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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 175
ANO DE 1965 16 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 175, EM 15 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Ao sumário do Diário das Sessões n.º 173, de 14 de Janeiro de 1965, onde se lê: «O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 35 minutos», deve ler-se: «O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos».
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 172 e 173 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º, da Constituição Política, foram recebidos na Mesa os Diários do Governo n.ºs 305 (suplemento) e 1, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 46 139, 46 140, 46 141 e 46 142.
O Sr. Presidente anunciou terem sido recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações sobre automóveis, a pedido do Sr. Deputado Quirino Mealha, bem como elementos solicitados aos Ministérios da Saúde e Assistência as Finanças, a pedido do Sr. Deputado Santos Bessa
trabalhos da comissão nomeada para estudar as possibilidades de integração dos funcionários da assistência na Caixa Geral de Aposentações.
Sr. Deputado Alberto de Meireles falou sobre o Decreto-Lei n.º 45 966, que regulamenta o sistema de comercialização dos vinhos engarrafados na hotelaria. Sr. Deputado Pinto Bull abordou diversos problemas da província da Guiné.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Deputado Sousa Birne relativo às indústrias extractiva.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa e Reis faria.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas o 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
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Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Gosta.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 172 e 173, correspondentes, respectivamente, às sessões de 12 e 13 do corrente. Estão em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos Diários, considero-os, aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Uma carta de Ana de Jesus Correia sobre o problema da propriedade de farmácia.
Vários telegramas de apoio à intervenção do Sr. Deputado Costa Guimarães sobre as minas de Rio Maior.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, estão na Mesa os Diários do Governo n.º 305 (suplemento) e 1, respectivamente de 31 do mês findo e 2 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 46 139, que dá nova redacção ao artigo 458.º do Código Administrativo - Procede à revisão da classificação dos concelhos e freguesias do continente e ilhas adjacentes, prevista no artigo 6.º do referido código, e regula a situação dos funcionários dos corpos administrativos abrangidos pela revisão da citada classificação; n.º 46 140, que aumenta de quatro juizes desembargadores o quadro da Relação de Lisboa e cria as comarcas do Seixal e de Benavente - Dá nova redacção a várias disposições do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 278; n.º 46 141, que adita uma nota à posição 15.02 da pauta de importação, e n.º 46 142, que substitui a lista de direitos fiscais, anexa ao Decreto-Lei n.º 44 861, aplicáveis a partir de 31 de Dezembro de 1964.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministérios das Comunicações relativamente ao requerimento de Sr. Deputado Quirino Mealha, apresentado na sessão de 15 de Janeiro de 1964, acerca do número de automóveis ao serviço dos Ministérios, serviços e organismos seus dependentes. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo; Ministérios da Saúde e Assistência s das Finanças relativamente ao requerimento do Sr. Deputado Santos Bessa apresentado ma sessão de 4 de Dezembro findo, respeitante ao andamento dos trabalhos da comissão nomeado para estudar as possibilidades de integração dos funcionários da assistência na Caixa Geral de Aposentações. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto de Meireles.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr Presidente: A Câmara estará porventura lembrada de que já por duas vezes tratei do problema da regulamentação das margens de lucro dos vinhos engarrafados nos estabelecimentos de hotelaria: a primeira, em Janeiro de 1962, para expor o assunto, chamando a atenção do Governo para a necessidade dessa regulamentação, fazendo-me eco de correu geral de opinião pública e com vista também a fomento o consumo de vinhos engarrafados. Parece que o meu apelo foi favoravelmente acolhido e encontrou eco na imprensa, nomeadamente em brilhante artigo de fundo de O Século, em que o problema foi judiciosamente apresentado. Correu o tempo, e dois anos volvidos, precisamente em Janeiro de 1964, insisti no assunto, não escondendo o meu desapontamento pelo facto de, inexplicàvelmente para mim, continuar ainda sem solução, embora tivesse conhecimento de que estava estudado, medita e devidamente joeirado, o projecto do texto legislativo que peticionara.
Hoje é inteiramente outro o meu objectivo e será, por isso, diferente o tom desta fala, que me é grato faz porque está muito mais no pendor temperamental do meu espírito louvar que criticar.
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E foi para louvar, para agradecer e para aplaudir que hoje pedi a palavra a V. Exa., Sr. Presidente.
Na realidade, em 14 de Outubro passado, o Diário do Governo inseriu, pela Secretaria de Estado do Comércio, o Decreto-Lei n.º 45 966, em que se define o sistema de comercialização dos vinhos engarrafados na hotelaria e gostosamente o digo, em termos dignos de aplauso, sem que tenha de lhes opor quaisquer reservas.
E - desejo esclarecê-lo também - deixei passar tanto tempo (precisamente três meses) sem me referir ao assunto, uma vez que no artigo 2.º desse diploma
os relegou para despacho ministerial a fixação concreta das márgens de lucro máximo previstas, que, segundo informação fidedigna, constam agora já de despacho enviado para o Diário do Governo.
Chegou, portanto, a altura de, em pleno conhecimento poder dizer do meu regozijo, e certamente também do da Câmara, por ver atendido o anseio de que fiz eco nesta Assembleia.
Não enfadarei VV. Exas. com a exegese miúda do decreto-lei e do despacho, limitando-me apenas, se V. Exa. Sr. Presidente, mo permite e a paciência da Câmara o consente, a uma breve referência de conjunto. Propõe-se aquele diploma, como VV. Exas. sabem, regulamentar um louvável princípio contido na Lei n.º 1890, de 23 de Maio de 1935, estabelecendo o limite de lucro na venda de vinhos engarrafados nos estabelecimentos de hotelaria. Essa lei, como já tive ocasião de lembrar, foi da iniciativa do nosso ilustríssimo colega e meu particular amigo Eng.º Sebastião Ramires, mas, na minha opinião - que não na dele -, por falta de regulamentação, não teve execução nessa parte. Irá tê-la agora, uma vez que a orientação do Decreto-Lei n.º 45 966 se me afigura muito sensata e ajustada a este objectivo.
Porque, sem limitar excessivamente os lucros da hotelaria (mormente no momento em que esta precisa mais de ser ajudada), que tem, segundo ela diz e eu acredito, os lucros da venda de vinhos engarrafados uma das fontes apreciáveis de receita, atendeu razoavelmente ao interesse do consumidor e também da expansão de consumo. E assim serve bem o interesse público.
Em primeiro lugar define-se o que são vinhos engarrafados, considerando apenas como tais os rolhados com rolhas de cortiça, capsulados, com rótulos de papel ou alumínio, e indicação do grau alcoólico e do ano de engarrafamento. Mas não se obriga a inscrição do grau alcoólico dos vinhos típicos regionais - e a meu ver bem -, porque isso é o grau alcoólico que define a excelência e qualidade
desses vinhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Relevem-me VV. Exas. que ainda fale destas coisas; de tanto que as vivi, ainda lembram e apesar de hoje desligado delas.
Quanto à mecânica do sistema, parece-me ter sido sensatamente pensado. Os hotéis e similares são obrigados a remeter ao S. N. I. e aos organismos vinícolas uma lista e seus preços. Por outro lado, os engarrafadores são obrigados a remeter a essas entidades os preçários por eles lesados, sem que possam fazer empolamentos ou reduções de preços fixados, a não ser o desconto normal da transação a pronto pagamento. Há, assim, um elemento, que é o preço que o engarrafador atribui ao seu vinho, sobre ele apenas incidem os lucros. Acautelou-se também a constituição de garrafeiras, libertando-se dos limite máximos de lucro os vinhos com o mínimo de seis anos de existência devidamente verificada.
As margens de lucros foram fixadas entre 30 por cento para as hospedarias e 80 por cento para os hotéis e restaurantes de 1.º classe, variando consoante a categoria dos estabelecimentos.
Também tem o meu aplauso a excepção de margem rígida de lucro em favor dos hotéis e restaurantes de luxo, dadas as características desses estabelecimentos e as possibilidades da sua clientela. No entanto, este regime de excepção pode, em qualquer altura, ser revisto se forem excedidos os limites do razoável na fixação dos preços.
Queria ainda fazer um pequeno reparo, aliás de pormenor.
E que, na realidade, as pousadas e as pensões de luxo ficaram com margens de lucro iguais às dos hotéis de 1.ª classe e superiores às dos hotéis de 2.º e 3.º classes, o que parece uma inversão hierárquica nas classificações.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Parece que essa equiparação das pousadas aos hotéis de luxo não se justifica ...
O Orador: - Perdão! Não é isso. Certamente fui eu que me exprimi mal.
As pousadas são consideradas, para este efeito, equiparadas a pensões de luxo; e está certo. A minha observação respeita à igualdade de margens de lucro entre as pensões de luxo e pousadas, por um lado, e os hotéis de 1.ª classe. Orai não há, segundo penso, nivelamento possível entre os hotéis de 1.ª classe (e muito menos Os da classe A) e as pousadas e pensões de luxo.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Fui eu que entendi mal. Desculpe!
O Orador: - Posto isto, queria, ao terminar, dizer da minha satisfação pelo facto de o Governo, com notável equilíbrio e senso das realidades, ter resolvido um problema que se arrastava desagradàvelmente, antevendo vantagens incontestáveis desta regulamentação para a valorização dos produtos vínicos portugueses, fomentando, como é mister, o seu consumo mais intenso, no momento em que outras bebidas, e hábitos estranhos, começam a infiltrar-se também entre nós, país de excelentes vinhos.
Lamentável seria que se perdesse o hábito salutar de beber vinho, e bom vinho, às refeições, tornando-as tristes, desconsoladas, insossas, mal digeríveis, o que é, sem dúvida, Sr. Presidente, de muito mau gosto.
O Sr. Pinto de Mesquita: - As vezes acumulam ...
O Orador: - E com esta palavra de congratulação, de sincero reconhecimento e de aplauso, termino, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente: Se pusermos de parte os dias sombrios mas já distantes do início do terrorismo na província de Angola, não haverá parcela do mundo português que deva merecer mais a nossa atenção do que a martirizada mas portuguesíssima Guiné, onde dia a dia se escrevem novas páginas da já longa história da presença de Portugal em África e onde os feitos dos nossos soldados e marinheiros se confundem com actos de verdadeiro patriotismo da população civil autóctone.
O Sr. André Navarro: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - For isso não compreendo, e as gentes da Guiné também não conseguem compreender, que numa altura destas, em que a economia da província está muito debilitada e as suas finanças desfalcadíssimas e sem possibilidades de rápida recuperação, o Governo Central, que tem sido muito compreensivo com a difícil situação que a província atravessa, não a tenha incluído nos benefícios concedidos a Cabo Verde e a Timor, isto é, proporcionar-lhe o financiamento do Plano Intercalar a título de subsídio gratuito reembolsável na medida das suas possibilidades orçamentais (caso de Timor) e sem vencer juros enquanto se mantiver a actual situação financeira da província (caso de Cabo Verde).
Conheço bem a situação financeira destas duas províncias irmãs e amigas e sei que merecem todos os sacrifícios que a metrópole puder fazer por elas. Contudo, 11 ao posso deixar passar sem reparo o tratamento desigual que, talvez involuntariamente, se processou em desfavor da província da Guiné, que aqui tenho a honra de representar.
For razões que ignoro, o representante da Guiné não foi convocado para fazer parte da comissão eventual nomeada para estudar o Plano Intercalar de Fomento e, por motivos de força maior, não me foi possível tomar parte no debate na generalidade de tão importante documento, lendo apenas no debate na especialidade podido mostrar a minha estranheza pelo facto de a Guiné não ter sido incluída na base XIII para beneficiar das mesmas vantagens concedidas a Cabo Verde e a Timor, tanto mais que a sua situação económica e financeira actual era de molde a aconselhar que, na falta de maior benefício, fosse, pelo menos, colocada em pé de igualdade com aquelas duas províncias.
Este facto causou certo desapontamento entre as gentes da Guiné, que acabam de me solicitar que, por intermédio desta Câmara, faça um veemente apelo ao Governo a fim de que, por providência legislativa oportuna, procure solucionar a difícil situação em que a Guiné ficará colocada se tiver de enfrentar compromissos tão avultados com as amortizações devidas e o pagamento dos respectivos juros.
Não quero, Srs. Deputados, desviar hoje a vossa atenção do palpitante e oportuno debate do aviso prévio sobre as indústrias extractivas para pedir a vossa observação para o esforço titânico que se vem fazendo na Guiné nos campos militar, económico e social, sem alardes nem propagandas desmedidas, apoiado unicamente minguados recursos materiais e de pessoal de que a província dispõe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este esforço precisa começar a ser melhor compreendido e mais apreciado, não só por algumas entidades responsáveis, mas um pouco alheias à presente conjuntura, como, sobretudo, pelo público, especialmente por aqueles que, por razões especiais, não foram chamados a pegar em armas para defenderem aquele património que os nossos antepassados nos legaram e que bem podiam sacrificar um pouco da sua comodidade ou dos seus bens para prestarem a sua colaboração nas outras campanhas, não menos importantes que a das armas, e que visam a promoção social das massas nativas e o desenvolvimento económico da província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fere a minha sensibilidade de português verificar que é debalde que o Governo Central e o da província apelam para a compreensão de certos portugueses metropolitanos, e é em vão que vêm convidando professores, médicos, engenheiros e outros técnicos qualificados e, aceitarem comissões de serviço naquela província, onde os quadros dirigentes estão, na sua maioria, desfalcados pela saída de elementos que já deram o seu contributo nesta hora difícil que atravessamos e que, por isso, ficaram merecendo o galardão de serem transferidos para ambientes mais calmos onde pudessem descontrair-se um pouco e melhorar a economia do seu lar.
Esta recusa sistemática desses técnicos e dirigentes vem causando um certo mal-estar entre os portugueses que nasceram na Guiné e os que ali labutam ou, transitoriamente, ali se encontram para defender, com a própria vida, se for preciso, aquele solo sagrado, e que chegam a duvidar do patriotismo de alguns elementos metropolitanos e do seu entusiasmo pela política de «aguentar e defender até onde permitirem as nossas forças e recursos» o mundo que os nossos antepassados descobriram, civilizaram e nos entregaram para transmitirmos intacto aos nossos descendentes, caminho que nos é traçado, nesta hora difícil, pelo lídimo timoneiro que comanda esta grande nau neste mar tempestuoso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso. Sr. Presidente e Srs Deputados quero aproveitar esta oportunidade que hoje tenho pari fazer um apelo a todos os bons portugueses da metrópole sobretudo aos capitalistas, professores, médicos, engenheiros e outros técnicos qualificados, incluindo os jovem recém-formados, e pedir-lhes que meditem um pouco n: difícil situação que a Guiné atravessa e se lembrem do seus irmãos que lutam nas várias frentes de combate e sem hesitações, atendam ta constantes solicitações que lhes são dirigidas para colaborarem, como voluntários d paz, na outra campanha tão importante e oportuna com as formas e que visa não só o desenvolvimento económico da província mas bambem a promoção social das sua gentes e, consequentemente, um melhor aproveitamento dos dinheiros que forem concedidos à província.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não deixo de verificar, contudo, que existem dois factores negativos que contribuem para diminuir o entusiasmo que esses técnicos e dirigentes poderiam ser pela Guiné. São eles a situação anormal que a província atravessa, e que exige uma fibra especial, própria de portugueses de antanho, e os vencimentos incompreensivelmente mais baixos que noutras províncias onde a vida é mais fácil, mais calma e mais barata do que na Guiné.
Torna-se, pois, urgente rever os vencimentos dos funcionários ultramarinos, especialmente os das províncias e governo simples, ou estabelecer situações especiais de prestação de serviço em comissão eventual mais bem remuneradas, de modo a resolver casos como os da Guiné, e que, mesmo de candeia na mão, não se encontra ninguém que para ali queira ir, e esse facto vem contribuindo para mostrarmos aos nossos atentos vizinhos uma falta de mentalidade ultramarina e uma incapacidade que na realidade não possuímos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar guerra sem quartel que os nossos inimigos nos inovem exterior e que nos tem obrigado a suportar encargos materiais muito vultosos, o Governo da Nação submeter a apreciação desta Câmara com a mesma pontualidade
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clarividência a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965, na qual se antevê o firme propósito e continuar a mesma política que vem sendo seguida de há uns anos a esta parte.
Dando, como é natural, a necessária prioridade aos encargos com a defesa nacional, não descurou o Governo a política de investimentos, para o que inscreveu no orçamento para o corrente ano de 1965 dotações indispensáveis para os financiamentos prioritários do Plano Intercalar e de fomento, tanto na metrópole como no ultramar.
E embora em relação às demais províncias de governo simples a Guiné tivesse sido beneficiada com o mais pequeno quinhão do bolo distribuído ao ultramar, só comparado com S. Tomé e Príncipe, apesar da grande diferença em superfície e população entre as duas províncias, tenho para mim que não se devem regatear todos os encómios merecidos para realçar o propósito do Governo da Nação de cuidar de todas as suas parcelas, mesmo nesta hora difícil da vida nacional, e há que tudo fazer para retribuir esse interesse com o melhor aproveitamento do dinheiros que nos forem distribuídos para empregar nos três anos do Plano numa província como a Guiné, onde há muito que fazer.
Para tanto, ter-se-á que sanar a primeira dificuldade, que é a falta de técnicos qualificados e de pessoal auxiliar capaz, que se vem verificando na província.
Parece-me, pois, que, antes de mais nada, haverá que levar a efeito na nossa província da Guiné uma verdadeira campanha de fomento humano, isto é, trabalhar e preparar o homem para as duras tarefas que dele tivermos que exigir.
Uma política de verdadeira e intensiva promoção social das massas nativas deve ser a nossa primeira preocupação, lado que é partindo do homem saudável e espiritualmente bem formado que poderemos empreender o desenvolvimento dos outros sectores para o crescimento do «produto externo bruto da província».
Esta obra de promoção social consistiria, a par da eliminação de algumas deficiências que ainda existam impo da saúde e assistência sanitária, na introdução de um plano bem estruturado de desenvolvimento comunitário, na expansão de escolas primárias por toda a província, selecção de elementos capazes para ascenderem ao ensino secundário liceal e técnico, concessão de bolsas e estudo e de estágios para a formação de dirigentes locais capazes de colaborarem com os seus irmãos metropolitanos de mãos dadas, trabalharem para o engrandecimento da província e consequentemente de Portugal.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Assim, e partindo do princípio de que todos empreendimentos têm como fulcro o homem, merecerá prioridade, dentro da relatividade que as nossas possibilidades permitem, uma verdadeira campanha de promoção social das massas nativas, nos seus mais variados aspectos, abrangendo o ensino, a assistência sanitária, o problema habitacional, a melhoria dos conhecimento agro-pecuários
e estabelecimento de cooperativas e do respectivo, acompanhado de um verdadeiro programa comunitário.
Quanto aos objectivos e metas a atingir com a campanha de ensino, visariam a alfabetização das massas activas para se conseguir que os 530 000 autóctones da
Guiné contribuam para o alargamento da zona de expansão lusofónica e fazer com que a língua portuguesa constitua o veículo a utilizar por toda aquela população paralelamente com as línguas vernáculas, traduzir os elos e manifestar as suas satisfações.
Para tanto, necessário se torna a consciencialização urgente desta necessidade e a sua consubstancialização prática por meio de uma actuação firme do Governo com a criação de novas escolas e postos escolares e ainda com a colaboração material e intelectual de todos os bons portugueses radicados ou com interesses na província, a par do precioso auxílio que se pode esperar das forças armadas ali estacionadas.
Com uma colaboração desta ordem poder-se-ia atacar de frente o magno problema do ensino de base, primário e profissional, pois a segunda fase e as que se seguissem até ao ensino médio e superior, para as unidades intelectualmente destacadas, encontrar-se-iam facilitadas pela concessão de bolsas de estudo, cujo alargamento por parte do Governo Central e da província e ainda por certas organizações privadas é digno de louvor.
Para a execução de todo este plano torna-se urgente u preenchimento dos quadros do ensino, visto que a província atravessa uma verdadeira crise neste sector, pois estão por preencher os lugares de chefe dos serviços de educação, reitor do Liceu de Honório Barreto e o de inspector escolar, além de alguns lugares de professor primário.
A par deste momentoso problema do ensino caminha o da saúde, em cujo programa de assistência sanitária a Guiné chegou a ocupar a vanguarda entre todas as nossas províncias ultramarinas e mesmo em relação a maior parte dos territórios africanos, com uma cobertura sanitária muito apreciada por técnicos das organizações internacionais de saúde.
Os quadros médicos encontram-se, porém, um pouco desfalcados e hoje muito tem valido à província a valiosa colaboração prestada pelos médicos militares, não só nos grandes centros como nas zonas rurais.
O problema habitacional continua preocupando o Governo da província, que não deixa de verificar a oportunidade do empreendimento, sendo de lamentar que na prática essa iniciativa venha sendo retardada por razões de ordem financeira.
Há que seguir o exemplo que se vem fazendo com acerto na metrópole e noutras províncias ultramarinas com a construção de bairros económicos e populares, medida de grande alcance social nos territórios em desenvolvimento.
Ë tempo de se incrementar a construção de habitações higiénicas entre as populações autóctones, pelo menos junto dos grandes centros urbanos, e evitar-se assim a promiscuidade em que vivem nalguns bairros suburbanos e dar-lhes aquele mínimo de conforto e segurança a que todos aspiram.
A economia da Guiné assenta sobretudo na agricultura e pecuária, base de toda a riqueza da sua população autóctone.
Assim, há que dispensar ao sector agro-pecuário toda a nossa atenção e procurar dar aos respectivos serviços condições de trabalho tanto em pessoal como em material, de forma a exercerem cabalmente a alta missão que lhes cabe na melhoria qualitativa e quantitativa na cultura do arroz, pela selecção das sementes; no cultivo do amendoim, pela introdução de técnicas modernas e substituição das sementes existentes; no aproveitamento das excepcionais aptidões da terra e das gentes para a fruticultura, especialmente da banana, ananás e citrinos, que poderiam ter na metrópole mercado assegurado; na intensificação da cultura do cajueiro e aproveitamento da sua castanha para nova fonte de riqueza nativa; no estudo e estímulo da cultura da cana sacarina, tendo em vista as óptimas condições agro-climáticas e económicas que a «província oferece para a instalação de uma
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unidade açucareira; enfim, no estudo da adaptação de arados e máquinas cultivadoras na agricultura nativa, por meio de associações ou cooperativas de agricultores ou pela instalação de parques de máquinas pertencentes ao Estado.
Nada do que acima preconizo será possível levar a cabo com a enorme falta de técnicos com que luta a província, cujo quadro dos serviços de agricultura está reduzido o um engenheiro silvicultor, um regente agrícola e dois capatazes, pessoal insuficiente para qualquer empreendimento.
O arquipélago de Bijagós, com os seus palmares sem fim, constitui um potencial de riqueza abandonada e que, só por si, daria para alimentar um complexo industrial de grande produção.
No sector industrial parece, pois, de aconselhar a intensificação da industrialização local dos principais produtos da província; o aproveitamento da riqueza piscatória para o desenvolvimento das indústrias de farinhas de peixe em formação; a recuperação do complexo industrial que pertenceu aos alemães e está em vias de se perder totalmente, o que demonstraria uma certa incapacidade que na realidade não possuímos, e o estudo e incitamento para a montagem de novas indústrias transformadoras para o aproveitamento integral dos vários produtos da província.
No tocante ao subsolo, pouco ou nada de positiva se sabe quanto à Guiné. As prospecções levadas a cabo para confirmação da existência do petróleo não foram concludentes, e quanto a bauxite foi confirmada a sua existência, embora não se chegasse a conclusão segura quanto ao seu aproveitamento económico. Espero brevemente voltar a abordar mais detalhadamente este assunto no debate sobre as indústrias extractivas.
A indústria do turismo poderia ter ma Guiné, um grande pólo de atracção, sobretudo nos meses de Dezembro a Fevereiro, em que o rigor do clima na Europa e na América do Norte convidam à procura de ambientes mais amenos.
A província tem condições excepcionais para a atracção de turistas desde que se monte uma infra-estrutura capaz de receber toda a complicada máquina que o turismo exige.
As paisagens luxuriantes, o xadrez etnográfico das populações, o atractivo da caça, a possibilidade de caça submarina nas ilhas de Bijagós, os batuques e toda a gama de atracções que podem interessar o turista farto do ambiente europeu e desejoso de repousar durante algum tempo poderiam contribuir para tornar a Guiné um verdadeiro pólo de atracção turística.
As ligações aéreas mantidas pela T. A. P. permitem o acesso a província e a frota dos Transportes Aéreos da Guiné, constituída por dois aviões Heron, três Dornier e um Cessna, garante o transporte para todos os pontos da interesse económico e turístico.
Há, contudo, necessidade imperiosa de se construir em Bissau um hotel tipo médio, mas obedecendo aos requisitos modernos, de forma a não faltar com aquele mínimo de comodidade que todo o turista exige. Para tanto, estamos certos de que o Governo, as organizações privadas locais e o Banco de Fomento não faltarão com o necessário apoio.
Porém, para planificar e pôr em marcha toda esta série de empreendimentos necessário se torna que a situação política da província seja calma.
Infelizmente, como todos sabem, os nossos inimigos continuam movendo do exterior uma guerra sem quartel contra nós e tudo têm feito para subverter as populações pacíficas da província e subtraí-las ao nosso convívio.
Por outro lado, obrigam o orçamento da província a suportar encargos vultosos, impossibilitando o Governo de fazer face às despesas necessárias com a execução de todos os empreendimentos planificados.
Felizmente, a maioria das populações tem reagido desfavoravelmente contra a pressão dos bandoleiros, furtando-se às suas propagandas insidiosas e promessas enganadoras e constituindo-se em autodefesa para enfrentar os mais atrevidos, que a todo o momento os ameaçam ou procuram roubar-lhes vidas e fazenda.
O patriotismo e a fidelidade dessas populações constituem o baluarte principal da garantia da nossa permanência nas terras ardentes da Guiné, onde os nossos valorosos soldados e marinheiros continuam mantendo a tradição dos seus antepassados, executando actos de verdadeiro heroísmo ou escrevendo, alguns com o seu próprio sangue, novas e brilhantes páginas da nossa história.
Tenhamos, pois, confiança nessa plêiade de militares conscientes dos seus deveres e responsabilidades e igualmente tenhamos confiança no portuguesismo das populações nativas da Guiné e assim, «desde que haja unidade e coesão entre todos os portugueses, não haverá que recear os ventos da história» e a Guiné continuará sendo sempre portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É com esta garantia e na certeza de que todos os Srs. Deputados me apoiarão que aproveito a oportunidade para fazer um veemente apelo ao Governo da Nação no sentido de atender à situação especial da Guine e aos encargos vultosos que pesam no seu orçamento aceitar a impossibilidade que a província terá de nesta altura honrar os compromissos de reembolso dos empréstimos dos Planos de Fomento e realizar o pagamento de respectivos juros, mesmo que venha a mobilizar todos e seus recursos, duramente atingidos pela actual situação de guerra que nos movem do exterior.
Por isso, e confiados mais uma vez na compreensão do Governo, as gentes da Guiné esperam que, por disposição legislativa oportuna, a situação daquela província seja vista e colocada em pé de igualdade com as províncias e Gabo Verde e Timor, isto é, que as dotações destinadas ao Plano Intercalar de Fomento sejam concedidas a título de subsídio reembolsável na medida das possibilidade orçamentais e sem vencer juros durante este período ano mal de guerra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio relativo às indústrias extractivas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Entendi a meu dever tomar parte neste debate do aviso prévio sol as indústrias extractivas, da iniciativa do nosso ilustre colega Sousa Birne, porque nele se encaram, entre outros aspectos sociais da mão-de-obra da maior importam-
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para a vida da Nação e para os quais importa chamar a atenção do Governo.
Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais verificadas no sector do trabalho nacional representado pelas minas, barragens, construção civil, cerâmica, etc., situação dos trabalhadores que ali exercem a sua profissão, o que já se tem feito para remediar e o que será necessário fazer para evitar a manutenção das condições que põem em grave risco a sua saúde e a sua vida são razões mais que suficientes para me determinarem a dizer à Câmara o que penso a tal respeito. São, aliás, aspectos de um vasto problema da maior oportunidade no nosso país - o da medicina do trabalho.
É de justiça afirmar-se que o Governo tem revelado interesse em resolver estes aspectos do trabalho nacional, através de diplomas e despachos diversos publicados pelos Ministérios das Corporações e Previdência Social, da Saúde e Assistência e da Economia. São ainda de assinalar a Campanha Nacional de Prevenção dos Acidentes do Trabalho e Doenças Profissionais, conduzida de 1959 a 1962, as convenções colectivas de trabalho a criação da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, a do Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho e a do curso de medicina do trabalho.
Por sua vez, os médicos portugueses e a sua Ordem têm demonstrado o maior interesse por estes assuntos, como se pode demonstrar através de numerosos trabalhos publicados, de entre os quais destaco os do X Congresso Internacional de Medicina do Trabalho, ocorrido em Lisboa em 1951, os do Simpósio sobre Silicose, organizado pela Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa em Maio de 1959. Os do curso sobre o grande traumatizado, realizado 1963 nos Hospitais Civis de Lisboa, os das Jornadas Médicas de 1963, na Figueira da Foz, que se ficaram devendo à iniciativa de um grupo de médicos daquela cidade, e os do curso de férias, que, em 1964, a Faculdade de Medicina de Coimbra, nas sequências dessas jornadas, realizou naquela cidade.
Uma e outra destas duas reuniões, que se realizaram tem preciosa colaboração do Ministério das Corporações, tiveram a assistência de numerosos médicos e de outras pessoas interessadas na resolução dos problemas ali ventilados, tendo sido a última delas honrada com a cooperação de professores do Brasil, da Espanha e da França.
Em ambas a Ordem dos Médicos cooperou abertamente, a prossecução de diligências que já vinha realizando junto de dois Ministérios a quem o assunto mais directamente, interessa - o da Saúde e Assistência e o das Corporações
Previdência Social.
A imprensa referiu-se-lhes largamente e o assunto teve as honras de artigo de fundo de um grande diário da capital.
Ali se recordou toda a legislação que, desde a publicação do Estatuto do Trabalho Nacional, em 1933, até 1964, havia sido publicada no sentido de melhorar progressivamente as condições do trabalho em Portugal se
apontaram os graves prejuízos que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais originaram, se debaterem vários aspectos de uns e outras, se referiram lacunas e a nossa legislação e graves insuficiências de vários serviços e se procurou apontar o caminho a seguir para a solução de muitos deles.
Recordaram-se afirmações, cálculos e providências do Sr. Veiga de Macedo, a quem a solução destes problemas mereceu particular carinho como Ministro das Corporações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Registou-se a informação do ilustre presidente do Grémio dos Seguradores de que os acidentes de trabalho representavam, entre nós, só por si, uma perda de mais de 10 milhões de dias de trabalho e um prejuízo anual de 2 milhões de coutos, traduzidos em dispêndios e ausência de lucro, e disse-se também que a sinistralidade aumentava dia a dia. Não podem ser considerados exagerados estes números, já que no texto da proposta de lei n.º 506/VIII, enviada à Câmara Corporativa em 26 de Dezembro de 1064 pelo ilustre Ministro das Corporações, se afirma que em 4 anos, de 1058 a 1062 (pelo que se refere a casos participados), o número de dias de trabalho perdidos só por incapacidade temporária ascendia a 18 242 800 e que só as indemnizações, despesas de tratamento e pensões ultrapassavam 1 080 000 contos. Houve 1 438 340 acidentes registados, com 164 026 diminuídos físicos.
O panorama criado pelas doenças profissionais é igualmente grave, digno de medidas urgentes.
Se às indústrias extractivas não cabe uma alta taxa de acidentes de trabalho, elas são, porém, responsáveis pelo maior número e pelas mais graves doenças profissionais. E hoje muito vasta a lista das doenças profissionais, onde estão largamente representadas as pneumoconioses. De entre estas, a silicose é, de longe, a mais importante. A respeito dela recordo o que, em 17 de Janeiro de 1063, aqui disse o ilustre Deputado avisante: «Que 15 por cento da população mineira está sofrendo dessa doença e que o inquérito realizado na indústria vidreira fez subir essa taxa para 24,4 por cento».
O Sr. Sousa Birne: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tem a bondade.
O Sr. Sousa Birne: - Só quero dar este esclarecimento posterior a essa afirmação. O radiorrastreio sobre a actividade mineira - creio que o último é de 1962 - chegou à conclusão de que a percentagem não era de 15 mas de 16,1 por cento, média entre a lavra subterrânea e a lavra a céu aberto.
E claro que estes números representam integrais acumulados de todo o passado da actividade, e assim a mão-de-obra da indústria mineira entra no quadro silicótico do País na totalidade de cerca de 2000 pessoas, uma vez que o total da população activa da vida das nossas minas anda por perto de 18 000 pessoas.
O Orador: - Agradeço a V. Exa. a intervenção que teve a gentileza de fazer, mas devo dizer a V. Exa. que nestes números não pode haver médias, visto que nas várias indústrias e minas as percentagens variam de um extremo ao outro.
O Sr. Sousa Birne: - O campo é vastíssimo.
O Orador: - Sabe-se que são mais de 75 000 os portugueses que trabalham em ambientes de poeira com sílica. Segundo o cálculo de um ilustre perito da silicose que conhece bem as indústrias que originam ambiente silicogénico, esse número deve subir a cerca de 200 000.
O rastreio radiográfico executado em 14 835 operários de 54 minas revelou percentagens de silicóticos que variam de 0,44 a 30 por cento, sendo a diferença entre as duas taxas relacionada com a concentração e a natureza das poeiras.
O Sr. Sousa Birne: - Absolutamente correcto. Só podem contrariar esse regime de diversa agressividade dos
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campos poeirentos as medidas de prevenção técnica que sobre eles forem exercidas.
O Orador: - Estou de acordo com V. Exa., mas a diferença entre estas duas taxas está em relação não só com as medidas do prevenção mas também com os indivíduos utilizados no trabalho.
No entanto, no primeiro trabalho realizado pela Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, nas pedreiras de Valongo, encontraram-se atingidos por silicose 78,8 por cento dos operários, isto é, 130 em 165!
No rastreio realizado por um ilustre perito que nos merece a maior confiança, em 7441 operários que trabalhavam em minas de carvão, lousa, estanho, volfrâmio e ferro e na indústria de cerâmica, fundição e esmaltagem encontrou 1732 com silicose. Nesta proporção, teremos de contar com 17 000 silicóticos para a população operária dos 75 000. E se ela sobe para os 200 000, então teremos de contar com 46 000 silicóticos!
Na bacia do Buhr, desate 1948 a 1958, as taxas de silicose pura correspondentes à primeira indemnização variaram de 1,07 a 22,99 por mil do efectivo mineiro, tendo a taxa máxima sido atingida em 1953. Em 1958 a taxa baixou para 8,87 por mil e em 1960 para 8,02 por mil.
A silicose é uma gravíssima pneumocomose, perfeitamente individualizada, com autonomia clínica, anatómica a patogénica, até aqui aparentemente fatal, que nada tem sido capaz de deter na sua marcha progressiva, mas de evolução variável segundo as indústrias e a susceptibilidade individual. Médicos e técnicos que em tantos países se têm consagrado a este problema (de tão delicados» aspectos técnicos - físicos e químicos -, médicos, jurídicos e sociais) não têm tido a felicidade de encontrar n caminho que pudesse lavar à solução satisfatória dos delicados aspectos que ele envolve. Cabe aqui uma justa referência aos Profs. João Porto e Antunes de Azevedo e aos Drs. Santos Andrade e Luís Providência, pioneiros dos estudos da silicose em Portugal, em 1937, nas minas da Urgeiriça, os quais, vencendo todas as dificuldades da época, realizaram valioso estudo clínico e radiológico dos mineiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deve porém, dizer-se que, desde 1956 graças sobretudo à investigação impulsionada e subsidiada pela C. E. C. A., tem-se avançado bastante no conhecimento das pneumoconioses. Têm-se feito alguns progressos na prevenção, na exploração funcional e no diagnóstico radiológico. Mas é necessário avançar mais não só no conhecimento do ambiente de trabalho como na despistagem precoce das insuficiências respiratórias e no tratamento oportuno dos seus portadores.
Só a prevenção tem conseguido alguma coisa de eficaz no combate à doença. Já hoje, em muitos países, se começa a registar uma certa tendência para a baixa no número dos casos de silicose, consequência de aplicações de metidas técnicas e médicas da prevenção que resultaram do estudo da concentração das poeiras totais (silicogéneas e inertes) na atmosfera do trabalho, da sua granulometria, da sua constituição química e solubilidade e também do conhecimento das doenças que condicionam uma maior sensibilidade à doença. A pulvimetria gravimétrica com filtros solúveis, a que se referiu A. Winkel no último Congresso Internacional de Medicina do Trabalho, reunido em Madrid em 1963, permitindo a análise rápida de grande volume de poeiras com fraca concentração de partículas e facultando também a análise das que eram retidas no próprio filtro, constitui notável avanço no estudo do ambiente silicogéneo, facilitando os outros métodos de medição e de estudo da composição química das partículas.
Apesar da nossa vasta legislação sobre acidentes e doenças profissionais, estamos muito longe do que já devíamos a podíamos fazer. A nossa situação em tal matéria justificou a atitude da Câmara Corporativa quando, em 1961, acerca do parecer sobre a reforma da previdência, escreveu textualmente:
Em Portugal continuamos nesta matéria (medicina do trabalho), salvo iniciativas isoladas de alguma empresa mais importante, praticamente no zero.
E o Dr. Veiga de Macedo, com a coragem e a sinceridade que lhe são peculiares, afirmou aqui, nesta tribuna, em 19 de Março de 1962:
A nossa inspecção do trabalho está especialmente carecida de meios para cumprir a sua importante missão, mormente no campo da prevenção dos acidentes de trabalho e das, doenças profissionais, não obstante ter passado a dispor, de há dois anos a esta parte, embora através de uma resolução não completamente satisfatória, de alguns médicos e engenheiros especializados na matéria.
E não só a inspecção. Os serviços do Estado encarregados da vigilância da higiene e da segurança do trabalho estão dispersos, têm organização antiquada e pessoal insuficiente A nossa lei fundamental - a Lei n.º 1942 - tem quase 30 anos. Foi excelentemente concebida, de notável amplitude, faz honra ao seu autor. Mas depois dela foram criadas novas indústrias, foram-se conhecendo novos agressores, foram surgindo novas doenças e estabeleceram-se novos conceitos fisiopatogénicos sobre as então conhecidas. Além disso, ela foi feita essencialmente pari os acidentes do trabalho e só subsidiariamente para a; doenças profissionais.
Em todos os países, e mesmo nos que, neste capítulo começaram depois de nós, como, por exemplo, a França já são vários os decretos que regulam esta matéria. Na Alemanha foi publicado recentemente o quinto decreto a tal respeito.
Por outro lado, os serviços de diversos Ministérios que intervêm na higiene do trabalho não cooperam como deviam, tanto no trabalho das minas como nas barragens e nas várias indústrias.
As vezes, e mesmo firmados nos seus direitos conferidos por lei, impedem os outros da função que outros diplomas legais lhes atribuem.
Este assunto da prevenção é de uma importância fundamental em medicina do trabalho, tanto no que respeita aos acidentes como no que toca às doenças profissional Como muito bem se afirmou a respeito do Gabinete e Higiene e Segurança no Trabalho, «mais do que repor, económica e socialmente os efeitos da doença, importa sobretudo, evitar que ela surja». E as consequências de acidentes de trabalho e das doenças profissionais as parcas economias dos operários e na própria economia nacional são de tal monta que justificam amplamente todas as medidas que nesse sentido venham a determinar-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelas informações que me foram fornecidas, as medidas de prevenção técnica no sector mineiro, estão codificadas pela Direcção-Geral de Minas; no e
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tanto, parece que ninguém fiscaliza a sua aplicação e o resultado prático é nulo.
No que respeita a diagnóstico das doenças profissionais, à determinação da taxa de desvalorização e à fixação da respectiva indemnização, há muitos problemas a resolver.
Podemos dizer que até à publicação do Decreto n.º 43 189, que fez entrar em vigor a tabela nacional para a peritagem da pneumoconiose em 23 de Setembro de 1960, não havia tabela oficial. Até 1954 os peritos resolviam como lhes parecia, com critério pessoal livre, os casos sujeitos à sua apreciação com base em radiografias torácicas nem sempre correctamente feitas. Como pouco se sabia, então, acerca de silicose e das outras pneumoconioses, não foram poucas as decisões injustas. Em 1954 começaram a fazer-se provas funcionais, com aplicações da tabela de Even, primeiro no Tribunal do Porto e, depois, nos de Lisboa e de Coimbra. Esta tabela, que marcou na altura da sua publicação um franco progresso, permitiu também em Portugal, de 1954 a 1960, notável melhoria da apreciação dos silicótios.
A tabela de 1960 representou também notável avanço, mas não dá completa satisfação. A sua alínea b) refere-se exclusivamente à silicose, apresentando a taxa de desvalorização que lhe é aplicável. Não poderá aplicar-se segundo o Dr. João Gaspar afirmou no curso da Figueira da Foz, nem à beriliose nem à asbestose, que apresentam imagens radiológicas e perturbações funcionais bem diferentes da silicose.
Igualmente a acusou de não entrar em linha de conta com a rapidez de evolução da silicose, nem com a rapidez da sua aquisição, a idade e a especialização profissional do doente. A classificação radiológica e as provas funcionais carecem também de revisão. Todos estes elementos parece terem já sido considerados pela comissão permanente da revisão da tabela de incapacidade, aguardando-se que sobre eles seja tomada decisão ministerial.
A que consta do Regulamento da Caixa Nacional, aprovado por despacho ministerial de 28 de Março de 1963 e publicado no Diário do Governo de 17 de Abril do mesmo ano, visou o cumprimento do disposto no artigo 5. do mesmo regulamento. É uma modificação da Convenção n.º 42, de 1934, completada com a resolução adoptada do Comité de Higiene Industrial na sua 9.ª sessão, realizada em Genebra em Outubro de 1935 e aprovada pelo Conselho da Administração do B. I. T. em 22 de Fevereiro de 1936.
Não encontrei messe regulamento a mínima referência à lista da tabela nacional instituída pelo Decreto n.º 43 139 às sugestões da comissão permanente de revisão.
Se assim é, por que se recuou para a aplicação de uma lista antiquada e pouco precisa?
Ligado a tudo isto está o problema dos peritos e do funcionamento dos próprios tribunais do trabalho. Eu disse em conferência feita no curso de férias de medicina do trabalho organizado pela Faculdade de Medicina de Coimbra que os peritos nomeados pelos tribunais do trabalho nem sempre dispõem dos conhecimentos de medicina do trabalho, da experiência dos médicos de empresa e de conhecimentos de medicina legal bastantes para se sentirem à vontade para uma decisão conscienciosa dos problemas que são submetidos à sua apreciação.
Isto não quer dizer que os peritos escolhidos o não tenham sido entre os mais bem dotados e documentados. E que não haja, entre os peritos que habitualmente frequentam os tribunais do trabalho, verdadeiras autoridades dignas do maior respeito. Quero só dizer que, tal como as coisas estão, qualquer médico pode ter acesso aos tribunais do trabalho como perito!
A liberdade é tão grande que até eu mesmo já pude um dia ser perito no Tribunal do Trabalho de Coimbra - uma espécie de perito-advogado de um pobre sinistrado, meu conterrâneo! ...
Um ilustre perito que tem vivido horas amargas nos tribunais do trabalho afirmou ali a necessidade de modificar profundamente o sistema até agora seguido, em que muitos peritos são movidos por um falso sentimento de defesa da parte que representam e em que não poucas vezes a sua má actuação resulta não só de uma falsa e erradíssima noção de caridade mas também da incompetência e do desejo de agradar aos magistrados.
Efectivamente, um clínico geral, ou um estomatologista, ou um parteiro, ou um pediatra, não têm habitualmente - e só por excepção isso pode acontecer - preparação especializada de silicose nem de pneumologia que lhes permita apreciar as imagens radiológicas e as provas funcionais sujeitas à sim apreciação.
Mais grave ainda do que isto foi a afirmação feita de que, pelos motivos que acabo de citar, se classificam de silicóticos homens sem qualquer espécie de silicose, de que resulta suma série grande, até certo ponto imprevista, de perturbações sociais, de dificuldades de prevenção técnica e médica da silicose, e, como é evidente, de injustiça social» (Dr. João Gaspar, Figueira da Foz, 1964). Daí resulta também uma enorme fonte de desemprego, entre outras consequências. «Em Trás-os-Montes estes homens, perfeitamente válidos e de forma alguma silicóticos, acabam por fugir para França». Pois a França, tão exigente em matéria de silicose, depois de observar e de rever as radiografias, não duvida em permitir a sua entrada no país! ...
O Sr. Sousa Birne: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Sousa Birne: - É que eu conheço um outro caso idêntico ao que V. Exa. acaba de referir e tomo a liberdade de o trazer à Câmara, para melhor esclarecimento do assunto.
É o caso de muitos mineiros das Minas da Panasqueira que estavam já cá classificados como silicóticos e que, na vaga de êxodo que se está a verificar no nosso país, foram para a Bélgica e prontamente admitidos nas minas belgas.
O Orador: - Isso só vem demonstrar a incompetência dos nossos peritos que os examinaram e a maneira como funcionam alguns dos nossos tribunais do trabalho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Está indicado.
Muitos dos que ficam em Portugal nem mesmo encontram trabalho em empresas onde não há qualquer risco de silicose.
Precisamos de começar a pensar nos colégios regionais de peritos, convenientemente preparados, competentes e independentes das condições em que hoje se encontram. Temos de passar a escolhê-los entre os especialistas de medicina do trabalho, logo que sejam reconhecidos pela Ordem por consenso ou por provas. Isto significará que eles têm conhecimento directo do trabalho das fábricas, experiência de um centro de medicina do trabalho ou conhecimento das matérias que constituem o curso de medicina do trabalho. Além disso, para as pneumoconioses devem carecer da especialização correspondente.
Ainda mais: para a silicose há situações que não podem ser objecto de um diagnóstico preciso sem internamento hospitalar e há outras que não podem decidir-se sem sobre elas passarem dois ou mais anos A nossa legis-
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lação actual, pelo que toca ao artigo 9.º da Lei n.º 1942 e ao artigo 7.º do Regulamento da Caixa Nacional, tem disposições que permitem decisões iníquas e que é preciso reparar.
Se, como me garantiram, as medidas preventivas para o sector mineiro estão codificadas, por que se não fazem cumprir estas disposições?
Nas outras indústrias silicogéneas, dependentes da Direcção-Geral da Indústria, as informações que colhi asseguram-me que nada existe regulamentado a tal respeito.
Sabemos que há já anos foi enviado ao Ministério da Economia um decreto sobre salubridade das minas e outras indústrias (insalubres, inconvenientes, perigosas e tóxicas) em que se criavam disposições seguras de prevenção da silicose nas várias indústrias mineiras e de superfície, elemento fundamental para a solução ou a atenuação deste gravíssimo problema. Ignoramos as razões que se opõem à publicação de tal decreto; mas pensamos que a demora da sua publicação agrava seriamente as nossas actuais condições. Enquanto não iniciarmos uma séria fiscalização da aplicação prática de medidas de prevenção eficazes nas várias indústrias silicogéneas estamos em cada ano a condenar à inutilização muitos outros portugueses, a criar terríveis condições económicas e morais na população mineira, a promover a ruína da mão-de-obra, a fomentar o desemprego, a comprometer a exploração industrial e a avolumar os subsídios que as seguradoras ou a caixa têm forçosamente de despender.
Ainda a respeito da prevenção reafirmo o que já disse no curso da Figueira da Foz: os Decretos n.ºs 44 307 e 44 308 foram publicados no mesmo dia - em 27 de Abril de 1962 - e anunciados conjuntamente pelos dois Ministros a cujas pastas diziam respeito - o das Corporações e Previdência Social e o da Saúde e Assistência. O primeiro criou a Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais e representa, na própria palavra do respectivo Ministro, o início de uma nova fase na luta contra as doenças profissionais e um novo período que se abre para o seguro social português.
Como se diz no preâmbulo do decreto, os riscos crescentes e de efectivação lenta da silicose, a necessidade da imposição de medidas preventivas e os problemas de recuperação e de reclassificação profissional que andam ligados a esta doença impuseram a substituição do seguro privado por um outro confiado a um organismo integrado no regime das instituições de previdência social.
O Decreto-Lei n.º 44 308 visa a prevenção clínica da silicose e cria os serviços médicos dessa enfermidade nas minas e estabelecimentos industriais onde exista risco dessa doença.
Determina-se nele, entre outras coisas, o exame médico prévio-obrigatório para fins de prevenção e de trabalho em ambiente silicogéneo e os exames periódicos ocasionais e de despedimento dos que exercem actividades onde existe risco de silicose, enquanto se mantiverem ao serviço. No seu artigo 6.º determina-se que a orientação, coordenação e fiscalização técnica desses serviços médicos incumbem à Direcção-Geral de Saúde.
Mas, além dos dois Ministérios citados, outro intervém também na prevenção da silicose - o da Economia -, já que a orientação e o controle dos problemas técnicos da exploração das pedreiras e das minas da metrópole competem à Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, do Ministério da Economia. Sabemos que dispõe de um laboratório para o completo estudo das poeiras e ao qual pertence pessoal que frequentou cursos especializados neste ramo na Alemanha, na Bélgica e na França e que nele têm estagiado vários técnicos de empresas particulares, dos serviços hidroeléctricos e da Direcção-Geral dos Serviços Industriais.
Ignoro, porém, qual tem sido o resultado daqueles estudos sobre concentração, granulometria, constituição química e agressividade das poeiras nos vários ambientes e quais as medidas práticas de aplicação de prevenção das pneumononiose que deles resultaram.
O Sr. Sousa Birne: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Sousa Birne:- Só posso dizer o seguinte: existe uma regulamentação da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos bastante completa sobre as medidas técnicas de prevenção à silicose nos trabalhos poeirentos da actividade.
O Orador: - Já o disse há pouco, perguntando por que é que, havendo preceitos já codificados, estes não se aplicavam. Sendo esta doença tão grave e de repercussões tão delicadas na vida dos Portugueses, é realmente estranho que possam existir medidas de prevenção já legisladas e não sejam aplicadas o mais depressa possível.
O Sr. Sousa Birne: - Deixei em suspenso a pergunta feita por V. Exa., porque não estou habilitado em detalhe a dar-lhe resposta. Quero dizer apenas que sei que é preocupação da Direcção-Geral de Minas que sejam realmente exercidas todas essas medidas dentro da actividade. Sei que há melhoria de indústria em determinadas instalações. Mas concretizar no detalhe toda a resposta não sei.
O Orador: - Sei que existem estas medidas e que foi enviado pelo Ministério das Corporações ao Ministério da Economia um decreto em que estavam codificadas medidas perfeitamente actualizadas. Simplesmente, esse decreto aguarda há dois anos assinatura do Sr. Ministro da Economia. A coisa é mais delicada, porque este problema da prevenção não depende só do Ministério da Economia, como V. Exa. vai ver.
Aquele excelente Decreto-Lei n.º 44 308 foi regulamentado pelo Decreto n.º U 537, de 22 de Agosto de 1962, o qual fixa as condições a que devem obedecer os serviços médicos, as instalações e o seu equipamento e se definem as funções do médico do trabalho, os seus deveres e os seus direitos.
Pois bem: em 24 de Abril de 1963 foi publicado o Decreto n.º 44 999, que determina que a entrada em vigor dos exames médicos a que se refere a alínea a) do artigo 10. do Decreto n.º 44 308 fica dependente do efectivo funcionamento dos serviços médicos da prevenção da silicose. Quer dizer que os exames de admissão, periódicos, ocasionais e de despedimento estão suspensos, e como o artigo 11.º diz que «nenhum indivíduo pode ser admitido nas actividades silicogéneas referidas no artigo 2.º sen ser julgado apto num exame médico de admissão» e come no seu § único se afirma que «o exame médico de admissão constituído por um exame clínico geral, sempre que possível com radioscopia e por uma telerradiografia ou radiofotografia», temos de concluir que nada se faz actualmente a tal respeito através dos serviços médico, da Direcção-Geral de Saúde. Só se faz o exame da Caixa Nacional ... para os que nela se inscreverem! Dada a gravidade do problema, pode alguém deixar passar o protesto que tais coisas se verifiquem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: -Toda a nossa medicina do trabalho - e não só a que respeita às indústrias extractivas e a todas as outras silicogéneas, mas a da enormíssima maioria de todas as indústrias - se encontra num deplorável atraso. O médico da empresa, na grande maioria dos casos, não é médico do trabalho. Serve para muitas coisas, mas para o essencial da sua função específica.
O Sr. Sousa Birne: - Só queria dizer a este respeito que não há dúvida nenhuma de que, sendo o campo das silicoses ou das pneumoconioses vastíssimo na vida industrial, e tão vasto que abrange quase todas as a actividades, deve dizer-se que o primeiro passo para alguma coisa se fazer nesse sentido - e diz-se por um reconhecimento de justiça - foi dado pela Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos.
O Orador: - Agradeço muito a V. Exa. essa informação. Nada me move contra essa Direcção-Geral.
Sr. Presidente: Quero declarar que foi com o maior prazer que li o texto do projecto de uma proposta de lei enviada à Câmara Corporativa há poucos dias, em 26 de Dezembro último, pelo ilustre Ministro das Corporações e Previdência Social, porque nas bases que dela constam estão considerados muitos dos problemas debatido na Figueira da Foz e a que acabo de me referir e porque, através delas, se garante a justa actualização dos e conceitos médicos e jurídicos que respeitam aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais. A Lei n.º 42, de que há pouco falei, e cuja revisão tão insistentemente tem sido pedida, vai finalmente ser revogada, e com ela desaparecem também os conceitos anacrónicos e injustos a que o seu artigo 9.º dava lugar e que foram transpostos para o artigo 7.º da Caixa Nacional. A sua base III traz-nos a esperança da publicação de uma lista de doenças profissionais actualizada e, portanto, do desaparecimento de algumas incongruências a que a actual legislação dava lugar.
Esperamos também que, com a publicação da lei em vista e dos diplomas que hão-de regular as respectivas bases, se encarem e resolvam, à luz das modernas ideias, os problemas tão delicados e tão urgentes da prevenção das pneumoconioses.
Outras medidas, no sector da medicina do trabalho esperamos dos três Ministérios citados e do da Educação. Neste último, a reorganização do ensino nas Faculdades de Medicina pelo que toca à medicina preventiva e à medicina social, que são praticamente letra morta, é uma medida que se impõe. Ninguém ignora que o ensino médico anda divorciado das mais urgentes necessidades do País, exclusivamente consagrado à medicina curativa e sem e espertar nos médicos o interesse por reais e delicados problemas médico-sociais. Também nas escolas técnicas e nos institutos se poderiam prestar reais serviços à medicina do trabalho. Julgo do maior interesse a integral aplicação dos Decretos n.ºs 44 308 e 44 637, o alargamento do curso de medicina do trabalho, a criação dos centro de medicina do trabalho e de gabinetes psicotécnicos, a instrução de um órgão central de coordenação das actividades dos vários Ministérios, a revisão dos problema da peritagem, da fundação dos colégios regionais de peritos, e alargamento da acção da inspecção do trabalho e a criação da nova especialidade da medicina do trabalho.
Há já muitos estudos feitos sobre quase todas estas matérias.
A medicina do trabalho que queremos ver instalada neste país há-de ser de alto nível técnico e moral. Repito aqui o que já disse algures: do ponto de vista social e humano, importa que aperfeiçoemos este sector, aproveitando o que já temos e que se nos afigura digno disso, e que façamos erguer entre nós um novo edifício ao serviço do trabalhador e da riqueza de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A medicina do trabalho que queremos ver instalada entre nós não pode aceitar que da fábrica, onde a matéria entra informe e donde sai enobrecida, possa sair diminuída e degradada a criatura humana, ser de sangue e de carne, de sensibilidade, de inteligência e de alma, como disse Masel, o verdadeiro apóstolo deste novo ramo da medicina dos nossos tempos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Reis Faria: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queremos render a nossa homenagem ao ilustre Deputado avisante, Eng.º Sousa Birne, pela oportunidade, clareza, perfeito conhecimento da matéria em que é técnico distintíssimo e pela sinceridade, às vezes repassada de mágoa, com que trouxe a esta Assembleia o seu notável aviso prévio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Depois do dito nesse notável documento que é o aviso prévio, pouco mais ou nada havia a dizer e apenas deveríamos talvez formular votos por que se modificasse nos seus aspectos mais facilmente remediáveis o panorama mineiro em Portugal. Depois do aviso prévio e do que em seguida têm trazido a esta tribuna os ilustres Deputados que me antecederam, muito, menos razão haveria para hoje estar também aqui a dizer coisas que na sua maior parte já foram ditas; contudo, não quisemos deixar de trazer também a nossa achega dentro daquilo que o nosso conhecimento pessoal nos tem permitido ver e apreciar no campo das minas do Portugal metropolitano.
Sr. Presidente: E facto bem conhecido que a exploração mineira é actividade industrial pouco da simpatia dos capitalistas portugueses. Não vale a pena procurar as causas, bastando apenas acentuar o facto.
Não se compadecendo, porém, a actividade maneira, económica e lucrativa, como a maior parte hoje em dia das actividades industriais, com a pequena medida, só explorável em raras e ocasionais conjunturas de preço e em detrimento sempre do melhor rendimento para a economia nacional, estas dificuldades financeiras são escolho em que as melhores competências e boas vontades tropeçam e possivelmente as melhores iniciativas estão destinadas a naufragar.
E assim, das dez principais explorações mineiras em Portugal continental, as cinco maiores, e a grande distância das restantes, são estrangeiras.
Para o demonstrar ainda mais claramente basta dizer que, sendo 3843 as concessões mineiras agrupadas em 2412 minas, apenas 140 estão em actividade, conforme já aqui foi dito pelo ilustre Deputado avisante, e destas 140 explorações mineiras, para se ter uma ideia ainda mais exacta do seu valor, basta referir que as 5 explorações mineiras a que acima nos referimos pagaram mais imposto mineiro proporcional do que as restantes 135.
Reportando-nos à estatística que temos presente, que é referente ao ano de 1962 e que de qualquer maneira
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serve para ilustrar o raciocínio, o imposto mineiro proporcional foi de 6 167 471$; as cinco maiores empresas pagaram à sua parte 3 742 611$, ou seja cerca de 60 por cento do total.
Todavia, como acima se disse, é de mais de dois milhares o número das concessões em vigor.
Uma primeira conclusão se pode tirar: o quo se verifica, pois, é que há muitas pessoas interessadas em obter concessões e poucas com meios suficientes para as explorar.
Claro é que, por fatalidade natural, também são poucos os jazigos conhecidos de relativa importância económica.
O Sr. Sousa Birne: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Sousa Birne: - Não são muitos, de facto, mas há alguns que estão reconhecidos e não catão em trabalho.
O Orador: - Perfeitamente de acordo.
O Sr. Sousa Birne: - Há jazigos, como, per exemplo, o de Moncorvo, que, se estivessem na Alemanha ou na França, ou noutros países da Europa ocidental, estariam desde há muitíssimo tempo em intensíssima exploração. Ora isto quer dizer que o mal não é propriamente do jazigo.
O Orador: - Plenamente de acordo E devido à falta de recursos financeiros.
A. parte a Panasqueira, que é uma das maiores minas do Mundo de tungsténio, se não a maior, todas as outras, ou sejam de estanho, de pirites, etc., são jazigos de insignificante valor na escala mundial.
A que distância estamos dessas minas de ouro do Transval e Orange, com explorações da ordem dos 3 e 4 milhões de toneladas por ano, das de cobre da Rodésia, Congo, Chile, etc., com produções de 80 000 t e 100 000 t de cobre por ano, das explorações de magnetites em vários países, da ordem dos 8 e 10 milhões de toneladas por ano, etc., etc.
Quer dizer, e outra conclusão se não pode tirar: a Natureza não foi pródiga connosco neste género de valores.
Mas isso não explica, nem justifica, o afastamento e desinteresse do capital português da exploração mineira, para que os jazigos que exigiam e justificavam uma capitalização mais avultada caíssem na sua maior parte, como já se disse, nas mãos do capital estrangeiro.
Sem um injustificado pessimismo, que as nossas palavras atrás não contam, e muito menos um indevido cepticismo, até pela deficiência da verdadeira inventariação e pesquisa dos valores reais, mão estamos perfeitamente convencidos de que 09 valores mineiros potenciais descritos no aviso prévio pelo ilustre Deputado avisante atinjam tão elevadas cifras como as indicadas, ou, melhor, é possível que atinjam esses valores e até muitas vezes os excedam, mas paira no meu espírito a dúvida se todos os jazigos indicados serão economicamente exploráveis e se os teores dos minérios encontrados justificam uma exploração rentável, por mais perfeitos que sejam os métodos de exploração e mais elevado o investimento.
O Sr. Sonsa Birne: -V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: -Tenha a bondade.
O Sr. Sousa Birne: - Como esclarecimento, pretendo informar que tive o desejo de dar à Nação certezas da possibilidades potenciais de jazigos de valor industrial económico. Essa foi a minha preocupação, e antes, para me esclarecer, consultei o organismo que neste país tem a responsabilidade e está em condições de poder apoiar ou sugerir alterações às estimativas que foram apresentadas o que, de resto, foram tiradas de outros elementos oficiais. E a resposta foi: os números são modestos para aquilo que deviam ser. Nesta altura produzimos a seguinte observação: nós queremos que eles sejam modestos, porque cremos que representem certeza completa de expressão de valores realmente existentes.
O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Exa., com que estou absolutamente de acordo.
É evidente que há maior parte dos casos a resposta terá de ser imediatamente afirmativa, mas mesmo para esses usos a retracção do capitalista português perante a actividade mineira vai fazer todas essas riquezas adormecerem por muitos anos, a menos que apareçam alguns capitalistas estrangeiros mais arrojados ou mais conscientes de riqueza potencial que esses jazigos possuem.
É princípio bem conhecido e muitas vezes repetido que uma mina para ser bem explorada necessita de outra mina, mas esta de dinheiro em abundância que possa movimentar aquela. Ora, que se passa normalmente no nosso país? Às empresas mineiras formam-se com um capital diminuto e quantas vezes até ridículo em relação à concessão que facilmente obtiveram e ao empreendimento a que se lançaram. Iniciam a exploração e pretendem retirar dos lucros desta o aumento de capital necessário para melhorar as instalações e a exploração; entretanto a mina vai-se esgotando ou vão aumentando as dificuldades de exploração, sem nunca se ter realizado uma exploração verdadeiramente rentável e satisfatória.
Tudo isto se passa em detrimento do mineiro, dos seus eventuais financiadores e muito especialmente e sempre em prejuízo da economia nacional.
Sendo a actividade mineira uma riqueza do Estado explorada em regime de concessão, não se têm rodeado essas concessões das cautelas usuais e necessárias e noutros campos bem firmemente estabelecidas da economia de concessão. E comparar, por exemplo, o cuidado posto na exploração das concessões de aproveitamentos hidroeléctricos, e ainda com a agravante de estes serem uma riqueza permanente e a mineira uma riqueza mais ou menos limitada e fungível. Se naquela se pode aguardar sem inconveniente de maior, a não ser para a própria empresa, a formação do capital fixo por autofinanciamento que um dia possa vir a aproveitar a concessão nas suas máximas potencialidades, no caso das minas, pelo contrário, vão-se perdendo valores irrecuperáveis, e quando se estaria em condições de boa exploração, se algum dia se lá chega, encontra-se a mina esgotada.
Só o Estado pode, e parece-nos que deve, acautelar melhor este aspecto da delapidação de uma riqueza nacional. E perde-se por dois lados: é a Nação que perde valores potenciais da sua economia, já tão fraca, e é o Estado que deixa de receber, através do imposto mineiro sobre os lucros efectuados, as quantias que uma melhor exploração das minas lhe poderia levar todos os anos.
Um exame ao mapa do imposto mineiro de 1962, e que temos presente e pelo qual nos estamos a guiar, mostra bem claramente o baixo nível de produção mineira.
A primeira coisa que salta a vista, e que não deixa de impressionar, é que são em número reduzido, não chegando a duas dúzias, as empresas mineiras que pagam de imposto proporcional quantias acima de 100 contos.
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Além destas unidades, as restantes são pequenas unidades que só valem pelo número, mas de pouca relevância unitária na vida nacional.
Tudo isto mostra, pelo menos a priori, que não se têm descoberto - e, se existem, ninguém tem conseguido lançar-se na sua exploração - jazigos de grande importância que consigam despertar o interesse do capital português já tão retraído para esta indústria, ou mesmo do capital estrangeiro.
Acresce a tudo isto o termos atravessado até há pouco um período de grande depressão nas cotações de alguns minérios que agora estão subindo para valores mais e pensadores. De notável, e que veio de certo modo compensar a quebra de valor da exploração mineira, foi o grande surto de progresso na exploração das pedreiras mármore. Assim se consiga disciplinar e aproveitar convenientemente mais essa riqueza nacional, de grande incontestável valor.
Sem pretender diminuir o mérito do agricultor ou do industrial de outras actividades, não queremos deixar dizer, neste momento e a propósito deste aviso prévio que lhe é dedicado, uma palavra de admiração pelo mineiro, designando neste termo, como é usual, o industrial de minas.
Com o seu esforço o com o seu risco, que não têm comparação com os de outra qualquer actividade, arranca da terra uma riqueza que sem o seu esforço e a sua audácia ficaria para sempre improdutiva.
E o risco e o esforço de montar uma indústria exige grandes investimentos e que se destina à exploração de um bem fungível, a uma laboração sempre limitada no tempo e no espaço por melhores estudos que haja, por 20, 30, 00 anos, sabe-se lá muitas vezes representando sempre uma incógnita do seu verdadeiro potencial, exigem uma autêntica vocação, um arrojo e uma fé que merecem a nossa admiração, o apoio e o carinho do Estado e uma melhor compreensão e ajuda por parte da finança portuguesa.
Sr. Presidente: Não é cómoda nem despida de grandes dificuldades a indústria mineira. E pomos à cabeça o que refere ao pessoal, quer dirigente, quer de execução. Num país com uma indústria mineira muito reduzida não é atraente o diploma de engenheiro de minas e mesmo e de agente técnico de engenharia de minas, pelas possibilidades abertas a uma carreira com algumas
garantias de futuro.
Daí uma certa escassez de engenheiros e de técnicos de engenharia de minas. Mas mesmo que escolhem essa especialidade, nota-se fraca disposição para se lançarem a fundo na carreira que escolheram.
Isto, aliás, revela-se bem na atitude que alguns antes tomam nos seus períodos de estágio nas minas.
Dos muitos que têm estagiado em diversas minas, uma boa parte o que pretendia era apenas o certificado de estágio, a aprendizagem a valer, o interesse com o serviço e pelas suas dificuldades eram diminutos.
Para demonstração ou esclarecimento do espírito que muitos dos estudantes de Engenharia Mineira abraçavam esta carreira, posso referir uma história que me contada por um antigo concessionário mineiro ida a vida viveu a vida das minas.
Contou-me ele que sempre que era solicitado imitir na sua mina qualquer candidato a estagiário a todos perguntava sempre, logo de início se realmente
O que queriam era estagiar a valer ou se apenas pretendiam o papel certificado desse estágio.
Pois quase invariàvelmente a resposta era de que o que pretendiam era o papel
, que prontamente lhes dava, convencido também de que estágio de vinte dias pouco adiantaria nos conhecimentos do candidato.
De resto, a esse tempo, o estágio limitava-se a dois períodos de 20 dias cada um, o que em boa verdade era insuficiente para um contacto útil com o trabalho mineiro. Hoje as coisas estão um pouco melhor, mas longe, a nosso ver, do que deviam ser. Um estudante deveria fazer, pelo menos, dois estágios de 30 a 45 dias cada um e um de 120 dias, pelo menos, depois de concluir o curso e antes de receber a carta. E mais bem fiscalizados!
O Sr. Gonçalves de Faria: - Na Faculdade de Engenharia os estágios são de 60 dias cada um, no Instituto Superior Técnico são de 20 dias.
O Sr Sousa Birne: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Sousa Birne: - Ouvi com todo o interesse a alusão que V. Exa. faz à tendência que têm os técnicos com os seus cursos de, quando vão fazer o seu estágio nas minas, realmente preferirem o interesse do papel no interesse real do trabalho. Já me referi a isso nesta Assembleia a propósito do aviso prévio do educação nacional, e realmente parece até que deveria haver um teste universitário na altura em que o aluno se vai dedicar a uma actividade especializada, a fim de se ajuizar do gosto que ele possa manifestar por essa actividade.
Falou V. Exa. aí de uma percentagem muito grande Pelo que constatei ao longo da minha vida profissional, não posso nesse ponto estar inteiramente da acordo com V. Exa.
Existe uma percentagem, há casos de profissionais que falharam a sua profissão e que se desviam da actividade mineira, mas não se pode dizer que a percentagem seja assim tão elevada.
O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Exa. e acredito que na generalidade possa ser como V. Exa. disse. Limitei-me a referir a observação directa e pessoal de um concessionário mineiro.
O Sr. Sousa Birne: - Admito que se atinja uma percentagem maior na totalidade. Há cursos que dão diplomas genéricos, digamos de construção civil, obras públicas e minas; entre esses talvez que a maior parte dos diplomados, pretendendo escolher uma actividade diferente das minas, tenha apenas interesse no papel, porque pretendem dedicar-se a outros ramos.
O Orador: - Plenamente de acordo.
Há, pois, qualquer coisa que não está certa na organização dos cursos e na orientação do ensino, que devia ser conduzido num sentido mais prático, orientando o estudante para encarar a vida mineira com outro entusiasmo e realismo e para que não perca de vista que se trata de uma profissão dura e para ser exercida em condições de vida difíceis, com poucas oportunidades de vida social, a não ser nas férias, pois as minas aparecem em geral em locais distantes dos centros urbanos, em sítios ermos e até desabitados.
Considerações semelhantes se podem fazer quanto aos agentes técnicos de engenharia.
Se destas duas categorias de dirigentes descermos às classes imediatamente inferiores (capatazes não diplomados e vigilantes), aumentam ainda as dificuldades. Não há no País escolas de capatazes e vigilantes, são as próprias
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minas que têm de os preparar. Isso seria até certo ponto, não diremos fácil, mas sofrìvelmente eficaz se a massa dos trabalhadores mineiros tivesse um mínimo de preparação cultural, científica e técnica que lhe permitisse absorver e assimilar os conhecimentos que se lhe dão.
Mas quê, começa por ser em grande parte iletrada, completamente analfabeta ou quase, raros sendo os que lêem e escrevem razoavelmente.
O Sr. Gonçalves de Faria: - Muito bem!
O Orador: - São trabalhadores rurais que nas épocas de escassez de trabalho agrícola acodem às minas para regressarem aos trabalhos dos campos nas épocas de actividade. Acontece assim que uma boa parte deles deixam as minas quando começam a estar treinados, nunca chegando a verdadeiros profissionais.
Acontece por vezes que muitos dos que revelam qualidades de adaptação não podem ascender na escala de escombreiros para vigilantes e destes para capatazes - por mão saberem ler e escrever, ou o saberem tão mal, o que é a mesma coisa.
Este é um dos maiores problemas, das maiores dificuldades, que as gerências das minas encontram e têm de resolver.
O Sr. Gonçalves de Faria: - Muito bem!
O Orador: - Com pessoal desta qualidade não é fácil conseguir rendimentos de trabalho apreciáveis, que se ponham ao nível da eficiência dos de outros países com operários de desenvolvimento cultural muito superior e seja qual for o grau, isto é, seja escombreiro, entivador e marteleiro, seja vigilante ou capataz.
É no ponto de vista da instrução, e isto tanto no campo das minas como no das restantes actividades, sejam industriais ou agrícolas, que nós temos de realizar o maior esforço de valorização do País.
Ainda muito recentemente, ao ser discutido o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, pudemos ler no magnífico e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, a propósito das previsões educacionais e do encargo que o seu aumento traz à Nação, as seguintes palavras, que a guisa de conclusão da nossa intervenção passamos a transcrever:
É um peso demasiado? Será suportável sem sacrifício? A Câmara não sabe dar outra resposta diferente desta: é indispensável. E quanto mais tarde se encetar a jornada, não só se estará a retardar também o seu termo, mas, o que é bem mana grave, vão-se acumulando os atrasos, tornando cada vez mais difícil a arrancada, e vão-se perdendo gerações de jovens portugueses para a instrução e cultura e a vida do espírito, que é como SB disséssemos, vão-se perdendo para a sua condição de homens.
De todos os sectores da vida nacional, das indústrias extractivas o clamor é o mesmo e os queixumes sucedem-se sobre o baixo rendimento per capita do trabalho português.
Quando as técnicas eram menos evoluídas, a produtividade menos exigente e o trabalho mais simples, mais de habilidade manual que de inteligência, era corrente ouvir gabar-se a excelência da nossa mão-de-obra. O trabalhador português era hábil, sacrificado, produtivo. Deixou de o ser?
Não. A qualidade do trabalho hoje exigido ao simples operário é que é muito diferente e já não são suficientes ou satisfatórias a simples habilidade ou dedicação; exige-se inteligência cultivada e raciocínio e assistimos assim ao decair da nossa mão-de-obra, que hoje é, relativamente a estrangeira, de muito pior qualidade.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Continua a ser barata, inclusivamente porque em muitos casos não pode valer mais, porque, mesmo assim barata, a sua incidência na unidade de produção é por vezes muito mais elevada que a caríssima mão-de-obra estrangeira.
Parece-nos, pois, que ao tomarmos verdadeira consciência deste problema temos que dizer como no acima referido parecer da Câmara Corporativa: «Será demasiado o encargo? Será suportável? É indispensável?>.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na terça-feira dia 19, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas, e 15 minutos.
Sn. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Ubach Chaves.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
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Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA