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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

ANO DE 1963 16 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 109, EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.0 104 e 105 ao Diário das Sessões.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebeu-se na Mesa) o Diário do Governo n.º 285, 1.ª serie, que insere o Decreto-Lei n.º 45 405.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos oportunamente pedidos pelo Sr. Deputado António da Purificação de Vasconcelos Baptista Felgueiras, a quem foram entregues.
Usou as palavra p Sr. Deputado Marques Lobato, que se congratulou com a visita do presidente da Fundação Calouste Gulbenkian a Moçambique e Angola.

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964. Usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Barata. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 11 horas e 25 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.

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José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente dê Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Elias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes os Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 104 e 105 do Diário das Sessões, correspondentes às sessões, respectivamente, de 10 e 11 de Dezembro.
Se algum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação, é altura de a apresentar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos Diários, considero-os aprovados.
Para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 285, 1.ª série, de 5 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 45 405, que prorroga por um ano o prazo de vigência do Decreto-Lei n.º 48670, que isenta de direitos de importação as peças de máquinas de escrever importadas pêlos fabricantes nacionais.
Estão na Mesa os elementos pedidos em 9 de Fevereiro último pelo Sr. Deputado António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alexandre Lobato.

O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: ao recomeçar as minhas intervenções; nesta terceira sessão da presente legislatura, quero oferecer à Câmara um apontamento breve do largo interesse social que teve a visita que este ano fez a Moçambique e Angola o ilustre presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Sr. Dr. Azeredo Perdigão.
Como foi noticiado, a visita a Moçambique efectuou-se a convite do Sr. Almirante Sarmento Rodrigues governador-geral, e durou o tempo necessário para um primeiro contacto com as realidades da província, que foi toda percorrida pelo Sr. Presidente da Fundação. Em Angola foram percorridas as zonas do Norte e visitados os principais centros urbanos.
Pelo que respeita a Moçambique, a reacção dos sectores que se dedicam a actividades educacionais, culturais, as sistenciais e de saúde, recreio e desporto à vista do ilustre presidente da Fundação foi naturalmente positivo, de aprovação, satisfação e esperança, porque Moçambique é um mundo que desperta e procura avidamente levar a todas as suas populações os benefícios da saúde, da educação e da cultura.
A iniciativa do governador-geral mereceu por isso uma nota de incondicional aplauso, que me agrada comunicar à Câmara, porque traduziu a dominância de uma acentuada preocupação de política social, que é neste momento a tónica envolvente de Moçambique e o arranque psicológico da modernização das suas formas de vida interna.
Em contacto directo com a província, verificou certamente o Sr. Presidente da Fundação que as populações moçambicanas praticam já as mais variadas actividades de solidariedade associativa, com os processos, as técnicas e as orgânicas correntes no chamado «mundo civilizado», e isso tudo constitui importante factor de civilização geral, de sociabilidade, de convívio, de solidariedade e, portanto, de paz e de progresso.
Deve ter-lhe sido dado verificar também que há para isso uma forte convergência de esforços idênticos, da parte do Estado e dos municípios e das inúmeras actividades e iniciativas particulares, desde as missões e as sociedades científicas aos pequenos clubes locais.
Creio, pois, que a jornada teve para a Fundação o maior interesse, dado o seu espírito de missão no sentido de valorizar, melhorar e dignificar em toda a parte do Mundo a vida individual, familiar e social do homem. Creio também que a massa geral das iniciativas em marcha foi convincente, não obstante muitas delas viverem na austeridade da pobreza de meios, compensada pela abundância de ideais e de esperanças. Mas isto só prova que Moçambique é já terreno excelentemente preparado para uma larga sementeira.
Por isso estou certo de que não passou despercebida ao ilustre presidente da Fundação a quantidade enorme de planos, de projectos, de iniciativas de toda a ordem que estão na forja e para as quais foi pedida a atenção benemerente da Fundação.
A este respeito merece referir-se o que está a fazer-se em matéria de facilidades para a educação e o ensino, com benefício especial para as populações mais pobres, que são de um modo geral as populações negras e igualmente os núcleos mais modestos das populações brancas e mestiças.
E aconteceu, Sr. Presidente, que, plenamente convencida do valor dos esforços e das obras realizadas e do merecimento dos projectos, a Fundação correspondeu generosamente, amparando numerosas obras sociais existentes e dando meios para que nasçam outras que tão necessárias são. Destaco a construção de lares para estudantes oriundos do mato, que só podem seguir estudos nas cidades, a comparticipação na construção de uma grande escola de enfermagem dotada de internatos para os alunos vindos do interior da província, obras a favor da criança e da mulher, visando especialmente as famílias negras, as bibliotecas e as bolsas de estudo.
Ao todo, Sr. Presidente, 15 000 contos para Moçambique, e outros tantos para Angola, o que me parece um início prometedor.
Entendo assim, Sr. Presidente, que é meu dever de consciência, como moçambicano que sou, consignar aqui

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uma palavra de gratidão à Fundação Gulbenkian, na distinta pessoa do seu ilustre presidente, pelo bem que fez à minha província e à martirizada província de Angola.

O Sr. José Manuel Pires: - Muito bem!

O Orador: - Aliás estou absolutamente certo de continuarmos a merecer para as nossas organizações sociais, que na província agasalham toda a gente que nelas procure meios de saúde, de educação, cultura e recreio, a benemérita mercê da Fundação. Gostaríamos mesmo de que outros distintos membros do conselho da Fundação nos visitassem também, para verem e crerem que é verdade que em Moçambique, como em Angola e nas mais províncias do ultramar, se faz um esforço grandioso e persistente no sentido de se criar uma sociedade para um mundo melhor em que os homens se entendam todos e todos se estimem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Temos a consciência de que somos no mundo dividido e odiento de hoje um grande laboratório de ensaios sociais, para bem da humanidade.
Mas as províncias menores, esse milagre de Cabo Verde, a Guiné, ou S. Tomé, ou Timor, são também pequenos laboratórios onde se fabricam nas almas os ideais que devem dominar os homens de amanhã, e são os mesmos que informam o espírito da Fundação Gulbenkian, que é uma organização mundial. Atrevo-me a pedir por elas, na convicção de que não apelo em vão e na certeza de que nelas há-de a Fundação encontrar também o mesmo espírito de solidariedade universal que encontrou na minha província e é condição basilar, e rara no mundo de hoje, de ser possível realizar a sua benemérita obra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tenho, algumas vezes, desta tribuna, advogado uma valorização da vida rural portuguesa.
Penso ter chegado a oportunidade de fazer um apanhado dos principais problemas relacionados com o progresso e bem-estar das nossas populações, sugerindo ao Governo a realização de uma autêntica revolução que transforme a sorte mesquinha em que vegetam largas regiões do continente e das ilhas adjacentes.
No decorrer desta intervenção abordarei sucessivamente: a importância e situação dos meios rurais; as elites no mundo rural; as estruturas institucionais; as obras públicas como elementos de infra-estruturas; a valorização da habitação rural; o ensino das populações rurais; a saúde, assistência e previdência; o sector terciário e o mundo rural; a agricultura, as florestas, a pecuária, as indústrias e o comércio. Finalizarei com uma síntese daquilo que, em meu entender, deveria constituir um grande movimento em prol da vida local portuguesa.
Convirá, antes do mais, insistir na importância dos centros rurais para a vida da Nação Portuguesa.
Recordo aqui uma observação do imortal Pio XII:

Deixando as regiões onde domina uma vida austera, afluem constantemente à cidade homens cheios de saúde e de ardor, ricos de experiência de gerações laboriosas, daqueles homens de que a nação necessita para as tarefas difíceis e para o exemplo do seu povo. Ora não se deverá permitir que estas regiões rurais se transformem aos poucos num deserto. Impõe-se impedir que tais populações se deteriorem. Urge, em suma, valorizá-las, não só para manutenção de um salutar equilíbrio regional, como, até, para conveniente sustentáculo das aglomerações urbanas.

Em Portugal o problema reveste-se hoje de uma particularidade muito especial: dos campos sai a grande massa desses rapazes generosos que em Angola ou na Guiné vertem o sangue pela integridade nacional. O campo voltou a ser, nesta hora de provação, o grande recurso da Pátria.
Mais. As grandes vitórias dependem da coesão moral da frente interna. Ora esta frente sairá robustecida na medida em que proporcionarmos às populações que a constituem um mínimo de condições de vida compatíveis com a própria dignidade humana.
Em muitas regiões do Mundo se tem lamentado a destruição das elites rurais. Foi um processo sociológico a que os governantes nem sempre souberam estar atentos e de cujos resultados os povos hoje se lamentam.
As classes médias eram. entre nós, as classes médias agrárias. Quem esteja atento à vida de Portugal nos últimos 100 anos pode ainda aperceber-se do importante papel assistencial, docente e moderador que elas exerceram na vida local.
Transposta esta realidade para o plano da economia agrária, poderemos ainda hoje constatar como o equilíbrio de países como a Dinamarca, a Suíça ou a Bélgica se reforça nas explorações agrícolas de tipo médio familiar.
A política de desfavor para com a agricultura conduziu, entre nós, a um empobrecimento gerado numa desamortização a largo prazo, a um abandono que se traduziu numa auto-reconversão de actividades. Os filhos da classe média procuraram as profissões liberais da cidade ou outras actividades do sector terciário. onde nem sempre terão sido mais felizes ou abastados. Não creio que com isso Portugal tenha ficado mais rico.
Quando medito na estabilidade social das classes médias, vem sempre ter comigo àquele depoimento de Ozanam:

Dou graças a Deus por ter nascido numa dessas classes médias que se situam entre a pobreza e a riqueza, o que me habituou às privações sem ignorar as comodidades lícitas, situação onde o homem não se escraviza com a saciedade de todos os desejos, nem está submetido à pressão das contínuas solicitações da necessidade.

Advogando uma política de revigoramento das classes médias agrárias, chamo a atenção do Governo para a urgência em atender à pouca sorte da nossa agricultura, recordo, além do mais, a oportunidade da valorização dos produtos agrícolas, esquemas de comercialização, soluções cooperativas, crédito agrário, instrumentos jurídicos ou meios institucionais que correspondam às exigências dos tempos.
Mas o nosso mundo rural, que perdeu assim o contributo das classes médias agrárias, também não tem sabido aproveitar os serviços que três dos seus servidores lhe

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poderiam proporcionar. Refiro-me ao padre, ao médico e ao professor.
Qualquer destes três elementos é mais do que um profissional, deverá ser um apóstolo.
Não se tratará de uma concepção romântica, na linha daquelas que há décadas inspiravam certos escritores moralistas e faziam chorar as damas aos serões.
O que me parece de exigir é um esforço coordenado destes três elementos no exercício de missões que, plenas de actualidade e eficácia, ultrapassem, ainda aqui o que se poderia chamar exercício pontual de uma função burocrática.
Eles serão os leaders formais que em cada aldeia cuidam da harmonia dos corpos e das almas, movimentam as aspirações, colaboram nas realizações e têm a sua quota na tarefa de integração dos pequenos agregados nas estruturas institucionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vou deter-me precisamente nestas estruturas.
A organização político-administrativa portuguesa consagra largamente o princípio da participação das populações na vida local.
Por mim acredito que a educação deve tender para a liberdade. O espírito social harmoniza-se com o sentido da responsabilidade e o princípio da participação de cada um na vida da comunidade. À luz das realidades do mundo rural português, este princípio representará ainda uma fonte de iniciativa, o melhor antídoto contra o processo dissolvente que afecta a estabilidade dos campos.
E ainda desta ideia que pode resultar a estima das autarquias municipal e distrital, das Misericórdias, das Casas do Povo, dos grémios da lavoura, do movimento cooperativo, do movimento regionalista e, até, das recentes instituições de desenvolvimento regional.
Várias vezes tenho acentuado nesta Assembleia que imo acredito estar tudo bem, no que respeita à instituição municipal.
Disse, por outro lado, que muitos perguntam, ora numa atitude de desânimo, ora na convicção de que as realidades impõem novos caminhos, se a autonomia local ainda se justifica.
Sou dos que respondem afirmativamente. Mais. Entendo que não poderemos fazer obra séria nos campos se não prestigiarmos os municípios.
Verifica-se infelizmente, entre alguns responsáveis, uma fobia centralista. Valha a verdade que ela resulta mais da propensão desses espíritos do que dos ordenamentos legislativos.
E certo que razões financeiras, fundadas, por exemplo, na manutenção de determinado nível de actividade económica, impõem programas de inversão em que o Poder Central sente necessidade de controlar intensamente a duração e a magnitude de todo o investimento.
Mas ainda aqui não será despicienda a colaboração dos municípios. Mais. Ela harmoniza-se com razões de natureza político-administrativa. A iniciativa local, repito-o, continua a ser uma das condições de equilíbrio no governo dos povos. As administrações locais garantem uma ligação entre os municípios e o Poder Central, ao mesmo tempo que constituem largo campo de valorização para os homens que um dia serão chamados a mais importantes tarefas de governo.
O que disse pode, em síntese, resumir-se nestes termos: a vida municipal deve resultar da livre participação de todos; os municípios devem gozar de uma liberdade de iniciativa e execução que os afaste de mera posição decorativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o sucesso destes dois princípios depende de outras duas condições: as possibilidades financeiras das câmaras municipais; uma revisão das atribuições e competência das instituições locais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A tantas vezes denunciada crise financeira dos municípios tem encontrado sua explicação em causas variadas: o empobrecimento da vida rural e debilidade económica do mundo agrário tem constituído uma limitação de facto à matéria tributável; a concentração industrial roubou aos campos uma actividade hoje considerada a mais rica e, portanto, que mais favorece o volume dos impostos arrecadados; a concentração fiscal integrou-se na lei e nos factos, no processo de concentração de poderes do Estado; a política de não esgotar o contribuinte levou a sacrificar a tributação local na alternativa de ter de se aliviar alguma; as leis da desamortização no século passado originaram um processo de destruição de riqueza das instituições que não só as deixou sem possibilidades, como levou a entregar aos municípios novas responsabilidades; finalmente, a desvalorização da moeda tem constituído motivo de agravamento de dificuldades na medida em que os municípios, para fazerem face às suas múltiplas e sempre acrescentadas atribuições, têm contado com algumas receitas, produto de taxas fixas ou de percentagens invariáveis sobre matéria colectável determinada há muitos anos.
Analisada a situação relativamente às finanças do Estado, verificou-se mesmo não poderem até agora as câmaras municipais arrecadar adicionais sobre o imposto complementar, o imposto da sisa, o imposto sobre as sucessões e doações e modalidades do imposto profissional. Mais ainda. A reforma fiscal, consagrando isenções mínimas e isenções parcelares, projectar-se-á desfavoravelmente na situação dos municípios, dado que essas isenções se verificam em impostos sobre que recaem adicionais.
Volto assim a exprimir o voto de que a repercussão da reforma fiscal nas finanças locais se faça não só à sombra de uma simplificação nos processos de lançamento e cobrança dos impostos, como ainda numa maior comparticipação das câmaras naquele natural aumento de receita que resultará de a tributação se aproximar mais dos rendimentos reais ou de uma mais perfeita determinação dos rendimentos normais.
Também a revisão das atribuições se poderá traduzir numa diminuição de encargos para as câmaras.
Já afirmei um dia que, se a política das comparticipações, dos subsídios e das subvenções representa uma contrapartida do Estado relativamente à concentração fiscal operada a seu favor, a prática, mantida durante largo tempo, de exigir das câmaras o pagamento de impostos ao Estado ou a prática das deduções apuradas nos adicionais cobrados pelo Estado tem revelado que a solicitude do Governo Central tem o seu custo, quando afinal também as câmaras são a todo o momento compelidas a prestar serviços ao Governo sem daí obterem qualquer compensação.
Mais onerosos e mais clássicos nesta matéria são os. encargos com o tratamento dos doentes pobres, a instrução e as outras obrigações do artigo 751.º do Código Administrativo.

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Encontramo-nos assim na segunda questão atrás referida - a da delimitação das atribuições e competência das instituições locais.
Não referirei aqui só aqueles encargos que deveriam pertencer antes ao Estado. Atenderei sobretudo àquilo que entendo dever constituir atribuição dos municípios em matéria económica e ainda- à forma como outras instituições locais deveriam ser chamadas a dar o seu efectivo contributo à nossa vida rural.
A feição intervencionista do Estado em matéria económica deve ter correspondência na posição assumida pelos municípios. Competirá ainda a estes um apoio às actividades privadas, um controle destas actividades e a satisfação, mais ou menos directamente, de necessidades públicas. No primeiro caso poderão enquadrar-se: os trabalhos públicos que criam infra-estruturas, apoiam a luta contra o desemprego ou de cujo efeito multiplicador dos investimentos se tira proveito, além do mais, para o nível dos consumos; a política fiscal que afecta disponibilidades líquidas e opera alterações no nível dos rendimentos; a própria política de urbanização, com seus efeitos sobre as facilidades na localização de indústrias.
Já no que se refere ao controlo das actividades privadas será de exemplificar com as medidas de polícia económica. Finalmente, no sector da satisfação das necessidades colectivas, poderemos invocar o caso dos chamados «serviços públicos». A sua gestão realizar-se-á directamente, através de fórmulas resultantes de acordos entre a Administração e os particulares.
No primeiro caso, poder-se-á utilizar um órgão especial da Administração ou o simples concurso dos serviços gerais; no segundo, recorrer-se-á ao arrendamento, à concessão e à economia mista.
Ora, é precisamente em relação às sociedades de economia mista que o nosso ordenamento é insuficiente.
Elas possibilitam uma colaboração entre o interesse público e o lucro capitalista, permitindo a associação dos capitais públicos com os privados diminuir a importância do esforço financeiro do sector público, ao mesmo tempo que se incentiva o investimento privado, pela segurança que a presença do ente público proporciona. Abre-se assim um novo capítulo na colaboração para o progresso da vida local e um estímulo para mitigar uma indesejável propensão à liquidez entre as populações rurais.
Conviria, em suma, que a lei afirmasse directamente a possibilidade de os municípios participarem na constituição de determinadas sociedades de economia mista.
Mas se o esforço do desenvolvimento económico justifica novas atribuições dos municípios, existem razões históricas e de aptidão funcional que recomendam que outras atribuições lhes sejam retiradas. Mais uma conveniente ordenação da vida local impõe que outros organismos, além do município, sejam chamados a desempenhar tarefas bem definidas.
Volto assim ao problema assistêncial e às Misericórdias. Continuo convencido de que a Misericórdia da sede do concelho deverá ser o órgão central da assistência concelhia, cumprindo-lhe congregar a acção beneficente de todos os estabelecimentos ou organismos de carácter local.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A esta Misericórdia cabe o primeiro lugar nas actividades hospitalar, e assistêncial, realizando-se tal missão com o apoio do seu hospital sub-regional. Devendo constituir encargo da Misericórdia da sede do concelho a assistência prestada aos pobres e indigentes com domicílio de socorro na respectiva área, teria tal encargo sua contrapartida na participação das Misericórdias nos rendimentos da lotaria nacional e no produto de imposição fiscal que o Governo cobraria e entregaria para esse fim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como se sabe, depois da aprovação pela Assembleia Nacional do n.º 2 da base IV da Lei n.º 2115, ficou estabelecido que as Casas do Povo e suas federações incluirão entre os fins institucionais objectivos de previdência social, designadamente os da acção médico-social, assistência materno-infantil e protecção na invalidez, em benefício dos trabalhadores por elas representados e das demais pessoas residentes na respectiva área que, nos termos da lei, devam equiparar-se aos trabalhadores. Para a realização progressiva de tais objectivos estipulou-se ainda que o Governo deverá actuar com a possível urgência, de forma a generalizar a protecção social aos trabalhadores rurais e famílias.
E esta urgência em estender a segurança social às populações rurais que advogo com insistência.

O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Augusto Simões: - Era apenas para perguntai-se V. Ex.ª entende que em todo esse esquema assistêncial que acaba de pôr com todo o brilho não tem o município uma palavra a dizer? Não acha V. Ex.ª que todas essas funções não devem desenvolver-se fora do âmbito municipal? Poderá V. Ex.ª conceber que o município deva ficar alheio a tudo isso, sendo, como é o órgão que centraliza toda a vida local?

O Orador: - V. Ex.ª é conhecedor do Código Administrativo e, portanto, sabe que na constituição do município existe um órgão chamado conselho municipal. Esse órgão tem uma feição representativa, e nele estão representadas, por assim dizer, as Casas do Povo e Misericórdias. Assim se salva o espírito e coordenação de toda a actividade local. Deve V. Ex.ª ter reparado que o processo das minhas deduções se faz em matéria de encargos. Eles deveriam realmente ser transferidos para estas instituições.
A função dos municípios neste aspecto é apenas uma função de política, administrativa geral.
De resto, exigindo o desenvolvimento da assistência certo espírito e determinada técnica, tudo isso pressupõe um serviço social que não poderá ser preenchido pela burocracia municipal.
Esse serviço não deve estar adstrito aos municípios, porque estes não podem, na sua orgânica actual, desempenhar tais funções. Trata-se de uma matéria absolutamente especializada, que exigirá um serviço social que corra paralelo ao espírito de caridade das próprias Misericórdias.

O Sr. Augusto Simões: - Agradeço a explicação que V. Ex.ª acaba de dar-me. Mas o que motivou o meu reparo - que de resto nem foi reparo, porque estou dentro da política que V. Ex.ª preconiza - era apenas a valorização municipal, de que de maneira nenhuma me parece que se possa prescindir na definição dos esquemas assistenciais, porque o município representa, centraliza e dirige toda a vida local.
É claro que conheço o Código Administrativo, conheço as assembleias, representativas locais; mas também conheço, como V. Ex.ª, grande parte da sua ineficácia.

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O Orador: - Como eu e V. Ex.ª somos pessoas piedosas, vamos pedir a Deus que essas assembleias passem a ser mais eficazes!

O Sr. Augusto Simões: - Assim seja!

O Orador: - A assistência continuará, porém, nas mais das Misericórdias, no seu espírito e na situação marginal daqueles que a previdência não abranja. A coordenação mais eficaz, por via de acordos, das instituições de previdência com as de saúde e assistência permitirá ainda à previdência utilizar os hospitais das Misericórdias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas se as Casas do Povo representam a protecção do trabalhador rural, os grémios da lavoura deverão efectivamente cumprir as tarefas que a lei lhes atribui ou a sorte mesquinha da nossa agricultura justifica. A assistência técnica, o crédito agrário, o fornecimento de sementes e alfaias, a comercialização dos produtos agrícolas, matérias que tão sistematicamente vêm sendo descuradas, encontrariam ainda aqui um ponto de apoio.
E nem este caminho se opõe u um indispensável incremento no movimento cooperativo da lavoura.. Já na base IV da Lei n.º 1957 se estipulou que os grémios da lavoura podem promover a criação de caixas de crédito agrícola, cooperativas de produção e de. consumo ou qualquer outra forma de cooperação permitida por lei, incluindo as mútuas de gado, em benefício exclusivo dos seus agremiados e dos trabalhadores agrícolas.
O que acabo de dizer pode, em suma, concretizar-se assim: urge, para o progresso da vida local, fortalecer e prestigiar os municípios, as Misericórdias, as Casas do Povo, os grémios da lavoura e as cooperativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas estas realidades ligam-se ainda com outros dois aspectos: a conveniente articulação, no plano vertical, das instituições citadas; as ligações entre estas instituições-base e os futuros e indispensáveis organismos de desenvolvimento regional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há necessidades, mesmo no plano sectorial das instituições atrás referidas, que ultrapassam a sua força singular ou o seu âmbito regional.
Exemplifico com a electricidade ou o abastecimento de água. Será erro persistir no âmbito limitado do concelho quanto a uma rede de distribuição de energia; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... a política dos grandes aproveitamentos conjuntos levou a consagração do n.º 3 da base IV da lei sobre o abastecimento de água das populações rurais.
Assim, as federações das instituições-base deverão satisfazer, em âmbito geográfico mais largo, essas necessidades.
Justifica-se, em relação aos municípios, que a autarquia distrital constitua uma federação obrigatória dos mesmos. Daqui se passaria a uma revisão das finanças distritais e a uma definição complementar de competências e atribuições.
Do mesmo modo, as Misericórdias da área do distrito constituiriam uma federação, a cargo da qual poderia ficar o respectivo hospital regional, onde se realizaria a assistência hospitalar que não pudesse ser desempenhada nos hospitais sub-regionais.
Quanto às Casas do Povo ou aos grémios da lavoura, a estrutura, federativa está prevista nas leis. O que importaria era vivificar as instituições. É ainda o n.º 2 da base IV da Lei n.º 2115 que considera, para efeitos de segurança social, incluídos os trabalhadores rurais ou equiparados, ainda não abrangidos pelas Casas do Povo, nas federações das Casas do Povo da região. A estas federações incumbirá assegurar-lhes a realização destes fins.
Mas a política do desenvolvimento regional poderá conduzir à criação de organismos especiais. Tornar-se-á então necessário definir a posição das instituições locais na estrutura dos referidos organismos ou a colaboração que, porventura, lhes devam prestar.
Preocupei-me com problemas de- estrutura orgânica.
Seria agora, oportuno perguntar o que farão mais concretamente tais instituições. A pergunta poderá, aliás, fazer-se noutros termos quais as carências dos nossos meios rurais e a ordem de primazia a observar no combate às mesmas.
Os abastecimentos de água e as redes de esgotos, as estradas e caminhos, a electricidade e certos arranjos urbanísticos ou instalações de serviços poderão ser invocados a tal propósito.
Nos últimos anos a Assembleia Nacional tem aprovado leis de notório interesse para a solução de alguns destes problemas. Tenho, contudo, para mim que há duas reservas a formular: a imperiosa necessidade de acelerar a obra em curso e a urgência em atender aos problemas da água. das estradas e da luz nas regiões mais carecidas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também a nossa pobre habitação rural precisa de novos estímulos para a sua valorização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dispenso-me de repetir aqui pormenorizadas estatísticas que revelam as carências quantitativas e qualitativas neste sector. Em 1950, na zona rural do País (cf. o Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística de Novembro de 1955), 78 por cento das casas dispunham de cozinha, 54 por cento de cozinha e retrete, 18,2 por cento de cozinha, retrete e casa de banho, 15,4 por cento de água, 40,8 por cento de esgoto ou fossa e 80,9 por cento de electricidade.
Naturalmente que a melhoria da habitação rural se harmoniza com processos directos e indirectos.
A valorização económico-social das zonas rurais com o enriquecimento da agricultura, a criação de indústrias ou a citada política de obras públicas favorecerá, mesmo indirectamente, tal desígnio.
Mas as carências actuais fazem largo apelo aos meios directos. Daí tarefas de esclarecimento e oportunas realizações.
Importa promover campanhas sobre as necessidades e características das casas a construir ou a valorizar, bem como dos meios de que lançar mão para obter tais fins. Os nossos rurais deverão igualmente ser esclarecidos sobre a importância da localização da casa, a determinação dos materiais a utilizar na sua construção, a fixação de princípios relativos ao isolamento, à iluminação, à disposição interior.

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Penso que toda a política da habitação, em Portugal, recomenda a existência de um órgão central de comando que planifique as necessidades e coordene as realizações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importa evitar duplicações e sobretudo aqueles conflitos em que a nossa pobre natureza e vaidade poderão ser férteis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Estado, por si, ou com o concurso de outras instituições, públicas ou semi públicas, edificará bairros, dotará casais agrícolas com habitações, proporcionará aos serventuários rurais, desde o mestre-escola ao guarda florestal, adequado alojamento.
Mas esta política activa deve ser acompanhada de outras facilidades em matéria dê crédito imobiliário rural, de prémios de construção, de isenções fiscais.
Não quero significar que não disponhamos já de tais instrumentos. O que desejaria era uma utilização mais larga dos mesmos e que as facilidades prodigalizadas fossem mais generosas.
As minhas esperanças residem, ainda aqui, na generalização do movimento de autoconstrução e nas soluções cooperativas.
As sociedades cooperativas, permitindo a mobilização de pequenos capitais e eliminando os lucros na construção e administração, poderão representar um contributo estimável para a solução do problema.
Será preciso recordar que cerca de metade das habitações na Dinamarca se devem às cooperativas?
A autoconstrução poderá materializar expressões de solidariedade humana e de aproveitamento de potencialidades ou recursos.
Mas qualquer destas duas soluções exige apoio na direcção dos movimentos, na conveniente estruturação jurídica, nas soluções técnicas e, sobretudo, em facilidades de crédito.
Mas destas infra-estruturas materiais passo ao mais importante suporte da vida social - o próprio homem.
Já aqui afirmei ser dos que acreditam constituir a educação, e o ensino o grande problema nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Noutras oportunidades defendi, com relativo pormenor, esquemas de acção. Restringir-me-ei, portanto, a repetir duas ou três ideias essenciais.
A simples instrução primária, nos termos. em que é proporcionada, não satisfaz as realidades e aspirações da nossa vida local.
A escola deverá formar no português o homem integral, dar-lhe o espírito de uma missão civilizadora que, a meu ver, justifica a própria existência de Portugal. Mas, não poderá igualmente esquecer o sentido prático da valorização do homem que se dedicará as tarefas da agricultura, do artesanato e da própria indústria.
A revolução que se impõe na agricultura portuguesa sairá valorizada se a escola ajudar os nossos rurais a terem consciência dos métodos da cultura, do valor da selecção de sementes, da oportunidade das adubações, das técnicas de comercialização ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A inevitabilidade de um ensino indiferenciado e abstracto, o divórcio entre a escola e a horta, o museu ou a pequena oficina, têm a, sua quota-parte no êxodo rural que nos aflige.

O Sr. Augusto Simões: - Dirijo-me à pessoa crente que V. Ex.ª é para perguntar se V. Ex.ª não acha que a Igreja devia ter um papel mais operante na melhor educação de toda essa gente rural, isto é, se na verdade ela não deveria abrir, digamos assim, um bocadinho mais os seus métodos para se preocupar um pouco mais com a vida terrena.

O Orador: - Num dos muito notáveis discursos do Sr. Presidente do Conselho ele pôs, precisamente, o problema da colaboração da Igreja e creio que todos nós estamos de acordo com S. Exa.
No princípio deste discurso referi-me precisamente ao papel do professor, do médico e do sacerdote. E creio que neste problema do ensino a Igreja tem tido sempre todas as facilidades do Estado relativamente à escola primária.

O Sr. Augusto Simões: - Era essa afirmação que eu queria- pôr. Se a Igreja, durante tantos anos, teve um papel preponderante na vida dos povos com. quem principalmente contactou, e nomeadamente em relação à instrução primária, não seria, na verdade, oportuníssimo, neste momento, que a igreja viesse mais ao nosso terreno, procurando com a sua alta posição valorizar essa educação?

O Orador: - Com certeza que a Igreja deve ajudar a grande tarefa da educação nacional.
Também tenho salientado a oportunidade de uma maior democratização do ensino, com uma extensão da escolaridade obrigatória e gratuita. Razões de justiça fraterna, mobilidade social e aproveitamento de recursos humanos fundamentam tal convicção.
Ainda, para a obtenção de tal sucesso nas zonas rurais, seria oportuno falar em meios directos e indirectos. O nível económico, a dimensão da família, a proximidade dos estabelecimentos escolares e até a necessidade imperiosa de ganhar cedo a vida explicam muitas taxas de absentismo escolar. O desenvolvimento económico dessas populações ajudará a quebrar tal círculo vicioso.
Há, de resto, quatro pólos que comandam o êxito da escola: os professores, a assistência médica, as cantinas e as instalações escolares.
Não estou certo de que tenhamos mentalizado inteiramente os professores para as novas exigências do ensino.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Continuo convencido da modéstia das nossas realizações em matéria de saúde escolar e alimentação das crianças.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esperemos que o anunciado plano nacional de educação redobre as actuações em tão importante sector da vida nacional!
Ao lado da instrução, o outro pólo do bem-estar rural é a saúde e assistência.
A nossa grande aspiração reside, repito, numa efectiva cobertura das populações rurais pelo seguro social.
Mas, para lá desta solução genérica, existem deficiências imediatas relativas à educação sanitária, à assistência, à maternidade e à infância, à rede hospitalar, à cobertura médica, aos medicamentos, à alimentação e

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doenças da nutrição, à luta contra o alcoolismo e à assistência à família, que têm de ser encaradas com urgência e eficácia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A cobertura médica pelo sistema dos partidos municipais tem-se revelado insuficiente para os munícipes, onerosa para as câmaras e pouco compensadora para os facultativos. Penso que deverá antes constituir-se um serviço nacional e a distribuição regional dos profissionais efectuar-se segundo um planeamento que torne eficaz essa cobertura.
Os medicamentos são pouco acessíveis, tanto pelo preço como, em algumas zonas, pela distância a que se encontram os centros fornecedores. Há, pelo menos, um conjunto de medicamentos essenciais que conviria libertar da especulação que acompanha os processos normais de produção e de comercialização.
Quanto à alimentação do nosso povo, reconhecem-se, em regra, as carências de proteínas animais, de gorduras, de algumas vitaminas e de cálcio: Por outro lado, as estatísticas internacionais revelam a modéstia da nossa posição no que respeita ao número de calorias.
Acentua-se que esta modéstia alimentar está relacionada com o baixo teor de vida. Assim é, de facto. Mas também não há dúvida de que certos hábitos alimentares poderiam ser corrigidos com intensa campanha educativa a desenvolver entre as populações.
Todo o movimento de valorização das populações exige conveniente apoio em serviços públicos. Estes serviços constituem uma importante presença do sector terciário do mundo rural.
Quase no início desta intervenção falei na trilogia padre-professor-médico. Será agora oportuno avançar um pouco mais, para destacar: o menor cuidado que se tem dado à valorização do sector terciário no mundo rural; a importância económico-social que resultaria de tal presença; o interesse especial de algumas profissões para o desenvolvimento; a necessidade de medidas que estimulem a fixação de actividades terciárias.
O critério centralizador do Estado conduziu u destruição d u serviços públicos regionais e à multiplicação de repartições ou pletora de quadros em Lisboa.
Daí que a vida local, já carecida de elites, nem sequer tivesse passado a dispor de meia dúzia de diplomados que pudessem ser chamados a funções de liderança nas actividades políticas e administrativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mais. Estas élites que alimentariam certos consumos ou gerariam efeitos de demonstração de interesse nem sempre despiciendo deixaram de animar os circuitos económicos.
Muitas populações devem hoje percorrer dezenas de quilómetros para poderem ser servidas, ou então passam a, ter visitas-relâmpago dos técnicos agrários ou as lastimar a ausência de uma simples enfermeira ou de um médico veterinário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- -A animação da vida local requer assim a instalação de serviços públicos cuja importância ultrapassa as utilidades imediatas que corporizam.
Mas esta animação resultará sobretudo do empenho que pusermos no desenvolvimento da agricultura, da silvicultura, da pecuária, das indústrias e do comércio.
Não é meu intuito encarar agora estas questões pormenorizadamente, mas antes cuidar de alguns pequenos grandes problemas que as mesmas comportam.
Esta Assembleia tem, várias vezes, chamado a atenção do Governo para a importância dos múltiplos problemas da nossa agricultura: regime das estruturas agrárias, hidráulica agrícola, melhoramentos agrícolas, crédito e seguros agrícolas, investigação aplicada, formação profissional, armazenagem e transformação dos produtos agrícolas, preços dos produtos agrícolas, esquemas associativos ...
A minha intenção traduz-se apenas em dar relevo àqueles sectores onde são possíveis profundos arranjos sem grandes investimentos. Ou melhor: estou convencido de que, se formos realistas, poderemos obter na agricultura uma relação capital-produto bastante mais favorável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A defesa e conservação do solo, a pequena rega, a pequena mecanização, a renovação das sementes, a defesa fitossanitária, a melhoria das condições de armazenamento e comercialização e até um aproveitamento industrial primário poderão resultar de uma campanha de vulgarização agrária, de uma assistência técnica adequada, de facilidades em pequenos créditos, do recurso a soluções cooperativas. Quase tudo, em suma, pequenas ajudas que o Estado deveria- proporcionar e sem grandes dispêndios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto se poderia ainda conjugar com o reconhecimento da aptidão florestal de muitas zonas do País e com as indispensáveis tarefas de reconversão cultural.
A valorização do património público através da floresta deve ser intensificada e correr paralela a uma valorização do património privado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dispomos de instrumentos jurídicos que poderão favorecer tal desígnio. O que importa é mentalizar as populações na importância do reflorestamento, prodigalizar-lhes assistência técnica, árvores, sementes e créditos.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. André Navarro: - Estou plenamente de acordo com a forma como V. Ex.ª está a desenvolver o seu estudo. Todavia há um problema relativamente ao repovoamento florestal que não queria deixar sem reparo. E que as zonas montanhosas menos protegidas estão totalmente desprovidas de vias de comunicação. Faz-se um repovoamento florestal, mas depois, por falta de vias de comunicação, não se pode valorizar o produto. E, portanto, indispensável desenvolver a rede de estradas de montanha, porque elas são fundamentais para o desenvolvimento económico dessas regiões.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que isso se quadra sentimentalmente com o meu pensamento, dado que no maciço central português, donde sou oriundo, há uma vasta tarefa de repovoamento florestal a fazer. Ora este repovoamento não se poderá aproveitar devidamente sem uma conveniente rede de estradas. Nesta Assembleia várias vezes tenho advogado a construção das estradas n.ºs 343

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e 344, que servirão vastas regiões da zona central do País que não dispõem de outros meios de comunicação. Essas estradas são o eixo, a espinha dorsal de todas as outras afluente, que drenarão os produtos da floresta.
Agradeço, pois, a intervenção de V. Ex.ª
Os mesmos votos poderão, aliás, ser feitos relativamente ao fomento pecuário e ao fomento frutícola. O País deseja, por certo, o melhor sucesso aos respectivos planos de fomento anunciados em Fevereiro e Abril de 1962.
E passo à indústria.
Começo por mostrar os matizes das possibilidades das nossas zonas rurais: revigoramento do artesanato, pequenas indústrias complementares das explorações agrárias, industrialização dos produtos agrícolas, indústrias que laboram matéria-prima local ou sirvam os mercados regionais, grandes centros polarizadores, com indústrias-base convenientemente dimensionadas.
Faz agora três anos que o Governo, ao submeter à Assembleia Nacional a proposta da Lei de Meios para 1961. nela introduziu um artigo (17) que foi saudado com júbilo:

O Governo favorecerá, nomeadamente pela concessão de incentivos de ordem fiscal e de facilidade de créditos ao investimento nas regiões rurais e económicamente mais desfavorecidas, a instalação de indústrias-base e, bem assim, a descentralização de outras localizadas em meios urbanos.

O relatório que acompanhava a proposta da Lei de Meios para 1961 era, aliás, expressivo:

Estas vantagens poderão vir a revestir várias formas, desde as simples exonerações fiscais e isenções, por prazos maiores ou menores, e mesmo superiores aos máximos previstos em leis especiais já existentes, até u concessão, em regime de prioridade, de crédito a taxas de juros ou em períodos de amortização mais favoráveis nos financiamentos contratados para a instalação, alargamento de capacidade ou transferência de unidades, ou, ainda, em subvenções de estabelecimento, pela comparticipação integral ou em determinada percentagem, no custo de ramais de alimentação de energia, no fornecimento de águas, na construção de vias de acesso, etc., ou na redução de tarifas de transportes.

Os meus votos são no sentido de o Governo continuar fiel aos propósitos então formulados e, em dada medida, reafirmados na reforma fiscal.
Convirá, de resto, salientar que a problemática da «pequena empresa e a expansão industrial» ganha hoje uma óptica que permite destruir preconceitos.
A fazer fé em testemunho estranho, «em 1954, mais de 90 por cento dos estabelecimentos industriais americanos ocupavam menos de 100 trabalhadores, empregando 26 por cento da mão-de-obra industrial e contribuindo com 22 por cento para o valor acrescentado pelo total da indústria. O mesmo acontecia na Alemanha Ocidental. Quanto ao Reino Unido, para uma percentagem de 95 por cento no total dos estabelecimentos, a pequena empresa empregava no mesmo ano mais de 30 por cento da mão-de-obra industrial. No Japão, em 1952, estas percentagens elevavam-se a 99 por cento dos estabelecimentos existentes, a 59 por cento da mão-de-obra e a 37 por cento da produção em toda a indústria».
E chego ao último aspecto desta panorâmica: o da comercialização.
Creio constituir o sector onde os desarranjos são mais notórios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata apenas da cruciante questão do aprovisionamento e da comercialização dos produtos agrícolas.
Situados antes na óptica do consumidor, há que denunciar as deficiências no abastecimento e, sobretudo, a especulação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desenvolveu-se entre nós um vasto sector de intermediários, de utilidade económica, muito contestável, servindo apenas para embaraçar a- vida ao produtor e ao consumidor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Pode dizer-se que se assiste a um autêntico desvio ou até desperdício da riqueza nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda aqui se me afigura que o Governo deve encarar de frente e em toda a sua possível extensão este momentoso problema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: toda esta revolução que se impõe na valorização do mundo rural poderá não exigir investimentos substanciais. Constituirá antes um apelo ao desinteresse, à cooperação entre os Poderes Públicos e as populações. Geram-se, em suma, grandes movimentos em prol da vida local, que se fundam na devoção e no espírito esclarecido dos que. os promovem e daqueles que dos mesmos beneficiam.
E este o meu apelo na discussão da Lei de Meios para 1964: que o Governo promova no plano nacional esta cruzada de desenvolvimento rural.
Atrevo-me mesmo a sugerir alguns caminhos.
A criação de um preliminar estado de espírito poderia fazer-se com a ajuda de um congresso nacional da vida local ou até, noutro enquadramento, de um congresso nacional de municípios.
Daí passaríamos ao esforço metódico, prosseguindo inicialmente a tarefa de formação e de esclarecimento, logo seguida de uma tarefa de discussão e reajustamento, para finalizar em tarefas de acção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A formação e o esclarecimento processar-se-iam tanto nos meios rurais como nos círculos da cidade e da Administração Central.
De que necessitariam, nesta primeira fase, as populações rurais? De um sentido cívico, de uma consciência do valor do esforço conjunto.
Que conviria prodigalizar aos círculos da cidade e da Administração Central? Um conhecimento exacto das dificuldades da vida rural e um correspondente espírito de ajuda.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mobilizadas assim as consciências e as vontades, importaria que as populações interessadas estudadas sem em conjunto os seus pequenos grandes problemas, desenvolvessem em si faculdades de iniciativa e de esforço coordenado.
Entretanto, no âmbito regional, proceder-se-ia a uma centralização que permitisse ordenação dos problemas, coordenação de esforços, transmissão das realidades e necessidades locais aos órgãos do Governo Central.

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Às tarefas de acção poderiam assumir, na base local, fórmulas das que hoje é costume designar de movimento comunitário.
O interesse das populações redundaria, além do mais, em economia. Nem seria, por outro lado, difícil interessar os movimentos regionalistas nesta cruzada.
Mas ainda todos estes esforços se deveriam realizar em colaboração com as instituições tradicionais, a que atrás me referi, ou mesmo no interior das mesmas.
Em cada distrito o governador civil poderia ser o representante do Governo no movimento.
Caber-lhe-ia, nas tarefas de acção, promover, ajudar e coordenar.
Mobilizaria os técnicos das repartições distritais, fazendo-os acordar da letargia e do imobilismo em que têm vivido há largos anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os governos civis seriam, na capital regional, a «casa mãe» dos movimentos. Algo mais honroso do que a actual posição de «meras caixas do correio». (Risos). E os governadores civis sentiriam mesmo a sua posição prestigiada. O público convencer-se-ia enfim de que teriam atribuições e responsabilidades mais largas do que «a simples assinatura de passaportes».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem seria difícil incluir todo este movimento no próximo Plano de Fomento de transição. A pequena ajuda rural, a actuação decisiva em sectores ou estruturas da vida municipal e, finalmente, o planeamento regional constituiriam os sucessivos estádios de um esforço que, em poucos anos, transformaria completamente esta amorável terra de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Declaro encerrado o debate na generalidade. A ordem do dia da sessão da tarde é a discussão na especialidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas.
Como VV. Ex.ªs sabem, a ordem do dia começará praticamente no início da sessão, visto que só há um orador inscrito para antes da ordem do dia, e a sua intervenção será breve. Isto quer dizer que desde a abertura da sessão importa que esteja a maioria dos Deputados.
Não tenho mais nada a dizer a VV. Ex.ªs senão que abrirei a sessão à hora regimental, porque hoje tem de ficar votada, de acordo com a Constituição, a proposta do lei de autorização das receitas e despesas para 1964.
Peço, pois, a VV. Ex.ª a fineza de serem pontuais.
Está encerrada a sessão.

Eram 12 e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Cândido de Medeiros:
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Belchior Cardoso da Costa.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Olívio da Costa Carvalho.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Bosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avíllez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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