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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76
ANO DE 1963 30 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 76, EM 29 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 74 e 76 do Diário das Sessões.
Deu-se conta ao expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 44 858, 44 859, 44 861 e 44 862.
O Sr. Presidente informou que recebera do Sr. Presidente do Conselho um oficio para que seja retirada da, discussão a proposta de lei relativa ao regime do contrato de trabalho.
O Sr. Deputado Lopes Roseira foi autorizado a depor, como testemunha, a pedido do Tribunal de Menores do Porto.
Foi lida a resposta do Ministério do Ultramar às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Amaral Neto na sessão de 12 de Dezembro do ano passado.
O Sr. Deputado Olivio de Carvalho preconizou a criação de algumas cadeiras e disciplinas na Faculdade de Letras do Porto.
O Sr. Deputado José Manuel Pires referiu-se aos debates na O. N. U. sobre Angola e às suas incidências no País.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso tratou do problema dos funcionários administrativos que são chamados a exercer funções públicas de interesse colectivo e à situação aos regentes escolares.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo recordou a acção dos madeirenses na colonização do planalto da Huila, a propósito do centenário da cidade de Sá da Bandeira.
O Sr. Deputado Martins da Crua preconizou a extensão do ensino para os que possuem o exame da 4.ª classe.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade acerca da proposta de lei de saúde mental.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sim cão Pinto de Mesquita. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
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Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 74 e 75 do Diário d aã Sessões, correspondentes respectivamente às sessões de 23 e 24 do corrente. Se sobre estes não for deduzida qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, estão aprovados os referidos números do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Diversos a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Moura liamos sobre os proprietários dos campos do Lis.
Do presidente da Câmara Municipal das Caldas da Bainha a associar-se ao discurso do Sr. Deputado Dias Correia acerca da lagoa de Óbidos.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 15, 17 e 19 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 18, 21 e 23 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 44 858, que autoriza o Ministério da Justiça a subsidiar, pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, até ao limite de 40 000 000$, a construção de edifícios prisionais ou de estabelecimentos jurisdicionais de menores; n.º 44 859, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma quantia para fundo de manutenção da Cantina Escolar Bernardo do Paço, anexa às escolas do núcleo de Lamas, concelho de Sátão; n.º 44 861, que substitui a lista anexa ao Decreto-Lei n.º 43 295, que designa as mercadorias importadas nas condições do artigo 4.º da Convenção que institui a Associação Europeia de Comércio Livre às quais se aplicarão integralmente as taxas estabelecidas de harmonia com as disposições do artigo 6.º da referida Convenção, e n.º 44 862, que aprova, para ratificação, a Convenção da Organização Internacional do Trabalho n.º 89, respeitante ao trabalho nocturno das mulheres na indústria, revista em 1948.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Sr. Presidente do Conselho, nos seguintes termos:
Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Excelência:
Sendo intenção do Governo considerar de novo os termos a estabelecer para o regime do contrato de trabalho, rogo a V. Ex.ª se digne promover que seja retirada da discussão da Assembleia Nacional a proposta de lei oportunamente enviada sobre o mesmo assunto.
Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos.
A bem da Nação.
Presidência do Conselho, 28 de Janeiro de 1963. - O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
O Sr. Presidente: - O problema é da minha competência e, portanto, considero a proposta de lei sobre o regime do contrato de trabalho retirada da discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Tribunal Tutelar Central de Menores do Porto no sentido de ser posto em condições de depor como testemunha,
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por meio de carta precatória dirigida à comarca de Lisboa, o Sr. Deputado Francisco Lopes Roseira.
Consultado este Sr. Deputado, disse não haver inconveniente em que a Assembleia o autorize a depor. E nestes termos que ponho o assunto à consideração da Câmara.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa a resposta do Ministério do Ultramar à nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Amaral Neto em 12 de Dezembro findo. Vou mandar lê-la.
Foi lida. É a seguinte:
Ministério do Ultramar - Gabinete do Ministro - 220/D/5. - Exmo. Sr. Secretário de S. Ex.ª o Presidente do Conselho:
Em referência ao ofício n.º 3668/62, de 15 de Dezembro último, tenho a honra de prestar a V. Ex.ª os seguintes esclarecimentos acerca das perguntas n.ºs 2 e 3 contidas no ofício n.º 163/VIII da Assembleia Nacional:
Pergunta n.º 2 - Quais são as razões determinantes da actual proibição da cultura do tabaco em Portugal metropolitano?
Embora, e à, primeira vista, a resposta a esta questão pareça ser da exclusiva competência da metrópole, não pode este Ministério deixar de lembrar que existem no Portugal ultramarino extensas zonas com excepcional aptidão" para a cultura de tabacos claros e escuros, pelo que não faria sentido ir desenvolver a sua produção noutras regiões menos aptas. Esta é, aliás, a doutrina também defendida no Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961.
Por outro lado, a cultura do tabaco no ultramar é das poucas que atrai- o agricultor europeu, mercê dos elevados rendimentos que pode proporcionar, e, em consequência, é susceptível de se tornar factor de extrema importância em matéria de povoamento e de enraizamento do colono em terras ultramarinas.
Pergunta n.º 3 - A evolução quantitativa e qualitativa das produções de tabaco no ultramar português c das respectivas exportações para a metrópole permite prever o total abastecimento desta? Para quando?
A evolução quantitativa e qualitativa das produções de tabaco no ultramar português, bem como das respectivas exportações para a metrópole, pode observar-se através dos quadros seguintes:
1) Produção de tabaco em Moçambique (a):
Toneladas
1954-1955 ............... 992
1957-1958 ............... 1 078
1958-1959 ............... 1 446
1959-1960 ............... 1 393
(a) Não inclui a produção de tabacos escuros existente no Sul da província.
2) Produção de tabacos em Angola:
[ver tabela na imagem]
(a) Não inclui a produção do tabaco tipo Ambaca, cujo quantitativo só situa entre as 500 t e as 600 t nos últimos anos.
(b) Estimativa.
(c) Não existe estimativa da produção.
(d) Previsão.
Quanto à evolução qualitativa não se possuem dados globais, mas apenas os relativos a região de Malanje. Assim, a produção de tabaco amarelo neste distrito tem evoluído do modo seguinte:
Produção de tabaco tipo Virgínia na região de Malanje:
Toneladas
1953 ........................... 46
1954 ........................... 116
1955 ........................... 122
1956 ........................... 190
1957 ........................... 297
1958 ........................... -
1959 ........................... 366
1960 ........................... 197
Deve, no entanto, dizer-se que os tabacos deste tipo são largamente cultivados na região de Quilengues-Lola e no colonato da Matala, onde se prevê que a produção de tabacos secos em estufa, atinja um terço da produção global quando esta alcançar as 400 t.
3) Exportações totais de tabaco em folha, em Angola e Moçambique:
[ver tabela na imagem]
4) Exportações de tabaco em folha, em Angola e Moçambique, destinadas à metrópole:
[ver tabela na imagem]
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[ver tabela na imagem]
Os elementos constantes dos quadros anteriores não dão a medida das possibilidades de expansão da cultura do tabaco no ultramar, uma vez que através deles se não pode aquilatar das dificuldades com que esta depara; e no entanto, apesar destas, a produção tem continuado a aumentar. Deste modo, pode afirmar-se claramente que o ultramar tem capacidade pura realizar o pleno abastecimento da metrópole em prazo curto -excepção feita a alguns pequenos quantitativos de tabacos especiais-, desde que sejam preenchidos alguns requisitos essenciais, dos quais o mais importante é, sem dúvida, a existência de uma colaboração íntima e construtiva entre a indústria tabaqueira metropolitana e a agricultura ultramarina, em especial no sentido de a primeira indicar à segunda as quantidades de ramas de tabaco, especificadas por qualidades classificáveis, que normalmente necessita adquirir em cada ano. A ausência desta colaboração aliada a uma descoordenação das compras ao produtor, comercialmente aceitável, mas que desencoraja a agricultura - bem visível, aliás, no quadro das exportações para a metrópole -, são os factores de base que limitam a expansão da cultura de tabaco no ultramar e impedem o êxito de qualquer planificação dessa expansão.
Quanto à resposta à segunda parte da pergunta n.º 3) Para quando?, dependerá em última análise da possibilidade de eliminação dos factores limitativos u que acima se faz referência; de outro modo o ultramar continuará apenas a vender às fábricas metropolitanas o mínimo que estas são obrigadas a adquirir-lhe, de acordo com o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 41 386, de 22 de Novembro de 1957, ou seja «20 por cento do peso total das ramas consumidas anualmente pelas respectivas fábricas», mau grado todos os esforços envidados pelo Ministério das Finanças para aumentar tal quantitativo.
Apresento a V. Ex.ª atenciosos cumprimentos.
A bem da Nação.
Gabinete do Ministro do Ultramar, 23 de Janeiro de 1963. - O Chefe do Gabinete, (Ilegível).
Está conforme.
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho, 28 de Janeiro de 1963. - O Chefe da Repartição Administrativa, José António Guerreiro de Sousa Barriga.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Olívio de Carvalho.
O Sr. Olívio de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª a palavra para, através de leve apreciação às considerações que se fazem no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43 864. de 17 de Agosto de 1961, que criou a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, justificar o pedido que vou formular no sentido de se dotar aquela Faculdade com as secções de Filologias que lhe faltam, para cabal desempenho da missão que lhe incumbe no plano universitário e no âmbito da sua acção formativa do escol social, cultural e profissional da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao criar a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, julgou talvez o Governo que tinha resolvido aquela tão pertinaz aspiração da capital do Norte, ardentemente solicitada, no desejo de ver o estudo das humanidades incorporado na sua prestigiosa Universidade, e teria certamente correspondido a essa expectativa se tivesse promulgado a instituição de uma Faculdade, completa, nos moldes das suas congéneres de Coimbra e de Lisboa. Infelizmente tal não aconteceu.
Embora em funcionamento, a nova Faculdade não pode considerar-se apta a dar solução aos problemas que foram postos no preâmbulo do decreto-lei, quer no âmbito particular dos interesses locais, quer no plano mais vasto da sua função específica, ou seja na integração de uma verdadeira cultura humanística.
No referido preâmbulo aduziram-se três razões para fundamentar e justificar ao mesmo tempo a oportunidade da criação da nova Faculdade, e são as seguintes: «satisfazer uma aspiração tão veemente como persistentemente expressa pelo Norte do País e, em especial, por aquela cidade»; «resolver problemas suscitados pela superlotação das duas Faculdades existentes»; corresponder aos «imperativos que se ligam à própria instituição universitária». Postas estas premissas, fácil era de calcular que efectivamente a Faculdade de Letras viesse a corresponder àquelas determinantes, mas logo se verificou que assim não sucedeu.
Se, por um lado, as gentes do Norte compreenderam a boa vontade do Governo e lhe estão agradecidas por se ter dado ao Porto a Faculdade que lhe faltava, se em muitos jovens se avivaram esperanças de prosseguirem estudos superiores na nova Faculdade, por não terem recursos económicos para se deslocarem para Coimbra ou Lisboa, a verdade é que a escolha do curso de Letras ficou limitada apenas a duas secções, que nem todos desejam seguir ou para as quais não sentem gosto ou vocação. Assim, além do curso de Ciências Pedagógicas, só as licenciaturas em Filosofia e em História abrem horizontes aos jovens que concluam as cadeiras da alínea d) do 3.º ciclo dos liceus.
Por outro lado, não se fez no preâmbulo do decreto-lei a menor referência ao interesse imediato e utilitário da preparação e formação de professores do ensino secundário, de que o País tanto precisa. Não deixaremos, porém, de assinalar, como factor predominante da existência da Faculdade de Letras do Porto, aquele objectivo, que consideramos fundamental, se atendermos a urgente necessidade de preparar intensivamente o maior número possível de agentes de ensino para os liceus e escolas técnicas.
Nas considerações preambulares do decreto-lei que regulamenta o funcionamento da nova faculdade invocam-se opiniões autorizadas de professores consagrados, filósofos e pedagogos que reconhecem uma tríplice função nas Universidades: «preparação profissional; investigação científica; ensino cultural». Mas estas funções, embora correspondam ao parecer unânime de quantos foram chamados a fazer o seu depoimento, não foram inteiramente consideradas no critério que presidiu à escolha das secções com que abriu a nova Faculdade. Também se não atendeu
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aos princípios em que se basearam as conclusões da Conferência Internacional de Utrecht, de 1948, que no referido preâmbulo vêm citadas, nos seguintes termos: «há certos domínios do conhecimento humano, tais como as línguas, a filosofia e a história da civilização, que todos os estudantes, qualquer que seja a sua especialidade, devem ser obrigados a estudar e a discutir; é preciso que estas matérias encontrem lugar em todos os programas de todas as universidades».
Como se vê, as línguas ocupam um lugar de primazia no curriculum das matérias fixadas por aquela Conferência Internacional, e não se compreende como foram excluídas, depois de se ter acentuado a sua importância como elemento de indiscutível valor na formação integral de uma verdadeira cultura universitária.
Era de esperar que, em conformidade com a doutrina exposta, a nova Faculdade surgisse completa, tal como as suas congéneres de Coimbra e de Lisboa, e não limitada apenas aos estudos históricos, filosóficos e pedagógicos. Foram eliminadas precisamente as secções de Filologia Clássica, Românica e Germânica, de que no momento actual se faz sentir mais a falta de licenciados para o exercício de funções docentes. Esclareceu-se no preâmbulo que essa limitação se impunha por «dificuldades de recrutamento do pessoal docente para os outros ensinos», mas afinal, idênticas dificuldades se verificaram no preenchimento dos lugares de professores das duas secções criadas e do curso de Ciências Pedagógicas, porquanto não houve concorrentes catedráticos nem candidatos a professores extraordinários e o recrutamento teve de ser feito na categoria de professores encarregados de curso.
Em face desta ocorrência, parece poder concluir-se que as restantes secções que importa incluir no plano da nova Faculdade poderão ser entregues a professores contratados em condições idênticas e não faltarão candidatos idóneos e profissionalmente competentes para assegurarem um ensino que corresponda às exigências do nível universitário.
A Faculdade de Letras do Porto não pode, apenas com duas secções, satisfazer os interesses da gente do Norte e da sua capital, nem veio resolver os problemas de superlotação das outras duas Faculdades, e muito menos corresponde aos imperativos que se ligam à própria essência das instituições universitárias.
A carência de unidades docentes para o ensino liceal e técnico é cada vez maior, acentuadamente nas secções de línguas. A falta de professores de Francês é verdadeiramente impressionante. Já o assinalámos na intervenção que fizemos nesta Assembleia em 6 de Fevereiro do ano passado. Dissemos então que cerca de 50 professores de serviço eventual tinham sido chamados para ocupar lugares do 2.º grupo dos liceus, embora nenhum deles tivesse a habilitação exigida, mas apenas cadeiras do respectivo curso ou, quando muito, todas as cadeiras sem a licenciatura, e no ano lectivo que decorre as dificuldades de recrutamento foram ainda maiores, dado o aumento de frequência, que excede as disponibilidades de pessoal docente. O número muito limitado de licenciados em Filologia Românica que as duas Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa entregam ao País em cada ano é insignificante para as necessidades do ensino, não só oficial, mas também particular. Por isso, a existência daquela secção na nova Faculdade viria naturalmente dar um contributo importante de novos licenciados, visto que a região do Norte do País deixa de mandar para Coimbra e Lisboa muitos jovens que, terminado o 3.º ciclo dos liceus, não possuem meios para prosseguir estudos superiores naquelas cidades. Actualmente só lhes resta a alternativa de cursar História ou Filosofia, a que muitas vezes são forçados por não terem outra saída. Daqui resultam lamentáveis desvios vocacionais, com graves prejuízos para as actividades profissionais, onde hão-de reflectir-se necessariamente as consequências de carreiras contrariadas.
Ponderadas todas estas circunstâncias e considerados os interesses dos habitantes da cidade do Porto e da região nortenha, visando o interesse nacional no que respeita à formação de professores do ensino secundário de que o País tanto carece para educar as gerações que hão-de formar o escol profissional e técnico da Nação, apelamos para o espírito de compreensão do Sr. Ministro da Educação Nacional no sentido de promulgar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto a criação das secções de Filologia Clássica, de Filologia Românica e de Filologia Germânica, das disciplinas destinadas à preparação de professores do 1.º grau do ensino técnico elementar, do 8.º grupo e das cadeiras para as licenciaturas em Ciências Geográficas e de professores de Desenho dos
liceus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem nos parece difícil a solução imediata deste problema, porquanto no próprio preâmbulo do decreto-lei ficou explicitamente aberto o caminho para o alargamento de outras secções, como se deduz destas palavras: «Não fica, porém, excluída a hipótese de, através de revisões que as circunstâncias venham a permitir, se estabelecerem novos cursos - os que são professados nas escolas congéneres ou cursos diferentes».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: preso por uma estreita faixa de terra atlântica à Europa, voltado em corpo e alma para o mar, que, definindo-o, lhe marcou para sempre o destino, radicado e amadurecido no solo ardente dos trópicos, Portugal pertence inteiro, por vocação e por história, ao ultramar; e, fora da sua perspectiva ultramarina, nada conseguiremos entender do sentido ecuménico da sua vida de grande povo civilizador.
O Sr. Lopes Roseira: - Muito bem!
O Orador: - Quantos um dia lá chegámos, pela vez primeira, alargando o olhar por esse mundo de espanto, que o nosso génio étnico chamou da noite do desconhecido, da selva ou da barbárie, sentimo-nos com certeza mais portugueses que nunca e passamos a olhar a velha metrópole, berço de heróis e matriz de mundos, com um orgulho e com uma ternura bem mais fundos.
Vejo-os, assim, agora, todos os acontecimentos, passados ou presentes, do nosso viver colectivo. Venham donde vierem, tragam-nos até nós asas de ventura ou de desgraça, aparecem-me sempre integrados na dimensão pluricontinental e multirracial da Pátria.
Mesmo com os pés nesta formosa terra lusíada de Lisboa, imagino-me além-mar (Macau, Timor, índia, Moçambique, Angola, S. Tomé e Príncipe, Guiné e Cabo Verde) e não sou capaz de encontrar outra mundividência para apreciar o que é nosso. Sei que não se trata de qualquer deformação visual que uma permanência razoàvelmente longa no nosso ultramar acabasse por criar. Quanto
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mais interrogo a história do documento vivo e da verdade, mais ela me responde que piso a terra segura.
Acompanhei, com toda a Nação, os últimos debates da O. N. U. sobre o nosso ultramar em geral e sobre Angola e Moçambique em particular. Mas segui-os com a alma posta lá, sobretudo naquela maravilhosa cidade de Lourenço Marques, fascinante de belezas e pletórica de selvas criadoras. E que ressonância eles encontram em nós, quando os ouvimos dentro desse horizonte de grandeza incomparável. Escutando as afrontas ou guardando connosco as raras palavras de justiça, experimentamos uma revolta ainda mais veemente e toca-nos uma alegria bem mais intensa.
E este sentimento não é só de privilegiados ou de sonhadores que os factos ultrapassassem. Envolve-nos, por igual, a todos quantos, dentro da cidade ou através do interior imenso, na escola, na repartição, na oficina, na fábrica, na machamba, conhecidos ou anónimos, prolongamos Portugal, no tempo e no espaço.
Um facto novo, em que há meia dúzia de meses poucos acreditariam, nos trouxe a Assembleia Geral das Nações Unidas este ano. Andávamos habituados a contar ao nosso lado apenas a cavalheiresca Espanha e a África do Sul, companheira indomável de caminhos africanos.
Os aliados mais velhos, e os que pareciam mais firmes, não raro a saborear junto de nós as agruras das mesmas injustiças, condenavam-nos também; desinteressavam-se da nossa tragédia, abstendo-se ou voltando-nos as costas.
Pela, primeira vez, a compreensão do Ocidente, no que ele conta qualitativamente em prestígio, em inteligência, em cultura, até mesmo em hegemonia política, esteve connosco.
Como oportunamente sublinhou o nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, se aos votos positivos somarmos a maioria das abstenções, pesando bem o verdadeiro alcance da sua intencionalidade, então havemos de reconhecer, lisamente, que a nossa vitória foi, de facto, estupenda.
Como homem do ultramar, apodera-se de mim (como, aliás, de todos quantos lá mourejam, no suor generoso da sua fronte) um júbilo indizível, ao reconhecer que não foi vã a nossa teimosia em continuarmos, ante a deserção e a covardia de uma Europa traída, e que o sangue vertido pelos nossos heróicos soldados, para que Angola continue portuguesa, começa a falar mais alto do que o batuque demoníaco da mentira de todos os traidores contra nós lançados por Moscovo. Quem pode reler, sem uma onda de revolta, os profectas internos da covardia que nos aconselhavam o abandono ou a contemporização, que era o caminho aberto e irremissível da capitulação inevitável?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acusavam o Governo de cega teimosia, atacavam a nossa diplomacia de imobilismo, censuravam a nossa quebra de prestígio internacional. Mas aí nos chega esta eloquente vitória das Nações Unidas a evidenciar de que lado falava a sabedoria; se dos responsáveis pela vida da Nação, que nos mandavam aguentar na terra firme dos séculos, ou dos que só pensavam em fugir, covardamente, com vidas o haveres.
A nossa história diplomática há-de registar um dia este acontecimento como um dos seus triunfos mais expressivos. Por isso, não posso deixar de prestar aqui o testemunho muito sentido da mais viva gratidão aos dois estadistas que reputo os maiores obreiros deste altíssimo feito: o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou certo de que esta Câmara e Portugal inteiro, particularmente o nosso querido ultramar, vivem comigo, ardorosamente, este mesmo sentimento de gratidão e de justificado regozijo. Mas importa ir mais longe, tirando deste grande facto as ilações que se me afiguram essenciais e decisivas na conjuntura nacional que estamos vivendo. Se pudemos salvar Angola, se abandonados suportámos o ataque frontal do mundo comunista e afro-asiático, se a opinião das grandes potências ocidentais começa claramente a manifestar-se a nosso favor, tudo se deve à unidade admirável que a Nação manteve na hora adversa: firmeza ao leme do comando, sem olhar a críticas insensatas ou pessimistas; coesão das forças armadas e dos voluntários empenhados na luta homérica; compreensão estreme de todos os bons filhos da Pátria em calar desentendimentos acidentais, para salvarmos, num esforço conjunto, a grandeza espiritual e territorial que nos foi legada pelos nossos maiores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poucas vezes um povo terá respondido tilo unanimemente ao sacrifício total que se lhe pediu.
Não chegámos ainda ao fim da batalha. Teremos, certamente, de enfrentar árduos combates nos dias que nos esperam. E o pior inimigo não mora, contudo, longe; vive connosco, está, por vezes, dentro de nós próprios.
Quem não ouve por aí os super-homens de café a amofinar as intenções mais puras e a denegrir os factos mais irrefutáveis, pretendendo instilar o cepticismo mais corrosivo na alma generosa e boa da nossa juventude, tanto da que na metrópole trabalha e estuda, como até da que, abnegadamente, se bate sem um assomo de cobardia, levada pelo santo orgulho de verter o sangue por Portugal, através do nosso vasto império ultramarino?
Estejamos, pois, todos atentos a essas criminosas manobras das forças de subversão, acoitadas na sombra, c saibamos conjurá-las a tempo, onde for preciso.
O ultramar carece de reformas urgentes e profundas no campo administrativo, no apetrechamento económico e industrial, na educação, na cultura e na promoção social e económica das suas populações nativas. Passou, felizmente, a idade dos preconceitos da «costa de África», em que para lá se expedia o que aqui não servia, ou saía castigado, a cumprir penas. Compreendeu-se, felizmente, há muito, que urge mandar-nos o melhor e só os mais sérios e bem preparados. É a política da sabedoria e da redenção. Neste momento crucial em que a metrópole oferece aos nossos territórios de além-mar a flor maravilhosa da sua juventude para os defender de armas na mão, é imprescindível que em tudo a nossa África ocupe o primeiro lugar, em todos os outros campos do pensamento e da acção, se queremos de facto salvá-la e, com ela, salvar a própria Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não incidamos em erros que tão fundo cavaram a nossa desgraça; tenhamos a boa coragem de sanear o que ainda esteja corrompido, sem olhar a nomes, nem a situações, nem. a interesses criados. A Pátria pertence a todos, é certo; e, lá como aqui, só o bem comum de todos os portugueses dignos de tal nome nos deve mover.
Esta Câmara não tardará a debruçar-se, toda ela, e não já apenas os Deputados ultramarinos, sobre problemas vitais do nosso ultramar. Quanto lamento que a sugestão aqui levantada por mim na sessão legislativa do ano tran-
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sacto, de que todos os ilustres Deputados desta VIII Legislatura visitassem Angola e Moçambique, se não tivesse concretizado!
Esperemos que supram no estudo o conhecimento directo das realidades, para que esse debate resulte num alto serviço aos nossos irmãos, que vão aumentando a grandeza da Pátria além-mar.
Cada um de nós meditará maduramente os mais graves problemas que forem apresentados a esta Câmara. Esta Casa é, na verdade, o cenáculo da verdadeira liberdade de expressão de pensamento, sem dogmatismos que não se justifiquem.
Se todos formos capazes desta batalha disciplinada da inteligência e da vontade; se cada português, a começar por nós, souber colocar sempre acima do que nos desune episodicamente a inadiável necessidade de salvaguardar a glória da Pátria, na mais perfeita unidade territorial, política e governativa; se procurarmos bater-nos com toda a energia do nosso braço ou da nossa inteligência, dentro da arena que nos tocou em sorte, contra todos os inimigos de dentro e de fora, a vitória final há-de chegar. E, então, outra vez daremos novos mundos ao Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para deixar aqui dois apontamentos:
O primeiro refere-se aos funcionários administrativos que chamados ao exercício de funções públicas de interesse colectivo perdem em antiguidade para efeito de aposentação o número de anos durante os quais as exercerem. Exemplifico: se um funcionário de um corpo administrativo for chamado para presidente de uma câmara municipal e nesse cargo estiver oito anos, a lei não permite que continue a descontar para a Caixa Geral de Aposentações nem contar, portanto, esses oito anos para a sua aposentação. Se for funcionário do Estado, terá possibilidade legal de em idênticas circunstâncias continuar a contribuir para a Caixa Geral de Aposentações e ser considerado para tal efeito o número de anos em que ao serviço da colectividade exercer outras funções públicas. Esta desigualdade de situações que, se não abrange um número volumoso de funcionários administrativos, prejudica alguns, merece ser considerada pelo Governo e ser objecto de um decreto-lei.
O outro apontamento refere-se ao caso dos regentes escolares, várias vezes tratado nesta Assembleia e a que há poucos dias se referiu com realismo o Dr. Augusto Simões. E longa a história destes agentes de ensino primário a quem muita gente em Portugal ficou devendo o saber ler e escrever.
Os postos escolares e os regentes escolares que os haviam de guarnecer foram criados pelo Decreto n.º 20 604, em 1931, para levar o ensino primário do 1.º grau aos pequenos agregados populacionais com um número de crianças que não chegava para a lotação mínima de uma escola.
Em 1941 é autorizado o ensino da 4.ª classe nos postos escolares distantes das escolas primárias. Podiam ser criados por iniciativa do Ministro da Educação Nacional ou a requerimento de um corpo ou corporação administrativa ou ainda de dez contribuintes. Os postos abriam se assegurada a matrícula de quinze alunos para os cursos diurnos e de dez para cursos nocturnos, podendo funcionar desde. que existisse um só destes cursos ou dois.
A lei fixou minuciosamente o funcionamento dos postos e regulamentou o seu provimento, criando-se quadros de regentes efectivos e agregados.
O aumento crescente da população escolar e a entrada em funcionamento de novas escolas ultrapassou o rendimento em novos professores das escolas do magistério do País. Algumas escolas em localidades distantes não encontravam professores que a elas concorressem.
Em 1940 - era Ministro da Educação Nacional o Prof. Mário de Figueiredo - verifica-se que há grande falta de professores, por razões que não interessa pormenorizar. O Decreto n.º 30 951, de 12 de Dezembro de 1940, permitiu efectuar numa situação quase de emergência o recrutamento-relâmpago, como então se dizia. Eram admitidos a candidatos a professores primários os indivíduos com o 2.º ciclo dos liceus ou equivalente, mediante um exame de aptidão. Frequentavam um estágio de seis meses sob a direcção de professores metodólogos, ao fim do qual prestavam provas, passando, se aprovados, a um quadro de agregados provisório. Ao fim de um ano de bom e efectivo serviço ingressavam definitivamente no quadro de professores agregados. A campanha contra o analfabetismo dirigida a adultos e crianças, reduzindo rapidamente uma das manchas negras do nosso país, e que ficou a dever-se ao Dr. Veiga de Macedo, ainda fez acentuar a necessidade de mais agentes de ensino.
O Decreto-Lei n.º 33 019, de 1 de Setembro de 1943, autorizava, para ocorrer à insuficiência de professores primários, que os regentes escolares pudessem ser chamados a prestar serviço não só em postos escolares mas também em escolas primárias, desde que tivessem o mínimo de dezoito meses de bom serviço ou o 1.º ciclo dos liceus e houvessem dado provas de competência pedagógica, zelo pelo ensino, bom rendimento escolar e condições de prestígio pessoal.
Criados os postos escolares há 31 anos com carácter transitório, há 31 anos que os regentes ensinam; passaram daí em 1943 para escolas primárias de difícil provimento, usufruindo nesse caso remunerações idênticas às dos professores, e ainda em 1961 realizaram-se exames para admissão nos respectivos quadros de novos agentes de ensino deste tipo.
Os regentes escolares só podem exercer o seu cargo até aos 70 anos, como qualquer funcionário, mas não têm direito a aposentação, seja qual for o número de anos de serviço que prestem.
Não descontam, assim, qualquer importância para a Caixa Geral de Aposentações. Não têm diuturnidades, ao contrário dos professores primários. Não beneficiam da lei geral da assistência aos funcionários civis tuberculosos, nem descontam a taxa para isso. Se atingidos na tuberculose, não têm qualquer protecção.
Tentou-se transformar uma parte dos regentes escolares em professores primários, facilitando o seu ingresso como alunos nas escolas do magistério primário, se tivessem menos de 35 anos e o 5.º ano dos liceus, dando-se-lhes dispensa de exame de admissão, isenção de propinas e mantendo a sua remuneração durante o curso.
Procurou-se, por outro lado, à medida que o número de professores primários aumenta, colocar como contínuos em estabelecimentos escolares os regentes que só possuíam o 1.º ciclo dos liceus, adentro da exiguidade de vagas. Aos que tinham só a 4.ª classe do ensino primário nenhum benefício se lhes pôde atribuir. Estas disposições só atingiram assim uma pequena parte dos regentes escolares.
Parece que em 1962 terminaram os exames para novos regentes e que a orientação a seguir será a de não aumentar mais o seu número e incrementar a formação de professores primários.
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A situação dos que estão actualmente em funções será econòmicamente grave para muitos à medida que forem sendo dispensados do serviço ou atinjam o limite de idade.
É para este aspecto que me permito chamar a atenção do Governo: quanto à necessidade urgente de prever e estabelecer um sistema de aposentação, já que há regentes com mais de 20 anos de serviço, com filhos numerosos, que dedicaram grande parte da sua vida ao serviço da Nação ensinando a ler milhares e milhares de portugueses, em localidades isoladas, lutando com dificuldades de transporte e levando uma vida profissional exemplaríssima.
Eles têm sido notáveis colaboradores da luta contra o analfabetismo. Ao fim de muitos anos de exercício não saberão nem poderão exercer outra profissão. O Estado despedi-los-á sem qualquer protecção, como não os protegeu na doença nem sequer na tuberculose, ao contrário de qualquer operário permanente inscrito nos quadros da previdência.
Essa possibilidade de aposentação, que é o problema mais importante para os regentes escolares, poderia ser concedida através de reembolso à Caixa Geral de Aposentações, durante um período longo de prestações.
Sr. Presidente: o caso dos regentes escolares é pormenor de um problema mais genérico e mais importante: o das muitas situações de injustiça existentes adentro dos quadros do Ministério da Educação Nacional provocado pela escassez de verbas. E, este ainda, um capítulo de outro problema mais genérico ainda: no Orçamento Geral do Estado, a percentagem atribuída à saúde e à educação está muito abaixo do que é indispensável e da que lhe dedicam muitos países progressivos.
Isto que acabo de dizer, encontrando recente justificação nas despesas excepcionais da nossa defesa militar, nem por isso deixa de ser realidade.
Parece que na ordem dos valores e do tempo há que dar certa prioridade à reparação dessas situações a que me refiro. E o caso da insuficiente remuneração do professorado, que levou ao enorme predomínio do sexo feminino nos quadros docentes do ensino secundário. E o caso da pequenez dos quadros do professorado efectivo do ensino secundário e técnico. Sabe-se há muito que os quadros dos liceus e escolas técnicas são definitivamente insuficientes para as necessidades normais do ensino, e usa-se e abusa-se de permanentemente contratar professores provisórios, extraordinários ou agregados a quem não se paga as férias, a quem se desconta para a aposentação, mas a quem se fechou completam ente a possibilidade de aposentação. E todavia a lei obriga os colégios particulares a pagar as férias grandes a todos os professores que contratem.
Nestas notas de crítica - e creio que a crítica construtiva à Administração e à governação é a grande profilaxia dos oposicionismos - não ignoro as dificuldades financeiras de momento. Todavia os problemas directamente humanos devem, cada vez mais, ter prioridade nas preocupações dos que governam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: a cidade de Sá da Bandeira acaba de comemorar mais um aniversário da sua fundação, ou seja da chegada ao planalto da Huíla dos madeirenses que haviam de iniciar o período mais fecundo do aproveitamento e colonização das fascinantes e prometedoras terras do Sul de Angola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Diversas tentativas, umas infrutíferas, outras perigosas, haviam sido feitas para abrir à colonização branca essas extensas e ricas regiões da nossa África portentosa.
Depois de diversos estudos e tendo em vista a necessidade imperiosa, perante ambições estranhas, de. confiar a portugueses uma missão, de fins duplamente económicos e políticos, escolheu-se gente da Madeira para a realização da primeira fase desse grande empreendimento.
A Madeira havia sido descoberta quando se procurava contornar a África e se adivinhava já o caminho das Índias. Tinham decorrido então quatro séculos e meio, o nome de Portugal havia chegado aos confins do Mundo, o Brasil era já uma grande nação, para a África se voltavam de novo os olhares e as atenções de todos quantos não haviam perdido a fé na vocação e nos destinos de uma Pátria.
Padrão glorioso das nossas descobertas, a Madeira era, nessa época, uma notável afirmação de extraordinárias qualidades de perseverança e de trabalho. De uma ilha virgem fizemos uma terra rica e agricultada, aproveitando-a de norte a sul, pedaço a pedaço, socalco a socalco, sem que, através dos tempos, se tenha perdido um dia ou esmorecido uma hora.
E lá estava, em pleno oceano, e lá continuará pelos séculos fora, enamorada de si própria, envaidecida da sua gente, proclamando uma dupla vitória: a vitória do homem, na sua luta contra a natureza, a vitória de Portugal, no cumprimento das suas tarefas e da sua missão de sempre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em 1884 algumas dezenas de famílias madeirenses deixavam a sua terra rumo a Moçâmedes, no transporte Índia. Uma vez em Angola, fazem a travessia dura do deserto de Kalahari, sobem a serra da Cheia, vencem todas as agruras e dificuldades, atingem o Lubango e em fins de Janeiro de 1885, há precisamente 78 anos, o chefe pioneiro D. José da Câmara Leme proclama oficialmente instalada a colónia de Sá da Bandeira.
Ali se afirmaram, mais uma vez, as qualidades natas dos portugueses para as grandes tarefas da colonização e do povoamento: vontade indomável, espírito de renúncia, ânimo forte, confiança inabalável no futuro. E quando colonos de origem estranha tentavam dominar pela força o indígena, desrespeitando as leis do Estado, fazendo, por vezes, justiça pelas suas- próprias mãos, os colonos madeirenses procuravam impor-se pela persuasão, pelo trato amigável e generoso, na revelação daquela bondade e daquele espírito de assimilação com que atraímos tantos povos à nossa civilização e à nossa fé.
A paixão pela agricultura, a pequena propriedade, a sobriedade de costumes, os hábitos, os sentimentos que os povoadores da Madeira tinham levado do Minho e de outras províncias nossas transplantaram-se, de novo, para a África Portuguesa, com as inovações e caracteres resultantes de mais de quatro séculos de vida insular.
Não correram fáceis os primeiros tempos da colonização no planalto da Huíla. Foi necessário desbravar o mato, abrir clareiras na floresta, construir levadas no sistema da Madeira, traçar caminhos, experimentar as primeiras sementes com aquela esperança com que o fazem os que são verdadeiramente afeiçoados à terra.
Num meio desconhecido, rodeados de ameaças, perigos e incertezas, outros mais timoratos se teriam, de início, dado por vencidos. Viram, por vezes, as suas culturas
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destruídas pelas intempéries, chuvas copiosas ou secas prolongadas, tiveram de fazer ensaios e experiências, agricultar terrenos virgens e, alguns, de começo, de fraco rendimento, lutar, depois, com falta de mercado para uma produção obtida à custa de tanto esforço e de tanto sacrifício.
Mas nunca perderam o ânimo nem abandonaram a tarefa que lhes havia sido confiada. Após a sua chegada, os colonos abrigaram-se em simples barracões, em local que tem este mesmo nome, e improvisaram uma capela e uma escola. Puderam, assim, rezar as suas orações e venerai-os mesmos santos em cujo culto foram embalados na sua ilha natal. As crianças puderam também, sobretudo depois da chegada da Madeira do professor João Geraldo Gonçalves, aprender a ler e a escrever a sua língua, para que ela perdurasse para sempre nas novas e vastas terras que se iam abrir à colonização branca.
Passado pouco tempo, cada família tinha a sua habitação, a sua leira de terra, o seu gado.
Uma grande obra de colonização estava lançada. Outros colonos se juntaram depois aos pioneiros; a povoação de Sá da Bandeira foi-se expandindo e foi crescendo; em 1901 era elevada a vila, e em 1923 a cidade.
Da velha e modesta colónia de Sá da Bandeira, onde ao longo dos caminhos a água das levadas entoava todas as manhãs o seu cântico criador, fez-se uma das mais belas cidades angolanas, bem portuguesa pelos seus caracteres, fisionomia e sentimentos da sua população.
E hoje importante centro de comunicações e de povoamento, fulcro de actividades progressivas nos mais diversos sectores da produção e do trabalho, da instrução e da cultura.
Na história da sua fundação e do seu crescimento, a cidade de Sá da Bandeira não só atesta e ilustra todo um conjunto de qualidades e de métodos mas também a razão e o direito que nos assistem quando nas grandes assembleias internacionais procuramos justificar com factos os fundamentos de uma política ultramarina a que nos mantemos inalteràvelmente fiéis.
A empresa dos Descobrimentos foi uma obra prévia e longamente estudada e planeada e da qual resultou, em grande parte, a construção do mundo moderno. A colonização dos territórios descobertos foi outro empreendimento realizado com o sangue e a fazenda da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando os colonos portugueses chegaram ao Huíla tudo estava abandonado: a selva à sua grandeza, a terra ao seu destino milenário. Sem ferir interesses, sem sacrificar inutilmente vidas, como tantos outros fizeram, sem preconceitos raciais, realizámos uma epopeia de trabalho, bem digna da epopeia das descobertas. Os pioneiros que deixaram a sua ilha e os seus haveres, aos quais estavam profundamente vinculados, pelo interesse e pelo afecto, trocando uma existência tranquila por uma vida dura, deram ao ultramar tudo o que o homem tem de mais valioso e de mais nobre: a alma, a dedicação, o trabalho, na persuasão íntima e sincera de que se era diferente a terra onde iam fixar-se era, no entanto, a mesma a Pátria à sombra de cuja bandeira iam acolher-se.
Esta convicção profunda da unidade da Nação, que desde há séculos se arreigou no íntimo e na consciência do povo português, é a mais forte armadura que nos cobre contra os ataques dos que, não tendo o privilégio e a ventura de pertencerem a uma verdadeira pátria ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... negam o direito e a razão daquela que é das mais nobres e antigas entre todas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: o Prof. Leite Pinto, que mal conheço mas muito admiro, e que, como homem público, vale sempre uma esperança fecunda, tem o condão de envolver os departamentos da vida nacional que lhe são confiados num clima de sadio optimismo e de alentadoras perspectivas que logo agitam o espírito de quantos anseiam por mais e melhor.
Na lição que fora da cátedra há dias proferiu, ao tomar conta da reitoria da Universidade Técnica de Lisboa, ratificou nessa constante o seu feitio de salutar audácia frente a problemas que tocam nas raízes do futuro da Pátria e que talvez por isso parecem meter medo aos de alma de pouca fé que andam a escondê-los para não se assustarem ...
De quantos recortou, a vincar a missão da Universidade Técnica, que, em discordância, aliás, com as teses mais vulgarizadas, entendeu no conceito mais necessário à reconstrução integral do homem que a nossa idade exige, o Prof. Leite Pinto, de acabada formação a um tempo técnica e humanista e que não se assusta com os problemas e por isso os não esconde, regressou a uma das mais incisivas preocupações do seu tempo de responsável maior pela educação nacional - a culturização das massas populacionais da Nação para lá da instrução primária, que esta a obtivera com assinalado êxito na história da educação nacional o nosso ilustre colega Dr. Henrique Veiga de Macedo.
O novo reitor, com a profunda sagacidade que é timbre das suas declarações programáticas, logo marcou uma como que finalidade realista à alongada e generalizada instrução de base - é que dela depende, em primeiro grau. o progresso económico do País.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - «Tenho repetido com demasiada insistência - disse o Prof. Leite Pinto - que um escol é o resultado de uma escolha feita sucessivamente em vários níveis da população, mas interessando-a toda. Só desta forma são possíveis os diálogos entre as várias camadas sociais.
A Universidade só constitui uma elite do pensamento quando a eleição dos valores humanos se fizer entre todos, e não apenas entre alguns.
O problema n.º 1 de qualquer desenvolvimento económico - prosseguiu - é o da instrução prolongada de todo um povo. A mão-de-obra especializada não se pode criar num país sem instrução de base generalizada».
Estas afirmações do antigo Ministro da Educação Nacional não são novas e, aliás, o seu ilustre autor bem assinala que as vem repetindo com demasiada insistência.
Direi, no entanto e antes de mais, que nem por isso elas terão ultrapassado a barreira orçamental que aí, sobretudo, define o muro intransponível que cerca e defende o templo augusto da deusa Verba, que, feminina como é, sempre apreciou mais o imponente e fero Marte do que a débil Minerva ...
Embora não sejam novas, mas repetidas, os anos não lhes roubaram infelizmente a oportunidade, já que as soluções que nelas se desejam continuam hoje, como quando foram ditas pela primeira vez, no limbo dos propósitos que não lograram o sol da vida!
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A eleição dos valores humanos que hão-de formar o esciol da Nação, proclama o Prof. Leite Pinto, tem de fazer-se entre todos, e não apenas entre alguns.
Eu não sei que seja possível pensar ao invés, tão evidente, tão claro, tão conveniente, tão conforme com a natureza das coisas divinas e humanas é o acerto. Não sei.
Mas sei que, dito e redito ele, não estamos a procurar alcançá-lo com a indispensável e possível diligência.
E isso me dá tristeza e me dá pena.
Pena e tristeza que mais crescem quando reparo que naquela eleição não entram senão 20 por cento dos portugueses. Os restantes 80 por cento nem sequer suspeitam do inalienável direito que neles mora a nela entrarem também.
Porém, sei-o, e, porque o sei, aqui o clamo, se não para que o oiça quem deve, ao menos para que a minha consciência sossegue no remorso que nela ficaria se calasse o que ela sente e a atormenta.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muitíssimo bem!
O Orador: - Em 1870, há, pois mais de 90 anos, o Ministro dos Negócios da Instrução, D. António da Costa de Sousa Macedo, redigiu o apresentou a el-rei, que a aprovou, uma reforma, da instrução pública que tornava obrigatório o ensino «para todos os portugueses de ambos os sexos desde a idade dos 7 aos 15 anos, sendo a frequência, escolar permitida a partir dos 5»!
Extraordinário governante! Visionário, lhe terão chamado.
A política menor, a política sem objectivo nacional, a que vive dos expedientes, habilidades e ajustamentos pessoais c das conveniências circunstanciais, então em plena euforia, e que aparece, aliás, em todas as épocas, impediu que tal reforma triunfasse.
Se houvesse logrado êxito, ter-nos-ia colocado entre os poucos povos da Europa que, naquela época haviam tomado já a dianteira no sector da educação e ter-nos-ia garantido hoje um lugar ao nível da Suíça, da Holanda ou da Suécia, por exemplo. Com ensino obrigatório até aos 15 anos e desde há quase um século, reconhecidas como são as faculdades extraordinárias de trabalho, de aptidão e de inteligência do português, onde estaríamos nesta, segunda metade do século XX? Quantos seríamos profissionalmente instruídos em Angola. Moçambique e Guiné? Com ensino obrigatório até aos 15 anos e desde então, que riqueza imensa teríamos aproveitado, que caminhos teríamos percorrido?
Responde-nos o eco de uma tristeza angustiante.
E a desolação mais se agrava, quando reparamos que vitória tão nobre cabia então, como hoje cabe, perfeitamente nas possibilidades da Nação. E só a tal política menor dela nos terá privado.
A lamentação nada resolve, é certo, mas ajudar-nos-á a tomar balanço ...
A política menor falhou a reforma, pelo que, 90 anos depois, estamos onde então nos encontrávamos - ensino obrigatório apenas na instrução primária de quatro classes!
Ensino obrigatório apenas nos quatro anos da instrução primária, no período etário dos 7 aos 10 anos e mesmo esse efectivado na prática apenas desde 1956, embora viesse anunciado nos discursos desde 1820 e inscrito nas leis desde 1836!
Enquanto a totalidade da juventude dos países da Europa e de muitos de outros continentes avança, rumo ao futuro, pelo melhor caminho, o estudo ano após ano, nós quedamos a nossa população escolar em 80 por cento no termo da 4.ª classe!
Estes 80 por cento ficam de fora da eleição tão justamente pretendida pelo Prof. Leite Pinto. Fazemo-la, por isso, não entre todos os portugueses, mas apenas entre alguns. E vai nisto, nesta divisão entre 20 e 80 por cento, por fatalidade de condições que temos de combater, uma inqualificável discriminação social, de fundo económico, o que a torna ainda mais detestável, injusta e anti-humana.
E, no entanto, todos anuímos a que a constituição de um escol válido, garantia de aquém e de além-mar, tem de procurar-se à escala nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Operar à margem dessa dimensão afigura-se comprometer irremediàvelmente o futuro.
E nesta afirmação deixo já de lado aspectos decisivos, de lugar cimeiro na concepção cristã do homem, da sociedade e do seu governo, para considerar tão-sòmente o da relação instrução-desenvolvimento económico, por ser este o especialmente referido pelo Prof. Leite Pinto.
E que talvez nunca como hoje a relação instrução-riqueza tenha sido tão evidenciada na economia das nações.
«Não podem esquecer-se - escreveu acertadamente o Dr. Veiga de Macedo no relatório do Plano da Educação Popular - as relações da estreita dependência entre a produtividade do trabalho e a difusão do ensino. É indiscutível que uma boa instrução traz grandes vantagens ao trabalhador: desenvolve as suas faculdades de atenção, apura-lhe o espírito de observação, estimula-o, torna-o mais confiante, mais inteligente e mais apto a aperfeiçoar-se no exercício da profissão. A instrução constitui, por isso mesmo, factor importante na produção da riqueza».
A apreciação objectiva do Dr. Veiga de Macedo é a do papel que, mesmo no plano de uma simples educação popular ao nível de um ensino primário elementar, a instrução desempenha na criação da riqueza, no acesso das populações a um melhor nível de vida.
Mas a apreciação terá, sem dúvida, maior oportunidade e justeza se se transpuser do simples ensino primário para uma instrução de maior grau, profissional ou não.
Entrámos já na idade da História em que os indivíduos dotados da acanhada ciência do saber ler, escrever e contar serão brevemente tão inúteis e incapazes como hoje o são os analfabetos em países de avançada técnica.
É que uma das realidades inelutáveis do nosso tempo, e do que se lhe seguir, é o extraordinário progresso tecnológico no mundo da economia e do trabalho. Este transforma-se a um ritmo que exige o progresso cultural e técnico das grandes massas, que, mais do que as matérias-primas, instalações e apetrechamento, são a sua dinâmica.
A organização tecnológico-cultural torna-se cada vez mais complexa e cada vez são mais necessários trabalhadores profissionalmente instruídos em todos os graus, com um alto nível cultural e profissional.
O rendimento nacional de um povo fica assim em directa conexão com o seu nível intelectual, pois este é condição fundamental, basilar, para o desenvolvimento das diversas actividades económicas - da agricultura e da indústria, do comércio e dos serviços.
Por isso se entende que os investimentos intelectuais constituem hoje o alicerce, a primeira infra-estrutura do progresso económico. As estruturas iniciais, feitas com base em máquinas, matérias-primas e outros factores, só poderão desenvolver-se e atingir o seu rendimento normal se puderem contar com suficiente potencial humano, cultural e profissionalmente apto.
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A experiência contemporânea bem o comprova, ao demonstrar de modo irrefragável que a produtividade do trabalho cresce com a cultura de quem o presta.
Até aos fins do século XIX a elevação cultural entendia-se como significando apenas maior nível mental, no conceito tradicional de humanismo, à margem de tudo quanto fosse índice de produtividade do trabalho.
Mas evolução das economias nacionais, mormente a partir precisamente dos povos que souberam encontrar no fomento e na generalização da cultura compensação para a falta de abundantes recursos naturais, veio colocar o nível cultural das populações à frente dos factores do desenvolvimento económico, dos quais hoje, ao contrário do século XIX, se entende como condição necessária, directamente ligada à produção económica.
O progresso cultural entra assim nos destinos da vida económica dos povos, condicionando a prosperidade nacional no que ela pode entender-se como a expressão de melhores e maiores bens materiais.
Sintomáticas, a este propósito e como remate, as conclusões a que chegou o Conselho de Educação da Câmara do Comércio dos Estados Unidos nos dois trabalhos que em 1945 mandou elaborar sobre as relações entre o grau de instrução de um povo e o nível da sua prosperidade económica: a Colômbia, de recursos naturais privilegiados, mas de baixo nível de instrução e formação técnica, fica a perder de vista do nível da Dinamarca, que, sendo pobre de recursos naturais, é de elevado nível cultural e técnico; a Jugoslávia e a Noruega, a Roménia e a Suíça, por exemplo, são binómios da mesma expressão.
Aquele Conselho, estudando ainda a relação entre o teor da vida do povo americano e a sua preparação profissional e cultural, concluiu pela sua total interdependência: o bem-estar material nos seus diferentes estados é correlativo do nível do respectivo ensino, que, assim, aparece como a primeira condição do desenvolvimento económico!
É que o rendimento do trabalho, seja qual for a sua natureza ou o plano em que se processe, depende essencialmente da maior aptidão mental e, consequentemente, do nível intelectual de quem o exerce, da sua preparação profissional, entendida como não dispensando o binómio cultura-tecnologia.
E por isso se compreende que ficarão irremediavelmente comprometidos planos de fomento, reorganizações industriais, reformas de economia, que olvidem o fomento paralelo da instrução, da preparação técnico-profissional, de quantos hão-de executar, em todos os graus, aqueles planos de fomento, aquelas reorganizações, aquelas reformas - os homens. É que estes ainda são a maior riqueza de todos eles.
A par do dinheiro, das instalações, dos maquinismos e apetrechos, das matéria-primas, cabe o primeiro lugar ao capital humano nas estruturas do desenvolvimento económico nacional.
Capital humano não é, evidentemente, a força física de que o homem pudesse dispor no trabalho. Essa pouco contará já. E apenas a sua energia mental desenvolvida. O potencial intelectual de um país impõe-lhe, em primeiro lugar - e tudo o que não for assim corre o risco de constituir erro tremendo -, o fomento da instrução e a melhoria do respectivo ensino. Não haverá aí que invocar obstáculos financeiros, porque nenhuma razão dessa natureza é suficiente para explicar que se prive a Pátria da colaboração, nas mais decisivas tarefas do seu presente e do seu futuro, da grande maioria da sua juventude de hoje - homens de amanhã - apenas por a sua origem a ter colocado entre as classes menos abastadas, as que não podem, pela sua condição económica, ter acesso a outro ensino que não seja o primário.
Aliás, nem sequer se poderia falar em despesas: «O dinheiro investido na educação é mais do que recuperado na superioridade que uma colectividade instruída possui sobre uma colectividade não instruída - pelas suas qualidades no domínio da técnica, da economia e da saúde, isto ó, pelas qualidades que tornam o homem apto a produzir e a conservar a riqueza».
A grande, a maior riqueza, pois, de uma nação reside no seu potencial humano convenientemente preparado para as grandes tarefas nacionais. Tal preparação só pela instrução se alcança, e porque ainda o não fizemos é que custe o que custar, temos de realizá-la não apenas entre alguns, mas entre todos, como sublinha e pede o Prof. Leite Pinto, porque todos, mas todos no ordenamento e aproveitamento do respectivo valor, não seremos então de mais para servir Portugal, como lapidarmente ensinou Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre saúde mental.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: o problema que ora se discute, designado com o sentido a uma mais positiva e esperançosa realização de promoção de saúde mental, visa reformar, ampliando-lhe os meios e os objectivos, o vigente regime da assistência psiquiátrica, que data da Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945.
Os factos apontados no relatório que precede esta proposta de lei e no douto parecer da Câmara Corporativa são bem animadores quanto ao terreno ganho desde a promulgação daquele diploma e decretos regulamentares subsequentes - os n.ºs 84 534, 84 547 e 36 049.
Com a criação, pelo Decreto-Lei n.º 41 759, de 25 de Junho de 1958, do Instituto de Assistência Psiquiátrica, para o superior enquadramento dos serviços oficiais atinentes à matéria, e bem assim às correlativas iniciativas particulares, se instituiu também o órgão autónomo de direcção propulsora que o desenvolvimento da acção periférica daquela assistência ia reclamando.
Trata-se agora de, através do presente diploma, se criar condições e meios necessários para decisivo passo em frente.
Pela importância crescente que a matéria comporta, bem andou naturalmente o Governo em continuar a fazer dela objecto exclusivo de diploma autónomo, não obstante se terem discutido ou estarem previstos para discussão propostas genéricas sobre o Estatuto da Saúde e Assistência.
Tão-pouco nada pode haver-se por estranhável - e antes a omissão o seria - o intervirem juristas na discussão desta matéria, que comporta tantos contactos e que tanto interfere com a medicina forense.
Não é o Sr. Dr. Martins de Carvalho diplomado em Direito? E não veio, sob a sua responsabilidade de Ministro ilustre, que foi, à Assembleia Legislativa esta proposta de lei? Proposta excelentemente elaborada - todos o reconhecem -, tanto pelo que se refere à sucessão, nexo e equilíbrio das matérias reguladas, quanto pela lucidez e concisão da forma. Não é também diplomado em
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1938 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76
Direito e até professor da respectiva Faculdade de Lisboa o seu ilustre sucessor no magistério da pasta da Saúde?
O próprio parecer da Câmara Corporativa por igual versa a face médica e a face jurídica do problema. E se pela primeira se vê consagrada a alta competência de saber experiente e do fogo apaixonado, mas lúcido e crítico, quanto a tais assuntos do seu relator, Sr. Prof Bissaia Barreto, na segunda se identifica a contribuição orientadora dos ilustres juristas que assinam o parecer.
Será assim que, sobretudo como velho jurista - ou, antes, como jurista velho -, me proponho adiantar sobre a proposta algumas considerações. Isto sem subestimar, embora sem os reivindicar, os títulos inerentes à competência que a todos e a cada um nos concede a sabedoria dos povos, consagrada no famoso provérbio castelhano: De médico e de loco todos tenemos un poco!
Será, porém, sobretudo, por ângulo histórico e jurídico, insistimos, que nos ocuparemos da proposta.
E ao fazê-lo sentimos cumprir ainda um dever filial, já, no sentido próprio, pelo interesse que no meio familiar, primeiro, e mais tarde no profissional VI meu pai dedicar a matérias inerentes à psicologia normal e à psiquiátrica; o dever civicamente filial para com a minha pátria pequena, a cidade do Porto, que tão justamente se orgulha do seu Hospital Conde de Ferreira e da escola psiquiátrica de médicos prestigiosos que à volta desse centro cresceu, trabalhou e ensinou.
Não parecerá, por isso, despiciente que eu aqui, como Deputado por aquela cidade, me alongue em considerações atinentes a estes pontos, relacionando com o desenvolvimento nacional da assistência e dos estudos psiquiátricos o desenrolar das ideias filosóficas, médicas e jurídicas que os impulsionaram, quer no campo da profilaxia, internamento e recuperação de adultos e menores, quer nos da criminalidade, do estudo e do ensino.
Sr. Presidente: remontemos ao primeiro quartel do século XIX. Pelo que respeita ao Porto, acompanhemos os seguros trabalhos de história da medicina forense do ilustre Prof. Dr. Luís de Pina.
Logo se nos depara ter sido o primeiro tratadista português de medicina legal não um médico, mas o grande jurisconsulto, filho daquela cidade, Ferreira, Borges, o conhecido autor do nosso primeiro Código Comercial, além do de uma economia política, etc.
Emigrado em 1823, por liberal, teve ocasião de acompanhar durante alguns anos, em Londres e na respectiva Universidade, sumidades médicas do tempo, entre os quais um discípulo e companheiro do famoso Dr. Gall.
Serviu-lhe essa preparação para publicar em 1832, na capital inglesa, as suas Instituições de Medicina Forense, a primeira obra, repetimos, que sobre esse vasto capítulo médico se publicou «em nosso romance» (palavras do seu autor).
Ali tratou largamente da alienação mental - alheação mental lhe chamava - e nos deixou uma curiosa e larga classificação das correspondentes formas da doença.
Quão ilustrativo é este exemplo de como uma cultura vária, longe de afectar por diminuição as possibilidades de um especialista -no caso um vigoroso jurisconsulto-, lhe multiplicaram as possibilidades. Como as musas no tempo de António Ferreira, aos doutores não prejudicaram as ciências, antes, pelo contrário, valorizaram as capacidades de visão mental de Ferreira Borges!
Foi ainda no Porto, da autoria do professor de Medicina Furtado Galvão, da respectiva escola médica, que, em 1855 saiu a segunda publicação genérica portuguesa atinente àquela matéria, ou seja o Tratado Elementar da Medicina Legal, onde largamente se versa as doenças mentais declaradas e os estados orgânicos que podem ocasionar perturbação mental.
Entrementes, em Lisboa, e na respectiva escola médica, começavam clínicos e professores de mérito, citados no relatório e parecer introdutores desta proposta, a preparar a instalação entre nós, em 1848, do primeiro estabelecimento exclusivo para doentes mentais - o Manicómio de Rilhafoles, hoje Miguel Bombarda -, o que se promulgou por iniciativa de um Governo de Saldanha.
Para gozar de benefício correspondente, teve o Porto de aguardar poder auferi-lo da munificência testamentária do conde de Ferreira, disposição que, segundo é fama, lhe fora sugerida anos antes pelo excelso monarca que foi D. Pedro V.
Tão importante legado, destinado para o efeito à Misericórdia do Porto, é bem expressivo sinal de como a falta de um hospital para doidos se fazia sentir naquela cidade e de como devia haver ambiente receptivo em correspondência com tão importante iniciativa de um «vizinho» do Porto.
E certo é que, por volta de mil oitocentos e poucos, o dotado hospital se achava pronto a funcionar, e para dirigi-lo era chamado o professor de Medicina coimbrão Dr. António Maria Sena, já destacado especialista, com estágio lá fora, desse ramo médico.
Com ele, como seu adjunto, logo começou a trabalhar nesse hospital o Dr. Júlio de Matos, filho do distinto advogado Marcelino de Matos, também desta cidade.
Trazia o Dr. Júlio de Matos, que acabara de se formar na escola médica local, larga bagagem de preparação filosófica e científica, que bem demonstrara, e era ainda estudante de medicina, na direcção, com Teófilo Braga, já professor de Letras, da revista O Positivismo, que durante uns quatro anos, por volta de 1880, se foi publicando também no Porto.
O simples título dessa revista logo inculca da orientação filosófica de Júlio de Matos, que, aliás, não divergia da do Dr. Sena nem da de Magalhães Lemos, companheiro dos primeiros no hospital e também como eles mais tarde professor.
Mas neste campo, se Matos propendia para a psiquiatria, Lemos antes se inclinava para os trabalhos neurológicos.
Esta distinta equipa de trabalho, com seguras preocupações do rigor do método científico, embora cedo desfalcada da competência do Dr. Sena, falecido novo, em 1890, conquistou no País, e mesmo no estrangeiro, uma ainda não obliterada posição destacada de prestígio científico.
A Júlio de Matos, que o Prof. Barsona Fernandes não hesitou em qualificar como o maior nome da psiquiatria nacional (ver Anais Portugueses de Psiquiatria, II, p. 315), coube, pela morte de Sena, exercer durante mais de vinte anos a direcção do Hospital Conde de Ferreira.
Aí, para além dos trabalhos clínicos a que estava adstrito, com puro amor pela expansão dos respectivos conhecimentos científicos, se prestou, por volta de 1900, a reger durante anos prestimosos cursos livres para médicos e juristas, os quais, através das suas maravilhosas faculdades de exposição, fizeram escola e deixaram tradição.
Meu pai acompanhou durante anos esse preceptorado e assim se concretiza uma das razões do enternecimento pessoal a que atrás me referi e a que me é impossível escapar ao evocar estes factos.
Paralelamente, em Lisboa, com a entrada, por 1892, do Dr. Miguel Bombarda para director do Rilhafoles, esta vasta casa de saúde sofreu considerável reforma.
Filosòficamente, a formação deste médico, no pendor do empirismo positivista que caracterizava, como vimos,
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os alienistas do Porto, ainda exagerava esses pontos de vista por determinantes de aversão religiosa e de preconceitos políticos, ao ponto de se proclamar convicto de puro materialismo monista.
Bem recordo, a propósito, aluno eu então do Colégio de Gampolide, a sua famosa polémica com o sagacíssimo jesuíta P.e Santana e em que Bombarda não levou a melhor!
Com o advento da República e a sequente reforma universitária de António José de Almeida - uma das escassas obras desse período de que algo subsiste de proveitoso -, logo Júlio de Matos e Magalhães Lemos ascenderam ao decretado ensino da Psiquiatria, que passou a ser leccionada em Coimbra pelo Prof. Sobral Cid, que antes regera Medicina Legal, e onde os alunos de Direito do meu tempo houveram como eu o proveito de o ter tido por professor.
O sentido da primeira grande e decisiva reforma em Portugal da assistência médica deve-se, através do referido Ministro, a inspiração de Júlio de Matos. E só falamos no sentido dela porque quanto a efeitos foi platónica. As interferências, porém, nela previstas quanto ao ensino da psiquiatria nos estabelecimentos particulares, como o era o do Conde de Ferreira, determinaram o conflito da Misericórdia do Porto com aquele médico e a sua retirada para Lisboa, em cuja Faculdade de Medicina entrou como professor das respectivas matérias. E, tal como antes sucedera com Ricardo Jorge, o meio culto da capital só ganhou com esse exílio ...
Deixemos agora o horizonte das muralhas do burgo portuense e, em convergência como o positivismo informador da mentalidade dos sobredesignados mestres psiquiatras, lancemos uma vista de olhos sobre as novas aspirações culturais do País após o quebra-esquinas Quental, que foi o da chamada «questão coimbrã» e as sequentes «conferências do Casino».
Centremo-nos em Coimbra, e particularmente na Faculdade de Direito, por volta de 1880.
Como até agora, para efeitos portuenses, nos socorremos das lições do Prof. Luís de Pina; para segurança do que já sabíamos por tradição nos servirá de bordão o trabalho do caro condiscípulo Prof. Cabral de Moncada no seu trabalho sobre a «Filosofia do Direito em Portugal», publicado nos anos XIV e XV do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra.
Se o fazemos é pela influência que as doutrinas absorvidas pelas gerações académicas ou por influxo do ensino ou por reacção contra ele nunca deixam de repercutir-se um dia na orientação dos governantes, e isto com tanta mais importância nessa época em que a Faculdade de Coimbra detinha o exclusivo do ensino do Direito.
De facto, se até cerca de 1875 o ensino Jurídico fora dominado pelo jusnaturalismo com o carácter racionalista e humanitário que lhe insuflara o «Iluminismo» dos enciclopedistas e a filosofia de Kant, começou nessa altura a experimentar a forte lição de voz discordante. Era a do Prof. Emídio Garcia, que, incumbido de preleccionar cadeiras de Direito Público e dotado de faculdades de exposição aliciantes, soube imprimir um sulco indelével na alma das gerações discípulas suas a favor da filosofia experimental de Comte - o método cientifico, a classificação hierárquica das ciências, a lei dos três estados, como expressão do progresso humano, etc. -, acrescentada já com o evolucionismo de Spencer - passagem do homogéneo ao heterogéneo.
Essa orientação positivista conseguiu transmiti-la aos futuros professores que haviam sido seus discípulos em termos de praticamente aquela escola por muitos anos se achar impregnada de positivismo, confessado, embora, ou não. Essa foi a faculdade do meu tempo, à parte uns sobreviventes, já poucos então, do Direito Natural.
O positivismo assim ensinado era, não já de estrita observância de Comte, que com a subida aversão pela metafísica nutria também aversão radical contra a desordem revolucionária filha legítima das doutrinas dos enciclopedistas, o que o tornou legítimo mestre de contra-revolução. Era-o antes segundo a lição de Littré e seus sequazes, que inculcavam um comtismo avariado de sectarismo anticatólico e antimonárquico.
Este proselitismo do Dr. Garcia veio a alcançar, indiscutivelmente, decisiva influência no País. E se com verdade se pode dizer que no Barsil o regime republicano se gerou do positivismo - proclama-o o lema ali oficialmente adoptado de «ordem e progresso» -, com não menos fundamento isso se pode asseverar quanto a Portugal, embora com a moratória de vinte anos.
Nesse influxo doutrinário teve lugar primacial o precepturado positivista do Dr. Garcia, que ele cumpria na sua qualidade de professor como dever de ofício e assim o proclamava (ver fitado Boletim XV, p. 65).
Essa sementeira de filosofismo natural, com o seu axioma do determinismo de todos os fenómenos, sem exclusão dos psíquicos, encontrou, como é sabido, marcado campo de aplicação no direito criminal. Isso se passou com o aparecimento da escola antropológica italiana - o sabido triunvirato Lombroso, Ferri, Carófalo.
Essa escola entre nossos juristas enxertou-se. naturalmente nos apontados precedentes de positivismo através sobretudo do ensino do Prof. Henriques da Silva, em Direito Penal. Subsequentemente se foram publicando dissertações e lições jurídicas filiadas nessa escola-Afonso Costa, Abel de Andrade - Abel de Andrade daquele tempo -, Mendes Martins, etc., e até em medicina, como se exemplifica com Os Criminosos do Prof. Basílio Freire. Ainda no meu tempo o saudoso Prof. Caeiro da Mata por aí pautava os passos do seu ensino, embora já um tanto mitigadamente.
Sr. Presidente: e para que estou aqui a fazer perder precioso tempo de atenção à Assembleia com doutrinas hoje ultrapassadas? E, no entanto, penso não ser inútil que o faça para pôr em relevo o desenvolvimento afim e paralelo da psiquiatria e da criminologia.
E que essa afinidade não deixou de continuar a subsistir hoje quando, como veremos, se apresentam diferentes os princípios condutores que fundamentam tais matérias e que, no entanto, mantendo intacto o respeito pelo método científico proclamado pelo positivismo, soube aproveitar desta doutrina, ultrapassando-a, o útil, que, aliás, não é pouco, particularmente quanto ao valor do estudo concreto do delinquente e dos factores físicos e sociais da criminalidade.
Como ilustração do destino que entre nós teve o positivismo como orientador da resolução do problema da assistência psiquiátrica, voltemos a Júlio de Matos e aos resultados da sua obra.
Com o advento da República e sob o regime da ditadura do governo provisório, teve ele o ensejo feliz de ver transformadas em lei as suas projectadas reformas quanto à saúde mental e aos menores anormais e delinquentes. Há que reconhecer, dentro do critério do tempo, tratar-se de diplomas sérios e bem organizados.
No entanto, pelo que se refere à assistência-psiquiátrica, foi lei nada-morta. Não pôde efectivar-se porque a desordem do ambiente político e correlativa escassez de meios financeiros o não consentiu. Júlio de Matos, no fim da sua vida, desenganado e desiludido da realização da obra planeada, largamente o exprimiu em cartas familiares.
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Assim no-lo revelou o Prof. Luís de Pina no sou interessante trabalho Três Momentos Vitais do Júlio de Matos.
Um outro destacado positivista dessa época, mas da geração seguinte, em face do espectáculo continuado de incoercível desordem que caracterizou esse deplorável período da vida nacional, reflectindo sobre as velhas raízes comtianas da sua formação, soube repudiar a tempo - e de que forma! - a metafísica revolucionária, geradora de jacobinismo. E esse foi Alfredo Pimenta.
De facto, a lição concreta e contundente do fenómeno república ajudou deveras à revisão do pensamento dominante no meio cultural. Tornou-o mais permeável e receptivo às correntes que lá fora, sobretudo na França, se contrapunham, ganhando as almas ao empirismo naturalista e ao mecanismo radical; às leis da natureza era contestado, por um lado, o rigor de um determinismo absoluto (Boutroux); por outro lado, o primado interno do fluxo da consciência proclamado por William James e o livre arbítrio, através de subtil e sedutora análise de Bergson, foi postulado como psicologicamente admissível.
No campo cosmológico, a evolução dos seres era por este último filósofo interpretada como o desenrolar de um sopro anímico e espiritual - a evolução criadora, como que um neoplotinianismo.
Entre nós, Leonardo Coimbra tornou-se arauto desta corrente filosófica, realçando-a no seu criacionismo. São hoje bem de meditar, a propósito, os ensinamentos da admirável encíclica de Pio XII Humani Generis.
E, neste sentido, para que vertiginosos píncaros não tem conduzido o pensamento contemporâneo, por exemplo, o Pe. Teilhard de Chardin: nele a bergsoniana ideia da propulsão da unidade para a complexidade, evolucionando mediante um sopro anímico, é posta antes às avessas como uma aspiração criadora da complexidade para a unidade divina.
Volvendo à matéria do positivismo jurídico e psíquico, recordo o primeiro choque que em sentido contrário representou a conferência do meu condiscípulo Paulo Mereia, quando em Coimbra, ainda estudante, realizou a sua memorável conferência «Idealismo e Direito».
Em matéria psiquiátrica e criminológica operava-se já desde o fim do século XIX uma confluência útil para efeitos, antes que teóricos, práticos e realizadores.
De um lado, os deterministas passaram a reconhecer o valor da convicção subjectiva da liberdade volitiva como realidade social e, nessa base - a da consciência do lícito e do ilícito -, havia, para efeitos da vida em sociedade, de reconhecer-se como válida para efeitos de responsabilidade. Do outro lado, os sequazes do livre arbítrio aceitavam mais estreitos limites objectivos que condicionam este e assim eram levados a reconhecer aos factores de determinismo imperantes sobre as pessoas maior peso do que antes lhes era atribuído na doutrina clássica e nas leis. Assim surgiram a «Terza Scuola» - Alimena - na Itália; a escola de Lião - Lacassagne, Tarde, Salleils, Grasset -; e na Alemanha - Lizt, entre outros.
E sob o influxo desta última orientação que se segue ordenadamente o reformismo actual da nossa legislação, quer no campo de crimes e penas, quer no campo da psiquiatria, e assim se integra inteiramente no sentido exposto, como claramente resulta dos seus termos e relatórios. Isso o reconhece e fundamenta largamente o parecer da Câmara Corporativa, no caso da presente proposta.
Essa orientação no campo do direito penal traduzira-se nitidamente já na Reforma Prisional (Decreto-Lei n.º 26 643) do saudoso Ministro Dr. Manuel Rodrigues. Mas acha-se sobretudo consagrada pela legislação inspirada pelo Ministro Cavaleiro de Ferreira, primeiro na Lei n.º 2000, que instituiu o Tribunal de Execução das Penas e seu regulamento (Decreto n.º 34553), segundo, ainda mais substantivamente, nas alterações ao Código Penal do Decreto-Lei n.º 39 687, de 5 de Junho de 1954.
Por outro lado, nos excelentes relatórios que precederam esses diplomas se acha exposta e justificada a orientação doutrinal para que eles convergentemente tendem.
E também na prática administrativa, pois que durante o cumprimento das penas estas se vão ajustando melhor, no caso de cada criminoso, no sentido da defesa social, enquanto se revela perdurar a sua pericolosidade, e no da sua recuperação à medida que esta se for inculcando progressivamente.
É uma tendência para a efectivação da individualização da pena defendida pelo grande jurista Salleils. No campo psiquiátrico, atinente ao direito civil, princípio semelhante se consignou na lei quando, na reforma de 1930 do Código Civil, da responsabilidade do ao tempo Ministro da Justiça, também meu condiscípulo, Dr. Lopes da Fonseca, se acrescentou ao artigo 316.º, que prevê as interdições por demência, um parágrafo prevendo interdições parciais para a prática de certos actos relativas a débeis mentais: aos tais da zona cinzenta, entre a loucura e a sanidade, de que falava Maudsley.
Aqui permitam VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, por piedade filial, recorde a parte que a meu pai coube na sugestão formulada para esta inovação e que de há tanto se achava prevenida em várias legislações estrangeiras: italiana, alemã, francesa...
Ora, no campo da psiquiatria, os critérios que presidem aos trabalhos e soluções de toda a ordem se inspiram igualmente por princípios de orientação prática paralelamente afins aos que acabo de expor quanto à criminologia: é o que resulta sugestivo do trecho que passamos a transcrever do já atrás citado ensaio do Prof. Barsona Fernandes sobre a «Psiquiatria em Portugal». Referindo-se em 1954 ao estado desse ramo de ciência médica, assim escrevia:
A característica fundamental da psiquiatria portuguesa está no equilíbrio das várias tendências organicistas e psicológicas, evitando pontos de vista sectários e unilaterais.
Perante este conceito de orientação prática entre a ciência médica e a jurídica, nos vários sectores que afectam a psiquiatria e as suas implicações com as matérias de direito penal e privado, se torna bem justificado um movimento de aplauso esperançoso.
O diploma em discussão integra-se nessa orientação e merece, por consequência, o nosso voto.
Como se fez no parecer da Câmara Corporativa que precedeu a Lei n.º 2006, primorosamente relatado pelo Dr. Júlio Dantas, e se repete no da actual proposta, pela comparação do texto daquele diploma vigente com o aprovando se mede o que neste se propõe de novo. Os nossos colegas médicos nesta Assembleia que sobre ele se pronunciaram já, e à cabeça deles o Sr. Deputado Santos Bessa, largamente versaram o assunto de forma a mostrar à Câmara as perspectivas da sua projecção realizadora no plano preventivo sanitário e pedagógico.
Quero limitar-me a comentar alguns aspectos jurídicos inovadores, que, aliás, foram postos em foco no citado parecer da Câmara Corporativa, que apresenta para certos casos sugestões construtivas que deveras aperfeiçoarão este diploma e, assim, tenho por bem dignas da aprovação da Assembleia.
Trata-se sobremaneira do aspecto tocado no segundo ponto do n.º 21 do parecer da Câmara Corporativa, ou seja
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a gestão do património dos doentes não feridos de incapacidade.
É de reflectir com aplauso a sábia lição que aí nos é dada sobre a situação desses doentes, e a crítica nesse ponto ao primitivo projecto do Governo, em que ao caso era dada expeditiva solução administrativa de nomeação de um curador sem intervenção judicial.
É nossa opinião arreigada que tal orientação constituiria precedente grave, contrariando fundamentais garantias dos direitos da pessoa, e por isso não é de seguir. É indispensável que sobre casos tão graves, embora provisòriamente, se deva dar a certos casos prontas soluções de emergência, hoje sempre aberta a porta do recurso para magistraturas judiciais. Na mesma ordem de ideias, não subestimando as razões que pode haver para acudir ao património do doente em casos de urgência, em vez da solução administrativa proposta, sugere a Câmara Corporativa (n.º 28 do parecer) a criação de um órgão de natureza judiciária, preenchido por uma espécie de magistrado que designa como curador de doenças mentais e com atribuições um tanto elásticas, como o exigem os interesses a que tem de prover. Designa-lhe o parecer cinco funções que nos parecem inteiramente curiais e idóneas.
Pensamos, por isso, que a orientação da Câmara Corporativa neste ponto merece, em princípio, seguir-se.
Sugere o citado parecer que esta matéria de interdições totais, ou parciais, definitivas ou provisórias, deve merecer cuidado e estudo para uma regularização mais actualizada, flexível e adequada nos trabalhos preliminares do novo Código Civil.
Inteiramente de acordo, na certeza de que nesses trabalhos devem colaborar com juristas altas competências de médicos psiquiatras. A tendência de deformação profissional a que dificilmente se foge, pela colaboração directa e dialogada sem prejuízos de escola, poderá melhor levar a ponderar e resolver os problemas e assim escapar na sua solução aos graves riscos de unilateralidade. E, dentro do campo dos juristas mesmo, inclinamo-nos a que os penalistas, neste capítulo embricado de direito civil e criminal, estejam melhor preparados experimentalmente a resolvê-lo realisticamente do que os puros civilistas.
É a reserva que nos cumpre fazer à orientação que se verifica no aliás valioso trabalho a que o parecer alude, do Dr. Campos da Costa, como anteprojecto para o Código Civil, quanto a «Incapacidades e formas do suprimento», publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 111.
Parece-nos que o seu autor não foge à tentação de abstracção fácil para a uniformização. Certo é que aceita e regula a figura jurídica da «inabilitação» - correspondente à nossa «interdição parcial» - inspirada do Código italiano. Isso parece-nos perfeitamente aconselhável. Mas, na definição e regulamentação dos respectivos casos, sujeita-os a um caixilho demasiado rígido, inteiramente ao avesso das doutrinas de individualização, que fecundam hoje, como vimos, todo o nosso reformismo psiquiátrico e criminológico.
Agora outro aspecto do problema posto pelas «interdições provisórias» previstas pelo projecto, quanto aos doentes internados, mas que já constituíam figura jurídica estabelecida pelo Código de Processo Civil.
É o do problema dos actos jurídicos praticados em intervalos lúcidos, quando a doença comporte estados desses. Não estando os loucos interditos, tem sido doutrina aceite a da validade desses actos. Pela nova categoria de interdições provisórias, esses actos passariam a ser afectados? Nem se diga que o curador designado poderia suprir a deficiência da vontade do interessado. Quanto a actos simplesmente patrimoniais, seria aceitável. Mas para actos exclusivamente pessoais, alguns do maior interesse, não só para o sujeito de direito, mas como para a família, tais as perfilhações, casamentos in articulo mortis, como dar-lhes satisfação? É que a promoção de saúde mental não não deve prejudicar a promoção de saúde moral da família - a qual tem o seu lugar também na Constituição. E que tortura ainda pessoalmente para o interdito - pois está por definição em intervalo lúcido - não poder dar satisfação a imperativos por vezes de consciência!
Estes problemas, evidentemente, não podem ser resolvidos no articulado da proposta em discussão. Terão o seu lugar próprio no Código Civil futuro; e já prevejo o areópago médico-jurídico - civilista e penalista este - a discuti-lo e resolvê-lo o melhor dentro do que humanamente seja possível.
Sr. Presidente: fiquemos por aqui, não acrescentemos à digressão passadista por que começámos outra digressão futurista sobre o Código Civil em gestação.
Por tempo de mais cansei VV. Ex.ªs, Srs. Deputados. Debalde invocarei a justificação derivada da vastidão, da imensidade da matéria, porquanto com toda a razão se me poderá responder: preciosamente aconselhável motivo seria esse para se ser mais curto.
Reservo-me, no entanto, dizer eventualmente, mais alguma coisa na discussão da especialidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Coelho.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Sousa Birne.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
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António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
omingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Requerimentos enviados para a Mesa:
Pelo Sr. Deputado Nunes de Oliveira:
Ao abrigo do § 3.º do artigo 18.º do Regimento, requeiro a V. Ex.ª, pelo serviço competente, que me seja fornecida a obra Dez Anos de Política Externa, vols. 1.º e 2.º, edição da Imprensa Nacional de Lisboa e que constitui publicação oficial.
Pelo Sr. Deputado Cia Oliveira Proença:
Nos termos do artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que pela Imprensa Nacional me seja fornecido um exemplar do livro Dez Anos de Política Externa - 1936-1947 visto tratar-se de uma publicação oficial.
Pelo Sr. Deputado Luís Folhadela de Oliveira:
Nos termos do artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que pela Imprensa Nacional me seja fornecido um exemplar do livro Dez Anos de Política Externa - 1936-1947, visto tratar-se de uma publicação oficial.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA