, às necessidades assistenciais dos servidores civis do Estado.
Numa fase final projecta-se também vir a proporcionar todos estes benefícios aos cônjuges e filhos dos servidores do Estado e instituir uma acção social destinada a resolver ou corrigir os problemas surgidos com a doença ou dela resultantes.
112. De harmonia com o preceituado no Decreto-Lei n.º 42951, de 27 de Abril de 1960, e em conformidade com programas superiormente aprovados, prosseguiu no ano de 1962 a actividade da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, no que respeita à aquisição e construção de habitações para serem atribuídas, em arrendamento ou com propriedade resolúvel, a funcionários do Estado e dos corpos administrativos, mediante aplicação de capitais afectos ao fundo permanente da Caixa Nacional de Previdência.
Assim, satisfazendo pedidos directamente formulados, efectuou-se a aquisição de diversas habitações e iniciaram-se os trabalhos de construção de outras em Paço de Arcos e Lisboa, o que implicará um investimento global de cerca de 3300 contos.
Em Olivais-Norte concluiu-se um conjunto de edifícios cuja construção se havia iniciado em 1961 e efectuou-se ainda a adjudicação das últimas obras destinadas aos Serviços Sociais das Forças Armadas.
Recebidos da Câmara Municipal de Lisboa os projectos relativos às construções a efectuar em Olivais-Sul (292 fogos, mediante investimento total de aproximadamente 35 000 contos), procedeu-se à sua revisão e anunciaram-se as respectivas empreitadas, admitindo-se que todos os trabalhos possam ter início no princípio do próximo ano.
Encontram-se igualmente concluídos os projectos dos edifícios a construir no Porto (174 fogos) e em- Castelo Branco (42 fogos), prevendo-se que se iniciem ainda em 1962 os respectivos trabalhos.
A construção de um edifício em Vila Real, para 15 fogos, aguarda a remoção de dificuldades surgidas quanto à aprovação do projecto. Parece, no entanto, possível prever que se inicie a sua construção dentro de período relativamente curto.
Finalmente, adquiriram-se terrenos em Coimbra, por 1770 contos, e em Ponta Delgada, por 485 contos, com o objectivo de proceder à rápida construção de cerca de, respectivamente, 90 e 60 fogos e concluíram-se negociações com a Câmara Municipal de Beja para a compra de 6 lotes de terreno para 50 habitações, no valor de cerca de 900 contos.
113. Os investimentos a realizar nos empreendimentos em curso ou projectados são os seguintes (em contos):
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Até 30 de Setembro do 1962.
Adicionando a este total a importância correspondente à construção de fogos destinados aos Serviços Sociais das Forças Armadas, verifica-se que os investimentos em curso e projectados ascendem a cerca de 180 000 contos.
Com o objectivo de permitir observar o elevado ritmo de crescimento do montante, dos investimentos efectuados com a aquisição e construção de habitações destinadas a funcionários públicos e administrativos apresenta-se o quadro seguinte:
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Até 30 de Setembro.
114. O plano para 1963, que será elaborado de harmonia com os princípios adoptados em anos anteriores, tem em vista, fundamentalmente, a satisfação de pedidos que forem directamente apresentados (preferindo-se como regra a construção em regime de propriedade horizontal), o prosseguimento da actividade de construção em Lisboa e Porto e o seu alargamento a outros núcleos populacionais.
Concretamente, prevê-se para o próximo ano:
1. A conclusão dos trabalhos presentemente em curso na zona Olivais-Norte e o início dos correspondentes à zona Olivais-Sul;
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2. O início da construção de um total de 231 fogos no Porto, em Castelo Branco e em Vila Real;
3. A elaboração de projectos para edifícios em Lisboa (Largo do Leão), Beja, Coimbra e Ponta Delgada e o início da respectiva construção;
4. A aquisição de terrenos noutros núcleos populacionais, contando-se para tal com a indispensável colaboração por parte dos municípios;
5. A construção ou aquisição de habitações, satisfazendo pedidos apresentados individual ou colectivamente, preferindo-se como regra, de acordo com a doutrina legalmente fixada, o regime de propriedade horizontal:
115. No que se refere à actividade do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças na construção de habitações dos funcionários seus sócios, de harmonia com o Decreto-Lei n.º 42 977, de 14 de Maio de 1960, deve mencionar-se que se efectuou, até 31 de Julho último, um dispêndio total de 122 877 contos.
De acordo com o plano a executar em 1963 prevê-se, nomeadamente, que:
a) Deverá ser inaugurado no princípio do ano um conjunto de habitações em Olivais-Norte destinado a 32 sócios, em regime de propriedade resolúvel;
b) Será acelerada a construção de 128 fogos, distribuídos por 15 edifícios, em Olivais-Sul, mas a concluir sómente no final de 1964;
c) Admite-se a possibilidade de ficarem concluídas, em 31 de Dezembro de 1963, duas habitações no Restelo em regime de propriedade resolúvel;
d) Terá início a construção de um bloco de cerca de 50 fogos na cidade do Porto, também em regime de propriedade resolúvel, prevendo-se a sua conclusão no final de 1964.
Ainda no âmbito da construção de habitações para funcionários públicos, merece referência a actividade desenvolvida pela Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional, que, até 1961, despendeu cerca de 42700 contos na compra e edificação de 216 habitações.
Em 1962, para além da conclusão e do prosseguimento dos trabalhos de construção de habitações iniciados em 1961, deve mencionar-se que terá lugar o início da edificação de 102 fogos na zona de Olivais-Sul, o que determinará um investimento de cerca de 10 500 contos.
Saúde pública e assistência
116. Sendo efectivo o progresso observado pela campanha antituberculosa - como o evidencia, nomeadamente, a acentuada redução da taxa de mortalidade por tuberculose no último decénio -, não parece de admitir que aquela campanha, mesmo encarada de um ponto de vista estritamente financeiro, deva considerar-se concluída.
Assim, insere-se na proposta da Lei de Meios para 1963 o artigo 23.º, através do qual se dispõe que o Governo continuará no próximo ano a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento do programa de acção contra a tuberculose.
Com o objectivo de permitir avaliar o esforço financeiro realizado neste domínio pelo Governo a partir de 1955 apresentam-se os seguintes elementos sobre as importâncias despendidas no combate à tuberculose.
QUADRO XXVIII
Acção antituberculosa
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Dotação orçamental.
117. Encontrando-se em fase consideravelmente avançada a resolução de muitos dos problemas mais graves relativos à luta contra a tuberculose, aparece hoje também, na primeira linha das preocupações do Governo, a resolução das questões relacionadas com a promoção da saúde mental.
Pode fazer-se uma ideia das necessidades neste sector - que em muitas nações de alto grau de civilização constitui o primeiro problema sanitário e assistencial se se tiver presente que para uma população como a nossa o número de camas necessárias para internamento de doentes mentais é ainda bastante superior às que actualmente existem - 8900 - em estabelecimentos oficiais e particulares.
Além disso, uma assistência eficaz às doenças e anomalias mentais implica que se intensifique o respectivo tratamento ambulatório dos mesmos, por forma a acudir tempestivamente aos casos que não careçam de internamento.
Há ainda que actuar numa acção profiláctica, que terá de estender-se a parte importante da população, por meio de uma activa campanha que não tem sido possível realizar na escala devida. E deve, finalmente, olhar-se de forma mais vasta para o gravíssimo problema da psiquiatria e da higiene mental infantis.
Trata-se, portanto, de quatro questões cuja importância não pode ser minimizada e que o Governo, não obstante o actual condicionalismo financeiro, pretende encarar e iniciar a sua resolução de forma adequada.
É nesta orientação que se inscreve, na presente proposta de lei, o artigo 23.º, segundo o qual o Governo, no decurso do ano de 1963, dará também preferência à realização dos programas de saúde mental.
118. Por último, deve referir-se que se tornou possível a abertura dos créditos necessários a activar o plano de vacinação aprovado e à entrada em funcionamento de todos os serviços do Hospital de S. João antes do fim do corrente ano.
Politica do bem-estar rural
119. O artigo 24.º da presente proposta vai formulado nos precisos termos do correspondente preceito da Lei de Meios do ano anterior. Desnecessário, por isso, se torna justificá-lo, pois já por de mais são conhecidas as razões que o determinam. Importa tão sòmente evidenciar como
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o Governo, na actual conjuntura financeira continuou a encarar, com a maior atenção, os problemas respeitantes ao bem-estar das populações rurais.
Que assim é mostrou-o o Governo ao acompanhar, com o maior interesse, os diversos aspectos que se relacionam com a vida económica rural. Bem há pouco o revelou, expressamente, na nova legislação relativa ao emparcelamento agrícola e ao arrendamento rústico. E sem que fique subestimado o alcance destas providências, a verdade é que continua a revestir-se de grande importância tudo o que respeita à vida colectiva nos pequenos e médios agregados populacionais onde a agricultura é a principal forma de ocupação.
Pretendendo repartir com justiça as consequências da conjuntura de guerra, tem o Governo procurado sacrificar o menos possível a realização dos seus objectivos quanto à política do bem-estar rural. Não obstante isto e dentro dos critérios anteriormente seguidos, viu-se o Governo, no ano que passou, forçado a executar, de forma mais moderada do que desejaria, as finalidades da referida política.
E isto levou a dispor unicamente da verba de 88 269 contos no decurso deste ano. Mas, a ter-se em conta a grande disparidade entre o condicionalismo de 1961 e o de 1962, fácil é inferir que, em termos relativos, esta verba, embora afastando-se sensivelmente da concedida no decurso do ano que passou, que foi normal, como já o foram aquelas dezenas de anos que anteriormente tínhamos vivido, mesmo assim constitui apreciável esforço financeiro que bem traduz o cuidado com que o Governo encara os problemas do bem-estar das populações rurais.
Para o prosseguimento desta política manteve-se, na concessão de empréstimos aos corpos administrativos, a mesma disciplina legal e os financiamentos autorizados atingiram o quantitativo de 88 269 contos, assim discriminados:
Abastecimento de água ................ 20 960 500$00
Electrificação ....................... 6 657 700$00
Saneamento ........................... 7 800 000$00
Estradas e caminhos .................. 650 000$00
Construções para fins assistenciais
e ou instalação de serviços .......... 7 300 000$00
Casas para famílias pobres ........... 6 930 000$00
Matadouros ........................... 7 688 000$00
Mercados ............................. 11 580 000$00
Outros fins .......................... 18 703 067$00
88 269 267$00
120. Com o objectivo de completar os elementos anteriormente apresentados sobre a política do bem-estar rural, no quadro que a seguir se insere apresentam-se os subsídios concedidos desde 1953 pelo Comissariado do Desemprego às câmaras municipais e serviços municipalizados com idêntica finalidade.
QUADRO XXIX
Subsídios efectuados às câmaras municipais e serviços municipalizados
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - As importâncias relativas ao ano de 1962 referem-se a elementos colhidos até ao dia 25 de Outubro.
Funcionamento dos serviços
121. No relatório da anterior proposta de lei inseriu-se desenvolvida referência à reforma administrativa, às suas determinantes e aos objectivos que devem nortear os respectivos trabalhos preparatórios.
Em 1962, e ao abrigo da autorização dada no artigo 26.º da Lei n.º 2111, o Governo prosseguiu no estudo da Reforma Administrativa, tendo o Ministério das Finanças feito publicar um relatório sobre esta matéria com o título "A reforma administrativa - Contribuição para os trabalhos preliminares".
Com esta publicação, em que se sintetizam as conclusões de diversos estudos feitos no Ministério, teve-se fundamentalmente em vista dar um panorama geral das questões tratadas e, ao mesmo tempo, fornecer uma plataforma de trabalho sobre o qual pudessem incidir sugestões úteis e críticas construtivas.
Por outro lado, e de harmonia com o espírito que tem presidido aos trabalhos relativos à reforma administrativa, foi publicado em 27 de Outubro último o Decreto-Lei n.º 44 652, que insere diversas disposições tendentes á adaptar os serviços administrativos aos novos condicionalismos impostos pelo processo de unificação económica nacional em curso.
Destas disposições importa referir as que estabelecem:
a) A promulgação, até 31 de Dezembro de 1963, do Estatuto da Função Pública, visando a maior eficiência e rapidez de acção da administração pública;
b) Que o Governo adoptará, através dos órgãos de coordenação adequados as providências necessárias à intensificação da formação profissional de
mão-de-obra e ao desenvolvimento, bem como ao concurso a prestar pelo Estado para o mesmo fim às actividades privadas;
c) A criação do Conselho, de Ministros para os assuntos económicos, que reunirá os actuais Conselho de Ministros para o Comércio Externo e Conselho Económico;
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d) A criação do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho e da Comissão Consultiva da Política Económica.
122. O comportamento da actividade económica e financeira em 1961 e nos primeiros meses do corrente ano, bem como todo o conjunto de problemas com que o País deverá defrontar-se no decurso de 1963, e a que no presente relatório se faz referência, tornam neste momento dispensável justificar a necessidade de inserir neste capítulo disposição idêntica à do artigo 27.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro último.
Nestes termos, no artigo 26.º da presente proposta de lei dispõe-se que, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, o Governo providenciará no sentido de:
a) Limitar as despesas com missões oficiais aos créditos ordinários para esse efeito concedidos;
b) Cercear o reforço das verbas orçamentais e limitar a antecipação de duodécimos das mesmas verbas aos casos inadiáveis e de premente necessidade;
c) Restringir os arrendamentos de prédios urbanos para instalação de serviços públicos e as aquisições, especialmente de imóveis, veículos com motor e mobiliário, com proibição, quanto a artigos de adorno ou obras de arte, para decoração ou fins análogos;
d) Sujeitar ao regime de duodécimos as verbas da despesa extraordinária;
e) Subordinar as requisições de fundos à comprovação das efectivas necessidades dos serviços que os processam, mediante a junção de projectos discriminados da aplicação a dar às somas requisitadas.
Deve ainda sublinhar-se que as disposições precedentes aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, corpos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, bem como aos organismos de coordenação económica e corporativos.
Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais
123. Não foi ainda possível publicar a reforma dos fundos especiais, pelo que se torna necessário manter neste capítulo como disposição única o artigo 29.º da Lei de Meios em vigor. Assim, a gestão administrativa e financeira daqueles fundos continuará subordinada às regras enunciadas no artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa.
Nestes termos, o Governo apresenta a seguinte proposta de lei:
PROPOSTA DE LEI
Autorização geral
Artigo 1.º E autorizado o Governo a arrecadar em 1963 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
Art. 2.º Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos e os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas despesas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados.
II
Equilíbrio financeiro
Art. 3.º O Governo tomará as medidas necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria, ficando o Ministro das Finanças autorizado a:
a) Providenciar, de acordo com as- exigências dos superiores interesses nacionais, no sentido de obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados ou comparticipados;
b) Reduzir ou suspender as dotações orçamentais;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes.
III
Política fiscal
Art. 4.º O Governo promoverá durante o ano de 1963, com o escalonamento necessário à boa execução pelos serviços, a publicação dos diplomas relativos à reforma das contribuições predial e industrial, do imposto complementar, bem como dos relativos à tributação das mais-valias e à adaptação dos regimes tributários especiais, que ainda não tenham sido publicados até ao fim do ano corrente, de modo que entre a data da publicação e a entrada em vigor decorra um prazo nunca inferior a um mês.
Art. 5.º Enquanto não entrarem plenamente em vigor os diplomas a que se refere o artigo anterior as actividades por eles abrangidas serão colectadas pelas leis actuais, considerando-se todavia provisórias as respectivas liquidações e susceptíveis de rectificação em harmonia com o que neles for estabelecido.
Art. 6.º No ano de 1963, na parte que não for prejudicada pelas disposições dos diplomas legais a que se refere o artigo 4.º, serão aplicáveis os "seguintes preceitos:
a) As taxas da contribuição predial serão de 10,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios rústicos, salvo, quanto a estes, nos concelhos em que já vigoram matrizes cadastrais, onde a taxa será de 10 por cento se as matrizes tiverem entrado em vigor anteriormente a 1 de Janeiro de 1958 e de 8 por cento se a sua vigência for posterior a esta data;
b) Em relação a prédios urbanos cuja construção tenha sido iniciada depois de 25 de Novembro de 1961, quando alguma das suas habitações seja arrendada por quantia mensal igual ou superior a 3000$ ou, não estando arrendada, tenha rendimento colectável correspondente, a taxa prevista na alínea anterior será acrescida, con-
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soante a renda ou rendimento colectável mais elevados, do seguinte adicionamento:
Por cento
Renda mensal igual ou superior a 3000$
e inferior a 5000$ ou rendimento colectável correspondente ............. 2
Renda mensal igual ou superior a 5000$
e inferior a 7500$ ou rendimento colectável correspondente ............. 4
Renda mensal igual ou superior a 7500$
ou rendimento colectável correspondente ........................ 7
c) Em relação às habitações dos prédios urbanos construídos antes de 25 de Novembro de 1961, ou cuja construção tenha sido iniciada antes da mesma data, serão aplicáveis os adicionamentos previstos na alínea anterior, sempre que a renda dessas habitações seja superior à correspondente ao, rendimento colectável inicialmente inscrito ou ao que o tenha substituído em face da avaliação autorizada pela alínea c) do artigo 6.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961, e de quantia mensal igual ou superior a 3000$;
d) O valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos de liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações ficará sujeito ao regime estabelecido no corpo do artigo 6.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, continuando também a observar-se o disposto no § 2.º do mesmo artigo;
e) O adicional sobre as colectas da contribuição predial rústica que incidam sobre prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a 1 de Janeiro de 1940 ficará sujeito ao preceituado no artigo 7.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949;
f) São mantidas as disposições das alíneas e), f) e g) do artigo 5.º da Lei n.º 2095, de 23 de Dezembro de 1958, bem como as do Decreto n.º 42 101, de 15 de Janeiro de 1959, e aplicar-se-ão às colectas do imposto complementar os adicionais constantes do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43 763, de 30 de Junho de 1961, devendo a importância que deles resulte ser contabilizada e constar do conhecimento conjuntamente com a do imposto;
g) No englobamento dos rendimentos para a liquidação do imposto complementar do ano de 1963 será considerada como matéria colectável proveniente dos rendimentos sujeitos a imposto profissional:
1) Das actividades constantes da tabela anexa ao código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 305, de 27 de Abril de 1.962, exercidas por conta própria, o rendimento tributado no ano de 1963 nos termos do artigo 8.º do mesmo decreto-lei;
2) Dos empregados por conta de outrem, o rendimento que tiver servido de base à colecta de 1962 nos termos da legislação em vigor e do artigo 9.º do citado Decreto-Lei n.º 44 305;
h) Sempre que no englobamento para liquidação do imposto complementar de 1963 figurem rendimentos já tributados ou a tributar nos termos da legislação em vigor relativa a este imposto e ao ano de 1962, é de considerar compreendida na alínea b) do artigo 10.º do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 40 788, de 28 de Setembro de 1956, a importância do imposto complementar desse ano de 1962 correspondente àqueles rendimentos;
i) As taxas da contribuição industrial, grupo B, serão de 1,17 por cento para as sociedades isentas do extinto imposto sobre o valor das transacções, considerando-se actualizado para 1$ o limite de preços a que se refere o n.º 6.º do artigo 3.º da Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922, bem como para as sociedades sujeitas a contribuição industrial nos termos do Decreto-Lei n.º 43 335, de 19 de Novembro de 1960; de 2,5 por cento para as sociedades a que se refere a alínea a) do artigo 22.º do Decreto n.º 17 555, de 5 de Novembro de 1929, e de 3,5 por cento para as restantes, incluindo as de que trata o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 32 429, de 24 de Novembro de 1942. Serão, porém, reduzidas a 0,75 por cento a taxa de 1,17 e a 1 por cento as taxas de 2,5 e de 3,5, para as sociedades que não tenham tido lucros no seu último exercício, observando-se na aplicação desta redução as disposições do artigo 41.º do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929, com a redacção dada aos seus parágrafos pelo Decreto-Lei n.º 39 578, de 27 de Março de 1954.
§ 1.º Os preceitos das alíneas o), b), c), e), f), g), h) e i) deste artigo deixarão de ter aplicação à medida que entrarem em vigor as disposições de cada um dos diplomas que com eles se relacionem, salvo se em sentido contrário se providenciar, e o da alínea d) manter-se-á até à actualização dos rendimentos matriciais que vier a ser estabelecida nos respectivos diplomas.
§ 2.º Aos prédios em construção em 25 de Novembro de 1961 aplicar-se-á o regime da alínea b) se se verificar que, depois daquela data, foram introduzidas modificações no seu projecto que justifiquem agravamento das rendas previsíveis inicialmente.
§ 3.º Continuarão isentos da taxa de compensação criada pelo artigo 10.º da Lei n.º 2022, de 22 de Maio de 1947, os rendimentos dos prédios rústicos inscritos nas matrizes cadastrais, qualquer que seja a taxa da contribuição predial que lhes corresponda.
Art. 7.º Enquanto não entrarem em vigor as disposições do Código da Contribuição Industrial relativas à tributação dos grémios da lavoura, suas federações e uniões, manter-se-ão em vigor, no ano de 1963, os preceitos do Decreto n.º 44 172, de 1 de Fevereiro de 1962.
Art. 8.º Fica o Governo autorizado a manter, no ano de 1963, a cobrança do imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar, o qual recairá sobre todas as sociedades ou empresas que explorem alguma concessão de serviço público ou actividade industrial em regime de exclusivo, e, bem assim, sobre as que exerçam outra actividade a definir pelo Governo, desde que beneficiem de qualquer privilégio ou de situação excepcional de mercado.
§ 1.º O imposto incidirá sobre os lucros imputáveis ao exercício da actividade comercial ou industrial das sociedades ou empresas a que se refere este artigo, revelados pelas contas de resultados do exercício ou de ganhos e perdas relativas ao ano corrente.
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§ 2.º Ficarão unicamente excluídos do imposto extraordinário os contribuintes a que se refere o n.º 6.º do artigo 29.º do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929; as sociedades ou empresas cuja contribuição industrial, liquidada para o ano de 1963, ou que lhes competiria pagar nesse ano se não beneficiassem da isenção ou de qualquer dedução, seja inferior a 100 contos em verba principal; as que, nos anos de 1962 ou 1963, sofram um agravamento superior a 100 por cento na contribuição industrial por virtude de alteração das taxas, e as que se encontrem em fase de instalação.
§ 3.º A taxa do imposto será de 10 por cento e sobre a colecta não recairá qualquer adicional ou outra imposição.
§ 4.º O imposto a liquidar não poderá ser inferior a metade da verba principal da contribuição industrial do ano de 1963 e, quanto às sociedades ou empresas isentas desta contribuição, a metade da importância da verba principal que lhes competiria não havendo isenção.
Art. 9.º São mantidos no ano de 1963 os adicionais discriminados nos n.ºs 1.º e 3.º do artigo 6.º do Decreto n.º 35 423, de 29 de Dezembro de 1945.
Art. 10.º Durante o ano de 1963, enquanto não for revisto o regime jurídico-fiscal instituído para as pessoas morais perpétuas no artigo 35.º do Código Civil, manter-se-ão suspensas as liquidações do imposto sobre as sucessões e doações baseadas naquele preceito.
Art. 11.º O Governo, no ano de 1963, deverá promover a substituição do actual imposto sobre os consumos supérfluos ou de luxo por um imposto sobre o valor das transacções, com isenção das relativas a produtos alimentícios, matérias-primas, ferramentas, máquinas industriais e outras que devam considerar-se de consumo primário.
Art. 12.º Durante o ano de 1963 o Governo completará a reforma orgânica e funcional dos serviços de administração fiscal e dos tribunais do contencioso das contribuições e impostos adequada ao regime dos novos diplomas e à sua melhor execução e eficiência, de modo a satisfazer, quanto possível, os seguintes objectivos:
a) Enquadrar na mesma organização judiciária toda a acção contenciosa relativa às infracções fiscais, às reclamações não administrativas e às execuções;
b) Sujeitar a regime uniforme em todo o território do continente e ilhas adjacentes o julgamento dos processos fiscais, criando para tanto tribunais fiscais de competência territorial limitada;
c) Institucionalizar o serviço de justiça fiscal, promovendo a respectiva organização judiciária, do Ministério Publico e das actividades auxiliares.
Art. 13.º Deverá o Governo durante o ano de 1963 tomar as providências que o não tenham sido até ao fim do ano corrente adequadas à eliminação das causas de dupla tributação e de evasão fiscal entre as várias províncias do território nacional, estabelecendo um regime legal para a resolução dos conflitos e promovendo a harmonização progressiva dos sistemas fiscais em vigor.
§ único. Fica o Governo igualmente, autorizado, a celebrar em 1963, com quaisquer países estrangeiros, os acordos que se mostrarem necessários para evitar a dupla tributação, a evasão e- a fraude fiscal, nas relações internacionais, e a tomar as medidas de ordem legislativa indispensáveis ao justo equilíbrio das concessões e à fruição dos correspondentes, benefícios.
Art. 14.º Durante o ano de 1963 é vedado criar ou agravar taxas e outras contribuições especiais não escrituradas em receita geral do Estado, a cobrar, pelos serviços do
Estado, organismos de coordenação económica e organismos corporativos, sem expressa concordância do Ministro das Finanças.
IV
Defesa nacional
Art. 15.º Durante o ano de 1963 será dada prioridade aos encargos com a defesa nacional, nomeadamente aos que visam à preservação da integridade territorial da Nação, para o que o Governo inscreverá no orçamento as dotações necessárias à satisfação das despesas de emergência no ultramar.
Art. 16.º No Orçamento Geral do Estado para 1963 serão inscritos 260 000 contos para satisfazer necessidades de defesa militar de harmonia com compromissos tomados internacionalmente, de acordo com o artigo 25.º e seu § único da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo esta verba ser reforçada em 1963 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1962.
Investimentos públicos
Art. 17.º O Governo inscreverá no orçamento para 1963, tendo em conta a prioridade atribuída aos encargos da defesa nacional, as verbas destinadas à realização dos investimentos previstos no Plano de Fomento.
Art. 18.º Fica o Governo autorizado, no ano de 1963, a limitar os encargos extraordinários fixados em lei, desde que não correspondam a empreendimentos incluídos no Plano de Fomento.
Art. 19.º Salvaguardadas as disposições dos artigos 15.º, 17.º e 18.º, poderá o Governo inscrever no orçamento para 1963 as verbas que, à margem do Plano de Fomento, esteja legalmente habilitado a inscrever em despesa extraordinária, devendo, com preferência da conclusão de obras em curso, adoptar quanto possível, dentro de cada alínea, a seguinte ordem de preferência:
a) Fomento económico:
Aproveitamento hidráulico de bacias hidrográficas;
Fomento de produção mineira e de combustíveis nacionais;
Povoamento florestal e defesa contra a erosão em modalidades não previstas no Plano de Fomento;
Melhoramentos rurais e abastecimento de
b) Saúde pública e assistência:
Reapetrechamento dos hospitais;
c) Educação e cultura:
Aceleração na formação de pessoal docente
universitário;
Intensificação da concessão de bolsas de
estudo;
Reapetrechamento das Universidades e escolas;
Construção e utensilagem de edifícios para Universidades;
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d) Outras despesas:
Aquisição de material estritamente indispensável para a defesa e segurança pública;
Realização de melhoramentos e construções de interesse para o turismo;
Investimentos de interesse social, incluindo dotações para as Casas do Povo.
Art. 20.º No ano de 1963 o Governo prosseguirá, dentro das possibilidades do Tesouro, na execução dos planos de reapetrechamento dos hospitais e das Universidades e escolas.
§ único. Para este efeito serão inscritas nas despesas extraordinárias dos Ministérios da Saúde e Assistência e da Educação Nacional as verbas consideradas indispensáveis, com cobertura no excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza ou nos saldos de contas de anos económicos findos.
Art. 21.º O Governo inscreverá como despesa extraordinária em 1903 as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o Decreto-Lei n.º 31 975, de 20 de Abril de 1942.
VI
Providências sobre o funcionalismo
Art. 22.º O Governo continuará a política de intensificação de construção de casas para funcionários públicos e administrativos, nos regimes de arrendamento e de propriedade resolúvel.
VII
Saúde pública e assistência
Art. 23.º Na assistência à doença o Governo dará preferência ao desenvolvimento do programa de combate à tuberculose e à promoção da saúde mental, para o que serão inscritas no Orçamento Geral do Estado as verbas indispensáveis.
VIII
Política do bem-estar rural
Art. 24.º Os auxílios financeiros destinados a fomentar o bem-estar rural, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas seguintes, respeitando quanto possível a sua ordem de precedência:
a) Abastecimento de água, electrificação e saneamento;
b) Estradas e caminhos;
c) Construção de edifícios para fins assistenciais ou para instalação de serviços e construção de casas nos termos do Decreto-Lei n.º 34 486, de 6 de Abril de 1945;
d) Matadouros e mercados.
§ 1.º As disponibilidades das verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado para melhoramentos rurais ou para qualquer dos fins previstos neste artigo não poderão servir de contrapartida para reforços de outras dotações.
§ 2.º Nas comparticipações pelo Fundo de Desemprego observar-se-á, na medida aplicável, a ordem de precedência estabelecida neste artigo.
Art. 25.º O Governo inscreverá como despesa extraordinária a dotação indispensável à satisfação das importâncias devidas às Casas do Povo, nos termos do Decreto-Lei n.º 40 199, de 23 de Junho de 1955, com a redacção dada aos seus artigos 2.º e 3.º pelo Decreto-Lei n.º 40 970, de 7 de Janeiro de 1957.
IX
Funcionamento dos serviços
Art. 26.º Durante o ano de 1963, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, o Governo providenciará no sentido de:
a) Limitar as despesas com missões oficiais aos créditos ordinários para esse efeito concedidos;
b) Cercear o reforço das verbas orçamentais e limitar a antecipação dos duodécimos das mesmas verbas aos casos inadiáveis e de premente necessidade;
c) Restringir os arrendamentos de prédios urbanos para instalação de serviços públicos e as aquisições, especialmente de imóveis, veículos com motor e mobiliário, com proibição quanto a artigos de adorno ou obras de arte para decoração ou fins análogos;
d) Sujeitar ao regime de duodécimos as verbas da despesa extraordinária;
e) Subordinar as requisições de fundos à comprovação das efectivas necessidades dos serviços que as processam, mediante a junção de projectos discriminados da aplicação a dar às somas requisitadas.
§ único. Estas disposições aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, corpos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, bem como aos organismos de coordenação económica e corporativos.
Art. 27.º Durante o ano de 1963 continua o Governo autorizado a reforçar os meios de pessoal e de material dos serviços de inspecção e fiscalização das Direcções-Gerais das Alfândegas e Contribuições e Impostos, das Inspecções-Gerais de Crédito e Seguros e de Finanças e da Intendência-Geral dos Abastecimentos, de modo a prevenir e reprimir severamente as fraudes fiscais, movimentos ilícitos de capitais e crimes de especulação.
Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais
Art. 28.º Enquanto não for promulgada a reforma dos fundos especiais, a sua gestão administrativa e financeira continuará subordinada às regras 1.ª a 4.ª do § 1.º do artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, e observará, na parte aplicável, os preceitos contidos no artigo 26.º da presente lei, umas e outros igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa.
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XI
Disposições especiais
Art. 29.º São aplicáveis, no ano de 1963, as disposições dos artigos 14.º e 16.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949.
Art. 30.º O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados.
Ministério das Finanças, 16 de Novembro de 1962. - O ministro das Finanças, António Manuel Pinto Barbosa.
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ANEXO - MAPA N.º 1
Despesa imputada ao produto nacional bruto
Preços correntes
(Milhares de contos)
Contas nacionais
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - A maioria das séries das contas nacionais foram revistas no decurso de 1962. Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
ANEXO - MAPA N.º 2
Despesa imputada ao produto nacional bruto
Preços de 1954
(Milhares de contos)
Contas nacionais
[Ver Tabela na Imagem]
Fonte: Instituto Nacional de Estatística. (V. nota ao mapa anexo n.º 1).
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ANEXO - MAPA N.º 3
Produto nacional bruto, por ramos de actividade
Preços correntes
(Milhares de contos)
(Contas Nacionais)
[Ver tabela na Imagem]
Fonte: Instituto Nacional de Estatística. (V. nota ao mapa anexo n.º 1).
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1428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57
ANEXO - MAPA N.º 4
Produto nacional bruto, por ramos de actividade
Preços de 1954
(Milhares de contos)
Contas nacionais
[Ver Tabela na imagem]
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ANEXO - MAPA N.º 5
Formação bruta de capital fixo
Preços correntes
(Milhares de contos)
Contas nacionais
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui, além de outros, o «Comércio por grosso e a retalho», «Organismos de crédito e seguros» e «Serviços de saúde e educação».
Fonte: Instituto Nacional de Estatística. (V. nota ao mapa anexo n.º 1).
ANEXO - MAPA N.º 6
Formação bruta de capital fixo
Preços de 1964
(Milhares de contos)
Contas nacionais
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui, além de outros, o «Comércio por grosso e a retalho», «Organismos de crédito e seguros» e «Serviços de saúde e educação».
Fonte: Instituto Nacional de Estatística. (V. nota ao mapa anexo n.º 1).
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ANEXO - MAPA N.º 7
Estimativas de algumas produções agrícolas
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Hectolitros.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
ANEXO - MAPA N.º 8
índices mensais da produção industrial (a)
(1958 = 100)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Corrigidos das variações sazonais.
Fonte: Associação Industrial Portuguesa.
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11 DE DEZEMBRO DE 1962 1431
ANEXO - MAPA N.º 9
Comércio da metrópole com o estrangeiro, por zonas monetárias
(Janeiro a Agosto)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Países da O.C.D.E. (Europa) e seus territórios ultramarinos, países não membros da zona esterlina, Argélia, Indonésia, Vietname, Laos, Camboja, Marrocos, Tunísia e Repúblicas da Guiné e do Congo.
(b) America do Norte, América Central, Bolívia, Equador, Venezuela, Libéria e Filipinas.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
ANEXO - MAPA N.º 10
II Plano de Fomento. Programa de 1962
Execução de 1 de Janeiro a 30 de Junho (por empreendimentos)
(Contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Fonte: Inspecção Superior do Plano de Fomento.
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ANEXO - MAPA N.º 11
Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias
Ensino técnico
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Carteiras, estiradores, armários para salas de aula e oficinas, bancos para oficinas e ardósias.
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ANEXO - MAPA N.º 12
Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias
Ensino liceal
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Carteiras, estiradores, armários para salas de aula e ardósias.
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ANEXO - MAPA N.º 13
Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias
Ensino superior
[Ver Tabela na Imagem]
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ANEXO - MAPA N.º 14
Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias
Planos aprovados e já executados
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Carteiras, estiradores, armários para salas de aula e oficinas, bancos para oficinas e ardósias.
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ANEXO - MAPA N.º 15
Comissão de Reapetrechamento em Material das Escolas Superiores e Secundárias
Planos aprovados e em execução
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Carteiras, estiradores, armários para salas de aula e oficinas, bancos para oficinas e ardósias.
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11 DE DEZEMBRO DE 1962 1437
ANEXO - MAPA N.º 16
Despesa
(Milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
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1 DE DEZEMBRO DE 1962 1439
CÂMARA CORPORATIVA
VIII LEGISLATURA
PARECER N.º 6/VIII
Projecto de proposta de lei n.º 502
Autorização das receitas e despesas para 1963
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 502, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1963, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), sob a presidência de 8. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º
Introdução
1. A lei de autorização de receitas e despesas constitui documento fundamental da administração financeira. Não sendo justificável dentro do nosso sistema financeiro a discussão do orçamento pela Assembleia Nacional, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas assume maior relevância. Em parte, trasladou-se para ela uma das funções do orçamento, a que respeita à exposição do plano financeiro do Governo, e este é o aspecto que para a Assembleia oferece maior interesse. E através da apreciação da chamada Lei de Meios que a Assembleia Nacional exerce a competência que lhe é atribuída pelo n.º 4.º do artigo 91.º da Constituição, referente à definição dos princípios a que devem subordinar-se as despesas cujo quantitativo não é fixado de harmonia com leis preexistentes.
É certo que o critério da anualidade, característico desta lei, perdeu muito do seu significado com o alargamento das tarefas cometidas ao Estado, dado que tal critério não se concilia facilmente com as exigências de acção continuada que lhe são impostas em tantos sectores da vida nacional.
Efectivamente, as tarefas mais importantes na execução, quer das funções tradicionais do Estado, quer das que lhe advieram pelo alargamento da sua responsabilidade social, impõem um planeamento, pelo menos, a médio prazo, dificilmente compatível com a regra da anualidade. O problema é comum a outros países, tendo merecido especial atenção em França (1), e também a Câmara teve ocasião de lhe fazer referência no parecer sobre a proposta de lei para 1953.
O conjunto dos referidos planos constitui um fundo comum de acção que se supõe traduzir os principais objectivos que nesses domínios o Governo procura atingir. Fica normalmente por definir o ritmo de efectivação que se entende dar a tais planos e, consequentemente, é na Lei de Meios que o Governo dá conta das suas intenções nessa matéria, em cumprimento do preceituado na Constituição.
(1) Cf., a título exemplificativo, Callonec, «La Planification et le Droit», in Economie et Humaniame, Julho-Agosto de 1962, e em Baucher, L'Expérience Française de Planification, 1058, o capítulo sobre o plano e o controle democrático.
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1440 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57
Mas a Lei de Meios tem ainda outro motivo a conferir-lhe relevância: é por seu intermédio que o Governo dá a conhecer as medidas que, sem alterar significativamente o «fundo comum de acção» que se referiu, marcam as tendências da actuação governamental, quer nos problemas de circunstância, com dimensão temporal limitada, quer quanto aos próprios problemas de fundo, de natureza não conjuntural.
2. A proposta de lei de autorização de receitas e despesas referente a 1963 mantém a linha de continuidade de orientação da nossa política financeira que tem sabido extrair dos seus princípios fundamentais as soluções adequadas à variabilidade de situações que tem tido de defrontar.
A conciliação da permanência dos princípios com a flexibilidade das soluções tem sido, na verdade, uma das características mais relevantes da política financeira portuguesa, que encontra recentemente uma das suas mais brilhantes ilustrações nos resultados da nossa política financeira nos dois últimos anos, a ponto de impressionar os próprios meios internacionais que nos são adversos.
E porque este resultado é fundamental para toda a Nação, a Câmara não pode deixar de regozijar-se com ele e de tê-lo presente como elemento básico informador da apreciação de uma proposta elaborada em continuidade dessa política.
3. Antes de entrar propriamente na apreciação do projecto de proposta de lei de autorização de receitas e despesas, a Câmara entende chamar a atenção para um assunto que é de há muito objecto das suas preocupações.
Efectivamente, tende a tornar-se habitual a Câmara lamentar a estreiteza do período de tempo de que dispõe para elaborar o parecer sobre a proposta de lei, e a confirmá-lo está o facto de este ano de novo se referir o problema. No parecer sobre a proposta de lei para 1958 a Câmara teve ocasião de sumariar as suas observações sobre a matéria, mas as referências a ela têm continuado nos pareceres subsequentes, a mostrar que o problema não encontrou ainda solução adequada.
A criação desta tradição poderá levar a admitir a hipótese de que as ponderações da Câmara não têm sido julgadas suficientes para determinar a revisão do problema.
Trata-se, sem dúvida, de questão difícil de solucionar, mas até para se evitarem as perdas de tempo que com ela se têm todos os anos, afigura-se ser de tentar análise mais pormenorizada do assunto, na ideia de que tal constituirá procedimento mais construtivo.
A formação de uma opinião sobre a necessidade e urgência de resolução do problema pressupõe o esclarecimento de uma questão prévia, e que é, muito simplesmente, a própria existência do problema.
E curto o prazo de uma dezena de dias para a Câmara elaborar um parecer sobre a Lei de Meios?
A resposta decorre naturalmente do juízo sobre a matéria objecto de análise e sobre o órgão chamado a pronunciar-se. Não parece assim difícil a obtenção de uma conclusão, atentas, por um lado, a importância que reveste, no nosso sistema orçamental, um documento da natureza da proposta de Lei de Meios e, por outro, as responsabilidades da Câmara Corporativa.
Há que reconhecer que o Governo tem procurado atenuar o problema, pela criação de melhores condições de apreciação da proposta.
Assim, e desde 1946, a proposta vem sendo acompanhada de numerosos elementos sobre a situação financeira, elementos estes posteriormente compilados em volume
onde se incluíam também dados sobre a conjuntura económica e esclarecimentos sobre os preceitos contidos na proposta. A partir de 1955 a proposta passa a ser acompanhada de um relatório sobre a situação económica e de justificação pormenorizada das disposições nela contidas
Esta última fase de evolução facilitou apreciavelmente o trabalho da Câmara, na medida em que lhe evitou a tarefa de recolha complementar de certos dados. A orientação e estrutura do parecer tiveram, neste aspecto, de sofrer a adaptação necessária, do que parece só advieram vantagens.
Como se sublinhou no parecer sobre a lei de autorização de receitas e despesas para 1956, a apresentação do relatório por parte do Governo não diminuiu as responsabilidades da Câmara, antes as acresceu, como, aliás, acresceu as do próprio Governo.
Dispondo agora, fornecido pelo Governo, de um quadro bastante completo do condicionalismo económico e financeiro em que a proposta, a converter-se em lei, será executada, tem a Câmara por obrigação efectuar exame mais amplo e aprofundado, dificilmente realizável no limitado prazo de que dispõe.
Dentro da mesma linha de acção do Governo de criar melhores condições para elaboração deste parecer, é justo salientar que se tem procurado facultar à Câmara a proposta com antecedência sobre o prazo legal. Tal verificou-se pela primeira vez com a proposta de lei para 1951 e desde então para cá são poucos os anos em que a proposta não tem sido entregue antes de 25 de Novembro.
A antecedência tem sido maior ou menor consoante as possibilidades de trabalho do Ministério das Finanças. A Câmara, que, a tal propósito, sempre tem patenteado o seu agradecimento ao Governo, renova-o este ano, não só pela contribuição que traz para melhorar as condições em que tem de pronunciar-se, como também por reconhecer o esforço que, nas actuais circunstâncias, tal antecipação representa.
Mas esta contribuição do Governo para minorar o problema, que a Câmara não pode deixar de pôr em justo relevo, não constitui, porém, por forma alguma, solução satisfatória da questão, que mais não seja pela incerteza que naturalmente reveste.
Excluído este carácter, poderia esta antecipação representar a solução da questão, desde que pudesse ser levada até ao ponto de proporcionar um prazo razoável. A Câmara reconhece não ser fácil esta via de solução, visto que, por seu lado, também a elaboração do orçamento obedece a prazos e cada vez se torna mais difícil e espinhosa a tarefa que neste sector incumbe ao Ministério das Finanças.
A Câmara não desconhece as dificuldades de solução do problema, e, aceite o pressuposto - que outro não seria admissível - do efectivo interesse pelo parecer da Câmara, entende não dever passar da demonstração da existência da questão. Visto não lhe caber a sua solução, apenas pretendeu equacioná-la com objectividade e requerer para ela resolução adequada. E não parece que antes de se chegar a essa oportunidade valha a pena voltar ao problema.
§ 2.º
Considerações gerais sobre a conjuntura económica e financeira
4. A proposta é precedida, como se vem verificando desde 1955, de um circunstanciado e bem elaborado relatório onde se sintetizam as tendências da economia mundial e se procede a um exame da conjuntura económica nacional - metropolitana e ultramarina. Esta análise tem-
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por fim pôr em evidência os pressupostos de natureza económica que estão na base da elaboração da proposta e que, consequentemente, deverão informar a preparação do orçamento. As condições em que se exerce a actividade financeira reflectem necessariamente o modo como se processa a actividade económica, pelo que, para além de outros motivos que seguidamente se põem em evidência, esta parte do relatório é da maior oportunidade.
Mas a segunda parte do relatório tem ainda um interesse acrescido, pois nela não só se faz a explicação das medidas propostas, como se dão a conhecer as intenções do Governo acerca das matérias que com elas se relacionam; e a tal ponto que a importância do relatório ombreia em certos aspectos com a do próprio articulado. E certo que à Câmara apenas compete pronunciar-se sobre o texto do projecto de proposta, mas ela não pode ignorar o contexto que envolve a maior parte das disposições apresentadas, sem o que muitas delas perderiam grande parte do seu significado e alcance, sendo até susceptíveis, por esse facto, de ser indevidamente apreciadas pela Câmara.
A abundância dos elementos informativos e a justeza de observações ou conclusões, características do referido relatório, eram de molde a justificar que a Câmara se limitasse, nesta parte do seu parecer, a salientar os pontos principais do mesmo relatório. Todavia, a singular importância de que se reveste o momento actual mostra a necessidade de a Câmara se não limitar a tal síntese e de formular algumas considerações mais ou menos gerais, ainda que dispensando-se de proceder a comentário muito circunstanciado da conjuntura económica e financeira.
A) Economia internacional
a) A conjuntura na Europa Ocidental
5. Refere-se no relatório que precede o projecto de proposta de lei que a expansão da economia europeia está a operar-se, este ano, a um ritmo inferior ao registado em 1961, apontando-se a escassez de mão-de-obra qualificada como o principal factor desse abrandamento.
Nota-se, de facto, o crescimento do consumo público e privado, a par do acréscimo das exportações, enquanto afrouxa o ritmo do investimento privado e diminui a formação de atocha. Todavia, na generalidade dos países europeus altamente industrializados, é a escassez relativa de mão-de-obra um dos problemas cruciais, precisamente pela dificuldade de um progresso tecnológico capaz de economizar mão-de-obra. E se o investimento interno se retrai - por contracção do campo das oportunidades lucrativas, porque as altas de salários tendem a ultrapassar os acréscimos de produtividade ou pela consideração da situação política internacional - o problema torna-se ainda mais agudo.
Parece, na verdade, que os países industrializados da Europa se aproximam de um «limite crítico» de processo de desenvolvimento económico-social, cuja ultrapassagem tem como condição a aplicação generalizada e intensa de novas tecnologias, mas que não é isenta de delicadas questões de carácter económico e social.
Entretanto, importa observar que a rarefacção da oferta de mão-de-obra perante uma procura em sentido ascensional, ainda que lento, justifica as pressões sobre os níveis de salários, pressões que se reforçam pelo «efeito de demonstração» exercido pelos padrões de consumo próprios dos grupos de mais elevados rendimentos. É evidente que, se as altas dos salários não forem compensadas, nas suas repercussões sobre os custos, pela melhoria da produtividade, os preços tenderão a subir, gerando-se assim um «círculo vicioso» bem conhecido.
Ora, como se verifica no quadro I, tende a manifestar-se um crescimento mais ou menos acentuado dos preços na generalidade dos países.
QUADRO I
índices médios de preços no consumidor
(Base: 1953 = 100)
[Ver Tabela na Imagem]
Origem: Statistiques Générales da O.C.D.E., Setembro 1962.
Parece assim de admitir estar-se perante um processo de «inflação contida», mais nítido nuns países que noutros, que não pode deixar de merecer ponderada atenção.
6. Refere-se ainda, no relatório do projecto de proposta de lei, a expansão das importações e exportações dos países europeus, determinando, no entanto, um agravamento do respectivo déficit comercial. A este propósito, o quadro II parece suficientemente esclarecedor, dispensando comentários mais pormenorizados; anota-se, em todo o caso, que, embora o déficit comercial dos países europeus tenha aumentado, o dos participantes na Associação Europeia de Comércio Livre se reduziu sensivelmente, por virtude de o acréscimo das exportações ter ultrapassado o das importações.
QUADRO II
Comércio externo dos países europeus da 0.C.D.E.
Médias mensais em milhões de dólares
[Ver Tabela na Imagem]
Origem: Statistiques Générales da O.C.D.E., Setembro 1962.
Da conjugação deste comportamento do comércio externo com o de outras operações - designadamente a realização de diversos reembolsos ao Fundo Monetário Internacional- resultou um excedente global de balança de pagamentos dos países europeus inferior ao obtido em 1961. Deste modo, como se diz no relatório, o acréscimo das reservas cambiais dos países europeus no seu conjunto será inferior ao registado no ano precedente. E, com efeito, conforme se verifica no quadro seguinte, aquelas reservas
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mostram um aumento inferior a 400 milhões de dólares durante o 1.º semestre de 1962, quando, um ano antes, haviam aumentado cerca de 870 milhões.
Importa salientar, entretanto, que a representação das reservas cambiais dos países europeus no total das reservas - que subira de 41,3 para 42,1 por cento no 1.º semestre de 1961 e para 44,1 por cento no 2.º semestre desse ano - passou para 44,8 por cento na primeira metade do ano em curso, conduzindo assim ao agravamento do problema da liquidez internacional.
QUADRO III
Reservas oficiais de ouro e divisas
Em milhões de dólares
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Este total não corresponde & soma das Importâncias indicadas para os diversos países, em virtude de certos montantes não perfeitamente individualizados.
Origem: International Financial Statistics, do F.M.I., Outubro 1962.
b) A conjuntura nos Estados Unidos
7. Seguindo, ainda, o relatório do projecto de proposta de lei, anota-se que o ritmo de expansão da economia americana terá igualmente abrandado em relação ao observado em 1961, devido, em particular, ao menor crescimento do consumo privado e à relativa estagnação das despesas do sector público; isto apesar do incremento do investimento privado e das exportações. Parece, assim, que os Estados Unidos não conseguiram ainda ressarcir-se completamente da crise anterior, ao contrário do que seria de esperar nos meados de 1961 em face dos resultados atingidos até esse momento.
Deve, todavia, registar-se que o nível de emprego melhorou recentemente: o número de desempregados, em relação ao total da mão-de-obra, desceu do valor médio de 6,5 por cento no 1.º trimestre para 5,6 por cento no 2.º trimestre e para 5,5 e 5,3 por cento nos meses de Julho e Agosto, respectivamente. No entanto, este comportamento deve-se, essencialmente, à maior procura do sector terciário e às incorporações nas forças armadas, o que lhe tira parte do significado que poderia ter do ponto de vista da produção global. E não parece fácil que aquele indicador venha, em breve, a aproximar-se do nível dos 4 a 4,5 por cento que caracterizou os anos de 1956 e 1957.
Quanto aos salários, o respectivo índice não apresenta qualquer variação sensível desde os fins de 1961 e o mesmo se verifica nos índices de preços por grosso e no consumidor.
8. Apesar desta evolução da actividade económica, o crédito distribuído pela banca comercial prosseguiu o seu movimento ascensional, subindo de 215 440 milhões de dólares no final de 1961 para 225 270 milhões de dólares em Setembro de 1962. E como, entretanto, os depósitos bancários apenas aumentaram de 230 290 para 230 440 milhões de dólares, as «reservas livres» dos bancos foram diminuindo por forma mais ou menos continuada, agravando a sua situação de liquidez e suscitando uma certa pressão no mercado monetário.
Nas bolsas, as cotações dos títulos, depois de uma ligeira alta no 1.º trimestre, mostram uma quebra, por vezes interrompida, mas que se intensificou fortemente com a crise de Cuba. Operou-se, recentemente, uma recuperação, mas que não é ainda suficiente para anular as perdas sofridas. Note-se, por exemplo, que o índice da Securities and Exchange Commission (base: 1957-1959 = 100) se situava em Setembro de 1962 abaixo de 118, quando em Dezembro de 1961 quase atingia 146.
Este fenómeno de descida das cotações dos títulos, com as suas conhecidas repercussões nos planos de investimento das empresas, é bastante complexo por ser resultante da interacção de numerosos factores, entre os quais se devem referir o clima de expectativa criado pelas insuficiências dos mecanismos de recuperação da actividade económica, as incertezas sobre a situação política internacional e a própria consideração das perspectivas da política interna norte-americana.
9. Nas relações externas, apesar de se manter o acréscimo das importações, o excedente da balança de mercadorias e serviços melhorou bastante entre 1961 e 1962, devido à expansão das exportações e das receitas por serviços prestados e rendimentos recebidos. Todavia, no fim de Setembro o saldo negativo da balança geral de pagamentos era calculado em 1800 milhões de dólares - valor anual, corrigido das variações sazonais - e seria bastante superior se não se tivessem efectuado amortizações substanciais de débitos dos países europeus e adoptado diversas providências tendentes à redução do déficit cambial: diminuição das despesas externas do Governo e dos incentivos fiscais a investimentos no estrangeiro, limitação de certas importações e fomento da capacidade de concorrência dos produtos americanos.
Não obstante a melhoria do déficit da balança geral de pagamentos dos Estados Unidos, que se vem verificando lentamente desde 1959, as causas fundamentais do desequilíbrio persistem e entre elas avultam o peso das despesas militares, o auxílio financeiro aos países subdesenvolvidos e, também, a perda de capacidade concorrencial da economia americana.
Não surpreende assim a frequência com que o Governo dos Estados Unidos insiste junto dos países europeus para que assumam maiores responsabilidades no esforço de defesa do Ocidente e no auxílio ao «Terceiro Mundo», ao mesmo tempo que procura defender o dólar das pressões externas, recusando-se a aceitar um ajustamento do seu valor em relação ao ouro ou a instituição de novos sistemas de liquidações internacionais.
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Deve notar-se, a este propósito, que as disponibilidades em ouro e divisas desceram de 531 milhões de dólares de Janeiro a Setembro de 1962, mas como se registou um acréscimo de divisas convertíveis no total de 334 milhões de dólares, resultante principalmente das operações de swap realizadas com vários países europeus, a redução das reservas de ouro foi de 865 milhões de dólares, contra 347 milhões de Janeiro a Setembro de 1961.
As reservas de ouro dos Estados Unidos totalizavam 16 532 milhões de dólares em Setembro de 1962, montante muito inferior ao que se registava no fim de 1957 - 22 857 milhões de dólares.
Por outro lado, as responsabilidades em dólares a favor de estrangeiros subiram de 22 551 milhões em Dezembro de 1961 para 24 214 milhões em Agosto de 1962 (eram de pouco mais de 15 000 milhões em 1957), as disponibilidades a curto prazo em dólares sobre o estrangeiro apenas se elevaram de 4700 milhões para 4716 milhões durante esse período e as disponibilidades a longo prazo de 2020 milhões de dólares para 2188 milhões.
Sintetizando num quadro os elementos referidos, verifica-se não se registar, por ora, tendência para melhoria da posição de liquidez externa dos Estados Unidos.
QUADRO IV
Reservas e responsabilidades dos Estados Unidos da América
Em milhões de dólares
[Ver Tabela na Imagem]
Origem: Federal Reserve Bulletin, Outubro 1962.
Como se conclui no quadro IV, em Agosto de 1962 as responsabilidades para com o estrangeiro, em dólares e em moedas estrangeiras, ultrapassavam as reservas de ouro e divisas.
No total de 24 214 milhões de dólares de responsabilidades, cabiam aos países europeus 9726 milhões e às organizações internacionais 5009 milhões.
c) Observações finais
10. As observações dos parágrafos antecedentes permitem compreender a importância do problema da liquidez internacional, que se traduz num desajustamento global entre a evolução das reservas cambiais e as trocas de bens e serviços e numa assimetria na repartição dessas reservas, levando uma vez mais a pôr o problema da revisão dos sistemas monetário-cambiais internacionais.
De resto, a generalização dos movimentos de integração económica determinará uma reformulação extensa do quadro das relações internacionais, a que não serão alheios os aspectos monetários e financeiros da maior relevância, e obrigará, porventura, à instituição de novos mecanismos de liquidações multilaterais.
11. Esses movimentos de integração económica constituem, sem dúvida, outro dos problemas fundamentais da actual conjuntura. Visa-se à criação de «grandes espaços», dentro dos quais se verifique a liberalização dos movimentos de mercadorias, das prestações de serviços, dos capitais e das pessoas, o que irá suscitar, em novos moldes, a questão clássica do equilíbrio internacional. Estes movimentos de integração desenvolvem-se a par da necessidade de acelerar o desenvolvimento económico e social dos países menos evoluídos, mas o objectivo da integração é de certo modo contrário ao movimento que se traduz pela proliferação de novos Estados, na sua generalidade sem condições mínimas de sobrevivência como agregados política e económicamente independentes. Chega-se assim à situação, de certo modo paradoxal, de se promover a criação de Estados para em seguida esses Estados, na senda das velhas nações europeias, terem de se encaminhar para uma integração político-económica constitutiva de um «grande espaço», onde a independência recem-adquirida se irá necessariamente diluir, porventura, nalguns casos, apenas sob outras égides.
12. Parece, deste modo, que serão os problemas da liquidez internacional, das integrações económicas e do desenvolvimento dos países atrasados que dominarão a evolução dos próximos anos e hão-de condicionar a cooperação internacional e ser condicionados, por sua vez, pelo menos em princípio, pelo objectivo da liberalização do comércio internacional.
Todos estes problemas estão ainda sujeitos à influência da realidade política que é a existência no mundo de dois sistemas antagónicos, mesmo que à corrida aos armamentos se substitua a coexistência pacífica.
B) Economia nacional
a) Metrópole
1. A conjuntura económica geral
13. Passando à análise da evolução recente da economia metropolitana, nota-se, em primeiro lugar, seguindo o relatório do projecto de proposta de lei, que o produto interno bruto aumentou 7 por cento em 1961, em virtude dos acréscimos obtidos na indústria (quase 9 por cento) e nos serviços (mais de 7 por cento), tendo as actividades primárias apresentado uma variação positiva inferior a 3,5 por cento.
A par desta elevação da produção, registou-se um novo aumento, de quase 19 por cento, das importações de bens e serviços. Dado que as exportações, a preços constantes, se mantiveram praticamente estacionárias, foi a procura interna o principal factor da expansão verificada em 1961: acréscimos de 9 e 19 por cento, respectivamente, nas despesas de consumo dos particulares e do Estado, aumento de 10 por cento na formação bruta de capital fixo
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e uma acumulação de stocks apreciável, em especial quando confrontada com as diminuições observadas no triénio de 1958-1960.
A seguinte conclusão do relatório do projecto de proposta de lei afigura-se, assim, perfeitamente válida: «... apesar das modificações operadas na conjuntura financeira, monetária e cambial em 1961, foi possível operar-se a expansão da economia metropolitana a ritmo acelerado, conseguindo-se, simultaneamente, manter as finanças equilibradas, estabilidade do valor do escudo, equilíbrio fundamental do banco central e elasticidade do sistema bancário, sem prejuízo da sua estabilidade».
Todavia, como se depreende do relatório e se confirma pelas observações que seguidamente se fazem à presente conjuntura, no ano em curso verificou-se um afrouxamento do ritmo da actividade económica.
14. Quanto ao comportamento das actividades económicas no ano em curso, os elementos disponíveis sobre o sector agrícola levam a admitir um aumento de produção mais acentuado do que em 1961, devido, especialmente, aos resultados das colheitas de trigo e da produção vinícola. Todavia, este acréscimo não será ainda compensador das deficiências registadas em períodos anteriores.
Aliás, a produção agrícola, de uma maneira geral, tem vindo a manifestar nos últimos anos um comportamento muito irregular, motivado por vicissitudes climatéricas, para além da persistência de certas deficiências estruturais que de há muito se lhe assinalam. Com efeito, a actividade agrícola, no seu conjunto, não tem acompanhado a expansão que se regista noutros sectores, pelo que o aperfeiçoamento das suas estruturas se impõe com urgência, não só porque tal acção não é susceptível de resultados significativos a curto prazo, como também pela necessidade de nos prepararmos para o condicionalismo que irá criar a possível participação do País no movimento de integração económica europeia.
Deu-se nestes últimos meses um grande passo com a promulgação de diversos diplomas fundamentais e a adopção de certas providências, que importa destacar:
a) A Lei n.º 2014, de 15 de Junho de 1962, que instituiu as bases do novo- sistema do arrendamento rural;
b) A Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, que estabeleceu os princípios a que obedecerá o emparcelamento da propriedade rústica;
c) Os planos de fomento frutícola e pecuário, a incorporar no II Plano de Fomento e cuja realização prosseguirá com o III Plano;
d) O Decreto-Lei n.º 44 720, de 23 de Novembro de 1962, sobre o novo regime jurídico da colonização interna.
Acresce agora a possibilidade financeira de execução do plano de rega do Alentejo. Mas todo este complexo de medidas requer tempo e persistência de acção para que produza a plenitude dos seus efeitos possíveis, concorrendo para a desejada solução do nosso problema agrário. Outras providências terão ainda de ser tomadas, entre as quais não serão certamente de menor importância as que se dirigirem à melhoria das condições de comercialização dos produtos agrícolas e à do regime do crédito agrário a médio e a longo prazos.
15. Relativamente à silvicultura -refere-se no relatório do projecto de proposta de lei -, não será de esperar, em 1962, um resultado global sensivelmente diferente do obtido em 1961, devendo o acréscimo da produção corticeira compensar a diminuição dos resinosos.
Por outro lado, tudo leva a admitir que os resultados dos sectores da pecuária e da pesca serão superiores aos alcançados no ano findo. Em contrapartida, a produção mineira não terá conseguido libertar-se do clima de estagnação com que se debate desde há anos, principalmente por falta de estímulo da procura externa.
16. No conjunto das indústrias transformadoras parece ter-se verificado também uma relativa estagnação que contrasta singularmente com o movimento de expansão registado nos últimos anos.
Também nos serviços - designadamente na energia eléctrica, nos transportes e comunicações e no comércio, que são as actividades mais representativas - o ritmo de acréscimo terá afrouxado em relação a 1961. Perante estas circunstâncias, formula-se no relatório do projecto de proposta de lei a conclusão de que o crescimento da economia nacional se processará, no ano em curso, a ritmo menos acelerado do que o observado no último ano.
Dado que as exportações têm progredido sensivelmente e que se manteve o esforço de defesa do território, será de admitir que certos componentes da procura interna - despesas dos particulares em bens de consumo, formação do capital fixo e (ou) as variações de stocks - manifestem um comportamento menos favorável do que em períodos precedentes.
Esta atitude será também influenciada pelo movimento dos preços, só em parte acompanhado pelo dos salários. Entre os períodos de Janeiro a Agosto de 1961 e 1962, o índice geral de preços no consumidor subiu em Lisboa de cerca de 4,5 por cento e no Porto de quase 3 por cento, evolução que começa a diferenciar-se da que caracterizara a expansão económica da última década.
Parece esboçar-se uma certa pressão sobre a economia - a que o Governo não deixará de estar atento - e da qual se podem ainda indicar como manifestações a evolução do crédito bancário, o nível a que se mantém as cotações na bolsa e a persistência de uma relativa debilidade do mercado financeiro.
2. O comércio externo e a balança de pagamentos
17. Não se possuem ainda elementos de informação suficientes sobre o comportamento da balança geral de pagamentos da zona do escudo durante o ano em curso. Todavia, a avaliar pela balança cambial do Banco de Portugal - na qual se repercute a maior parte dos resultados das transacções internacionais -, a melhoria, entre os períodos de Janeiro a Outubro de 1961 e 1962, atingiu proporção excepcional.
QUADRO V
Balança cambial do Banco de Portugal
Em milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Excluindo a participação no capital do F.M.I. e do B.I.R.F.
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Como se vê pelo quadro V, essa melhoria quase atingia os 5600 milhares de contos, correspondendo mais de 3200 milhares aos pagamentos em dólares e 2300 milhares à área do Acordo Monetário Europeu.
Para a referida melhoria terá concorrido, em parte bastante apreciável, a contracção do déficit comercial da metrópole. De facto, conforme se mostra no quadro VI, o saldo negativo do comércio com o estrangeiro apresentava, entre os períodos de Janeiro a Setembro de 1961 e 1962, uma contracção de 1664 milhares de contos, resultante de uma diminuição de 8,4 por cento nas importações e de um acréscimo de 14,2 por cento nas exportações.
QUADRO VI
Comércio da metrópole com o estrangeiro
Em milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
Segundo os valores das liquidações, a redução do saldo negativo das operações comerciais revela-se ainda mais sensível, o que significa uma variação positiva no que respeita a créditos comerciais e apports de capital en nature.
Deste modo, poderá estimar-se que o comércio externo da metrópole terá contribuído para a mencionada melhoria dos resultados finais da balança de pagamentos com um montante à volta dos 2200 milhares de contos.
Quanto ao comércio das províncias ultramarinas com o estrangeiro, os elementos disponíveis são ainda insuficientes, não permitindo formular, em termos quantitativos, qualquer estimativa. Em todo o caso, parece que as exportações têm vindo a crescer.
Outro factor, dos mais significativos, é o que respeita às operações de crédito externo realizadas pelo Governo, que conduziram a um acréscimo de entradas de divisas da ordem dos 1400 milhões de escudos. Também, por outro lado, nada leva a supor que tenha afrouxado o afluxo de capitais privados estrangeiros, em investimentos directos ou sob a forma de créditos. E tem de se registar ainda a diminuição das despesas do Estado no estrangeiro, a redução do déficit usual da rubrica de «Transportes» e também o aumento dos excedentes relativos ao «Turismo», às «Transferências privadas» e aos «Outros serviços e pagamentos de rendimentos».
Cabe destacar que, mesmo sem as mencionadas operações de crédito externo, a balança geral de pagamentos da zona do escudo apresentaria este ano um resultado muito mais favorável do que em 1961, facto tanto mais de ponderar quanto é certo que ele se concretizou num clima de elevado grau de liberalização de trocas e de abaixamento de tarifas aduaneiras.
18. Pela importância de que se reveste, importa observar, com mais pormenor, a evolução do comércio externo metropolitano, actualizando a analise constante do relatório do projecto de proposta de lei e que se referia ao período de Janeiro a Agosto.
QUADRO VII
Comércio externo da metrópole, por zonas geográficas
Em milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
A diminuição de quase 960 milhares de contos nas importações do estrangeiro reflectiu-se principalmente nas importações da zona do Mercado Comum (mais de 440 milhares de contos) e nas de «Outros países» (quase 315 milhares de contos), enquanto as compras aos países da Associação do Comércio Livre não chegaram a baixar de 280 milhares de contos e as efectuadas nos Estados Unidos aumentaram de 75 milhares de contos.
Quanto à expansão das exportações para o estrangeiro, num total de mais de 700 milhares de contos, os principais acréscimos registaram-se nas relações com os Estados Unidos (mais de 270 milhares de contos) e com os países
do Mercado Comum (cerca de 220 milhares de contos), aumentando as exportações para os países da Associação Europeia do Comércio Livre apenas 51 milhares de contos.
Em consequência destas variações, o grupo do Mercado Comum ultrapassou o da Associação Europeia do Comércio Livre como comprador estrangeiro dos produtos metropolitanos, ao mesmo tempo que se mantinha como nosso maior fornecedor. Por outro lado, deve salientar-se que, entre os períodos de Janeiro a Setembro de 1961 e 1962, o coeficiente de cobertura do valor das importações pelo das exportações subiu de 49,3 para 62,7 por cento.
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19. Do ponto de vista das mercadorias, a contracção das aquisições ao estrangeiro diz respeito principalmente às secções de «Metais comuns e respectivas obras» (designadamente ferros e aços, cobre e alumínio), de «Material de transporte» (embarcações) e dos «Produtos das indústrias químicas e outras conexas». Contudo, entre os períodos de Janeiro a Setembro de 1961 e 1962 registavam-se novos aumentos nas importações de «Matérias têxteis» e de «Máquinas e aparelhos».
Quanto às exportações, a expansão registada proveio especialmente das secções de «Matérias têxteis e respectivas obras» (em particular tecidos de algodão), de «Gorduras» (azeite), de «Metais comuns e respectivas obras» (chapa de ferro) e dos «Produtos do reino vegetal» (amêndoa em miolo); mas verificou-se um decréscimo sensível nas vendas dos «Produtos das indústrias alimentares», em especial nas exportações de conservas de peixe e vinhos comuns, que só em parte foi compensada pelo acréscimo nas de vinho do Porto.
8. Moeda e crédito
20. O volume dos meios de pagamento internos - que de Janeiro a Agosto de 1961 diminuíra 1379 milhares de contos, por virtude principalmente do déficit da balança de pagamentos e não obstante a expansão do crédito bancário - apresentava no período de Janeiro a Agosto do ano corrente um acréscimo de 3014 milhares de contos. Descontando o efeito dos créditos em escudos a favor do .Fundo Monetário Internacional para realização da participação no respectivo capital, o acréscimo atinge ainda 1720 milhares de contos, determinado, em especial, pelo excedente da balança de pagamentos, a que se juntou um pequeno aumento do crédito bancário distribuído, factores cuja influência excedeu largamente a repercussão de sentido contrário do novo acréscimo de depósitos a prazo (mais de 900 milhares de contos).
QUADRO VIII
Meios de pagamento
Em milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
Origem: Elementos fornecidos pelo Banco de Portugal.
Considerando a emissão monetária do Banco de Portugal, representada por notas e outras responsabilidades à vista, e a moeda emitida pela Casa da Moeda, verifica-se, de acordo com o quadro viu, que a representação da «moeda legal» subiu de 51,6 para 52,8 por cento durante o período de Janeiro a Agosto de 1962, quando descera de 52,1 para 50,5 por cento em igual período do ano precedente.
Anota-se também que em 1961 - muito embora os meios de pagamento houvessem descido, no seu conjunto, 1379 milhares de contos - a circulação de notas aumentara 2054 milhares de contos, o que traduzia um movimento excepcional de preferência por essa forma monetária. Este ano, porém, para um acréscimo global de 1720 milhares de contos - se for descontado o efeito da participação no capital do Fundo Monetário Internacional - a parte das notas foi apenas de 458 milhares de contos, o que indica que se está reabsorvendo aquele movimento.
Terão assim melhorado no ano em curso as condições gerais de liquidez da economia nacional, não só pelo acréscimo do valor das reservas de ouro e divisas, mas também por se ter contraído a representação da «moeda escriturai», criada pela banca comercial, nos meios de pagamento. No referido acréscimo de 3014 milhares de contos dos meios de pagamento, couberam ao Tesouro 1503 milhares e aos organismos internacionais 1294 milhares, pelo que o afluxo de meios imediatos de pagamento à economia privada foi apenas de 217 milhares, que se elevará a 1122 milhares de contos entrando em linha de conta com o aumento dos depósitos a prazo.
Como se afirma no relatório do projecto de proposta, é certo que existe um acentuado risco quando a evolução dos meios de pagamentos internos é comandada pelas variações da balança de pagamento, verificando-se expansões e contracções do stock monetário com as variações cambiais; mas o risco existe igualmente quando o factor de comando é o crédito bancário, até porque a moeda assim criada acaba, em geral, por exercer pressões sobre as disponibilidades de ouro e divisas. Assim, parece que se deve procurar um equilíbrio entre os diversos factores monetários, estabelecendo-se para tal fim os mecanismos adequados, a esta a sugestão que se pode fazer para ir ao encontro da observação do relatório onde se escreve, a propósito da correlação entre os movimentos cambiais e as variações da circulação interna, o seguinte: «Ponderados, porém, os graves inconvenientes que poderão ainda advir dessa correlação, será de encarar o estudo de medidas que melhor defendam a circulação interna».
21. Analisa-se seguidamente o comportamento da emissão monetária do Banco de Portugal, tomando uma vez mais o conjunto de notas e outras responsabilidades à vista.
QUADRO IX
Variação das responsabilidades do Banco de Portugal e seus factores
Em milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
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[ver tabela na imagem]
(a) A variação escritural poderá divergir da variação efectiva, em virtude da conversão de divisas em ouro, contabilizada de harmonia com o contrato de 1 de Setembro de 1949, entre o Estado e o Banco.
(b) Além da variação resultante do movimento de compras e vendas de ouro e divisas, estas verbas reflectem também os ajustamentos contabilisticos a que se referem as cláusulas X a XII do contrato aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 438, de 89 de Junho de 1962.
(c) Pela amortização integral dos débitos do Tesouro ao Banco, de conformidade com a 1.ª parte da cláusula XI do contrato acima referido.
Origem: Elementos fornecidos pelo Banco de Portugal.
Como se vê pelo quadro IX, a emissão monetária do Banco de Portugal aumentou de 1050 milhares de contos no período de Janeiro a Outubro de 1962, quando, um ano antes, diminuíra 1706 milhares de contos. Aquele acréscimo reflectiu-se essencialmente na conta do Tesouro, enquanto o montante de notas fora das caixas do Banco diminuiu 80 milhares de contos, as caixas económicas aumentaram os seus depósitos em 414 milhares de contos e os bancos comerciais os reduziram em 544 milhares de contos.
Quanto aos factores das variações indicadas em 1961, foi a diminuição da reserva de ouro e divisas o principal factor de contracção, mas compensado em parte pelo acréscimo do crédito distribuído,- no montante de 1500 milhares de contos, e em 1962 foi a elevação da mesma reserva de ouro e divisas - compensada em pouco mais de 900 milhares de contos pela contracção do crédito - a principal determinante do aumento da emissão monetária.
A criação de meios de pagamento pelo banco central não se reflectiu nos bancos comerciais, devido à acumulação temporária de disponibilidades na conta do Tesouro e a uma deslocação de fundos para as caixas económicas. Deve assinalar-se, por último, que a diminuição dos saldos do crédito outorgado não traduz uma contenção deliberada das operações por parte do Banco, pois o facto é que o volume das operações de redesconto subiu quase 3,5 por cento, as de empréstimos caucionados 2,5 por cento e as de desconto directo cerca de 25 por cento, entre os períodos de Janeiro a Outubro de 1961 e 1962.
22. Nos bancos comerciais a situação no fim de Agosto revelava uma quebra das reservas de caixa no total de 1286 milhares de contos, ao passo que os depósitos à ordem baixavam apenas 285 milhares. Deste modo, a taxa de liquidez efectiva destes depósitos baixava de 26,6 por cento para 20,2 por cento.
Entretanto, os depósitos a prazo aumentaram 831 milhares de contos (em grande parte por simples transformação de depósitos à ordem em depósitos com pré-aviso), o que permitiu aos bancos alargar o saldo do crédito distribuído em 653 milhares de contos e fazer ainda aplicações de certo volume em títulos.
23. Quanto às caixas económicas - onde avulta, como se sabe, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, instituto de crédito do Estado -, verificou-se, no período de Janeiro a Agosto de 1962, uma elevação das reservas de caixa de 235 milhares de contos, contra um acréscimo de 456 milhares de contos nos depósitos à ordem e a prazo.
Como resultado, a taxa de liquidez dos depósitos à ordem subiu de 25,4 por cento para 26,4 por cento no período considerado, verificando-se um ligeiro acréscimo da crédito concedido. No relatório do projecto de proposta de lei explicam-se estas variações da situação das caixas económicas:
A evolução observada deve-se às medidas restritivas adoptadas com vista a uma mais eficiente aplicação das respectivas disponibilidades, especialmente na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, dada a excessiva utilização da sua capacidade prestamista, durante o último ano, em substituição do mercado financeiro.
24. Cabe referir, por último, neste capítulo sobre a moeda e o crédito, o novo contrato entre o Estado e o Banco de Portugal, cujas bases foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 44432, de 29 de Junho de 1962. Das cláusulas deste contrato devem salientar-se:
a) A prorrogação pelo prazo de 30 anos do privilégio de emissão de notas no continente e ilhas adjacentes;
b) A obrigação de o Banco exercer as funções de banco emissor, central e de reserva, devendo por tal e sob a orientação superior do Ministro das Finanças: promover a coordenação da circulação monetária com as necessidades da actividade económica; regular o funcionamento do mercado monetário; assegurar as liquidações das operações cambiais requeridas pela economia nacional, nos termos da legislação e regulamentação aplicáveis e dos acordos bilaterais ou multilaterais celebrados; e actuar como prestamista do sistema bancário;
c) A elevação do capital do Banco de 100 para 200 milhares de contos;
d) O aumento do limite da conta corrente gratuita do Estado de 200 para 500 milhares de contos;
e) A possibilidade de incluir nas reservas do Banco certos valores pagáveis em moedas declaradas convertíveis nos termos da secção IV do artigo VIII do Acordo sobre o Fundo Monetário Internacional.
Além disto, estabeleceu-se no referido contrato - na sequência do acordo entre o Estado e o Fundo Monetário Internacional sobre a paridade-ouro do escudo - que as reservas-ouro do Banco seriam contabilizadas segundo o preço-base resultante das expressões $ 1 U. S. A. (com o peso e toque em vigor em 1 de Julho de 1944)=28$75 e 1 onça troy = $ 35 U. S. A.
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Mas como, nos termos do contrato entre o Estado e o Banco, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 535, de 31 de Agosto de 1949, as ditas reservas-ouro se encontravam escrituradas segundo o preço-base expresso pelas relações 100$ = $ 4,03 (câmbio médio de Londres sobre Nova Iorque) e 1 onça troy = $ 35 (preço médio do ouro em Nova Iorque), resultou uma valorização das reservas, por aumento da sua importância em escudos. A maior parte desta valorização - no montante de 977 788 contos - foi destinada à amortização integral dos débitos do Tesouro ao Banco.
4. O desenvolvimento económico e o seu financiamento
25. No relatório do projecto de proposta de lei salienta-se a importância da acção desenvolvida pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e pelo Banco de Fomento Nacional no financiamento do processo de desenvolvimento económico.
Refere-se, em particular, que, embora o acréscimo global de crédito distribuído pela Caixa no período de Janeiro a Agosto fosse inferior em 247 milhares de contos ao ano precedente, as operações com o sector público aumentaram 155 milhares de contos e as operações com o sector privado para fomento da actividade económica subiram quase 326 milhares de contos, justificando-se a diferença pela contracção de outras operações, designadamente pela amortização do empréstimo de 220 milhares de contos concedido em 1961 à Federação Nacional dos Produtores de Trigo. No mencionado período, a Caixa Geral de Depósitos subscreveu ainda títulos de dívida pública e outros num total de 181,2 milhares de contos.
Por seu turno, o Banco de Fomento Nacional aprovou operações de financiamento e garantia, durante o 1.º semestre de 1962, no montante de 682,8 milhares de contos, mas o volume das operações realizadas cifrou-se em 427,7 milhares de contos, ou seja, menos 22 por cento do valor correspondente ao período homólogo do ano passado.
A importância desta instituição no financiamento do desenvolvimento económico não se pode medir apenas pelo volume das suas operações - embora se torne indispensável o alargamento dos recursos de que dispõe -, mas ainda pela forma como efectivamente tenha conseguido substituir, na concessão de crédito, a garantia financeira pela garantia económica.
26. Relativamente à execução do II Plano de Fomento, refere-se no relatório do projecto de proposta de lei que, no 1.º semestre do corrente ano, os financiamentos atingiram 1489,4 milhares de contos, o que equivale a 31 por cento da previsão anual corrigida, que ascende a 4855,3 milhares de contos. Mas anota-se seguidamente:
Esta percentagem de realização é sensivelmente idêntica à verificada nos períodos homólogos precedentes. Acresce que a experiência adquirida em anteriores programas revela aceleração da cadência de execução nos últimos meses do ano. Nestes termos, parece legítimo esperar que o programa estabelecido para 1962 venha a ser cumprido na sua quase totalidade.
27. Assinalando o esforço da metrópole para o financiamento do desenvolvimento económico das províncias ultramarinas, indica-se no relatório do projecto de proposta de lei que a assistência financeira prestada atingiu quase 1908 milhares de contos no período de Janeiro a Outubro de 1962, que se repartiu conforme se mostra no quadro X.
QUADRO X
Financiamentos do ultramar
Em milhares de contos
[ver quadro na imagem]
Há que prosseguir e desenvolver a assistência técnica e financeira às províncias ultramarinas a fim de acelerar o seu processo do crescimento económico-social. E a grandeza do esforço exigido leva a admitir, com os naturais cuidados, participação apreciável dos capitais de origem estrangeira, que já no ano em curso deram contribuição de assinalar.
b) Províncias ultramarinas
1. Angola
28. Referem-se no relatório do projecto de proposta de lei as perspectivas favoráveis da produção agrícola desta província, em particular do algodão e do café. Também nas indústrias extractivas (minérios, petróleos) os resultados já conseguidos deixam prever notáveis acréscimos de produção, que terão os seus reflexos no comportamento das exportações, quer do ponto de vista do seu montante, quer relativamente à maior diversificação por produtos.
Nas indústrias transformadoras não só prossegue o movimento de criação de novas unidades mas também se verificam aumentos de produção dos sectores já instalados, como sejam os casos dos têxteis, cimentos, cerveja, celulose e pasta para papel, conservas e farinha de peixe.
Quanto à balança comercial, a estatística alfandegária mostrava, no período de Janeiro a Agosto, um déficit de 43 milhares de contos, contra um excedente de 461 milhares em igual período do ano anterior, em consequência da subida das importações de 1990 para 2485 milhares de contos e de um pequeno decréscimo das exportações, de 2451 para 2442 milhares. Todavia, como é no último quadrimestre do ano que se intensificam as vendas de café, admite-se que a balança comercial possa fechar o ano com um ligeiro excedente.
2. Moçambique
29. Nesta província a produção agrícola continuou o seu movimento de expansão relativamente acentuada, ao passo que as indústrias extractivas evoluíram lentamente e as transformadoras acusavam uma actividade pràticamente estacionária. O tráfego ferroviário e portuário prosseguiu no sentido de expansão vinda dos períodos anteriores, com repercussões favoráveis na balança de «invisíveis correntes».
Quanto ao comércio externo da província, os valores da estatística alfandegária relativos a Janeiro a Abril do ano em curso evidenciavam uma contracção do deficit, devida à circunstância de a diminuição das importações ter ultrapassado a das exportações.
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Todavia, segundo a balança de pagamentos da província elaborada pelo seu Conselho de Câmbios, o déficit global agravou-se de 51 milhares de contos entre os períodos de Janeiro a Abril de 1961 e 1962. O aumento do saldo negativo foi determinado principalmente pelo acréscimo do deficit comercial segundo a estatística das liquidações, sendo de assinalar um maior saldo positivo nas operações de capitais a longo prazo.
3. Restantes províncias
30. Em Cabo Verde, segundo o relatório do projecto de proposta de lei, a actividade agrícola foi, uma vez mais, profundamente afectada pela seca, Em contrapartida, os investimentos nas indústrias da pesca e das conservas deverão determinar um surto considerável da produção.
31. Quanto à Guiné, os elementos de informação de que a Câmara dispõe continuam a ser muito escassos e obtidos com enormes atrasos, não sendo possível formar uma ideia razoável sobre a evolução económica recente.
32. Em S. Tomé e Príncipe a produção agrícola, especialmente de cacau, terá aumentado ainda este ano, mas a baixa das cotações internacionais do cacau e das oleaginosas afectou os resultados das transacções externas da província.
33. Pelo que respeita a Macau, prosseguiu a expansão da produção industrial, por virtude, em particular, da recuperação das indústrias ligadas à pesca e do desenvolvimento do sector têxtil.
Na balança comercial os resultados do período de Janeiro a Maio de 1962 acusavam, em relação ao ano anterior, um agravamento do saldo negativo, mas as receitas de «invisíveis correntes» prosseguiam no ritmo costumado, sendo de esperar, com a execução do plano de fomento turístico, que se eleve sensivelmente o afluxo de cambiais.
34. Sobre Timor as informações à disposição da Câmara são muito insuficientes, nada se podendo concluir quanto ao comportamento das actividades económicas no ano em curso.
35. À semelhança do que já sucede para Angola e Moçambique, torna-se necessário obter em tempo útil informações mais pormenorizadas sobre a actividade económica das restantes províncias ultramarinas, em especial perante o processo de unificação económica nacional.
c) Integração económica nacional
36. A importância do objectivo do processo de integração económica nacional, mesmo na fase actual de realização de uma «zona de trocas livres», com apoio de mecanismos monetário-cambiais, dispensa quaisquer comentários. É um passo de excepcional significado que se empreende, no sentido da realização de princípios da Constituição Política e em harmonia com a moderna tendência para a criação de «grandes espaços económicos».
É evidente que não será uma finalidade de fácil consecução, porque a integração e o crescimento económico social terão de ser devidamente articulados como aspectos que são de um mesmo processo, exigindo a adopção de providências da mais diversa natureza no quadro de uma política que deverá ser global e unitária, mas com uma elasticidade necessária para se atenderem os problemas territoriais ou sectoriais.
Na verdade, o processo em causa interessa a todas as parcelas do território nacional, requerendo várias modificações e ajustamentos. Efectivamente, o referido processo será, numa primeira aparência, especialmente económico e financeiro, mas é, também, político e social, pelo que o despertar da consciência da Nação e o seu esclarecimento serão condições necessárias da mobilização das vontades e da compreensão das finalidades superiores prosseguidas, sem o que a sua realização se mostrará extremamente difícil.
37. No Decreto-Lei n.º 44 016, de 18 de Novembro de 1961, ficaram assentes os princípios gerais da realização do processo de integração na sua fase actual. Por esse diploma avaliava-se já a tarefa a empreender e aquela que terá de seguir-se à promulgação dos diplomas regulamentares desses princípios basilares e da legislação complementar.
Pelas finalidades que prosseguem e pela influência que exercerão na conjuntura económica dos próximos anos, bem como pelas modificações estruturais que virão a impor, justifica-se que se analisem, embora de maneira sumária, os diplomas até agora publicados.
38. Relativamente à matéria comercial e aduaneira, em 30 de Dezembro de 1961 o Decreto n.º 44 139 estabeleceu a lista das posições pautais que seriam exceptuadas do regime de isenção de direitos de importação no continente e ilhas adjacentes, a aplicar depois de 1 de Julho de 1962.
Posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 44 260, de 31 de Março de 1962, foi estatuído o regime respeitante à determinação, prova e verificação da origem nacional das mercadorias transaccionadas entre territórios nacionais. O Decreto-Lei n.º 44 259, da mesma data, sujeita às disposições da legislação do contencioso aduaneiro do território onde tiverem sido emitidos certificados de origem, os responsáveis pelo fornecimento de falsas declarações para a emissão destes certificados ou quem os emita com dados falsos ou inexactos.
Em 14 de Agosto definem-se, pelo Decreto-Lei n.º 44 507, as restrições quantitativas postas à circulação de mercadorias de origem nacional dentro do espaço português e indicam-se no Decreto-Lei n.º 44 508 quais as mercadorias provenientes das províncias ultramarinas que ficarão livres, depois de 1 de Janeiro de 1963, de direitos de importação no continente e ilhas adjacentes.
Em complemento, o Decreto n.º 44 525, de 20 de Agosto, veio esclarecer que as disposições do citado Decreto n.º 44 139 não tinham por fim tornar cativas de direitos aquelas mercadorias que, excedendo embora, na sua importação, o limite fixado na alínea a) do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 44 016, já beneficiavam de isenções de direitos por força de diplomas especiais. Pela declaração publicada no Diário do Governo, 1.ª série, de 23 de Outubro, foi dado conhecimento da aprovação das listas de proibições e condicionamentos especiais de importação e de exportação de mercadorias.
39. Os processos da integração e do desenvolvimento económico nacionais «terão necessariamente de apoiar-se num sistema de pagamentos que permita a regularidade das transferências, assegure a intertransferibilidade das moedas e facilite a resolução de certos desequilíbrios monetário-cambiais, tudo em conformidade com os objectivos de manutenção da estabilidade financeira interna e de solvabilidade exterior da moeda nacional», como o reconhecera o Decreto-Lei n.º 44 016 ao estabelecer os termos gerais desse sistema.
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Com data de 17 de Novembro foram promulgados seis decretos-leis regulando a matéria em causa que deverão entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1963.
Assim, pelo Decreto-Lei n.º 44698 são definidas as condições a que ficarão sujeitas as operações de importação, exportação e reexportação de mercadorias, as operações de invisíveis correntes e as de importações e exportações de capitais privados, tanto entre os territórios nacionais como entre estes e o estrangeiro.
O Decreto-Lei n.º 44 699 vem regular o exercício do comércio de câmbios no continente e ilhas adjacentes e certas operações relacionadas com o mercado cambial, tal como o Decreto-Lei n.º 44 700 o faz para as províncias ultramarinas. O Decreto-Lei n.º 44 701, seguindo os princípios informadores dos diplomas precedentes, estabelece os preceitos a que se subordinará a realização das operações referentes à liquidação de importações, exportações ou reexportações de mercadorias, de invisíveis correntes e de capitais entre os diversos territórios nacionais e as relativas à abertura e movimentação de contas por instituições de crédito de um destes territórios em nome de residentes noutros.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 44 702, são criadas inspecções de crédito e seguros ou do comércio bancário nas províncias ultramarinas, junto das quais funcionarão «Conselhos de Câmbios» com funções consultivas. Além disto, alteram-se a constituição e funcionamento dos «fundos cambiais» existentes e instituem-se «fundos cambiais» nas restantes províncias, com excepção de Macau; estes fundos - que exercerão as funções de caixas centrais das reservas de ouro, divisas e outros meios de pagamento sobre o exterior das províncias ultramarinas - serão geridos pelas referidas inspecções de crédito e seguros ou do comércio bancário e terão como agentes os correspondentes bancos emissores.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 44 703 institui o sistema de compensações e de pagamentos interterritoriais no espaço português, bem como o Fundo Monetário da Zona do Escudo que, dispondo de um capital de 1500 milhares de contos, terá por finalidades facilitar o funcionamento daquele sistema e «auxiliar, por meio de empréstimos aos fundos cambiais das províncias ultramarinas, a regularidade dos pagamentos interterritoriais ou internacionais das mesmas províncias».
Diversos diplomas regulamentares e instruções serão necessários para completar o disposto nos citados decretos-leis, que representam uma revisão profunda do regime dos nossos pagamentos internos e externos no sentido da estruturação de uma «zona monetária do escudo». Da maior importância serão também os contratos a celebrar com o Banco de Portugal, designadamente para regular o exercício - das funções de agente dos referidos sistemas de pagamentos e do Fundo Monetário, e com os bancos emissores ultramarinos, em especial para definir os termos do seu funcionamento como agentes dos «fundos cambiais» das províncias.
40. Reconheceu-se ainda, perante a necessária intercorrelação dos processos da integração e do desenvolvimento económicos, que se deveria regular a acção do Estado «em alguns dos sectores que mais importam ao desenvolvimento global da economia, com especial incidência no tocante a aceleração do ritmo de crescimento das regiões menos desenvolvidas».
Com este objectivo foi promulgado em 27 de Outubro o Decreto-Lei n.º 44 652, de cujas disposições se salientam:
a) A revisão, até 31 de Março de 1963, do II Plano de Fomento, «tendo em conta as alterações verificadas na situação politico-económica do País e considerando muito especialmente os problemas decorrentes do processo de unificação progressiva dos diversos mercados» nacionais;
b) A revisão, até 30 de Junho de 1963, das disposições legais em vigor sobre o condicionamento industrial e, tão cedo quanto possível, sobre o ordenamento agrícola, bem como a revisão das disposições relativas ao fomento industrial e agrícola;
c) A criação, no Ministério das Finanças, de um Fundo de Fomento Económico com âmbito nacional e cujo regulamento será publicado até 31 de Dezembro de 1963;
d) A reorganização do sistema de crédito e da estrutura bancária nas províncias ultramarinas;
e) A criação de bolsas de fundos em Luanda e Lourenço Marques;
f) A revisão, até 30 de Junho de 1963, das disposições que regulam a aplicação de capitais estrangeiros em territórios nacionais;
g) O estabelecimento, até 1 de Julho de 1963, do regime legal a que deverão obedecer as operações de crédito a médio e longo prazos e das condições de exercício de funções de crédito por pessoas singulares ou colectivas não abrangidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 41 403;
h) A criação, até 31 de Dezembro de 1963, do Centro Nacional de Produtividade, que funcionará junto do Instituto Nacional de Investigação Industrial;
i) A promulgação, até 31 de Dezembro de 1963, do Estatuto da Função Pública;
j) A criação do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos que terá como órgãos de estudo, informação e execução das suas decisões a Comissão Consultiva de Política Económica e o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, este compreendendo a Direcção de Serviços de Planeamento e a Direcção de Serviços da Integração Económica Nacional;
l) A transformação da Comissão Interministerial do Plano de Fomento na Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica, em cujo âmbito funcionarão onze grupos de trabalho permanente;
m) A criação em cada uma das províncias ultramarinas de um serviço ou comissão de planeamento e de integração económica;
n) Intensificação da formação profissional de mão-de-obra e desenvolvimento dos quadros técnicos.
Como se verifica por este enunciado, trata-se de um amplo programa com finalidades do mais largo alcance.
§ 3.º
Perspectivas da administração financeira para 1963
41. Estudado o condicionalismo económico em que a proposta se insere, passa-se à análise do condicionalismo financeiro, começando pela evolução das receitas e despesas, visto tratar-se de um dos seus elementos básicos.
As receitas ordinárias do Estado aumentaram, no último ano, de 12,7 por cento, percentagem bastante superior à que se verificou nos anos antecedentes. A contribuição mais significativa para este acréscimo foi dada pelos impostos indirectos, que, representando cerca de
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40 por cento das receitas ordinárias, tiveram em 1961 um aumento de 16,4 por cento. A elevação dos impostos directos foi apenas de 7,7 por cento.
Este comportamento sugere duas observações: a primeira, quanto à evolução da carga fiscal, a segunda, referente à posição relativa da tributação directa e indirecta.
A carga fiscal, como se observa no quadro XI, sofreu um relativo agravamento em 1961, consequência principalmente, como se explica no relatório do projecto de proposta, das medidas adoptadas em Junho de 1961. A satisfação das necessidades de defesa da Nação, sem diminuição sensível do apoio à política de desenvolvimento, não podia realizar-se sem sacrifícios, que se reflectiram, aliás, num agravamento moderado da carga fiscal, que nem sequer atingiu a percentagem de 1958, ano que decorreu em condições bem diversas das registadas em 1961. Uma outra circunstância a limitar as consequências deste agravamento é o facto de-ele se ter verificado em período de expansão excepcional do rendimento. Com efeito, o produto interno bruto elevou-se em 1960 e 1961, respectivamente, de 8 por cento e 7 por cento, percentagens bastante superiores à da média dos últimos anos. A situação deve ser algo diferente em 1962, pois não é previsível uma evolução tão favorável do produto nacional.
QUADRO XI
Carga fiscal
[ver quadro na imagem]
Fonte: Quadro XVI do relatório da proposta.
No que se refere à posição relativa da tributação directa e indirecta tem de assinalar-se que nos últimos três anos se inverteu a tendência moderada, que se observou de 1955 a 1958, para uma diminuição da importância relativa dos impostos indirectos. Por outro lado, os impostos directos perderam posição em relação à situação que desfrutaram no triénio de 1958 a 1960.
Deve esclarecer-se que estes movimentos são consequência do próprio sistema tributário, dado que as possibilidades de actuação do Governo, sem alteração do sistema, são relativamente limitadas. A acção governamental não foi, todavia, estranha à posição assumida pelos impostos indirectos de 1955 a 1958 e pelos impostos directos no triénio de 1958-1960.
A tendência registada ultimamente apresenta-se como fruto de circunstâncias especiais: por um lado, a nossa participação em certos acordos internacionais levou à efectivação de arranjos na tributação pela necessidade de evitar inconvenientes que poderiam surgir para alguns sectores da actividade económica; por outro lado, os acontecimentos do ano pretérito levaram a soluções de emergência, que no nosso sistema mais facilmente se enquadravam nos esquemas da tributação indirecta.
Não tem oportunidade trazer aqui a discussão doutrinária sobre esta matéria. A controvérsia, aliás, reacende-se periòdicamente e, passando de um plano geral e abstracto, as soluções que se preconizam começam a ter em conta o grau de evolução das estruturas económicas onde têm de ser aplicadas, enformando assim de um sentido mais realista. Mas o que é incontroverso - basta compulsar as estatísticas internacionais- é a larga predominância da tributação directa nos países econòmicamente mais evoluídos.
Todos estes factores estão devidamente ponderados na reforma fiscal que o Governo está levando a cabo, e sobre cujos princípios a Câmara teve já oportunidade de se pronunciar no parecer sobre a proposta de lei para 1959, pelo que não se justifica lhes sejam feitas novas referências.
Na apreciação da evolução das receitas há ainda que fazer uma referência a dois capítulos: as indústrias em regime tributário especial, com um aumento de cerca de 23 por cento, efeito igualmente das medidas adoptadas em Junho de 1961, com incidência principalmente sobre o tabaco e o fabrico e consumo de cerveja; e as receitas do domínio privado e participações de lucros, com uma taxa de acréscimo de mais de 38 por cento, cerca de metade do qual por efeito exclusivo da contabilização dos saldos da exploração do caminho de ferro da Beira.
42. As despesas públicas totais em 1961 atingiram 21,5 por cento da despesa nacional, excedendo pela primeira vez um quinto desta. Este alargamento das actividades públicas é fenómeno geral que começou a tomar relevância no início do segundo quartel de 1900, mas que já há perto de um século fora assinalado. A esta evolução não são estranhas as duas últimas guerras mundiais, mas o fenómeno tem outras causas de natureza económica, social e política, que fazem com que «muitas actividades privadas se vão enquadrando, por evolução natural ou por imposição política, em formas ou processos colectivos de agir», como o afirmou voz autorizada.
E se o desenvolvimento desta tendência parece não ser ainda de molde a pôr problemas doutrinários é já suficiente para se traduzir num acréscimo de responsabilidades para o Estado: o nível de actividade económica torna-se muito mais sensível às variações do comportamento de um sector com a ponderação que as actividades públicas assumiram.
É certo que esta sensibilidade, por seu turno, permite ao Estado imprimir mais fàcilmente uma determinada orientação à actividade, mas é precisamente desta possibilidade que lhe advêm responsabilidades acrescidas.
Assim a Administração, de um modo geral, e a coordenação da actividade pública com a privada, em particular, adquirem maior complexidade. Oportuno seria, se as condições de trabalho da Câmara fossem outras, tratar com o merecido desenvolvimento esta e outras matérias que se relacionam com a administração económica e financeira. Ainda recentemente alguns aspectos desta matéria mereceram a atenção do Governo no Decreto-Lei n.º 44 652 que se referiu anteriormente. Nas presentes condições, a Câmara limita-se ao enunciado sucinto do problema.
O acréscimo das despesas da administração central foi de 17 por cento, taxa superior à do ano passado (14,1 por cento), mas o seu ritmo de crescimento parece ter-se atenuado, pois, a diferença entre as taxas de crescimento em 1960 e 1959 é de 3,8 e entre a taxa de 1961 e a do ano anterior de 2,9.
Do aumento total das despesas da administração central coube à «defesa e segurança» cerca de 88 por cento, em virtude do que a sua participação no total das mesmas despesas subiu de 25 para 34 por cento. Considerando sòmente as despesas da Conta Geral do Estado, a percentagem seria de 38 por cento.
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A afectação, no grau assinalado, de recursos para a defesa e segurança não pode deixar de fazer sentir os seus efeitos sobre a economia, mas as circunstâncias não permitem que se vá além da manifestação do desejo de que o Governo continue na sua política de atenuar, quanto possível, os efeitos negativos daqueles gastos sobre o processo de desenvolvimento económico nacional. Foi esta a posição da Câmara na apreciação da proposta de lei do ano passado e que se reafirma neste parecer.
Os restantes grupos de despesa não sofreram alteração significativa que mereça comentário especial, pois apenas se regista a diminuição da posição relativa das despesas de investimento em relação às de funcionamento, tanto na despesa total como na da Conta Geral do Estado. Deve, porém, anotar-se - e a observação é especialmente válida para as despesas com fim cultural - que a contribuição para a criação de capacidade produtiva se não mede apenas pelas despesas de investimento. Qual a maior contribuição para esse fim: a construção de um novo edifício para uma escola técnica ou o recrutamento adicional de duas dezenas de professores para esse ensino?
43. Esboçada a evolução das receitas e despesas impõe-se relacioná-las para se apreciar a política orçamental no ano passado, análise que se completará com os resultados disponíveis da gerência deste ano.
Os resultados da gerência de 1961 podem resumir-se da seguinte forma:
Milhares de contos
Receitas ordinárias .................................................. 10 812,3
Despesas ordinárias .................................................. 8 005,1
Saldo do orçamento ordinário ......................................... 2 807,2
Receita extraordinária ............................................... 3 130
Recursos disponíveis para financiar as despesas extraordinárias ...... 5 937,2
Despesas extraordinárias .............................................(a)5 935,7
Saldo das contas ..................................................... 1,5
(a) Deste montante 496 milhares de contos respeitam à abertura de um crédito especial, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 218, de 2 de Março de 1962, para fazer face a despesas que não chegaram a ser pagas em 1961.
O saldo do orçamento ordinário, que já em 1960 se elevara a 1813 milhares de contos, aproximou-se no último ano dos 3 milhões de contos, mas as despesas extraordinárias crescem de 2375 milhares de contos, pelo que se tornou necessário também recorrer ao aumento da receita extraordinária, aumento esse que totalizou 1316 milhares de contos. Afigura-se que a estratégia orçamental se pode resumir da forma seguinte: tentar, na medida do possível, financiar o acréscimo das despesas militares com o excesso da receita ordinária, dado o carácter improdutivo daquelas despesas, e procurar manter o apoio financeiro à política de desenvolvimento através do recurso ao crédito, dado o carácter reprodutivo das despesas de fomento.
44. A estratégia referida revela-se bem concebida e foi executada com pleno êxito no ano de 1961. Vejamos os resultados da sua aplicação no período de 1962, para o qual já se dispõe de dados, através da comparação com o período homólogo do ano anterior.
Para mais fácil confrontação considera-se o período de Janeiro a Agosto utilizado no relatório da proposta, se bem que se disponha já dos elementos relativos a Setembro. Apenas se fará referência a estes quando inculcarem alterações significativas.
O ritmo de crescimento das receitas ordinárias parece tender a atenuar-se sensivelmente: a percentagem de aumento é sòmente de 9,7 por cento. Se não fora o acréscimo excepcional - cerca de metade do acréscimo absoluto - do capítulo relativo ao «domínio privado», a referida percentagem não seria superior a 5 por cento. O acréscimo de cerca de 94 por cento nos rendimentos do domínio privado tem a sua explicação nos factos seguintes: escrituração de lucros acumulados de lotarias, cuja transferência foi possibilitada pelo Decreto n.º 43 915; antecipação da entrega das participações nos lucros de exploração do caminho de ferro da Beira (que são aplicadas em empréstimos à província de Moçambique), e ainda venda e amortização de títulos na posse da Fazenda. De assinalar igualmente o acréscimo de 31,3 por cento na tributação das indústrias em regime tributário especial. Esta percentagem deve vir a atenuar-se, dado que as providências tomadas em Junho do ano passado só abrangem dois meses do período considerado de 1961 (em Setembro a percentagem referida é ainda de 30,2 por cento).
Não é de estranhar o abrandamento do ritmo de crescimento das despesas ordinárias após a elevação que nelas se registou nos dois últimos anos, e dada a evolução prevista do produto nacional, para além de causas específicas, designadamente nos impostos indirectos: a diminuição das importações da metrópole, e as reduções tarifárias no quadro da Associação Europeia de Comércio Livre, do G. A. T. T. e da unificação económica nacional.
Tendo em atenção estes factores, um acréscimo na tributação ao nível dos anos antecedentes, sem revisão do sistema fiscal, poderia ser susceptível de afectar as fontes produtoras de riqueza e de contribuir para criar situações menos conformes a uma justa repartição da tributação.
Para concluir a apreciação da política orçamental impõe-se a observação da evolução das despesas no ano corrente.
As autorizações de pagamento emitidas de Janeiro a Agosto de 1962 excedem em 5 por cento as de igual período do ano passado, enquanto que a taxa de expansão foi de 22 por cento entre os mesmos períodos de 1961 e 1960.
Utilizando os elementos já disponíveis de Setembro, a diferença absoluta entre os montantes das autorizações de pagamento deste ano e os de igual período do ano anterior é de 351 milhares de contos, o que corresponde a um acréscimo apenas de 4 por cento. Embora os encargos com os serviços de defesa militar e segurança continuem a pesar na expansão das despesas, o confronto entre a percentagem do seu aumento em 1961 (68 por cento) e a registada de Janeiro a Agosto de 1962 (18 por cento) apresenta-se tranquilizador.
O seguinte esquema resume a situação provisória das contas do Estado nos primeiros nove meses do ano corrente e do anterior.
[ver tabela na imagem]
As perspectivas podem considerar-se animadoras, ainda que se tenha de considerar um acréscimo de despesas militares nos últimos meses do ano e a recuperação do atraso no auxílio financeiro previsto para a execução do Plano de Fomento nas províncias ultramarinas.
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Pode assim afirmar-se que no ano em curso se prosseguiu com firmeza a política financeira traçada em 1961 e que os resultados parecem susceptíveis de ultrapassar os alcançados nesse ano.
A Câmara não pode deixar de congratular-se com os resultados obtidos e de dar o seu apoio à política que os tornou possíveis.
45. Os resultados da execução do orçamento no exercício corrente e a entrada em vigor no próximo ano de grande parte dos diplomas da reforma tributária poderiam levar à ideia de que seria possível, senão suprimir, pelo menos atenuar algumas das providências fiscais adoptadas em Junho de 1961.
E problema que vale bem um esclarecimento sobre as possibilidades de mobilização da receita extraordinária.
O relatório do projecto da proposta fornece a este respeito alguns elementos, que se completam com os que se obtêm nas Contas Públicas dos três últimos anos.
A aplicação do produto da venda de títulos na cobertura de despesa extraordinária teve nesse período a seguinte evolução (em milhares de contos):
1959 ............................... 699
1960 ............................... 1 129
1961 ............................... 2 601
Por outro lado, neste mesmo período o produto da color cação de títulos, exceptuando aqueles cujos encargos não cabem ao Tesouro, foi, em milhares de contos, o seguinte:
1950 ............................... 755
1960 ............................... 1 010
1961 ............................... 1 263
Como resultado destes movimentos, o saldo por aplicar do produto da venda de títulos, que se mantinha nos últimos três anos à volta de 1900 milhares de contos, situava-se no final de 1961 em 584 milhares de contos.
No que respeita a saldos dos anos económicos findos, de que se utilizaram 150 milhares de contos para cobertura de despesa extraordinária em 1961, o saldo disponível no início do ano corrente, descontada a verba necessária para a satisfação do crédito especial aberto nos termos do Decreto-Lei n.º 44 218, a que se fez referência, é de 358 milhares de contos.
Quanto às promissórias de fomento nacional a que se refere o Decreto-Lei n.º 42 946, o montante da sua emissão era no final de 1961 aproximadamente de 1086 milhares de contos. Deste total, 86 milhares de contos destinaram-se à substituição parcial das antigas promissórias emitidas pelo Fundo de Fomento Nacional; 400 milhares de contos foram entregues ao Banco de Fomento Nacional para aplicações reprodutivas previstas em planos aprovados em Conselho de Ministros e 600 milhares foram escriturados em receita extraordinária, visto terem sido aplicados directamente pelo Governo em empréstimos às províncias ultramarinas para financiar empreendimentos incluídos nos respectivos Planos de Fomento.
Esta análise, se bem que sumária e incompleta, é suficiente para justificar inteiramente a intensificação da mobilização de crédito interno e externo que o Governo praticou no ano em curso e de que o relatório ministerial nos dá conta.
O valor total das emissões, excluídas as da marinha mercante e de pesca, que não trazem encargos para o Tesouro, representavam já nos primeiros oito meses mais de 3 milhões de contos. Já posteriormente foram emitidas promissórias de fomento nacional no montante de 250 milhares de contos, os quais, aliás, foram imediatamente aplicados: 150 milhares de contos como parcela de um empréstimo para a execução do Plano de Fomento em Angola e 100 milhares de contos entregues ao Banco de Fomento Nacional para as aplicações que se referiram.
É também natural, por confronto com o que se verificou em 1961, que se eleve ainda este ano o valor da emissão de certificados da dívida pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 37 440.
Se, por um lado, esta larga mobilização de recursos confere tranquilidade à nossa situação financeira, tem o seu reverso, que o relatório muito judiciosamente pondera ao afirmar:
«Quanto à evolução provável dos encargos da dívida pública nos próximos anos, pode prever-se nítido incremento, em consequência de um mais intensivo recurso ao mercado de capitais interno e externo para ocorrer às necessidades impostas pelo financiamento do processo de crescimento económico do País.»
Efectivamente, o acréscimo de dívida pública em 1961 e, em particular, no ano corrente, deve originar um aumento sensível dos respectivos encargos. A percentagem destes encargos em relação à despesa ordinária não chegou a atingir 6 por cento nos últimos três anos, mas neste cálculo excluíram-se os encargos com compensação em receitas e os que resultam da emissão de promissórias, que, pelo menos, em parte, estão em idênticas condições. A evolução no exercício em curso das receitas ordinárias e do montante da dívida pública, deixa prever sensível acréscimo da referida percentagem.
46. A evolução da dívida pública que se referiu, a tendência previsível para diminuição das receitas aduaneiras, a incerteza sobre as necessidades próximas da defesa nacional e o indispensável prosseguimento da política de desenvolvimento na metrópole e no ultramar, levam a excluir a possibilidade de alterações na política que se vem seguindo, continuando a impor-se - atento em especial o carácter das despesas militares - o melhor aproveitamento das fontes ordinárias de receita.
47. Caracterizada a política orçamental do Governo nos dois últimos anos, resta averiguar se o presente projecto se insere na continuidade desta política ou, se divergências houver, qual a sua justificação.
As afirmações feitas no relatório que acompanha a proposta e as disposições insertas nesta - e é sobre elas, repete-se, que a Câmara tem de se pronunciar - fazem antever que a política seguida terá continuidade em 1963.
Esquemàticamente, o projecto pode resumir-se da forma seguinte:
a) Em matéria de receitas:
1) Prosseguimento da efectivação da reforma fiscal. Em 1962 foram publicados os Códigos do Imposto Profissional e do Imposto de Capitais; pede-se autorização para a publicação em 1963 dos diplomas referentes à reforma das contribuições predial e industrial, do imposto complementar e ainda dos relativos à tributação das mais-valias e à adaptação dos regimes tributários especiais, que não venham a ser publicados ainda este ano (artigo 4.º).
2) Manutenção, até à publicação dos referidos diplomas, das disposições vigentes (artigos 5.º, 6.º e 7.º).
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3) Continuação das medidas fiscais de emergência tomadas em Junho de 1961, designadamente o imposto extraordinário de valorização e defesa do ultramar (artigo 8.º). O Governo propõe, porém, substituir o actual imposto sobre os consumos supérfluos ou de luxo por um imposto sobre o valor das transacções (artigo 11.º).
b) Em matéria de despesas:
1) Prioridade dos encargos com a defesa nacional (artigo 15.º).
2) Continuidade da política de desenvolvimento, atenta a prioridade referida no número anterior, através da:
A) Realização do Plano de Fomento (artigo 17.º), limitando-se, de preferência, outros empreendimentos (artigo 18.º).
B) Continuação, dentro do condicionalismo da alínea anterior, de outros planos, com prioridade para os já em curso, nos sectores do fomento económico, saúde e assistência, educação e cultura e outros, (artigo 19.º). De anotar, pelo seu significado, preverem-se no sector da educação e cultura medidas relacionadas com a aceleração da formação de pessoal docente universitário e a intensificação da concessão de bolsas de estudo.
C) Política de bem-estar rural (artigos 24.º e 25.º).
3) Providências sobre o funcionalismo: intensificação da política de construção de habitações para os funcionários públicos e administrativos (artigo 22.º). Embora não conste do projecto, o Governo anuncia igualmente a publicação próxima de um diploma concedendo a assistência em todas as formas de doença aos funcionários civis dos serviços do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira.
4) Saúde pública e assistência: preferência pelo desenvolvimento do programa de combate à tuberculose e à promoção da saúde mental, constituindo este segundo aspecto outra das inovações de maior alcance do projecto de proposta (artigo 23.º).
5) Rigorosa administração das despesas, em particular das relativas ao funcionamento dos serviços (artigos 3.º e 26.º).
Todas estas medidas merecem na generalidade a aprovação da Câmara.
Os artigos 3.º e 26.º relativos, respectivamente, ao equilíbrio financeiro e ao funcionamento dos serviços, o capítulo relativo à política fiscal, em especial os artigos 4.º, 5.º 8.º e 11.º, o artigo 15.º que concede a prioridade às despesas com a defesa nacional e os artigos 17.º, 18.º e 19.º respeitantes à política de investimentos públicos, constituem a parte fulcral do projecto, visto ser através deles que se apreende o delineamento da política orçamental.
Não se observam nesta parte fundamental do projecto alterações significativas em relação à anterior, pelo que continua ela a merecer a concordância da Câmara, visto permanecerem os motivos que ditaram a política adoptada.
II
Exame na especialidade
§ 1.º
Autorização geral
Artigo 1.º
48. O artigo 1.º reproduz o correspondente artigo da lei de autorização para 1962. A sua redacção vem já da proposta de lei de 1951, quando se lhe introduziram certas modificações sugeridas pela Câmara, que lhe deu adesão nos comentários feitos no respectivo parecer.
O preceito contém em si a parte fundamental da proposta de lei de autorização das receitas e despesas, conforme dispõe o artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição. Não necessita outro esclarecimento e sobre ele a Câmara nada tem a observar.
Artigo 2.º
49. Não difere igualmente este artigo da disposição inserta na proposta do ano anterior.
A introdução nesta disposição dos serviços que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado verificou-se igualmente na proposta relativa ao ano de 1951. A redacção é a sugerida pela Câmara no parecer em que apreciou essa proposta. O aditamento citado teve por fim mais estrita observância das regras da universalidade e unidade do orçamento e foi objecto de apropriado comentário no parecer referido. O artigo merece a concordância da Câmara.
§ 2.º
Equilíbrio financeiro
50. Introduziu-se de novo, na proposta do ano passado, capítulo especial para esta matéria, individualização que se verificou pela primeira vez na proposta de lei de 1951.
Artigo 3.º
51. A redacção deste artigo é igual à do artigo 3.º da proposta para 1962. Merece esta disposição um comentário da Câmara.
Aparentemente não apresenta uniformidade a doutrina da Câmara sobre a matéria deste artigo, embora, de uma forma geral, predomine a tendência que sugere a sua supressão, no entendimento de que os poderes que se solicitam à Assembleia Nacional fazem parte das atribuições normais da administração financeira.
A história da disposição ajuda a explicar esta aparente falta de uniformidade e justifica a posição que a Câmara assume neste parecer.
Parece elucidativo o facto de ela aparecer pela primeira vez na proposta da Lei de Meios de 1948, conhecida a tendência da economia portuguesa nesse período, a enfrentar deficits vultosos na balança de pagamentos. A disposição nasceu assim num ambiente de anormalidade da nossa actividade económica e financeira.
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Em 1950 era ainda o seu teor o seguinte:
O Governo tomará as medidas necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria; para tal fim, e quando seja preciso, fica o Ministro das Finanças autorizado a reduzir ou suspender dotações orçamentais, limitar as excepções ao regime de duodécimos e restringir ao estritamente indispensável o preenchimento dos quadros de pessoal e a concessão de fundos permanentes, bem como a condicionar, de harmonia com os interesses do Estado ou da economia nacional, a realização de despesas públicas e de entidades ou organismos subsidiados ou comparticipados pelo Estado.
Cita-se o preceito pela coincidência de muitos dos poderes então pedidos com os que se incluem no projecto de proposta deste ano.
Em 1951 não apareceu o pedido de autorização para a suspensão das dotações, a disposição relativa ao preenchimento de quadros passou para um artigo novo subordinado ao capítulo «Providências sobre o funcionalismo» e os demais poderes apareceram enumerados de forma mais sistemática em alíneas. O artigo é agora apresentado num capítulo intitulado «Equilíbrio financeiro».
Na proposta de 1952 não figura o pedido de autorização para reduzir as dotações orçamentais. Mas é na proposta para 1957 que se dão modificações mais substanciais, pois desaparece a enumeração de poderes. A proposta passa a conter apenas uma disposição genérica concebida nos seguintes termos:
O Governo tomará as medidas que, em matéria de despesas públicas, se tornem necessárias para garantir o equilíbrio das contas e o regular provimento da tesouraria.
E sem alteração significativa se manteve a disposição até à proposta para 1962.
Ao adoptar a redacção genérica que se transcreveu o Governo suprimiu, do título do capítulo que encimava os habituais três primeiros artigos da proposta, a expressão «equilíbrio financeiro». O capítulo passou a designar-se apenas «Autorização geral» por se entender que o Governo não podia apresentar-se a solicitar autorização para garantir o equilíbrio visto ter de garanti-lo necessàriamente, e na lógica destas considerações afirmou-se que se mantinha o preceito apenas por se poder supor «que o seu desaparecimento envolveria a intenção de ser-se agora menos austero na apreciação dos gastos e mais frouxo na dura disciplina administrativa a que estão sujeitos».
O motivo não seria muito concludente, pois a actuação prática do Governo se encarregaria de chamar ao bom caminho os que se aventurassem na senda das suposições. Todavia, a Câmara nesse ano entendeu justificar-se a inclusão do artigo, dado que, dentro da concepção de que o equilíbrio financeiro se não identifica com o equilíbrio orçamental, as medidas para garantir o regular provimento da tesouraria pressupõem uma determinada orientação quanto à dívida flutuante.
A questão que se levanta parece ser outra. Dado que o preceito abrange fundamentalmente matéria directa ou indirectamente ligada ao equilíbrio orçamental, será justificado encabeçar este preceito com a designação de «Equilíbrio financeiro», como se faz no projecto deste ano e se fazia nas anteriores a 1957? Incluindo o equilíbrio financeiro uma problemática muito mais ampla que a do simples equilíbrio orçamental, como se pode ver pela enumeração feita no parecer da Câmara relativo à proposta de 1957, será apropriada a designação para esta disposição de equilíbrio financeiro?
Posto assim o problema, aparecerá reforçada a tendência que a Câmara tem manifestado no sentido de se suprimir a disposição. Aliás, o relatório da proposta de lei para 1957 parece aproximar-se deste ponto de vista.
Dir-se-á que não é dada solução satisfatória à arrumação do problema do regular provimento da tesouraria. Mas este é um problema que se espera venha a ter resolução mais apropriada muito em breve. Com efeito, o Governo pediu, o ano passado, autorização para realizar os estudos necessários à elaboração de um orçamento geral de tesouraria, que não será, certamente, um mero registo, mas o instrumento mais adequado para planear o provimento da tesouraria. A Câmara só pode formular o voto de que se dê cumprimento, o mais breve possível, ao disposto no artigo 4.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1962.
Prosseguindo a análise do problema, verifica-se que surgiu na proposta do ano passado e se repete este ano nova redacção, regressando-se à discriminação dos poderes requeridos.
A Câmara encontra neste facto um novo argumento a favor da posição que tem assumido. E que, se de uma forma geral, se pode considerar que os poderes solicitados constituem atribuições normais e, portanto, a disposição não devia constar da proposta da administração financeira, é perfeitamente compreensível que em situações anormais o Governo venha pedir à Assembleia Nacional que sancione com a sua autoridade uma utilização mais severa dos poderes que já são atributo do Governo.
Assim sucedeu de 1947 a 1949, e assim se torna compreensível a posição assumida pela Câmara no seu parecer do ano passado e a adesão que este ano igualmente dá ao preceito. Só para ocorrer a situações anormais e para os fins referidos - sanção pela Assembleia da atitude do Governo - se compreende a inclusão da disposição na proposta da Lei de Meios, como o documentam a sua origem e a modificação de redacção que sofreu na proposta de 1962.
É nestes termos que a Câmara dá a sua concordância à inserção da disposição, emitindo simultaneamente o voto de que ela seja retirada de futura proposta logo que cesse a situação de anormalidade, o que todos desejam se venha a verificar com brevidade.
§ 3.º
Política fiscal
Artigo 4.º
52. No ano corrente a realização da reforma fiscal sofreu um impulso decisivo com a publicação dos Códigos do Imposto Profissional e do Imposto de Capitais. Em fins de 1958 fora já publicado o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e anuncia-se a entrada em vigor em 1963 do Código da Contribuição Predial e do Imposto Agrícola e do Código da Contribuição Industrial.
Nem sempre tem sido possível ao Governo, dada a complexidade e delicadeza destes trabalhos, dar pontual cumprimento ao programa de execução da reforma fiscal, mas as indicações que no relatório se dão sobre os diplomas projectados são de molde a esperar que efectivamente a sua publicação se faça muito em breve.
A Câmara teve já ocasião, em várias oportunidades, de se pronunciar sobre as finalidades da reforma, os princí-
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pios a que obedeceu a sua revisão e o processo adoptado para a publicação, pelo que não se julga necessário reeditar o que então se escreveu.
53. No que respeita às finalidades da reforma, o relatório ministerial enuncia-as, mais uma vez, quando refere que o sistema tributário tem «de constituir firme pilar da estabilidade financeira, de acorrer simultaneamente às exigências do progresso económico, às solicitações da economia internacional e à garantia do crédito e da confiança nas relações entre países e organizações já habituados à segurança do trato e à firmeza da moeda ...» e, mais adiante, ao afirmar que a «evolução da nossa política fiscal corresponde ao mesmo tempo a imperativos de justiça tributária e às exigências da política de desenvolvimento».
Anota-se a afirmação das finalidades de ordem social que muitas vezes tendem a ser obscurecidas pelo objectivo de apoiar o desenvolvimento económico, mas cuja consideração se impõe, em obediência, aliás, aos princípios enformadores do nosso sistema político-social, consagrados na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional.
A presença desta preocupação na reforma em curso está bem patente em inúmeras medidas (alargamento dos limites das isenções tributárias, redução de taxas para os rendimentos mais baixos, medidas de protecção à família, em particular às menos favorecidas economicamente) e ainda nos objectivos que no relatório ministerial se assinalam ao imposto complementar, o qual se pretende «constitua o elemento de personalização do sistema tributário, ou seja, o elemento que permita dar mais um passo para se atingir uma maior justiça tributária». Do mesmo modo, a escolha do critério de incidência da tributação sobre o rendimento real não é alheia àquele objectivo (1).
Numa reforma fiscal não é possível nem a neutralidade social nem a neutralidade económica. Pretende-se, por vezes, arvorar em critério de neutralidade a manutenção da situação existente, mas é um falso critério de neutralidade, pois tem por base um juízo de valor sobre a situação que esteja em vigor. Toda a reforma tem, assim, de obedecer, com maior ou menor explicitação, a certos objectivos e não parecem susceptíveis de discordância os que presidem à reforma fiscal que se está a efectuar.
54. O novo Código do Imposto Profissional procura substituir, na medida possível, os rendimentos normais ou presumíveis pelos rendimentos reais como base de incidência. Assim, e esta é uma das alterações mais significativas do novo imposto, a tributação das profissões liberais passa a fazer-se com base na declaração do contribuinte, controlada por comissões mistas ou por documentação do próprio contribuinte. Espera-se que o novo sistema permita a eliminação dos inconvenientes que eram apontados ao sistema vigente, não só no que respeita ao confronto com a tributação dos empregados por conta de outrem, como no que se refere à distribuição interna dos contingentes.
A base de incidência é alargada de modo a abranger os rendimentos do trabalho mesmo ocasionais e outros não provenientes directamente do trabalho, mas, por outro lado, são excluídas certas profissões liberais que passam a estar sujeitas a contribuição industrial.
Os limites de isenção são elevados a 18 000$ anuais. Eram actualmente de 15 000$ em Lisboa, 13 500$ nas capitais de distrito e 12 000$ nas restantes localidades. O sistema vigente procurava ter em consideração a diferença do custo de vida nas diversas regiões. Por um lado, a base da diferenciação era bastante empírica e, por outro, procura-se combater a atracção dos grandes centros, dando uma maior protecção aos trabalhadores dos meios pequenos. Em relação a este último aspecto não se afigura de esperar efeitos muito significativos, pois não se julga que o problema seja resolúvel só pela via fiscal, embora esta possa dar também alguma contribuição.
Eliminou-se a discriminação qualitativa do rendimento, passando-se para um sistema de progressividade de taxa com o montante de rendimento até 300 000$. Para cima deste limite a taxa é uniforme - 8 por cento.
Para além da elevação do limite de isenção, beneficiam com o novo esquema de taxas os contribuintes com ordenados entre 18 000$ e 40 000$, que passam a pagar apenas 1 por cento, metade do que pagavam, e as gratificações inferiores a 200 000$, quando não acumuladas com outras remunerações.
Justifica-se a taxa máxima de 8 por cento por se entender que a natureza instável e precária dos rendimentos do trabalho leva a fazer incidir sobre eles uma tributação mais leve que a dos rendimentos da propriedade e ainda porque os rendimentos dos outros factores são, em regra, acumuláveis com os do trabalho, mas a recíproca tem uma extensão muito limitada.
55. O imposto de capitais incide sobre os rendimentos que resultam:
a) Da privação temporária de determinada soma de dinheiro ou de certos bens que para efeitos fiscais a ele se consideram equiparáveis;
b) De capitais colocados.
Trata-se de um imposto sobre a aplicação de capitais, e embora a nova designação represente uma simplificação e traduza um uso, a anterior talvez devesse considerar-se mais apropriada, visto não se tratar de um imposto sobre capital.
Da sua incidência foram agora isentos os rendimentos provenientes das vendas a crédito por comerciantes; excluíram-se igualmente os créditos titulados por letras, quando resultem do exercício normal da actividade comercial, critério que bem revela o cuidado posto na elaboração deste diploma, não obstante a sua execução prática poder trazer dificuldades de distinção dos títulos que representam meras aplicações de capital; é ainda de referir a isenção da tributação pela secção B dos juros dos depósitos à ordem.
Estabelecu-se no novo Código do Imposto de Capitais uma taxa uniforme de 15 por cento, o que significa uma redução de 1 por cento, visto suprimir-se a taxa de compensação.
Trata-se de um imposto cuja estruturação exige os maiores cuidados: numa economia de mercado a actividade produtiva é orientada pelo intuito lucrativo; daí que os empresários se mostrem particularmente sensíveis a tudo o que possa afectar os lucros.
Não há sòmente que considerar o nível da tributação - aspecto no qual, em confronto com outros países da Europa, o capital não estará entre nós em posição desvantajosa-, mas também a certeza acerca do nível da tributação. Para que se verifique a confiança do capital é necessária a definição prévia e clara «das regras do jogo». Por vezes não importa tanto o que se paga, mas
(1) Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, Industrialização e Política Fiscal, Lisboa, 1957, último parágrafo da p. 12.
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o conhecimento antecipado do que se irá pagar. A estabilidade dos princípios da tributação são um elemento base de confiança dos empresários, pois sem tal estabilidade os investimentos contraem-se.
Com efeito, sendo o lucro o motor do investimento privado, tudo o que altere as expectativas do empresário a tal respeito tem repercussões sobre o comportamento do investimento. Os empresários têm de elaborar os seus planos a prazo longo e o mundo de hoje introduz já nos planos dos empresários tantas variáveis aleatórias que o Estado tem de evitar, a todo o custo, introduzir esse carácter na tributação. A intranquilidade da situação política mundial, ao ritmo a que se sucedem as inovações técnicas, à necessidade de prever as adaptações que os arranjos internacionais impõem e ainda a tantos outros factores de consequências nem sempre fàcilmente previsíveis, não pode juntar-se a incerteza sobre os princípios a que obedece a tributação.
Por isso se tem de salientar a clareza e ordenação que caracterizam o diploma publicado e que representa contribuição de relevo para melhor esclarecer ainda o clima que, por variados meios, o Estado tem procurado criar ao investimento privado.
Por outro lado, a base de incidência alargou-se em alguns casos, dos quais se destaca o relativo à tributação dos lucros de todos os sócios das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando até agora se tributavam apenas os lucros dos sócios não gerentes das sociedades por quotas e dos sócios comanditários das sociedades em comandita. Compreende-se o alcance da medida, mas são de ponderar os seus possíveis efeitos sobre os sócios de algumas sociedades que exercem pequenos comércios.
Uma outra alteração do maior significado e que veio dar maior rigor à natureza do imposto é a que se refere à tributação dos fundos de reserva incorporados no capital das sociedades e dos aumentos de capital com preferência para os antigos accionistas. Estas situações, por se entender que traduzem verdadeiros ganhos de capital, passarão a ser tributadas por imposto geral sobre as mais-valias, cuja instituição se prevê no artigo 4.º da proposta e a que aludia já a Lei n.º 2111 no artigo 5.º, § único. Adiante se fará uma referência a esta matéria.
56. A nota mais saliente da reforma da contribuição predial que se anuncia é, sem dúvida, a autonomização do imposto sobre a indústria agrícola. A tributação da exploração agrícola em contribuição predial é, aliás, tradicional no direito português (1), porquanto efectivamente o rendimento colectável abrange, no Código da Contribuição Predial em vigor, não só a renda da terra como o lucro da sua exploração. Já em 1926 a comissão encarregada de estudar a reforma tributária acolhia favoravelmente a ideia da tributação separada dos lucros da exploração agrícola. Trata-se, efectivamente, como se diz no relatório ministerial, de rendimentos de origem diversa, que podem, inclusive, não afluir a um mesmo património. A tributação conjunta, obrigando o proprietário a pagar imposto por um rendimento que naquela qualidade não aufere, estará, porventura, na base de, em alguns casos, se considerar exagerada a contribuição predial rústica; ao mesmo tempo, não se vê motivo para não tributar a indústria agrícola ao lado das outras indústrias. O lucro da empresa agrícola tem a mesma natureza do lucro da empresa industrial ou comercial, a sua formação é que está sujeita a maior instabilidade.
A taxa prevista para o futuro imposto sobre a indústria agrícola é de 10 por cento, mas prevê-se uma larga isenção, de modo que o imposto incida só sobre lucros avultados, medida plenamente justificada pela situação difícil que, desde há muito, a nossa agricultura atravessa.
Na contribuição predial rústica deve assinalar-se a adopção, com carácter de generalidade, do princípio da avaliação cadastral. Resulta daqui a necessidade de transportar para o novo código as disposições legais reguladoras das avaliações cadastrais. Dado o prazo pelo qual se devem prolongar ainda os trabalhos do cadastro geométrico, problema que se refere no comentário ao artigo 21.º do projecto de proposta, tem de adoptar-se a avaliação directa na determinação da matéria colectável nos concelhos ainda não sujeitos ao regime de cadastro. As matrizes cadastrais só vigoram ainda em 51 dos 311 concelhos do continente e ilhas adjacentes, embora aqueles concelhos, dos maiores do País, abranjam quase 50 por cento do território metropolitano.
Transitòriamente, durante um período de três anos, a taxa da contribuição predial rústica será de 8 por cento, para evitar agravamentos bruscos que possam resultar da reavaliação da matéria colectável.
No que se refere à contribuição predial urbana, distingue-se na tributação dos prédios urbanos a propriedade arrendada da não arrendada, por ser possível na primeira captar o rendimento real, que é dado pelo valor da respectiva renda, ao passo que na segunda tem o fisco de se contentar com a presunção de um rendimento locativo potencial, sujeito a actualização periódica. Serão objecto de tributação não só os rendimentos atribuídos aos prédios ocupados pelos seus proprietários, mas também os daqueles cujos proprietários, por sua vontade, mantenham devolutos ou cedam gratuitamente para qualquer fim. De salientar ainda, neste aspecto, a exclusão dos rendimentos dos prédios afectos ao exercício de actividades industriais ou comerciais da incidência da tributação, em coerência com a sujeição dessas empresas à tributação pelos lucros reais. As edificações em tais circunstâncias são elementos da empresa, reflectindo-se a sua utilização nos resultados da exploração.
A taxa da contribuição predial urbana será fixada em 12 por cento, mas estabelece-se também um período transitório com taxas mais reduzidas.
Em matéria de isenções devem referir-se:
a) Isenção de todos os contribuintes cujo rendimento colectável não seja superior a 100$. O actual limite de 15$ não era sequer financeiramente justificado, pois o custo das operações indispensáveis à cobrança devia ser bastante superior ao imposto que incidia sobre um rendimento do montante referido;
b) Isenção da tributação das habitações de rendimento colectável até 300$ e que constituam únicos bens imobiliários do património dos contribuintes;
c) Isenção do rendimento dos prédios rústicos onde se achem instaladas explorações agrícolas familiares, até ao limite de 1200$, sempre que sejam os únicos bens imobiliários do contribuinte.
57. O relatório que acompanha o projecto insere também um comentário extenso sobre o futuro Código da Contribuição Industrial. O princípio orientador do futuro código, no sentido de a tributação se aproximar do rendimento, integra-se na linha de pensamento que preside à reforma. Imperativos de justiça tributária, conveniência de aperfeiçoar a articulação da política fiscal com a poli-
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tica de desenvolvimento e a necessidade de colocar a produção do País em condições de concorrência estão na base dessa orientação, que já foi comentada pela Câmara nos pareceres sobre as propostas de lei para 1957 e 1959. Em particular, no primeiro, fizeram-se largas considerações sobre a adopção deste princípio na contribuição industrial.
A aplicação do princípio far-se-á, porém, com as limitações necessárias, de modo a ter-se em conta a situação de um número considerável de pequenas empresas às quais não seria possível fazer as exigências, em matéria da organização da escrita, impostas pelo critério do rendimento real. Essas empresas continuarão, assim, a ser tributadas pelo rendimento normal.
O sistema a instituir oferece a possibilidade de um melhor ajustamento entre o ritmo da actividade económica e o nível da tributação. Tal exige, porém, o encurtamento do espaço de tempo quê medeie entre a tributação e o período de actividade económica a que essa imposição respeite. Se esta condição não se verifica e se a conjuntura sobre autuações amplas, a desfasagem da tributação em relação àquelas flutuações pode revelar-se inconveniente.
Manter-se-ão três grupos de contribuintes, mas os critérios da sua formação diferem dos que actualmente vigoram, por ser avaliada de modo diverso a dimensão das empresas.
«Atende-se à natureza da actividade, ao tipo de estruturação jurídica adoptado, ao volume dos meios utilizados e, finalmente, às condições de exercício da actividade considerada.
O que essencialmente irá influir na diferenciação dos contribuintes por três grupos distintos é a consideração de que enquanto na grande e média empresa o rendimento resulta da aplicação, em termos variáveis, mas representativos, do capital, do trabalho e da iniciativa, na pequena empresa o capital não tem significado apreciável e o rendimento é essencialmente produto do trabalho do contribuinte, quase só se distinguindo dos rendimentos das profissões para efeitos tributários».
No grupo A incluem-se, assim, as grandes empresas e outras que, não o sendo, exerçam actividades sujeitas a fiscalização, no grupo B estão as empresas médias e no grupo C são abrangidos os pequenos contribuintes.
A tributação passará a fazer-se com base no rendimento real para as empresas do grupo A, no rendimento presumido para as do grupo B e no rendimento normal para as do grupo C.
Embora se tenda abertamente para a tributação dos lucros reais, tem de aceitar-se, por ora, a multiplicidade de critérios que é imposta pelo diferente condicionalismo em que as empresas exercem a sua actividade.
Tanto as empresas do grupo A como as do grupo B serão obrigadas a apresentar anualmente a declaração dos lucros do exercício anterior, sendo os lucros das primeiras corrigíveis apenas pela escrita; os das segundas podem ser apreciados pelas comissões às quais compete a fixação anual do rendimento colectável.
Visa ainda o novo diploma a redução dos regimes especiais, que se espera fiquem limitados a três actividades: tabacos, espectáculos e divertimentos públicos e o jogo.
De referir, também, o tratamento de favor previsto para lucros não distribuídos e que venham a ser reinvestidos em determinadas condições, dentro da política de incentivo aos investimentos susceptíveis de dar maior contribuição para o desenvolvimento económico.
58. Refere-se ainda o artigo 4.º à criação de um novo imposto sobre as mais-valias. A Câmara já no anterior parecer referiu a delicadeza deste imposto, pelo equilíbrio que tem- de realizar entre os objectivos de apoio ao desenvolvimento a que deve satisfazer o sistema tributário - aumento da poupança, aumento do investimento e orientação adequada deste - e as considerações de ordem social que estão implícitas numa das finalidades da reforma - a justiça tributária.
Problemas análogos suscita a tributação dos fundos de reserva incorporados no capital e dos aumentos de capital com preferência para os antigos accionistas, que deixaram de ser abrangidos pelo imposto de capitais.
A questão é ainda comum ao tratamento mais favorável para lucros reinvestidos, a que se fez referência no número anterior, pois obriga à ponderação, por um lado, do encorajamento que se impõe dar ao investimento e; por outro, do agravamento da desigualdade da distribuição do rendimento que se pode vir a verificar.
59. Prevê-se, como cúpula dos impostos parcelares agora reformados, a revisão do imposto complementar, cuja permanência é perfeitamente justificada pelo estado de evolução do nosso sistema fiscal e cuja aplicação será facilitada pelo critério de tributação do rendimento real a que obedeceram os impostos parcelares.
60. Feitos estes comentários à doutrina do artigo, cabe referir que ele difere do artigo 5.º da Lei n.º 2111 pela eliminação da referência aos Códigos do Imposto sobre a Aplicação de Capitais e do Imposto Profissional, já publicados, e pela integração no corpo do artigo dos diplomas projectados quanto à tributação das mais-valias e adaptação dos regimes tributários especiais que no ano transacto constavam do § único do aludido artigo 5.º
A Câmara, esperando em breve ver completada a reforma fiscal - requisito necessário da política de desenvolvimento económico e social do País -, nada tem a objectar ao que no artigo 4.º se propõe.
Artigo 5.º
61. Cuida este artigo da adaptação necessária à transição entre os regimes que resultarão dos diplomas a publicar e os regimes vigentes. A redacção do preceito é suficientemente clara para dispensar qualquer comentário.
Artigo 6.º
62. O artigo insere, como em anos precedentes, certas disposições de carácter transitório, para vigorarem, na maior parte, sòmente até à entrada em vigor dos diplomas referidos no artigo 4.º
A alínea a) é a repetição de idêntica alínea do artigo 6.º da Lei n.º 2111. A Câmara nada tem a observar, excepto a maior precisão de redacção que se poderia obter a adoptar-se a sugestão do seu último parecer.
A alínea b) reproduz igualmente a correspondente alínea da Lei de Meios em vigor. O mesmo se pode dizer da alínea c), cujas alterações de redacção traduzem apenas as adaptações necessárias por virtude de as disposições desta alínea e da anterior serem referidas a 25 de Novembro de 1961 e de estar já definido na Lei n.º 2111 o princípio da substituição do rendimento colectável inicialmente inscrito pelo resultante de avaliação.
A Câmara já se pronunciou sobre a pertinência da medida que procura obviar à distorção resultante da preferência pela construção de casas de renda elevada. A fim de definir a situação dos prédios cuja construção se iniciou em 25 de Novembro, apresentou-se igualmente uma sugestão no parecer sobre a proposta do ano transacto.
Em relação ao agravamento das taxas de contribuição predial estabelecidas nas alíneas b) e c) do artigo 6.º,
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a Câmara observa, porém, na sequência das considerações já apresentadas, que tais taxas se aplicam indistintamente a prédios de rendimento e a prédios para habitação do proprietário, sendo certo que a política do Governo tem sido marcadamente no sentido de facilitar a cada lar a obtenção de casa própria, tanto para as classes mais desprotegidas como em relação à classe média.
Como as famílias têm necessidades diversas, consoante o número de pessoas que as compõem, afigura-se, por isso, que, também neste aspecto, não devem onerar-se indistintamente as casas habitadas pelo próprio com rendimento colectável superior a 3000$, pois daí podem resultar injustiças na medida em que, em relação à classe média, se vão levantar dificuldades às famílias mais numerosas, que, por esse mesmo facto, já têm encargos gerais mais pesados.
Por isso se entende que os adicionamentos previstos só deveriam aplicar-se quando os prédios urbanos, sendo habitados pelo seu proprietário, excedam as necessidades normais do respectivo agregado familiar, ou a colecta tenha sido estabelecida em função da natureza luxuosa da habitação.
Não se ignora, todavia, a dificuldade de estabelecer um condicionalismo para a concessão da isenção do agravamento capaz de impedir que dessa isenção beneficiem agregados que nada justifica não estejam sujeitos ao agravamento.
A Câmara regista com agrado que o Governo se propõe, em diploma a elaborar para cumprimento do preceito sobre isenções de contribuição predial do futuro código, atender ao problema do alojamento das famílias numerosas, não estabelecendo limites uniformes de renda, mas considerando também o número de divisões da habitação. Esta intenção está em conformidade com o voto expresso no último parecer da Câmara.
A alínea d) repete disposição que de há muito faz parte das leis de meios.
As alíneas e) e f) correspondem, sem qualquer alteração, às alíneas e) e g) da Lei n.º 2111.
A alínea f) da Lei n.º 2111 foi eliminada por motivo da publicação do Código do Imposto Profissional.
As alíneas g) e h) constituem inovações e destinam-se a providenciar para que, pela entrada em vigor dos novos códigos, não fique o imposto complementar desprovido de matéria de incidência em relação a situações ou rendimentos usualmente sujeitos a essa imposição.
A alínea i) difere da alínea h) da Lei n.º 2111 por tributar pelo grupo B, com a taxa de 1,17 por cento, as sociedades sujeitas a contribuição industrial nos termos do Decreto-Lei n.º 43 335 - sociedades que explorem concessões do Estado para a produção térmica em centrais que utilizem combustíveis estrangeiros apenas para arranque e suporte da queima de combustíveis nacionais ou cobertura de pontas, desde que o peso dos combustíveis estrangeiros utilizados não exceda 10 por cento do total na média de cada ano.
Relativamente à inclusão do parágrafo primeiro deste artigo, tem a Câmara pugnado pela sua supressão, com excepção da referência à alínea d), cuja inclusão foi aceite no último parecer. O parágrafo tem um efeito esclarecedor, mas não se afigura necessário.
A matéria do § 2.º, como já foi sugerido, parece que encontraria melhor localização na alínea c).
Ao § 3.º, que vem igualmente de leis anteriores, nada há a observar.
Artigo 7.º
63. A diferente redacção deste artigo em relação à proposta anterior é resultante da publicação, em Fevereiro do ano corrente, do Decreto n.º 44 172. O preceito limita, durante o ano de 1963, o prazo de validade das disposições do referido decreto até à entrada em vigor do Código da Contribuição Industrial, na parte relativa à tributação dos grémios de lavoura, suas federações e uniões. Nada tem a Câmara a opor.
Artigo 8.º
64. A permanência das circunstâncias que determinaram a criação, na Lei de Meios em vigor, deste imposto extraordinário justifica a sua manutenção no presente projecto.
A disposição apenas difere da que está em vigor pela exclusão do imposto das sociedades que- nos anos de 1962 ou 1963 sofram um agravamento superior a 100 por cento na contribuição industrial, por virtude de alteração de taxas. A medida respeita, principalmente, às sociedades que sofreram agravamentos excepcionais por virtude do disposto na alínea h) do artigo 6.º da Lei n.º 2111 e afigura-se justa, tanto mais que a exclusão só se dá quando o agravamento da contribuição industrial for superior a 100 por cento.
A Câmara verifica pelo relatório do projecto de proposta que não se notou qualquer surto, digno, de relevo, de evasão condenável a esta tributação, facto tanto mais de salientar quanto é certo, como se referiu no parecer do ano passado, que o campo de incidência do imposto não se afigurava definido no corpo do artigo com a clareza conveniente.
Artigo 9.º
65. Atendendo às dificuldades com que, em Portugal como em tantos outros países, se debatem as empresas exploradoras de espectáculos públicos, particularmente as de teatro e de cinema, a Câmara entende ser de considerar se devem manter-se os adicionais a que este artigo se refere enquanto não for revisto o regime de impostos que se aplicam às referidas empresas.
Artigo 10.º
66. Tem por fim esta disposição manter em vigor o artigo 10.º da Lei de Meios vigente que suspende as liquidações do imposto sobre as sucessões e doações a que estariam sujeitas, nos termos do artigo 35.º do Código Civil, as associações e corporações perpétuas de utilidade pública, em relação aos bens imobiliários adquiridos a título gratuito e não indispensáveis para o desempenho dos seus deveres. No relatório que acompanhou a proposta para 1962 justificou-se a medida a que a Câmara deu, e continua a dar, a sua adesão.
Artigo 11.º
67. Propõe este preceito a substituição do actual imposto sobre os consumos supérfluos ou de luxo por um imposto sobre o valor das transacções, para o qual se estabelecem, porém, e desde logo, certas limitações.
São conhecidos os efeitos correctores da tributação indirecta relativamente à tributação directa, por virtude das dificuldades de avaliação da matéria colectável e do custo desta avaliação, o que é particularmente notório nos países em vias de desenvolvimento. Por outro lado, a mais estreita cooperação económica com outros países exige em muitos sectores uma aproximação de sistemas e métodos, até para defesa dos nossos próprios interesses.
É neste condicionalismo que tem de ser apreciada a proposta de criação do imposto sobre transacções que assumirá, guardadas certas excepções, um carácter geral,
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em oposição ao particularismo do actual imposto de emergência sobre os consumos supérfluos ou de luxo.
À progressividade dos impostos sobre o rendimento atribui-se um efeito desencorajador da poupança; daí que se preconize a utilização de impostos sobre o consumo isentos de tais consequências. A criação deste tipo de impostos suscita, porém, controvérsia por virtude do seu carácter regressivo. Para obviar a este inconveniente e para não prejudicar o esforço de desenvolvimento económico do País, prevêem-se isenções para os consumos de carácter essencial e para os principais bens de produção. A delimitação que no primeiro destes aspectos se estabelece reveste particular importância, dada a facilidade de obtenção de receitas através de tais impostos, mediante a criação de pequenas taxas sobre os produtos de consumo mais generalizado - tendência a que os governos nem sempre sabem resistir, como é assaz natural.
Não se deve esquecer ainda, em face das transformações verificadas nas condições de vida, que se não podem considerar bens de luxo muitos artigos que são hoje de utilização corrente, embora, há alguns anos, tal qualificação lhes pudesse ser atribuída.
Já no actual imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo estava presente a preocupação de contrariar o carácter regressivo desta categoria de imposto, pela criação de três taxas aplicáveis consoante o grau de superfluidade atribuído aos bens. O intuito de personalização estará igualmente presente no imposto a criar sobre o valor das transacções pela existência, a par de uma taxa geral, de mais duas taxas, uma agravada e outra reduzida.
No que respeita ao ponto de incidência do imposto no circuito económico, dá-se preferência à tributação no comércio grossista, em lugar do comércio a retalho utilizado no actual imposto sobre consumos de luxo. O relatório ministerial analisa circunstanciadamente este problema e as várias soluções para ele adoptadas, mas afigura-se, na verdade, que, embora teoricamente outros sistemas se possam apresentar como preferíveis, o ponto escolhido é o mais adequado no caso português. Entre outras, há que salientar as suas incontestáveis vantagens para o bom funcionamento dos sistemas de restituições tributárias na exportação e de aplicação de tributos compensatórios às mercadorias importadas, como se assinala no relatório do projecto de proposta de lei.
Não deve, todavia, esquecer-se a possibilidade existente, na tributação no grossista, de transferências compensatórias de imposto entre os produtos, alterando as tentativas de personalização que vierem a ser estabelecidas, o que, certamente, será tido em conta na estruturação do imposto.
Prevê-se a eliminação da indicação do imposto em separado, até para se usufruir uma das vantagens deste tipo de impostos, a relativa insensibilidade do consumidor ao seu pagamento - a chamada anestesia fiscal. Mas a insensibilidade não ilude por completo a incidência real. Atenua as reacções, mas não pode evitar a contracção efectiva que se tem de verificar na procura das unidades de rendimentos mais baixos; daí que sejam inteiramente justificadas as preocupações de personalização do imposto.
Artigo 12.º
68. Esta disposição difere da que consta da Lei de Meios em vigor por acrescer, à projectada reforma do contencioso das contribuições e impostos, a dos serviços de administração fiscal. Nos objectivos destas reformas aditou-se a institucionalização do serviço de justiça fiscal, para o que se promoverá a respectiva organização judiciária do Ministério Público e das actividades auxiliares.
A Câmara sugere uma ligeira alteração de redacção, visto entender que a disposição não dispensa o cumprimento do artigo 93.º, alínea e), da Constituição.
A referência à reforma dos serviços de administração fiscal parece representar uma duplicação da autorização requerida no artigo 27.º quanto à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, pelo que no comentário àquela disposição se sugere a eliminação desta Direcção-Geral dos serviços ali indicados. A sua inclusão neste artigo julga-se suficiente para atribuir prioridade à respectiva reforma.
A Câmara regista com aplauso o aditamento da alínea c) do articulado, bem como as considerações do relatório que a tal propósito se tecem e que estão em concordância com pontos de vista expressos pela Câmara no parecer sobre a Lei de Meios de 1959 e reafirmados no seu último parecer.
Com efeito, parece indispensável considerar o reforço das garantias individuais perante o fisco como um dos objectivos da reforma, até para se tornar realizável uma das suas outras finalidades - estabelecimento da confiança nas relações entre o contribuinte e a Fazenda. A devida protecção dos interesses dos contribuintes permite, inclusive, exigir, sem violentações, um mais rigoroso cumprimento das leis fiscais.
Anuncia-se também, no prosseguimento da reforma do contencioso fiscal, a preparação de um código de processo fiscal, orientado no sentido de assegurar ao respectivo processo a simplicidade e a eficiência que tem de o caracterizar, sem se atentar contra as garantias que ao contribuinte devem ser dadas.
A Câmara dá o seu aplauso ao proposto neste preceito.
Artigo 13.º
69. O corpo deste artigo corresponde ao artigo 12.º da Lei n.º 2111. Sobre a disposição deu o Governo larga explicação no relatório que acompanhava a proposta do ano passado e a ele teve a Câmara oportunidade de referir-se no respectivo parecer. O relatório do projecto de proposta de lei deste ano informa que o diploma, com as providências relativas à eliminação das causas de dupla tributação nas várias parcelas do território nacional, se encontra pronto há bastante tempo, aguardando apenas, para efeitos da necessária articulação, a publicação das disposições gerais sobre a integração do espaço económico português. Acabam tais medidas de ser promulgadas, pelo que deve esperar-se a próxima publicação do diploma, após a efectivação dos ajustamentos que requerer.
O artigo 13.º insere um parágrafo com matéria nova, destinado a prever a possibilidade de o País ter de firmar em 1963 acordos internacionais sobre dupla tributação, no quadro dos arranjos internacionais de que fazemos ou podemos vir a fazer parte.
Artigo 14.º
70. É matéria que consta das leis de meios desde 1947. O preceito mantém a redacção do ano anterior e a Câmara nada tem a opor-lhe, confiando em que, com a conclusão da reforma fiscal, se arrume em definitivo este problema.
§ 4.º
Defesa nacional
71. Este capítulo surge pela primeira vez na proposta do ano passado e substituiu um outro denominado «Compromissos internacionas de ordem militar».
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Artigo 15.º
72. A disposição corresponde, como se assinalou no parecer sobre a proposta de lei para 1962, a uma necessidade imperiosa. Apenas se lamenta que as circunstâncias que estão na origem do preceito se continuem a verificar. A Câmara mantém em relação à disposição a posição assumida no seu último parecer.
Oferece particular oportunidade o esclarecimento dado, no relatório da proposta, sobre o significado da prioridade pedida para as despesas militares. E vale ainda um comentário a ideia, já enunciada no parecer do ano passado desta Câmara, sobre o conceito de defesa nacional, que se não circunscreve apenas ao domínio militar.
Como se afirmou nesse parecer, «a presença viva de uma consciência pública perfeitamente segura da vocação ecuménica do povo português e da sua capacidade de sucesso no mundo de hoje» e «uma larga campanha de elucidação da opinião internacional de boa fé quanto ao mérito singular do conjunto nacional português como resposta às mais altas aspirações da humanidade contemporânea e como serviço dos seus superiores interesses de convívio fecundo e pacífico entre os povos das mais diversas origens», a par «da existência de uma armadura económica proporcionada ao esforço de guerra e ao progresso social», condicionam a manutenção do próprio esforço militar.
A manutenção da frente interna, nos seus múltiplos aspectos - dos quais cabe, em referência ao problema da prioridade, destacar o económico -, assume, na verdade, uma importância fundamental, dado que ele condiciona, como se salientou, a própria actividade militar. Uma economia depauperada não constitui a melhor base para um esforço de guerra.
O relatório governamental chama de novo a atenção para o facto de estas despesas não se repercutirem integralmente de forma negativa sobre a actividade económica. Na verdade, em particular no ano de 1962, alguns dos efeitos menos favoráveis das despesas militares devem-se ter atenuado, designadamente os que incidem na balança de pagamentos, na medida em que, em 1961 e princípios de 1962, se tenham efectuado as aquisições mais vultosas de equipamento militar. O nível do nosso desenvolvimento industrial nesse sector não permite, como nos países industrializados, Estados Unidos por exemplo, colher alguma compensação no acréscimo da procura de equipamento militar, procura que no nosso país se traduz em grande parte em filtrações. O afrouxamento do ritmo destas aquisições poderá, assim, ter minorado os efeitos sobre a balança de pagamentos. Mas é evidente que o problema tem incidências bem mais amplas sobre a actividade económica, designadamente no nível de rendimento e de investimento, nos preços e no consumo, e no mercado do trabalho, para citar apenas alguns dos aspectos mais salientes.
O ritmo a que se processou o desenvolvimento das despesas militares nos primeiros meses do ano corrente, em confronto com o período homólogo do ano anterior, é facto que já se pôs em relevo na apreciação na generalidade, mas que se cita novamente, não só pelo alívio que traduz para a actividade económica, mas pela perspectiva que pode representar para outros aspectos do momento que a Nação vive.
Artigo 16.º
73. A Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961, autorizou o Governo a elevar a 4300 milhares de contos a importância do quantitativo inicialmente fixado em 1500 milhares contos na lei de autorização de receitas e despesas para 1952.
O quantitativo vem sendo sucessivamente acrescido, mas, dado que o saldo por utilizar em 1963 atinge 356 193 contos, importância superior à previsão corrigida para 1962 (330 045 contos), o Governo, tendo em conta os elevados encargos com a defesa do ultramar, não considerou necessário elevar o actual limite. A verba cuja inscrição no orçamento do próximo ano se propõe - 260 000 contos - é igual à inscrição inicial do orça mento em vigor.
A Câmara continua a perfilhar a ideia de que a contribuição para o esforço comum da defesa do Ocidente não se pode medir por um critério geográfico estrito, reafirmando a sua concordância com a opinião expressa no relatório, governamental da proposta do ano transacto.
§ 5.º
Investimentos públicos
74. Os artigos 17.º a 21.º reproduzem, com uma excepção no artigo 19.º, a que se fará a devida referência, os preceitos correspondentes da lei de autorização em vigor.
Artigo 17.º
75. A redacção deste preceito é igual à do artigo 17.º da Lei n.º 2111, de 21 de Dezembro de 1961.
Já na apreciação na generalidade se deu devido relevo à actuação governamental no sentido de procurar prosseguir, sem afectação sensível, a execução do Plano de Fomento. A posição do País no quadro económico da Europa, um convívio económico internacional mais íntimo, traduzido pela nossa participação ou adesão a organismos ou acordos internacionais e a necessidade de acelerar o processo de unificação económica portuguesa, são causas que acrescem à motivação interna, cada vez mais radicada em todos os portugueses, da necessidade de intensificar o processo de desenvolvimento.
E problema que a Câmara tem largamente debatido, quer nos pareceres sobre os planos de fomento, quer nos que apreciaram as propostas de lei de meios para 1953 e para 1957, este último com larga exposição da problemática do desenvolvimento económico.
Não têm assim lugar, neste momento, novas considerações sobre a matéria, mas vale ainda a pena a alusão ao poder dinamizador da ideia do desenvolvimento, pelas implicações económicas, sociais e políticas que lhe são inerentes e ainda porque tal facto não esteve alheio nas considerações da Câmara.
Apenas se refere, ainda, que dentro do Plano de Fomento haverá que incentivar os investimentos susceptíveis de promover a mais rápida activação da vida económica.
76. Dentro do condicionalismo da execução do Plano em 1962, deve referir-se que as fontes públicas de financiamento continuam a ser as que menor atraso apresentam, como se salientou já na análise da conjuntura económica. Assim, no 1.º semestre de 1962, sendo a percentagem global dos financiamentos, em relação às previsões ajustadas, de 30,6 por cento, o Orçamento Geral do Estado tem uma percentagem de execução de 39 por cento. E este comportamento, com duas excepções (autofinanciamento público e fundos especiais), não é menos acentuado nas outras fontes públicas que, no seu conjunto, proporcionaram 63 por cento dos financiamentos totais, quando a sua participação nas previsões não ia além de 41 por cento.
O artigo 17.º merece a concordância da Câmara.
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Artigo 18.º
77. Este artigo tem redacção igual à do artigo 18.º da Lei n.º 2111, que constituiu uma inovação da proposta do ano passado. Estando englobados no Plano de Fomento os empreendimentos considerados de maior importância, é natural que a necessidade de restrições se viesse a concretizar em primeiro lugar nos investimentos não abrangidos no Plano. Não pode deixar de merecer concordância a prioridade dada aos empreendimentos do Plano, embora nele não estejam incluídos investimentos cuja efectivação reveste o maior interesse, como se verifica pela leitura do quadro XXV do relatório ministerial.
A Câmara dá a sua adesão ao artigo, mas permite-se um comentário que lhe é suscitado pela observação do quadro referido.
A multiplicidade de planos ali indicados corresponde uma diversidade de critérios de formação: uns não terão surgido em simultaneidade com as datas da elaboração dos planos de fomento, outros foram considerados de âmbito local, não parecendo de enquadrar num plano nacional, a outros, ainda que de carácter geral, não lhes foi atribuída importância que justificasse a sua inclusão e para outros terá sido apenas um critério de conveniência de outra ordem que levou o Governo a mante-los fora do Plano.
Pretende-se salientar que, aprovados em diferentes momentos e, consequentemente, sem possibilidade de valoração relativa, se torna difícil definir em relação a eles um critério de prioridade. E a disposição do artigo 18.º põe em especial relevo quanto se torna conveniente a existência de uma escala de prioridades.
Observar-se-á que o Governo define essa escala através das verbas que em cada ano atribui aos vários planos, mas torna-se de difícil distinção esse critério no amálgama de planos a apreciar. O Governo tem de ponderar inúmeros problemas nessa tomada de posição: muitos dos planos só depois de completados se tornam úteis, outros, de interesse circunscrito, nem por isso atingem menor grau de urgência. Há todo um sem-número de considerações que tornam complexa a apreciação relativa.
Não seria de elaborar um «plano» para estes «planos» onde se definam os critérios da sua ordenação e coordenação? A Câmara não quer deixar de apresentar esta sugestão, certa de que ela merecerá, por parte da administração financeira, o estudo cuidadoso que sempre dedica a questões desta natureza.
Artigo 19.º
78. A estrutura actual deste artigo resulta de uma sugestão da Câmara no parecer sobre a proposta da Lei de Meios para 1956. A partir desse ano aparecem especificados e hierarquizados, dentro de cada alínea, os investimentos que não constam de planos plurianuais, deixando de figurar a inumeração de critérios teóricos que se entendia dever obedecer à sua seriação.
Dada a situação das indústrias extractivas, por virtude, como se referiu, da contracção dos mercados externos, e perante a acuidade e relevância dos problemas do povoamento florestal e defesa contra a erosão, bem como dos melhoramentos rurais e abastecimento de águas, a Câmara propõe que se altere, em conformidade, a ordem de preferências da alínea a).
A redacção do preceito no projecto de proposta deste ano difere da do ano anterior pelo facto de incluir na alínea c) duas novas rubricas relativas a «Aceleração na formação de pessoal docente universitário» e «Intensificação de bolsas de estudos», que merecem comentário mais desenvolvido. Antes, porém, quer-se registar que se mantém a inovação da proposta de 1962 de subordinar a realização das despesas previstas na disposição ao preceituado nos artigos 15.º (prioridade da defesa nacional), 17.º (prioridade nos investimentos abrangidos no Plano de Fomento) e 18.º (possibilidade de limitação de encargos extraordinários fixados em lei, com exclusão dos empreendimentos do Plano de Fomento).
A inscrição pela primeira vez de «Investimentos intelectuais» no quadro dos investimentos públicos deve ser assinalada com especial relevo, por traduzir, como explicitamente se afirma no relatório do projecto, o reconhecimento da natureza infra-estrutural destas despesas no plano económico e social. Obtém confirmação no plano legislativo um princípio reivindicado pelos educadores e também já acolhido pelos economistas. E se o II Plano de Fomento já englobara nos seus investimentos a investigação aplicada, a aceitação no projecto de proposta de lei faz-se com outra generalidade, se bem que de momento com aplicação principalmente no ensino universitário.
A disposição envolve uma resposta à questão que a Câmara levanta na análise na generalidade quanto à repartição das despesas com fim cultural entre funcionamento e investimento. Se capital é tudo o que é susceptível de aumentar a produção futura, tem de nele incluir-se não só o equipamento físico, mas também o conjunto de conhecimentos da população e a sua capacidade de aplicá-los. Assim, os gastos com a educação e treino profissional, investigação e saúde deveriam, em rigor, ser incluídos nos investimentos.
O problema dos investimentos em capital humano assume especial acuidade para os países em vias de desenvolvimento, como foi posto em justo relevo num relatório sobre o desenvolvimento económico elaborado pelas Nações Unidas, que constituiu um marco nesta matéria (1). Nele se afirma que os investimentos em capitais humanos, de um modo geral, serão tão produtivos, do ponto de vista puramente material, como os que se representam por qualquer espécie de bens de equipamento e que, em certos casos, aumentarão a produção de bens e serviços mais do que um investimento de igual montante em bens materiais.
Não faltam os exemplos a documentar a relação existente entre a expansão da instrução e o aumento da produtividade geral. A industrialização dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e, mais recentemente, da U. R. S. S. são casos, entre outros, bem elucidativos. E há já trabalhos de investigação estatística sobre a contribuição dos investimentos em capital humano para a produção.
Estudos efectuados nos Estados Unidos mostram que, no período de 1899 a 1953, o acréscimo da produção total foi triplo do que se registou nas quantidades utilizadas dos três factores produtivos - trabalho, terra e capital. Conclui-se, assim, que dois terços do aumento de produção têm de ser atribuídos a outros factores nos quais se incluem o progresso técnico e o desenvolvimento na organização e no nível de instrução. Um outro estudo, igualmente realizado nos Estados Unidos, sobre a evolução da produção industrial na Ucrânia Soviética, nos períodos de 1928-1937 e 1950-1955, atribui apenas aos factores produtivos tradicionais, respectivamente, 69 por cento e 47 por cento dos acréscimos registados.
79. No domínio das relações entre o ensino e o processo de desenvolvimento económico tende-se actualmente a dar prioridade a três tipos de ensino.
(1) «Mesures à prendre pour le développement économique des pays insuffisamment developpés», 1951.
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Um é o ensino agrícola. Dado o peso das actividades relacionadas com a agricultura nos países em vias de desenvolvimento, procura-se obter uma ampla divulgação dos conhecimentos agrícolas. Corresponde este objectivo ao reconhecimento de que a diferenciação nos níveis de rendimento nacional em relação aos países mais evoluídos deriva não tanto da extensão das actividades primárias, mas da fraca produtividade que nelas se regista. Assim, a difusão nesse sector das modernas técnicas agrícolas pode traduzir-se em acréscimos muito sensíveis de produtividade. A possibilidade de difusão destes conhecimentos está, como é evidente, subordinada ao nível geral de instrução, questão que mais adiante se aborda.
Podem servir de indicador da gravidade da situação do País, no que se refere ao ensino agrícola, os seguintes números relativos ao ano escolar de 1960-1961: dos 105 000 alunos matriculados no ensino técnico profissional apenas cerca de 3500 frequentavam o ensino agrícola e sòmente 120 concluíram o curso nesse ano; isto. num sector que emprega 47 por cento da população activa e contribui com 25 por cento para a formação do produto nacional.
Outro sector do ensino a que se concede prioridade em relação à política de desenvolvimento é o ensino técnico profissional (não agrícola) para formação dos trabalhadores manuais. E todo o problema da orientação e formação profissional em cuja solução se tem de ter em conta as tendências demográficas e as necessidades presentes e futuras de pessoal especializado e de mão-de-obra em geral.
É problema que ainda recentemente, a propósito do Plano de Fomento em curso, foi objecto de largas considerações, quer no relatório do Governo, quer no parecer da Câmara, pelo que não vale a pena reeditá-las aqui.
Guardou-se para indicação final o terceiro tipo de ensino prioritário, que é, naturalmente, o ensino universitário. Uma das finalidades reconhecidas indiscutivelmente a esse ensino é a formação profissional. A Universidade tem de formar os indivíduos capazes de elaborar e fazer executar os programas de desenvolvimento, tem de formar os técnicos para a administração pública e para as empresas e todos os demais técnicos para que o processo de desenvolvimento se não retarde.
Não está em causa a importância relativa dos demais objectivos assinalados ao ensino superior, e essa é uma das questões fundamentais da problemática universitária, pretende-se apenas salientar a importância desta finalidade, para se assegurar a compatibilidade entre o ensino da Universidade e as exigências do meio e do momento histórico em que ela exerce a sua missão.
Assume particular gravidade, para os países a que se vem referindo esta análise, o desajustamento entre a estrutura do ensino universitário e as exigências da actividade III económica e social. Resulta daí a criação de um proletariado intelectual, sem função específica, cuja formação representou financeiramente um custo, sem referir as implicações sociais e políticas que resultam da existência de um grupo instruído e culto ao qual a sociedade não tem função a atribuir, ao mesmo tempo que noutros sectores se verificam carências vultosas.
Acresce, voltando ainda ao problema do equilíbrio entre as finalidades que se assinalam à Universidade - formação cultural, preparação profissional e investigação científica -, que as medidas preconizadas no projecto de proposta de lei satisfazem por igual aos três objectivos, o que só pode constituir motivo de aplauso. É evidente, como se reconhece na parte do relatório justificativa das medidas em apreciação, que elas não constituem solução integral do problema, mas marcam uma intenção, definem um pensamento, o que é do maior significado, além de representarem a satisfação de algumas carências básicas na contribuição do sector cultural para a política de desenvolvimento económico e social.
A propósito desta contribuição julga-se ainda necessário um esclarecimento. O facto de se ter posto em relevo a educação como elemento da política de desenvolvimento económico e social, como factor de aumento da produtividade e instrumento de promoção social pela dinamização da estratificação social, não significa que a educação seja considerada apenas como uma forma de investimento.
A política do Estado perante a educação não pode repousar sòmente em considerações económicas, tem de basear-se em fundamento de natureza cultural e social.
Entre as consequências que derivam desta consideração quer-se referir a necessidade de um equilíbrio entre o ensino geral e a preparação para o exercício de uma profissão. A par desta última, e como condição necessária da sua realização, está uma educação de base, uma educação fundamental para a vida social, cuja importância se revela acrescida perante a crise actual da sociedade.
A orientação e a formação profissionais, no seu mais amplo sentido, têm de ser determinadas com o maior cuidado e tendo em atenção as condições económicas e sociais de cada país.
Por um lado, tem de procurar-se que a importância dada à preparação profissional não restrinja o campo do ensino em geral, mas, por outro, tem de se evitar uma preponderância injustificada do ensino geral, o que conduz a um excedente de mão-de-obra em busca de empregos burocráticos, um dos aspectos do desajustamento a que se aludiu anteriormente. Não é fácil a efectivação desta política de equilíbrio, principalmente nos países em que se verificam certas prevenções sociais ou em que o prestígio tradicional de certas profissões as tornam particularmente atractivas para os indivíduos que atingem um certo nível cultural. Estas dificuldades opõem-se muitas vezes às modificações requeridas na estrutura do ensino.
Uma outra anotação refere-se à economia da educação. E problema que só recentemente começou a ser objecto de atenção mais cuidada perante as necessidades sempre crescentes da política educacional.
O seu estudo exige uma planificação da educação que indique o custo total dos objectivos a atingir, a fim de se fazer o seu confronto com as possibilidades financeiras existentes e se definirem prioridades. Como se referiu, se uma parte da educação é necessária ao desenvolvimento económico, outra é desejável por motivos de ordem cultural e social. E a esta luz que têm de ser estabelecidas as prioridades de qualquer sistema de educação, para que se obtenha um rendimento máximo, não apenas no plano económico, mas também no próprio campo da educação.
Neste domínio se inserem igualmente questões, tais como o grau de aprovações, as desistências dos cursos em meio destes, o problema dos diplomados sem colocação, o custo das construções escolares, exemplos mais do que suficientes para demonstrar a importância deste aspecto da política educacional.
80. Posto em relevo o significado e alcance das medidas preconizadas no projecto de proposta de lei, a Câmara entende que seria oportuno, perante as exigências do desenvolvimento económico, a consideração do problema educacional em toda a sua amplitude.
Como se afirmou, só recentemente se tomou consciência e foi devidamente posta em destaque a influência decisiva da preparação científica, técnica e profissional nos processos de desenvolvimento económico, mas os
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países mais evoluídos tinham já, pelo próprio processo do seu desenvolvimento, atingido um elevado grau de preparação.
Não admira, por isso, que as despesas com o ensino tenham, por toda a parte, verificado um aumento considerável, variando bastante, no entanto, a capitação de cada país em educação e formação. De modo geral, e a confirmar o que fica dito, são os países mais desenvolvidos os que, de longe, mais despendem neste campo.
Quanto a Portugal, é justo assinalar a obra que se tem realizado em certos sectores, como o primário, e o técnico secundário. Apesar disso, não pode deixar de se dizer que temos um longo e difícil caminho a percorrer em face das necessidades que enfrentamos. Importa, pois, ir mais além, não só no número e apetrechamento das escolas de qualquer grau e preparação dos respectivos professores, mas ainda, e muito especialmente, na modernização de programas e cursos e sua adequação às exigências presentes e previsíveis. Desde o prolongamento da escolaridade primária à necessidade de aperfeiçoamento pós-universitário, passando pela revisão dos esquemas clássicos de educação e ensino, facilidade de acesso ao ensino médio e superior dos estudantes mais bem dotados e mais estreita e flexível colaboração com as entidades particulares, é toda uma gama de questões que importa urgentemente encarar.
Admite-se, no entanto, que nem tudo seja possível fazer a curto prazo. Há, porém, que equacionar os problemas, que tomar consciência das nossas faltas e que programar metodicamente e em tempo oportuno, a orientação a seguir nos anos futuros. Por isso importa começar com uma visão global dos assuntos, por forma a podermos caminhar mais depressa e com maior segurança e economia.
Por estes motivos, a Câmara sugere a introdução neste capítulo de um novo artigo, com a seguinte redacção:
O Governo promoverá a elaboração de um programa nacional de educação e formação no qual se deverá atender às necessidades da Nação nos aspectos científicos, técnico e profissional.
81. A primeira das novas rubricas incluídas na alínea c) do artigo 19.º é relativa à aceleração na formação do pessoal docente universitário.
Entre os muitos problemas que o enorme acréscimo da população escolar universitária gerou, deve salientar-se o relativo à desproporção criada em relação aos quadros docentes. Estes, exceptuando um ou outro caso, não têm acompanhado o aumento da população escolar, isto sem considerar que a evolução da ciência e dos próprios métodos pedagógicos exigem uma baixa contínua no coeficiente alunos-professor.
Se a eficiência do ensino é fortemente influenciada pela qualidade dos seus agentes, aquele coeficiente apresenta-se também como factor de elevada ponderação.
São muito limitados os resultados dos progressos técnicos economizadores do factor humano na instrução.
Mas há que reconhecer, o que assume aspectos aparentemente paradoxais, que são inúmeras as vagas nos quadros do pessoal efectivo das Universidades. As causas são múltiplas, bastando referir duas das que mais comummente são indicadas: melhores condições de remuneração noutras actividades, complicado e moroso processo de promoção na carreira docente. Em relação à primeira, alguma contribuição se procurou dar na última reforma de vencimentos do funcionalismo; a segunda tem sido igualmente objecto de algumas medidas do Ministério da Educação Nacional. Uma e outra apresentam aspectos delicados: a primeira, pelos problemas de posição relativa que suscitaria para ser resolvida de forma adequada, a segunda, pela dificuldade de estabelecer um sistema de mais fácil acesso que garanta simultaneamente uma escolha criteriosa.
Mas estes são apenas dois aspectos do problema do recrutamento do pessoal docente do ensino superior, e este é apenas um dos problemas da Universidade.
A medida projectada deve considerar-se solução de emergência, mas nem por isso tem menor alcance e significado. Não sendo fácil, de momento, criar novos professores ou transformar e melhorar radicalmente as suas condições de trabalho, como se diz no relatório do projecto de proposta de lei, tomou-se a providência que era possível adoptar na circunstância e que corresponde à satisfação de uma das necessidades mais urgentes do ponto de vista docente.
A Câmara, dando a sua inteira adesão à inclusão desta rubrica, apenas formula o voto de que ela não contribua para adiar a solução de fundo dos problemas da Universidade no momento em que ela própria reconhece a necessidade da sua reforma para melhor servir a Nação.
82. A segunda rubrica refere-se à intensificação da concessão das bolsas de estudo.
A situação existente nesta matéria, em especial no ensino superior, reveste aspectos altamente inconvenientes do ponto de vista educacional e social.
A questão, aparentemente, apresenta menor gravidade no ensino secundário, onde, muitas vezes, não são inteiramente aproveitadas as dotações orçamentais. Tal deve ser atribuído, em parte, ao condicionalismo da concessão, que se afigura dever ser facilitado, e então o problema surgirá também neste grau de ensino, dado que o número de bolsas do ensino liceal e técnico está em enorme desproporção com os efectivos escolares desse ensino.
Mas a questão assume particular gravidade no ensino superior. As 19 escolas superiores que em 1961 faziam parte das quatro Universidades do País dispõem de 100 bolsas, ou seja uma média ligeiramente superior a 5 bolsas por escola. O número de alunos inscritos naquele ano nas quatro Universidades era de 19 522, o que corresponde a uma bolsa para cada 195 alunos. É nitidamente pouco para aproveitamento dos valores que as classes econòmimente menos favorecidas podem fornecer ao País. Mais beneficiadas estão as duas Escolas Superiores de Belas-
-Artes que usufruem 25 bolsas, ou seja, para o mesmo período, 1 bolsa para cada 38 alunos.
Verifica-se também que o quantitativo actual das bolsas é muito baixo, em especial no ensino superior, onde as despesas essenciais serão mais avultadas e onde são muitas vezes mais ténues as relações com a economia familiar. Poderá esperar-se que nesta matéria se não fique aquém do critério de actualização que o Governo tem praticado para situações estabelecidas na mesma data em que esta foi fixada.
O problema merece ainda um comentário pelas suas implicações sociais. O sistema de economia de mercado tem como pressuposto um conjunto de liberdades que deveriam assegurar a igualdade de oportunidades. Sendo da essência do sistema a criação de desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, a manutenção da igualdade de oportunidades é condição para que se não perpetuem as diferenciações, uma vez criadas, sem o que se destruiria o carácter dinâmico do sistema. Quer dizer, as desigualdades na distribuição do rendimento traduzem-
se em desigualdade de oportunidades educacionais e, como um nível mais elevado de instrução se traduz, em geral, na possibilidade de obter maiores rendimentos,
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as desigualdades tendem a perpetuar-se. Só os mais favorecidos econòmicamente podem atingir os graus superiores de ensino e, portanto, só eles têm acesso às funções mais bem remuneradas que a obtenção desses graus propicia. Um sistema que invalide ele próprio os seus pressupostos tende a destruir-se, a menos que saiba procurar os correctivos que lhe assegurem a manutenção das condições básicas de existência.
A criação de bolsas de estudo enquadra-se neste processo na medida em que permita um amplo aproveitamento de todos os valores nacionais, independentemente das suas condições económicas. E, para além do equilíbrio social que com elas se procure atingir, em especial num país que procura firmemente acelerar o seu desenvolvimento económico, não pode permitir-se o desperdício de valores.
A Câmara regista, pois, com agrado que o problema tenha sido considerado pelo Governo e confia em que ele seja resolvido tanto no número como no quantitativo das bolsas com a amplitude que a sua reprodutividade bem justifica, tendo em atenção que tal é possível sem incidências orçamentais muito gravosas.
Anota-se ainda que o relatório do projecto de proposta esclarece que o aumento de dotação recairá apenas sobre o ensino superior, mas o projecto não o especifica. Sendo assim, talvez fosse de acrescentar à rubrica a expressão «no ensino superior». Mas a Câmara, em conformidade com as suas anteriores considerações, inclina-se para que a intensificação da concessão de bolsas seja extensiva a outros ramos de ensino, pelo que não sugere qualquer emenda, dando a sua aprovação à disposição com a redacção do projecto.
Artigo 20.º
83. A proposta da Lei de Meios para 1962 juntou num só artigo, dentro do capítulo dos investimentos públicos, as disposições relativas aos planos de reapetrechamento dos hospitais e das Universidades e escolas. Este último foi iniciado em cumprimento de um preceito da Lei de Meios para 1957. O plano de reapetrechamento dos hospitais apareceu pela primeira vez na Lei de Meios para 1961, no capítulo relativo à saúde pública e assistência. Mantém-se este ano a junção estabelecida na proposta para 1962.
No que respeita ao reapetrechamento dos hospitais, foram já elaborados dois planos: o primeiro no montante aproximado de 20 000 contos e o segundo no de cerca de 14 000 contos, de acordo com as verbas orçamentadas, respectivamente, para os anos de 1961 e 1962. Propõe-se este ano o Governo prosseguir na execução destes planos, o que só pode merecer o aplauso da Câmara, dado o papel dominante do hospital na moderna política sanitária e a situação em que se encontravam os hospitais no que respeita a existência dos meios técnicos para o desempenho da sua elevada missão, aspectos que mereceram a atenção da Câmara no parecer sobre a proposta para 1961.
Tem prosseguido ininterruptamente desde 1957 o plano de reapetrechamento das Universidades e escolas. Ao significado e alcance desta medida foi dado o merecido relevo no parecer relativo à proposta para o referido ano, mas há que salientar devidamente as repercussões de tal iniciativa, principalmente quando elas se conjugam com disposições de tão larga projecção como são as que se comentaram largamente na apreciação do artigo anterior, referentes à aceleração na formação de pessoal docente universitário e à intensificação da concessão de bolsas de estudo.
O conjunto destes planos revela consciência perfeita das necessidades do País neste sector e da importância excepcional de que eles se revestem para o futuro da Nação.
A realização dos planos de apetrechamento das Universidades e escolas tem prosseguido regularmente. Nos primeiros nove meses do corrente ano foram despendidos cerca de 16 000 contos, 81 por cento dos quais com o ensino técnico. Em mapas anexos ao relatório ministerial fornece-se ampla documentação dos planos já executados e dos aprovados e em execução. Os dispêndios efectuados no ano em curso revelam tendência para o aproveitamento de uma maior percentagem das verbas orçamentadas, o que se regista com agrado, pois são ainda muitas as necessidades a satisfazer.
84. Uma última observação sobre a matéria deste artigo é suscitada pelo problema da formação profissional, que já, no último ano, foi objecto de especial atenção por parte da Câmara. Não há lugar para repetir aqui o papel que desempenha uma política de mão-de-obra bem concebida no progresso económico e social. Da relevância que ao problema é dada entre nós diz bem a vasta acção que se tem desenvolvido no campo do ensino técnico e que urge prosseguir firmemente.
A questão tem, porém, outros aspectos que foram já focados no parecer da Câmara sobre a proposta para 1962. A formação dos jovens trabalhadores não é a única dificuldade que se apresenta aos países em vias de desenvolvimento quando procuram adaptar a mão-de-obra às necessidades da sua economia. Em muito dos referidos países existe uma «reserva» considerável de trabalhadores constituída de adultos capazes de alcançar uma especialização e um aperfeiçoamento profissionais que lhes permitiria uma maior contribuição para o desenvolvimento económico.
Compreende-se, deste modo, a crescente importância económica e social que grande número de países atribui à formação de adultos e o encorajamento proporcionado para melhorar as aptidões profissionais dos trabalhadores. Foi nesta linha de orientação que a Câmara sugeriu um aditamento ao artigo 20.º da Lei de Meios em vigor.
Embora não fosse aceite a sugestão, a Câmara regista que nem por isso o Governo deixou de dar a devida consideração ao problema; assim, pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, foi publicado, em 23 de Agosto do ano corrente, o Decreto n.º 44 538, que criou o Instituto de Formação Profissional Acelerada.
Esta formação assenta, como se sabe, em métodos de racionalização do trabalho que permitem a aprendizagem das operações necessárias ao desempenho de um determinado ofício num período curto em relação ao normal.
No decreto, em cujo preâmbulo se refere expressamente a posição assumida pela Câmara em relação ao problema, definem-se como objectivos do novo Instituto:
a) Reconversão profissional quando justificada e tendo em conta a vontade dos interessados;
b) Qualificação profissional dos trabalhadores indiferenciados;
c) Recuperação profissional dos parcialmente incapacitados;
d) Colaboração com as empresas na formação do seu
e) Melhoria da adaptação entre o homem e o seu trabalho.
Estas finalidades reflectem bem a elevada função económica e social que é confiada ao novo organismo.
Artigo 21.º
85. A redacção deste artigo é idêntica à que lhe foi dada na proposta do ano anterior. A Câmara tem tido várias vezes oportunidade de se pronunciar sobre a utili-
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dade e a conveniência do prosseguimento acelerado dos trabalhos do cadastro geométrico da propriedade rústica.
O relatório do projecto de proposta de lei insere este ano uma extensa nota sobre a evolução histórica desta questão e o estado actual dos trabalhos.
Através dela obtém-se uma valiosa informação sobre o vasto quadro das tarefas do Instituto Geográfico e Cadastral e dos problemas que nessa actividade se lhe deparam.
A zona da planta cadastral levantada representa já perto de metade da superfície do continente. Na Madeira os levantamentos abrangem uma terço da ilha e em S. Miguel dois quintos. É, porém, de considerar que a parte restante virá a oferecer maiores dificuldades, por virtude, principalmente, das condições de relevo do terreno e maior fragmentação da propriedade.
A par dos levantamentos, realiza-se a avaliação cadastral, faz-se a revisão dos cadastros mais antigos e procede-se à revisão da triangulação geodésica. O Instituto, segundo informa o relatório, espera ter concluídos dentro de três anos os trabalhos de uma nova triangulação fundamental.
Outra informação de maior interesse é a de que, «exceptuado o Instituto Geográfico Nacional Francês, nenhuma outra organização oficial ou particular dos países europeus, abertos ao conhecimento geral, dispõe de um equipamento em qualidade e quantidade comparável ao do nosso Instituto Geográfico e Cadastral».
Só pode constituir motivo de satisfação o facto de o Instituto estar nas melhores condições para o desempenho das suas funções no que respeita a equipamento. Mas desta circunstância decorrem maiores responsabilidades para o Instituto, na medida em que disponha dos demais elementos necessários para o melhor rendimento do equipamento que lhe foi facultado.
As vantagens que derivam da existência do cadastro fazem avultar a extensão do prazo que se apresenta como necessário para a sua conclusão - dezassete anos. Há todavia que atender não só ao condicionalismo técnico, mas também ao condicionalismo orçamental.
A forma como o problema é posto no relatório permite esperar que, dentro de uma devida hierarquização em relação a outras despesas públicas, o Governo prosseguirá a execução desta tarefa ao ritmo justificado pela sua importância.
§ 6.º
Providências sobre o funcionalismo
86. Esta rubrica reapareceu na proposta em 1958 e nela tem vindo a ser incluído um conjunto de medidas que reflecte o cuidado com que o Governo procura resolver os mais instantes problemas dos que o servem, como foi salientado no parecer sobre a proposta da Lei de Meios para 1962.
Artigo 22.º
87. Este artigo tom um conteúdo análogo ao do artigo 22.º da Lei n.º 2111. Neste diploma dispunha-se:
O Governo intensificará a política de construção de casas para funcionários públicos e administrativos nos regimes de arrendamento e de propriedade resolúvel.
No projecto de proposta deste ano afirma-se o intuito de continuar a intensificação dessa política.
A disposição surgiu pela primeira vez no artigo 13.º da proposta da Lei de Meios para 1958. Nela se pedia autorização para estabelecer as condições em que a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (Caixa Nacional de Previdência) poderia aplicar a tal fim os capitais afectos ao seu fundo permanente.
Compreende-se a inclusão do mesmo preceito na proposta do ano passado para marcar o propósito do Governo de intensificar a sua política nesse sector na altura em que se tornava realidade a aquisição de imóveis e, por isso, a Câmara lhe deu a sua concordância. Pelo seu carácter meramente informativo, não seria talvez justificável a sua inserção no projecto de proposta deste ano, mas, dentro da concepção dos objectivos da Lei de Meios formulada na análise na generalidade deste parecer, a Câmara aceita a inclusão do preceito.
Verifica-se, pelo relatório que acompanha a proposta, que efectivamente prosseguiu de forma acelerada a política de construções habitacionais para os funcionários públicos, realizada através da Caixa Nacional de Previdência. A sua materialização atinge maiores proporções em Lisboa e Porto, onde o problema habitacional se reveste de maior gravidade, mas começam também a tomar vulto as realizações noutras cidades.
Em Lisboa, concluído o núcleo dos Olivais-Norte, onde se despenderam perto de 40 000 contos, anuncia-se o começo dos trabalhos, no início do próximo ano, na zona dos Olivais-Sul, onde se irá gastar verba pouco inferior à acima referida. Os planos já elaborados para o Porto e em execução orçam por 30 000 contos e os planos previstos para as restantes cidades devem custar 34 000 contos.
Os Serviços Sociais das Forças Armadas ampliaram também a sua acção neste sector, atingindo os seus dispêndios nos nove primeiros meses do ano cerca de 12 000 contos.
Há que assinalar ainda a participação na resolução destes problemas dos cofres de previdência dos funcionários. O Cofre de Previdência do Ministério das Finanças tinha aplicado neste fim. até Julho deste ano, 123 milhares de contos e o do Ministério da Educação Nacional, até final de 1961, cerca de 43 000 contos.
Deve por isso manter-se, e se possível intensificar-se, o apoio que por vários meios o Estado dispensa a estas instituições de modo que elas possam colaborar, ainda mais amplamente, na resolução deste magno problema.
88. O relatório do projecto de proposta anuncia, também, que brevemente será publicado o diploma que estabelece assistência em todas as formas de doença aos serventuários civis do Estado, incluindo os dos serviços dotados de autonomia administrativa e financeira.
O plano de assistência na doença aos funcionários públicos foi apresentado na Lei de Meios para 1958. A Câmara, no parecer respectivo, teve ocasião de tecer largas considerações sobre a matéria, em especial sobre a estrutura administrativa e o funcionamento do vasto sistema proposto, manifestando o seu aplauso, sem reservas, aos propósitos manifestados pelo Governo.
Várias causas, entre as quais se conta certamente a conveniência de atender aos princípios que viessem a ser estabelecidos na reforma da previdência social, retardaram a publicação do diploma, que se espera venha a ser feita brevemente, por vir ao encontro de uma das necessidades que se fazem sentir com maior acuidade para os funcionários.
O quadro de assistência que se anuncia corresponde ao esquema projectado na proposta de lei para 1958, abrangendo a assistência médico-cirúrgica, materno-infantil, de enfermagem e medicamentosa.
Aguarda-se que um condicionalismo mais favorável permita o cumprimento integral da política do Governo nesta matéria, tornando extensiva ao agregado familiar dos funcionários a assistência que a eles agora é concedida.
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A continuação da realização, em escala adequada, do programa habitacional e a execução integral do plano de assistência são medidas que contribuirão decisivamente para a melhoria do nível de vida dos funcionários. A primeira, pelo peso que representam nos seus orçamentos as rendas de casa, dado o nível a que actualmente se situam no mercado; a segunda, porque a doença, pelas despesas que acarreta, origina perturbação bem grave na economia dos funcionários, perturbação que, muitas vezes, se faz sentir por largos períodos da sua vida.
A Câmara vê com satisfação avizinhar-se a resolução de tão momentosos problemas.
§ 7.º
Saúde pública e assistência
Artigo 23.º
89. Apresenta este artigo uma inovação do maior significado em relação ao preceito correspondente da Lei de Meios em vigor: a atribuição de preferência também à promoção da saúde mental no quadro da assistência à doença.
O declínio das taxas de mortalidade por tuberculose no último decénio e a não existência de doentes aguardando internamento podem ser indicados, entre outros, como sintomas da evolução do problema da tuberculose.
Se bem que, ainda no último ano, as verbas orçamentadas para subsídios de comparticipação e de cooperação e assistência aos funcionários civis e seus familiares atingissem mais de 148 000 contos, parece razoável esperar que este esforço se possa ir atenuando.
É de assinalar a actuação do Governo neste sector, cuja situação há alguns anos não nos colocava em posição favorável no concerto das nações civilizadas.
Dada a fase que se atingiu no combate à tuberculose, entendeu o Governo poder conceder carácter prioritário a um problema que se situa entre os mais graves da saúde pública.
Considera-se assim oportuno enfrentar em maior escala o problema da saúde mental. É problema que atinge toda a humanidade, e a cujo desenvolvimento não são estranhas as condições de vida que a civilização vem impondo.
Da sim gravidade poderá avaliar-se pela indicação de alguns números de uma comunicação (1) apresentada ao I Congresso Nacional de Saúde Mental que se realizou em 1960: cerca de 12 por cento dos indivíduos adoecem, uma ou mais vezes na vida, de afecções do foro psiquiátrico; mais de 12 a 13 por cento da população tem perturbações mais leves, necessitando de auxílio do tipo psiquiátrico, embora prestado por clínicos gerais; uma criança em cada 30 tem dificuldades na escola normal; 5 a 10 por cento das crianças e adolescentes necessita de cuidados ou de orientação psiquiátrica.
Compreende-se, assim, que em muitos países o número de camas exigido pela assistência psiquiátrica seja quase igual ao de todas as outras doenças e que, em relação a outros, cerca de um terço do orçamento geral de saúde seja absorvido pela saúde mental.
Quatro das questões consideradas fundamentais no âmbito da saúde mental são referidas no relatório do projecto de proposta: as necessidades de internamento, o tratamento ambulatório, a acção profiláctica e a psiquiatria e higiene mental infantis.
A primeira questão traduz-se aã exigência do aumento do número de camas existentes. A predominância das actividades rurais no quadro da actividade económica nacional, e as características morais e sociais prevalecentes entre nós, que levam a uma atitude de maior tolerância ante a doença mental, fazem com que se possa estimar um valor mais baixo para o índice de camas necessárias do que aquele que resultaria da aplicação de indicadores da Organização Mundial de Saúde. Mesmo em tais circunstâncias, o déficit de camas deve ser bastante elevado, e daí a premência da criação de estabelecimentos psiquiátricos.
Ao lado desta questão surgem as que se referem ao tratamento ambulatório e à acção profiláctica. A par do internamento - e perante a tendência que hoje predomina quanto a este -, verifica-se a necessidade de uma larga acção profiláctica - uma campanha de saúde mental. Recorde-se a acuidade do problema do alcoolismo, que se estima afectar de maneira crónica 15 000 pessoas, e assinale-se, como um exemplo, entre muitos, a campanha que neste campo a França está efectuando.
Mas urge igualmente criar condições que permitam a intensificação dos tratamentos ambulatórios (consultas externas), inclusive por motivo do déficit de camas existentes e também para permitir o tratamento pós-cura dos ex-hospitalizados (serviços sociais e de recuperação). E todo o problema dos dispensários de higiene mental (existem quatro no País), dos hospitais de dia, das secções psiquiátricas dos hospitais gerais e de tantos outros meios de acção que os psiquiatras preconizam.
Não menos grave é o problema da psiquiatria e higiene mental infantis, que carecem de decidido apoio para se levar a cabo, com a extensão e profundidade requeridas, a acção que nesse sector urge realizar. Com ela beneficiará a própria sociedade em geral, que terá menores encargos a suportar, e também a saúde mental das gerações futuras, que depende da promoção da saúde mental da criança.
É considerado nitidamente insuficiente o que existe neste sector: o Dispensário de Higiene Mental Infantil de Lisboa, até há pouco dependente do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, o Dispensário de Higiene Mental Infantil em Coimbra e uma instituição particular no Porto - o Centro de Recuperação de Crianças. Está também prevista uma instituição para crianças anormais em Assumar.
Sobre todas estas questões insere-se uma outra que condiciona a sua solução: a preparação do pessoal técnico necessário à execução das tarefas de promoção da saúde mental - psiquiatras, pessoal de enfermagem especializado, assistentes sociais e ainda os técnicos da profilaxia e da recuperação (psicólogos, ortofonistas, reeducadores da motilidade, ergoterapeutas, etc.).
A Câmara não julga necessário alongar os seus comentários sobre esta matéria, até porque está a elaborar um parecer sobre o projecto de lei de saúde mental, e dado que o quadro descrito justifica inteiramente a intenção do Governo.
A Câmara dá plena adesão à prioridade pedida para a promoção da saúde mental no âmbito da assistência à doença.
§ 8.º
Política do bem-estar rural
90. Foi na proposta de lei de meios para 1961 que se alterou o título deste capítulo de «Política rural» para a actual designação. A substituição pretendia traduzir a orientação
(1) Projecção Social da Saúde Mental, dos Profs. Barsona Fernandes e Pedro Polónio.
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do Governo de intensificar a política de valorização dos meios rurais econòmicamente mais desfavorecidos. A menor produtividade característica da actividade económica predominante nesses meios faz com que eles se situem em nítida posição de desigualdade perante outras zonas do País. A água, a electricidade e os acessos fáceis, comodidades de que gozam os meios urbanos e de que quase nem se duo conta, são ainda uma aspiração em muitas zonas rurais.
A Câmara, em várias oportunidades, defendeu a conveniência de uma consideração global do problema e porque se está a ocupar dele, com u devida profundidade, no parecer sobre a criação da Junta do Planeamento Económico Regional, julga desnecessário qualquer comentário adicional.
Artigo 24.º
91. Este preceito reproduz o artigo 24.º da Lei n.º 2111.
Verifica-se pela leitura do relatório ministerial, que não foi possível, por virtude da conjuntura financeira, manter em 1962 o nível de auxílio que a este fim vinha sendo dado. O motivo é compreensível, mas espera-se que se encontre forma de providenciar para que o referido auxílio possa prosseguir no ritmo precedente, dado o valioso contributo que ele representa para as economias regionais. Esta contribuição, aliás, há-de representar, no quadro de uma política regional ordenada, um papel preponderante, conjugada igualmente com os meios de que para o mesmo efeito dispõe o Comissariado do Desemprego. O § 2.º deste artigo visa precisamente à coordenação destes dois sectores. O passo seguinte que se preconiza é uma coordenação a mais larga escala, de acordo com um plano geral no qual participam activamente os interesses regionais.
O quadro XII elucida sobre o auxílio concedido aos corpos administrativos pela Caixa Geral de Depósitos e pelo Comissariado do Desemprego.
QUADRO XII
[ver quadro na imagem]
(a) Subsídios pagos até 25 do Outubro.
O relatório ministerial do ano pretérito indicava como total dos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos cerca de 114 milhares de contos, mas não se especificava a rubrica «Outros fins».
A maior redução parece ter-se verificado na rubrica «Abastecimento de águas, electrificação e saneamento», sector em relação ao qual também se registou diminuição nos subsídios do Comissariado do Desemprego.
Em relação a esta disposição, a Câmara apenas renova a sugestão do seu parecer sobre a última Lei de Meios para se acrescentar aos «fins assistenciais» os de -«carácter social».
Artigo 25.º
92. A Câmara nada tem a observar a este artigo, destinado a permitir a inscrição, como despesa extraordinária, das verbas necessárias à satisfação das dotações devidas às Casas do Povo, nos termos do Decreto-Lei n.º 40 199, de 23 de Junho de 1955, que substituiu o Decreto-Lei n.º 30 710, de 29 de Agosto de 1940.
§ 9.º
Funcionamento dos serviços
93. Não inclui este capítulo a disposição que no ano passado autorizava o Governo a promover uma reorganização dos serviços públicos. O Ministério das Finanças fez publicar este ano um relatório sobre a matéria, «A reforma administrativa - Contribuição para os trabalhos preliminares», e recentemente, em Outubro, o Decreto-Lei n.º 44 652, emanado da Presidência do Conselho, marca no seu artigo 21.º um prazo limite - 31 de Dezembro de 1963 - para a publicação do Estatuto da Função Pública. Estará aqui, possivelmente, o motivo determinante da eliminação da referida disposição do projecto de proposta. A Câmara espera que, efectivamente, até ao final do próximo ano se publique aquela reforma de tão largo alcance para a nossa administração pública.
O relatório da proposta da Lei de Meios do ano passado e a publicação a que se aludiu, do Ministério das Finanças, dão bem a conhecer as carências que neste aspecto se registam na nossa Administração, os fins que a reforma se propõe e os esforços que no sentido da resolução deste problema se vêm desenvolvendo. A Câmara teve ocasião, no seu último parecer sobre a Lei de Meios, de pôr em relevo a importância da reforma sob o ponto de vista da produtividade e qualidade do serviço público, da dignidade de que se tem de revestir a função pública e do exemplo e estímulo que o Estado deve dar às empresas privadas que nesta matéria não tenham acompanhado as imposições do progresso.
A Câmara aguarda por todos estes motivos, com o maior interesse, a anunciada publicação do Estatuto da Função Pública e das medidas que o Ministério das Finanças deverá adoptar no prosseguimento da política firmada na lei anterior quanto à reorganização dos serviços.
Artigo 26.º
94. Este artigo mantém a redacção que tinha na proposta anterior, que difere das antecedentes pela enunciação mais pormenorizada dos princípios e regras de austeridade a que devem subordinar-se os gastos públicos, ao mesmo tempo que se amplia o domínio de aplicação daqueles aos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
A posição da Câmara em relação a este artigo é análoga à que assumiu em relação ao artigo 3.º Em condições normais a inclusão do preceito não é justificável. Só numa conjuntura como a que se registou o ano passado, e se mantém este ano, se compreende a inserção da disposição para os fins que no comentário ao artigo 3.º se explicitaram - sanção pela Assembleia da política do Governo.
Como se indica na análise na generalidade, o artigo 26.º deve considerar-se uma das peças básicas da política orçamental e, por isso, a Câmara renova a concordância que já no último parecer deu à disposição.
Em coerência com a sua atitude de considerar excepcional a inclusão do preceito, só justificada para os fins
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assinalados, entende que ela deve ser retirada do capítulo do «Funcionamento dos serviços» e incluída com o artigo 3.º num mesmo capítulo, de carácter nitidamente transitório. Só os meios que a disposição se propõe utilizar justificam a sua inclusão no capítulo «Funcionamento dos serviços», mas a Câmara entende que os fins que o preceito tem em vista sobrelevam os meios no critério a adoptar quanto à arrumação do artigo.
A redacção do § único do artigo omite o qualificativo «administrativos» na expressão «corpos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa». A Câmara continua a pensar que a expressão ganharia em clareza com a inserção daquele qualificativo.
Artigo 27.º
95. O preceito repete, com pequenas alterações, o artigo 28.º da proposta de lei para 1962.
Não necessitaria o Governo de requerer esta autorização, mas aceita-se a sua inclusão, dado que ela constitui uma excepção às regras de austeridade definidas no artigo 26.º
Motivos ponderosos, de que o relatório dá conta em relação a certos serviços, impediram a concretização destas reformas. A Câmara julga que esta disposição não deve continuar em futuras propostas, por tal se não coadunar com a importância e urgência dos problemas ao encontro dos quais a disposição procura ir, e continua a preconizar que a sua efectivação se faça dentro de limites que considerem as necessidades crescentes de outros serviços.
De acordo com o que se escreveu no comentário ao artigo 12.º, propõe-se a eliminação da referência à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
A redacção do artigo apresenta-se melhorada, na sua parte final, dado que, em lugar de «se reprimir severamente», as reformas se propõem «prevenir e reprimir severamente». Junta-se agora a prevenção à repressão, o que está na lógica da moderna orientação da administração pública.
Os motivos expostos fazem com que a Câmara dê a sua concordância a este artigo.
§ 10.º
Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais
Artigo 28.º
96. O artigo consiste no pedido de autorização do Governo para se continuar a aplicar as regras do artigo 19.º da Lei n.º 2045 à gestão administrativa e financeira dos fundos especiais, enquanto não for promulgada a reforma destes. A Câmara, mantendo a orientação que vem seguindo, propõe a transferência do preceito para diploma de carácter permanente, por se lhe afigurar, sob todos os pontos de vista, ser esta a solução mais apropriada para um problema posto em 1950.
§ 11.º
Disposições especiais
Artigo 29.º
97. As disposições que por este preceito se mantêm em vigor referem-se: a primeira, à situação dos funcionários consulares quando residam em casas arrendadas pelo Estado em países onde se verifiquem condições sociais e económicas anormais; a segunda, a certas regras a observar nas construções abrangidas pelo Plano de povoamento florestal.
Em relação a ambas, pela sua natureza e continuidade - as disposições mantêm-se há catorze anos-, a Câmara entende igualmente ser conveniente a sua consagração em diplomas de carácter permanente.
Artigo 30.º
98. As considerações produzidas quanto aos dois artigos precedentes aplicam-se inteiramente ao que neste se preceitua.
III
Conclusões
99. A Câmara Corporativa, tendo apreciado o projecto de proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1963, considera que na sua formulação foram observados os preceitos constitucionais e que a sua orientação corresponde às necessidades e condições prováveis da Administração durante aquele ano e apresenta as seguintes conclusões:
1) Dá parecer favorável à aprovação do projecto de proposta na generalidade;
2) Propõe a junção, num mesmo capítulo, dos preceitos dos artigos 3.º e 26.º, cuja inclusão na proposta só é justificada pelo excepcional condicionalismo presente;
3) Chama em especial a atenção para as observações feitas na segunda parte deste parecer a respeito das alíneas o), b), c), §§ 1.º e 2.º do artigo 6.º, dos artigos 9.º, 18.º, 19.º, 22.º e 24.º e § único do artigo 26.º;
4) Propõe a seguinte redacção para o corpo do artigo 12.º:
Durante o ano de 1963 o Governo completará a reforma orgânica e funcional dos serviços de administração fiscal e promoverá a reforma dos tribunais do contencioso das contribuições e impostos adequada ao regime dos novos diplomas e à sua melhor execução e eficiência, de modo a satisfazer, quanto possível, os seguintes objectivos;
5) Propõe a seguinte alteração na alínea a) do artigo 19.º:
a) Fomento económico:
Povoamento florestal e defesa contra a erosão em modalidades não previstas no Plano de Fomento;
Melhoramentos rurais e abastecimento de água;
Fomento da produção mineira e de combustíveis nacionais;
Aproveitamento hidráulico de bacias hidrográficas;
6) Sugere a inclusão no capítulo V - Investimentos públicos de um artigo com a seguinte redacção:
O Governo promoverá a elaboração de um programa nacional de educação e formação no qual se deverá atender às necessidades da Nação nos aspectos científicos, técnico e profissional.
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7) Propõe a supressão, no artigo 27.º, da referência à Direccão-Geral das Contribuições e Impostos, no entendimento de que tal representa uma duplicação do que se dispõe no. artigo 12.º;
8) Julga deverem ser transferidos para diplomas de carácter permanente os preceitos dos artigos 28.º, 29.º e 30.º
Palácio de S. Bento, 5 de Dezembro de 1962.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
António Armando Gonçalves Pereira
Armando Manuel de Almeida Marques Guedes.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Francisco Pereira Neto de Carvalho
Joaquim Trigo de Negreiros.
António Jorge Martins da Moita Veiga.
António Trigo de Morais
Carlos Krus Abccasis.
Eugênio Queirós de Castro Caldas.
Fernando Emygdio da Silva.
Francisco Pereira de Moura.
Luís Quartin Graça.
Manuel Jacinto Nunes, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA