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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 83
ANO DE 1963 11 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 63, EM 9 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luis Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 79, com rectificações dos Srs. Deputados Pinheiro da Silva e Tarujo de Almeida.
Deu-se conta do expediente.
Para ou efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, receberam-se na Mesa, remetidos pela Presidência do Conselho, os n.ºs 30 e 32 do Diário do Governo, que inserem os Decretos n.ºs 44 871, 44 873 e 44 874.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Cutileiro Ferreira na sessão de 6 de Fevereiro de 1962, que foram, entregues àquele Sr. Deputado.
Usaram da palavra para enviar requerimentos para a Mesa os Srs. Deputados Vaz Nunes, Baptista Felgueiras, José Alberto de Carvalho e Quirino Mealha.
O Sr. Deputado Francisco Martins usou da palavra sobre assuntos de interesse para a província de Cabo Verde; o Sr. Deputado Rodrigues da Silva tratou de problemas de interesse para a província de Angola; o Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos referiu-se ao problema da habitação nos Açores, e o Sr. Deputado Elísio Pimenta falou acerca da próxima comemoração dos 25 anos da fundação do Círculo de Cultura Musical do Porto.
Ordem do dia. - Em primeira parte procedeu-se à eleição da comissão eventual para estudo da proposta de lei que introduz alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Corridas as urnas, verificou-se terem sido eleitos os Srs. Deputados Alberto Henriques de Araújo, Alberto Pacheco Jorge, Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Alexandre Marques Lobato, Antão Santos da Cunha, António Augusto Gonçalves Rodrigues, António Burity da Silva, António Martins da Crus, António Moreira Longo, Artur Augusto de Oliveira, Bento Benoliel Levy, Carlos Alves, Carlos Monteiro do Amaral Neto, Francisco José Lopes Roseira, Francisco José Vasques Tenreiro, Henrique Veiga de Macedo, James Pinto Buli, Jerónimo Henriques Jorge, João Ubach Chaves, Joaquim de Jesus Santos, José Dias de Araújo Correia, José Fernando Nunes Barata, José Guilherme de Melo e Castro, José Luis Vaz Nunes, José Manuel Pires, José Pinheiro da Silva, José Soares da Fonseca, Manuel Amorim de Sousa Meneses, Manuel Herculano Chorão de Carvalho, Manuel Tarujo de Almeida, Paulo Cancella de Abreu e Sebastião Garcia Ramires.
Em segunda parte da ordem do dia concluiu-se o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cancella de Abreu sobre acidentes de viação, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Abranches de Soveral e o Deputado apresentante.
O Sr. Presidente anunciou a interrupção dos trabalhos da Assembleia a partir de hoje e propôs um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção, que foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 55 minutou.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
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Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Bamos.
Sebastião Garcia Ramires.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados:
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 79, correspondente u sessão de 5 de Fevereiro.
Está em reclamação.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para corrigir uma frase da minha intervenção do dia 5 e que está completamente truncada, de forma que não se percebe, o sentido. É o período contido nas 1. 35.ª a 41.ª, col. 2.ª, p. 1982, e que deve ficar assim: «Pelas qualidades que ornavam o seu espírito e o seu coração, pelas suas intenções e pelo interesse e significação do que realizou em diversos domínios da actividade, não obstante a hostilidade de muitos e a pobreza dos meios, ele é bem digno de ser considerado como o maior português do seu tempo e o melhor condutor dos nossos passos».
O Sr. Tarujo de Almeida: - Sr. Presidente: na minha intervenção publicada no Diário das Sessões n.º 79, p. 1991, 1. 46.ª, col. 1.ª, lê-se: «uma função de reabilitação», onde se deveria ler: «uma função do habilitação».
O Sr. Presidente: - Continua em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero o Diário aprovado, com as rectificações apontadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Dos Transportes Pereiras a dar algumas sugestões para evitar acidentes de viação.
Telegramas
Vários a apoiar o discurso do Sr. Deputado Alves Moreira em que pedia novas instalações para o hospital regional de Aveiro.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 30 e 32 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 5 e 7 de Fevereiro corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 44 871, que introduz alterações na pauta de exportação e no respectivo índice remissivo; n.º 44 873, que eleva o número de bolsas destinadas aos alunos universitários, a que se refere o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 31 658, e fixa em 6000$ a importância anual das mesmas bolsas, bem como a daquelas a que se refere o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 41 362, e n.º 44 874, que determina que os produtos derivados de petróleos brutos e resíduos abrangidos pelo artigo 1.º do Decreto n.º 29 034 procedentes das províncias ultramarinas em condições de beneficiarem da eliminação de direitos prevista no ar-
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tigo 9.º do Decreto-Lei n.º 44 016 fiquem sujeitos ao pagamento cie uma taxa de nivelamento igual à taxa constante da pauta de importação aplicável aos produtos similares da indústria de refinação de petróleos no continente e mantém até 30 de Junho de 1963 o regime estabelecido na alínea f) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44507 (importação de tabacos).
Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Cutileiro Ferreira na sessão de 6 de Fevereiro de 1962, e que são relativos à construção do Bairro de S. Gabriel, anexo ao Emissor Nacional Ultramarino. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Vaz Nunes.
O Sr. Vaz Nunes:- Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Tendo em vista o possível esclarecimento que me permite ajuizar: da eventual necessidade e oportunidade de um aviso prévio sobre a defesa nacional; da eventual necessidade de revisão ou substituição da Lei n.º 2084, de 16 de Agosto do 1956, e das bases em vigor da Lei n.º 2051, de 15 de Janeiro de 1952: do grau de execução atingido quanto aos preceitos estabelecidos nessas leis básicas da defesa nacional e do grau de exequibilidade dos mesmos; do grau de coordenação que se verifica entre alguns órgãos superiores da defesa nacional e das forças armadas, e ainda do grau de preparação da Nação para a resistência à guerra revolucionária a que tem sido sujeita;
No uso do direito reconhecido no § 2.º do artigo 96.º da Constituição Política da República Portuguesa, requeiro ao Governo os seguintes elementos, referidos aos dois períodos sucessivos de Agosto de 1956 a Março de 1961 e de Março de 196Í até à data da resposta:
1) No que respeita a planos de preparação e execução da mobilização civil aprovados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional:
a) Esquemas de planeamento;
b) Necessidades essenciais da defesa nacional consideradas para a elaboração destes planos;
c) Revisão ou revisões a que tenham sido sujeitos;
d) Data ou datas de aprovação pelo referido Conselho.
2) No que respeita aos problemas relativos à política militar da Nação e à organização da defesa nacional, examinados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional:
a) Conclusões (ou sínteses de conclusões) das análises de situação;
b) Consequentes directivas (ou respectivas sínteses) dadas aos órgãos de execução da defesa nacional;
c) Data ou datas de reunião do referido Conselho em que foram examinados esses problemas.
3) No que respeita aos problemas relativos aos programas gerais de armamentos examinados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional:
a) Enumeração dos sistemas de armamentos apresentados ao exame deste Conselho;
b) Conclusões (ou sínteses de conclusões) desse exame;
c) Consequentes directivas (ou respectivas sínteses) dadas aos órgãos de execução da defesa nacional;
d) Data ou datas de reunião do referido Conselho em que foram examinados esses problemas.
4) No que respeita aos problemas relativos à organização da defesa civil, examinados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional:
a) Síntese das orientações definidas em consequência do exame destes problemas pelo Conselho e referentes à metrópole, e províncias ultramarinas;
b) Data ou datas de reunião do referido Conselho em que foram examinados tais problemas.
5) No que respeita aos problemas relativos à preparação militar dos três ramos das forças armadas examinados pelo Conselho Superior Militar:
a) Enumeração e síntese dos problemas desta natureza sobre os quais o referido Conselho foi ouvido;
b) Pareceres (ou sínteses dos pareceres) do Conselho acerca da preparação militar de cada um dos ramos das forças armadas para o cumprimento das missões gerais (ou finalidades essenciais) que, por lei, a cada um desses ramos estão atribuídas;
c) Esquemas dos programas gerais de preparação militar «apresentados no Conselho;
d) Pareceres (ou sínteses dos pareceres) obrigatoriamente emitidos pelo Conselho sobre esses programas gerais;
e) Data ou datas de reunião do referido Conselho em que foram examinados tais problemas.
6) No que respeita aos programas anuais de armamento:
a) Enumeração dos armamentos apresentados em cada um dos programas anuais;
b) Pareceres (ou sínteses dos pareceres) obrigatoriamente emitidos pelo Conselho Superior Militar sobre esses programas anuais;
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c) Data ou datas de reunião do referido Conselho em que foram examinados tais programas.
7) Caso existam:
a) Normas que estabeleçam a competência de proposta para a reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional e do Conselho Superior Militar;
b) Normas que regulem a obrigatoriedade de reuniões periódicas do Conselho Superior Militar e de elaboração de actas e as entidades a quem estas devam ser presentes;
c) Analogamente às alíneas a) e b) imediatamente anteriores, normas para as reuniões conjuntas do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas com os chefes de estado-maior de cada um dos ramos das forças armadas.
8) No que respeita aos problemas de defesa que tenham exigido a cooperação do Exército, Armada e Força Aérea e estudados em reuniões conjuntas dos conselhos superiores dos três ramos das forças armadas:
a) Enumeração e síntese desses problemas;
b) Data ou datas de reunião conjunta.
9) No que respeita aos assuntos de interesse para a defesa dos territórios ultramarinos onde, por lei, se prevê a constituição de conselhos de defesa militar: Para cada um desses territórios:
a) Enumeração e síntese dos assuntos tratados nos referidos conselhos;
b) Data ou datas de reunião.
10) No que respeita aos assuntos de interesse para a defesa dos territórios ultramarinos:
a) Esclarecimento sobre as diferentes cadeias hierárquicas de comando ou chefia, as cadeias hierárquicas funcionais e elos autorizados ou previstos de coordenação vertical e horizontal para os assuntos de natureza político-administrativa o para os assuntos de natureza militar.
Devem considerar-se as hipóteses possíveis, incluindo as que a seguir se expressam:
1. Estar ou não estar nomeado um comandante-chefe;
2. Caso esteja nomeado, ser ou não ser o próprio governador ou um dos comandantes das forças armadas locais;
3. Estarem ou não estarem em curso operações ou acções militares;
4. Caso haja operações ou acções militares, actuarem ou não actuarem um ou mais ramos das forças armadas locais.
Devem também considerar-se, além de outras julgadas convenientes para o esclarecimento, as entidades seguintes: comandantes dos ramos das forças armadas locais, comandantes-chefes das forças armadas locais, governadores de províncias, chefes de estado-maior de cada um dos ramos das forças armadas, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Ministros e Secretário de Estado dos departamentos militares, Ministro do Ultramar e Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Para poder tratar oportunamente de alguns aspectos do problema emigratório no Noroeste do País, requeiro que me sejam fornecidos os seguintes elementos:
Pelo Ministério do Interior:
a) Número de emigrantes de cada um dos concelhos dos distritos de Viana do Castelo e Braga a quem foi concedido passaporte pela Junta da Emigração nos anos de 1960, 1961 e 1962, com indicação do sexo, idade e estado civil, países de destino e discriminação do número de passaportes concedidos em face de cartas de chamada, ou contratos de trabalho singulares, e do número dos concedidos em virtude de alistamentos lectivos realizados nas câmaras municipais;
b) Número de pretensos emigrantes de cada um dos referidos concelhos a quem, durante o mesmo período, foram indeferidos pela Junta da Emigração pedidos de passaportes para saída do País, com indicação esquemática dos motivos determinantes da recusa; e
c) Número de emigrantes ou pretensos emigrantes de cada um dos indicados concelhos que desde 1 de Janeiro de 1960 até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43 582, de 4 de Abril de 1961, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado apurou estarem envolvidos em operações de engajamento.
Pelo Ministério da Justiça:
a) Número de réus julgados e condenados por crimes de emigração clandestina em cada uma das comarcas dos distritos de Viana do Castelo e Braga desde 1 de Janeiro de 1960 até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43 582, já referido;
b) Número de réus julgados e condenados por crimes de emigração clandestina praticados em cada uma das referidas comarcas desde a entrada em vigor do citado Decreto-Lei n.º 43 582 até ao fim de Ja-
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n eiró de 1968, discriminando-se o número de condenações respeitantes a simples tentativa; e
c) Número de réus julgados e condenados por crimes de engajamento em cada uma das referidas comarcas desde a entrada em vigor do mencionado Decreto-Lei n.º 48 582 até 81 de Janeiro de 1963, com indicação do número de emigrantes envolvidos.
Pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros:
a) Número de portugueses oriundos dos distritos de Viana do Castelo e Braga inscritos pela primeira vez nos diferentes consulados de Portugal em França nos anos de 1960, 1961 e 1962, com indicação tanto quanto possível dos que se averiguou serem portadores de passaporte de emigrante ou de simples turista ou serem carecedores de qualquer passaporte:
b) Número de portugueses naturais dos citados distritos repatriados de França durante aquele período, com discriminação dos que o foram a seu pedido e do número dos que o foram compulsivamente, indicando-se, quanto aos segundos, as causas determinantes; e
c) Informação quanto às modalidades de contacto e assistência, designadamente espiritual e moral, que nos últimos três anos têm sido postas em prática pelos consulados de Portugal em França relativamente aos portugueses que ali trabalham, resultados obtidos e providências que se achem previstas para acção futura nesse domínio.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Nos termos regimentais roqueiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes elementos:
1) Número de professores agregados do ensino primário, dos diversos distritos escolares, que no último dia de Outubro de 1962 estavam sem colocação por falta de vaga;
2) Número de lugares vagos em escolas do ensino primário do continente e ilhas adjacentes que não podem ser providos por não terem as condições exigidas quanto a instalações;
3) Número de professores efectivos com mais de 60 anos;
4) Regentes escolares em exercício nos postos ainda existentes;
5) Número de regentes escolares em exercício nas escolas;
6) Número de diplomados pelas escolas do magistério nos últimos cinco anos;
7) Razão por que não foram providos os lugares de inspectores normais e se se pensa resolver o assunto;
8) Verbas destinadas aos serviços de difusão e cultura popular inscritas nos últimos cinco anos e se foram totalmente utilizadas para esse fim;
9) Verbas inscritas no orçamento do Ministério nos últimos cinco anos, especificadamente destinadas à celebração de novos contratos de auxiliares de limpeza das cantinas e das escolas primárias;
10) Número de vagas de auxiliar de limpeza das cantinas e escolas primárias existentes e que não podem ser providas por falta de verba.
O Sr. Quirino Mealha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
No uso das atribuições conferidas pelo n.º 1.º do artigo 96.º da Constituição e alínea c) do artigo 11.º do Regimento, requeiro que, pelo Ministério das Comunicações, me sejam fornecidos, com urgência, os elementos respeitantes à instalação de telefones na cidade de Beja, por parte tia Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, seguintes:
1.º Desde quando não são montados novos telefones:
2.º Qual o número de requisições pendentes;
3.º Qual o número de pedidos de transferência por atender e desde quando;
4.º Qual o motivo do atraso;
5.º Quais as medidas e prazo provável para a resolução do problema em definitivo;
6.º Quais as medidas de emergência previstas para remediar entretanto e dentro de quanto tempo;
7.º Data da entrada em funcionamento do edifício da actual estação dos correios, telégrafos e telefones;
8.º Para quantos anos foi prevista a respectiva central telefónica.
O Sr. Francisco Martins: - Sr. Presidente: cabe-me a subida honra de pela primeira vez usar da palavra nesta Assembleia Nacional.
Cumpre-me muito gostosamente dirigir a V. Ex.ª as minhas homenagens de muito respeito e admiração.
Por todas as razões, dignifica-me, sobremaneira, fazer parte desta Câmara, presidida por V. Ex.ª, que, tão esforçadamente, tem posto ao serviço da Nação os seus assinalados méritos intelectuais e as suas notáveis qualidades pessoais, conquistando o direito de ser considerado uma das mais insignes personalidades da vida política e social do País.
Aos Exmos. Deputados apresento os meus melhores cumprimentos e os protestos de colaboração sempre muito leal e dedicada, com o propósito firme de bem servir.
Sr. Presidente: ao iniciar as minhas considerações quero deixar bem expresso que o povo de Cabo Verde sente e nunca esquece as sérias dificuldades que, desde alguns anos, o Governo vem enfrentando e terá que enfrentar, sabe-se lá até quando, e que manifesta a sua absoluta confiança na acção governativa na luta em que estamos envolvidos contra inimigos e falsos amigos, destacando-se de entre estes últimos alguns a que, em horas bem incertas, prestámos, só Deus sabe com que sacrifício, valioso auxílio.
Quero ainda asseverar que nos momentos mais difíceis e graves para o arquipélago, ou sejam os das crises provocadas pelas estiagens. o Governo nunca deixou de prestar, especialmente nos últimos anos, auxílio de tal forma eficiente que evitou as consequências funestas ciclicamente marcadas na história da província.
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Tenho ainda a dizer que seria ingratidão se não desse justo relevo à concessão de avultadas verbas com a finalidade de intensificar o fomento do arquipélago.
Eu não podia dispensar-mo de me fazer eco da opinião pública da minha terra.
Mas se o povo exterioriza assim os seus sentimentos, não quer isso dizer que não tenha queixumes e reparos a apresentar, esclarecendo que esses reparos e queixumes não têm outro significado que não seja o de colaborar no sentido de o seu viver poder ascender ao nível que ele há tanto tempo ambiciona.
Cumprida tão honrosa missão, vou fazer ligeira referência à terra cabo-verdiana, referência que julgo indispensável como parte do sustentáculo do que logo de seguida irei lacònicamente expor.
Quero relembrar que as ilhas foram descobertas há 500 anos, todas por portugueses, "que as encontraram totalmente desabitadas, não apresentando vestígio de anterior presença humana", segundo refere Diogo Afonso no seu roteiro, e é ponto assente na história dos Descobrimentos.
Iniciou-se o seu povoamento quando o infante D. Fernando mandou casais do Algarve, alguns dos seus criados e o descobridor, que resgataram da Guiné alguns escravos para o amanho das terras: Logo que começou o desenvolvimento do comércio e agricultura, para o seu incremento muito concorreram numerosos madeirenses que em algumas das ilhas se instalaram.
Porque relembrar estes factos? A que propósito os cito?
Recordam-se VV. Exas. de que quando se iniciou a campanha russo-afro-asiática no sentido, segundo eles, do ser concedida autodeterminação aos povos de África, ou por ignorância, ou por má fé, muito provavelmente por estes dois motivos, apontaram entre esses povos os dos arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo Verde...
Quanto aos dois primeiros arquipélagos, a intenção dos orientais era manifestamente ridícula, e a tal ponto que não mais a esses territórios se referiram.
Fingindo ignorar a história das Descobertas, mantêm ainda Cabo Verde entre aquelas terras que, quando achadas, eram já habitadas por indivíduos de raça negra.
Que essa sua ideia persiste é prova bastante, se outras não houvesse, e, são bem conhecidas, a declaração oficial feita pelo Sr. Ministro do Ultramar Prof. Adriano Moreira num discurso pronunciado em Cabo Verde, em que afirmou, ao referir-se ao problema da adjacência do arquipélago:
Não deixarei de sublinhar a importância deste facto num mundo onde a autonomia constitui um princípio acriticamente adoptado em todas as circunstâncias e num momento em que o arquipélago também é objecto de cuidadosa montagem internacional de movimentos reivindicadores de uma independência que apenas poderia significar completa subjugação a algum dos grandes do Mundo, na melhor das hipóteses, a troco da venda da liberdade efectiva que actualmente lhe pertence.
Sabem os afro-asiáticos que o seu modo de pensar não tem nenhuma base ou fundamento sob que aspecto por que forem encarados no que diz respeito a qualquer nosso território, e muito especialmente quanto a Cabo Verde.
Todas as considerações que a propósito eu pudesse formular foram já nesta Assembleia devidamente explanadas com raro brilhantismo e cunho patriótico inexcedível.
Escuso por isso de perder tempo com tal gente, que, graças a uma operação de tabuada elementar, atingiu na O. N. U. supremacia sobre o mundo civilizado a ponto de querer decidir sobre os seus destinos.
Em matéria de direito e justiça possui uma única lei: a força do número. Mas o perigoso é que quase todas as nações ocidentais, por interesse, complacência ou atracção, vão seguindo na sua esteira. É este o panorama que o mundo actual nos oferece.
Esta abusiva intervenção de estrangeiros na nossa casa obriga-me a proclamar, bem de rijo, a minha maior indignação, o meu mais violento protesto e veemente repulsa contra as inúmeras congeminações que a todo o momento são traduzidas em decisões contra Portugal, com o único intento de esbulhar-nos do que é nosso, e só nosso, congeminações que nascem no seio de uma organização internacional a que, infelizmente, ainda temos de pertencer.
E nada mais quero adiantar.
Sr. Presidente: findas as ligeiras considerações que V. Exa. acaba de escudar, compete agora afirmar que o objectivo principal desta intervenção se circunscreve a estes dois problemas, que constituem o interesse, premente de Cabo Verde: A sua reestrutura administrativa e o seu desenvolvimento económico-social.
Quanto ao primeiro, que tem sido desde há quase um século objecto de variadas opiniões e discussões, até nesta Assembleia, por mais de uma vez, e a que o titular da pasta do Ultramar, no discurso pronunciado em Cabo Verde, denominou de "preocupação dominante da população", nenhumas reflexões sobre ele posso agora fazer, porquanto o Governo Central entendeu que devia alterar profundamente a actual Lei Orgânica do Ultramar e, nestes termos, só em face dessas alterações se poderá definir o estatuto de província.
Por isso, se ao caso me refiro, é apenas para dirigir um entusiástico agradecimento ao Governo por ter promovido que as propostas de alterações à Lei Orgânica do Ultramar tivessem sido já enviadas à Assembleia Nacional.
A entrada em execução dessa lei satisfará os anseios de todo o ultramar português. Certo que um brado uníssono das populações ultramarinas vai ser ouvido, significando a maior satisfação que poderiam neste momento sentir por verem alargadas as suas autonomias administrativa e financeira, além de outros benefícios que a nova lei orgânica trará às comunidades. Cabo Verde, especialmente, vai ficar profundamente emocionada com esta notabilíssima decisão do nosso Governo.
Não conheço o conteúdo da nova lei mandada para nossa apreciação e aprovação. Mas sei que ela vai impor novas directrizes à administração pública, novas e muito salutares. E é quanto basta!
Sr. Presidente: porque o desenvolvimento económico-social da província está, como não podia deixar de ser, intimamente ligado aos planos de fomento, que, como já aludi, representam a excepcional possibilidade de poderem ser investidas somas consideráveis nesse desenvolvimento, começarei por registar o que foi despendido em cada uma das rubricas desses planos, para, de seguida, fazer considerações e comentários que os resultados de certos investimentos impõem.
De 1954 a 1958 (I Plano de Fomento) foram despendidos em:
Contos
Melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários ................ 48 111
Sondagens hidrológicas e abastecimento deágua a povoações ........... 8 001
A transportar ..... 51 112
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Transporte ....... 51 112
Porto de S. Vicente e Porto Novo (suas ligações com
o Norte da ilha) ....... 37 195
Aeródromos ............... 8 482
Total ......... 96 789
A soma das dotações para 1959-1960 (II Plano) definitivamente previstas foi de 207 025 842$75, das quais se despenderam 162 142 673$48, restando um saldo de 44 883 169$27.
Por rubricas, as verbas a cada uma destinadas e gastas foram as seguintes:
[Ver tabela na Imagem]
Fonte: Números extraídos do relatório de contas do gerência e exercício das provindas ultramarinas de 1960.
O programa de financiamento para o ano de 1961 ficou assim definitivamente estabelecido, após reforço de verbas:
[Ver tabela na Imagem]
Fonte: Do relatório de contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas de 1961.
A totalidade das verbas gastas de 1954 a 1961 (inclusive) é, pois, de 323 403 055$55.
Os números bem expressivos destes mapas, como já referi, revelam a exacta distribuição dos investimentos, dos quais há a destacar aqueles que, por serem mais volumosos (excepção feita aos destinados a infra-estruturas), fazem ressaltar a ideia de manter em primeiro plano o fomento hidroagrícolo-pecuário, que consumiu até fins de 1961 mais de 100 000 contos, assim distribuídos:
Sondagens hidrológicas, estudo e aproveitamento dos meios
de obtenção de água doce para abastecimento das povoações ....... 21 078 405$77
Fomento hidroagrícola, florestal e pecuário ............ 88 245 145$33
Total ..... 109 323 551$10
Não está ainda publicado o quantitativo despendido em 1962, e por isso não figura nos mapas.
Merecem relevo especial algumas considerações que o ilustre relator das Contas Gerais do Estado (ultramar) vem expondo, a propósito do Plano de Fomento, nos seus relatórios. Assim, em 1958 afirma:
A simples enunciação destas obras em muitas ribeiras dá a ideia de que devem ter melhorado consideràvelmente em relação ao passado as condições de produção agrícola. Será conveniente elaborar um relatório que mostrasse praticamente a influência dos dinheiros despendidos no passado com as produções anuais dos diversos géneros e depois da execução das obras.
As duas verbas maiores destinam-se a obras hidro-agrícolas e fomento pecuário. Haverá vantagem nesta altura em fazer balanço geral das obras realizadas e dos seus resultados concretos. A sua finalidade é o aumento da produção, e não será difícil agora estabelecer o balanço geral da eficiência dos trabalhos realizados até fins de 1958.
No de 1959, continua comentando assim:
As obras de aproveitamento de recursos hidráulicos tendem a ter reflexo imediato nos consumos que, sendo mais baixos, levam a baixa produtividade.
Essas obras corresponderão à expectada? Se) a já sensível a influência no consumo?
Seria vantajoso proceder a um inquérito sobre este assunto.
Um plano de fomento não se avalia pelas verbas gastas.
Apesar de decorridos alguns anos sobre a execução das obras, as produções não acusam progressos, a não ser nas bananas.
Seria de interesse determinar, em termos monetários, a sua influência nos consumos e, de um modo geral, na economia da província. Já deve ser possível colher elementos que habilitem ao cálculo da sua reprodutibilidade.
E no de 1960, diz:
Os empréstimos constituem a base das obras realizadas nos últimos anos. Por isso, e por outras razões, a delicadeza do seu emprego é de considerar. Grande parte dos investimentos terão de ser liquidados no futuro, e, se houver dissipação em obras improdutivas ou mal planeadas e de reprodução lenta ou pequena, as dificuldades serão grandes.
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É de notar nas cifras que os investimentos, em escala relativamente elevada nos últimos anos, não influíram em nada na exportação. A de 1960 foi a mais baixa desde 1953.
Sr. Presidente: resta-me fazer algumas simples reflexões, que me parece se ajustam aos como sempre judiciosos comentários do muito ilustre relator das contas públicas do Estado.
De entre os objectivos dos planos de fomento, destacam-se, pela sua importância:
a) Melhorar o nível de vida das populações;
b) Assegurar mais trabalho e, consequentemente, fazer diminuir o desemprego e subdesemprego;
c) Importar menos e exportar mais.
Verifica-se, depois de oito anos de vigência desses planos:
1.º O nível de vida das populações de Cabo Verde não ascendeu de maneira a corresponder ao avultado dispêndio feito;
2.º Qualquer solução que ajudasse a resolver o problema do desemprego, permanente ou temporário, não foi ainda encontrada e por isso se mantém uma taxa relativamente elevada desse desemprego;
3.º A exportação, à parte ligeiras subidas e descidas, está muitíssimo longe de se aproximar da importação, o que representa uma balança comercial bastante deficitária.
Esse deficit é causado, em parte, pelo aumento excessivo da importação de substâncias alimentícias, aumento imposto pelas consequências das estiagens e ainda e principalmente por se manter em baixo nível a exportação dos produtos do arquipélago, dada a muito pouca produção. Assim, está averiguado que nos anos de 1958, 1959 e 1960 os valores, em contos, dessa importação foram, respectivamente, de 32 157, 38 483 e 87 805.
São de notar, para se poder dar conta da precária situação desde há uns anos, os números que exprimem, em milhares de contos, o déficit da balança comercial, depois de deduzidas das cifras totais as relativas à importação e exportação dos óleos combustíveis para fornecimento à navegação, que passaram em 1961 para regime de mercadorias em trânsito:
[Ver tabela na Imagem]
É também curioso que se conheçam os dados referentes à exportação dos principais produtos ilhéus, agrícolas u industriais, referentes a 1960 e 1961:
[Ver tabela na Imagem]
Além de ser reduzido o número de variedades de produtos que o solo e a indústria fornecem para exportação, muitíssimo aquém das possibilidades, observa-se, com desolação, que a tonelagem exportada está muito longe de satisfazer. À parte o sal, com um aumento de 10 000 t em referência ao que foi exportado em 1960, e as pozolanas, cujo aumento foi de 100 por cento num total de 5241 t (número irrisório), os restantes produtos mantêm-se no mesmo nível.
Num futuro que não deve andar muito longe e desde que a agricultura e a pecuária se elevem à altura de produção que é mister atinjam e às indústrias existentes outras venham a agredir-se, é seguro que poderemos contar com uma produção e exportação que, embora lentamente, mas com segurança, dêem novos alentos à vida económica do arquipélago.
Por enquanto, e os números falam claro, não deixam de ser desconsoladores os índices indicados pelas estatísticas.
Em 1960, dos 18 000 contos exportados, a província vendeu à metrópole cerca de 12 400 contos e em 1961, dos 27 809, a metrópole comprou 18 702 contos.
Perguntar-se-á: como tem Cabo Verde suportado o enorme desequilíbrio da sua balança comercial, dada a projecção que esse desequilíbrio tem sobre a balança de pagamentos?
Assente-se primeiro que a metrópole é o melhor mercado da província.
«A remessa de escudos metropolitanos por empréstimos (destinados a obras, estudos e pagamentos das exportações) tem ajudado a manter em bom nível a balança de pagamentos.» Cambiais de outras proveniências, que adiante se indicam, são os que mais decididamente influem no equilíbrio dessa balança.
O mapa a seguir mostra o movimento geral de cambiais em 1959 e 1960:
[Ver tabela na Imagem]
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Em 1960 o movimento total de divisas foi o seguinte: entradas 137, saídas 113,3; saldo 23 700 contos aproximadamente.
Em 1959 esse saldo havia sido de 5678 contos, ou, como consta do mapa, 5700 contos (números redondos).
Deste quadro verifica-se:
a) Nos dois anos de 1959 e 1960 os cambiais (escudos metropolitanos) tiveram, um aumento de 45 300 contos nas entradas (108-62.7) e de 21 300 contos nas saídas (90-68.6), do que resultou um saldo positivo de 24 000 contos.
Da metrópole entraram 170700 contos (108+62,7) nesses dois anos;
b) Em moeda estrangeira:
Cifras idênticas são, respectivamente, 3600 contos (29-25.4) e 9500 contos (23,3-13,8), deixando um saldo negativo de 5900 contos.
Em 1959 houve deficit de escudos metropolitanos da ordem dos 5900 contos e um saldo positivo de cambiais estrangeiros de 11 600 contos. Em 1960 o saldo positivo de escudos metropolitanos foi de J8 000 contos e o de moeda estrangeira de 5700 contos (transcrição do relatório das Contas Gerais do Estado).
Em 1961, segundo o relatório de contas de gerência e exercício, «o total das entradas de divisas, ao invés do que sucedeu em 1960, em que foi superior em 23 700 contos ao das saídas, verificou-se um saldo negativo global de 18 991 contos. A entrada de escudos metropolitanos desceu de 108 000 contos para 95 000 contos, enquanto a saída aumentou de 90 000 contos para 119 800 contos, verificando-se assim que a um saldo positivo de 17 971 contos em 1960 seguiu-se um saldo negativo de 24 674 contos em 1961.
O dólar e a libra continuam contribuindo com o maior volume no movimento cambial, sendo a entrada do primeiro muito superior à saída (de dois para um), e quanto à libra em 1961 um saldo negativo de 1197 contos, quando em 1960 foi positivo de 3400 contos».
Quais as fontes de que provêm as divisas em moedas estrangeiras? Há que destacar as que assumem maior relevo:
a) As companhias estrangeiras estabelecidas no arquipélago, ou sejam especialmente as fornecedoras de combustíveis à navegação e que ao mesmo tempo são agentes de diversas companhias., cujos barcos demandam o Porto Grande. E porque «os encontros de contas são efectuados entre as respectivas sedes», é assim bastante considerável a venda de moedas estrangeiras por essas companhias;
b) As companhias radiotelegráficas: a Western e a Italcable;
c) Os emigrantes, sobressaindo como maiores participantes os que residem nos Estados Unidos e hoje, também, os que abalam para a Holanda e Noruega, que vão enviando para a província um contributo digno de registo;
d) Outros invisíveis, cuja proveniência é de difícil localização.
Pràticamente o problema cambial até hoje não tem preocupado a administração local pelos motivos atrás apontados, ou sejam os volumosos montantes de divisas estrangeiras que suprem todas as necessidades.
Mas se a realidade de momento é esta, não deixa, no entanto, de ter o maior interesse transcrever estas palavras do ilustre relator das Contas Gerais do Estado:
O auxílio da metrópole, sob forma de empréstimos e subsídios, reembolsáveis ou não, tem amparado a província nestes últimos anos. Ainda que fosse possível manter ininterruptamente esse auxílio, não parece que seja forma própria de existência. A instalação de todas as possíveis actividades económicas, como as já mencionadas, é condição de progresso da província.
De facto, virá um momento em que a metrópole, por razões até de sã administração, não deverá ou não poderá continuar a auxiliar, com empréstimos, sem medida de quantidade e de tempo, a província. Poderá também acontecer que os vultosos cambiais provenientes do estrangeiro sofram uma baixa substancial.
Como medida de previsão estas duas hipóteses têm de ser postas, especialmente nesta altura conturbada da vida internacional, cujo futuro ninguém pode prever.
Nestas condições, parece que chegou a hora. como afirma o referido e eminente economista, de se instalarem todas as possíveis actividades económicas.
E Cabo Verde tem condições para viver dos seus recursos naturais se forem devidamente aproveitados, o que não tem até agora acontecido.
De tudo quanto ficou dito e documentado é forçoso tirar-se uma só conclusão: os grandes sacrifícios da metrópole com a cedência de verbas, em número absoluto, elevadas, «sem que a iniciativa privada tivesse possibilidade de concorrer com qualquer parcela», têm conduzido a resultados que devem ser considerados bastante precários.
Essa debilidade de resultados sobressai especialmente do fomento silvo-hidroagrícola e pecuário, que não deu ainda mostras de palpável expansão.
Sr. Presidente: não permite a índole desta intervenção que seja aprofundado o estudo do problema económico-social de Cabo Verde. A este problema se prendem muitos factores que merecem exame demorado, o muito tempo será necessário para esgotar a apreciação de tão importante tema. Noutra oportunidade esse exame será feito.
Por isso e por agora, quero apenas expor e fazer alguns reparos a determinadas circunstâncias que têm contribuído para que o desenvolvimento económico muito pouco satisfaça.
Antes quero revelar que até à instituição dos planos de fomento o progresso da província esteve quase estagnado.
É sentimento geral da gente do arquipélago que uma das causas desse progresso residiu sempre num erro fundamental da Administração, especialmente da local. Em vez de uma articulação racional dos problemas, recorria-se demasiadamente a improvisações. Não se davam soluções a quantas dificuldades surgiam. Faziam-se muitos estudos cuja execução era adiada sine die, e outras muitas execuções sem prévios estudos.
O que a população mais ambiciona é que esta prática não continue. Mostrei já que nem mesmo após oito anos de vigência desses planos a situação melhorou quanto seria para desejar.
Nem o Porto Grande, cujas obras grandiosas nele realizadas e de que resultou a existência de bons cais acostáveis, que ficam a constituir uma das nossas gran-
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des esperanças, nem ele, que outrora foi considerado como «o pulmão por onde a província respirava», tem podido contribuir para um renascer de melhores dias, por enquanto pelo menos. A sua importância caiu quase que verticalmente há bastante tempo. E muito poucas esperanças se apresentam quanto ao recrescimento dessa importância, até ao ponto de poder assemelhar-se à do passado.
Se, ao menos, pudéssemos contar como certa a instalação do uma refinaria e um programa de instalações industriais com ela relacionadas, o movimento comercial desse porto cresceria muito e ele voltaria a ocupar posição destacada na economia da província.
O fomento agro-pecuário, como já afirmei, é aquele que bem ou mal, tem sido desde o adiamento do arquipélago a base em que se tem firmado mais insistentemente a sua organização económica.. Ele poderia, quando dirigido com boa ordenação, criar uma situação de quase perfeito primum vivere.
É por isso que ele tem sempre primazia entre todos os temas a focar quando se pretende dissertar sobre a vida económica do arquipélago.
A orientação agora seguida pelo Governo, dotando esse fomento de verbas volumosas, vem do tempo da descoberta, em que as terras muito produziam e permitiam assim farta exportação.
No caso de Cabo Verde o seu grande subdesenvolvimento é fruto de causas múltiplas, das quais se deve fazer sobressair as «estiagens», já no começo desta exposição devidamente destacadas.
Há que a ela ajuntar uma estrutura agrária francamente defeituosa, que requer correcção urgente.
Sr. Presidente: em 1955 o Governo determinou que fosse feito o reconhecimento ecológico-agrícola do arquipélago de Cabo Verde, com o especial objectivo das suas aptidões algodoeiras. «A Junta da Exportação do Algodão foi incumbida de executar esta importante tarefa».
Os especialistas enviados à província para tal fim, em vez do estudarem unicamente a aptidão algodoeira rios territórios, recolheram elementos relacionados com a agricultura de todas as ilhas.
A missão esteve no arquipélago de 1955 a 1956. Esses especialistas publicaram um relatório completíssimo - «A Agricultura de Cabo Verde» - e nele expuseram quanto pensavam sobre a cultura do algodão e ainda sobre o plano de ordenamento agrário e o fomento das culturas actuais e de outras a introduzir. As linhas do rumo por eles indicadas sobre ordenamento e fomento agrário estão bastante esquecidas, se é que alguma vez foram seguidas.
Afirmam que a melhoria da agricultura, cabo-verdiana dependo de: «investigação científica, assistência técnica e educação agrícola», condições, aliás, consideradas por todos os entendidos na matéria como exigência absolutamente imprescindível.
Terminaram a sua prospecção vão já volvidos quase sete anos. Pois, até agora, a província continua sem um organismo de investigação científica, não só forneceu assistência técnica, nem tão-pouco se tem ministrado educação agrícola.
Grupos de cientistas, como engenheiros, agrónomos, etc., constituindo brigadas e missões, têm servido um Cabo Verde. Trabalham bastante desligadamente, nos termos de um costume bem caracterizado pelo ilustre engenheiro agrónomo Nuno Folque numa conferência intitulada «Planeamento regional e bem-estar rural».
De facto, nota-se a falta de um comando unificado dos técnicos para que possa existir íntima colaboração entre todos e ao fim e ao cabo uma coordenação de esforços tendentes a marcar uma directriz real e persistente.
Certo que, o que está não está bem!
Se não bastassem os casos-apontados sobre investigação científica, assistência técnica e educação agrícola, mais dois exemplos mostrarão que se impõe a criação do um organismo que posta indicar, orientar e fiscalizar todos os trabalhos que hajam de ser feitos em qualquer campo que interesse, a agricultura, e às indústrias:
a) Os agrónomos que estudaram as aptidões algodoeiras entenderam que deviam entregar aos serviços de agricultura da província o encargo de executar; prática da cultura do algodão em campos experimentais. Confirmando os reparos atrás feitos, direi que estudaram os técnicos, mas nenhum seguimento objectivo foi dado a esses estudos. Não se conhece, portanto, após seis anos, a viabilidade económica da cultura de um produto que poderia influir de modo muito apreciável na economia da província!
b) Pela sua posição geográfica, Cabo Verde fica situado na zona de climas áridos o semiáridos. tendo assim de suportar as consequências de uma especial circunstância ligada intimamente a esses climas: «o seu denominador comum», a água. A sua carência, pouco ou muito intensa, nesses territórios, é obstáculo, por vozes intransponível, ao desenvolvimento regular da sua agricultura. Pois bom, nessa província muitos mananciais encontram-se ainda por explorar o assiste-se, pelo monos na ilha de Santo Antão, a este desolador espectáculo: das grandes ribeiras e do algumas de menores dimensões correm, perdidas, para o mar, grandes quantidades do água, cujo somatório no fim de um ano deve ascender a muitos milhares de toneladas. Não concebo que tanta água só perca assim, a menos que esteja demonstrado não ser possível captar grande parte dessa água ou que, captada, ela não possa ser económicamente aproveitada. Assim, parece que o problema da água dos solos tom do sor revisto para ficar bem apurado se se pode ou não contar com a possibilidade de aumentar as áreas do regadio.
Sr. Presidente: não posso furtar-me à tentação de transcrever estes passos da obra já citada de Teixeira e Barbosa, que me parecem muito acertados e oportunos:
Sem investigação científica, sem trabalho experimental, continuaremos em Cabo Verde dominados por uma rotina agrária primitiva, estática, trescalando o século XVI.
Cabo Verde, dissemo-lo já, e repetimo-lo, é um caso único no nosso ultramar. Exige soluções próprias, radicais, urgentes. Do contrário, a marcha do deserto continuará implacável, estendendo a sua obra de ruínas.
E acrescentarei: ruínas entre as quais haverá a incluir a sua população.
Tenho a certeza do que este quadro assim tão negro não surgirá no panorama nacional, especialmente porque não me resta a mínima dúvida de que o Governo, sempre pronto a dar remédio a situações embaraçosas como a que traz em sobressalto a população de Cabo Verde, vai promover que os problemas agro-industriais sejam encarados com forte decisão, impondo, para tanto, que todas
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as aptidões ligadas a esses problemas sejam devidamente aproveitadas, para, assim, proporcionar ao arquipélago aquele desenvolvimento que possa garantir o bem-estar do povo.
E é com estas palavras de fé e esperança que encerro as minhas considerações, renovando a V. Ex.ªs e aos Exmos. Deputados os meus cumprimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: terminados os trabalhos da sessão anterior desta alta Câmara Legislativa e após o meu regresso à nossa querida Angola, uma só preocupação dominou o meu espírito: empreender, como fiz, uma longa peregrinação por aquelas sublimes terras onde o sol é uma dádiva permanente do céu, os horizontes são amplos e o espaço chega para nos acolher a todos - os de cá e os de lá - e sobra para os que, estranhos à nossa peculiar comunidade heterogénea, demandarem a terra à procura de um lugar ao sol, de coração aberto e alma límpida. Deste modo me é possível voltar a esta tão honrosa tribuna para, feitas as minhas observações in loco e em nome dos interesses daquela província ultramarina, de que sou o mais modesto representante (não apoiados), reencetar o diálogo que de algum modo possa contribuir para as soluções que buscamos dos problemas específicos dos territórios que constituem o mundo português.
Foi uma jornada de emoções vividas; uma actualizada tomada de consciência, com os pés fincados à terra, frente às realidades palpitantes.
Foi-me dado, assim, auscultar a opinião pública, ouvir os sectores oficiais e particulares, sentir as ansiedades do povo, numa variedade de ambiências contactadas: da casa grande à sanzala, da libata à capital, e que grandemente contribuíram para me inteirar, mais directamente, do toda a evolução económica, social o cultural que se opera na província e também das perspectivas e justas aspirações de quantos lá almejam o progresso da terra generosa onde nasceram uns e vivem outros, sem excepções discriminatórias.
Todos somos poucos para construirmos uma Angola tão próspera quanto o permitem os seus enormes recursos naturais, sem necessidade de cisões nem de emulações.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há que atentar, sem dúvida, no seu potencial humano e, para tanto, nos correspondentes factores económicos, sociais e culturais, que parecem de um denominador comum aglutinante e positivo.
Tenho bom presentes as notáveis e expressivas conclusões do recente I Encontro dos Escritores Portugueses, em Angola, que definem, e bem, a cultura angolana «como uma realidade circunstancial africana, e fundamentalmente europeia de valor representativo na comunidade dos povos de língua portuguesa».
Assim, a cultura, como as estruturas económicas e sociais, importa que se enquadrem plenamente em osmose formulada no equilíbrio de uma justiça social que venha a diluir inteiramente os problemas étnicos e geopolíticos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem, como eu, se interessa não só pelos problemas sociais especificamente angolanos, mas também pelo que se passa além da nossa cintura geográfica, e, por isso, conhece também, in loco, a geografia humana do Minho ao Alentejo, sob o mesmo aspecto, bem sabe que os problemas educacionais e sociais das populações rurais - cá como lá - carecem de uma autêntica arrancada e de medidas excepcionais ...
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... para nos situarmos no mundo de hoje e podermos acompanhar as «grandes rotas do amanhã».
Em Angola, no domínio da instrução, pode-se asseverar que o problema da escolaridade, concernente às populações evoluídas, não sofre de insuficiências que mereçam sérias preocupações.
Outro tanto não acontece com as populações rurais nativas, de cuja alfabetização ao nível técnico para o desenvolvimento de hábitos e aptidões de trabalho depende, naturalmente, a sua necessária evolução, a sua preparação profissional, melhoria do nível de vida, consciencialização cívica e sua promoção social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pude ouvir os sectores mais responsáveis do ensino em Angola, e assim foi possível inteirar-me da acção em curso para a solução de tão premente problema.
O Decreto-Lei n.º 31 207, de 5 de Abril de 1941 (Estatuto Missionário), estabelecia que o ensino indígena estava inteiramente confiado ao pessoal missionário e seus auxiliares.
Com efeito, as missões católicas cumpriram até aqui a sua abnegada tarefa no domínio da instrução aos aborígenes. E mais não fizeram nesse aspecto por insuficiência de meios financeiros e consequente falta de escolas e de professores suficientes para as necessidades que decorrem da enorme extensão do território e disseminação das populações rurais, nómadas em certa escala. A sua acção foi até aqui uma complementaridade da sua missão cristianizadora, subsidiada pelo Estado, é certo, mas que traduz, sem dúvida, uma faceta da obra rivilizadora da igreja católica no continente africano.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Há dias fiz aqui uma pequena intervenção em que me referi precisamente a esse aspecto que V. Ex.ª acaba de focar, e muito bem, e chamava a atenção do Governo para a necessidade de conceder maiores meios de acção às missões católicas. Elas têm cumprido a sua missão, e, se não cumpriram melhor, foi porque lhes faltavam, sobretudo, professores e outros meios de acção.
Creio que há neste momento necessidade de se chamar a atenção para esse problema, a fim de que as missões católicas, juntamente com o Governo, trabalhem nesse sentido, ou seja no chamado ensino de adaptação e na promoção das massas rurais das províncias ultramarinas. Haverá até necessidade de se fazer uma unificação do ensino de adaptação e um estudo do problema.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou plenamente de acordo com V. Ex.ª
Porém, a nossa política, hodierna do ensino de âmbito nacional, porque se circunscreve da metrópole a todo o ultramar, requer novas medidas, um maior esforço, po-
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dendo-se afirmar que o problema se situa na ordem das prioridades da nossa política do fomento.
Encarou, no entanto, o Governo-Geral de Angola logo a linha de rumo da política do ensino rural. Para isso: procedeu-se à elaboração do plano escolar da província: fez-se o Regulamento do 1.º Ciclo do Ensino Rural e das Escolas do Magistério Rural; elaboraram-se os programas desse mesmo ensino; planificou-se a formação intensiva do monitores escolares e prepararam-se 252 unidades em ordem aos novos programas, e elaborou-se um «Livro para o Professor» destinado aos monitores e professores rurais que ministrem o 1.º ano dos novos programas do ensino rural.
Por despacho do Governo-Geral de 21 de Setembro pretérito foram mandados pôr em vigor, a título experimental, o referido Regulamento do Ensino Rural e respectivos programas enquanto se aguarda a aprovação ministerial, que esperamos não tarde.
Observei o entusiasmo e a firme vontade que os dirigentes do ensino em Angola manifestam acerca desta nova cruzada, que visa, como afirmava o então primeiro magistrado da província, «a levar a escola à sanzala, transformá-la num verdadeiro centro social, integrado na comunidade da vida local; a promover a evolução social das populações subdesenvolvidas, a empreender toda uma acção polivalente paralelamente aos planos de alteração das populações, destinada a ajudar as pequenas comunidades locais a melhorar as suas condições de vida, incutindo-lhes hábitos de higiene e de alimentação, ensinando-lhes práticas modernas - mas simples e eficientes - de melhor utilização dos recursos naturais e ministrando-lhes ensinamentos tendentes à introdução de melhorias na habitação e a defesa contra as doenças e os males que as afligem».
2000 unidades constituídas por professores do ensino oficial, regentes escolares, monitores e professores das missões católicas, além dos auxiliares destes, se encontram já em actividade do ensino primário. Muitas mais serão necessárias, tendo-se já proposto o aumento de mais 350 unidades. Para a completa ocupação escolar, compreendendo todos os distritos e para que todos os aglomerados rurais e extra-urbanos disponham da sua escola, virão a ser necessários mais de 4500 edifícios escolares, que poderão, e devem, a meu ver, ser modestos, já que o óptimo é inimigo do bom: mais de 8600 salas de aula e cerca de 11 000 unidades docentes.
Além da actividade em curso, para a 1.ª fase desta planificação, algumas centenas de recintos para escolas rurais, simples, com as condições didácticas indispensáveis o residência anexa para o professor, estão propostas; assim como o apetrechamento em mobiliário e material escolar, cursos para a formação de mais umas centenas de monitores, apetrechamento e funcionamento das escolas do magistério rural.
Mais escolas do magistério primário rural terão de se abrir, além das que estão em funcionamento nas missões católicas do Cuíma. Bela Vista, Vouga e Luso, e pronta a funcionar em Malanje.
Apraz-me registar estas realidades, pois que não há reivindicações que melhor se justifiquem do que as concernentes à valorização do homem, que só um mínimo de personalização intelectual e moral eleva à verdadeira condição de elemento social construtivo, ao mesmo tempo que manifesto as minhas esperanças na acção do Governo no sentido da promulgação definitiva tão breve quanto possível do Regulamento do Ensino Primário Rural e respectivos programas já propostos; assim como a inscrição na ordem das prioridades fundamentais das verbas solicitadas para a 1.ª fase deste magno problema, dado que, como afirmava há bem pouco tempo o prestigioso jornal O Século, em notável editorial:
Os problemas do ensino têm de ser resolvidos sem entraves financeiros e à luz de todo o vastíssimo património de conhecimentos e experiências da humanidade.
É esta a maior etapa a empreender no campo educacional e atendendo ao problema das populações menos evoluídas.
Outros aspectos do ensino importará encarar no mesmo sentido de valorização do potencial humano representado pelas populações autóctones e não autóctones.
Desejo referir-me à necessidade das escolas de artes e ofícios.
Visitei duas delas em Angola: a da cidade do Luso, no distrito do México, e lá para as chamadas «terras do fim do Mundo», em Vila Pereira de Eça.
Tive ocasião de ver no Luso vários rapazes nativos a receber preparação e outros já feitos artífices e apreciar a evolução profissional desses valores humanos oriundos das sanzalas e dos quimbos.
Desfilaram diante dos meus olhos os seus magníficos trabalhos de marcenaria, carpintaria, serralharia e sapataria: trabalhos apreciáveis e com notável merecimento.
No Luso ouvi o director da escola exclamar: «Veja, Sr. Deputado: janelas, portas e vário material para construção elaboram estes rapazes, tudo destinado às habitações dos bairros sociais e dos colonatos internos», indistintamente formados por gente da metrópole e nativos, sem discriminações, como eu próprio tive o grato prazer de verificar.
Abre um parêntesis para louvar esta iniciativa do Sr. Governador do distrito do México, dos colonatos ètnicamente mistos, a que se devotou de alma e coração e constituem um exemplo a seguir, pelos seus excelentes resultados do ponto de vista de convivência das diferentes etnias das populações rurais.
Em Pereira de Eça observei o mobiliário da própria escola, primorosamente executado pelos alunos.
Disseram-me que, possivelmente, iria fechar esta escola, substituindo-se por outra de regentes escolares. Entristeceu-me a hipótese; as escolas de magistério são, em boa verdade, imprescindíveis. Como disse, muitas terão de se abrir. Mas que para a abertura de uma escola destas se extinga a de artes e ofícios, penso que não estará bem. Observaram-me então: «Sr. Deputado: no Baixo Cunene existe, possivelmente, uma das maiores percentagens de mestiços abandonados ao deus-dará por essas sanzalas além» (este problema social não é só do Baixo Cunene e as escolas de artes e ofícios muito podem concorrer para o atenuar).
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que aquela escola elementar profissional de artes e ofícios tem sido demasiadamente pequena para tantos rapazes - pretos, mestiços e brancos - que pretendem aprender ... e que uma escola de regentes escolares não seria suficiente para acudir às necessidades educacionais, pois que não se irá fazer de cada cuanhama um professor. Concordamos: com efeito, do que aquela escola necessita, e urgentemente, é de melhoramentos funcionais, assim como a do Luso, que sabemos, em relação a esta, estarem previstos.
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Não devemos pensar era fechar as escolas de artes e ofícios. Teremos, sim, de abrir mais algumas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ocorre-me aqui repetir o que já escrevi algures:
A consciencialização das massas populacionais por meio de uma política educacional intensiva e prática, com vista a elevar o seu nível mental e profissional, acompanhada de uma eficaz acção social, são, em meu entender, os verdadeiros meios conformes com as realidades, de promover a evolução da personalidade cristã, de defender a sociedade e de proporcionar aos valores humanos uma educação concreta aliada à objectividade da vida quotidiana inspirada na lei de Cristo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não terminarei estas minhas premissas sem formular votos de que o ensino secundário, liceal e técnico em Angola seja revisto relativamente à suficiência qualitativa e quantitativa do seu corpo docente, dado que as soluções de improviso de admissão de professores, em muitos casos sem formação pedagógica, ocasionam, como não pode deixar de ser, sérios desníveis na preparação e aproveitamento dos alunos, como tantas vezes se verifica.
Estou ainda esperançado em que teremos a Universidade a funcionar no próximo ano lectivo em Angola, já confiada à reitoria do ilustre colega parlamentar S. Ex.ª o Prof. Engenheiro André Navarro, satisfazendo-se uma velha e justa aspiração angolana, atendendo às nossas necessidades de formação de técnicos locais, de cursos médios e universitários e também de élites de formação universitária humorística, já que a tecnologia só por si não basta à satisfação espiritual do homem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Convergentemente, outras vias de solução ajudar-nos-ão a vencer a batalha da paz e do futuro, que é a única construtiva: a elevação do nível de vida por revisão o actualização do salário das classes trabalhadoras para as massas rurais, já estabelecida no recente Código do Trabalho Rural; a promoção social dos naturais com o concurso e boa vontade das actividades particulares, dando-lhes acesso nos seus quadros médios e superiores e por meio de providências oficiais, dando-se oportunidades às élites já existentes a uma «comparticipação mais equilibrada das diferentes etnias na ocupação humana do território, na produção e fruição da riqueza e em todos os escalões da administração pública, ou seja, que os naturais de Angola (os homens bons da terra, direi eu), independentemente da cor, tenham maior participação no governo da sua terra», como escrevia recentemente em artigo publicado no notável jornal A Provinda do Angola brilhante escritor radicado naquela nossa província ultramarina, insuspeito pelo seu indefectível patriotismo, tantas vezes demonstrado em afirmações públicas nas horas mais graves da Nação.
Importará ainda dar solução em primeiro lugar ao problema do desemprego das populações locais através de um departamento de desemprego, tal como existe o Comissariado do Desemprego na metrópole, que terá assim possibilidade de se documentar estatisticamente a este respeito para uma melhor coordenação do problema emigratório dos excedentes demográficos de cá sem prejuízo das populações de lá.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Incremento das estruturas económicas, sem o que nenhum problema social pude substancialmente ser resolvido: fomento de crédito a longo prazo, mais estabelecimentos bancários, como na metrópole (as enormes possibilidades de produção e de riqueza pelos recursos naturais da província bem o justificam); auxílio financeiro, política da moeda e consequente normalização do aflitivo problema, de transferências cambiais, tão aflitivo ao ponto de tornar verdadeiramente dramático o problema das mesadas dos que lá residem destinadas às suas famílias que por razões sempre ponderosas se encontrem na metrópole, como por motivo de estudos, de doença e outros. Podemos dizer que é este problema crucial pelos reflexos morais o materiais e até económicos que acarreta; assistência técnica com vista ao ordenamento das actividades produtoras e à expansão das indústrias de transformação das matérias-primas locais, pois só assim lograremos a evolução social das populações, como muito, bem expôs também nesta Câmara o ilustre colega Deputado pela Guiné S. Ex.ª o Dr. Pinto Bull, a quem rendo as minhas homenagens pela forma criteriosa como expôs os problemas da torra que nesta Assembleia Nacional representa e se ajustam a Angola e estou certo que às demais províncias do nosso ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E de como as indústrias em causa são o fulcro do progresso por que porfiamos no ultramar, não quero deixar de salientar o afluxo dos inúmeros pedidos que vêm chegando ao Terreiro do Paço para a sua instalação em Moçambique.
Sem dúvida que, como declarou ainda há dias o delegado português à Comissão Económica da O. N. U. para a Europa, em Genebra:
A necessidade urgente na África Portuguesa, como em outros territórios daquele continente, é prosseguir na exploração dos recursos naturais e humanos.
Equivale a dizer que o que precisamos é fomentar a instrução e as estruturas económicas e sociais.
Só por essa via é possível encontrar as soluções dos anseios de melhoria de condições de vido para que todos, qualquer que seja a raça ou contenham o seu lugar ao sol.
E só será possível encontrar essas soluções através da autenticidade de uma política de compreensão, de amor e de verdadeira fraternidade humana.
Teremos em breve em discussão nesta alta Câmara Legislativa a apreciação da revisão da Lei Orgânica do Ultramar Português.
Sobre tão magna lei ocorre-me deste lugar exprimir o meu pensamento, ipsis verbis, que já em conferências públicas que há meses proferi aqui na metrópole tive o ensejo de proclamar.
Dizia eu então:
Esperam as gentes portuguesas de além-mar que a problemática das distâncias geográficas encontre as almejadas soluções através de maior descentralização administrativa e autonomia financeira, compatível com o seu estado de desenvolvimento, que já
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hoje conta com bastantes elementos representativos locais capazes de colaborarem na gestão da coisa pública com a competência e o patriotismo que é apanágio dos bons portugueses onde quer que vivam, tantas vezes evidenciado no decurso da nossa história comum.
São estas, em essência, as reivindicações do ultramar, sentidas e vividas pelos autóctones e não autóctones; por quantos lá estão.
Decorrem, portanto, na legitimidade do quadro nacional e pode-se afirmar que de uma maneira geral ninguém se sente constrangido por ser português, todos temos disso orgulho, tenha ele nascido em Cabo Verde ou em Timor, nos confins da Zambézia ou nas plagas inóspitas do Maiombe. Seja ele de cútis branca, preta ou mestiça.
Só com espírito de missão transcontinental, com a mensagem de humanismo que o povo lusitano levou a outros povos, com eles se misturando numa mescla livre, ignorando o presumido valor somático do homem; só com a manutenção e o afervoramento dessa mística, com a defesa intransigente contra os que, entre nós, maus servidores da Pátria, desvirtuam esses fundamentais princípios que garantem a nossa coexistência, a nossa unidade na diversidade, poderemos vencer a dura provação do momento que passa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que novas oportunidades se abram na estrutura económica, na ciência e no campo social, na elevação e formação intelectual e espiritual das gentes ultramarinas, num mundo em que, como afirmava o jornalista francês Raymond Galuce, «todos os princípios morais são atacados vivamente e um lento apodrecimento ganha uma humanidade (eu diria uma desumanidade) mais inclinada para o ódio do que para o amor, para a divisão do que para a concórdia e fraternidade».
«Corresponder-se-á assim ao sentir dos autóctones e residentes, reforçando-se todos os laços sentimentais com a metrópole, como natural agradecimento do serviço prestado com o generoso traçar de um futuro pacífico e harmonioso», como escreveu, e bem, alguém com responsabilidades intelectuais e idónea posição nas esferas económicas do Angola e da metrópole, entre cujos pólos espirituais se situa a nossa idiossincrasia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: sob o título «Um problema que reclama solução urgente» traz o Diário dos Açores do dia 26 do mês findo um impressionante artigo de fundo, onde se evidência, com toda a crueza da verdade, a crise que, no momento presente, impiedosamente atinge os operários da construção civil de Ponta Delgada e os emperramentos, de vária ordem, que tanto têm demorado o aparecimento de novas edificações e, portanto, a abertura de novos trabalhos naquela zona.
Tem o articulista inteira razão.
Há anos já que o distrito de Ponta Delgada grita pela solução de vários problemas que se arrastam, no tempo, como que atacados de letargia ou maldição.
Uns - depois de enunciados - jazem, intactos, no «segredo dos deuses» ou esvaem-se, desfeitos, no limbo do esquecimento; outros - depois de anunciados - emaranham-se em tão fundas exigências técnicas e burocráticas que ou não chegam a ver a luz do dia, ou quando afloram à superfície da terra já o cansaço da espera lhes roubou a aura de regozijo público ou lhes reduziu o valor da utilidade social.
Os dias passam-se, assim, naquelas longínquas paragens, em acabrunhante expectativa, que amarfanha os corpos e as almas. Daí resulta um clima de mal-estar e de desalento, que não favorece nem a vida dos governados, que em vão se esforçam por mais e melhor, nem o prestígio dos governantes, que, também, ingloriamente sacrificam ao. mesmo lema as forças e o talento.
A culpa não parece, pois, nem de uns, nem de outros.
Mas, se não é dos governantes, nem dos governados, de quem é, afinal?
Quem é que se compraz em relegar para o campo estéril da utopia muitas das mais caras e prementes aspirações?
Quem é o responsável pelo marasmo em que caem projectos já concluídos e até já dotados do dinheiro preciso para a sua execução?
Quem obsta a que funcionem dispendiosas construções já terminadas e que se quedam inertes e inúteis como se nunca houvessem sido necessárias?
Quem se acusa, como réu, de todos estes malefícios?
Quem tem a hombridade de trazer ao lume da consciência a inacção ou a negação que foram causa remota ou recente deste lamentável estado de coisas?
Ninguém!
Ninguém se apresenta como autor ou coadjutor desta triste realidade, e, todavia, ela existe, como fatalidade daninha, a retardar o êxito dos melhores propósitos ou a apagar a chama das melhores vontades.
Por toda a parte, nas ilhas como no continente, uma insuperável «empatocracia» demora, amputa ou aniquila as mais legítimas ânsias de progresso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Actuando às claras, ou sub-reptìciamente, ela invade todos os sectores da vida pública, ora se apresentando sob a capa de velha e bondosa criatura, sempre pronta a dizer sim a tudo e a todos, mas sem nada querer fazer, ora sob a roupagem de novo e diligente especialista que não descansa enquanto não vê à sua frente as malhas apertadas do impossível ...
E cega e surda, tanto aos clamores ordeiros das populações pacíficas, como às arremetidas terroristas das hordas revoltadas, ela lá fica indiferente a solicitações e impactos, bem segura do seu sólio e bem cônscia dos seus direitos.
Nas horas amargas que todos atravessamos e em que vemos o Governo, na mais exaustiva e estóica das tarefas, colocar, simultaneamente, na mesma linha de preocupação e de dotação as terríveis exigências da guerra e as tremendas necessidades da paz, como admitir a existência dessa força negativa que desfalca e por vezes anula tão grande esforço?
Quando todos os indivíduos, acicatados pelas esporas do signo dominante dos nossos dias, não sabem ou não podem refrear impulsos de insatisfação ou de pressa, como se compreende que essa força actue em sentido contrário, tornando difícil ou impossível o encontro entre a aspiração e a realização?
Inúmeros seriam os testemunhos que podia reunir para provar à pluralidade da Assembleia a existência desta poderosa «eminência parda» que tão grandes prejuízos materiais e morais tem já causado ao País.
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Mas julgo bastarem os exemplos do meu distrito para que aqui fiquem assinaladas e definidas as nefastas consequências dos seus actos.
Ponta Delgada é um distrito com cerca de 900 km de superfície, que fica no meio do mar, dividido em duas ilhas, à distância de 800 milhas de Lisboa.
Ali vivem 185 000 habitantes, que teriam os mesmos problemas dos seus irmãos do continente se outros, inerentes ao seu condicionalismo geográfico e social, os não sobrecarregassem de maiores dificuldades e canseiras.
Todos estes factores desfavoráveis, que a proibição legal da exportação de certos produtos para o continente e a existência de taxas e impostos alfandegários especiais mais acentuam, parece que deviam merecer de todos quantos interferem na política o na administração pública redobrada atenção e carinho.
Vejamos, porém, como as coisas se passam naquelas paragens:
Em Santa Maria, onde existe um grande aeroporto, como dádiva benfazeja da última guerra (agora, infelizmente, pouco frequentado), não há um porto de abrigo que permita o tráfego marítimo, mesmo de simples cabotagem, em dias de mau tempo.
Sempre que estes dias coincidem com a chegada dos barcos - e o caso é frequente - os 13 500 habitantes da ilha ficam privados, por semanas ou por meses, da prática de qualquer comércio.
Daí prejuízos consideráveis, a atrasarem, constantemente, o seu progresso.
O caso foi já estudado, superiormente, com o desenvolvimento e o cuidado das coisas que se não desejam perdidas para sempre, mas até agora nem um eco de esperança soou para aquela gente ...
Em S. Miguel, onde mais de metade da população dos Açores vive em febril actividade para poder prover à subsistência de mais de 300 pessoas por cada quilómetro de terra arroteada, os problemas não se limitam ao porto que já possui, nem ao aeroporto que agora lhe foi assegurado, depois de longa expectativa de mais de quinze anos.
Sendo estes elementos, sem dúvida, peças essenciais à sua vida económica, eles não podem, todavia, garantir por si sós o equilíbrio social deste verdadeiro formigueiro humano.
Muitos outros problemas, ligados à terra e ao trabalho, carecem, pois, de ser ponderados para que esse equilíbrio se não rompa e assim se mantenha com boa paz aquele viveiro de gente que todos os anos aumenta na casa dos milhares.
Mais de 65 por cento da população desta ilha são constituídos por assalariados agrícolas, cujo número de dias de trabalho não vai além de 90 em cada ano.
Isto obriga, nos restantes meses, a abrir trabalhos nas estradas e nos caminhos vicinais, para que toda esta massa de mão-de-obra, não especializada, não se quede, paralisada e faminta, nos cantos das ruas.
Esta a razão por que a Junta Geral e as câmaras municipais todos os anos dirigem aflitivos apelos a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas para que as comparticipações já dadas se antecipem e para que outras de novo surjam a amparar a debilidade financeira dos seus réditos. E S. Ex.ª nunca deixa de responder, com generosidade e prontidão, a estes apelos.
Pena é que a insuficiência financeira acima referida seja de tal ordem que, por vezes, nem chegue sequer para acompanhar as comparticipações solicitadas.
Este o drama dos trabalhadores rurais.
Mas ao lado destes, e em crise que agora atinge com as restrições do crédito predial e hipotecário gravíssima acuidade, há toda uma multidão de operários da construção civil que não sabem onde empregar as suas mãos.
Ponta Delgada, e muitas das vilas de S. Miguel, tem falta de habitações.
Há casas pequeníssimas, com duas ou três divisões somente, que albergam dois ou três casais rodeados de filhos, às dezenas.
Nenhum deles tem porém, dinheiro para ver convertido em realidade o maior sonho da sua vida - ter casa própria.
O fenómeno é tão evidente que um dia, na freguesia do Cabouco, só porque uma grande benemérita ofereceu o terreno para um novo bairro e o Sr. Ministro das Obras Públicas prometeu dar 5 contos por cada residência que ali se erguesse, logo 40 pobres, baseados nesse crédito, ali fizeram surgir 40 moradias antes mesmo que houvesse tempo de aprovar superiormente os seus projectos ...
Mas não são só as habitações particulares que minguam no distrito de Ponta Delgada.
Nesta cidade há falta de edifícios públicos, que clamam, de mãos postas, pelo levantamento da maldição que sobre eles paira há muitos anos.
São eles o Palácio da Justiça, a escola industrial, o liceu feminino, o estádio municipal, o pavilhão grandes-portivo, a sede dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e todas as outras construções que, directamente ligadas a esta Federação, à Caixa Geral de Depósitos ou aos Serviços Sociais das Forças Armadas, poderiam encher de blocos residenciais os vastos espaços ainda livres da Avenida Marginal e da Rua de D. João III.
Todas estas instituições, que são hoje, no País, as maiores detentoras do dinheiro, decidindo-se a fazer semelhantes construções prestariam um alto serviço, não só aos seus funcionários ou beneficiários, mas ainda a todos aqueles que, na crise actual, dificilmente encontram na cidade a casa e a renda mais conformes com o nível económico e social a que pertencem.
E digo que estes edifícios clamam pelo simples levantamento da maldição porque não há óbice de monta que se tenha oposto, verdadeiramente, à sua concretização.
Nenhum deles deixou de merecer, desde há muito, não só as simpatias dos sectores governamentais de que dependem, mas ainda a promessa formal do apoio financeiro de que carecem.
O primeiro até tem, desde há mais de quatro anos, depositado na Caixa Geral de Depósitos, por ordem de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, os 4000 contos necessários para a sua execução.
Mas então, se assim é, porque ficaram perdidos no caminho?
Porque se não ergueram, um a um, todos estes edifícios que constituíam velhos sonhos da cidade?
Porque faltou a vontade aos administradores locais?
Porque escasseou, em dada altura, o dinheiro?
Porque se não encontrou terreno próprio para a sua implantação?
Não. Nada disso.
Os edifícios continuaram a girar na órbita longínqua das coisas impossíveis, porque uma força centrífuga, de grande poder, assim o quis.
E essa enorme força não foi outra coisa senão a da «empatocracia» nacional.
Ela não limitou nunca o seu raio de acção ao território metropolitano do continente. Ela galgou bem cedo o oceano e atingiu, com a maior pujança, as ilhas adjacentes.
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Uma vez ali, ela pôs em acção os métodos progressivos da sua orgânica habitual: diluir, demorar, paralisar, destruir.
E assim, empregando tão-sòmente a primeira daquelas faculdades, ela fez com que a maior parte das aspirações locais se desfizessem na espuma das águas do Atlântico. Mobilizando as outras três restantes, ela retardou, aniquilou ou espatifou tudo quanto restava do naufrágio ...
Assim, há dez anos que ela obriga a brigada do Instituto Cadastral de Ponta Delgada a marcar passo, no mesmo concelho, recusando-lhe sistematicamente os meios, tantas vezes solicitados pelo seu engenheiro director, imprescindíveis ao seu avanço.
Ela não ignora que a actualização das matrizes prediais, nos sete concelhos do distrito, é condição essencial paro o desafogo das receitas da Junta Geral e, portanto, para o progresso de Santa Maria e de S. Miguel. Mas mais importante do que esta condição vital é a de reinar no campo da demora ...
Outro sector que também não pôde fugir às garras do seu poder foi o novo matadouro-frigorífico.
Este magnífico e modelar edifício, que custou mais de 33 000 contos e foi dimensionado com largueza de vistas de molde a poder enfrentar o problema da exportação de carne frigorificada e congelada, não só de S. Miguel, mas até de todas as ilhas dos Açores, há dois anos que se encontra completamente pronto.
Nem uma só rês, porém, entrou ou saiu das suas câmaras até agora.
Divergências de critérios superiores, ainda não harmonizados, e formalidades legais, ainda não publicadas, prometem colocar-se, ainda por largo tempo, ao lado daquela extraordinária força imobilizante.
Onde, porém, a «empatocracia» atingiu o auge da sua evidência e preponderância foi na remodelação do antigo balneário das Furnas.
As Furnas são, como toda a gente sabe, um dos mais formosos rincões paisagísticos de todos os Açores. Nele existe, segundo a opinião das maiores sumidades na matéria, a mais rica e extraordinária hidrópole mineromedicinal que o Mundo conhece em tão escassa área.
Justo era, pois, transformar o seu velho balneário, apenas razoável, em estabelecimento balnear que fosse, pelo menos, francamente bom.
E imediatamente começaram as obras, obras tão complicadas e demoradas que levaram anos.
Ao fim de muito fazer e desfazer os técnicos um dia aborreceram-se com tudo aquilo e, depois de terem gasto alguns milhares de contos, resolveram regressar ao continente sem haverem completado o seu plano.
Lá ficou um edifício com a mesma área do antigo, tendo no primeiro piso um escasso número de banheiras, sem probabilidades de serem desinfectadas pelo vapor e sem que os inaladores, os chuveiros e outros apetrechos indispensáveis à prática de crenoterapia pudessem funcionar.
O mais grave de tudo foi, porém, a solução que se deu, posteriormente, ao rebentamento das condutas adutoras.
Uma manga comum, de cimento, passou a envolver o feixe de canalizações que, separadamente, levava as várias águas ao estabelecimento. E estas começaram a baralhar-se dentro desta manga sem possibilidades de chegarem, completamente individualizadas, ao ponto de destino ...
No segundo andar ficaram também duas grandes salas, vazias, à espera do hospital que nunca se montou ...
E é isto a nova estação termal de que dispõe o maravilhoso vale das Furnas: uma prova insofismável de quanto pode a inépcia e a incúria; uma autêntica vergonha nacional.
Não desejo de forma alguma incluir entre as vítimas inocentes desta maldita «empatocracia» a Federação dos Municípios, que, em boa hora, se formou há alguns anos com o fim de dar à ilha de S. Miguel a energia eléctrica que lhe falta. Mas a demora com que vejo processar-se o início da 2.º fase do seu programa, a despeito de o seu estudo já haver sido entregue nas repartições superiores, pelo seu director-delegado, há mais de um ano, leva-me a recear que ela caia também nas garras da hidra monstruosa que hoje aqui denunciamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a causa que me levou a tão longa explanação sobre os emperramentos executivos ou funcionais que se verificam em muitas aspirações e realizações públicas da vida nacional foi a crise que ora se desenha, com laivos de dramatismo, na cidade de Ponta Delgada.
Seria, pois, injusto que aqui não referisse que tanto os Srs. Ministros das Finanças, das Corporações, das Obras Públicas e da Defesa Nacional, como todos aqueles que dirigem os vários sectores por onde correm os serviços sociais dos respectivos Ministérios, se esforçam, neste momento, por levar àquela cidade, o mais depressa possível, o auxílio de que ela tanto carece.
É, pois, com o maior reconhecimento que dirijo a SS. Exas. a expressão sincera da minha profunda gratidão.
Antes, porém, do terminar não quero deixar de dirigir ao Governo da Nação um veemente apelo para que, alertado da presença de um novo inimigo nas dobras do próprio Estado, ele enfrente, com a coragem e a firmeza que são já timbre da sua actuação, mais este mal que desvia ou desfigura boa parte dos seus impulsos generosos.
Os retardadores e os destruidores de todos os empreendimentos que carecem de andar ao ritmo do tempo têm de ser considerados réus de lesa-Pátria e, como tais, castigados por seus crimes.
Eu sei que nem sempre será fácil descobri-los na sombra a que se alapardam ou nos bosques a que se acoitam, mas, sempre que um assunto pare ou se amolente, é preciso bater o terreno, passo a passo, até se encontrar o rasto dos seus pés.
É preciso acabar, de uma vez para sempre, com as forças ocultas que dominam, consciente ou inconscientemente, muitos sectores da vida pública.
Assim o pede a honra de todos nós.
Assim o exige o progresso da Nação:
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta:- Sr. Presidente: só a circunstância de não dispor de outra oportunidade para me referir a um acontecimento da vida artística do Porto e, ouso dizer, do próprio País, cujo ponto mais alto será atingido no princípio do próximo mês de Março, me leva a gastar dois breves minutos aos trabalhos da Assembleia, tão sobrecarregada neste fim de semana com a conclusão do aviso prévio do ilustre Deputado Cancella de Abreu e, certamente, com outras importantes intervenções parlamentares.
Comemoram-se este ano no Porto os 25 anos de vida, vida pujante de actividade meritória e frutuosa em favor da cultura, do uma instituição cujo património artístico, criado e desenvolvido por dedicações sem limite, é hoje
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pertença da cidade e um dos motivos justificados da posição de vanguarda que ocupa na defesa dos valores do espírito.
Trata-se, Sr. Presidente, do Círculo de Cultura Musical, fundado pouco depois do de Lisboa, cujas bodas de prata se celebraram há poucos anos em acto solene, com a presença honrosa do venerando Chefe do Estado, que, na sua justiça, o quis galardoar.
Falar da notabilíssima acção do Círculo no fomento da cultura musical é falar, sem dúvida, do mérito da iniciativa e do esforço particulares, tantas vezes mal compreendidos e desajudados, e falar também do gosto pelas coisas do espírito, que são numa cidade como o Porto motivo de legítimo orgulho.
O problema da cultura musical no Porto foi aqui tratado com relevo na passada sessão legislativa pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Simeão Pinto de Mesquita e nada haveria a acrescentar depois das palavras esclarecedoras e eloquentes que ouvimos.
Mas não resisto, Sr. Presidente, a fazer notar, e apenas como realce do que se deve àquele espírito de iniciativa e àquele esforço dedicado a que me referi, quanto o Governo tem voltado as suas atenções para a capital, cabeça desmedida de corpo tão pequeno, que, porque o é, só ela parece ter direito às coisas belas desta vida, que são também as coisas do espírito, negando-as a todos os demais.
Aqui tem o Estado o seu magnificente S. Carlos, com as suas temporadas de ópera, que colocam o País no plano europeu e, por isso mesmo, muito são de louvar; aqui mantém o Estado a Orquestra Sinfónica Nacional; promove espectáculos de ópera e de música sinfónica destinados às classes populares; tem ele à sua custa um conservatório de música e subsidia outras actividades de idêntico valor.
Registe-se tudo isto com satisfação, pois a primazia de tudo deve pertencer à capital e mal ficaria que cidade tão nomeada e frequentada pelos de dentro e pelos de fora não tivesse tudo isso e mais alguma coisa.
Não para estabelecer paralelo de importância, mas apenas chegar à justa medida, acrescente-se que, por exemplo, no Porto não se pode ter o falado gosto de se ouvir ópera - uma tentativa do Ministério da Educação Nacional, de há anos, vetada por quem tinha o direito de o fazer; a Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música é em grande parte sustentada pela Câmara Municipal, senhora também e alimentadora do Conservatório de Música; espectáculos de ópera para as classes populares não os há e os de música sinfónica organiza-os a Câmara; c as sociedades de cultura musical vivem por si ou pouco menos.
Esclarece-se que ao Círculo de Cultura Musical, objecto desta intervenção, eram dados todos os anos, até há dois anos, pelo Ministério da Educação Nacional, 50 contos, para receber nos seus concertos, gratuitamente, estudantes universitários; mas isso acabou e só lhe resta a benemerência do Secretariado Nacional da Informação, embora muito magra, porque não lhe é possível dar mais.
O Círculo de Cultura Musical do Porto faz 25 anos; a cidade, representada pelas suas autoridades políticas e sociais, tomou a peito comemorar tão feliz aniversário com indispensável dignidade, aquela que esteja à altura de uma actividade que se traduz em centenas de concertos com os maiores chefes de orquestra, orquestras e concertistas de todo o Mundo, valorizando a cultura nacional e prestigiando não apenas essa cidade, mas o próprio País.
O Governo, aliás a exemplo do que aconteceu nas bodas de prata do Círculo de Lisboa, não deixará certamente de, ele próprio, se associar a tão festivo acontecimento.
Confio sem reservas em que o ilustre Ministro da Educação Nacional será o patrocinador e o intérprete deste desejo, que, nos diversos actos que reveste, tem amplo significado político, no sentido do reconhecimento do valor de uma notável iniciativa e da gratidão por aqueles que a criaram e souberam manter com inexcedível dedicação durante este já longo tempo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A primeira parte é constituída pela eleição da Comissão Eventual a que me referi na sessão de ontem.
Ao conhecimento da Mesa só chegou uma lista, que foi organizada pelos presidentes das Comissões Permanentes desta Assembleia.
Interrompo a sessão por três minutos, para preparar a eleição.
Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 53 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação.
Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Custódia Lopes e Brilhante de Paiva.
Fez-se o escrutínio.
O Sr. Presidente: - Está concluído o escrutínio.
Entraram na uma 79 listas e o resultado da votação foi o seguinte:
Número de votos
Alberto Henriques de Araújo ..... 79
Alberto Pacheco Jorge ........... 79
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior... 78
Alexandre Marques Lobato ...... 77
Antão Santos da Cunha ....... 78
António Augusto Gonçalves Rodrigues .. 77
António Burity da Silva .......... 79
António Martins da Cruz .......... 74
António Moreira Longo ........... 79
Artur Águedo de Oliveira .......... 79
Bento Benoliel Levy ............ 79
Carlos Alves ................ 79
Carlos Monteiro do Amaral Neto .... 78
Francisco José Lopes Roseira ....... 79
Francisco José Vasques Tenreiro ..... 78
Henrique Veiga de Macedo ...... 79
James Pinto Bull ............. 79
Jerónimo Henrique Jorge .......... 78
João Ubach Chaves ............ 79
Joaquim de Jesus Santos .......... 79
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José Dias de Araújo Correia ..... 79
José Fernando Nunes Barata ...... 79
José Guilherme de Melo e Castro... 78
José Luís Vaz Nunes .............. 78
José Manuel Pires ................ 79
José Pinheiro da Silva ........... 79
José Soares da Fonseca ........... 79
Manuel Amorim de Sousa Meneses.... 78
Manuel Herculano Chorão de Carvalho. 78
Manuel Tarujo de Almeida ......... 79
Paulo Cancella de Abreu .......... 79
Sebastião Garcia Ramires .......... 78
Proclamo, pois, eleitos todos estes Srs. Deputados e convoco a Comissão, para efeitos do artigo 28.º do Regimento, para a próxima quarta-feira, dia 13, à hora regimental.
Como VV. Ex.ªs sabem, os Srs. Deputados eleitos continuam no exercício efectivo do mandato. Portanto, não há interrupção para esses Srs. Deputados quanto ao exercício do mandato. O exercício do mandato continua para esses Srs. Deputados como se não tivesse havido interrupção.
Conforme a faculdade que me é conferida pelo § 3.º do artigo 94.º da Constituição, declaro interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia a partir de amanhã, inclusive.
Vai passar-se à 2.ª parte da ordem do dia.
Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Cancella de Abreu sobre acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abranches de Soveral.
O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: os oradores que me precederam nesta tribuna destacaram bem, com as suas vozes fluentes, o agudo e gravíssimo problema que para o País constitui o trânsito rodoviário.
Se tal não bastasse, permitia-me destacar os seguintes dados estatísticos publicados anteontem pelo notável vespertino Diário Ilustrado: nos Estados Unidos para 60 000 000 de automóveis, 41 000 mortos em acidentes, percentagem: 1 morto por cada 1500 carros; em Portugal para 240 000 veículos, 924 mortos, percentagem: 6 mortos por cada 1500 carros. Resumindo: em absoluto, 1000 mortos por ano, fora os muitos milhares de feridos e estropiados; relativamente, 6 vezes mais acidentes por veículo que nos Estados Unidos. Ora se nesta grande nação, com uma percentagem 6 vezes inferior à nossa, se considera calamitoso o problema do trânsito, não sei encontrar explicação para o imobilismo e a impassibilidade com que as autoridades pertinentes contemplam as catástrofes que quotidianamente enchem as colunas do nosso noticiário.
Desta forma, todos não seremos de mais para despertarmos o marasmo em que estagnou o problema do trânsito em Portugal.
Temos hoje 240 000 veículos em circulação e mantemos as mesmas direcções de viação que existiam nos tempos heróicos dos «Fonds de calças arregaçadas».
Isto é incrível, mas verdadeiro.
Ignoramos se é por espírito de economia que se não avança na devida estruturação da prevenção e da repressão rodoviária, mas se assim fora não encontraríamos termos bastante duros para verberar o espírito de Harpagão, que em errado conceito económico preferia poupar o dinheiro ao sangue.
Queremos, porém, crer que tal não sucede; e, por isso, fica-nos absolutamente inexplicável a manifesta impotência das entidades responsáveis para debelarem o drama das estradas de Portugal.
Publicou-se há cerca de dez anos um código da estrada - ninguém dirá que os resultados sejam brilhantes ou, sequer, tranquilizadores.
O ritmo sempre crescente dos acidentes de trânsito, longe de se atenuar, tem aumentado assustadoramente, quer o olhemos no seu aspecto absoluto, quer no relativo.
Embora o código seja obra mais perfeita que o que seria legítimo esperar, entre as providências ali adoptadas chocam-nos algumas por descabidas e outras por tão insuficientes que deixam praticamente ao abandono aspectos graves da questão.
Em resumo: a nossa legislação da estrada, a despeito da boa vontade que certamente nela se pôs, nem no seu aspecto preventivo, nem no seu aspecto repressivo se mostra à altura do escopo que é necessário alcançar.
Supomos a situação tão grave que terá de ser encarada de frente, na sua realidade total, sem subterfúgios e sem preconceitos, com o propósito firme de a resolver, inteira e imediatamente, gaste-se o que se gastar. Para tanto não bastará a acção de um homem ou até de uma repartição: há que fazer apelo a todas as técnicas - à técnica jurídica, à técnica médica, à técnica psíquica, à técnica rodoviária e também à técnica do senso comum e da experiência da vida -, para que cada uma delas, dentro do seu campo de acção e sem exorbitar dele, colabore na salvaguarda de milhares de vidas humanas e na preservação de milhares de contos de fazenda.
E então, experimentados jurisconsultos coordenarão devidamente as normas do trânsito que a experiência e a técnica reputem necessárias - estabelecendo a sua sistematização e hierarquização por forma clara e simples, de molde a eliminar da lei definições ou expressões vagas e sempre perigosas.
E então os técnicos da estrada apressar-se-ão a demonstrar que é absolutamente impossível permitir nas vias estreitas e sinuosas que são as nossas estradas a circulação dos camiões gigantes, e em especial dos atrelados, que podem dar grande vantagem aos respectivos proprietários, mas que são absolutamente incompatíveis com a mais elementar segurança rodoviária.
Então os técnicos rodoviários demonstrarão a vantagem de em cada estrada se assinalar, a tinta branca, o meio da faixa de rodagem, de forma que cada um saiba o lugar em que segue, mormente nas ocasiões em que o nevoeiro ou a escuridão tornam mais difícil a localização exacta.
Então será ocasião de os técnicos do senso comum exigirem que se ponha termo, mas efectivamente e de vez, às corridas de velocidade pura, em que, com a mais completa impunidade, se deleitam, nas estradas da província, as camionetas do peixe, em compita com as mais camionetas de carga, e em que a vitória normalmente sorri aos ases do volante peixeiros sobre os seus émulos no domínio da estrada.
E então também a experiência da vida proibirá que a arma perigosa que é uma motorizada possa ser manejada por qualquer indivíduo sem experiência e sem carta, isto num país em que até para andar de bicicleta se exige normalmente uma carta.
Por outro lado, a Polícia, já de si insuficiente em número, vê-se imobilizada nos postos fixos ou forçada a circular em carros cuja principal utilidade é
de fazerem uma autopublicidade, que reputamos inconveniente.
A nosso ver, a fiscalização devia exercer-se desapercebidamente por toda a parte, deslocando-se permanentemente em automóveis sem qualquer sinal ou indicação exterior, ao contrário do que sucede agora, em que uma meia dúzia de carros giram em torno de Lisboa e do Porto
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com o nome da polícia por todos os cantos: só falta pôr-lhes à frente uma fanfarra si amiudar a sua aproximação. Sob outro aspecto, a repressão eficiente que as circunstâncias impõem exige meios de comprovação que o arbítrio ou o entendimento pessoal de um polícia não pode suprir.
Sem querermos diminuir ou menosprezar a acção meritória dos agentes da Polícia de Viação e Trânsito, não podemos reconhecer neles a infalibilidade que a actual fiscalização da estrada implicitamente presume. Não é sem um arrepio que, por exemplo, lemos a determinação contida no artigo 55.º do Código da Estrada e no artigo 45.º do respectivo regulamento.
No regime actual da nossa fiscalização, a transgressão implica um juízo de valor emitido por um guarda que, por melhor que seja, não tem competência nem, normalmente, possibilidade material de o formular ponderamente. E assim acontece que, na generalidade dos casos, a transgressão é a afirmação (gratuita) do polícia, contra a afirmação (também gratuita) do motorista.
Daqui e em qualquer caso, uma situação indesejável e desprestigiante a que urge pôr termo, apetrechando as patrulhas fiscalizadoras com os aperfeiçoados meios mecânicos que registam os factos por forma exacta e indiscutível.
Talvez para contrabalançar estas deficiências da nossa fiscalização rodoviária, quer no número de homens, quer na qualidade e quantidade do material, introduziram-se no código disposições tão inúteis como vexatórias.
Está neste caso a extraordinária disposição do n.º 8.º do artigo 47.º do Código da Estrada.
E o exame médico-sanitário (sanitário!) a que periódica e inevitavelmente se sujeitarão todos os indivíduos que atingem aquelas idades (que já oscilaram bastante) em que o soberano arbítrio do legislador entendeu por bem considerá-los decadentes.
Esta disposição legal pode constituir um certificado de senilidade e nada mais, porque nem as realidades de facto nem os estudos dos doutos a aconselham ou preconizam para benefício do trânsito na estrada.
E que, por um lado, os estados físicos mais perigosos para a condução não são os estados agudos de doença grave, mas os casos quase imperceptíveis de desequilíbrio orgânico. Normalmente, um indivíduo completamente embriagado ou com graves afecções cardíacas não guia, ou guia com extremo cuidado; o perigo grave estará precisamente nos casos atenuados e mal definidos; naquele que não está ébrio, mas alegre; no que não usa estupefacientes, mas tranquilizantes ou euforizantes.
Como, porém, estes casos imprecisos escapam, até por definição legal, ao exame estatuído, este restringir-se-á praticamente a uma inspecção ocular e auditiva, que não tem vantagem alguma e tem inconvenientes graves.
Não tem vantagem, porque nos elementos fornecidos pela Direcção-Geral dos Serviços de Viação não se aponta um único desastre atribuído a deficiência visual ou auditiva: e, quanto à idade, é bem sabido que a possível diminuição dos tempos de reacção é tão insignificante, que fica amplamente compensada pela maior serenidade, prudência e experiência adquiridas.
E tem graves inconvenientes, na medida em que mascara a clamorosa verdade, que nos diz que as deficiências de condução são mais de ordem psíquica do que de ordem física, e em que, consequentemente, deixa rédea livre àqueles que. por terem olho de águia ou ouvido de tísico, continuam sem peias a ameaçar a segurança dos outros com o seu egocentrismo inconsciente e perigoso; aqueles que, no dizer de George Duhamel, em Scènes de la via future, transformam a estrada numa selva (jungle é a expressão usada).
A estranha determinação que comentamos serve a confirmar a verdade anotada por este escritor na mesma obra: «aquele que não serve para nada serve, no entanto, para conduzir um automóvel».
O único exame conveniente para o trânsito automobilístico seria o psicotécnico; mas tal exame apresenta tamanhas dificuldades materiais que, no dizer autorizado de Roger Piret, seria pura utopia a sua exigência em relação à generalidade dos automobilistas.
E já que citámos este catedrático especializado não resistimos à tentação de transcrever para aqui a seguinte passagem do seu notável estudo Psicologia del automovilista y seguridad vial, que, a nosso ver, devia ser lido pelos entusiásticos legisladores do n.º 8.º do artigo 47.º do nosso Código da Estrada: «Sobretudo, senhores, nada de zelo intempestivo, dizia Talleyrand. Se a psicotécnica é excelente em casos particulares, não constitui uma panaceia ... tal como a medicina e todas as ciências têm as suas limitações; há, porém, pessoas que nunca vêem os limites de nada» (sic).
Desta sorte e sem mais comentários:
Se a gama de circunstâncias que interferem na capacidade do automobilista é vastíssima, e vai até ao mau funcionamento da glândula tifóide, na opinião do Dr. J. Gautier;
Se as conclusões dos exaustivos estudos americanos quanto aos chamados transgressores crónicos (chronic violators) permitiu concluir que «na maioria dos casos esta predisposição é menos imputável a deficiências graves na aptidão do que a evidentes lacunas no espírito de segurança» (ob. cit.., p. 110);
Se assim é, já vemos quão unilateral e insuficiente é o exame médico-sanitário e quanto se impõe a sua substituição por outra medida de mais amplo alcance.
Como se afirma na já referida obra do Prof. Piret (p. 142), «o ideal seria descobrir de golpe os condutores perigosos, mas o estado actual das técnicas psicométricas não o permite ...; no entanto ..., quanto aos condutores que já deram as suas «provas» na estrada, o caso é mais fácil» (sic).
Sendo assim, e assim é de facto, salta aos olhos a solução que se impõe como teste mais completo do que o famigerado exame «sanitário» para aqueles que já têm provas na estrada.
Bastará substituir imediatamente o actual n.º 8.º do artigo 47.º por outro que determine:
Os titulares das cartas de condução deverão requerer todos os cinco anos a renovação delas junto da respectiva direcção de viação; se do cadastro do requerente não constarem transgressões graves ou acidentes de viação, a renovação será imediata e automática; mas se neles estiverem averbadas duas ou mais transgressões graves ou acidentes de viação com ofensas corporais, a renovação só será concedida depois de novo exame de condução, ou de exame médico, ou até de exame psicotécnico, consoante o número e vulto das infracções comprovadas o aconselhem.
Assim se estatuirá uma medida preventiva com eficiência real.
No aspecto repressivo, também o código actual não é mais feliz.
Há que modificar as disposições contidas nos seus artigos 58.º, 64.º e 69.º, por forma que o julgamento dos acidentes de trânsito se realize imediatamente após o de-
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sastre ou em curto espaço de horas, a fim de que, em face dos vestígios materiais do sinistro e antes da possível adulteração dos elementos de prova, se encabece a responsabilidade do acidente, mesmo que o quantum de tal responsabilidade só muito mais tarde se possa determinar.
Efectivamente, não poderá considerar-se actuante e eficaz a justiça que tem de aguardar, por vezes meses e anos, a convalescença de um ferido para julgar um acidente de que as testemunhas indiferentes se terão esquecido e de que só as testemunhas interessadas terão recordação apaixonada ou rancorosa.
Não; a fixação da responsabilidade terá de ser imediata e estratificada através de um julgamento que, na impossibilidade de ser realizado por magistrado com efectiva e intensiva prática de condução, deverá ter a assistência de um assessor técnico das direcções de viação; daí a necessidade imperiosa de em cada distrito se criar uma direcção de viação, como ontem judiciosamente exigia a voz autorizada do Dr. Augusto Simões.
Urge também extirpar outra inovação do código vigente quase tão infeliz como a do exame sanitário: é a da acção cível acoplada (passe o termo) com a acção criminal.
Essa infeliz iniciativa do artigo 67.º do Código da Estrada não tem qualquer razão justificativa, porque não existe qualquer paralelismo necessário entre a incriminação penal, que exige a culpa, e a indemnização civil, que a despreza; nem tem qualquer vantagem, porque até a dispensa de preparos está mais curialmente estabelecida no n.º 7.º do artigo 68.º do código, e, pelo contrário, suscita tantos e tão clamorosos inconvenientes, que nos dispensamos de os enumerar aqui.
Impõe-se a sua erradicação do código.
E porque falamos em indemnização, urge também rever o texto do artigo 56.º do mesmo código, quanto à responsabilidade civil, por forma a definir melhor a doutrina legal, quer nalguns dos aspectos já legislados, quer nos que ainda não foram previstos.
No primeiro aspecto, haverá, por exemplo, que esclarecer se a indemnização do dano moral sofrido pelos ascendentes fica condicionada à verificação das circunstâncias materiais enunciadas na Lei n.º 1942.
E, quanto ao último caso, há que regulamentar a concorrência de culpas de diversos condutores intervenientes no mesmo desastre, por forma a pôr-se termo à doutrina do assento de 9 de Dezembro de 1959, que reputamos inadmissível como a reputaram também os cinco ilustres conselheiros que votaram vencidos, com o inconveniente agravado de em tal matéria se esboçar uma jurisprudência a tender para a- extraordinária conclusão de que uma pessoa com o seu seguro de acidentes de trânsito devidamente regularizado pode ficar sujeita a uma indemnização por acidente de trânsito em que a companhia seguradora não poderia ser responsabilizada ...
A esta anomalia, resultante de se querer aplicar à responsabilidade objectiva um preceito característico da responsabilidade culposa, obviar-se-á desde que se acrescente ao artigo 56.º um novo número a determinar que:
No caso, de a responsabilidade por um acidente caber a mais de uma pessoa, cada uma delas responderá tão-sòmente pela sua respectiva quota-parte, salvo se as circunstâncias ocorrentes manifestamente comprovarem que o evento se verificaria da mesma forma pela simples actuação de qualquer dos responsáveis.
Muito mais se poderia dizer sobre a espinhosa matéria da responsabilidade civil e criminal por acidentes de viação.
São numerosíssimos os problemas susceptíveis de discussão esclarecedora.
Assim, por exemplo, é muito discutível se as gravíssimas e inconcebíveis punições estatuídas no artigo 60.º serão de aplicar indiscriminadamente a todos os que abandonam as vítimas, equiparando aqueles que fogem em povoados, para evitar represálias de momento, aos que o fazem em local deserto, tentando eximir-se à responsabilidade.
E também perfeitamente sustentável a tese do seguro obrigatório de todo o veículo em circulação, desde que, bem entendido, se resolva o problema económico que lhe está na base, como argutamente anota o relatório do actual código.
Seria também de averiguar se as punições actualmente previstas - prisão e multa - serão as únicas possíveis e eficazes.
Se, porém, quiséssemos, aflorar todos os aspectos do complexo problema não terminaríamos tão depressa e já demorámos mais do que queríamos. Não quisemos, porém, alhear-nos de um problema que preocupa todos os portugueses.
Para o resolver bastará aproveitar o muito que já está feito no actual código, alterando-o e completando-o nos pontos em que o deve ser, e dotar a fiscalização com os meios materiais indispensáveis.
É, assim, uma questão de boa vontade e de dinheiro.
Oxalá que este aviso prévio desperte a boa vontade; porque, graças a Deus, não escasseia o dinheiro necessário para se desvanecer este autêntico pesadelo nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para encerrar o debate o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: uma velha praxe, que desejo respeitar, trouxe-me novamente a esta tribuna, a fim de encerrar o debate sobre o aviso prévio relativo aos acidentes de viação, debate cuja generalização já, só por si, revelou o interesse que mereceu à Assembleia o problema levantado, e foi revestido de maior relevo pela autoridade que lhe imprimiram os outros ilustres Deputados intervenientes na discussão.
E não me é difícil cumprir agora aquela missão, pois chegamos ao fim numa expressiva unanimidade sobre todos e cada um dos inúmeros aspectos que o assunto reveste nas origens, nos efeitos e nas soluções.
Não tive contraditores, e até se deu a especial e bem rara circunstância de terem manifestado igualdade de opiniões - mais uma vez demonstrativas de que os extremos se tocam - o decano e o mais novo dos Deputados, e este, o Dr. Folhadela de Oliveira, numa auspiciosa estreia parlamentar, pela qual muito me apraz felicitá-lo.
A respeito do meu depoimento, cumpre-me esclarecer que, se foi notada a falta de referência a um ou outro dos múltiplos aspectos e condicionalismos de que o problema se reveste ou se apenas lhes fiz uma breve alusão, esta insuficiência está suprida nas largas razões em que fundamentei o anúncio deste aviso prévio ou nas 25 conclusões do realizado em 1949 e nas 16 do de 1957, a que me reporto.
Cito, entre muitos outros, as deficiências na instrução e nos exames para condutores, os perigos que oferecem a condução e a velocidade empregada nas chamadas bicicletas motorizadas e nos motociclos e o enorme ruído dos
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seus motores em toda a parte e a toda a hora, sem poupar sequer os hospitais e as escolas, e que cruelmente perturbam o necessário repouso das populações, como ontem acentuou a sua notável intervenção o ilustre Deputado Dr. Alberto de Meireles ao referir-se ao flagelo dos enxames das frágeis e perigosas Vespas que o atormentaram nas suas estadas em Itália.
O Sr. Brilhante de Paiva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Peço desculpa de interromper V. Ex.ª, mas era apenas para trazer uma achega.
Como professor que fui já de um estabelecimento moderníssimo, que é o Liceu Salazar, sinto-me na obrigação de trazer a V. Ex.ª o testemunho de que a passagem constante por baixo das janelas das nossas aulas de motociclos, de grandes camiões de transporte colectivo ou de carga movidos a motores Diesel e ainda de bicicletas munidas de motor, a que propositadamente, muitas vezes os próprios utentes avariavam ou mesmo mutilavam o silencioso, conseguia efectivamente que não pudéssemos dar aulas, principalmente em línguas.
O Orador: - O mesmo sucede por cá. Como me referi ao Sr. Deputado Alberto de Meireles, vem a propósito eu, com a devida vénia, aludir a um aparte seu, no qual declarou que, nas suas frequentes viagens de automóvel, tem encontrado em alguns países pouca polícia nas estradas. E faço-o para dizer que neste como em muitos outros aspectos não podemos adoptar o figurino estrangeiro, e aquele facto apenas demonstra que ou se trata de países onde existe a educação cívica de que carecemos, ou de países que também sofrem as graves consequências de falta de fiscalização de trânsito, ou ainda dos que, porventura, empregam formas indirectas de evitar a indisciplina nas estradas. Mais um apontamento:
Do modo como exprimi a minha opinião sobre à fixação de um limite legal máximo na velocidade para todos os veículos motorizados, poderia concluir-se que preconizei a promulgação desta medida radical. Mas não foi esse o meu pensamento, pois, se é certo que defendi esta medida no aviso prévio de 1949, certo é também que agora tive a franqueza de declarar que me impressionaram grandemente os argumentos dos meus autorizados contraditores; e terminei por dizer que, se ela fosse adoptada, resultaria praticamente inoperante, enquanto as coisas estiverem como estão, isto é, enquanto cada um ande à vontade, faça o que lhe apeteça e não encontre quem o contrarie. Sr. Presidente: o § 2.º do artigo 50.º do Regimento determina que o uso da palavra mediante aviso prévio pode terminar pela apresentação de uma moção. Não se trata, pois, de uma obrigação, mas sim de uma faculdade, e, por isso, não uso dela, como não usei quando dos anteriores avisos sobre o mesmo assunto, em 1949 e 1957, tendo, na sessão de 20 de Março deste último ano, exposto as razões por que procedi deste modo, e foram as seguintes:
Sr. Presidente: o artigo 45.º do Regimento permite que o debate seja encerrado mediante uma moção de ordem. E é frequente apresentá-la.
Permitam-me, porém, V. Ex.ª e a Assembleia, que mais uma vez transgrida este costume.
Tenho opinião comprometida a tal respeito. Na sessão de 6 de Março de 1953, ao encerrar um longo debate num dos momentos mais emotivos da minha actividade parlamentar, disse que uma moção anódina, vaga, sem conteúdo, em nada esclarece o Governo é não é por ela faltar que ele deixará de seguir o caminho que o debate lhe sugira.
Por outro lado, uma moção mais expressiva, que especificamente concretize regras ou soluções, pode embaraçar a actuação do Governo que queira ser tal à doutrina ou ao voto que nela se exprime, mas não possa consegui-lo por quaisquer razões imponderadas ou supervenientes.
Sr. Presidente: resta-mo cumprir o dever de gratamente agradecer aos meus Colegas que quiseram ter a amabilidade de atribuir-me qualidades que só a generosidade podia encontrar em mim e de exaltar o que eu disse e outro merecimento não teve a não ser o de levantar novamente nesta tribuna uma questão que nunca é demasiado agitar em toda a parte o por todos os meios que exprimam o sentir da opinião pública, de que, aqui, somos os intérpretes.
A tolerância e a benevolência que vos inspiro dimanam tão-sòmente do jus da minha idade, aliás complexo de inferioridade infelizmente irremediável, com os outros de que sou dotado e como aquele, deviam impor à minha consciência o dever de afastar-me destas lides para o merecido repouso de uma longa vida de trabalho, e concentrar-me no sentimento da saudade que já tenho da vida.
Todavia, a vontade venceu a razão; a razão foi vencida pela estulta pretensão de ainda ser útil ao meu país, servindo-o enquanto e quanto em minhas forças caiba.
Mas, no caso presente, de tanta importância e tão transcendente interesse nacional, o que importa, o que mais valor tem, não é propriamente o que eu disse, mas sim a autoridade de que o revestiu a valiosa intervenção e o apoio que me deram os outros oradores que intervieram neste debate generalizado. E tenho como certo que serão especialmente os seus depoimentos que vão impressionar o demover as instâncias superiores, e, portanto, encontrar audiência, pois - ai de mim! - o meu não pode, ir tão longe e subir tão alto, de modo a chegarem ali mais do que vagos rumores de uma voz quase extinta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Proponho e peço um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para fazer a redacção definitiva dos diplomas já votados nesta Assembleia.
Consultada a Assembleia, foi aprovado aquele voto de confiança.
O Sr. Presidente: - Depois disto, apresento a VV. Ex.ªs os meus melhores votos neste breve interregno em que estaremos afastados uns dos outros, não desejando senão que VV. Ex.ªs voltem com a mesma boa vontade de trabalhar que sempre têm demonstrado e com o mesmo espírito de servir que é timbre de VV. Ex.ªs
Os meus cumprimentos e melhores votos, e até breve.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António Carneiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
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António Martins da Cruz.
Artur Proença Duarte.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco António da Silva.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel Colares .Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Olívio da Costa Carvalho.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Maria Santos da Cunha.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Eenriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jacinto da Silva Medina.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Purzotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA