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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111
ANO DE 1964 8 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 111, EM 7 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Diário das Sessões n.º 110, que inserem: o primeiro, o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção do decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1964, e, o segundo, o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção do decreto da Assembleia Nacional sobre reembolsos dos custos de linhas novas de energia eléctrica.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários n.ºs 106, 107, 108, 109 e 110.
Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 45 425, 45 426, 45 458, 45 430, 45 433, 45 435, 45 438, 45 443, 45 444, 45 456, 45 457, 45458, 45 461, 45 462, 45 463, 45 465, 45 466, 45 467, 45 470 e 45 473.
A Assembleia autorizou o Sr. Deputado Martins da Cruz a depor, como testemunha, num processo que corre pelo Ministério do Exército.
A Assembleia negou autorização ao Sr. Deputado Pinto Carneiro para depor, como testemunha, no tribunal de Águeda.
Foram lidas as respostas dos Ministros do Ultramar, Obras Públicas e Economia a perguntas dos Srs. Deputados Herculano de Carvalho e Amaral Neto.
O Sr. Presidente referiu-se ao falecimento do Sr. Deputado Francisco Vasques Tenreiro e propôs um voto de pesar.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista evocou o 2.º aniversário da invasão do Estado Português da Índia.
O Sr. Deputado Nunes Barata referiu-se a viagem de Sua Santidade o Papa. Paulo VI à Terra Santa.
O Sr. Deputado Alexandre Lobato também deplorou a morte do Sr. Deputado Vasques Tenreiro.
O Sr. Deputado Alberto Meireles requereu informações pelo Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Armando Cândido agradeceu ao Governo o decreto-lei que decide a construção do aeródromo da ilha de S. Miguel.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Veiga de Macedo efectivou o seu aviso prévio sobre a política ultramarina do Governo.
Sobre o mesmo assunto falaram os Srs. Deputados Bento Levy, que requereu a generalização do debate, e Sales Loureiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
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Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Eodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Eosado Vitória Pires.
Ernesto dê Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Boseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Bebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos B essa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Bosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Bamos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 106, 107, 108, 109 e no do Diário das Sc-ssõcs. Ponho-os em recla-mação. Se os Srs. Deputados não tiverem qualquer reclamação a fazer, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, estão aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do governador de S. Tomé e Príncipe a apresentar condolências pelo falecimento do Sr. Deputado Vasques Tenreiro.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os Diário* do Governo n.ºs 291, 292. 293, 294. 299, 800, 301, 302, 303 e 304, l.a série, respectivamente de 12, 13, 14, 16, 21, 23, 24. 26, 27 e 28 de Dezembro de 1963, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 45 425, que dá nova redacção ao § 3.º do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 41 399, que reorganiza as reservas da Marinha; 45426, que regula o provimento dos lugares de chefe de secção, ou equiparados, do Ministério da Educação Nacional e confere ao chefe da Secretaria-Geral do Ministério as atribuições de assinar todas as folhas e demais documentos de despesa processados nos respectivos serviços; 45 428, que abre um crédito no Ministério das Finanças para ser adicionado a verba inscrita no artigo 297.º, capítulo 11.º, do orçamento dos Encargos gerais da Nação para o ano económico de 1963: 4/5430. que considera para todos os efeitos legais, incluindo os de vencimentos, desde 14 d u Setembro de 1938, a promoção do posto de capitão de um tenente do infantaria, promulgada por portaria inserta na Ordem do Exército n.º 9, 2.a série, de 1946; 45 433, que submete, por utilidade pública, ao regime florestal parcial obrigatório os baldios paroquiais da freguesia de Alcanede, bem como os baldios municipais do concelho de Santarém situados na mesma freguesia, que passam a constituir o perímetro florestal de Alcanede: 45 435, que cria a Estação de Cerealicultura de Beja; 45 438, que proíbe utilizar o serviço dos correios para o transporte de remessas postais - encomendas, caixas com valor declarado, cartas, impressos, amostras ou quaisquer outros objectos de correspondência que conte-
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nham as matérias perigosas referidas na lista anexa a este decreto-lei; 45 448, que promulga o planeamento dos trabalhos de arborização com fins produtivos dos terrenos cuja capacidade de uso seja predominantemente florestal, particularmente nos casos onde importo assegurar a fixação e conservação dos solos; 45 444, que insere disposições destinadas a promover no mais curto prazo as obras do aeroporto de S. Miguel, no arquipélago dos Açores; 45 456, que aprova, para ratificação, o Acordo internacional do Azeite, 1963; 45 457, que regula o provimento do pessoal a contratar e a assalariar pelo Serviço de Campanha de Fomento Pecuário e do pessoal eventualmente empregado em trabalhos de campo, insere disposições relativas aos serviços do Ministério da Economia o dá nova redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º [...] (produção e comércio do cevada dística); 45 458, que insere disposições relativas à cobrança da taxa de instalações de armazenagem de combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos, seus derivados e substitutos, referida nas alíneas H) e i) da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 37689; 45461 que coloca na dependência da Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes o Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira e regula outras disposições relativas ao mesmo Instituto; 45 462, que torna aplicáveis aos servidores da Guarda Nacional Republicana e da Guarda Fiscal e seus familiares que, nos termos do estatuto posto em execução pelo Decreto-Lei n.º 44133, deixaram de beneficiar da assistência aos tuberculosos do Exército, as disposições dos Decretos-Leis n.ºs 40365 e 42953; 45463, que fixa as verbas anuais para o pessoal auxiliar das tesourarias da Fazenda Pública e as remunerações dos propostos dos tesoureiros de 3.a classe no quinquénio de 1964 a 1968, insere disposições destinadas a introduzir alterações nos serviços das tesourarias, relativamente aos propostos e auxiliares das mesmas, adiciona um parágrafo ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 31 670 e dá nova redacção ao artigo 1.º e seu § 1.º do Decreto-Lei n.º 37492; 45465, que define o regime de instalação do Centro de António Flores, a integrar no Hospital de Júlio de Matos, em Lisboa, por força de uma doação efectuada para esse fim pela Fundação Calouste Gulbenkian; 45466, que aprova, para ratificação, o Convénio Internacional do Café, 1962; 45 467, que concede a amnistia e perdão de penas a vários crimes praticados por militares; 45 470, que introduz alterações nos quadros do pessoal administrativo das escolas técnicas profissionais; 45 473. que determina que as remições dos ónus enfitêuticos e censíticos incorporados no património do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 30615, requeridas no prazo de três anos, beneficiem dos descontos concedidos pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 29 840, autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a publicar a lista definitiva dos prédios onerados com encargos enfitêuticos e censíticos prevista no § 3.º do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 32 404 e faculta à mesma Direcção-Geral recrutar pessoal subsidiado pelo Comissariado do Desemprego para a realização do trabalho dactilogra fico da referida lista.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido do Sr. Ministro do Exército para que o Sr. Deputado António Martins da Cruz seja autorizado a depor num processo, de averiguações que corre naquele Ministério.
O Sr. Deputado Martins da Cruz, consultado sobre o assunto, informou não ver qualquer inconveniente para o exercício do seu mandato em que lhe seja concedida autorização. Nestes termos, vou consultar a Câmara.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Enviado pelo juiz de direito do tribunal judicial da comarca de Águeda, está na Mesa um ofício solicitando autorização para que o Sr. Deputado Pinto Carneiro deponha em audiência de julgamento naquele tribunal.
O Sr. Deputado informa que há inconveniente para o exercício do seu mandato em que lhe seja concedida autorização. Nestes termos, consulto a Câmara.
Consultada a Assembleia, foi negada autorização.
O Sr. Presidente: - Vão ser lidas notas de perguntas apresentadas pelos Srs. Deputados Herculano de Carvalho Amaral Neto, assim como as respostas que lhes foram darias pelo Governo.
Nos termos do artigo 11.º do Regimento desta Assembleia, requeiro que pelo Ministério do Ultramar me sejam prestadas informações sobre o seguinte:
1.º Foi instaurado processo disciplinar ou criminal contra um funcionário, ao tempo presidente da Comissão Municipal de Díli, que consta ter usado de processos puníveis por lei durante a organização dos autos relativos aos acontecimentos ocorridos em Viqueque em Junho de 1959. autos esses de que ele foi nomeado instrutor e que culminaram com o envio de cerca de 50 timorenses para a metrópole, Angola e Moçambique?
2.º Caso afirmativo, qual o actual estado do processo?
3.º Caso negativo, por que razão não foi movido procedimento?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 4 de Dezembro de 1963. - O Deputado, Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Proposta
Ministério do Ultramar. - Gabinete do Ministro. - 351 1/D/5. - Ex.mo Sr. Secretário de S. Ex.ª o Presidente do Conselho:
Em referência ao ofício n.º 4346/63, de 9 do corrente, pelo qual V. Ex.ª transmitiu a este Gabinete o despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho determinando a obtenção das informações solicitadas, na Assembleia Nacional, pelo Sr. Deputado Manuel Herculano Chorão de Carvalho, tenho a honra de comunicar que, posto o assunto, por via telegráfica, ao Governo da província de Timor, este esclareceu, por telegrama recebido em 16 do corrente, que:
a) Não foi ali instaurado qualquer processo disciplinar:
b) Não foi movido procedimento ao administrador Abílio Monteiro - que ao tempo era o administrador do concelho de Díli, presidente da Comissão Municipal e superintendente da Polícia - por naquela província nunca se ter levantado a questão, nem o respectivo Governo ter, até agora, tomado conhecimento directo do assunto.
Apresento a V. Ex.ª atenciosos cumprimentos. A bem da Nação.
Gabinete do Ministro do Ultramar, 19 de Dezembro de 1963. - O Chefe do Gabinete, Nuno Matias Ferreira. Está conforme.
Repartição Administrativa da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho 21 de Dezembro de 1963. - O Chefe
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da Repartição Administrativa, José António Guerreiro de Sousa Barriga.
Nota de perguntas
Nos termos constitucionais e regimentais, pergunto no Governo por que não se encontra sujeita a pagamento de portagem a utilização do troco extremo setentrional da auto-estrada do Norte, ao contrário do que sucede com o troço de Lisboa a Vila Franca de Xira e da decisão afirmada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48 70,5, de 22 de Maio de 1961.
Sala das (Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Dezembro de 1966.- O Deputado, Cariou Monteiro do Amaral Netto.
Resposta
1) O troço da auto-estrada do Norte entre os Carvalhos e o nó de Caudal mede no total 11 km, compreendendo os seguintes nós de ligação a Vila Nova de Gaia, indicando-se as distancias intermediárias: Carvalhos a Santo Ovídio, 5,1 km/Santo Ovídio a Coimbrões, 2,6 km, e Coimbrões a Candal, 3,3 km.
2) Em consequência, este troço de auto-estrada é nitidamente urbano, servindo bairros de Vila Nova de Gaia através dos citados nós, um deles - o de Santo Ovídio - permitindo o acesso ao Porto através da Avenida do Marechal Carmona, de Vila Nova de Gaia e Ponte de D. Luís I.
3) A proximidade dos nós confirma a qualificação de auto-estrada urbana, semelhante ao troço da auto-estrada do Oeste, entre Lisboa e o Estádio Nacional.
4) No início da auto-estrada do Norte em Lisboa, o lanço entre a Rotunda da Encarnação e o nó de Sacavam, que dá actualmente ligação à estrada nacional n.º 10 e, no futuro, à I Circular de Lisboa, é considerado como troço urbano justamente pelas ligações estabelecidas com Lisboa, Mosca vide e Sacavam.
5) Estes troços da auto-estrada do Norte e da auto-estrada do Oeste estão em condições idênticas, pelo que se não considera dever aplicar-se-lhes portagem.
De resto, em percursos tão curtos a taxa a aplicar seria diminuta e não compensaria sequer os encargos de exploração nem a cobrança de portagem nos nós de acesso.
6) O critério adoptado em nada contraria, aliás, o que se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43 705, de 22 de Maio de 1961.
Lisboa, 20 de Dezembro de 1963. - O Presidente da Junta Autónoma de Estradas, Flávio doa Santos.
Nota de perguntas
Tendo a imprensa dado notícia de haver sido suspensa a concessão de licenças para a exportação de algas marinhas gelósicas e referido graves prejuízos para os respectivos empresários e perdas de centenas de milhares de dólares em divisas, pergunto ao Governo, pelo Ministério da Economia, para esclarecimento da opinião pública, se a notícia tem fundamento e quais são as razões que desaconselham esta exportação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Dezembro de 1963. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Resposta
As algas colhidas no nosso litoral são excelentes como matéria-prima para o fabrico de ágar-ágar, produto que é largamente consumido nos mercados mundiais. No prosseguimento de uma política de valorização das riquezas nacionais, o Governo naturalmente favorece a expansão da indústria de ágar-ágar, recentemente reestruturada de acordo com a técnica japonesa -provavelmente a mais avançada do Mundo- e que conta agora com algumas unidades devidamente equipadas e dimensionadas para concorrerem com êxito no exterior.
Pretende-se, portanto, que, para além do valor que as algas têm como matéria-prima, caiba também à economia do País o sobrevalor obtido na sua transformação, benefício que actualmente recai sobre o produtor estrangeiro que compra as algas portuguesas.
Com o recente reapetrechamento da indústria nacional de ágar-ágar, que marca, aliás, o início do seu programa de expansão, verificou-se simultaneamente uma extraordinária alta no preço e na procura das algas para exportação, em " termos tais que, apesar das providências tomadas e dos acordos feitos, aquela indústria deixou praticamente de poder dispor de matéria-prima nacional.
O fenómeno é conhecido e traduz uma forma menos legítima de concorrência internacional: privar-se a indústria nascente da sua matéria-prima natural, esgotando-a ou elevando-lhe os preços a nível inacessível. Arruinada a indústria, imediatamente se voltaria à situação anterior, baixando o preço e o volume das exportações.
No que respeita ao comércio das algas agarófitas, os factos que interessam para melhor esclarecer a pergunta agora formulada pelo Ex.mo Sr. Deputado Eng.º Carlos Monteiro do Amaral Neto podem alinhar-se do seguinte modo:
Em 19 de Março de 1963 a fábrica de ágar-ágar pertencente à empresa Biomar, L.da, incluindo já então entre os seus associados o importante grupo financeiro japonês Mitsni & Cº, Ltd., suspendeu a sua fabricação e, conforme os esclarecimentos prestados a propósito do requerimento que o ilustre Deputado Dr. Elísio de Oliveira Alves Pimenta apresentou na sessão de 17 de Abril de 1963 da Assembleia Nacional, tal suspensão foi devida às dificuldades que aquela empresa encontrou na compra de algas, quer directamente aos apanhadores do litoral, quer aos comerciantes que as haviam adquirido para exportação, e não porque faltasse matéria-prima no País.
Apesar da regulamentação disposta na Portaria n.º 18 796, de 3 de Novembro de 1961, e das litigências promovidas, nomeadamente pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, não foi possível conciliar os interesses em presença, encontrando-se a indústria sistematicamente privada de matéria-prima.
Dada a impossibilidade de em tais circunstâncias, se assegurar o conveniente abastecimento à indústria, foi suspensa a exportação de algas agarófitas em 22 de Abril de 1963, facilitando-se-lhe assim a aquisição directa de algas aos ajuntadores.
Entretanto, e a fim de sanar o conflito de interesses entre industriais e exportadores, que se adensava, com evidente prejuízo para a economia nacional, foi o estudo do problema remetido, por despacho de 29 de Abril de 1963, a um grupo de trabalho que funcionou na Comissão de Coordenação Económica com representantes dos organismos e das actividades interessados. A este grupo de trabalho foi atribuída a tarefa de elaborar o projecto de um diploma legal que tivesse em consideração a necessidade de assegurar o regular abastecimento de matéria-prima à indústria nacional, a exportação de algas excedentes e a
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garantia de preços estáveis e de nível remunerador aos apanhadores.
O referido grupo de trabalho elaborou um projecto de diploma sobre o regime de recolha de distribuição de algas marinhas. Todavia, considerando a natural demora no estudo do sistema preconizado e a instante necessidade de uma solução para a emergência, o grupo de trabalho, por sugestão da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, promoveu a celebração, em 4 de Junho de 1963, de um acordo entre os industriais de ágar-ágar e os exportadores de algas, acordo pelo qual estes últimos se comprometiam a não adquirir algas agarófitas e a não impedir ou prejudicar a sua aquisição pelos industriais até 15 de Setembro de 1963, o que, julgava-se, iria facilitar à indústria a aquisição da matéria-prima sem a desregrada concorrência dos exportadores.
Sucedeu, porém, que o acordo não foi respeitado. As algas continuaram a ser subtraídas à indústria sob os mais variados pretextos e em quantidade tal que a fábrica da Biomar, L.da, continuando a encontrar insuperáveis dificuldades na aquisição de algas, suspendeu por três vezes a laboração até meados de Julho.
Tal situação implicava claramente o risco da transferência para outro país, nomeadamente para Espanha, dos investimentos estrangeiros então feitos na indústria e dos respectivos programas de expansão industrial.
Em consequência dos factos atrás referidos, a exportação de algas foi de novo cancelada em 28 de Julho último.
Como é evidente, a existência de uma indústria nacional de ágar-ágar não significa forçosamente a proibição de venda de algas agarófitas ao estrangeiro. Mas exige, como é obvio, que a indústria disponha de matéria-prima nacional nas quantidades que lhe forem necessárias e por preços reais.
Porém, foi-se tão longe na deterioração do mercado interno das algas que o Governo se viu forçado a suspender a sua exportação até à publicação do diploma legal que regulará o respectivo comércio, aliás já elaborado e em via de publicação.
Lisboa, 26 de Dezembro de 1963. - O Secretário de Estado do Comércio, Armando Ramos de Paula Coelho.
Nota de perguntas
Nos termos constitucionais e regimentais, pergunto ao Governo, pelo Ministério da Economia, se as disposições do corpo do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 45 223, de 2 de Setembro próximo passado, e da primeira e da última das regras estabelecidas na Portaria n.º 20 048, de 4 do mesmo mês, não conduzem a efectivo aumento do preço do pão para o público, como, aliás, a imprensa tem já sugerido. Pergunto mais se as consultas dos serviços quanto à correcta aplicação destas disposições já foram esclarecidas, em que data e por que via.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Dezembro de 1963. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Resposta
a disposto na primeira regra estabelecida na Portaria n.º 20 048, de 4 de Setembro de 1963, teve em vista uniformizar as tolerâncias no fabrico do pão previstas no corpo do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 38 850, de 7 de Agosto de 1952.
Quanto à interpretação a dar ao artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 45 223, de 2 de Setembro de 1963, e ao consignado na portaria acima referida, esclarece-se que, após estudo da matéria pelos organismos competentes deste Ministério, foi dado o seguinte despacho esclarecedor do correcto sentido das mesmas disposições:
Com base em despacho e instruções transmitidos, em 10 de- Outubro último, à Direcção dos Serviços de Fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos e em confirmação da orientação estabelecida através do Gabinete desta Secretaria de Estado, reafirma-se que a tolerância de 10 por cento, estabelecida na Portaria n.º 20 048, de 4 de Setembro de 1963, refere-se sómente ao fabrico. O consumidor tem o direito de verificar que cada unidade tem o peso legal, sendo portanto obrigatória a pesagem sempre que exigida.
Lisboa, 9 de Dezembro de 1963. - O Secretário de Estado do Comércio, Armando Ramos de Paula Coelho.
Lisboa, 21 de Dezembro de 1963. - O Ministro da Economia, Luis Maria Teixeira Pinto.
O Sr. Presidente: - Tenho o desgosto de participar à Câmara que faleceu durante as férias do Natal o nosso colega Sr. Deputado Vasques Tenreiro.
Todos VV. Ex.ªs conhecem o alto espírito daquele ilustre Deputado e professor.
Todos VV. Ex.ªs têm, naturalmente, a consciência da perda que sofreu a Assembleia, que sofremos todos, com a falta da sua colaboração.
Sugiro que na acta da sessão de hoje fique exarado um voto de sentimento pelo passamento daquele ilustre Deputado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Evangelista.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: aquela multidão que no dia 18 de Dezembro se juntou ao pé da estátua de Afonso de Albuquerque e depois seguiu para os Jerónimos, em cerimónia de luto e dor, evocatica de um dos mais repugnantes crimes internacionais do nosso tempo; aqueles portugueses que nesse mesmo dia se manifestaram contra o esbulho e a afronta em todos os cantos do Mundo, aquela gente de Goa, a que vive cativa na terra cativa e a que no exílio atravessa horas de amargura e desespero; a população goesa que, através de tudo e apesar de todas as vicissitudes e contrariedades da hora presente, admiravelmente afirma o seu portuguesismo - merecem uma palavra de evocação nesta Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Faz agora dois anos.
No princípio de Dezembro surgiram sinais públicos de que algo se preparava contra o Estado Português da índia. Estava em plena e aberta fase de execução um grande plano militar do exército da União Indiana. Dizia-se nessa altura que o Ministro da Defesa, Crixna Menon, tinha pressa em assaltar Goa e apoderar-se dela, pois se avizinhavam as eleições legislativas e isso lhe daria algum prestígio para fins eleitorais.
Pouco tempo antes, o primeiro-ministro indiano havia conferenciado, em Nova Iorque, com o presidente
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Kennedy, mas as agências iam cautelosamente acrescentando que nessa reunião não se tratara de Goa. Evidente se tornava, para o observador atento, que entretanto se havia desenvolvido, nn sombra dos conluios secretos, grande actividade diplomática. Os traficantes de independências e soberanas haviam seguramente chegado a acordo, nas sórdidas transacções deste nosso tempo. Nehru assentava a fase final da partida, colocava as suas pedras em posição.
Em 11 de Dezembro proclamava, no Parlamento de Nova Deli, que Portugal ameaçava o seu país e pretendia «conquistar território indiano»! Era a técnica, já conhecida, da subversão da verdade. O Times of Índia informava sobre operações de «comandos nacionalistas» goeses. Crixna jVfenon criticava os «numerosos amigos de que Portugal dispõe no Mundo», enquanto Nehru dizia, com desfaçatez inexcedível, que «a única solução para o problema é a saída das autoridades portuguesas do Goa». A campanha fora montada e executava-se.
Entretanto o presidente Kennedy escreveu ao primeiro-ministro indiano sobre os preparativos da agressão contra o território português de Goa. Por seu turno, o embaixador dos Estados Unidos em Nova Deli fez diligências junto do ministro dos Negócios Estrangeiros indiano. Em 16 de Dezembro Dean Eusk encontrava-se com o generalíssimo Franco em Madrid. Nesse mesmo dia, em mensagem dirigida ao secretário-geral da O. N.º U., o Presidente do Conselho português declarava:
O Governo Português sempre se manifestou disposto e ratifica a sua disposição de negociar com a União Indiana soluções para todos os problemas emergentes da vizinhança.
A nossa missão permanente junto das Nações Unidas entregou ao presidente do Conselho de Segurança uma nota, cheia de lógica e de verdade, na qual se escreveu:
Escapa ao Governo Português a possibilidade de compreender por que razão a soberania portuguesa empresta a um território a qualidade de colónia, enquanto a soberania indiana, segundo se depreende, lhe tira automaticamente tal carácter.
Noutro passo:
Não reconhece, o Governo Português a menor autoridade moral ao Governo Indiano ...
O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!
O Orador:
... para solicitar a qualquer pais o cumprimento de quaisquer resoluções. enquanto o Governo Indiano não cumprir, por sua parte, a sentença do Tribunal Internacional da Haia, de 12 de Abril de 1260, que reconheceu a legitimidade da soberania portuguesa em Goa, Damão e Diu, e o direito de passagem para Dadrá e Nagar-Aveli, e as numerosas resoluções que foram aprovadas pelas Nações Unidas a propósito da agressão indiana contra Caxemira, quo, legalmente o de harmonia com a vontade da população respectiva, pertence a um terceiro país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
O Governo Português, no entanto, por experiência própria, conhece quanto o Governo da União Indiana despreza a autoridade dos órgãos internacionais e a vontade das populações que deseja subjugar, sejam estas portuguesas, nagas ou outras.
Em 18 deu-se o assalto. O crime tirou definitivamente «i máscara. Contra a pequena Goa moveram-se dezenas de milhares de soldados, o aparato bélico assumiu proporções de acontecimento inédito. Jornalistas estrangeiros foram proibidos de fazer as suas reportagens, vedando-se-lhes o acesso a Goa. Uma velha e gloriosa parcela de Portugal sucumbiu no meio do crime repugnante que mesmo a sensibilidade de um mundo doente reprovava.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Ocidente ficava mais empobrecido. E anote-se que o assalto foi perpetrado na altura em que o presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se encontrava de visita à União Indiana.
Sr. Presidente: no bas-fond da política internacional há cumplicidades que se permutam; atitudes que se transaccionam em troca de outras atitudes; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... comportamentos que se inspiram num sinistro jogo, oculto, como o próprio mundo secreto do grande crime. Nehru. ao perpetrar o assalto a Goa, fê-lo porque, no tráfico sangrento de algumas chancelarias menos escrupulosas, logrou obter cumplicidades, em troca sabe-se lá de quê!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sete anos antes, em 2K de Julho de 1954. dera-se o assalto aos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli. Uns tantos bandoleiros, a soldo da União Indiana, invadiram o território dos enclaves, assassinaram agentes da soberania portuguesa, fiéis autóctones, que preferiram a morte à desonra.
Invadidos e saqueados os enclaves, foi, ao mesmo tempo, proibida a comunicação através do território da União Indiana, por onde secularmente se efectuava a passagem. Portugal recorreu para o Tribunal Internacional de Justiça, que lhe reconheceu o direito de passagem, por território indiano, até aos enclaves, reconhecendo a legitimidade da soberania portuguesa no Estado da índia.
O artigo 94.º da Carta das Nações Unidas, incluído no capítulo XIV, diz textualmente:
1) Cada membro das Nações Unidas compromete-se a conformar-se com as decisões do Tribunal Internacional de Justiça em qualquer caso em que seja parte.
2) Se uma- das partes num litígio deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pelo Tribunal, a outra terá o direito de recorrer ao Conselho de Segurança, que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobro medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Contra a União Indiana foi decretada sentença reconhecendo a soberania portuguesa nos endaves e em Goa e determinando-lhe a obrigação de conceder o direito de passagem. Não acatou a sentença, e nem por isso a O. N.º U. se importou, como a Carta lho impunha.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Não houve condenação do esbulho, não houve recomendações, nem sanções. Iniciara-se um processo de agressão e assalto, contra território estrangeiro, que viria a culminar na invasão de 18 de Dezembro - e as Nações Unidas ficaram impassíveis. Nem recomendações, nem censuras válidas. Pelo contrário, logo Nehru receberia visitas corteses e armamento copioso de Estados ditos livres e defensores do direito internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Crixna Menon continuou a passear a bengala petulante pelos corredores da O. N.º U. e chegou a afirmar que o que estava feito estava mesmo feito, «com a Carta ou sem a Carta»! E o dinheiro, e as armas, e os sorrisos, e as amabilidades para com Nehru da parte de alguns aliados de Portugal - nem por um momento se obscureceram.
A agressão não terminou ainda. Prossegue, agora, na O. N. U., mais cavilosa, mais odiosa, mais repugnante. E os mesmos que se calaram ante a agressão da União Indiana a Goa andam agora empenhados em legitimar nova agressão contra o ultramar português. Nojo de Mundo!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Como pretende a O. N. U. opinar sobre as questões portuguesas, se ficou impassível ante um dos maiores escândalos criminosos do pós-guerra, como foi o piratismo da União Indiana contra Goa?!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como pretende invocar o direito, se o postergou, quando o Tribunal Internacional decretou V reconhecimento da nossa soberania no Estado da índia?!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como há-de apelar para a Carta, se si invoca só quando lhe convém?! E com que autoridade pode pedir a Portugal o respeito por deliberações que só valem e são invocadas na medida em que nos suo contrárias?!
O que realmente se pretende, ao fim e ao cabo, é afastar Portugal da soberania sobre as suas províncias do ultramar. As moções e as resoluções, que ora deturpam o texto e o espírito da Carta, ora proclamam as maiores aberrações jurídicas, destinam-se a conseguir, por via sinuosa, aquilo que frontalmente, em rigorosos termos de direito, não é possível conseguir. Por isso, a certa altura do debate na 4.ª comissão, em Novembro de 1061, pôde-se escutar esta monstniosidade, proferida pelo representante do Ghana: «Lancemos todos um véu sobre o rosto da legalidade»!
É horrível que na mais alta assembleia do Mundo seja possível proferir, com geral complacência, uma enormidade que, só por si, define um estado de espírito colectivo, a moral vigente na sociedade internacional dos nossos dias.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - O Mundo está a barbarizar-se, enleado num primitivismo renascente sob a forma de maioria de países com independência fictícia. Nesta sociedade em degradante retrocesso crescem os traficantes de independências e povos, os que fazem disso espécie de negócio à percentagem - negócio que, entretanto, se realiza à custa de violências, de sangue, de injustiças, de imoralidades sem nome! Escandaloso tráfico da nossa época, vergonha de uma sociedade internacional que se condena irremissivelmente perante a história!
Goa foi invadida porque o larápio se havia previamente assegurado das cumplicidades indispensáveis. Goa é hoje terra cativa, colónia da União Indiana, povo ao qual é recusado o direito à autodeterminação, que todos pregam, mas ninguém respeita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Goa vive, na pobreza e sob a opressão, horas de terrível esmagamento, e quando os seus peticionários chegam às Nações Unidas não os deixam falar nem contar a verdade. Goa sofre e exprime a sua repulsa pelo Governo que a escraviza infligindo tremenda derrota eleitora ao partido dos assaltantes. Goa, através da sua gente espalhada na rosa-dos-ventos, manisfestou-se, em recente congresso realizado em Paris, contra a tirania, e decidiu encetar a luta pela restauração da sua dignidade e da sua liberdade, dentro da Nação Portuguesa.
Portugal, amputado no seu corpo secular, não abdica dos direitos e defesa dos seus nacionais, da boa gente portuguesa de Goa, e encontra nesse desígnio motivo de energias a renovar. A gente de Lisboa compareceu à cerimónia evocativa da brutal agressão, juntamente com os goeses aqui residentes, os que fugiram da opressão, da miséria, do enxovalho da terra cativa e das almas em sangue - terrível campo de dor e desolação em que o invasor converteu o Estado Português da índia. Aos autores do crime, e também aos seus cúmplices internacionais, o sofrimento de Goa há-de morder, como remorso sem fim. até que possa recuperar a liberdade perdida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nasceu há dois anos, verdadeiramente, no plano internacional, a «questão de Goa», que até aí não existia. Foram palavras de Salazar, nesta Casa da Representação Nacional, em 3 de Janeiro de 1962. Fez agora dois anos que nasceu a «questão de Goa»: uma população cativa na sua própria terra, uma grande multidão que busca no exílio o lenitivo para a liberdade que lhe roubaram, gente de que as Nações Unidas se esquecem, para a qual não se aplica a autodeterminação, à, qual é recusado o direito de escolher o seu destino, que a história talhara dentro do próprio destino de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esses goeses espalhados pelo Mundo, tão portugueses hoje como há séculos, são uma condenação da nossa época, espinho que faz sangrar os responsáveis pela política internacional do nosso tempo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em 19 de Dezembro de 1961, durante a impressionante manifestação religiosa do povo de Lisboa, que levou ao altar da Sé Patriarcal uma relíquia de S. Francisco Xavier, S. E. o Cardeal-Patriarca, D. Manuel Gonçalves Cerejeira -egrégia figura da igreja e do Pensamento -, disse:
Portugal não morre, mas a perda da Índia Portuguesa levar-lhe-ia parte da sua alma e do seu coração.
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E um nossas retinas ainda permanece a imagem dos olhos humedecidos do Sr. Presidente do Conselho na histórica sessão de 8 de Janeiro desta Assembleia Nacional:
Toda a Nação sente na sua carne e no seu- espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejaria morrer com ela.
Mas o tempo fez pacto com o Presidente do Conselho de Portugal, o tempo é ministro de Salazar. Aquela agressão contra Goa é agora arma cruel apontada contra a União Indiana quando a China a invade, quando a China poderosa a humilha e quando o Paquistão vai tomando posição de desforço face ao brutal e cínico vizinho. O tempo é ministro de Salazar, e no tempo está a história, com os seus juízos implacáveis e também com a mão justiceira da Providência, que um dia fará retornar Goa às suas origens de cultura e alma profundamente portuguesas.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: foi há mais de mil e novecentos anos que um obscuro pescador do mar da Galileia chegou a Roma investido de uma missão de cuja transcendência no plano temporal talvez ele próprio estivesse longe de se aperceber.
Era Pedro, o novo Moisés, condutor do novo Israel, a que se associava Paulo, o novo Aarão, também escolhido para anunciar as riquezas de Cristo aos gentios.
Igreja dos apóstolos e dos mártires; Igreja dos tempos bárbaros; .Igreja das catedrais e das cruzadas; Igreja do Renascimento e da Reforma; Igreja do grande século e das revoluções, são dois milénios que reflorescem hoje na Igreja dos novos apóstolos.
E tal como Pedro, o pescador, é agora Paulo VI que peregrina pelos locais onde viveu Jesus.
Creio, Sr. Presidente, que a transcendência deste acontecimento, pelo seu valor intrínseco e pelas consequências que do mesmo resultarão justifica uma referência nesta Assembleia Nacional.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A visita do actual Pontífice à Terra Santa, a primeira de um papa após a partida de S. Pedro para Roma, destaca-se na linha dos grandes acontecimentos dos últimos tempos não só da história da Igreja, como da história da humanidade.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Depois das encíclicas Mater et Magistra o Pacem in Terris, de João XXIII, e simultaneamente com a realização do Concílio Vaticano II, Paulo VI reafirma a actualidade u eficácia da missão da Igreja, surgindo como peregrino da paz e do amor numa terra dividida pelos ódios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É o espírito ecuménico da igreja de Cristo que animará os propósitos de aproximação dos chefes de duas igrejas que o cisma há nove séculos separou. Todos esperam que os sentimentos de conciliação de Paulo VI e Atenágoras I constituam suporte seguro para que se consume a oração de Cristo sobre a unidade dos cristãos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas ainda no plano político - embora Paulo VI tenha acentuado os propósitos específicos da sua peregrinação , quem poderá minimizar as deferências de uma nação árabe ou do Estado de Israel para com o chefe dos católicos?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cristãos, maometanos e judeus tom afinal a uni-los a mesma crença num Deus criador, a mesma concepção espiritual da vida, o mesmo desejo da paz, que constitui profundo anseio de toda a família humana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o carácter de «grandes acontecimentos» dado nos mais variados sectores aos actos da vida da igreja católica dos últimos anos não resulta de especulações publicitárias nem se filia no êxito fácil.
A extensão e a intensidade das reacções observadas constituirão antes um testemunho de como a Igreja tem sabido responder aos problemas do nosso tempo, às preocupações mais profundas de todo o homem que vem a este mundo.
Poderia, Sr. Presidente recordar aqui o processo e os anseios da minha geração, criada no decurso de uma guerra implacável.
A juventude da minha geração foi solicitada a dar a «sua compreensão:» aos sistemas mais diversos e absurdos, embora, como que por ironia, os homens morressem nas câmaras de gás ou construíssem a mascarada da política internacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Abrindo-se assim o Mundo às mensagens mais contraditórias, não seria nada de extraordinário que os jovens, na pureza da sua sinceridade, caíssem no cepticismo.
Nalguns sectores o processo teve consequências bem mais extremas.
Recordo a impressão que em mim causou o depoimento sacrílego de um tal Claude Roy:
Na China não há problema religioso, porque lá os deuses já estão muito fatigados.
A anestesia do sentimento religioso de parte da humanidade parecia exaltar o anúncio nietzschiano da «morte de Deus».
O problema já não se punha mesmo em termos de conflito, mas num humanismo ateu que explicava aquela lamentação do imortal Pio XII:
O maior pecado actual é que os homens começam a perder o sentido do pecado.
Um novo conceito do homem da liberdade, da vida, uma moral de situação...
Daí uma juventude lançada na embriaguez do exibicionismo ou das velocidades, juventude falhada no sonho, filiada no tédio e no desespero.
Parecia que pairavam angustiosamente aquelas palavras de Jesus:
Mas quando vier o Filho do Homem, julgais vós que encontrará fé sobre a Terra?
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Entregue aos seus instintos, na expressão de Greef, ou contra o humano, na análise de Gabriel Mareei, «o homem é uma interrogação na noite». Sente, na fala de Proust, o vazio translúcido, monótono e profundo da existência. Experimenta, como diz Jaspers, o indizível horror do seu abandono.
Por tudo ainda a exclamação de um Sartre:
Se suprimis Deus-Pai, é necessário alguém para inventar os valores. Além do mais. dizer que somos nós que inventamos os valores significa apenas isto: a priori, a vida não tem sentido.
No fundo restavam sempre, u minha geração, três esteios: a lição da história, o reencontro através da experiência e a Providência.
Embora o homem do Ocidente tenha sido modelado pelo cristianismo, não quero com isso significar que a igreja católica se encontre absoluta e exclusivamente ligada à nossa civilização ocidental. As notas espirituais de universalidade e de unidade da igreja católica dirigem-se ao que há de próprio e permanente em todos os corpos sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto, porém, não nos impedia de compreender que se a velha Europa desejava continuar a existir, se o Mundo continuava a necessitar da Europa, era mister que esta prosseguisse a sua trajectória histórica determinada pelo figura de Cristo.
Aos que nos acusassem de preconceito ocidental poderíamos sem jactância responder que é pelos frutos que se conhece a árvore.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A velha Europa não seria, a tal propósito, um mero complexo geográfico, mas uma figura espiritual operativa. Desenvolvida numa história mais do que milenar, podia rever-se numa plenitude de personalidades e de forças, numa profundidade de riquezas e destinos. Porá ela que determinara a maneira de pensar, o carácter das decisões, o modo de sentir e de experimentar.
Liberdade, espontaneidade, responsabilidade, destino..., toda a teoria de palavras mágicas que pretendiam erguer contra a própria moral em que se apoiou a sua formação e desenvolvimento não teriam sido afinal geradas no seu próprio coração, não encontrariam apenas aí o sustentáculo da sua permanência e de uma definição sem equívocos.
Mas também os riscos da intensidade moderna poderiam conduzir os jovens da minha geração a um estádio bem superior na estrutura espiritual. Tal como um pouco de vivência poderia afastar Cristo, muita experiência reconduzia aos seus caminhos. O homem compreendia assim a exclamação de Santo Agostinho:
Não posso permanecer em mim se não permaneço em Deus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E talvez no final da tribulação muitos do meu tempo tenham compreendido aquelas palavras que Nicodemos ouviu um dia:
O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde ele vem nem para onde vai; assim é todo aquele que renasce do espírito.
De resto, em que outra idade, na história do Mundo, que não na actual, se ofereceram ao homem tão radiosas esperanças?
Não nos abre a economia largas possibilidades quanto à libertação da penúria? Não será a promoção dos territórios subdesenvolvidos galvanizadora de energias, bem capaz de obrigar
Nem me parece difícil, embora reconhecendo o risco da fragilidade moral dos homens, repetir ainda com Jaspers:
Nós vivemos uma época espiritualmente incomparável e grandiosa, porque rica em possibilidades e em perigos: mas se ninguém for capaz de se colocar à altura das suas exigências, ela poderá converter-se na era mais miserável da história, marcará a derrota da humanidade.
No discurso de abertura solene do Concílio Vaticano H, João XXIII acentuou expressivamente:
O grande problema, proposto ao Mundo, volvidos quase dois milénios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com Ele e com a Sua Igreja - e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem Ele. ou contra Ele, e deliberadamente contra a Sua Igreja - causando confusão, dureza nas relações humanas e perigos continuados de guerras fratricidas.
Mas a nossa época proporciona igualmente à igreja católica condicionalismo de magistério e de acção que ganham uma feição inteiramente nova.
E João XXIII acrescentava ainda no discurso citado:
No exercício quotidiano do Nosso ministério pastoral chegam-Nos aos ouvidos insinuações de almas ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de descrição e moderação. Nos tempos modernos não vêem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação com as passadas, tem piorado; e comportam-se como quem nada aprendeu da história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos concílios ecuménicos precedentes fosse tudo triunfo completo da ideia- e da vida cristã e da justa liberdade religiosa.
Mas a Nós parece-Nos que devemos discordar desses profetas das desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustosos. como se estivesse iminente o fim do Mundo.
Na ordem presente das coisas, a misericordiosa Providência está-nos levando para uma ordem da relações humanas que. por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados, e tudo, mesmo as humanas diversidades, converge para o bem da Igreja.
É fácil descobrir esta realidade se se considera com atenção o Mundo de hoje. ocupado com a política e as controvérsias de ordem económica, a tal ponto que já não se encontra tempo de pensar nas preocupações de ordem espiritual, de que se ocupa o magistério da Santa Igreja. Este modo de proceder não é certamente justo, e com razão temos de desaprová-lo; mas não se pode contudo negar que estas novas condições de vida moderna têm pelo menos a vantagem de ter
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suprimido aqueles inúmeros obstáculos com que em tempos passados os filhos do século impediam a acção da Igreja. De facto, basta percorrer mesmo rapidamente a história eclesiástica para verificar sem sombra do dúvida que os concílios ecuménicos, cujas vicissitudes constituíram uma sucessão de glórias verdadeiras para a igreja católica, foram muitas vezes celebrados com alternativas de dificuldades gravíssimas o tristezas, por causa da intromissão indevida das autoridades civis.
A igreja católica poderá oferecer ainda aos homens uma, visão optimista fio Mundo actual:
Sempre a Igreja se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Nos nossos dias, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade. Julga satisfazer melhor as necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que condenando erros. (Cf. discurso cit. de João XXIII.)
Os erros e as desordens contemporâneas que nas encíclicas Ad Pátri Cathedram e Mater at Magistra preocupavam João XXIII têm na encíclica Pacem in Terris a compensação de uma compreensão dada ao movimento positivo da humanidade, o que permite situar tão notável documento na própria linha, da história.
A Igreja não se alheia das grandes transformações económico-sociais do nosso século, antes as acolhe, e promove.
Em que têm consistido tais transformações?
Sem pretender uma enumeração exaustiva, atrevo-me, contudo, a repetir umas tantas: a ascensão das classes trabalhadoras nos domínios económico, social, político e cultural: a promoção da dignidade da mulher e reconhecimento dos seus direitos na vida familiar e pública; a generalização da ideia de igualdade entre todos os homens e as nações: o respeito pela ordem jurídica como depositário da estrutura constitucional e garante dos direitos substantivos e processuais: a promoção dos territórios subdesenvolvidos; o recurso às negociações como meio de resolver os .conflitos internacionais; a intensificação das relações entre os homens e os Estados, intercâmbio quo, além do mais dará a todos «uma consciência mais viva de serem membros activos da família humana universal».
O apoio ao movimento positivo da história encontra-se ainda patente na autêntica declaração cristã dos direitos do homem que a encíclica Pacom in Torris reafirma de formo, bem completa:
A dignidade da pessoa humana exige uma actuação responsável e livre. Importa, por conseguinte, que na vida social o exercício dos direitos, o cumprimento dos deveres e a colaboração nas múltiplas actividades resultem sobretudo de decisões pessoais, fruto da convicção e iniciativa, próprias, do sentido pessoal das responsabilidades, mais que da coacção, pressão ou forma qualquer de imposição externa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda aqui, Sr. Presidente, me ocorre estabelecer uma comparação entre a segunda tese de Marx sobre Fuerbach e um passo da Epistola do S. Paulo aos Romanos (12,2).
O judeu de Trèves escrevia no século passado:
Os filósofos limitaram-se até agora a interpretar diversamente o Mundo: ora, trata-se agora de o transformar.
O judeu de Tarso ensinava há quase dois mil anos:
Não vos conformeis a este século presente, mas reformai-vos em a novidade do vosso espírito, para que reconheçais qual é a vontade de Deus que é bom, justo e perfeito.
Transformar primeiro o Mundo e depois o homem, como queria Marx; transformar primeiro o homem e por meio dele o Mundo, como esperam os cristãos, são problemas de fé com obras. Mas enquanto o cristão se realiza, desde que o Reino de Deus está no seu interior, possuindo o essencial logo que se converte, o marxista esperará pelo enigma do fim dos tempos e nem os factos reais que na sua paixão temporal se deparam lhe têm assegurado o homem liberto.
O ensino dos papas, sobretudo a partir de Pio IX, e principalmente nos magistérios de Leão XIII, Pio XI o Pio XII, insistiu na organização da sociedade política. Autoridade, bem comum, Estado, participação dos cidadãos na vida pública, etc., são pontos de uma síntese que também na encíclica Pacem in Terris completa a já referida declaração cristã dos direitos do homem.
Mas ainda aqui desejaria apenas referir um aspecto particular das relações dos cidadãos entre si e com o Estado, objecto de pormenorizadas atenções na encíclica Matar et Magistra: o das reivindicações das classes trabalhadoras.
Se a paz é fruto da justiça, compreende-se o empenho posto no desenvolvimento social paralelo ao desenvolvimento económico, no extensão da segurança social, nas políticas de pleno emprego, na equilibrada repartição dos rendimentos, na participação dos trabalhadores nas responsabilidades das empresas, no lugar dado às associações profissionais na própria organização política.
A consciência viva de que todos somos membros activos da família, humana explica que Pacom in Terrix tenha sido dirigida a «todos os homens de boa vontade». Creio ser este ainda o espírito que presidiu à peregrinação de Paulo VI.
Incumbe hoje uma tarefa imensa, a de restaurar sobre as bases da verdade, da justiça, da caridade e da liberdade: relações das pessoas entre si. relações dos cidadãos com as respectivas comunidades políticas, relações finalmente entre as pessoas, as famílias, o? organismos intermédios e as comunidades políticas por um lado e a comunidade mundial por outro. (Pacem in Torrin.)
Será grato ao nosso coração de portugueses, que desde sempre repartimos a vida com os outros povos, sem preconceitos de raças ou de religiões, que o Mundo avance nesta imensa tarefa de colaboração e paz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas estes votos dão-nos igualmente autoridade para exigir o reconhecimento de que a nossa no Mundo é ainda um serviço à paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tem a data de Janeiro de 1961 uma nota pastoral do episcopado da metrópole, a que oportunamente me referi nesta Assembleia (cf. Diário das Sessões de 25 de Janeiro de 1961, que ainda não perdeu a autoridade e a oportunidade.
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Ao recordar aos fiéis que lhes estão confiados os evidentes desígnios de Deus sobre a Nação Portuguesa, os bispos de Portugal reafirmaram a sua crença na linha providencial da nossa história, traduzida numa missão secularmente confirmada pela Igreja, que hoje se realiza numa só Pátria, espalhada por diversos continentes.
Ainda que com as naturais imperfeições de quem não realiza o ideal, imperfeições que constituem afinal um tributo à autenticidade de toda a obra humana, os portugueses têm autoridade para identificar o sentido da sua presença secular no Mundo com os valores específicos da civilização cristã: respeito pela dignidade humana, restauração da lei natural, estabelecimento da autoridade, garantia do direito e da liberdade, promoção da economia e da cultura, supressão da superstição e do medo, confraternização das raças e das culturas, protecção dos fracos ...
Esperam-nos ainda hoje, relativamente ao ultramar, particulares obrigações que, se por um lado se traduzem numa fidelidade a princípios que nunca negamos (não espoliação da propriedade das populações nativas, liberdade de acesso à cultura, igualdade no exercício de actividades ...), impõem, por outro, a aceleração do desenvolvimento económico e o dever de defesa das populações contra o novo racismo, a mentira das seduções marxistas, as ambições de soberanias estranhas ou de poderosos trusts internacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desejaria, para terminar, lembrar aos homens de boa vontade estas luminosas palavras de Pio XII:
Não é na revolução que reside a salvação e a justiça, mas sim na evolução bem orientada. A violência só e sempre destrói, nada constrói; só excita paixões, nunca as aplaca; só acumula ódios e ruínas I e não a fraternidade e a reconciliação. A revolução sempre precipitou homens e partidos na dura necessidade de terem de reconstruir lentamente, após dolorosos transes, por sobre os escombros da discórdia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Lobato: - Sr. Presidente: faleceu há dias o nosso ilustre colega Francisco José Vasques Tenreiro, Deputado por S. Tomé e Príncipe.
Numerosos amigos, chocados pela brutalidade de tão inesperado acontecimento, acompanharam-no ao cemitério da Ajuda, tributando-lhe assim uma derradeira homenagem que bem mereceu.
Francisco Tenreiro morreu com 42 anos apenas. E porque era um carácter nobre e um espírito profundamente humano, o seu passamento foi para os amigos, e quantos o conheciam e estimavam, uma provação dolorosa.
Doutor em Ciências Geográficas, professor notoriamente muito distinto da Faculdade de Letras de Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, cientista da Junta de Investigação do Ultramar, o malogrado Francisco Tenreiro, que se dedicava apaixonadamente à sua missão de geógrafo, também era poeta, e andam nas antologias da melhor poesia contemporânea os seus poemas relativos à terra e à gente da ilha do nome santo, donde era natural e que representava nesta Casa.
Ultimamente dera à cultura portuguesa uma obra notável, que foi a sua dissertação de doutoramento, sobre a ilha de S. Tomé. Infelizmente não concluiu um estudo em que trabalhava há anos sobre sociologia urbana de Lourenço Marques.
Estas modestas e breves palavras dizem alguma coisa dos méritos do Doutor Francisco Tenreiro, que de obscuro amanuense do Ministério do Ultramar ascendeu a uma posição destacada no ensino superior e a uma situação de relevo na problemática das questões ultramarinas. Há semanas apenas o Ministério do Ultramar confiara-lhe esperançadamente a presidência de um grupo de trabalho para o estudo de problemas de desenvolvimento social no ultramar, com vista à programação a fazer-se para o próximo plano de fomento.
Nesta Casa teve o Doutor Francisco Tenreiro uma acção que considero valiosa, porque foi acentuadamente discreta, mas persuasiva e convincente, servida como era pela sua cultura apurada, o seu bom senso, a modernidade do seu espírito e uma vivência que lhe dava especial autoridade. Tive ocasião de observar que era escutado com atenção e posso agora revelar que nu comissão especial que discutiu a Lei Orgânica do Ultramar as suas intervenções frequentes foram contribuições preciosas e oportunas para o esclarecimento dos problemas e o apaziguamento dos espíritos.
A Comissão do Ultramar, a que me honro de presidir, perdeu um dos seus membros mais ilustres, a Câmara perdeu um Deputado esclarecedor e consciente, que via e conhecia os problemas para além dos regionalismos estreitos, no inteiro quadro nacional, e a nossa cultura perdeu um investigador de grande envergadura.
Claro que morreu pobre, porque os homens como o Doutor Francisco Tenreiro vivem dedicados ao ideal do saber para que a cultura tenha a virtude de frutificar em algum bem para os outros.
Ao lembrá-lo derradeiramente nesta Casa, expresso, em nome dos Deputados pelo ultramar, o tributo do nosso respeito e da nossa homenagem à família enlutada, aos povos de S. Tomé e Príncipe e às escolas onde foi mestre. A memória do Doutor Francisco Tenreiro permanecerá na nossa saudade e, com a certeza de traduzir o sentimento unânime da Câmara, agradeço, Sr. Presidente, que se registe na acta o profundo pesar de toda a Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos relatórios relativos aos dois últimos anos de actividade, de que os haja, do Instituto de Orientação Profissional de Maria Luís a Barbosa de Carvalho».
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: há muitos anos que a representação parlamentar de Ponta Delgada se empenhava na resolução do aeroporto da ilha de S. Miguel. Pertinaz e vigorosamente o fez, erguendo a sua voz nesta Assembleia e não se poupando a esforços junto das entidades competentes. Inúmeras foram as diligências efectuadas, e todas sem uma nota ou uma palavra para a imprensa. O que interessava, na verdade, era atingir a meta, hoje, amanhã, depois, quando o génio das circunstâncias e o génio das vontades pudessem conciliar-se.
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Lançado em terreno caro, do concelho da Ribeira Grande, por sinal em momento de acentuada emergência - andava o Mundo quase todo em guerra -, o chamado Campo de Santana exigiu nivelamentos, terraplenagens e algumas construções. Tudo à -pressa, como a pressa da necessidade o exigia, mas o certo é que foi o bastante para que o chão se tornasse diferente, sem o préstimo que tinha. Ainda assim, apesar de pequeno e construído de afogadilho, o precário aeródromo de algum modo serviu os fins imediatos e restritos para que fora destinado.
Mais tarde, em virtude da evolução verificada no preço dos arrendamentos rústicos, surgiu o problema da renda justa, e, a propósito, foram então aqui produzidas algumas pertinentes observações.
Também, e quanto ao aeródromo da ilha de Santa Maria, da mesma forma, ou seja, com a mesma consciência e a mesma firmeza - com o mesmo ardor -, se tomou e sustentou a natural posição de defesa a bem dos legítimos interesses dos proprietários dos terrenos utilizados.
Tempos depois, nova questão se apresentou, aliás necessariamente derivada das circunstâncias em que fora escolhido e aproveitado o terreno de Santana: o aeródromo revelara-se obsoleto - incapaz. As suas pistas de relva fofa, tão boas para as chuvas como inaptas para as descolagens e aterragens, a não ser, e em certas condições de tempo, para aviões de hélices e de reduzida envergadura, distanciavam-se perigosamente das regras da nova técnica.
E principiou a batalha pela construção do novo aeródromo.
Mas logo algumas interrogações, e grandes, carregaram o quadro.
Seria o local próprio?
Aquele sítio apertado entre um morro de sólida imponência e a montanha desdobrada em alteroso pano de fundo seria o indicado para a construção de um aeroporto à altura das exigências presentes e futuras?
Não teria a ilha de S. Miguel incontestável direito a um aeroporto digno da sua área, da sua população, do seu movimento?
Não seria a falada e até já escrita solução de se construir uma única pista asfaltada de 1500 III uma solução de momento, mas uma solução encravada?
Como havia de ser com os aviões a jacto, com o inevitável acréscimo do tráfego?
O morro, a cadeia de montes do lado sul, permitiriam o aumento da nova pista e a construção de outras porventura indispensáveis?
Nova batalha - a batalha pela melhor localização do aeródromo de S. Miguel - começou então a ser travada pelos Deputados por Ponta Delgada, quer aqui, quer junto do Ministério das Comunicações. Batalha de argumentos que não temiam e antes reclamavam o exame aturado do local.
Na sessão de 11 de Abril de 1961 - por exemplo -, observou-se que as obras em projecto, relativamente ao aeródromo de Santana, uma vez realizadas, não satisfariam as exigências de um tráfego aéreo servido por aviões de todos os tipos, cumprindo, assim, olhar para diante.
Novos brados se seguiram.
Em 16 de Fevereiro de 1962 já na presente legislatura - preconizou-se a escolha de outro local que permitisse, embora com a modéstia dos nossos recursos actuais, «resolver as pequenas necessidades do presente, mas também acautelar, com mais largas perspectivas, as frequentes surpresas do futuro».
E na sessão de 11 de Janeiro de 1963, ao agradecer-se ao Governo o facto de ter sido inscrita no Orçamento Geral do Estado uma verba destinada à construção do aeródromo de S. Miguel, não se deixou, apesar disso, de voltar ao assunto da conveniente localização do novo aeródromo, repetindo-se que era preciso olhar para diante, para o futuro, e para a manifesta impossibilidade de o aeródromo de Santana poder servir o futuro ... e até o presente.
Resumo, mas recordo.
À última hora - estava já tudo resolvido e assente para ser levado a efeito nos terrenos de Santana, os tais que não oferecem os requisitos indispensáveis para uma solução harmónica com as exigências de hoje e de amanhã -, uma grave e imprevista dificuldade entravou a marcha do empreendimento. As danadas forças do erro e do mal assaltaram-nos no ultramar. Foi necessário mobilizar homens e dinheiro. Na linha de hierarquia das necessidades a atender, uma surgia a que nenhum português poderia deixar de reconhecer prioridade.
Período de lanceada expectativa esse, nada próprio para destemperos de fé e de compreensão e muito menos para ironias mesquinhas ou queixumes desabusados.
Entretanto o Chefe do Estado realiza a sua visita aos Açores. Os habitantes das ilhas todas, desde Santa Maria ao Corvo, não precisam de quem lhes lembre ou active o seu dever. Estão na vanguarda, no imenso mar, inflexíveis e atentos, no alerta constante, provado há que séculos. O almirante Américo Tomás só encontra corações abertos, palmas sinceras e flores em plena dádiva. E é ele, o Chefe do Estado, que deixa entrever, nas suas palavras ditas na ilha de S. Miguel - naquela sua linguagem patriòticamente profunda -, que o novo aeródromo seria uma realidade com o seu início no ano que findou.
Esta referência, além de necessária - por constituir elemento indispensável para o entendimento dos factos -, torna-se gratíssima neste momento, em que se impõe registar, com serena inteligência e sereno agradecimento, a publicação do Decreto-Lei n.º 45 444, de 16 de Dezembro de 1963, no qual a construção do prometido aeródromo de S. Miguel emerge de uma revisão geral do plano de infra-estruturas aeronáuticas do arquipélago e do especial facto de se haver reconhecido - como se declara no relatório do mesmo decreto-lei - que a situação do aeródromo de Santana, na ilha de S. Miguel, não era a mais aconselhável para o tráfego aéreo, pelo que teve de se escolher nova localização e elaborar novo projecto, pondo de parte a ideia de pavimentar e alargar a pista já existente.
«A ponderação destas circunstâncias - escreve-se ainda no citado relatório -, e as dificuldades financeiras que o empreendimento originou impediram que há mais tempo se iniciassem as obras do novo aeroporto».
Sr. Presidente: este acontecimento de que me estou ocupando não tem só relevância local, pela evidente melhoria que introduzirá no sistema de comunicações da ilha de S. Miguel com o exterior e pelas largas possibilidades oferecidas ao desenvolvimento do turismo. Prende-se com as redes do tráfego nacional e internacional. Assim, a sua importância sobe de ponto e merece ser aqui devidamente assinalada.
Mas, directamente relacionados com o Decreto-Lei n.º 45 444 existem mais alguns aspectos que cumpre salientar.
As aquisições e expropriações dos terrenos destinados à construção do novo aeroporto serão suportadas pelo Ministério das Comunicações, e não pela Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada.
O Governo escutou os reparos feitos sobre a conveniência de se localizar o melhor possível o novo aeroporto de S. Miguel e estudou esses reparos, de modo a dar-lhes inteira satisfação.
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Mostra-se superiormente resolvido que as obras se iniciem e concluam no mais curto prazo.
Assim, e em face de tudo isto, natural é que na ilha de S. Miguel lavre intenso regozijo, de. mistura com absoluto reconhecimento pela constante e generosa atenção dispensada pelo Chefe do Estado e pelo Governo, nomeadamente o Sr. Ministro das Comunicações, a tão magna e legítima pretensão.
Até a demora no deferimento, explicada como está, contribuiu para que a solução seja aquela que as realidades exigem.
Que as obras se realizem no mais curto prazo - pois outras aguardam a sua vez nesta nossa marcha para o futuro, vitoriosa e infatigável -, são os ardorosos votos nesta hora exarados na largueza da nossa indefectível confiança.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai efectivar-se o aviso sobre política ultramarina geral do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: os trágicos acontecimentos de que, em Março de 1961, foi teatro o Norte de Angola despertaram a Nação para dolorosas realidades e puseram o Governo perante gravíssimos problemas de defesa do território nacional. De então para cá. o País e os responsáveis pela sua orientação política têm-se empenhado numa luta que se estende pelos mais diversos campos, em condições difíceis e, às vezes, angustiosas.
Não há que descrever esses acontecimentos, tão presentes estão no nosso espírito e tão fundos sulcos deixaram no corpo e na alma da Nação. Mas importa prestar homenagem àqueles que mais se têm evidenciado nesta batalha decisiva pela integridade da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao anunciar-se, em «J de Dezembro findo, o presente aviso prévio, teve-se precisamente em vista oferecer à Assembleia o ensejo de reiterar, de modo solene e insofismável, a adesão à política do Governo e o seu vibrante louvor aos que,, na frente ou na retaguarda, na acção militar ou na diplomática, na administrativa ou na social, ganharam jus ao reconhecimento e à admiração de todos nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesta linha de pensamento, cabe o primeiro lugar à exaltação do homem que ao leme da governação pública soube interpretai1 os anseios da grei, polarizar as melhores energias e iluminar, com o clarão do seu génio político e o fulgor da sua alta e serena interna, os rumos dos nossos destinos- eternos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na definição das grandes linhas orientadoras da nossa política, nunca o vimos hesitar ou transigir, ainda mesmo quando não tenha encontrado perfeita compreensão para o seu granítico propósito de resistir, a todo o custo, aos ataques dirigidos de fora contra as nossas províncias ultramarinas.
Ao soar a hora das grandes decisões, esteve invariavelmente à altura das suas responsabilidades dando à Nação, justificadamente preocupada com o desenrolar dos acontecimentos e com o peso das pressões externas, a confiança e a coragem necessárias para repelir as afrontas e para suportar os sacrifícios.
Quando, há dois anos e muito o terrorismo eclodiu, numa onda de sangue que, se tornou mais sagradas as terras portuguesas de Angola, manchou para sempre as mãos dos homens de governo que a- provocaram ou tornaram possível, no momento dramático em que muitos se interrogavam sobre se poderíamos vencer a crise, o Sr. Presidente do Conselho, segurando mais fortemente em suas mãos experimentadas a alavanca do Poder, chamou a si a mais árdua e ingente tarefa da- sua longa carreira política.
A partir de então, o País, galvanizado pela comunicação de 15 de Abril, viu radicada a sua fé, e os portugueses que, de armas na mão, se defendiam com épico heroísmo nas paragens angolanas, ficaram com a- certeza de que não seriam abandonados à sua sorte e de que não havia corrido em vão o sangue derramado por tantas vítimas inocentes.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, ainda há pouco, pude verificar como em Angola é o Sr. Presidente do Conselho, de maneira particularmente frisante, admirado e querido por quantos - e foram todos -, nas horas cruciais da dor e da dúvida, sentiram e. compreenderam a- decisão viril de quem os salvou, salvando as terras de Diogo Cão e de Correia de Sá para Portugal e para o Ocidente, a também para a própria- África, entendida esta na expressão real da sua vida e dos seus verdadeiros interesses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Veio depois a tragédia de Goa e. de novo, o Chefe do Governo, ferido pela dor que uma vida de integral devoção à Pátria tornava cruelmente imerecida, se impôs à consciência e ao coração de todos os portugueses. E esta sala guarda ainda o eco das palavras lapidares em que nesse momento Salazar marcou, perante a história e o Mundo, uma posição de impecável dignidade e formulou irrefutáveis acusações contra o Estado agressor, contra a O. N. U. e ainda contra governos de países aliados que não quiseram ser fiéis aos compromissos assumidos e a normas essenciais do direito internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais recentemente, na prossecução de uma série, de actos e diligências, em que é de inteira justiça salientar a parte que cabe ao trabalho fecundo, à coragem, ao tacto o à persistência do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... fez o Sr. Presidente do Conselho a declaração de 12 de Agosto, que é dos mais notáveis documentos da diplomacia contemporânea. E essa decla-
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ração, que efectivamente teve e terá a ressonância das grandes mensagens políticas, foi, pela legitimidade das suas teses e pela elevação e clareza com que foram apresentadas, calorosamente acolhida pelo povo português, que nela viu definidos os seus mais puros pensamentos e sentimentos.
Isto é de tal forma verdade que, dias depois, o País proclamou numa manifestação grandiosa e sem precedentes u sua fé nos destinos da Pátria e a sua lealdade ao Chefe do Governo, a quem significou, comovida e apoteòticamente, a sua I II contida gratidão.
O 2.º semestre do ano haveria, porém, de se enriquecer com mais outro facto de excepcional alcance político: a viagem do Sr. Presidente da República a Angola e a S. Tomé.
A imprensa, a rádio e a televisão deram conhecimento a todos do que foram essas inesquecíveis jornadas de fervor patriótico, de intensa comunhão de ideias e aspirações, de C07ivívio entre centenas e centenas de milhares de portugueses das mais variadas latitudes, raças e credos. Muitas vezes foi o delírio .... mas, e por paradoxal que pareça, o delírio consciente de um povo que na figura do almirante Américo Tomás - aureolado pela suprema magistratura em que está investido e também pelas excelsas virtudes pessoais que o distinguem - via a encarnação dos seus sentimentos de fraternidade cristã, dos seus anseios de paz o justiça e da sua vontade de ser o que é; e como tem sido através dos tempos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tive a felicidade de poder tomar parte nalgumas dessas gloriosas manifestações de autêntica portugalidade e fui empolgado pelo que os meus olhos viram de grande, de belo, de comovente. Sim, ninguém de boa fé pode contestar a inteira espontaneidade com que as populações vitoriaram e acarinharam o Chefe do Estado, nem o altíssimo serviço que o Sr. Almirante Américo Tomás, com cristalina noção do dever e magnânimo e sorridente espírito de sacrifício, prestou à Pátria.
Por tudo isto, a Assembleia Nacional não pode ficar insensível à histórica projecção da viagem do Chefe do Estado e deixar de se inclinar, com o maior respeito e veneração, perante tão nobre exemplo de bem servir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: fez há poucos dias dois anus que o primeiro-ministro da União Indiana, dando feição criminosa ao seu racismo e desmentindo as suas tão propagandeadas teorias de pacifismo universal, tomou a tremenda, responsabilidade de ocupar Goa, «padrão de um dos maiores acontecimentos da história do Mundo e da comunicação do Oriente com a vida ocidental». Ao comungarmos com o Chefe do Estado e com i) Presidente do Conselho na sua mágoa profunda - imagem da mágoa da Pátria -, não deixemos, porém, que a- dor abale a certeza de que a nossa bandeira há-de voltar a flutuar nas terras que durante cinco séculos viveram à sua sombra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como há dois anos, afirmemos de novo a nossa repulsa pela agressão indiana e patenteemos toda a nossa confiança em que, não devendo o facto sobrepor-se ao direito, este virá a triunfar e. portanto, o Estado da Índia voltará a ser bastião português da civilização ocidental no Oriente.
Sim, digo como então: Goa não se perdeu: está cativa. Saibamos nós aguardar a hora do resgate e merecê-la dos desígnios da Providência, sem olhar a sacrifícios e sem perder a fé no triunfo da justiça.
Chegado aqui, não me é lícito calar quanto a Nação Portuguesa tem sofrido com a incompreensão - para não dizer outra palavra mais forte e, sem dúvida, mais apropriada - que alguns governos de povos «aliados ou amigos então demonstraram, e vêm demonstrando ainda, para com a nossa posição e os nossos direitos. E ao ver esses governos - mais do que a governar, dirigir e aguentar - a ceder perante a força do número, a gritaria das assembleias internacionais e a pressão de meros interesses económicos, aliás avaliados através de grosseiro critério imediatista, sente-se uma tristeza enorme e ocorre perguntar se tais governos se apercebem da- incoerência das suas atitudes e se reparam que estão a fazer, como alguns espíritos luminosos os têm advertido, o jogo do expansionismo russo.
Grave é verificar como alguns países do Ocidente, que se afadigar em apregoar os princípios da liberdade e em denunciar os erros e a falsidade do comunismo, caem, dia a dia, em contradições sucessivas, como quem anda perdido ou quer perder-se, e se situam, na prática, no plano materialista em que o marxismo se move e diz encontrar, para a sua própria justificação, o sentido da felicidade humana.
Não tenho nem nunca tive medo do comunismo dos comunistas confessos ou militantes. Mas tremo quando vejo o materialismo contemporâneo, vestido ou não de vermelho, a triunfar pelas mãos de estadistas de grandes ou pequenos povos que, infantilmente, tantas vezes pensam estar a combatê-lo, não dando conta de que não basta chorar ou gritar em frente do muro da vergonha erguido no centro de Berlim se, com a sua indiferença, conivência ou estímulo, consentem que outros muros mais vergonhosos se radiquem e alastrem por esse Mundo além, num desafio ao direito e à lei moral.
Como são verdadeiras, sem prejuízo do tom profético que elas ressumam, estas palavras graves de Sal azar:
Há hoje na Índia um pequeno país despojado pela força dos seus direitos e às portas de Goa duas grandes potências vencidas - a Inglaterra e os Estados Unidos -; e isto prenuncia para o Mundo uma temerosa catástrofe.
Não sei se as duas potências se compenetraram já desta verdade, integrando a sua acção na linha de pensamento e interesses que inspirou a criação da N.º A. T. O. Se o fizeram, nós ainda não o sentimos, o que é seriamente preocupante.
Portugal sempre foi, durante a guerra como antes e depois da guerra, amigo sincero dos Estados Unidos e aliado fiel da Grã-Bretanha. e dói-nos. por isso. que estes países não tenham para connosco o comportamento corajoso da Espanha irmã ou a prudente atitude da França, que. não obstante a política seguida para com os seus territórios africanos, vem reconhecendo quão diferente é a posição das províncias ultramarinas portuguesas e dando exemplo de sabedoria política e de constância nos seus sentimentos de amizade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis por que se é de agradecer o apoio decidido da Espanha e a compreensão da França, é tristemente necessário registar quanto nos têm ferido e pre-
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judicado, ferindo e prejudicando a unidade do Ocidente e favorecendo a expansão soviética, os dois povos de língua inglesa. Melhor: os seus governos, pois custa a crer que os norte-americanos e os ingleses possam considerar-se satisfeitos e tranquilos com tantas transigências perante o Leste e o que ele representa de ameaçador para a liberdade dos homens e para a paz e segurança internacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Depois do esperançoso - embora tardio - grito churchilliano de Fulton, que o mundo livre escutou com alívio e esperança, para que voltar, dia a dia, a Yalta - às ingenuidades e às abdicações de Yalta? Para quê, depois das trágicas experiências do Congo, insistir nos métodos que precipitaram quase toda a África na agitação e na subversão? Para quê consentir nos Estados Unidos o racismo dos brancos contra os pretos e fomentar em África o racismo dos pretos contra os brancos?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para quê deixar cair Goa nas mãos ignominiosas de Nehru e animar o terrorismo em Angola, como se um ë outro facto tivessem menor gravidade do que a viragem antiamericana operada em Cuba a partir da instauração do regime castrista?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sim, por que motivo a nossa prudentíssima e secular aliada há-de sentir-se, em nome da moral ofendida, tão pudicamente indignada com escândalos político-amorosos e não há-de reagir contra as mais clamorosas ofensas à ética e ao direito de que temos sido vítimas no plano internacional? No caso de Goa não foi a comunidade britânica -a União Indiana pertence a esta comunidade aumentada com pedaços de territórios roubados ao seu mais antigo aliado?
A América tem sido firme na defesa de Berlim, porque sabe que na capital alemã se situa uma das suas fronteiras. Mas as fronteiras dos Estados Unidos e do Ocidente passam também, não só pelos Açores, onde se instalaram, a título precário e com o nosso generosíssimo consentimento, bases americanas, mas ainda por Angola, Moçambique, Guiné ... Quando o compreender, a América terá dado um grande passo em frente no sentido de a sua política se equiparar, em lógica e até em energia, à que os russos, mais sabidos e experientes (as nações, como os homens, adquirem experiência com os anos), imprimiram à teimosa e bem estruturada acção diplomática posta ao serviço do seu imperialismo colonialista.
Como disse o Sr. Presidente do Conselho, os Estados Unidos, já que são hoje, porque o quiseram ou por força das circunstâncias, o guia do chamado mundo livre, têm de se predispor a desempenhar efectivamente a função inerente a esse lugar de supremacia. Isso é o que acima de tudo importa. De outro modo, os Estados Unidos, não obstante as altas qualidades do seu povo generoso e empreendedor, continuarão a não saber granjear ou manter as amizades dos países ligados por identidade de princípios e de interesses, como é positivamente o nosso caso. Ou será por mera casualidade ou simples capricho que estamos juntos na N.º A. T. O.?
É para nós inconcebível que a Inglaterra e os Estados Unidos não tentem opor-se àquilo que se instalou na O. N. U. e vem dominando a vida da organização: a desfaçatez, a prepotência, o primarismo chauvinista, o sistemático desrespeito das mais elementares regras de convívio entre povos civilizados.
Será de mais formular votos por que estes dois países, cujo culto pelos valores morais e pelas normas da correcção é tradicional, procurem manter-se iguais a si próprios, imponham a força, se acaso a têm, para obstar a ilegítimas intromissões na vida interna dos Estados e a escandalosos ataques à sua soberania e tenham a coragem de exigir a reposição do direito das gentes sempre que ele for violado, como aconteceu em Goa no dia 18 de Dezembro de 1961?
Sr. Presidente: sinto-me inclinado a absolver os que lá fora se manifestam pela «independência das províncias ultramarinas» - como se elas o não fossem já pelo facto de serem Portugal! -, quando essas atitudes traduzem ignorância ou incompreensão resultantes da carência de elementos indispensáveis â formulação de um juízo correcto e objectivo. Mas merecem a mais indignada repulsa aqueles que, sabendo ou tendo possibilidades de saber o que são, no conjunto português, essas províncias, desencadearam e alimentam a campanha de enormes proporções que visa a colocar o Mundo contra nós. Quanto aos primeiros, porventura a maioria, há que promover o seu esclarecimento, através de um plano de informação e divulgação com estrutura adequada e apoio financeiro conveniente. Neste domínio, creio estarmos longe de haver realizado o esforço requerido pelos sagrados interesses a acautelar.
A despeito de consoladores sintomas de melhoria registados em alguns meios internacionais, continuamos a não mobilizar os recursos indispensáveis para combater a pertinaz e metódica propaganda desencadeada contra nós.
Estive há poucos meses em três das nossas mais importantes embaixadas e fiquei impressionado com as insuperáveis dificuldades que afogam as iniciativas dos nossos diplomatas para fazer ouvir a voz de Portugal e para levar as nossas razões junto da opinião pública.
Ë certo que os nossos encarniçados detractores não desistirão dos seus torvos desígnios contra Portugal. Mas que não encontrem, ao menos, facilitada a sua tarefa por falta de resposta - e até por falta do espírito de iniciativa que nos deve animar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não tenhamos ilusões: os nossos inimigos só nos largariam - e fá-lo-iam com o maior desprezo por nós - se fôssemos abertamente para uma política de abandono. Redondamente se enganam os que acreditam no afrouxamento das actividades contra Portugal em troca de quaisquer concessões que não vão até à renúncia completa.
Nesta delicadíssima matéria o limite das concessões seria sempre muito difícil de marcar. A entrar-se em caminho perigosamente resvaladiço não mais seria possível parar. E, ainda que tal se conseguisse, as exigências e as pressões não só não se atenuariam, como recrudesceriam de intensidade e virulência.
Por imperativo de dignidade, não podemos ceder em nada, absolutamente em nada, e, embora certos contactos ou conversações com os adversários possam rodear-se, por vezes, de algum interesse, serão poucos todos os cuidados, não vá pensar-se que nos encontramos dispostos a negociar o que é insusceptível de transacção: a unidade de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Ainda há dias, de resto, no Conselho de Segurança da í). N.º U., os delegados de diversos governos afro-asiáticos foram muito claros e não deixaram margens II ilusões: o que de nós se pretende é única e exclusivamente a. rendição total, através de um acordo sem condições, que em linha recta levaria à desintegração do território português e ao próprio esfrangalhamento das províncias ultramarinas na sua configuração geográfica, no seu carácter, nas condições da sua vida e no sentido do seu progresso.
Por tudo isso. apoiamos a política do Governo e a inflexível intransigência com que tem afirmado, pela palavra e pela acção, que o ultramar português não se encontra à venda. «De assaltos não estamos livres». Mas que nós próprios consentíssemos em mutilar o corpo da Nação para que cessasse a vozearia dos areópagos internacionais, isso, além de estultícia, seria traição. Isso seria insultar a memória dos nossos soldados que generosamente têm morrido para que Portugal sobreviva na grandeza da sua dimensão universal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estamos em África há mais de cinco séculos. Fomos os primeiros a lá chegar e, como recompensa da Providência, pelo muito que fizemos e pelo espírito com que o fizemos, somos hoje, e havemos de continuar a ser, uma nação africana, tão africana como europeia.
Fomos para África e uma vez lá, abrimos novos espaços e novos caminhos à penetração da civilização e demos às populações a consciência da dignidade humana, ao mesmo tempo que, vivendo e misturando-nos com elas, forníamos, pelo espírito e pelas aspirações, nas leis e na vida, um agregado nacional com o carácter e sentido superior das comunidades políticas mais perfeitamente constituídas. Dir-se-ia mesmo que a diversidade de origem, cor, idioma e religião não só não obstou à criação do «mito português», para usar a forte expressão do esclarecido e heróico patriota que foi o general João de Almeida, como tem contribuído para a sua consolidação, graças à nos>
Pois é esta Pátria que o Governo tem obrigação de defender. E porque o tem feito com clarividência, serenidade e firmeza, merece que esta Assembleia, na plena consciência das suas responsabilidades políticas, lhe manifeste o seu mais caloroso, e incondicional aplauso.
Nunca graças a Deus, me assaltou a menor dúvida quanto ao caminho a seguir neste problema central da vida nacional, nem senti, alguma vez. esmorecer a certeza na vitória. Mas, se o desânimo me houvesse tocado, ele teria desaparecido para sempre com a lição de patriotismo, de coragem, de força de vontade, de solidariedade humana, que recebi em Angola, onde se luta, trabalha e reza com uma confiança e uma fé que. só por si, seriam capazes de salvar a Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tive então a noção exacta da grandeza de Portugal e o sentido perfeito do seu destino. Mas também pude fazer uma ideia da magnitude das tarefas que se nos doparam em todos os campos da acção política, económica e cultural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis por que entendo, Sr. Presidente, que, se é indeclinável obrigação dar ao Governo neste transe histórico o nosso apoio entusiástico e a nossa cooperação construtiva na defesa da integridade da Pátria, também não podemos deixar de o concitar a que redobre de esforços para consolidar ainda mais a unidade nacional, acelerar o progresso económico, promover a melhoria do nível cultural das populações, valorizar as instituições políticas e respeitar e prestigiar os homens que nos diferentes postos da acção cumpram o dever.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro não poderia ser o espírito desta intervenção, porque, se o Governo se tem mostrado cônscio das suas responsabilidades, não menos certo é que o País tem correspondido - disse-o o Sr. Presidente do Conselho - ao apelo que os responsáveis lhe fizeram, e de tal maneira que o seu exemplo é lição- magnífica para todos:
Sem queixumes, naturalmente, como quem vive a vida, os homens marcham para climas inóspitos e terras distantes a cumprir o seu dever - dever que lhes é ditado pelo coração e pelo fio de fé e patriotismo que os ilumina.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seja, afinal, este pensamento que nos leve a render preito da mais viva, respeitosa e grata homenagem a quantos, norteados por ideal tão sublime, se sacrificam para que Portugal se perpetue pelos tempos fora, na identidade do seu ser e na fidelidade ao seu destino.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Deferido o pedido de generalização do debate.
O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez a esta tribuna, cumpro o grato dever de apresentar a V. Ex.ª os meus mais respeitosos cumprimentos.
Ao usar pela primeira vez da palavra neste período legislativo, permita-me V. Ex.ª que lhe reitere os protestos da minha muita consideração e alto apreço pelas indiscutíveis qualidades e virtudes que exornam a personalidade de V. Ex.ª; e, já que os não pude receber da sua cátedra de Coimbra, consinta que lhe agradeça os ensinamentos que ora vou colhendo nesta Casa, onde a presença de V. Ex.ª continua a ser a do mestre com quem muito há que aprender.
A V. Ex.ª e aos Srs. Deputados cabe-me agradecer a generosidade com que têm tolerado as minhas intervenções, esperando que me relevem a ousadia de hoje ocupar este lugar para intervir em assunto de tão palpitante interesse para o País.
Apesar da diferença que me distancia do brilho de tantos outros, afoito-me a encarar as circunstâncias, porque a consciência me impõe o dever de trazer uma achega a este debate, a qual, nem por ser menos valiosa, deixará, porém, de ser sincero depoimento.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fui a Angola e acompanhei a viagem presidencial àquela província. Não
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direi que fui uma testemunha ocular dessa memorável jornada, porque - com a televisão - o conceito poderia sofrer contestação. Direi, portanto, que fui uma testemunha presencial, isto é, uma testemunha que, além de ver, sentiu, viveu e vibrou nessa extraordinária e magnífica demonstração de portuguesismo e de indefectível coesão à volta da Pátria comum, reafirmada em todas as terras percorridas nessa portentosa Angola.
O que ocorreu, Sr. Presidente, não se descreve - sente-se -, e eu estou em condições especiais para o dizer, pois, embora integrado na comitiva presidencial - honra que nunca poderei esquecer -, não resisti à reportagem do exterior, vivendo com o povo os momentos grandiosos, de incomparável vibração, que precederam, acompanharam e seguiram sempre esta inolvidável jornada. Pude assim verificar, com os meus próprios nervos, contagiados pelo entusiasmo das multidões a que me juntei anonimamente, que não era possível planear ou impor às populações as manifestações de que foi alvo o Chefe do Estado. O que se passou não era possível sem a espontaneidade da alma estuante do povo.
Aquela sinceridade transparente, de lágrimas a saltarem teimosamente dos olhos, não se «fabrica». É uma realidade que fica nos fastos da história do País a atestar ao Mundo a unidade das populações que constituem a Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: os factos tiveram uma tal autenticidade, atingindo proporções de apoteose, que os observadores estranhos se remeteram a um sintomático silêncio, incapazes -como ficaram- de os refutar. Denunciados os seus propósitos, logo de início, numa tentativa de só ver brancos em Luanda para receber o Chefe do Estado, um dos especuladores não teve outra solução senão desistir. Onde estavam pretos via brancos ... e vice-versa....
O certo é que as manifestações não podiam ser compreendidas por estranhos. Aquilo era Portugal a vibrar e Portugal só nós o sabemos sentir e defender.
K que não eram pequenas multidões de pretos, de brancos ou de mestiços a rodear o Chefe do Estado. Eram milhares de portugueses de todas as raças e credos, numa amálgama imensa, de uma só fé, rompendo os débeis cordões da Polícia, a fazê-lo parar para lhe apertar a mão, para o abraçar, para lhe oferecer flores, para lhe dar os filhos a beijar, numa confraternização que obrigou todo o sistema do protocolo e de segurança a afastar-se, perante a impetuosidade da emoção .que a todos atingia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - «Nós também somos portugueses! Também queremos vê-lo» - ouvia-se a cada passo, sem que houvesse força capaz de conter a avalancha que parecia aumentar de terra para terra, de momento a momento.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se processou e se repetiu em mais de 6000 km percorridos de avião, de comboio de automotora, de barco, de jeep, de helicóptero, a pé, por entre povos de diversas etnias, mas que vibravam e exultavam por uma pátria comum, personificada na figura veneranda, bondosa, franca, leal, simples, mas digna, do almirante Américo Tomás.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não houve, senhores, uma única nota discordante - nada que destoasse no meio de tanto entusiasmo.
Enquanto o Mundo se debate em convulsões de toda a ordem, a população de Angola deu um exemplo de paz, de harmonia e de coesão única nos tempos que vão correndo.
Não desejaria estabelecer comparações, tanto mais que; se não temos lições a receber, não temos também a pretensão de as querer dar. O que pretendemos é que nos deixem trabalhar nesta paz. que criámos e é nossa, c que nela nos deixem resolvi problemas que também são nossos e que nós próprios havemos de resolver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tanto nem nos falta capacidade nem fortaleza de ânimo.
Seria, contudo, de meditar neste exemplo de um povo que, apesar de todas as solicitações externas, recebe o Chefe do Estado, através de milhares de quilómetros, com um entusiasmo que não poucas vezes atingiu o delírio, sem excluir o respeito nem uma impressionante veneração que, recaindo no Chefe da Nação, era o reflexo do sentimento que a todos dominava: continuar sob a bandeira das quinas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E é de meditar tanto mais que, enquanto isto se passou entre populações que os nossos inimigos pretendem «libertar» por subjugados e dominados por nós, uma visita semelhante depois realizada num país que se ufana da sua liberdade transformou-se numa dolorosa tragédia - sabe Deus sob o comando de que forças e de que desígnios.
Não, meus senhores, nós não precisamos efectivamente de lições.
Não nos pode servir do consolação a hediondez de um crime repugnante e inútil - se é que possa haver alguma utilidade num assassínio -, mas fica-nos o orgulho legítimo de podermos afirmar que a liberdade e civismo dos povos que constituem esta nação dispersa, mas una nos seus sentimentos, permitiram que o seu chefe supremo, tantas e tantas vezes a pé, sem escolta, atravessasse por entre multidões compactas, incólume, confiante, acarinhado, sentindo com o seu próprio coração o palpitar uníssono do coração dessa mole imensa a testemunhar-lhe adesão incondicional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Podemos ainda dizer, em presença desta realidade insofismável, que Angola se solidarizou com o homem que nesta hora histórica comanda e encarna a firme determinação de todos os portugueses: Salazar.
Não é possível, com efeito, um plebiscito mais livre, mais espontâneo e mais sincero do que o expresso pela vontade unânime dos portugueses daquela portuguesíssima província, proclamando de forma clara e inequívoca a sua determinação de prosseguir unida a Portugal:
Daqui ninguém nos arranca. Morreremos todos, mas viva Portugal!
Estas e outras afirmações semelhantes, ditas com fé comovente, com fria e tocante segurança, em plena consciência, permitiram ao Chefe do Estado tirar esta consoladora e reconfortante conclusão no final da oportuníssima missão que tão nobremente soube cumprir:
Não há ventos da história capazes de vencer tamanha determinação.
E não há, Sr. Presidente!
Os nossos detractores têm de se curvar e, se as palavras têm o significado que elas necessariamente comportam, e
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não aqueles que os areópagos internacionais lhes atribuem, conforme os ventos que sopram, têm de se convencer dê que Angola autodeterminou-se.
O que sucedeu ali repetiu-se em S. Tomé, culminando com a grandiosa recepção de Lisboa, e há-de repetir-se, onde quer que Portugal se prolonga.
Em face desta unanimidade de vontade do povo português, nós. os representantes desse povo, que nos honrou com o seu mandato, só podemos corresponder à confiança em nós depositada dando o nosso inteiro apoio à política do Governo de defesa intransigente de todas as parcelas que constituem a Nação.
Eis, Sr. Presidente, por que me permito felicitar os Srs. Deputados que em tão boa hora tomaram a iniciativa deste aviso prévio e vim a esta tribuna para dar a minha adesão, comungando nos votos que são os de todos os portugueses dignos da sua nacionalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a apresentação de um aviso prévio sobre a política ultramarina do Governo por este órgão de soberania, que. em todas as ocasiões,, vem sendo o maior barómetro do sentir nacional, é mais uma feliz iniciativa que o País fica a dever ao ilustre Deputado Doutor Veiga de Macedo e a seus distintos pares.
Bem se expressa, num arrobo de afirmação patriótica, quando na enunciação do aludido aviso prévio significativamente profere:
Afigura-se, assim, oportuno e aconselhável que, do alto desta tribuna, se proclame, uma vez mais, com a solenidade e a veemência requeridas, que a Nação está ao lado do Governo na decisão de manter a intangibilidade da terra portuguesa e de salvar a dignidade de um povo que, se não pretende dar lições aos demais, não as aceita de ninguém quando se trata de viver a sua vida colectiva e de manter a sua posição no plano das relações com os outros povos.
A esclarecida e esclarecedora declaração de 12 de Agosto de 1963, que o País e o Mundo, suspensos, atentamente ouviram, revela até que ponto pode ir uma análise, quando servida por uma inteligência lúcida, cuja cintilação trespassa a opacidade das situações mais confusas, a espessura compacta das mais ignóbeis contradições.
Ela é o tratado mais completo da razão de ser da nossa política no ultramar, o breviário mais feliz, onde se ordenam os mandamentos a que há-de obedecer a nossa acção futura frente à incompreensão ou aos apetites internacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o que permanece notável é que o Sr. Presidente do Conselho consegue ganhar sempre ângulos novos, outras perspectivas, para problemas que por todos foram debatidos e a muitos se afiguravam como completamente esgotados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não esqueçamos, por outro lado, que há cerca de dois anos Angola era legenda de pesadelo e hoje ela é, antes, um dos melhores ângulos da virtualidade de um chefe que soube encontrar as energias inesgotáveis de um povo sublime, de um povo prodigioso, que se reencontrou com o seu destino!
Sr. Presidente: - a declaração em foco, desde logo. assenta na ideia de que, como Estado unitário - fórmula ganha a partir do século XVI -, com uma missão que transcende o plano nacional e se situa no plano universal do humanismo cristão, o País não pode, por pressões estranhas, abdicar da própria razão da sua existência.
De facto, se o continente foi o berço da Nação, verdadeiramente esta só se constitui, só se desenvolve, numa criação autêntica, na medida em que se edificou sob forma multirracial.
O nosso país, que antes do século XV era apenas um Estado cristão peninsular, só após este século surge verdadeiramente como nação, portadora de elementos espirituais que a fazem criadora de povos, que assimilou em termos nacionais, graças aos princípios redutores da sua superior civilização.
Aos diferendos tribais, às oposições das diferentes etnias, no feiticismo primário, sobrepusemos todo o esplendor que irradia do nosso humanitarismo cristão, o recheio espiritual que deu sentido e vida ao Mundo Português - causa segura do nosso êxito como pátria pluricontinental.
Assim resultou o Portugal que hoje permanece em África, por razões de direito; pela vontade espontânea e unânime dos povos que o constituem; por legado histórico que, de nenhum modo, postergamos: por decisão e interesse do País. que não pode sacrificar-se a fórmulas novas, por antinacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não poderíamos de qualquer forma sair de Angola, como não poderíamos sair de Moçambique, porque já lá estamos de há séculos, e uma presença tão duradoura, concretizada, como o Sr. Presidente do Conselho referiu. numa «obra de elevação social, de civilização começada, prosseguida, assente em princípios morais e com determinantes políticas já seculares», não pode apagar-se, por força de uma maioria afro-asiática, artificialmente organizada, mentalizada na fermentação revolucionária ou no ódio racial, com a leviana cumplicidade, mais ou menos disfarçada, de certos países que só por logro, nesta eventualidade, se apelidam de ocidentais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Logro de alianças respeitáveis que, ligadas pelo selo sólido dos séculos, se desfazem ao capricho de um voto, com sentido positivo ou negativo, consoante a causa é própria ou alheia! Mas dúvidas não há de que o elevado preço de todos estes erros, as altas custas de toda esta demanda, também os ocidentais os hão-de pagar!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Ocidente vem tornando-se, dia a dia. mais pequeno; nossa tem sido a tarefa de o dilatar!
Srs. Deputados: está plenamente demonstrado que o nosso sistema político-administrativo é de tal sorte maleável que se ajusta perfeitamente aos anseios das variedades étnicas que compõem o fundo humano do mundo lusíada.
Entretanto, verifica-se que o multirracialismo impregnou de forma avassaladora a nossa estruturação jurídica, a nossa compartimentação social, toda a essência espiritual do nosso mundo, tornado uma comunidade sem igual, que,
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por tal, já não carece de uma «carta» ou «lei» de direitos civis.
A nossa política ultramarina criou elites locais e a tal ponto que, numa reunião à margem das Nações Unidas, fez um representante africano espantar-se do grande número de licenciados de cor que o País preparara!
Mas, como tal número fosse um elemento positivo a favor da nossa política integracionista, logo o fez pressuroso aditar não ser conveniente referi-lo, já que o que interessava era obnubilar todos os aspectos positivos dessa mesma política.
Ora, todos estes factos revelam que a arquitectura sob que se ergueu a nossa comunidade é de tal sorte sólida, real, exprime a tal ponto uma vocação histórica, que fez ao Chefe do Governo afirmar que «uma sociedade multirracial não é uma construção jurídica ou regime convencional de minorias, mas, acima de tudo, uma forma de vida e um estado de alma que só podem equilibrada e pacificamente manter-se apoiados numa longa tradição».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - «Uma forma de vida e um estado de alma» - estas as duas grandes constantes que, suportadas pela tradição, formam e informam o mundo português. Mundo onde a unidade nacional se casa perfeitamente com a descentralização administrativa que a reforma da lei orgânica, faculta; mundo que soberanamente se ajusta a uma progressiva participação do elemento humano nos diversos órgãos de administração local ou da política nacional.
E tudo isto, pois, que constitui a unidade da Nação.
Depois de estudar o .plano das nossas relações com os países africanos e a O. N. U., referiu os «extremos de paixão e extravio da razão humana» utilizados na discussão dos nossos opositores, quando pretendem contestar a validez da nossa posição, como apontou o carácter revolucionário de alguns movimentos africanos, cujos fins estão longe de sei- conformes aos interesses das populações que visam.
E, num juízo sereno, lúcido e profundo, acaba por demonstrar todo o equívoco da definição dos conceitos de descolonização, independência e autodeterminação tal como eles são entendidos pelos afro-asiáticos e nas diversas salas das Nações Unidas, assim como o significado autêntico de certos subsídios e ajudas internacionais, convertidos posteriormente em ignóbil forma de exploração dos países auxiliados.
E, em confronto com todo este amálgama de ódios, confusões e torpeza, numa voz que tem por si toda a força e majestade de uma pátria que não foi realizada a compasso ou por força de imposições estranhas, mas pelo querer do seu povo, oferece o .Sr. Doutor Oliveira S ai azai1 «a mais estreita e amigável colaboração», «a maior correcção» e promete, numa afirmação de patriotismo sem par, a defesa dos nossos, territórios «até ao limite dos nossos elementos humanos e dos nossos recursos»!
Em face da política onusiana, anota as suas constantes contradições, as contínuas violações das disposições da Carta, imoladas ao sabor ondulante de uma maioria ocasional, ao mesmo tempo que destaca as linhas de evolução do domínio político ou económico que a Rússia e os Estados Unidos desenvolvem na sua estratégia frente ao continente africano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É o que expressivamente enuncia quando postula:
Assim a África está sendo o campo em que se digladiam dois mundos: nós constituímos apenas ocasião e pretexto.
Salientando que o tema das nossas preocupações sobre o ultramar já vem de longe, remata o Sr. Presidente do Conselho a sua luminosa exposição sobre os problemas que ora se nos deparam e em que está «em causa a existência da Nação».
Não poderia este órgão de soberania - a expressão mais viva da representação popular - deixar de se pronunciar sobre a política ultramarina do Governo.
E a nossa pronúncia, não pode traduzir-se senão num bem-haja ao Governo por tão bem ter servido e defendido os superiores interesses do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o nosso aplauso não pode ser outro senão o afervorado e solene ajoelhar - alma em prece -, numa homenagem de gratidão a Deus, por nos ser concedida a suprema glória de ver as nossas forças armadas, a nossa soberana juventude, marcharem «naturalmente, como quem vive a vida» e merecerem, pelo seu exemplo, pela sua acção, o nome imortal de «benditos» da Pátria!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A gesta dos que, por seus feitos e virtudes, escreveram as imorredouras estrofes dos Lusíadas continua-se em África, num novo e majestoso canto, salpicado de páginas imperecíveis da mais autêntica epopeia, cinzelada a rútilo sangue, a indómita fé a inconcusso heroísmo, no livro marmóreo do tempo!
O Portugal de hoje já não é «nevoeiro», atestam-no os feitos dos nossos heróis; o Portugal de agora, inabalável, unido nas suas dores como na sua glória, esse «outrora senhor do mar», de quem o Poeta receava estivesse «dormindo», ergue-se de pé, todo inteiro, vigilante, espírito e corpo em armas, escrevendo em pleno século XX novas e gloriosas epopeias, para que não se perca, com a fazenda, a honra nacional! E é esse Portugal, hoje unido e coeso como nunca, que importa saudar na plenitude da sua nobreza, na certeza de sua integridade!
Não nos cansamos de repetir: se ruísse o maravilhoso mundo que os portugueses criaram, a história ficava vazia, o corpo do País despedaçado e a alma da Nação - essa amortalhava-se!
Dizia Vieira que «dos futuros condicionais e contingentes ninguém é sabedor senão Deus e os profetas».
Das declarações públicas que vem fazendo o Sr. Presidente do Conselho acerca dos nossos problemas ultramarinos fica-nos a certeza de ser ele o melhor augure das linhas vectoriais com que se escreve o futuro da Pátria.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. António Santos da Cunha: - Referiu-se V. Ex.ª às forças armadas e ao entusiasmo com que a nossa mocidade bem tem sabido compreender o seu dever, marchando alegremente - é o termo - para as nossas terras do ultramar. Julgo que de facto é nota a pôr em destaque e que vem desmentir o muito que de mal se disse
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da geração que sobe para a vida. O Mundo e nós próprios estamos recebendo uma magnífica lição com o comportamento admirável da nossa gente moça. E eu, que já tenho bastantes anos, quereria lembrar, o que nunca se apagou da minha memória, a partida triste dos nossos soldados para a França em 1916.
Lembrar e comparar.
Quereria, referir aqui a reacção das nossas populações rurais perante a ida das nossas tropas para a França, que, aliás, o foram e, quanto a mim, muito bem, e o que se passa agora. Quereria dizer do desprendimento e entusiasmo com as nossas populações rurais estão dando o seu tributo de sangue em defesa do ultramar. Mais uma vez verificamos que o Exército é escola de disciplina, devoção cívica e amor pela Pátria. E, portanto, mais do que justa a homenagem que aqui quero deixar às forças armadas, que nos estão dando um magnífico exemplo.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o reforço da sua abalizada intervenção, que vem pôr em destaque a autenticidade, brilho e veracidade que costuma evidenciar em todos os debates em que intervém.
Com rara perspicácia e evidência matemática vem traçando o rumo do travejamento da nossa ordenação histórica, com a segurança de quem não ignora o sentido «dos futuros condicionais e contingentes». Rumo onde as velas dos nossos anseios continuam pandas; move-as a esperança que não se extingue; impele-as a fé que não quebra; atrai-as, irremediavelmente, o nosso destino de Nação de povos, de Nação de nações!
Assim, o País não esquece a sorte que a Providência lho reservou quando o fez encontrado com Salazar; por isso ele o tomou nos braços, na imponente manifestação de 27 de Agosto, para lhe afirmar o sim da Nação à sua política ultramarina, a política do Governo, plenamente identificado com o sentir e o querer nacional!
Abdicar das províncias ultramarinas seria perder mais que a Fazenda, a honra nacional - seria perder o património espiritual a que nós rios devemos e a missão a que no? propusemos! Missão ocidental que prodigiosamente se defende com o denodo de quem se bate, mais do que por si próprio, pela fé, num ideal de cruzada, que só se apagará quando desaparecer da face da Terra o último português!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Portugal, através da sua história, tem perdido algumas batalhas; o que ainda não perdeu em todo o seu destino de Nação, foi a última! A batalha da Índia Portuguesa, que mal começou. travámo-la recentemente no campo eleitoral.
A estrondosa vitória do partido português da nossa Índia -, a mais sólida- comunidade lusíada na Ásia -, com «Goa farol do cristianismo no Oriente», no dizer do Sr. Patriarca das índias, não será II expressão mais forte de um povo plenamente autodeterminado, cujo forte, irreprimível querer é propositada- e criminosamente ignorado pela O. N. U.?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é nas interpretações sofisticadas de uma maioria- primária das Nações Unidas que se encontra o sentido exacto da nossa verdadeira- autodeterminação.
Ela precisou-se, desenvolveu-se, radicou-se, na comunhão de um mesmo ideal, na síntese mais feliz de uma experiência sociológica que produziu uma comunidade
plurirracial sem par - comunidade cujos elementos se ligaram entre si pelo orgulho inapagável de serem portugueses!
A voz perene da Pátria, grito inolvidável do nosso devir histórico, esse leva-nos para diante; indiferentes aos ecos desencontrados dos que pretendem aturdir a nossa razão; às tibiezas macabras, que são arremedos de traição; aos murmúrios musicais de sereias, que intentam perder a nossa inteligência nos recifes do comodismo - terreno propício ao aviltamento dos caracteres.
O grito que é toda a razão do nosso persistir histórico, esse berro de alerta que vem do fundo de oito séculos de um povo que nunca se atraiçoou a si próprio, mesmo quando foi atraiçoado; esse clamor leva-nos a todos para a frente, como força ciclópica de um querer nacional que não se demove, perante a luta, em frente do sacrifício ou da morte, porque sabe, de sua experiência, que nunca viveu quem se maculou com a nódoa do temor ou do opróbrio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O remédio para os nossos males, a dobragem do cabo das nossas dificuldades, o porto seguro das nossas esperanças; não está na O. N. U. ou nos frágeis laços de algumas amizades ou alianças - esse abrigo calmo, que é bálsamo para os nossos sofrimentos, vamos nós encontrá-lo no reforço da nossa unidade, no fortalecimento da nossa coesão.
Hoje essa Organização, como força de equilíbrio entre as nações, como entidade suprema de defesa dos valores jurídicos, espirituais e morais da humanidade, não é mais do que um fracasso, uma burla! Ela, no seu verdadeiro espírito, já só existe numa escassa minoria, que, cheia de pavor, observa a derruição progressiva dos seus alicerces.
Desta sorte, mais que na casa alheia, é no lar próprio que devemos encontrar a energia, a força, o vigor que fará superar todas as dificuldades que ora se nos levantam!
Por isso, a alma nacional vibrou no Terreiro do Paço, frente ao Sr. Doutor Oliveira Salazar, numa manifestação que foi a maior de todos os tempos; ...
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - ... estremeceu com igual sentimento durante a triunfal viagem do Sr. Presidente da República - de tão nobre simpatia e expoente das mais altas virtudes cívicas - à terra sagrada de Angola, marco milenar em que se apoia a glória e a imortalidade da Pátria Lusa!
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se a Salazar deve a Nação a dita de o ter encontrado, quando ela o procurava, em 27 de Agosto, como antes na manifestação das forças armadas, como depois na afirmação de portuguesismo das províncias visitadas pelo Sr. Almirante Américo Tomás, e hoje aqui, nesta veneranda Assembleia, está a determinação de todo um povo que, fiel e grato ao Chefe do Governo, quer viver a sua vida sem vergonha!
Nesse povo encontrou o Sr. Presidente do Conselho II Nação na sua fisionomia exacta, na sua integridade total.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Assim, esta Câmara, escrínio das melhores virtualidade da grei, símbolo das mais altas virtudes rácicas, não pode deixar de exprimir ao Governo a afirmação inequívoca e solene de que, «devendo-se» por in-
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teiro à Pátria, se oferece para morrer por ela: olhos postos no dever; uma prece a Deus no peito; armas aperradas na mão!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a. sessão. O debate continuará na sessão de amanhã. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O EEDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA