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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117
ANO DE 1964 17 DE JANEIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 117 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 114.
Deu-se conta do expediente.
A Assembleia denegou autorização para o Sr. Deputado Olívio de Carvalho depor, como testemunha, num tribunal do Porto.
O Sr. Deputado Sousa Birne anunciou um aviso prévio acerca das indústrias extractivas.
O Sr. Deputado Aníbal Dias Correia enalteceu a acção do Sr. Ministro das Corporações a propósito da promulgação do novo Código de Processo do Trabalho e da convenção de trabalho do pessoal da indústria vidreira.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo ocupou-se das comunicações aéreas e marítimas nas ilhas da Madeira, e do Porto Santo.
Ordem do dia. - Continuou o debate suscitado pelo aviso prévio do Sr. Deputado Augusto Simões sobre a reforma do Código Administrativo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Reis Faria. Antão Santos da Cunha, Sales Loureiro, Alves Moreira e Belchior da Costa.
O Sr. Presidente, encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
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Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da .Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho:
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 88 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e minutos.
Antes da ordem do dia .
O Sr. Presidente: - Está na Mesa para reclamação o Diário das Sessões n.º 114.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Disputado produz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado.
Deu-se conta do
Expediente
Telegramas
Vários acerca do aviso prévio sobre a reforma do Código Administrativo.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Tribunal do Trabalho do Porto a pedir que o Sr. Deputado Olívio da Costa Carvalho seja autorizado a depor naquele Tribunal no dia 24 do corrente, pelas 14 horas.
O Sr. Deputado, ouvido sobre se via inconveniente para o exercício do seu mandato em ser autorizado, informou que sim. Nestas condições, consulto a Câmara sobre o pedido de autorização.
Consultada a Câmara, foi denegada a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para anunciar um aviso prévio o Sr. Deputado Sousa Birne.
O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente: para aqueles que partilham e contactam os anseios e os desânimos dos heróis do labor subterrâneo, para aqueles que passam a vida debruçados e presos aos recursos do subsolo, não é indiferente a ligeireza de quem menospreza a pertinácia dos seus problemas e a importância que o subsolo desempenha já e - o que é muito mais - pode vir a desempenhar ainda no concerto económico nacional.
Estão, com efeito, o subsolo e as indústrias extractivas dele directamente dimanadas na base fundamental de uma amplíssima gama de actividades industriais que vai do vastíssimo campo de toda a construção civil e obras de fomento as mais variadas, pela imprescindível necessidade de areias, arguas, calcários, granitos, etc., até todo o potencial industrial, básico ou transformador que precisa, como material necessário ou adjuvante, de inúmeros produtos minerais, metálicos ou não metálicos, de tal forma que, na Nação e no Mundo, é um facto óbvio que sem a sólida contribuição das indústrias extractivas toda a actividade industrial não teria passado de uma infância rudimentar e a senda do progresso teria parado ingloriamente na tracção animal e na navegação à vela.
As necessidades do contínuo crescimento mundial - de especial interesse, para nós, da Europa - tendem a provocar carência de matérias-primas de origem mineral e as nações - e não poucas apoiam já nos recursos dos seus subsolos elevada percentagem das suas economias - encaminham-se para, um novo surto de procura e de intensidade extractiva.
Para o País impõe-se assim a oportunidade de integração neste surto, despertando e preparando com cadência as suas possibilidades, sem ter de recorrer ao apuro da improvisação da última hora de que tanto tem sofrido já a sua economia.
O valor anual global dos produtos extraídos do subsolo do continente português é actualmente superior a 1 milhão de contos.
Todos, no entanto, dirigentes e dirigidos, estamos muito aquém de considerar-nos satisfeitos com este valor que o subsolo vem oferecendo à Nação, mas quase todos apoiam, numa falta de fé, uma apatia em profundar a matéria e um desânimo inerte em equacionar, rectificar e de-
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senvolver o integral problemático que poderia amplamente elevá-lo.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Há ainda alguns, infelizmente não muitos, que pensam com teimosia que um despertar do letargo, feito com critério e sentido executivo, abrirá novos rumos à indústria extractiva, conduzindo-a a prestar muito maior contributo à economia da Nação, e a Nação, no ângulo actual de viragem do seu desenvolvimento, imprescindível porque é vital, precisa de fazer apelo a todos os seus recursos.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - É em obediência e fidelidade ao princípio da insistência e com a consciência de que o problema é de relevante importância para o País e o seu debate digno desta magna Assembleia que anunciamos um aviso prévio sobre industrias extractivas e propomos que nele se debatam todos os enunciados que contribuam para o seu completo esclarecimento, enunciados que resumimos da seguinte forma:
1)Análise genérica e específica da actual situação;
2)Causas básicas e funcionais de acção estagnante;
3)Factores evitáveis de agravamento de custos;
4)Remuneração e aspectos sociais da mão-de-obra;
5)Grémio das Indústrias Extractivas;
6)Abertura de novos rumos: legislação, prospecção, reconhecimento e intensificação de produção;
7)Sectores de actividade de actuação imediata;
8)Comércio interno e externo.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Janeiro de 1964. - Os Deputados: Joaquim de Sousa Birne - António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos - Alberto dos Reis Faria - António Gonçalves de Faria.
O Sr. Aníbal Correia: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez neste novo ano de 1964, quero, em primeiro lugar, ter o prazer de renovar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos com os desejos sinceros das maiores felicidades pessoais e em todos os actos que diariamente pratica por força dos altos cargos que tão proficientemente desempenha.
Torno extensivos estes meus cumprimentos a todos os Ex.mos Colegas.
Esta Câmara, a que me honro de pertencer, tem-se empenhado em defender tudo quanto respeita a problemas sociais, no sentido de concorrer, na medida do possível, para melhorar as condições de vida do nosso povo.
Por parte do Governo, com o magnífico exemplo e a sábia orientação do genial Presidente do Conselho, Salazar, tem sido dado, e há-de continuar a sê-lo por muitos anos, o melhor do seu esforço e da sua inteligência, no sentido de garantir a integridade e o progresso da Nação e a paz e bem-estar de todos os portugueses.
O Sr. Elísio Pimenta: -Muito bem!
O Orador: - Deste modo, e no uso do direito que nos é conferido de podermos apreciar os actos do Governo, entendi ser oportuno salientar deste lugar dois factos ocorridos recentemente, que se estendem a todo o País è dizem respeito de modo especial à classe operária.
O primeiro diz respeito ao novo Código de Processo do Trabalho, que S. Ex.ª o Ministro das Corporações e Previdência Social fez publicar há poucos dias no Diário do Governo e que vai começar a vigorar no dia 31 de Março próximo.
Para nós, advogados, e também como Deputado, é sempre um facto transcendente a publicação de um código de processo, especialmente quando nele são introduzidas, como acontece no caso presente, tantas e tão profundas alterações e inovações, que já levou alguém a classificá-lo de «revolucionário», no bom significado do termo.
Os 197 artigos que o constituem traduzem bem o ambiente de afincado trabalho que se vive naquele Ministério e o espírito empreendedor e de grande interesse pela actualização e adaptação das leis que regulam a sua permanente actividade, e que são a preocupação constante do Sr. Ministro Gonçalves de Proença, que assim pretende seguir um rumo previamente traçado que melhor satisfaça as necessidades evoluídas da justiça social.
Sem pretender analisar as inovações introduzidas pelo novo código, não posso deixar de referir, ainda que muito superficialmente, aquelas que mais impressionam e prendem a minha atenção, precisamente por serem diferentes das que existiam e a que estávamos habituados.
De entre elas enunciaremos apenas algumas que consideramos mais destacadas, tais como:
I) O patrocínio judiciário gratuito concedido a todos os trabalhadores e seus familiares, que podem, assim, recorrer aos tribunais do trabalho sem gastar qualquer quantia, seja qual for o valor da acção;
II) A cumulação obrigatória de pedidos, que obriga o trabalhador a fazê-lo de uma só vez e no mesmo processo, ficando a entidade patronal com a certeza de que o mesmo trabalhador não poderá vir mais tarde com novas exigências relativas ao mesmo período de trabalho;
III) A atribuição de funções judiciais às comissões corporativas no sentido de estas poderem decidir sobre as questões emergentes de contrato individual de trabalho, que lhe são submetidas à apreciação no próprio local onde o trabalhador reside, evitando que este se desloque à sede do tribunal, que, por vezes, fica distante do local do trabalho cerca de 100 km;
IV) A execução oficiosa das sentenças condenatórias, independentemente do pagamento das custas, é outra das alterações que muito beneficia o trabalhador, pois eram muitos os casos em que as sentenças não se executavam, umas vezes porque a quantia era pequena e não valia a pena prosseguir na acção e outras porque as custas em dívida, pela parte em que decaiu, não estavam pagas, e, enquanto o não fossem, a sentença não podia executar-se, o que agora já não acontece pelo novo código;
V) A obrigatoriedade de pagamento ao sinistrado de uma pensão provisória, durante o tempo que medeia entre a data do sinistro e a da sentença, é outra das muitas vantagens a favor do trabalhador, que, às vezes, não tinha recursos nem possibilidade de auferir, durante o período de incapacidade, o necessário para o sustento da família;
VI) Por último, quero ainda referir o modo especial e sumário como este código deu solução à fixação de interpretações nos conflitos de jurisprudência, bastando, para tanto, que o agente do Ministério Público comunique a divergência existente à Inspecção-Geral dos Tribunais do Trabalho, e esta ao Supremo Tribunal Administrativo, juntamente com as certidões das decisões contraditórias, para se conseguir um assento que resolve definitivamente o conflito, seja qual for o valor das acções em discussão.
Todos estes privilégios concedidos aos trabalhadores vão por certo ser entendidos em termos hábeis pelos rés-
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pectivos tribunais, de modo a não permitirem abusos por parte de quem pretenda utilizá-los sem razão.
Não podemos ainda afirmar qual o resultado obtido com a aplicação do novo código, cuja revisão obrigatória foi desde já prevista, pelo artigo 3.º do decreto-lei que o aprova, para o início do ano judicial de 1965-1966; mas, sejam quais forem as alterações a introduzir-lhe nessa data, não podemos deixar de manifestar ao Ministro Prof. Gonçalves de Proença o nosso apreço e a admiração pelo importante diploma agora publicado.
O segundo facto a que quero referir-me relaciona-se com a visita feita pelo mesmo Ministro Gonçalves de Proença à sede do concelho da Marinha Grande, no dia 4 de Janeiro corrente, com o fim de homologar o novo contrato colectivo para a indústria vidreira, que nessa mesmo dia foi assinado pelos respectivos representantes das classes industrial e operária.
Nessa vila progressiva, que é considerada a capital do vidro português, ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... foi-me dado assistir a um jantar de confraternização, e ao mesmo tempo de homenagem ao Ministro visitante, em que tomaram parte algumas centenas de operários e industriais vidreiros, numa boa convivência e mútua compreensão entre todos.
Essa nova convenção colectiva, destinada a regulamentar a actividade profissional do pessoal da indústria vidreira, resultou do bom entendimento entre todos e do espírito social dos industriais da Marinha Grande, a quem o Ministro das Corporações agradeceu a boa colaboração que deles tem recebido, acrescentando ainda que «a actividade vidreira constitui hoje, felizmente, um exemplo a citar de dignidade e compreensão das responsabilidades sociais».
Foram beneficiados mais de 7500 operários vidreiros, distribuídos pelas 23 unidades fabris existentes no País, não só com elevação dos seus salários, que chega a atingir 25 por cento, mas também com muitas outras regalias, que não vou mencionar aqui para não ultrapassar o tempo que me propus tomar a VV. Ex.ªs
Mas não posso deixar de salientar que o bom êxito de tal contrato colectivo se deve, em grande parte, aos industriais da Marinha Grande, sempre preocupados com a valorização dos seus operários e colaboradores, entre os quais é justo destacarem-se o nosso colega Sr. Deputado Mário Galo...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... que nele interveio directamente como presidente do Grémio da Indústria Vidreira, e o Sr. Manuel dos Santos Barosa, industrial e presidente da Câmara Municipal daquele concelho, que fez parte de uma comissão de industriais organizada para aquele efeito, além de outros que se esforçaram no mesmo sentido.
Além disso, vão ali ser instalados infantários para todos os filhos dos trabalhadores até aos 7 anos; cursos de pré-aprendizagem e formação familiar para os rapazes e raparigas dos 10 aos 14 anos; e foi criado e está em funcionamento um serviço social, comum a todas as empresas, destinado a prestar assistência e apoio aos respectivos trabalhadores.
Pelo que deixo referido e pelo que me foi dado presenciar, fiquei na convicção de que o concelho da Marinha Grande está a ser iluminado por um sol brilhante que a todos aquece o aproxima.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Assim, é de esperar que todos os seus habitantes saibam reter na memória e reconhecer na sua razão a boa vontade, o espírito social o até o sacrifício demonstrados por todos os responsáveis, sem os quais não eram possíveis tamanhas realizações.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: como é de velha tradição, a Madeira celebrou na noite de 31 de Dezembro último a passagem do ano com um espectáculo que, pela sua originalidade e grandeza, se pode considerar único no Mundo.
Iluminaram-se igrejas e monumentos, contornaram-se de lâmpadas estradas e caminhos, manchas de luz cobriam os montes, num verdadeiro deslumbramento de beleza.
Ao longo do cais acostável e no porto viam-se numerosos transatlânticos de várias nacionalidades que ali foram em viagem especial de cruzeiro. E quando, à meia-noite, por entre o repicar dos sinos e o ruído das sirenas dos navios, os fogos irromperam, a um tempo, de diversos pontos do anfiteatro da cidade do Funchal, para saudar festivamente o ano que nascia e, com ele, todas as esperanças que brotavam do coração dos homens, viveram-se momentos de verdadeira emoção e a Madeira pôde orgulhar-se de oferecer ao Mundo um espectáculo que é o mais surpreendente e o mais belo cartaz de propaganda do turismo português, porque nunca mais se apaga nem dos olhos nem das almas de todos quantos tiveram oportunidade de o presenciar e sentir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Infelizmente, Sr. Presidente, com grande mágoa nossa e gravíssimos prejuízos para os interesses do turismo nacional, toda a publicidade resultante para a Madeira das festas do fim do ano foi anulada com a interrupção das ligações aéreas para Porto Santo, em consequência da impossibilidade de comunicações marítimas entre as duas ilhas.
Os factos ocorridos nas últimas semanas novamente vieram demonstrar que, sem uma pista de aterragem na Madeira e sem um porto de abrigo em Porto Santo, hão-de ser sempre precárias as condições do nosso turismo, em prejuízo de importantes e legítimos interesses da população madeirense e com vantagem para as nossas vizinhas ilhas Canárias, que, não possuindo as belezas naturais da Madeira, estão apetrechadas e continuam a apetrechar-se para ter um turismo em larga escala.
Não ignoramos, e será gravíssima injustiça esquecê-lo, que o Governo tem dedicado o maior interesse ao problema das comunicações para a Madeira e foi, realmente, uma fatalidade que, a poucos meses da inauguração da pista de Santa Catarina, se tivessem verificado factos que tanto prejudicaram o nome da nossa terra.
Falando deste assunto, não quero, nem posso, esquecei-os nomes de dois grandes amigos da Madeira: o do Sr. Ministro das Comunicações, Eng.º Carlos Ribeiro, e o do Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não preciso de apelar para SS. Ex.ªs, porque sabemos muito bem o interesse e a devoção com que, vencendo, por vezes, dificuldades que a outros se afigurariam irremovíveis, têm procurado resolver problemas de interesse vital para o nosso arquipélago.
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Estou certo de que o Sr. Ministro das Comunicações, com a colaboração da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, à frente da qual se encontra alguém por quem temos o mais elevado apreço, o Eng.º Vítor Veres, fará tudo o que estiver ao seu alcance para abreviar a conclusão das obras do aeroporto de Santa Catarina e restabelecer, assim, a confiança na regularidade das comunicações para a Madeira, tão abalada pelos acontecimentos dos últimos dias.
Como complemento das comunicações aéreas torna-se indispensável garantir a ligação marítima entre a Madeira e Porto Santo, e já na Assembleia Nacional e na presente legislatura defendi a necessidade de se construir um porto de abrigo nesta ilha.
Logo depois da minha intervenção nesta Câmara tive a honra de ser recebido pelo Sr. Eng.º Arantes e Oliveira, a cuja acção infatigável a Madeira deve, em grande parte, um conjunto de obras do maior vulto no plano regional. Prometeu-me S. Ex.ª o seu melhor interesse para que a construção do porto de abrigo em Porto Santo seja incluída no próximo Plano de Fomento, e essa promessa é bastante para assegurar a realização desse importante melhoramento, que é hoje a principal aspiração da ilha, que foi a primeira descoberta dos Portugueses nos vastos e então desconhecidos caminhos dos mares.
Os que, como eu, há perto de vinte anos, nesta Câmara e junto do Governo têm ininterruptamente procurado interpretar e defender as principais aspirações dessas terras privilegiadas que constituem o arquipélago da Madeira sentem-se já, por vezes, acanhados para pedir, sobretudo quando, em face dos encargos extraordinários que a defesa do ultramar português impõe ao Governo, este não pode satisfazer todos os desejos e anseios dos povos.
Mas neste caso da Madeira estamos chegados ao termo de um grande plano de trabalhos. E é necessário concluí-lo para que se possam tirar todos os benefícios que justificaram a sua execução.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate acerca do aviso prévio sobre a reforma do Código Administrativo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Reis Faria.
O Sr. Reis Faria: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: em 1947, o ilustre Deputado pelo círculo que hoje nós aqui tão modesta e apagadamente também representamos, o Dr. João da Rocha Paris, fez nesta Assembleia um aviso prévio sobre a situação das câmaras municipais.
Já então as câmaras se sentiam em dificuldades para poderem cumprir a sua missão e esta Assembleia terminou o debate sugerindo ao Governo a necessidade de libertar os municípios dos encargos que os asfixiavam e pedindo que lhes facultasse meios para bem cumprirem as suas atribuições.
A solução já era então, como actualmente, a de diminuir as despesas e de aumentar as receitas; simplesmente, parece-nos fundamental saber se todas as despesas são justas ou susceptíveis de diminuição e se todas as receitas lhes serão justificadamente atribuíveis ou susceptíveis de justificado aumento; isto é, resta saber concretamente quais são os encargos injustificados que asfixiam os municípios e quais são as atribuições legítimas que, numa medida quantas vezes apenas menos ambiciosa ou mais proporcionada, eles se vêem inibidos de cumprir.
O fenómeno que o aviso prévio do nosso ilustre colega Dr. Augusto Simões vem trazer à consideração desta Assembleia não é novo, nem sequer exclusivo do nosso país. Mais ou menos por toda a parte se levantam clamores, se criam escolas e se debate o problema de administração local autárquica, com as diferenças específicas de cada país, e poderemos concluir que algo surgiu de novo: o municipalismo clássico e tradicional está em crise, ou pelo menos ameaçado nas suas realizações tradicionais ou actuais.
Há hoje quem defenda a solução radical de anulação ou quase anulação do município, entregando ao Estado à administração e a realização de todos os interesses públicos; há quem queira manter os municípios na sua forma actual, tanto na sua integridade territorial como na integridade dos seus direitos e deveres tradicionais; há quem queira ou reconheça a necessidade de uma evolução. O estarmos aqui a discutir este problema dá uma certa força a esta terceira posição.
O municipalismo, mesmo em Portugal, já só apresentou ao longo da história com os aspectos mais diversos, e aquele que temos hoje no nosso país deriva directamente do liberalismo do século passado. Ao longo dos séculos as suas possibilidades de actuação estiveram sempre condicionadas pela época e portanto também hoje eles necessitam de evoluir e de se adaptar aos nossos tempos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Os problemas complicaram-se, a população aumentou, e muitos municípios de há séculos, com áreas parecidas com as actuais, viram a sua população aumentar em proporção tal que, na sua medida de então, teriam sido, em relação à de hoje, apenas uma espécie de junta de freguesia, e não um concelho. É fácil resolvei-os problemas nesse nível de junta de freguesia; torna-se mais difícil quando tratamos do concelho.
Este aspecto justifica e ilustra apenas a maior complexidade dos problemas actuais a enfrentar pelo município, uma das origens das suas dificuldades, mas só assim encarado não pode servir para nos orientar no sentido da solução, pois então, num critério simplista, levar-nos-ia pura e simplesmente a uma divisão que seria pulverização, e daí a maiores dificuldades ainda.
É que simultaneamente com o aumento da população aumentaram as necessidades e a complexidade dos serviços. A solução destes problemas está hoje mais orientada no sentido das planificações e das concentrações que no sentido da divisão, a não ser que as soluções se orientassem precisamente no sentido de deixar ao Estado esses grandes problemas a planificar e se deixassem aos municípios apenas os mais pequenos problemas de gerência de pessoas e bens, numa medida e complexidade mais parecida com aquela em que eles se criaram e desenvolveram.
Quer dizer: além das soluções preconizadas pela Assembleia em 1947, há uma terceira solução: dar aos municípios uma medida mais de acordo com as possibilidades locais e medida tradicional originária, e, seguindo a evolução dos tempos, retirar dos municípios o encargo com problemas que, pela sua extraordinária importância ou desenvolvimento e necessidade de planificação ao nível do País, só ao Estado devem competir.
Quanto à primeira parte, que à primeira vista daria enorme trabalho e levantaria grande celeuma, devemos ter em conta dois factos: primeiro, a medida das autarquias locais paralelas, pelo menos em Espanha e França, para já não citar outros países, é muito sensivelmente inferior
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à nossa; segundo, todos conhecemos populações que se têm desenvolvido e progredido e cujo maior anseio é separarem-se da sede do concelho, formando um concelho à parte.
Contudo esta terceira solução só por si nada resolve; necessita da mesma forma de resolução que as outras duas: aumento das receitas, diminuição das despesas, embora em menor grau, ou então, e quanto a nós mais realisticamente, a actualização dos encargos justificáveis.
E dizendo actualização dos encargos justificáveis, queremos apenas com isso ilustrar e reforçar a indispensável evolução e actualização a que atrás nos referimos.
Contudo, qualquer que seja a solução ou forma por que for encarada, devemos ter sempre bem presente: pode tentar-se uma reforma dos recursos financeiros municipais; pode tentar-se uma reforma das relações que unem as câmaras dentro de um mesmo distrito; pode tentar-se a reforma das relações entre o Estado e as câmaras; pode tentar-se ainda que os eleitos municipais vão a outras assembleias de carácter económico ou político à escala distrital ou regional levar a sua competência, mas não se pode pensar nem tentar que a câmara municipal deixe de ser aquela fracção do território nacional ou de administração pública que gerem as pessoas mais ou menos do agrado do povo local, munidas, por força da lei, de poderes administrativos e de responsabilidades políticas.
As populações, especialmente as populações rurais, ainda amam e respeitam as suas câmaras, e a sua falta ou o seu desprestígio em proveito de um Estudo-Moloque absorvente e dono único dos destinos dos povos, por muita sabedoria e isenção que tenha na realização do bem comum, não é ainda, felizmente, ideia que tenha audiência junto da generalidade do nosso povo. Como dizia António Sardinha, sem localismo não há cidadãos, mas simples administrados.
Mas o que também é certo é que cada vez mais sob a pressão do poder central os municípios exercem uma administração e uma fiscalização cada vez menos real sobre os seus próprios recursos (baldios, florestas, etc.), participam cada vez mais em obrigações de que o Estado se desembaraça sobre as suas costas (Ministérios da Educação Nacional e da Justiça) e são pouco a pouco desapossados do seu direito tradicional de gerir como mais lhes convenha ou agrade o capital que a lei lhes confia.
Sr. Presidente: quando ouço - e faço coro, visto que também já fui presidente de uma câmara- os muitos clamores e queixumes das dificuldades que atravessam os municípios para cumprirem a sua missão a bem das populações cujos destinos lhes confiaram, penso imediatamente nas possibilidades reais de poder valer às dificuldades tão reclamadas e realmente existentes.
Todos os recursos de que dispomos para viver e para satisfazer as nossas necessidades têm uma única proveniência: o rendimento nacional.
Desde que reclamamos ao Estado aumento de receitas à diminuição de despesas, isto apenas quer significar que pedimos ao Estado um maior contributo do rendimento nacional a favor das câmaras.
E aonde vai o Estado buscá-lo? A uma desistência em favor das câmaras de uma parte das suas receitas ou a uma maior tributação do rendimento nacional que permita dar maior ajuda às câmaras.
Este é um dos problemas, e não o menor.
Simplesmente, se a fonte é a mesma e evidentemente limitada nas suas possibilidades, talvez os clamores e os queixumes, sejam menores se a arrumação dos encargos for mais justa e mais evidentemente lógica.
Haverá câmaras pobres e ricas, tal como há indivíduos pobres ou ricos, sem pretendermos nivelar a riqueza das câmaras, tal como não pretendemos nivelar as riquezas dos indivíduos, e apenas podemos aspirar a uma justiça distributiva tal que a todos permita viver sem vergonha e com a satisfação assegurada de um mínimo vital honesto, digno e justo.
A fixação das matérias que são atribuições das câmaras e sobre as quais elas devem deliberar estende-se ao longo de 118 números de 7 artigos do Código Administrativo.
E admirável a sistematização encontrada, que bem mostra a profunda ciência do legislador, mas parece-nos excessivamente ambiciosa a possibilidade da sua satisfação integral. Não têm muitas vezes as câmaras possibilidades técnicas nem meios legais ou financeiros de dar qualquer viabilidade a muitas deliberações que tomassem baseadas nos direitos que o Código Administrativo lhes confere.
Houve tempos em que os grandes problemas nacionais eram apenas o somatório de uma série de pequenos problemas locais e a sua resolução podia facilmente ser individualizada a cada um dos termos da série, considerando-se, portanto, o problema atendido ou [...], quanto maior fosse a aproximação do valor máximo ou mínimo desse somatório. Tal hoje não sucede com muitos problemas que passaram a ser problemas ou serviços nacionais. E o que sucede com a justiça, com as estradas, com as escolas, com a saúde, com a assistência, etc.
O problema nos nossos tempos deixou de ser uma série para ser uma função, e a sua resolução deixou de ser parcial e termo a termo para ser global e à escala nacional. Sendo assim, e isto como imperativo dos tempos e consequência de uma evolução que temos de aceitar e reconhecer, por que se teima em impor às câmaras encargos com estes serviços que deixaram absolutamente de ter carácter local ou regional e têm um nítido e evidente carácter, nacional?
E evidente que, saindo os encargos da mesma fonte comum, que é a tributação do rendimento nacional, poderá parecer a priori que o problema não teria grande importância, apenas agravaria de certo modo um possível desperdício; simplesmente, num exame mais atento vemos logo duas consequências graves desse sistema: primeiro, possibilidade de uma injustiça distributiva na incidência dos encargos em relação às várias câmaras; e segundo, a dificuldade de abarcar o problema no seu todo nacional, o que só pode ter inconvenientes na sua melhor orientação, dotação e eficiência.
Podíamos ilustrar a afirmação de muitas formas, mus não nos parece necessário, pois todos conhecemos casos concretos que abonam a nossa afirmação.
Além dos problemas de carácter nacional, há outros que, não tendo tão larga projecção, estão hoje, se os quisermos realizar de forma capaz, actual e eficiente, fora da medida e do alcance da maior parte das câmaras, talvez cerca de três quartos das câmaras do País. São os problemas de obras, urbanização e melhoramentos, os problemas de cultura e os problemas de electrificação rural.
Os problemas de obras na maior parte das câmaras rurais são praticamente inexistentes ou muito precariamente atendidos, tanto em permanência dos responsáveis como em competência ou nível técnico.
A pouca categoria técnica de muitos chefes de repartição de obras de certas câmaras ou a quase nula permanência dos consultores técnicos, e tudo isto porque as câmaras não podem despender com os gabinetes de obras quantias mais avultadas, leva a situações algumas vezes vexatórias para os presidentes das câmaras e outras vezes a uma incapacidade, ou pelo menos a grandes difi-
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culdades, na orientação das realizações que desejam, isto para não falar já no dinheiro quantas vezes inutilmente gasto em projectos mais ou menos inúteis.
É certo que existe a Direcção-Geral de Urbanização, mas a sua missão é sobretudo de fiscalização às obras comparticipadas pelo Estado e de uma certa assistência técnica aos municípios, mais que insuficiente para as necessidades reais destes.
Prevê o Código Administrativo a federação dos municípios para a realização de interesses comuns dos respectivos concelhos e, teoricamente, se se quisesse organizar um gabinete técnico com idoneidade e eficiência para atender os já por vezes bastante complicados problemas que aparecem, até mesmo nos municípios rurais, esta seria a solução para o poder fazer com um encargo suportável pelas pequenas câmaras; contudo, que nos conste, só no distrito da Guarda tal se fez, não contando, é claro, com as federações obrigatórias dos concelhos limítrofes de Lisboa e Porto e outra em Basto, mas só para o abastecimento de energia eléctrica.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª sabe bem o quanto o meu coração se sente magoado por não poder exprimir aqui um total aplauso às considerações de V. Ex.ª
E mais me admiro de que V. Ex.ª as tenha produzido, quanto é certo que V. Ex.ª já foi presidente de uma câmara municipal do ultramar e também governador civil de Viana do Castelo, cargos estes que exerceu com a sua proverbial competência e inteligência.
Mas a verdade é que não posso concordar de modo algum com as considerações que V. Ex.ª está a produzir, porque iríamos por um caminho de fazer reduzir à ínfima espécie a actividade das câmaras municipais. Quereria dizer a V. Ex.ª que o problema, é de lhes dar meios de resolver os problemas, e não de lhos tirar das mãos.
No distrito de Braga, por exemplo, está-se a praticar, através da Junta Distrital, aquilo que V. Ex.ª preconiza para as federações: um gabinete técnico à altura de poder servir as câmaras, deficiência que para as câmaras pequenas tem o seu relevo. Quero dizer que me parece que aquilo que se deseja neste momento é fomentar o municipalismo, e não estrangulá-lo.
A minha, opinião é que se deve dar todo o poder às câmaras para que possam resolver os problemas, e não entregar ao Estado grande parte das funções que hoje impendem sobre elas. V. Ex.ª sabe bem que câmaras como-as de Coimbra, Porto e tantas outras estão servindo os seus munícipes, por exemplo, no problema da electricidade, o que empresas particulares não fariam. V. Ex.ª desculpe, mas eu tinha que fazer estas observações.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Simplesmente, não se trata de estrangular o municipalismo, mas de actualizá-lo. Impõe-se uma evolução do municipalismo para as realidades actuais.
O Sr. António Santos da Cunha: - Reduzindo a sua esfera de acção ...
O Orador: - E ampliando-a também.
O Sr. António Santos da Cunha: - Lamento não poder concordar com V. Ex.ª
O Orador: - O nosso individualismo estreme, que se reflecte e multiplica no «amor de família», no «bairrismo», no «regionalismo» e se polariza no nosso ainda incontestável patriotismo, é factor de progresso local a aproveitar e que muita dedicação e esforços é capaz de suscitar. Esse individualismo leva-nos, porém, à aversão pela federação de municípios, pela possível invasão de competências estranhas em limites que tradicionalmente consideramos sagrados.
É, porém, indispensável, para uma eficiência que hoje é condição inevitável de progresso, concentrar numa autarquia acima do concelho, e não no Estado, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... os meios técnicos e financeiros necessários a certas realizações hoje impossíveis de satisfazer em condições razoavelmente aceitáveis por alguns municípios.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Falou-se e fala-se, e é um dos motivos do aviso prévio do nosso ilustre colega Augusto Simões, da necessidade de uma revisão e actualização do Código Administrativo que esteja mais de acordo com os imperativos e a evolução dos nossos tempos.
Sendo assim, tornar-se-ia possível outra solução.
O regionalismo é uma forma de bairrismo mais vasto e generalizado, assim como o bairrismo o é em relação ao indivíduo. Aquilo que os povos não aceitam na federação, livre associação de municípios, por lhes parecer que o vizinho passaria a mandar em sua casa, pode ser que o aceitasse se lhe viesse a solução de um organismo já existente e que sempre a seus olhos teve essa mesma competência regional a que pertence e sempre pertenceu, e que seriam as juntas distritais.
Parece-nos que em vez das federações de municípios, que ninguém promove, talvez uma nova estruturação das juntas de distrito com mais latas, concretas e eficazes atribuições fosse solução a encarar para resolver os problemas que as federações não resolveram.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - As câmaras com possibilidades manteriam os seus gabinetes técnicos próprios e nas juntas de distrito seria criado um gabinete técnico completo e eficiente, que trataria de todos os problemas técnicos das câmaras que não tivessem possibilidades de manter uma repartição de obras moderna e competente.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Seria até uma forma de revitalizar as juntas de distrito, que, salvo raríssimas excepções, e uma delas - e brilhante - é precisamente a do círculo do ilustre Deputado avisante, vivem uma vida apagada e sem relevo na vossa vida local.
O Sr. António Santos da Cunha: -V. Ex.ª dá-me licença? Pedia o favor de acrescentar a acção meritória que a Junta Distrital de Braga tem estado a realizar, precisamente no sentido das considerações que V. Ex.ª está produzindo.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o registo.
Igualmente no aspecto cultural e no aspecto de valorização turística regional podiam as juntas distritais convenientemente dotadas fazer larga obra de incontestável interesse para o País.
Nos pequenos e pobres concelhos rurais, onde hoje se encontram apenas algumas dedicações e esforços individuais isolados, pouco ou nada se faz de sentido cultural
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e de preservação dos valores locais tradicionais, a não ser algumas manifestações folclóricas, que, mesmo assim, na sua maioria, vivem uma vida apagada e difícil.
Formam-se ranchos que logo se desfazem ou se dividem e subdividem. A nossa vida local é cheia de rivalidades e personalismo, mas há no meio disso tudo muita dedicação e muito entusiasmo a aproveitar e a que muitas vezes apenas falta um pouco de disciplina ou superior orientação.
E que diremos ainda do artesanato e dos estudos etnográficos?
Há em tudo isto largo campo de actividades utilíssimas a desenvolver, em que as juntas de distrito podiam fazer obra bem meritória.
Integradas essas actividades e esforços desconexos num serviço nacional, e regionalmente nas juntas de distrito, seria possível disciplinar e aproveitar todas essas dedicações locais e preservar de adulteração toda a riqueza folclórica e etnográfica do nosso país, que são incontestavelmente um valioso elemento de valorização turística que imo podemos desprezar, e antes devemos desenvolver e acarinhar.
É evidente que será possível lograr-se algum resultado com essa disciplina ao nível nacional e regional, mas a manter-se ao nível concelhio apenas, as mais das vezes até apenas ao nível de freguesia ou de lugar, nada de prático e de útil se conseguirá, sobretudo se se continuar a viver aqui e acolá de esforços individuais, sem recursos para lhes dar a projecção devida e sujeitos sempre a desanimar e desistir perante as contínuas dificuldades encontradas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em conjunto com os problemas atrás tratados, e para a resolução dos quais o Código Administrativo prevê a federação dos municípios, e a que nós preferíamos a junta de distrito, citamos também o problema da electrificação rural.
Vozes: - Muito bem, muito bem 1
O Orador: - Quanto a este problema já a nossa posição é completamente diferente, e podemos definir a razão disso num postulado muito simples: trata-se de um problema económico, e as câmaras não prosseguem finalidades económicas.
Que as câmaras por vezes tenham abordado esse problema e o tenham realizado numa finalidade de servir acidentalmente as suas populações, muito bem, mas que essa seja a solução ou até que as câmaras estejam em condições, ou devam ser postas em condições, de resolver esse problema por si mesmas, não concordamos.
O problema da electricidade é um problema nacional com carácter industrial, e portanto é para ser realizado pela indústria privada, para manter o seu sentido económico individual e a sua eficiência, embora com a competente fiscalização do Estado para a sua normalização em virtude do seu carácter de interesse público.
As câmaras não possuem capital próprio a administrar com sentido reprodutivo, apenas podem neste campo aplicar as suas receitas anuais, doações ou empréstimos. Prevê o código que possuam os serviços municipalizados contabilidade industrial, que formem um fundo de reserva e os lucros ou prejuízos sejam entregues à câmara, aqueles depois de deduzida a conveniente percentagem para o fundo de reserva. E evidente que nada disto está de acordo com uma autêntica exploração industrial de carácter privado, e em que a origem e finalidade dos recursos financeiros pode levar a situações em que a justiça distributiva a que atrás nos referimos não seja a mais exacta.
A electrificação de um concelho representa a imobilização em poucos anos, se o que se quer é andar depressa, de muitos milhares de contos, e então não percebemos como é que as câmaras se queixam tanto de dificuldades financeiras e por outro lado desejam arcar com um problema que está muito para além das suas possibilidades de empréstimo, mesmo que nada mais tivessem comprometido.
Além disso, e não vale a pena fazer contas nem citar números, os nossos consumos específicos nas povoações rurais são insignificantes, para não lhes chamar por vezes ridículos.
E com essa exploração que as câmaras pretendem fazer face aos encargos que iriam assumir? Com que contam para pagar o larguíssimo prejuízo da exploração que iriam ter e que ficaria contabilizado se realmente fizessem as câmaras uma escrita de carácter industrial nas suas explorações?
No n.º 11.º, alínea b), do artigo 118.º do Decreto-Lei n.º 43 335 vêm fixados os mínimos de consumo a garantir pelos consumidores que queiram ligar qualquer ramal de fornecimento de energia eléctrica. Em quase todos os ramais puramente rurais tal garantia, a exigir-se, constitui um encargo enorme para as câmaras e, por isso, estas optam sempre por qualquer outra das modalidades facultadas no mesmo artigo 118.º
A garantia de consumo mínimo tem por fim assegurar ao concessionário o justo rendimento do novo ramal instalado; se, porém, o concessionário for a própria câmara, terá mesmo de aguentar o consumo real sem qualquer compensação e em nítido prejuízo.
Que vantagem deriva, pois, para as câmaras da electrificação rural feita por estas? Confesso que não vejo.
E não falemos na necessidade de as câmaras se apetrecharem com pessoal técnico suficiente e competente para que o serviço seja realmente eficiente na exploração.
E evidente, por comparação de situações aparentes, que rapidamente chegaríamos à conclusão, ao buscar a medida real económica, que só na concentração ou federação o problema teria viabilidade, até porque num maior espaço já seria possível obter a compensação da exploração de maior e menor âmbito, das lucrativas com as ruinosas.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Raciocinando como anteriormente, também à federação substituiríamos a junta de distrito, mas neste caso, que se complica de um aspecto económico e financeiro muito mais delicado, já não podemos advogar tal solução.
Efectivamente, a delicadeza de que se reveste neste caso a repartição de possíveis lucros ou prejuízos, a justa precedência nos benefícios a diferentes concelhos dentro do nosso condicionalismo, que fez com que não se tornassem possíveis as livres associações ou federações de municípios, tornam-se mais delicadas ainda se as encararmos na forçada associação de uma exploração industrial por uma autarquia, seja estatal ou regional.
Assim como advogamos e pensamos que seria utilíssima a acção das juntas de distrito na organização de gabinetes de obras eficientes e na difusão e preservação de cultura, que não têm qualquer carácter económico, já não podemos concordar com a solução do problema da electrificação rural pelas mesmas juntas de distrito em face do carácter económico deste problema, e que portanto só deve ser entregue à iniciativa particular.
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Supomos que um dos motores fundamentais que agitam este problema da electrificação rural e da intervenção das câmaras nele deve ser o problema das tarifas.
Ora bem, tenho muito respeito pelas tarifas e condições de venda da energia eléctrica, e tenho-o porque, em primeiro lugar, não é um problema simples, é antes muito e muito complicado e obra de técnicos e técnicos especializados.
Além disso, quanto às câmaras, segundo a base XXVIII da Lei n.º 2002, é o Governo que fixa as fórmulas tarifárias a aplicar por cada federação, município não federado ou seus concessionários, e que o faz atendendo a critérios variáveis segundo a aplicação da energia.
Se o Governo o faz e atendendo a que é um problema tão técnico e tão especializado, supomos que o Governo, servido por especialistas, o fará da melhor maneira, e podemos mesmo afirmar que assim é e não queremos até perder a oportunidade de render aqui a nossa homenagem a esses técnicos, cujo trabalho árduo e difícil por vezes tão mal compreendido é.
O Sr. António Santos da Cunha: - Volto a não poder estar de acordo com V. Ex.ª, pela experiência de doze anos de presidente de câmara.
O Orador: - Muito obrigado. Já agora não vamos deixar passar em silêncio um dos motivos que supomos ser algumas vezes a causa dessa incompreensão, embora quanto a nós a verdadeira causa, e a fundamental, seja ainda a tecnicidade e a complexidade do assunto.
E certo que as tarifas são aquilo que dissemos atrás, mas podem ser também outra coisa na fixação dos preços por que nós pagamos a energia eléctrica.
Por vezes um preço de energia é um preço político, como lhe chamou Einaudi, sobrepondo-se e alterando até o preço real de custo noutras explorações.
O preço político, evidentemente de fornecimento em regime de prejuízo, ou vai sobrecarregar os outros preços ou, tomando o Governo a sua responsabilidade, vai desviar das disponibilidades nacionais uma parte que talvez pudesse, ser aproveitada noutros empreendimentos mais úteis à comunidade.
Ao pedir-se, portanto, para as câmaras e para a electrificação rural tarifas muito mais baixas que as actuais estamos a pedir uma tarifa política, e é caso para perguntar, portanto, se a contrapartida de vantagens compensa os inconvenientes e se o dinheiro empregado na indispensável compensação é mais bem empregado na electricidade rural do que noutros benefícios igualmente exigidos e exigíveis.
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Elísio Pimenta: - Não quero discutir o problema, até porque não tenho competência para isso. Apenas queria perguntar a V. Ex.ª se essa tarifa política não poderá conduzir a uma tarifa económica.
O Orador: - A tarifa económica, é sempre uma tarifa política; depende da política que se defender. É caso para se perguntar se não haverá até vantagem em existir uma tarifa política.
Se notarmos que na sua grande maioria os consumidores rurais nem os mínimos consomem, parece-nos que estamos a perder tempo com um falso problema e que quando se elevar o nível de vida do País, e em especial o das populações rurais, quando os consumos aumentarem substancialmente, as tarifas automaticamente descerão, permitindo e facilitando cada vez mais os grandes consumos.
De tudo o que fica dito só podemos pensar que desejo das câmaras de serem fornecedoras de energia eléctrica deverá ser apenas o de arranjarem novas e maiores receitas. Não podemos concordar, pelo já atrás exposto, que seja este o melhor caminho ou mesmo um dos caminhos para satisfazer, aliás, tão justa e evidente necessidade.
A exploração é necessariamente deficitária na grande maioria dos casos, o Estado terá de cobrir um dia mais tarde esse déficit, para agradar aos munícipes terá até que se arranjar por vezes um preço político para as tarifas, e o Estado terá da cobrir igualmente, o deficit desse preço irreal, mas entretanto as câmaras arranjaram umas receitas com que vão fazendo face a umas despesas que talvez nem todas sejam úteis, reprodutivas ou justificáveis.
Valerá a pena e justificar-se-á que seja esta uma forma de aumentar as receitas camarárias, sabido como é que tudo sai da mesma fonte - o rendimento nacional - e que se está desta forma a fazer uma concorrência, é certo que num campo relativamente limitado, mas sempre uma concorrência, desleal à iniciativa particular.
O problema da electrificação rural é mais um problema que só pode ser encarado à escala nacional; e devendo continuar as câmaras intransigentemente a fiscalizar a qualidade do serviço fornecido aos seus munícipes, é dos serviços especializados do Estado que deve provir a orientação geral para a sua execução, exploração e planificação, tanto quanto possível do acordo e facilitando a iniciativa particular.
Sr. Presidente: depois de passados em revista alguns dos problemas que tanto afectam a vida das câmaras o com elas a vida das populações por esse País fora, só nos resta esperar que alguma coisa de proveitoso, de útil e de prático saia da discussão deste aviso prévio, em que afinal tudo se resume no desejo expresso de uma reforma do Código Administrativo.
Uma reforma menos apegada a fórmulas tradicional e que represente uma evolução das nossas estrutura, como agora se usa dizer, móis funcional e mais de acordo com as realidades actuais dos problemas nacionais.
Há actualmente organismos que não funcionam e outros que não podem funcionar. Eliminem-se uns dê-se vida a outros, criem-se novos até se for necessário, mas o que é indispensável é que realmente se encare com espírito construtivo e actual a reforma do nosso Código Administrativo.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi minto cumprimentado.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: as minhas renovadas saudações e os meus respeitosos cumprimentos.
Sr. Presidente: tenho acompanhado interessadamente a discussão do aviso prévio que, com tanto entusiasmo e devoção pela vida local, o ilustre Deputado Dr. Augusto Simões trouxe ao plenário desta Assembleia.
E esse interesse despertou o meu espírito para uma visão do problema que a alguns poderá parecer ousada ou quiçá, a despropósito.
Por isso mesmo hesitei em subir a esta tribuna, menos por temor de afirmar um ponto de vista que tem muito de pessoal do que pelo receio de ver mal compreendida uma séria preocupação - e esta não é só minha, mas de
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muitos - de que poderão andar arredios alguns responsáveis, que se comprazem nas delícias de falsas aparências e para quem é auto perturbador e inamistoso tudo quanto possa representar quebra do torpor político a que rios condenam.
Mas claros imperativos de consciência, robustecidos pelo sentido de responsabilidade a que temos de ser fiéis no exercício do nosso mandato, venceram, naturalmente, aquela hesitação, e aqui estou para dar, em brevíssimas palavras, testemunho do modo como pessoalmente encaro o problema em discussão.
Antes, porém, quero prestar homenagem ao ilustre Deputado avisante e a todos os Srs. Deputados que ao debate trouxeram as importantes achegas do seu saber e da sua experiência.
Sr. Presidente: tem-se advogado nesta tribuna uma urgente revisão do Código Administrativo como meio de revigoramento das autarquias, de instrumento de valorização da nossa vida local.
Nada tenho a objectar quanto à necessidade dessa revisão em alguns aspectos relevantes da nossa vida administrativa.
A dúvida, que só põe no meu espírito é a de saber se essa revisão poderá- constituir, só por si, o caminho de salvação que se procura.
A questão situa-se em plano mais alto, e dele temos de tomar plena consciência.
E isto porque se me afigura que mesmo dentro do quadro legal em vigor, se poderiam alcançar resultados mais profícuos no tocante à valorização das autarquias e ao seu aproveitamento para a obra de progresso económico e social que se impõe levar a cabo na terra portuguesa.
O que acabo de dizer leva-nos a concluir o seguinte: o problema que está posto à nossa apreciação é menos um problema de leis do que do espírito que as anima, e sobretudo do espírito com que as aplicamos, da densidade doutrinária com que soubermos viver a sua execução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O progressivo enfraquecimeto da vida local, o desprestígio dos seus órgãos mais qualificados, são sintoma de doença mais grave e generalizada: a deterioração, a deliquescência do espírito representativo das nossas instituições, políticas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Já um dia afirmei nesta Câmara que não basta governar para a Nação, é necessário governar com ela.
Esta necessidade põe à inteligência de cada um o problema preocupante da escolha dos processos mais hábeis paia assegurar a presença electiva e autêntica na vida política do País dos interesses e justas aspirações que integram o agregado nacional.
Repudiamos, por nociva, a representação partidária e consignamos constitucionalmente um sistema de representação orgânica de que fiamos as nossas esperanças.
Simplesmente, decorridos 30 anos, e quando por toda a parte se procuram novas fórmulas de representação política, muitos se interrogam sobre o mérito do nosso sistema e os mais descuidados podem ser levados a pôr em causa já não o modo como o temos praticado, ou, talvez melhor, a maneira como temos iludido a sua aplicação, para concluírem, apressadamente, pela invalidado do próprio sistema.
É que, na verdade, o nosso sistema representativo, nos diferentes aspectos em que se desdobra (administrativo, cultural, económico, social, etc.), não funciona ou funciona deficientemente. O problema poderá vir a merecer mais ampla apreciação.
É as coisas chegaram a um ponto que até sectores responsáveis se desinteressam de lhe dar vida, ignorando, aqui, a sua existência, não aproveitando, acolá, as suas potencialidades e ofendendo a sua autonomia e não sentindo, mais além -e talvez seja o caso dos corpos administrativos-, a necessidade de algumas reformas de estrutura que o acreditem e robusteçam.
Perdeu-se, quase totalmente, o espirito novo que enforma as nossas instituições políticas e fala-se uma linguagem que os mais ortodoxos não entendem, linguagem que se identifica com a fraseologia da moda em campos doutrinários que estão nas antípodas daquele que devemos servir o defender.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já não temos uma linguagem comum, deram-se já os primeiros passos de transigência nos processos, e assim vamos resvalando para o abismo da renúncia, ou da traição, aos valores que estão na base do regime, às grandes certezas pelas quais vale a pena viver ou ... morrer!
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - Sei, Sr. Presidente, que estas palavras reveladoras de uma preocupação doutrinária que julgamos identificar-se com a nossa posição política, e, portanto, com o nosso dever, serão porventura acolhidas por alguns com um sorriso de indiferença, com o desprezo muito técnico que lhes pode merecer esta mania da política.
Não digo que me sorria também com a inconsciência dos que assim pensam ou procedem, antes me entristeço profundamente, pois não ignoro que os redutos mais fortes se perdem, quase sempre, mais pela insensatez e fraqueza dos que os defendem, do que pelo mérito e força dos que os atacam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a nossa vida política e administrativa está vazia de espírito, de doutrina, de mística; um tecnicismo frio e duro, um burocratismo, desumano e pouco compreensivo, estancam as fontes do entusiasmo e da devoção, sem os quais não há obra que valha e que perdure.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda que despertados para as grandes realidades desta hora difícil da Nação, não podemos dispensar - antes dela precisamos mais que nunca- de uma vasta e intensa- mobilização política que solidarize com as estruturas estatais o querer, a vontade real do País, no complexo dos seus órgãos verdadeiramente representativos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Saber pressentir as ansiedades das pequenas comunidades locais, surpreender e resolver os seus pequenos grandes problemas, interessar a todos nas só-
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luções, viver para os legítimos interesses da grei, identificar, afinal, o Estado com a Nação é tarefa urgente a que tudo devemos sacrificar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está, assim, posto à consciência dos responsáveis um dilema iniludível: dar autenticidade e verdade ao nosso sistema representativo, que é uma fórmula evoluída de democracia, ou conceder vantagem, com novas omissões, aos que apregoam a necessidade de um regresso ao sistema partidário.
A menos que alguns se disponham a aceitar a legitimidade de oligarquias políticas irresponsáveis, fácil presa de grupos de pressão dos influentes o poderosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: façamos as melhores leis, mas estejamos sobretudo à altura de bem as cumprir e projectar na vida de cada dia, intransigentemente votados à realização dos seus superiores objectivos, procurando, nestes árduos caminhos da vida pública, compreender, amar e servir.
E o resto virá por acréscimo.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o presente aviso prévio, da autoria do distinto Deputado Augusto Simões, tem o elevado mérito de ter chamado a atenção para um problema da mais relevante importância e significado para os órgãos medulares da administração local - os municípios.
A instituição municipal tem, através dos tempos, patenteado bem o seu préstimo como valioso elemento de autarquia local.
Quedando-a nas instituições germânicas ou firmando-a nas romanas, isso pouco importa: o que interessa é sobretudo o seu transcurso sobre o espaço histórico - permita-se-nos o aparente paradoxo dos termos.
E um facto indestrutível ser o município o mais velho elemento administrativo que a tradição nos legou.
Velho, se remontarmos ao tempo da sua origem: novo, porque é actual; eterno, porque se adivinha a sua projecção no futuro.
Se o passado o reteve, se o presente o mantém, se o futuro o requer, é porque ele, pela sua essência, se tornou um admirável órgão de adaptação.
Parecendo ser um produto do pensamento latino, dada a sua riqueza potencial, não repugnou à mentalidade germânica, que o moldou à sua forma de viver.
As vicissitudes dos tempos, os vendavais das ideias, os choques dos regimes, que abalam de um modo geral todos os alicerces da tradição, tudo isso foi impotente para fazer estremecer o forte arcaboiço dessa instituição, que quanto mais envelhece mais juventude expressa.
E porque assim é, importa ao Estado acarinhá-la, desafogá-la do somatório de encargos com que a sobrecarregou.
Se a sua missão era já vasta e onerosa, pear a sua função com sobrecargas de ordem múltipla é expediente apenas compreensível em momentos de crise.
A permanecer o nível pressionário que agora se exerce sobre a sua já difícil orgânica, não admira que em futuro não muito longínquo o Estado tenha de substituí-lo ou, mutatis mutandis, haja o Estado de prover às suas necessidades.
O município está em crise - todos nós o sabemos; prolongá-la é tornar depois o remédio de mais em menos eficaz.
É oportuno o trazermos para a actualidade, com as devidas diferenças, as palavras elucidativas desse grande pensador que foi António Sardinha:
Órgão da vida local, inteiramente extinto, mas que é preciso ressuscitar para que haja vida nacional consciente e intensa, o município deve ser restaurado nos termos em que, vicejaria hoje o velho e tradicional município mediévico, se o seu desenvolvimento não tivesse, sido estrangulado por factores de sobejo conhecidos.
Srs. Deputados!
Nesta conformidade, facilmente se adivinha quão difícil se torna hoje conseguir os magistrados administrativos com ânimo resoluto para conceder a esses tradicionais órgãos de administração o todo da sua energia, do seu esclarecimento, da sua dedicação, para que extraiam algum dinamismo de uma função que lhes entibia os movimentos, dado o enredamento da tessitura municipal.
Pela índole da tarefa, pela sua complexidade e pelo estado de anemia que caracteriza o próprio do município, não é hoje em dia fácil o recrutamento dos que o hão-de gerir.
E assim é que, dados os espinhos da missão e todas estas incidências que se vêm verificando, são muito poucos os valores que aceitam a onerosa incumbência da magistratura municipal.
Por outra via, nem sempre se vem reconhecendo aos que por inteiro se entregaram, melhor diremos, devotaram, à função o jus que lhes é devido.
Tantos que puseram o melhor da sua inteligência, a quase totalidade das suas forças, na defesa da rc8 publica, com grave prejuízo da vida profissional e até da saúde!... Muitos que nem sequer atentam - por escassez de tempo e absorção de problemas- na solicitude que é devida à família!... Tantos que trituram o tempo num trabalho insano que deveria ser dedicado ao lazer ou ao recreio, legítimo direito para quem cumpre: e mais - tantas vezes se excede na obrigação diária!
É avisada e digna a política que alimenta dedicações: é inoperante, solerte, nefasta, a que as magoa ou afugenta!
Nesta conjuntura preciso se torna servir - vista posta mais na causa que nos homens! -, olhando com saborosa esperança o futuro.
Necessário se torna ainda, em tal demanda, que a vontade de acertar seja muita: o querer resoluto, e a ajuda animosa.
Mas ainda carece o exercício da função, além da preocupação primeira de servir o bem público, a de lhe justapor a insatisfação realizadora, de ardente superação, de vincado bairrismo.
E nos meios rurais, em que a administração se exerce sem aquele mínimo de apoio técnico indispensável, mais as dificuldades se amontoam.
Ao enredado que a valorização dos meios rurais impõe, à política de abastecimento de águas das povoações, de construção de chafarizes, de pavimentação de estradas e caminhos, de construção de pontes e outras obras em que se conjugue a iniciativa camarária com a do Estado e a das freguesias, há a acrescentar nas parcas verbas orçamentais as que por encargo estatuído, são votadas à assistência e ao ensino.
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Por outro lado, a instalação dos diversos serviços, as obras de adaptação que motivam e até as despesas de arrendamento e de conservação dos prédios - tudo isso, com as inerências que o Plano de Fomento comporta, é mais do que o suficiente para conduzir o município ao desequilíbrio financeiro, à penúria nos seus réditos, ao estagnamento como órgão realizador e de acção.
Resta de pé apenas a repartição com funções múltiplas e complexas: no município vive quase sómente a burocracia !
Isto tudo comprova que a instituição municipal sofre de profunda crise; indispensável se torna superá-la.
O ónus assistencial que, por uma complicada interpretação jurídica, vem ano a ano a ser aumentado e em cujo aumento viu uma legislação complementar apressada ocasião para solucionar o problema hospitalar, longe, em muitos casos, de o resolver, antes o complicou!
Haja em vista o que se passa com o Hospital de Santo António, no Porto, e com outros hospitais - centrais e regionais.
Torna-se evidente que não pode conceder quem não tem.
Nalgumas câmaras municipais do País as rubricas de assistência e instrução, no ano de 1950, abrangiam em relação ao valor total das receitas ordinárias um dispêndio, respectivamente, de 6 a 8 por cento e 3.5 a 5 por cento; já no ano de 1962 tais valores subiam para os 12 a 15 por cento e os de 7 a 8 por cento.
Há, todavia, que ter-se em conta que a percentagem atribuída às câmaras, no encargo com a instrução, anteriormente a 1961 era bem mais elevada, já que neste ano, por esclarecida compreensão de um diploma legislativo (bases IV e V da Lei n.º 2107, de Abril de 1961). foram os encargos camarários reduzidos, por um pagamento de amortizações bem mais suave.
Outro tanto não vem sucedendo no domínio assistencial; as câmaras continuam sujeitas na sua insegura economia a esse pesado encargo, que, com o da conservação das vias rodoviárias e o escolar, desorganiza em muito os débeis erários dos municípios rurais.
São três forças tremendas a gerirem por si os orçamentos camarários e o que resta após é bem pouco para as obras de fomento!
Sobretudo o que desalenta, o que dói, são as necessidades dos povos, os problemas rurais e urbanos, aquelas necessidades primárias a que de todo o coração se deseja dar pronto remédio e que, algumas vezes, têm de esperar em suspenso, aguardando melhores dias para as finanças municipais.
Mas ao lado destas obrigações impendem sobre o município aquelas outras que ele deve aos munícipes, no domínio da electrificação e da instalação das redes de esgotos, colaborando desta sorte na política de bem-estar rural, enquanto por outro não pode esquecer as suas responsabilidades, no domínio da cultura e do espírito.
Mais necessária do que nunca é a política de fixação do nosso rural à terra que o viu nascer, terra que trabalha com ardor e que ama, que deseja mais progressiva, porque sente que assim a terra mãe se desentranhará em fartas benesses para si e para seus filhos.
Não é fácil administrar e realizar quando as várias incidências que se fazem sentir sobre a vida municipal pouco a desafogam, antes a constrangem, ao peso de múltiplos encargos, muitos deles, por específicos, nitidamente estaduais.
Tudo isto justifica plenamente uma reforma urgente do Código Administrativo, de modo que o município, entidade puramente autárquica, assuma no conjunto da Nação o lugar que verdadeiramente lhe compete.
Todavia, entendemos que a aludida reforma, embora solucionando múltiplos problemas, não é panaceia para a resolução da sua totalidade.
Neste último quarto de século criaram-se disposições legislativas, um conjunto de circulares interpretativas e correctivas que puseram em relevo a desactualização do Código Administrativo por que nos regemos.
Por outro lado, nova jurisprudência desarticulou alguma da sua doutrina - isso tudo faz com que aplaudamos os reais propósitos do presente aviso prévio.
Sr. Presidente: de tudo o que atrás se apontou se infere não ser fácil administrar e realizar quando as várias incidências que se fazem sentir sobre a vida municipal pouco a desafogam, antes a constrangem, ao peso de múltiplos encargos.
De outra sorte, a técnica administrativa actual necessita de se aperfeiçoar, melhor direi, de se actualizar.
Assim, era de todo urgente a realização anual de cursos de aperfeiçoamento para funcionários administrativos, do que resultaria uma maior eficiência e rendimento nos serviços.
Do mesmo modo seria da mais flagrante actualidade a criação de uma revista dos municípios, pelo alto benefício que traria para o conjunto da administração municipal.
Tanto esta como a administração regional têm obtido, por vezes, o favor da Providência na escolha dos dirigentes que as têm servido. Mas é indispensável que para além dos valores que escasseiam - mais por renúncia do que por carência -, no exercício de tais funções, a orgânica do município se exerça sem ser à custa de improvisações, que nem sempre têm o condão de ser felizes.
Neste mundo de desconcertos e delírio que é o nosso, e em que o senso e a prudência são tidos, por vezes, como atributos de um passado sem história e sem glória, é difícil aos homens ordenar os seus princípios com as exigências da hora que passa.
O complexo problema da administração municipal, que dia a dia se torna mais difícil, por razões fie vária ordem, nem sempre merece dos povos, e muito particularmente da sua gente mais esclarecida, aquele exame atento que torne possível fazer a história das circunstâncias e providências que levaram ao seu desenvolvimento.
Sobre a administração camarária devem-se reflectir os olhares atentos daqueles que consideram a coisa pública como entidade de direito, que implica do indivíduo uma obrigatoriedade de deveres.
E esses deveres exigem um constante debruçar sobre o caminho percorrido para dele extrair as ilações indispensáveis a juízos rectos e definitivos, para à luz dessas incidências se julgarem com precisão os métodos e os homens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É preciso, pois, crer definitivamente, acreditar-se na insofismável verdade do município, conceito-base à roda do qual frutificam ou se desvanecem os melhores anseios de uma vasta e heterogénea sociedades local.
Aguardaremos que uma legislação mais apropriada ganhe às câmaras uma maior percentagem receituária, por maior comparticipação na tributação, ou que o Estado chame a si alguns encargos que por serem da sua índole, nunca dele deveriam andar apartados.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Já nem sequer falamos no exemplo de uma tributação ao nível regional ou cantonal como a
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que vem ocorrendo em certos países de tradição municipalista! ...
De qualquer maneira, verifica-se não ser de modo algum fácil que os municípios, com encargos obrigatórios de assistência e instrução e outros que ultrapassam os 20 por cento das receitas totais, e com outros referentes ao seu quadro de funcionalismo privativo, contratado e assalariado, assim como dos serviços especiais - médicos e veterinários, cuja situação carece de ser revista -, que onera o orçamento numa percentagem que anda pelos 50 por cento, bem pouco resta aos municípios para desenvolverem a sua acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ano a ano se vão criando novas perspectivas aos municípios, nascidas, a maior parte das vezes, por novas exigências que imprevistamente surgem ou por recentes necessidades a que a máquina administrativa se amolda, num perpétuo distorcer de funções e de energias que espanta, comove e, tantas vezes, enternece.
Dia a dia despontam novos ónus, uma trama de impedimentos procura entravar a marcha da actividade camarária, mas por cima de todas essas barreiras, por vezes de verdadeiros escombros, ergue-se resplendente, na sua constituição sadia, - o município !
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Se nos debruçarmos sobre o que nele vem ocorrendo -órgão primeiro da melhor fisionomia político-administrativa do País; se atentarmos na complexidade da sua tessitura - moldada a adaptações e improvisações que estorvam, por vezes, o desenvolvimento natural da sua orgânica; se convirmos em que encargos de índole estranha tolhem e asfixiam o seu desenvolvimento financeiro - teremos de concluir que o município, apesar de tudo, é, no mundo de hoje, o autêntico corpo vivo onde reside a melhor esperança do nosso meio rural !
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - É certo que as receitas camarárias não sobem paralelamente aos diversos encargos, e desta sorte fica a sua acção, em parte, superada; mas não tanto que não se desembarace dos problemas fundamentais, das situações mais difíceis, para que o elemento, nacional da mais bela tradição prossiga e se desdobre em benesses, que não são tantas quantas as que nós desejamos, mas que vão mitigando, mesmo assim, a sede realizadora dos que se voltam para os homens e crêem nas instituições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Espantoso, o município, esse órgão secular que por sobre todas as dificuldades se renova e reconstitui com tal poder de maleabilidade e adaptação, que imperioso se torna desafogá-lo para que toda a sua virtude se exerça, a bem dos povos, dos concelhos, do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cremos nas virtudes do município, como acreditamos nas virtualidades do Governo para encontrai no binómio Estado-município o equilíbrio desejado.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Temos nutrida esperança na nova reforma do Código Administrativo, com a firme convicção de que ela procurará satisfazer alguns dos legítimos anseios que o presente aviso prévio enuncia e explana. E aguardamos que, quando da sua publicação, já esteja instituída no domínio dos factos a aguardada corporação dos municípios!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Mas, seja como for, não podemos esquecer, por momentos que seja, que do esforço gigantesco que se está processando por toda a Nação resulta que o conjunto da administração sofre as naturais consequências. Torna-se demasiado evidente que certos planos, certas obras, hão-de forçosamente sofrer interrupções, que serão tanto menores quanto mais o País saiba corresponder em prontidão ao que dele se exige nesta hora, a que, com plena propriedade, também poderíamos apelidar de 25.ª da nossa história!
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alves Moreira:-Sr. Presidente: antes de apresentar algumas considerações acerca do aviso prévio em discussão, quero manifestar ao seu autor, Deputado Augusto Simões, o meu profundo apreço pelas suas qualidades pessoais e de homem público, congratulando-me com a sua iniciativa, a todos os títulos meritória.
Realmente, a oportunidade que agora se nos oferece já há muito se justificava, porquanto é do conhecimento geral a necessidade que se reconhece na reforma em moldes de actualização do já velho e ultrapassado Código Administrativo.
Continua a ser de ansiedade tal expectativa, e agora mais do que nunca, já que sobre tal doutrina se têm ouvido nesta tribuna judiciosas e expressivas justificações, às quais as minhas palavras pouco porventura poderão acrescentar.
Mas, devotado como sou aos problemas de administração local, que tenho vivido, não quero furtar-me a fazer uma breve resenha de alguns aspectos que me mereceram especial atenção, focando especialmente aqueles que se relacionem com a vida municipal.
Sr. Presidente: sendo os municípios células fundamentais da vida administrativa da Nação nos seus múltiplos aspectos, dos quais sobressai, sem dúvida, o económico-social, fomentando e melhorando o nível de vida das populações, impõe-se que se regulamente devidamente a sua acção, de molde a ser benéfica e proveitosa a favor da grande comunidade portuguesa, somatório lógico das comunidades locais que a constituem.
Aspectos há que encarar com decisiva intenção de rectificar disposições e situações em vigor, de molde a não se estrangular com limitações de vária ordem a acção das entidades que têm a seu cargo a administração local autárquica.
Sem dúvida que o conceito actual de municipalismo evoluiu de tal maneira que as disposições vigentes há muito foram ultrapassadas pelo facto bem evidente de as relações Estado-município necessariamente terem de obedecer a novos conceitos e a novas necessidades.
Nesta ordem de ideias sobressai, sem dúvida, o conflito latente entre o Estado e o município no seu aspecto financeiro, pelo condicionalismo que aquele impõe a este, diminuindo as potencialidades ao seu alcance em desfavor das necessidades específicas das populações concelhias.
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Maior espírito de iniciativa e maior liberdade de acção por parte dos responsáveis directos pela gestão municipal se impõe sem qualquer receio de que essa tendência descentralizadora possa porventura afectar o quadro geral da governação.
Sabido que é serem os presidentes dos municípios, sobre quem incide o maior peso das responsabilidades, pessoas dignas da maior confiança do Governo, pois são designados precisamente por se verem neles qualidades que os tornaram credores do confiança, não há que temer distorções, tanto mais que tais responsáveis estão sujeitos a apertada vigilância, não só pelos concelhos municipais, a quem terão de prestar esclarecimentos ao nível local, mas também pelos inspectores municipais, ao nível nacional. Há ainda a salientar a acção coordenadora, e digamos mesmo orientadora, dos governadores civis, que necessariamente acompanham de perto e com interesse manifesto, que não será de mais realçar, o decorrer dos acontecimentos de maior relevo de âmbito distrital e nacional, de maneira a contribuir eficazmente para aquela unidade político-administrativa que se pretende e se reconhece dever existir.
Mas, para que tal amplitude de poderes se possa vir a verificar, necessário se torna que a administração-municipal veja diminuídos os pesados e inúmeros encargos que tem sob a sua alçada, libertando-se de tantas e tantas responsabilidades de ordem geral a nível nacional, e que implicitamente, deveriam estar na dependência directa do Estado, representado pelos variados departamentos a nível ministerial.
Esses encargos são vultosos, destacando-se, entre outros, os devidos à assistência e saúde pública, que, como é óbvio, deveriam depender directamente do respectivo Ministério, acabando de vez com um dos cancros do descalabro financeiro das câmaras e que tem dado lugar em muitos concelhos a litígios e dívidas por contas não saldadas a estabelecimentos de assistência, sobretudo hospitalares, pela impossibilidade material de imediata satisfação.
Mas não são sómente estes os encargos que deveriam passar a estar sob a alçada estatal, pois poderão ainda apontar-se os resultantes da manutenção das instalações escolares e seu apetrechamento, que deveriam estar dependentes do Ministério da Educação Nacional. São ainda os que, dizem respeito à manutenção de edifícios dependentes do Ministério da Justiça, como os dos tribunais e casas de magistrados, com obrigatoriedade de alojamentos para estes, e os edifícios prisionais.
Note-se, no entanto, que a tal respeito muito se deve a S. Ex.ª o Ministro da Justiça, Prof. Antunes Varela, a quem nunca será de mais render as mais efusivas homenagens, por ter vindo, com a sua obra, a facilitar muito a gestão municipal, chamando para aquele Ministério pesados encargos pelos vultosos, dispêndios com a criação dos palácios de justiça e das casas de magistrados. Mas há ainda outras despesas, como sejam as inerentes às instalações da secção e direcção de- finanças, igualmente sob a alçada municipal.
E isto só para se fazerem algumas breves citações, porquanto muitas outras se poderiam enunciar e que têm vindo a sobrecarregar o erário municipal.
Naturalmente que a centralização de tais encargos financeiros, pelo desafogo a que votaria a tesouraria municipal, muito viria a facilitar a gestão financeira desta, em benefício espectacular de outras atribuições das autarquias municipais, estas meramente de ordem local, criando-lhes possibilidades mais vastas que muito viriam a beneficiar a sua administração.
Refiro-me, em especial, aos encargos de puro âmbito concelhio, abrangendo não só as zonas urbanas, mas também as rurais, estas últimas em plena desvantagem em relação àquelas, não só pela sua natureza, mas também por não terem acompanhado o ritmo evolutivo das primeiras, mercê de circunstâncias e condicionamentos do conhecimento geral. Não poderemos, no entanto, esquecer que é precisamente do desenvolvimento económico-social do meio rural que em parte dependerá o concomitante acréscimo de valor dos aglomerados urbanos.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Haverá, pois, que valorizar os meios rurais, proporcionando aos seus habitantes condições de vida que lhes permitam fixarem-se neles, evitando não só o seu êxodo para além-fronteiras, com consequente enfraquecimento do valor humano e económico de tais meios, com naturais reflexos na economia geral da Nação, unas também para os centros citadinos, onde esperam encontrar noutros ramos de actividade a satisfação legítima dos seus anseios de vida mais fácil e de melhor nível.
Assim, a valorização do sector primário do País necessariamente estará dependente da extensão até esses meios mais desfavorecidos do medidas tendentes a melhorar substancialmente as suas comunicações, as estradas e arruamentos, o saneamento, a distribuição de águas, a utilização da energia eléctrica em acessíveis condições e as demais benfeitorias a favor das habitações, facilitando até a construção destas últimas com auxílios dependentes directamente das próprias câmaras e com a colaboração dos organismos que regem as actividades dos seus proprietários.
Dever-se-á realçar a propósito que muito é de louvar o esforço que ultimamente os responsáveis, sobretudo por intermédio do Ministério das Corporações e Previdência Social, têm despendido no que diz respeito a tais facilidades de construção, mas espera-se que seja cada vez maior o incremento desta louvável medida, de tão largo e indiscutível alcance social.
Ainda neste aspecto quero pôr em evidência o papel preponderante que a acção das juntas de freguesia poderá ter na valorização do meio rural, motivo pelo qual se deverá dar todo o apoio não só de ordem material, mas ainda de assistência técnica, àquelas autarquias, de molde a permitir atingir o objectivo que se propõem sem as limitações de toda a ordem que lhes são impostas, com manifesto prejuízo de iniciativas que a todos beneficiariam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Evidentemente que as câmaras municipais não poderão ignorar, nem tão-pouco menosprezar, a acção daqueles que mais conhecem o meio em que vivem, nem as aspirações que, humanamente, porventura possam ter para a sua valorização a nível razoável.
Aliás, a tendência actual é o enquadramento de tais medidas de melhoria do meio rural naquelas que são próprias do meio urbano pelos planeamentos de âmbito regional que a ambos interessa.
Não há dúvida de que essa necessidade tem sido posta em evidência, e até já em realização em certas zonas do País, pela criação de planos que visam tal enquadramento. Há que lhes dar maior expressão e torná-los extensivos, sem demora, a todo o território nacional.
Neste aspecto, conheço bem a acção que se prevê vir a ter na região que represento nesta Assembleia a criação do Plano regional de Aveiro, que teve o seu início há cerca de um ano, com louvável sanção ministerial, e de que muito beneficiará a zona abrangida sob o ponto de
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vista económico-social e turístico. Aqui cabe uma palavra de sincero agradecimento a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, que de perto e sempre com desvelado carinho e apoio de toda a ordem tem seguido, facilitado e estimulado estas iniciativas camarárias.
Pelo que diz respeito propriamente aos meios urbanos, necessário se torna que as câmaras municipais vejam mais facilitadas as suas tarefas, não só na execução de melhoramentos de natureza primária, mas também na sua valorização urbanística, hoje em dia factor preponderante na elevação do meio e dos povos, pelo conjunto de medidas que se completam, enriquecendo cidades, regiões e, consequentemente, o País.
Mas aqui surgem as maiores dificuldades, pois os investimentos em tais planeamentos urbanísticos são demasiado onerosos para uma execução total e, como tal, impossíveis de satisfazer no ritmo desejado, mercê de as receitas ordinárias dos municípios não cobrirem de modo algum os seus encargos financeiros, e as receitas extraordinárias, como sejam as comparticipações do Estado, não serem suficientes em regra.
Surge assim a necessidade de lançar o recurso a créditos de vária ordem, que ainda, por sua vez, poderão não ser satisfeitos na íntegra, dadas as dificuldades que quase sempre se encontram na sua obtenção junto dos organismos oficiais. Mormente nas circunstâncias actuais, em que esforços anormais são exigidos à Nação e, consequentemente, às finanças do Estado, essas dificuldades maiores se tornaram, apesar da boa vontade dos governantes em atenderem pretensões que, por serem justas, merecem a sua aprovação.
Nestas circunstâncias, não poderiam as câmaras lançar mão de recursos financeiros a bancas privadas? Naturalmente que os encargos de tais empréstimos seriam largamente compensados pelo tempo que se ganharia na execução de empreendimentos cujos rendimentos fatalmente seriam superiores aos encargos da sua obtenção, e com a vantagem extraordinária de se ganhar tempo, o que não é de somenos importância.
O Sr. Sales Loureiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Sales Loureiro: - Por vezes, realmente, em face do impedimento legal de as câmaras recorrerem a empréstimos particulares, o que sucede é que o próprio presidente e vereadores da câmara substituem, em casos de emergência, os deveres da iniciativa estatal, que poderia ser da banca particular nesse aspecto, fazendo adiantamentos monetários.
O Orador: - Agradeço o aparte de V. Ex.ª e sinceramente terei de formular aqui, afinal, uma homenagem a esses devotados presidentes das câmaras e vereadores, que se vêm sacrificando, até monetariamente, a favor de uma causa tão importante.
Evidentemente que só seria de recorrer a este auxílio em última instância e sempre que se concluísse ser de extrema necessidade pelo proveito imediato.
Poder-se-ia ainda sugerir que o novo imposto recentemente estabelecido pela Lei de Meios sobre os terrenos não aproveitados em áreas de rápido desenvolvimento urbanístico, com fins meramente especulativos dos seus proprietários, possa vir a ser utilizado, na sua totalidade, ou pelo menos na maior parte, na valorização dos planos de urbanização, dado que é o valor ^desta que determina aquele.
Estreitamente a par com o incalculável valor que presentemente se atribui a tais planeamentos urbanísticos, e que há que estimular ainda mais, surge o que naturalmente diz respeito ao turismo no tocante ao que àqueles diz respeito. Realmente não se pode falar em planeamentos de tal natureza sem implicitamente se pensar na fonte de riqueza natural a que aos homens compete dar expressão, e que é o aproveitamento das nossas potencialidades turísticas.
Às câmaras municipais e demais órgãos administrativos, num esforço comum de valorização dessa inesgotável fonte de receita que é o turismo, se deverá proporcionar, embora neste particular com o supervisionamento estadual, condição e meios que determinem um total aproveitamento de tal riqueza com os benefícios que facilmente se deduzem, pela implicação da valorização do meio e da economia regional e nacional.
E já que citei o valor incomensurável que se reconhece e atribui à indústria turística nacional, quero fazer uma breve apreciação à maneira como funciona a nível municipal este importantíssimo meio não só de mostrar e realçar as belezas naturais da nossa terra, mas também como angariador de divisas, tão necessárias para o enriquecimento material do património nacional.
Bastará recordar a brilhantíssima comunicação que S. Ex.ª o Subsecretário de Estado adjunto da Presidência do Conselho, Dr. Paulo Rodrigues, fez recentemente, para não se poderem menosprezar as suas possibilidades actuais e futuras, mas, antes, dar-lhes o devido relevo.
Por tal motivo, e encarando a modestíssima acção, por falta de recursos sobretudo de ordem material, que as comissões de turismo vêm prestando dentro das suas jurisdições municipais, urge realçar que, tal como funcionam, são quase ineficazes, Ter-se-á de admitir que a sua acção deverá ser elevada a um nível quase igual ou mesmo paralelo ao das próprias câmaras, e não continuarem numa situação subalterna em relação a estas.
Por tal motivo haverá que enquadrar tais comissões numa estruturação a nível nacional e constituí-las por elementos que se deverão devotar exclusivamente ao desempenho de tão elevada e absorvente missão, destacando-se o seu presidente, que deverá ser pessoa de reconhecida competência e com categoria igual ao presidente da respectiva câmara, de maneira a poder-se-lhe exigir dinamismo e acção desde que tal lugar fosse remunerado.
Naturalmente que, pelas afinidades apontadas, se depreenderá ser de aconselhar uma estreita colaboração entre as câmaras propriamente ditas e tais comissões.
As despesas que a elevação pretendida demandaria seriam largamente compensadas com os resultados de ordem financeira que, como é óbvio, resultariam de tal medida.
Outros serviços adstritos à administração municipal, como sejam os municipalizados, que já têm uma relativa autonomia, embora na dependência directa, como será natural, da respectiva câmara, deverão não só receber os auxílios de ordem material de que necessitam quando carecidos de meios próprios para atingir os seus objectivos, mas sobretudo, e esta nota é que quero frisar especialmente, de facilidades a nível ministerial, e não peias injustificáveis, pois foram criados para servir, sem interesses designados, as populações abrangidas pela sua jurisdição administrativa.
A título exemplificativo citarei o problema dos transportes colectivos que algumas câmaras entenderam por bem municipalizar, movidas pelo único objectivo de serem úteis aos seus munícipes, e que vêem a sua utilização plena cerceada, adentro das suas áreas concelhias, por
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legislação que deveria ser revista de molde a poderem as respectivas câmaras dispor da melhor utilização dos seus serviços.
Não só se evitariam avultados prejuízos que tais limitações ocasionam, mas também, e sobretudo, não seriam as populações privadas dos benefícios que poderão ser postos ao seu alcance. Mas a tal respeito já me referi particularmente na última sessão legislativa, a propósito de delicada situação criada aos transportes colectivos de Aveiro, lamentando somente agora que as dificuldades apontadas ontão não tenham sido ainda removidas.
Outro aspecto que focarei ainda, embora superficialmente, dado que muito haveria a dizer, é o da situação actual de alguns funcionários administrativos, em especial dos seus técnicos.
Quero referir-me à situação dos engenheiros e, sobretudo, dos agentes técnicos de engenharia das repartições de obras, cujo recrutamento muitas das vezes se torna assaz difícil em virtude das condições de trabalho que lhes são oferecidas e que se não coadunam com as suas aspirações legítimas.
Dá-se o caso que, na situação de contratados, portanto som provimento vitalício, pelo menos na maior parte das câmaras, não só auferem vencimentos que não estão de acordo com u sua categoria, mas também se vêem impossibilitados de fazer qualquer outra utilização das suas possibilidades técnicas, o que ocasiona muitas das vezes a aceitação, por parte destes, dos lugares postos a concurso sómente como transição, até melhor modo de vida noutros locais, nomeadamente em empresas particulares, o que logicamente determina uma descontinuidade na acção técnica camarária, nada a favor de um eficaz rendimento.
Há que encontrar uma solução satisfatória para este problema, que, parecendo ser de relativo significado, não o é, sem dúvida, dada a evolução no tempo que decorre, no sentido de cada vez mais se necessitar de técnicos à altura de acompanharem o ritmo crescente dos melhoramentos de carácter urbanístico.
Poder-se-á, a tal respeito, encarar a hipótese de um quadro geral destes técnicos de que os serviços camarários poderiam dispor com regularidade e continuidade.
Outra situação que me merece reparo ainda adentro do funcionalismo municipal é o valor relativo do chamado médico de partido, que presentemente se torna de muito restrita utilidade, dado que as suas funções foram abrangidas, por força de circunstâncias, por outros departamentos de assistência e organização sanitária. Em meu entender, e falo aqui conhecedor do exercício da profissão, tais lugares deveriam ser extintos u medida que forem vagando.
Ainda uma palavra quero aqui deixar a respeito dos veterinários municipais, cuja situação actual, como já foi acentuado nesta Câmara em anteriores intervenções de ilustres Deputados de outras legislaturas, merece nos debrucemos atentamente sobre ela. Os vencimentos que auferem são irrisórios, dada a sua categoria de possuidores de um curso superior, de cuja obtenção só muito tarde começam a tirar proveito material. Ainda há a acrescentar que, praticamente, o desempenho do seu cargo municipal lhes absorve todo o tempo, não dispondo de possibilidades para trabalhos extraordinários, que aliás lhes não são permitidos regulamentarmente.
É, pois, problema candente para que me sinto na obrigação moral de chamar a atenção desta Assembleia.
Sr. Presidente: vou terminar estas minhas breves considerações, pois muito haveria a dizer a propósito do aviso prévio em discussão, dada a profundidade e extensão da matéria, mas, antes de o fazer, não quero deixar passar esta oportunidade sem expressar vivamente o alto apreço que me merece essa plêiade de valores humanos que estiveram e estão ainda à frente dos destinos da administração municipal, pois a dedicação que emprestaram ou emprestam, no cumprimento de bons serviços, à causa pública bem justifica que lhes sejam prestadas as honras devidas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Permita-se-me destacar de tal plêiade os presidentes dos municípios, sobre quem recai essencialmente o pesado fardo das responsabilidades.
Quantas vezes no desempenho da sua nobre e difícil missão encontram incompreensões e escolhos de toda a ordem, que pacientemente, e certos do seu querer, vão vencendo, cônscios de que, contribuindo para o bem-estar dos seus munícipes, atingem o objectivo principal - o engrandecimento da sua terra e, consequentemente, do País.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Bem hajam pelos serviços prestados, o que, apesar de tudo, a consciência nunca os acuse de não terem cumprido o seu dever.
A par da acção individual dos homens, há ainda a ter em devida conta a relação entre os diversos municípios portugueses, na sua totalidade, dos mais importantes aos mais modestos, irmanados num ideal comum que será o engrandecimento da Nação e da Pátria, sendo de toda a utilidade que se aproximem uns dos outros no intuito de se auxiliarem, franqueando os seus serviços e possibilidades de toda a ordem, num ideal de entreajuda que será sempre de estimular e enaltecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, a tendência natural visa a esse objectivo, como bem se poderá deduzir do recente colóquio nacional de municípios, que foi o primeiro, e com significado especial histórico teve a sua efectivação em Luanda, culminado com a presença efectiva de S. Ex.ª o Chefe do Estado no seu acto inaugural. E fazem-se votos para que esse colóquio não seja o último, pois os temas tratados, pelo seu espírito altruísta de entreajuda, interessam a toda a comunidade portuguesa, num princípio de coesão, base essencial da unidade nacional.
E assim termino.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Gosta: - Sr. Presidente: antes de iniciar as breves considerações que me proponho fazer nesta hora e deste lugar, desejo renovar a V. Ex.ª as minhas respeitosas saudações e o preito do meu alto apreço, da minha admiração e da minha estima, revigoradas, desde os recuados tempos de Coimbra, pelas contínuas provas com que gentilìssimamente V. Ex.ª tem suscitado a minha gratidão.
Sr. Presidente: circunstâncias de todo alheias à minha vontade impediram-me, em absoluto, de estar presente ao começo do debate suscitado pelo aviso prévio que ocupa neste momento a nossa atenção, e bem assim ao seu lançamento inicial. Por isso, só pelos jornais pude acompanhar o decorrer da discussão. É pois um tanto insuficiente a minha informação sobre os termos em que se vem
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processando o desenvolvimento dos temas aflorados na discussão do aviso prévio; e daí ser-me de todo impossível seguir pari passu o fio das considerações dos ilustres oradores que me antecederam, e muito menos tentar dominar a discussão ou reduzir as considerações já formuladas, e aliás tão brilhantemente formuladas, às sínteses que a detalhada análise das matérias discutidas naturalmente imporia.
Aliás, a modéstia dos meus recursos nunca poderia autorizar-me a tal desproporcionada pretensão; mas, verdade se diga, também não foi, nem é, esse, em qualquer caso, o meu objectivo. O meu objectivo é bem mais limitado e o meu propósito bem mais modesto; e quase que não valeria o esforço e a temeridade de subir a esta tribuna.
Há dias, deste mesmo lugar, dizia um ilustre colega nosso que não era sem incómodo que subia a esta tribuna. Que direi eu, Sr. Presidente, a quem reconhecidamente faltam os merecimentos para poder dominar o esclarecido auditório que me ouve?
Por certo que não é sem incómodo, como quem diz, sem esforço e sem temor, que se sobe a esta tribuna; mas a verdade é que, se a ela se não acede por prazer, hemos que a ela subir, sempre que seja preciso, por dever.
E precisamente o meu caso. Os deveres que estão implícitos no mandato que me foi cometido, a par com a circunstância de ter sido nado e criado nos meios rurais e na convivência muito próxima, no decorrer da minha vida política, com os órgãos de administração regional e local, impõem-me a indeclinável obrigação de não perder esta oportunidade sem aqui trazer um testemunho, que é o meu próprio, com certeza de todo desprovido de valor, mas, no entanto, honesto e bem intencionado, testemunho esse que é o resultado das minhas lucubrações, de alguma experiência e de algum estudo dos assuntos e dos problemas relacionados com a vida administrativa regional e local.
Acorrento-me, deste modo, à responsabilidade da discussão do aviso prévio; e Deus queira que esta atitude de solidariedade - embora com as reservas que adiante alinharei - para com o seu ilustre autor e demais ilustres colegas que tão brilhantemente intervieram na sua discussão, resulte frutífera em incentivos e em directivas capazes de conduzir, embora sem sobressaltos nem pressas, e apenas na medida das conveniências ou das necessidades, à revisão - e tão-somente à revisão - do estatuto fundamental da administração regional e local, que é o Código Administrativo, nomeadamente por forma - que é o que acima de tudo interessa - a promover-se a instauração de uma vida administrativa eficaz e fecunda para maior bem das populações e, muito especialmente, para mais acentuado progresso da sua promoção económica, social e política, que é, ao fim e ao cabo, o que mais importa a toda a administração, quer nacional, quer regional e local.
Toda a administração pública não tem outro propósito, nem mesmo outra justificação, no essencial, que não seja realizar ou tentar realizar o bem comum. Esse o seu principal e supremo escopo.
Sr. Presidente: felizmente que não está em causa a própria existência ou sobrevivência do Código Administrativo. Tão-sòmente está em causa a sua reforma, ou antes, e para mim melhor, a sua revisão.
São por de mais conhecidos os argumentos pró e contra a existência de códigos; mas penso que todos nós havemos de convir no reconhecimento da vantagem, se não mesmo da imperiosa necessidade, da existência de um código administrativo como instrumento orientador e regulador da administração regional e local - diploma quase tão necessário como o estatuto fundamental da Constituição do Estado, liem certo que a falta de um código poderia ser suprida por um conjunto de leis e de regulamentos, ou por diversos códigos, como precisamente sucedeu durante o período de vigência da nossa I República, cujos responsáveis, a despeito das promessas feitas, nunca chegaram a elaborar um verdadeiro ou completo código administrativo.
Os adeptos deste sistema desconjuntado e disperso de leis e de regulamentos, isto é, os que são contra a existência de códigos, proclamarão, e com certa realidade, que tal sistema de legislação fragmentária e dispersa é de mais fácil adaptação às situações que se vão criando e às circunstâncias novas que vão surgindo no espaço e no tempo pela natural evolução do curso da vida, das ideias e das coisas. Precisamente porque se trata de leis e de regulamentos avulsos e dispersos, sem obediência a qualquer sistematização, podem, a todo o momento, com extremos de facilidade legislativa, sofrer as alterações ou os ajustamentos convenientes ou necessários a uma perfeita adaptação a tais novas situações e circunstâncias.
Tenho para mim, porém, que esta vantagem, aliás mais aparente do que real, derivada da existência de leis dispersas e avulsas, não compensa nem, de modo nenhum, excede os largos e reais benefícios derivados de uma codificação perfeita de todo o sistema jurídico do nosso aparelho administrativo.
A vida da administração local e regional é hoje demasiado exigente e complexa e tem tais implicações e tais incidências que interessa a todas as camadas da população e atinge, por assim dizer, toda a gente. Exige, por isso mesmo, uma regulamentação adequada, tanto quanto possível precisa nas suas determinações e clara nos seus conceitos e definições, devidamente sistematizada, obedecendo a um princípio de ordenação natural e de perfeita lógica, de consulta rápida e segura e de fácil acesso a todos quantos tenham de estabelecer contacto com as autarquias e a todos os que, servindo estas, hão-de propugnar pela sua interpretação e, o que é mais, pela sua aplicação e execução - e isto na certeza de que todos aqueles e muitos destes na generalidade não foram iniciados na vida do direito, nem no seu culto, nem nas práticas da lei.
Dado isto, tendo tal em consideração, é óbvio concluir que só um sistema legal devidamente ordenado, esquematizado, estruturado e definido dentro de rigorosas linhas de lógica e perfeita orientação racional e obedecendo a adequada técnica, numa palavra, só um verdadeiro código, é que pode nos tempos de hoje dar realização satisfatória àqueles objectivos, não só quanto à montagem, disciplina, desenvolvimento e eficiência dos serviços próprios da Administração e desta, como muito especialmente quanto às necessidades dos munícipes de estarem permanentemente esclarecidos sobre os direitos e deveres que lhes confere ou impõe a vida administrativa local e regional no seu desenvolvimento e incidências.
Repito, por isso, Sr. Presidente, que todos nós nos havemos de encontrar em perfeita identidade de juízo e de opinião neste ponto fundamental e primacial: no reconhecimento da vantagem, da conveniência e, sem dúvida, da necessidade, mesmo, de dispormos de um instrumento jurídico devidamente ordenado e sistematizado de modo a constituir um verdadeiro código como sistema regulador de toda a vida administrativa regional e local. Estamos neste ponto e a este respeito todos de pleno acordo. E penso que também o nosso acordo é perfeito em reconhecer que as instituições portuguesas dispõem de um Código Adminis-
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trativo que, embora naturalmente precisado de revisão e de ajustamentos, constitui, todavia, um monumento legislativo de inegável valor e indiscutível merecimento, que muito honra não só os que o conceberam, promoveram e elaboraram como, muito especialmente, o regime à sombra do qual se erigiu, e bem assim o Governo que o decretou e promulgou.
Podem, é corto, dirigir-se críticas à sistematização das matérias do código e à sua eventual inadaptação a certas situações ou exigências da vida administrativa dos nossos dias; e pode mesmo, talvez por forma igualmente procedente, censurar-se o seu sentido demasiadamente centralista ou demasiadamente sujeito a critérios e princípios de excessiva centralização.
Na verdade, e a título de exemplo, no que diz respeito à sistematização das matérias, começa logo o código por um autêntico ilogismo, pois principia por se ocupar do concelho, quando a primeira realidade administrativa é a freguesia.
Bem certo que com tal preferência se quis, sem dúvida sublinhar e valorizar o primado do município como realidade autárquica de maior tradição, de mais prestígio e de maior valimento.
Quer-me, porém, parecer a mim que toda a ordenação do código se tornará mais perfeita, mais natural e mais lógica antepondo-se a freguesia ao concelho, e que daí não vem para este qualquer parcela de menosprezo ou desprestígio.
Noutro aspecto, no da sua eventual inadaptação a certas circunstâncias da vida administrativa do nosso tempo, há que reconhecer-se não só a vantagem, mas também a necessidade, de o município poder estender mais largamente a sua acção nos planos económico e social nomeadamente quanto ao fomento, por iniciativa própria, da habitação para as classes menos favorecidas, ou em regime de comparticipação com o Estado, com outras autarquias ou mesmo com a iniciativa privada.
Enquanto nas cidades se vai tentando resolver por forma satisfatória o problema da habitação decente e económica, tal problema nos meios rurais não está sequer ainda equacionado, quanto mais resolvido ...
Penso que a este respeito pode estar reservado às autarquias locais um papel de largo relevo e uma acção altamente meritória.
Finalmente, a orientação centralizadora do código é sempre susceptível de travamento por adequadas disposições que restituam aos municípios e demais autarquias mais larga autonomia, possibilidades mais amplas, esfera de acção mais extensa, por forma a contemplar e a cobrir, e na medida do possível a satisfazer, tantas carências, inclusive no plano assistencial, que ainda afligem as nossas populações rurais e dramatizara o pobre viver de muitos.
É, na verdade, de todo o ponto necessário e urgente acudir à miséria e remover as condições precárias que atingem severamente, com muita frequência, o comum das populações rurais; e penso que, enquanto não se instituir entre nós um sistema total e integral de assistência à escala nacional, podem as autarquias fazer muito no sentido de minorar a sorte e a situação dessas populações desde que se lhes proporcionem, como é óbvio, os meios necessários para preencher essas novas tarefas e acudir a essas necessidades.
Para isso, porém, é evidente que há que se adaptar o sistema legislativo a essas novas situações.
Sr. Presidente: embora com os seus defeitos - que os tem, manifestamente, como toda a obra humana - e com as suas insuficiências, o Código Administrativo vi-
gente, aliás a repetição correcta e um tanto aumentada do código de 1986, é um documento jurídico de inegável merecimento e representa um apreciável progresso, se não mesmo uma valiosa conquista, no campo da sistematização do nosso direito administrativo.
Cabe essa honra e esse mérito ao Estado Novo; e é de justiça sublinhar que não será esse o menor mérito nem essa a mais pequena honra - antes bem pelo contrário - com que se pode orgulhar o regime e a situação que nos rege.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Basta atentar em que o sistema se mantém de pé, apenas com alterações de pormenor, desde 1940, ou até desde 1936, o que significa que na sua generalidade o código se manteve apto a regular a vida administrativa regional de forma mais ou menos satisfatória.
Por certo que o decurso de todo este tempo sobre a aplicação do código tornou um tanto desactualizadas algumas das suas disposições. Não há dúvida de que outras se mostram insuficientes para acudir a, certas necessidades da vida de hoje ou para satisfazer as exigências das circunstâncias novas que a evolução do tempo e das coisas e dos homens foi criando.
Com certeza que certa tendência de concentração (ou tendência cesarista, como já aqui se lhe chamou) que se nota no código em vigor, e já vem do código de 1986. não é seguramente o sentido mais adequado ao fomento e desenvolvimento da nossa tradição municipalista, e que por isso, nesse aspecto, será talvez de desejar mais ampla descentralização do poder em favor das autarquias locais.
Pode, finalmente, ainda objectar-se que a sistematização do código não é a mais natural nem a mais lógica.
É indubitável que todos estes senões (e naturalmente outros) se podem apontar ao código actual, tudo isso e ainda mais se pode objectar, com certeza, com mais ou menos pertinência, contra o diploma que nos ocupa; mas o que não é justo, nem mesmo aconselhável, pôr em dúvida ou minimizar é o real mérito do código como instrumento jurídico regulador da vida administrativa do País.
E assim, se é de desejar que se corrijam aquelas inadaptações, se preencham as insuficiências notadas, se afine a sistematização da estrutura do código de acordo com uma linha de lógica mais perfeita e mais natural, se criem as disposições necessárias a contemplar, no plano da administração, as novas circunstâncias e as novas situações que a evolução da vida pública e privada do País vai sucessivamente criando, se é de desejar um sentido de maior descentralização do poder com vista ao robustecimento e desenvolvimento das autarquias locais - o que viria em abono da exaltação da nossa tradição municipalista mais pura -, que tudo isto se faça, sim, mus sem sobressaltos de maior, mantendo-se o fulcro central do código, sem se atentar contra as suas linhas fundamentais, nomeadamente no que diz respeito às circunscrições administrativas do continente e das ilhas e ao planeamento jurídico de alto valimento que enforma todo o seu conteúdo.
Sr. Presidente: é sempre extremamente delicado e melindroso reformar a lei administrativa.
O direito administrativo, como é consabido, funda-se essencialmente na lei; mas a verdade é que a lei muitas vezes, mormente a lei administrativa, não é senão a concretização de hábitos e de praxes que se foram adoptando por tradição e costume na nossa vida administrativa. E essa tradição é por vezes tão forte e acha-se tão arreigada nos hábitos das pessoas que modificá-la, suprimi-la
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ou desconhecê-la constitui normalmente trabalho muito árduo e ingrato e de consequências tão funestas, como por vezes imprevisíveis, quer do ponto de vista da estabilidade das instituições, quer ainda quanto às reacções daí derivantes por parte das populações interessadas.
Nomeadamente no que diz respeito às circunscrições administrativas, há que proceder com extremos de cuidado, sem a mínima precipitação, sem pressa de alterar o seu esquema, e tendo sempre em conta que é preferível, em obediência ao imperativo de interesses e situações criadas ao longo de uma larga tradição de vida municipal, manter a estabilidade e a situação das circunscrições existentes, mesmo à custa do sacrifício de circunstâncias derivadas de qualquer acaso geográfico de proximidade com outras circunscrições, do que colocar em guerra aberta e permanente as populações e as terras por via de qualquer precipitada e inconveniente alteração.
Agora fazer com que se revigore, e fortaleça a vida administrativa regional e local, fazer com que se exija às autarquias ou se lhes atribua o poder e a competência de atender à realização de mais e até de outras tarefas para além das que já lhes são cometidas e que a vida moderna exige que sejam consideradas e atendidas e as conveniências aconselhem que o sejam pela administração local; mas, por outro lado, conceder às autarquias os meios, sobretudo financeiros, para ocorrer a essas e mais tarefas que são próprias da sua acção - sim, que se faca tudo isto, que se promulguem as revisões necessárias, que se decretem as medidas ajustadas, muito bem, mas que se mantenha de pé em sua monumentalidade o diploma fundamental que estamos apreciando.
Que se contemple de novo o código, que se adapte aos novos tempos e às novas circunstâncias - de acordo; mas para tais ajustamentos penso que não é necessária nem mesmo é conveniente propriamente uma reforma. A reforma, até por definição, implica toda uma alteração de estrutura, como que uma integral substituição; e tal não é de modo nenhum aconselhável, até por motivos de ordem política neste momento em que o País mais carece, de manter coesa a sua unidade interna para melhor resistir a todas as cabalas e a todas as insídias com que os nossos inimigos externos tentam a todo o pano - ainda que, graças a Deus, em vão - vencer a nossa resistência tenaz, abnegada e heróica.
Não sou, pois, propriamente, pela reforma do código; mas sou, sim, defensor e adepto da sua revisão e sua nova publicação - como, aliás, se prometia no Decreto-Lei n.º 42 536 para o ano de 1960. E o que anseio e o que mais desejo é que essa revisão se faça sem sobressaltos, sem precipitações, em clima de paz administrativa, como se impõe e é mister. Neste sentido, e só neste sentido, é que darei o meu voto a qualquer moção que venha a ser apresentada.
E deveria ficar por aqui nestas simples considerações gerais; mas, entretanto, Sr. Presidente, e antes de terminar, permita-me V. Ex.ª que eu refira aqui uma matéria do código, melhor, uma disposição do código, que carece de imediata revisão se acaso não vier a ser de novo interpretada por forma diametralmente oposta à interpretação que dela vem sendo feita pela Direcção-Geral de Administração Política e Civil.
Quero reportar-me ao artigo 314.º do código, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 42 536, de 28 de Setembro de 1959, e que reza assim:
No uso das atribuições de assistência, pertence às juntas distritais administrar os estabelecimentos a seu cargo.
No tempo em que vigoravam as juntas de província aquele artigo 314.º tinha, como se sabe, a seguinte redacção:
No uso das atribuições de assistência pertence às juntas de província:
1.º Estudar e submeter à aprovação superior os planos de assistência social acomodados às circunstâncias e necessidades da província e que devam executar-se pelas forças das autarquias locais em cooperação e coordenação com as iniciativas particulares ou com a comparticipação do Estado, quando for caso disso;
2.º Subsidiar a realização dos planos aprovados ou a extensão a novas modalidades da actividade assistencial exercida pelas organizações existentes na província.
Esta ampla disposição, de tanto alcance e projecção, foi substituída, ao abolirem-se as juntas de província, pela actual disposição acima citada.
Nesta se diz, como já frisei, apenas isto: que, no uso das suas atribuições de assistência, às juntas distritais compete administrar os estabelecimentos a seu cargo.
Ora, entende a Direcção-Geral que, mercê deste condicionamento, está apenas aberta às juntas a possibilidade de administrar os estabelecimentos assistenciais que herdaram das extintas juntas de província.
Não quero discutir, Sr. Presidente, o mérito desta interpretação. Sou suficientemente disciplinado para admitir a justeza de tal critério; mas se a disposição de que me estou ocupando é passível de tal entendimento, então há que rever a disposição em si mesma e remover a situação de impossibilidade e até de injustiça relativa que com essa disposição se criou à acção das juntas distritais, inibidas por ela de desenvolverem e, sobretudo, alargarem a sua acção assistêncial, tão necessária e tão útil.
Com efeito, entende-se, mercê da interpretação a que venho aludindo, que as juntas distritais têm de limitar a sua acção, no plano assistencial, apenas aos estabelecimentos que foram postos a seu cargo (que foram herdados, como já disse, das juntas de província) e não podem nem montar novos estabelecimentos, nem mesmo subsidiar estabelecimentos existentes no distrito que não estejam a seu cargo.
Tal situação é descoroçoante para a acção das juntas e até incongruente com a missão que a lei lhes reserva na hierarquia do nosso sistema autárquico.
Na realidade, o artigo 311.º do código aponta aos distritos atribuições de fomento, de cultura, de assistência: mas enquanto nos planos ou sectores do fomento e da cultura atribui às juntas distritais acção de certa projecção e largueza, no plano da assistência restringe deste modo drástico e inesperado essa mesma acção, e isto tanto mais gravemente quanto é certo que tão apertada restrição incide precisamente no sector da assistência, onde, por definição, devia justamente ser mais larga e ampla a acção da junta.
Tal não está certo.
Já em tempos, exactamente na sessão de 27 de Abril de 1961, nesta Casa me ocupei com algum desenvolvimento deste mesmo problema, fazendo-me então eco de apelos e representações que até mim chegaram para que propugnasse nesta Assembleia pela modificação da lei que criou tão insólito estado de coisas. Foi bradar no deserto? Nunca é bradar no deserto quando se combato por uma causa justa. Se outra vitória se não conseguir, conquistou-se, ao menos, tranquilidade de consciência.
Agora que se aponta ao Governo a conveniência e a necessidade de ser revisto o diploma fundamental da
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nossa vida administrativa regional e local, afigura-se-me do todo o ponto oportuno voltar ao assunto e batalhar pela mesma causa, agora munido de novas armas que me deu a minha experiência na Junta Distrital de Aveiro, a cujos destinos tive recentemente de presidir até à constituição da nova junta, e através de cujo exercício pude verificar quão minguada fica a acção das juntas distritais quando assim cerceada essa mesma acção no sector da assistência. E também agora há mais possibilidades para a modificação desse estado de coisas, já que se apresenta a oportunidade de rever o Código Administrativo. Não se estranhará pois que, com tais possibilidades e munido de tais armas, eu possa alimentar agora com mais apurada expectativa a esperança na vitória desta causa. Porém, se não conseguir vencê-la, terei pelo menos, mais uma vez, dado satisfação à minha consciência. E isso me dará a tranquilidade necessária para não perder de todo o sono, e sobretudo para não perturbar a paz do meu espírito. Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará, na sessão de amanhã, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Ubach Chaves.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel João Correia.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes,
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA