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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84

ANO DE 1963 19 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 4, EM 18 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Exmos. Srs.

Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões N.º 67, o qual insere o relatório e, contas da Junta do Crédito Publico referentes ao ano de 1961; e doía ao n.º 83, inserindo o primeiro o aviso convocatório para a reabertura da Assembleia Nacional no dia 18 do corrente e o segundo o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, do decreto da Assembleia Nacional sobre a saúde mental.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - foram aprovados os n.ºs 80, 81, 83 e 83 do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente declarou que tinha a certeza de interpretar o sentimento da Assembleia formulando um voto pelo pronto restabelecimento do Sr. Presidente Mário de Figueiredo.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 44 875 e 44 877; e do Ministério das Obras Públicas uma nota informativa a propósito de uma intervenção do Sr. Deputado Nunes do Oliveira na sessão de 9 de Janeiro do ano corrente.
O Sr. Deputado José Alberto do Carvalho foi autorizado a depor, como testemunha, num tribunal do Porto.
O Sr. Deputado Alberto de Meireles, a propósito do naufrágio de, um navio liberiano cujos náufragos «ó puderam ser salvos por meio de helicópteros, solicitou do Governo que os serviços de socorros a náufragos no Porto sejam dotados com. alguns aparelhos daquele género.
O Sr. Deputado Armando Cândido falou sobre a unidade económica nacional c também acerca da entrevista que sobre a integração económica do espaço português o Sr. Ministro Correia de Oliveira deu aos órgãos de informação.
O Sr. Deputado Rocha Cardoso lembrou que o Governo já despendeu mais de 160 000 000$ com obras nos portos do Algarve, para suprir a inadiável necessidade de melhorar as barras, tão danificadas pelos últimos temporais e assoreadas.
O Sr. Deputado Armando Perdigão apontou a urgência de uma política de valorização regional.
O Sr. Deputado Vaz Nunes ocupou-se da situação de algumas centenas de mutilados e inválidos da grande guerra.
O Sr. Deputado Folhadela de Oliveira agradeceu ao Governo a inauguração do edifício da Escola Comercial c Industrial de Vila Nova de Famalicão.

Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade dos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1961. Falaram os Srs. Deputados Alberto de Araújo a Manuel Nunes Fernandes.
Antes de encerrar a sessão, o Sr. Presidente explicou os motivos por que marcava a próxima, com a mesma ordem do dia, para 26 do corrente.
Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas c 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

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Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benollel Levy.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Bosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 80, 81, 82 e 83 do Diário das Sessões, correspondentes, respectivamente, às sessões de 6, 7, 8 e 9 de Fevereiro.
Estão em reclamação.

O Sr. Alberto de Meireles: - Pedi a palavra para apresentar as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 82: a p. 2075, 2.ª col., 20.ª 1. em vez de «referido», deve ler-se «refervido»; a p. 2076, 2.ª col., 12.ª 1. contar do fim onde está «fluorescente», deve ler-se «florescente»; a p. 2078, 2.ª col., 22.ª 1. contar do fim, onde está «certa», deve ler-se «muita»; a p. 2080, 1. col., 5.ª 1., onde está «advogado», deve ler-se «magistrado»; na 16.ª 1., onde está «foram», deve ler-se «são»; na 25.ª e 26.ª 1., onde se lê «os 60$ por ano nos seguros», deve ler-se «o custo do seguro»; na 36.ª e 37.ª 1., suprimir as palavras «mais de uma noite»; na 2.ª col., 15.ª 1, o período termina com ponto de interrogação (?); a p. 2081, 1.ª col., 9.ª 1., falta «a» entre as palavras «de» e «lembrar».

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Gomo mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aqueles Diários aprovados com as rectificações apresentadas pelo Sr. Deputado Alberto de Meireles.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: embora, felizmente, em plena convalescença de uma forte gripe, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional não pôde vir reabrir os trabalhos desta Câmara, depois da interrupção do funcionamento efectivo da sessão legislativa.
Estou certo de que interpreto o sentimento unânime dos Srs. Deputados, formulando, não apenas no meu próprio nome mas em nome de todos VV. Ex.ªs, muito sinceros votos pelo seu pronto restabelecimento em tempo breve.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Do presidente da comissão executiva das comemorações do centenário do nascimento de el-rei D. Carlos I, a congratular-se pela forma como foi evocado na Assembleia Nacional aquele centenário.

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Telegramas

De Dias Antonino a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Jorge Correia sobre a unificação do preço da energia eléctrica.
Do presidente da Câmara Municipal de Paredes de Couro II concordar com a intervenção do Sr. Deputado Alfredo Brito acerca do planeamento económico regional.
Do presidente da Câmara Municipal de Aveiro a aplaudir o discurso do Sr. Deputado Alves Moreira relativamente à insuficiência das instalações hospitalares daquela cidade.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 33 e 34 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 8 e 9 de Fevereiro último, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 44875, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo e gratuito, à Diocese do Algarve o antigo Paço Episcopal, incluindo o conjunto de edifícios onde estiveram instalados os serviços da escola industrial e comercial, situados no Largo da Sé, da cidade de Faro, e n.º 44 877, que aprova, para ratificação, o Protocolo relativo à importação de produtos agrícolas portugueses na Suíça, assinado em Berna em 22 de Fevereiro de 1922.
Também está na Mesa uma nota informativa, que vai ser lida, enviada pelo Ministério das Obras Públicas, a propósito da intervenção feita pelo Sr. Deputado Nunes de Oliveira em 9 de Janeiro último.

Foi lida. É a seguinte:

1. O melhoramento do abastecimento da cidade, já considerado então urgente, não só pela Câmara Municipal de Barcelos como pelos serviços competentes do Ministério das Obras Públicas, foi incluído no Plano de estudos elaborado pelos mesmos serviços para o ano de 1945, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 33 863, de 14 de Agosto de 1944.
1.1. Após a aprovação superior daquele Plano de estudos, foi convidada a Câmara Municipal a contratar um técnico de sua confiança para a elaboração do projecto de correcção dos defeitos de abastecimento da cidade: beneficiação da captação e reforço do seu caudal, filtração e remodelação da rede de distribuição, prevendo-se a sua extensão a Barcelinhos, zona da estação nova, etc.
1.2. Com vista ao reforço do caudal estival, foi aconselhada a Câmara a proceder a trabalhos de pesquisa de água, enquanto prosseguia, no que possível, o estudo do projecto geral de remodelação do sistema. Para a realização das pesquisas foi concedida à Câmara, em Janeiro de 1947, a comparticipação de 48 000$. Esta comparticipação foi sendo aumentada, sucessivamente e segundo as necessidades, até atingir o montante de 165 500$.
1.3. Entretanto, na delonga da realização das pesquisas para a obtenção da água necessária, foi a Câmara Municipal de Barcelos sendo informada pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização do mau estado do abastecimento e recordada da conveniência da elaboração do projecto, e da execução dos trabalhos de melhoramento, citando-se alguns de realização imediata, especialmente a filtração e tratamento da água disponível, por esta oferecer grave perigo para a saúde pública.
1.4. Já captado, em 1955, o volume diário de 118 m de água - medido em estiagem -, voltou a ser lembrada a Câmara da falta de projecto de aproveitamento daquele caudal. O mesmo acontecendo quando em Abril de 1959 a Câmara apresentou nos Serviços de Urbanização a minuta do regulamento do serviço de abastecimento de água, para aprovação superior.
1.5. Só em 29 de Agosto de 1961 deu, finalmente, entrada na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização o projecto de adução das novas águas captadas nas nascentes de Moinho Torto, com vista ao abastecimento da cidade de Barcelos, o qual, depois de revisto tecnicamente, foi aprovado superiormente em 25 do mês seguinte.
1.6. Comparticipados pelo Estado desde logo estes novos trabalhos com 388 360$, eles estão, a partir de Abril de 1962, e com algumas interrupções, presentemente em curso. A verba necessária para perfazer o montante previsto da participação do Estado (533 860$) foi considerada no plano em vigor nos anos de 1963 e 1964. Não será a sua falta que irá aumentar o grande atraso verificado no ritmo da efectivação do melhoramento do abastecimento de água da cidade de Barcelos, apesar das constantes e repetidas diligências feitas pelos serviços de urbanização desde o ano de 1945. De facto, existe actualmente um saldo de 152 168$ e uma previsão para este ano de 61 640$, cuja concessão vai ser proposta.
2. O abastecimento de água normal do concelho de Barcelos vai agora entrar em vias de realização. Para tanto, a Câmara Municipal de Barcelos acaba de celebrar contrato com um engenheiro particular para a elaboração de projecto ou projectos indispensáveis, necessários ao englobamento de todas as povoações, a partir de origens de água já definidas, por meio de poços abertos nas margens do rio Cávado.
2.1. Das várias povoações do concelho a abastecer já a Câmara Municipal atendeu à execução dos das localidades de Fragoso e Igreja, para o que lhe foi dada a comparticipação do Estado, na percentagem de 75 por cento, respectivamente de 119 250$ e de 49 959$.
3. Para obviar aos inconvenientes dos precários abastecimentos de água do concelho de Barcelos vem ainda a Câmara, graças à comparticipação do Estado (criada a partir de 1960), levando a efeito a beneficiação de fontes públicas por forma a permitir que, em melhores condições de salubridade, as populações possam aguardar o início dos seus eficazes abastecimentos.
3.1. Nesta ordem de ideias também o Estado dispensou àquela edilidade -uma das primeiras do distrito de Braga a receber este género de comparticipação- o seu correspondente auxílio financeiro, reduzido neste caso só à verba de 41025$ - valor respeitante a 75 por cento do custo dos trabalhos que a Câmara se propôs fazer até à data.
4. Quanto ao aspecto das comunicações rodoviárias, de facto o concelho de Barcelos, como, aliás, os restantes do distrito, não possui vias municipais nas condições ideais de circulação, com agravante de Barcelos possuir uma extensa rede: estão inventariados para conservação cerca de 240 km de estradas municipais e de caminhos municipais.
A Câmara Municipal possuía em 1962 46 cantoneiros para 47 cantões, cuja despesa total com a sua manutenção foi computada em 362 400$. A ajuda do Estado foi nesse ano para esses serviços de 161200$ - portanto 50 por cento do encargo total tido pela Câmara Municipal com os salários de pessoal; foi a Câmara Municipal do distrito que mais recebeu para o efeito.

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Quanto à abertura de novas vias e grande, reparação das existentes, também a Cumaru Municipal de Barcelos não tem sido das menos favorecidas: teve já a seguinte ajuda, do Plano de viação rural: 1959, 302 400$; 1960, 51 7000$; 1961, 475 500$; 1962, 679 800$; para 1968, a maioria na base de 80 por cento.

Lisboa, 11 de Março de 1968.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 2.º Juízo Correccional do Tribunal da Comarca do Porto pedindo que seja autorizado o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho a depor como testemunha naquele Juízo. Consultado, o Sr. Deputado informou que não via inconveniente em ir depor. Nestes termos vou consultar a Câmara.

Consultada a Câmara, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Meireles.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: na linguagem simples que as circunstâncias justificam proponho-me trazer a esta Câmara um breve comentário a um facto ocorrido junto à barra do Porto. Não vou apenas referir o fait divers que os jornais trataram com desenvolvimento: no negrume da noite de sexta-feira o cargueiro Silver Valley, embandeirado na Libéria, pertencente a armadores italianos, provindo da Jugoslávia, mas com tripulação totalmente grega, naufragou, perdido o rumo; em frente à restinga do Cabedelo, na foz do Douro.
Mobilizaram-se desde logo, aos apelos lúgubres do navio ferido de morte, as corporações de bombeiros voluntários, que abnegadamente acorreram com todo o seu material e a dedicação do seu pessoal. O salva-vidas dos socorros a náufragos acorreu também. A frota de rebocadores da Administração do Porto de Leixões não se fez esperar e até, como sempre pronta, como sempre expedita, como sempre galharda, a nossa corporação da Armada acudiu com uma vedeta para prestar o único socorro possível, o do apoio psicológico aos náufragos. E sucedeu, Sr. Presidente, que as horas da noite passaram e, ao deambular da manhã, cresceu então e fundamentadamente a esperança de auxílio eficaz aos 27 homens em perigo naquele lugar fatídico, onde não é preciso ser velho e ter grande memória para lembrar passadas horas de tragédia.
Há 40 anos a perda do Deister, com a tripulação perdida e um dos pilotos da barra tragado também pelo mar; foi depois o Gauss, e nele não se perdeu a tripulação, mas morreu meia dúzia dos homens que tripulavam os salva vidas e se expuseram mais uma vez, corajosamente, para valer à tripulação em perigo.
E tudo isto, Sr. Presidente, se passou sob os nossos olhares, tão perto da costa que parecia que bastava estender a mão para que as mãos dos náufragos, agarrando as nossas, pudessem voltar à vida. Mais uma vez, com angústia, a população ribeirinha, que vive debruçada nas margens do Douro, desde o Esteiro da Campanhã até à Cantareira, que Raul Brandão descreveu em águas-fortes, e do Avintes a Lavadores, e as gentes do mar, confundidas com a população, viveram horas de tragédia. E posso testemunhá-lo, perante a impotência dos socorros, quer de terra, quer do mar, intuitivamente se corporizou naquela enorme multidão a ideia de que só do Céu podia vir a salvação. E dele veio, como sempre, afinal, materializada desta vez num instrumento maravilhoso que o engenho do homem criou e domina já tão perfeitamente: o helicóptero.
E vieram, graças u Deus, a tempo, os helicópteros que em Alverca estavam, tripulados embora por pilotos estrangeiros, em colaboração pronta com os serviços competentes do Ministério da Marinha; eles vieram num clarão de esperança. E com eles as esperanças já perdidas renasceram em todos.
Calculamos a alegria dos náufragos, que já descriam de outro socorro. E com uma regularidade que fez pasmar, com a simplicidade das coisas enormes, foi possível, em escassos 40 minutos, trazer para a praia, sem um acidente, sem um incidente, como se se tratasse de um exercício de socorros a náufragos, os 27 tripulantes do navio perdido.
Como sempre, o sentimento da população do Porto, digo, o sentimento da população de Portugal, veio acima. E não se sabia a princípio quem eram os náufragos, mas, gregos ou troianos, o que importava era salvar aquelas vidas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E vieram as explosões de alegria porque, por fim, se afastou a usa negra de tragédia que pairou naquelas horas sombrias.
Sr. Presidente: disse, que só do Céu podia, vir a salvação.
E ela veio pela mão solícita da Torça Aérea, que esteve representada pelo director dos seus serviços fabris, Sr. Coronel Fernando de Oliveira, e agiu com serenidade e eficiência dignas dos maiores elogios e de rendido agradecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, Sr. Presidente, há um anseio agora mais vivo, da parte de todos nós, para que sejam dotados os serviços dos socorros a náufragos com um meio que agora se nos oferece, para que sejam mais eficientemente protegidas as vidas dos homens do mar.
Toda a nossa população piscatória e marítima pede que o Governo lhe conceda, mas para já, o apoio de alguns helicópteros, adstritos a operações de salvamento.
O Porto deseja-o e pede-o; já clama na sua imprensa. E posso afirmar que a voz humilde que aqui se levanta na Assembleia traduz o pensar, o sentir e o anelo de todos os homens do mar e de todos aqueles que vivem o seu drama. Mas os homens do mar confiam sobretudo no que vêem, e ouvi dizer a um: «Não podemos estar à mercê dos telefonemas de Lisboa ou da boa vontade de Lisboa. Queremo-los aqui, ao pé de nós, para que saibamos que os helicópteros estão ao dispor da Capitania ou das autoridades locais». E isso que o Porto quer, que o Porto deseja, o parece-me que não pede o impossível.
Porque não se há-de guarnecer a nossa costa com esses aparelhos, que virão tornar mais eficientes os nossos serviços de socorros a náufragos? É um aparelho caro? É difícil obter guarnições para eles? Mas penso que o Aeroclube do Porto está em condições de fornecer voluntários dispostos a aprender a tripular aquelas naves que em Pedras Rubras estiverem na segurança dos hangares. Um ou mais voluntários não faltarão, e os técnicos das nossas forças aéreas certamente se prestarão a instruí-los.
Se deste apelo da cidade resultar, como espero, audição do Governo para que dote o Porto com helicópteros prontos a salvar vidas, teremos prestado justiça à gente do mar e concorreremos, ao mesmo tempo, para a tranqui-

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lidade dos que, muito embora o não sendo, assistem sempre com horror a casos como este a que acabo de me referir. E os homens que andam no mar a arrancar peixe como ganha-pão, ao sair nos seus barcos, sentir-se-ão mais tranquilos se souberem que ali perto estão vigilantes esses maravilhosos, esses extraordinários instrumentos de salvação, que se revelaram agora espectacularmente eficientes na primeira operação de salvamento na costa portuguesa.
É esse apelo que faço ao Governo.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: a unidade económica nacional constitui um princípio definido e assente no artigo 158.º e § único da Constituição Política da República Portuguesa. Leio os respectivos textos para evitar o trabalho de busca e consulta àqueles que porventura não os tenham bem presentes:

Art. 158.º A organização económica do ultramar deve integrar-se na organização económica geral da Nação Portuguesa e comparticipar por seu intermédio na economia mundial.
§ único. Para atingir os fins indicados neste artigo facilitar-se-á, pelos meios convenientes, incluindo a gradual redução ou suspensão dos direitos aduaneiros, a livre circulação dos produtos dentro de todo o território nacional. O mesmo princípio se aplicará quanto possível à circulação das pessoas e dos capitais.
Assim, todos poderão ver rápida e facilmente que não se trata de uma novidade motivada ou sugerida pelos movimentos de integração europeia, que ultimamente tanto têm agitado a opinião pública internacional e preocupado os governos das nações interessadas.
Sabedor do que mais convém ao seu processo económico e de que esse processo mais cedo ou mais tarde haveria de ser posto à prova no domínio das transacções com o estrangeiro, Portugal fixou na lei fundamental, com a necessária e justa antecedência, o ponto de partida para a- unificação económica do seu espaço.
Disse «ponto de partida», e creio que não poderia ter encontrado designação mais apropriada:
A base LXXI da Lei n.º 2066 (Lei Orgânica do Ultramar), de 27 de Junho de 1953, refere-se ao regime aduaneiro, «quer no que interessa às relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas, quer às destas entre si e com os países estrangeiros», indicando-o como problema, de interesse comum ou geral a considerar superiormente, de modo a ser regulado «de acordo com os princípios enunciados» no citado artigo 158.º e § único da Constituição, para o que - ressalvados os regimes especiais a adoptar, quando julgados necessários, para as três províncias do Oriente poderá o Governo «unificar, quanto possível, em todo o território nacional, os direitos aduaneiros nas relações comerciais» com aqueles países; «reduzir gradualmente, até à sua completa supressão, à medida que sejam substituídos por outras receitas, os direitos aduaneiros, nas relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas e nas destas entre si e com a metrópole»; facilitar, dentro do possível, «as transferências de capitais entre todas as parcelas do território nacional».
Na base LXXIII da mesma lei estabelece-se que «a unidade monetária em todas as províncias ultramarinas será o escudo» e que «os bancos emissores procurarão assegurar a convertibilidade das suas notas em escudos metropolitanos e destes naquelas, com as correcções resultantes de situação cambial».
Através do Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, foram estatuídas disposições que representam, como se escreve no seu conciso e elucidativo preâmbulo, «um novo e decisivo passo» no caminho da integração económica já definida na Constituição e na Lei Orgânica do Ultramar como «um objectivo político-económico de alcance extraordinário», visando, «o que é o mesmo, a formação de uma economia verdadeiramente nacional».
Este diploma, conjugado com «a fase de arranque do desenvolvimento económico nacional», é de capital importância, pois traduz, por si mesmo, um forte impulso no sentido da concretização da ideia de uma economia portuguesa unificada.
Na sua última conferência de imprensa, do dia 8 do corrente mês, o Ministro de Estado da Presidência, Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira - competência indiscutível e inteligência viva plenamente devotadas ao serviço da Nação -, ao referir-se ao Decreto-Lei n.º 44 016, salientou, com flagrante justeza, que «a formação da economia do espaço português se realizará pela conjugação de duas acções fundamentais» consubstanciadas «na execução de uma política económica assente em planos de desenvolvimento territorial» e no «alargamento ou unificação progressiva dos mercados, pela supressão das barreiras alfandegárias internas», assistida, «esta política de acção dupla», por «um sistema de pagamentos interterritoriais capaz de assegurar, com o automatismo e a elasticidade possíveis, a certeza da liquidação em tempo das transacções de mercadorias e de serviços entre todos os territórios portugueses».
Após a publicação deste decreto-lei, e na afirmação constante do desenvolvimento prático dos princípios contidos na lei fundamental, tomaram-se efectivas medidas com vista às primeiras reduções dos direitos aduaneiros e à definição de regras sobre a origem das mercadorias; foi promulgado o Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, que visa, especialmente em determinados sectores e nas regiões menos desenvolvidas, a aceleração do ritmo do crescimento económico, de modo a atingir-se o desenvolvimento de toda a economia nacional sem desequilíbrios ou desconexões perturbadoras; em 17 de Novembro de 1962 seis decretos-leis estatuem normas relativas ao comércio de câmbios, sistema de pagamentos e fundo monetário da zona do escudo; em 20, 21 e 22 de Fevereiro último vários decretos-leis, decretos e despachos ministeriais regulam as operações de importações e exportação de capitais privados entre territórios nacionais e entre as províncias ultramarinas e o estrangeiro, as operações cambiais realizadas no continente, nas ilhas adjacentes e nas províncias ultramarinas, as operações de pagamentos interterritoriais definidas no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44701, autorizam o Governo a celebrar novos contratos com os bancos emissores e alteram as taxas de vários artigos da pauta da importação - tudo por força da entrada em vigor, no dia 1 do mês em que estamos, do novo sistema de pagamentos, meta a que muitos, principalmente além-fronteiras, não acreditavam que chegássemos com tanta decisão em tão curto espaço de tempo.
Já esse estadista gigante do nosso tempo e de todos os tempos, que é Salazar, em 1 de Junho de 1933 havia dito - como foi recordado, muito a propósito, pelo Ministro de Estado Dr. Correia de Oliveira na conferência de im-

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prensa já citada - que, constituindo Portugal "uma unidade jurídica e política", o seu rumo não poderia ser outro senão o "de caminhar para uma unidade económica, tanto quanto possível completa e perfeita, pelo desenvolvimento da produção e intensa permuta de matérias-primas ...".

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quer dizer: mais se afirma e prova que a unidade do espaço económico português não é uma inovação improvisada sob a premência de acontecimentos internos ou externos da última hora. Ela vem de longe, pelo menos desde 1933, como objectivo bem definido a alcançar em momento oportuno e incluído no programa de governo do mais responsável pelo governo desta Nação, que dá ao mundo dos nossos dias o maior exemplo de fidelidade à consciência de servir o progresso geral, sem atraiçoar o seu humano e alto sentido com desvios de acção ou perdas de ânimo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E nem sequer tem qualquer espécie de validade o reparo porventura feito pela crítica de que há-de se decidiu o Governo Português a dar seguimento prático aos princípios consignados na Constituição e na Lei Orgânica do Ultramar, pois não se transforma a vida económica de um país sem as delongas imprescindíveis ao abrandamento ou mesmo à completa eliminação dos choques entre os velhos e os novos métodos, que impõem alterações profundas à rotina - a mais forte expressão do conservantismo, traduzida na marcha da vida pelas sendas monótonas da estagnação. É que se pode caminhar sem progredir. Bastará que o caminho não conduza a qualquer aumento de ritmo ou a um maior grau de desenvolvimento.
O titular da pasta das Finanças, o Prof. Doutor Pinto Barbosa - demonstração incontestável de quanto pode o vale a preparação técnica aliada ao melhor senso de a utilizar com serenidade e oportunidade -, na sua esclarecedora entrevista concedida ao Diário de Noticias no dia 28 de Fevereiro último - "a véspera de uma data nacional" -, faz exactamente a distinção entre política de equilíbrio estacionário e política de equilíbrio dinâmico. "Quando falo de política de estabilidade - disse o Doutor Pinto Barbosa -, reporto-me ao "equilíbrio dinâmico" da economia, que em termos menos técnicos costuma designar-se pela meta de "progresso com estabilidade".
Nessa entrevista da qual claramente ressalta que a reforma do sistema de pagamentos não poderá resolver, por si só, todos os problemas da integração económica do espaço português - não se esqueceu, por sinal, o Prof. Pinto Barbosa de aludir aos "custos humanos do desenvolvimento rápido". A sua observação filia-se, certamente, na necessidade de fazer acompanhar o crescimento económico do progresso social, que não deverá dissociar-se de uma preocupação de equilíbrio em que o homem participe como pessoa, ou seja como elemento designadamente tomado no âmbito dos seus atributos e possibilidades morais.
Temos assim que o País está deliberada e decididamente lançado nos trâmites da sua unificação económica, e o facto, se tem imensa relevância interna e externa, não pode ser olhado por mim, que represento nesta Assembleia um círculo das ilhas adjacentes - o de Ponta Delgada -, sem dobrado interesse geral e particular. É que na sessão de 17 de Março de 1947 - já decorreram, precisamente, dezasseis anos e alguns dias - efectuei uma intervenção em que tive o ensejo de me ocupar, no que se refere ao arquipélago dos Açores, do problema das pautas alfandegárias.
Essa intervenção não podia ter deixado de impressionar, pela veracidade e singularidade dos casos citados, os que então tiveram a bondade de me ouvir, e tem sido várias vezes citada, falando-se ainda hoje naquelas 40 t do trigo que foram despachadas no dia 20 de Setembro de 1946 em Santa Cruz da Graciosa e embarcadas no iate Maria Eugenia com destino a Angra do Heroísmo para serem laboradas na Moagem Terceirense, Lda. - que tinha, no respectivo distrito, o exclusivo da produção de farinhas espoadas -, e pagaram à saída da Graciosa 2149$, outro tanto à entrada na ilha Terceira, igual soma à saída da mesma ilha, depois de farinadas, e ainda mais 2149$ à entrada da ilha Graciosa - ao todo 8596$!
Poderia aqui e neste momento insistir em que os géneros alimentícios, os tecidos, os vários utensílios e ferramentas, os materiais de construção, etc., importados do continente, chegam aos Açores sobrecarregados, além do custo dos fretes, com taxas alfandegárias deveras insuportáveis, e referir outros casos, muitos casos semelhantes aos que referi na minha intervenção de 7 de Março de 1947. Mas, a acentuar a extraordinária importância de que se revestem quanto às ilhas os diplomas e despachos publicados para que se comece a efectivar a unificação do espaço económico português, bastará oferecer, utilizando os próprios termos com que me foi relatado, em Outubro de 1962, este exemplo portador de inegável eloquência:
Em fins do século passado montaram-se nos Açores (S. Miguel e Terceira) quatro fábricas de álcool extraído da batata doce. A grande diferença de preço então existente entre o álcool açoriano e o álcool vínico do continente determinou uma grande exportação, que prejudicou altamente os vinicultores da metrópole. Para impedir isto, foi proibida ou condicionada a exportação do álcool e taxadas com direitos proibitivos as bebidas com ele confeccionadas. Assim, os licores açorianos e madeirenses foram classificados como segue, à sua entrada no continente:

Art. 563.º Bebidas alcoólicas não especificadas em vasilhas de capacidade não superior a 2 1 (incluindo as vasilhas), 1 kg - $85 ouro.

$85 ouro X 24,45 ......... 20$78
Adicional de 20 por cento .. 4$156
(Papel) ..... 24$936

Art. 564.º Bebidas alcoólicas não especificadas em vasilhas não especificadas, 1 kg - 1 $70 ouro.

1 $70 ouro X 24,45 ........ 41$65
Adicional de 20 por cento .. 8$313
(Papel) ...... 49$878

Eram estes impostos de admitir na altura em que foram lançados pelas razões acima expostas. Presentemente, porém, sendo o preço do álcool de batata doce quase igual ao de vinho, e havendo outros ainda mais baratos, como o de figo, os direitos não têm razão de existir. Acresce ainda o facto de que, tendo os industriais açorianos de importar o vasilhame e de pagar despachos e fretes para enviarem a sua

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mercadoria para o continente, esta chega lá a preço que nenhuma concorrência pode fazer aos produtos congéneres da metrópole.
Dir-se-á, e com acerto, que existem determinados serviços, como aqueles presentemente a cargo das comissões distritais de assistência, que terão de sobreviver u custa de receitas diversas das actuais, provenientes das taxas alfandegárias permitidas fundamentalmente pelo Decreto-Lei n.º 36 820, de 7 de Abril de 1948.
Trata-se, sem dúvida, de uma questão que deverá ser naturalmente resolvida de maneira favorável. Entretanto, o que importa, e desde já, é apoiar e louvar as medidas tomadas, fazendo votos para que no mais breve espaço de tempo possível as barreiras alfandegárias entre territórios nacionais sejam suprimidas. Claro está que nessa altura as iniciativas, os empreendimentos, o comércio, a indústria, terão de contar mais consigo, exigindo de si próprios tudo o que puderem dar em matéria de eficiência e prontidão de transacções, de melhoria na elaboração e apresentação dos produtos. Mas essa é uma lei vital, imutável e aceitável. O que é preciso é que nos convençamos de que chegou a hora de cada qual trabalhar sem desfalecimentos e de confiar sem reservas.
Estamos travando a batalha do tempo. Todavia esta batalha não se ganhará vencendo só o dia de hoje. Temos de vencer o presente com a disposição de vencer o futuro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A nossa vitória não pôde, não deve esgotar-se sob a pressão de um momento. Há que reflectir para progredir; que progredir para sobreviver; que sobreviver para reafirmar a realidade portuguesa. Para tanto, e primeiro do que tudo, há que ser genuinamente português. Não há Portugal sem verdadeiros portugueses.
Ao terminar a sua conferência de imprensa do dia 8 deste mês, o Ministro de Estado da Presidência apontou o Chefe do Governo como sendo a mais bela e a mais perfeita identificação de um português com Portugal e acrescentou que esse exemplo de identificação está ao alcance de todos.
Tomemos o facto à conta de paradigma e pratiquemos, a pleno e com perseverança, a dignidade patriótica de o seguirmos em tudo e por tudo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rocha Cardoso: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é do mar algarvio e dos seus portos que desejo tratar hoje, numa singela intervenção de antes da ordem do dia.
Todos sabem que o mar é, para o algarvio, não só o seu principal encanto, a verdadeira menina dos seus olhos, como sói dizer-se, mas a sua maior riqueza. É ao mar que o algarvio arranca, numa luta titânica, o seu verdadeiro pão de cada dia. Foi nele que as suas sucessivas gerações sempre encontraram a seiva principal para alimentar o seu coração de trabalho, de luta, de grandeza para a Pátria. Nele forjaram os algarvios, desde sempre, as armas do seu heroísmo, do seu amor pela nacionalidade, a esperança do seu melhor e maior futuro. O mar do Algarve foi, não só para nós, algarvios, mas para todos nós, portugueses, a primeira, a única estrada por onde Portugal caminhou para a sua maior glória, os Descobrimentos, que foram também glória do Mundo. Das costas do Algarve, dessa Sagres maravilhosa, donde o Infante tirou o nome que o havia de imortalizar como um dos gigantes mundiais; dali, onde durante séculos foi o fim da terra, fez ele partir os portugueses para darem ao Mundo novos mundos.
Novos, por então ninguém os conhecer, novos por desconhecerem a civilização portuguesa, cheia de amor cristão, de amizade ao próximo, levando-lhes os princípios de Deus, que lhes daria a sua graça no céu e na terra, arrancando-os da barbárie, tirando-os das trevas em que viviam, para os trazer para o límpido mundo da civilização cristã e portuguesa.
E foram estas as razões que levaram os portugueses a desvendar os mistérios dos mares tenebrosos, e não a ânsia da riqueza, na finalidade de viver melhor ou construir uma vida mais fácil.
Com as nossas lutas em todos os mares do Mundo, só encontrámos mais trabalhos, mais dores, mais sacrifícios, mais perdas de vidas portuguesas. Por todos esses mares que encontrámos, para além dos mares do nosso Algarve, derramámos o nosso sangue, tão-só por amor ao sangue que Cristo derramara no Calvário para salvar a Humanidade. Por isso mesmo é que sentimos hoje, como nenhum povo, as ingratidões daqueles que, sem a nobreza dos nossos sentimentos cristãos, sempre viveram mais para a fortuna do que para a dor do próximo.
Não admira assim que eles vociferem por esses circos sapatescos da O. N. U., na incompreensão de as fronteiras portuguesas se espalharem para além do mar algarvio, sempre percorridos por nós com a cruz de Cristo, símbolo de paz eterna, e percorridos por eles a ferro e fogo, roubando aos outros para construírem uma vida de egoísmos, em fácil bem-estar económico. Por isso mesmo Portugal é hoje quase o único povo do Mundo que se bate por um princípio de tão alta civilização, que os seus inimigos nunca a tendo alcançado jamais a poderão compreender.
Eis porque nós, algarvios, nesta hora presente de luta pela integridade das fronteiras da Pátria, com maior orgulho ainda olhamos o nosso mar, as nossas costas, as areias das nossas praias; e erguemos a Deus as nossas preces e derramamos, para além delas, o sangue português, para manter sempre, lá longe, da linha do horizonte do mar algarvio, a cruz, símbolo maior do amor dos homens que compreendem a vida de todos, como filhos de um só Deus, não distinguindo cores de brancos, pretos, vermelhos ou amarelos.
Mal irá ao Mundo se não nos quiser compreender, e mal fará em arrastar para o ódio, para a dor, para a guerra, aqueles povos onde os portugueses desejaram levar, saindo dos mares algarvios, o amor, a alegria de viver, a compreensão cristã da amizade entre todos os homens, sem distinção de raças, de castas, ou das cores da pele de cada um. Mas certos estamos todos nós, portugueses, de continuarmos navegando na caravela da verdade cristã, que o mesmo é dizer na mais alta verdade do Mundo: e, por isso, pode este estar seguro de que por ela lutaremos hoje, como lutámos ontem, que continuaremos desvendando as trevas do ódio e da mentira, como já desvendámos, derramando o nosso sangue, as trevas dos mares tenebrosos, e que, crentes na verdade de Deus, ambicionamos voltar outra vez a um mundo novo, cópia fiel do mundo velho de Portugal.
Nunca foi esquecido pelos portugueses o mar do Algarve; cantado pelos .seus maiores poetas, historiado e valorizado pelos seus melhores escritores, sempre os homens de governo lhe dispensaram a melhor atenção.
De salientar é, porém, o interesse que ao histórico mar algarvio e aos seus portos vem dispensando o Governo Nacional de Sal azar. Basta relembrar o que se fez, de

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grandeza verdadeiramente histórica, nas comemorações henriquinas. Se nós, algarvios, não vimos erguer no alto do promontório de Sagres o monumento ao Infante, vimos desfilar em sua frente as representações das armadas do Mundo, em homenagem ao maior navegador de todos os tempos. Vimos salvar das ruínas o que em Sagres restava das glórias passadas, vimos reerguer em beleza a histórica cidade de Lagos, rasgando-lhe, face à sua grandiosa baía, uma maravilhosa avenida; artéria sem par no nosso lindo Algarve, que transformou inteiramente a arquitectura daquela mui nobre, leal e sempre constante cidade portuguesa.
Tivemos entre os seus históricos muros os mais altos representantes mundiais do génio lusitano, o Presidente do Brasil, Dr. Kubitschek de Oliveira, e o nosso querido Presidente almirante Américo Tomás. Fizemos assim relembrar ao Mundo, que não respeitava os serviços prestados a todos pelo génio lusitano, quão VII era o seu ingrato proceder.
Não tem que se queixar o Algarve dos governos da Salazar, antes tem que agradecer-lhes o que lhe tem dado de benefícios económicos e sociais de toda a ordem. De relembrar é aqui, nesta intervenção, o interesse que desde a gloriosa arrancada nacional do 28 de Maio lhe têm merecido os portos do Algarve. Já a ele se referiram nesta Assembleia, em brilhantes intervenções, os ilustres Deputados Sebastião Ramires e Sousa Rosal. As suas razões, os seus anseios algarvios, foram escutados pelos governos da Nação.
Os portos algarvios, velho problema provincial de muitos anos, anseio de tantas gerações algarvias, objecto de tantos estudos e trabalho de técnicos ilustres, nos quais destacamos o nome do distinto engenheiro Duarte Abecasis, vieram encontrar finalmente a sua realização.
Em Lagos, Portimão, Faro, Olhão, Tavira, Vila Real de Santo António e noutras zonas da costa algarvia se fizeram trabalhos, erguendo molhes, escavando areias, quebrando rochas, retirando todos, desassoreando barras. Por todas estas zonas algarvias espalharam os técnicos portugueses o seu saber, no desejo de facilitar e melhorar a vida sempre perigosa dos homens do mar, de procurar um mais rápido e cómodo escoamento aos seus produtos industriais e agrícolas. Podem divergir as opiniões quanto ao número de portos comerciais, poderá dizer-se até que numa costa de cerca de 80 milhas não seria necessário mais do que um ou dois portos, e que, com boas vias ferroviárias e rodoviárias, se fariam chegar com facilidade os produtos exportáveis de zonas mais distantes. Mas a verdade é, e já está provado pelo tempo, que os portos existentes no Algarve são todos necessários, e não são de mais para o labor dos seus pescadores, dos seus industriais, todas as facilidades que lhes prestarmos.
Para mim, modesto Deputado algarvio, merecem-me igual interesse. todas as zonas marítimas da província, e ao falar de cada uma, do seu próprio porto, desejo apenas valorizar todas elas e contribuir para a sua melhor e maior prosperidade económica, justificando assim o igual interesse que a todas tem dado o Governo da Nação.
São já vastos os recursos financeiros despendidos nas obras dos portos do Algarve. Não falando já do I Plano Portuário, desde o início da 2.ª fase do II Plano Portuário, ]944-1952, passando pelo I Plano de Fomento, 1953-1958, e contando com as verbas gastas pelo II Plano de Fomento, 1959-1964, o Governo já concedeu aos portos algarvios para cima de 160 000 contos, não contando com as várias e importantes verbas saídas das receitas próprias das Juntas Autónomas dos Portos de Barlavento e de Sotavento do Algarve.
Confesso que são somas muito elevadas, mas o seu valor encontra justificação se nos lembrarmos de que só nos anos de 1960 e 1961 o movimento comercial e de pescas nos indicados portos foi de mais de 1 000 000 t e o seu valor superior e 1 000 000 de contos, tendo só o pescado rendido para cima de 300 000 contos.
Se analisarmos agora o movimento dos portos algarvios, distribuídos pelas duas Juntas Autónomas de Barlavento e de Sotavento do Algarve, concluiremos que a sua importância é sensivelmente igual, cabendo a cada uma delas mais ou menos metade do movimento comercial e de pesca que na totalidade dos portos algarvios deixámos indicado. Mas para melhor compreensão indicaremos o movimento de cada uma das zonas nos anos de 1960 e 1961.
Assim, enquanto no Barlavento os portos tiveram um movimento de 637 280 t, correspondente a 486 604 contos, os portos do Sotavento tiveram correspondentemente o de 412 498 t, com o valor de 650 531 contos. Podemos afirmar aqui, seguros de que não podem desmentir-nos, que antes dos Governos de Salazar pouco ou nada havia sido feito para melhorar os portos naturais do Algarve.
Quando muito, antes de Salazar, existiam uns metros de cais nalgumas vilas e cidades do Algarve, mas portos, ou quaisquer construções com a finalidade de um porto, nada absolutamente existia. Só nesta época de Salazar se estudaram verdadeiramente, com o sentido de construir, os portos algarvios. B em cada um deles, em canais, molhes, cais, docas, obras comerciais e de pesca, apetrechamentos, dragagens, docas de recreio, já se gastaram mais do que as somas que passamos a indicar.
Lagos, 19525 contos; Portimão, 66816 contos; Faro, 816 contos, aos quais podemos acrescentar já a importante verba de 14 500 contos para a obra do seu porto comercial, somando assim as duas verbas 15316 contos; Faro-Olhão, 31963 contos; Olhão, 16481 contos; Vila Real de Santo António, nos quais estão incluídos o custo da doca de pesca, 30 000 contos. Além disto, há que citar milhares de contos gastos em várias obras marítimas na Arrifana, Baleeira, Albufeira, Fuseta, Tavira, Cabanas e outras.
E certo que já muito foi feito nos portos do Algarve, mas certo é também que muito falta ainda fazer, sobretudo para os pôr a funcionar como verdadeiros portos comerciais.

O Sr. Sousa Rosal: - Muito bem!

O Orador: - Em ensaios encontram-se, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil vários estudos importantes para conclusão do porto comercial de Portimão. Tais ensaios e estudos laboratoriais custarão, só por si, a verba de 2615 contos, e por este custo se poderá aquilatar quão elevada será a verba para realizar os trabalhos a que tais estudos respeitam.
Por todo o continente tem o Estado espalhado obras fluviais e marítimas da maior grandeza e do mais elevado valor, pois naquelas (as fluviais) já foram despendidos, de 1932-1933 a 1961. 2 315 180 contos e nestas (as marítimas) 1 601 398 contos; verbas que, só por si, dizem da grandeza da época em que vivemos e do esforço que a Nação vem empregando para valorizar nestes sectores a economia portuguesa. E como já anteriormente indiquei, o Algarve tem alcançado a sua merecida e justa quota-parte, que gratamente frisamos e agradecemos, em alta homenagem aos homens que tão elevadamente têm sabido governar a Nação.
Importa agora saber conservar e valorizar este importante património, levando ao fim as obras começadas; numa palavra: concluindo-as, para prestarem todos os ser-

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viços, todos os benefícios para que foram iniciadas. E só assim podemos bem-dizer as sornas enormes que nelas empregámos e os sacrifícios de toda a ordem nelas despendidos. Para tal, importa, antes de mais, olhar para as barras dos portos do Algarve. Sem um bom e seguro acesso aos portos, através das suas barras, tudo o que neles se tem gasto será perdido, quando, com um pouco mais de dinheiro e de trabalho, tudo se aproveitará.
Assim terá de ser, para não deixar em meio obras tão importantes e com as quais se desejou dar aos povos algarvios uma melhor e maior situação económica.
Os últimos temporais, felizmente raros, que durante o passado mês de Fevereiro assolaram tão desabridamente as costas algarvias, vieram lembrar a grande, a urgente, a inadiável necessidade de melhorar as barras dos portos do Algarve, e que, se não as desassorearmos rapidamente, todo o trabalho até aqui feito resultará em pura perda, ...

O Sr. Sousa Rosal: - Muito bem, Muito bem!

O Orador: - ... em absoluta e total inutilidade, em incompreensível desperdício. Mas estamos esperançados, ou melhor, seguros de que isso não irá acontecer, pois o contrário seria ver desmoronar grandes e belos trabalhos, erguidos com tanto estudo, saber e valiosos sacrifícios financeiros.
O Estado tem, sem favor e fora de elogio fácil o declaramos aqui muito gostosamente, serviços e técnicos da maior valia e dos mais profundos conhecimentos e condições de trabalho à altura de realizarem nas barras dos portos do Algarve as obras necessárias e precisas para a sua boa e fácil utilização. De resto, as obras que nos portos do Algarve já se efectuaram melhoraram por si próprias, em grande parte, as respectivas barras.
Assim aconteceu nos portos de Portimão e no comum Faro-Olhão, onde até com fortes vendavais é, se bem que com compreensíveis dificuldades, possível o acesso através das suas barras, bastando lembrar que ainda há pouco pela burra de Portimão se salvaram, debaixo de um dos mais fortes temporais que têm assolado a costa algarvia, as vidas preciosas de doze valentes homens do mar.
Nestas barras não têm sido constantes e aturadas as dragagens; pode dizer-se que desde 1958 ali não têm sido feitas, em vista de os dois molhes construídos à entrada das barras evitarem que nelas penetrem, assoreando-as, as areias-exteriores, o que antes disso facilmente acontecia.
Contudo, isto não obsta a que os técnicos continuem atentos aos movimentos das areias, das marés e da força das águas do mar, para executarem prontamente qualquer desassoreamento, evitando a sua avolumação e, consequentemente, maiores trabalhos e maior custo, pois sempre é mais fácil prevenir do que remediar.
Porém, e infelizmente, o mesmo não acontece na barra de Tavira, quase completamente assoreada, dificilmente permitindo já a entrada e saída de barcos de pequeno calado, que por ela se movimentam como auxiliares das suas quatro armações de atum, que, fora a do cabo de Santa Maria, são actualmente as únicas da costa algarvia.
Tais armações merecem de todos a melhor e maior atenção, pois, além de pertencerem a empresas de pesca das mais antigas da costa portuguesa, são os mais valiosos instrumentos de trabalho marítimo daquela encantadora cidade algarvia e alimentam a importante indústria conserveira de atum, não só das suas duas fábricas, como das existentes em Vila Real de Santo António.
Pelo I Plano Portuário alargou-se e afundou-se a sua barra natural, mas a falta, de uma assistência de dragagens tem deixado assoreá-la, tornando não só perigosa como até de quase impossível movimento de entrada e saída de embarcações de pequeno calado. E Tavira, a linda Veneza algarvia, merece que se lhe faça esta obra, aliás pouco dispendiosa, pois quase se resume a umas simples dragagens, visto ter mostrado nestes últimos anos desejar sair da apatia em que por muito tempo pareceu adormecida.
O seu concelho, as suas gentes, anseiam trabalhar pela sua valorização, e para isso uniram-se numa compreensão municipalista digna do melhor louvor e do maior amparo.
Por todas as suas freguesias, por toda a sua cidade, revive o anseio de progresso. Abrem-se estradas, melhoram-se ruas, estende-se a rede eléctrica, erguem-se edifícios em artérias que de novo se rasgaram, a sua mocidade instrui-se na sua escola técnica, na sua escola de pesca, nos seus dois colégios secundários; a sua população rural canta nos seus ranchos folclóricos das Casas do Povo u alegria esperançosa de um melhor viver, e o seu gosto pela música espalha pela sua banda municipal os acordes do hino da Pátria. Não esqueçamos Tavira!
Quase no mesmo estado de assoreamento se encontra a barra do valioso porto de Vila Real de Santo António. Porém, o problema aqui é de maior monta, pelo alto valor económico deste porto, sem favor presentemente o melhor e maior porto comercial algarvio.
Dotado de óptimas condições interiores, que lhe presta o rio Guadiana pelo grande volume das suas águas, pelo seu estuário frente a Vila Real de Santo António e à vila fronteiriça espanhola de Aiamonte e pela sua extensa navegabilidade até à vila de Mértola, este porto, pelas suas condições internacionais, merece-nos e merece de todos uma especial atenção.
Foi nele que se investiram as primeiras verbas do Plano Portuário de 1928, pela construção de um cais posteriormente aumentado até 300 n e junto ao qual se criaram fundos que permitem a acostagem de barcos de bons calados, facilitando-se directamente a sua carga e descarga através de dois guindastes de pórtico, tipo Diesel, eléctricos, para pesos de 3,5 t e 5 t a 18 n de braço, sendo ainda de salientar, por muito valiosa, a circunstância de tal cais não só se encontrar ligado a uma boa rede rodoviária, como ser servido por via férrea ligada à rede geral, pois o porto de Vila Real de Santo António é testa de caminho de ferro da linha do Sul.
Além de vastos terraplenos, possui este porto dois amplos armazéns comerciais com a capacidade de 3840 m3, tendo além disto um abrigo com cerca de 600 m2 de superfície.
Existe nele ainda um cais próprio com pontão flutuante, ligado à terra por um troço de ponte, destinado ao tráfego internacional de passageiros e veículos automóveis, ligeiros e pesados, para a vila espanhola de Aiamonte, cujo cenário maravilhosamente belo, pela alvura do seu casario, se espelha rias águas de um rio comum a duas pátrias, como o reflexo da compreensão política actual dos dois povos peninsulares, que por ela souberam afastar prontamente uma doutrina política cimentada no ódio, enquanto outros povos, em verdadeira cegueira, se deixaram iludir pensando defender os seus ideais, que diziam democráticos, quando os estavam perdendo na defesa do maior imperialismo jamais visto pelos povos do Mundo.
Vila Real de Santo António possui assim actualmente o melhor porto do Sul do País, não lhe faltando até uma boa doca de pesca, mas as condições naturais da sua barra, comum a Portugal e a Espanha, toda aberta entre areias que facilmente se deixam arrastar pelas correntes do rio Guadiana em entrechoque constante com as correntes das marés e do mar, necessitam, exigem, uma dragagem quase permanente, sob pena de se tornar inteiramente impossível o acesso ao estuário do rio.

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A barra assim comum serve interesses económicos de muito valor dos dois países. Para nós é por essa barra que entra o valoroso pescado de sardinha e atum e saem as toneladas de conservas, sal, amêndoa, cortiça, enxofre, figos e pasta, alfarroba em triturado, farinha e grainhas, madeiras e até mármores.
Nos anos de 1960 e 1961 o movimento portuário de Vila Real de Santo António foi de 342 667 t, de valor superior a 298 000 contos. Apesar de ter vindo a diminuir a exploração mineira de S. Domingos, contudo, ainda em 1961 saíram pela barra deste porto 92 935 t do seu minério, com o valor de 14 248 contos.
Navegável até ao porto fluvial do Pomarão, a 50 km da foz, por navios calando até 15 pés, é ali que embarcam os minérios de S. Domingos.
Na margem esquerda do Guadiana situa-se ainda, pertencente à Espanha, o novo porto fluvial de La Laga, que semelhante ao do Pomarão, faz embarcar ali minérios extraídos de minas associadas à grande empresa espanhola do Rio Tinto. De La Laga sai, presentemente, pela barra comum do Guadiana, mais minério do que das minas de S. Domingos. É ainda por esta barra que a vila espanhola de Aiamonte movimenta este seu porto, valioso em pescado e conservas.
Durante muitos anos as boas condições de navegabilidade pelo rio Guadiana e o desassoreamento da sua barra e boa. passagem pelo canal desta foram mantidas por uma draga pertencente à empresa mineira de S. Domingos, a bem conhecida, draga Mowe, a qual tinha um rendimento aproximado de 500 m3 por hora.
Tal dragagem foi autorizada pelo Governo Espanhol e pelo Governo Português, pela publicação da Lei de 15 de Julho de 1912, onde se fixou a largura do canal em 90 m e a sua profundidade em 6 m na preia-mar de águas mortas, tendo, por essas ocasião, as autoridades espanholas exigido a não alteração do sentido do canal da barra.
Iniciada, assim, em 1912, esta dragagem prolongou-se até 1922, numa média anual de 220 000 m3 de dragados, estabelecendo-se por ela o canal com as características exigidas na lei portuguesa.
Noa anos seguintes a dragagem de conservação deste canal não ultrapassou a média anual de 100 000 m3.
Em 1941 as dificuldades originadas pela 2.ª guerra mundial e o receio inspirado pelo acidente do Empier Warrior, afundado à entrada da barra por acto de guerra, levaram a empresa da mina a suspender as dragagens.
Em 1947 a empresa da mina renovou, junto da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, as instâncias, que de há anos vinha fazendo, no sentido de lhe ser concedida pelo Governo Português uma comparticipação no custo das dragagens da barra do Guadiana, informando que o Governo Espanhol, que junto dela insistia pelo pronto recomeço das dragagens, se mostrava, por sua vez, disposto a suportar uma parte dos encargos decorrentes.
Em face destas circunstâncias, o Governo Português concede à empresa, em 1948, o primeiro subsídio, no montante de 100 contos. No ano seguinte igual importância foi concedida, mas, estudado o assunto pelos Ministérios das Obras Públicas e dos Negócios Estrangeiros e examinado pela Presidência do Conselho, foi decidido fixar a comparticipação do Estado Português num terço do valor dos trabalhos executados anualmente, até que a soma das comparticipações concedidas atingisse 1000 contos, após o que se reconsideraria o problema (despacho de 22 de Março de 1949 de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas).
A contribuição assim definida foi, de facto, realizada com a. concessão dos subsídios de 100 contos em 1948 e 1949, de 333 coutos em 1950 e 1951 e de 134 contos em 1952.
Durante estes cinco anos, a dragagem foi, portanto, custeada pela empresa da mina com a comparticipação dos Governos Português e Espanhol, a do primeiro através do Ministério das Obras Públicas, e havendo a comparticipação do segundo atingido, de acordo com informações particulares, cerca de 2 400 000 pesetas. Os volumes dragados totalizaram cerca de 700 000 m3, ou seja a média anual de 143 000 m3.
No ano de 1953, dada a premente necessidade de efectuar a dragagem da barra, depois de o Ministério das Obras Públicas ter informado a empresa da mina de que se considerava estranho ao assunto, a Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve concedeu o subsídio de 100 contos.
Em 1954 não foi concedido qualquer subsídio pelo Estado Português e a empresa não efectuou qualquer dragagem, provocando esse facto grandes dificuldades na passagem da barra. S. Ex.ª o Ministro das Comunicações criou, por portaria de 8 de Setembro de 1954, uma comissão, constituída pelo capitão do Porto de Vila Real de Santo António, capitão-de-mar-e-guerra José Emílio Henriques de Brito, director dos Serviços Marítimos, engenheiro Carlos Krus Abecasis (presidente), chefe da Circunscrição Mineira do Sul, engenheiro Guilherme de Cortes Leandro, e director da Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve, engenheiro Custódio Rosado Pereira, para estudar o problema das dragagens do Guadiana e indicar as entidades a quem deveria caber a sua realização e os seus encargos.
Em 18 de Junho de 1955 a comissão apresentou o seu relatório, onde preconizava a solução que em seu entender melhor podia resolver o problema. O referido relatório mereceu aprovação de S. Ex.ª o Ministro das Comunicações. Essa solução, que fixava em 10$ o metro cúbico de produto dragado e em cerca de 120 000 m3 o volume a dragar anualmente, entregava à empresa da mina a execução dessas dragagens e repartia os encargos destas em duas partes iguais a satisfazer por Portugal e pela Espanha.
O encargo nacional, cerca de 600 contos, foi, para os primeiros 120 000 m3 executados em 1955 e 1956, dividido em duas partes iguais: uma por conta da empresa da mina e a outra, repartida também igualmente, pela Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve e o Comissariado do Desemprego.
Nos anos seguintes o Comissariado do Desemprego deixou de comparticipar nas dragagens, cabendo à Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve um encargo anual de cerca de 300 contos, idêntico ao da Mina de S. Domingos. Este acordo fora previsto por três anos, tendo terminado em 1958.
No entanto, por falta de outra solução, as dragagens prosseguiram no mesmo regime até 1960, tendo a Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve contribuído com 1862 contos e a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e Comissariado do Desemprego com 150 contos.
O volume dragado no período de 1955 a 1960 foi de 658 894 m3, ou seja uma média anual de no 000 m3.
A Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve foi a entidade nacional a quem foi cometido o encargo da dragagem da barra do Guadiana.
Por falta de solução do que era exposto no ofício n.º 313, de 25 de Junho de 1960, da Junta, não foi a esta possível liquidar dragagens neste ano, dragagens que já em

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1959 haviam subido para 4$ por metro cúbico, em vez de 2$50 por metro cúbico preconizados no relatório da comissão.
Não estando as entidades portuárias espanholas satisfeitas com o modo como decorriam as dragagens da barra do Guadiana, levadas a efeito pela Mina de S. Domingos, e porque dispunham de material de dragagem, sugeriram a Portugal a revisão do problema de forma a eliminar-se o material da empresa da mina, admitindo como solução que as dragagens fossem levadas a efeito pelas entidades portuguesas ou pelas entidades espanholas, ou ainda em conjunto, conforme as entidades portuguesas julgassem preferível. Das negociações levadas a cabo surgiu o seguinte regime: as dragagens seriam efectuadas, em anos alternados, por portugueses e espanhóis.
No ano de 1961, a dragagem seria efectuada pelos espanhóis.
A Espanha só iniciou as dragagens em 1962, cabendo a Portugal a dragagem de 1963, cujos encargos serão suportados pela Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve.
Feita assim a longa e fastidiosa história do que desde há muitos anos se vem passando com as dragagens do porto de Vila Real de Santo António, há que pôr em evidência, sem quaisquer rodeios, o estado ruinoso em que se encontra actualmente a mesma barra. Pode afirmar-se que está praticamente assoreada, pois dificilmente e com o maior perigo já por ela passam barcos que calem mais de 2,5 m, na baixa-mar de águas vivas.
É assim da maior gravidade este problema, e a ele se tem referido a imprensa regional e nacional com a maior insistência. Há que resolvê-lo quanto antes, evitando-se gravíssimos prejuízos. Os povos do Sotavento do Algarve vivem em dolorosa ansiedade pela melhor solução que possa salvar o seu porto.
Sabemos que a direcção da Junta Autónoma dos Portos de Sotavento do Algarve, entregue à prestimosa direcção técnica do distinto engenheiro Custódio Rosado Pereira e sob a presidência do dinâmico e inteligente algarvio Dr. Luís Moreira, tem desenvolvido uma incansável actividade no sentido de resolver este magno problema. Têm sido inúmeras as suas conferências com as entidades espanholas de Aiamonte e Huelva, todos se esforçando por encontrar uma rápida e boa solução.
A obra por todos apreciada e justamente louvada que o Dr. Luís Moreira levou já a efeito na presidência da Câmara Municipal de Faro, a sua incansável actividade em prol do aeroporto do Algarve, já em construção e do qual toda esta província espera a valorização da sua maior riqueza, o turismo, são, juntamente com o elevado sentido regionalista do ilustre governador civil, Dr. Baptista Coelho, a garantia segura de em breve podermos ver resolvido este premente assunto.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, o muito ilustre engenheiro Arantes e Oliveira, grande entre os maiores obreiros desta época de Salazar, que nunca, esquece entre as obras nacionais as da província do Algarve; o Sr. Ministro das Comunicações, entidade a quem os algarvios estão gratos pela sua valiosa actividade em favor da construção do aeroporto; o Sr. Engenheiro Armando Palma Carlos, ilustre e muito digno director-geral dos Serviços Hidráulicos, que nunca regateou o seu valioso auxílio aos interesses algarvios dependentes dos seus bem orientados e apetrechados serviços hidráulicos, prestarão, certamente, como, aliás, em todas as circunstâncias o têm feito, o auxílio preciso não só para se salvar a barra do porto de Vila Real de Santo António, como para evitar que se percam as dos restantes portos algarvios.
Possui a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos uma divisão de dragagens, funcionando sob a direcção dos seus serviços marítimos, orientados pelo ilustre engenheiro Manuel Fernandes Matias. Como todos os serviços da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, e o País sabe e reconhece quanto lhes deve, a divisão de dragagens contém hoje em técnicos e unidades tudo o necessário à sua boa e melhor finalidade. Dispondo presentemente para cima de 33 unidades, entre as quais se contam umas 11 dragas de sucção marítima, além de 1 corta-rochas, 5 rebocadores, quase uma vintena de batelões e demais auxiliares, contará, ao findar o II Plano de Fomento, um total de 40 unidades, num valor da ordem dos 200 000 contos.
Não temos, pois, que pedir ao estrangeiro nem técnicos, nem material, para trazer em condições de boa navegabilidade as barras de todos os nossos portos.
Para já urge desassorear a barra do porto de Vila Real de Santo António e seguidamente entregar a técnicos competentes, que também os temos, o estudo do canal melhor para a barra do Guadiana, pois esta, tal como é agora, carecerá anualmente de ser dragada, pela tendência de deslocação e alongamento do canal para sueste, dado o impulso das aluviões litorais e as perturbações ocasionais, mas violentas, que, em sentido contrário, introduzem as cheias e os grandes temporais do sudoeste e cuja acção a enchente e a vazante exteriores fortemente auxiliam.
Os nossos bons serviços navais sabem pelos seus oficiais, sem favor distintos e sabedores técnicos da Missão Hidrográfica do Continente, que isto é assim. E acreditamos que, conhecendo bem o que se passa na barra do Guadiana - além de assoreada, de uma extensão tal, que por vezes as pequenas embarcações levam mais de meia hora a passá-la -, eles estarão bem à altura de lhe aplicar o remédio mais eficaz.
Depois é necessário manter permanentemente no Algarve uma ou duas dragas, não só para evitar a perda de tantos trabalhos feitos e das enormes somas gastas nos nossos portos, mas para que estes, em vez de facilitarem a vida dos homens do mar, razão superior para que foram criados, se não transformem em verdadeiros cemitérios.
O que não há muito se passou com a corajosa, valente e destemida tripulação do salva-vidas Patrão Rabumba diz bem do perigo em que vivem presentemente os homens do mar de Vila Real de Santo António. Na sua nobre missão, aquele salva-vidas saíra a perigosa barra para verdadeiramente arrancar das garras da morte as tripulações de dois barcos da pesca costeira, e, depois de as haver salvo, e já todos a bordo do salva-vidas, se iam perdendo e até o próprio barco. É que o estado da barra, pelo seu grande assoreamento, não os deixava entrar no porto. Tentaram-no, em vão, por duas vezes, e, na impossibilidade de se salvarem por ela e pela de Olhão, foram entrar, após 30 longas horas de luta com o mar, no porto de Portimão, quase no extremo oposto da costa algarvia.
Não é justo nem humano que se obriguem a tais perigos homens da têmpera destes doze náufragos, que, ao chegarem a terra, em resposta «nos jornalistas, que lhes perguntavam se haviam tido muito medo, disseram que «ca altura das ondas e os corpos molhados não lhes tinham dado tempo para se lembrarem do medo, papão por eles ignorado».
Vou terminar já, Sr. Presidente, mas antes duas palavras, apenas para dizer da angústia em que nessa ocasião viveram aqueles homens bons da marinha de guerra portuguesa, de sentimentos tão superiormente altruístas, que se preocupam mais com a vida do seu semelhante do que com a sua própria vida, e que, em permanente vigília, aguardaram e transmitiram as notícias do que se estava.

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a passar. Entre todos eles viveu como nenhum outro a amargura daquele temporal o nosso ilustre colega nesta Assembleia e Deputado pelo Algarve, almirante Henrique Tenreiro.
Em ligação permanente com os valorosos capitães dos Portos de Vila Real de Santo António e de Portimão, respectivamente comandantes João Baptista Correia e Brás Mimoso, eu e a amargura que se lhe estampava no rosto e a alegria que por este exteriorizou quando finalmente se salvaram aqueles seus amigos do mar. Vi depois a sua ansiedade em conseguir os meios necessários para reconstruir a frota pesqueira de Sagres, que a força do mar estilhaçara total e completamente contra a abrupta falésia. Vi, senti e testemunho-lhe agora, em nome dos homens de Sagres e de todos os que do mar e para o mar vivem no Algarve e sempre por ali o têm eleito seu representante nesta Assembleia, a gratidão pelo amigo que nunca os esquece, amparando os seus lares, dando-lhes melhores instrumentos de trabalho e que, sempre encontram, quer nas horas boas, quer nas horas más.
Ao terminar, Sr. Presidente, quero expressar por mim o por todos os algarvios que se encontram nesta Assembleia a confiança em que ficamos de que o Governo da Nação não deixará perder os portos do Algarve e que tudo fará por melhorá-los.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: julgo que não carece de ser demonstrada a afirmação de que é urgente e decisivo para o País dar-se início a uma política de valorização regional, visando ao desenvolvimento das regiões cujas potencialidades económico-sociais se encontram congeladas, em contraste e em favor daquelas que, centripetando pessoas e energias, concentraram em si as mais capacitadas forças económicas, originando deste modo a anemia das primeiras, que, assim, letàrgicamente entorpeceram.
Tal política de valorização, para que se processe harmònicamente, não dispensará, naturalmente, a prévia elaboração de um planeamento afim para a região considerada. Mas este planeamento não poderá divorciar-se de uma programação territorial anteestabelecida, e esta, por sua vez, deverá ser concordante com a política adoptada para o espaço económico português, donde, evidentemente, o ultramar não poderá estar ausente.
Mas a política de desenvolvimento e de integração económica nacional tem de tomar seriamente em consideração a evolução admitida no continente europeu, e, assim, teremos de estar atentos a esta, cuidando mais das presumíveis características que virá a apresentar no futuro que daquelas que ora ostenta.
Por outro lado, a nossa vasta presença em África também não nos permitirá que nos quedemos alheados da evolução económica que vier a dar-se na ampla zona meridional daquele continente.
Mas ser-nos-á lícito admitir uma dinâmica para a nossa política económica alheada daquela que vier a processar-se na nossa amiga e vizinha Espanha? Naturalmente que não deverão, nem poderão, olvidar-se as analogias que existem, sobretudo no campo da agricultura, entre as duas nações, o que me leva a preconizar uma marcha concertada entre uma o outra economia, com o que se evitarão desagradáveis e nefastas situações de concorrência.
E, uma vez que o Governo Espanhol está a proceder no planeamento de um importante programa de desenvolvimento económico com início em 1964. mais urgente e oportuno se me afigura operar-se no nosso país um paralelo e estreito trabalho de planificação económica em cooperação com a nação vizinha.
Basta verificar que em 1961 as exportações mundiais de fruta ultrapassaram a enorme cifra de 11 000 000 t, figurando a Espanha entre os primeiros exportadores, para se compreender quão importante deverá ser uma coligação entre os dois países ibéricos no campo da produção e da comercialização frutícola, sem dúvida um dos ramos da agricultura que melhores perspectivas oferece para Portugal..
E estou plenamente convencido de que noutros sectores - siderurgia, adubos, pecuária, turismo, etc. - advirão as maiores vantagens para ambos os países se se vier a adoptar uma política económica de conexão, de permuta e de franco entendimento.
Chega a ser inexplicável que, tendo sido a Península durante os últimos decénios um exemplo de unidade política, sem desdouro para qualquer das soberanias, em contrapartida muito pouco haja, sido alcançado sob o signo do económico.
Devo sublinhar que, no sector do turismo, uma planificação e uma acção realizadora imediatas e conjuntas, levadas a cabo por parte dos responsáveis dos dois países, traria os mais positivos - e recíprocos - resultados.
Por outro lado, a tendência, cada vez mais acentuada, para a interstruturação conjugada dos espaços económicos de várias nações também nos deve servir para cuidada ponderação em relação ao Brasil, tanto mais que hoje muito se fala numa intensificada convivência luso-brasileira, talvez a concretizar-se em desejável comunidade dos povos de língua portuguesa.
Parece-me, assim, lícito equacionar os nossos problemas económicos fundamentais, atendendo aos interesses do país irmão, com o objectivo de ambas as economias ficarem enquadradas numa grande perspectiva comum.
O Decreto-Lei n.º 44652, de 27 de Outubro de 1962, define já a orgânica que, à escala nacional e territorial, se deverá ocupar dos trabalhos de planeamento e de integração económica.
Na realidade, aquele diploma reveste-se da mais alta importância e rara oportunidade, pois por ele poder-se-á alcançar, além de outras finalidades, a de uma tão desejada coordenação na política económica do mundo lusitano, único caminho a seguir para que todo o processo expansivo se realize conjugadamente nos seus principais escalões - nacional, territorial, regional e sectorial.
Julgo ter deixado já expressa a ideia de que considero fundamental serem os planos regionais a tradução do planeamento nacional à escala da região, exibindo aqueles uma necessária pormenorização que ao outro compreensivelmente faltará, pois nele caberão, sim, as bases gerais e indicativas que estruturação toda a política económica portuguesa.
Formulando estas dependências e interconexões para o planeamento regional, reconheço que virtualmente situo estas questões numa esfera algo ideal, aparentemente inexequível, dada a morosidade de tão complicados estudos, onde só a recolha de dados e a sua intercorrelação constituirão tarefa de enormes proporções, exigindo a intervenção de elevado número de especialistas.
Importa, assim, dada a necessidade de ganhar tempo e não perder actualidade, pôr em execução um trabalho preliminar que indique deliberadamente e em traços largos as coordenadas gerais, mas fundamentais, do plano nacional, e também do territorial, em termos de se definirem as linhas mestras em que deverá assentar todo o raciocínio delineador do planeamento regional. E o esqueleto de um anteprojecto que peço e que é urgente esboçar.

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Mas entretanto, e como seu indispensável complemento, é mister ir procedendo, paralelamente e em estudo menos apressado e mais incisivo, a um mais concreto planeamento nacional e territorial, sem desprezo, como atrás disse, pelos espaços económicos extranacionais que nos possam influenciar, com a preocupação de se vir a obter matéria que possibilite o posterior reajustamento do que houver de ser revisto em relação ao esboço inicial.
Depreende-se assim que advogo a elaboração, sem demora, de um anteprojecto de programa nacional e territorial que sirva de apoio à consecução dos estudos, que é urgentíssimo realizar para que se possa pensar na valorização do Alentejo e entrar-se, finalmente, numa nova era, a da coordenação dos esforços, que ali continuam erradamente desligados. Esta região é, sem dúvida, uma das que mais carecem de um plano geral e regional, dada-a ordem de grandeza dos investimentos que ali vão ser aplicados pelo Estado e na ausência de um autêntico plano de conjunto de desenvolvimento económico-social.
Não apressar os estudos que conduzem a tal planificação é insistir na descomandada acção de esforços e de iniciativas que urge conjugar. Exige-o ainda a gravíssima crise económica que o Alentejo está atravessando.
Tal descoordenação assume, por vezes, aspectos tão graves que não resisto ao desejo de apontar um exemplo que reputo dos mais flagrantes.
A p. 34 do vol. I do Plano de valorização do Alentejo afirma-se:

O pleno emprego, ou quase, deverá ser atingido com a ocupação de mão-de-obra nos regadios da 1.ª fase e na construção das obras da 2.ª fase, o que, de acordo com o programa de realizações adiante proposto, se deve verificar a partir de 1965.

Ora, reconhecendo-se que a sul do Tejo se podem e devem arborizar cerca de 900 000 ha - à volta de 30 por cento da área da província - de terrenos com aptidão florestal, aonde se irá buscar a mão-de-obra disponível para executar tão imperiosa obra de valorização arbórea? Sabendo-se que o Alentejo abarca uma área de 2 634 452 ha, dos quais 7 por cento estão projectados para regadio, ter-se-á a exacta ideia da expressividade que resulta deste descoordenado planeamento sectorial.

O Sr. Rocha Cardoso: - O que V. Ex.ª está a dizer está perfeitamente bem.
Em Espanha, nas províncias de Jaen e de Badajoz, à medida que se iam construindo as barragens iam-se também erguendo as aldeias (habitações) para as populações rurais que iriam trabalhar as respectivas terras, sabendo-se até as culturas que nelas se iriam realizar, como, por exemplo as de arroz, beterraba, tabaco, frutícolas, e, junto às aldeias, as respectivas fábricas para industrialização dos respectivos produtos. Assim é que se faz um verdadeiro plano, uma autêntica planificação. E foi assim que a Espanha viu aumentar o seu mapa com mais de 180 aldeias ou povoações rurais, consequência imediata, do seu realizado plano de rega. Assim, pois, devíamos fazer com o Plano de rega do Alentejo, que o ilustre orador está tratando, e só assim poderíamos evitar o êxodo dos rurais para as grandes cidades e para o estrangeiro.

O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª Voltando à necessidade da preparação, por parte do Governo, de uma estratégia económico-social que dê a conhecer as directrizes essenciais que deverão constituir os pilares em que assentará todo o trabalho de planeamento regional, não quero deixar de referir algumas das questões que considero de importância capital ver definidas.
I) Qual o ordenamento de natureza demográfica que nos virá a ser indicado e considerando a premência de ser repovoar e colonizar o ultramar e atendendo à necessidade de se reduzir a mão-de-obra que, em excesso, está absorvida pela agricultura metropolitana?
Correndo o risco de cair no exagero do excessivamente simplista, enunciarei o problema demográfico desta forma: a actividade agrícola na metrópole ocupa gente a mais; a emigração para o estrangeiro continua; o ultramar pede colonos.
II) Quais as zonas-plano a demarcar?
Este problema da delimitação das zonas a individualizar como regiões-plano muito tem sido debatido pelos especialistas da matéria e, valendo-se de múltiplos dados - ecológicos, demográficos, sociológicos, económicos, etc. -, tem pretendido organizar uma metodologia, aliás rica de variantes, que permita, encontrar solução cientificamente válida para tal problemática. Não vou aqui entrar nesta complicada mecânica, mas não quero perder o ensejo de fazer algumas considerações muito gerais e referentes à região que mais me diz respeito.
Não devo ignorar que a divisão regional do continente português, elaborada, aliás, por distinto técnico, considera o Alentejo como «região interior, peneplana, situada entre a serra algarvia, o Ribatejo e Sado e a fronteira de Espanha, tendo por limite oeste o contorno das formações paleozóica e granítica, ao contacto das grandes bacias terciárias, sorraina e sadina. A sudoeste e ao sul termina ao encontro dos relevos do Caldeirão e da serra da Vigia, que a interpõem aos ventos do mar. A mesma região natural transpõe a fronteira, no rumo da serra Morena, a contornar as bacias hidrográficas do Chança e do Ardila».
Constata-se, assim, que a região natural o Alentejo - repare-se que se trata de região natural - individualizada pelos serviços de zonagem da Estacão Agronómica Nacional ficaria sem contacto marítimo e separaria o Algarve, com os seus 507 360 ha habitados por 314841 almas, do resto do País.
Considero, assim, que reconheço sérios inconvenientes na adopção da região natural o Alentejo para o efeito de uma escolha definitiva da região-plano a sul do Tejo.
É que não se podem ignorar as evidentes e íntimas relações sociais e económicas existentes entre as populações algarvia e baixo-alentejana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, não são poucos os algarvios que acodem ao Alentejo para ali se empregarem em certas fainas agrícolas e também não são poucos os produtos que, obtidos na vasta província do além-Tejo, vêm a ser industrializados no Algarve ou aqui embarcam em bruto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A situação geográfica da província algarvia, a sua limitada superfície, a sua pequena largura, conjuntamente com as estreitas ligações económico-sociais que a articulam com a alentejana, levam-me a considerar que o planeamento e a valorização das duas províncias não podem deixar de ser encarados em comum, sugerindo assim uma grande região-plano que abarque o Algarve, os distritos de Beja, de Évora e de Portalegre e, ainda, os concelhos de Santiago do Cacém, de Grândola e parte do de Alcácer. Esta sugestão não exclui, antes pelo contrário pressupõe, a criação de sub-regiões, talvez quatro, tantas quantos os distritos totalmente abrangidos.

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E já que me propus falar dos laços que intimamente ligam aquelas duas províncias, direi que a valorização turística em vias de realização no Algarve, e que bem a merece, enferma de um defeito de base: não estar devidamente acompanhada a norte e para o interior, ou seja, não encontrar a necessária e indispensável complementaridade na importante zona que afinal o liga ao resto do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sem menosprezar o Algarve, que muito admiro, ele valorizará o seu arsenal turístico com a abertura das perspectivas mais amplas e variadas, através da região que setentrionalmente o continua, enriquecendo com uma excepcional gama de valores arquitectónicos, monumentais, artísticos, etnográficos, históricos e paisagísticos a panorâmica turística do Sul do País.
Desejei deliberadamente focar a estreita correlação que existe entre o Algarve e o Alentejo, nomeadamente em matéria turística - que já por si engloba diversos sectores de actividade -, para frisar que ambas as províncias se completam e se necessitam, e separadas as duas têm a perder, tendo ao mesmo tempo mostrado que a valorização em matéria de turismo adoptada para aquela província carece de revisão imediata, pois, lamentavelmente, se desprezou tal identidade, agindo-se como se de uma ilha se tratasse.

O Sr. Quirino Mealha: - Muito bem!

O Orador: - III) Uma terceira questão me proponho abordar no domínio do planeamento regional: é a que diz respeito à orgânica que se deverá, à escala da região, ocupar desse mesmo planeamento.
Não estão os técnicos da matéria em concordância nalgumas das questões do seu foro, mas uma há em que realmente se verifica unanimidade de opiniões: que a acção do planeamento regional e a respectiva realização terão de processar-se com a mais aberta adesão e o mais efectivo concurso de todas as actividades o indivíduos que na região se encontram integrados. E esta tese - e. julgo que não admite controvérsia - que opino seja tomada como ponto de partida para a estruturação de qualquer orgânica que se crie para programar e executar a valorização regional.
Daqui concluo que só um grande conjunto de vontades e do competências, brotando naturalmente do meio regional, ou fazendo-o despontar por incentivos apropriados, poderá vir a constituir o corpo, directa ou indirectamente, responsável por um planeamento da região e pela sua execução.
Tal corpo pedirá, como é óbvio, uma cabeça, um organismo, que, ponderando os anseios da grei, coordene todas as actividades o iniciativas locais.
Mas, porque cada região terá as suas. características específicas, e terá até mesmo já trabalho amealhado em subsídio da respectiva valorização, parece que se justificará cabalmente ser a própria região interessada a sugerir o tipo de orgânica que melhor lhe assentará.
Tomando o caso da região transtagana, posso afirmar que o trabalho já realizado pelas respectivas juntas distritais, com o valioso apoio do gabinete de estudos do Banco de Fomento e com o contributo das comissões que a elas se associaram, poderá de algum modo justificar que àquelas autarquias seja conferido papel relevante na valorização regional. Tanto mais que já têm funções de fomento e de cultura, por força dos artigos 312.º e 318.º do Código Administrativo, o que lhes tem conferido para algumas questões uma posição de supermunicípio - criação de gabinete de estudo e de projectos, prestação de assistência técnica aos municípios, organização de parques de máquinas, etc. -, da qual se poderá, evidentemente, tirar construtivo partido, olhando à apreciável área que abrangem.
Não tenho, assim, dúvidas em afirmar que às Juntas Distritais de Portalegre, Évora, Beja e Faro poderá ser outorgada a missão de se ocuparem do planeamento regional, agregando cada uma a si uma comissão coordenadora, uma comissão técnica, uma comissão consultiva, uma comissão de inquérito e investigação e as subcomissões de trabalho que fosse mister criar. Poder-se-ia designar cada conjunto distrital deste tipo por comissão de valorização sub-regional ou comissão de valorização distrital.
Naturalmente, considero essencial proceder a uma criteriosa escolha dos elementos constituintes daquelas equipas, com a preocupação dominante de se recorrer aos mais aptos e àqueles que, vivendo no seio da comunidade regional, mais embrenhados se encontram no conhecimento dos respectivos problemas e que, oriundos da actividade privada, corporativa e pública, realmente representem todos os sectores da vida da região: a agricultura, a indústria, o comércio, o turismo, o município, o artesanato, o ensino, a banca, a actividade seguradora, os serviço-diversos, etc.
Não obstante o eclectismo destes grupos de trabalho, já por si muito vastos, devido ao elevado número de subcomissões especializadas a que se deveria recorrer, dar-se-ia ainda a mais larga audiência e ao maior número de indivíduos através de uma meticulosa tarefa de consulta.
Considerando, assim, as juntas distritais - continuo a pensar no Sul do País - como centros de polarização de todo o trabalho de planeamento e para a sub-região-distrito, naturalmente que pressuponho para a região-plano a constituição de uma comissão de planeamento regional supervisora daquelas, e que teria no seu seio representadas as quatro juntas distritais, tendo tal comissão uma direcção, um conselho coordenador, um conselho técnico e um conselho consultivo. Tais direcção e conselhos seriam constituídos por membros das quatro comissões distritais, ficando assim implicitamente representados neles todos os serviços oficiais, corporativos, administrativos e associativos e as actividades privadas.
Seria a comissão de planeamento regional, na mais íntima colaboração com as comissões de valorização distrital, que elaboraria o anteprojecto do plano para a grande região - devidamente enquadrado na programação territorial -, que contaria, assim, com a efectiva cooperação de todas as actividades e serviços, quer privados, quer oficiais, da região.
Além desta intervenção dos serviços oficiais de nível regional, forçosamente que em trabalho desta monta, essencialmente de equipa, seria solicitada substancial cooperação aos serviços superiores dos Ministérios mais ligados aos assuntos económico-sociais, especialmente do Ministério da Economia, com relevância para os directamente dependentes das Secretarias de Estado da Agricultura e da Indústria, como aqueles organismos que, pela natureza da sua acção especialista, dispõem de estudos e de capacidade investigadora, caso do Banco de Fomento, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, etc.
Elaborado o anteprojecto, subiria aos serviços de planeamento territorial, para ali ser apreciado e corrigido - só apresentasse implicações com o Plano para o território -, e logo entraria nos serviços de planeamento do secretariado técnico, que o subordinaria depois ao Conselho de Ministros para Assuntos Económicos.

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Visado o aprovado, tal anteprojecto volveria ao ponto de partida para segunda e final consulta a todas as entidades intervenientes, o qual, depois de aprovado e revisto, seria remetido para segundo exame aos escalões superiores já referidos.
Logo que aprovado no mais alto nível, considerado agora projecto, seria publicado no Diário do Governo e declarado programa definitivo, pronto a ser realizado sob a supervisão da comissão regional, mas sob a orientação directa, nas respectivas áreas, das comissões de valorização distrital, que curariam de outorgar sectorialmente tal execução aos serviços ou organismos já existentes e aptos para tal, ou encarregar desta tarefa os novos que venham a ser criados para o efeito, estabelecendo-se para aquelas diversas entidades a obrigatoriedade de seguirem as directrizes expressas no plano, e em termos de lhes ser sempre dada articulada execução, para, conjunta e harmònicamente, se irem dinamizando todos os sectores.
Em todos os casos em que a actividade privada se possa encarregar da execução de qualquer empreendimento, que não contrarie os fins de valorização previstos, ela deverá ter a prioridade sobre qualquer serviço do Estado.
Para que as juntas distritais possam dar mais efectivo contributo ao desenvolvimento económico regional, conveniente será conferir-lhes mais largueza às suas actuais atribuições e reforçar-lhes as respectivas receitas.
O quadro geral que acabo de equacionar pecará por ser visto por prisma regionalista, mas julgo, exactamente por isto, ser o que melhor se adaptará às instituições já existentes, não as diminuindo, nem as atropelando, procurando, sim, aglutiná-las em torno dos pólos, que também já ali têm o seu solar consagrado. Também o aconselha a vastidão da região, que não admite com lógica parcelamentos, e igualmente o sugerem as inúmeras características comuns que lhe são peculiares.
Não obstante as vantagens inegáveis desta acção planificadora precedendo a execução de um programa, entendo, porque tal é urgente, que se deverá fomentar, sem delongas, a valorização de certos sectores que, parece, terão de vir a ser devidamente considerados em qualquer circunstancia. Impõe-se, assim, um estudo imediato de tais sectores, para que eles se possam desenvolver no mais curto espaço de tempo.
Enumero aqui alguns:
1) O turismo;
2) O artesanato:
3) As indústrias alimentares;
4) As actividades extractivas;
5) A indústria da cortiça;
6) A indústria da madeira e de mobiliário;
7) A electrificação;
8) O ensino técnico;
9) Os ensaios de agro-pecuária visando à reconversão racional e económica dos processos clássicos através da instalação de explorações-piloto.
IV) Uma quarta questão, que considero de capital importância, por constituir pensamento delineador de toda a política de planeamento económico-social, é o grau de correcção das estruturas que o Governo pretende atingir no futuro.
É este um ponto que classifico de essencial e que não poderá deixar de estar contido em qualquer semáforo que sinalize o difícil caminho da valorização económico-social portuguesa, até porque acarreta certas incidências sobre as infra-estruturas que deverão ser criadas, acertadas e orientadas, ou para uma política de mercado, ou para uma de auto-suficiência, dilema que deverá ser quanto antes optado, em minha opinião, a favor da primeira hipótese.
V) Finalmente, como último tema a tratar, desejo referir-me aos meios que o Estado pode pôr em acção para que se acelere o ritmo de crescimento das regiões a desenvolver e sem os quais a execução de um plano não poderá ir muito longe em matéria de efectiva valorização.
Alguns destes meios já foram enunciados no Decreto-Lei n.º 44 652, tais como:

Revisão das disposições legais sobre o condicionamento industrial;
Revisão do ordenamento agrícola; Revisão das disposições legais relativas ao fomento industrial e agrícola:
Criação do Fundo de Fomento Económico; Revisão das disposições que regulam a aplicação de capitais estrangeiros no País; Revisão do regime legal a que deverão obedecer as operações de crédito a médio e longo prazo; Criação do Centro Nacional de Produtividade, visando o fomento do racional emprego de capitais fixos e do trabalho nos diversos sectores de actividade.

Todavia, outros meios há que urge instituir, como: exonerações fiscais para a região-plano; agravamentos fiscais para os empreendimentos que pretendam localizar-se nas zonas congestivas; empréstimos e demais facilidades a conceder às empresas que aceitem instalar-se nas áreas abrangidas pelo plano ou transferir-se para estas; atribuição ao Fundo de Fomento Económico de funções que permitam:

a) A criação de sociedades de desenvolvimento regional;
b) A criação de sociedades de economia mista;
c) Às empresas, rápido e favorável financiamento para fins: de estudo e de elaboração de projectos de instalação, de reconversão industrial, agrícola, comercial, etc.; de equipamento industrial, agrícola, comercial, artesanal, turístico, etc.; de estudo e prospecção de mercados externos; de investigação para novas aplicações das matérias-primas em produção.

Dado o elevado número de factores favoráveis que se poderão instituir para animar a região-plano, seria para desejar que eles viessem a estar contidos num estatuto único, que assim os ordenaria de forma conveniente.
Resta-me, Sr. Presidente, testemunhar confiadamente a minha esperança de que o Governo não demorará a resolução de abrir o caminho que conduza a uma rápida valorização regional, que no Sul do País virá a encontrar as mais generosas e positivas colaborações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Nunes: - Sr. Presidente: há um ano levantei a minha voz para chamar a atenção desta Assembleia e do Governo sobre as condições de vida de algumas centenas de velhos combatentes da grande guerra que estendem a mão à caridade.
Todavia, os serviços encarregados de conceder os subsídios tão ansiosamente requeridos não viram ainda as suas verbas reforçadas de maneira a poderem satisfazer as respectivas petições.

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Convém lembrar que a Portaria, n.º 17 517 prevê apenas a possibilidade da sua concessão àqueles antigos combatentes «que tenham prestado serviços extraordinários recompensados com condecorações e louvores» e quando, por razões atendíveis, não sejam internados no Asilo dos Inválidos Militares. É certo, pois, que o Governo não ficou vinculado a nenhum compromisso nem garantiu nenhuma regalia: limitou-se a considerar a hipótese de poder atribuir subsídios em certos casos, o que é bem diferente de ler definido qualquer norma que implique a generalização desta vantagem a todos os necessitados.
Também é verdade que o total dos antigos combatentes assistidos (a receberem uma pensão de 360$ por mês ou internados no Asilo) soma já cerca de meio milhar.
Por isso é de justiça bendizer os esforços feitos. Mas, para além desses louváveis esforços, o ponto do vista que defendo pretende que se atribua ao assunto a mais elevada prioridade assistencial e, consequentemente, que se tomem medidas para a sua resolução.
Permito-me solicitar com insistência o possível reforço de verbas dos Serviços Sociais das Forças Armadas de modo que estes Serviços fiquem, pelo menos, aptos a satisfazer os peticionários que após cuidadoso apuramento forem considerados em más condições.
Os 3000 atestados de pobreza que figuram nos processos em arquivo denunciam uma situação a exigir reparações; e, por se tratar de antigos combatentes, julgo que tal situação tem mesmo um significado especial na época que decorre.
Sr. Presidente: as palavras que acabo de pronunciar constituem um simples intróito à matéria de fundo desta intervenção.
Chegam até mira. certos ecos das dificuldades por que têm passado alguns ex-combatentes das lutas contra as acções terroristas nas nossas províncias africanas.
Essas dificuldades filiam-se nas regras em vigor que se aplicam aos militares diminuídos fisicamente em virtude de ferimentos ou doenças contraídos no desempenho das suas obrigações de serviço.
Não há dúvida de que os actuais preceitos legais precisam de ser corrigidos com a maior urgência.
O problema foi já detectado por quem de direito e encontra-se em estudo. Apesar da complexidade que apresenta nalgumas das suas incidências, tenho fundadas esperanças de o ver solucionado em breve e de forma adequada.
Entretanto os departamentos das forças armadas publicaram disposições que revelam a preocupação, servida pela mais evidente boa vontade, de admitir - sempre que possível - os militares inválidos de guerra nos lugares vagos dos seus diversos estabelecimentos e organismos.
Com esta medida foi dado apenas um curto passo, e mais não se podia fazer, enquanto se prepara a necessária legislação que urge promulgar.
Presentemente o Decreto-Lei n.º 39 843 estabelece que, por princípio, «os aposentados e reformados não podem de futuro voltar à actividade do Estado, corpos administrativos e organismos de coordenação económica ou prestar-lhes serviço remunerado a qualquer título». Ora os inválidos de guerra recebem, de um modo geral, magríssimas pensões de reforma extraordinária ou de invalidez; assim sendo, ficam abrangidos pelo referido decreto-lei.
É certo que o citado diploma admite casos de excepção a resolver em Conselho de Ministros; e não passa pela ideia de ninguém que no Conselho de Ministros se decida desfavoravelmente à pretensão de um mutilado que deseje voltar a servir em funções compatíveis com a sua limitada capacidade física. Mas, por mim, julgo tal norma complexa de mais e desprovida do carácter de facilidade que pareço impor-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O espírito da lei devia ser bem diferente, dando origem à definição de facilidades aos pensionistas inválidos de guerra, a fim de estes poderem encontrar, nos serviços do Estado, o complemento imprescindível para viver.
Sr. Presidente: é das mais nobres tradições portuguesas o Estado confessar-se em dívida e fazê-lo até com orgulho perante os cidadãos que no cumprimento dos seus deveres militares ficaram inválidos em defesa da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em toda a antiga legislação que me foi possível compulsar prevalece a ideia de que o Estado a eles «deve assistência» por meio de «auxílio justo». Alguns textos concretizavam «o direito de colocação em serviços públicos a todos os mutilados» e permitiam «o requerimento directo pelo mutilado à entidade a quem pertencia fazer a nomeação»; se a nomeação dependesse de concurso e fossem exigidas provas por lei, era dada preferência ao mutilado ou inválido que satisfizesse a essas provas, desde que demonstrasse possuir capacidade moral e capacidade física bastante para exercer o cargo a que se propunha; e se não fossem exigidas provas permitia-se a colocação mesmo independentemente de concurso, conquanto o pretendente tivesse as habilitações mínimas necessárias.
Temos de voltar a instituir preceitos baseados em princípios semelhantes, porque o Estado deve revelar-se, de forma inequívoca, a fonte do bom exemplo no cuidadoso aproveitamento dos que se diminuíram fisicamente em defesa da integridade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem me parece de omitir, por ser muito importante, o reflexo desse exemplo em todos os responsáveis pelas actividades privadas, marcando-lhes o rumo de proporcionarem emprego aos mutilados e inválidos de guerra como manifestação desejada do mais elementar carinho que nos devem merecer os esforçados servidores da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também o Governo tem de considerar como absolutamente legítima a acumulação das pensões de reforma extraordinária ou de invalidez com os salários obtidos no desempenho dos novos cargos (ou, mais tarde, com as consequentes pensões de aposentação ou de reforma resultantes desse desempenho). É evidente que os proventos obtidos destas duas origens são de certo modo complementares: os primeiros tentam cobrir uma reconhecida incapacidade física, incapacidade essa que, por sua vez, pode constituir factor limitativo para o acesso a melhores posições nas novas actividades.
Sr. Presidente: um outro aspecto do merecido apoio a dar aos antigos combatentes diz respeito à mais lógica utilização, nas próprias forças armadas, dos militares de carreira que não sejam completamente válidos debaixo do ponto de vista físico em consequência do cumprimento dos seus deveres profissionais.
As disposições em vigor são criticáveis na medida em que os afastam sistematicamente do serviço activo e não

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parecem aproveitá-los com justiça. Tomando por base um critério de exagerada rigidez, a eliminação dos quadros activos é imposta a briosos profissionais, mesmo que tenham sido feridos em campanha e quando ainda poderiam manter-se no desempenho de funções que dispensassem total e perfeita constituição física.
Se estes indivíduos apresentarem boa saúde e tiverem os necessários conhecimentos técnicos, pode suceder que continuem aptos a cumprir certos cargos tão bem como os seus camaradas da mesma patente que não se encontram fisicamente diminuídos.
De resto, em face do êxito dos modernos métodos de readaptação, ninguém hoje afiança que a destreza e o desembaraço sejam sinónimos de uma compleição sem falhas, antes sim de treino apropriado e perseverante.
O Estado não deve desprezar o valioso capital humano constituído por profissionais já formados: deste modo, nem desperdiça intelectos que representam potencialidade para desenvolver conhecimentos especializados já adquiridos, nem afasta comprovadas vontades de servir numa carreira voluntariamente escolhida.
O princípio que vigora não resolve com equilíbrio e é, ao mesmo tempo, injusto e esbanjador: injusto, porque fere com desdém os que cumpriram, tantas vezes acima do dever; esbanjador, porque admite a contingência de afastar alguns militares de elevado mérito. Além disso, parece-me um princípio inoportuno e inadaptável ao estado de guerra que nos foi imposto.
Todos os profissionais que se sacrificaram no cumprimento dos seus deveres militares e se apresentam fisicamente diminuídos não devem ser retirados do activo desde que possam continuar a satisfazer em determinadas funções inerentes ao seu grau hierárquico; e, se puderem desempenhar certos cargos próprios de graus hierárquicos mais elevados, nem mesmo lhes deverá ser vedado o respectivo acesso.
E possível que tenham de ser dispensados de algumas condições normalmente exigidas e relativas à capacidade física; mas nos cursos ou estágios podem - como todos os outros - dar provas do seu valor intelectual e dos conhecimentos militares necessários para ascenderem aos postos superiores.
Como se verifica, não defendo a capa desprestigiante de uma velada tolerância; mas também me repugna, quando se possa evitar, essa não menos desprestigiante «expulsão» do serviço activo ou mudança compulsiva de quadro de actividade.
Sr. Presidente: vou agora produzir alguns reparos às normas legais que regulam a concessão e o valor das pensões de reforma extraordinária e das pensões de invalidez. Em meu entender, apresentam flagrantes anomalias.
Verificam-se certas diferenças, quanto a mim inadmissíveis, entre o pessoal militar permanente e o pessoal não permanente em efectividade de serviço nas tropas.
Ao contrário do que sucede para o pessoal permanente, não se prevê a atribuição de pensões aos milicianos que fiquem «inábeis» por causa «de moléstia, ferimento ou mutilação resultante da prática de algum acto humanitário ou de dedicação à causa pública», nem se prevê também quando a inabilidade resulte de «moléstia contraída no exercício das suas funções militares ou por motivo do seu desempenho».
No último caso, mesmo para o pessoal do quadro permanente, a reforma extraordinária só é possível após dez anos de serviço.
Dadas as características da luta em África, discordo do preceito que impõe esta premissa; assim como classifico de pouco razoável o critério excepcional aplicado aos milicianos, nos casos específicos que venho de citar.
Integrada no Decreto-Lei n.º 28 404, há uma regra em vigor exigindo como condição necessária para se concederem pensões a cabos e soldados a reconhecida «incapacidade de angariarem os meios de subsistência pelo seu trabalho».
Contudo, é frequente encontrar-se um mutilado com certas limitações na aptidão para trabalhar, muito embora não chegue a atingir uma incapacidade tal que o iniba de obter os proventos necessários à vida.
Em casos deste género deveriam ser atribuídas pensões correspondentes aos diferentes graus de invalidez, o que, aliás, constitui o princípio justo e admitido na lei para todos os restantes militares.
Julgo-me dispensado de outros comentários sobre o assunto. Quanto a mim, a norma que se aplica apenas aos cabos e soldados deve ser pura e simplesmente abolida.
Não tranquilizaria a minha consciência se terminasse esta exposição sem levantar o véu de um dos mais cruciantes de todos os problemas relativos a mutilados e inválidos de guerra: quero-me referir aos quantitativos das suas pensões.
De uma maneira geral, o quadro é sombrio: aqueles que seguiam a carreira militar e se viram afastados dela passaram a receber uma pensão praticamente estagnada, que lhes impõe, pelo menos, obrigatória paragem numa vida de esperanças; e os que atingiam a honrosa maioridade de cidadania, pelo cumprimento dos seus deveres nas forças armadas, sofreram as indesejáveis consequências da guerra sem que recolham magnânima recompensa além do orgulho de terem servido, de forma exemplar, a sua pátria.
Mas, entre todos, merecem especial atenção os soldados, em virtude de o valor das suas pensões ser incrivelmente baixo. A situação destes homens parece-me assustadora. Para a classificar podia ter usado outros adjectivos talvez mais próprios, mas que lhe dariam, porventura, o inoportuno realce das verdades escandalosas.
Está certo, Sr. Presidente, o princípio em que assentam os preceitos legais estabelecidos para o cálculo das pensões, já que ele se baseia - e bem - nos vencimentos dos pensionistas quando começaram a receber assistência.
O que torna a solução encontrada ridiculamente dramática pela fatalidade dos seus resultados é ter-se chegado um dia a aceitar que o simples pré de um soldado corresponde à efectiva compensação do serviço feito; e, além disso, considerar-se que o Estado pretendeu, deste modo, estabelecer um vencimento, tal como faz para todos os outros funcionários.
Esqueceram-se, assim, dois aspectos importantíssimos do problema.
O primeiro é que o pré não passa de uma simbólica quantia dada a quem cumpre um serviço obrigatório. Por isso não pressupõe aceitação prévia das condições de remuneração, quer tácita, quer expressa, por parte dos indivíduos que o recebem; e seria até burlesco afirmar-se que o quantitativo do pré atraiu ou reforçou a vontade deles para se apresentarem nas fileiras.
O segundo aspecto é que o pré não equivale, realmente, à efectiva compensação do serviço prestado. Com efeito, os soldados recebem todo um conjunto de facilidades, que é bom lembrar aqui: recebem alimentação, recebem alojamento,- recebem vestuário e calçado, recebem tratamento e recebem o pré. E ainda o próprio Estado admite que tudo isto não chega quando lhe acrescenta outros abonos complementares acumuláveis. E o caso da «ajuda de custo de embarque», do «vencimento complementar», da «subvenção de campanha» e da «subvenção de família» para homens mobilizados em serviço no ultramar.

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A concluir estas afirmações, que repelem o rótulo de «vencimento» com que se pretenda mascarar o pré e que, por extensão, repelem também o critério em vigor de se considerar o pré como base do cálculo de pensões para os cabos e soldados, ocorre-me lembrar que os marinheiros da Armada constituem o genuíno exemplo das praças a quem o Estudo paga um autêntico vencimento. E é assim porque a quantia, a eles. atribuída foi realmente fixada com a intenção de os satisfazer, retribuindo-lhes o esforço da sua actividade e possibilitando-lhes ainda os meios necessários para resolverem os encargos próprios e dos respectivos agregados familiares.
Não me parece que qualquer solução justa possa vir a encontrar um vencimento inferior ao do marinheiro da Armada para base do cálculo de pensões das praças.
E afinal o princípio em vigor na marinha de- guerra, pois está já expresso num decreto-lei que para o seu pessoal, mesmo de graduação inferior a marinheiro, se toma o vencimento deste como mínimo para o cálculo de pensões.
Defendo, por isso a generalização das regras já observadas num dos ramos da actividade militar, de modo a estabelecer-se doutrina única e aplicável a todas as praças do Exército, Marinha e Força Aérea.
Sr. Presidente: ressalta à evidência a extrema necessidade, de se refundir a legislação que diz respeito aos militares inválidos e mutilados.
Em especial, devem ser tomadas medidas urgentes para facilitar o melhor aproveitamento possível destes homens, quer nas forcas armadas, quer noutros actividades dos serviços do Estado; e devem também ser corrigidas algumas das actuais normas que regulam a atribuição e o cálculo dos valores das pensões de invalidez e de reforma extraordinária.
Já se passaram dois anos após o início das operações militares contra o terrorismo em Angola. Felizmente não são muitos os casos de militares que se viram obrigados a aceitar a assistência do Estado. Mas, por pequeno que seja o seu número, o apoio que eles recebam o a consideração com que sejam acarinhados constituem um exemplo a provocar repercussões - boas ou más - no moral das tropas e até no da juventude que aguarda a incorporação nas fileiras.
Os preceitos legais apresentam deficiências e omissões. São velhos de um quarto de século; e envelheceram por que estão impregnados do espírito de uma época de paz, de uma época diferente da de hoje. Estava já esquecida a primeira grande guerra e ainda a segunda parecia de evitar quando nasceu a legislação com que foi revogado o antigo Código dos Inválidos e que agora precisa de ser actualizada.
Segundo me informaram, deve-se aos longos e muito laboriosos estudos prévios o atraso com que vão sair as novas medidas legislativas. Mas esse atraso impõe-lhes o carácter retroactivo da sua aplicação, com vista a contemplar os inválidos e mutilados que estão aguardando a justa melhoria das suas bem difíceis condições de vida.
Sr. Presidente: para se vencer uma guerra subversiva há que tomar variadas medidas que transcendem o limitado âmbito de uma reacção de forças armadas; mas também são necessários muitos e valorosos combatentes.
Com efeito, a guerra subversiva revaloriza os homens na medida em que lhes exige bastante da sua inteligência e coragem e ainda sobriedade, elevado moral e forte espírito ofensivo. Só homens destes não hesitam em bater-se contra um inimigo rude, dinâmico, subtil e extremamente traiçoeiro, como é, de um modo geral, o terrorista.
Por isso as nossas tropas precisam de sobrepor o devotado e total cumprimento do dever à consideração dos riscos que correm.
O Governo tem agora a palavra, porque dele se esperam as medidas que libertem os nossos combatentes de uma compreensível preocupação, entre as muitas que lhes tornam a tarefa dura e ingrata.
Pretendi reflectir essa preocupação, sem distorções nem disfarces, para que a Assembleia fique bem ciente do alcance do problema e da urgência em se encontrar para ele a solução adequada às circunstâncias.
Estou esperançado em que o Governo vai responder ao honroso sacrifício que pedimos àqueles que, com armas na mão, se entregam na defesa da Pátria, de forma a significar-lhes o muito respeito e carinho que todos devemos aos mutilados a inválidos de guerra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Folhadela de Oliveira: - Sr. Presidente: mal andaria eu, tendo pedido a palavra, se me atrevesse a tirar tempo à Câmara no momento em que a sua agenda está sobrecarregada de assuntos de tanta responsabilidade e de transcendente importância para a vida da Nação.
Porém, não quero deixar passar a oportunidade de realçar, ainda que de modo muito breve, um solene acontecimento ocorrido na semana finda, em Vila Nova de Famalicão.
Com a presença de dois membros do Governo, os Srs. Ministro das Obras Públicas e Subsecretário da Educação Nacional, foi inaugurado festivamente o edifício da escola industrial e comercial, que neste sétimo ano da sua fundação, é frequentada por 852 alunos.
Trata-se de magnífico imóvel, que constitui orgulho para o concelho, que por ele tanto lutou e justificadamente agora o possui, mas que honra, na mesma medida, o Governo que o concebera e construiu.
Com uma população que ronda os 80 000 habitantes, concentrados em pouco mais de 200 km, o concelho de Famalicão tem sido premiado, nos últimos anos, com uma série de obras que dificilmente encontra paralelo em qualquer outro concelho.
No curto espaço de três anos assistimos à inauguração do majestoso edifício dos Paços do Concelho e Palácio da Justiça, escola, técnica, adega cooperativa e, este ano ainda, ao hospital sub-regional, obras que importam em verba superior a 40 000 contos.
Se isto diz das possibilidades e importância do concelho, igualmente exprime que o Governo colabora, auxilia e patrocina as iniciativas de valorização regional.
O concelho de Famalicão vive da lavoura - rotineira, sem visão nem amparo - e da sua progressiva e diferenciada indústria.
Desta quero destacar, pelo seu volume e consequente reflexo na economia nacional, a têxtil (algodoeira e de seda), relojoaria, metalúrgica, pneumáticos e maquinaria agrícola.
E porque se reveste de efectivo valor no quadro da indústria, não já regional mas nacional, a localização em Vila Nova de Famalicão de uma escola técnica, além de satisfazer legítimo e merecido anseio das suas gentes, é forte incentivo à preparação especializada da juventude, o que significa também enriquecimento espiritual e económico.
O progresso assenta, individual e colectivamente, na capacidade cultural e técnica dos que trabalham, qualquer que seja a categoria ou profissão exercida.

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Só os hábeis, os bem preparados, aqueles para quem a profissão não tem segredos, reúnem condições de poderem triunfar. Paralelamente, nenhuma empresa avança sem estar estruturada em evoluída técnica e sem dispor de elementos apetrechados dentro do seu sector de actividade. A época que atravessamos não se compadece de improvisações nem de irreflectidos programas. Por isso é que preparar quem trabalha, instruir para fazer aptos os que exercem qualquer profissão, tornando-os conscientes e valorizados no seu mister, tem de ser preocupação dominante de qualquer governo.
A condição de sobrevivência de um povo reside não só na sua capacidade de trabalho, mas, muito particularmente, no modo eficiente como trabalha. Constante da economia de hoje, a especialização técnica, necessária a cada profissional, é não só resultado de estudo atento, como de cuidadoso estágio prático em estabelecimentos de ensino modelares. Mas isto implica, consequentemente, alta preparação científica e pedagógica dos professores para bem cumprirem a sua missão.
A interdependência das economias, obrigando a crescente internacionalização de mercados, a par da tendência para a uniformização progressiva nos maquinismos, faz da técnica profissional o elemento de diferenciação entre povos evoluídos e atrasados. Deste modo, assina o seu aniquilamento quem não fizer todos os esforços para estar apto, internacionalmente, a suplantar ou, pelo menos, a igualai-os concorrentes que se lhe deparam.
Os dias que se avizinham são para nós cada vez mais difíceis, pois exigem de cada um dedicação total, aliada ao conhecimento profundo da tarefa desempenhada. Urgente se torna, sem demoras nem entraves, prestar toda a atenção ao aperfeiçoamento profissional, ponto de partida para a eficiência na industrialização, que todos desejamos prudente, mas rápida.
E hoje que se prepara o amanhã. Ora o aumento no ritmo de construção e equipamento de escolas técnicas a que o Governo nos habituou é garantia segura de que se trabalha em dimensão idónea para solucionar um problema que muito nos afligia: o da falta de competência técnica e cultural no trabalho, inexistência de mão-de-obra especializada.
Posso, portanto, dizer que, com o funcionamento da sua escola técnica, se criaram condições de bem-estar social e de valorização humana no concelho de Vila Nova de Famalicão.
Bom seria que se procurasse orientar, os ensinamentos ministrados aos alunos dirigindo-os, predominantemente aos sectores característicos da indústria na região onde as escolas se localizam. Concretizando o que acabo de referir, conviria que na escola técnica de Famalicão se pudessem especializar os alunos na têxtil, que é a indústria dominante do distrito.
Disse que o Governo se podia sentir honrado com a instalação de mais uma escola técnica - a 52.ª dos últimos dez anos. Na dura luta que travamos contra todos os inimigos, nessa batalha para nós de vida ou de morte, suportando encargos elevadíssimos, conseguir manter sem quebra o ritmo de crescimento verificado é facto que causa admiração e, como tal, merecedor dos mais francos elogios.
Mesmo em ambiente de uma guerra que nos foi imposta pelos colossos que tentam dominar o Mundo para beneficiarem na sua interesseira partilha, - guerra subsidiada por capitalistas e comunistas, misturados com irresponsáveis, dementados e primitivos países a quem foi concedida uma enganadora autodeterminação - que os deixou mergulhados no colonialismo donde nunca saíram - Portugal tem sabido continuar firme e decidido no seu caminhar para o progresso.
Apesar de tão adversa hora, a Nação prossegue no rumo de expansão que lhe traçou o Sr. Presidente do Conselho, como que indiferente aos gastos extraordinários, mas precisos, na defesa da nossa soberania.
Que o País continue a ver crescer, disseminadas pelo ultramar e pela metrópole, escolas técnicas onde os professores saibam preparar competentes profissionais e consigam, acima de tudo, formar verdadeiros portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em discussão na generalidade as Contas Gerais do Estado do ano de 1961 e o parecer da Junta do Crédito Público.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: com a habitual regularidade aprecia a Assembleia Nacional, no termo da sessão legislativa, as Coutas Gerais do Estado, que são objecto de um parecer de que há 25 anos é relator o Sr. Eng.º Araújo Correia, que mais uma vez põe uma inteligência viva e excepcionais qualidades de estudioso ao serviço do País, anotando, esclarecendo, equacionando os problemas fundamentais que dominam a vida económica e financeira da Nação, no conjunto dos seus aspectos metropolitanos e ultramarinos.
O ano de 1961 foi dominado pela fidelidade aos mesmos princípios de equilíbrio, de unidade, de universalidade orçamentais, de sanidade monetária, da aplicação da dívida flutuante aos seus fins normais, da regularidade das contas, que estão na base da nossa restauração financeira. Como se diz no parecer, a mais flagrante característica das Contas Gerais do Estado referentes a 1961 é o aumento das despesas públicas extraordinárias, das quais cerca de 3 000 000 de contos relativos a encargos de defesa e segurança, impostos pela necessidade de manter-se, contra ataques estranhos, a soberania portuguesa em terras do ultramar.
No ponto de vista da conjuntura económica interna, aumentou, em 1961, a produção nacional de bens e de serviços em ritmo maior do que se tinha verificado no ano anterior, mas, apesar disso, registou-se um acréscimo de importações que originou um saldo negativo na nossa balança de comércio superior a 9 000 000 de contos, quase tanto como toda a exportação metropolitana naquele ano.
O parecer das Contas assinala com preocupação esse facto, que contribuiu decisivamente para um desequilíbrio de 2 752 000 contos na balança de pagamentos do País, com o correspondente desgaste nas reservas de ouro e divisas no nosso banco central e todos os inconvenientes daí resultantes.
A situação modificou-se, felizmente, em 1962, pois, em face dos elementos já vindos a público, conclui-se que, embora grandemente deficitária, melhorou a posição da balança comercial metropolitana. Como se diz no Boletim do Instituto Nacional de Estatística relativo a Dezembro último, mercê de uma contracção no quantitativo das importações e de uma baixa no respectivo valor médio por. tonelada e, ainda, da expansão do volume das

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exportações e da alta do seu valor médio, o saldo negativo baixou cerca de 3 000 000 de contos relativamente ao ano anterior.
Efectivamente, de 18 791 000 contos em 1961, as importações baixaram em 1962 para 16 863 000 contos. As exportações, em contrapartida, de 9 504 000 contos subiram para 10 551 000 contos.
Nas importações pesaram nomeadamente as máquinas e aparelhos eléctricos e não eléctricos, num total que excede a ordem de grandeza dos 3 000 000 de contos, o algodão em rama, com 2 200 000 contos, os automóveis e respectivos acessórios, com 1 100 000 contos, o ferro em bruto e semitrabalhado, com cerca de 1 000 000 de contos, as ramas de petróleo, com cerca de 800 000 contos. Na importação de géneros alimentares vem à frente o trigo, num total de 544000 contos, e o açúcar, com 500 000 contos. Só estas sete rubricas totalizam mais de 9 000 000 de contos, ou seja mais de metade da nossa importação total e quase tanto como as nossas exportações.
Para a baixa de 2 000 000 de contos verificada nas importações metropolitanas em 1962 relativamente ao ano anterior contribuiu decisivamente o menor volume das compras ao estrangeiro de material de transporte e de ferro em bruto. Em 1961 tinham-se feito grandes importações deste metal e tinham-se adquirido lá fora três magníficas unidades da nossa frota mercante: o Príncipe Perfeito, o Infante D. Henrique e o Funchal. Só estas duas secções da pauta: «Material de transporte» e «Metais comuns e respectivas obras» contribuíram com cerca de 1 500 000 contos para a baixa verificada no volume do nosso comércio importador em 1962.
As estatísticas de importação, tão cuidadosamente organizadas, reflectem as exigências do País em substâncias alimentares, matérias-primas, equipamento e a medida em que as indústrias novas ocorrem já a importantes necessidades do consumo. E, ao mesmo tempo, exprimem melhores condições e mais altos níveis de vida. A importação de aparelhos de televisão excedeu 60 000 contos, a de aparelhos receptores de radiodifusão 56 000 contos, a de aparelhos telefónicos 25 000 contos, a de máquinas de costura para usos domésticos 38 000 contos, a de relógios 24 000 contos.
A defesa da saúde também tem a sua expressão na balança comercial do País. Em 1962 importaram-se 212 000 contos de medicamentos, afora 36 000 contos de antibióticos.
Como já disse, o nosso comércio de exportação registou em 1962 um apreciável aumento de volume e de valor relativamente a 1961. São as matérias têxteis e respectivas obras, que abrangem uma vasta e rica gama de mercadorias, desde os fios aos tecidos de algodão; materiais fortes e resistentes como os cabos e cordas de sisal e produtos delicados e finos como os bordados da Madeira, que constituem o primeiro valor do nosso comércio de exportação: 2 600 000 contos. Vêm depois a cortiça com 1 436 000 contos, as conservas de peixe com 1 193 000 contos, os vinhos, na variedade dos seus tipos, com 783 000 contos, e as madeiras com 500 000 contos. Mantiveram-se sensivelmente nos níveis do ano anterior as exportações de conservas de peixe, de vinhos, de cortiça. Mas, no respectivo conjunto, melhoraram as suas posições os vinhos do Porto e da Madeira, as conservas de anchovas e a cortiça em bruto. Aumentaram também as exportações de certos fios e tecidos de algodão, de amêndoa em miolo, de azeite, de pez, de máquinas e aparelhos, etc. Baixou a exportação de madeiras, de pneumáticos, de determinados tecidos de algodão. Os produtos minerais tiveram também, em 1962, uma quebra de exportação de cerca de 50 000 contos. As frutas, que tão grande importância podiam e deviam ter na nossa balança de comércio, como se acentua no parecer das Contas, representaram, no ano de 1961, um valor de exportação de cerca de 140 000 contos.
Mas não são só as grandes rubricas e as produções tradicionais que preenchem o nosso comércio exportador. Nele estão integradas indústrias novas que agora ensaiam as suas primeiras vendas lá fora e actividades regionais - as rendas, os bordados, a cerâmica, os vimes, etc. - que, embora de âmbito reduzido, interessam sectores importantes de trabalho e bem merecem ser protegidas e acarinhadas.
Em 1961 o ultramar português representou 12,5 por cento no comércio metropolitano de importação e 23,22 por cento no comércio de exportação. No ano último manteve-se a mesma percentagem na importação e baixou ligeiramente a percentagem no conjunto dos valores exportados.
No nosso comércio com o estrangeiro, em 1962, a Alemanha continua a ocupar o primeiro lugar entre os países nossos fornecedores, com uma percentagem de 15,9 por cento nas nossas importações totais. Vêm depois a Inglaterra com uma percentagem de 14,8 por cento, a França com 9,4 por cento, os Estados Unidos da América com 8,8 por cento. Ocupam também posições importantes no nosso comércio de importação a Itália, o grupo Bélgica-Luxemburgo, a Holanda, a Suíça, etc.
Tem sido a Inglaterra há anos o nosso primeiro mercado comprador. No ano último essa posição coube aos Estados Unidos da América, com uma percentagem de 13,1 por cento no conjunto da exportação. Vêm a seguir a Inglaterra, com 12 por cento,' e a Alemanha, com 7,8 por cento. Com este país continua a verificar-se um grande desequilíbrio nas nossas relações comerciais. Tendo-lhe comprado, no ano último, produtos no valor de 2 860 000 contos, só lhe vendemos 825 000 contos.
Por razões que já aqui desenvolvidamente expus em anos anteriores, continuam, infelizmente, a ser diminutas as nossas relações comerciais com o Brasil. Em 1962 comprámos-lhe cerca de 130 000 contos de mercadorias, não tendo as nossas vendas atingido os 90000 contos. O Brasil, que foi outrora grande comprador de produtos portugueses, não chega a representar hoje 1 por cento do nosso comércio externo: nem nas importações nem nas exportações.
No nosso comércio com a Europa Ocidental em 1961 foi com os países da Comunidade Económica Europeia que mantivemos mais intensas relações mercantis, embora nesse ano tivessem aumentado, numa proporção maior, as importações e exportações de e para os países que formam a Associação Europeia de Comércio Livre. A importação dos países que constituem o Mercado Comum foi naquele ano de 7 167 000 contos, ou seja 38 por cento da nossa importação total, e a exportação de 2 038 000 contos, correspondentes a 21,7 por cento do total da nossa exportação. O saldo negativo foi de 5 129 000 contos.
Relativamente aos países da Associação Europeia de Comércio Livre, a importação foi de 4415000 contos, ou seja uma percentagem de 23,4 por cento, e a exportação de 2 030 000 contos, ou seja uma percentagem de 21,7 por cento.
Em 1962 a importação dos países do Mercado Comum foi de 6 177 000 contos, ou seja uma percentagem de 36,6 por cento, e a exportação para aqueles países de 2 437 000 contos, ou seja uma percentagem de 23,1 por cento.
Quanto aos países da Associação Europeia de Comércio Livre, a importação foi de 3 909 000 contos (percentagem de 23,2 por cento) e a exportação de 2 134 000 contos (percentagem de 20,2 por cento).

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Significam estes números que em 1962, enquanto se manteve sensivelmente igual a posição que aos países da E. F. T. A. coube no nosso comércio de importação, no ano anterior baixou em quase 1.5 por cento a percentagem dos países do Mercado Comum. E tendo estes aumentado em 1.4 por cento a sua percentagem nas nossas exportações, os países da E. F. T. A. viram-na baixar de 21,7 por cento para 20.2 por cento, ou seja uma diminuição de 1,5 por cento.
Nesta minha intervenção na discussão das Contas Gerais do Estado tenho aludido nos últimos anos à evolução das duas grandes associações europeias: a Comunidade Económica Europeia e a Associação de Comércio Livre. Quando tudo fazia prever a integração dos países da E. F. T. A. e de outros países, como a Espanha, no Mercado Comum, eis que este começo de ano nos trouxe a ruptura das laboriosas negociações que nesse sentido se vinham desenrolando há longos meses e tendentes a encontrar uma fórmula que permitisse a adesão da Inglaterra, sem abalo profundo das suas relações e da sua interdependência com os países da Comunidade Britânica.
Este facto inesperado veio suspender todas as conversações no sentido da fusão dos dois blocos, inclusivamente a petição de Portugal pára aderir à Comunidade Económica Europeia. Esta voltou agora a ocupar-se dos problemas pendentes anteriormente à ruptura das negociações provocada pela atitude francesa. E os países da Associação de Comércio Livre, depois da reunião de Genebra, afirmam o decidido propósito de acelerar, entre si, o processo da desmobilização aduaneira.
Não queremos nesta rápida referência ao nosso comércio externo deixar de ter uma palavra de apreço para a acção do Fundo de Fomento de Exportação.
Em 1961, as verbas despendidas por aquele Fundo e relativas à sua acção no mercado interno e abrangendo os sectores vinícola, frutícola, hortícola e artesanal, normalização e fiscalização de produtos, auxílio ao comércio para promoção das exportações, etc., totalizaram cerca de 26 500 contos.
Na sua acção nos mercados externos, compreendendo os serviços de informação e expansão, estudo e prospecção de mercados, participação em feiras, propaganda nos mercados e acções afins ou complementares, o Fundo despendeu perto de 40 000 contos. Os que conhecem mais directamente a acção do Fundo de Fomento de Exportação, no que se refere especialmente ao estudo e prospecção dos mercados, à organização e execução de planos de propaganda, à sua comparticipação nas grandes feiras internacionais, umas gerais, outras especializadas, como as de Hanover e Estocolmo, em que as máquinas, ferramentas e aparelhos da indústria portuguesa expostos foram todos vendidos, tendo os respectivos produtores recebido encomendas apreciáveis para outros países, temos de reconhecer os grandes benefícios que aquele organismo está prestando à economia nacional.
Consultando as nossas estatísticas do comércio externo relativas aos últimos dez anos, verifica-se que os produtos sobre os quais se tem exercido particularmente a acção do Fundo de Fomento mostram sensível melhoria na sua exportação. Entre 1953 e 1962 aumentou em mais de 100 000 contos a exportação dos vinhos do Porto; em 10 000 contos a dos vinhos da Madeira; triplicou a de vinhos brancos; a exportação de conservas de peixe subiu de 617 000 para 1 193 000 contos. Tiveram aumentos importantes os fios e tecidos de algodão, a cortiça em obra, os vinhos comuns tintos, etc. A mesma conclusão se obtém se, em vez de analisarmos a exportação por produtos, a analisarmos por países de destino.
Se é merecedora, pois, de todo o elogio a acção prestante e útil daquele organismo e dos funcionários que o servem, creio que seria de toda a vantagem dar-lhe maior autonomia e maior liberdade de movimentos. Pela orgânica actual o seu orçamento tem de ser aprovado por dois Ministérios, o das Finanças e o da Economia. E, depois de aprovado, o Fundo tem de obter autorização para aplicar as verbas orçamentadas. Se juntarmos a isto as consultas que tem de efectuar aos diversos organismos de coordenação económica para a elaboração dos planos de propaganda, os contactos que tem de manter com serviços oficiais, alguns com sede no estrangeiro, avaliar-se-á certamente do formalismo que é necessário vencer para o Fundo poder realizar a sua acção. Esta podia, por vezes, ser mais útil se fosse mais oportuna.
E é neste sentido e no desejo de ver melhorada ainda a eficiência do Fundo de Fomento de Exportação que daqui apelo para o Governo no sentido de ser revista e simplificada a sua orgânica, dando-se-lhe a autonomia de que, pela sua acção passada, se mostra merecedor - com evidente vantagem para os interesses da economia nacional.
Sr. Presidente: como consequência de diversos factores, a balança de pagamentos da zona do escudo voltou a registar um saldo positivo no fim de 1962, que, a avaliar pela balança de operações cambiais do Banco de Portugal,, deve ser de cerca de 3 000 000 de contos.
Segundo se escreve no relatório do Banco de Portugal, aparecido no decurso da última semana, podem apontar-se como factores mais ponderosos desta evolução:

a) A redução muito sensível do saldo da balança comercial da metrópole, só em parte contrariada, nos seus efeitos favoráveis, pela quebra do excedente das transacções comerciais das províncias ultramarinas;
b) O alargamento considerável das entradas de capitais estrangeiros, quer por operações de capitais privados, quer por operações de crédito externo do sector público;
c) A melhoria da balança de invisíveis correntes da metrópole, resultante, particularmente, de maiores receitas do turismo, transferências privadas e outros rendimentos, bem como da redução de despesas do Estado no estrangeiro;
d) O acréscimo do excedente da balança de invisíveis correntes das províncias ultramarinas, por virtude, em especial, de maiores receitas de caminhos de ferro e portos.

O desequilíbrio da balança de pagamentos em 1961, junto a determinados factores de natureza psicológica, afectou o mercado do dinheiro, que foi alvo de uma intensa procura, com reflexo no nível dos depósitos bancários. Como se diz ainda no relatório do Banco de Portugal, a mutação operada em 1962 produziu um fenómeno inverso, tendo aumentado a liquidez bancária do mercado em virtude de esta depender das reservas monetárias e estas se apoiarem fundamentalmente nos saldos da balança de pagamentos.
Os depósitos à ordem e a prazo, que em fins de 1960 eram de 41 068 000 contos, baixaram em 1961 para 39 720 000 contos. Em 1962 tinham ascendido a 45 266 000 contos.
As perturbações no mercado do dinheiro reguladas em 1961 tiveram ainda consequências no ano último. E assim, embora tenha aumentado em 1962 o volume de crédito bancário, a verdade é que a expansão (5,6 por cento) se processou a um ritmo menor do que se vinha registando nos anos anteriores.

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O comportamento no mercado financeiro teve também grande influência em importantes sectores da vida económica nacional, como seja a construção civil. Assim, na metrópole, no período Agosto-Setembro de 1962, construíram-se cerca de 1800 edifícios menos do que em igual período do ano passado.
Sr. Presidente: o ano de 1961 foi assinalado pela publicação de um diploma da maior importância e transcendência: o Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro, que estabelece um plano de progressiva integração económica do espaço português.
Através do relatório que precede aquele decreto-lei, do relatório da proposta de lei de receitas e despesas para 1963, dos discursos e comunicações do Sr. Ministro de Estado,- de uma entrevista recente do Sr. Ministro das Finanças, dos artigos publicados na imprensa por alguns economistas que fizeram parte do grupo de trabalhos que tomou parte na elaboração dos diplomas respeitantes ao processo da unificação económica do espaço português, podem fàcilmente apreender-se as suas linhas mestras, o sou mecanismo e os objectivos da integração que se pretende atingir, em obediência aos mais altos e transcendentes imperativos do interesse nacional.
Das ruínas da guerra surgiu um mundo novo, nos conceitos e nas realizações, que se reflectiu nas formas de convívio e nas relações económicas entre os povos. Das economias fechadas, dos conceitos de auto-suficiência, dos tratados e pagamentos bilaterais, dos direitos soberanos na fixação das pautas e na determinação das restrições ou movimento natural das trocas, passou-se às economias abertas, aos grandes mercados, à política de associação, a novas formas de liquidação monetária, ao aproveitamento regional da produção e das aptidões, criando-se, assim, verdadeira riqueza, através da utilização racional de todos os recursos naturais e humanos.
Esqueceram-se velhas rivalidades, abateram-se barreiras pautais, solucionaram-se dificuldades ocasionais das balanças de pagamentos, e as vantagens obtidas no aumento da produção e do investimento, nos mais altos níveis de vida e de consumos, permitiram aos Estados encontrarem novas fontes de tributação para se compensarem da diminuição e futura supressão dos direitos aduaneiros.
Procurou dar-se à vida económica internacional uma base mais real e verdadeira, despida do artificialismo resultante de uma protecção enganadora.
Na Europa, ao longo de cujas fronteiras, durante séculos, as armas defenderam a soberania e as pautas aduaneiras a economia das nações, formaram-se dois blocos que, no fundo, visam a criação de dois grandes espaços, abertos à livre circulação das mercadorias, das pessoas e dos capitais.
Uma vez formados, nos diversos países que os constituem economistas e homens de governo passaram a pôr em confronto os resultados obtidos nos dois blocos pela política do associação no aumento do rendimento nacional, no desenvolvimento da indústria, na expansão do comércio, nos movimentos e na remuneração de mão-de-obra, no aperfeiçoamento da técnica da produção, no fortalecimento da posição monetária e cambial. E foi tão forte a consciência das vantagens obtidas pela chamada política de integração económica que, procurando vencer certos preconceitos relativos à harmonização de determinadas políticas internas, se tentou fazer da Europa uma só associação, um só mercado, em que fossem mais vastos os benefícios obtidos, evitando-se, no futuro, uma discriminação entre os dois grupos que poderia ser altamente, prejudicial para as suas economias e para os próprios interesses políticos europeus.
Se a integração económica constitui entre nações um facto - no Mercado Comum e na E. F. T. A. a baixa de direitos aduaneiros base atingiu, em 1962, 50 por cento e, naquele, 36 por cento a redução de direitos sobre os produtos agrícolas -, mais forte razão havia para a adoptar num país que, na variedade dos seus territórios e das suas produções, pode, mercê de uma política conjugada e harmónica, encontrar novas vias de progresso e de desenvolvimento. Os exemplos externos, efectivamente, só podiam constituir motivo de incitamento e razão forte para vencer derrotismos e desanimes. No nosso puís estava em plena execução o II Plano de Fomento e o próprio mecanismo do funcionamento do G. A. T. T. e das duas grandes associações europeias -o Mercado Comum e a E. F. T. A. -, no que respeita à desmobilização aduaneira, à abolição das restrições quantitativas, ao estabelecimento de cláusulas de salvaguarda, à definição da origem nacional das mercadorias, aos regimes transitórios impostos por deficiências ou crises ocasionais de região ou de sector e, ainda, as formas de pagamento e de compensação monetária, ou seja toda a vasta experiência obtida e todo o conjunto de ideias, de instituições e de técnicas postas ao serviço da integração europeia, forneceram materiais seguros para a estruturação do complexo e vasto sistema legal que, como há dias, sintética e brilhantemente, dizia o Sr. Dr. Águedo de Oliveira, numa reunião de trabalhos de uma comissão parlamentar, pretende fazer da unidade política nacional uma solidariedade económica.
É evidente que o espaço económico português compreende territórios e regiões de características diversas e de níveis diferentes de desenvolvimento. Mas também a Associação de Comércio Livre abrange nações de estruturas diferentes, de níveis muito diversos de potencialidade e produtividade industriais, e isso não tem impedido que. mercê de cláusulas e medidas especiais, a Associação tenha funcionado regularmente, sem afectar os interesses fundamentais da economia dos países participantes. Tudo está em estabelecer regimes diversos para as diferentes regiões integradas até o momento em que, mercê de um desenvolvimento harmónico, todas possam igualmente-beneficiar das vantagens e cumprir, em pé de igualdade, as obrigações que o próprio sistema comporta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador.: - É nesta ordem de ideias que o Decreto n.º 44 016 prevê um período muito mais curto para a abolição dos direitos aduaneiros que incidem sobre as mercadorias importadas na metrópole e provenientes das províncias ultramarinas do que é estabelecido relativamente às mercadorias metropolitanas importadas no ultramar, com p fim, certamente, de «evitar uma transição demasiado brusca para as condições de uma concorrência mais activa».
O objectivo final a atingir é a igualdade entre todos os territórios portugueses, no ponto de vista da livre circulação de mercadorias, de serviços e de capitais, e onde, na sua fase última, o padrão monetário tenha possivelmente uma só forma e uma só representação. E é ainda no pensamento da absoluta integração económica - da Nação que se prevê, através da criação de órgãos apropriados e com audiência prévia das províncias ultramarinas, o aproveitamento de todos os bens e recursos nacionais, onde quer que se situem, a instalação de unidades de produção em locais que possam beneficiar dos menores custos nas matérias-primas nos transportes ou na mão-de-obra, a revisão do condicionamento industrial e do ordenamento agrícola.

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Como se acentua no próprio relatório do Decreto-Lei n.º 44 016, a integração económica «não poderá dissociar-se do desenvolvimento das diversas parcelas territoriais. Na verdade, estes dois processos intercondicionam-se e requerem, por isso, uma política que, momento a momento, os considere simples aspectos de um só processo: assim como o crescimento das estruturas económicas, territoriais e regionais, será uma das condições basilares para a eliminação gradual das restrições à liberdade de trocas de mercadorias, serviços e capitais e dos movimentos de pessoas entre os territórios portugueses, assim esta liberalização progressiva constituirá um factor de impulso decisivo para a aceleração do desenvolvimento económico, ao mesmo tempo que fomentará uma divisão mais eficiente do trabalho nacional».
De nada servirá, porém, este esquema de liberalização e de planejamento económico sem um sistema de pagamentos e uma estrutura de crédito que assegure a regularidade das transferências, a intertransferibilidade das moedas e ocorra a determinados desequilíbrios nas balanças de pagamento locais.
Todos sabemos dos graves prejuízos que resultaram para o conjunto da economia nacional das dificuldades de transferências do ultramar para a metrópole, e seria realmente anular por completo todas as vantagens da desmobilização aduaneira e da abolição das restrições quantitativas se não se criasse um sistema que assegurasse a rápida liquidação das transacções efectuadas.
Com esse objectivo e com o de, ao mesmo tempo, se assegurar a solvabilidade exterior do escudo, foram publicados diversos diplomas estabelecendo as condições a que ficarão sujeitas as operações de importação, exportação e reexportação de mercadorias e a sua liquidação, as operações de importação e exportação de capitais privados, regulando o exercício do comércio de câmbios, criando inspecções de crédito e seguros ou de comércio bancário no ultramar, alterando a constituição e funcionamento dos fundos cambiais existentes e criando os mesmos fundos noutras províncias ultramarinas, instituindo o sistema de comparação e de pagamentos interterritoriais.
O fundo cambial de cada província e o Fundo Monetário da Zona do Escudo são peças fundamentais do novo esquema. O fundo cambial tem como receitas tudo o que corresponde ao pagamento de mercadorias, ao movimento de invisíveis correntes e importação de capitais (investimentos directos ou créditos concedidos a mais de um ano) e constitui a reserva de pagamentos da província sobre o exterior.
O Fundo Monetário da Zona do Escudo, que é pessoa colectiva de direito público, destina-se a facilitar o funcionamento do sistema .de compensação e de pagamentos interterritoriais e a auxiliar, por meio de empréstimos, aos fundos cambiais das províncias ultramarinas, a regularidade dos pagamentos interterritoriais ou internacionais das mesmas províncias. Do- seu capital, no montante de 1 500 000 contos, uma terça parte será adstrita à concessão de empréstimos aos fundos cambiais das províncias ultramarinas, exclusivamente destinados à regularização das posições líquidas devedoras das mesmas províncias, e assim rateada: Angola, 250 000 contos; Moçambique, 150 000 contos; Guiné, 45 000 contos; Cabo Verde, 20 000 contos; S. Tomé e Príncipe, 20 000 contos, e Macau e Timor, 7500 contos a cada uma.
No caso de as importâncias emprestadas aos fundos cambiais não serem bastantes para a regularização das suas posições líquidas devedoras, o Fundo Monetário, por força do seu capital disponível, poderá conceder-lhes outros empréstimos, em termos e condições a ajustar.
Isto demonstra que os esquemas só por si não resolvem os problemas e que, embora se prevejam soluções para ocorrer a necessidades momentâneas dos fundos cambiais, a verdade é que não há reservas bastantes nem recursos financeiros suficientes para ocorrer a desequilíbrios estruturais e permanentes das balanças de pagamentos territoriais.
E demonstra também que todo o sistema de integração nacional, embora exigindo a intervenção directa do Governo na sua estruturação, na elaboração dos grandes planos de fomento, no crescimento económico, na defesa da moeda, na eliminação das causas que originam crises de sector ou desequilíbrios territoriais e regionais e de todas as práticas fiscais ou comerciais tendentes a neutralizar os efeitos da política de liberalização, a verdade é que um empreendimento desta ordem e desta grandeza só atingirá verdadeiramente os seus objectivos se for obra colectiva, despertando ânimos, galvanizando vontades, conquistando a adesão espontânea e compreensiva de todos quantos, nos diversos sectores da produção e do trabalho, na metrópole e no ultramar, desejam que em Portugal não existam outras fronteiras que não sejam aquelas que, perante o exterior, demarcam o nosso direito e a nossa soberania.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mercê de uma política de austeridade, de firmeza e de coerência perante os princípios, perante as realidades e perante a própria consciência de quem, há precisamente 35 anos, teve a glória de a enunciar e, depois, o mérito de a manter, tem sido possível às finanças e à economia do País realizar, nestes dois últimos anos, um grande esforço de guerra, sem abalo profundo no ritmo progressivo e criador da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao serem apreciadas nesta Câmara as Coutas Gerais do Estado relativas ao ano de 1961, não pode deixar de envolver-se o Governo, o seu eminente Chefe e o Sr. Ministro das Finanças, que as subscreve, num pensamento de viva admiração e solidariedade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por maiores que sejam os nossos afazeres e por mais absorventes que sejam as nossas ocupações, o nosso espírito não pode abstrair das responsabilidades que sobre nós impendem e da gravidade excepcional da hora que vivemos. E o nosso pensamento e o nosso afecto não podem também, instintivamente, deixar de acompanhar as forças armadas, essa mocidade galharda e generosa que, em terras do ultramar, dando o seu sangue e expondo a sua vida, dá a todos os portugueses um alto exemplo de isenção, de espírito de sacrifício, do cumprimento do dever, para que a Pátria continue e sobreviva, no conjunto dos valores, dos sentimentos, dos territórios e dos povos que a constituem.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: é posto à consideração desta Assembleia mais um notável relatório sobre as Contas Gerais do Estado.

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Tendo como seu relator o ilustre Deputado Araújo Correia, para, quem não têm segredos os problemas económicos e financeiros da Nação, a Comissão de Contas tratou, com rara proficiência, de todos os problemas, não esquecendo o estudo dos seus reflexos na vida económica e social portuguesa, e tirou deles as lições necessárias para o desenvolvimento e progresso do povo português.
Quem ler o mesmo relatório terá forçosamente de concluir pela honestidade de processos seguidos pelo Governo, merecendo especial destaque o Sr. Ministro das Finanças, pela acertada, orientação dada na arrecadação dos dinheiros públicos e nas sua aplicação.
E, não obstante as criminosas labaredas ateadas no nosso Portugal de África, é consolador verificar que as contas do Estado, além de honestas, continuam equilibradas.
E de lamentar que o Mundo, desorientado, nos force ao esforço tremendo de gastar 37 por cento da despesa geral do Estado para defesa do que é bem nosso, prolongamento natural de Portugal continental, em perfeita união e com o único objectivo de viver a sua vida, na ânsia natural de obter o melhor grau de prosperidade e bem-estar para uma população plurirracial que deseja viver à sombra da mesma bandeira, fazer parte da mesma família e que o abafo acolhedor da Pátria a todos acalente e acarinhe.
Os falsos profetas, verdadeiros mensageiros do mal, esquecendo os princípios da verdade e da justiça, trapaceiam com a mentira, encobrindo os verdadeiros propósitos que os minam, ou seja a cupidez e o interesse desordenado, e resolvem soltar todos os ventos contra tudo que é português, pasmando da nossa resistência perante a portentosa máquina de destruição contra nós lançada.
Do Palácio da Insídia, que não merece ser pisado por honrados pés de portugueses, dimana a burlesca iniciativa da oferta de novas reformas e ajustamentos territoriais, era que a palavra liberdade adquire um novo significado, traduzido na miséria, na tirania e na violência, tão caras aos mandaretes que, às claras ou encapotadamente, pretendem realizar os seus torvos desígnios sobre a terra portuguesa.
Espero em Deus que tal não conseguirão e que a razão voltará a ocupar o seu lugar no Mundo e que os princípios da justiça continuarão a reger os povos e a conceder a cada um deles o direito de escolher o sistema político, social e económico que mais lhe convenha.
Este caso português, que sentimos hora a hora, minuto a minuto, quase me ia desviando do propósito que me trouxe a esta tribuna.
Certo é que o facto foi provocado, precisamente para lamentar ver consumido tanto dinheiro na defesa do solo pátrio, quando ele poderia ser investido em aplicações mais úteis, para aumento da prosperidade e enriquecimento da Nação.
O admirável relatório que precede a proposta orçamental e aquele que ora está em causa sobre as contas públicas, ambos redigidos com verdade, clareza e honestidade, são dois primorosos documentos, acessíveis a toda a gente, e nos quais se faz a história anual da vida económica, social e política da Nação.
Ambos merecem os nossos melhores aplausos, que também não podem ser regateados aos seus ilustres autores, o Sr. Ministro das Finanças e engenheiro Araújo Correia, que tanto dignifica e engrandece esta Assembleia, de que é destacado elemento.
Não é possível, numa breve intervenção, abarcar todos os problemas tratados no excelente relatório que se comenta, e todos eles são dignos de comentário apropriado.
Limitarei, pois, a minha intervenção a abordar alguns problemas que interessam ao meio rural português, destacando as suas necessidades e os seus anseios, pura que possa acompanhar o surto de progresso e bem-estar que se nota, por forma acentuada, noutras regiões do País.
Já por várias vezes me insurgi nesta Assembleia contra a concentração industrial que se vem operando no País, de modo a considerar privilegiadas apenas algumas zonas, em prejuízo manifesto da economia de certas regiões, dadas como inexistentes nos mapas para os orientadores deste grande sector económico.
Essas regiões só são lembradas quando é necessário ir buscar a elas o caudal dos seus rios e levar para longe a força energética que eles produzem, sem, muitas vezes, deixarem sequer a pequena côdea que melhore, ao menos levemente, a situação dos seus habitantes.
E até se considerará natural que o candeeiro de petróleo continue a alumiar, fracamente, aquela gente, desde que o município, sobrecarregado com toda a espécie de encargos, não pague bem o produto que se explorou nos seus domínios.
Injustiça grave é essa, que tem de ser corrigida em breve prazo para não existirem bastardos e filhos legítimos e surgir uma só classe de filhos, com iguais deveres e iguais direitos, até porque, quanto a deveres, parece ter-se fixado um critério mais rigorista, ou, pelo menos, mais gravoso, para a classe que eu classifico de bastardos.
Pois o relatório em discussão dá especial relevo a esta injustiça social, para não falar da injustiça económica, palavra que pode ser considerada heresia para os dirigentes dos diversos sectores da actividade industrial e comercial.
Seria medida de maior alcance para a economia e política nacional que o Governo, alheio a interesses de grupo, determinasse a fixação de novas indústrias, quando solicitadas, nas regiões mais desprotegidas, pois isso contribuiria para a elevação do seu nível de vida, de modo a uniformizá-lo em todo o território nacional.
A época de renovação que atravessamos é de manifesto sacrifício para todos os portugueses, de modo que só merecerá louvores aquele dirigente industrial que tenha a coragem de abdicar das comodidades que a capital lhe proporciona, para viver a vida sadia da província e contribuir, assim, para o esforço comum do engrandecimento da Nação e bem-estar dos seus filhos.
A continuar-se na actual orientação, a província cada vez ficará mais pobre de riquezas materiais e a capital mais pobre de riquezas morais e espirituais, dado que o surto migratório para ela obriga a uma vida de promiscuidade, já bem notada, susceptível de criar elementos dissolutos e revoltados.
E, por via de regra, são os braços fortes da juventude que se arrancam à cultura do agro, onde os mais velhos e inválidos não podem acelerar o ritmo de uma produção mais intensa e, consequentemente, mais compensadora.
Verifica-se que em dez anos o produto bruto das indústrias transformadoras subiu 76 por cento, enquanto no sector agrícola não se passou de um modesto aumento de 12 por cento.
Anota-se, ainda, a rarefacção de homens em muitas zonas, até uma concentração, de limites imprevisíveis, segundo o relatório, nas zonas industriais.
O mal tem aspectos económicos e aspectos sociais muito graves, como já se anotou.
Até as sobrecarregadas câmaras municipais são vítimas deste grave fenómeno migratório, obrigadas a pagar a hospitalização de pessoas que em nada concorreram para o progresso do seu concelho natal.
Há, pois, que continuar, em ritmo acelerado, o esforço no sentido da valorização do sector agrícola, seja pela criação de novos métodos de cultura, seja pelo aproveitamento dos "terrenos para as culturas mais aptas e

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19 DE MARCO DE 1963 2131

pela valorização do homem do campo, pela aplicação da princípios de ordem social, em que a previdência terá destacada acção, e de ordem económica, tendente a fixá-lo à terra.
Poder-se-ia, especialmente no Norte do País, estabelecer uma íntima correlação entre a actividade industrial e agrícola, de forma que aquela, num natural esforço de entreajuda, viesse melhorar a situação desta.
Era certo que uma boa parte dos rendimentos do operário industrial fosse desviada para a courela que possuísse e para casa que habitasse, a fim de aumentar o rendimento da primeira e o conforto e bem-estar da segunda, elementos de segurança e permanência para os naturais de região.
Entretanto, este surto industrial, na valorização das províncias do Norte, elemento indispensável para uma economia equilibrada, seria completado com a melhoria e rompimento de novas vias de comunicação que tornassem mais fácil o acesso e trânsito de mercadorias e pessoas através dessas regiões.
Também nesta parte o notável relatório que se comenta fornece dados impressionantes.
Segundo ali se lê, no esforço louvável de reparar os desleixes da situação anterior, gastaram-se, até 1936, 5,3 por cento da receita ordinária na reparação e construção de estradas.
Este ritmo foi, porém, enfraquecido com a queda, em 1961, para 4,1 por cento dessa receita.
Quer dizer: precisamente quando a renovação económica do País, através dos benéficos planos de fomento, mais exige a abertura de novas estradas, verifica-se uma queda neste sector, pois que a ponte da Arrábida e a auto-estrada Lisboa-Vila Franca consumiram aquilo que, em boa lógica e verdade, deveria ser aplicado no Norte do País.
Se tais obras viriam criar receita própria, parecia de todo o interesse para a economia nacional que as mesmas fossem pagas por essas receitas, deixando para outras obras do fomento nacional as verbas despendidas nas referidas obras.
E porque assim é, o plano rodoviário elaborado em 1945, que previa a construção de 21 500 km de novas estradas, não foi além de cerca de 17 500 km.
Contudo, esse plano já é insuficiente para as exigências da vida económico-social moderna.
Em todo caso, se ele tivesse sido cumprido, já muitas regiões nortenhas, nomeadamente os distritos de Vila Real e Viseu, teriam uma rede de estradas capaz de impulsionar a sua economia.
Já me referi, por várias vezes, à abertura de estradas constantes do mesmo plano, nomeadamente àquelas que deviam ligar os concelhos de Lamego, Armamar e Tabuaço; ligar Lamego à Tarouca e Vila Nova de Paiva e a que deve ligar Cinfães a Castro Daire, a celebrada estrada n.º 321, que tantos benefícios acarretaria para uma vasta região, até agora absolutamente desprovida de meios de comunicação.
Já não me atrevo a falar na estrada n.º 2, entre Viseu e Lamego, por saber que o Sr. Ministro das Obras Públicas, num louvável sentido de oportunidade, já despachou essa grande reparação em metade da distância que separa as duas cidades.
E não se diga que, falando de estradas do distrito de Viseu, este possa ser considerado na categoria de favorecido.
Efectivamente, desde 1946 a 1961 gastaram-se na conservação e reparação das estradas do distrito 94 450 contos.
Por isso o macadame abunda naquelas estradas e há concelhos, como o de Castro Daire, que não têm ainda um quilómetro de alcatrão.
Em igual período gastaram-se 46 919 contos na construção de novas estradas.
Ora, confrontando estes gastos com os gastos de outros distritos, de área muito mais reduzida, verifica-se que o distrito de Viseu ocupa lugar bem modesto no quadro comparativo com outros distritos do continente.
Parece, pois, da mais elementar justiça prestar ao mesmo distrito a reparação que merece, completando o plano rodoviário, no que toca a construção, e reparando as estradas que ainda estão por reparar.
Bem sei que nos últimos três ou quatros anos o Ministério das Obras Públicas, num louvável esforço, mandou reparar e alcatroar cerca de 200 km no Norte do distrito de Viseu.
Este facto, só por si, documenta e justifica as lamentações e pedidos aqui formulados, pois, no capítulo de estradas; o Ministério quase que teve de partir de zero.
Finalmente, terei de fazer referência a outra necessidade primária, das muitas que existem no distrito de Viseu, nomeadamente no Norte do mesmo.
Já tive ocasião de abordar, embora de leve, o problema turístico nacional.
Reservo-me para o tratar mais detalhadamente aquando do debate do aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado Nunes Barata.
Entretanto, não quero deixar de insistir, mais uma vez, pelo imediato aproveitamento dos recursos turísticos que a região da Beira-Douro apresenta.
Se o turismo é uma grande fonte de receita a explorar, teremos de nos lançar deliberadamente à conquista e aproveitamento dessa fonte de receita.
São impressionantes os números fornecidos pela vizinha Espanha quanto a este sector da sua economia.
Há que, neste particular, fazer um maior esforço no sentido de atrair o turismo ao País e, através de boas vias de comunicação, dar-lhe possibilidades de ele o percorrer de lês a lês e espalhar, assim, pelo território nacional os benefícios que nos traz.
Uma nova espécie do turismo vai surgindo, concretizada na criação de parques de campismo, como o relatório aponta.
Ora as regiões nortenhas, normalmente de clima fresco na época em que mais se pratica o turismo, são propícias à criação desses parques, já pelos seus panoramas, já pelos seus monumentos e produtos naturais de consumo admiráveis.
Será de aconselhar a criação de parques de campismo, pois eles são motivos naturais de atracção para quem nos visita.
Afigura-se-me que o esforço dos órgãos competentes neste sentido teria uma quase imediata compensação.
A par de outras necessidades, há que suprir em curto prazo aquelas que aqui deixo apontadas para valorização das províncias nortenhas do País.
Assim se terá dado mais um passo valioso para o revigoramento da nossa economia, chamada a dar provas decisivas no concerto da economia mundial, nomeadamente daquelas a que os acordos internacionais nos ligaram.
Com aplauso à Comissão de Contas, dou, pois, o meu voto às conclusões que propôs.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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2132 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: logo a seguir ao conhecimento do aviso convocatório em que se deu por finda a interrupção efectiva da sessão legislativa, a generalidade dos Srs. Deputados que desejam intervir na discussão das coutas públicas, marcada para ordem do dia, mostrou vivo desejo de não ver prosseguir imediatamente o debate.
Alegou, para tanto, a conveniência de uma prévia e atenta leitura do parecer sobre as mesmas contas e a impossibilidade de tal leitura se ter já feito, porque o 1.º volume desse parecer, referente à metrópole, mal tinha sido acabado de receber e o 2.º volume, respeitante ao ultramar, está ainda por distribuir.
O argumento tem seu valor. Na verdade, o conhecimento do parecer em causa, elaborado com o desenvolvimento a que estamos habituados e com a proficiência, por todos reconhecida, do seu ilustre relator, é auxiliar valioso para a eficiência do debate.
Acresce que, quanto a mim, a discussão das contas públicas é, a par da discussão da proposta de lei de meios, dos momentos mais altos para uma ampla e útil tomada de contacto da Assembleia Nacional com a Administração e merece, per isso, que se lhe criem ou não dificultem as condições necessárias para resultar eficiente.
Há ainda a ponderar a falta do relatório e declaração geral do Tribunal de Contas.
Deste modo, não marcarei sessão para nenhum dos restantes dias desta semana. Creio, aliás, que com isto nenhum dano se trará, por dispormos de tempo suficiente, ao exame da matéria que essencialmente temos de apreciar até ao termo da duração normal da sessão legislativa, a saber: o debate das contas públicas, hoje iniciado, e a discussão da proposta de lei sobre alterações à Lei Orgânica do Ultramar, ainda a aguardar o douto parecer da Câmara Corporativa.
Assim, marco a próxima sessão para o dia 26 de Março, à hora regimental e com a mesma ordem do dia.
Entretanto prosseguirá no seu estudo a comissão eventual, que convoco para amanhã, pelas 15 horas e 30 minutos.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alexandre Marques Lobato.
António Calheiros Lopes.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alves.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
Joaquim de Sousa Birne.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco António Martins.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Tarujo de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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