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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 185
ANO DE 1965 10 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 185, EM 9 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou, aberta, a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 184
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira requereu informações sobre as obras de construção da estrada nacional n.º 4.
O Sr Dr. Gamboa de Vasconcelos falou sobre discurso do Sr. Presidente do Conselho e a intervenção do Sr. Deputado Martins da Cruz sobre a União Nacional.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha também falou sobre o mesmo discurso.
O Sr Deputado Martins da Cruz ocupou-se da missão da imprensa e da necessidade da revisão do contrato de trabalho dos jornalistas.
Ordem do dia. - Começou o debate sobre as Contas Publicas de 1963.
Usou da palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Mana Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
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Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 184, correspondente à sessão de 4 do corrente em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte.
Expediente
Telegrama da comissão directiva do Grémio Nacional dos Industriais de Águas, Refrigerantes e Sumos de Frutos a felicitar a Assembleia pelo alto nível em que decorreu a discussão do aviso prévio sobre indústrias extractivas e os Srs. Deputados avisante e intervenientes no debate.
O Sr Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte.
Requerimento
«Nos, termos do Regulamento, requeiro que, pelo Ministério das Obras Públicas me sejam fornecidos, com a possível urgência, os seguintes informes:
I) Em quantas fases está dividida, ou subdividida, a reconstrução da estrada nacional n.º 4 no troço em que a mesma atravessa o distrito de Évora,
II) Qual o montante das verbas atribuídas a cada uma das fases,
III) Prazos previstos para execução das referidas obras,
IV) Se qualquer verba afecta aos fins que acabo de refere foi, ou vai ser, no todo ou em parte transferida para execução de outros trabalhos em distrito que não o de Évora».
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sr. Presidente Srs. Deputados: O último discurso do Sr. Presidente do Conselho, dissecando, com a mestria e a serenidade que lhe são peculiares, as dificuldades, as preocupações o os equívocos que informam a vida nacional e internacional e fazendo emergir da lógica e da realidade dos factos razões de sobra para que todos possamos encarar com confiança as perspectivas do futuro - logo que todos queiram e saibam cumprir o seu dever -, é documento tão importante e de tão profunda meditação que julgo que nenhum de nós o deixa de trazer na memória.
Nessa lição magistral, o Sr. Presidente do Conselho, com o sagaz discernimento que Deus lhe conferiu, colocou os problemas tão perto da nossa inteligência que as causas o os efeitos que lhes estão adredes logo saíam do emaranhado das confusões e das contradições dos dias de hoje, para se apresentarem aos nossos olhos com a nitidez e o relevo das coisas evidentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E a todos estes predicados não deixou de juntar, como sempre, a sinceridade o desassombro e a modéstia, que são já timbre da sua personalidade inconfundível!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, quando iludiu à política interna, não hesitou afirmar.
Humildemente confesso não ter conseguido em tantos anos duas coisas que, aliás, se me afiguravam essenciais convencer os governos do que precisavam de um apoio político para a sua acção e de que esse apoio só podia advir-lhes da União Nacional, convencer a União Nacional de que a formação política não pode ser abandonada a acasos de leituras ou de influências familiares, mas a uma doutrinação sistemática e persistente
É natural que o Sr. Presidente do Conselho, como directo inspirador e maior responsável pela vida da União Nacional, de que é, desde o seu início, presidente da Comissão Central, tenha achado, no decorrer do tempo, insuficiente e pouco penetrante a doutrinação feita até agora
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O seu alto e exigente espírito, sempre ansioso por mais e melhor, e o seu abnegado exemplo de entrega total à Pátria e ao Regime, dão-lhe autoridade bastante; julgar abaixo do ideal e até do mínimo indispensável tão o esforço que nesse sentido, tem sido despendido. Ao fazer semelhante afirmação não estava, porém, no seu pensamento menosprezar, por qualquer forma, o esforço de todos aqueles que, até ao dia 18 de Fevereiro de 1965, haviam servido na sua Comissão Executiva, ou nas suas comissões distritais e concelhias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Atesta-o o preâmbulo do seu discurso quando diz ser «coisa devida e justa» louvar os que saem e apresentar os que entram confirma-o uma longa vida de rectidão e de cordura, onde nem um só gesto se conhece de falta de gratidão ou de justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desagradável foi pois aos meus sentidos, ouvir na última sessão desta Assembleia o Deputado Sr. Dr. Martins da Cruz, logo depois de prestar calorosa homenagem ao Sr. Presidente do Conselho e de louvar com vivo entusiasmo «a lição ímpar de serenidade e de confiança» do seu magnífico discurso, entrar a atribuir todos os diligentes da União Nacional (com simples e tíbia ressalva de dois nomes eminentes) toda a responsabilidade do marasmo político e da falta de acção doutrinaria verificada nesta organização política desde o seu começo.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor!
O Sr. Martins da Cruz: - Peço já licença para fazer uma rectificação. Não é exacto que eu tenha apenas prestado as minhas homenagens a dois dirigentes da União Nacional. Prestei as minhas homenagens a todos quantos nela trabalharam e citei o nome de dois homens que se não conseguiram fazer vingar o pensamento do Sr. Presidente do Conselho é porque condicionalismos poderosos se opunham à União Nacional.
O escalão da União Nacional que a mim se afigura estar compreendido no discurso do Sr. Presidente do Conselho é um. Aquele que V. Exa. defende é outro.
O Orador: - É possível que V. Exa. não pretendesse atingir, depreciativamente, aqueles que, até agora, têm servido a União Nacional, mas a verdade é que outra ilação se não pode tirar das suas palavras depois das referências que fez não só à inactividade, mas ainda à sua incapacidade para a utilização dos meios de Informação junto da Nação. De resto, tanto foi esta a impressão deixada nesta Câmara que dois Srs. Deputados se viram obrigados a interrompê-lo, na última sessão para protestar em contra esta e outras afirmações.
E com respeito a escalões, se V. Exa. quer referir-se as duas partes do discurso em que o Sr. Presidente do Conselho fala do que não conseguiu dos governos, por um lado, e da União Nacional, por outro, não sei porque há-de V. Exa. a ocupar-se somente da segunda parte, e não igualmente das duas, como eu faço.
O Sr. Martins da Cruz: - As palavras para, mim têm um sentido lógico. E se V. Exa. tirou deles um sentido diferente daquele com que eu as escrevi não tenho culpa.
O Orador: - Também para mim as palavras tem sentido lógico. O que parece é que a lógica não é igual para nós.
Pausa.
O Orador: - E foi-me desagradável por dois motivos primeiro, porque todos aqueles que sacrificada e devotadamente têm sei vido nos seus quadros até agora não merecem a implacabilidade de tal crítica negativa, segundo, porque semelhantes alusões ou acusações, feitas a propósito do discurso do Sr. Presidente do Conselho, poderiam erradamente fazer supor que elas não eram mais do que simples glosa de algumas das suas afirmações.
A União Nacional não é uma organização fácil de servir nem de alentar.
Constituída, na aparência como simples e único parte do político, ela desde, o início que nega a si própria esta qualidade, tanto na letra dos seus estatutos, como na prática das suas acções.
Exigindo tão-sòmente a observância de certos princípios informadores consubstanciados no lema «Tudo pela Nação, nada contra a Nação» ela nem sequer pergunta aos, que voluntàriamente pretendem inscrever-se nas suas hienas qual o credo político ou religioso donde provêm.
Ela não visa ser governo nem escolhe exclusivamente na lista dos seus filiados os nomes que por vezes indica como mais capazes para a normal administração dos órgãos do Estado.
Também nunca fez questão, embora sempre o verificasse com mágoa, de que muitos daqueles que ocupam altos cargos do mesmo Estado e se dizem integrados no Regime não figurem no número dos seus inscritos.
Não dispondo de meios materiais suficientes, ela não teve até dúvidas em impor-se a obrigatoriedade de uma quota individual que a ajudasse a manter as suas despesas habituais e lhe permitisse preservar a sua independência política
Todas estas normas de isenção, se lhe deram ou deviam dar enormíssima força moral, nunca lhe trouxeram paralelamente igual força política.
Por mais que os seus atentos e leais servidores se esforçassem por lhe emprestar o seu prestígio pessoal, a sua inteligência, a sua cultura, a sua dedicação, o seu tempo e até o seu dinheiro, ela nunca viu engrossar grandemente a massa dos seus primeiros adeptos, nem em número nem em qualidade.
Porque lhe faltou completamente uma acção esclarecedora inicial?
Não.
Numerosas foram as conferências os discursos e os artigos que proferiu ou escreveu, explicando às cidades às vilas e às aldeias as virtudes do regime que defendia múltiplas foram as publicações que editou, trazendo à pluralidade do conhecimento público os princípios os métodos e os fins que informavam e informam a vida do Estado Novo frequentes foram também as reuniões em que apreciou e ponderou assuntos referentes à administração geral, quatro foram os congressos em que reviu ou discutiu não só os problemas relativos à sua orgânica, mas ainda a questões políticas, económicas ou sociais de âmbito nacional ou mundial.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Parece, pois, que se a doutrinação que tez no começo da sua acção, com todo o entusiasmo, e depois, a espaços dilatados, com menos ânimo, não foi suficiente paro uma completa classificação do panorama.
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político português (e, como o Sr. Presidente do Conselho, penso lealmente que não foi), é porque causas poderosas e alheias à vontade dos seus dirigentes a isso se opuseram.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Exa., ao fim e ao cabo, está a concordar comigo e eu felicito-me por isso.
O Orador: - Estimo muito que assim seja até ao fim.
O Sr. Proença Duarte: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com o maior prazer!
O Sr. Proença Duarte: - Queria manifestar a V. Exa., como velho batalhador da União Nacional, a minha absoluta concordância com o que acaba de dizer, com a acção benéfica que a União Nacional desempenhou neste país do ponto de vista político, e dizer mais que a União Nacional criou o clima propício para que a Revolução Nacional pudesse caminhar com mais facilidade e decididamente neste país. Sem a acção de propaganda, sem a acção de luta e esclarecimento, que foi levada a toda a parte - cidades, vilas e aldeias -, talvez a Revolução Nacional não tivesse encontrado as condições políticas necessárias para prosseguir no seu caminho triunfal, com os benéficos resultados que todos temos verificado até hoje.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Muito obrigado pela sua valiosa concordância!
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Sem dúvida!
O Sr. António Santos da Cunha: - A Revolução Nacional não teria chegado aonde chegou disse o Sr. Deputado Proença Duarte, nem muitos economistas e técnicos, que querem desconhecer o problema político, teriam possivelmente palco para exibir a sua (...)!
Risos.
O Orador: - Agradeço o V. Exa. também o seu apoio às minhas considerações.
Pausa.
O Orador: - E essas causas não são desconhecidas de ninguém.
A União Nacional, para além dos imperativos da doutrinação que estão na base da sua primordial função, estava, e está, naturalmente indicada para ser o órgão intercalar de mais perfeito entendimento entre a Nação e o Estado.
Exactamente porque se situa no seio da Nação, ela devia ser não só a entidade idónea que carreasse até à cidade e ao campo a boa semente política e social, mas também a pessoa amiga que ao Estado levasse, lealmente, as insatisfações, os anseios ou mesmo os protestos da sua gente.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Ela devia sei, pois, a principal fonte de informação e de apelo da população suprindo até, em certa medida as restrições impostas à imprensa.
É na troca da ideia pela queixa que o homem melhor sente e julga quem lhe quer bem.
Este é mesmo o segredo porque triunfam, no campo espiritual, os métodos religiosos e porque progridem, no campo político, os métodos comunistas.
Se a União Nacional tivesse podido aliar à acção de presença intelectual a acção de assistência moral, teria visto também aumentar o seu prestígio e as suas hostes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto, porém nunca foi possível. E não foi possível, não porque o diálogo com o povo não só chegasse a estabelecer em normas de boa e recíproca compreensão, mas porque os detentores dos Poderes Públicos nunca ou raramente lhe deram o devido apreço.
A União Nacional, para a grande maioria dos nossos governantes parece não ser mais do que «uma simples corporação de bombeiros voluntários destinada a apagar os incêndios eleitorais».
O Sr. Martins da Cruz: - Só tenho que felicitai V. Exa. pelo que está referindo porque eu, nas palavras que proferiu e que tanto parecem ter desgostado V. Exa. , não disso tanto.
O Orador: - Muito obrigado pelas suas felicitações, mas não esqueça que, citando frases e factos por de mais conhecidos de todos, o faço com intenção bem diferente daquela que pareceu informar as suas alusões do outro dia.
Pausa.
O Orador: - Fora desta função não lhe reconhecem qualquer outro mérito, nem lhe dão qualquer atenção.
Os que nela se encontram em postos directivos, em espírito de disciplina ou de missão, sentem assim a falta desse apoio superior e, com ele, a deterioração da função. E, a breve trecho, por muito que desejem ser superiores a ressentimentos ou a insucessos, verificam a inutilidade dos seus esforços e então, a partir deste momento, nada mais encontram como digno senão o abandono da posição
Esta a triste realidade que atinge todos os escalões da União Nacional.
Ela é a causa principal das crises que periodicamente explodem no seu seio, ela, também, a maior responsável pela escassa e por vezes frouxa e entrecortada doutrinação política dos últimos tempos.
Só assim se pode explicar que estadistas e doutrinaristas de primeiro plano como o Prof. Doutor Marcelo Caetano e o ... Veiga de Macedo, não tenham conseguido, com a superioridade do seu talento, o calor da, sua fé e a coragem do seu poder de decisão, alterar o rumo das coisas, nos anos em que por lá passeiam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é, pois, aos dirigentes da União Nacional que se devem assacar as maiores culpas (e muito menos as únicas) por não se haver tornado mais brilhante e mais brilhante a chama política do Regime.
Esses e outros homens de leal valor, como o Prof Carneiro Pacheco, o Eng.º Nobre Guedes o Doutor Albino dos Reis, o Eng.º Mendes Amaral, o Eng.º Cancela de Abreu, o Prof. Costa Leite (Lumbrales) o Dr. Castro Fernandes e todos os que ajudaram quer na Comissão.
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Executiva, quer nas comissões distritais e concelhias, merecem de nós todos pleno e vivo reconhecimento muito que fizeram em tão ingratas circunstâncias
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não fosse o enorme valimento dos seus nomes ilustres e honrados a reforçarem indefectíveis sentimentos de fidelidade à Patuá e a Salazar e muitas hostilidades e das perplexidades que afligiram, em minadas alturas, a Situação e o País, talvez não pudessem ser eliminadas só com a vontade decidida e a firmeza inabalável das forças armadas.
Há, pois, que acabar, por qualquer forma, com todas as indiferenças e todos os mal-entendidos que ora sentiram sectores atentos ao mesmo credo.
E, para isso, indispensável e que todos se convençam de que a política, a despeito de todos os seus defeitos, é ainda a grande força que ostenta e promove as boas relações entre os homens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu sei que os progressos da ciência deram à vida tal ritmo e tal predomínio do material sobre o espiritual que a técnica impera como deusa omnipotente no mundo actual.
A técnica só por si não pode, porém, resolver todos os problemas humanos que estão na base da angústia dos nossos dias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Necessário é, pois, que os governos se não deixem absorver totalmente pelo seu fascínio e que no meio das suas imensas preocupações e dos seus números afazeres haja sempre lugar para a política, que é afinal, não a importuna que se não deseja ou a inimiga que se não confia, mas a fiel e vigilante aliada de todas as horas, que os ajuda a manter e a atingir os supremos fins do bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se é pertinente pede-se aos mais altos gestores da administração pública semelhante atitude, com igual ou mais forte razão se deve solicitar ou exige igual comportamento nos outros escalões da sua hierarquia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A União Nacional tem de ter maior audiência junto dos Poderes Públicos, para que maior seja também o seu prestígio e a sua eficiência perante as populações a conquistar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ela tem realmente necessidade urgente do intensificar, através do seu Gentio de Estudos Político-Sociais o dos seus mentores a doutrinação que persuada o que melhor ajude a escolher o rumo certo das conveniências nacionais.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor!
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Era para dizer a V. Exa. uma palavra de concordância com as considerações que tem vindo a fazer e felicitá-lo por trazer o problema de novo à Câmara, na medida em que permite o mais amplo esclarecimento deste assunto, que deixou efectivamente sérias dúvidas no espírito do público. E ainda que pese ao nosso ilustre colega Dr. Martins da Cruz, o modo como o problema foi posto por ele levou muitos a tuas conclusões que não são aquelas que agora verificamos estarem no seu espírito.
As palavras são, de facto, instrumento de que o homem se serve e para comunicar o seu pensamento, mas às vezes as palavras não conseguem transmitir esse pensamento.
Quero crer que na intervenção deste nosso colega esse pensamento não ficou claro e houve um ilogismo grave na sua construção. É que o Sr. Presidente do Conselho - e V. Exa. ainda não o referiu de maneira expressa, mas convém quo isso fique bem claro - a primeira dúvida que pôs não foi das omissões da União Nacional, mas da falta de compreensão do Governo pela necessidade de apoio da União Nacional. Era pois aí que o Sr. Deputado Martins da Cruz devia ter começado.
O Sr. Presidente do Conselho veio declarar ao País que, ao fim de tantos anos, não conseguiu que o Governo reconhecesse a necessidade de um apoio político que - são palavras suas - «só a União Nacional lhe podia dar». Partindo dessa premissa, estava explicada a inoperância da União Nacional. Ora o modo como o Sr. Dr. Martins da Cruz pôs a questão parece dar a entender ao País que o Governo não tem apoio político porque a União Nacional não lho sabe dar.
Por isso eu felicito V. Exa., pois que se movimenta no meu pensamento. Primeiro tem de ver-se a quem tocam as principais culpas, e, depois, as culpas subsidiárias, mas não vamos passar uma esponja sobre as responsabilidades maiores apenas para culpar aqueles que têm responsabilidades menores.
Eu também fiquei inquieto com a maneira como o problema foi posto pelo Sr. Dr. Martins da Cruz, porque não corresponde, na sua linha essencial, ao pensamento do Sr. Presidente do Conselho, ou melhor, do Sr. Presidente da Comissão Central da União Nacional, que se queixou em primeira linha do Governo que não conseguiu convencer da necessidade de um apoio político, que só lhe podia vir da União Nacional.
A esperança que temos é que a União Nacional se dedique a uma doutrinação capaz, mas é necessário que o Governo se convença de que precisa do seu apoio.
O Orador: - Tenho que agradecer muito a V. Exa. o seu apoio, não por ser mais um testemunho a reforçar a ideia com que havia ficado da intervenção do Sr. Deputado Martins da Cruz - porque isso seria o menos -, mas pelo esclarecimento mais lato que dá do meu pensamento e ao meu trabalho. Todavia, julgo que toda a minha intervenção defende por forma bem expressa os pontos de vista de V. Exa.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Exa. vez que fui novamente interpelado?
O Orador: - Faz favor!
0 Sr Martins da Cruz: - Pedi permissão para dizer o seguinte na minha modesta intervenção também me referi às culpas que possam caber não ao Governo, mas aos governos o que é algo diferente. Eu também me referi a esse aspecto
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Da minha intervenção ressalta que há duas queixas do Sr. Presidente do Conselho, uma das quais por motivo de ordem histórica. Já não é a primeira vez que o Sr. Presidente do Conselho se refere à falta de doutrinação da União Nacional. Já em 1948 o Sr. Presidente do Conselho sentiu a necessidade de escrever e pedir se já não havia ninguém no Pais que ainda pudesse tomar a seu cargo a doutrinação. Preferi este aspecto histórico do discurso do Sr. Presidente do Conselho.
Das duas queixas do Sr. Presidente do Conselho insisti, sobretudo, na de ordem histórica, e que se refere à União Nacional.
Para mim, ao contrário do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha, afigura-se-me que a culpa fundamental da parte dos governos também existe por parte da União Nacional, na medida em que considero a queixa do Sr. Presidente do Conselho como que um grito por falta de doutrinação política.
Se se (...) dos estatutos da União Nacional este objectivo de doutrinação, ela ficará com algo que suponho não ser suficiente para justificar a existência da União Nacional.
O Orador: - Não há o propósito de retomar da União Nacional o aspecto da doutrinação. Pelo contrário há o desejo de o reforçar.
O Sr. Martins da Cruz: - Quais foram no distrito de V. Exa. as iniciativas de doutrinação política nos últimos quatro anos?
O Orador: - Tudo quanto referi atrás, no decurso desta intervenção, se passou exactamente no meu distrito, sem que tenha importância saber-se se, em determinado ano, casa doutrinação foi mais débil ou mais intensa.
Pausa.
O Orador: - Para isso ela carece não só de homens cultos e dedicados que a esta missão estejam dispostos a entregar o cérebro e o coração, mas ainda da completa aceitação, da boa compreensão e do real e efectivo auxílio de todos, quantos tenham responsabilidades no Regime, incluindo os governantes.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Caso contrário, não só o novo esforço despendido ficará a pairar no ar, sozinho, como coisa que a todos interessa, mas que a ninguém respeita, como ainda gerará nova e inglória fadiga que se traduzirá, logo a seguir, em novos e mas acentuados desânimos.
E exactamente porque «seja qual foi a evolução dos acontecimentos, não pode haver dúvidas de que é nos sete anos a seguir que, por imperativos naturais ou políticos, e não pode fuga a opções delicadas e, embora não forçosamente a revisões, à reflexão ponderada do regime em vigor», - tal como clarividentemente prenuncia Salazar - é que a congregação de todos os esforços e o entrelaçar de todas as mãos se tornam imprescindíveis.
É na sequência lógica deste pensamento que não quero terminar estas breves considerações sem deixar de render aqui, mais uma vez, as minhas, mais calorosas e sinceras homenagens a todos aqueles que abnegadamente serviram até agora a União Nacional.
Eles foram, a despeito de todas as vicissitudes, os fiéis portadores de uma mística durante uma longa caminhada de mais de trinta anos. Merecem, pois por direito próprio, a consideração e o agradecimento de todos nós.
Com eles se tem de contar ainda, bem recear que as «duras incompreensões» ou as amarguras sofridas aflorem, como primaciais, de entre os sentimentos de patriotismo e de inflexível fidelidade ao Regime que os dominam.
Todos se encontram fielmente retratados na atitude digníssima que dimana da prosa tensa do excelente discurso do nosso ilustre confiado Dr. Veiga de Macedo aquando da transmissão de poderes ao novo presidente da Comissão Executiva, e cada um, de per si, poderia subscrever, com merecimento e orgulho o seu remate, dizendo «Enfim, com a ajuda de Deus hei de ficar sempre o mesmo fiel aos princípios e também aos chefes por amor dos princípios».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também não posso deixar de endereçar ao novo e também muito ilustre presidente da Comissão Executiva da União Nacional, bem como aos Ex.mos Vogais que o acompanham, as mais vivas saudações e os mais expressivos desejos de felicidades na nova e difícil campanha que, decidida e estòicamente, vão encetar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É para estes «novos» soldados de uma velha causa, em que todos já são condecorados veteranos, que se volvem as nossas melhores esperanças.
O apelo à unidade, que trazem por divisa, soou já, na primeira sessão, como clarim que toca a reunir.
Que as vibrações desse apelo cheguem a todos os recantos das almas e das terras, na mais estreita comunhão de ideias e de ideais, são os votos que, sinceramente, lhes desejo, para maior glória de Portugal.
Tenho dito!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente. Pedi a V. Exa. me concedesse a palavra para abordar temas de carácter político que entendo da maior oportunidade a relevância e perfeitamente bem localizados nesta Câmara, que é uma Assembleia.
Os homens - refiro-me aos homem de boa formação que temem o juízo daquele que é Senhor de todas as criaturas e de todas as coisas - , quando sentem pousar sobre si o entardecer da vida, quando divisam ao peito o ocaso da sua existência, são forçosamente levados a meditar nos passos que deixaram atrás de si.
Os organismos, as instituições como esta de que nos orgulhamos de fazer parte, são levados a obedecer à, mesma lei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta Câmara, a que V. Exa. com tão alta dignidade preside, pode encarar esse juízo de fronte erguida, de caia descoberta, pois bem tem sabido cumprir o seu dever não iludindo a confiança daqueles que propuseram os seus membros ao sufrágio nem o mandato que o eleitorado lhe confiou.
Sem deixar de louvar o que louvor merece, e é muito a Assembleia tem cumprido o seu dever de fiscalização, denunciando abusos e desvios, apontando deficiências e pedindo que se tomem as medidas necessárias ao desaparecimento dos primeiros e ao remédio das segundas
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A Câmara tem, pois, nobilitado o Regime e conquistado o direito ao respeito e admiração do País, que tem acompanhado a sua acção com a maior simpatia.
Posso afirmá-lo e quero repeti-lo bem tem merecida da Nação e não tem que temer as criticas do presente ou os juízos da história, que serão inexoráveis para todos os que tenham responsabilidades na vida pública na hora difícil que o País atravessa.
É certo que saudosistas de um passado que o País repele apresentaram ao Sr. Governador Civil do Porto um requerimento, largamente difundido naquela cidade, em que, à falta de engenho, se permitiram transcrever para argumento favorável à sua petição passagens de discursos aqui proferidos por alguns Srs. Deputados.
Lamento que os Srs. Requerentes, em obediência aos princípios de lealdade, não tivessem feito transcrições mais completas, mas ficámos esclarecidos quanto às intenções de quem assinou o requerimento em referência.
Ficámos, por exemplo, a saber que a um Deputado que mora acima de Braga impressionou que o Algarve estivesse, através da venda de terrenos, a ser hipotecado a ingleses, americanos e alemães.
Custaria agora de dizer aos requerentes, que moram todos, por sinal, abaixo de Braga, que se eles se apoderassem dos selos do Estado hipotecariam não só prata, o que foi padrão do sistema governativo que saudosamente defendem, como todo o nosso património ultramarino, pois todos nós sabemos que só ao completo abandono dos nossos territórios de além-mar conduziram as soluções políticas a que aludem os requerentes. Contra isso se levantaria o País com o mesmo entusiasmo com que hoje apoia a política ultramarina do Governo.
O Sr. Martins da Cruz: - Hipotecavam, não, vendiam!
O Orador: - Tem V. Exa. razão Como jurista que é, encontrou o termo próprio.
A Câmara nunca discutiu Deus, nem a Pátria, nem a família, nem a autoridade, nem o trabalho. Não discutiu Deus porque sabe que, como diz o salmista, o temor de Deus é a base de toda a sabedoria, e conhece que Portugal foi sempre cristão e que foi a nossa vocação missionária que nos levou, e connosco o Evangelho, às cinco partes do Mundo.
Por isso ela tem exaltado tudo o que seja em favor da moral cristã.
Ela não discutiu a Pátria pelo que não chegou ao Governo o seu inteiro apoio às despesas militares que nos tem acarretado a guerra que nos foi imposta, despesas que, por maiores que sejam e por mais que impressionem os ilustres requerentes ao Sr. Governador Civil do Porto, são de absoluto imperativo nacional e a Nação compreende, quer e deseja!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Recordarei, Sr. Presidente, fique na primeira sessão desta Legislativa, quando foi trotada a proposta de Lei de Meios, V. Exa. convidou a Câmara a erguer-se para votar de pé o capítulo que se referia às despesas militares, o que a Câmara fez devotadamente, demonstrando assim o mais alto sentido patriótico.
Recordarei ainda o dia em que o Sr. Presidente do Conselho veio a esta sala denunciar ao Mundo o esbulho de Goa, recebendo então o Sr. Presidente do Conselho a mais estrondosa das aclamações que significava todo o apoio todo o entusiasmo e toda a compreensão da Câmara.
Não discutiu a Câmara a família e por isso aqui se tem pugnado pela reforma do ensino, por uma melhor estruturação das coisas do ensino, pois essa é uma das foi mas essenciais de defender a família, que se sente fortemente ameaçada, pois teme a escola que lhe devolve os seus filhos deformados.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que pergunte onde estão os Mários de Figueiredo que moldariam algumas gerações, gerações que ainda são sustentáculos do Regime e da Pátria? Há excepções, bem o sabemos, brilhantes e sacrificadas, e é por isso que quero regozijar-me com o inquérito que anuncia a nota do Ministério da Educação Nacional, que desejaria fosse levado a fim com todas as consequências. Não discutiu a Câmara a autoridade, pois nunca deixou de apoiar o Governo em todas as medidas tendentes a manter a ordem no País e a denunciar abusos e desvios que comprometem a autoridade. Não discutiu o trabalho, pelo que sempre se afirma pelas justas reformas sociais. A Câmara foi fiel aos princípios e balizas que o Sr. Presidente do Conselho nos marcou na cidade de Braga. Ela tem pugnado por uma melhor distribuição da riqueza, de forma a aumentar as possibilidades de dignificação desse trabalho, sem esquecei que, sem se criar riqueza, ela não se pode distribua.
Mas a Câmara foi mais longe. Ela cumpriu mais um dever, e por isso nunca discutiu Salazar, e porque nunca discutiu Salazar, não se agrupou em clãs ou grupos antes acolheu o conselho do Sr Presidente do Conselho no Congresso de Coimbra, quando disse «Discutam, mas não se dividam».
Como disse, estou plenamente convencido de que esta Câmara, e todos os Srs. Deputados, bem têm merecido o respeito da Nação, porque sinto que o País confia neles. Não queria deixar de, ao prestar a V. Exa. as minhas homenagens pela maneira como tem dirigido os trabalhos, prestá-la à libérrima liderança que aqui tem sido exercida, própria da hora que passa e que só dignifica a pessoa que a tem encarnado, liderança sempre acatada com o respeito devido
Sr. Presidente. É possível que eu tenha sido rude na minha maneira de falar. Fui criado à sombra do granito da velha Sé de Braga e quando era pequeno tinha o privilégio de subir as torres e ajudar os sineiros a tocar os sinos, e daí habituei-me à voz do bronze, que é forte e clara. Na minha casa vivia-se num ambiente serrano e a serra é franca e leal. Meus pais recebiam os parentes - minhas tias, tios, primos e primas - que vinham ali de capuchinha na cabeça, sobraçando açafates onde traziam bicas de manteiga, culpadas desta gordura que é hoje meu martírio (risos). À noite, depois de rezarmos o terço, elas fiavam as maçarocas de lã, lã que se destinava aos nossos agasalhos, e eu ouvia contar as cenas da seira, onde os lobos, aos quais os pastores faziam frente, roubavam os cordeiros. Muitos desses pastores eram da minha família.
De todas aquelas histórias havia uma que me impressionava e que constituía como que uma espécie de pergaminho de família um tio que tinha regressado do Brasil, quando lhe puseram em dúvida a intenção das suas palavras, chegou à feira de Basto pegou pela ponta de varapau e varreu a feira de um lado ao outro.
Sr. Presidente! Mais uma palavra apenas de comentário ao discurso do Sr. Presidente do Conselho Um atrevido, mas respeitoso comentário.
O Sr. Presidente do Conselho referiu-se às dificuldades de momento e apelou para que todos os portugueses soubessem vivei com modéstia e suportar os sacrifícios que a hora nos impõe
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Respondo ao Sr. Presidente do Conselho.
O povo português sabe perfeitamente que tem de sofrer esses sacrifícios. Não tema o Sr. Presidente do Conselho o povo, e eu, ao falar no povo, bem sei que o povo são todas as classes da Nação, mas falo daqueles que conheço, gente humilde que anda pelas terras, pelo meio dos campos e das ruas com quem me misturo todos os dias.
Ele tem dado o melhor de si para o ultramar, e o melhor de si é o seu sangue. Fá-lo com sacrifício, sim, com preocupação, sim, com tristeza e com a saudade que é característica da nossa raça, sim mas com orgulho e com satisfação desse imperioso dever que se cumpre.
O Sr. Martins da Cruz: - Eu suponho que não interpretei mal o pensamento do Sr. Presidente do Conselho nesse ponto. Suponho que não era a esse povo que o Sr. Presidente do Conselho se referia quando recomendou modéstia e discussão no modo de viver.
O Orador: - Muito bem, e já vou falar nisso.
Ainda há dias uma desgraçada mulher, a quem eu perguntava pelo filho, me dizia «Está para lá dos mares, meu senhor, a defender as nossas Áfricas» O povo sabe que os seus filhos estão a defender «as nossas Áfricas», o povo não coloca dinheiro no estrangeiro, nem se serve dos maiores subterfúgios para não dar os seus filhos ao serviço militar como tantos que tinham o dever moral de não o fazer.
O povo português tem sabido e há-de continuar a saber cumprir o seu dever.
Noutra parte do seu discurso o Sr. Presidente do Conselho referiu-se às delicadas opções dos próximos sete anos. Desejo ter uma palavra de recriminação para Salazar. O Sr. Presidente do Conselho feriu a minha sensibilidade - eu tenho este corpo mal acabado, mas tenho sentimentos de cristal Os homens não gostam de ouvir verdades, por mais verdades que elas sejam, quando são duras
Referiu-se depois às reflexões e às revisões não forçadas que teriam de se encarar.
Sobre isso quereria dizer, com o respeito e o acatamento que são devidos ao Sr. Presidente do Conselho, que seja quem for que o colégio eleitoral venha a chamar à chefatura do Estado, ninguém, absolutamente ninguém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, terá autoridade sobre a Nação e sobre os servidores do Regime para presidir a essa reflexão e a essa revisão senão um homem, cujo nome era escusado pronunciar, mas se pronuncia. António do Oliveira Salazar. É dele que esperamos a palavra de ordem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente. A Constituição Política da República Portuguesa atribui à imprensa uma função de interesse público, cometendo-lhe a grave responsabilidade de preservar a opinião pública, que a mesma Constituição define como uma força social.
E é-o de facto. Parece ser uma característica permanente do progresso social nos povos livres que os seus regimes políticos tendem a ser cada vez mais regimes de opinião, isto é, regimes de consciencialização generalizada sobre o valor dos princípios e das instituições que os integram.
De todos os sectores da cultura humana do nosso tempo ressalta, quando se debruçam sobre a coisa pública, a imprescindibilidade de o homem participar, de modo activo e consciente, no governo da sociedade de que faz parte.
Somos nós próprios um Estado ético, que faz da defesa da pessoa humana, com os inalienáveis direitos que lhe advêm da sua origem o destino transcendentes, ponto fulcral dos princípios que dão sentido e vida às nossas instituições. Por isso queremos que o homem aí esteja sempre presente, aí participe, aí viva não como abstracção de uma filosofia política, mas como uma realidade que na lealdade social se integra - com as suas aspirações, necessidades e exigências espirituais, morais, económicas, familiares profissionais, tudo, enfim, que dê sentido final ao que ele é - corpo e alma, pessoa humana que é isso mesmo.
Podem buscar-se aí algumas das razões por que a nossa Constituição considera a opinião pública - que é a expressão da consciência colectiva - uma força social que vá julgando as instituições o nesse julgamento defendendo firmemente os grandes interesses da grei.
Apesar da relevância que vêm adquirindo outros meios de informação, o certo é que, quanto à incidência de que desfrutam sobre a opinião pública, cabe ainda o primeiro lugar à imprensa. Daí que seja esta a que mais solicita a atenção do homem voltado à compreensão da sua presença social e a atenção do Estado responsável, em último escalão, pelo bem comum de que aquela é elemento.
Aí se põe por isso mesmo, problema de profundo melindre a relação Estado-pessoa frente à imprensa.
Neste, como noutros domínios de essencial natureza social e política as soluções concretas é que são muitas vezes o ponto da discórdia.
Seja qual foi. porém, a medida da intervenção que para um ou outro dos membros daquela relação se defenda e proponha, o certo é que a sua utilidade e eficiência se encontram sempre directamente ligadas à idoneidade da própria imprensa, o que também significa ao valor e consciência profissionais dos que a fazem - os jornalistas.
Profissão exigente é-o, sem dúvida, a desta classe, e não me refiro apenas às qualidades indispensáveis ao exercício técnico da profissão, mas, sobretudo, às de ordem moral, como a independência, a fidelidade aos superiores interesses da Patuá, o amor intransigente à verdade e à justiça, a coragem no combate a todos os abusos, o desinteresse na defeca dos nobres ideais e tantas outras.
Honra lhes seja, aos jornalistas portugueses, que, de um modo geral, demonstram na prática do seu ofício possuir em elevado grau o culto de tais valores.
Não obstante, têm os seus problemas os jornalistas portugueses referir-me-ei apenas a dois deles. E seja o ... da sua aspiração, que faço minha também, de uma lei de imprensa que ponha cada um no seu lugar.
Eu sei quão difícil é neste mundo de desorientação e de perturbação em que vivemos, e em que os mais sagrados valores e princípios da própria civilização são despeitados e vilipendiados, eu sei quão difícil é traçar o articulado de uma lei que, de per si, seja defesa suficiente daqueles mesmos valores e princípios e de tantos outros em relação aos quais seria pecado grave contra Nação consentir fossem de algum modo atacados ou sequer postos em causa. Mas confio em que o Sr. Ministro da Justiça, valor entre os valores da vida nacional, encontre, e sem demora, a solução que, nesse aspecto possa satisfazer aquela aspiração bem de maneira alguma comprometer o que não deve nem pode ser comprometido
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Outro problema que presentemente preocupa os jornalistas é o da sua situação salarial, que, desde há uns tempos, anda a criar certo mal-estar entre a classe.
O contrato colectivo de trabalho que estipula as diferentes categorias profissionais, com as respectivas remunerações, embora ligeiramente alterado em 1961, pode, contudo, dizer-se que permanece, no que mais interessa, tal qual foi assinado há quinze anos.
Não poderá deixar de reconhecer-se, por esse simples facto, a necessidade da sua actualização. Na verdade, o simples decurso daquele tempo a torna indispensável.
Tal como em qualquer outra profissão liberal, penso que no jornalismo a situação económica dos seus praticantes tem reflexos profundos e sérios no seu nível, na sua qualidade.
E isto tanto pela possibilidade de uma permanente actualização cultural e profissional, que é dispendiosa, como pela libertação, que é indispensável, das pequenas-grandes preocupações do governo quotidiano da vila, que, se existem para além da medida do razoável, impedem ou reduzem ou pelo menos tornam difícil e menos perfeito o trabalho intelectual em que assenta a própria profissão.
É certo que entre nós não têm os «homens qua vivem da pena» tradição de bem remunerados - pelo seu trabalho.
Se aí pudesse incluir o imortal Camões, diria que se não fora o seu fiel Jau, apesar da tença de el-rei, maior teria sido a sua miséria. Mas, vindo ao nosso tempo, lembrarei que foi há pouco tempo a enterrar um dos escritores mais brilhantes da literatura portuguesa deste século cujos réditos mensais provindos da sua obra não alcançavam os de um primeiro-oficial das secretarias do Estado.
Na medida em que os jornalistas de algum modo se assemelham, se é que, em certos aspectos dá sua profissão, se não identificam mesmo com os homens que vivem da pena, parece também sobre eles recair o peso da tradição aludida.
As relações entre o capital e o trabalho continuam a ser, em todo o mundo livre, aguda preocupação dos governantes. São-no também entre nós. No aspecto essencial da concórdia e da eficiente colaboração na defesa dos respectivos interesses teremos encontrado uma fórmula feliz entre nós as classes não desencadeiam a guerra recíproca, procuram antes, em mútuo esforço, descobrir a solução justa - solução justa para o capital, solução justa para o trabalho.
O contrato colectivo de trabalho dos jornalistas, a que aludi, é expressão dessa política social de entendimento, ele resultou da compreensão e da boa vontade dos dois organismos corporativos que detêm a representação das duas classes interessadas - Grémio Nacional da Imprensa Diana e Sindicato Nacional dos Jornalistas.
Muito será de desejar que essa compreensão e boa vontade se revelem agora fecundas e prontas na indispensável e necessária revisão das cláusulas daquele contrato.
De notar e de louvar, penso eu, a conduta das empresas que espontaneamente procederam já àquela revisão, estipulando para os jornalistas do seus quadros vantajosas condições de trabalho, que, no aspecto das remunerações e das regalias sociais, vão muito além das preconizadas no texto contratual.
E manda a justiça referir, neste caso, à empresa do Diário Popular.
Actualizando, por seu exclusivo alvedrio e em ordem a dar satisfação às aspirações dos seus profissionais, os termos do respectivo contrato, definiu-se como uma entidade atenta aos problemas sociais e capaz de resolvê-los em
condições que podem apontar-se como paradigma a recomendar.
É evidente que tão louvável solução pressupõe todo um condicionalismo industrial e financeiro que pode não se encontrar generalizado, o que desde logo leva a admitir diferença de possibilidades económicas, e logo, diferença nas próprias exigências da justiça a que importa dar satisfação. Mas seja qual for o quadro em que as relações do trabalho tenham de processar-se, havemos de convir que em caso algum poderia consentir-se solução que afectasse a própria dignidade do trabalho intelectual com as responsabilidades que se exigem e pedem a um jornalista.
Parece-me, por isso, que a estimativa da sua justa medida dependerá muito de estreita colaboração entre todos os interessados.
Pois que ela não tarde, que seja eficaz, para que, em actividade de tanta magnitude social, o exemplo da concórdia a todos se imponha.
Tenho dito!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público referentes a 1963.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez o ilustre relator das Contas Públicas, Eng.º Araújo Correia, nos dá, através de um notável parecer a que não faltam a enquadrá-lo alguns aspectos mais salientes da política internacional, ideia concisa, mas precisa, da actual conjuntura, estádio em que está incluso o caso português.
Ao fazer nesta Assembleia a apreciação genérica de tão notável estudo, não me posso dispensar, contudo, atendendo às dificuldades interpretativas de alguns fenómenos político-sociais e económicos dos tempos que correm, de apresentar singelo contributo na apreciação da panorâmica política que condiciona, em alto grau, a problemática económico-social do momento presente. É o facto de o efectivar através de diferente ponto de vista poderá dar, talvez, ao prólogo que me proponho fazer, um sentido de maior interesse para esta Câmara política
Sr Presidente, Srs. Deputados. Não se modificou muito, desde que, em Novembro passado, tive a honra de intervir na discussão, na generalidade, do Plano Intercalar de Fomento, o panorama político do mundo em que vivemos Mundo que não se circunscreve hoje, como outrora - refiro-me ao século decorrido e primeiras décadas do corrente -, à área restrita de um continente ou de continentes com maior afinidade política e económica. Na realidade, a facilidade de comunicações reduziu, digo, quase anulou, distâncias, determinando, correlativamente, a maior intimidade de relações entre povos antípodas.
Assim, o mundo a que me refiro é, presentemente, a extensão total do nosso planeta, incluindo hoje, mesmo, aquele invólucro infinitamente pequeno, que o é, do espaço sideral imenso que circunda este minúsculo ponto material da nebulosa que nos compreende
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Defina, então, as principais linhas de força política, condicionantes das relações entre os povos, dominando a economia e a vida social dos mesmos, e adiantei algo de perspectivas definidoras do sentido de novos movimentos significativos na política internacional, determinados estes, em grande parte, pelo evoluir da guerra fria que se desenvolve, desde o último conflito mundial, com intensidade crescente, entre os dois grandes blocos politicamente mais activos que dominam o mundo contemporâneo - o bloco comunista, abrangendo nas suas apertadas malhas cerca de um terço da população da Terra, e o conjunto que poderemos designar, por facilidade de expressão, ocidental, e que não deverá reunir, hoje, mais de um quinto dos viventes.
À fracção restante, cerca de metade da população do globo, constituída pela imensidade de povos subevoluídos dos continentes africano, asiático, sul e centro americanos, salvo as zonas onde os países ocidentais localizam, desde há muitos séculos, prolongamentos efectivos dos seus territórios ou onde a sua influência política e económica se mostrou dotada de maior perenidade, abrange espaço ainda imenso e populações que, mercê do seu atraso cultural e, frequentemente, miséria fisiológica, constituem presa fácil dos ideais materialistas Largo sector desta terceira fracção, constituído pelo vasto mundo muçulmano, alinha, com outros países, numa posição designada, internacionalmente, por neutralista, que é, apenas, forma cómoda, mas eficaz, de obter auxílios materiais dos dois blocos em presença e que, politicamente, ou é, de facto, independente quanto a ideologias políticas e crenças religiosas ou, apenas, comunista por interesse.
Finalmente, haverá a considerar mais um pólo dentro das fronteiras do neutralismo, e que é conveniente destacar pela sua influência no mundo financeiro - chamemos-lhe o núcleo israelita, focado, hoje, no Médio Oriente, mas mantendo raízes fundas em todo o ocidente capitalista.
Para melhor definir, sinteticamente, as linhas de força que irradiam dos principais centros políticos que denunciamos como dominantes no mundo contemporâneo impõe-se, agora, algo dizer sobre a sua génese, e isto, muito especialmente, em relação aos dois principais blocos actuantes - o comunista russo-chinês e o ocidental euro-americano, digamos expressões políticas e econó-mico-sociais - dos actuais rumos mais significativos do pensamento humano - o do materialismo marxista e o do espiritualismo cristão.
E para não cansar demasiado a atenção de VV Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou resumir o que considero fundamental neste capítulo, servindo-me, em parte, de elementos actualizados de um estudo oportunamente apresentado a um organismo político a que tive a honra de presidir durante largos anos
O termo da segunda guerra mundial foi acompanhado por uma vaga de rápida expansão do comunismo nos continentes europeu e asiático Esta difusão foi dominantemente causada pelo afundamento simultâneo dos regimes nazista e fascista, determinado pela rendição incondicional e pela superioridade manifesta dos ardis da diplomacia soviética, muito mais efectiva que a clássica diplomacia ocidental. Neste aspecto, há que confessar, com em muitos outros, que o génio de Estaline superou, largamente, a antevisão política de Churchill e do presidente Roosevelt.
O grito de alarme de Fulton foi já demasiado tardio Salazar, de resto, já o tinha lançado, com o seu admirável sentido de previsão política, muitos anos antes.
E este predomínio de acção da diplomacia soviética mais claramente se definiu quando a América tomou a perigosa iniciativa, através de diversos meios, e muito especialmente pela voz de utópicos professores universitários do desenvolvimento insensato de uma campanha anticolonialista em territórios ainda não preparados, ou totalmente deslocados, para uma atitude desta natureza. A Inglaterra trabalhista desbravou, por outro lado, o caminho, concedendo independências prematuras a vários povos imaturos, debaixo do ponto de vista político, sendo de especial relevância o caso da Índia britânica.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - A vitória diplomática de Estaline sobre a diplomacia ocidental revelou, contudo, a inconsistência da teoria filosófica do materialismo marxista, que os comunistas ortodoxos consideravam e consideram ainda como um dos sólidos pilares em que apoiam as suas certezas políticas. Com efeito, o aparecimento das «democracias populares», digo melhor, dos regimes comunistas da Europa ocidental, não foi, de fornia alguma, devido a uma intensificação das contradições da economia capitalista, mas, tão-sòmente, determinado pela presença efectiva do exército vermelho nos respectivos territórios.
Depois da vitória inesperada de Estalmegrado, como começassem a surgir esperanças fundamentadas ao ditador Kremlin da possibilidade de derrotar os exércitos invasores, todo o movimento comunista internacional iniciou uma nova táctica, que ficou sendo conhecida pela das frentes patrióticas. E sob a égide desta ideia, tão cara ao desolado povo moscovita, uniram-se na mesma cruzada de expulsão do invasor brancos e vermelhos, ateus e religiosos Constituíram-se paralelamente, em todos os países atingidos ou não pela invasão, vastas frentes unidas, englobando todos os agrupamentos políticos, desde a extrema direita à extrema esquerda, sob a direcção, mais ou menos encapotada, das minorias comunistas, então verdadeiramente comandadas Estes movimentos de ampla unidade serviram também, em grande parte, para estruturar as actividades da resistência nos países ocupados.
No fim da guerra, o prestígio da Rússia e do comunismo tinha saído, como é compreensível, acrescido, especialmente pelas incompreensíveis atitudes de fraqueza e de consequente recuo das forças aliadas ocidentais e possibilidades de ocupação concedidas, no Extremo Oriente, aos exércitos russos, que, praticamente, sem darem um tiro, foram os grandes vencedores das forças nipónicas.
A América do Norte e a Grã-Bretanha tinham feito as despesas do conflito e os Russos limitaram-se a colher avidamente os seus frutos. Os movimentos de resistência já referidos vieram a ser, depois, no rescaldo do conflito universal, os responsáveis pelo assassínio, em massa, em alguns países, como a França, de inúmeros elementos das suas classes dirigentes Estaline contou a partir de então com eles, também, para estender o imperialismo soviético ao resto da Europa Começou, como era natural, pelos países ocupados pelo exército vermelho, e assim foram-se constituindo as democracias populares pseudoparlamentares da Polónia, da Roménia, da Bulgária, da Alemanha Oriental, da Jugoslávia, da Albânia e, mais tarde, da Checoslováquia.
A táctica destes movimentos pró-comunistas foi a mesma em todos estes países. A frente resistente incluía o partido comunista local, este protegido pelas forças do exército vermelho de ocupação. Formava-se depois um governo de coligação democrática e os comunistas exigiam sempre, como era de sua conveniência, os Ministérios do In-
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tenor e da Defesa Nacional. Depois, manobrando no interior da frente nacional, criavam atritos entre os diferentes partidos. Naqueles que se lhes opunham mais tenazmente os chefes eram declarados fascistas ou nazistas e, como traidores, eram detidos. Depois dava-se a infiltração marxista, e por este processo, dentro de pouco tempo, os comunistas achavam-se numa situação de preponderância, o que lhes permitia formar, fàcilmente, o partido único, que inaugurava o novo regime da Democracia popular. Quando, porém, a resistência fosse maior, como aconteceu no caso da Checoslováquia, não hesitava o comunismo em lançar mão do assassinato político ou dos pseudo-suicídios, ou, ainda, dos golpes de Estado, sempre sob a protecção e conselho amigo do pacífico exercito vermelho.
Este método de conquista do poder, porém, falhou redondamente nos países industriais mais evoluídos da Europa não ocupados pelas forças russas.
Em França, onde o partido comunista no momento da libertação tinha uma posição numérica bastante apreciável, De Gaulle conseguiu evitar, mas já muito próximo do abismo, é certo, que o partido comunista Francês tomasse uma posição preponderante, e as formações subversivas militarizadas foram então prontamente desarmadas. De resto em 1945, o próprio Estaline deve de travar as veleidades revolucionárias dos dirigentes do partido comunista francês, com o receio de que uma insurreição comunista armada revelasse demasiadamente cedo os objectivos da sua política e provocasse uma reacção inconveniente para a estratégia preestabelecida para a submissão dos países anglo-saxónicos e muito especialmente para o domínio da América de Norte. Na Itália passou-se evolução semelhante.
Quando no fim de 1916, princípios de 1947, o Kremlin resolveu de novo encarar a sério o problema da sovietização da Europa ocidental, já era, porém, muito tarde. A reacção activa contra a comunização do mundo ocidental tinha-se iniciado em meados desse ano.
Assim, em 12 de Maio de 1947, a doutrina Truman substituía oficialmente a errada política de apaziguamento de Roosevelt, graças às investidas feitas pelo comunismo sobre a Grécia e sobre a Turquia, acções bélicas que acabaram por abrir os olhos aos ocidentais em relação às verdadeiras intenções russas. Os Estados Unidos da América começaram então a fornecer rapidamente armas à Grécia, e já em plena guerra civil, em Novembro desse ano, constituiu-se um estado maior conjunto.
Nos fins de Maio de 1947 os ministros comunistas dos Governos Francês e Italiano eram afastadas das suas funções e os respectivos partidos comunistas entraram em oposição declarada ao regime. Em Junho nesse mesmo ano iniciou-se o célebre Plano Marshall, plano de larga projecção, que teve por objectivo salvar a Europa da miséria económica criada pela guerra. Depois de algumas hesitações, todo o bloco soviético, coma era de esperar, e todos os partidos comunistas do mundo livre, incluindo o movimento comunista português desencadearam uma campanha intensa contra essa medida, que viria a salvar, porém, o Mundo da escravidão, mas que, segundo Estaline, estava destinada apenas a lançar a Europa nas garras do imperialismo (...). A guerra fria tinha então verdadeiramente começado.
O comunismo internacional abria assim um novo período táctico, adoptando em toda a parar uma política de extrema violência, que se revelou principalmente na França e na Itália.
Em Fevereiro de 1948 dá-se o célebre golpe de estado de Praga, mas em Junho seguinte verifica-se, em contrapartida, a rotura de Tito em Moscovo. E é sintomático observar que a Jugoslávia era então, de facto, o único país da Europa oriental que não estava ocupado pelo exército vermelho.
Foi assim traçada a impenetrável «cortina de ferro», que separa a Europa ocidental do bloco dominado pelo mundo eslavo.
A reacção dos países livres contra o comunismo vai-se, contudo, acentuando a pouco e pouco. Em 17 de Março desse ano é assinado o Pacto de Bruxelas, em 16 de Abril o acordo para a O E. C. E. e nesse mesmo mês o Pacto do Atlântico Norte.
O Ocidente vence ainda neste difícil período a crise provocada pelo bloqueio de Berlim, e desde esse momento pode considerar-se verdadeiramente contida na Europa a expansão do imperialismo soviético.
O Kremlin, porém, volta de novo à carga, com a agitação interna em cada um dos países. Por intermédio dos partidos comunistas e das organizações satélites, entre as quais convém citar Conselho Mundial da Paz, Federação Mundial das Juventudes Democráticas, União Internacional dos Estudantes, Federação Internacional das Mulheres Democráticas, Comité Internacional Permanente das Mães, Federação Internacional e Sindical do Ensino, Associação Internacional dos Juristas Democráticos, Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, Organização Internacional de Radiodifusão, Federação Internacional de Resistência, Comité Internacional para o Desenvolvimento do Comércio, são realizadas campanhas gigantescas contra o mundo ocidental, contra os denominados «fautores da guerra», contra a N A T O , contra os armamentos nucleares, etc., utilizando-se todos os meios de influenciar a opinião pública, segundo as mais modernas técnicas psicológicas. Numa palavra, inúmeras organizações pseudodemocráticas de modelo marxista unindo-se contra as antiquadas democracias liberais do Ocidente.
Na França e na Itália novas vagas de greves são desencadeadas pelos partidos comunistas, o mesmo se verificando na Grã-Bretanha, com especial realce a célebre greve experimental no domínio das indústrias eléctricas, que paralisou durante prazo embora curto toda a vida industrial desse grande país.
Vejamos, agora, o que se passou noutros continentes.
Já Lenine afirmara em 1923, depois de ter reconhecido que na Europa não alastrara, como tinha previsto, a revolução bolchevista, que os comunistas deveriam considerar outros teatros de operações, de expansão mais frutuosa, especialmente o continente asiático, e, em primeiro lugar, os países numèricamente mais populosos e de situação económica menos florescente, pois o joio domina sempre as searas de menor viço.
Dentro deste critério foi escolhido pela Rússia o enorme espaço chinês. Julgo, porém, que essa decisão soviética foi erro fundamental e fatal para a sua estratégia revolucionária. A partir desse momento estava, de facto, potencialmente denunciada a possibilidade de a Rússia ter de se bater, mais tarde ou mais cedo, em duas frentes.
Desenvolve-se, também, paralelamente a luta pelo aniquilamento dos mercados e fontes de abastecimento de matérias-primas do mundo ocidental.
Poucos anos volvidos, devido a uma política extremamente contraditória dos mentores do Ocidente, foi dada, porém, realidade ao sonho de Lenine de generalizar à grande Ásia a revolução comunista. De todas as incoerências da política americana quanto ao espaço chinês, as
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mais evidentes foram, nesse momento histórico, as seguintes.
1.º O veto oposto em relação à ofensiva que Chang Kai-Chek quis lançar, em Novembro de 1945, contra os comunistas chineses, para evitar que estes se apoderassem de enorme quantidade de armas e munições que os japoneses haviam deixado na Manchúria, ofensiva que, certamente, teria esmagado as tropas de Mao Tsé-Tung.
2.º O armistício imposto pelo general Marshall, quando em Agosto de 1946 as forças comunistas se retiravam em desordem perante 100 divisões do Koummtang, armistício este que salvou, pela segunda vez, Mao Tsé-Tung.
Duas atitudes ainda hoje incompreensíveis dos Norte-Americanos perante esta perigosa ofensiva do comunismo internacional.
3 º A supressão dos créditos e o embargo de armas para o Koumintang, pelo Departamento de Estado, por Chang Kai-Chek ter inaugurado, em 14 de Novembro de 1946, uma assembleia nacional sem a participação de elementos comunistas.
Os comunistas aproveitaram esta oportuna trégua para constituírem e armarem novas divisões. O equilíbrio rompeu-se, então, a favor de Mão Tsé-Tung, e quando em Junho de 1947 os exércitos comunistas desencadearam a ofensiva, esta foi de vitória em vitória, até que, em Outubro de 1949, o chefe comunista chinês proclamava a República Popular da China, compreendendo um espaço imenso povoado por 600 milhões de habitantes.
À República Popular tomou logo de início uma atitude de extrema hostilidade contra as potências ocidentais, e, apesar do seu nacionalismo radical, isto não impediu que a China comunista de Mao Tsé-Tung alinhasse com os Russos, convencida como estava de que haveria de substituir, e só ela, o Japão como leader dos povos asiáticos.
A partir de 1950 foram empreendidas uma série de acções para a expansão do comunismo no Sudeste asiático nos países que, recentemente, tinham adquirido prematura independência.
Assim, rebentaram insurreições armadas na Malásia, na Indonésia, na Birmânia, nas Filipinas, etc., e, finalmente, deflagraram as desgastadoras guerras da Coreia e da Indochina, que o Russo aproveitou, e aproveita ainda hoje, para debilitar a economia do Ocidente, especialmente a dos Estados Unidos, e criar, ao mesmo tempo, uma opinião pública desfavorável a intervenções militares no Oriente.
Vejamos agora o que se passou, e está passando, noutros teatros de operações deste guerra revolucionária, especialmente naqueles de maior valia para a Europa - o continente negro e o Médio Oriente -, que pelo seu nível de produção de matérias-primas e valor estratégico no domínio militar constituem posições de real interesse nesta luta que se trava pelo domínio do mundo civilizado.
Foi, de facto, nestes últimos anos que mais se acentuou nesses teatros da guerra revolucionária a ofensiva das forças comunistas, e isto já no período da política internacional conhecido pelo da coexistência pacífica que teve como principais autores o Presidente Kennedy e Kruschtchev, digamos o binário K-K. Estava então já consumado o desastre do Suez e o abandono das principais possessões europeias no Norte do continente africano.
Os dirigentes comunistas consideram que esta fase da evolução do mundo capitalista é fundamentalmente caracterizada pela supremacia absoluta, digamos, do «capital financeiro».
Esta conclusão serviu de fundamento à atitude de estratégia comunista de estimular, por todos os meios ao alcance dos seus agentes, a acentuação de todas as supostas «contradições estruturais das sociedades capitalistas previstas nos planos subversivos de Lenine».
Entre estas «contradições», as mais importantes a realçar são as seguintes:
1) As que se verificam entre o capital e o trabalho,
2) As contradições entre os diferentes grupos financeiros,
3) As contradições entre os interesses económicos das colónias, os dos territórios ultramarinos das nações europeias e as respectivas metrópoles
A primeira gera as lutas sociais e as guerras civis, a segunda as lutas pelas fontes de matérias-primas e por novos mercados, a terceira contradição é causa dominante das guerras coloniais e dos movimentos racistas.
Daí o interesse que o comunismo começou a manifestar por todos os movimentos que pudessem tornar tensos os laços da solidariedade entre as metrópoles, as colónias, as províncias ultramarinas ou os territórios dependentes. Tudo o que pudesse enfraquecer o «sistema colonial do Ocidente» deveria ser assim logo aproveitado, o melhor possível, pelos chefes comunistas, continuando, porém, a União Soviética a realizar o pior dos colonialismos que a história tem registado.
Este sentido da acção demolidora para o Ocidente da insidiosa coexistência pacífica aceite pelo Presidente Kennedy na fatídica reunião de Viena.
O anticolonialismo comunista não provém, assim, de quaisquer preceitos morais (aliás difíceis de conciliar com a dialéctica materialista). E simplesmente uma arma cómoda utilizada no desenvolvimento da revolução mundial, e a sua utilização deve subordinar-se à estratégia seguida em cada etapa.
É claro que o movimento anticolonialista não é fomentado, hoje, somente pela U R S S e, mais recentemente, pela China. De facto, a independência de muitas antigas colónias inglesas, holandesas, francesas e belgas e de territórios sob tutela ou protectorados deve-se também, em grande parte, ao anticolonialismo norte-americano, ao socialismo anglo-saxónico e ainda a certas formas de anticolonialismo maçónico.
Mas veja-se como os dirigentes comunistas, do Kremlin, sabem aproveitar bem a seu favor todas as desinteligências que se manifestam no mundo ocidental. Kruschtchev, num discurso, afirmava, por exemplo, naquele estilo que lhe era tão peculiar, o seguinte.
Aumentam as contradições e a luta entre as potências coloniais pelas esferas de influência, fontes de matérias-primas e mercados para a colocação dos seus produtos. Os Estados Unidos da América esforçam-se por «deitar a mão» às possessões coloniais das potências europeias - o Vietname passa das mãos da França para as dos Estados Unidos e o Congo Belga e a Argélia da Bélgica e da França para as dos Norte-Americanos. É sabido também que dantes as riquezas petrolíferas do Irão se encontravam totalmente nas mãos dos Ingleses, e que agora estes têm-se visto obrigados a partilhá-las, progressivamente, com os Norte-Americanos, lutando, actualmente, os monopolistas dos Estados Unidos para afastar por completo os Ingleses Acentua-se a influência norte-americana no Paquistão e no Iraque, encoberta pela bandeira de «livre iniciativa».
Na realidade, Kruschtchev tinha, em grande parte, razão neste ponto. Os apetites egoístas de certa finança judaica e dos grandes monopólios americanos fizeram e fazem
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esquecer, muito frequentemente, que uma das municipais condições para a defesa do mundo ocidental se encontra na unidade e na harmonia dos interesses das diferentes nações, grandes e pequenas, evoluídas e subevoluídas, por forma que o mundo ocidental se possa apresentar, do facto como um sólido bloco perante o imperialismo soviético.
A formação de alianças militares, como o Pacto do Atlântico, devia seguir-se a constituição de alianças económicas e não diferenciação marcada de zonas comerciais, como as do Mercado Comum, de livre-câmbio e outras que provocam uma surda luta de competências e manobras subterrâneas desenvolvidas nos bastidores da vida política e económica, para a conquista de novas fontes de matérias-primas e de novos mercados para as crescentes indústrias das grandes potências.
E é assim que o comunismo internacional, aproveitando estes graves erros do mundo ocidental baseia a estratégia neste período de coexistência pacífica, especialmente no sentido de separar os países europeus dos continentes africano e asiático II
A linha de conduta táctica da U. R. S. S. fase é simples, e pode ser assim resumida.
1) Actuando entre os bastidores, os comunistas fomentam a criação de movimentos nacionalistas e a infiltração nos sindicatos e noutras organizações,
2) Os movimentos nacionalistas, apoiados por organizações cuptocomunistas, exigem a independência da colónia em questão e passam à acção (manifestações, violências e, eventualmente, sublevações armadas e guerrilhas). Nesta fase, através dos partidos comunistas e da rede internacional de organizações satélites, a U. R. S. S. fornece armas e dinheiro aos movimentos nacionalistas o os influentes comunistas actuam no sentido de impediu um acordo pacífico no conflito entre a colónia e a metrópole,
3) A diplomacia soviética e os agentes comunistas nos países das conferências de Bandung e do Cano «aconselham», e se necessário proporcionam, aos governos desses países, a apresentação do litígio na O N U. Esta acção é seguida de uma ampla campanha do aparelho daí propaganda comunista (imprensa, rádio, petições das organizações internacionais, etc.) para provocar um «movimento de opinião mundial».
4) Uma vez levado o assunto à tribuna na O N U , na U R S S , com os seus partes satélites, apoia esta acção e com eles forma um bloco, que devido ao jogo das abstenções e do veto soviético, pode conseguir uma maioria de votos e obter uma decisão da ONU favorável à tese da independência da colónia, colocando a respectiva metrópole sempre «no banco dos réus».
A política soviética nos territórios dos países coloniais obedece quase sempre ao mesmo modelo. Adaptar os movimentos nacionalistas, inspirá-los e dirigi-los sem que o comunismo apareça nas primeiras filas de luta. Depois, manter o domínio sobre os partidos comunistas locais e organizações pró-comunistas, assim como sobre os sindicatos operários.
Nos países de independência recente e de uma maneira geral nos países subdesenvolvidos da Ásia, África ou América Latina, a estratégia anterior anticolonialista é completada, porém, por uma táctica especial, desenvolvida em três fases destinadas a encaminhar estes países para o que se chama o «neutralismo positivo», e assim desligá-los do Ocidente. Segundo esta orientação, este países devem manter uma posição de aparente equilíbrio entre o comunismo e o mundo livre. Mas, na realidade, o neutralismo positivo só favorece os progressos do comunismo. E, assim, vejamos.
Em muitas das antigas colónias manifesta-se um nacionalismo agressivo determinado pelos movimentos de autonomia e independência e dirigido, em geral, contra o Ocidente e, em especial, contra os seus antigos tutores. Em certos países da América Latina existem também gérmenes de um antagonismo crescente contra o predomínio dos Estados Unidos da América e, no próprio coração da nação americana, o comunismo internacional estimula os sentimentos racistas e anti-racistas, provocando uma agitação contínua das populações brancas e negras.
A intensificação destes sentimentos racistas e nacionalistas impede o desenvolvimento, na opinião pública, de certas críticas emitia o imperialismo e colonialismo soviéticos. Aliás, essas críticas contra a União Soviética são consideradas pela doutrina do «neutralismo positivo» como «não amigáveis». Nas opiniões públicas desses países geram-se, assim, sentimentos de ódio contra o Ocidente o simpatias a favor do comunismo, cujas terríveis realidades são ignoradas. Em muitos países africanos, por exemplo, formou-se a convicção de que a U R S S é o único país, que não tem interesses coloniais, e, portanto, o único de que se pode aceitar auxílio, sem perigo de se cair numa «armadilha colonial» ou num colonialismo disfarçado de auxílio económico.
Os Sovietes têm aplicado, por exemplo, esta táctica em várias conferências afro-asiáticas. Assim, na primeira Conferência do Cairo, em Dezembro de 1957, enquanto um dos delegados soviéticos, Rachidov, aconselhava os países subdesenvolvidos a nacionalizarem as empresas estrangeiras - o que seria um meio infalível de suprimir todos os investimentos ulteriores de capitais ocidentais -, um outro nisso, Arzounaman, fazia a propaganda da ajuda soviética.
Podemos construir para vós - dizia - uma fábrica a ou uma via férrea, erguer um centro de investigação científica ou uma instituição cultural, segundo as vossas necessidades. Podemos enviar-vos especialistas ou acolher os vossos, para que visitem as nossas empresas e os nossos institutos. Podemos mandar, para vós, os nossos professores e vós podereis enviar à Rússia os vossos estudantes. Fazer o que melhor vos convenha.
Isto em L'Humanité de 30 de Dezembro de 1957.
E é assim que sob as aparências de assistência técnica e cultural ao mundo subevoluído, a Rússia o China vão realizando a infiltração economiza e política dos comunismos eslavo e amarelo.
A operação de infiltração segue normalmente, o seguinte plano, que se tem realizado em três fases.
1.ª fase - Fazem-se ofertas bastante prometedoras aos países subdesenvolvidos, exaltando as possibilidades imensas que representa uma potência de 216 milhões de habitantes (a U. R S S ) com os seus satélites europeus ou dos 600 milhões de chineses, quer para a companhia, quer para a venda. Oferece-se a estes países o que lhes falta. Promete-se-lhes depois comprar o que produzem a mas e costumam exportar para o Ocidente. Os primeiros acordos são sempre vantajosos para e país não comunista Moscovo vendeu ... a Nasser e petróleo à Argentina a preços inferiores aos do mercado internacional, o que não nos deve admirar se tivermos em linha de
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conta que aquele cereal foi obtido através da negra espoliação feita à Roménia, Hungria e Bulgária.
2.ª fase - A propaganda segue os produtos enviados. Sob o pretexto de dar uma assistência técnica (por exemplo, para o funcionamento de máquinas), equipas de especialistas soviéticos ou chineses instalam-se no país. Assim, de Janeiro a Junho de 1957, 2000 técnicos soviéticos e chineses instalaram-se, desta forma, em países não comunistas. Todos estes técnicos são filiados no partido e são também especialistas de propaganda.
Além disso, existem nestas equipas de técnicos agentes dos serviços secretos. Os «técnicos» rapidamente, procuram lançar as bases de um partido comunista local, se ele não existe, ou desenvolver o que existe, ou ainda estruturar um movimento neutralista (fundando, por exemplo, uma associação de amizade com a U. R. S. S.). Não se esquecem igualmente de estabelecer os primeiros elementos de um serviço de espionagem.
3.ª fase - A tarefa seguinte consiste em impelir o país assim infiltrado para a rotura com o Ocidente e para o «neutralismo positivo», o que significa conquista para o inundo soviético.
Para esta fase final usam-se três métodos:
a) Primeiramente os técnicos são levados a Moscovo e a Praga Centenas de jovens seguiram estudos técnicos pata serem doutrinados ou, ainda, para serem transformados em especialistas de subversão.
Existem escolas deste último tipo em Moscovo, em Varsóvia e em Praga. A mais conhecida é a desta última cidade que funciona num bairro periférico da capital da Checoslováquia, onde jovens africanos recebem uma formação revolucionária. Cada curso é frequentado hoje por cerca de 200 estudantes africanos e dura dois anos, os alunos recebem um subsídio mensal elevado. As lições são dadas em francês, inglês, árabe e vários dialectos africanos Além da preparação dos propagandistas comunistas africanos outros «especialistas» são formados nestas escolas. Trata-se de técnicos industriais, de cineastas, de radiotelegrafistas, principalmente, que estudam os dialectos, nestes estabelecimentos com vista às missões que lhes serão designadas em África.
b) Em segundo lugar os Sovietes fazem uma enorme propaganda em torno da mais pequena realização que efectivam, ou do mais pequeno tratado que assinam, enquanto os Ocidentais em geral, não fazem a mínima publicidade sobre a sua actividade, que é, de longe ainda mais importante. Graças a esta orquestração, os comunistas dão a impressão, na opinião pública mundial, de que buo eles os únicos que são capazes de trazer uma ajuda eficaz, e esta opinião pública faz de facto pressão efectiva nos governos dos povos subdesenvolvidos.
c) Enfim, se as trocas comerciais adquirem um certo volume, a U R S S não hesita em proceder a uma verdadeira chantagem. Assim, a Jugoslávia teve a imprudência de desenvolver em excesso as suas trocas comerciais com a Rússia e satélites 37 por cento do seu comércio externo fazia-se, em 1957 com os países do bloco soviético. Em Maio de 1958, como Tito não se resolvesse a inclinar-se perante Kruschtchev e reconhecer a tutela do Partido Comunista da U R S S , os Sovietes cessaram as suas entregas e as suas compras, apesar de acordos regularmente assinados, decidiram, unilateralmente adiar, por cinco amos, a sua aplicação e criaram deste modo enormes dificuldades económicas à Jugoslávia.
Por fim não nos devemos esquecer da penetração cultural do XX Congresso do Partido Comunista da U R S S Mikoyan criticava o Instituto do Oriente da Academia das Ciências da U R S S , que, segundo ele, se encontrava adormecido, enquanto que o Oriente despertara.
Críticas análogas foram feitas contra os estudos africanos da U R S S. O conjunto destes serviços foi depois reorganizado, de forma a servir melhor esta estratégia de penetração política do comunismo.
Em Novembro de 1957, por exemplo, o Prof. Potekine, um dos especialistas mais conhecidos de questões africanas da Universidade de Leninegrado, pronunciava em Ghana conferências sobre a constituição da U R S S , sobre o materialismo histórico, etc. O conjunto dos estudos africanos da U R S S é orientado para o «movimento da libertação dos povos» e procura formal pessoal de que a U R S S tem necessidade para se infiltrar nestas regiões e influenciar os intelectuais e os estudantes destes países.
Moscovo e Pequim ligam maior importância, porém à aliciação da geração que sucederá à dos actuais actuais dos países subdesenvolvidos.
A este respeito devemos acentuar que esta preocupação já não é de agora. Na Fiança, na Inglaterra, na Bélgica, os partidos comunistas locais manifestaram sempre especial interesse pelos estudantes ultramarinos matriculados nas Universidades metropolitanas, especialmente os de raça negra.
Em Paris podia afirmar-se, até há pouco tempo, que todas as associações de estudantes ultramarinos, e são relativamente numerosas, ou se encontravam nas mãos dos comunistas, ou, perigosamente, infiltradas por eles. Por outro lado, os professores comunistas das escolas superiores francesas dedicavam especial carinho a estes estudantes coloniais. Um grande número deles, ao regressarem à sua terra natal, eram e são, pura e simplesmente, utilizados como agentes comunistas ou então, pelo menos, manifestam grande simpatia pelas doutrinas marxistas. É revelador o facto de bastantes leaders políticos e sindicalistas dos territórios africanos franceses, ingleses ou belgas conhecidos pelas suas simpatias comunistas, terem sido estudantes metropolitanos.
Actualmente vários milhares de estudantes africanos e asiáticos conseguem bolsas de estudo para as Universidades da U R S S, da Checoslováquia, etc.
Um dos instrumentos mais activos nesta penetração culturul soviética junto dos estudantes dos territórios africanos é a União Internacional dos Estudantes bem como a Federação Mundial da Juventude Democrática. Sob o patrocínio destas duas organizações, satélites do comunismo internacional, têm lugar incessantes viagens de emissários soviéticos aos países de África e de estudantes africanos à Rússia e à China.
Estas duas organizações satélites organizam festivais da juventude e dos estudantes, sendo uns dos últimos os de Moscovo e de Viena, particularmente dedicados aos jovens de África e da Ásia As viagens foram ou totalmente pagas ou facilitadas pelo Governo Russo e sempre submetidas a eficaz planeamento.
Também os acordos assinados com a U R S S e com a China Vermelha incluem cláusulas culturais. Assim, os acordos assinados por Nasser previam o envio, em cada ano, para a U R S S de 900 missões compostas por estudantes e professores, trocas permanentes de professores, o ensino do russo no Egipto e na Síria e a abertura no Cairo de um Centro de Informações Científicas Soviéticas
O mesmo se está a passar no Iraque.
Esta política está já a dar, como era de prever, os seus frutos. As associações de estudantes de vários países árabes (Iraque, Suécia etc.) são hoje, pràticamente, comunistas. Por todos estes meios e por outros - venda de
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armas, organizações de massa (Partidários da Paz, por exemplo), visita de delegações, espionagem para e simples -, a U R S S e a China desenvolvem constantemente a sua influência nestas regiões do Mundo, com um grande luxo de meios e de uma demagogia sem escrúpulos. Trata-se, assim, efectivamente, de uma agressão permanente.
Muitos factos passados entre nós, e que criaram (...) emocionais que a situação económica e social do País em nada justificava, só podem ser compreendidos na sua essência tendo em atenção a estratégia de acção do comunismo internacional O que fica dito esclarece segundo penso, com nitidez, o clima em que se desenvolvera presente ofensiva comunista.
Por outro lado, as ligações que prendem estes vários actos ofensivos com outros da mesma natureza verificados além-fronteiras demonstram bem o carácter extensivo da acção.
Assim, não devemos perder de vista que a tempestade que assola o continente e o ultramar português embora de natureza a classificá-la de invulgar intensidade na escala de sucessos subversivos, é, contudo, apenas corolário de um teorema de mais larga projecção mundial.
Não desconhecendo as suas causas, é possível, julgo, melhor obviar os seus efeitos.
Isto dizia eu em Maio de 1950, quando ainda não tinha deflagrado o terrorismo angolano. Repito-o hoje sem grandes alterações, em Março de 1965.
De então para cá tem-se vindo, de facto, a verificar, passo a passo o que então se antevia.
A penetração russa tem-se verificado, especialmente, através do Médio Oriente e Norte de África, com o objectivo de flanquear, pelo sul as posições da N A T O Para ataque mais directo à América do Norte, lançou ferro no mar das Antilhas e o porta-aviões «Cuba», mesmo em frente das costas norte-americanas. Por outro lado, através de guerras revolucionárias de vários matizes, a Rússia vai ocupando, por forma encoberta, outras posições estratégicas insulares de valor, como Chipre e Malta, no eixo do mar Mediterrâneo, criando, assim possibilidades para dificultar, de futuro os movimentos das esquadras da superfície e submarinas da N A T O
Procura também, e por todos os meios, atinge a solidez política o social da Península Ibérica, ... fundamental na defesa da Europa.
A China Vermelha, por outro lado aparentemente com os mesmos objectivos, segue, porém, trajectória diferente. Apoiada no Leste de África, na Tanzânia, parte daí para lançar movimentos subversivos no Centro do continente negro no Congo Belga e na República de Brazzaville, esta última posição já nas margens do Atlântico, procurando, ainda subverter o Norte da província de Moçambique para, depois, iniciar o ataque envolvente à América do Sul.
Não é, assim, difícil antecipar a indicação do valor que, para a defesa do mundo ocidental e da África do Sul, representam, hoje, os territórios de Moçambique de Angola e da Guiné, e quão avisada tem sido a política do Governo Português de defesa militar, à custa de todos os sacrifícios, dos territórios de Portugal no continente negro. Na realidade, defendemos, nessas paragens não só o solo bendito da Pátria, mas também uma civilização milenária de que fomos e somos principal expoente.
Vejamos agora em poucas palavras, como podemos valorizar debaixo do ponto de vista económico e social a posição dos dois grandes blocos em presença e assim definir o seu peso relativo neste equilíbrio instável que caracteriza o mundo actual. E não vale a pena, na realidade referiu mais aspectos de ordem política ou militar, além dos que já foram enunciados, porque o poder destruidor dos actuais armamentos nucleares, concentrados em um e outro lado da cortina de ferro, num hipotético conflito que se desencadeasse com o uso de meios atómicos, não deixaria certamente no epílogo, nem vencedores nem vencidos, mas apenas o caos generalizado a grande parte da superfície da Terra.
Assim, o acréscimo do número de membros do clube atómico, como hoje é uso dizer-se, ampliado, recentemente, com a inclusão da China Comunista, apenas representa aumento significativo do risco de qualquer política imprudente poder vir a desencadear um tal cataclismo. E isto é especialmente de temer quando esta potabilidade venha a verificar-se a partir de diligentes de um país que abranja extensos territórios povoados por populações numerosas mas susceptíveis de se , dispersar, como é o caso chinês, por largos espaços.
Como definir, então sinteticamente as posições económico-sociais dos dois blocos em presença?
O bloco comunista é, sob o ponto de vista económico, assaz heterogéneo Socialmente não são menos díspares as condições de existência das respectivas populações.
A Rússia, desenvolvendo com os seus sucessivos planos de fomento as infra-estruturas económicas e as indústrias pesadas realizou efectivamente, um trabalho gigantesco de recuperação do atraso em que se encontrava em relação ao Ocidente europeu, quando se deu a comunização do império dos czares.
E embora o seu potencial produtivo seja ainda, aferido em relação às principais indústrias pesadas e possibilidades energéticas inferior ao da Europa ocidental e ao dos Estados Unidos, considerados isoladamente, o que é facto, porém, é que o acréscimo que se tem verificado nestas últimas quatro dezenas de anos sob leva a admitir o seu próximo nivelamento com as regiões mais evoluídas do mundo industrial. Porém, quanto a indústrias de consumo, o atraso mantém-se, de forma que é ainda grande o desnível em relação à posição ocidental.
Relativamente à exploração agrícola dos solos, a colectivização da agricultura resultou em um completo malogro, constituindo apenas excepção, por medidas tomadas nos últimos anos permitindo a milhões de cultivadores a exploração puxada de pequenas glebas, a produção de proteínas animais - principalmente leite e criação avícola -- bem como certos produtos de pequena pecuária, que aparecem boje, de facto, em quantidade avultada no mercado negro.
A deficiência estrutural da agricultura soviética, agravada por maus anos agrícolas, levou este país a exercer forte pressão sobre os países balcânicos situados na fértil região das terras negras, obrigando essas nações a dispor, e por baixo preço, para alimentação do povo russo, de parte apreciável das suas colheitas. E no decurso do passado ano houve mesmo que importar quantidades elevadíssimas de cereal americano e canadiano.
Por outro lado, os camponeses russos - refiro-me aos que trabalham nas propriedades colectivas e nas do Estado - fazem parte da classe com menos regalias da Soviética.
As classes privilegiadas e com níveis de existência e prerrogativas que anulam mesmo grande parte dos primitivos fundamentos igualitários do regime marxista são a classe formada pelos funcionários e aderentes do Partido Comunista, a constituída pelos elementos mais destacados das forcais armadas, a dos técnicos especializados e ainda a dos intelectuais e cientistas do partido
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Como vemos o movimento marxista russo orientado no sentido de uma classe única ou para a ausência de classes - termo final de utopia comunista -, está a orientar-se, sim, e a passos largos, é facto, mas em sentido oposto, aproximando-se o marxismo soviético dos regimes dominantes no Norte da Europa, onde a socialização dos factores de produção ficou num meio termo, já hoje difícil de ultrapassar, quer no sector industrial, quer no dos serviços e que só aflora levemente no sector primário.
Se é esta, em síntese, a situação económica e social da Rússia Comunista e dos satélites balcânicos, a China Vermelha apresenta-se ainda em estádio mais atrasado, passando pela primeira fase da industrialização e das realizações infra-estruturais e isto mesmo à custa de um esforço titânico, pois o atraso em que se encontrava esta nação correspondia a vários quartéis em relação ao Ocidente.
A tentativa totalmente falhada da colectivização agrícola chinesa, que se verificou num meio mais pobre do que aquele que serviu de substrato à tentativa russa, foi, na China, de efeitos muito mais graves para a estabilidade do regime marxista. Não devemos esquecer que estão submetidos hoje a uma verdadeira escravatura dezenas de milhões de rurais chineses. Destruídos brutalmente todos os laços familiares, bem como as tradições campestres de milénios de existência, que davam ao ambiente agrícola chinês força criadora incomensurável, e que, digamos, constituíam de facto o verdadeiro segredo da perenidade da sua elevada civilização, quando se der a reacção do maior número será um verdadeiro caos no ambiente rural. Por isso, os dirigentes comunistas da China Vermelha lançam já hoje as suas vistas para legiões distantes, mais úberes e menos povoadas como sucedâneos desta falhada tentativa de colectivização dos territórios erosionados da velha China, esperando conseguir fácil submissão a escravatura marxista amarela das populações da África e da América, dos territórios ao sul do equador.
A tentativa frustrada recentemente no Brasil, quando o comunismo estava já próximo de instalai os seus poderosos tentáculos nesse país irmão, é já a segunda ofensiva de povos orientais para se fixarem nesse extenso e rico continente bubpovoado.
A primeira foi conduzida pelo Japão, no decurso da segunda guerra mundial, quando já se encontravam instalados no brasil muitos núcleos constituídos por centenas de milhares de japoneses, foi mando conjuntos profissionalmente completos e ocupando algumas, posições chaves de penetração económica e militar nos territórios do Sul do Brasil.
Resumindo como vemos, a Rússia Soviética, em regresso evidente para um socialismo de Estado tipo escandinavo, não se pode aliar a um marxismo chinês, que está realizando ainda as primeiras fases de um leninismo ortodoxo e com resultados económicos e sociais nitidamente inferiores aos conseguidos pela Rússia em idêntica fase o que de resto, não deve constituir motivo de admiração, atendendo à maior pobreza do seu território em minérios ricos, em terras agricolamente mais úberes e em possibilidades energéticas.
Esta é, em síntese, a situação do conjunto comunista russo-chinês.
Consideremos agora o complexo ocidental, e digo complexo até pela grande heterogeneidade da sua economia e vida social, desenvolvendo-se em processos evolutivos muito diversificados nos continentes europeu e americano. O Plano Marshall salvou na realidade, a Europa das consequências desastrosas da política rooseveltiana de rendição incondicional, arrumando, por período largo uma das zonas europeias que representavam o mais importante sustentáculo da velha Europa, e o segundo mais importante do mundo civilizado. Esta nova política permitiu aos Estados Unidos auferir notáveis benefícios do surto económico do desenvolvimento europeu, que ultrapassou todas as previsões. Este movimento de recuperação foi particularmente evidente na Alemanha, na Itália, na França e também na Holanda e na Bélgica embora estes países ficassem desfalcados da quase totalidade das suas possessões coloniais.
A falta de géneros alimentícios em largas áreas do mundo subdesenvolvido levou os responsáveis pela política americana a adoptarem um sistema de auxílio a essas populações, competindo com o mundo soviético, utilizando avultados saldos da sua agricultura, supervalorizados artificialmente, ficando a cargo das outras actividades económicas americanas o suportar esta política económica de auxílio ao estrangeiro. Não devemos também esquecer que a América recebeu ainda de vários países europeus, especialmente da Alemanha, largo auxílio em técnicos deslocados no fim da guerra, alguns de excepcional valor, com especial realce os que largamente contribuíram para a projectação e produção da força americana de mísseis teleguiados. E é ainda de realçar o facto de muitas das indústrias da velha Europa terem depois da guerra recebido larga contribuição do capital americano, ficando dele dependentes.
Constitui-se assim no pós-guerra um bloco euro-americano sòlidamente apoiado na finança dos Estados Unidos e de que a comunidade britânica passou a ser apenas meio satélite, bloco de que a Europa continental pretende hoje tornar-se independente, valorizando o seu elevado potencial produtivo. É este, julgo, o sentido da evolução decorrente ao criar-se inicialmente a Comunidade do Carvão e do Aço, o subsequente Mercado Comum e o Euro-Átomo A E F T A representaria assim, apenas, tentativa da Grã-Bretanha, por instigação dos Estados Unidos, para manter a política do hegemonia económica do Ocidente sob a direcção norte-americana.
O Sr. Seabra de Vasconcelos: - Muito bem!
O Orador: - E é ainda sintoma desta orientação a política de independência personificada no general De Gaulle e que se manifesta hoje quer nos domínios da diplomacia, quer nos sectores mais variados da economia, da finança e da vida social.
A recente tendência já marcada por algumas medidas para a valorização do padrão ouro em face do dólar como meio de troca no comércio internacional não tem outro significado político.
Assim, podemos dizer, em síntese muito breve, que a coexistência pacífica iniciada e mantida no período K K não teve outros desígnios por parte da Rússia que não fossem o fortalecimento das suas posições económicas e estratégicas para no momento oportuno conseguir a hegemonia do mundo ocidental sob a sua única direcção.
Em pólo oposto, a política norte-americana defende também, por todos os meios ao seu alcance, o predomínio económico sobre o mundo ocidental e sobre grandes áreas do subevoluído em outros continentes. Nação plena de recursos materiais e humanos e com um ritmo de crescimento económico excepcionalmente elevado, para o manter não pode ver, de facto, diminuídas as possibilidades de novos mercados e assim assistir a uma regressão da sua situação económica pela concorrência de uma Europa que lhe possa fazer sombra.
A Europa ocidental procura, por outro lodo, auferia os benefícios do seu labor de reconstrução não aceitando
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perder a posição tradicional de expoente máximo da valorização ocidental. Finalmente, a China Vermelha procurando pôr no prato da balança, por processos anti-humanos, o peso colossal dos seus quase 700 milhões de habitantes, figura como parceiro que não é possível minimizar.
E assim, a humanidade, do extremo oriente ao extremo ocidente, dominado pelos ideais fundamentalmente materialistas, de capitalismos exacerbados, socialismos de Estado de vários matizes e marxismos, vai rogando aos (...) de correntes que se entrechocam a cada momento.
Apenas a chama do cristianismo, defendendo os valores tradicionais mantém com o maior espírito de sacrifício o primado da moral cristã. É este o quadro em que se situa, neste quartel de viragem da história do Mundo, a posição portuguesa, quase isolada, é um facto combatendo, sem alianças, todos os falsos caminhos trilhados por orientais e ocidentais, todos eles afastados da linha recta do nosso seguro rumo de séculos de missão.
E quando houve, da nossa parte, ligeira pausa para decisão definitiva do verdadeiro caminho, a voz do Senhor fez-se ouvir «Quo vadis...?» E seguimos então como era decisão já tomada, pelo verdadeiro caminho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A análise da Conta, cujo debate me trouxe a esta tribuna, é, hoje, descrição de facto, muito pormenorizada e esclarecedora da forma como foram gastos, na metrópole e no ultramar, os dinheiros da Nação. A justeza dessas contas já foi objecto de julgamento de douto tribunal. Compete, assim a esta Câmara política apenas pronunciai-se sobre os verdadeiros significados, político, financeiro, económico e social desses inúmeros dados numéricos, alinhados nas tutelas que acompanham os textos e que constituíram fundamento das judiciosas considerações feitas pelo autor da parecer.
Da documentação apresentada a estudo da Assembleia Nacional se pode concluir que a gravidade do depoimento que o Mundo atravessa e a que Portugal não pode ficar alheio - tendo pelo contrário, de a suportar -, acrescido do peso devido à ganância de alguns e ao desinteresse da maior parte - refiro-me a nações da mesma raiz -, obriga, na verdade, o País a um esforço financeiro o desproporcionado com as realidades da sua economia embora em via de indiscutível desenvolvimento.
E se, entretanto, se pode concluir do parecer das Contas Públicas que a receita, em ritmo de acréscimo, continua a expressar aumento saudável do rendimento nacional, o que é, porém, facto é que vários índices denunciam, contudo a necessidade, para que o equilíbrio não se rompa - pelo esforço anormal a que está submetida a Nação - de que os estímulos financeiros feitos, às actividades económicas sejam, no futuro, principalmente orientadas para sectores produtivos onde a relação capital-produto seja mais baixa.
Isto não significa que certos investimentos que geram melhoria de aspectos vários da vida nacional mais ligados à comodidade das populações do que à satisfação de necessidades mais vigentes e até de feição aparentemente, sumptuária, sejam de pôr de parte nos termos mais próximos.
Neste sector figuram, de facto, inúmeras provas de infra-estrutura fundamentais para o desenvolvimento económico do País, bem como outras, como a construção e beneficiação de museus, monumentos históricos palácios os nacionais e diversas instituições culturais, que podem, além da acção funcional relevante que lhes corresponde na vida nacional, criar e melhorar, efectivamente, o ambiente para a estada de visitantes estrangeiros, matéria-prima de uma valiosa indústria. Esta actividade pode vir a constituir na realidade, dentro de breves anos, um dos mais avultados componentes do produto bruto nacional, com a vantagem de ser fundamento da actividade de muitas outras em que o menor valor da relação capital-produto tem o mesmo e profícuo significado económico e em que se verifica uma distribuição de benefícios por grande número
Temos, assim de pensar como eminentemente vantajosa, por exemplo a construção, de resto já prevista de um Museu dos Descobrimentos à altura da epopeia que universalizou a Nação Portuguesa onde, segundo as normas da moderna ciência e técnica museológicas, se faça demonstração permanente, para educação e instrução de nacionais, mas especialmente, das centenas de milhares de estrangeiros que nos visitam, do verdadeiro significado espiritual dos Descobrimentos.
Hoje, infelizmente, apenas possuímos, enquadrando essa majestosa jóia arquitectónica que é o Mosteiro dos Jerónimos um chão raso, de resto até, inadmissivelmente, mal tratado, onde jaz, no esquecimento da metrópole e do ultramar, a primeira pedia dessa fundamental instituição. E se quisermos mostrar a estrangeiros algum dos padrões dos Descobrimentos, apenas possuímos miniatura de um em lugar pouco visível, coluna encimada pela cruz de Custo, rodeada de uma placa patada lá para os lados de Santa Apolónia, parece que envergonhados de mostrar ao Mundo esses marcos de uma fronteira digo, das únicas fronteiras que nem o tempo nem o espaço destinem ou limitam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E com exemplos de tantas outras faltas deste género poderíamos cobrir, de facto, de críticas justas o muito que não está feito neste sagrado rincão da Europa cristã.
E assim ainda, ouso perguntar a quem compete velar pela obra pública Ministro tão ilustre a quem a Nação já muito deve, quando transporá para a pedra que fez nascer Guimarães a Batalha e os Jerónimos a figuração escultórica dessa obra-prima da literatura da verdadeira renascença europeia - Os Lusíadas.
Não teriam os nossos maiores, os de letra maiúscula, é claro, quando congeminaram a localização do mosteiro manuelino, a que um espírito superior e um artista de rara sensibilidade coroaram com o Monumento dos Descobrimentos, pensado que, no futuro, a figuração da epopeia nasceria naturalmente, nesses espaços hoje, infelizmente, ainda vagos ou povoados com relvados de sabor nórdico?
Na realidade, difícil é conceber um Vasco da Gama ou um Cabral empunhando vara de pastor, guardando rebanhos de gordurentas vacas holandesas, com as costas viradas para o mar. E apenas esguiçada palmeira bamboleando ao vento, junto à Torre, vai repelindo, à posteridade, as frases derrotistas do velho do Restelo. É isso que pretendemos fazer ver às novas gerações e a essas centenas de milhares, amanhã de milhões, de visitantes das Américas que descobrimos, das Europas que ajudámos a civilizar, das Ásias e das Áfricas a que lavámos o eflúvio de uma morredoura civilização espiritualista.
Juntem-se pois escudos e patacas para fazer, depressa e bem, o que já há muito deveria estar erigido. E então sim, Os Lusíadas continuarão, através dos séculos, a cantar as glórias de um povo missionário e a ser o (...) sempre aberto a dizer à Europa de onde partimos, como seguimos e para onde vamos.
Fala-se que é sumptuário, ainda, riscar novas estradas, subindo montes e descendo vales atravessando planícies e cruzando rios para o estrangeiro percorrer comodamente e estudar tudo o que representa a vida de um povo
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que luta, desde há oito séculos, vencendo a pedra e ingratitude de um clima, para expressar ao mundo, o verdadeiro significado espiritual do verbo civilizar.
O que não seria de interesse turístico, por exemplo, uma rota delineada que permitisse à estranja apreciar e saborear hábitos e costumes, iguarias e técnicas, por todo este território tão avariado e rico de cor e de folclore, desde os mantos de neve dos amendoais floridos do Algarve às fragas e geos da região duriense onde se recolhem néctares inimitáveis?
Quão não seria também de valioso parar nessa viagem do Sul para o Norte deste unção, no Mosteiro de Alcobaça, ouvindo, como eco do passado, nos vetustos claustros a voz sapiente desses laboriosos monges beneditinos, ensinando como se iria constitui a nação missionária?
E o que seria de maravilhoso ainda o percurso do pinhal do Bem ao mal da Nazaré, fazendo viver toda a epopeia que tem o seu berço no pinheiro marítimo e no indomável pescador do mar bravio.
Esperemos que a juventude que forma hoje os quadros administrativos do turismo nacional apague de vez a voz rouca do antinacional afastando para longe esses existencialismos desnacionalizantes que começam a dar os primeiros passos nas ruas e átrios da formosa capital do Império, «beetlando-a», como em muitas mais ao sabor de um dramático derrotismo que não corresponde, nem de longe, ao espírito heróico daquela juventude que só bate no verdadeiro campo da honra nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falemos agora algo mais em pormenor, da Conta Pública em relação ao sector das actividades que incidem sobre a terra agricultável. E pouco mais poderei adiantar, infringido mesmo já, largamente, o Regimento. Outros completarão, porém, com benefício, o que haveria ainda a dizer.
É grave erro aceitar, de facto, como irremediável a pobreza do nosso solo e a irregularidade do clima que impera, de norte a sul, neste rincão tão belo do continente e das pérolas insulares, e considerá-los - refiro-me aos factores da mesologia - como causa inelutável da pobreza que campeia no ambiente rural. Não nos iludamos, para tal concluir, com comparações despropositadas com úberes terras da Europa setentrional ou ocidental e com os índices deformados dos territórios marginais do Mediterrâneo, supervalorizados, quase sempre, pelo manuseamento de números estatísticos, com intuito de evidente parcialidade
Contudo, é facto indiscutível, em face da orografia, da pedologia e da climatologia do território português da Europa, que as assimetrias espaciais, no mundo da economia têm de existir sempre, embora possam ser bastante suavizadas, e isto em consequência das características peculiares do meio. E só em parte menor se poderá referir a orientação adoptada pelo cultivador da terra. É mesmo em relação a esta parcela só muito pouco se deve propriamente, à tão criticada mas, frequentemente, sapiente rotina Grande parte, insisto, deve ser debitado, sim nesta parcela, às necessidades urgentes de obter alimento para o sustento de uma população dotada de enorme viço procurador. É o caso do pão. Na realidade, onde hoje reside, e mal, o trigo, deveria, é certo, aparecer a planta lenhosa perene e, em muitos casos, a simples pastagem. Não foi, porém, a lavoura que teve a iniciativa da campanha do trigo, reduzindo pousios, em tempo e extensão, mas, tão-sòmente, a necessidade de colher mais pão que o impôs. Digamos melhor como foi sabiamente dito pelo Sr. Presidente do Conselho a obrigação de pagar um prémio de seguro, embora elevado, na defesa da alimentação do nosso povo.
Outro aspecto. A circunstância de o milho ocupar, no Norte, terreno onde o trigo seria rei incontestado dos cereais é erro certo que as gerações vão pagando para saldar o deficit de proteínas animais. Mas é falta indesculpável da lavoura? Ou essa falta reside em não se ter estruturado, a tempo, convenientemente a cooperação, com a devida garantia, quanto a contigentes e preços, com as produções pecuárias açoriana, de Angola e de Moçambique? E, talvez, de não se ter ainda dado a conhecer, como era mister, ao camponês nortenho que o milho híbrido de ciclos compridos de vegetação, é matéria-prima mais valiosa para indústrias várias do que para os usos tradicionais do norte litoral.
E, ainda com referência a este rico cereal, teria sido, de facto, mais adequado cultiva-lo em regadio, no Sul, onde se pode tirar maior proveito das suas excepcionais faculdades produtivas - refiro-me às formas híbridas de ciclo de vegetação mais longo. Oito toneladas em vez de tonelada e meia por hectare é diferença significante.
Não foi também por iniciativa da lavoura que foi, impensadamente, extensificada a cultura do arroz nos campos do Mondego e do Vouga, em vez de se concentrar a produção orizícola nacional nas lavouras das planuras do Tejo e do Sado, onde as produções unitárias são, na realidade, muito mais elevadas. A razão foi apenas julgo, de ter sido no Mondego que se fez a primeira e mais intensa campanha oficial. A lavoura limitou-se assim, a ir com a onda, como é uso dizer-se do Brasil.
E também se a vide caminha ainda hoje assustadoramente pelas várzeas férteis, mais próprias para a cerealicultura, horticultura e pastagens, pergunta-se se não será esse pseudodesatino da lavoura consequência única da irregularidade da vida dos nossos rios, com frequentes cheias devastadoras dos campos marginais.
E ainda se pergunta, e julgo que com justificada razão, a quem possa dar a resposta o que se espera para realizar, com a necessária celeridade, o fomento da fruticultura e da viticultura destinada à produção de uva de mesa, nessa maravilhosa península da Estremadura e no Algarve mediterrâneo, onde se casam influências criadoras de climas e mesclas úberes de solos de diversas idades e se insiste em culturas de fraca produtividade?
A nossa vizinha Espanha não esperou, na realidade, tantas décadas, em estudos intermináveis, para estruturar, no Norte, a fruticultura industrial, que, no Sul, constituía já objecto de rendosa exploração. E não temos nós, já hoje, exemplos significativos do valor de arboricultura industrial no nosso país onde já estão estabelecidas, em vários núcleos privados, de norte a sul, inúmeras e rendosas explorações frutícolas? Porque se espera?
Não se conhecem as normas a que deve obedecer a selecção, calibragem e empacotamento colectivos das frutas quando o destino é o do mercado exterior, e como se transporta, em navios apropriados essa riqueza que já foi, em Portugal, objecto do maior interesse económico? Não se trabalha, por exemplo, já em perfeitas condições, nestes sectores, na Madeira e nos Açores? Porque se espera, então, para dar os necessários passos? Cada ano perdido nesta actividade criadora é atraso de muitos em relação a outros concorrentes que não dispõem de melhores aptidões para a produção que o nosso país, antes pelo contrário.
E quanto à província que, por excelência, vai ser centro activo de turismo, é necessário provê-la, com antecedência e abundância, em géneros agrícolas, hortícolas e produtos pecuários a que a estranja está habituada, não esquecendo que entre os milhares de turistas se encontram inúmeros
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caixeiros viajantes de profissão, e outros que podem vir a sê-lo, dos produtos portugueses que tenham qualidades para constituir objecto de um interessante movimenta de exportação.
São tudo aspectos que a Conta Pública deve exprimir no capítulo de despesa quanto a encargos com os serviços técnicos profissionais.
E, como se verifica da leitura das tabelas respectivas, as dotações para esta assistência técnica, tão útil como necessária, a actividades produtivas fundamentais que é mister, sem demora fomentar no nosso país, são, de facto, insuficientes.
Agora, quanto à floresta que deverá cobrir grande parte do nosso rincão europeu. Quando se entrará a sério na política de florestação e ordenamento das propriedades particulares, especialmente nas zonas onde se impõe largo trabalho de reconversão agrária? Não é decerto por falta de legislação adequada. É o caso daquelas zonas onde pululam pequenos proprietários, pobres - como as da serra do Caldeirão, entre outras - e que terão de ser assistidos técnica e financeiramente para iniciarem, sem demora, o repovoamento de centenas de milhares de hectares, hoje sujeitos a uma ruinosa erosão.
Porque se espera se já estão concluídos os necessários estudos técnicos preparatórios?
E ainda mas, quando se inicia a necessária especialização em tecnologia florestal, nos países onde as indústrias da madeira são mais progressivas, dos silvicultores que hoje gastam tempo precioso em tarefas administrativas menos meritórias? É exactamente no fomento dessas indústrias que se poderá apoiar uma campanha efectiva para reduzir as assimetrias espaciais dos territórios, aproximando o nível de existência das populações, da montanha daquelas que habitam e trabalham uns litorais.
Para tal o para o muito que há a fazer, além do referindo, técnica e financeiramente de auxílio à lavoura talvez chegassem os actuais meios administrativos e possibilidades de auxílio financeiro disponíveis na banca particular e na do Estado.
O que haverá decerto, a fazer previamente, é reformar, de alto a baixo estruturas antiquadas, acrescendo a produtividade de serviços que têm levado a concentração demasiada, no Terreiro do Paço, de inúmeros e valiosos técnicos que estiolam nas sombras dos gabinetes, por falta da luz dos campos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E as competências, como disse, não faltam. Faltam, sem, aqueles meios que permitem o contacto contínuo dos vários escalões que constituem a pirâmide técnica, com a lavoura, para que ela, em qualquer momento, se sinta, verdadeiramente apoiada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a assistência financeira devo salientar que a floresta paga bem a amortização e o juro do capital empatado não havendo assim a temer falta de solidez e reprodutividade do investimento.
Há ainda entre muitos outros, aspectos, que era mister referir no capítulo da Conta Pública reservado à despega no sector da economia, que não quero deixar, ainda, de dizer muito pouco é certo, porque representa a actividade capaz de compensar as falhas gravas que hoje se notam no trabalho rural. Desejo salientar, digo, a falta que hoje faz ao gestor do agrário a existência de máquinas apropriadas para substituir o músculo humano em inúmeras operações de lavoura, especialmente em trabalhos de mobilização e colheita.
E isto aplica-se, também, ao ambiente ultramarino O que o mercado normalmente oferece é estrangeiro e, embora de bom uso noutras terras, é impróprio para as nossas necessidades. Ora esta indústria é, ainda, em Portugal totalmente incipiente. Não teria assim sido mais útil à Nação cuidar da construção de máquinas agrícolas próprias para a lavoura nacional do que aceitar a proliferação, até ao infinito do exagero, da montagem de automóveis de turismo? E até parece propósito de maltratar a lavoura, localizando muitas dessas unidades industriais em terras das mais pingues do solo agrícola. Não seria assim a projectação desse fabrico industrial um dos estudos práticos de maior oportunidade do Instituto de Investigação Industrial, hoje preocupado, é um facto, com importantes problemas ligados à organização de empresas e de emprestar auxilio para melhoria de produtividade de actividades várias? Fica a lembrança e assim, caso ela frutifique, que se dote, como é necessário, a Estação de Ensaio de Máquinas Agrícolas e que se lhe dêem meios técnicos para actuar, com urgência no sector onde o trabalho humano tem de ser substituído, rapidamente, pela máquina.
Esta questão é, por exemplo, fundamental para o revestimento florestal, para a reestruturação de vinhedos de encosta e das planuras, culturas hortícolas várias, como a da batata e do tomateiro e tantas outras mais. E ficamos por aqui, em referência à despesa com os serviços ligados, directa ou indirectamente, à lavoura nacional, para não ultrapassar mais o que me é facultado pelo Regimento e pela paciência e bondade do nosso ilustre Presidente e a atenção que me dispensa esta Câmara.
E assim, para finalizar este sintético relato do que me foi dado observar de interesse para esta Câmara política no estudo das Contas Públicas de ano já decorrido, apenas umas breves palavras mais, que julgo oportunas, sobre a despesa com os serviços públicos.
Não há dúvida de que hoje é muito generalizada a fuga para o privado, dos maiores valores formados nos vários graus de ensino e isto em referência à grande maioria das profissões Professores, engenheiros, médicos, economistas, licenciados em Direito, agrónomos, veterinários, silvicultores, etc., procuram hoje, dominantemente, o sector privado. É a terna lei da oferta e da procura a actuai em toda a amplitude e profundidade. E assim os quadros vão ficando desertos de bons servidores e, o quê é mais grave é a diminuição contínua do valor profissional que se vai acentuando, no rodar de novas camadas que entram para os serviços públicos.
De um modo geral, notam-se ainda nos serviços do Estado, das autarquias locais, dos organismos de coordenação económica o em outros serviços pirâmides administrativas e técnicas com pequenas bases e vértices muito elevados. Além de que a assimetria vincada da sua distribuição no território determina, também, excessiva concentração urbana, com os inconvenientes graves que daqui resultam para a vida das populações mais afastadas dos principais centros.
Cada vez se vive e trabalha mais, no sector administrativo, na capital e menos na província. Esta é doença grave da excessiva centralização de serviços, ou melhor, do seu demasiado congestionamento.
E ainda mais. Além de uma estrutura complicada de muitos serviços públicos, verificam-se inúmeras duplicações, sem qualquer vantagem, antes pelo contrário, para a boa execução das várias tarefas.
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Não seria assim avisado o Estado não reservar para si inúmeras funções que deveriam estar há muito, entregues a instituições particulares? É o caso dos vários graus do ensino, das actividades técnicas de projectação e execução, nos domínios da engenharia, da economia, da agronomia, da silvicultura e da sanidade. Este defeituoso rumo tem criado ao Estado e autarquias locais um enorme peso na manutenção de inúmeras instituições, digo peso de manutenção de pessoal, de material e serviços, bem como ainda o de obrigações sociais correspondentes a uma legião tão numerosa de funcionalismo civil.
Assim, julgo, seria mais indicado constituir estruturas principalmente orientadas no sentido da fiscalização de serviços e orientação superior da gestão pública e entregar no ambiente privado grande parte do que hoje o Estado realiza, e muitas vezes por forma deficiente nesses sectores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desaparecera então o grave defeito que apontamos de se assistir, dia a dia, à redução do número dos bons servidores dentro do funcionalismo público. Menos melhores e mais juntamente remunerados, eis o rumo que indico.
Assim termino, dizendo apenas que, em relação ao ultramar, são válidas muitas das considerações feitas. É apenas questão de mudar a escala e depois, com bom senso, generalizar.
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continua amanhã à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
José Pinheiro da Silva.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta Virgílio.
David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Sirivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA