O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2313

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

ANO DE 1963 18 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 92, EM 17 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mo Srs.

Fernando Cid Oliveira Proença Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.01 85, 86 e 87 do Diário do Governo, 1.a série, que inserem os Decretos-Lei n.º 44 969, 44 970, 44 972 e 44 974.
O Sr. Deputado Elisio Pimenta requereu alguns elementos a fornecer pela Secretaria de Estado do Comércio.
O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho tratou de problemas respeitantes ao concelho de Vila Nova de Gaia.
O Sr. Deputado Alfredo Brito falou sobre a normalização dos produtos industriais.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de alteração à Lei Orgânica do Ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pacheco Jorge, Alexandre Lobato, Armando Cândido e Burity da Silva.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro. Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.

Página 2314

2314 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Manteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Sr.ª Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na mesa os n.08 85, 86 e 87 do Diário do Governo, 1.ª série, de 10, 11 e 12 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 44 969, que cria dois consulados de 2.1L classe em Lusáka e Blan-tyre e um vice-consulado em - Kitwe e extingue o Consulado de 4.a classe de Blantyre; n.º 44 970', que introduz alterações na orgânica dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros e revoga várias disposições do Decreto n.º 29970 e dos Decretos-Leis n.ºs 43344 e 44526; n.º 44 972, que promove, por distinção, a título póstumo, ao posto de capitão-tenente o segundo-tenente Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo, e n.º 44 974, que actualiza algumas disposições respeitantes a nomeações e promoções do pessoal do Instituto Geográfico e Cadastral.

Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Elísio Pimenta.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

A aproximação do final da presente sessão legislativa e a circunstância lesiva da economia nacional de haver suspendido a sua laboração, no passado dia 29 de Março, uma das duas unidades industriais produtoras de ágar-ágar, precisamente a que ocupa maior número de técnicos e operários e se situa na cidade do Porto, leva-me a solicitar o obséquio da maior urgência na resposta aos seguintes esclarecimentos que formulo a S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio:

a) Quais as causas da referida suspensão de laboração;
b) Se a suspensão se deve atribuir a falta de matéria-prima (alga agarófila).
c) Se em 1961, 1962 e 1963 foram concedidas licenças de exportação de algas agarófilas e, no caso afirmativo, qual o número de licenças em cada ano, quantidades do produto e seu valor;
d) Se na data da passagem das aludidas licenças a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos verificou a existência nos armazéns dos exportadores das quantidades pedidas e concedidas, para exportação, referentes às correspondentes campanhas;
c) Se em 1962 e 1963 foram exportadas algas agarófilas, quantidades exportadas, em toneladas, seu valor e países importadores;
f) Se nos mesmos anos, 1962 e no corrente, se exportaram algas apanhadas na campanha de 1962-1963 ou apenas as provenientes da campanha de 1961-1962;
g) Quais as quantidades de algas agarófilas existentes presentemente, por qualidades, nos armazéns dos exportadores e correspondentes a cada uma das campanhas 1960-1961, 1961-1962 e 1962-1963;
h) Quais as medidas tomadas pela Comissão Reguladora para cumprimento da Portaria n.º 18 896, de 3 de Novembro de 1961, que no seu artigo 3.º estabelece expressamente que os exportadores de algas deverão pôr si disposição dos industriais de ágar-ágar, ao requererem a exportação, uma percentagem das existências que possuam, a fixar pela Comissão Reguladora, tendo em atenção a necessidade de assegurar-lhes, por força do conjunto das disponibilidades globais do País, o abastecimento para um ano de laboção com as qualidades que mais convenham a esta;
i) Sendo de admitir a existência de conflitos de interesses no circuito da matéria-prima em questão (alga agarófila), quais as medidas tomadas pelo respectivo organismo de coordenação (Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos) para a defesa da economia nacional.

Página 2315

18 DE ABRIL DE 1963 2315

O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a um empreendimento de influente repercussão no desenvolvimento de uma vasta zona do concelho de Vila Nova de Gaia. Dentro de meses vai ser aberto concurso para a adjudicação da obra de abastecimento de água da orla marítima do concelho, o que leva a supor que já no próximo ano essa mesma zona possa vir a beneficiar de tão importante realização.
Este facto é de grande projecção no desenvolvimento económico daquela região, uma das de maior valor turístico dos arredores do Porto, dado que abrangerá as praias da Granja, Aguda, Miramar, Francelos e Valadares, todas ricas em condições naturais de excepção para a implantação de uma indústria de aproveitamento turístico, atendendo às características da região, rica em belezas naturais, oferecendo uma vila de campo e praia, aliada ao desfruto de largas áreas de pinhal e ainda às vantagens de uma recatada vida urbana que lhe fica bem.
O empreendimento é ainda de valioso significado no que se refere às determinantes que continuam a presidir aos diversos serviços do Ministério das Obras Públicas, as quais se podem exprimir pelo sentido de valorização das condições materiais, com vista a uma melhor promoção social das populações. Muito embora a municipalidade do concelho desde há anos se viesse a interessar pela obra agora em vias de concretização, é este precisamente o momento em que a sua execução se deveria determinar, pois que com a próxima inauguração da ponte da Arrábida e seus acessos fica toda essa zona intimamente integrada no centro da cidade do Porto, tornando-se não só acessível à sua população como zona de veraneio, mas ainda virá a permitir uma económica fixação aos que desejem viver fora da cidade.
No entanto a realização da obra traz consigo a necessidade de ser encarado, com vista a uma próxima realização, o plano de urbanização e o plano do saneamento de toda a orla, os quais, estando, como é óbvio, ligados ao plano da própria vila, representam avultada verba que as circunstâncias- especiais do momento que vivemos não permitem seja considerada senão por fases de execução. Há porém que ter em conta essas necessidades, e o sabermos que a sua efectuação está no pensamento e na vontade do ilustre Ministro das Obras Públicas é para nós, habitantes do concelho, uma consoladora esperança.
Está, pois, em boas mãos o assunto, e se a ele me refiro agora é tão somente para aliar este facto àquele a que me reporto, nesta minha intervenção, para com eles significar o quanto o concelho de Vila Nova de Gaia já vai sendo devedor de gratidão ao ilustre Ministro Eng.º Arantes e Oliveira.
Porém, um aglomerado populacional da importância do concelho de Gaia traz, como é natural, um grande volume de preocupações, pois não é em vão que ele é o terceiro concelho do País em valor populacional e II sua vila se situa, na escala dos aglomerados humanos, em 4.º lugar, imediatamente a seguir a Coimbra, cuja população excede a sua apenas em 3600 habitantes.
Separada da cidade do Porto pelo laborioso rio Douro, que, separando-as, as irmana em benefícios e sofrimentos, vê-se a vila de Gaia ligada à vida da cidade num tríplice amplexo em que as estreitam as pontes que através desse rio lançam, como num só corpo, quais artérias, a massa humana que é a sua linfa comum, vivendo, em simbiose de interesses económicos, culturais e morais, a sua vida própria. E, assim, esquecidos de bairrismos extremos e dal tónicos, os gaienses rejubilam com o progresso da sua cidade, e mais não querem para si do que o reconhecimento de que existe a sua própria vida, com os próprios interesses e necessidades, todos eles a considerar ao nível citadino.
Em confirmação desta minha afirmação não deixarei de mencionar que sob o aspecto populacional a vila de Gaia deixa para trás as capitais de distrito do País, quase todas em notável desenvolvimento, possuidoras dos indispensáveis meios de progresso e de valorização das suas gentes, quer no campo social,- cultural e desportivo, quer ainda no campo meramente urbanístico.
E, no entanto, que possui a vila de Gaia para dar satisfação aos mesmos interesses que forçosamente, e com mais razão, sentem as suas populações, as quais, não entendendo as considerações de ordem administrativa (refiro-me à divisão administrativa), medem a sua razão pelo valor do aglomerado humano que representam, cientes de que para que existam as necessidades e se encarem as soluções apenas conta que elas existam na medida em que o homem existe? Um hospital em construção, 75 habitações das caixas de. previdência, um bairro de casas económicas para 250 famílias, ainda em construção, uma escola técnica que recolhe cerca de 3000 alunos nas instalações que foram feitas para 1200 e alguns centros de assistência mantidos graças à teimosa e esforçada acção da sua Misericórdia.
Ao enunciar destacadamente estas realizações, que se situam precisamente dentro do chamado aspecto social, quero, sem intenção de estabelecer quaisquer, termos de comparação, demonstrar que já vão sendo realizados ali empreendimentos que são a satisfação de velhas e repetidas aspirações, e que são a concretização do conceito já sentido de que para o concelho se voltam na justa medida os olhares do Governo. Assim, a pouco e pouco, mas seguramente, o concelho irá tendo-as suas certezas, ora no liceu que se erguerá dentro em breve, nos mercados que serão implantados, na realização dos planos de urbanização e saneamento, nos abastecimento de água a toda a vila e freguesias urbanas, na consecução do plano de valorização das freguesias rurais através de eficiente ligação rodoviária.º Mas se é certo que algumas destas realizações são passíveis de espera paciente, até porque a vizinha cidade lhes vai dando provisória solução, o mesmo se não pode dizer daquelas que são a garantia da promoção social das suas populações.
Os homens, porque têm a noção da sua origem divina, aspiram em igual medida à valorização dos seus valores essenciais no sentido de uma tomada de consciência pessoal e reflectida em relação à vida económica e social. Neste aspecto não é de menor valor o direito ao usufruto de um lar digno e próprio.
Salazar disse um dia:

Enquanto houver um português sem lar e um lar sem pão a revolução continua.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: nesse núcleo de preocupante crescimento humano que é o concelho de Vila Nova de Gaia há muitas famílias sem lar e muitos lares sem pão. 2000 famílias vivendo em condições abaixo do nível mínimo de habitabilidade, em infectas «ilhas», tugúrios miseráveis, ou barracos milagrosamente alcandorados nas escarpas do Douro, confundidas em perigosa promiscuidade, aguardam que as elevem a uma vida compatível com a sua condic'ão humana.
Menciono este aspecto da vida do concelho sem deixar de reconhecer quão grande e persistente tem sido o esforço que o Governo da Nação vem realizando no sentido de que este pensamento, que encima a doutrina social do Regime, tenha rápida concretização, tornando-se,

Página 2316

2316 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

por isso mesmo, credor de todo o aplauso e louvor. Mas a vila de Gaia cresce demasiadamente depressa em população, crescimento esse que se pode medir pela ordem dos 8000 habitantes por decénio, o que acarreta à Administração encargos que não podem ser resolvidos no plano concelhio.
Por isso quero apelar no sentido de que seja estudado um plano para a construção de casas para as famílias pobres na mesma medida em que o foi para a cidade do Porto, pois que só assim será possível exterminar ali também o cancro social que representam as «ilhas».
No plano de actividades da Câmara Municipal do Porto pode ler-se esta passagem:
Graças ao apoio financeiro concedido pelo Governo da Nação, através do Ministro das Obras Públicas, pôde a Câmara Municipal do Porto, em execução do Decreto-Lei n.º 40 616, iniciar em 1957 o seu plano de melhoramentos. 6000 habitações, próprias da condição e dignidade humanas, iriam permitir o encerramento de outros tantos infectos tugúrios, verdadeiros focos de miséria física e moral.

Tal afirmação, se pode ser considerada como nobre e orgulhosa, transcende o plano citadino no que representa de significado moral e social, pois é a certeza de que, a par de todas as preocupações de ordem material, mais ocupa o Governo a promoção da pessoa humana aos seus valores mais puros e nobres.
Quando de satisfação não sentiria a municipalidade de Gaia se pudesse um dia inscrever no seu plano de actividades um período idêntico ao que atíado de transcrever.
Ainda, e a par deste grave aspecto, situa o concelho de Gaia como sua mais premente aspiração a solução do seu problema assistencial, para o qual chamo a atenção dos competentes serviços. Se o Ministério da Saúde e Assistência estudasse o assunto com vista a uma utilização em pleno da capacidade assistêncial de estabelecimentos que são administrados pela Misericórdia, permitindo que os asilos e creches que mantém pudessem alargar o seu benefício de forma a corresponder às necessidades assistênciais do concelho, estou certo de que a sua mesa gostosamente corresponderia às solicitações que lhe fossem feitas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: ao terminar quero deixar bem patente a minha esperança de que bem brevemente todos os que vivem e se interessam pelos problemas do concelho terão de agradecer ao ilustre Ministro das Obras Públicas e ao seu colega da Saúde e Assistência o passo que não deixarão de dar na direcção certa, tornando-se credores de profundo reconhecimento.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: mais uma vez venho nesta Assembleia exprimir as minhas preocupações sobre o nosso progresso económico e industrial - tomando desta voz a liberdade de pedir a atenção de V. Ex.ª para o magno problema da normalização.
Em 1948, ao reorganizar-se a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, pelo Decreto-Lei n.º 86 935, foram criados uma repartição e um conselho especiais dedicados às questões de normalização, mas só pelo Decreto-Lei n.º 38 801, de 25 de Junho de 1952, foi regulamentada a normalização portuguesa.
Do preâmbulo que antecede o articulado deste decreto-lei justificam-se as necessidades do estabelecimento em Portugal de um serviço que coordene e intensifique a normalização, baseando-se, entre outros, nos seguintes pontos:
1.º Na gravidade dos actuais problemas de produção, sendo premente o aumento de rendimento dos processos de fabrico;
2.º No equilíbrio a estabelecer no intercâmbio de mercadorias;
3.º Na simplificação e unificação da produção com vista a uma diminuição de desperdícios através de um melhor aproveitamento das matérias-primas e das máquinas.
Urgia que se melhorassem os produtos nacionais em qualidade e preço, não só com o objectivo de valorizar a nossa produção, mas também, principalmente, na defesa dos interesses do consumidor, de que o Estado é guardião.
No artigo 8.º do referido decreto estabeleceu-se que:
As normas definitivas são facultativas ou obrigatórias. A aprovação das normas facultativas far-se-á por portaria e a das normas obrigatórias por decreto assinado pelo Ministro da Economia e pelos Ministros dos sectores a que as mesmas respeitem.

E segundo o § único do mesmo artigo:

Salvo caso de interesse público imediato as normas só podem tornar-se obrigatórias decorrido um ano sobre a sua aprovação como facultativas.

No artigo 12.º:

A Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais pode autorizar para todos os artigos que satisfaçam as normas aprovadas o uso de uma marca .nacional indicativa da conformidade com essas normas, a qual será regulamentada nos termos do artigo 14.º

Em virtude do exposto publicou-se, em 25 de Abril de 1956, a Portaria n.º 15 836, que regulamentou o uso da «marca nacional de conformidade com as normas», a qual tem por fim garantir que os produtos que dela são portadores obedecem rigorosamente às prescrições de formato, dimensão e qualidade estabelecidas pelas normas portuguesas em vigor relativas a esses produtos.
Não veio a portaria em referência tornar obrigatório o uso da marca nacional de conformidade com as normas», mas tão-sòmente regulamentar a sua utilização.
Mas a previsão de uma obrigatoriedade de fabricos normalizados encontra-se expressa, não só no Decreto-Lei n.º 38 801, que estabeleceu o Estatuto da Normalização Portuguesa, como também no artigo 13.º do Decreto n.º 39 634, que promulga a revisão do regime de condicionamento previsto pela base XVII da Lei n.º 2052 e regulamenta o processo das autorizações. De acordo com esta disposição:

O despacho de autorização poderá impor a sujeição dos produtos fabricados às normas ou marcas de qualidade portuguesa, mesmo no caso de estas serem facultativas, e bem assim a obrigação de assistência técnica por laboratórios ou entidade idónea, quando tal for julgado conveniente.

Animado por estas disposições, e verificando a situação caótica para onde se dirigia a indústria de louça de alumínio, elaborei um estudo sobre a normalização do respec-

Página 2317

18 DE ABRIL DE 1963 2317

tivo fabrico, tendo apresentado à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, em 1951, um relatório e oito estudos de normas, que, após serem submetidos a inquérito público, em Julho e Setembro do mesmo ano, foram homologadas por despacho ministerial como normas provisórias em Novembro e Dezembro do ano seguinte, tendo-se convertido em normas definitivas em Abril de 1954.
Para incentivar os fabricos normalizados procurei demonstrar as suas vantagens como elemento para a valorização da economia nacional e para os próprios industriais e consumidores, publicando na revista Indústria Portuguesa, em Fevereiro de 1952, um artigo a que dei o título «O valor da normalização como elemento da economia nacional», e onde provei que o fabrico normalizado da louça de alumínio originaria uma diminuição de importação de chapa de alumínio, num valor aproximado de 53 por cento, e a economia doméstica seria favorecida, quando adquirisse os artigos normalizados, com uma redução aproximada de 60 por cento em relação aos artigos de qualidade imprópria, que a concorrência desmesurada entre fabricantes vinha apresentando aos consumidores.
Como é lógico, um produto normalizado, como artigo de qualidade que o é, tem de ser de preço mais elevado relativamente ao de um produto não normalizado, em regra de inferior qualidade, do que resulta uma reduzida duração.
Mas este custo, inicialmente mais elevado, é diluído pelo tempo com um saldo muito positivo para o utilizador.
As empresas conscientes das suas obrigações esperavam que essas normas se tornassem obrigatórias ao abrigo do disposto no § único do artigo 8.º do Decreto n.º 38 801.
Mas passou o ano previsto para se poderem tornar obrigatórias e a obrigatoriedade não veio.
A indústria da louça de alumínio marchava de ano para ano para um maior descalabro, tendo muitos dos industriais desistido e outros, o que é mais grave, sido arrastados para a falência, dada a inviabilidade económica da actividade que exerciam.
Devido a esta situação aflitiva, um grupo de industriais solicitou do Governo a nomeação de uma comissão para o estudo da reorganização desta indústria, pedido que foi tomado em consideração, tendo para o efeito sido nomeada uma comissão reorganizadora pela Portaria n.º 17 225, de 19 de Julho de 1959.
Elaborado o estudo, o mesmo foi presente ao Sr. Secretário da Indústria, que, em 11 de Janeiro de 1962, lavrou um despacho de que destaco as bases n.ºs 4 e 15. Diz a base n.º 4:

Os produtos acabados deverão obrigatoriamente satisfazer as características físicas fixadas por normas segundo o critério da base anterior. Quanto às características dimensionais, serão também fixadas por normas obrigatórias para os utensílios tradicionais, tais como caçarolas, canecas, sertãs, cafeteiras, copos, chaleiras, fervedores, marmitas, panelas, pratos, tabuleiros para fornos e tachos.

E a base n.º 15 esclarece:

Após o início da laboração referida na base anterior será proibida a exposição e venda ao público de objectos de louça de alumínio laminado, quer de origem nacional, quer de origem estrangeira, que não satisfaçam ao estabelecido nas bases 3.a, 4,.a e 5.a
Daqui se depreende que a reorganização da indústria de fabrico de louça de alumínio tem como base a normalização de fabricos.
Cabe-me, portanto, perguntar: se aquando da publicação das normas, dentro dos prazos previstos, as mesmas se tivessem tornado obrigatórias, esta indústria não teria atingido o nível técnico desejado, e, com ele, automaticamente, a reorganização, que é sempre difícil e desagradável para o Governo conseguir por outros meios?
Durante estes oito anos não se teria defendido a economia nacional e privada através da obrigatoriedade de fabrico e utilização dos artigos normalizados?
Deixo a resposta a estas minhas perguntas ao espírito esclarecido desta alta Assembleia.
Sr. Presidente: citei este exemplo de normalização e de possível reorganização porque o vivi intensamente e a ele dei a minha colaboração, com um ardente desejo de contribuir para a valorização da indústria e da economia nacionais.
Sr. Presidente: depois de estabelecidos os serviços de normalização em Portugal foram já criadas 29 comissões e suas subcomissões técnicas para a elaboração de normas, em estreita colaboração de trabalho entre os representantes da indústria, do comércio e do consumidor, quando as mesmas se referem ao sector de produção.
Das 375 normas publicadas até 31 de Dezembro de 1962,- 174 estabelecem as características de produtos e 158 os métodos para a sua verificação.
Mas só um número restrito destas normas se tornou obrigatório, conforme passo a discriminar:

Norma NP-9 - Escrita dos números, por Portaria n.º 17 053, de 4 de Março de 1959, do Ministério da Educação Nacional;
Norma NP-18 - Nomenclatura dos grandes números, por Portaria n.º 17 052, de 4 de Março de 1959, do Ministério da Educação Nacional;
Formato normalizado do papel selado, dentro das regras estabelecidas pela norma portuguesa NP-5 (Decretos-Leis n.08 42 269, de 18 de Maio de 1959, e 43 160, de 12 de Setembro de 1960);
Regulamento do Exercício da Indústria de óleos Essenciais: o artigo 16.º obriga a que as características dos óleos extraídos ou rectificados sejam em conformidade com as normas (Decreto n.º 42 474, de 26 de Agosto de 1959) ;
Normas NP-145 e 146, respectivamente de sal refinado e sal de mesa (Decreto n.º 42 615, de 24 de Outubro de 1959) ;
Da obrigatoriedade dos serviços de Estado, incluindo os que têm autonomia administrativa, das autarquias locais, dos organismos corporativos e de coordenação económica, de utilizarem sómente os formatos de papel estabelecidos nas normas portuguesas (Decreto-Lei n.º 42 852, de 17 de Fevereiro de 1960);
Regulamento do exercício da indústria de gesso, que prescreve, no artigo 10.º, a obrigatoriedade de os gessos fornecidos à indústria e ao comércio satisfazerem as características que vierem a ser fixadas por normas portuguesas (Decreto n.º 42 941, de 23 de Abril de 1960) ;
Normalização de fabrico relativa à indústria de papel (Portaria n.º 18 484, de 24 de Maio de 1961, do Ministério da Economia) ;
Perfis de aço: despacho da Secretaria de Estado do Comércio de 29 de Dezembro de 1961, que estabelece o uso obrigatório das normas a publicar.

Do exposto pode concluir-se, sem rebuços, que o número restrito de normas até hoje tornadas obrigatórias não cor-

Página 2318

2318 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

responde, do modo algum, às necessidades prementes do momento que atravessamos.

Sr. Presidente: como já tive ocasião de dizer, em 25 de Abril de 1956 foi criada a «marca em conformidade com as normas».
O uso desta marca foi até à data requerido por uma só empresa, para «Material para instalações eléctricas de baixa tensão - tubos rígidos de material plástico para protecção de condutores (NP-159)».
Mas como esta norma estabelecesse condições superiores às verificadas nos materiais importados, o que ocasionava ura maior custo de produção, desistiu o utilizador transitoriamente do seu uso, deixando, portanto, de fabricar tubos de plástico normalizados ... Este fabricante teve de aguardar que a norma fosse rectificada pelos serviços de normalização - rectificação que já foi realizada (mas não publicada) -, tendo a nova norma sido estabelecida por forma que, sem ofensa á qualidade do produto nacional normalizado, o mesmo não venha a sofrer a concorrência dos produtores congéneres estrangeiros.
Resumindo: após seis anos da criação da «marca em conformidade com as normas» ainda a mesma não está a ser utilizada por qualquer fabricante.
Quero nesta altura fazer uma referência muito especial ao Sr. Eng.a Fausto Alcântara Carreira, que superiormente dirige a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, que com um dinamismo invulgar conseguiu imprimir a todos os colaboradores da normalização portuguesa, tanto os particulares como os funcionários da Repartição, um interesse que é, a todos os títulos, muito de apreciar, quando é certo que se trata de um serviço a que, infelizmente, não foi dada a oportunidade de preencher as necessidades dentro do campo prático para que certamente foi criado.
Sr. Presidente: aderimos em 4 de Janeiro de 196Ü à Convenção que instituiu a Associação Europeia de Comércio Livre, como também já solicitámos a abertura de negociações com o Mercado Comum.
Se per um lado é muito grave, para a indústria nacional, a nossa incorporação em qualquer dos grupos, constituídos por países na sua maioria industrialmente evoluídos, também é necessário considerar-se que seria quase impossível mantermo-nos fora de uma união económica europeia.
Dado o atraso técnico de muitas das nossas actividades industriais, foi preocupação premente do Ministro da Economia cessante, apoiado na Lei n.º 2005, procurar estruturar a nossa indústria em moldes que não só pudessem aguentar o embate concorrencial externo, como também, nalguns casos, lhe fosse possível colocar parte da sua produção nos mercados externos.

O Sr. António Santos da Cunha: - E em virtude desse despacho conseguiu-se reorganizar alguma indústria?!

O Orador: - Vou responder já a V. Ex.ª Para isso nomeou várias comissões de estudo com vista à reorganização de vários sectores industriais, que, como já tive ocasião de dizer nesta Câmara, só se materializou na indústria dos lacticínios da Madeira.

O Sr. Sousa Meneses: - Mas parece que mal, segundo a opinião de um dos nossos colegas.

O Orador: - Não posso discutir a eficiência desta organização.

É compreensível que grandes dificuldades advêm para a Administração com a reorganização industrial, mesmo quando não seja compulsiva.
Há implicações de ordem política, fiscal, económica, financeira, técnica e social de difícil conjugação. Entre estas dificuldades avulta, no meu entender, o problema do financiamento.

Prevê a base III da Lei n.º 2005 que «o Estado participará no capital das empresas, directamente ou por intermédio das suas instituições de crédito, quando for indispensável para assegurar o êxito do empreendimento».
Ora, como a maior parte das indústrias a reorganizar se encontra numa situação económicamente débil e com equipamentos em grande parte obsoletos, seria necessário realizar grandes investimentos em grande parte financiados pelo Estado, pois difícil seria canalizar para esses sectores os capitais privados.

O Sr. Reis Faria: - Acho que a iniciativa particular não deve ter dúvidas em financiar essas empresas.

O Orador: - V. Ex.ª conhece bastante bem a psicologia do nosso capitalista.

O nosso capitalista quando vê uma indústria que não teve possibilidade de expansão fica preocupado. Quando vê que uma empresa não teve viabilidade económica não procura saber se ela estava bem ou mal estruturada. Neste caso o capitalista tem a preocupação de fazer novos investimentos, e é lógico que o empresário que necessita de reorganizar a sua indústria é porque ela não está bem estruturada, é porque a sua estrutura económica está fraca. Para a reorganizar terá de procurar auxílio no capital externo. Mas é compreensível que não poderá ser o Governo a financiar tudo. Por isso eu acho que, de harmonia com a Lei n.º 2005, para o êxito do empreendimento o Estado deverá intervir para mostrar, sem ser coercivo, que é necessária uma reorganização para se obter o desenvolvimento, através de uma técnica capaz, visto que as empresas sofrem devido a uma concorrência desregrada e inconsciente por parte de certas pequenas unidades.

O Sr. António Santos da Cunha: - E que vamos fazer com essas pequenas unidades?

O Orador: - É lógico que a economia de uma nação não poderá ser uma Conferência de S. Vicente de Paulo.
O problema é que as unidades que se têm estruturado sem capacidade vivem numa situação má, numa situação pouco dignificante. E nós temos o exemplo flagrante da indústria de cutelaria. Temos nela 270 e tal fábricas, que trabalham numa situação verdadeiramente apavorante. A indústria de tachinhas é de uma extraordinária miséria.
Ora, podemos nós dar continuidade de vida a indústrias destas? Não se deverá antes fazer com que elas se incorporem numa indústria capaz? Essas unidades mínimas- não têm possibilidade de sobrevivência.

O Sr. António Santos da Cunha: - Tenho muitíssimo medo de que tudo que leve às grandes concentrações possa ter repercussões muito sérias, pois isso pode dar lugar a que as pessoas que trabalham nas tais indústrias que V. Ex.ª chamou mínimas possam ser forçadas a abandonar os seus lares. E estou cansado de ouvir falar em interesses colectivos e nacionais com sacrifício dos da pessoa humana.

Página 2319

18 DE ABRIL DE 1963 2319

O Orador: - V. Ex.ª pôs no problema uma certa confusão; pois quando se fala em reorganização não quer dizer concentração.

O Sr. António Santos da Cunha: - Mas quer dizer eliminação.

O Orador: - Nós temos um processo de condicionamento ou de normalização pelo qual não se cerceia a ninguém a possibilidade de fabricar, mas o que não podemos é consentir que haja unidades fabris que produzam produtos de má qualidade.

O Sr. António Santos da Cunha: - Discordo absolutamente dessa doutrina, que, quanto a mim, pretende ser a lei do forte a dominar o fraco. E, lá fora, a opinião pública o que diz é exactamente isso, atacando que se pré-. tenda que a indústria possa estar apenas na mão de meia dúzia de indivíduos, e que é necessário que reajamos contra tal ideia.

O Orador: - Não quero dizer que num dado sector industrial não haja 100 fábricas, mas é preciso é que elas se possam manter e que produzam produtos de qualidade.

O Sr. Costa Guimarães: - E a preços capazes.

O Sr. António Santos da Cunha: - Com o 99 por cento dessas pequenas unidades não têm facilidades de técnicos ou de capitais, serão estranguladas, o que de forma alguma pode ser.
De resto, tenho por V. Ex.ª uma alta consideração e respeito, e se o interrompi é porque, embora não estando de acordo com a opinião de V. Ex.ª, sei que lucro com o esclarecimento que prestará.

O Orador: - Está V. Ex.ª muito preocupado com o número de indústrias que são incapazes de produzir produtos de qualidade, mas esquece-se V. Ex.ª de que elas têm de produzir para 9 milhões de portugueses, que são vítimas desses produtos de má qualidade.

O Sr. António Santos da Cunha: - Quanto aos resultados para os 9 milhões de portugueses, o que geralmente se verifica é imediatamente uma subida de preço de todos os artigos que vêm para o mercado.

O Orador: - Mas neste caso não se pode ter dado, porque ainda não existem produtos normalizados no mercado.
No momente presente, em que os investimentos de base necessários para se dar prosseguimento aos nossos planos de fomento são difíceis de financiar e realizar através do mercado de capitais, lógico é que o Estado, através das instituições de crédito sob seu controle, não possa desviar os capitais necessários às indústrias a reorganizar.
Encontramo-nos, pois, numa situação de inércia, dedivo à escassez de capitais públicos e privados; e, vivendo já muitos sectores em condições muito precárias, tememos que possam ir para o aniquilamento total na fase final da nossa integração na economia europeia.
Se a situação se mantiver e nada fizermos para a debelar, muitas indústrias ficarão pelo caminho, antes mesmo de chegarmos à meta da total liberação de importações e eliminação das pautas aduaneiras.
Outro perigo se avizinha: a grande concorrência que se verifica em muitos sectores da nossa indústria tem levado ao aviltamento da qualidade de muitos dos produtos nacionais e, como corolário, ao descrédito dos mesmos por parte do consumidor: é mais uma porta aberta ao produto estrangeiro, logo que este chegue a nós em melhores condições de preço.
Mas se a reorganização industrial, como já anteriormente apontámos, é difícil de se efectuar no momento presente, por carência de capitais, não se devem procurar outras soluções para se atingir o mesmo fim?
Julgo que sim.
Uma normalização obrigatória em muitos dos sectores da nossa indústria forçaria os industriais a reajustarem os seus fabricos, a concentrarem voluntariamente as suas unidades, e a concorrência passaria a ser feita através de uma melhor organização industrial, baseada num aumento de produtividade.

O Sr. Costa Guimarães: - Muito bem!

O Orador: - As indústrias actualmente licenciadas teriam de se colocar de molde a produzirem artigos de qualidade, e para as novas unidades que desejassem instalar teriam os interessados de ponderar mais atentamente sobre a sua viabilidade, antes de realizarem o empreendimento
Dentro destes princípios poder-se-iam atingir, entre outros, os seguintes fins:
1.º A valorização do produto nacional o com ela a confiança do consumidor;
2.º A eliminação de desperdícios de matérias-primas normalmente importadas, conseguindo-se assim um menor dispêndio de divisas;
3.º A obrigação de o produto estrangeiro ter de se enquadrar adentro das normas nacionais e, deste modo, não ser o mercado invadido por produtos estrangeiros de inferior qualidade;
4.º A valorização do produto nacional para possíveis exportações.

E lógico que a normalização de fabrico não é uma panaceia a aplicar em todos os casos, mas muitos há em que ela poderá ser efectiva e muito proveitosa, como, por exemplo, na aparelhagem electrodoméstica e a gás, nos equipamentos culinários de alumínio, nos acessórios de canalização, onde estão incluídas as torneiras, nas máquinas agrícolas, no material eléctrico, em muitos artigos usados na construção civil, como fechaduras, dobradiças, etc., nos couros, nos tecidos, etc.

O Sr. Costa Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.

O Sr. Costa Guimarães: - Referiu-se V. Ex.ª à normalização nos tecidos. E eu queria prestar um depoimento simples em relação a esse sector, para poder afirmar que, sobretudo em tecidos de produção corrente, isso é da mais relevante vantagem, porque evita, seguramente, um aviltamento das qualidades e assegura, portanto e em paralelo, uma maior produtividade no consumo. De forma que lhe dou todo o meu apoio e quero acrescentar que tenho ouvido com muito gosto as considerações que vem produzindo, porque estou convencido de que muitas vantagens advirão da execução efectiva da normalização nos mais variados sectores.

O Sr. Mário Galo: - Também tenho ouvido com muita atenção, Sr. Deputado Alfredo Brito, as considerações que vem produzindo e que têm a maior actualidade.

Página 2320

2320 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

E também desejaria prestar o meu depoimento no que respeita à indústria garrafeira. Tenho na minha fábrica mais de 800 jogos de moldes de garrafas, que não só representam um investimento superior a 2500 contos, como também demonstram quão exigente é o nosso mercado. Mas o que é pior é que obrigam à existência de volumosos e variados stocks e ainda a constantes alterações no ritmo da produção, que normalmente só se alcança satisfatoriamente depois de algumas horas de laboração. Isto tudo representa agravamento considerável das condições de produção e é por isso que todas as considerações de V. Ex.ª são muito de ponderar.
Encontra-se em estudo a reorganização da indústria e um plano para a normalização da produção de garrafaria. Direi a V. Ex.ª que é com o maior interesse que faço votos para que essa normalização se efectue o mais rapidamente possível, pois só assim poderemos combater a concorrência do mercado internacional da maneira que se está a avizinhar.

O Orador: - Muito obrigado a VV. Ex.ªs
Mas e obrigatoriedade de os produtos obedecerem a características determinadas, para poderem ser expostos ou entregues ao consumo, não é novidade no nosso país.
Podemos citar muitos dos produtos alimentares, como sejam: o vinho, vinagre, azeite, óleo de amendoim, farinhas, pão, bolachas, massas alimentícias, leite, manteiga, queijo, açúcar, refrigerantes, cerveja e café.
Não se circunscreve esta obrigatoriedade de características sómente aos produtos alimentares; já alguns produtos industriais se encontram nas mesmas condições, como, por exemplo, os adubos agrícolas, pelo Decreto n.º 21 204, de 4 de Maio de 1932, e os sabões, pela Portaria n.º 13 055, de 25 de Janeiro de 1950.

Mas se foram já determinadas características para os produtos alimentares e para um número restrito de produtos industriais, na defesa do consumidor, julgo que se deverá tornar extensiva a regulamentação e estabelecidas as características mínimas a muitos outros produtos e artigos de utilização corrente, não só para a sua valorização como também em relação à segurança dos seus utentes.
E é indubitável que as perspectivas de expansão da exportação de muitos artigos nacionais se ampliariam substancialmente, se aos importadores estrangeiros fosse dada uma garantia - a garantia de conformidade com uma norma oficiai portuguesa - em relação aos artigos fabricados no nosso país.
Permito-me, nesta altura, apresentar a minha estranheza em relação a um sistema que se vem praticando entre nós.
No sector da electricidade, encontram-se devidamente regulamentadas as condições de segurança das instalações eléctricas de alta e baixa tensão. Em contrapartida, nada está estabelecido em relação à aparelhagem electrodoméstica, de tal maneira que podemos afirmar que, fora das nossas portas, existe um elevado grau de segurança - e que o perigo se encontra precisamente dentro dos nossos lares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O mesmo se passa com a aparelhagem termodoméstica, a gás de cidade ou gás propano e butano, como também com os fogareiros que utilizam o petróleo iluminante, que tantos acidentes têm ocasionado por falta de normas de segurança.
Quanto à aparelhagem electrodoméstica posso informar que todos os países aderentes à Associação Europeia de Comércio Livre (excluindo Portugal) e do Mercado Comum (excepto o Luxemburgo), a Hungria, a Polónia e a Checoslováquia criaram a Comissão Internacional das Regras de Aprovação de Equipamentos Eléctricos, com a finalidade de se estabelecerem normas únicas de segurança obrigatória, de acordo com a Comissão Internacional Electrotécnica (C. I. E.). É bom saber que na maior parte dos países europeus a aparelhagem electrodoméstica já há muito tempo não pode ser vendida se não obedecer às normas de segurança estabelecidas nos mesmos países.

O Sr. Costa Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Costa Guimarães: - Estabelecem normas mas nem sempre as adoptam, porque por essa saída é que conseguem preços aviltados que permitem fazer uma concorrência desregradíssima.

O Orador: - Não percebi.

O Sr. Costa Guimarães: - Estava V. Ex.ª dizendo que os países do Mercado Comum, com excepção do Luxemburgo, estão a adoptar medidas que normalizem a qualidade dos produtos electrodomésticos. Mas nem sempre as seguem, servindo-se dessa porta para conseguirem preços de custo mais baixos.

O Orador: - Essa comissão formou-se para dar obrigatoriedade de fabrico. E lógico que, se não somos aderentes, eles têm a liberdade de colocar o produto mau dentro do nosso país.

O Sr. Costa Guimarães: - Entendo que essas normas deviam funcionar na origem.

O Orador: - Isso não; é aqui na produção. Todos os produtores estrangeiros se sujeitariam a essas normas, e os produtos não poderiam vir para cá quando não correspondessem às normas nacionais.
Torna-se necessário esclarecer esta digna Assembleia de que uma acção dos Poderes Públicos no sentido de impor a produtores e consumidores artigos normalizados é prática generalizada, que me escuso de historiar aqui, para não ocupar demasiado o tempo de VV. Ex.ª
À primeira vista parece que a normalização, tendo nascido e tendo-se desenvolvido em todo o Mundo através da iniciativa privada, impondo-se por si mesma, não necessita do amparo oficial com que queremos pô-la em marcha entre nós. Mas só na aparência é que as coisas se passam assim: se nos recordarmos de que nos países mais evoluídos, mesmo nos mais liberais, o Estado é um grande consumidor, exigindo que os produtos que lhe são fornecidos se conformem com as normas em vigor nesse país - como actualmente sucede nos Estados Unidos da América, na França, na Itália e em tantos outros -, daremos conta da variedade de meios de que os Poderes Públicos dispõem para forçar os industriais a fabricarem artigos normalizados.
No nosso país aliviar-se-ia o trabalho dos organismos oficiais e paraofíciais se existisse uma vasta gama de normas, pois uma mera referenciação das mesmas seria suficiente para elaborar os cadernos de encargos.
Inclusivamente as legislações francesa, austríaca, alemã e holandesa (entre outras) permitem que as normas sejam tornadas obrigatórias, especialmente sempre que possa estar em causa a segurança e a higiene pública.

Página 2321

18 DE ABRIL DE 1963 2321

Sr. Presidente: espero, do exposto, ter podido esclarecer esta Assembleia das vantagens de uma normalização obrigatória de fabricos em muitos dos sectores da nossa indústria e, assim, poder solicitar do Governo:

1.º Que sejam tornadas obrigatórias grande número de normas já homologadas, ao abrigo do artigo 8.º do Decreto n.º 38 801;
2.º Que faculte ao Centro de Normalização, que funciona junto à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, os meios necessários para o prosseguimento e ampliação das suas actividades;
3.º Que no mais curto espaço de tempo se proceda à elaboração de normas de qualidade em relação aos sectores em que elas se tornem mais imperativas, e que as mesmas, dentro do prazo regulamentar, sejam tornadas obrigatórias.

Se assim se proceder, posso afirmar que muitos dos ramos da nossa indústria, vivendo no momento presente numa situação francamente precária, serão revitalizados; que o consumidor será incontestavelmente beneficiado; que o produto nacional será valorizado; e, deste modo, daremos um decisivo contributo para o progresso da economia nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Jorge.

O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: na sequência lógica do processo iniciado em Setembro último pelo então ilustre Ministro do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, que, em boa hora e numa perfeita visão da realidade dos factos e dos homens, houve por bem convocar o Conselho Ultramarino para se pronunciar sobre a Lei Orgânica do Ultramar, é pelo Governo apresentada à consideração desta Assembleia a proposta de alteração de algumas das suas bases mais importantes sobre as quais incidiram mais particularmente as considerações do parecer elaborado pelo Conselho Ultramarino e no qual se tiveram em devida conta as opiniões concordantes dos vogais dos conselhos legislativo e de governo de todas as províncias ultramarinas, dos representantes das actividades económicas de Angola e Moçambique e ainda de alguns antigos governadores; Subsecretários de Estado e Ministros do Ultramar, que participaram nos trabalhos do mesmo Conselho, embora sem voto.
Como Deputado por Macau a esta Assembleia, entendi ser meu dever trazer também ao debate o meu depoimento de ultramarino, nado e criado em Macau, representante de várias gerações ali nascidas, e que só teve a oportunidade de conhecer a Mãe Pátria em 1931, quando para aqui veio cursar Direito.
Começarei por afirmar, sem a mais pequena hesitação, que o rumo das minhas considerações será dominado por um princípio, direi melhor, por um sentimento que considero primário e essencial: «o da unidade da Pátria».
Mais do que um pressuposto, a unidade nacional será um dogma aceite por todos os portugueses, e os que porventura o neguem não estarão certamente no campo da razão.

Sr. Presidente: da oportunidade da proposta que, mais de uma vez, ouvi objectada, tenho para mim que é sempre oportuno tudo quanto se destina a melhorar um sistema ou a facilitar a acção governativa no ultramar português, e. assim, porque entendo que a proposta visa os fins atrás referidos, felicito calorosamente o Governo por a ter elaborado e enviado à Assembleia Nacional.
Genericamente falando, duas orientações que se completam dominam, a meu ver, a proposta em causa.
Uma consiste numa acentuada descentralização administrativa e maior autonomia financeira em favor dos órgãos de governo locais e a outra consiste numa efectiva participação ultramarina em todos os órgãos consultivos de âmbito nacional e que é a consagração do que já se encontra no espírito da constituição vigente.
Tanto uma como a outra constituem velhas aspirações das províncias ultramarinas a que o Governo vem agora dar satisfação.
Não constituem novidade nem a descentralização, nem a autonomia financeira das províncias ultramarinas, pois elas já estavam contidas no preceito constitucional do artigo 148.º; simplesmente, julgou-se agora azado o momento de se alargar o âmbito dessa descentralização, assim como o da autonomia financeira, dentro dos limites constitucionais e tendo em consideração o estado de desenvolvimento já atingido pelas nossas províncias ultramarinas.
O alargamento da descentralização administrativa e da autonomia financeira virá permitir, disso estou plenamente convencido, que o ultramar português, em constante e progressivo grau de desenvolvimento, veja arredadas certas peias de natureza administrativa e financeira que tolhem, por vezes, o ritmo do seu crescimento, quando não impedem a realização de muitas das suas legítimas aspirações.
A participação do ultramar nos órgãos consultivos de âmbito nacional contribuirá, em não pequena escala, para o reforço da nossa unidade nacional, consolidando o princípio da solidariedade das províncias ultramarinas entre si e com a metrópole, afirmado no artigo 135.º da Constituição.
Assim, a aprovação da proposta em apreciação e a sua subsequente execução serão passos decisivos para o futuro do nosso ultramar, visto proporcionar-lhe, sem qualquer quebra da nossa unidade, a possibilidade de acelerar o seu desenvolvimento e progresso, elevando simultaneamente o nível das suas populações nativas.
Há, porém, que ter-se em consideração que esta proposta, enunciando apenas as bases gerais que deverão orientar a nossa política de administração ultramarina, relega para os respectivos estatutos político-administrativos de cada província ultramarina a regulamentação desses princípios.
Foi certamente por uma questão de melhor técnica jurídica e com o propósito de não sobrecarregar demasiado a Lei Orgânica com os pormenores de regimes jurídicos, tendo em vista as particularidades do meio social das províncias, que assim se procedeu, deixando para o estatuto político-administrativo de cada província a regulamentação dos princípios enunciados.
Além disso, entendeu-se que, sendo estes, os estatutos políticos administrativos, mais maleáveis quanto à possibilidade de revisão, mais fácil seria a sua oportuna adaptação à evolução normal das instituições, sem afectar os princípios.
Reconhecendo embora a procedência das razões invocadas, desejo, no entanto, frisar a importância capital

Página 2322

2322 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

que revestirá para cada província ultramarina o seu novo estatuto político-administrativo; pois dele dependerá, era grande parte, a satisfação dos anseios manifestados pelas mesmas províncias através dos seus representantes, e, por isso, formulo o voto de que, na. elaboração dos mesmos estatutos, se tenham bem presentes os pontos de vista expressos pelos representantes das diversas províncias ultramarinas, nesta Assembleia, no decorrer da discussão da presente proposta de alteração, além dos que vierem a ser formulados pelos órgãos consultivos que irão intervir na sua elaboração, sob pena de se desvirtuar a intenção ora manifestada pelo Governo.
Além disso, e sem qualquer sombra de bairrismo o faço, há ainda que interessar as populações locais na administração da coisa pública, escolhendo-se os elementos mais aptos para o desempenho de cortas funções, que até aqui, salvo honrosas excepções, parecem estar reservadas a uns quantos privilegiados, que, desconhecendo o meio e sem quaisquer outros predicados que especialmente os recomendem e de algum modo possam suprir tal deficiência, se vêem guindados a postos de certa responsabilidade para os quais, por vezes, nem as suas próprias habilitações poderiam justificar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em Macau, e presumo que, do certo modo, o mesmo se passará nas restantes províncias, contam-se pelos dedos das mãos os lugares de chefia ou até de certa relevância entregues aos seus naturais, embora já não falte quem os possa desempenhar com competência e proficiência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tal circunstância tem sido motivo de ressentimentos, aliás justificados, além de que tem contribuído para que a nova geração, não vendo quaisquer possibilidades de futuro na sua terra natal, procure no estrangeiro o que lhe é vedado na própria casa, desenhando-se, deste modo, um movimento de desnacionalização que importa sustar.
Sr. Presidente: prevê o n.º II da base XXXV, á semelhança do que já estava estabelecido na Lei Orgânica em vigor, que os serviços provinciais devem corresponder, em cada província, ao sou estado de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares do seu território. Ora, em Macau, existiu, durante largos anos, para ser preciso, desde 1885, uma Repartição do Expediente Sínico que à província prestou relevantíssimos serviços em vários períodos da sua vida.
A necessidade da existência de um tal serviço manifestou-se, podo-se dizer, a partir do momento em que os primeiros portugueses aportaram à, China, por volta do ano de 1557. Logo se verificou a existência de enormes barreiras que separam a civilização ocidental da oriental, dificultando e impedindo, por vezes, todo o contacto entre elas.
Desde a língua aos costumes e à religião, tudo era diferente e estranho aos portugueses. No entanto, graças à pertinaz acção desenvolvida pelos nossos antepassados, todas essas divergências foram, uma após outra, vencidas, chegando-se ao franco e completo entendimento entre portugueses e chineses, cujos laços de amizade se foram consolidando e duram já há mais de quatro séculos.
Como elo de ligação entre as duas civilizações, recorreu-se. de início, aos serviços de turgimãos, antecessores dos actuais intérpretes. Verificou-se, porém, a breve trecho, que o serviço desempenhado por esses turgimãos, que se
limitavam apenas a traduções orais, não acompanhava o ritmo do desenvolvimento das relações luso-chinesas, e em vista da situação especial de Macau, das frequentes relações das suas autoridades com as chinesas e da particularidade da sua população, promulgou o Governo o Decreto de 12 de Julho de 1865, criando o corpo de intérpretes da língua chinesa.
Como o serviço prestado por esse corpo de intérpretes fosse tomando cada vez maior vulto e importância, passou ele a constituir uma secção da Procuratura Administrativa dos Negócios Sínicos, cujo regimento foi aprovado pelo Decreto de 2 de Dezembro de 1881.
Depressa se reconheceu, porém, não ser suficiente ainda a medida promulgada, pois o volume do serviço que lhe era atribuído e a importância deste impunham a criação de um serviço autónomo, com pessoal mais numeroso e devidamente dirigido por um chefe, versado na língua chinesa, não só falada como escrita, e ainda nos seus usos e costumes.
E assim, pelo Decreto de 2 de Novembro de 1885, foi criada a Repartição do Expediente Sínico, independente da Procuratura Administrativa e que seria auxiliar de todos os serviços existentes em Macau, fornecendo a estes os intérpretes e as traduções e retroversões que fossem necessários.
Desde então sofreu o Expediente Sínico várias modificações, sempre no sentido de melhorar a sua eficiência; até que, em 7 de Março de 1936, foi elevado à categoria de uma repartição técnica.
Dotado de um quadro de pessoal adequado e dirigido por um chefe, atingiu o Expediente Sínico notável eficiência e prestígio, tendo prestado relevantes serviços ao Governo da Nação.
Contudo, por incompreensível e injustificada economia, em 1 de Janeiro de 1946 foi posto em execução o Decreto n.º 31 714, de 8 de Dezembro de 1941, (que não entrou mais cedo em vigor devido à guerra no Pacífico), e o Expediente Sínico, de tão largas tradições, deixou de existir como um serviço autónomo, passando a constituir uma simples secção especial da Repartição Provincial dos Serviços da Administração Civil, situação em que se vem mantendo até à presente data.
Esta infeliz e inoportuna medida trouxe como consequência o progressivo declínio de eficiência das suas funções, com as naturais consequências na boa marcha de outros serviços provinciais.
Sem a possibilidade de acesso para além da categoria de primeiro-oficial, os naturais de Macau, os mais aptos para o desempenho de tais funções, pois desde pequenos aprendem a falar as duas línguas - a portuguesa e a chinesa -, desinteressaram-se de prosseguir tal carreira, que apenas lhes permitiria alcançar a categoria máxima de primeiro-oficial, e presentemente são em número insignificante os que se matriculam na Escola de Língua Sínica (habilitação necessária, além do curso dos liceus) para o ingresso no quadro.
Daqui resulta que, com a escassez de elementos novos e a aposentação, por limite de idade, dos existentes, o quadro se vem desfalcando a pouco e pouco, notando-se já a sua falta para as necessidades normais da província.
Importa, por isso, rever o sistema, restabelecendo-se o serviço e dotando-o de uma estrutura que possa garantir a sua eficiência e aumentar o prestígio da nossa Administração.
Na vizinha colónia inglesa de Hong-Kong, exactamente por se reconhecer a importância de um tal serviço e a sua utilidade e necessidade nas relações com os chineses, que constituem a grande massa da sua população, tem ele a categoria de uma Secretaria dos Negócios Chineses, onde,

Página 2323

18 DE ABRIL DE 1963 2323

a par das suas funções especializadas, presta ao Governo informações sobre o movimento político, social e económico da China, e ainda sobre os seus usos, costumes e tradições.
A Macau não poderá deixar de interessar o que se passa na China, pois, além da sua situação geográfica, 95 por cento da sua população é de origem chinesa, e o organismo mais indicado para o desempenho de tal função seria exactamente o Expediente Sínico, elevado novamente à categoria de serviço autónomo e com a designação que fosse julgada mais apropriada.
À consideração de quem de direito deixo esta sugestão, que me parece perfeitamente pertinente.
Sr. Presidente: do mesmo passo que advoguei o restabelecimento do serviço provincial" do Expediente Sínico para Macau, pelas razões atrás alegadas e por estar convencido da sua absoluta necessidade, não tenho dúvida, por outro lado, em concordar com a opinião, já manifestada por alguns dos ilustres .oradores que me precederam no debate, de que outros serviços, como os de justiça e de instrução, poderiam, sem quebra da sua eficiência, passar à categoria de serviços nacionais.
Não só lhes dou a minha inteira adesão e concordância como entendo que o Governo deverá meditar nas sugestões indicadas, procurando dar-lhes a solução mais adequada.
É que tal medida, além do mais, teria o mérito de aglutinar as diversas parcelas do Mundo Português, consolidando assim a sua unidade.
E termino estas breves considerações, dando o meu voto favorável à aprovação na generalidade da proposta em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: a Câmara é chamada a pronunciar-se quanto à oportunidade e vantagem de novos princípios legais e à economia da proposta que se refere a algumas concretas alterações à Lei Orgânica do Ultramar.
Não seria necessário o meu depoimento porque outras vozes se ouviram já, mas faço-o porque ca consciência é o primeiro o último julgador», palavras amigas com que de muito longe me conforta um grande amigo com quem tantas vezes converso, de viva voz ou por escrito, sobre os problemas, as inquietações e as dúvidas que tanto nos preocupam no momento português que passa.
Não quero, aliás, esconder á Câmara, pelo interesse que a notícia possa ter para os que se dedicam u problemática das ideias, que da meditação serena e repetida em torno da análise espectral do nosso presente, na medida em que é futurante, se tem construído em África, embora com trabalhosa dificuldade e lentidão, uma autêntica metafísica de Portugal, isto é, uma linha geral de ideias de orientação sobre os problemas portugueses no Mundo e na vida.
Não somos muitos, somos pois poucos os que nos achamos empenhados em modificar a corrente dos factos de modo que eles se realizem e comportem em ordem à pureza e idealidade dos princípios. A força espiritual que nos une e guia é defender o dognia do valor e da virtude dos princípios em política e realizar segundo eles a vida social, para que ela seja verdadeira e humana.
Aliás, sabemos da história que algumas grandes verdades adquiridas para a humanidade saíram das cabeças inquietas dos lunáticos que tiveram a coragem de as construir e pregar contra a inicial hostilidade dos incrédulos, que tantas vezes, fortalecidos pelo conservantismo rotineiro, os cobriram de ridículo e os acoimaram de subversivos, traidores e altamente perigosos para as sociedades e as pátrias.
Claro que a modesta contribuição moçambicana para um ideário nacional que faça dos territórios dispersos e dos povos vários uma nação grande, próspera e feliz não é comparável ao que os homens devem aos grandes precursores das ideias absurdas que a realidade temporal tornou válidas e necessárias. Aliás, só quero dizer que também há em Moçambique quem pense Portugal, e sobre a forma de o realizar concreto tenha portanto ideias. Considero primordial pedir a vossa atenção para isto.
E considero primordial pedir a vossa atenção para isto porque -estou a julgar-me pela minha consciência, tendo o destino disposto que eu caminhasse a minha estrada até aqui, portador da mensagem nova de um «conceito moçambicano de unidade nacional», doeu-me não tivesse logo imediatamente sido entendida em plenitude a transcendência que implica a futuridade do seu valor.
Permito-me qualificar assim a ideologia moçambicana de Portugal porque me limitei a expender formas de pensar e de querer que não são originariamente minhas, porque são verdadeiramente anónimas, colectivas, colhidas pelos que as elaboraram e definiram, de formas por vezes vagas, difusas ou claras apenas em certos aspectos. Não foi difícil aos que as recolheram submetê-las a provas dialécticas, de que resultou um corpo de doutrina. Não me pertence senão o mérito menor de o ter traduzido aqui.
Agora que se aproxima o fim de uma jornada preliminar, posso confessar que a dúvida, o cepticismo, a incerteza e a inquietação que vivamente senti em torno das intenções moçambicanas, do que elas teriam de mais íntimo e longínquo, isso sim, me inquietou profundamente, para além do profundo desgosto do meu espanto.
Por isto mesmo que afirmo não se tenha a ilusão fagueira de que se resolve de vez um problema, porque a verdade é que apenas começamos a considerá-lo, aliás em aspectos e formas parcelares, imperfeitas, incompletas.
A este respeito não pode deixar de ser preocupante que a metrópole se inquiete e se reserve pelo facto de o ultramar lhe surgir nesta Casa com proposições políticas e lhe trazer um ponto do vista o um modo de ver que muitos de cá consideram coisas importunas e inoportunas.
O espírito conservantista que na matéria domina unia larga camada responsável na metrópole pelos destinos nacionais sente-se inquieto, ameaçado no dogma das suas doutrinas paternalistas e ultrapassadas, porque do ultramar lhe dizem e o provam que acerca de tais problemas também ali existem ideias e doutrinas com a afirmação muito clara de que o ultramar está disposto a tomar sua responsabilidade nesses destinos, o que evidentemente quer significar que está firmemente disposto a discutir e influenciar a orientação deles:
Um certo pensamento político da metrópole faz-me lembrar, passe a comparação, o do paterfamilias responsável e poderoso que orienta e guia os seus, e dispõe deles ou vagamente os consulta, e um dia verifica que, no que respeita aos interesses comuns da casa, todos os seus se mostram intransigentes na necessidade e vantagem de se assentar muito estudadamente numa opinião interessadamente comum perante os interesses de fundo comum.
Como sempre acontece em tais casos, o chefe assustado começa por julgar que lhe ameaçam e atacam a autoridade e o poder de mante-la, para concluir sempre, passada a confusão criada pela sua desconfiança, que afinal

Página 2324

2324 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

todos os seus lhe são dedicadamente fiéis, e nada mais querem do que enriquecer a velha autoridade com novas forças e valores, para que em globalidade se realize imperativamente, e amplamente, como é da essência da autoridade que brota das consciências conjugadas de todos, porque u união é que faz a força.

O Sr. Brilhante de Paiva: -Muito bem!

O Orador: - Antes de prosseguir nos preliminares deste relance pela Lei Orgânica do Ultramar parece-me importante consignar uma nota breve às incidências da lei na ordem interna e na ordem externa.

Haverá muita gente que pense que esta reforma se deve a pressões externas, mas se assim fosse ela teria necessariamente de traduzir o sentido dessas pressões. Ora, sendo evidente que tal se não verifica em ponto algum, conclui-se, necessariamente, também que a presente revisão resulta de pressões internas, pelo sector de opinião interessado nela.

Terem-se desencadeado pressões internas de sentido e valor diametralmente opostos aos desencadeados pelos ventos da história nas pressões externas parece-me traduzir com muita clareza e firmeza o significado próprio da presente revisão.

À Nação em bloco, os dirigentes nacionais, as elites e os vários sectores da opinião pública mundial têm de meditar nesta declaração da vontade portuguesa e considerá-la de modo positivo nos seus juízos e nos seus actos.

O que verdadeiramente se anda a pedir há um ror de tempo r ao é tanto apenas uma simples reforma da administração ultramarina, cujas formas evidentemente se gastam e esgotam com o tempo e o progresso, mas uma reforma de mentalidade, de atitudes e comportamentos, capaz de realizar a nação global, pela inserção do ultramar na vida nacional.

Yozes: - Muito bem!

O Orador: - As pressões externas não terão feito mais do que dar uma audiência nova e interessadamente diferente às pressões internas, designadamente às originárias do ultramar, e no dia em que a opinião pública metropolitana estiver bem esclarecida, concluirá, sem dúvida, que a verdadeira e exacta solução do problema nacional lhe foi oferecida, no âmbito nacional, pelo próprio ultramar, que veio a Lisboa defender a ultramarinização da metrópole em contrapartida da metropolinização do ultramar, como processo da integração nacional na sua forma bilateral, única possível na lógica dos princípios e na realidade dos factos.

Yozes: - Muito bem!

O Orador: - A lei, pelo seu debate, oferece, pois, a oportunidade preciosa de mostrar ao Mundo atento que em torno dos seus princípios está claramente afirmado um alto espírito de unidade nacional aglutinado pela metrópole.

O próprio ultramar, na proporção em que as pressões externas o querem isolar e subtrair ao mundo português, onde tem lugar e função, próprias e nacionais, para o entregarem manietado e indefeso ao apetite devorador do neocolonialismo político-económico dos Estados Unidos, da Bússia ou de outros semelhantes, que no locupletamente à custa alheia todos são iguais, o ultramar, dizia, mostra-se preocupado com as formas práticas que hão-de realizar permanentemente a unidade nacional.
É neste sentido que o ultramar pede urgentes providências ao Governo e aponta a necessidade de se efectivar a paridade dos seus totais deveres de nação e de se promover a sua completa inserção na vida nacional.

Não se trata de reivindicar quaisquer princípios novos, que novos tempos aconselhem e justifiquem, mas apenas de se realizarem por processos mais adequados ao futuro, isto é, à unidade, princípios velhos que estão consignados na Constituição actual, em todas as constituições derrogadas, e orientaram sempre toda a acção ultramarina, porque são a raiz nacional, o espírito dos textos, e transcendem portanto as leis, constituindo a lei moral da Nação.

A oportunidade da presente lei é também psicológica, e espero que ela inicie na ordem fáctica uma abertura aos processos adequados que comporta, quando interpretada e realizada em critérios amplamente nacionais.

Se a Nação é uma alma, qualquer parcela nacional contém a Nação toda e é igual a ela. Daqui a evidência lógica do princípio da identidade das populações e territórios, para além do sentimento de que a ideia de metrópole comporta a primazia de fonte ou origem, em que a fonte pertence ao rio que dela nasce, pertencendo, portanto, a metrópole ao ultramar, mas também o rio não existe sem a fonte, pertencendo, portanto, o ultramar à metrópole. E assim que todos somos Nação, fundindo-se as pertenças recíprocas nos pressupostos das raízes nacionais.

Foi a isto que conduziu a acção civilizacional da metrópole desde aquele afastado tempo em que ela surgiu no ultramar, e pelas circunstâncias peculiares da vida local se criou uma associação de interesses luso-tropicais, que se tornou íntima e solidária, e veio a constituir a Nação que a metrópole e as colónias não eram antes mas ficaram depois. A criação nacional fez-se sob a evidente égide da metrópole, mas da associação para a integração, no quadro da solidariedade, que pressupõe a unidade na dispersão heterogénea.

Durante a longa noite da impenetrabilidade do mundo africano, e por ser impossível vencer os problemas das comunicações, das doenças e das guerras nativas, foi a metrópole que suportou o maior peso da responsabilidade de fazer a Nação, e ninguém no Mundo pode dizer com justiça que não cumpriu, ou se negou ao sacrifício quando foi necessário, pois, não contando as vidas que se não pagam, as dificuldades que se vencem, os esforços que se esquecem, e medindo as coisas à americana, pelo VII dinheiro, o dispêndio metropolitano no ultramar foi de 200 milhões de libras de 1850 a 1925, que converto em 60 milhões de contos actuais, conjecturando que os investimentos dos sectores público e privado atinjam hoje os 100 milhões, dinheiro manente. Sendo certo que muito capital voltou, porque as despesas são para ser pagas, houve muito mais que nunca voltou, e é verdade que foi todo aplicado à paz e ao progresso da terra e do homem.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - For isso ela é já hoje o que é, e os seus povos se encontram rapidamente a caminho de poder desempenhar no mundo português um papel relevante. Com efeito, foi com o esforço prodigioso que estes números traduzem, esforço prodigioso para uma metrópole pobre que tanto precisa fazer para si própria, que se venceu no ultramar a fase colonial, caracterizada por uma actuação inteiramente dirigida pela única capacidade nacional em condições de a fazer, e que foi durante séculos a da metrópole.

A este respeito quero afirmar, muito pensadamente, que em virtude da ética nacional da expansão, do frágil

Página 2325

18 DE ABRIL DE 1963 2325

poder económico da metrópole, do reduzido peso demográfico do nosso elemento europeu, da dispersão mundial da nossa acção, do proselitismo missionário, do sistema da associação de interesses, da voluntariedade da integração com o respeito pelas soberanias nativas e do constante risco da concorrência económica e política de outras potências, com as quais foi necessário lutar abertamente ou partilhar interesses, em virtude de tudo isto, que imprimiu à acção colonial portuguesa características muito próprias de solidariedade e convívio coloniais, andaram sempre as nossas doutrinas avançadas em relação às nossas realidades, e avançadas também em relação às alheias.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tivemos sempre melhores princípios do que factos, porque nunca nos libertámos da pobreza para os podermos realizar consoante os nossos ideais. Esta a origem do sentimento nacional ultramarino e o verdadeiro factor aglutinante do ultramar em torno da metrópole, que soube garantir as liberdades fundamentais dos povos e dos homens. Mas por isso mesmo possuímos sempre uma força progressiva a dominar moralmente a vida política da Nação 5 a puxá-la para voos mais altos.

Afigura-se-me, portanto, oportuno afirmar que a Constituição actual já nos não satisfaz inteiramente, na ânsia que sentimos de realizar a Nação tal como a sonhámos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A lei em causa oferece a valiosa oportunidade de se pôr o problema.

O que a meu ver está em foco no pensamento ultramarino português é o processo de integração do ultramar, e portanto a questão das formas da sua inserção na vida nacional.

A este respeito a Constituição já contém as regras que traduzem os princípios fundamentais da unidade política e prescreve também as linhas gerais a que deve obedecer a integração, como resultante de uma eficiente descentralização administrativa, de uma clara autonomia financeira e de uma vida económica com vitalidade própria. A Constituição contém, portanto, os elementos básicos do progresso social e desenvolvimento económico, fontes essenciais da reconhecida personalidade das províncias, personalidade cujo exercício, no plano político, o espírito da Constituição consagra que se manifeste em âmbito nacional.

Mas, sendo pacífica a doutrina sobre a constitucionalidade unitária, no entanto a Constituição conserva ainda certas formas antiquadas e ultrapassadas que estão em conflito com a intenção do próprio texto constitucional, conflito que a Lei Orgânica não resolve e carece, portanto, de solução.

Como disse há momentos, andaram sempre entre nós as doutrinas avançadas em relação às realidades, de modo que se construíram estruturas político-administrativas de tipo colonial que funcionaram como tais, guiadas por ideais políticos não colonialistas. Deste modo, temos situações reais aquém de esquemas ideais ainda não atingidos, mas temos também situações que exigem novas formas legais para se realizarem os ideais implícitos.

Talvez me explique melhor dizendo que, apesar de termos uma Constituição unitária, é manifesta, evidente, e vai-se tornando chocante, a dualidade metrópole-ultramar que nela existe e o interesses nacional já não consente.

Com efeito, violenta o princípio da unidade haver na Constituição duas partes distintas, uma das quais se destina especialmente ao ultramar. Porquê? Ninguém é capaz de responder com a lógica que se deve à coerência dos princípios, vistas as coisas em termos de futuro.

Pode agora considerar-se que foi tímida a integração do Acto Colonial na Constituição, mas a actual antiguidade das formas consignadas é, afinal, uma resposta positiva porque mostra que se andaram longos caminhos no sentido da unidade nacional e da sua integração.

Está por isso condenada a dualidade constitucional, e acrescentarei que está condenada a desaparecer a própria Lei Orgânica, como estão condenados os estatutos das províncias, a não ser que paremos no caminho do progresso político nacional, que os não admitirá.

Com efeito, a reforma em estudo vem realizar em novas bases alguns velhos princípios constitucionais da integração no sentido da paridade, e é a primeira vez que se consignam na lei as suas formas bilaterais.

Tem o mais alto significado político, e não pode deixar de ter repercussão mundial na viragem da guerra quente e fria que nos movem, o facto de ter vindo do próprio ultramar o voto expresso de se abrirem novos caminhos à sua eficiente inserção política nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os representantes vindos do ultramar aos já famosos debates no Conselho Ultramarino, em Outubro de 1962, e designadamente os de Moçambique, pediram concretamente a presença dos governadores-gerais no Governo, mais ampla representação das opiniões ultramarinas nesta Assembleia Nacional, participação directa no voto consultivo da Câmara Corporativa, intervenção nas opiniões dos órgãos consultivos de âmbito nacional, larga participação das províncias nas importantes actividades de consulta político-administrativa do Conselho Ultramarino.

O ultramar quer ser ouvido em Lisboa e estar presente em todos os sectores onde se processem interesses de âmbito nacional, mesmo que tenham expressão apenas provincial, para ser considerada a sua opinião.-

Quem pode negar que o ultramar manifesta o mais vivo interesse pelo seu futuro português, e deseja integrar-se na vida nacional, para que ela seja nacional? Se a integração é tecnicamente um processo, ele é este, e não tenho dúvidas de que é politicamente impossível sem o espírito de uma atitude psicológica. Os pedidos formulados por Moçambique no Conselho Ultramarino traduzem eloquentemente a atitude e indicam o processo.

Pediram as províncias, simultaneamente, mais descentralização e autonomia financeira, mostrando a conveniência de se transferirem para os seus órgãos mais elevados escalões de competência legal, pelo que me parece não terem considerado incompatíveis, como erradamente se tem suposto, a integração com a descentralização.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acrescentarei que são obviamente interdependentes e directamente proporcionais por necessidade lógica e fáctica.

Todavia, não faltaram os habituais velhos do Restelo, com todas as venerandas naus da Índia postadas na barra da Pátria, dando fogo às velhas peças de morrão contra o descentralismo.

Creio que ao cabo de um ano de polémica está o País esclarecido, pelo que não vejo razão para censurar-me eu próprio por ter activado a discussão que precedeu esclarecedoramente o presente debate de reforma da Lei Orgânica.

Página 2326

2326 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

Os integracionistas, nos quais é evidente a intenção nacionalística do seu ideal, acabaram por concordar trazer ao terreno humano a doutrina, consentindo já na existência dos elementos fundamentais da descentralização administrativa, e são eles os governos-gerais e o Ministério do Ultramar. Acabarão por conceder a especialidade das leis como inerente à descentralização e pela mesma razão hão de aceitar também os conselhos legislativos que funcionam enquadrados pela Constituição, esta Lei Orgânica, e sobretudo pelo espírito das instituições e das leis gerais, de modo que não é possível o seu desvio, nem atribuir-lhes outra função para além da necessária regulamentação no âmbito provincial.

A pressente reforma põe em evidência a concordância e harmonia de tudo isto, e se assim não fosse não seria viável n, função dos governadores.

No domínio dos princípios, tanto como na normalidade dos factos correntes, quanto mais «ampla for a descentralização, de mais alto grau há-de ser a integração que a sustenta e de mais alto nível o poder do governador que a assegura.

Não podendo conceber-se, numa estrutura política unitária, que a descentralização se desvirtue ao ponto de se transformar numa autonomia política, separada e independente do poder central, é sendo igualmente absurdo que a integração também se desvirtue e se transforme numa centralização tão rigorosa e estreita que anule a descentralização e o poder local, impõe-se, naturalmente, procurar o conveniente ponto de equilíbrio entre as duas forças.

O problema está em aberto na economia da presente proposta, e quero acentuar que se prossegue na solução pragmática que, no fundo, pretende ignorar e portanto iludir um potencial conflito de poderes.

As províncias pedem descentralização, que elas entendem compreender mais poderes de decisão e execução locais, e temem a integração porque receiam que se pretenda pô-la ao serviço de uma forçada centralização de poderes ou pela abolição dos órgãos locais de governo é a restrição e transferência sistemáticas das suas competências, ou pela sobreposição de outras no mero plano executivo provincial.

Está gerado o equívoco alarmante de que a integração se opõe à descentralização, e esta impede aquela. Parece-me importante reafirmar que a Constituição contém na matéria directrizes exactas que não estão a ser claramente entendidas, .só porque se tem dado à integração um sentido passivo e unilateral, disforme, que reduz as províncias à mera situação de partes componentes despersonalizadas, e abstrai da insofismável qualidade sua de partes integrantes personalizadas.

A personalidade nacional é uma e identifica-se com as personalidades provinciais, com qualquer delas, que a compõem simultaneamente, que a integram. Por isso temos a metrópole, as províncias, a Nação, três aspectos que se confundem e distinguem, são iguais e diferentes, cabendo à metrópole a função coordenadora de prima inter pares, como metrópole.

A contribuição moçambicana para se construir sobre as ruínasdo equívoco um sistema que torne sólida a doutrina da unidade pela eficácia do seu funcionamento prático parece-me importante, e peço à Câmara e ao Governo que meditem no alcance futuro e execução imediata das sugestões de Moçambique ao Conselho Ultramarino e no significado dos votos expendidos.

Algumas delas" foram prontamente aceites e dizem respeito à integração que pela primeira vez se encara e realiza

nos dois sentidos. A opinião das províncias passa a ser escutada nos órgãos que o Governo consulta para orientar a vida nacional, o que significa assumirem as províncias responsabilidades nacionais, como desejam. Faltava à integração este sentido bilateral de que carece para ser nacional e não apenas a absorção do ultramar pela metrópole. Tenhamos confiança em que o Governo porá o maior escrúpulo e verdade na regulamentação da matéria, de forma a não permitir logros e frustrações que seriam perigosamente nefastos.

A minha província deu provas significativas e nobres do seu vivo desejo de integração, num plano altamente nacional e em que portanto se afirma e dignifica a sua personalidade como ente moral de um ente moral maior que é a Nação.

De futuro, integração será definitivamente e irreversivelmente isto que eu digo e ela traduziu em sugestões concretas no Conselho Ultramarino. A reforma em estudo abriu de facto novos horizontes à vida nacional, e é sintomático que tivesse o ultramar avançado de sua iniciativa as respectivas propostas, porque isso significa que se ultrapassou a fase colonial de pertencer exclusivamente à metrópole a direcção da vida nacional. Entrámos, portanto, numa época nova de orientação da Nação pela própria Nação, sob a chefia da metrópole e com a participação directa e activa do ultramar, cuja opinião, cuja consulta, cuja acção, é intercalada nos circuitos político-administrativos nacionais.

Cabe ao Governo dar verdade a esta fecunda e prometedora possibilidade da Lei Orgânica do Ultramar agora reformada, e isto é tão importante e decisivo que disso depende, a meu ver, poder Portugal continuar a existir com a grandeza moral e a dimensão humana e geográfica que tem hoje. Ou agora ou nunca mais, e lembro que as circunstâncias ou conjunturas se não repetem na história, nem voltaremos a ter por nós outra maré alta de esperanças tão cheias de certezas.

A necessidade de reformas que promovessem a inserção política do ultramar na vida nacional e ao mesmo tempo lhe assegurassem uma descentralização plena nos limites da Constituição foi trazida a esta Assembleia por Deputados do círculo de Moçambique. Eu próprio tomei posição renovadora em rigoroso acordo com o texto constitucional. Pouco depois, por outra via, e por mera coincidência - em 18 de Janeiro de 1962 -, o Governo foi solicitado por Moçambique a proceder a tais reformas. Em Fevereiro depreendi, de conversas que tive, que estavam em curso os estudos necessários, e em Setembro fui surpreendido pela convocação do Conselho Ultramarino com o ineditismo de nele se fazer ouvir, a título informativo, um sector da opinião pública das províncias.

Começavam a consagrar-se teses de Moçambique, e os trabalhos do Conselho revelaram posteriormente que elas eram saudavelmente ajustadas às realidades e às necessidades. A metrópole deve a Moçambique uma equilibrada sensatez que a minha província não negou ;i Nação e fez valer no momento adequado.

Só foi pena, a meu ver, que não tivesse havido tempo de se proceder a uma ampla dialéctica doutrinal e certas teses não tivessem sido largamente trabalhadas, estudadas, elaboradas, no sentido de se lhes medirem as origens profundas, as causas próximas e os efeitos distantes.

O Governo acabou por cingir-se demasiado aos votos do Conselho Ultramarino, pois, dada a defeituosa constituição actual deste Conselho e. a idêntica dos conselhos legislativos, tenho sérias dúvidas de que tivessem sido considerados todos os aspectos e todas as implicações do problema nacional do ultramar.

O fundo do problema é demasiado importante para que possa ser subestimado, pois foram nítidas e inconciliáveis

Página 2327

18 DE ABRIL DE 1963 2327

as duas correntes que se desenharam no Conselho Ultramarino. Uma delas defendeu que devem ser transferidas para os órgãos competentes da administração provincial as funções legislativa e executiva actualmente atribuídas ao Ministro do Ultramar, nos sectores que interessem exclusivamente às províncias. Defendeu também privar-se o governador-geral de competência legislativa e subordinar-se o Governo da província ao legislativo local.

Desta fornia, pretendeu esta corrente assenhorear-se do Poder da província, eliminando a acção normal do Ministro e reduzindo o Governo provincial a meras funções executivas orientadas por um legislativo local.

O Poder passaria, pela inorgânica do voto, às mãos de uma classe, que seria necessariamente a detentora do poder económico, o que deve impedir-se em estruturas sociais coloniais, e o Governo Central ficaria praticamente privado do poder moderador, do poder de equilíbrio, do poder de promoção dos extractos sociais menos favorecidos, do poder de orientação nacional, factores que nas províncias residem na pessoa e nos poderes do governador.

A meu ver, esta atitude não tem outro significado senão o de falta de confiança na dotação das províncias com sistemas e pessoas capazes, visto estar provadíssimo que com governadores actuando como meros administradores as províncias se sentem mal servidas e à mercê de poderosas influências conservantistas.

A este respeito acrescentarei que a imperiosa necessidade de fortalecer o poder do governador para defender o Governo da província contra as influências de grupo local não é menos importante do que para defender a província das influências de grupos metropolitanos. Aliás, a instalação de grupos metropolitanos no ultramar metamorfoseados em grupos locais é um facto e a sua influência é crescente. E porque actuam cá e lá una você, os governadores, e portanto os governos das províncias, não podem ser diminuídos de autoridade, de prestígio, de poder moral e até de poder político discricionário.

Ë evidente que a existência de um governador que só administra constitui hoje um problema para o Governo e para as províncias. Entendo até que os governos ultramarinos devem ser confiados a pessoas de grande prestígio político nacional, porque o facto constitui factor preponderante do prestígio político do Governo e do prestígio moral da metrópole no ultramar. Assim procederam, com os melhores resultados, a monarquia liberal e a 1.ª República, que consagraram o sistema com os altos-comissários. Aliás, não pode haver função mais honrosa do que um governo ultramarino.

Creio mesmo que é consideravelmente mais importante, do ponto de vista da responsabilidade moral nacional, ser governador numa província do que Ministro num governo, o que está de acordo com a tese, que já aqui defendi, de que. é diferente ser português no ultramar. Há pelo menos uma diferença de qualidade actuante, porque a Pátria aqui está feita e lá continua, a fazer-se.

A outra corrente expressa por Moçambique, e que acabou por conquistar a adesão geral, teve a nítida visão do problema ao insistir pela intervenção directa do ultramar no processamento da administração geral da Nação e reforço dos poderes e do prestígio dos governadores, ao ponto de propor a sua participação no Governo, com assento e voto em Conselho de Ministros.

A última sugestão, considerada, ao que parece, revolucionária, não teve seguimento por formalmente se lhe opor a Constituição. Haverá, pois, que reformar a Constituição se a inovação for útil e necessária.

A este respeito quero ir até mais longe, porque estou convencido da urgente necessidade de os governadores gerais serem efectivamente Ministros do Governo que assumam cumulativamente aquelas funções, e como Ministros serem eles que exercitem nas províncias as funções delegáveis do Ministro do Ultramar, ficando reservadas a este, como Ministro de Estado para o Ultramar, as funções não delegáveis u toda a competência constitucional em matéria de coordenação, orientação e fiscalização da administração ultramarina.

Penso assim porque a reivindicação da opinião pública das províncias quanto aos poderes e competências dos governadores só cessará quando se tiver esgotado por transferência total a competência do Ministro do Ultramar. Não haja ilusões ou dúvidas. A tendência, aliás irreversível, encontrou eco e acolhimento na proposta do Governo, mas no domínio da psicologia política não se concretizou ainda a conveniente solução para o problema.

Se se entender que um governador-geral exerce, não uma função pública, mas uma função política, específica, transcendente, inerente aos direitos materiais e aos deveres morais da soberania, da Nação, que deve sustentar na província como «supremo dever de honra», não parece impossível, no actual quadro constitucional, poder o Governo designar um Ministro que como tal vá ser na província o próprio Governo.

Desta forma se poderá realizar o máximo de descentralização, que será exercida pelo próprio Governo, e se conseguirá em contrapartida o máximo de integração, porque o Governo Central terá em suas mãos o governo directo e pessoal da província. Esta estará representada o mais altamente possível no Governo, pelo que nem as províncias poderão ser dispensadas de responsabilidades nos mais graves negócios nacionais afectos ao Governo, nem este poderá dispensar-se de as ouvir, para lhes atender a controvérsia em caso disso.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exª. dá-me licença?

O Orador: - Peço desculpa, mas estou aflitíssimo com o tempo. Mas se V. Exª. deseja qualquer esclarecimento, no fim estou disposto a prestá-lo.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Era só para dizer que esse aspecto é mais um aspecto do descentralização do que descentralização.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª

As províncias passarão a ter um espaço político, social e económico nacional e terá cessado para sempre a sua menoridade. Começará verdadeiramente a Nação, que é o sonho secular e grandioso da velha e nobre metrópole.

A Lei Orgânica não tem por si possibilidade de eliminai-o problema, que não pode ignorar-se, e rodeia-o pelo sistema das concessões sucessivas, por delegações sucessivas. Será uma escapatória, mas não é uma virtude. Não convém, portanto, à Nação.

Estender a acção directa e pessoal do próprio Governo nacional à província por intermédio de um Ministro, isso sim, é que é integrá-la completamente no todo nacional, integração vertical, simultaneamente nos planos político, executivo e administrativo. Merece, portanto, ser estudada e realizada a sugestão moçambicana. Por mim estou certo de que não há outra nem melhor solução, pelo que será forçoso adoptá-la.

Claro que isto pressupõe grandes modificações na estrutura do Ministério do Ultramar, que deve ser descongestionado de tudo quanto nele exista a mais para a sua função coordenadora, orientadora e fiscalizadora, que é tudo quanto deve ser ao nível de Ministério especial e privilegiado, como já aqui defendi.

Página 2328

2328 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

Estes assuntos ultramarinos são como o comer cerejas, e não quero ser demasiado longo. No entanto, desejo ainda focar de relance o problema (ía administração local, que tem solução infeliz na proposta do Governo, graças a Deus corrigida mais convenientemente pela Câmara Corporativa.

Há muita gente, há mesmo imensa gente, que diz não ser possível extinguir de repente a administração circunscricional hoje existente e acabar, portanto, com as circunscrições e postos. Peço licença para ser de opinião diametralmente oposta e condenar e censurar a continuação de tal sistema, que, primeiro que tudo, representa manter-se o regime administrativo colonial, que se pretende extirpar e banir, que é obsoleto e tem dado origem a abusos intoleráveis que são do domínio público ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -... e foram formalmente condenados pelo Ministro do Ultramar quando proibiu, sob pena de sanções disciplinares, qualquer mínima intervenção dos funcionários administrativos no regime algodoeiro, aliás contra a expressa determinação da lei, que conferia às autoridades administrativas uma absoluta orientação tutelar das populações indígenas.

Espero que a matéria mereça à Câmara a consideração mais atenta e esclarecida, porque sinto que neste problema está a Nação numa encruzilhada de caminhos e terá de escolher entre a estrada moderna do futuro e os velhos atalhos ínvios do passado.

Se queremos manter as populações nativas divorciadas da índole portuguesa, alheias às responsabilidades sociais, desinteressadas das dificuldades da administração, afastadas da sua gestão, estranhas à participação na opinião pública que elabora a orientação administrativa, e não interessa à chamada multirracialidade a promoção social pela acessão dos mais capazes à função governativa até o mais alto nível nacional, a partir dos escalões primários do âmbito local e rural, acho que devem manter-se as circunscrições e os postos, administrados por um senhor único, cheio de importâncias, privilégios, senhorios e poderes, a cujo exercício a população, nativa ou branca, é totalmente alheia e abstracta.

O Sr. Herculano de Carvalho: -Muito bem!

O Orador: - Mas se tudo quanto dizemos, da igualdade, da fraternidade, da promoção social, é verdade, porque está no nosso espírito sê-lo, e na nossa vontade o fazê-lo, então é necessário realizar os factos consoante a doutrina, que neste caso também anda mais avançada, e organizar a administração local à maneira metropolitana, exclusivamente com freguesias e concelhos com suas juntas e câmaras em que haja elementos eleitos pelas populações interessadas, para que haja interesse público e geral pela administração, fiscalização por parte dos povos locais e, como é necessário ao futuro, revelação, experiência e promoção de valores sociais.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - O regime actual tem um defeito muito grave, que é consentir o municipalismo nas zonas urbanas somente. As inovações propostas pela Câmara Corporativa são revolucionárias e de espírito voltado às necessidades e problemas psicológicos actuais, com vista ao futuro.

Porque, efectivamente, ou forçamos a inserção social dos povos com pólos de arranque na reforma da educação pelo ensino primário, técnico e profissional), na reforma económica (pela organização cooperativa da pequena agricultura), na reforma administrativa (pela participação das populações locais na administração local) e na reforma política (pela descentralização conjugada com a integração e realizadas ao nível ministerial paralelamente à participação política provincial na administração geral da Nação) ou perdemos o tempo em criar ao Estado um insofismável problema de soberania, de consequências imprevisíveis.

Quaisquer dificuldades que de momento possa haver para a instalação das juntas de freguesia rurais terão de ser vencidas, e aos governos ultramarinos não faltarão processos nem os meios de instalar tutelas orientadoras formativas. Aliás, estou certo de que por toda a parte se encontrarão elementos capazes entre nativos e colonos, ou, pelo menos, elementos susceptíveis de serem capazes a breve prazo, se forem convenientemente orientados.

A vida política nacional precisa a todo o custo que esses elementos se revelem ou se formem. Eles serão a primeira linha da paz social e o baluarte invencível da resistência moral da Nação.

O Sr. Lopes Roseira: -Muito bem!

O Orador: - Só por meio deles se poderá fazer a inserção social, sem a qual a inserção política a que a Lei Orgânica procede não tem sentido nem valor, com a agravante de poder conduzir a um perigoso desequilíbrio entre o sector social e a expressão política, que ficará inevitavelmente nas mãos de um só grupo. Ser o futuro de um modo ou de outro, reside na forma como se resolver nesta reforma da Lei Orgânica o problema da inserção social. Com estas palavras quero significar que não jogo o futuro aos dados.

Com efeito, há a considerar que sendo um facto a coexistência cordial dos vários grupos sociais estratificados da minha província é praticamente insignificante o convívio entre elementos de grupos diversos para além das relações profissionais, e esta lacuna é particularmente sensível nos escalões sociais mais elevados, porque não sendo difuso o convívio entre as classes populares dos vários grupos não se dá neles a selecção espontânea que conduza ao convívio nos altos escalões.

O problema do convívio, que não pode evidentemente forçar-se, porque é de foro individual, com origem nos afectos criados pelas paridades sociais, culturais e económicas .familiares, não pode deixar de ser considerado nos nossos planos de desenvolvimento nacional no ultramar. Os quatro pólos de arranque que referi como indispensáveis à inserção social são-no também para o convívio em que se realiza plenamente a inserção.

O problema do convívio leva-me a focar o da opinião e da informação para chamar para ele a atenção do Governo. Quem tenha contactos com o ultramar conclui que há um equívoco, que se agrava, entre a opinião pública do ultramar e a da metrópole.

A nova lei pretende resolver em certos aspectos o problema, sobretudo na medida em que dá audiência à opinião provincial, concede participação administrativa aos sectores sociais e vincula os órgãos consultivos nacionais à obrigação de comportarem representações ultramarinas. Mas não chega. Há que fazer um grande esforço no sentido de servir as províncias com uma informação, sempre actualizada, dos problemas, factos e evolução do pensamento político metropolitano, para que elas o possam apreender e influenciar, estudar e corrigir, até o tornarem nacional e seu.

Página 2329

18 DE ABRIL DE 1963 2329

Se a questão é de interesse no sector do homem da rua, não é menos importante nos sectores politicamente responsáveis. Há que criar uma ponte psicológica de alta responsabilidade e, em virtude de Moçambique se interessar pelo que é nacional, já houve ali quem aventasse que às características e formas especiais da unidade e organização políticas portuguesas devem corresponder processos próprios e peculiares de pensamento e acção, e seria, portanto, vantajoso que os Deputados que representam as províncias na Assembleia Nacional tivessem também lugar e voto nos conselhos legislativos, de modo que nos dois órgãos fossem elementos válidos de informação e esclarecimento, realizando-se por intermédio deles uma aproximação convergente e elaborada das opiniões. Talvez valha a pena estudar a sugestão, se se considerar a unidade um princípio que requer no domínio dos factos e das ideias uma permanente elaboração.

Quero formular finalmente um pequeno reparo num ponto que me parece importante e é o seguinte: quando em 1955 foi necessário elaborar o Estatuto do Estado da índia, verificou-se que a Lei Orgânica actual não comportava o esquema conveniente. O Governo promoveu então que a Assembleia Nacional votasse um aditamento à base v, que o habilitou, na medida em que as circunstâncias peculiares do Estado da Índia o aconselhassem, a poder o respectivo estatuto dispor diferentemente do preceituado na Lei Orgânica quanto ao funcionamento e às atribuições de órgãos de governo e a outras regras de administração.

Nestes termos, foi conferida ao Estado da Índia uma descentralização mais ampla, e promoveu-se uma experiência que foi coroada de tal êxito que, no que respeita à descentralização e autonomia financeira, é ela afinal que está na base da presente reforma. Penso que teria sido muito útil generalizar aquela excepção consignada apenas ao Estado da índia, tanto mais que outra disposição da base V continua a facultar a instituição de regimes semelhantes aos das ilhas adjacentes.

Se tal se tivesse feito poderia repetir-se o que disse a Câmara Corporativa em 1955, e foi:

Desta sorte, a Lei Orgânica continuará a ser, como até aqui, o regime geral de governo das províncias ultramarinas, sem embargo de admitir excepções e especializações ...

Fechou-se, pois, a possibilidade legal de um terceiro caminho, que foi imperativo criar em 1955.

A elaboração dos estatutos pode aconselhar, num ou noutro caso ou pormenor, essa via, para, como há oito anos escreveu a Câmara Corporativa e pode repetir-se hoje, «atenderem-se todas as sãs aspirações de um bom governo e de uma eficiente e justa administração, guardadas apenas, necessariamente, as limitações e directrizes constitucionais».

Sou de parecer que deve o Governo dedicar ao problema um momento de reflexão.

E mais que tempo de terminar, mas faltaria a um dever da consciência, que em mim me julga, se não consignasse aqui uma palavra de muito apreço pela corajosa clarividência de que deram provas os responsáveis que promoveram a presente reforma. Porque, muito para além do que ela é, e só se saberá quando for regulamentada e executada com a verdade que o ultramar espera, o que verdadeiramente conta são os horizontes novos que ela abre, e essa atitude tornou possíveis, precisamente nesta hora inquieta em que das dúvidas alheias fazemos as nossas certezas, que neste debate oferecemos ao Mundo em testemunho da nossa fé. Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: não precisaria de justificar a minha vinda a esta tribuna para usar da palavra sobre a proposta em discussão. Desde que nos decidimos a vencer os perigos do mar com a mira no desconhecido e o alcançámos realmente, logo contraímos mais um dever: o de servir um Portugal maior. Para mais, raros serão, e talvez nem sequer existam entre nós, os que não tenham alguém do seu sangue comprometido na tentação dos longes para os entregar à convivência da humanidade, embora sob o signo da nossa fé e da nossa bandeira. Não poderá mesmo conceber-se ou admitir-se português algum alheado da vocação ultramarina ditada pela aliança do nosso génio empreendedor e ousado com a situação de privilégio geográfico neste extremo da Europa, espécie de desígnio nada disposto ao convencimento de que o Mundo entestasse, desta banda, com uma orla de espumas fáceis e uma imensidade de águas intransponíveis.

Assim, e sem necessidade de outra razão, poderá considerar-se explicada a minha presença aqui. Mas nestes casos em que sucede, por vezes, usar-se como argumento de autoridade o facto de se possuírem conhecimentos directos e específicos, valerá talvez invocar, em . contrapartida, os testemunhos de uma preocupação fora do comum, reiteradamente traduzida em apontamentos baseados no sério estudo da realidade portuguesa de além-mar.

Por outro lado, se a história é uma pesquisa - como li algures -, pesquisemos esta minha inclinação:

Em 1950 anunciei um aviso prévio sobre o fenómeno imigratório e a conveniência de se promover a colocação no ultramar, designadamente em Angola e Moçambique, dos nossos excedentes demográficos.

Em 1952 efectivei esse aviso prévio, tendo desenvolvido largamente a matéria que lhe dizia respeito, como se poderá verificar através da leitura do Diário das Sessões, números respectivos, e do livro O Problema dos Excedentes Demográficos. As possibilidades de fomento e povoamento do ultramar, principalmente em Angola e Moçambique, foram aí expostas e defendidas. Também foram assinaladas, pela forma que então se mostrou mais conveniente, as ameaças que mais tarde se concretizaram nos agitados acontecimentos que têm perturbado a ordem e a paz nas nossas províncias ultramarinas.

Discuti nesta Assembleia, na generalidade e na especialidade, o projecto de proposta de lei elaborado pelo Governo sobre a Lei Orgânica do Ultramar e depois transformado na Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953.

Em 1958 voltei a subir a esta tribuna e a falar acerca do assunto constante do meu aviso prévio de 1952, tendo publicado a seguir um volume, a que dei o título de Emigração e Povoamento do Ultramar.

Em conferências, escritos e discursos, alguns deles proferidos, além dos já citados, no seio desta Assembleia, não me tenho cansado de sustentar o melhor que sei e posso, modestamente pois, mas sem que outros o tenham feito com mais sincero e devotado propósito, as razões de Portugal contra a sem-razão dos que pretendem diminuí-lo, arrebatando-lhe as parcelas dispersas pelo Mundo, em nome de absurdas e danadas teorias lançadas pelas

Página 2330

2330 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

forças juntas do ódio vermelho, do racismo negro e de certa conveniência branca, tão injusta como espantosa.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também não tenho deixado de combater os erros, ingenuidades e tendências dos que pretendem salvar o futuro do nosso ultramar comprometendo-o desde já.

Deste modo, se a história se faz com documentos e o documento é tudo quanto a mão do homem deixou na paisagem do tempo - como já VI definido, e bem -, pode acontecer que tenha oferecido algum material aproveitável. Entretanto, não desejaria, de forma nenhuma, ver esse material utilizado em qualquer construção de resultado lisonjeiro para mim. Antes, e valha a verdade confessada, só peço que tirem do facto de me encontrar aqui a tomar parte na apreciação deste novo projecto de proposta do Governo relativamente à Lei Orgânica do Ultramar a única e lógica conclusão de que estou obedecendo às constantes de um esforço iniciado há muito.

Posto isto, adiante:

E verdade que estamos sofrendo uma guerra injusta, desencadeada por vários países e consentida por outros, e que esta guerra gerou um estado de anormalidade por de mais evidente. Vários são os problemas criados, alguns deles difíceis, e todos postos à capacidade de resistência nacional.

Tomaram-se medidas no plano da acção militar defensiva, e isso basta para que outras medidas correlacionadas fossem e tenham de ser tomadas.

Mas no que excede o ponto de vista militar - atento e disposto a enfrentar, como tem marcadamente provado, os condicionalismos, por mais duros e variados que sejam, emergentes da situação que nos foi criada, não carecemos de ir além da pura e demonstrada vontade de ir actualizando as leis próprias do ultramar, conforme as naturais e sãs exigências do processo evolutivo da sua vida, lógica e inalteravelmente comandada pela generosa seiva das raízes comuns. Quero dizer que neste domínio somos mais uma vez chamados a retomar, serena e habitualmente, o trabalho de conduzir as leis à presença dos factos, de sorte a dar a estes consideração de justiça e àquelas latitude de aplicação, sem brechas nem desvios, com a altura de propósitos que não consente estrago da sua nobreza útil.

Como tal, ao apreciarmos a proposta em discussão, sentimo-nos espontaneamente obrigados a repelir todo e qualquer exagero ou todo e qualquer entusiasmo que não seja o da fidelidade ao esclarecido entendimento do que convém ao interesse nacional, como vínculo de maior grandeza e transcendência.

Já no parecer da Câmara Corporativa n.º 35/V, de 6 de Novembro de 1952, acerca da proposta de lei n.º 517 - por sinal relatado pelo Prof. Rodrigues Queiró, o mesmo que relatou com igual proficiência e brilho o parecer respeitante ao projecto de proposta de agora- se escreveu, em nome da verdade, que «o nosso sistema é uma construção original, com a virtude de dar relevo aos interesses e à opinião pública local, sem comprometer a unidade política de todo território português», e que nestes meados do século XX nos mantemos fiéis cá concepção .clássica portuguesa em matéria de política e administração ultramarina», pois, «sem deixar de dar tradução às nossas realidades e às nossas exigências sociais e políticas [...], conciliamos os comandos do passado com os imperativos do presente - e, não negando nem uns nem outros, caminhamos calmamente pela senda do futuro, que outros povos colonizadores percorrem em sobressalto, vendo esboroar-se-lhes nas mãos os seus impérios».

Se repararmos, a própria resenha histórica feita no preâmbulo do actual projecto de proposta de lei constitui um eloquente testemunho. Por isso e pelo mais que vive e fulgura no curso da nossa história e se prende com as nossas afirmações de unidade se afirma no parecer da Câmara Corporativa n.1 9/VIII que esse projecto de proposta «é mais um índice da solicitude e do carinho com que a velha metrópole encara os problemas de toda a ordem respeitantes à parte ultramarina da Nação», atenta, como está, «a todos os seus problemas e dificuldades», de modo a procurar resolvê-los «no plano da sua organização política e administrativa com a mesma generosidade e espírito de solidariedade sempre comprovados, mas sobretudo bem demonstrados no último decénio», sendo certo, vincadamente certo, que a metrópole «não tem sido avara, designadamente no concurso das suas possibilidades financeiras, ao desenvolvimento económico e social das províncias e à defesa do ultramar», não se isentando «dos sacrifícios e dos encargos e até do holocausto de vidas».

A Câmara, esta Câmara em que se encontram autenticamente representados os povos deste grande povo, que é o português, tem o preciso e elevado conhecimento de todo este teor de fé e de vontade. Não haverá aqui, estou certo, quem ponha em dúvida o vivo e sério zelo com que a metrópole acarinha os legítimos anseios de todas as populações do ultramar, pois não pode deixar de ser genuinamente nossa e sempre nossa a vida que se viver em qualquer parte do território nacional.

Também as gentes das nossas províncias ultramarinas, portuguesas por desígnio de fusão, portuguesas à face da história, portuguesas segundo o direito e segundo a realidade, portuguesas ainda que as fizessem passar pelas engrenagens das máquinas fazedoras de independências com que têm andado a mecanizar a política na casa alheia - essas gentes, dispostas nos céus do futuro como arco de aliança a patentear a validade das suas cores, não têm necessidade alguma de enviar tambores para a vanguarda, rufando aspirações que não sejam aquelas que normal e logicamente vão brotando da natural, e por isso mesmo unicamente verdadeira, sequência dos factos nascidos e processados em termos inequivocamente nacionais.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - As nossas populações ultramarinas sabem que o interêssse da sua sobrevivência no quadro dos valores humanos, políticos, económicos e sociais - materiais e morais de qualquer espécie - só pode ser devidamente assegurado dentro dó conjunto português.

Diz-se que o europeu dá o primado à razão e que o nativo da África Negra tende mais para a sensibilidade e para o fluxo emocional. Que o europeu adopta, como norma preferida, a luta, e o africano a vida. Que estes dois temas não se excluem, mas divergem, e assim não facilitam o encontro da Europa com a África.

Mas o português, europeu de alma e de sangue, ao mergulhar nas trevas do Mundo para arrancar delas as gemas que luzem nas suas mãos e irradiam claridades benéficas para os quatro pontos cardeais, não se determinou só pela razão e pela luta. A sua alma empenha-se tanto como o seu pensamento, e o seu poder emocional deu-se tanto ao sacrifício como a rija têmpera da sua vontade. Fomos e somos tudo para o efeito, tudo e ao mesmo tempo - legionários da razão e da alma, homens do cérebro e do sentimento, cavaleiros de ideal, completos na capacidade para o empreendimento, totais nas condições para o êxito.

Página 2331

18 DE ABRIL DE 1963 2331

A África Negra não é nenhum mistério para os portugueses, pois o mistério rendeu-se desde logo a esta gente vaticinada para apaziguar raças e amalgamar cores.

Os nativos da África Portuguesa sabem que mais ninguém os poderia tratar com este espírito tão bafejado de humanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A hora da África não soou agora para nós no chamado relógio da história. Soou há muito e há muito a escutamos e seguimos.

Mas nessas parcelas, onde chegámos sem ideias de as trair, depois de lhes termos afirmado a nossa presença, também nasceram e não cessam de nascer brancos que não enjeitam a vida, lado a lado com os homens de cor, e antes se mesclam e trabalham, acalmando dia a dia a angústia da terra. Também esses sabem, e sabem muito bem, através de duras provações e. de alguns heroísmos, que já são ouro da nossa história, o que já lhes custou a guerra desencadeada de fora e o que lhes custaria amanhã a vitória dessa mesma guerra, se em vez de pegarem em armas pactuassem com o inimigo, acreditando nas suas promessas eivadas de enganos mortais. Rematada loucura seria a de fecharem o entendimento à decisiva lição dos exemplos. Sem ir mais longe, bastará recordar que no caso da Argélia se celebraram acordos depois de reunidos uns e outros para negociarem e acertarem os termos da famigerada autodeterminação. E depois, os franceses da Argélia, que eram 1 200 000, ficaram reduzidos até agora ao que sobra do milhão.

Do que era património de franceses, conseguido dia a dia, de labuta em labuta, pouco resta, além do que foi já confiscado.

Dentro em pouco raros ou nenhuns dos antigos construtores da Argélia se poderão contar entre os usufrúidores da Argélia de hoje.

Que é feito das palavras, das promessas, das negociações, dos acordos?

A norma é a de prometer para ganhar, de ganhar para não cumprir, de não cumprir para escorraçar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os provadores portugueses da África portuguesa sabem isto, e sabem que a demagogia é possível em toda a parte, e mais ainda nos trópicos, onde lhe é mais fácil progredir, como o fazem os vinhos capitosos.

Já não sei onde li que a pior tirania é a da demagogia e que, por consequência, não há pior tirano do que o demagogo.

Devemos, porventura, o que temos a alguém para nos acharmos na obrigação de negociar o nosso débito com quem quer que seja?

O maior e o mais cruel erro do mundo que nos guerreia é o de não querer admitir que para os portugueses nunca existiu a dificuldade de convivência com as gentes de cor.

Sempre soubemos, como ninguém, conciliar a nossa presença em todos os continentes com a presença das populações nativas. Isso jamais constituiu para nós um fardo, mas uma missão. Nem sequer tem sido a prática de um justificável esforço, mas o exercício de um manifesto dom.

Impressionado, certamente, com esta inata e actuante diferença, aquele «branco» que nasceu e viveu mais de vinte anos em África e é o autor do livro Aujourd´hui PAfrique, não olvidou que na origem da nossa expansão povoadora «se encontra uma preocupação de cristianismo e um sentido de catolicidade».

Que nos deixem, pois, com o fundamento apostólico da nossa missão de difundir a língua e a cultura, que elas sempre ressoaram e ressoam a Ocidente não orgulhoso do poder, mas iluminado no ofício de converter almas e moldar génios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Às vezes, pensando em que esta afirmativa de resistir sem tibiezas, este tema patriótico de sermos como fomos, anda a ser implacavelmente atacado, julgo ver ceder o menos animoso e darem mostras de transigência certos teóricos da liquidação a curto ou a longo prazo.

Mas a Pátria não admite negócio nem cedência. Não é nenhum balcão para mercadores. À sua volta não se pode consentir o arruído da oferta nem o tilintar do preço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tão pouco é cerne para ser dilacerado por facções internas, embriagadas de ambição, ou por bandos externos, ávidos do comando ideológico, ou por chusmas de terroristas, famintas de bens a saque, ou por interessados poderosos, sedentos de mais dinheiro.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Entre a Pátria e o negócio; entre a Pátria e os partidos; entre a Pátria e os comunistas; entre a Pátria e os terroristas; entre a Pátria e os falsos profetas das falsas independências; entre a Pátria e a finança do exterior, desalmada e triturante, não há paz admissível.

Venha donde vier o inimigo, a Pátria é fortaleza, e não campo de experiências. Muito menos campo de dúvidas, de incertezas, de hesitações.

Não entendo, não compreendo esses patriotas que falam de Portugal como se o tivessem no coração e se propõem diminuir Portugal como se o tivessem na algibeira.

Sou um homem de paz, mas não sou um homem que deseja a paz à custa da entrega para já ou seja para que dia for.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A paz não se aceita - defende-se. Não se aceita por abolição das nossas reservas morais; defende-se por mobilização das nossas faculdades para a luta.

A mim apraz-me fundamente saber que os nossos soldados se batem valorosamente pela segurança das nossas fronteiras de além-mar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o facto não me apraz de forma a caber só nas palavras. Sou daqueles que não conhecem formalismos verbais para a expressão do que sentem, mas explosões do próprio sentimento que as palavras vão traduzindo à medida que o fogo da verdade as modela e articula.

Não sei falar por falar, mas dizendo o que sou.

Como português, sinto-me orgulhoso por ver portugueses confiantes em Portugal, sustentando-o com as armas nas mãos contra o ódio e a cobiça que nos buscam.

O patriotismo desses portugueses é um patriotismo lúcido, um patriotismo que não é anemia, nem derrotismo, nem cálculo vergonhoso, nem desvio de conceito, nem brecha para traidores, nem suicida proposição de paz a

Página 2332

2332 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

alcançar pela cobardia de encarar o futuro - patriotismo sem falha nem prejuízo do seu sagrado conteúdo.

Ao deixar esta tribuna, depois de dar, como dou. a minha aprovação na generalidade ao projecto de proposta que estamos apreciando, levo a certeza de ter explicado o meu voto, que é o mesmo desses que estão na frente, empenhados numa luta que não é deles só, mas de nós todos, para que as populações do ultramar português continuem a ser o que são, e não aquilo que os outros quiserem que elas sejam.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem 1 O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: se é certo que a humanidade, portanto os povos, estão sempre em presença de problemas que os afligem, de anseios por uma vida melhor, não menos certo é que há períodos da sua história, mais agudos, mais angustiantes, mais complexos, em que os altos ideais são proclamados mais vivamente.

Imagina-se que estes fenómenos são o prenúncio de evolução nas relações humanas, portadora de uma justiça social mais equilibrada, no Mundo.

Podem também ser o prelúdio de novas tragédias, de maiores prejuízos materiais e morais no campo humano, pois a proclamação dos princípios não é por si só garantia da sua efectivação.

A história, na sua evolução, dá-nos testemunho constante destas conclusões.

As lutas rotuladamente ideais em que o Mundo se digladia constantemente, em nome dos mais altos princípios, das mais sublimes doutrinas, ao fim e ao cabo determinadas mais pelos múltiplos interesses que as ambições pessoais e colectivas geram, vão deixando nos espíritos a marca das desilusões, mas, por fatalidade, a vida não pode deixar de se processar através do esforço, do sacrifício, do desejo constante e das preocupações em busca do melhor caminho a empreender no campo das relações humanas.

Importa é que tenhamos sempre presente - como diz S. S. o Papa João XIII na bem recente encíclica Pacem in terria - que «todos os homens são pessoas com direitos e deveres e que uma sociedade está conforme a dignidade humana quando se fundamenta na verdade, ou seja, quando os direitos e deveres cívicos são reconhecidos com sinceridade».

Ouvimos ainda não há muito tempo as reflexões judiciosas de um eminente homem público acerca dos problemas que afectam a nossa vida nacional, estabelecido o confronto com o que se passa por esse mundo de Cristo.

Conclui-se sem dúvida que não há só problema português de aspectos delicados. Há problemas mundiais de delicadas proporções, que afligem não só as pequenas como as grandes nações, não obstante estas deterem possibilidades demográficas e materiais para imporem sob os mais variados rótulos os seus interesses.

Nesta nova fase histórica do Mundo o continente africano e o seu aborígene constituem o objecto principal da política internacional.

A Nação Portuguesa, multirracial, multicultural e pluricontinental, não podia deixar de estar em causa.

Não valerá a pena determo-nos a analisar as causas efectivas das pressões que impendem sobre ela. Elas são tão evidentes que dispensam comentários.

Importa analisar e promover as fórmulas e a realização da política que melhor servirá os interesses de todos que

se abrigam à sombra de uma bandeira comum e ao calor de aspirações morais, materiais, sociais e culturais sob um denominador também comum.

Importa ajustarmos o passo para que os interesses das populações, na sua diversidade étnica e geográfica, sejam salvaguardados, não só pela lei, mas principalmente por uma prática constante, operante e decisiva, face à qual a coesão interna se possa consolidar sem esforço.

Importa traçar o rumo certo na rota do futuro, um futuro isento de intranquilidade, em que todos possamos conviver em paz, em sossego, nos territórios pródigos onde todos seremos poucos para as suas dimensões e os seus recursos múltiplos uma vez explorados equânimemente.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tem esta alta Câmara para apreciação e resolução, nos precisos termos constitucionais, o projecto da revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953 (Lei Orgânica do Ultramar Português).

Não se trata de uma revisão total desta lei, mas tão somente de alterações a algumas das suas disposições.

Nos termos constitucionais, é em relação às alterações propostas, e não à Lei Orgânica no seu conteúdo integral, que nos compete pronunciar-nos.

Tenho reservas se, para além dos preceitos constitucionais em vigor, a especialidade das leis em relação a todo o ultramar no seu conjunto deverá ser mantida ou se, na oportunidade da revisão constitucional, não será de rever tal preceito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - A meu ver, o processamento da evolução do conceito de unidade deve orientar-nos num sentido de enquadramento implícito e explícito dos preceitos fundamentais que regulam os direitos de plena cidadania, indistintamente, e que a Constituição Política da Nação consubstancia.

Parece-me que devemos eliminar tudo que nos possa ou pareça dividir-nos, evitando assim os paradoxos.

Lei de fundo especial para o ultramar todo e para a metrópole como lei básica apenas a Constituição Política da Nação, não me parece conforme com a doutrina que proclamamos de igualdade dos cidadãos perante a lei e da equanimidade das diversas parcelas da Nação à luz de uma estruturação unitária do património nacional.

De resto, a Lei Orgânica do Ultramar é fundamentalmente uma síntese dos preceitos constitucionais adaptados aos territórios de além-mar, aliás com restrições e especialização nem sempre vantajosas, como sejam as que respeitam ao regime administrativo, desajustado à evolução da nossa época (bases XLVI a XLVIII).

E de notar a evolução operada sobre o regime administrativo em Angola: até ao ano de 1921, não obstante a promulgação da Portaria Provincial n.º 375, de 17 de Abril de 1913, que aprovou o regulamento das circunscrições civis, o regime administrativo conjugado com os problemas de ocupação e pacificação do território da província é exercido pelas capitanias-mores e pelos postos militares.

«Desbravado que foi o caminho, com os maiores sacrifícios, sofrimentos e abnegação, pela força pública, mantenedora da ordem e tranquilidade públicas» - justa expressão do então alto-comissário, vem o Decreto n.º 80, de 14 de Dezembro de 1921, transformar em circunscrições civis todas as capitanias-mores e em postos civis

Página 2333

18 DE ABRIL DE 1963 2333

todos os postos militares, «retomando a força pública (exclusivamente) a sua nobilitante missão de defesa do território».

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Dava-se assim em relação à época um notável passo da orgânica administrativa.

Decorreram os anos. A província prosseguiu na sua evolução.

Hoje, as conclusões que nos levam a preconizar a progressividade da política municipalista em terras de além-mar encontram de algum modo a chancela do douto parecer dia Câmara Corporativa ao concluir ser «oportuno eliminar definitivamente as circunscrições administrativas, reminiscências do período da ocupação e expressão de uma forma autoritária da administração local comum». E disse apenas de algum modo, porque o parecer refere-se apenas às circunscrições administrativas, e em meu entender o problema situa-se, sob o mesmo particularismo, em toda a estrutura do regime administrativo.

Entendo que a evolução deve ser orientada no sentido de adaptação das fórmulas municipalistas da metrópole ao ultramar. Nem de outro modo se entende à face da política de unidade que em matéria tão relevante se tem de aplicar concomitantemente.

Também o douto parecer da Câmara Corporativa, com as limitações restritivas, não deixa de reconhecer que «convém abrir mais francamente a porta e apontar mais deliberadamente o rumo para aplicação da fórmula municipalista na vida local das províncias».

E também este o meu parecer e posso afirmar que é esta uma das justas aspirações das populações angolanas, desde que, bem entendido, se fomente a política indicada da sua autêntica representatividade, tendo em vista a heterogeneidade sócio étnica da sociedade que nos empenhamos em manter coesa no seu indefectível patriotismo.

Vivemos uma época de transformação, mas é mister, no que nos diz respeito, que o seja no melhor sentido.

Referi-me à especialização das leis, emitindo o parecer da desnecessidade de uma lei orgânica específica para todo o ultramar. Justificadas as razões do meu ponto de vista, e sem que as considerações constituam paradoxo, não posso deixar de reconhecer as vantagens da especialização de direito de província para província. A Lei Orgânica é uma especialização generalizada a todas as parcelas ultramarinas. Penso que os grandes princípios da Constituição, com as reformas que em data da sua revisão se possam nela incluir, abrangendo os factores específicos que a heterogeneidade da comunidade lusíada aconselhe, suprirão com mais propriedade, dentro da doutrina de unidade nacional, os preceitos contidos na lei em causa.

As múltiplas peculiaridades de cada província ultramarina (porque efectivamente Trás-os-Montes não é igual à Guiné, nem Angola a Moçambique, para citar somente dois exemplos), a dispersão geográfica, o condicionalismo do meio, a evolução social e cultural que nos cumpre impulsionar para o equilíbrio da sociedade que edificamos, já se entende que sejam objecto de estatuto político-administrativo privado.

Neste caso, o estatuto político de cada província ultramarina transcende no seu importantíssimo conteúdo, sendo um instrumento de lei de alto significado nacional, com vista a assegurar (tomando em linha de conta o grau de evolução do meio) a execução dos altos princípios contidos nos artigos 5.º e 6.º da nossa Constituição Política e que ao Estado incumbe assumir:

O acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.

Fazer respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça ou pela lei, em favor dos indivíduos, das famílias, das autarquias locais e das outras pessoas colectivas, públicas ou privadas, na justa . harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação do particular ao geral.

Zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dispõe o n.º 1.º, alínea a), do artigo 150.º da nossa Constituição Política que este alto órgão da soberania da Nação - a Assembleia Nacional - só pode, em relação ao ultramar e apenas mediante proposta do Ministro do Ultramar, legislar sobre regime geral de governo das províncias ultramarinas.

Esta restrição contrasta, no entanto, com «i competência da Assembleia Nacional atribuída no n.º 1.º do artigo 91.º da mesma Constituição:

Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las.

Quero crer, e não pode deixar de ser, que no passado . se justificaria esta providência. Mas, na medida em que tendemos para a expressão da mais inteira unidade nacional, o contexto do n.º 1.º do artigo 91.º citado, sem as limitações do n.º 1.º, alínea a), do artigo 150.º, parece-me ajustar-se mais à doutrina que se preconiza. Bem entendido que estas minhas considerações aludindo a disposições constitucionais mais não são do que recomendações postas à meditação para serem analisadas na devida oportunidade legal.

E faço-as justamente a propósito do estatuto político de cada província ultramarina, que, a meu ver, seria conveniente, na hipótese do meu ponto de vista sobre a lei orgânica, ser submetido à apreciação e resolução desta alta Câmara pela sua transcendência e delicadeza.

Mas, além desse aspecto, parece-me, pelas razões já expostas, que a ampla competência legislativa deste órgão de soberania deve ser extensiva a todo o território nacional, reforçando-se assim o princípio da unidade.

De outro modo seriam utópicas as aspirações do ultramar por uma mais ampla representação nesta Assembleia dos Deputados pelos círculos ultramarinos, aspiração, aliás, que o Governo demonstra ter em justo apreço quando preconiza na base VH, n.º n, que «as províncias ultramarinas terão representação adequada não só na Assembleia Nacional como na Câmara Corporativa», justificando que «se julgou não ser inoportuno referir expressamente a representação na Assembleia Nacional, embora as províncias (ultramarinas) de há muito aí já estejam representadas», para exprimir que esta (a representação) «deve ser organizada em função das condições reais do meio social de cada província».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: o conhecimento in loco do nosso ultramar e vice-versa constitui hoje uma preocupação dominante em todas as esferas de acção.

O intercâmbio cultural, político e social entre as diferentes parcelas da Nação não pode deixar de significar doutrina que se impõe concretizar-se cada v«z mais.

Várias embaixadas demandam as terras de além-mar, desde as culturais às desportivas.

Por razões axiomáticas não se poderá deixar de reconhecer a necessidade urgente das visitas ao ultramar de

Página 2334

2334 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

deputações do nosso Parlamento e, de uma maneira geral, o intercâmbio dos Deputados de cá e de lá entre os círculos respectivos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim estará esta alta Câmara habilitada ao pleno conhecimento dos nossos problemas ultramarinos, no aspecto humano, em toda a sua evidência, com actualidade e absoluto realismo, como é mister.

E porque serão autênticas viagens de estudo e de observação, elas terão de se fazer da cidade ao mato, auscultando as ansiedades e os problemas que ali decorrem no plano díspar político-social.

Yozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim virá a estar a Assembleia Nacional em condições de (como lhe incumbe) dar expressão lata às suas eminentes atribuições de supremo órgão legislativo nacional.

Já aqui nesta Câmara se tem preconizado esta medida. E, por mim, várias vezes a ela me tenho referido em conferências e entrevistas à imprensa e à rádio angolanas, nestes últimos meses à emissora oficial de Luanda, jornal católico A Luz da Verdade, Jornal de Benguela e jornal A Noticia de Luanda.

Considero este problema de alto interêssse nacional. E por isso para ele mais uma vez chamo a atenção dos Poderes Públicos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: as alterações à Lei Orgânica do Ultramar, submetidas pelo Governo à nossa apreciação num período emocional da vida da Nação, reflectido sobretudo em Angola, e, por incidência, em Moçambique e noutras províncias ultramarinas, despertaram nos espíritos especiais esperanças relativamente à solução dos problemas económicos, financeiros e de ordem social naquelas parcelas da Nação.

Porém, a estrutura das alterações é mais, a meu ver, de ordem político-administrativa, no sentido de regulamentação generalizada a todo o ultramar dos princípios estabelecidos na Constituição Política. Fundamenta-se, por assim dizer, em regras constitucionais aplicadas ao conjunto dos territórios de além-mar. A este respeito já manifestei os meus pontos de vista.

Importa agora saber quais os pontos objectivos que os diversos interesses ultramarinos (no quadro nacional) esperam que se alcancem.

As actividades económicas manifestam os seus anseios no sentido de serem criadas a câmara de reflexão junto dos órgãos legislativo e executivo, as juntas distritais, a promulgação do municipalismo, a descentralização administrativa e a autonomia financeira e maior competência legislativa aos conselhos legislativos locais.

São aspirações fundamentadas na lei constitucional, e sem dúvida que, atendendo-as, como acontece e se verifica no projecto das aliterações propostas, o Governo manifesta o seu desejo de proporcionar os meios locais de desenvolvimento das parcelas ultramarinas.

Importa, contudo, não esquecermos que os problemas fundamentais do nosso ultramar são caracteristicamente de ordem social, portanto de ordem económica.

E, como tal, são concernentes ao factor humano, elemento étnico e demográfico. Sem termos em atenção o factor homem, toda a iniciativa, todas as leis e providências teóricas serão inoperantes.

Só, pois, através da acção efectiva e constante no sentido da promoção social das populações nativas acharemos as fórmulas que pretendemos de solução desses problemas.

Para a elevação do nível económico, pelo justo salário e acesso na vida política e social, não só o Estado como os sectores privados terão de dar as mãos, porque é um imperativo nacional estruturarmos a comunidade lusíada em termos de equilíbrio da nossa vivência comum, alto exemplo para o Mundo, de convívio multirracial, o verdadeiro caminho que a ele oferecemos para uma necessária compreensão humana.

Nesta ordem de ideias, no plano de povoamento agrário deve a meu ver facultar-se oportunidade ao emigrante e às populações locais, a todos procurando atender com justiça social, dado que o mesmo visa «a plena valorização e o integral aproveitamento das actividades humanas e nenhum plano de valorização pode ser unilateral», como bem afirma em despacho oficial o Exmª. Ex-Secretário Provincial deste sector em Angola.

Com ele estamos de acordo em que «a criação de qualquer núcleo agrário, por sua vez, implica o estabelecimento de aldeamentos ou, melhor dizendo, de povoações - com toda a gama de actividades humanas características dos aglomerados populacionais».

Eis, portanto, uma das soluções do problema social das populações locais, uma vez enquadradas nos planos e acção de assistência técnica, distribuição de terras e fomento dos departamentos competentes.

Uma reforma agrária tendo em vista «acabar com o sistema de monocultura, para entrarmos numa política baseada num sistema de policultura da agricultura cooperativa em que as terras não exploradas se redistribuam para os que as irão cultivar» será um dos processos eficientes de a todos - os de cá e os de lá - se poder dar um lugar ao sol.

Yozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este o depoimento de um ilustre oficial de dragões que em Angola prestou serviços classificados em louvor de relevantes, extraordinários e distintos e é autor de um apreciável estudo sobre as possibilidades de recuperação social e económica do nosso Congo e sua expansão a toda Angola à base de comunidades autóctones.

A industrialização do ultramar, como meio de progresso, é outro factor económico a considerar. A centralização demasiada ao nível ministerial para as autorizações do seu funcionamento tem acarretado sérios inconvenientes à evolução necessária.

No plano de integração económica nacional decerto não deixará de se considerar este problema, descentralizando-se tanto quanto possível essas atribuições, para se remediarem tantos inconvenientes que já nesta Câmara se têm apontado sobre o assunto.

Ainda sobre os problemas essenciais que interessam às populações angolanas na sua expressão sócio étnica, não há dúvida de que a unidade nacional deve assentar na plena cidadania de todos que a lei assegura e os espíritos esclarecidos defendem sem reservas.

Mas para ela - a unidade - se estruturar na plenitude importará dar-lhe formas de expressão concreta, de realização efectiva, ou, melhor, de autenticidade, que tem falhado, não tanto por carência de medidas legislativas, mas, sobretudo, na prática, na actuação dos homens. Tais óbices são da natureza humana.

Por isso a preocupação das populações no sentido de a lei em apreciação exprimir concretamente o que deve estar na mente de todos nós e mais acentuadamente das pessoas que pela sua função pública detêm as responsabilidades na execução do que afinal já está na lei, na lei constitucional.

Página 2335

18 DE ABRIL DE 1963 2335

A lei básica fundamental estabelece que:

O Estado Português é uma república unitária e corporativa, baseada na igualdade dos cidadãos perante a lei.

Tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social, com os objectivos de estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho; defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interesses superiores da vida humana; impedir os lucros exagerados do capital, não permitindo que este se desvie da sua finalidade humana e cristã.

Vozes:-Muito bem, muito beml

O Orador: - Não é, portanto, carência ou omissão de leis que gera as injustiças sociais.

Tudo depende dos homens a quem incumbe a execução dos preceitos em que se fundamenta a própria lei constitucional.

Este é o factor essencial da autenticidade, factor humano, político e social, de que depende formalmente a construção efectiva e real da comunidade que nos cumpre estruturar à base de uma política nacional de verdade e de compreensão.

Existe já em Angola uma sociedade escalonada desde as classes mais humildes a um escol com valores, que se evidenciarão se lhes forem dadas oportunidades para tanto, a estes, na escolha de elementos (os homens bons) para o elenco superior da Administração.

Os nossos liceus e as escolas técnicas registam uma apreciável frequência de jovens - pretos, mestiços e brancos-, muitos deles já com os seus cursos secundários completados, outros frequentando cursos universitários aqui na metrópole ou já formados.

Com a adopção do ensino superior na província e o incremento de bolsas dê estudos que nos parece que devem constituir um encargo substancial dos nossos orçamentos, dada a necessidade de se desenvolver entre nós a cultura superior, abrem-se novas perspectivas para as populações locais.

Mais valores virão a contar na vida nacional na estruturação equilibrada da sociedade.

Atentando-se nos seus anseios, nas suas aspirações e necessidades, fortalecer-se-á a unidade nacional alicerçada numa formação cultural de teor comum e em condições sociais que anulem quaisquer aspectos de diferenciação.

Estes preceitos não vêm recomendados expressamente nas alterações à Lei Orgânica em apreciação. Se o fossem, mais não se fazia do que acentuar como noutros aspectos da mesma lei as disposições constitucionais que são bem expressas.

Justifica-se assim a minha tese exposta sobre a Lei Orgânica.

Referindo-me aos problemas sociais das populações do ultramar, não seria justo se aqui não deixasse expressa uma palavra sobre a situação económica dos funcionários públicos de Angola, esses abnegados obreiros afeitos ao sacrifício que não regateia dedicação e esforço pela causa pública.

A hora é de sacrifícios que a emergência exige. Mas quando pedimos a melhoria de condições de vida para as populações não podemos deixar de ter em atenção a situação do funcionário público, que em relação à subida constante do custo de vida, em que avulta o problema dramático da carestia de rendas de casa, que absorvem quase metade do vencimento médio, enfrenta estoicamente as maiores dificuldades de subsistência.

Há muito que se acalenta a equiparação dos vencimentos do funcionalismo de Angola ë Moçambique. É uma aspiração justa, se atendermos que o custo de vida da província irmã não é de modo algum mais elevado do que o de Angola.

As alterações em apreciação da Lei Orgânica em debate prevêem na base XCII a revisão do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino.

Exprimo as melhores esperanças de que a sistematização das categorias, pouco equitativa em muitos casos em relação às fundões, seja orientada sob critério mais uniforme entre os diferentes quadros.

Que a orgânica do acesso, normal nuns quadros e fechado noutros, se processe mais consentâneamente, por forma que todos os funcionários, em função do tempo de serviço e capacidade, tenham a faculdade de atingir os postos da hierarquia do funcionalismo, pois quadros há ainda em que o funcionário ao fim da sua carreira acaba por se aposentar pouco mais do que no lugar de ingresso, como acontece nos chamados quadros auxiliares. Não porque lhe falte competência, mas porque a lei (que deve ser equitativa) não prevê o acesso.

A aplicação do sistema de diuturnidades nos serviços que funcionalmente não justificam a criação de categorias de acesso afigura-se-me justa no sentido de ser extensiva a todos os servidores nessas condições, como já acontece com os quadros do magistério.

Que a mesma revisão atente nas fustas aspirações do funcionalismo de Angola no sentido da sua equiparação a Moçambique são os votos que formulo, interpretando os anseios dos interessados.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: não posso deixar de reconhecer que em face do s tatu que a proposta contém alterações notáveis no domínio da descentralização administrativa, que em nada contraria, mas sim consolida, a unidade nacional, pois constitui um processo evoluído de desburocratização indispensável. E deve em meu ver orientar-se em todos os escalões da vida administrativa nacional. A autonomia financeira é outro factor apreciável de progresso local, assim como a criação das secretarias provinciais, do conselho consultivo provincial, a formulação do conceito de serviços nacionais e provinciais, a expressão do municipalismo, a doutrina da representação adequada das províncias ultramarinas na Assembleia Nacional, Câmara Corporativa e Conselho Ultramarino, maior eficiência funcional dos conselhos legislativos locais, as juntas distritais e outras alterações úteis que teremos oportunidade de apreciar na especialidade.

Com reserva, pelas razões que já expus relativamente ao pensamento que traduzi sobre a Lei Orgânica do Ultramar, voto, pois, na generalidade, pelos motivos a que acabo de aludir, na proposta do Governo de alterações à mesma lei.

Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão. Eram 19 horas e 5 minutos.

Página 2336

2336 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92

Srs. Deputados que entraram durante a sessão.

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Martins da Cruz.
Artur Alves Moreira.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Lopes Roseira
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Rogério Vargas Moniz.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Barbosa Abranches de Several.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Joaquim de Jesus Santos.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Oficio recebido, durante a sessão, do Gabinete de S. Exª. o Presidente do Conselho:

Ex.mo Sr. 1.º Secretário da Mesa da Assembleia Nacional. - Lisboa:

Em cumprimento do despacho de S. Exª. o Presidente do Conselho, tenho a honra de informar V. Exª. de que, segundo comunicação do Ministério do Ultramar, nos termos e para os efeitos dos artigos 113.º, 97.º, § único, e 150.º, n.º 1.º, da Constituição Política, se substitui, na proposta de lei n.º 18/VIII (revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953), a redacção do n.º II da base LXI pela seguinte:

A iniciativa dos empréstimos pertence ao governador, com autorização do respectivo Conselho Legislativo.

Relativamente, porém, a obras e planos que forem da competência do Ministro do Ultramar, poderá este providenciar acerca do respectivo financiamento, por sua iniciativa ou mediante proposta do governador, ouvido neste caso o Conselho Legislativo.

Apresento a V. Exª. os meus melhores cumprimentos. A bem da Nação.

Gabinete de S. Exª. o Presidente do Conselho, 17 de Abril de 1963. - O Secretário, Alfredo António de Azevedo Barbieri Cardoso.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×