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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
ANO DE 1964 21 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 132 EM 20 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Gid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente disse estarem na Mesa os pareceras sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole o ultramar) referentes a 1962, tal como ao Diário do Governo que publica o relatório do Tribunal de Contas relativo à Conta Geral do Estado de 1962.
O Sr. Presidente comunicou ainda que recebem da Presidência do Concelho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.º 45 561 a 45 566.
O Sr. Deputado Gonçalves Rapazote falou sobre o 5.º centenário da cidade de Bragança.
O Sr. Deputado Fernando Frade fez considerações acerca da falta de legislação respeitante à colheita de órgãos e tecidos de pessoas falecidas.
O Sr. Deputado Carlos Coelho aludiu ao problema dos técnicos de contas, a que se refere. A Portaria n.º 20 317.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão relativa ao aviso prévio do Sr. Eng.º Amaral Neto sobre a crise agrícola nacional e as medidas tomadas para a enfrentar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Armando Cândido e Moura Ramos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
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Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Réis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Castelo de Vide a apoiar a debate do aviso prévio sobre a crise agrícola nacional.
Da Federação dos Grémios da Lavoura do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Belchior da Costa nosso debate.
Do correspondente da Union Nationale des (Enologues (França) a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Alfredo Brito no mesmo debate.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, e já os mandei distribuir pelos Srs. Deputados, os pareceres sobre as Contas Gerais do Estado referentes a 1962, da metrópole e do ultramar.
Está também na Mesa o Diário do Governo que publica o relatório do Tribunal de Coutas referente a Conta Geral do listado de 1962, que também já foi distribuído aos Srs. Deputados.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo n.º 37, 88 e 39, l.ª série, respectivamente de 13, 14 e 15 rio corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 45 561, que toma extensivas as expropriações necessários para a construção das grandes vias de circulação relacionadas com a ponte sobre o Tejo entre Lisboa e Almada as disposições constantes dos artigos 4.º, 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 43 514 (regime em que deverão ser realizadas as expropriações indispensáveis para a construção da mesma ponte); 45 562, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma importância para fundo de manutenção da Cantina Escolar de D. Maria Angelina Sá Coutinh, anexa às escolas do lugar de Cárcua, freguesia de Bertiandos, núcleo de Crasto, concelho de Ponte de Lima; 45 563, que substitui por «directores escolares e directores de instrução na Escola Naval e nos grupos de escolas» a expressão «directores de instrução nas Escolas de Artilharia Naval e de Alunos Marinheiros», a que se refere a lista de cargos designados na alínea d) do n.º 5.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 30 249 (vencimentos a abonar aos oficiais da Armada, guardas-marinhas sargentos e praças); 45 564, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma importância para fundo de manutenção da Cantina Escolar de D. Antónia Correia, anexa às escolas do núcleo de Loureiro, freguesia de Delães, concelho de Vila Nova de Famalicão; 45 565, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma importância para fundo de manutenção de uma cantina escolar anexa os escolas de Louredo, núcleo de Magida, freguesia de S. Julião do Calendário, concelho de Vila Nova de Famalicão, a qual será denominada «Cantina Escolar de Domingos da Costa Simões»; e 45 566, que autoriza a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones a custear, por conta de verbas a inscrever nos seus orçamentos, as despesas a efectuar durante a sua gerência da Conferência Europeia das Administrações dos Correios o Telecomunicações e ainda a comparticipar nas despesas do XV Congresso da União Postal Universal, a efectuar em 1964.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: a cidade de Bragança faz anos - anos não digo bem, séculos.
A data do seu verdadeiro nascimento perdeu-se, evidentemente, envolta em maravilhosa lenda.
E ficaríamos por aqui, suspensos da lenda maravilhosa, se não fora o facto histórico de neste dia 20 de Fevereiro ter sido lavrado e expedido um documento autêntico, es-
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pécie do certidão de registo, que nós, os de Bragança, não podemos esquecer.
Por isso pedi a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me autorizasse, antes da ordem do dia, um pequeno discurso.
Este mandato que fui chamado a exercer pesa-me muito mais do que eu pensava, e quando tenho de falar propriamente da minha terra sinto-me ainda mais carregado de responsabilidades.
Não cuidem que me afrontam as exigências naturais desta Casa.
Tenho uma suficiente reserva de humildade e o perfeito conhecimento das minhas muitas limitações para caminhar cuidadosamente por aqueles caminhos que melhor conheço ou que posso estudar.
Também me não afligem as críticas honestas dos que ouvem o entendem, nem as falas das senhoras vizinhas, daquelas que costumam «desfraldar», e muito bem, a impostura alheia.
Habituado ao nosso estilo, à franqueza e à rudeza com que, desde o Canto do Inferno ao Bairro de Além do Rio, se descobrem e se curam as mazelas de cada um, estou sempre pronto para receber o castigo que mereça e a recebê-lo, como cumpre a quem por aqui anda, com a maior compostura.
Mas afrontaria a minha própria raça, sagrada nas águas claras do Sabor e lavada pelos ventos agrestes da Sanábria, se não fosse, hoje e sempre, igual a mim mesmo. Todos os que me conhecem deixariam de me conhecer ou de me reconhecer como igual a qualquer deles. Tinha acabado e acabado mal.
Todos os que me conhecem deixariam de me conhecer ou de me reconhecer como igual a qualquer deles.
Tinha acabado e acabado mal.
Ora, enquanto igual a mim mesmo e aos meus vizinhos, neste dia de hoje, sinto-me aqui deslocado, triste, desintegrado, apesar da generosa companhia de VV. Exas. e do Doutor Gonçalves Rodrigues e do coronel Augusto Machado, que são tão bragançanos como eu.
Há em Bragança um banco de pedra, de pedra de granito, banco corrido, comunitário, fixo, seguro - porque casa e banco de uma só fábrica romana -, desafiando na sua dureza e segurança os séculos, onde gostaria de estar neste momento.
Era aquele banco em que os homens bons se juntavam para decidir, em conselho, sobre as coisas da terra e da gente.
E eu queria estar ali junto do povo da minha terra, sóbrio, generoso e livre, representado pelos seus vizinhos mais ilustres, para acompanhar o Sr. Duque de Bragança, recolhidamente, nessa Casa da Câmara, tão vetusta e tão nobre que não tem par em nenhuma outra.
Aí floresceram as nossas liberdades e aí veria desdobrar e ouviria ler, em festa de família, a Carta de Foro de 20 de Fevereiro de 1464, pela qual D. Afonso V, rei de Portugal e do Algarve, senhor de Ceuta e de Alcácer, concedeu «a seu muito amado e prezado primo D. Fernando que a sua vila de Bragança se chamasse cidade, com todos os privilégios e liberdades das cidades de seus reinos».
Inflamado nas conquistas dias praças de África, tinha el-rei seu arraial em Ceuta, mas, aí mesmo - talvez para nos fadar africanos -, assinava a Carta de Foro que o duque de Bragança lhe requererá e assínava-a, dizia, sem consideração dos muitos serviços e obras de grandes, merecimentos que a nós e a el-rei D. Duarte, nosso Padre, e s nossos reinos tem feito".
Pois era ali, no seio da minha comunidade serrana, que eu queria meditar a lição da Carta de Foro que o duque de Bragança recebeu, para a sua e nossa cidade, faz hoje, precisamente, 500 anos.
Vale a pena contemplar a exemplaridade dessa organização da vida social assente no poder pessoal, na pessoa física e moral que encarnava o poder sem confusões nem abstracções.
O povo não andava mascarado de soberano, nem o Poder se dissolvia no artifício das convenções.
Quando os vizinhos se juntavam no município eram uma realidade viva em frente de outra realidade, o Sr. Duque de Bragança.
Comportavam-se como uma autêntica comunidade política, portadora de interesses muito claros, falando ao príncipe e fiando-se da sua justiça.
Nesse tempo ainda ninguém se tinha lembrado de converter o Estado em pessoa jurídica, órgão único do direito, titular do Poder, exclusivo representante da Nação, expressão da vontade geral.
O realismo medieval produzia uma organização política concreta, distinguia os elementos vivos dos fantasmas, valorizava as pessoas que prestavam e os grupos e instituições que valiam, assegurando-lhes então uma personalidade autêntica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse realismo medieval «fundou efectivamente Estados, os Estados que o convencionalismo racionalista acabou por dissolver».
Assim vivemos e definimos os limites da Pátria, aqui, na África e nas índias.
Vale a pena meditar nesta Carta de Foro passada em Ceuta por D. Afonso V.
Escolhíamos então, abundantemente, os frutos sazonados da herança germânica, na pujança das nossas instituições políticas de Quinhentos.
Os séculos passaram e encontramos hoje lamentavelmente abastardado o verdadeiro sentido da aristocracia e muito esquecida a essência do fenómeno aristocrático, que é o fulcro de toda a constituição política medieva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dizem os estudiosos que os Gregos, os Romanos e os Germanos foram os povos que mais contribuíram para a formação do Ocidente.
Porém, enquanto a Grécia e Roma se consumiram sem deixar uma constituição política duradoura, a lição dos povos germânicos, «incomparavelmente superior», sobreviveu ao período propriamente germânico da história europeia e permitiu transformar os reinos bárbaros nos Estados que ainda hoje existem, fundando «uma ordem política de quinze séculos».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois essa ordem política repousava no princípio da hereditariedade aristocrática e na base de toda a concepção aristocrática estava a ideia de serviço, que a mentalidade individualista traduziu para a burguesa concepção da recompensazinha mais ou menos chorada ou contratada.
Se a ideia de serviço juntarmos, como é de preceito entre quem trata destes temas a sério, «o formidável vínculo político que é a relação de fidelidade» - relação recíproca, importando obrigações e direitos muito concretos -, teremos esboçado a teoria da nobreza.
«Os reis não eram representantes do povo, nem delegados do povo, nem donos do povo», contentavam-se de ser, como nesse tempo de D. Afonso V se dizia, «pastores não mercenários».
Srs. Deputados: o terceiro braço das Cortes resumia, muito democraticamente, em precisas e simples palavras,
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toda a admirável concórdia medieval - «os maiores da República devem reger e governar o os meãos obedecer o ajudar».
As abstracções racionalistas nunca me aliciaram.
Entendo uma ordem política concreta, compreendo uma relação de mando e obediência, a relação cheia de calor humano e de virtualidades criadoras que ampara, que protege, que guia, que defende, que encoraja, que obriga no modo e jeito de cada um.
Tremo diante do ordenamento frio, encadernado, da lei e do regulamento; tremo de indignação diante da subtil armadura do Estado, forrada a papel selado, recheada de ordens de serviço, empestada de petulância burocrática e infalibilidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É a tirania impessoal do Estado abstracto que, mesmo quando despe a armadura, só me deixa a alternativa da luta de classes.
Um eminente professor de Direito da Universidade de Santiago de Compostela já se lembrou de definir a ordem política contemporânea como a tirania organizada da lei apenas temperada pela sua não observância.
Esta seria, meus senhores, a primeira parte cias minhas meditações no banco comunicatário da Casa do Conselho, sobre a Carta de Foro da Cidade.
Passadas 25 gerações, devemos agora recordar, comovidamente, a admirável figura e a vigorosa personalidade de D. Fernando, segundo duque de Bragança, de quem reza a história que el-rei D. Afonso V «desde que começou a reinar estimou com tanta confiança que lhe encomendou os negócios mais árduos do seu tempo».
D. Fernando nunca se esqueceu de Bragança e levou ao arraial inquieto da Ceuta de 1464 as informações precisas porá que a Carta do Foro registasse os velhos direitos que a cidade tinha ao uso desse título.
Velho castro céltico ou luso-romano, cresceu como igreja cristã de Astorga e de Braga nos tempos dos Godos e sob os reis de Leão.
Nos alvores da nacionalidade, Fernão Mendes, o Braganção, casa com a infanta D. Sancha, filha legítima do conde D. Henrique, e parece que, por via desse casamento, aquelas terras vêm à coroa de D. Afonso Henriques.
Logo D. Sancho I corre, em pessoa, a defendê-la do cerco leonês e no foral de 1187 a trata como cidade, concedendo aos seus moradores grandes e extensos privilégios.
Entre eles há um, nesse primeiro foral de 1187, que Herculano registou e todos nós, os que ali nascemos e crescemos, nunca poderemos esquecer.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!
O Orador: - ... Que «Os varões da vossa cidade sirvam a quem quiserem - a el-rei, ao conde ou aos infanções».
or mim, escolhi o rei.
Durante este século de epopeia a tenência de Bragança aparece ligada à confirmação de meios forais, desde o centro do Alentejo, com Martim Afonso assinando o foral de Estremoz, até à extremidade do Algarve, onde, em 1276, o tenens Nuno Martins, aio de D. Dinis, assinala, no foral de Silves, a nossa presença.
Tinha razão o duque de Bragança D. Fernando e fez-lhe justiça o rei.
O título de cidade era título de direito próprio já adquirido e, por essa razão, a Carta de Foro de 1 464 tem o sabor de uma gloriosa restauração.
Conta-nos o abade de Boçal, aquele abade inconfundível que parecia uma torre - a Torro do Tombo - e que assinava os seus escritos à sombra de um negrilho, nu cortinha da casa, em companhia do cadelo Lafrau e da guta Tartaruga, a lenda da reediacação da cidade:
... Nas lutas contra os Mouros Bragança foi destruída, seus habitantes fugiram, escondendo as Sagradas Imagens, e passados quase duzentos e oitenta e cinco anos, na reconquista cristã, apareceu a de Santa Maria num sardão, carrasco ou azinheira do espesso matagal crescido em cima das ruínas do primitivo povoado.
Levaram-na para um monte hoje chamado Cabeço da Cidade, a uma légua desta, na confluência do Sabor e Fervença, onde então viviam, mas, de noite, a Virgem fugiu para o primitivo local, e tantas vezes o fez até que, desenganados, vieram habitar junto dela edificando-lhe um templo.
A Carta de Foro de D. Afonso V com a lenda e com a história - a história e a lenda andam entrelaçadas - refere que a cidade se despovoou e depois foi reedificada com o nome de vila.
A vila preside aquela já falada Igreja de Santa Maria.
Devemos ao duque de Bragança a nossa restauração de 1464 e mais lhe devemos que tenha liberto naquela terra a sua época de maior grandeza - a idade de ouro da cidade.
Pelos séculos XV, XVI e XVII Bragança alcançou uma destacada posição política e económica.
Da importância da cidade e seu termo podemos aperceber-nos registando a impressionante população das terras de Bragança em 1535 - meados dó século XVI.
Recolhemos dos documentos da História e Teoria rias Cortas Gerais, do segundo visconde de Santarém, a informação de que os procuradores de Bragança representavam em Cortes 5 649 vizinhos, o que constituía a maior representação da província de Trás-os-Montes, a grande distância de Vila Real, que apenas aparecia com 2 078.
E mais expressiva é ainda a comparação com as restantes povoações cio reino.
Na comarca de Entre Douro e Minho só o Porto, com 13 122 vizinhos, e Barcelos, com 9 018, ultrapassavam Bragança.
Na Estremadura só Lisboa e seu termo, com os seus 17 000 vizinhos, tinha maior representação.
Na Beira, no Alentejo e no Algarve não havia vila e termo que se aproximasse sequer da vila e termo de Bragança.
Coimbra aparecia em Cortes representando 4570 vizinhos e Évora, Beja e Faro andavam muito longe de nós.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - No período a que V. Ex.ª se refere Évora era, salvo erro, a capital do reino.
O Orador: - Exactamente, e tinha uns 3600 habitantes vizinhos, a cidade e seu termo.
Tínhamos gente e gente grande, tínhamos agricultura e comércio e tínhamos industria.
Foi o duque de Bragança o impulsionador da indústria do ferro na nossa região.
A ferraria de Bragança foi depois ferraria do el-rei, mas, para além do forro e das minas, o duque trans-
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formou a nossa cidade num grande centro da indústria têxtil.
Em 1475 contratou um técnico genovês para o lavramento da seda, passou a importar matérias-primas de Almeria, promoveu a cultura do sirgo e desenvolveu a fiação, a tecelagem e a tinturaria têxtil, conduzindo esta indústria a um nível de grandeza que lhe deu posição de relevo durante séculos.
A fábrica de seda de Bragança foi uma das mais famosas do reino.
A cultura do sirgo estendia-se por todo o seu termo, chegou a haver 5000 teares a trabalhar no nosso distrito e desde o século XVI até ao século XVIII (1 706), em Bragança, fabricaram-se veludos, damascos, pinhoelas, nobrezas, gorgorões, cetins e tafetás.
Os tecelões de veludo tinham aí particular assento:
Trabalhava-se a terra, semeava-se, criava-se todo o gado e muito gado de lã, plantavam-se árvores de fruto e amoreiras para o bicho-da-seda, fiava-se, tecia-se e faziam-se veludos lavrados.
Fomos os primeiros nestas artes e dividimos as honras da indústria, no século XVI, com Vila Viçosa e a cidade do Porto.
Tudo isto se perdeu.
Ficámos nós, a terra e a gente.
Acabaram-se os vestidos de seda e de veludo e estendemos as mãos calejadas dispostos a trabalhar em todas as partes do Mundo. E por lá andamos.
Mas, sonhadores impenitentes, sonhamos com uma nova época de grandeza.
Estamos seduzidos pelas técnicas do desenvolvimento regional em marcha e sabemos muito bem que esse desenvolvimento não é obra do acaso e que é tão difícil fazer alguma coisa como é fácil perder tudo.
Este é o último tempo da minha meditação.
Tenho para mim que, quando dispostos a recuperar o tempo perdido, nos há-de fazer bem recordar a estrutura da antiga comunidade.
Diálogo simples e claro entre quem está sagrado para o serviço de mandar e quem tem obrigação de obedecer.
Antes de tudo, fidelidade, confiança, vinculação ao bem comum, ordem, disciplina, trabalho.
Pois que o banco comunitário da velha Casa da Câmara, onde hoje se juntaram com o Sr. Duque de Bragança os homens bons da minha terra, seja um lugar de meditação e de reconciliação.
Homens livres, podendo servir o rui, ou o condo ou os infanções, desde o século XII, havemos de constitua- uma comunidade integrada, eficiente.
A linha de força da nossa organização social tem de ser retornada.
Voltamos a guarnecer as praças de África. Ali, a pé firme, dias é noites seguidos, os soldados e os chefes restauram, olhos nos olhos, o verdadeiro sentido de servir, as virtudes tradicionais da confiança, da obediência, da lealdade, da coragem, e só com essas virtudes seremos capazes de construir o futuro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: terminei a minha meditação desta tarde.
Creio que poderia ter convocado para ela os bragançanos ausentes da sua terra, aqueles que, daqui até Macau, obedecendo ou governando, dão testemunho da admirável vitalidade da grei que hoje abriu as suas festas centenárias cantando solene Te Doum na Igreja de Santa Maria.
... E, talvez não. Eles saberiam meditar muito melhor. Bastaria que o fizessem recolhidamente. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Fernando Frade: - Sr. Presidente: E algures o seguinte conceito sobre caridade:
Quando tiveres terminado o teu trabalho, faz o do teu irmão, ajudando-o com tal delicadeza e naturalidade que nem mesmo o favorecido repare que estás a fazer mais do que em justiça deves.
A clareza, simplicidade e aplicação actual deste conceito causaram-me funda impressão.
rata-se de oferecer em proveito do nosso semelhante trabalho suplementar, sem alardes, realizado de tal maneira que a pessoa que o receba sinta que a fonte donde ele brota é o da solidariedade e amizade que deve existir entre os homens.
Que pena faz ver o mundo na peugada de soluções complicadas, fatigantes e dispendiosas, quando para tantos casos os indivíduos encontrariam a melhor panaceia através do si próprios!
E neste tumultuar da vida moderna tendemos para nos afastar dos necessitados e dos que sofrem e assim, quase sem darmos por isso, os seus problemas, preocupações e sofrimentos são arrastados para fora da órbita dos nossos mais prementes cuidados.
Sr. Presidente: estas considerações preliminares vêm a propósito do assunto que vou referir a esta Assembleia e que diz respeito a legislação que se aguarda há muito e pela qual se dará possibilidade de resolver um elevado número de casos cuja solução clínica depende exclusivamente da colheita oportuna de órgãos e tecidos de pessoas falecidas.
Focarei concretamente o que se passa em Moçambique a este respeito, embora o coso interesse s toda a Nação.
É aflitivo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dispor desde 1950, em Lourenço Marques, de um banco de olhos na secção de oftalmologia do Hospital Central de Miguel Bombarda, com todo o material necessário para operar centenas de cegos, preparação técnica de médicos, o mais aceso entusiasmo e dedicação destes, para verificar que não se pode iniciar o trabalho de recuperação dos padecentes por carência de lei!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contam-se por milhares - muito mais que os 2000 que oficialmente se assinalavam na metrópole em 1959 como recuperáveis - os casos de leucomas ou cicatrizes opacas da córnea que nos autóctones são causadores principais da perda da visão, sobretudo devido aos tratamentos feitos pelos curandeiros nativos.
Em face desta situação, senti-me obrigado a trazer este problema ao conhecimento da Assembleia, tanto mais que há mais de um decénio decorre p respectivo estudo - aturado e profundo, é certo, mas de cuja concretização e efeitos tantas infelizes esperam um benefício. Mas a circunstância de abordar o problema penaliza-me, causa-me tristeza.
O Sr. Moreira Longo: - Muito bem!
O Orador: - Tristeza porque a caridade impunha que se tivesse andado bem mais depressa; tristeza por ter
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de assinalar a responsabilidade morai que por este facto recai sobre quem não tenha sido capaz de apressar o rápido seguimento do assunto ou que até eventualmente tenha impedido que assim sucedesse; tristeza, finalmente, por ter de o fazer em voz alta, revelando assim aos padecentes que é preciso lembrar a sua situação.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Sei que o caso é invulgarmente difícil o para alguns suscitará até melindre a ideia de se tocar naqueles que já findaram a sua vida terrena e que merecem o nosso maior respeito. Todavia, para que deles se afastem tais susceptibilidades, bastar-lhes-á, certamente, lembrar que de há muito não só no nosso país mas em todo o resto do Mundo civilizado se acha consagrada pelo direito e pela moral a investigação judiciária, científica e de ensino nos corpos das pessoas falecidas.
Ora sendo lícito o aproveitamento de órgãos o tecidos de pessoas falecidas para os fins atrás designados, em ninguém pode restar dúvidas quanto à mesma licitude em relação a um aproveitamento bem mais restrito u que se pretende beneficie directamente pessoas vivas.
O Sr. Melo Adrião: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Melo Adrião: - Era só para prestar um esclarecimento.
No ponto de vista biológico, o facto de o enxerto pegar é um sinal indubitável de que foi colhido em vida. Se nós tirarmos uma córnea a um indivíduo e a enxertarmos noutro e esse enxerto pegar, é sinal evidente de que essa córnea foi colhida num indivíduo com manifestações vitais.
De maneira que isso traz um problema muito delicado: o de que é impossível diagnosticar a vida de ura tecido, a não ser enxertando-o e ele pegando; só assim é que teremos a certeza de que ele está vivo. Será uma dedução a posteriori. A priori não podemos fazer o diagnóstico da morte absoluta.
Isto talvez me dó ocasião de fazer, se for oportuno, neste sentido uma intervenção nesta Assembleia. Mas em todo o caso queria desde já e apenas pôr esta nota, que já é de especialização e que, portanto, não admira que o vulgo não seja elucidado dela.
Se nós formos ver as encíclicas dos Santos Padres que aprovam a ablação de elementos dos cadáveres, verifica-mos que Fio XII admite essa ablação supondo que clinicamente é possível fazer o diagnóstico da morte, o que não é possível.
Eu sei que na lei que permite a ablação de tecidos nos cadáveres se estabelece um mínimo de dezoito horas após a morte clínica, que não pode ser outra coisa que a morte real, porque a morte clinica não existe. A morte é um facto que ultrapassa a clínica, é um facto de ordem superior, e, portanto, não há possibilidade de diagnóstico clínico da morte do indivíduo.
De maneira que nós podemos dizer que as dezoito horas estabelecidas já não permitem a utUização dos enxertos.
Era apenas esta achega que eu queria dar a V. Ex.ª, sem pretensão absolutamente nenhuma de dizer que a opinião que V. Ex.ª tem e o seu desejo, que é o que nós todos temos, não tenham razão de ser. O que é preciso é que esse desejo seja cautelosamente observado e não como fazem noutros países.
O Orador: - Estou mui tu reconhecido u colaboração dada por V. Ex.ª, mas as suas palavras não invalidam o meu lamento sobre a demora do desenvolvimento do assunto.
Sua Santidade Pio XII, num discurso proferido em 13 de Maio de 1956, ocupando-se do problema dos enxertos de tecidos de cadáver em corpos vivos, pôs em evidência que tal facto não contrariava o respeito que á devido aquele.
De resto, sabemos que a legislação em estudo conterá matéria que salvaguarda o direito de cada um tomar disposições prévias quanto ao destino do seu próprio corpo e ainda o direito que assistirá aos seus familiares próximos de se oporem à referida prática após ser-lhes notificado o óbito.
O Sr. Melo Adrião: - É que, moralmente, u mu pessoa não pode dispor do seu corpo post mortem, porque ele já não lhe pertenço. O homem apenas pode dispor do seu corpo enquanto é vivo, mas não como cadáver, e, portanto, não pode ceder parte alguma do seu corpo, nem sequer em testamento. O que pode é o Governo, desde que considere o facto de utilidade pública e desde que isso não vá contra os princípios morais estabelecidos, dispor do corpo da pessoa. O mesmo sucede com as amputações, embora o indivíduo tenha no seu testamento que as consente.
O Orador: - Creio, no entanto, que ao indivíduo pertence o direito moral de, antes de morrer, oferecer os seus olhos.
O Sr. Melo Adrião: - Não pode, porque é uma amputação. Em todo o caso isto daria muito tempo a explicar. A amputação, em princípio, é condenada, tonto mais que, se quisermos fazer uma amputação a um doente, temos de lhe pedir autorização, a mela que com isso perigue a sua vida.
O Sr. Manuel João Correia: - Parece que há receio tia parte de V. Ex.ª, Sr. Prof. Melo Adrião, de que o indivíduo mio tinha morrido, mus eu desejo apresentar o seguinte exemplo: admitamos que o rodado de um comboio corta um corpo em duas partes. O corpo está morto, mus a córnea está viva, e, portanto, poderá ainda prestar um serviço humanitário.
O Sr. Presidente: - A maneira como o assunto está m ser posto tem todo o interesse, mau não pode de maneira nanhiima genemlizar-se o debate.
Peço ao Sr. Deputado Fernando Frade o favor de continuar.
O Orador: - Sr. Presidente: em 1960, quando da realização do I Curso Universitário de Férias em Lourenço Marques, o ilustre oftalmologista Dr. João Sousa Lobo, que ao problema da queratoplastia tem dedicado o melhor do seu saber e esforço, formulou dois votos: o primeiro, que na capital de Moçambique se efectuasse o Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia e, o segundo, que fosse promulgada a legislação sobre a colheita de tecidos humanos de modo a ali se poderem praticar enxertos da córnea, sem ser de forma episódica, como estava sucedendo, mas em série, às centenas e aos milhares.
Em 1963, nu sessão inaugural do XII Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, que, de conformidade com o primeiro dos votos formulados, se realizou em Lourenço Marques, o governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, fez especial e elogiosa referência aos altos serviços prestados pelos serviços
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de saúde de Moçambique no campo da oftalmologia e, revelando mais uma vez a sua clara visito e elevado espírito humanitário, fez promessa formal que ti campanha de investigação e combate a cegueira não faltaria apoio moral e material.
No mesmo congresso foi incluído um simpósio para que o problema do enxerto da córnea fosse tecnicamente debatido. O assunto teve a mais larga projecção através de artigos e entrevistas na imprensa local e nalguns jornais da metrópole, em termos de se dar público conhecimento e reconhecimento do elevado contributo que a oftalmologia nacional tem dado Moçambique e que muito mais pode oferecer desde que se estabeleçam condições legais.
Sr. Presidente: embora tenha influência desmoralizadora o espaço de tempo que já passou desde que se começou a projectar o aproveitamento dos órgãos e tecidos de pessoas falecidas, julgo preferível fazer um esforço e esquecer o passado e é então cheio de confiança na nossa caridade que me dirijo ao Governo pura pedir que sem demora torne em realidade uma obra tão meritória.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: o coso dos agora chamados «técnicos de contas», cujo exercício se procurou regulamentar pela Portaria n.º 20 317, desencadeou e continua a levantar por esse País fora uma avalancha de clamores de que a imprensa se tem feito eco exuberantemente.
O assunto já chegou mesmo a esta Assembleia, através da voz autorizada do ilustre Deputado Eng.º Mário dos Santos Galo. Mas, porque interessa e põe em causa o futuro de milhares de qualificados e dignos trabalhadores, justifica-se que eu próprio aqui o retome, para reforçar, no que muito me honro, a intervenção daquele nosso colega.
E se é certo que pouco ou nada poderei acrescentar aos esclarecimentos e comentários, essencialmente técnicos, já aqui brilhantemente produzidos', colocar-me-ei na posição de homem da rua sensível aos receios, reclamações e apelos, que chegam até nós e se alicerçam em justificadíssimas razões humanas, sociais e políticas.
Convém relembrar os dados fundamentais do problema.
O Ministério das Finanças, através da sua Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, publicou em 14 de Janeiro do corrente ano a Portaria n.º 20 817, que aprova as condições de inscrição de técnicos de contas daquela Direcção-Geral, nos termos do § único do artigo 52.º do Código da Contribuição Industrial.
No n.º 2 da referida portaria consideram-se indispensáveis paru a inscrição como técnicos de contas as seguintes habilitações:
a) Licenciatura dos cursos superiores de Finanças ou de Economia ou das extintas secções de Administração Comercial, Finanças, Aduaneira e Diplomática e Consular do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras;
b) Licenciatura do curso superior de Economia da Faculdade de Economia;
c) Cursos dos extintos Institutos Superiores de Comércio;
d) Curso de contabilista dos institutos comerciais ou do Instituto Técnico Militar dos Pupilos do Exército.
Dispõe o n.º 7 da portaria que até 30 de Junho de 1964 pode ser inscrito condicionalmente como técnico de coutas quem não possua qualquer das habilitações, que acabo de enumerar, desde que à data da inscrição exerça funções de contabilista e forneça a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos elementos suficientes pura apreciação da sua competência, nas matérias de contabilidade, direito comercial e direito fiscal.
Nas alíneas a), b) e c) do § 1.º daquele n.º 7 enumeram-se os elementos que servirão para apreciação dos referidos conhecimentos e no § 2.º do mesmo n.º 7 determina-se finalmente que a inscrição condicional tornar-se-á definitiva mediante aprovação em exame a realizar em data e condições que vierem a ser fixadas em despacho do Ministro das Finanças, publicado no Diário do Governo, caducando no caso de o interessado não se apresentar a exame, ou se não obtiver aprovação.
É evidentemente de desejar que cada vez mais as funções técnicas sejam desempenhados por indivíduos qualificados, através de necessária e adequada preparação profissional, de que um diploma de um curso oficial de habilitações é, em princípio, penhor para um capaz e legal exercício.
Mas se assim é para muitas actividades, que bem de outra forma se pensaria ou admitiria pudessem ser exercidas, outros há em que muitos dos que nelas se movimentam, embora realmente apetrechados para o seu desempenho, não podem contudo exibir qualquer titulo oficial abonador das suas habilitações.
Mas têm-nas de facto, adquiridas por uma preparação prática ao longo de carreiras árduas e dilatadas, numa luta e concorrência vencida não pelos títulos, mas pelos méritos próprios, o que naturalmente leva a selecção dos mais aptos para os lugares de maior importância e responsabilidade.
Parece-nos ser este o caso dos profissionais de escritório que sem diploma oficial a ampará-los ou a impeli-los conseguiram chegar a posição de contabilistas de empresas.
Postas estas premissas, é fácil chegar ao reconhecimento de que o diploma que vimos considerando, se tem em mira acautelar e fortalecer determinados interesses e posições, para atingir aqueles objectivos, serve-se de meios que podem levar ao aniquilamento de outras posições e interesses por demais legítimos e respeitáveis.
Porque a portaria, se por um lado visa a valorização de técnicos oficialmente diplomados e procura colocá-los em lugares, talvez mais para servir presumíveis necessidades da presente reforma fiscal do que as próprias empresas, por outro lado virá a ser fautor de muitas e graves injustiças, com esbulho de direitos legitimamente adquiridos, se vier a executar-se nos rigorosos termos em que foi publicada.
As objecções de que temos conhecimento são pertinentes e válidas, no que respeita a desigualdade de possibilidades de inscrição dos práticos de escrituração comercial como técnicos de coutas, consoante A categoria das empresas em que trabalham, e sobretudo a obrigatoriedade da aprovação em exame, cujas condições aliás são uma incógnita, para que se torna definitiva a inscrição- condicional autorizada até 30 de Junho de 1964.
Para além de todas as reservas que possam fazer-se-lhe, temos de aceitar o exame como um dos meios de avaliação dos conhecimentos dos indivíduos; mas para tanto temos de situá-lo no momento próprio de aquisição desses conhecimentos.
Ora, mais do que o exame, é precisamente a altura em que se sujeita o contabilista à prova averiguadora dos seus conhecimentos o que levanta as mais- severas objecções.
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Se, para confirmação das suas situações profissionais, fôssemos obrigar diplomados a distância da sua preparação académica & repetição das provas em que obtiveram os seus graus, quantas e quantas dificuldades não sentiriam?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não obstante, por via desses títulos, que a esmagadora maioria não estaria agora em condições de renovar sem renovada preparação, ascenderam a posições desempenhadas sem margem para quaisquer críticas, se não mesmo com acerto, proficiência e brilho indesmentíveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os profissionais de escritório não diplomados já fizeram a prova das suas habilitações ao longo das suas carreiras.
Amparados unicamente nos seus méritos, é por um natural fenómeno de selecção que os mais aptos alcançaram posições de chefia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E neste apuramento intervém ainda o factor selectivo que decorre da atitude do próprio empresário, empenhado mais do que ninguém na defesa dos interesses que lhe cumpre administrar.
E como para o homem de negócios esta atitude não é nem pode ser palavra vã, é evidente que o empresário não toleraria em lugares de subida importância para a gestão das suas empresas indivíduos deficientemente apetrechados.
Esta realidade funciona também como garantia para o próprio Estado, na medida em que a chamada de técnicos qualificados apenas pelo seu diploma não dá, nem as empresas, nem à Administração, a segurança de uma competência que a ambos interessa.
Se a imposição visa a uma selecção de valores em mérito absoluto, sob um ponto de vista estritamente profissional, consideramo-la redundante e sobretudo inoperante.
E ainda se com aquela prova se pretende afastar das suas posições profissionais que hipoteticamente não dêem seguras garantias do cumprimento das leis fiscais, também nesta hipótese H medida é desnecessária, pois o próprio Código da Contribuição Industrial já dá no director-geral das Contribuições e Impostos competência para proceder de harmonia com as faltas verificadas, coarctando a actividade dos técnicos de contas menos apetrechados ou cumpridores.
Ocorre perguntar: em que condições vão efectivamente processar-se estes exames? Em termos e em nível de facilidades e tolerância? Ou, pelo contrário, com programas e bitola de grande extensão e exigência?
Na primeira hipótese, qual a vantagem de um acto que em nada alterará situações já claramente definidas e legitimamente adquiridas? Para quê desviar tantos milhares de servidores das suas naturais preocupações e obrigações para os submeter durante tempo indefinido a um estado de incerteza, apreensão e ansiedade?
Na segunda eventualidade, pelas contingências do próprio exame e pelas múltiplas incidências que fatalmente diminuirão a capacidade dos examinandos, entre as quais avulta a preocupação inibidora de ir jogar num único acto toda a sua carreira e o seu futuro, então, é certo que; muitos, muitíssimos, não conseguirão transpor tão temeroso cabo das Tormentas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E quais as consequências? Impedidos de exercer a única actividade para a qual se encontram apetrechados, como poderão estes homens ir refazer as suas vidas, em fase adiantada ou no termo das suas carreiras?
Não podemos aceitar que elementos validos e produtivos possam abruptamente ser desalojados de posições em que desempenham um papel de real e imprescindível utilidade social para os transformar em peças inúteis, fácil presa de sentimentos e reacções que inevitavelmente os lançariam na senda do descontentamento e, por que não, do desespero e da revolta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ou seremos assim tão ricos de valores que possamos dar-nos no luxo de os esbanjar?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, também ó de considerar as perturbações que daqui adviriam para as empresas, pois não se vê maneira de colmatar tanta lacuna, já que não é crível haver para aí uma legião de técnicos de contas diplomados, na disponibilidade, de que imediatamente pudesse lançar-se mão.
O Sr. Gosta Guimarães: - Estou convencido de que não há mesmo.
O Orador: - Pelo que mais se impõe que em período transitório, e com respeito pelas situações criadas, até que as escolas possam habilitar um número de profissionais suficiente, se não desperdice um capital e instrumentos de trabalho e experiência de que o País não pode de ânimo leve prescindir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recusamo-nos a acreditar que procedimento tão anti-humano e anti-social venha efectivamente a consumar-se.
Acrescentaremos um último e breve reparo.
Julgo não merecer dúvidas estarmos em presença de um caso de regulamentação do trabalho. E esta é matéria da competência do Ministério das Corporações.
É legítimo perguntar: terá aquele Ministério ou os órgãos corporativos sindicais ou gremiais, dos trabalhadores e das empresas em caso sido ouvidos para a publicação da Portaria n.º 20 317? - julgamos que não.
Parece dever apontar-se aqui uma distorção de competências e sobretudo que mais uma vez, nesta emergência, não funcionou o nosso sistema representativo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já noutra altura tivemos ocasião de abordar nesta Assembleia um assunto a carecer da intervenção do Sr. Ministro das Finanças.
Pois bem, coube-nos a honra e a sorte, quase íamos a dizer o privilégio, de verificar que S. Exa. não desdenhou dar-nos explicações e os motivos de medidas emanadas do seu Ministério e prometer atender na medida do possível as críticas aqui produzidas. E sobretudo, quando se entrou no campo prático das decisões, estas foram adoptadas conformemente as promessas anunciadas.
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Bastaria esta razão, se outras não houvesse, para me incitar a dirigir ao Sr. Ministro das Finanças o apelo para que tome em suas mãos e o decida pelo ângulo da sua esclarecida e humana visão das coisas e dos homens este sério o alarmante caso dos técnicos de contas.
Com a intervenção de S. Exa., estamos certos, a razão e a justiça hão-de vir ao de cima, com o respeito e salvaguarda de direitos; legitimamente adquiridos de milhares de sérios, qualificados e prestimosos trabalhadores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se a
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Eng.º Amaral Neto sobre a crise agrícola nacional e as medidas tomadas para a enfrentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: começo pelo princípio - a caracterização de uma indubitável crise agrícola.
Num dos últimos números da Revue de Science Financière vem um artigo muito penetrante sobre: «o mal-estar agrícola».
A agricultura - escreve-se ali - é hoje domínio geral inquietante de insegurança.
Junta-se-lhe uma pauperização relativa crescente.
Uma política de redistribuirão dos rendimentos, de justiça social e sem comprometer o futuro está na ordem do dia. A Universidade e os dirigentes agrícolas devem estudar tais problemas e não limitarem as suas vistas apenas aos problemas de industrialização.
Não quero discutir os fenómenos de degradação económica, de baixa de classe, a psicologia do desânimo e do desengano, as veleidades empresariais do cálculo económico e das previsões, porque já estamos no terreno dos efeitos e o ilustre Deputado avisante e os meus colegas já o fizeram com realismo e imparcialidade.
Limitar-me-ei a avivar cinco traços fundamentais da crise agrícola:
1.º Desemprego estacionai e por temporadas, subemprego latente. Daqui resultam deslocações para a cidade, para o além-mar e abandono do mister agrícola;
2.º Capitação de rendimento - e não de riqueza - inferior aos outros grandes sectores. Padrões próximos do estalão de necessidades primárias;
3.º As grandes produções e exportações de vinhos, madeiras, cortiços, etc., não acompanharam, nos últimos anos, os aumentos demográficos nem o alargamento dos mercados;
4.º Exploração agrícola desvantajosa, dada a pobreza do solo, a pluviosidade deficiente e irregular e a frequência de calamidades de vária ordem;
5.º Fragmentação excessiva, dispersão de conjuntos, falta de aptidões do maior número de patrimónios que impedem as melhorias de custo, as beneficiações e uma exploração razoável. Os remédios legais já tomados mostram-se lentos, oscilantes, inadequados, ou ministrados com atrasos evidentes.
O aspecto mais saliente da crise latente, ou da crise ostensiva, está no desequilíbrio agrário-industrial, que até pode levar-se ao campo mais largo de falta de equilíbrio com as profissões, o comércio, os serviços, a burocracia, a banca e o seguro.
A disparidade, revelada em figuras estatísticas, apresenta-se com cores sombrias e agrava-se de geração em geração.
Já aqui foi dito - o homem do campo fica com a Impressão de que vende barato e compra caro, que os seus salários e ganhos estão nos limites inferiores e que a industrialização, rápida ou lenta, artificiosa ou natural, é uma imposição menos sensível mas de que a terra paga relativa quota.
A actividade agrícola, requer enorme massa de pessoas activas e produz apenas uma percentagem modesta do rendimento nacional.
Em 1956 uma comissão de investigadores da Universidade de Oxford inquiriu sobre o que se passava a este respeito em grande número de países. As conclusões quanto a avanços, depressão, falta de mobilidade, possibilidades e ganhos foram as mesmas - a actividade agrícola considera-se diminuída, sob fraca retribuição, incerta nos resultados e, de crise em crise, caminha para o colapso.
Não parece justo que a terra pague a industrialização e a inflação mercantil e para a industrialização altamente protegidas e que a gens rustica perca situações em proveito de novas vagas.
Como já se disse, a electricidade, o gás, arruinam as vendas de lenha e carvão, embora a celulose e os aglomerados tenham trazido adicionais a procura.
A cortiça é substituída por plásticos, aliás de baixa categoria.
As fibras e os têxteis dispensam grande parte das lãs, mas sem resultados famosos.
Bebidas e refrescos opõem-se ao vinho e aos brandys.
Margarinas e óleos exóticos arruinam a produção de manteiga e lutam com o comércio de azeites.
Internacionalizado o mundo actual, dirigentes e grandes comerciantes, órgãos abastecedores, voltam as costas a produção nacional e vão fornecer-se nos grandes países novos, onde campeia a abundância, a fertilidade e os custos inverosímeis.
Portanto a indústria e os outros sectores não dispensam o produto agrícola, em termos de preço comedidos, mas invadem o cantão originário e com novos bens económicos agravam e perturbam os desequilíbrios existentes.
O ano de 1963 foi, na minha região, um ano francamente bom.
O Sr. Ministro da Economia dedico-lhe um a análise cuidada e satisfatória.
Mas esse 1963 seguiu-se a quatro anos de cheias, de granizos, de secas destruidoras, de prejuízos sem conta.
A sua função era recuperar o perdido, colmatar as brechas, restaurar as economias enfraquecidas, fazer face às altas do mercado e dos salários. Mas sobre ele o gavião fiscal começou a descrever novas voltas. Mesmo assim, vi, nesse ano, amigos meus suportarem prejuízos de endoidecer - das cheias e abates de suínos -, prejuízos que não sei como possam ser reparados.
O lavrador depende da terra e também depende do céu.
Grandes alternativas de tempo, geadas tardias ou no tempo da floração, tempestades de granizo, inundações torrenciais, que levam tudo na sua frente, secas prolongadas e temerosas, arruinam os plantações, destroem as colheitas, aniquilam ou esfomeiam os gados e abolam pela falência os empresas.
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Que fazer?
Nada, começar de novo, quanto possível!
Damião de Gois, nas suas Carias, Gabriel Pereira, nos Documentos Eborenses, mostram como se sucediam os anos calamitosos e de ruína.
Em 1946, a seca obrigou a liquidar os contingentes pecuários e a guardar apenas nas ervagens disponíveis os animais reprodutores.
Já vi destruir duas colheitas no momento da vindima.
Estes factos calamitosos tornaram-se frequentes, nos últimos anos, arrasam, liquidam sem remissão e aumentam as perplexidades.
O pessimismo espraia-se, o endividamento generaliza e tem de se recomeçar como partindo do quase zero.
Em suma:
A crise agrária não é de ano mas de vários anos.
Não é só de mal-estar, de desespero, de impotência, de colecção de prejuízos, mas sim de falta de esperanças, de não se saber o que fazer para superar as circunstâncias, para recuperar os prejuízos.
Os campos e a arte rústica atraem, apaixonam ainda, mas andam carregados de decepções e de aborrecimentos.
Que admira os novos tomarem o caminho dos negócios, da banca, da burocracia, da técnica e desamorarem as leivas e encostas?
Considerada a agricultura como a grande base estável das sociedades contemporâneas, vista como a faixa interior da geografia social, onde os melhoramentos publicou acorrem menos ou chegam mais tarde, é um grande problema para os representantes da Nação e para o Governo que as casas agrícolas se vão inferiorizando e desmantelando e que sobre os campos se estenda um véu de melancolia da qual andam distanciadas as esperanças.
Depois de David Ricardo, não obstante este levantar sobretudo os problemas marginais entre as terras mais férteis e as menos férteis, para mostrar as vantagens adstritas às primeiras, começou a equiparar-se a terra no capital.
A terra em um capital como qualquer outro, assegurava riqueza e rendia, e até nalguns casos produzia dividendos e cupões.
Falou-se em capitalismo agrário como só o proprietário de uma exploração fosse um magnate da alta finança.
Sujeitou-se a terra a medidas mais cruéis do que os próprios capitais, porque a terra não foge, nem sã esconde, e o capital propriamente dito se volatiza, oculta, dissimula, muda de ramo e tantas vezes se está rindo dos excessos de zelo tanto do legislador como do fisco.
Ora bem, a terra não é um capital.
O capital vemo-lo movediço, mutável, fungível e volitante.
A terra a conhecemos firme, estável, consolidada, bem visível, por vezes estática perante as agruras do céu e sem dissimulação possível perante os infortúnios cio baixo.
O capital não tem domicílio, a não ser quando o elege, diz-se mesmo que não tem pátria.
A terra está ligada às gerações sucessivas, à história e à geografia e é mesmo um sustentáculo jurídico da formação do listado.
O capital move-se por um interesse.
E a terra, sem desconhecer este, assenta em esperanças e em ilusões que o resto da natureza lhe regateia.
A fisionomia do capital retracta-a a matemática e a economia.
O verdadeiro carácter da terra dá-o a literatura, a pintura, a psicologia do rural, o conceito de sucessivas gerações - a história.
Entre o latino das Geórgícas e o Fellini de cenografias surrealistas há a pequena distância entre Mântua e Roma.
E todavia distancia-os o curso secular, a paz bucólica, a família rústica e a família dispersa.
Assim - com excepção dos grandes arrendamentos a largo prazo de que falaremos adiante - a terra não é um capital, nem figura como negócio capitalista no mundo das realidades, e, em lugar de se eclipsar no mundo invisível dos negócios, está aí a vista de todos.
O capital afirma posse, pelo depósito, pelas aplicações, financiamentos, pelas cobranças, dividendos e recebimentos.
A terra não é isso - consolidação de gerações, ligação entre a região u as famílias.
Onde a posse endurece a consolidação aflige e preocupa.
Para adquirir uma posição formidável bastam alguns minutos na banca e na bolsa. Comprar às vezes um quintalucho significa anos de poupança, anos de espera.
Não se compreende bem que alguns partidos e alguns universitários se empenhem em arruinar os domínios históricos e tradicionais de um país o medir pela mesma craveira os elos nacionais profundos e as especulações de um momento.
O facto de não se considerar a terra como um capital não exclui as formas usuais de capitalização.
O investimento nas terras continua a ser motor de progresso e de melhoria da vida das gerações e a processar-se em termos muito mais rasgados do que geralmente se supõe.
A estatística não revela o investimento agrário nem mesmo a estatística fiscal pode fornecer dele exacta conta. Muros, valados, reparações, covas e matas, suportes, plantações, caminhos, vedações, etc., são ostensivas formas de investimento, tão banais que ninguém inventariará, nem saberá ao certo até onde chegaram e o que custaram como formas de capitalização ou como despesas normais das casas e quintas e herdades.
Muitas vezes o investimento resulta em pura perda - uma geada após a Páscoa, um Verão calamitoso, uma cheia torrencial destroem sem remissão as plantações e obras defensivas; um erro técnico numa vacina ou numa compra de reprodutores comprometem por inteiro o capital desembolsado; uma exploração defeituosa tornam o investimento falaz ou perdido.
Os erros de perspectiva do empresário, as plantações de vinha após 1945, comprometem a projecção e recuperação do investimento.
Os keynesianos reclamam investimento o mais investimento, olhando ao alto e sem olhar para trás, mas a lição de bonomia e de bom senso da terra comporta limitações e prudências.
De há 30 anos a esta parte o investimento agrícola revestiu formas descomunais - mecanizações, transporte automóvel, electrificações, novas vias de acesso, na maioria dos casos investimento no ponto de vista da exploração não inteiramente produtivo.
E em muitos um esforço superior à capacidade económica e técnica de casas agrícolas, no seu premente desejo de modernização e de progresso.
Já por várias vezes, nesta Câmara, me referi a algumas singularidades, que não sei se as gerações vindouras aceitarão sem reparo.
Em vez de se deslocarem as instalações fabris novas para o dorso das montanhas ou para terras pobres, sacrificaram-se a industrialização acelerada terrenos de primeira ordem, de que o País não é rico e cuja falta se acentuará numa política de produção e alimentação bem combinada.
Também o Estudo, até à pouco tempo, abriu mão dos seus direitos nas zonas urbanizáveis, quando o preço de civilização lhe era devido na sua maior parte. Claro que a
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obra fenomenal de Duarte Pacheco absolve o poder financeiro do alheamento e garantiu as câmaras meios que não descobririam facilmente.
Mas em Luanda, Lourenço Marques, no Porto mesmo, o caso muda de termos essenciais.
obra de defesa contra a erosão - torna-se indispensável defender a camada arável, fazer terra, melhorar o solo - tendo encontrado um primeiro eco no orçamento de 1951 não atingiu ainda o grau necessário. Em Moçambique, e até mesmo em Angola, creio que se sabe roais do que por cá ou se mostra saber-se mais e existem experiências de sistematização que deveríamos tentar no Portugal continental.
Há vantagem ou inconveniência na entrada no campo de grandes capitalistas e empresas estranhas à terra?
Ou, mais cruamente: devem admitir-se as compras da plutocracia?
Como sabemos, o património rural liga-se à família, à estabilidade social, à vida a elite provinciana, à comunidade local.
Respondo com singeleza - se o fenómeno é limitado, sempre ele existiu, e até com vantagem para a vida agrícola.
Desde Virgílio e Columela a D. João de Aboim, deste a José Maria Eugênio, sempre Louve o fenómeno natural mas limitado de os campos verem novos senhores interessados, despesadores e activos.
Esses homens são portadores de alvitres e de ideias novas e sobretudo de meios frescos que avivam a região.
Se, porém, fenómeno se processasse era escala muito avultada, se as liquidações dos domínios territoriais, precipitando-se, correspondessem a uma verdadeira invasão, se houvesse destituição das elites locais em grande porção, então seria erro e, mais que erro, desastre social.
Imaginemos que a política trabalhista de um país aniquilava os domínios tradicionais, base estável da ordem social, da própria institucionalização política em benefício das novas fortunas mobiliárias.
O edifício social abalaria pelos alicerces, a província seria novo campo de algaradas infiéis; as certezas seculares desapareceriam sem vantagem para ninguém.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, numa economia de opção, de concorrência e de liberdade relativa, onde cada um pode fazer o que entende do que é seu, as compras limitadas apenas em si, os novos carolas da terra, com o seu acompanhamento de investimentos podem ser um bem relativo.
Do fenómeno inverso também se deve examinar as medidas e os limites.
Tirá-lo à terra, à província, à comunidade local, desapossar para fazer grandes prédios ou constituir grandes fundos será para além dos limites naturais um desvio de funções, um prejuízo, um grave dano social que apenas satisfaria teóricos delirantes e novos serventuários intelectuais, de novos senhores.
Um dos aspectos de retardamento e de falta de dinamização das nossas coisas agrícolas está na ausência de uma actualizada mobilização dos valores prediais.
Se pegarmos num diário de grande circulação moderno, francês, alemão, sabemos imediatamente como se cotam, nas regiões características, os terrenos de cultura a tanto por hectare, a sua rentabilidade provável, a sua especialização, as tendências e flutuações nas bolsas respectivas.
Não temos nada disso e assim também podemos figurar as dificuldades em que a banca trabalha.
Claro que são países enormes de compras e vendas maciças e constantes, onde as aplicações não são obra do acaso mas capitalizações precavidas e onde tudo estratificado os juízos se formulam com assento e as previsões com prudência.
Aqui, tirando alguma herdade trigueira ou de montado de certa dimensão, nunca se cabe como o negócio começa e, menos ainda, como acaba.
Devemos actualizar - estabelecendo em bases sérias uma ordem de valores a que não falte lógica nos resultados.
Haverá vantagem para muitos e para a própria banca, rios seus financiamentos.
A terra mostra inimigos poderosos:
Os Quinhentistas referem-se à usura daninha que permitia vida folgada e próspera junto da míngua dos que plantam e lavram.
Os inquisidores manejavam o confisco dos bens como puna violentíssima.
As justiças reais despojavam, nos casos das ordenações, mas a benignidade dos reis repartia a terra como favor e como honra, depois do conquistada.
As leis de desamortização desarticularam a imobilidade dos patrimónios do clero regular, que concentravam e usufruíam as melhores terras e os domínios mais vastos sob a praga, rios foi-os e como bons de mão morta.
Acabaram os vínculos que imobilizavam os domínios e as técnicas.
O partido liberal vencedor impôs, em nome da expatriação e das perseguições, largas indemnizações a seu favor ao partido contrário.
A economia livre o elástica permitiu a exploração da terra como um negócio capitalista, sem risco nem preocupação.
Mas ao mesmo tempo esta economia optimista assistiu a pulverização pelo Código Civil e viu confiscar pelos inventários, impostos sucessórios e pelas doenças familiares pequenos e até grandes patrimónios.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Pinto de Mesquita: - A conversão, pelo Código Civil, dos prazos em perpétuos fateusins teve uma repercussão real na economia que V. Ex.ª está a expor, de uma importância decisiva.
O Orador: - O que não está é desenvolvida.
Em todo o caso há província, vida de trabalho saudável e obscuro, paz nos campos, justiça menos discutível para além de naturais fricções; há indulgência, actividade e compreensão porque, como no tempo de Varrão e Columela, o campo atrai, apaixona, toma conta da família e do homem, e não o digo por ver as águias de frente, mas porque da Natureza o homem e a família recebem noção de lisura, de franqueza, de apego à vida sã, de solidariedade comunal e regional e de trabalho seguido.
Quaisquer que sejam as transformações em marcha, o campo será sempre uma lição de Deus - nas boas e nas más horas.
Houve, em Portugal, de 1830 até ao começo do século uma geração de estudiosos e de empresários esclarecidos notabilíssima que desbravou, aproveitou, montou centros de lavoura e recolheu, na cultura da terra, os melhores pergaminhos e extraordinários valores.
O visconde de Vila Maior, que foi reitor da Universidade de Coimbra, Girão, Mota Prego, Xavier Pereira
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Coutinho, Cincinato da Costa, D. Luís de Castro, Barros Gomes, Anselmo de Andrade, Rodrigues Morais, esses homens de alta craveira, sem os meios o colaborações que agora existem, deram o maior impulso á ciência agronómica e esclareceram as gerações de lavradores.
Foram acompanhados, no campo, nos trabalhos e nas produções, por criadores de riqueza agrícola, como José Maria dos Santos, Meneres, visconde de Coruche, Torres, marido da Ferreirinha, e uma legião de empresários agrícolas que aproveitaram a terra, desbravaram-na, melhoraram-na, e fizeram de maninhos, charnecas e bravios: vinhas, olivais, montados, folhas de cereais, florestas, valorizando o solo ingrato, lavrando a terra, desventrando-a pura a fecundar e fornecer alimento ao povo português.
Enquanto a Itália possuía os seus Serpieri e Mingioli e procurava valorizar ao máximo o solo ingrato e limitado, a nossa geração de 30 procurou ampliar ainda a cultura do solo, melhorar os processos, afinar as técnicas e buscar, através de tudo, um equilíbrio mais perfeito e, pelos melhoramentos rurais, pelas estradas, construções e participações, levantar o nível local, fornecer poder de compra, facultar as conquistas da técnica e da civilização e lutar contra o enfraquecimento económico.
No meio de continuadores daquela geração de agrónomos esclarecidos e correctores, irromperam, porém, com ímpeto nem sempre ostensivo, as preocupações da reforma estrutural da propriedade e de revolução agrária.
Intelectuais de polpa, criticistas que misturavam Descartes com Rodbertus, empenharam-se, pelo inquérito e pela estatística, pelo documento cruel e acidulado, em fazer o estendal da triste vida, nas aldeias pobres.
Carências de alimentação, desconforto e estreiteza de alojamento, analfabetismo e danos morais dos nossos campos não foram atribuídos aos governos passados, mas aos governos presentes; não foram atribuídos a uma lavoura que procurava quase sempre a última palavra, mas a uma rotina que é apenas a constância natural das coisas do campo e não Imagem de atraso e de decadência.
Hoje sabe-se o que valem esses reparos acidulados.
O atraso, além dos factores naturais insuperáveis, a que me referirei noutros passos da minha intervenção, devem-se a falta de industrialização, a electrificação morosa, à falta de mecanização agrícola e sensata e ainda ti má localização das indústrias.
Nos últimos tempos, o departamento da Agricultura, pelos seus burocratas e técnicos, tem-se empenhado num esforço intelectual de grande latitude. À sua produção em estudos, inquéritos, simpósios, forma avalancha. E, através das cooperativas locais, um belíssimo esforço se está tentando no sentido de orientar devidamente a produção local, criar instalações aperfeiçoadas, aproveitar da comercialização o mais possível. O seu a seu dono!
Parece que a actual geração se devia ter empenhado num esforço de regular distribuição das indústrias novas ou da transformação industrial em vez da sua polarização nas abas dos centros urbanos.
Cito o exemplo do Governo Inglês, por ser digno de reflexão.
O Governo Inglês criou um Ministério da Indústria e do Planeamento Regional e dispõe de um plano destinado a valorizar as regiões subdesenvolvidas e as regiões feridas de crise.
Escritores, econometras, técnicos, políticos afeitos a revolucionários intuitos apontam os males essenciais da agricultura portuguesa e com desenvoltura propõem reformas do maior significado e alcance.
Querem no campo, além de outros fermentos, um fermento maior.
É péssima a distribuição do rendimento nacional e na grande lavoura concentram-se lucros e excedentes indesejáveis - dizem.
A estrutura fundiária opõe gravíssimo obstáculo ao progresso agrícola - afirmam.
Sofremos de uma crise que começou com o pousio largo ou artificioso do derivado de 1930 a 1940 - opinam.
A gens rústica apega-se a técnicas ancestrais, impróprias destes tempos - proclamam.
Com a imensidade das explorações agrícolas, com a imensidade das suas formas, com a imensidade de tendências, não seria difícil encontrar paradigmas e exemplos capazes de abonar aquelas teses.
Todavia, é preciso aqui também dizer alguma coisa.
A distribuição do rendimento nacional não é precisamente justa porque no empresário e tio trabalhador rural fica, como veremos, o menos que pode ficar, pelas exigências usuais da política de alimentação das grandes massas.
Uma política demagógica como o «peronismo» teve o condão de empobrecer todos os homens do campo o fornecer, por baixo preço, o pão e a carne às grandes cidades. Resultou que a Argentina lutou com faltas, onde anteriormente os excedentes asseguravam larguíssimas exportações.
O arrendamento em escala, o emparcelamento, a colonização interna, a irrigação, já são capítulos de reformismo agrário que deverão bastar enquanto não forem inteiramente postos em vigor.
A política de autarquia económica é que está agora contrariada pela integração ultramarina e pelos esquemas de associação europeia.
Falar de técnicas ancestrais isso é difícil para mim de ouvir, uma vez que a vinha no Douro se cultiva com os primores da Universidade de Mompilher.
Não vejo que a oliveira em Tortosa, em Nice e em Bari se cultive com superior esmero ao que praticamos em várias das nossas regiões.
A partir da introdução dos trigos italianos e das adubações criteriosas, não sei que melhorias poderiam encontrar-se de um momento para o outro.
Cada vez que uma grande quinta sofre o influxo revisor de um agrónomo audacioso, sabemos o que sucede - as oliveiras são reduzidas as condições de carrascos; a vinha solta-se e dá menos uvas; as searas cumprem monos, e, no fim de coutos, os prejuízos acentuam-se e as receitas faltam.
Exemplos: - a galinha Leghora, as cruzas de Yorkshire, os garranos arabizados, os pastios rapados, etc., mostram quanto senso, cuidado, diligência o estudo são necessários untes de sujeitar a terra às macrudecisões.
Creio que a lavoura tem consciência dos seus deveres, dos suas dificuldades, mus também tem consciência das suas razões.
Muitos dos que a atacam ou menosprezam ignoram o constrangimento e a medida e do cultivo da terra terão as noções do príncipe Jacinto ao chegar a Tormes, quando não distinguia os olmos dos castanheiros.
Organizada corporativamente já tarde, muito embora correctamente dirigida, dividida pelos caracteres regionais e pelas distâncias do Terreiro do Paço, apesar de todo o acolhimento à simpatia, não tem jornal seu, revista sua, embora tenha todos os jornais, e muitos não tenha, como a Vie à la Campagne, o Field, no mesmo a espanhola de ganaderia; não tom um centro de estudos fiscais; não tem um observatório da marcha de preços. Não vigia a evolução das coisas mercantis, financeiras e bancárias.
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Não é da minha competência dizer, aqui, se devia haver ou não Ministério da Agricultura. Ele é um instrumento generalizado e prestigiante.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Não se vê que uma actividade que depende da terra e do céu, marginada, no começo da vida social, tenha de ser coordenada por inteiro bastos passos adiante. Daí as tendências centrífugas contra a tradição e a experiência.
Técnicos, jovens universitários, económetras, grandes senhores do mundo dos negócios, o anti-romance e a demagogia dão as mãos, sob a capa da erudição e do economismo, para afastar de si as reformas e lançá-las sobre a terra como se só a terra fosse precisada de reformismo e transformações radicais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, no meio de censuras e arrojas, se pretende formular o ambiente predecessor das reformas estruturais, que não sabemos como começam e, menos ainda, como virão a acabar.
Maior consistência e interesse, maior rigor que as especulações e hipóteses traçadas pelos escritores relativas a repartição do rendimento agrícola sobre os grupos sociais e sobre as classes, têm as análises dos preços agrícolas com o apetrechamento e os técnica" cuidadas que naturalmente requerem.
Elas analisam e dissecam a oferta, a procura, a elasticidade, as alterações, as circunstâncias do mercado, as flutuações e desvios.
Citarei apenas os Frofs. Schultz, Hamilton e, citarei, sobretudo, o Prof. Thomsen, de Economia Agrícola, na Universidade do Missuri, cujos trabalhos remontam a 1936.
Vejamos os aspectos essenciais de custos e percentagens em dois capítulos importantes, o pão e as laranjas, e o caso especial do vinho de Monção, segundo depoimento de um colega nosso.
Começo pelo pão:
Em 100 por cento que se dá pelo pão, o produtor recebe originariamente 28,1 por cento.
Os dois transportadores, os elevadores e o moleiro recebem 10,4 por cento.
A moagem e a padaria vão receber 42,9 por cento, entrando nestes 5,7 por cento de lucro.
O retalhista tem à sua parte, nos Estados Unidos, é bem de ver, 15,7 por conto, com mais 2,9 por cento de lucro.
Com as laranjas, o caso é igualmente flagrante:
O pomicultor recebe pelo fruto na árvore 30,6 por cento.
Vem a colheita e o empacotamento, que andam por 12,3 por cento.
O transportador intervém, e fica com nada menos de 21,5 por cento.
O armazenista quer 8,3 por cento.
Pois o retalhista não abdica de uma margem de 27,3 por cento.
Isto passa-se nos Estados Unidos, com políticas proteccionistas da lavoura, seguros correntes, transportes magníficos e em conta com um comércio em escala tal que o seu abastecimento e pretensões não poderão ser excessivos.
Dão-me este exemplo sugestivo:
O melhor alvarinho de Monção é pago ao produtor por 8$ o litro.
Engarrafado a 0,80 apenas de cada litro, aparece no armazenista por 26$.
O restaurante acaba por cobrar entre 30$ e 50$.
Pois aqui, Sr. Presidente, é que está o nó da fraqueza, da melancolia, da resignação dos campos. Se nos lembrarmos que as calamidades, doenças, maus anos, são suportados pelo produtor e que limitados são os riscos alheios nos mercados, temos explicada a injustiça das coisas e a subalternização originária dos que têm de produzir para o conjunto nacional.
Para fazer face a este estado de coisas, aconselha-se a industrialização pelo produtor agrícola.
Recomenda-se oficialmente a comercialização levada ao máximo desses produtos da terra.
Propõem-se obtenções de margens no transporte.
Algumas observações podem fazer-se ainda:
Primeiramente, a industrialização é limitada na grande maioria dos casos. Pode construir-se um lagar de azeite para uma quinta, mas já não pode instituir-se uma moagem ou um descasque de arroz para cada herdade ou grande fazenda.
A comercialização só é possível perante mercados acessíveis, próximos, e essas funções são de uma ordem cujo exercício repugna quase sempre à psicologia de quem produz.
As economias de transporto pela organização de sistema próprio despertam as iras do fisco e são-manancial de dores de cabeça e de insónias.
Os políticos e os legisladores é que têm de ver o que há de tolerante e o que há de indefensável e intervir, quando possível, para que as cargas e benefícios sejam equiparados e o consumidor não se azede contra um produtor que, na partilha e distribuição, não digo que seja o que recebe menos, mas nem sempre aufere o bastante.
Vou falar de salários agrícolas, assunto de magnitude e delicadeza e constantemente evitado, se não será melhor dizer, como os Brasileiros - silenciado.
O tempo, o dirigismo, os contratos sociais e a legislação relativa a justiça social arruinaram um certo número de teorias tradicionais que obtiveram grande favor nas gerações passadas.
A ideia de uma quota decrescente uma produtividade crescente de Rodbertus; a lei do bronze do mínimo de sustentação de Lassalle; a da produtivdade de Bohm-Bawerk; não resistem ao confronto dos factos, nem as interpretações autorizadas.
Os preços agrícolas são limitados em altura, condicionados, sujeitos a tabelamentos, concertados corporativamente, de harmonia com a política de alimentação, abastecimento e defesa do mercado nacional.
Mas os salários sobem sempre, mesmo para além de limites de preços agrícolas, sem, todavia, atingirem a alta do nível geral e ficando aquém dos salários pagos pela indústria.
Também é certo que a indústria requer trabalhadores em pleno vigor, dos 20 aos 50 anos. E a agricultura há-de servir-se de velhos e adolescentes porque a mão-de-obra rareia no aperto dos serviços ou na aura das deslocações.
A indústria mistura aos seus processos uma filosofia amarga de dependência do homem da máquina.
A agricultura, praticando a vida au grana air, vendo constantemente os horizontes infindos da terra, também acalenta com as esperanças exageradas a revolta contra a fixidez e o desejo de evasão do lugar de nascimento.
Os teóricos e políticos dizem que o produto nacional se distribui com mais justiça nos campos, apesar da sim manifesta insuficiência, do que nos meios fabris e mercantes.
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E sobre o salário rural hão-de permitir-se algumas observações.
Em primeiro lugar ele não corresponde a oito horas efectivas de trabalho, em muitos casos.
Pelas condições de tempo, chuvas torrenciais, calmas grossas, nevoeiros, ele comporta em muitos casos apenas algumas horas efectivas.
Por outro lado, na recolha da azeitona e da amêndoa, os menores que se ocupam do respigo excedem, por vezes, os ganhos auferidos pelos pais. O trabalho nem sempre ó efectivo.
Não devemos fiar-nos, pois, nos económetras que tudo medem a régua e compasso.
Ao salário acrescem comedorias, caldos, vinho, distribuição de azeite e até terras gratuitas para amanhar uma horta.
Decerto que há estatísticas que englobam rigorosamente as vantagens adicionais. Mas outras não!
Tenho como seguro que é mais elucidativo um trabalho sociológico e literário como o Através dos Campos, de Silva Picão, do que vários gráficos e séries minuciosas de dados.
Mas o trabalho reveste formas incruentas nas ceifas, nos escombramentos e nas cavas.
Ora outras observações devem fazer-se. O salário sobe anormalmente na proximidade dos meios fabris, e assim uma grande unidade industrial não só paralisa e absorve como levanta o nível agrícola do remuneração do trabalho. E o mesmo se verifica nas proximidades de uma obra pública de vulto, que não só desfalca o pessoal provinciano como arrasta para o alto a remuneração dos trabalhadores do campo.
As estatísticas mostram o salário rural em progresso efectivo e também mostram a sua tendência para ultrapassar o nível de preço nele originado e a capacidade de pagar dos empresários.
Também o salário se mostra insensível às situações catastróficas, às inundações e granizas, pois que a sua oscilação ligada às necessidades e aos direitos humanos não pode com riscos que não lhe pertencem.
Afectados pelo êxodo das populações, pela emigração consentida ou clandestina, pelo desvio para a cidade e para a indústria, o trabalho de campo sofre com a presença de noviços e de anciães.
A máquina nem sempre ajuda.
Assim o legislador, o fisco, o credor do empresário agrícola, tem de contar com encargos insuperáveis e ainda com os anos bons e com os anos maus e com anormalidades que não liquidam de um ano para o outro.
Há um ano bom de vinho cada três anos, o que não impede de se seguirem duas grandes colheitas, como em 1943 e 1944, o que dificulta as colocações.
Mas já o azeite, sujeito a regime de safra, apresenta grandes produções de quatro em quatro anos. As frutificações excedentes, essas verificaram-se em 1953 e 1961, mas nos anos a seguir as árvores pareciam esgotadas e não deram para as próprias casas.
A batata prosperou na guerra e no pós-guerra, apresenta ainda tendências de dilatação de superfície- o de resultados.
O trigo acresceu o Réu cantão até 1059, está agora decaindo o as suas produções manifestam irregularidade.
Anos como ]934, 1954, 1957 e 1958 foram mais que favoráveis.
O centeio flutua em superfície e recolhas, mas não progride, embora em 1957 e 1958 tivesse acompanhado a alta do trigo.
A cultura do arroz aumenta gradualmente, sem, contudo, atingir o nível de 1955.
Portanto, os ganhos positivos da exploração agrícola mostram-se, conformo os anos, inconstantes, imprevisíveis, caprichosos e decepcionantes.
Santo Isidro, como D. Dinis, foram cognominados de maravilhosos lavradores.
O primeiro porque era santo e lavrava as terras fertilíssimas de Sevilha, ajudado pelos anjos.
Nas sérios de anos bons e de anos maus, de produções de excepção e catástrofes, têm sido as altas de preço, as duas guerras, as desvalorizações monetárias que permitiram obviar aos endividamentos e situações difíceis, libertando as empresas em embaraços administrativos.
A derivação dos trabalhadores e famílias da faina dos campos para as cidades não é somente um fenómeno de desenvolvimento. Deriva da subalternização em que se encontra o nível das populações rurais, da sua inferioridade, da sua carência de rendimentos, e daí a necessidade do próprio campo se promover a si próprio.
Tais são os ensinamentos indiscutíveis da notável encíclica Mater et Magistra. A voz do chorado Sumo Pontífice João XXIII confunde-se com o chamamento insofismável da consciência universal e deu aos problemas postos pelo debate autoridade de toda a espécie.
Uma série de inquéritos da F. A. O. sobre melhoramentos da agricultura, na gestão das explorações, conduziu a estes princípios afirmativos em 1953:
1.º A exploração deve ter dimensões razoáveis;
2.º A terra deve possuir qualidade;
3.º As actividades da empresa devem ser bem escolhidas e bem combinadas;
4.º A taxa de produção deve ser usualmente alta;
5.º A mão-de-obra deve aplicar-se com eficiência;
6.º O utente deve comprar e vender judiciosamente;
7.º O agricultor tem de adaptar-se as novas condições;
8.º Deve eliminar os pontos fracos;
9.º Deve ser capaz, experiente e instruído.
Esta resenha de princípios afirmativos permitem a organização de uma política sensata e de enquadramento económico-social.
O absentismo como forma menos desejável de exploração agrícola, levantado ao nível de fruição de um rendimento cómodo, elevado e sem riscos, que constituiu uma das grandes preocupações das passadas gerações, pode dizer-se ultrapassado no direito e nos factos.
Concitava as atenções rios políticos a existência de grandes herdades e quintas, cujos donos passavam anos que as não visitavam, nem dirigiam, e se limitavam a usufruir uma renda segura paga pelos seus rendeiros. Vivia-se num quarto andar lisboeta e possuíam-se domínios majestáticos no Sul, como se fossem separados noutro continente.
Mas hoje a direcção tornou-se constante, mesmo de longe.
Em primeiro lugar, a rodovia, o automóvel e o telefone acabaram com as separações no tempo o no espaço. Duas a cinco horas põem termo à distância. Uma comunicação telefónica de minutos resolve grave problemas.
Por outro Indo, o arrendamento estável encontra-se fortemente protegido nas disposições legais.
As formas mistas de arrendamento, que procuram melhorar a convivência regional e a participação temporária dos lavradores nas quintas o trabalhos anuais, não apresentam nem nocividade, nem significam uma utilização usurária da terra.
Segundo as minhas informações, há agora falta de rendeiros, estes reclamam novas baixas e o método não só revela as formas vivas de oposição como afirma novas o graves dificuldades na hora presente.
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Na mecanização, apressada umas vozes, acordada às sugestões dos stands, imprópria s menos criteriosa outras vezes, foram cometidos erros sem couta.
Demasiado individualismo o explica - em vez de parques, de centros de maquinaria, de compras gremiais ou de cooperativas, cada herdade, cada quinta, cada casal, cada lavrador, quis lutar por um equipamento avançado e completo.
E a mecanização ficou caríssima.
Um tractor parece custar pouco, mas com os seus pertences, grades e raspadores fica em muitas dezenas de contos.
A principal dificuldade da mecanização é a falta de adestramento e cautelas do pessoal empregado.
De 30 tractores comprados, num concelho dos meus sítios, só 3 ou 4 funcionavam, pela mão dos seus donos, que os manobravam e tratavam capazmente.
O que vem aí mais me preocupa.
A pequena motorização, de que os nossos amigos ingleses são mestres, requer, para o seu trabalho nas vinhas, hortas, ferragiais, cuidados e delicadezas, atenções e apuros que não sei como vai ser. E as suas pannes também levantam problemas.
A planificação privada como escolha de tipos de exploração, de sistema de rotações de consociação pecuária, de arranjo de instalações, de linha geral de benfeitorias, de programa de trabalhos desejáveis, de financiamento e administração financeira, têm razão de ser e permite que, nos aspectos sociais e tradicionais, se firme e desenvolva o negócio.
A assistência técnica e a assistência contabilista deviam vir até ao lavrador, prepará-lo e ajudá-lo, orientá-lo melhor.
Tenho a impressão, de que a assistência técnica dos Estados Unidos, da França e da Espanha se desenvolvem em moldes práticos superiores aos nossos. Mas não me atrevo a dizer que os seus técnicos suo de categoria mais eminente que os nossos.
Mesmo quando socialmente útil e benéfica no ponto de vista social, a empresa deve administrar-se com critérios de lucratividade.
A perder ninguém é rico!
Financiar sem contabilizar, sem deslindar sobras, recorrer a queima de meios e de capitais, obter financiamentos irrecuperáveis, tirar doutros lados para pagar falhas e amortizar erros ou fantasias, só podem fazê-lo o Estado, os organismos, as escolas e postos. O lavrador, no sistema em que vivemos, não pode renunciar a lucros ou trabalhar «para inglês ver», tem de ser compensado pelo seu trabalho de direcção, de organização, de perseverança, de riscos, de boa vontade e de esforço ingente que não encontra tréguas.
A empresa agrícola modernizada deve possuir o segredo do êxito - o que se consubstancia na palavra eficiência. Eficiência na produção; eficiência na selecção das culturas; eficiência na utilização da pecuária; eficiência nos trabalhos; eficiência na capacidade e equipamento; eficiência tanto nas vendas como na amplitude, dos negócios agrícolas. Existem para estas averiguações e tácticas indicadores, percentagens, contabilidade e medidas esquematizadas que conduzem a economias e taxas ampliadas de resultados.
Na arquitectura das dependências agrícolas, na formação de granjas e herdades, na organização do assento da lavoura, podemos destacar dois períodos:
1.º No tempo do príncipe regente que viria a ser D. João VI, foram apresentados esquemas e projectos à Mesa de Agricultura, em 1800, aos quais se deveram modificações e aperfeiçoamentos relevantes - nas granjas, celeiros, tulhas, moinhos, estrebarias, telheiros para gados, casas de sustento, oficinas, pátios, cabanas, etc.;
2.º E aí pelo ano de 30 a arquitectura rural passou a ser ditada pela especialização, pelo avanço técnico e pelos materiais como o cimento.
Agora centenas de livros de arquitectura, de revistas, miríades de artigos, à parte o esforço dos Italianos, dedicam-se às casas de fim de semana, às vivendas imponentes ou minúsculas e, a bem dizer, nada existe para ajudar o empresário agrícola.
Parece que a vida vai sendo ditada pelo capricho e não tem de obedecer às necessidades.
Mesmo dispondo de terreno apropriado, de cantaria e madeiras, de camiões e carros de boi para o seu transporte, uma casinha decorosa, nas nossas aldeias e quintas, não custa menos, hoje, de 28 contos. Meia dúzia delas custam perto de 170 contos.
Há grandes propriedades que têm o problema resolvido Palmo, a Cardiga, a Abegoaria, o Barrocal de Reguengos, Vila Ruiva, com a sua aldeiazinha, D. Pedro. Mas para as médias e pequenas explorações o problema põe-se em moldes proibitivos.
Esperemos que o Ministério das Obras Públicas, que é imagem da Providência, e a Junta de Colonização Interna, que tem realizado uma obra, ajudem a realizar o que se impõe.
Está agora muito em voga nos programas oficiais o capítulo da conversão das culturas arvenses em florestas.
Creio que isto se propõe com base em critérios estritos de rentabilidade.
O que o lavrador fez foi adaptar-se às circunstâncias mesmo contrárias, lutar contra a pobreza do solo arável e a hostilidade do clima, trabalhar em diferentes direcções, ensaiar mesmo culturas pouco rentáveis.
Vale a pena cultivar o centeio em terras de fragada e o trigo em terreno? arenosos?
Vale a pena plantar amendoeiras em terrenos sem cal e de rocha que não fende?
No ponto de vista humano, no ponto de vista das quintas, vale a pena lutar, criar trabalho, segurar a terra dar emprego.
No ponto de vista de uma planificação nacional, terá de abandonar-se o que não resulte perfeitamente.
É moda agora dizer-se mal da política de valorização do solo e até de um gentleman que teve assento nesta Casar um político construtivo que foi Linhares de Lima.
Não posso olhar na direcção do meu lugar sem uma névoa de saudade.
Vamos então para a reconversão.
Ela não será poeticamente simples nem teatralmente mágica.
Suponho que a reconversão não será simplesmente o florestamento do Sul, concebido assim numa base muito estreita.
A reconversão deverá abranger: as pastagens, os matos altos e as novas culturas de sequeiro.
Não temos, pois, de julgar severamente o que se fez nem entregar-nos a critérios puros de lucratividade, onde a terra ingrata não amamenta os seus filhos. Temos de vau os problemas à luz das estagnações, dos dificuldades de emprego, das benfeitorias ostensivas, não de despesas a reconverter, sim mas criteriosamente.
Outra coisa é a especialização, a qual representa uma mais perfeita divisão e competência do trabalho comum, melhor técnica e alto nível de adequação e eficiência.
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Foi aqui há três décadas muito recomendada o posta em prática nos Estudos Unidos, na França e na Alemanha, sendo geral o seu sucesso.
Voltamos ao ponto anteriormente exposto - vamos banir as tarefas complexas, a policultura pela vocação especial do solo e das regiões?
Quando a quinta produzir só vinho, ou somente frangos, ou somente frutas, havemos de notar as estreitezas dos mercados, as deficiências de organização comercial e a necessidade dos riscos.
A política programada de Tito tem suplantado a dos Russos.
E porquê?
Porque as organizações Agrícolas deram em fazer um pouco de tudo e lutar pelos mercados.
Portanto a especialização é necessária no mundo que vem, será cada vez mais patente, mas a policultura elimina os riscos, é seguro contra as catástrofes e mantém um alto nível de emprego - o que também parece importante.
Não foi o Estado que vivificou a maioria das terras ingratas de Portugal.
Foram as famílias com ajuda de outras famílias.
Os teóricos que acreditam numa expansão porfiada e numa economia isenta de colapsos são levados a duvidar das crises e a menosprezar as dificuldades.
Também os opositores sistemáticos encontram negro e ruínas onde tantas construções se levantam de hora a hora.
Neste debate, cuja iniciativa se deve ao Sr. Deputado Amaral Neto, que conhece, vive e estuda a vida dos campos, forneceram-se muitos elementos construtivos de uma política económica humana, justa e actualizada que dê o seu a seu dono.
O Sr. Ministro da Economia é um técnico abalizado e culto, um espírito brilhante, um estudioso com experiência das práticas económicas seguidas lá fora.
Tem diante de si uma carreira de homem público o a de político construtor que despacha, afronta os problemas, luta pelas soluções.
Tem tio seu lado um nosso colega para o qual a lavoura não possui segredos.
Não se deixarão imbuir nem pelos instrumentos de difusão nem abalar pela burocracia pura em capítulo realista da vida colectiva.
Pela minha parte, lembrando a magnífica intervenção do Prof. Teixeira Pinto em Luanda sobre economia global, espero que os problemas no horizonte sejam encarado e conduzam a soluções racionais e justas - ao êxito. A agricultura não pode ser uma actividade desenganada e fastidiosa nem uma concentração sem riscos, mas não há-de ser também a irmã desprezada, no conjunto, a qual todos lamentam e à qual tantos dirigem consolações sem procurar medicar os seus males.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: medir a terra com os olhos resolutos?, desembaraçá-la da vegetação maninha, remover pedras, sendo caso disso, abrir canais à água generosa, polir o ferro da enxada na lide das cavas, governar o arado no chão endurecido, ajudar a promessa da semente ou acomodar as raízes para darem de si é tão do nosso génio que, se nos dedicássemos exclusivamente a outros misteres, porventura mais rendosos, ainda que nos sobrasse cabedal para adquirir, pelo preço que fosse, o indispensável para a boca, a mim parece-me que nos faltaria, como raça, uma das características de autenticidade.
Assim, torna-se difícil para qualquer português falar da terra sem arreigado amor.
Entretanto, interrogo-me com preocupada dúvida - não vá, por causa da comoção rural que nasce com a gente e nos aquece pela vida fora, oferecer palavras abrasadas pelo muito zelo. Porque a terra tudo merece, mas uma vez que ela é objecto de tantas e tão porfiadas maquinações ideológicas, não sei se nós, os que verdadeiramente a compreendemos e sentimos, devemos adiantar os nossos votos e requerimentos, a ponto de entregarmos matéria susceptível de ser aproveitada em contrário. Julgo, assim, poder prevenir-me contra ameaças que tentam concretizar-se e longe de nós se concretizaram já através de todos os meios, desde os mais suaves aos mais intensos, quer figurando róseos horizontes, quer recorrendo a clandestinos métodos, quer servindo-se do próprio recurso à violência.
Por outro lado, tenho a consciência do perigo e sei que os perigos terão de ser conjurados pelo deferimento seguro e tanto quanto possível pronto das ponderosas queixas da lavoura, tomadas e julgadas no seu conjunto, de modo que as soluções, apesar de certas, não se mostrem fraccionarias e inoperantes.
Acresce que me preocupo desde há muito com as questões da terra, e isso parece conceder-me o direito de as apreciar, sem exceder o âmbito dos meus modestos conhecimentos. Talvez os números do Diário aos Sessões das últimas legislaturas possam, dizer mais do que estou alegando. Algum romantismo de permeio. Talvez. Mas sem prejuízo da verdade indispensável. Também não vi ainda destronada a conveniência de temperarmos a vida com certa dose de sentimento. No fundo e no mais, o ajuste as realidades. No entanto, devo confessar que a experiência, me tem aconselhado a pronunciar-me neste lugar sobre-os problemas económicos e sociais através de linguagem simples, e não só objectiva, mas limpa de tudo o que possa ser tomado a, conta de divagação fora do tema.
Por tudo isto, cuidando em ser igual ao que tenho sido, vou ser o mais possível sóbrio, sem deixar de ser o mais possível justo. Demais a mais esto aviso prévio, anunciado e realizado pelo Sr. Deputado Amaral Neto, tem, paro mim, argumentos de especial valor.
Na sessão de 4 de Dezembro de 1963, ao anunciar que desejaria ocupar-se da crise agrícola nacional e das medidas tomadas para a enfrentar», logo o Sr. Deputado Amaral Neto se prontificou a demonstrar que semelhante «crise não é especificamente portuguesa, na larga medida que resulta da deterioração dos termos de troca entre produtos agrícolas e industriais, que aflige igualmente os agricultores de toda a Europa e do resto do Mundo».
Agora, ao realizar o seu aviso prévio, no cumprimento da palavra dada, explica-nos que o empobrecimento da agricultura se manifesta universalmente quanto à sua participação, «como classe no produto nacional», e em bom número de países, que não só no nosso, «quanto as participações por unidade de mão-de-obra comparativamente nos produtos nacionais e sectoriais»; que é universal o facto de a agricultura se sentir também objecto de um movimento lento, mas inexorável de desclassificação, de perda de estima da sociedade urbanas, e que o despovoamento dos campos, sendo universal e universalmente reconhecido, «é a terceira grande manifestação ou efeito da crise que assoberba a agricultura».
No entanto, e apesar de ter provado que a crise da agricultura é um mal do Mundo presente, o Sr. Deputado Amaral Neto leva o seu escrúpulo a este grau:
Creio que ainda resta, no entanto, considerar uma questão que algumas vezes me tem sido posta, até
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dentro desta Casa, e é a de as agriculturas estranhos sofrerem ou não de dificuldades comparáveis, na relatividade tias circunstâncias, as da nossa.
O ponto tem grande interesse, afigura-se-me, para decidir se o nosso estado de crise é principalmente filho de causas específicas e erros próprios, ou se é antes efeito de condições inerentes ao movimento universal da economia, pois da resposta dependerá não só o tratamento como a vontade de o aplicar. Ora é um facto, direi, um facto lamentável, mas exacto, que muitos críticos se têm ultimamente manifestado na convicção de a nossa agricultura sofrer só ou principalmente de males e erros exclusivos seus, óptica falsa que tende a alienar a compreensão e simpatia do público, embora não ouse insinuar que intencionalmente.
A Câmara não tem de me perdoar qualquer incómodo que lhe cause em fazê-la ouvir, mais uma vez, estas palavras, pois estará, certamente como eu estou, disposta a reconhecer nelas uma das notas reveladoras do carácter do Sr. Deputado Amaral Neto. Tanto que vou ler mais esta passagem do desenvolvimento do seu aviso prévio:
Não me parece ter deixado dúvidas atras, pelos exemplos e citações oferecidos, de lavrar por essa Europa fora crise tão fortemente sentida como entre nós e até ocupando mais tumultuosamente as atenções; não posso pensar que tenham passado despercebidos alaridos recentes em países amigos...
Possuidor de um espírito fortemente moldado nas virtudes tradicionais da grei, o Sr. Deputado Amaral Neto dispõe ainda da preparação necessária para estudar assuntos desta natureza.
Dir-se-ia que semelhantes predicados acarretam a consequente responsabilidade. Mas a consciência e a lealdade de propósitos do autor do presente aviso prévio em nada se hirtam - tenho a certeza - a defender os seus juízos, sempre que os julgue sustentáveis, ou até a modificá-los sempre que os veja impugnados por motivos atendíveis.
Sr. Presidente: houve tempo em que de todos os ofícios lucrativos, «nenhum melhor, nem mais produtivo, nem mais agradável, nem mais digno de um homem livre do que a agricultura». Era essa, por exemplo, e assim referida, a opinião de Cícero, no De Officiis. Mas as circunstâncias mudaram, e o ofício, continuando a ser agradável, pelo ambiente são em que decorre, e mantendo-se digno da condição de homem livre, perdeu bastante a qualidade de lucrativo, tanto que desde ha muito se aponta pura a agricultura como sendo uma actividade produtiva em crise. E não me estou pondo fora das razões. Todavia, peço licença para observar:
Quase tudo o que se faz em agricultura ou se dispõe para a agricultura sofre, por natureza, de retardamento.
Trabalha-se para melhorar a terra, e a terra leva tempo a reagir.
Legisla-se em sentido favorável, e a lei não se torna tão depressa visível nos seus resultados práticos.
Há necessidade de conhecer o solo em superfície e em profundidade, e os estudos de prospecção não se fazem de um dia para o outro, dada a imensidade e a densidade das características e dos predicados dos terrenos.
Se por alguma coisa temos forçosamente de esperar, é pelas respostas da terra. Maior nos parecerá a demora, se olharmos para o crescimento da industria. Rasgamos hoje os caboucos destinados a construção de uma fábrica. Amanhã os alicerces estão atacados. Depois sobem algumas colunas mestras, e não tardam os pavimentos ò a cobertura, ao mesmo tempo quê as máquinas cedo estão aptos a ser instaladas e a funcionar com pleno rendimento.
Enquanto a agricultura caminha necessariamente devagar, a indústria pode avançar depressa.
O confronto não é satisfatório nem tranquilizador. Daí a conclusão de que a agricultura, após o advento do típico dinamismo industrial, jamais deixou de ver aumentadas as suas dificuldades.
Estou a formular estas considerações porque não me julgo em presença de uma só crise da agricultura, pois existem o desequilíbrio permanente e o desequilíbrio acidental, sendo certo que a destrinça tem relevância, visto importar redução no volume do problema em debate, tornando-o menos grave, sendo ainda de considerar que logicamente não podemos negar essa redução. Quer isto dizer que, mesmo na hipótese de se acudir à agricultura com as medidas tendentes a um desenvolvimento pleno ou plenamente racional, tem de haver sempre atraso em face do crescimento da indústria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sucede mesmo que a verdadeira crise da agricultura portuguesa vem de longe.
O que era a nossa sociedade rural em épocas mais recuadas?
Os donos da terra tinham-se fixado na terra. Ali construíram os seus solares e moradias, animando a faina agrícola com a sua devotada presença. Alguns deles, ao mesmo tempo que não cessavam de valorizar a terra, apoiavam-se no brioso contentamento de terem sido eles próprios os vencedores da terra, por terem expulso dela o tumulto das raízes que lhe desperdiçavam o poder criador. Havia como que um frémito de energia rural, que se comunicava à mais humilde gente da enxada, pela qual o próprio patrão em regra zelava, acudindo-lhe na vida.
A agricultura não era então só o ofício nobre que continua a ser: era o ofício que os nobres e os grandes exerciam com indefectível galhardia.
Depois, a luz e o rumor da cidade começaram a seduzir os homens da terra. Agora um, depois outro, foram sendo atraídos pelas doces comodidades e pelas alegrias, quantas vezes artificiais, dos grandes centros urbanos, designadamente os mais dotados de condições aliciantes. Os próprios trabalhadores que não participavam na posse da terra ou que tinham um palmo em que se debruçavam com afinco também se sentiram desencorajados, e, ou pela via da emigração ou pela procura de trabalho nos meios mais populosos, deram em engrossar o êxodo.
Então muitos palácios rurais ficaram desertos, alguns em ruínas, e até os simples tectos a que se acolhiam os mais pobres trabalhadores do agro deixaram de sentir o bulício da lareira.
Deste género de transformação nasceu, sem dúvida, um factor de crise na agricultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Começou assim a acentuar-se a diferenciação entre os ramos da actividade, que os economistas muito mais tarde haveriam de arrumar em três sectores: o primário, envolvendo a agricultura, a pesca e as actividades extractivas; o secundário, abrangendo as indústrias transformadoras e de construção; o terciário, agrupando os transportes e comunicações e os muitos e variados serviços de interesse público e privado.
E a agricultura, que nunca fora, em boa verdade, um seguro negócio, passou a ser meramente uma ocupação.
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Pior ainda com a revolução industrial operada, nalguns países, intensamente, no século XIX, a ponto de ficarem os campos abandonados, tão poderosa se manifestou a forca de atracção das espectaculares vantagens oferecidas pela indústria.
Portugal não acompanhou, pode dizer-se, em ritmo análogo esse movimento, mas não podia deixar de integrar-se nele, ainda que seguindo-o com algum atraso. No entanto impor-se a sua vida agrícola ressentiu-se, e agora, que o surto industrial parece, até por exigências da cooperação europeia, o fenómeno avoluma-se através dos seus efeitos, aumentando aquela margem de desequilíbrio permanente a que já me referi.
Não obstante, e embora modificadas as condições de vida nos campos, a agricultura não parou. Constituindo uma actividade essencial à vida humana, por nela assentarem as necessidades básicas da existência, não poderia entregar-se à inércia. Procurou evoluir, evoluiu e evolui. Assim, os choques perturbadores entre a técnica e a rotina, apesar de compreensíveis, afirmam-se inevitáveis.
Surgem novas técnicas de trabalho.
O crescimento e a diversidade do consumo, dia a dia mais premente, estimulam a produção.
Ao passo que a agricultura é mecanizada, em maior ou menor escala, aumentando proporcionalmente a produtividade do trabalho, o próprio solo, pela incorporação de estimulantes e correctivos alcançados pela ciência, produz mais e com menor esforço.
Desta forma, e admitindo mesmo o benéfico efeito da mecanização, na parte em que engrossa o número de agricultores por conta própria - libertando-os do regime de assalariamento -, novas dificuldades se verificaram pela fuga dos assalariados em busca de emprego na indústria.
Um dos mais cintilantes especialistas de economia agrária do nosso tempo observava, com toda a razão, que os movimentos intensos de êxodo agrícola, desencadeados pelo desenvolvimento das indústrias e dos serviços, se por um lodo têm estabelecido o equilíbrio demográfico em zonas sobrepovoadas, determinam nos campos suma profunda sangria dos melhores elementos de trabalho e iniciativa, que contribui para a destruição dos centros vitais da comunidade camponesa», acrescentando - em esclarecedora e eloquente síntese - que «o rural, enquanto não é chamado a reconstruir sobre as ruínas da sociedade tradicional uma nova estrutura agrária, não encontra outra solução que não seja a de atender às solicitações da indústria, dos serviços, do urbanismo, esquecendo, sem culpa, os imperativos do seu destino histórico».
Mas a agricultura não pode limitar-se, nem nunca se limitou, à produção. Distribuir e comercializar os produtos foi sempre e continua a ser um dos seus objectivos complementares com vista à remuneração compensadora.
Assim, com o desenvolvimento das comunicações através das novas estradas e dos novos transportes, a primitiva malha da distribuição em que participavam os próprios produtores agrícolas cresceu, e ganhou acentuada autonomia. Correspondentemente, aumentaram as suas exigências de ordem funcional e outras que a ambição e a, febre do lucro trazem. Nem só os comerciantes surgiram, como classe diferenciada. Apareceu também aquele intermediário que já não é bem o comerciante comedido e eficaz,- mas o perturbador das transacções, que busca o sobrelucro em pura actuação especulativa.
Por outro lado, tornou-se denso e deveras complexo o próprio comércio.
O produto começou a circular de cada vez mais sobrecarregado - por vezes injustificadamente - até ao consumidor, sem que se reflectisse na origem, ou seja no sector primário, o suplemento de preço suportado por aquele que paga, finalmente, não só os encargos da produção mas os da distribuição, mesmo os inaceitáveis.
Por cima de tudo isto, o mau tempo que Deus manda, para que os homens aprendam a saber que o sol, a chuva e o vento não são forças que se verguem ao seu mando.
De estranhar seria, pois, que alguém estranhasse a realização do presente aviso prévio.
E esta Assembleia lugar marcadamente próprio para a apresentação e discussão das questões de interesse nacional e das questões de relevo ligadas ao interesse local, desde que expostas e debatidas com evidente utilidade.
Facultar à nossa consciência de parlamentares elementos de estudo sobre a crise da agricultura, que não é só nossa, mas universal; precisar os aspectos particulares que caracterizam num ou noutro pormenor a crise portuguesa; chamar a atenção do Governo para este e aquele pontos fundamentais - adiantar argumentos, formular votos, enfrentar dúvidas, observações e comentários, tudo com sereno e criterioso realismo, é tarefa de muita dignidade e responsabilidade.
E uma coisa - além dos abundantes e valiosos contributos devidos ao Sr. Deputado Amaral Neto e aos Srs. Deputados que se seguiram no uso da palavra - se ganhou já com este aviso prévio. O Governo, que vinha já manifestando os seus propósitos através de declarações públicas, definiu ainda mais os seus planos de acção, quanto aos problemas de «produzir mais», de «produzir melhor» (envolvendo a adaptação da exploração às técnicas) e de se «repartir e distinguir melhor os resultados da produção» por meio da comercialização e dos preços.
Não tenho necessidade de seguir aqui o desenvolvimento dado pelo Sr. Ministro da Economia à exposição que enviou a esta Assembleia. Todos VV. Exas. a ouviram e a leram atentamente. E o próprio País também a conhece através dos órgãos de informação.
Pelo que se vê, o Governo mostra-se atento e resolvido a encarar frontalmente os actuais problemas da agricultura, sendo certo que só os poderá resolver no espaço de tempo consentido pela natureza desses, problemas e com o concurso da própria agricultura. Neste ponto, a insistência é legítima e indispensável. Em mais de uma passagem da sua extensa exposição, o Sr. Ministro da Economia fala da vantagem de os agricultores se organizarem, não para um simples esforço de ajuda entre alguns, mas para um. esforço que se integre validamente no esforço geral, de forma que a agricultura transite para processos de vida menos isolados e menos individualistas. Referindo-se ainda ao agricultor, e a propósito do desvio entre preços na produção e no consumo, não foge mesmo a reconhecer e a afirmar que «a tendência actual é para fazer participar o produtor nos benefícios mediante a sua associação ou cooperação», sendo de notar que «em quase todos os países, mesmo de feição liberal, os movimentos cooperativos desempenham papel fundamental».
Poderia agora, e a propósito da cooperação e da tendência cooperativa, trazer ao plenário alguma soma de considerações, pois já tive o ensejo de estudar esses movimentos com bastante curiosidade e suficiente demora. Mas alongaria em excesso esta minha intervenção, e não acrescentaria, certamente, qualquer novidade ao que em outro lugar já disse.
«A história do movimento cooperativo - diz o Prof. Michel Cépède - é a história da longa e dura luta de pioneiros que têm pouco a pouco definido e conseguido obter parcialmente um estatuto equitativo para a nova forma de solidariedade humana que se esforçam por inserir no meio estranho do mundo económico actual».
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E o então administrador da União das Cooperativas da Região Parisiense e do Centro Nacional da Cooperação Agrícola -André Hirschfeld- corrobora o asserto, ao declarar que cos agricultores devem organizar-se, não copiando servilmente os métodos utilizados por este ou aquele poderoso Estado, mas utilizando as práticas seculares que desde longos anos lhes permitiram registar sucessos apreciáveis».
Duas breves notas estas, só para realçar a importância da organização sobre bases cooperativas, tendo em conta os seus limites e possibilidades e as suas finalidades genuínas, e vou tentar, em breve apontamento, esboçar o que me ocorra sobre a maneira de enfrentar a crise da agricultura portuguesa, pois é desta que nos cumpre tratar aqui, e não das crises alheias.
Só bem ouvi e li, o Sr. Deputado Amaral Neto reclama medidas que podem, nos seus aspectos mais salientes, ou nas suas incidências mais importantes, resumir-se e traduzir-se talvez assim:
a) Aplauso á ideia da reconversão da terra por métodos seguros e sem que os agricultores fiquem desamparados durante o período ou períodos de transição;
b) Apelo a cidade, no sentido de compreender e estimular o esforço da agricultura;
c) Atenção constante e eficiente à agricultura por parte do Governo para que ela não empobreça e não constitua um travão ao crescimento económico;
d) Condenação da política de subsídios, pois estes, além de repugnarem e desagradarem aos agricultores, «se tivessem agora de recair sobre o erário público, introduziriam encargos na hora presente porventura ainda mais difíceis de enfrentar»;
c) Defesa da concessão de subsídios, «se forem suportados pela receita de diferenciais cobrados na circulação dos produtos da agricultura ou na importação de géneros exóticos concorrentes da produção interna»;
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Amaral Neto: - Desejava esclarecer melhor o meu pensamento. Não falei em defesa, mas sim em melhor aceitação dos subsídios se forem suportados pelos circuitos de distribuição.
O Orador: - Não andava longe do pensamento de V. Ex.ª, mas fico esclarecido e direi - melhor aceitação dos subsídios em vez de defesa da concessão de subsídios.
f) Necessidade de conclusão, em termos inteiramente aproveitáveis, das cartas de solo e ordenamento;
g) Educação e enquadramento dos lavradores pela divulgação dos resultados da investigação oficial e pela assistência técnica;
h) Segura disponibilidade de meios financeiros para dar a reconversão da terra «ritmo e alcance correctores da crise»;
i) Revisão «pura e simples» dos preços dos produtos agrícolas, «com apertado exame dos circuitos para os fazer absorver os aumentos até onde praticável, devendo sê-lo nalguns casos e nalguns pontos»;
j) «Abertura do mercado», mas sem a anunciar nem a praticar em termos de se comprometer, no mínimo que seja, a breve trecho ou prazo largo, a segurança do abastecimento nacional «e a preciosa segurança da moeda», não esquecendo a ilusão dos preços internacionais como medidas reais de produtividade.
Procurei resumir. Mas não sei se resumi rigorosamente o pensamento do Sr. Deputado Amaral Neto. Também não sei se lhe poderá causar agrado o declarar-me quase inteiramente de acordo com a essência do seu trabalho fixada ou apurada no que condensei. É que não sou lavrador nem técnico com autoridade na matéria. Todavia, julgo existir em mim a fundamentada disposição - nem sequer digo aptidão - para reflectir sobre estes assuntos não só por alguma experiência tirada de actuações passadas e observações directamente colhidas em ambiente de labor agrícola mas ainda por certos começos de aprendizagem conseguidos outrora, na velha Coimbra, onde tive ensejo de frequentar um prestimoso curso de extensão universitária sobre assuntos agrícolas dirigido pelo saudoso Prof. Doutor Luís Carriço.
O certo é que não pondo em dúvida e até apoiando as indicadas linhas gerais da intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto, verbi gratia as que se destinam a chamar a cidade à compreensão dos seus deveres para com a agricultura; a pedir a conclusão urgente e eficaz da carta dos solos e e ordenamento; a aceitar a política de reconversão da terra com as cautelas necessárias, e outras, que constituem, por assim dizer, a força de tudo quanto tentei concisamente precisar e traduzir, julgo que não se pode de modo nenhum aderir a sugerida «revisão pura e simples» dos preços dos produtos agrícolas, admitindo mesmo o preconizado e acertado exame dos circuitos, pois me parece que só nesta medida - a do exame -. e na medida do possível, através de uma revisão selectiva, aliás apontada pelo Sr. Ministro da Economia, se poderá levar a efeito, uma operação de tal melindre. Creio mesmo não se poder atingir o procurado e urgente fim de ajustar a oferta e a procura com o indispensável equilíbrio sem uma defesa eficaz dos rendimentos por meio de actuação selectiva nos preços, o que é aconselhado - segundo opiniões muito autorizadas - pelas modernas técnicas do auxílio -económico à agricultura.
Uma revisão pura e simples dos preços, querendo significar revisão total encaminhada no sentido da alta - devo declará-lo sem ambages -, seria o caminho aberto para a inflação, isto é, o caminho aberto exactamente para aquilo que o Sr. Deputado Amaral Neto não quer, e muito bem, pois é muito peremptório e avisadamente esclarecido o seu manifestado desejo de que não se comprometa, no mínimo que seja, a breve trecho ou prazo largo, a preciosa segurança da moeda.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª admite ou não que desde o ano de 1948, data da última fixação do preço do trigo, o custo, para o público consumidor, dos produtos alimentares subiu?
O Orador: - Admito, como já afirmei, o exume dos circuitos de distribuição e nessa minha concordância com V. Ex.ª vai implícita a resposta a sua pergunta.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª pode reconhecer que o preço da alimentação subiu independentemente do custo dos produtos agrícolas na origem, e V. Ex.ª não está livre de assistir a novos fenómenos de subida, ainda que os preços ao agricultor não sejam modificados.
O Orador: - É evidente que uma alta de preços, sem benefício para o produtor, poderá sempre verificar-se, o que não quer dizer que possa sempre justificar-se. Por isso
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mesmo estamos aqui a preconizar revisões, exames e acertos que beneficiem os preços dos produtos agrícolas na origem. No entanto, sustento que uma revisão pura e simples no sentido da alta conduz a uma inflação de efeitos perigosos, ate por serem muito difíceis de dominar.
O Sr. Amaral Neto: - O que eu vejo é inflação sem revisão de preços e, portanto, pedia a atenção de V. Ex.ª para o facto de que não se pode relacionar a inflação necessariamente com essa revisão, porque a inflação já se deu sem a revisão.
Não está demonstrado que os preços na origem condicionem necessariamente os preços no consumidor.
O Sr. Sousa Meneses: - Neste momento, e na realidade, está-se a passar um fenómeno no País que confirma as palavras do Sr. Deputado Amaral Neto. A minha mulher, que manda à praça, está a pagar hoje mais caro produtos do que pagava há oito ou dez dias atrás. E eu pergunto se deste «a mais» que eu pago resulta algo em benefício do produtor.
O Orador: - Daí a necessidade, aliás apontada, e muito bem, pelo Sr. Deputado Amaral Neto, quanto ao exame dos circuitos de distribuição, e eu penso que os resultados desse exame deverão oferecer razoável margem a favor dos produtores no que se prende com os aumentos efectuados. O resto terá de ser objecto de revisão selectiva, como já disse, ou melhor, como já disse o Sr. Ministro da Economia. Entretanto, acentuo que uma revisão pura e simples pode conduzir a uma inflação - à espiral da inflação. E o que é preciso, acima cie tudo, é fazer parar ou reduzir ao mínimo toda e qualquer tendência inflacionista.
A questão, uma vez posta, tem de ser encarada, e, sendo assim, como é, não pode ser vista de outra forma.
Afirmam os economistas - e afirma-o a lição dos factos infelizmente vividos ao longo da história - que para impedir a inflação - aquela "enfermidade" que quase invariavelmente aparece em épocas de guerra e ainda mais nos anos do pós-guerra - é indispensável evitar a alta dos preços. E seria essa alta, uma vez permitida na totalidade ou em escala muito próxima, aquela que passaria a figurar na base de uma espiral ou de um círculo vicioso que de modo nenhum queremos, nem o Sr. Deputado Amaral Neto quer, ver instalados e desencadeados no nosso país.
Algo haverá a rever no hipertrofiado sector dos intermediários, com o fim determinado de coibir a especulação e toda a intromissão desnecessária ou de utilidade económica duvidosa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E essa tarefa tão urgente como indispensável deverá traduzir-se em benéficos efeitos para o produtor agrícola, no entanto a margem em que se processam as actividades a suprimir n fio será, afigura-se-me, suficientemente larga para absorver os aumentos de preços requeridos, não pela insatisfação da lavoura formulada em termos radicais ou absolutos, mas até mesmo pela razoável insatisfação que se limita a solicitar as compensações estritamente justas.
Este terreno em que se desenvolve e enraíza tão momentoso problema é muito difícil de percorrer e não há como usar de toda a prudência para não se cair em algum atoleiro do qual não possa a gente livrar-se ou sair sem desesperados sacrifícios.
Também eu peço uma revolução para o sector rural, mas uma revolução de paz frutuosa, solidamente alicerçada em bases de equilíbrio, numa resoluta frente de acção que não leve tão adiante a ansiedade das aspirações que possa comprometer a segurança dos métodos e a bondade dos resultados.
Assim, quando o Sr. Ministro da Economia nos afirma que «a revisão selectiva de preços é indispensável, em especial para aqueles produtos cuja produção interesso, fomentar», ou nos fala de «produtos que se encontram dentro da orientação selectiva de preços com intuito de fomento de produção agrária, embora tal não exclua correcções que se possam fazer quanto a forma de comercialização e remuneração de outros produtos agrícolas», ou nos diz ainda que «o fomento da agricultura, e em especial dos produtos de qualidade, seria comprometido se não fosse apoiado por uma melhor comercialização e apoio industrial», que se encontram já elaborados «os projectos de diploma de comercialização» e que está «indicada a orientação» regida pela trilogia coordenar, concentrar e regionalizar - em termos dados a conhecer -, torna-se evidente que os caminhos mais próprios estão a ser abertos com o fôlego e a justeza das nossas possibilidades
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: procurei até aqui oferecer um esboço de apreciação da matéria em debute. Esboço geral e limitado ao tempo e aos recursos de que disponho. Mas cube-me o dever de abrir e consagrar um parêntese a certas particularidades ligadas a agricultura açoriana, designadamente à das ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, visto a maior soma de aspectos ou a sua quase totalidade ter sido necessariamente tratada na parte geral das minhas considerações
Algumas vezes invoquei os inconvenientes resultantes da distância a que os Açores se encontram da metrópole, como argumento justificativo de determinadas solicitações. E sempre me contive na razão do argumento, fazendo tudo por não a exceder ou exacerbar. Assim, julgo ter recorrido sempre e a propósito a verdade com o cuidado e a honestidade de a dizer.
O problema dos transportes, por exemplo - dos transportes por via marítima-, e dos encargos deles emergentes para a economia açoriana, não deixou de ocupar a minha atenção e o meu zelo.
Tratava-se então de dois interesses em jogo, igualmente respeitáveis: o interesse de ver assegurada em legítimas condições de vida a exploração regular da linha de navegação fundamental, e o interesse de ver, tanto quanto possível, aliviadas as actividades económicas dos Açores - e as suas populações, de um modo geral -, quanto à incidência dos preços relativa aos fretes e as passagens.
Ao usar da palavra neste mesmo lugar em 10 de Dezembro de 1952 enfrentei a questão com toda a clareza, reclamando para ela a atenção do Governo. Recordo-me ainda de que ofereci alguns modestos e honestos contributos, traduzidos em vários dados que requisitei, mas todos destinados - todos destinados, acentuo - a exame e apreciação superiores.
Não fui só claro; também fui corajoso, pois nem sempre se ergue gente disposta a ocupar-se dos problemas melindrosos, principalmente quando propícios a erradas e até a criminosas suposições.
Mas entendo que estou aqui para servir com honra e brio, sem prejuízo dos meus direitos de pronta, vigorosa e implacável defesa.
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Tão-pouco me agrada lisonjear o povo, mas sim esclarecê-lo com imperturbável franqueza.
Seja como for, adiantei em tempo - com indiscutível oportunidade - o parecer de que a carreira normal de navegação para as ilhas deveria ser submetida a profundo e consciencioso estudo, de modo a assegurar-lhe existência razoável sem exigência de sacrifícios à economia açoriana, que considerei, e ainda hoje considero, nada robusta.
Repito - fui bastante claro e respeitei os interesses em causa, sem que me pudessem ou possam acusar de ter faltado ao dever de pugnar pela posição de tudo quanto relativamente- à economia local se afigurasse susceptível de ser afectado por um eventual agravamento de fretes.
As minhas palavras talvez não tivessem merecido, de um grande número dos próprios interessados, a atenção quê lhes era devida, e talvez tivessem servido para certas e condenáveis dúvidas de entendimento. Mas a verdade é que temos agora o problema, com a sua agudeza, a ferir o momento, e de tal modo que as queixas partem directamente da lavoura, por causa de uma recente subida verificada nos fretes respeitantes ao transporte marítimo de adubos e de gado bovino.
Estou, na realidade, a medir os reflexos que o facto importa nos domínios da agro-pecuária, e, ao medi-los, mais me entrincheire na posição tomada há cerca de doze anos.
Como eu tinha razão às carradas!
Estudem o problema e vejam.
Vejam o problema e meditem seriamente sobre ele.
Claro que sustentando, com total independência, como sustento, a posição que tomei, estimaria realmente que a solução tivesse sido outra, mas também não sei se as dificuldades presentes, levantadas noutros sectores de interesse muito chegados a nossa sobrevivência como nação definida humana e territorialmente, desaconselharam ou não teriam permitido o deferimento do que sugeri. Em todo o caso espero que o Governo tão depressa se sinta em condições de dar a requerida solução ao problema a não demore, para que nas portuguesas terras açorianas e na alma sã daqueles que as trabalham de sol a sol a alegria de produzir não seja empanada por manchas de intranquilidade desencorajadora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em contrapartida e para já, devem ser estudadas e adoptadas as maiores facilidades na colocação dos produtos agrícolas açorianos, quer na metrópole, quer no estrangeiro, através de um plano carinhosamente elaborado, que mitigue as agruras da distância traduzidas na sobrecarga dos transportes.
Poderia agora referir-me, com alguma largueza ao desenvolvimento pecuário dos Açores e à enorme importância de que o arquipélago se reveste quanto ao abastecimento da metrópole e até quanto á exportação para os mercados estrangeiros. Mas na sessão de 27 de Janeiro de 1956 essa importância foi de sobejo demonstrada pelo então Deputado Eng.º Pedro Cymbron, ao intervir na discussão sobre o aviso prévio do Sr. Deputado José Garcia Nunes Meada, efectivado nas sessões de 21 e 25 de Janeiro de 1956 sobre o problema de «abastecimento de carnes e seus derivados».
«Especialistas que tenho consultado - afirmou o Eng.º Pedro Cymbron - não se opõem á ideia de ver triplicada a população bovina nos Açores, o que corresponderia a um total de mais de 100 000 cabeças em coda distrito».
O último resumo estatístico que conheço é de indiscutível eloquência:
É de cerca de 140 000 cabeças o efectivo bovino insular - a maior densidade do País em gado vacum! -, assim discriminado, por distritos:
Angra do Heroísmo................. 55 000
Horta............................. 27 688
Ponta Delgada..................... 55 000
E no referente à produção de leite industrializado e de manteiga produzida temos os seguintes números em 1960:
Angra do Heroísmo:
Leite (litros).................... 19 963 000
Manteiga (quilogramas)............ 758 000
Horta:
Leite (litros).................... 14 338 000
Manteiga (quilogramas)............ 624 009
Ponta Delgada:
Leite (litros).................... 33 972 528
Manteiga (quilogramas)............ 1 138 807
Na verdade, os Açores possuem condições óptimas para a produção de pastagens de excepcional valor. Tudo está em conjugarem-se os esforços no sentido de fazer do arquipélago uma unidade económica elevada ao máximo da sua eficiência. Deixo esse candente problema recomendado desde já aos técnicos, e especialmente aos lavradores açorianos, que terão, porventura, de pôr de parte alguns, pruridos contrários a uma unidade de vistas e de acção deveras imperiosa, tanto mais que a integração do espaço económico português está em marcha irreversível.
Resta-me assinalar as vitórias obtidas com a arborização de terrenos através dos serviços florestais, quer na ilha de S. Miguel, quer na ilha de Santa Maria, e regozijar-me por não terem sido mal empregados os esforços desenvolvidos pela representação parlamentar de Ponta Delgada nesta Assembleia para que esses serviços estendessem a sua relevantíssima acção àquelas ilhas. Dá gosto ver o trabalho já realizado e a compreensão que os populações vão tendo das vantagens da florestação, mas a tarefa deverá ser alargada, por meio da criação de estímulos e de processos de fácil adopção, às propriedades particulares que, pela pobreza do solo ou pelo seu relevo, se mostrem próprias para o revestimento florestal, com a sua dupla função protectora e de rendimento.
Ainda há pouco, no decorrer do acto de posse dos membros do Fundo de Fomento Florestal e Aquícola, o Sr. Ministro da Economia aludiu a ocupação racional da terra por meio «de uma conversão cultural a favor da mata». Às suas declarações, a propósito da Lei n.º 2069 e das notáveis possibilidades agora destinadas ao fomento do património particular, realçam e aumentam a importância daquele diploma, ao assegurarem-lhe a necessária projecção.
Nos Açores, de uma maneira geral, abundam os terrenos declivosos, onde a erosão opera com extrema facilidade o seu mortal desgaste. Para que a ocupação racional da terra ali se verifique urge empreendê-la com base em eficientes cartas de uso e capacidade dos solos. E os terrenos dos particulares, torno a dizer, não devem ficar à margem, ainda que os serviços florestais já lhes tenham dispensado e continuem a dispensar benéfica assistência,
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designadamente pelo travão posto à criação de pastagens em zonas contra-indicadas. Talvez constituísse uma das praticáveis formas de se chegar ao objectivo em vista, a instalação de cooperativas florestais. Mas para isso, para que o processo vingue, é indispensável - como li a propósito do povoamento florestal e reabilitação social do trabalhador - que os proprietários se mostrem inteiramente compreensivos e solidários, de forma «a abdicarem de uma pequena parcela dos seus direitos, que se resume em deixarem de fazer cortes quando quisessem e na quantidade que quisessem, para cortar apenas o que fosse indicado pelo plano geral de ordenamento cultural e na data por ele prevista».
Outros meios existirão, sem dúvida, a fixar através de um autêntico e eficaz planeamento regional.
Suponho ter aflorado pontos essenciais, ou, pelo menos, pontos de interesse neste momento. Mas admito o ter de voltar a ocupar-me nesta Assembleia e com mais demora de um ou outro aspecto ou de uma ou outra questão que porventura careçam ou venham a carecer de desenvolvimento.
Entretanto espero que não faltem os apoios devidos à agricultura açoriana, para o que terão de ser tomadas na justa conta as circunstâncias peculiares da sua vida de luta por uma sobrevivência digna dos seus porfiados esforços e do seu marcado valor na economia do Pais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não quero deixar esta tribuna sem uma palavra de confiança nos homens da lavoura e nos homens do Governo. As soluções trabalhosas não são unicamente difíceis pelo tempo que levam a ser encontradas, mas ainda pela demora em dar-lhes execução. Designadamente, o crescimento económico é eriçado de embaraços. Há que atender a interdependência das várias actividades. E nesta tarefa, para se adquirir a visão mais acertada, consome-se tempo e energia em tal medida que só um razoável entendimento e uma boa vontade de fundo construtivo o poderão admitir como indispensável à consecução do bem que se pretende alcançar. E eu tenho os olhos postos nesse entendimento razoável e nessa boa vontade construtiva.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ao entrar no debate sobre a crise da agricultura desejo apresentar ao ilustre Deputado avisante, o Sr. Eng.º Amaral Neto, o testemunho da minha maior admiração e simpatia, ao mesmo tempo que o felicito muito vivamente pelo belo trabalho com que nos presenteou, pleno de saber, objectividade e isenção, a que nem faltou o surto idealista de quem se recusa a considerar a crise agrícola nacional como «mal anacrónico mas apenas como afecção agravadíssima requerendo as mais atentas, enérgicas, prontas e eficazes providências».
Enfrentando o problema tal como ele se apresenta, sem medo, sem subterfúgios, sem considerações de privilégio, o Sr. Deputado Amaral Neto deu-nos uma bela e sadia lição de amor pelo mundo rural e uma lição de fé e esperança nos destinos que ainda estão reservados à nossa quase agonizante agricultura.
Bem haja, pois, por isso mesmo!
Nascido no campo e filho de um modesto lavrador, aprendi no contacto com o meio rural a viver e sentir os seus problemas e a apaixonar-me pela sua gente, que representa, sem desprimor para os outros sectores, a parte mais sã e importante da nossa grei, sendo as nossa aldeias ainda o repositório de muitas e boas energias, de muita virtude natural e cristã.
Por isso mesmo, já nesta Câmara me fiz eco, por mais de uma vez, das suas preocupações e queixumes ao tratar de um dos mais candentes e apaixonantes problemas da região de Leiria: o problema do vale do Lis.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é por de mais sabido ser de todos os sectores da vida económica o primário - agricultura, silvicultura, pecuária e pesca - aquele que mais carece de valorização em ordem ao seu desenvolvimento.
Verifica-se efectivamente um flagrante contraste entre o surto extraordinariamente progressivo nos sectores secundário e terciário e as actividades ligadas ao mundo rural, que estão longe de atingir o nível de desenvolvimento das actividades urbanas.
Nos últimos tempos, o meio rural tem vindo a sofrer graves transformações, ouvindo-se falar, a todo o par e passo, em crise da lavoura, jamais tendo tanta actualidade e cabimento o adágio de que «a agricultura é a arte de empobrecer alegremente» ou a ideia dominante de que a lavoura é, segundo a conhecida anedota, uma vaca á sociedade, em que ao lavrador cabem o trabalho, os suores, as lágrimas, as agruras e os prejuízos e aos outros ... o proveito.
Tudo convida o lavrador a desanimar e desistir, pois os adubos sobem de preço, as sementes sobem de preço também, faltam os braços, com a fuga dos homens válidos para as cidades e para o estrangeiro, e, consequentemente, as jornas atingem preços que muito embora não possam considerar-se elevados para quem os recebe são-no, sem dúvida alguma, para quem tem de os pagar, porque os produtos da terra não compensam, não rendem para acompanhar tal subida..
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como factores determinantes deste processo de mudança têm-se indicado, de entre outros, os contínuos êxodos do meio rural para as cidades onde, por razões de economia de transportes, se tem feito - mal, quanto a nós - a concentração industrial, quando se devia ter facilitado e incrementado a instalação de novas indústrias que absorvessem a mão-de-obra excedente no próprio meio agrário onde a mecanização da agricultura e o natural aumento da população estabelecessem uma aflitiva saturação demográfica; o desgaste dos solos e a carência de fertilizantes; a insuficiente mecanização; a utilização irracional dos solos; a fraca capacidade de investimentos, etc.
Por virtude destes factores e por influência de outros, tem-se agravado, de maneira assustadora, a condição quer do pequeno e grande proprietário, quer a do assalariado rural.
Mas há males gerais da lavoura que se inserem uns na sua organização, outros no seu próprio seio. Na sua organização nota-se falta de coordenação entre os organismos - corporativos da lavoura e as cooperativas, o que acarreta evidentemente graves riscos paira a cada vez mais indispensável união de esforços e até para a própria política do Estado.
Ora as cooperativas podem - e devem - prestar largos benefícios na comercialização dos produtos, quer na compra, quer na venda pela lavoura.
Nos países do Ocidente, cuja estrutura agrária assenta em empresas de tipo familiar, tem-se procurado solução
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para os problemas da produção e comercialização dos produtos na organização de cooperativas. O objectivo destas é, sorno se sabe, o de desviaram para cá seus associados, por um lado, os lucros cios retalhistas que lhes vendiam os adubos, a máquinas, materiais, etc., e, por outro lado, os dos intermediários a quem transferiam as operações cie comercialização das suas colheitas. Mas o seu maior beneficio ainda poderá ser o de permitir a solução do problema de assistência técnica ou de industrialização que só determinadas dimensões de empresas permitem assegurar satisfatoriamente.
Sabe-se, porém, que. o lavrador é de sua natureza individualista, refractário & união e á associação ou cooperação. Assim se explica, em parte, a pouca aceitação dos grémios cia lavoura e das Casas do Povo e o seu funcionamento em termos de pouca utilidade e simpatia paru os seus associados. Ora com as cooperativas a mesma desconfiança e indiferença, o mesmo desinteresse com a sua constituição, não obstante estas serem tidas como as soluções preferidas em todo o mundo ocidental para os problemas dos agricultores. E quando vão por diante não ligam, não casam bem com os grémios da lavoura, sobretudo se são diferentes os seus corpos directivos.
Há, pois, necessidade de estabelecer doutrina quanto às actividades dos grémios e das cooperativas, de modo que se não entrechoquem, evitando assim a desagregação da agricultura nas respectivas regiões. E «sendo hoje a associação uma exigência vital no sector agrícola como em todo o outro sector da produção», conforme afirmou Sua Santidade João XXIII na encíclica Mater et Magistra, será de todo o ponto conveniente que proprietários e assalariados se associem para a melhoria da sociedade rural, pois que desinteressando-se do associativismo agrícola «deixam aos outros o cuidado de regular as condições de sobrevivência ou declínio das famílias rurais».
E no seu próprio seio tudo vai faltando à agricultura na hora que passa: dinheiro para continuar a cultivar a terra, pessoal para poder, a tempo e horas, executar os trabalhos, e até a esperança em atingir o tão falado bem-estar rural, que depende acima de tudo da melhoria de rentabilidade económica dos seus produtos.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Para além destes males que afligem hoje a lavoura em geral referimo-nos, nas sessões de 20 de Fevereiro de 1962 e 37 de Janeiro de 1963, aos males específicos da lavoura do vale do Lis, tendo concluído a última intervenção nos termos que me atrevo a- recordar:
Lavra, - por isso, justificada desorientação e desânimo nos proprietários ribeirinhos do Lis. Desorientação que se traduz em se fazerem culturas florestais, por vezes absolutamente contra - indicados numa obra de regadio como é o caso do cultivo de eucaliptos; desorientação que provoca uma diminuição geral das rendas e do consequente valor das terras; desânimo que leva ao abandono do cultivo, ao despovoamento dos campos pelo desinteresse pela terra, o que, no caso do Lis, tem maior agudeza manifestada pelo crescente êxodo das populações rurais em resultado da forte atracção exercida pelas actividades secundária e terciária com melhores possíveis de rendimento do que a agricultura.
Na verdade, situando-se o vale do Lis no centro de uma zona bastante industrializada (com fabricas de plásticos, de limas, serrações, cerâmicas e outras), atraindo às camadas jovens, das quais depende um maior índice de produtividade das forças do trabalho agrícola, o facto tem vindo n agravar-se com o aumento da corrente migratória para o estrangeiro, a qual atinge intensidade particular na região, com a consequentes dificuldades da falta de braços. Tudo isto gera o desânimo, da lavoura e condiciona o abandono das terras, o despovoamento dos campos e o incremento do mal-estar das populações rurais.
Não vamos agora, repetindo-nos, referir os cálculos optimistas do custo da obra de rega do Lis e do seu funcionamento e que foram largamente ultrapassados; nem a água para a rega, que é em quantidade insuficiente e inferior à prevista; nem os reais benefícios da produção que ficaram muito aquém das estimativas feitas pelos técnicos.
A tudo isto - que já não é pouco - veio juntar-se o preço da energia eléctrica necessário para a exploração do aproveitamento. Na verdade, «os preços praticados são, na realidade, elevados e nem mesmo se harmonizam com aqueles que os concessionários da distribuição de energia pagam por aquela que recebem das centrais das obras de fomento hidroagrícola».
Como já por várias vezes tem sido dito nesta Assembleia, não se compreende que os preços de energia eléctrica tenham variações - de 100, 200 e até de 300 por cento de terra para terra, só pela circunstância de ser diferente o concessionário! É indispensável e urgente, pôr razões de elementar justiça, que se estabeleçam preços uniformes, como, por exemplo, três tipos de tabelas, conforme se trate de centros de grandes, médios ou pequenos consumos, mas todos eles com escalões regressivos e por forma que os preços da tabela mais alta não vão além do dobro da mais baixa.
O elevado custo das linhas por conta dos utentes, os chamados encargos de «ponta», de aluguer do contador e de correcções que alteram o preço para muito mais; a obrigação de o concessionário assegurar sempre o fornecimento da energia nas devidas condições de eficiência, etc., são aspectos que carecem de ser resolvidos com vista ao tão necessário e urgente incremento da electrificação dos nossos meios rurais.
Não constitui hoje segredo para ninguém a estreita interdependência que existe entre o crescimento económico e a energia eléctrica, dado que o consumo desta é um dos mais evidentes índices da vida económica e social de um povo. Mas para que assim seja torna-se necessário que a energia seja abundante e barata, o que infelizmente, se não verifica entre nós.
O que se passa com os preços de energia eléctrica para fins agrícolas é simplesmente clamoroso pela desigualdade de tratamento em relação aos outros sectores da vida económica. Basta referir que os lavradoras do vale do Lis são obrigados a pagar a l $10 o kilowatt de energia consumida para a sua obra de rega, enquanto a energia fornecida aos grandes potentados industriais, como o Amoníaco Português e a C. U. F., é paga a menos de $10 o kilowatt, salvo erro. E nem se diga que esta desigualdade de tratamento é feita com o fim de serem fornecidos à lavoura nacional adubos a baixo1 preço, pois que tal se não verifica. Antes pelo contrário.
E o facto á tanto mais de estranhar quanto é certo que os maiores consumos de energia eléctrica na obra do Lis se verificam durante a quadra invernosa, com a bobagem das águas de enxugo, altura esta em que há excedentes de energia nas barragens. O mais elementar imperativo de justiça impunha um abaixamento das tarifas, ao menos durante A quadra invernosa, o que está na base da tão desejada valorização rural das populações ribeirinhas.
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É esta uma das questões que exigem pronta intervenção do Sr. Ministro da Economia para que seja solucionada. Assim o reclama o superior - interesse do desenvolvimento da lavoura.
Na exposição feita pelo Sr. Ministro da Economia sobre a crise agrícola nacional e lida nesta Câmara no passado dia 18, disse - e muito bem - aquele ilustre membro do Governo ser necessário «regionalizar», pois, tendo onda região a sua fácies própria quanto a vinicultura, a pecuária, à silvicultura, aos cereais e a fruticultura, imperioso e urgente se torna coordenar a aceito e concentrar «os meios de modo a haver um programa de conjunto que, podendo ser cumprido, possa também satisfazer aos autênticos interesses da região servida».
E se tal desiderato só pode ser atingido através da boa vontade e interesse dos homens da lavoura, não é menos certo que os serviços técnicos oficiais - as brigadas técnicas, estacões e postos agrários - têm um grande papel a cumprir. Cada um destes serviços tem de estar apto a indicar concretamente o rumo a seguir em cada um dos sectores de produção peculiar a coda região. Mas essa indicação deverá ser feita em termos de resultados práticos: tem de ser cada brigada, estação ou posto agrário o fulcro da caminhada a empreender.
E definido prèviamente o rumo para cada uma das regiões agrícolas nos referidos sectores (da vinicultura, pecuária, silvicultura, cereais, etc.) é depois indispensável não só dar apoio financeiro e técnico para as respectivas explorações, mas também começar pelo princípio, isto é, pelo arranjo e correcção dos solos, pelas obras de rega, enxugo, nivelamento ou segurança de terras quando for caso disso, pela construção de estábulos, nitreiras, silos, adegas, celeiros, etc.; pela aquisição de maquinaria, pela constituição de um parque de gado, etc.
Numa palavra: terá de se começar por aquilo a que já temos ouvido designar por «casa agrícola melhorada» em função das culturas a empreender. E isto que tem estado a cargo da Junta de Colonização Interna precisa de ser ampliado, concedendo-se a esta entidade mais meios financeiros e técnicos para o levar a cabo em termos de eficiência.
Nas considerações por nós já produzidas, quanto à obra do vale do Lis, pusemos em relevo as desaconselhadas rotações de culturas' feitas pelos proprietários que assim procediam na ânsia de obterem rendimentos para fazer face aos encargos e depois de salientarmos que tal maneira de proceder afectava o nível de fertilidade pela mobilização total das reservas da terra, afirmámos que os serviços técnicos oficiais não haviam feito coisa alguma do muito que tinham a fazer, e que consistia em instruir os proprietários sobre o ordenamento cultural mais adequado a cada espécie de terreno, sobre a forma de aumentar o nível de fertilidade, etc.
Queixam-se os técnicos repetidamente de que a lavoura não segue os seus ensinamentos. Mas é de perguntar: terão os técnicos actuado com sentido prático, isto é, terão tido o cuidado de ensinar coisas com certa segurança de resultados e ao alcance do nível técnico e financeiro de quem vai executar? Estão os técnicos das várias regiões habilitados a indicar, para as condições locais, a forma de o lavrador conseguir a melhor rentabilidade económica na pecuária, nos cereais, nas frutas, etc., quais as sementes ou raças a preferir, onde se podem adquirir e como depois actuar; qual o valor nutritivo das forragens aconselhadas e produções de considerar normais para essa região?
Ora o que se verifica é que as brigadas técnicas agrícolas e respectivos núcleos de pouco valem à lavoura nos moldes como estão funcionando, pois ou cristalizaram ou se demonstram incapazes de prestar tal assistência, por falta - segundo dizem - de meios de trabalho com pessoal e material e outras vezes -dizemos nós - por falta de interesse o amor a profissão desde que a sua saída do gabinete não implique o vencer ajudas de custo ou qualquer outra retribuição. O meio social agrário evoluiu, progrediu a passos largos; mas a máquina burocrática emperrou.
Ora o que a lavoura quer é uma assistência fácil, oportuna, inteligente, prática, com a existência de «propriedades - piloto» onde se fizessem experiências e depois a demonstração do que viesse a ser considerado melhor. Tara tanto são necessários menos técnicos nos gabinetes e mais técnicos nos campos, porque aqui é que é verdadeiramente a sua cátedra e a sua escola de treino. E sendo assim, já a lavoura atende e acode aos ensinamentos úteis e seguros, como se viu na experiência de Sever do Vouga, referida pelo ilustre Deputado Amaral Neto.
Em artigo de fundo do Comércio do Porto de 11 do mês corrente, o muito ilustre Prof. Doutor Pacheco de Amorim, depois de acentuar que existe «uma crise Agrícola assaz generalizada, que resulta dos baixos preços dos produtos da lavoura» o que, relativamente a indústria, existe uma «distorção de preços de que resulta o empobrecimento e o êxodo dos seus trabalhadores» de que «não é a lavoura que tem a culpa», acrescenta que suo os técnicos que hão-de dizer como se produz mais e melhor e mais barato. Mas isto não basta preciso produzir artigos que o lavrador possa vender com lucro, e isto, conclui o eminente professor, já é com outros técnicos - os técnicos do comércio e da economia.
Isto quer dizer que se torna necessário que os serviços agrícolas tenham de estabelecer uma estreita colaboração não só com os serviços da sanidade veterinária, serviços florestais e da colonização interna, mas também com os serviços técnicos do comércio e da economia, pois só assim com um bem estruturado trabalho de equipa se poderão conseguir conhecimentos que uma vez transmitidos aos lavradores os ponham a coberto de caminhos ruinosos. Só através de um bem planeado e dirigido trabalho de equipa se poderão obter resultados palpáveis.
Que os técnicos realizem os seus trabalhos com toda a consciência, competência- e enforco de que são capazes.
Já Sua Santidade João XXIII, na encíclica Matar et Magistra, ensinou:
O trabalho deve ser concebido e vivido como uma vocação, como uma missão; como uma resposta à chamada de Deus que nos convida a tomar parte na realização do seu plano providencia] na história; como um compromisso de elevar-se a si próprio juntamente com os outros, como uma contribuição para a civilização humana.
Mas o que dissemos em Fevereiro de 1962 e Janeiro de 1963, nesta Assembleia, a propósito da obra de rega do Lis tem plena oportunidade neste debate, porque se mantém ainda e há largos anos por resolver o problema dos respectivos proprietários, que continuam a recusar-se a receber a obra e respectivos encargos. Isto apesar de ter sido criada, por despacho de S. Exa. o Secretário de Estado da Agricultura de 22 de Fevereiro de 1968, uma comissão administrativa para «promover as diligências necessárias no sentido de receber a obra» e que preside aos destinos da Associação de Begantes e Beneficiários do Vale do Lis, facto que, por ser inédito em obras de natureza hidroagrícola, Ho por si deixa reflectir as
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enormes dificuldades que sobre ela impenderam para resolver os problemas relacionados com a obra do Lis.
Num bem elaborado e criterioso estudo, constante do relatório apresentado em Dezembro findo pela referida comissão administrativa, vem dizer-se que só lhe seria possível assumir a responsabilidade da exploração e conservação da obra do rio Lis se fossem solucionadas certas questões técnicas reputadas de capital importância e haver A garantia de resolução de outras não menos urgentes e também de grande importância para o aproveitamento.
Tudo isto vem confirmar a justeza dos reparos por nós feitos e da necessidade e urgência das medidas que se impunha adoptar com vista à- satisfação das tão razoáveis e prementes necessidades dos proprietários do Lis.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: uma elementar exigência da justiça social e da justiça distributiva é a de todos suportarem os encargos para no mesmo plano e na mesma proporção receberem os benefícios. E compete a quem governa velar por que assim se cumpra. Ora os três sectores da vida económica nacional não podem ter tratamento diferente: sendo uns considerados como filhos e outro - o da lavoura - como enteado.
É chegada a altura de o Governo medir todas as dificuldades em que, através deste debate se vem dando conta do panorama bem pouco animador - diremos mesmo desalentador - que nos oferece a economia agrícola do País.
É que o problema agrícola não é só o da situação endividada da nossa agricultura, mas o da necessidade imperiosa de melhoria do nível de vida da nossa população rural, que é muito inferior ao das outras populações.
Ora a natureza do trabalho agrícola necessita de certa protecção em matéria de preços dos produtos, que se têm mantido estáticos perante a subida de todos os outros, mesmo daqueles que vêm agravar a situação da lavoura, tais como os adubos e as farinhas alimentares para gados.
Ainda na encíclica Maior et Magistra, do Papa João XXIII, diz-se, a este respeito, que é justo que o preço dos produtos de primeira necessidade esteja ao alcance do conjunto dos consumidores, mas acrescenta-se:
Mas é evidente que não nos podemos apoiar neste motivo para reduzir toda a classe de cidadãos a um estado permanente de inferioridade económica e social, privando-os do dinheiro indispensável para alcançarem um nível de vida decente; isto está em oposição evidente com o bem comum.
A lavoura tem a plena consciência de que vivemos uma hora de sacrifício e, por isso, não quer faltar com o seu, assim a não impeçam de o poder prestar pela destruição total da sua capacidade de resistência. Mas o que não vê com bons olhos, e daí as suas queixas, é que seja a única sacrificada, não em proveito da Nação, mas sim em proveito das outras actividades, que, em paga, lhe voltam as costas e a olham com sobranceiro desdém.
Disse um dia o Sr. Presidente do Conselho:
O nosso povo, mesmo nas suas queixas e ainda quando estas são infundadas, merece ser acarinhado, e dirigido, e esclarecido, e aconselhado. É preciso ensiná-lo a defender os seus próprios interesses.
Mas as queixas das gentes do campo que temos a honra de representar nesta Assembleia são bem fundadas. Prouvera a Deus e a elas que o não fossem!
Há, por isso, redobrada razoo para conjugar todos os esforços - e todos não serão de mais - no sentido de vencer todas os dificuldades no seu valor actual, cumprindo ao Governo, dentro do condicionalismo que o imperativo da defesa nacional impõe, actuar com prontidão e decisão em prol da sacrificada lavoura. Assim o esperamos, Sr. Presidente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto dos Beis Faria.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Caldeiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Marques Fernandes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
D. Custódia Lopes.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
uís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Purxotoma Eamanata Quenin.
Urgel Abulo Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA