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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98
ANO DE 1963 27 DE ABRIL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 98 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 26 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 44 989.
O Sr. Deputado Augusto Simões requereu esclarecimentos sobre a actuação da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
O Sr. Deputado Nunes Barata apresentou um aviso prévio sobre turismo em Portugal.
O Sr. Deputado Cancella de Abreu falou sobre as condições da região da Bairrada para o turismo.
O Sr. Deputado André Navarro descreveu e examinou o panorama político internacional.
O Sr. Deputado Antunes de Lemos referiu-se aos incêndios nas florestas e à falta do diploma que atribua aos municípios uma percentagem nas receitas dos serviços florestais.
O Sr. Deputado Abranches de Soveral manifestou-se contra a forma de aplicação do Código do Imposto Profissional.
O Sr. Deputado Sales Loureiro sugeriu ao Governo a criação de um estatuto ou escola de jornalismo.
O Sr. Deputado Pinheiro da Silva preconizou a abertura da fronteira do Lindoso.
O Sr. Deputado Meneses Soares referiu-se à falta da audiência que é devida aos organismos corporativos.
Ordem do dia. - Continuou o discussão na especialidade e votação da proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar Português.
Foram aprovadas as alterações às bases XXXVI, XXXVII, XL, XLVI, XLVII e XLVIII.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
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António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 94, 1.ª sério, de 20 do corrente, o qual insere o Decreto-Lei n.º 44 989, que permite ao Ministro da Economia, no exercício das funções do coordenação referidas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 41 824, avocar aquelas das competências conferidas aos Secretários de Estado do Ministério cujo exercício interesse a mais de uma Secretaria de Estado ou seja indispensável para a realização das funções ministeriais de coordenação.
Estão na Mesa enviados pelo Ministério das Comunicações, os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Alberto de Araújo em requerimento apresentado na sessão de 4 do corrente. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Com base nos preceitos constitucionais e regimentais aplicáveis e por me não parecer que se trate de matéria envolvendo segredo de Estado, requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes elementos:
1.º Tendo sido superiormente homologado poios despachos dos Srs. Secretários de Estado da Agricultura e do Comércio de 14 de Novembro de 1961 e de 26 de Janeiro de 1962, respectivamente, o parecer da Procuradoria-Geral da República, de 26 de Outubro de 1961, segundo o qual as moagens de coroais instaladas por cooperativas estão isentas do pagamento de taxas à Comissão Reguladora das Moagens do Ramas, qual a razão por que este organismo de coordenação económica não acata tal determinação e continua a tributar algumas daquelas cooperativas;
2.º Qual a razão por que a mesma Comissão Reguladora, a despeito de ter visto julgar extintos vários processos executivos que propôs nos tribunais do trabalho contra determinada cooperativa, pela procedência de embargos deduzidos com base na aludida isenção, persiste em continuar a propor sucessivas execuções nos mesmos tribunais e contra a mesma entidade, fazendo penhorar bens do seu património:
3.º Qual o fundamento legal da imposição de selos em mós existentes em moinhos e azenhas, praticada pelos fiscais da referida Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, normalmente com a assistência da autoridade pública, independentemente de decisão proferida em qualquer processo idóneo;
4.º Qual o fundamento legal da recusa do fornecimento de cereal às cooperativas, destinado ao exclusivo abastecimento dos seus associados, depois de farinado, agora praticado pela mencionada Comissão Reguladora;
5.º Quais as medidas tomadas no mesmo Ministério da Economia para pôr termo a tão impressionante série de afrontosas prepotências praticadas pela Comissão Reguladora das
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Moagens de Ramas contra os primados de justiça que disciplinam as actividades económicas nacionais.
O Sr. Nunes Barata: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para enunciar as seguintes bases de um aviso prévio sobre o turismo em Portugal.
O turismo está na primeira linha cias grandes preocupações dos portugueses.
E são, na verdade, sérias as razões que justificam este interesse ou fundamentam a sua estima.
No plano económico, o turismo abona-se não só com o caudal de divisas que nos poderia proporcionar como ainda por constituir, regionalmente, apoio para as mais variadas actividades, desde a indústria hoteleira aos transportes.
Mas o turismo em Portugal deverá também servir outros interesses humanos, independentemente da sua expressão monetária. Na medida em que, por exemplo, aproxima os homens, projecta-se na causa da paz e da solidariedade entre os povos. Com ele abrem-se as nações a um conhecimento recíproco, cujos frutos se revelam num enriquecimento do património cultural da humanidade.
Finalmente, constituindo uma fonte de evasão, o turismo será um tonificante da vida social.
Ora o turismo tem conhecido, em Portugal, certo incremento.
Não nos devemos, porém, deixar possuir de optimismos exagerados. Antes pelo contrário. Muitos países da Europa, tanto no plano absoluto, como no plano relativo, contam sucessos muito mais notáveis do que o nosso.
Portugal recebeu, por exemplo, em 1950, 70 307 turistas estrangeiros e, em 1959, 295 942. Pois nesse entretempo (cf. a publicação da O. E. C. E. Le Tourisme en Europe, 3960) outros países acusavam a seguinte evolução nas visitas dos turistas: Áustria, 856 560 a 4 244 004; Bélgica, 211 190 a 1 431 295; Holanda, 368 435 a 1 294 727, e Jugoslávia, 41 221 a 833 541.
Isto para citar nações pequenas que não constituem as grandes vedetas do turismo europeu, como a Itália, a França, a Suíça ou a Espanha.
Pois a fazer fé noutros elementos estatísticos teriam visitado Portugal em 1961, 375 000 turistas e a Espanha 8 000 000!
A Espanha equilibrou, graças ao turismo, em 1961, a sua balança de pagamentos, desfalcada em 8 milhões de contos pelo déficit da balança comercial.
A própria Grécia, que em 1951 recebeu 33 000 turistas, tem planos para ser visitada neste ano de Ü963 por cerca de 800 000!
Pretendo assim demonstrar, com a efectivação deste aviso prévio, que o turismo deve ser encarado em Portugal com aquela inteligência e espírito de boa execução que se funda, além do mais, repito, na circunstância de poder constituir o principal apoio da nossa balança de pagamentos.
Para a consecução de tal objectivo importa encarar vários sectores em que se desdobra ou reflecte a acção turística.
Creio ser oportuno chamar as atenções do Governo para os seguintes aspectos:
1.º Existência, e actuação dos órgãos de política turística, nomeadamente no que respeita às tarefas de administração, fomento, propaganda e execução.
2.º Análise dos meios de política turística utilizados, resultados obtidos e sentido de novas e mais eficazes soluções.
3.º Necessidade de um intercâmbio turístico entre a metrópole e o ultramar e valorização do turismo regional.
4.º Urgência na preparação e execução não só de um plano nacional de fomento turístico, como ainda, fie planos regionais ou locais, tudo integrado no planeamento geral.
5.º Valorização das infra-estruturas ao serviço do turismo, nomeadamente os transportes ferroviários e rodoviários e as navegações marítimas e aéreas.
6.º Incremento racional da política de alojamento o habitação e análise detalhada das realidades e perspectivas em matéria de política hoteleira,- outros tipos de alojamentos, restaurantes, valorização da cozinha portuguesa e vulgarização dos nossos vinhos e frutas.
7.º Aproveitamento turístico dos valores culturais, nomeadamente no que respeita aos lugares históricos, aos monumentos, aos museus e exposições, aos arquivos e bibliotecas, aos cursos de Verão, aos campos internacionais de trabalho e aos congressos e reuniões internacionais.
.º Realização de uma política de embelezamento nacional, ainda com fins turísticos, principalmente quanto à defesa da paisagem e dos sítios naturais, à salvaguarda do património urbanístico, à estima do sol e do mar, à educação das populações e ao combate a mendicidade e formas de parasitismo social.
9.º Criação de pólos turísticos para o convívio e a diversão através dos chamados centros mundanos, do turismo social, dos festivais desportivos, culturais e artísticos e do apoio ao turismo de negócios.
10.º Estímulo e protecção das actividades folclóricas e artesanais com intuitos turísticos, tendo ainda em conta a comercialização dos produtos do artesanato e sua expansão no estrangeiro.
11.º Realização de um plano de reconhecimento e valorização das estâncias balneares portuguesas, considerando o aproveitamento integrado das praias, termas e estações de montanha.
12.º Política de apoio, estímulo, saneamento e valorização das actividades particulares, salientando que o sucesso no fomento do turismo é obra de todos, a todos cumprindo, até por imperativo patriótico, devotarem-se entusiasticamente a esta grande tarefa.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Apenas um breve apontamento sobre turismo.
Claro que, no curto lapso de tempo que desejo ocupar, não posso abarcar todo o País, de norte a sul, desde o encantador e pitoresco Minho, que não tem par e é já grande atracção turística e o há-de ser maior, até ao radioso e palreiro Algarve, que tem de ser uma grande estação de Inverno.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem e muito obrigado!
O Orador: - De resto, não falta nesta Assembleia quem dedicadamente os represente e melhor sinta e revele os seus legítimos anseios.
O Sr. Rocha Cardoso: - Não apoiado!
O Orador: - Por isto me limito a proferir algumas palavras alusivas ao centro, ou, melhor, quase ao centro do País, nomeadamente a uma região que anda esquecida.
A formosa região da Bairrada situa-se numa zona interior, e é constituída especialmente pelos concelhos de Anadia, de Oliveira do Bairro, da Mealhada e parte dos de Cantanhede e de Águeda, de Águeda «a linda»,
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como é justa tradição chamar-lhe. Aquela designação, provinda de remotos tempos, deriva, por semelhança com «barro», da constituição argilosa de uma grande parte dos respectivos solos, sendo curioso notar, a propósito, que precisamente desta estrutura geológica derivou, pelo aditamento da expressão «do Bairro», o nome de muitas das suas povoações, como, além da aludida Oliveira do Bairro, as de Vilarinho do Bairro, Óis do Bairro, Paredes do Bairro, S. Lourenço do Bairro, Ventosa do Bairro, etc., e mesmo Barro.
Porém, toda a região é fértil e, na sua policultura, além de frondosos pinhais, que ficam principalmente a leste, sobressaem os extensos campos de milho e os vinhedos, constituindo estes a principal cultura de grande parte da Bairrada; cultura que. ultrapassada a crise originada no arranque imposto pelo marquês de Pombal, continuou sempre a desenvolver-se, apegar de o seu granjeio ser quase permanente e muito dispendioso e de resultados econòmicamente incertos, por motivo das contingências do clima, da variante dos mercados e das oscilações da mão-de-obra. Isto não obstante a estrutura dos solos imprimir aos seus afamados vinhos características especiais e apreciáveis, que os recomendam nas lotagens e na larga exportação para o mercado ultramarino e outros, bem como no consumo interno.
Ora, listas culturas predominantes, passada que seja a estação invernosa, enriquecem o panorama paisagístico da Bairrada, imprimem-lhe feição própria em beleza e cor, num clima suave, na fartura da água e, mesmo em pleno Verão, nas emanações da abundante e privilegiada vegetação das searas e dos pâmpanos das suas vinhas, onde as cepas só torcem e retorcem, como que a quererem compensar o homem do seu esforço de cada dia.
E não são apenas estes inegáveis predicados: é também a privilegiada, situação, quase a meio do País, que faz da Bairrada um centro de permanência ou de irradiação turística no sentido de todos os quadrantes. É que, se há muito a ver e apreciar dentro dos contornos daquela extensa região, existem para além deles, e apenas a algumas dezenas de quilómetros, numerosos pontos de excursão, que, em clima, originalidade, beleza, tradições e outros aspectos, se tornam centros de grande atracção turística.
Para O norte, Aveiro, cuja extensa ria, espalhada em longos braços, com as suas pirâmides de sal a perder de vista, a tornou a nossa, cidade mais típica e mais alegre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Perto fica a pitoresca Pateira de Fermentelos, que aguarda ainda a sua pousada. Ao sul, Coimbra, centro de tradição, de arte e de cultura, emergindo da moldura dos choupos e salgueirais, que mergulham as suas raízes nas águas límpidas do rio lendário; e a Figueira da Foz, a mais formosa e extensa das nossas extensas praias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para o poente, pequenas praias características, destacando-se as da Costa Nova e de Mira, esta tão preferida para o campismo, atraído pela sua extensa lagoa, e pelos pormenores do primoroso arranjo turístico da mata florestal. A leste, o Caramulo e, mais além, Viseu, cujo museu, onde refulge a paleta de Grão Vasco, constitui, já por si. suficiente sugestão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E que dizer do Buçaco, a majestosa catedral de verdura?!
Aos Carmelitas Descalços se deve esta obra-prima da Natureza e, no género, sem par em todo o Mundo.
Eles a implantaram dentro da cerca de sua clausura, empregando espécies raríssimas, donde se destacam os famosos cedros mais do que trisseculares. E tanto carinho lhe consagravam que conseguiram, por bulas pontifícias de 1622 e 1643. fazer punir como sacrílego o corte de árvores e arbustos nesse retiro sagrado ... e a entrada de mulheres, por imposição da clausura.
Mas, a que propósito vem o que acabo de dizer com aparente feição bairrista, ou «bairradina», se quiserem, por a minha linda terra ser a capital e o mirante de tão vasta, importante e formosa região?
Bastar-me-ia, pelo que respeita ao turismo, referir a circunstância irrecusável de tratar-se de um problema não restrito apenas a uma parte do País e interessando à sua economia própria, mas sim relacionado com o nosso turismo em geral, com manifesta projecção sobre toda a economia da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este breve apontamento foi-me sugerido pelo «Abril em Portugal», formosíssima canção que percorreu o Mundo e, em hora de boa inspiração, o Secretariado Nacional da Informação arvorou em sugestivo cartaz de propaganda e de atracção turística, e aliou ao «Dia do Turismo».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Iniciativa importante e arrojada pela originalidade de alguns dos empreendimentos, levados ao fim sem desânimo nem receio dos insucessos, das decepções e contrariedades que pudessem resultar das «águas mil» deste Abril, que mais uma vez não perdeu a reputação de incerto e traiçoeiro, implacável demolidor das esperanças que nos animam quando a Natureza começa a abrir os seus braços fecundos para os que cultivam a terra e colhem os seus frutos.
A iniciativa resistiu, porém, a todas as intempéries, mesmo em dias quase diluvianos ou intercalados de fugazes réstias de sol, embora em alguns ele tivesse brilhado com todo o esplendor, como agora sucede, até ver ...
Calculam-se bem os transtornos e as contrariedades suportadas pelos promotores; mas eles souberam vencê-las com dedicação e competência e, assim, a sua iniciativa resultou brilhante e eficaz e tornou credores de louvor e estímulo o Dr. César Moreira Baptista e o engenheiro Álvaro Roquete e os seus colaboradores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E é de repetir e alargar a interessante iniciativa até onde, agora, não pôde chegar, ou seja aos centros turísticos do Norte, talvez abandonando o decantado Abril e fazendo-o um pouco mais tarde, para assim aproveitar a maior floração e a mais segura constância de tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por muitos títulos, a Bairrada é uma das regiões preferíveis, pois sulcam-na boas estradas, existem bons hotéis nas estâncias da Cúria e do Luso, sem falar no de luxo do Buçaco, instalado em edifício majes-
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toso, de espectacular estilo manuelino, com pormenores de arte apreciáveis, mas contrastando, no seu conjunto, com o misticismo do lugar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também nas referidas cidades de rápido acesso como Aveiro, Coimbra e Figueira da Foz, não faltam hotéis de boa categoria.
E como nos programas figurou a prova, aqui e além, do iguarias e de vinhos regionais, poucas terras como Anadia poderão obsequiar os visitantes que o Secretariado ali conduza, com a amostra das suas especialidades culinárias e o paladar dos seus vinhos comuns da melhor cepa, sem preparo nem mistura, e dos capitosos espumantes naturais, saboreados nas suas famosas caves.
Sr. Presidente: a Bairrada é um privilegiado centro de turismo, por si própria e como fulcro de irradiação
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: na sequência de intervenções feitas nesta Assembleia política, sobre a ofensiva comunista lançada contra o que se convencionou chamar o mundo ocidental, há que fazer, decorridos já alguns meses sobre a última análise feita nesta Câmara, em relação a matéria tão complexa, algo de novo, indicando novos rumos já denunciados e que julgo ser da máxima conveniência apontar ao País, esclarecendo assim a Nação sobre as actuais directrizes da guerra fria em que os dois grandes colossos nucleares andam envolvidos com o objectivo de conseguir a hegemonia do Mundo sob o seu exclusivo domínio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Digamos, porém, desde já. que. nenhum dos factos passados no decurso deste período vem exigir rectificações profundas em relação ao que então foi dito. Apenas prenúncios do desenvolvimento de novos rumos, contudo, na sequência de já conhecidas rotas.
Na situação de equilíbrio de forças militares que o tratado de Tordesilhas do século XX - assim o designei, julgo que com propriedade, na minha última intervenção parlamentar vai, a custo, mantendo entre os dois grandes poderes nucleares, surgem, todavia, com frequência, imprevisíveis fluxos e refluxos seguidos de acções destinadas a colmatar brechas, digo melhor, soluções de continuidade que, a cada momento, se definem em consequência do jogo complexo das forças internacionais.
Assim foi o caso de Cuba, com a retirada simbólica de foguetões e entrada maciça de técnicos militares, como o é, no presente, a disputa entre príncipes comunistas e neutralistas na parasidíaca planície dos Jarros. Kruschtchev e Kennedy temem, porém, premir o botão das armas nucleares, e. assim, felizmente, para a humanidade, limitamo-nos a assistir a movimentos mais ou menos simbólicos de poderosas esquadras e à vozearia já conhecida da imprensa internacional.
Mas fora deste jogo dos mais fortes parceiros, dois novos pólos de irradiação política se denunciam já com nítida diferenciação. E o seu aparecimento, vindo alterar, suponho, a posição de equilíbrio dos dois contendores nucleares, levará, decerto, os actuais mentores da guerra fria a procurar constituir uma nova situação de equilíbrio entre as poderosas forças em presença.
Nos confins do Oriente acordou, de facto, definitivamente, de longo sono letárgico, o colosso demográfico chinês. A Rússia Soviética, embora parceira próxima, quanto à ideologia política, começa, porém, a antever futuros perigos dessa vizinhança incómoda, e assim vai-se precavendo contra o predomínio numérico do amarelo e do malaio, não perdendo as ocasiões para manter a distância o seu vizinho comunista, delapidando, quando e como pode, a sua economia, e o seu nascente potencial bélico, à custa de terceiros, é claro.
O Sr. Rocha Cardoso: - Bem observado!
O Orador: - E não nos devemos também admirar de que, para atingir os mesmos fins. coincidam, em certas regiões do globo, interesses do capitalismo americano e do comunismo russo, antagónicos, é certo, no processo político e social, mas largamente coincidentes quanto a finalidades de domínio. Assim serão perfeitamente compreensíveis as compras de Migtt russos com dólares americanos, feitas pelo famigerado Nehru para se defender dos chineses, e as facilidades concedidas então, por todas as formas, pelos russos para que se exercesse em toda a plenitude a acção orientadora dos estados-maiores ocidentais, deslocados à pressa para o Indostão. Por esta forma se conseguiu, à custa de matéria-prima indiana assaz inferior, constituir força capaz de obrigar o chinês a esquecer justas reivindicações noutras fronteiras. E a Formosa américo-chinesa ficou também, assim, melhor defendida.
Agora outras facetas de idêntica fase do mesmo problema, embora noutras paragens, já no hemisfério ocidental.
Nasser, o facista do mundo árabe, é protegido à sua nascença pelos antifascitas russos e americanos, cujos desejos de diminuir a vitalidade do novo, embora muito antigo centro de irradiação europeu, eram pelo visto coincidentes. Assim foi estabelecida e prolongada, de comum acordo, essa barreira que circunda a Europa pelo sul até ao Leste marroquino. Mas, neste jogo cheio de perigos, os interesses petrolíferos americanos e dos seus satélites anglo-saxónicos foram, porém, cuidadosamente defendidos, no Médio Oriente convulsionado, com o tácito acordo russo.
E o que se verificou, finalmente, e isto é um facto incontroverso, é que a Europa, por via da inconsciência política de alguns dos seus mentores, cedendo a pressões russas e americanas, permitiu que o continente africano, natural prolongamento político e económico do velho mundo europeu, ficasse dele desligado e assim diminuído o potencial de desenvolvimento económico euro-africano. Não é, porém, difícil encontrar o fundamento comunista desta política, que se iniciou na Indochina Francesa e terminou ingloriamente no Norte de África, com o apoio americano e do socialismo e radicalismo europeus.
Os seus mentores, conscientes ou inconscientes, não representaram, na realidade, todavia, os verdadeiros interesses da Europa e da civilização que dela irradia há perto de dois milénios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas adiante, e agora uma pequena pausa na análise do panorama internacional, com uma referência indispensável ao enquadramento do caso português no problema europeu. Gomo se tem verificado, a defesa da legítima posição de Portugal ultramarino não tem sido olhada com simpatia, nem por russos, nem por americanos do
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Norte. Uns e outros temem, pelo visto, uma Europa forte. Quanto aos americanos do Sul. como veremos dentro em pouco, obedecem ]á, em larga escala, à tenaz soviética comandada por Fidel de Castro. Perderam assim, em grande parte, liberdade de movimentos.
A defesa gloriosa mantida eficazmente pelo povo e pelas forças armadas da Nação Lusa é hoje, assim, fora de toda a dúvida, a única verdadeiramente eficiente na defesa da Europa e da sua civilização milenária, atacada por ventos do leste e do oeste e também minada, interiormente, pela traição dos partidos socialistas nórdicos e latinos e ainda por elementos progressistas infiltrados em sectores dos partidos das democracias cristãs. De resto, não foi difícil encontrá-los, todos eles - falo destes vários cambiantes -, combatendo na guerra civil espanhola, digo melhor: na tentativa de invasão comunista do solo da pátria irmã, com o auxílio declarado da Rússia Soviética e o consentimento tácito do Novo Mundo americano.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não nos devamos, assim, admirar, da mesma forma, que ligas mais ou menos jurisprudentes, ou mais ou menos maçónicas, considerem hoje atentado contra os intangíveis direitos da pessoa humana o fuzilamento de um tenebroso assassino e terrorista espanhol, II que se considere como simples acto de «limpeza» necessário o fuzilamento de milhares de jovens cubanos, para já não falar daqueles horríveis morticínios que atingiram tão profundamente a alma lusa ou dos fuzilamentos em massa de patriotas húngaros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como também não devem constituir factos incompreensíveis essas marchas da paz contra os armamentos nucleares, em alguns países europeus, especialmente na Grã-Bretanha, empunhando cartazes com dizeres relativos à defesa atómica do país, revelando segredos de Estado, para intimidar assim a política de defesa da nossa civilização, quando essas marchas nunca poderiam ter lugar nos países onde hoje imperam as democracias populares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não será então assim difícil de compreender a razão por que estamos aparentemente isolados, na berlinda deste palco internacional, sujeitos a contínuas ameaças e ainda a infiltrações internas, tendentes a destruir a unidade nacional - unidade que há-de ser o grande factor da nossa vitória, que traidores, lá fora e cá dentro, pretendem destruir.
É isto tanto nas mais altas assembleias como nas reuniões clandestinas de mais baixo nível; nos liceus como nas escolas médias da indústria e do comércio, oficiais e particulares, pretendendo alguns criminosos docentes e discentes agir dissolvendo e desunindo a juventude de todas as classes da sociedade portuguesa, reunidas nessas escolas, já que os movimentos de rebeldia universitária comandados pelos seus pares do ensino superior, denunciada, a sua origem tinham perdido, em grande parte, a virulência.
Basta ler certos órgãos da imprensa adversa para verificar como foi fundo, no sentido espiritual da sua patriótica acção, esse admirável antídoto - o encontro da verdadeira juventude de Portugal. Desconheceram até que estiveram em Lisboa 50 000 jovens de todos os recantos do País, numa admirável manifestação de fé no sentido divino da nossa imperecível pátria.
E essa juventude e a que tem dado generosa e gloriosamente o seu sangue nas terras portuguesas do ultramar que será, estamos disso certos, a admirável geração do porvir.
São da mesma índole algumas reuniões de intelectuais de aquém e de além-mar, como o seriam, se fossem consentidos, projectados colóquios de alto nível no mundo da economia.
Mantenhamos pois, a todo o custo, a unidade da Nação, escorraçando os traidores onde quer que eles se encontrem, e a vitória será nossa, e será também, então, a da civilização de que fomos e de que somos principal expoente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podemos desenhar já hoje, no mapa que cobre o nosso planeta, quatro grandes espaços de acção política e económica em fase de crescimento activo.
A Rússia Soviética e, seus satélites, com os seus cerca de 300 milhões de habitantes, largamente agrária na sua índole económica.
O bloco chino-malaio, muito mais populoso, aproximando-se do bilião, realizando pela «estalinização» brutal da sua economia o crescimento das actividades industriais básicas para una largo esforço bélico.
A Europa milenária, com população de nível semelhante à do bloco russo, mas dotada, pela técnica, de uma aperfeiçoada estrutura industrial, diminuída, porém, é certo, na orla mediterrânea.
Finalmente, o Novo Mundo norte-americano, embora de população inferior à de todos os outros blocos mundiais, mas industrialmente o mais evoluído e, assim, também, no presente momento, o mais forte. Digo o mais forte nesta luta que se trava no segredo das diplomacias e nas zonas mundiais onde a guerra fria toma aspectos mais claros de luta, embora mascarada por movimentos com novas nomenclaturas - nacionalismos, racismos, anticolonialismos e neocolonialismos, terrorismos, etc.
O principal teatro da luta da guerra fria é hoje de facto a África. Sê-lo-á, porém, em breve, alargado à América do Sul.
O estado-maior russo, actuando na sombra de Fidel de Castro, lançou já os seus tentáculos para a conquista de posições básicas na América Latina, sendo o alvo principal outra parcela do mundo lusíada - o Brasil. As numerosas missões comerciais ali instaladas não se destinam, decerto, a comprar café e a habituar o brasileiro a beber vodka. É preciso minar, sim, a sociedade brasileira, dissolver os seus costumes e a sua economia, destruir a solidez das suas forças armadas, estimular o antiamericanismo latente, e assim preparar a subida ao Poder de um subversivo do Leste brasileiro capaz de repetir, no Brasil, os morticínios de Cuba.
Tomada essa posição básica na conquista da América do Sul - refiro-me ao Brasil -, a Argentina, dividida em peronistas e antiperonistas, será também presa fácil para o moscovita.
Não nos devemos, pois, admirar de que certas vozes falando português se tenham levantado nos últimos anos contra Portugal nessa inconcebível assembleia que dança ao som do jaza e do batuque, mas, não nos enganemos, sempre dirigida pela batuta de hábeis chefes de orquestra russos. Vozes que, atacando os legítimos interesses da
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Nação Lusa. estão preparando, porém, o ataque, ao mesmo tempo, à sua pátria, cujos interesses políticos tão mal têm sido representados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como vemos, a traição não existe só no velho mundo e é da história de todos os tempos e de todos os povos. Apenas temos que nos convencer de que não podemos continuar a dar guarida, pelo menos, dentro das nossas fronteiras, a Migueis de Vasconcelos de vários matizes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A América do Norte já vai, porém, felizmente, notando que a posição tomada nos últimos tempos, demasiado egoísta em relação à civilização de que é notável expoente no Novo Mundo, constitui erro que lhe seria, certamente., fatal. Seria de facto, se assim sucedesse, repetição daquela que o jornalista Paulo Filho criticava, ainda há dias nos seguintes termos:
Quem proporcionou ao comunismo a expansão imperialista de que ele hoje está fortemente possuído? Simplesmente Franklin Delano Roosevelt.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:
Em Teerão, como em Yalta, Roosevelt não se deixou enganar por Estaline nos acordos definitivos para a liquidação do nazi-nipo-fascismo. Justiça se lhe faça. O que o cegou foi o ódio a Hitler, que o humilhara ao fazer, antes da invasão da Polónia, o seu enviado Summer Wells esperar mais de uma hora numa das antessalas da Chancelaria de Berlim. Quando os exércitos nazistas cercaram Estalinegrado, a caminho de Moscovo, a sorte da Rússia estava decidida.
Os soviéticos não resistiriam por mais tempo ao inimigo, melhor armado, melhor instruído e muito mais disciplinado. Teriam estes ido fatalmente a Moscovo, depois de tomarem a cidade sitiada, se não fosse o socorro de Koosevelt em armas e dinheiro.
O que os ingleses e franceses,. no íntimo, desejariam, era que Hitler liquidasse a Rússia. Voltaria de lá como Napoleão voltou, isto é, de muletas. Então, com a bomba atómica no Japão, os norte-americanos invadindo a Itália pelo Sul, ingleses e franceses na Normandia, os dias de Hitler estariam contados. As democracias ocidentais reporiam a Alemanha no seu verdadeiro destino de liberdade e justiça social.
O moloque budista de Pequim não ousaria pôr a cabeça de fora. E, se a pusesse, perdê-la-ia para sempre. Nada disso aconteceu porque o ódio de Roosevelt prevaleceu. Acolitado por Churchill, deu mãos a Estaline. Prestigiou, fortaleceu e alargou o comunismo. São os três homens fatais deste século.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:
A história julgá-los-á como eles foram e mereceram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E assim é que o slogan de «África para os africanos negros», que o desmiolado Sr. Williams preconizava nas suas viagens turísticas pela África, já está largamente ultrapassado, como erro, considerado já assaz perigoso em muitas esferas influentes na política norte-americana.
E logo que se generalize o convencimento de que foi erro o que bibliografia universitária, paga lautamente pelo comunismo internacional, profundamente radicou no Novo Mundo, poder-se-á então encontrar a verdadeira base de cooperação das duas parcelas de uma mesma civilização espalhada por vários continentes.
E não será difícil nesse momento, vindo a verdade à superfície, dizer como o Sumo Pontífice na carta encíclica Pacem in Terris:
A convivência entre os seres humanos só poderá, pois, ser considerada bem constituída, fecunda e conforme à dignidade humana, quando fundada sobre a verdade, como adverte o Apóstolo: Renunciai à mentira e falai a verdade cada um com seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Isso se obterá se cada um reconhecer devidamente tanto os próprios direitos, como os próprios deveres para com os demais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes de Lemos: - Sr. Presidente: no momento que passa, em que, mais do que nunca, urge reflectir sobre a conservação dos valores económicos que asseguram no futuro a nossa própria sobrevivência, é pertinente uma referência à floresta e aos respectivos serviços.
A superfície florestal do continente ocupa uma área de cerca de 3 000 000 ha, o que representa uma taxa de arborização da ordem dos 33 por cento.
Ela ocupa o equivalente ao trabalho de 360 000 operários agrícolas e daí ressalta o seu valor social.
Econòmicamente, o valor anual do rendimento da floresta está computado em cerca de 2 000 000 de contos, com uma contribuição de 30 por cento para o valor do comércio externo.
A eloquência dos números dispensa comentários, sendo ainda de referir que no Plano de Fomento em curso se prevê a arborização de 80 000 ha pertencentes a diversas bacias hidrográficas.
A problemática florestal é complexa e variada, pelo que não pode condensar-se muna só intervenção, condicionada a exigências de tempo.
Desses problemas podem referir-se, numa enumeração mais exemplificativa do que taxativa, os resultantes da carência do pessoal técnico, incluindo a falta de um contencioso, trabalhando em pleno tempo; os provocados pela vida de relação quotidiana entre os guardas florestais e as populações serranas, onde avultam as deficiências dos primeiros e a mentalidade pouco evoluída dos últimos, com reflexo, tantas vezes pernicioso, em atitudes das autarquias locais e dos serviços, umas e outros muito ciosos dos respectivos direitos; a falta de regulamentação da Lei n.º 1971. de 15 de Junho de 1938; o dos incêndios nas matas; o da comparticipação das autarquias nas receitas da exploração; o do ensino para formação de pessoal auxiliar (em linguagem militar: faltam sargentos nos serviços); os magnos problemas da comercialização e industrialização dos produtos florestais.
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Alguns dos problemas enunciados são intrínsecos dos próprios serviços; outros transcendem o seu âmbito; mas todos podem reduzir-se a um denominador comum - falta de meios.
Julgo, todavia, ser de elementar justiça deixar aqui uma palavra de elogio à maneira como os serviços têm evoluído no sentido da perfeição, mostrando-se os seus responsáveis compreensivos e transigentes com as realidades, captando até simpatias das populações, que os receberam inicialmente com agressiva hostilidade. Posso, gostosamente, afirmar que ao nível da respectiva direcção-geral, presentemente, só não se resolvem os problemas que não têm solução.
E julgo ter alguma autoridade para me pronunciar, porque desde longa data mantenho contactos com os serviços. Como advogado e como presidente de uma câmara, durante catorze anos, cujo concelho é hoje uma das mais expressivas realidades florestais deste país, o que me enche de legítimo orgulho.
Dos problemas enunciados, abordarei apenas dois nesta intervenção: o dos incêndios e o da comparticipação das autarquias nas receitas da exploração.
Quanto ao primeiro, importa referir que as perdas totais causadas nos últimos cinco anos pelos incêndios nas florestas sob a administração da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas montam a uma área queimada pouco superior a 10 000 ha, com um prejuízo calculado em 14 000 contos, ou seja, em média anual, uma área queimada de 2000 ha e um prejuízo de 2800 contos.
Entretanto, nos últimos anos, verificou-se um incremento no número e gravidade dos incêndios, com particular incidência nas áreas das Circunscrições Florestais de Vila Real e do Porto, de tal forma que em 1961 se regista uma área queimada de 3931 ha, com um prejuízo de 4089 contos, e no ano findo uma área de 3835 ha e um prejuízo de 5011 contos.
A estatística referente aos últimos cinco anos regista os seguintes valores, quanto às causas desses incêndios: 35 por cento de origem desconhecida; 15 por cento de caminhos de ferro, raios e outras causas; 50 por cento causados pelo homem, directa ou indirectamente.
Em face destas realidades tão alarmantes, há imperiosa necessidade de dotar imediatamente os serviços responsáveis de meios de combate adequados à luta contra incêndios deste tipo e de promover, cumulativamente, uma campanha educativa, à escala nacional, tendente a incutir nas populações não só o interesse, mas também o respeito pela conservação da floresta, que é de todos.
Pela sua parte, a Direcção-Geral dos Serviços Florestais dedica ao problema o mais cuidado interesse.
Do ponto de vista preventivo, está a adoptar técnicas tendentes a reduzir o perigo de incêndios, nomeadamente a introdução de folhosas resistentes ao fogo. Pensa na instalação de postos meteorológicos elementares, que permitam efectuar a previsão de perigo de incêndios. Instalou cerca de 50 postos de vigia, que permitem manter um bom sistema de vigilância e localização.
Estes postos estão equipados com localizadores de incêndios e dispõem de comunicações telefónicas ou radiotelefónicas com as sedes das administrações e circunscrições florestais. Organizou brigadas do ataque a incêndios, para actuarem já na próxima época normal de fogos (princípios de Junho a fins de Outubro).
Essas brigadas, que estarão sempre prontas a entrar em acção, serão constituídas por trabalhadores florestais, que no resto do ano se ocuparão de trabalhos nas matas.
Para cada brigada, o equipamento é constituído por um camião com reservatório de água - de 1500 l a 2000 l para abastecimento de extintores, do pessoal, e te., uma motobomba, ou bomba ligada à tomada de força do veículo, um posto de rádio, 50 batedores metálicos, 20 pás, 20 enxadas, 20 foices, 10 machados, 10 moto-serras de disco, 4 serras de cadeia, 4 walkie talkies, 3 megafones, 4 faróis metálicos de pilhas secas e 6 extintores de dorso. O pessoal da brigada está equipado com 25 capacetes de protecção, 25 cantis e 25 bornais.
Muito se fez para além da improvisação perigosa que vigorou até há pouco tempo, mas é evidente que os meios materiais indicados são ainda muito limitados, pois num incêndio de grande extensão a nada chegam (recorda-se o incêndio de 29 de Setembro de 1961, que percorreu uma área de 1205 ha, originando um prejuízo de 1 200 700$); num incêndio apresentam-se várias frentes distanciadas; verificam-se fogos simultâneos em regiões próximas e há ainda que contar com os incêndios nas matas particulares e das autarquias locais.
Penso, portanto, que é urgente instruir os bombeiros das regiões florestais na detecção destes fogos e equipar as corporações respectivas com o material adequado, sem o que se torna ineficaz, e algumas vezes até perigosa, a intervenção dos bombeiros, sempre assinalada por louvável abnegação e coragem, mas sujeita a um risco escusado.
Sugiro que os serviços de incêndios, depois de devidamente equipados, estudem em colaboração com os serviços florestais as normas mais convenientes de ataque a estes incêndios, não deixando de definir-se o problema da competência da orientação do combate, que também é importante.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Amaral Neto: - Se V. Ex.ª me permite, é só para lembrar este ponto. As corporações de bombeiros em matéria de subsídios para aquisições de material de extinção de incêndios vivem à custa de dotações do Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, que obtém as verbas de receitas que se reportam directamente à propriedade urbana.
Poderão assim levantar-se dúvidas sobre a propriedade deste tipo de auxílios às corporações de bombeiros quando destinados a benefício de áreas não urbanas.
Como esses meios são dispendiosos, e cito por exemplo os carros-tanques, creio que o problema tem grande importância.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª, mas parece-me que o material que se utiliza para a extinção dos incêndios florestais dispensa, até certo ponto, a água, e os nossos bombeiros não têm outros meios para os combater.
O que se torna, portanto, necessário é a aquisição do material que aqui se citou.
Quanto à dotação, parece que não seria mesmo impossível que, através da Secretaria de Estado da Agricultura, ela fosse obtida.
O Sr. Reis Faria: - Devido à deficiência, de técnica no ataque aos incêndios florestais, que os bombeiros voluntários normalmente desconhecem e que os serviços florestais conhecem, é que é vulgar dizer-se que os serviços florestais só acautelam os seus terrenos, não os dos particulares.
O Orador: - Simultâneamente, há que iniciar uma campanha educativa, à escala nacional, logo no começo da próxima estação normal de incêndios, pondo ao ser-
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viço dessa campanha todos os meios de divulgação - imprensa, vadio e televisão -, interessando nela as autoridades administrativas e ainda e sobretudo os párocos e professores das freguesias.
Então, seria o momento oportuno para publicar o tão desejado diploma que atribui às autarquias uma percentagem nas receitas dos serviços florestais, devida pela ocupação dos terrenos do domínio comum e especialmente pela exploração do arvoredo já existente nesses terrenos à data da submissão.
Esse decreto, já estudado e tão ansiosamente esperado, sobre o qual já incidiu um parecer dos respectivos serviços, facilitaria ainda mais o louvável esforço de repovoamento florestal em curso, através de uma mais próxima colaboração das autarquias e das populações, supriria em grande parte a falta de regulamentação da Lei n.º 1971, acabaria com o indesejável sistema de subsídios para tudo e para nada e, sobretudo, abriria novas possibilidades financeiras aos municípios, que são a mais bela expressão da vida comunitária portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: está a causar certa efervescência e emoção nos meios interessados a aplicação prática do novo Código do Imposto Profissional, aprovado há um ano.
Não será, por isso, despiciendo chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para certos aspectos e pormenores do problema, cujo esclarecimento nos interessa a todos, porque a eliminação das arestas e incongruências - naturais, inevitáveis, mas chocantes - terá, além do mais, o mérito de tirar a razão às críticas e especulações mal intencionadas e tendenciosas.
Uma coisa me impressionou neste primeiro contacto da lei com a realidade.
Segundo as informações que me chegam de toda a parte, o fisco não aceitou as declarações que lhe foram feitas pelos interessados das profissões liberais; e tal repúdio não se baseou em dados precisos que demonstrassem a inexactidão das declarações prestadas, mas tão-sòmente no pressuposto gratuito de que os declarantes faltavam à verdade.
Intrinsecamente esta atitude, por transitória, não tem a meus olhos relevo de anotar; mas não foi sem grande desilusão que me apercebi do estado de espírito que tal atitude indicia.
O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Augusto Simões: - Queria dizer a V. Ex.ª que em Coimbra os advogados, reunidos no seu Conselho Distrital, tomaram uma atitude inteiramente concordante com aquela que V. Ex.ª está a afirmar perante nós. Ali se vincou com profunda estranheza, e até com mágoa, o facto de as declarações prestadas não terem assumido qualquer espécie de valor, quando parece que, tratando-se de encontrar o rendimento real, não haveria muito que duvidar de tais declarações, normalmente honestas e cabidas.
É certo que não houve um grande número de reclamações contra os rendimentos atribuídos; o facto não significa concordância, mas provém da dificuldade de fazer valer a justiça de se reclamar à luz do articulado do Código e da cominação do acréscimo dos 5 por cento ...
Tudo isso levou os advogados do distrito de Coimbra, em cuja reunião estive, a afirmarem-se chocados perante o novo sistema legal e perante a dificuldade que representa não se reconhecer a verdade das declarações prestadas para a formação do rendimento real.
Portanto, esse pequeno número de reclamações não significa uma adesão tácita ao sistema, mas sim a falta de possibilidade de reclamar eficientemente.
O Orador: - Muito obrigado pela contribuição de V. Ex.ª
Quando se iniciou a radical reforma tributária a que o ilustre Ministro meteu ombros e em cuja linha de rumo este código se insere, julguei que um dos propósitos governamentais fosse o de terminar de vez com o lamentável estado de desconfiança crònicamente existente entre o fisco, por um lado, e a Nação, por outro, de tal sorte que, mesmo para pessoas dignas e honestas, a fraude fiscal se antolhava como acto irrepreensível, por se basear nos elementares princípios da reciprocidade e da legítima defesa.
Não era, certamente, aos particulares que cumpria tomar a iniciativa de uma mudança de atitude que pusesse termo ao lamentável statu quo ante; e estávamos convencidos de que o fisco não perderia esta oportunidade soberana.
Enganámo-nos.
Parece que ao fisco continua a não interessar a verdade verdadeira; interessa tão-sòmente uma verdade subjectiva e muito sua, erguida não sobre a realidade dos factos, mas sobre as imposições das circulares secretas, que constituem um meio - inconcebível, mas real - de uma repartição do Executivo sobrepor a sua própria vontade à vontade do legislador expressa nos diplomas legais.
O fisco continua a fazer interpretações tendenciosas e ab-rogantes do espírito justo e humano das leis publicadas.
A nosso ver, desprezando-se esta oportunidade de tentar alicerçar as relações entre o fisco e o público na base da confiança, da verdade e da boa fé mútuas, perdeu-se valor muito mais elevado do que os centos de contos com que possivelmente se enriqueceu o erário.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Amaral Neto: - O fisco tem realmente uma colecção de recursos muito completa e está muita gente agora a perguntar-se se não terá enriquecido o seu arsenal com mais um novo ardil, porque VV. Ex.ªs já terão reparado que as leis de reforma da contribuição industrial, da contribuição predial e do imposto complementar, há muitos meses anunciadas e já conhecidas de alguns de nós em projectos que pareciam completos, ainda não saíram a lume.
Uma das interpretações que correm por aí, e, vá lá, fundamentada em certa experiência recente, é que o fisco estará calmamente aguardando que os particulares e as sociedades façam as suas declarações no mês de Abril para, passado esse prazo, sair, com todo o peso e todas as velas enfunadas, com os seus decretos, obtendo, pelo menos, a certeza de que neste ano de 1963 ninguém lhe escapará por prevenção nas declarações.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas parece que os prazos de declaração estão suspensos.
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O Sr. Amaral Neto: - Apenas o do imposto complementar.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pela contribuição valiosa, como sempre, aliás, que quis dar-me em reforço ao princípio que defendo, ou seja a necessidade de só criar um estado de confiança entre o fisco e a Nação.
O Sr. Amaral Neto: - Estamos aqui muitos nesta Casa que temos sérias responsabilidades de havermos contribuído com o nosso voto para que as reformas fiscais se processem independentemente do conhecimento desta Assembleia.
O Orador: - Isso não pode ser assacado a mim.
O Sr. Amaral Neto: - E a mim também não.
O Orador: - E a oportunidade perdida é tanto mais de lamentar quanto é certo que o teor da lei, perfeitamente moderado e justo, era de molde a concitar a confiança da grande massa dos contribuintes honestos.
Sem perder de vista que se trata de imposto a onerar o trabalho, a verdade é que as taxas estabelecidas nos artigos 21.º e 22.º do novo código não são exageradas, e mereceriam universal aplauso se não fora o temor reverencioso do autor de tais disposições em face dos grandes plutocratas.
Efectivamente, não se vê outra explicação para o absurdo limite máximo estatuído naquelas disposições legais.
Enquanto a mediania é colectada progressivamente à medida que se vai erguendo em curtos degraus de 40 000$. tal progressão cessa bruscamente quando, ultrapassados os 300 000$, se toca nos grandes sacerdotes do bezerro de ouro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem abdicarmos deste aspecto especial do problema, que oportunamente trataremos com o relevo que merece, foquemos sob outro ângulo aquela assinalada anomalia dos artigos 21.º e 22.º do código.
O imposto profissional incide, por definição, sobre os rendimentos do trabalho; e o trabalho, material ou intelectual, é limitado, porque limitada é qualquer actividade do homem.
Assim, as grandes diferenças na remuneração profissional não podem debitar-se apenas a diferenças qualitativas ou quantitativas do trabalho humano, olhado em si próprio, mas sim a circunstâncias externas de local, meio ambiente, relações sociais, influências, etc. que rodeiam e condicionam o trabalho.
Nesta ordem de ideias, aqueles rendimentos cujo vulto excede em muito o rendimento normal do trabalho da respectiva categoria, não devem creditar-se apenas aos trabalhos em si próprios, mas também à concorrência de circunstâncias favoráveis, mas estranhas ao próprio trabalho. E então teremos o seguinte: quanto mais os rendimentos divergem do trabalho efectivo do seu beneficiário, tanto mais eles merecem o ilegítimo favor fiscal.
Outra circunstância, esta de natureza transitória, é fortemente responsável pelo mal-estar existente: é a que se refere ao imposto correspondente ao ano transacto.
O imposto profissional referente ao ano de 1962 foi pago adiantadamente no início do respectivo ano fiscal, uma vez que a lei vigente ao tempo assim o determinava.
No sistema do novo código, o imposto profissional passou a ser pago no fim do ano a que respeita.
Surgiu assim a necessidade de se ajustarem os dois sistemas, passando a colecta do ano de 1962 a ser paga de harmonia com o sistema do novo código; e para tanto se exigiu, em Janeiro último, a declaração a que atrás aludimos.
Sucedeu, porém, esta coisa espantosa: o imposto profissional já pago adiantadamente no início do ano de 1962 não foi descontado no imposto profissional que, para o mesmo ano de 1962, foi agora fixado pelo fisco; foi tão-sòmente abatido ao rendimento colectável!
Tentou-se justificar esta anomalia chocante com um jogo de palavras, uma logomaquia, que não engana nem ilude ninguém.
Argumenta-se que o imposto profissional pago em princípios de 1962 e referente a tal ano constitui encargo fixo, que incidiu não sobre o rendimento efectivamente auferido, mas sobre o rendimento presumido anteriormente.
O simples enunciado destas razões revela tão luminosamente a sua inconsistência que torna supérflua a sua fácil refutação.
Em primeiro lugar, não se trata de um encargo fixo, mas de encargo variável, que foi fixado, para cada caso concreto, de harmonia com o rendimento presumido do contribuinte, por ser esse o critério legal para a fixação do imposto, naquela altura; e qualquer ulterior modificação do critério legal não podia tirar ao imposto já pago a sua natureza de imposto.
Diz-se mais que o imposto pago no início de 1962 constitui uma despesa a suportar, qualquer que seja o rendimento; mas é isso precisamente o que sucede com o imposto agora lançado: também ele constitui uma despesa que cada um tem de suportar, qualquer que seja o seu rendimento, visto que tanto o primeiro imposto como o imposto actual se baseiam em rendimentos presumidos - um em presunção antecipada, o outro presumido à posteriori, mas sempre e em qualquer caso presunção.
Fosse, porém, como fosse, a verdade é que desde que o Estado resolveu invalidar o imposto já pago automaticamente surgiu um crédito do contribuinte sobre o mesmo Estado, o qual tinha de ser compensado com equivalente crédito do Estado sobre o contribuinte. Isto é insofismável e legal.
Procurar o fisco fugir a esta compensação é atitude que nos abstemos de qualificar.
São estes, a nosso ver, os dois aspectos do problema que no momento provocam o mal-estar apontado.
Não quer, porém, isto dizer que não surjam no futuro outras anomalias, que urge prever para as remediar com tempo.
Está neste caso a repercussão que este imposto terá no imposto complementar.
Esperamos firmemente que o limite mínimo do imposto complementar seja elevado de harmonia com as realidades da vida actual e em atenção ao novo critério realístico da reforma tributária.
Se acaso a protecção à família não constitui mera fachada a mascarar realidade diferente, queremos crer que o limite mínimo da incidência do imposto complementar não será fixo, mas variará em função dos encargos familiares de cada contribuinte.
E também esperamos que em tal imposto a taxa progressiva não se deterá em proteccionismos ilegítimos e chocantes.
Por outras palavras: esperamos que tanto na interpretação deste código como na futura lei do imposto complementar se terão sòmente em vista os altos e sãos princí-
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pios que defendemos, e não os interesses desmedidos e inconfessáveis que à sombra deles procuram medrar e que urge energicamente esmagar, se não quisermos ser esmagados por eles.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: em todos os países o sector da informação reveste hoje primordial importância. Dos gabinetes aos Secretariados, dos Subsecretariados aos Ministérios, vai toda uma grande gama de gradações que bem traduz o particular carinho votado pelos Estados à elevada missão de esclarecer, quando não de orientar, a opinião pública. Assim o têm reconhecido os estadistas, como bem o viu, com notável presciência, o Sr. Presidente do Conselho, ao criar o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, cuja articulação, com o desenvolvimento do turismo, se tornou de tal forma complexa que na recente remodelação ministerial radicou na instituição em plano mais alto de um novo departamento - o Subsecretariado de Estado da Presidência do Conselho.
Ocioso será, pois, referir aqui, onde outras vozes mais autorizadas do que a nossa têm debatido e explanado este assunto, toda a acuidade do problema da informação e, ligado a ela, como bem viu em tempos o legislador, o da cultura popular.
Torna-se por de mais evidente que não pode haver uma conveniente informação sem cultura, como não poderá existir uma razoável cultura sem uma conveniente e bem estruturada informação.
A opinião pública é uma força soberana, que pesa decisivamente no destino dos povos. Por tal, os Estados procuram preservá-la de nocivas influências exógenas, que em nossos dias são usadas como armas psicológicas de base científica e de tão nefastas consequências como as nucleares, mas com a rara vantagem de, por uma preparação das massas populacionais, não se sujeitarem, por vezes, aos golpes recíprocos.
O poder de sugestão, de persuasão, que às multidões é oferecido pelos diversos meios informativos, é de tal relevo, abarca tão ilimitado âmbito, que pode demolir uma frente interna, desagregá-la, exaurindo-lhe as energias a ponto de a levar à mais baixa degradação, à mais ignóbil das capitulações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: as batalhas do futuro hão-de travar-se mais no domínio dos espíritos do que no campo das operações militares. Daqui toda a flagrante importância do caso vertente, que, na linha de rumo traçada já pela criação dos organismos atrás referidos, bem. revela as preocupações do Governo.
A rádio, o jornal e a televisão são os órgãos informadores e de cultura sobre que se estrutura uma mentalidade.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!
O Orador: - Dados os benefícios e perigos que poderão resultar de um bom ou deficiente planeamento das três actividades, há que sujeitá-las a uma eficiente coordenação.
Existe de certo modo já uma determinada coordenação entre as actividades referidas, mas pretende-se uma eficiência maior, que sabemos em estudo na Presidência do Conselho e através do seu Subsecretariado.
A projecção, o esclarecimento, o nome dos que em afincado estudo sobre o problema se debruçam dão a mais sólida garantia de êxito à legislação que vai sair.
Urgente se torna ganhar a batalha do espírito na demanda que cindiu o Mundo em duas concepções de vida diametralmente opostas.
Na África, hoje sementeira de intrigas e calúnias, está-se a processar uma preparação psicológica das multidões através da imprensa, da rádio e da televisão.
Com particular empenho e clarividência, os países do chamado «bloco oriental» voltaram-se para o quadrante africano e, em antítese aos dólares, vão oferecendo aos novos países material de impressão, agências de informação e de imprensa, ao mesmo tempo que vão criando escolas de jornalismo, concedendo bolsas de estudo a jornalistas e instalando emissoras de radiodifusão. Isso diz da magnitude da tarefa que ficará reservada aos que orientem a sua acção no mesmo sentido, como bem exprime o realismo com que do lado de lá da «cortina» se olha para o problema da informação.
Sem nos escusarmos a voltar novamente ao problema, poremos hoje de lado a rádio e a televisão, não antes de deixarmos aqui bem vincado o nosso apreço pelo muito que se tem feito no domínio destes sectores, e sob este aspecto não queremos olvidar o esforçado labor do Secretariado Nacional da Informação.
Hoje, predominantemente, voltar-nos-emos para a imprensa, não só porque numa labuta de largos anos a vimos servindo, mas ainda mais pela relevante oportunidade que erguem algumas das suas múltiplas implicações no continente e no ultramar.
O Sr. Sonsa Meneses: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Sonsa Meneses: - V. Ex.ª tem vindo a fazer considerações de carácter genérico sobre a organização da informação, passando agora, segundo me parece, pára uma análise específica. Passou por um aspecto genérico da organização da informação no âmbito nacional sobre o qual me permito fazer um apontamento. Eu classifico a informação pública sob dois prismas: a informação de natureza política e a informação de natureza nacional ou de âmbito nacional. A informação de natureza política há-de consentir nesta organização política portuguesa, como em qualquer outra, determinadas variantes, determinada flexibilidade, de acordo com as necessidades políticas. Julgo que é assim em todos os Estados, sob qualquer regime político. A outra informação, que classifico de âmbito nacional, à falta de melhor expressão, querendo significar que se trata de uma informação que fundamenta o seu serviço ao interesse da Nação, e os que trabalham nesta informação devem, em meu entender, individualizar-se da informação de âmbito político. Se isto for conseguido na organização que V. Ex.ª refere estar em estudo, afigura-se-me que toda a informação de âmbito nacional que dela resultar terá, naturalmente, maior credulidade.
Não sei se fui bem claro na minha ideia: há, na organização de uma informação nacional, a informação de natureza política, indispensável a toda e qualquer política que sirva um Estado, e a informação de natureza especificamente nacional, tanto quanto possível independente daquela.
Por exemplo: a informação que respeite à actividade das forças armadas na luta contra a subversão não pode,
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por contraproducente, ser envolvida por informação de natureza política.
É uma idea que tenho há muito tempo e ela resulta mais de casos ditados pela experiência do que de qualquer ideia especulativa.
Mas, mais do que qualquer organização que venha a estabelecer-se, que V. Ex.ª referiu e que desconheço, a inteligência e a competência dos homens que a sirvam será o principal factor na diferenciação dos dois aspectos que citei.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pela sua excelente achega, que valorizou o nosso trabalho, mas, parece-me que equacionei por via indirecta esses dois tipos de informação: a política e a nacional. A primeira parece ter ficado genericamente implícita na exemplificação da actuação das potências internacionais na informação africana. Quanto ao desenvolvimento do planeamento, chamemos-lhe assim, da informação nacional, V. Ex.ª verá que, na sequência do meu trabalho, procurei fazer o apontamento que V. Ex.ª em boa hora aqui referiu.
A lei ou estatuto que a enquadre há-de forçosamente encontrar na fórmula «máxima liberdade, máxima responsabilidade» a síntese feliz que reúne as aspirações e anseios dos seus servidores. Mas há também que ter em conta a devida correlação dos termos «liberdade» e «responsabilidade».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O binómio haverá de implicar sempre direitos e obrigações.
Não pode gozar do seu estatuto quem, esquecendo a responsabilidade, converte a liberdade em licença, em afronta à lei, à moral, à Pátria, à dignidade humana, aos valores próprios da nossa civilização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Instrumento precioso de vida social, escusado será destacar a sua eminente «função de interesse público», como bem o reconhece a Constituição.
Assim, a imprensa, em todas as horas um serviço da maior utilidade pública, deve ser também a todo o momento não apenas nacionalista, numa atitude estática, mas sim e ainda nacionalizante, numa atitude dinâmica. E sob este aspecto terá de haver uma coordenação perfeita entre a metropolitana e a ultramarina, ambas na sua quase totalidade com uma excelente folha de serviços em prol do País, cujos interesses vêm defendendo com raro denodo e acentuada eficácia.
Entretanto, parece-nos que o que não for de conveniente publicação nos órgãos da metrópole, por lógica consequência, não deverá sê-lo nos do ultramar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E talvez que nem sempre assim tenha acontecido.
Há, por vezes, um lamentável desarrumo de ideias acerca de problemas graves, primordiais, como os ultramarinos, que, de qualquer forma, nesta hora decisiva da Nação, não podem estar à mercê de jornalismo barato ou da improvisação de jornalistas incipientes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há noções, conceitos, que, pela transcendência que ré vestem, excluem in limine trasteios de debutantes.
Por outro lado, temas existem que, pelo seu significado, não podem oferecer-se à discussão - entre eles o da unidade pluricontinental da Nação, preenchida pelo mais autêntico humanismo cristão: o da comunidade multirracial lusíada.
Não pode, pois, falar da Pátria quem a não entenda e a sinta!
É preciso saber rezá-la, tomar nos dedos como se fossem contas de um infindável rosário todos os assombrosos actos da nossa gesta.
Assim, a função de jornalista requer, de cada um em particular e de todos em geral, uma soma de predicados que não torna a selecção dos seus valores empresa demasiado fácil.
O jornalista tem de ser recto no juízo, puro na intenção, objectivo na informação.
Necessita de ser esclarecido e esclarecedor; haverá que ser sensível aos grandes ideais: o belo, a verdade, a justiça, conceitos a que há-de render-se a sua inteligência como o seu coração.
A um tempo inflector e reflector dos grandes como dos pequenos acontecimentos; síntese e análise de grandes e pequenas coisas, o jornalista quando as comunica apõe-lhes o selo da sua personalidade.
Na reportagem como no fundo, na crítica como na crónica, ele não formula apenas juízos enunciativos, elabora sim juízos de valor.
E como magistrado de uma magistratura que se deseja sem mácula, tem de possuir uma bagagem intelectual, uma formação moral e um suporte de erudição que lhe permitam, na época diferenciada que é a nossa, com a ajuda de uma sensibilidade apurada, seguir a via recta que a sociedade exige e a ética profissional reclama.
Aqui tem lugar o particular interesse e alcance do problema da preparação profissional do jornalista.
Desta tribuna renovamos ao Governo o pedido que já em tempos aqui se fez: o da criação urgente de uma escola ou instituto de jornalismo, de grau médio ou superior. Escola ou instituto onde, a par de cadeiras de ordem técnica, dirigidas por profissionais da imprensa, haveria aquelas outras de índole formativa ou cultural, como sejam a Literatura Portuguesa e Universal, a História Pátria e a da Civilização, a Sociologia e a Deontologia Profissional, a Organização Política e Administrativa da Nação, e as Ciências Políticas e Sociais.
Parece-nos ser esta uma linha de rumo certa, pelas razões atrás apontadas e já que não devemos esquecer, como bem o salientou ilustre jornalista, em notável conferência, que «a história do jornalismo pode, de certo modo, identificar-se com a história da cultura».
Assim, prevemos e desejamos que a função de jornalista, prestigiada pela excelsitude do seu préstimo, seja social, intelectual e materialmente valorizada.
Na sua quase totalidade, esta nobre e valorosa profissão tem servido com dignidade, honradez e independência os mais legítimos interesses nacionais.
Disso é sobejo exemplo a distinta representação nesta Assembleia dos vários órgãos informativos do País.
Para todos eles, para os que devotadamente os servem, a nossa melhor compreensão pela delicadeza das suas funções e a homenagem do nosso respeito e apreço pela maneira galharda como têm sabido defender o interesse geral, identificado com o soberano interesse do País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, o mais breve e sucintamente possível, expor a V. Ex.ª e à Câmara um assunto que reputo da máxima importância para o círculo que represento e, de certo modo, para a Nação.
Trata-se da fronteira do Lindoso. Como se sabe, esta fronteira encontra-se encerrada ao tráfego de peões e veículos; todavia, a importância da sua abertura é sobremaneira relevante. De facto, ela encontra-se apenas a cerca de 70 km da cidade galega de Orense e, assim, é mais fácil ao caudal de turistas que se dirige ao nosso país pelo Minho demandar a fronteira do Lindoso do que a de Valença, distante obra de 140 km da citada cidade ...
Por outro lado, afigura-se-me, e muito especialmente às gentes que vivem nas zonas de Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Ponte de Lima, do distrito de Viana do Castelo, que o desvio de boa parte da corrente turística para o Lindoso virá beneficiar - e muito - aquele vasto território minhoto.
Impõe-se que essa medida seja tomada, em virtude da necessidade de valorizar a região, que é actualmente atingida por uma forte emigração, que, tanto a ostensiva como a clandestina, é perigosa, sobretudo porque se dirige para países estrangeiros.
Devo referir que a estrada que dá acesso a esta fronteira, a qual, ao longo do Lima, acompanha uma paisagem paradisíaca, se encontra em óptimas condições, com excepção de um pequeno troço de 15 km, que precisa de reparação.
Finalmente, julgo que a solução da questão em apreço tem importância e interesse para toda a região nortenha, motivo por que termino as minhas palavras fazendo votos para que o Governo encare o problema da abertura da referida fronteira, na certeza de que tomará uma medida de grande significado e alcance económico, social e político.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Meneses Soares: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Ex.ª para, com o desassombro e o à-vontade que felizmente é norma desta Câmara, pedir, e acreditando na aceitação e compreensão que possa merecer, que seja por V. Ex.ª chamada a atenção do Governo da Nação para um problema que reputo da mais alta importância para o sector do comércio que se dedica à expansão do uso do veículo automóvel como factor do desenvolvimento económico e, bem assim, do fornecimento de combustíveis para os referidos veículos, neles compreendido o uso dos tractores agrícolas e seus pertences, que tanto representam como factor importante na expansão da economia da região que nesta Câmara tenho a honra de representar.
E mais ainda, por naturais e compreensíveis razões, costumo estar sempre o mais atento possível às repercussões políticas dos factos que, não sendo propriamente erros, são, contudo, anomalias graves e algo perturbadoras da tranquilidade dos espíritos, que pretendemos não seja alterada.
Passo a expor, Sr. Presidente, os motivos da minha intervenção de hoje.
A nova sujeição ao pagamento da licença de estabelecimento comercial ou industrial (vulgo imposto municipal) relativa ao comércio de gasolina e outros combustíveis e de veículos automóveis veio, mais uma vez e lamentavelmente, confirmar a falta de audiência que é devida aos organismos corporativos interessados, nomeadamente à corporação respectiva.
E, na verdade, tal atitude não prestigia nem favorece os órgãos da Administração, ao mesmo tempo que nega às corporações os poderes necessários à realização dos seus fins, sobretudo no que respeita às mais amplas funções consultivas, não se compreendendo, portanto, que o Estado prescinda de auscultar o parecer de cada um desses sectores antes de promulgar medidas que respeitam às actividades que as mesmas representam.
E muito menos compreendemos esta atitude de menosprezo pelo conhecimento prévio das actividades interessadas, antes de se tomarem decisões que lhes digam directamente respeito, uma vez que os princípios que defendemos e servimos são os garantidos fundamentalmente pela Constituição Política, que nos diz ser «o Estado Português uma república unitária e corporativa».
O Decreto-Lei n.º 44 954, publicado em 2 de Abril findo, esclarece e torna obrigatório o pagamento às câmaras municipais da licença de comércio e indústria sobre o comércio de combustíveis e veículos automóveis, imposto este de que estavam isentos, embora existissem interpretações várias acerca do âmbito da proibição constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37 191, de 24 de Novembro de 1948, e do artigo 201.º do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 37 272, de 31 de Dezembro de 1948.
Foi o Grémio do Comércio do Distrito de Beja, organismo que representa os legítimos interesses de 4000 comerciantes dos mais diferentes ramos da actividade comercial retalhista, que chamou a nossa atenção para o novo imposto a que agora ficam sujeitos os seus agremiados que exercem o comércio de combustíveis e veículos automóveis, esclarecendo que - muito embora a actividade comercial seja uma das mais incompreendidas e que tanto se pretende desprestigiar - sempre tem aceitado, devotada e sacrificadamente, em termos de sã e construtiva disciplina, os múltiplos impostos que a sobrecarregam, desde que se destinem aos superiores interesses da Nação.
Todavia, o novo imposto foi flagrante na inoportunidade, porquanto as próprias câmaras municipais, nomeadamente a de Beja, que em Março fizeram distribuir os respectivos avisos de pagamento das licenças de comércio e indústria, que devem ser liquidadas durante o mês de Abril, sòmente há poucos dias o fizeram e, embora baseadas no novo decreto de 2 de Abril findo, não deixaram de lhes apor a data do mês de Março, isto é, antes propriamente da publicação do decreto em referência.
Acresce ainda a circunstância, factor principal da reclamação apresentada, de a contribuição industrial lançada no ano de 1963 se referir à venda de veículos automóveis no ano de 1961 e, portanto, ser efectivamente indevido o pagamento do novo imposto municipal no ano corrente, dado que o mesmo é fixado com base na respectiva contribuição industrial.
Atentas as razões expostas, pretende-se a imediata suspensão do referido decreto e que, entretanto, se possibilite a audiência do comércio interessado através da sua corporação, na certeza de que o comércio lojista jamais esqueceu, por um só momento, a necessária subordinação dos seus interesses às exigências superiores da Nação.
Finalmente, aproveito o ensejo para, como intérprete do Grémio a que já me referi, solicitar a aprovação do tão almejado Estatuto do Comerciante, conjunto de normas reguladoras de disciplina, defesa e aperfeiçoamento das actividades comerciais, pois que nunca poderá ser considerada rica e próspera uma nação se o seu comércio, uma das suas não menos importantes fontes de riqueza, for deficitário e indisciplinado, dado que é
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por de mais sabido que só através de uma perfeita estruturação e com respeito absoluto pela mesma se podem servir bem os interesses da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuação da discussão na especialidade da proposta de lei relativa a alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Está em discussão a base XXXVI, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XXXVI
I - ........................
II - Os serviços provinciais devem corresponder em cada província ao seu estado de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares do seu território. A sua natureza e extensão serão reguladas pelo estatuto das províncias, guardadas sempre as normas gerais de organização do respectivo ramo de serviço vigentes no ultramar. Nos casos previstos na lei, para efeitos de recrutamento do pessoal, coordenação de métodos, utilização de laboratórios ou outras formas de assistência técnica, podem funcionar como prolongamento dos correspondentes serviços metropolitanos.
III - Haverá os serviços nacionais que sejam necessários para a boa gestão dos interesses comuns a todo o território do Estado Português. A natureza e extensão destes serviços serão reguladas por diplomas especiais, donde constarão as regras que assegurem o seu normal funcionamento e a efectiva colaboração dos departamentos interessados.
IV - ........................
Proposta de alteração
Propomos que os n.ºs I, II e III da base XXXVI tenham a seguinte redacção:
I - Os serviços públicos da administração provincial podem estar integrados na organização geral da administração de todo o território português ou constituir organizações próprias de cada província, directamente subordinadas ao governador e, por intermédio deste, ao Ministro do Ultramar.
II - Haverá os serviços nacionais que sejam necessários para a boa gestão dos interesses comuns a todo o território do Estado Português. A natureza e extensão destes serviços serão reguladas por diplomas especiais, donde constarão as regras que assegurem o seu normal funcionamento e a efectiva colaboração dos departamentos interessados.
III - Os serviços provinciais devem corresponder em cada província ao seu estado de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares do seu território. A sua natureza e extensão serão reguladas pelo estatuto das províncias, guardadas sempre as normas gerais de organização do respectivo ramo de serviço vigentes no ultramar. Nos casos previstos na lei, para efeitos de recrutamento do pessoal, coordenação de métodos, utilização de laboratórios ou outras formas de assistência técnica, podem funcionar como prolongamento dos correspondentes serviços metropolitanos.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - Manuel Amorim de Sousa Meneses - Alberto Pacheco Jorge - James Pinto Buli - Alberto da Rocha Cardoso de Matos - José Pinheiro da Silva.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão a base e a proposta de alteração.
O Sr. Soares da Fonseca: - A proposta de alteração que acaba de ser lida, alteração à própria proposta do Governo, traduz-se no seguinte: adoptou-se para o n.º I desta base, em vez do n.º I vigente, o n.º I sugerido pela Câmara Corporativa e, a meu ver, bem, porque o texto vigente diz que os serviços públicos de administração provincial podem estar integrados na organização geral da administração de todo o território português, mas, por via de regra, constituem serviços privativos de cada província. Daí, o ter-se adoptado a solução sugerida pela Câmara Corporativa e que consta do n.º I da proposta de alteração, que se limita a dizer que os serviços serão nacionais ou provinciais.
Quando são nacionais ou provinciais vem dito nos números seguintes da proposta do Governo. Como, porém, os serviços nacionais aparecem, no n.º i, indicados em primeiro lugar, como aliás era natural, o perfeito ordenamento lógico da matéria levou a inverter a ordem dos números seguintes desta base na proposta do Governo, mas mantendo integralmente o respectivo texto - e, assim, o n.º III ficará n.º II e este ficará n.º III.
Outro apontamento, Sr. Presidente: não se individualiza nenhum serviço como devendo ser nacional. Pareceu conveniente que; numa lei que deve conter sobretudo princípios gerais, não deveria descer-se a pormenorizações regulamentares. Isso fica, necessariamente, para quem tem de executar a lei, a quem competirá decidir quais os serviços que podem ou devem, em qualquer momento, passar a serviços nacionais.
Há-de, no entanto, acrescentar-se que foi sentimento unânime da comissão eventual que o número de serviços nacionais possa ser cada vez maior, na certeza de que quantos mais forem os serviços nacionais em extensão, mais crescerá a própria Nação em profundidade e em altura.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Joaquim de Jesus Santos: - Sr. Presidente: depois do que o Sr. Deputado Soares da Fonseca acaba de dizer, nenhum outro esclarecimento seria necessário. Mas entendi que talvez não fosse inoportuno fazer aqui um pequeno apontamento quanto à não individualização nesta lei dos serviços referidos. E que de duas uma: ou esta individualização teria de fazer-se a título meramente exemplificativo e, então, não teria qualquer conteúdo útil, ou tal individualização seria taxativa, o que
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roubava a possibilidade de criar novos serviços nacionais à medida que se fosse mostrando aconselhável a sua criação.
Ora, acontece quê, daquilo que foi possível entender na comissão eventual, e que, aliás, traduz o meu próprio pensamento, resulta que a unidade nacional exige que se caminhe para uma cada vez mais ampla uniformização dos serviços. A tendência parece ser, assim, no sentido de que os serviços, sempre que possível, sejam nacionais.
Como mera sugestão, falou-se em alguns serviços que deviam ser desde já transformados em serviços nacionais.
Um deles seria o serviço de justiça. Na realidade, eu sinto tanto ou mais do que qualquer outro essa necessidade. É que, com efeito, o provimento da magistratura ultramarina foi sempre difícil e hoje é quase impossível. Assim é que é frequentíssimo existirem comarcas que estão anos e anos sem juiz ou representante do Ministério Público.
E isto não satisfaz ninguém e muito menos prestigia a própria função. Peço por isso a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que seja intérprete junto do Governo do profundo desejo que têm todos os Deputados, nomeadamente os do ultramar, de ver transformado o mais depressa possível o serviço de justiça em serviço nacional.
O Sr. Burtty da Silva: - Sr. Presidente: ocupa-se a base em discussão da natureza e extensão a que devem obedecer os serviços públicos da administração provincial, estabelecendo o critério da sua qualificação em serviços provinciais e serviços nacionais.
A doutrina tem por objectivo o interesse da coisa pública, com vista à sua boa gestão, entendendo-se que, uma vez que o estado de desenvolvimento de cada província e as suas circunstâncias peculiares o permitam, os serviços públicos devem ser provinciais.
É um critério atento às realidades e, por isso, merece justo apoio.
Em muitos casos a criação dos serviços nacionais (que, aliás, já funcionam com notáveis e práticos resultados em relação aos serviços militares, meteorológicos e de aeronáutica), uma vez coordenados no sentido da mais eficiente descentralização administrativa e sujeitos à disciplina do primeiro magistrado de cada província, quando as necessidades funcionais o justifiquem, só trará vantagens evidentes e só assim se poderão alcançar resultados positivos no desenvolvimento das terras de além-mar.
Alguns serviços convirá elevar ao âmbito, nacional, mas em meu entender, dois serviços há que requerem especial atenção neste sentido.
São eles os da instrução pública e os da justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, a educação nacional, para que se entenda como tal, não pode deixar de se situar integralmente no âmbito nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dir-se-á que MS peculiaridades do meio ultramarino (quanto a mim apenas de considerar no ensino primário) exigem uma orientação didáctica específica.
Também assim o entendo. Mas certo estou de que os programas desse ensino não deixarão de ser adequados pelo facto de este se integrar em serviço nacional, nem tão-pouco os professores de cá como os de lá deixarão de ter as mesmas faculdades de adaptação quando chamados a actuar nos respectivos meios.
De resto, porque se trata de educação nacional, não vejo como com propriedade o problema se possa dissociar funcionalmente entre as diversas parcelas da Nação.
A solução deste problema é premente. Mas mais premente me parece o problema da justiça: o funcionamento dos tribunais.
Diz o artigo 71.º da nossa Constituição Política que entre os órgãos de soberania da Nação se contam os tribunais.
Assim, os tribunais, na sua altíssima missão de administrar a justiça, não me parece que se possam dissociar territorial e funcionalmente e seja sob que aspecto for.
É incontroversa a necessidade de se orientarem os tribunais em perfeita uniformidade funcional imanente da autoridade comum do Ministério da Justiça em toda a sua estrutura orgânica.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Chamo a atenção para este problema, tendo em mente as dificuldades com que funcionam os tribunais em Angola, assoberbados com permanente falta de magistrados, cujo número se conta por umas escassas dezenas, o que necessariamente significa que a aplicação da justiça se torna ineficiente e morosa, contrariando o preceito de que a justiça, para o ser, tem de ser justa e pronta, passe o pleonasmo.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - É notável a falta de magistrados em Angola e quero crer que o mesmo acontecerá nas outras províncias do ultramar, facto que resulta à evidência da circunstância de os serviços não estarem integrados em âmbito nacional, o que proporcionaria a distribuição equitativa dos quadros.
Os concursos para o preenchimento das vagas da magistratura, não obstante a limitação das exigências de habilitação legal para delegados do Ministério Público se ter reduzido apenas à licenciatura em Direito, facto é que ficam desertos. E como os meios locais não podem suprir as faltas, naturalmente que continuam as províncias sempre na mesma situação inevitável.
E, assim, as comarcas ficam desprovidas de juizes e delegados do Ministério Público nas varas respectivas que já existiam e nas que por reconhecida necessidade se vão criando. Cai-se assim num círculo vicioso e o recurso em extremo recai nos substitutos estranhos à magistratura, com as delicadas consequências que escuso salientar.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - A hora é de missão, hora ecuménica, não apenas no domínio puramente espiritual, não apenas de cristianização, mas em todos os domínios da vida social, em prol da elevação e do progresso do nosso ultramar.
Pois bem, que a todos caiba a sua quota-parte.
A carência de meios locais, quer técnicos, no sentido de apetrechamento, quer de pessoal especializado nos variados ramos de actividade, justifica sobejamente, além do propenso espírito de unidade, os preceitos e a doutrina da progressividade dos serviços nacionais pela eficiência que virão a emprestar à sua orgânica funcional.
Se há necessidade de se criarem tão depressa quanto possível os serviços nacionais, os da educação e da justiça figuram, quanto a mim, em primeiro plano e, a meu ver, de maior urgência os dos tribunais.
Daí a minha opinião, que entendi ser meu dever deixar aqui expressa, de que a faculdade remetida para di-
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plomas especiais a publicar oportunamente, consoante as necessidades que se verificarem, no sentido de a natureza e extensão dos serviços nacionais serem reguladas nesses diplomas, devo ser tida em linha de conta para a necessidade urgente da criação daqueles serviços nesse âmbito, pelas razões que expus.
E porque considero urgente, essa solução, sobretudo em relação aos serviços u que aludi, para ela chamo a devida atenção.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: a justificação, a defesa e mesmo a apologia desta base foram já brilhantemente formuladas, sobretudo na parte respeitante ao seu n.º II, pelos ilustres Deputados que me precederam.
Todavia, e em razão de me haver pronunciado sobre este assunto quando da discussão na generalidade da proposta de lei presente, devo não apenas apoiar o que foi dito. como também reafirmar aquilo que então havia dito.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: são pertinentes as considerações dos Srs. Deputados Jesus dos Santos, Burity da Silva e Pinheiro da Silva.
Realmente, em princípio, nos serviços nacionais a que se refere o n.º II da base em discussão devia fazer-se alusão especial aos serviços de justiça, dada a sua grande importância e porque o Poder Judicial é um dos quatro poderes que estruturam a soberania do Estado.
Sem embargo, qualquer especificação, mesmo tão justificada como esta seria, podia conduzir à necessidade ou vantagem de se fazer também menção específica de outros serviços, que, embora sem a expressa feição constitucional daqueles, são também de incontestável utilidade e importância, como sejam, por exemplo, os de educação, a que se referiu o Sr. Deputado Burity da Silva, e os de defesa e outros.
Além disto, o poder judicial do ultramar está especificamente referido nas bases LXV e seguintes da Carta Orgânica e encontra-se regulado, na sua organização, nas atribuições e funcionamento, em decreto-lei especial.
As razões expostas foram devidamente ponderadas pela comissão eventual, de que tive a honra de fazer parte; mas, entretanto, não se deixou de reconhecer a conveniência de o assunto ser considerado no plenário, para ficar bem esclarecido que os serviços judiciais estão, como é óbvio, compreendidos na expressão genérica empregada no n.º II em referência, e ainda porque o espírito da lei e a intenção do legislador são também fontes legítimas de interpretação.
Tiveram igualmente grande oportunidade as referências feitas à grave crise dos tribunais do ultramar e nomeadamente em Angola, resultante nomeadamente da falta de juizes em numerosas comarcas, com enorme desprestígio para a justiça e prejuízo inestimável para as populações. É assim, não obstante gozarem as vantagens de uma mais rápida promoção e do acesso aos tribunais superiores do continente.
Deve o Governo contemplar e resolver urgentemente este importantíssimo problema e ponderar que entre as causas da. crise deve. porventura, avultar a insuficiência relativa dos vencimentos actuais e das regalias em vigor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação da proposta de alteração aos n.º I, II e III da base XXXVI.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o n.º IV da proposta do Governo.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XXXVII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração ao n.º III.
Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Foram as seguintes:
BASE XXXVII
I - Na capital de cada província, e sob a autoridade do respectivo governador, haverá organismos dirigentes do cada um dos ramos de serviço de administração provincial, que terão a categoria e a denominação do direcções provinciais de serviços o de repartições provinciais de serviços, conforme se trate de províncias do governo-geral ou de governo simples. Havendo nisso conveniência, poderá a lei prescrever que a mesma direcção ou repartição provincial reúna mais de um ramo de serviço.
II - Os serviços nacionais, os serviços autónomos e os organismos de coordenação económica são dirigidos de acordo com os diplomas especiais que lhes digam respeito.
III - As direcções provinciais de serviços serão dirigidas por directores de serviço e as repartições provinciais por chefes de serviço. Uns e outros despacham directamente com o governador e, em nome dele expedem as ordens necessárias para o cumprimento das suas determinações.
IV - Cada governador tem sob a sua directa superintendência uma repartição de gabinete, dirigida, nas províncias de governo-geral e em Macau, por um chefe de gabinete, de livre escolha do governador, e, nas restantes províncias, pelo seu ajudante de campo ou secretário.
Proposta de alteração
Propomos que a segunda parte do n.º III da base XXXVII tenha a seguinte redacção:
Uns e outros despacham directamente com o governador ou com os secretários provinciais, ou, nas províncias de governo simples, com o secretário-geral. quando o haja, e em nome do governador expedem as ordens necessárias para o cumprimento das suas determinações.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - Alberto Pacheco Jorge - António Moreira Longo - Manuel Herculano Chorão de Carvalho - Manuel Homem Albuquerque Ferreira - Quirino dos Santos Mealha - José Pinheiro da Silva - Jacinto da Silva Medina.
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O Sr. Presidente: estão em discussão a base e a proposta.
O Sr. Soares da Fonseca: - A proposta do Governo, quanto à base XXXVII, difere do texto vigente porque suprimo o n.º I deste texto, onde se dizia:
Leu.
Embora o conteúdo deste n.º I o tenhamos reavivado na base XXIV, onde, criando-se o cargo de secretário-geral, se cria também uma secretaria-geral, quanto ao texto da proposta a comissão eventual mantém-no, apenas com uma pequena alteração.
Em que consiste essa alteração? Em pouco, muito pouco. No texto do Governo dizia-se que tanto os directores como os chefes de serviço despacham directamente com o governador, não possibilitando, formalmente pelo menos, que pudessem- despachar com o secretário provincial ou com o secretário-geral - o que seria absurdo e não se compreenderia.
Por isso, segundo creio, a prática é diferente desta interpretação formalista.
Acrescentarei, lembrando os esclarecimentos prestados sobre a constitucionalidade da base XXIV, que é em nome do governador-geral, segundo a proposta agora em discussão, que são expedidas as ordens necessárias para o cumprimento das determinações dos secretários provinciais, e isto quer reforçar a exposição que fiz a propósito de secretários e das secretarias provinciais, demonstrando que nas províncias ultramarinas o governo é o governador.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Vão votar-se em primeiro lugar os n.ºs I, II e IV da base XXXVII.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o n.º III juntamente com a alteração proposta à sua segunda parte.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XL, sobre á qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XL
I - ...............
II - ..............
a) Os funcionários de categoria superior a intendente de distrito ou categoria equivalente, que se determinará, na falta de preceito expresso, pelo vencimento de categoria indicativo dela;
b) ................
III - .............
IV - ..............
Proposta de alteração
Propomos que seja substituída a redacção da alínea a) do n.º II da base XL pela redacção constante da mesma alínea, número e base da Lei Orgânica em vigor.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - James Pinto Bull - Alberto da Rocha Cardoso de Matos - Manuel Herculano Chorão de Carvalho - Alberto Pacheco Jorge - António Moreira Longo - José Manuel Pires - Bento Benoliel Levy.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Jacinto Medina: - Sobre esta base julgo muito importante chamar a atenção da Câmara para um pormenor que não tenho visto ser discutido e que não sei se terá sido discutido na comissão eventual, visto não ter feito parte dela. Incontestavelmente a proposta do Governo tem algumas vantagens e tem alguns inconvenientes.
Uma grande vantagem que resulta da proposta do Governo é a de os governadores poderem com mais facilidade actualizar os quadros dos serviços públicos nas respectivas províncias.
Dada a rápida evolução dos problemas de administração destas províncias, é muito frequente haver necessidade de actualizar os quadros dos serviços públicos, e, elevando-se assim na proposta do Governo os quadros privativos, os governadores podem, com mais oportunidade, ocorrer a estas necessidades, aumentando os quadros, criando os lugares necessários para fazer face às necessidades da administração.
Quando um governador tem de recorrer ao Ministério para a criação de lugares, para actualizar um determinado serviço público, as propostas são feitas com muito cuidado e muito a medo e a decisão é muito demorada.
Acontece quase sempre que quando o serviço chega a ser criado já está desactualizado, há sempre um desfasamento neste processo e os serviços estão sempre em déficit de funcionários.
Este aumento permite aos governadores tomarem as medidas necessárias para a actualização dos serviços e, portanto, parece-me que tem larga repercussão.
Por outro lado, há um inconveniente: é que são morosas as promoções dos funcionários nos quadros das províncias de governo simples, por estes serem pequenos.
Em todos os quadros pequenos o acesso é difícil, o ritmo da promoção é moroso; portanto, havendo esse prejuízo, haveria de se encontrar uma forma para os funcionários das províncias de governo simples. O Governo já encontrou, o ano passado, uma fórmula que me parece satisfatória quando decretou a reforma dos quadros administrativos no ultramar.
De acordo com essa reforma, um terço das vagas ocorridas nos quadros administrativos das províncias de governo-geral são reservadas para as províncias de governo simples, acelerando, portanto, o acesso dos funcionários das províncias de governo simples. Julgo que essa determinação do Governo vem a atenuar os prejuízos causados aos quadros pequenos das províncias de governo simples, sem afectar a eficiência dos serviços públicos, que será maior se o governador-geral tiver de aplicar aos serviços uma escala mais ampla.
Deverá pôr-se aqui um problema de entre os diversos que se podem apresentar, isto é, o de uma maior unidade através desta diferença mais reduzida dos funcionários.
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Mas parece-me que a solução tem de ser aquela que Be aprovou na base anterior. Tenho dito.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente: tive a honra de subscrever com outros Srs. Deputados a proposta de emenda desta base.
As razões que levaram a apresentação da proposta de emenda foram largamente debatidas na comissão eventual e felizmente, a perfeita compreensão que sempre reinou nos trabalhos da comissão, mesmo nos momentos de mais acesa discussão, permitiu que se estudasse calmamente a posição defendida pelos Deputados representativos das províncias de governo simples e que conseguiram depois o apoio quase unânime dos restantes colegas.
É que o assunto em causa necessitava ser visto calmamente sob dois ângulos: as vantagens para as províncias de governo-geral e por outro lado os grandes inconvenientes e implicações na vida das províncias de governo simples.
Quaisquer das razões invocadas têm certa relevância; porém, para já, parece-me que os enormes prejuízos que adviriam para as províncias de governo simples superam grandemente as vantagens imediatas para as províncias de governo-geral.
Para mim, as duas maiores desvantagens de momento, e que convém evitar, são: a paralisação total nas promoções dos funcionários novos que nas províncias de governo simples aguardam a passagem para o quadro comum, única saída para fazer movimentar quadros tão restritos, e os grandes obstáculos que apareceriam no recrutamento do pessoal administrativo nos vários quadros das províncias de governo simples.
O assunto foi bem visto pela Câmara Corporativa e pela comissão eventual e para já a solução que pareceu mais viável e lógica consta da proposta de emenda apresentada e que se espera merecerá o apoio de toda a Assembleia.
O problema não ficará totalmente resolvido, pois uma solução definitiva para o espaço português seria o estabelecimento de um quadro comum que abrangesse não só as províncias ultramarinas, mas também a metrópole, a partir da categoria de chefe de secção, inclusive, pois não se compreende que em determinadas Secretarias de Estado, com ligações permanentes com o ultramar, funcionários de certa categoria não façam pelo menos uma comissão de serviço naquelas terras de além-mar, cujos problemas muitas vezes terão de estudar e informar sem conhecimento directo da problemática ultramarina.
Tenho dito.
O Sr. Joaquim de Jesus Santos: - Pedi a palavra apenas para dar uma ideia do pensamento da comissão eventual.
Foi este, efectivamente, um dos problemas largamente discutidos na comissão eventual.
Aí se aduziram razões para a não aprovação da redacção desta alínea nos termos em que vinha proposta pelo Governo, como se aduziram também razões tendentes a demonstrar a sua adopção.
Isto já foi aqui largamente e brilhantemente defendido pelo ilustre Deputado Sr. Pinto Bull.
Efectivamente, pensam as províncias de governo simples que à aprovação da proposta do Governo representa para elas uma verdadeira injustiça, pela dificuldade que terão os seus funcionários em ingressar nos quadros comuns.
Por outro lado, os inconvenientes apresentados pelo Sr. Deputado Jacinto Medina não me parecem inteiramente procedentes. É que a proposta do Governo fazia incluir no quadro privativo de cada província funcionários de escalão tão alto que as necessidades certamente não justificam.
Trata-se, com efeito, de funcionários de categoria de intendente ou superior, cujo provimento não se faz todos os dias e, portanto, sem os inconvenientes de morosidade, apontados.
Assim sendo, a solução preconizada pela comissão eventual, e que consta já da Lei Orgânica em vigor, dá satisfação às províncias de governo simples sem prejudicar o ritmo de vida e de progresso das províncias de governo-geral.
Por outro lado, a reserva de um terço das vagas apontada pelo Sr. Deputado Jacinto Medina poderia levar a situações de injustiça, porque bem poderia suceder que nas províncias de governo simples não houvesse funcionários com as condições necessárias para provimento dos respectivos lugares.
Na comissão eventual, porém, foram ainda focados outros aspectos que realmente muito impressionaram a comissão.
Por isso mesmo, e na preocupação, sentida por todos nós, de manter e assegurar a unidade nacional, pareceu aconselhável não facilitar a criação de grandes quadros privativos capazes de possibilitar a existência de compartimentos estanques entre as diversas parcelas do território nacional.
Daí que efectivamente a comissão - ia dizer que por unanimidade quase - aceitasse a proposta de alteração sugerida e que se encontra na Mesa.
Disse.
O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: como fui eu que levantei o problema na comissão eventual, embora tivesse tido a honra e o prazer de verificar que estava no espírito de todos os Deputados das pequenas províncias e tivesse tido também o prazer de verificar que encontrei apoio em todos os Srs. Deputados das províncias grandes, suponho que devo deixar uma pequena nota.
E que realmente o problema interessa especialmente às províncias pequenas e nomeadamente a Cabo Verde, porque, como disse a V. Ex.ª anteontem, em Cabo Verde a única esperança que têm os funcionários em face dos vencimentos exíguos que auferem, aqueles que lá ficam e aqueles que para lá vão, é a possibilidade de saírem para qualquer outro lado de Portugal, porque também lá eles continuarão Portugal. Aprovada a proposta do Governo, nenhum estímulo teriam os que servem em Cabo Verde.
Prevaleceu o espírito da unidade e da solidariedade nacional, e encontrei em toda a comissão eventual a mesma ideia.
Creio que as razões invocadas pelo Sr. Deputado Jacinto Medina não podem prevalecer sobre aquelas outras que tão doutamente foram aqui apresentadas, especialmente pelos Srs. Deputados Pinto Bull e Jesus Santos, e por isso não tenho mais nada a acrescentar àquilo que já foi dito por eles para que a Câmara esteja convencida da necessidade da aprovação da proposta de emenda apresentada.
O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente: tenho o maior gosto, como já aliás fiz na comissão eventual, de corroborar as razões dos Deputados pelos círculos das províncias de governo simples.
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E para o caso mesmo da minha província a experiência tem demonstrado que, longe de constituir um inconveniente a ampliação das maiores categorias para sua remessa para os quadros comuns, esse facto tem-se mostrado vantajoso. Sei que no espírito do funcionalismo, sobretudo dos naturais de Angola, há o desejo de que o critério aqui defendido na proposta da comissão eventual seja aquele que venha a prevalecer, por razões que a experiência fez com que se estabelecessem no espírito desses mesmos funcionários, sobretudo os funcionários naturais de Angola.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de substituição da alínea a) do n.º II da proposta do Governo, que foi lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o resto da base XL conforme a proposta do Governo.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XLI, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XLI
I - .....................
II -.....................
III- ....................
IV- ....................
V - São aplicáveis às nomeações em comissão, além do mais que a lei dispuser, as regras seguintes:
1.a ......................
2.a ......................
3.a ......................
4.a ......................
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a base XLI tal como consta da proposta do Governo.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XLVI. Sobre esta base há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XLVI
I - ............................
II - ...........................
III - Os conselhos podem compor-se de freguesias, correspondentes ás localidades que neles houver, com a população e as condições urbanas por lei exigidas.
IV - As áreas dos concelhos que não constituírem freguesias, bem como, nas circunscrições, as áreas situadas fora da sede, serão atribuídas a postos administrativos, como centros de organização e protecção do povoamento e para os fins de soberania.
V - A divisão administrativa de cada uma das províncias acompanhará as necessidades do seu progresso económico e social. As relações entre os órgãos centrais e os órgãos de administração local serão organizadas por forma II garantir a efectiva descentralização da gestão dos interesses dos respectivos agregados, sem prejuízo porém da eficiência da administração e dos serviços públicos.
Proposta de alteração
Propomos que a base XLVI tenha a seguinte redacção:
I - Para os fins de administração local, as províncias ultramarinas dividem-se em concelhos, que se formam de freguesias, correspondentes aos agregados de famílias que desenvolvem uma acção social comum por intermédio de órgãos próprios, na forma prevista na lei. Onde, excepcionalmente, não possam criar-se freguesias, existirão postos administrativos.
II - Transitoriamente, nas regiões onde ainda não tenha sido atingido desenvolvimento económico e social para o efeito considerado necessário, poderão os concelhos ser substituídos por circunscrições administrativas, que se formam de postos administrativos, salvo nas localidades onde for possível a criação de freguesias.
III - As sedes dos grandes concelhos poderão ser divididas em bairros.
IV - Onde o justifiquem a grandeza e a descontinuidade do território e as conveniências da administração, os concelhos agrupam-se em distritos.
V - A divisão administrativa de cada uma das províncias ultramarinas acompanhará as necessidades do seu progresso económico e social.
As relações entre os órgãos de administração geral e os órgãos de administração local serão organizadas por forma a garantir a efectiva descentralização da gestão dos interesses dos respectivos agregados, sem prejuízo, porém, da eficiência da administração e dos serviços públicos.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - José Pinheiro da Silva - Júlio Dias das Neves - Alberto Pacheco Jorge - Jacinto da Silva Medina - Bento Benoliel Levy - António Moreira Longo - Alberto Henriques de Araújo.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: não seria talvez o mais indicado para usar da palavra nesta matéria. Como, porém, fui de alguma sorte comissionado para redigir o texto da proposta de alteração que acaba de ser lida, sinto-me na obrigação de fazer um breve aponta-
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mento a essa proposta - não sem, antes de mais, chamar a atenção da nossa Comissão de Legislação e Redacção para a forma visivelmente imperfeita com que, sob a pressão do tempo, se apresenta no n.º III, em que é mister clarificar a expressão do pensamento que se pretendeu consignar no referido número, pois há-de ser u grandeza de uma cidade, o não propriamente a do respectivo concelho, que determinará a criação dos bairros administrativos.
Não vale a pena fatigar a Câmara com longa exposição para mostrar .onde estão as diferenças entre o texto que se propõe e o texto constante da proposta do Governo. Basta dizer duas coisas.
A primeira é que esto assunto foi dos mais acarinhados e dos tidos mais no coração de todos os membros da comissão eventual. Ali, efectivamente, no pendor do que vinha dito no douto parecer da Câmara Corporativa, se entendeu que era- indispensável, não posso dizer revigorar, mas fazer vincar nas províncias ultramarinas o municipalismo. Daí o ter-se adoptado uma redacção que pretende servir de orientação aos governantes locais, marcando-lhes como tendência forte a de organizarem a, vida administrativa com base municipalista.
E dito isto, que fica bem marcado no texto que acaba de ser lido na Mesa, faço votos, Sr. Presidente, no sentido de que o bom sonso dos homens não deixe morrer o espírito que anima o texto desta base e fazer dela letra morta, enterrando-a na incúria de egoísmos ou de falsas comodidades.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente: pedi a palavra paru um ligeiro apontamento.
Durando os debates acerca desta base na comissão eventual, um ponto crucial dificultou a unanimidade de pensamento, dificuldade que já se descortinava entre o texto apresentado pelo Governo e o da Câmara Corporativa.
Trata-se da manutenção, a título transitório, das circunscrições administrativas e dos postos administrativos na administração local, enquanto as circunstâncias assim aconselharem e as condições do meio não determinarem a adopção da fórmula municipalista agora preconizada.
Parecerá, à primeira vista que essa manutenção não é mais do que um sinal de retrocesso aos velhos tempos da «ocupação e expressão de uma fórmula autoritária da administração local comum».
Na prática, porém, não devemos fugir à realidade, e ninguém que viva no ultramar desconhece que muitas sedes de circunscrição o de posto administrativo não possuem por ora população civilizada ou mesmo destribalizada em número e qualidade suficientes para dar apoio à vida municipal de índole colegial e representativa. Reporto-me, para o caso de Angola, a algumas circunscrições do Baixo Cubango, mais conhecido por «Terras do fim do Mundo»!
Contudo, estas razões não devem servir de escolho para o estabelecimento da fórmula municipalista, cuja adaptação progressiva se deve deixar ao critério do respectivo governador como vem sendo feito, e muito bem, nos últimos tempos.
Não se queira diminuir as qualidades e aumentar os defeitos do tal «homem omnisciente e omnipotente, que em todos quer mandar», como ouvi apelidar os administradores !
Não se exagere nem se queria pintar o «papão» com cores tão berrantes!
Pertenço, e com muita honra, ao quadro administrativo e lembro a todos os Srs. Deputados que o nosso ultramar muito deve a esses obreiros da paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Lembremo-nos de que se os nossos missionários fizeram verdadeiros milagres trabalhando as almas, desde o tempo das Descobertas; se os nossos soldados tiveram, depois, trabalho árduo na pacificação do território; se os nossos colonos tiveram papel de grande realce na penetração nas terras sertanejas estabelecendo os primeiros núcleos populacionais, os funcionários administrativos não tiveram papel menos importante na construção desse ultramar que tanto nos orgulhamos de ter criado e que hoje constitui fruto cobiçado pelos nossos inimigos.
Diz-se que no quadro existem elementos que necessitam de ser varridos, som dó nem piedade! Todos afirmam que é uma verdade, mas ninguém tem tido a coragem moral de atacar de frente o assunto, de forma a facilitar a eliminação desse número restrito de maus funcionários que servem para- denegrir todo um quadro de elites que ontem, hoje, como amanhã, está condenado a ser o elemento de choque e de comando, enquanto não chegam os elementos da ordem, como sucedeu em vários pontos da nossa mártir Angola.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Juntemos os nossos esforços para conseguir que tenha efectiva execução a vida municipalista no nosso ultramar u que, sob o manto da unidade nacional, se consiga reunir brancos, mestiços e negros, colonos residentes e autóctones, todos portugueses de lei, para, unidos, trabalharem para. o progresso das suas regiões e, consequentemente, de Portugal.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação da proposta de substituição apresentada pela comissão eventual e que já foi lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou agora pôr em discussão a base XLVII, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XLVII
No distrito a autoridade superior é o governador de distrito. No concelho e nas circunscrições administrativas criadas em sua substituição a autoridade é exercida pelo administrador do concelho ou de circunscrição. No posto administrativo a autoridade cabe ao administrador de posto e na freguesia ao regedor.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
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O Sr. Presidente: - Vou agora pôr em discussão a base XLVIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta do alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XLVIII
I - A administração dos interesses comuns das localidades nas províncias ultramarinas estará a cargo de câmaras municipais, comissões municipais, juntas locais e juntas de freguesia, consoante for regulado nos respectivos estatutos político-administrativos e em lei especial.
II - No distrito haverá juntas distritais com competência deliberativa e consultiva, nos termos da lei, que coadjuvarão os governadores no exercício das suas funções.
III - A câmara municipal é o corpo administrativo do concelho, de natureza electiva. Tem foral e brasão próprios e pode usar a designação honorífica ou título que lhe forem ou tiverem sido conferidos.
É presidida pelo administrador do concelho ou por um presidente designado pelo governador, nos termos do estatuto respectivo, o qual, neste caso, poderá ser remunerado. O presidente é o órgão executor das deliberações da câmara, nos termos da lei.
IV - Poderá haver comissões municipais nas circunscrições administrativas; nos termos que a lei definir, poderá havê-las também nos concelhos em que não puder constituir-se a câmara, por falta ou nulidade da eleição ou enquanto o número de eleitores inscritos for inferior ao mínimo estabelecido.
V - Nas localidades poderão ser instituídas juntas de freguesia quando nelas existam organismos devidamente constituídos e a quem por lei ou tradição pertença a gerência de certos interesses comuns dos habitantes.
VI - Serão instituídas juntas locais:
a) Nos postos administrativos, se na sua sede existir povoação ou núcleo, de habitantes com as características exigidas por lei;
a) Nos casos de não ser possível ou conveniente a instituição de juntas de freguesia, nos termos previstos no n.º V ou na lei especial.
Proposta de alteração
Propomos que na base XLVIII:
A) O n.º III tenha a seguinte redacção:
III - A câmara municipal é o corpo administrativo do concelho, de natureza electiva. Tem foral e brasão próprios e pode ter a designação honorífica ou título que lhe forem ou tiverem sido conferidos. E presidida por um presidente designado pelo governador, nos termos do estatuto de cada província, podendo aquela designação, quando circunstâncias especiais o justifiquem, recair no administrador do respectivo concelho. No primeiro caso, o cargo poderá ser remunerado. O presidente é o órgão executor das deliberações da câmara, nos termos da lei.
B) Os n.08 V e VI se fundam num único número, com a seguinte redacção:
V - Nas freguesias serão instituídas juntas de freguesia ou, quando não seja possível, juntas locais. Nos postos administrativos serão igualmente instituídas juntas locais, se na sua sede existir povoação ou núcleo de habitantes com características que o aconselhem.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto fins Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - José Augusto Brilhante de Paiva - Júlio Dias das Neves - Alberto Pacheco Jorge - Bento Benoliel Levy - Jacinto da Silva Medina- António Moreira Longo - Alberto Henriques de Araújo.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Soares da Fonseca: - Como diz o nosso povo, as palavras são como as cerejas: vêm umas atrás das outras. Em boa verdade, se não tivesse falado sobre a base XLVI, não teria agora de falar sobre a base XLVIII.
Faço-o para dizer que, na proposta de alteração acabada de ler, o n.º V reúne os n.08 V e VI do texto do Governo. Esta fusão e a nova redacção apresentada resultam, como consequência necessária, da nova redacção dada à base XLVI.
Relativamente ao n.º , a diferença entre o texto proposto pelo Governo e o que está na alteração acabada de ler consiste nisto: o presidente de uma câmara municipal será, em princípio, escolhido livremente pelo governador, mas devendo preferentemente escolhê-lo sem recorrer ao administrador do respectivo concelho.
Creio que isto é também ajudar a fazer municipalismo.
O Sr. Pinto Buli: - Sr. Presidente: tenho para mim que a base que estamos apreciando constitui um dos pontos fulcrais da nova orientação que o Governo em boa hora decidiu tomar em relação ao nosso ultramar, com a proposta, de alterações à sua Lei Orgânica.
Uma maior municipalização na administração autárquica daquelas terras bem portuguesas de há muito que se vinha impondo.
Chegou, pois, o momento de os «homens bons» do Portugal de além-mar, brancos, mestiços e negros, irmanados no mesmo sentimento patriótico e com exacta noção dos seus deveres e responsabilidade», serem chamados a comparticipar d o uma forma mais equitativa e efectiva nos problemas da administração local.
Neste momento em que debatemos o assunto nesta Câmara quero fazer votos sinceros para que estas disposições tão salutares fiquem bem expressas na regulamentação destas bases, de forma a não poderem ser olvidadas pelos executores dessas disposições e que, em última análise, serão os responsáveis pelos reflexos que tal esquecimento poderá vir a criar.
E quero também lançar um sincero apelo a todos os meus irmãos, portugueses africanos, para que tudo façam para ter uma activa e efectiva participação na administração autárquica das suas terras e, sempre que sejam chamados a colaborar em quaisquer funções, o façam de coração aberto, na certeza de que tudo o que fizerem será para o engrandecimento da sua terra natal e de Portugal, que todos nós desejamos continue uno e engrandecido.
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Já ontem, ao serem discutidas as bases que alteram a constituição dos conselhos legislativos e de governo, pensei pedir a palavra para manifestar a minha satisfação pelo alargamento da composição de tais conselhos e a certeza de que desse alargamento iriam beneficiar as populações nativas até agora um pouco arredadas desses importantes órgãos provinciais.
E a minha satisfação é tanto maior pelo reflexo que sei, por experiência vivida, que tais medidas poderão vir a ter internacionalmente.
E que Sr. Presidente e Srs. Deputados, na minha já longa participação nos areópagos internacionais, raro foi o ano em que não me esbarrasse nos bastidores ou nas recepções particulares com perguntas sacramentais visando estes pontos capitais: participação dos elementos autóctones na vida autárquica, legislativa e consultiva das nossas províncias ultramarinas e a efectiva participação dessas mesmas províncias nesta Câmara Legislativa.
Diplomaticamente, tratei sempre de arranjar argumentos convincentes para os meus interlocutores, mas não deixei de apreciar o efeito que no ano findo causou no Palácio de Vidro da O. N.º U. a afirmação feita aos meus habituais interlocutores de que o número de Deputados das nossas duas maiores províncias havia passado de três para sete e, em Genebra, na O. I. ï., quando tive a oportunidade de apresentar a certos cépticos o delegado trabalhador dos sindicatos de Angola e que é vogal do Conselho Legislativo daquela província.
Desisti ontem de pedir a V. Ex.ª a palavra porque pouco teria que acrescentar depois de ter escutado o leader desta Assembleia e relator da comissão eventual, a que tenho a honra de pertencer, Sr. Deputado Soares da Fonseca, que fez preces bem sinceras para que as boas intenções do Governo possam ser bem interpretadas pelos executores da lei. Caiu bem em toda a Assembleia, e em mim especialmente, a afirmação desse nosso ilustre colega e oxalá as suas palavras encontrem eco entre os responsáveis na execução das medidas que estamos debatendo.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vão votar-se em primeiro lugar os n.os. II e IV da proposta do Governo.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a proposta de alteração apresentada aos n.0 m, V e VI da base XLVIII.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Lopes Roseira.
James Pinto Buli.
Joaquim de Sousa Birne.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
José Luís Vaz Nunes.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Durante a sessão foram enviados para a Mesa requerimentos assinados pelos Srs. Deputados Virgílio Cruz, Augusto Machado, Rocha Peixoto, Nunes Barata e Reis Faria, todos do teor seguinte:
«Ao abrigo do § 3.º do artigo 19.º do Regimento, requeiro me seja fornecida a publicação De z Anos de Política Externa, vols. I e n, editada pela Imprensa Nacional».
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA