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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 192
ANO DE 1965 24 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 192, EM 23 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Sousa como testemunha na 1.ª vara cível de Lisboa.
O Sr Presidente informou estar na Mesa, remetida pela, Presidência do Conselho, uma proposta de lei sobre acidentes, trabalho, já com parecer da Câmara Corporativa. Baixou as comissões de Legislação e Redacção, Economia, Trabalho, Previdência e Assistência Social, para estudo.
Usaram da palavra os Sr Deputados Sousa Rosal, requerimentos, Gonçalves Rapazote, acerca das medidas tomadas pelo Governo para a navegabilidade do rio Douro, Manuel João Correia, sobre assuntos de interesse para a província de Moçambique, e Pinto Carneiro, que solicitou a criação de uma escola belas-artes em Coimbra.
Ordem do dia. - Continuou a discussão das Contas Gerais Estado e da Junta do Crédito Público relativas a 1963.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Serras Pereira e Brilhante Paiva.
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas e ..5 minutos.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Mana de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Bento Benohel Levy
Carlos Alves
Carlos Monteiro do Amaral Neto
D. Custódia Lopes
Délio de Castro Cardoso Santarém
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando António da Veiga Frade.
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Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medma.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Mania Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Finto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Mana Irene Leite da Costa
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr Presidente: - Estão presentes 76 Srs Deputados
Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 25 minutos
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
A aplaudir intervenções dos Srs Deputados Augusto Simões, Santos Bessa e Moura Ramos.
O Sr Presidente: - Está na Mesa um ofício da 1.ª vara cível de Lisboa a pedir autorização para o Sr Deputado Sousa Rosal depor como testemunha numa acção de separação de pessoas e bens, no próximo dia 26.
Ouvido o Sr Deputado Sousa Rosal sobre se via inconveniente para o exercício das suas funções de Deputado em ser autorizado a depor, respondeu que sim Vou, por isso, consultar a Câmara sobre se autoriza ou não o Sr Deputado Sousa Rosal a ir depor na referida acção.
Consultada a Câmara, foi negada automação.
O Sr Presidente: - Enviada pelo Sr Presidente do Conselho, está na Mesa uma proposta de lei sobre acidentes de trabalho que já tem parecer da Câmara Corporativa. Vou enviá-la as Comissões de Legislação e Redacção, Economia, Trabalho, Previdência, e Assistência Social para a estudarem. Os Srs Presidentes das referidas Comissões designarão o dia em que devem efectuar-se as reuniões para estudo da proposta.
A proposta de lei e o parecer vão sei publicados em suplemento no Diário das Sessões.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr Deputado Sousa Rosal.
O Sr Sousa Rosal: - Sr Presidente. Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Solicito que pela Presidência do Conselho me sejam fornecidos os seguintes elementos, referentes ao período que decorreu de l de Janeiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1964 e respeitantes à província do Algarve.
a) Relação das entidades que apresentaram projectos destinados a empreendimentos de interesse turístico requerendo a concessão de utilidade turística, com indicação das datas de entrega dos projectos e dos despachos que mereceram,
b) Fins a que se destinavam. No caso de se referirem a construções para instalações hoteleiras, mencionar a espécie, a categoria e o número de camas,
c) Importâncias que porventura lhes tenham sido concedidas como subsídios de comparticipação pelo Fundo de Turismo ou emprestadas pela Caixa Nacional de Crédito garantidas por aquele Fundo»
Requerimento
«Solicito que pelo Ministério do Interior seja providenciado no sentido de me serem fornecidas pelas câmaras municipais do Algarve relações dos projectos que foram entregues para a realização de obras de interesse turístico, com a indicação da data da sua entrega e dos despachos que mereceram e ainda dos fins a que se destinavam, referentes ao período que decorreu de l de Janeiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1964»
Requerimento
«Solicito que pelo Ministério das Obras Públicas me sejam fornecidos os seguintes elementos.
a) Relação dos projectos que foram submetidos à aprovação referentes a obras destinadas a fins turísticos na província do Algarve, durante o período que decorreu entre l de Janeiro de 1961 e 31 de Dezembro de 1964, com a indicação da data da entrada no Ministério e dos
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despachos que mereceram e dos fins a que se destinavam,
b) Para quando se prevê a conclusão dos estudos do Plano de urbanização regional destinados a orientar e disciplinar o fomento do turismo o no Algarve»
O Sr Gonçalves Rapazote: - Sr Presidente. Era preciso não crer, e nós acreditamos, era preciso desesperar, e nós confiamos, era preciso desesperar, e nós nunca desesperamos.
Temos fé, temos confiança, temos carradas de esperança e também temos algumas certezas.
Tínhamos a certeza de que o Governo da Nação já não podia hesitar.
Pois, o Sr Ministro das Obras Públicas acaba á abrir as portas da navegação do Douro, mandando executar, com eclusa preparada paia a navegação industrial organizada, a barragem do Carrapatelo e ordenando a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos o prosseguimento dos estudos complementares relativos a esse indispensável aproveitamento do rio.
No seu despacho de 28 de Fevereiro findo, aderindo ao douto parecer do Conselho Superior de Obras Bíblicas, não esconde o seu vivo interesse pelo problema, agora tomado na plenitude do seu vasto desenvolvimento, visto que, aberta a porta do Carrapatelo, o ilustre homem público logo se debruça sobre o esquema do escalão de Atães, esperando que se justifique a sua precedência em relação a outros aproveitamentos de segunda ordem do sistema, «o que permitiria pôr, dentro em breve, em condições de plena utilização, o primeiro troço da via navegável com cerca de 100 km de extensão, entre a Régua e a Foz»
Por sua vez, o Sr Ministro da Economia - ainda o Prof Teixeira Pinto -, com admirável sentido nas realidades, lavrou um notabilíssimo despacho, no qual, reconhecendo a necessidade de desenvolver as regíeis interiores do País e a importância da navegação fluvial no desenvolvimento económico, considerando o potencial de riqueza da região e olhando à capacidade e qualidade dos seus homens, julga de especial vantagem e grande interesse para a economia portuguesa que se proceda ao estudo, trabalhos e obras conducentes à navegabilidade do rio Douro, do modo mais rápido possível.
E, nessa linha de orientação, o seu despacho, que é normativo e também é executivo, lembrando que é sistema hidroeléctrico português só pode beneficiar com a prioridade de construção das barragens do Douro nacional, manda que a Hidroeléctrica do Douro adiante e avance rapidamente com todos os elementos necessários à construção, quanto possível simultânea, das duas Borragens que permita a navegação para além do Carrapatelo.
O Sr Ministro das Comunicações, que também subscreveu a portaria que designou a Comissão especial do estudo do problema da navegação do rio Douro e cujo trabalho foi coroado por estes despachos, também se encontra vinculado de um modo particular à realização de tão extraordinário empreendimento.
Hoje não fui eu quem falou, foi o Governo que fala de mais alto e com mais força.
Os que aqui dentro - e creio que somos todos - têm acompanhado desde a primeira hora, e com o maior interesse, o desenvolvimento destes estudos, as inclusões dos trabalhos dos especialistas, e aqueles que aguardaram, impacientes, as ponderadas decisões da Administração, ficaram satisfeitos.
Por mim, quero lembrar, nesta hora, o nome dos grandes pioneiros, os Eng.ºs Ezequiel de Campos e Araújo Correia, e a acção conjugada de todos os homens da bacia do Douro que dinamizaram a ideia e criaram consciência de que a navegação deste rio é o verdadeiro eixo do desenvolvimento da quarta parte do território nacional.
Não posso também deixar de recordar, especialmente, a Hidroeléctrica do Douro, desde o seu primeiro presidente, Eng.º Paulo Marques, e a acção do Deputado Virgílio Cruz, agora ausente e doente, que havia de ajudar a tocar o sino da festa, e, finalmente, o Eng.º Camilo de Mendonça, que andou a pôr a procissão na rua, e com a sua última conferência na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, perante a melhor e mais escolhida representação regional, desencadeou novas energias e o movimento que conduziu os dignos corpos gerentes da instituição e as autoridades regionais junto do Governo, dando-lhe conta directa das aspirações daquela vasta e esquecida região.
Não me levantei hoje propriamente aqui para agradecer ao Governo
Quem cumpre o seu dever não precisa de incenso nem de tuributários.
Levantei-me para comungar com os governantes na visível satisfação de realizar, de trabalhar em cheio para engrandecer a Nação.
Acabo como comecei, afirmando mais uma certeza, a certeza de que a gente da minha terra saberá trabalhar vigorosamente em torno deste eixo de desenvolvimento e honrar os homens que, com tanta dignidade e segurança, acabam de fazer justiça às suas aspirações.
São ordens do Governo - Mãos à obra!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Manuel Joio Correia: - Sr Presidente. Numa reunião do Conselho Legislativo de Moçambique, realizada em Abril do ano findo, referi-me ao importante problema do aproveitamento hidráulico dos rios internacionais que atravessam aquela província, cujos caudais correm o risco de diminuir consideravelmente no futuro, como consequência de aproveitamentos que venham a ser feitos nos territórios vizinhos. Referi-me também, na mesma ocasião, ao projecto da criação da albufeira de Movene, com águas derivadas do rio Incomati, projecto que tinha por fim a produção de energia eléctrica, a rega e o abastecimento de água à cidade de Lourenço Marques.
Como penso que estes dois problemas continuam a revestir-se de grande importância para a vida de Moçambique, decidi traze-los a esta Câmara, na esperança de que a minha voz seja ouvida por quem possa dar-lhes uma solução.
Disse então, referindo-me à defesa das águas dos nossos rios internacionais, que o assunto era urgente e não podia sofrer adiamentos, porque corríamos um risco muito grave, e que cada dia que passava poderia estar a aproximar-nos de situações que mais tarde não teriam remédio.
Continuo hoje a pensar do mesmo modo, tanto mais que chegaram entretanto ao meu conhecimento informações que fizeram aumentar os meus receios.
Dada a íntima relação que existe entre os dois temas enunciados, penso que os mesmos poderiam ser tratados numa única intervenção. Mas isso torná-la-ia demasiado extensa. Assim, achei preferível dividi-la em duas intervenções esta, que tratará apenas, embora a traços largos, da questão dos nos internacionais, e a outra, que se seguirá oportunamente, na qual tratarei, além do aproveitamento
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hidráulico do Incomati-Movene, de outros aspectos respeitantes ao aproveitamento dos recursos hidráulicos do próprio rio Incomati, do Umbelúzi e do Sabié.
Sr Presidente. É de tal gravidade e importância paia Moçambique o problema rio aproveitamento das águas dos seus rios, que não hesito em afirmai que o futuro da província depende inteiramente do aproveitamento que delas se fizer e ainda do que for feito no sentido de evitar que a água dos nossos nos internacionais seja totalmente utilizada antes de chegar ao nosso território, deixando-nos apenas leitos secos e inúteis de nos sem água, mas onde a água correu outrora sem que tivéssemos sabido aproveitá-la.
Não se julgue que procuro pintar um quadro negro com a intenção de despertar preocupações. Infelizmente, já temos o exemplo em Moçambique.
No momento em que escrevo estas linhas (Julho de 1964), o rio Limpopo está quase completamente seco, com excepção dos fundões, não obstante ser este no a a linha mestra de todo um colonato de vastas proporções e intenções de povoamento, onde centenas de famílias enterraram as suas ilusões e as suas esperanças, e cuja obra representa - temos de fazer justiça! - um grande esforço do Estado no sentido de promover a exploração dos recursos económicos de um dos mais ricos vales de Moçambique.
Por este motivo, torna-se urgente a construção da barragem de Massingir, no rio dos Elefantes, cuja água virá alimentar, nas épocas de estiagem, o esquema de irrigação do colonato do Limpopo. Ou então a alternativa da barragem do Mapai, no próprio rio Limpopo, se os técnicos se decidirem por esta solução, em face dos estudos que estão a ser efectuados presentemente.
Penso, porém, que o caminho mais avisado seria ainda o da construção das duas barragens, não só para garantia do colonato já existente, como também para a sua própria expansão futura.
Devido às prolongadas estiagens que têm ocorrido na África do Sul nos últimos anos, o Governo daquela República resolveu elevai de 3 m a 6 m todas as barragens da bacia hidrográfica dos rios Limpopo e dos Elefantes Esta decisão, a materializar-se, vem tornai ainda mais escassos os escoamentos daqueles rios para o nosso território, podendo reflectir-se gravemente na obra de povoamento do vale do Limpopo.
Perderam-se muitos anos antes que se desse início ao aproveitamento das águas do Limpopo. O projecto inicial, elaborado em 1925 pelo então jovem Eng.º Trigo de Morais, quando ainda corria muita água no rio, jazeu inútil mais de 25 anos nas gavetas das Secretarias de Estado, enquanto os escoamentos do rio para o território português diminuíam de modo considerável. Isto, segundo disse mais tarde o próprio Eng.º Trigo de Morais («Nota informativa sobre duas obras de fomento económico e bem-estar social em Moçambique»), por causa da intensa e vasta obra de rega que na União Sul-Africana tem sido realizada e está em curso, com 14 aproveitamentos só na bacia hidrográfica do Limpopo», que «não deixam passar para jusante senão o que é mais em relação às necessidades próprias».
O Sr Ministro do Ultramar, em conferência pronunciada no Palácio Foz, no dia 15 de Junho de 1958, acerca do I Plano de Fomento, disse o seguinte.
Receia-se que tenha sido tardia a resolução tomada, agora que no rio Limpopo corre apenas cerca da décima parte da água que trazia na data do primitivo projecto. Ora, eu penso, pelo contrário, que teria havido maior risco se as obras tivessem sido executadas noutros tempos e contando com o grande caudal de então, visto que se não poderia ter evitado o consumo de água nas obras de hidráulica realizarias em território estrangeiro.
Vê-se das próprias palavras proferidas pelo Sr Ministro que o rio Limpopo, à data em que, depois de muitas hesitações e contingências, ia finalmente dar-se início às obras de aproveitamento da sua água, tinha o caudal reduzido a cerca da décima parte do que fora ao ser elaborado o primitivo projecto.
Não posso deixar de consignar aqui uma palavra de desgosto perante esta triste realidade, cujo enorme prejuízo causado a Moçambique não é certamente fácil de avaliar.
Não creio que os homens que pensaram, em 1925 no aproveitamento hidráulico do Limpopo tivessem alimentado a dúvida de que outros nos tirariam, no futuro, a água que estivesse a irrigar a exploração agrícola de uma importante região da província.
E pergunto o que seria hoje a ocupação económica e demográfica de toda a vasta área onde actualmente se alarga o colonato do Limpopo se se tivesse feito o aproveitamento deste rio na época em que nele pensou o enfio governador-geral de Moçambique Dr. Manuel Morena da Fonseca, cujo nome me apraz recordar aqui. Nem os nossos vizinhos teriam podido aproveitar toda a água que, entretanto, passaram a utilizar em «14 aproveitamentos só na bacia hidrográfica do Limpopo», pois que às suas pretensões teríamos certamente oposto a realidade dos nossos aproveitamentos, como é da ética entre os diversos países no capítulo dos aproveitamentos hidráulicos dos rios internacionais.
Referi-me a este desgostante caso do Limpopo sem qual quer intenção de crítica, que agora nada viria resolver, pois os erros cometidos já não têm reparação possível. Que sirva, ao menos, de exemplo. É que existem em Moçambique muitos rios mais em cujos cursos podem fazer-se valiosos aproveitamentos hidráulicos. Evitemos, portanto, a repetição da história do Limpopo para que a inqualificável inércia que lhe deu lugar não seja responsável por maiores prejuízos praticados contra os interesses de Moçambique.
Quase todos os principais rios de Moçambique nascem em território estrangeiro na África do Sul, na Suazilândia na Rodésia e nos outros países que confinam com as nossas fronteiras. É o rio Maputo, o Umbelúzi, o Incomati, o Sabié, o Limpopo, o rio dos Elefantes, o no Save e outros nos que, no Centro e no Noite da província, desde o Zambeze ao Rovuma, vão desaguar nas costas portuguesas do Indico. Isto quer dizer que o caudal dos rios, de que depende, em grande parte, o desenvolvimento económico da província de Moçambique, está sujeito aos aproveitamentos hidráulicos que forem feitos nos territórios vizinhos.
Esta circunstância peculiar agrava a nossa posição em relação ao problema, pois todos os aproveitamentos hidráulicos que forem feitos a montante da nossa fronteira terão forçosamente de reflectir-se nos escoamentos para o nosso território. Isto implica a necessidade e a obrigação de não descurarmos tão importante assunto, dedicando-se-lhe pelo contrário, o melhor do nosso cuidado e atenção.
Os aproveitamentos que estão a ser feitos nos territórios vizinhos, ou os projectos existentes, não são desconhecidos de alguns dos nossos técnicos, que têm estudado cuidadosamente os reflexos que esses empreendimentos podem ter na vida económica de Moçambique. Mas pouco têm podido fazer, não obstante o mérito que possuem. Faltam-lhes os meios de trabalho, o estímulo, o apoio e até um organismo oficial que reunisse todos os serviços existentes, ou
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a criar, que se dedicam ao estudo do aproveitamento das águas.
Não podemos - e sobretudo não devemos - ignorar o que se pensa e o que se faz nos países vizinhos em matéria de aproveitamentos hidráulicos nos rios que também pertencem a Moçambique, o papel que a água representa para o desenvolvimento económico desses países, as preocupações que origina a ameaça da sua escassez no futuro, os cuidados que o problema merece aos respectivos governos. Basta dizer-se que só na África do Sul estão, presentemente, em execução 82 projectos de aproveitamentos hidráulicos.
Vejamos algumas opiniões acerca do caso sul-africano.
O honourable P O Sauer, ao tempo deputado e mais tarde ministro das Terras e das Águas da antiga limão da África do Sul, disse, a propósito do futuro daquele país, que seria aproveitando toda a água que porventura obtivesse que a África do Sul poderia alcançar o seu maior desenvolvimento, que esse desenvolvimento seria provável e finalmente determinado pela eficiência com que fosse utilizada a sua cadeia mais fraca - a água, que, a medida que o seu desenvolvimento aumentasse, a África do Sul ver-se-ia obrigada a continuar a promoção do aproveitamento dos seus recursos hídricos até um ponto em que, por razões físicas ou económicas, não conseguisse obter mais água, embora outros recursos (o solo, as minas e a indústria) fossem ainda susceptíveis de um maior desenvolvimento, que o desenvolvimento do país, tanto no campo agrícola como no industrial, dependeria sobretudo da adequada exploração dos seus recursos hídricos (opúsculo intitulado A Água na África do Sul, publicado em Março de 1958 pelo State Information Office, de Pretória)
Por outro lado, John H Wellington, professor da Universidade de Witwaterarand, diz a pp 181 e 183 no II vol da sua obra Southern África - a geographical study.
Em todos os problemas do esforço e desenvolvimento humanos, na África do Sul, a questão do abastecimento de água prova geralmente ser um problema básico.
E da maior importância encontrar água suficiente para a futura expansão industrial.
De acordo com L A Mackenzie, antigo director do Departamento de Irrigação da União, as áreas hidrográficas melhor situadas para a futura expansão industrial são, em ordem de prioridade a Zululândia, a bacia do Tugela, a área do no Komati área do Limpopo e do Transkei, as quais, em conjunto, representam cerca de 66 por cento dos recursos hídricos da União.
Citei esta última parte do trabalho do Prof Wellington porque nela se fala de dois, nos que nos interessam particularmente o Komati, que é tributário do nosso rio Incomati, e o Limpopo, cujos aproveitamentos na República da África do Sul estão a criar graves problemas ao colonato do Limpopo, como já atrás referi, e que como também se viu, ainda poderá sofrer maiores aproveitamentos no território do país vizinho.
A revista Barlays Trade Review (numero de Maio de 1964), editada em Joanesburgo, publica um artigo intitulado «Water - life blood of the Nations», no qual se diz que «a água é a matéria-prima mais importante para qualquer país» e que «a água na África do Sul é aflitivamente escassa» Diz-se ainda no mesmo artigo que o Governo da África do Sul projecta a construção ai barragens nos rios Pongola, Crocodile e Usutu, que o Departamento das Águas daquele país acaba de completar o projecto da barragem de Stomdrift, no rio dos Elefantes, que estavam
progredindo satisfatoriamente as obras relativas ao esquema de irrigação, no valor de 39 milhões de rands, das extensas planícies de Pongolapoort-Makatini, a nordeste da Zululândia, cuja albufeira, a de Pongolapoort, ficará sendo a terceira, em dimensão, da África do Sul, que o Departamento das Aguas continua a esforçar-se energicamente no sentido de assegurar ao país quantidades suficientes de água para as próximas décadas.
Novas referências se fazem, como acabámos, de ver, aos nos Pongola, Crocodile, Usuto e Elefantes, cujas bacias hidrográficas drenam para o território de Moçambique alimentando o caudal dos nossos rios internacionais.
Não é preciso fazer muitos comentários, nem pintar o quadro com cores muito carregadas, para se ver com clareza que na República da África do Sul se trabalha activamente no sentido de ser feito o maior aproveitamento possível das águas dos seus rios, muitos dos quais representam o curso superior de nos de Moçambique.
Sabe a África do Sul - e isso tem sido dito muitas vezes - que o seu progresso económico depende, em primeiro lugar, da quantidade de água de que puder dispor. E não é apenas para a agricultura e para a pecuária que precisa deste líquido precioso. É também para o desenvolvimento da sua indústria, em cuja actividade toma posição de relevo a exploração das suas minas.
Ora, em Moçambique sucede precisamente o mesmo. O desenvolvimento da nossa agricultura, da nossa pecuária, da nossa indústria, depende inteiramente da água com que possamos contar. Mas torna-se urgente que a aproveitemos, que a utilizemos, que mostremos aos detentores dos cursos dos nos a montante da linha da nossa fronteira que a estamos a aproveitar e a utilizar no desenvolvimento dos nossos recursos económicos, no melhoramento das condições de vida das nossas populações, na dessedentação de gentes e gados de muitas regiões da província onde a falta de água cria problemas dramáticos.
Há regiões de Moçambique que suo completamente becas, cujas populações e gados, na época da estiagem, vivem momentos de verdadeiro martírio por falta de água, e para as quais não existe outra solução que não seja o recurso a obras de carácter hidráulico. Uma dessas regiões, paia citar um exemplo, é a que refere o Eng.º Manuel Romano no seu opúsculo. A Hidráulica Fluvial no Desenvolvimento de Moçambique, quando escreveu o seguinte acerca do grave problema das secas.
Afigura-se-nos que a região de Moçambique onde o problema se apresenta com maior gravidade é a que se situa entre o rio Sabié e o dos Elefantes, separados por cerca de 150 km de terras onde não há água durante a época seca.
Esta região, segundo diz ainda o Eng.º Manuel Romano, poderia ser vantajosamente abastecida por dois canais de rega um, que seria orientado no sentido do sul, por barragem no rio dos Elefantes, a jusante de Massingir, outro, lançado na direcção do norte, por barragem do no Sabié, nos Libombos ou na Corumana.
Referi-me com maior insistência a rios que nascem e correm, no seu sector de montante, em países cujas rodas do progresso estão a mover-se com rapidez cada vez maior. É o caso da República da África do Sul e da Rodésia. Mas há outros países, cujos territórios também confinam com Moçambique, que, animados do mesmo anseio do progresso, devei ao certamente inicial, num futuro que não andará distante, o aproveitamento dos recursos hidráulicos dos seus nos, os quais, no seu percurso para a foz, atravessam a nossa província e o que acontecerá na
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Zâmbia, com o rio Aruângua, que é tributário do Zambeze, no Malawi, com o rio Chire e o seu afluente Ruo, no Tanganhica, com o Rovuma. E noutros casos mais.
Sr Presidente Pus o problema em linhas gerais e até, considerada a sua enorme grandeza, na forma sintética de um pequeno apontamento.
Trata-se de um problema de natureza duplamente técnica e diplomática e, por isso, penso que deve dar-se a palavra aos diplomatas e aos técnicos para que se pronunciem com urgência, sem os empecilhos que a máquina burocrática sempre se compraz em descobrir, de modo que se esclareça e solucione matéria de tanta importância e tanta gravidade para o futuro de Moçambique
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com certeza que a doutrina que se terá de seguir no caso dos nossos nos internacionais, se não quisermos ficar sem água, é a, que nos recomenda o Eng.º Pedro Arsénio Nunes (Parecer sobre o Abastecimento de Água do Lourenço Marques), quando nos diz que se torna necessário «diligenciar o estabelecimento de convénios internacionais, limitadores dos prejuízos que cada país possa causar às utilizações possíveis por parte dos outros», e que nos devemos esforçar «por que vingue, uma vez mais, o princípio do aproveitamento óptimo conjunto, traduzindo-se, especialmente, em compromissos de manutenção de caudais mínimos suficientemente moderados, para se tornarem aceitáveis, mas também suficientemente precisos para neles se poderem basear grandes empreendimentos».
Assim se tem feito noutros casos e noutros países. Sigamos os exemplos existentes.
Sr Presidente. Penso que mais palavras que adite às que acabei de proferir não conseguirão dar maior relevo a um problema que avulta pela sua própria importância.
Permita-se-me, porém, dizer ainda uma palavra, a fim de pedir ao Governo que promova o estudo em profundidade do aproveitamento para fins hidráulicos dos rios da província e que mande elaborar os respectivos projectos para a produção de energia eléctrica e para a rega. Para a produção de energia eléctrica, não só destinada a mover as máquinas das indústrias e a iluminar as cidades e as vilas, mas a iluminar também as pequenas povoações do mato, a servir as explorações agrícolas e as populações rurais, dando maior conforto a quem vive longe dos centros onde os frutos da civilização tornam a vida mais doce, para a rega de enormes extensões de terras ressequidas e improdutivas, que apenas aguardam a acção benéfica da água para se transformarem em fontes de produção, para que haja menos fome, para que haja mais fartura, para que se conquistem novas metas no campo da justiça social.
Assentemos, porém, que não podemos ficar apenas na fase do estudo, elaboração e apresentação dos projectos Para que possamos utilizar com êxito a tese defendida pelo Eng.º Pedro Nunes é preciso que, concluídos esses projectos, passemos depois à realização, à execução das obras a que os mesmos digam respeito, única maneira de nos acreditarem e de se convencerem de que estamos, de facto, a fazer o aproveitamento da água. Só assim poderemos reivindicar com segurança a «garantia de determinados caudais mínimos», como também acentua o Eng.º Pedro Nunes.
Não podemos demorar mais as nossas decisões, não podemos continuar na inércia em que temos vivido, não podemos desperdiçar por mais tempo valiosas águas que outros com certeza aproveitarão se nós as não aproveitarmos primeiramente.
E a verdade é que Moçambique, como de resto qualquer outro país, não pode dispensar a água, que representa afinal, para o seu desenvolvimento, o elo mais importante da sua estrutura económica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Pinto Carneiro: - Sr Presidente. A cultura de um povo revela-se tanto na projecção das suas descobertas científicas e composições literárias como no surto ingente das suas criações artísticas.
A Grécia decantada e a Roma antiga, símbolos de luzidas civilizações, legaram à posteridade um património cultural que se imortalizou não só pela altitude conceituar dos seus filósofos e pelo valimento dos seus poetas e prosadores, mas também pelo clarão de génio com que os seus artistas afeiçoaram a resistência do bronze e lavraram a brancura do mármore.
Por isso, acarinhar as belas-artes no círculo cultural dos povos é surpreender a asa da sua imaginação, o requinte da sua sensibilidade e a sua comunhão poética com a alma dos homens e com a profundidade ôntica das coisas.
Sr. Presidente Coimbra, pela sua magnífica posição geográfica no Centio do País, pelas suas tradições, pelos seus monumentos, pelas suas bibliotecas, pelos seus ricos museus, foi no passado, é no presente e continuará a ser no futuro um grande centro da cultura portuguesa.
A sua Universidade, uma das mais antigas e famosas da Europa, inundou o País das mais fulgidas claridades e ofertou-lhe, durante séculos, os seus valores mais representativos.
E embora se acentue, no mundo contemporâneo, um movimento cultural centrípeto polarizado nas grandes capitais, Coimbra conservará sempre a sua fisionomia característica, o seu insuferível prestígio, o seu inigualável esplendor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Remando a favor ou contra os ventos da fortuna, acariciada de sol ou fustigada de vendaval, a vida académica de Coimbra é ímpar em Portugal, afirmando-se na história da nossa cultura como padrão de grandeza imorredoura
E não esqueçamos que séculos de glória e de esplendor só com outros séculos e com outros esplendores se poderão igualar ou exceder.
Mas, a par das suas produções científicas e literárias, Coimbra tem uma inestimável tradição artística a manter-se viva em muitos estudantes que, além do estudo das matérias específicas da Faculdade que frequentam, se dedicam com notável mérito aos trabalhos de belas-artes.
E não apenas nas artes plásticas, mas também nas artes rítmicas e cénicas, Coimbra, com o seu laureado Orfeão Académico carregado de tradições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - o Coral da Faculdade de Letras, o Orfeão Misto, a Tuna, o Teatro o Grupo de Danças e, fora do âmbito universitário, com os seus numerosos ranchos folclóricos, assinala um lugar de relevante prestígio, tanto em Portugal como em tetras estrangeiras, designadamente a Espanha, a França, a Itália, a Alemanha
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a Bélgica, a Holanda e o Brasil, que já aplaudiram vibrantemente as embaixadas artísticas que Coimbra lhes enviara.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas fugas espontâneas para o mundo das coisas belas, esta chama que crepita e aquece sonhos da velha academia, não podem deixar-se no indiferentismo das vocações sem valia.
Sr. Presidente. O ensino de belas-artes em Portugal não veleja em mar de rosas.
Nas laudas da imprensa têm, por vezes, ecoado justos clamores à forma como aquele ensino se encontra estruturado e é ministrado nas nossas escolas superiores de belas-artes.
Resta saber se neste sector do interesse público os melhores serão os eleitos para os lugares de cornudo e se a disciplina escolar e a justiça distributiva transcendem mesquinhos particularíssimos ou, pelo contrário, são tributárias da ternura dos afilhados.
Por outro lado, não obstante a exuberância dos seus trabalhos, os nossos artistas nem sempre atingem o grau de emoção, de comunicabilidade e de cultura que denuncia a autenticidade do valor.
Nas criações de muitos dos nossos artistas modernos nota-se, por vezes, tal ausência de inspiração e tão bizarras concepções que o espectador, surpreendido, fica a pensar se se encontra perante uma concretização do belo ou de uma grotesca mistificação da arte e deformação da sensibilidade estética.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - «Fauna equívoca de snobes» - chamou Ortiga y Gaste a esses excêntricos moderadoras de histriónicas caricaturas, que, apesar da sua impotência criadora e olímpica displicência, ainda conseguem os favores de uma crítica cândida e louvaminhas que lhes acena com o turíbulo dos seus incensas perfumados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, mercê da afinidade convencional emergente do comparo reinante, talvez, no proscénio nacional, pompeiem guizalhantes vulgaridades, proclamadas às auras da fama como encarnações de génio, em contraste com autênticos artistas de garra, que, votades ao ostracismo pela emulação cabotina de áulicos emplumados, não têm possibilidade de exibirem a vasta gama dos seus recursos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há necessidade de rever o ensino das belas-artes e a forma de protecção aos nossos artistas, de molde a não deixar esmorecer na sombra os valores autênticos, joeirando-se o trigo do joio, as plantas de floração viçosa e fecunda do escalracho estéril e rastejante.
É preciso preparar o condicionalismo para que e os nossos artistas, nos voos da sua imaginação criadora não rebusquem apenas exotismo ininteligíveis e aberrantes, mas se deixem seduzir também pela harmonia formal de uma arte portuguesa na qual aflorem os elementos que definem a nossa paisagem e os traços que individualizam o carácter da nossa gente.
Sr. Presidente Coimbra, que é Portugal em miniatura, pelas suas tonalidades geográficas e humanas, aliadas a uma imarcescível frescura espiritual e perece renovação, deve ter uma escola de belas-artes.
Ao lado da ciência, que abre os pórticos da verdade, ficaria bem a arte a rasgar os caminhos da beleza!
Aquele instituto, enquadrado na cidade universitária, concorreria grandemente para que, no Centro do País, reflorisse o culto de um humanismo integral com o aproveitamento dos seu valores científicos, literários e artísticos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Constituiria o almejado retorno a uma tradição constelada de uma plêiade de artistas, entre os quais avultam pintores, escultores, ceramistas, gravadores e apaixonados da história da arte.
Seria o bater de asas para horizontes mais dilatados de tantos estudantes que, a par dos programas universitários e dóceis aos impulsos de uma vocação natural, se dedicam às belas-artes com um amadorismo tão primoroso que, não raro, ultrapassa a ascensão de muitos profissionais.
Seria também o incentivo para outros artistas de real valia que, não sendo estudantes, perlustram, com as criações do seu inegável talento, a arte nacional, tanto em terras pátrias como além-fronteiras.
Por outro lado, Coimbra, com a perenidade do seu saber, com as suas repúblicas pletóricas de estuante mocidade, com as suas tertúlias académicas, com o seu mundo de inquietações, de irreverências e de inconformamos, constitui um ambiente admirável para que o artista, longe de se identificar com um simples pincelado de telas ou frio plasmado do barro, seja um detentor de cultura que, a par da técnica de execução, tenha engenho para conceber e asas para voar às alturas de luminosas inspirações.
Coimbra, com a sua história, as suas lendas, os seus costumes, o bucolismo dos seus recantos, com toda a mescurecível policromia dos seus motivos, é um manancial infindo de emoções belas que bem podem ser perpetuadas em manifestações de eterna beleza.
Ainda o fino espírito crítico da Academia, com a sua ironia pronta e penetrante e o seu sarcasmo certeiro e contundente, seria um óbice à proliferação de tantas manifestações de arte espúria que, apesar de tudo, faz alarde de sobranceria e veste galas palacianas.
A Escola de Belas-Artes de Coimbra proporcionaria o recrudescimento de novos valores, provocaria outras correntes de formação estética e, procurando o equilíbrio entre o hermetismo de uns e a desnorteada erupção de outros, contribuiria para a expansão de uma arte caracteristicamente portuguesa.
E Coimbra, que, nas campanhas nobilíssimas do espírito, já não morre no prestígio dos seus doutores, no clarão dos seus poetas e no oiro floreado dos seus prosadores, retomando velhos rumos, buscará então novos títulos de glória na imortalidade dos seus artistas.
Tenho dito
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas a 1963.
Tem a palavra o Sr Deputado Serras Pereira
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O Sr Serras Peralta: - Sr Presidente. Ao iniciar esta minha intervenção sobre as Contas Gerais do Estado de 1963, mão quero deixar de render as minhas homenagens ao ilustre relator do parecer, Eng.º Araújo Correia.
Na verdade, o parecer revela um extraordinário conhecimento das realidades financeiras, económicas, sociais e políticas do País, preconiza soluções, analisa objectivamente os problemas e o seu sentido crítico está eivado do mais são critério e da isenção própria dos grandes espíritos.
E assim, o parecer é um manancial fecundo de meditação, um ponto de partida para o início de muitas actividades e um documento válido, pela juventude das soluções para problemas fundamentais Embora a análise nele expressa seja rica em pormenores, apresenta, todavia, soluções globais, enquadramentos preciosos, normas de acção.
Se na base do problema português reside em grande parte um problema económico e se o progresso dos povos se mede hoje pelo seu nível de vida, capacidade de investimento e índice de produtividade, há que procurar as soluções mais adequadas de acordo com os mais altos interesses ou, como diz o distinto relator, «a política económica bem conduzida terá de ter como principal objectivo aumentar os rendimentos globais, elevar a capitação do produto interno e da população, de modo a serem possíveis maiores consumos e mais volumosos investimentos».
Para a efectivação, porém, de uma política económica definida nestes termos há que ter em consideração um problema prévio - o crescimento harmónico e equilibrado -, o que pressupõe a planificação global, enquadrada em esquemas sectoriais e no planeamento regional.
Depois da discussão e aprovação, nesta Assembleia, das bases da proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento, o esclarecido Deputado Dr. Ulisses Cortês apresentou uma moção, fruto longamente amadurecido no seio da Comissão Eventual, expressamente constituída para estudo e apreciação do Plano e de que foi eficientíssimo e imbatível presidente, em que na alínea g) se afirma peremptoriamente que «para a realização gradual e dentro das possibilidades, se proceda sem demora à elaboração de programas de desenvolvimento regional, especialmente nas zonas do interior, onde é mais reduzida a capitação do produto e mais premente a necessidade de modificar a estrutura da produção e a distribuição defeituosa da população activa» O que equivale a dizer que o Plano Intercalar sofre de uma lacuna grave - a de não estabelecer programas de desenvolvimento regional.
No entanto, na base VI da lei, no n.º l, alínea c), se define a competência do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos quanto à aprovação dos planos de desenvolvimento regional.
Esta matéria está tratada no relatório do projecto do Plano Intercalar com largueza e acuidade.
Se uma das características do II Plano de Fomento foi a de suma forte concentração do investimento em pólos de desenvolvimento já existentes», deu origem, por isso mesmo, a um agravamento das disparidades regionais do País. O actual condicionalismo político-económico está dirigido, e muito bem, para os empreendimentos e actividades altamente reprodutivos, sem esquecer contudo, e isto é importante, os elementos de valorização regional que consintam a correcção de desequilíbrios tanto sectoriais como regionais.
Nestas circunstâncias, a localização das indústrias, os aproveitamentos de energia, as reconversões agrárias, as zonas de turismo, podem, em certa medida, tender para um melhor e equilibrado crescimento.
Para atingir este desiderato prevê-se, pelo menos no que respeita a localização de indústrias e em vista a um desenvolvimento equilibrado, a publicação de legislação adequada a estas finalidades.
Esta nova matéria legal encerra o propósito da criação de novos pólos de desenvolvimento por instalação de complexos industriais ou ainda o aproveitamento das zonas em que se reconheça a existência de suficientes infra-estruturas que mais prontamente poderão transformar-se em fortes núcleos motores da actividade económica.
Por outro lado, não são menos válidas as posições tomadas pela Câmara Corporativa ao ter de se pronunciar sobre estes mesmos problemas.
Na verdade, o Prof Francisco Moura, no seu parecer sobre a Junta de Planeamento Económico Regional, teceu judiciosas e oportunas considerações relativas a esta ma teria. Também o mesmo digno Procurador, no parecer relativo ao Plano Intercalar de Fomento, retomou mais uma vez este mesmo assunto, pronunciando-se francamente por uma concepção descentralizada Ultimamente ainda, o distinto Prof. Castro Caldas, a propósito do Plano geral do aproveitamento hidráulico da bacia do Mondego, concluiu pela urgente necessidade da elaboração de «um plano de desenvolvimento regional que integre o conjunto de acções complementares de aproveitamento hidráulico previsto».
Não tem outro significado o conteúdo da Lei n.º 2009, que cria o Plano Director de Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa. Com efeito, essa lei, que foi nesta Assembleia motivo da mais alta reflexão e mereceu um bem fundamentado parecer da Câmara Corporativa, faz realçar os inconvenientes e desvantagens das grandes concentrações urbanas, provocadas pela instalação maciça, apenas em certas zonas, das actividades industriais.
Os problemas postos e as soluções preconizadas pela Câmara Corporativa e pela Assembleia Nacional são perfeitamente actuais, e se, por mérito indiscutível da lei, se têm refreado um pouco as instalações do sector secundário na região de Lisboa, ela não tem por si só o condão de descentralizar as actividades industriais e os serviços.
Na essência do problema reside uma falta de vigorosa acção política que desde há muito, segundo cremos, devia provocar um salutar revigoramento económico e social nas débeis regiões interiores do País.
Não obstante as dificuldades de pôr em execução uma positiva política descentralizada em todos os escalões, factos novos se apresentam contudo à nossa consideração - o reconhecimento de que os problemas de urbanismo estão intimamente ligados aos de desenvolvimento e que já não há lugar, dentro dos novos conceitos de urbanização e urbanismo, para a antítese ruralismo-urbanismo.
Já nos foi dada a oportunidade de preconizar desta tribuna o aproveitamento integral do vale do Tejo Julgamos assim, hoje como ontem, porque sem dúvida alguma o vale do Tejo constitui a região mais rica do País, não só sob o ponto de vista agrícola, mas também pela localização nas margens do rio dos maiores complexos industriais.
Além disso possui o nosso melhor porto e encerra em si grandes potencialidades económicas e pode permitir desde já o crescimento rápido do desenvolvimento económico.
O distinto relator das Contas também dá grande realce no parecer deste ano, como já anteriormente noutros fizera, no aproveitamento integral do vale do Tejo, preconizando uma série de medidas e de opção de critérios que têm perfeito cabimento na teorização nos planos regionais de desenvolvimento
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Afirma o Sr. Eng.º Araújo Correia, a propósito do rio Tejo.
O Tejo tem características fluviais ainda Melhores do que as do Douro e são necessárias apenas duas barragens, a de Almourol e a de Fratel, para ser possível, com arranjos entre Almourol e Lisboa, navegação fácil num longo percurso que atravessa o País de lado a lado.
A regularização do rio por obras de grande relevo em Espanha, a futura reserva do Alvito, alem do que já existe no Zêzere, tornam este rio um dos mais poderosos instrumentos económicos do País, em que as utilizações preenchem a gama da energia, da navegação, do abastecimento de água para fins industriais e urbanos, e a rega de largas regiões de solos ricos. É doloroso para quem olha, praticamente, estes problemas, reconhecer a pouca atenção que tem sido dada, nos tempos modernos, ao Tejo.
As quantidades de energia susceptíveis de serem aproveitadas no Almourol, Belver, Fratel-Tejo internacional e Alvito, as possibilidades de rega e jusante do Almourol, que domina por gravidade uma vasta zona, o uso das águas nas margens direita e esquerda para usos industriais, a influência sobre o turismo nacional de três lagos de grande beleza, numa zona acessível, a localização de indústrias no seu vale, entre as quais podem ocupai posições de relevo as relacionadas com produtos florestais, nas Cabeceiras, e as metalomecânicas e químicas, já em início em algumas localidades, toda uma série de potencialidades económicas que têm o seu hunterland numa larga região, com natural saída para um grande porto onde ultimamente se têm despendido grandes quantias para um volume de tráfego inadequado - são motivo mais do que suficiente para a execução de um plano de larga envergadura, com enormes e potencialidades políticas, económicas e sociais.
O Sr Gonçalves Rapazote: - Muito bem!
O Orador: - O que fica transcrito é em si suficiente válido e merece da nossa parte franco aplause e alguns modestos comentários.
Em primeiro lugar, interessa reflectir nas assimetrias regionais do País Com efeito, se considerarmos o rectângulo que forma Portugal europeu, poderemos traçar um meridiano que é toda a faixa costeira norte-sul de Braga a Setúbal, concentrando quase toda a população activa, com os aglomerados populacionais mais relevantes, distinguindo-se as coroas industriais de Lisboa e Porto, e possuindo também as melhores vias de transporte. Os produtos hortícolas, os pomares as florestas, beneficiam, por outro lado, de uma valorização que não tem paralelo com as. outras zonas.
Um outro meridiano pode ser traçado partindo de Chaves e atravessando, grosso modo, Régua, Viseu, Abrantes, Évora, Beja, terminando em Faro. Verifica-se nesta faixa interior a existência de uma massa esplendorosa de essências florestais (castanheiro, oliveira, pinheira, eucalipto, sobreiro, alfarrobeira), manchas da mais elevada produção cerealífera, criação de gado e de lã, núcleos industriais de forte significado - o Norte do Ribatejo (Abrantes, Tomar, Torres Novas), produção de vinho da mais alia qualidade.
Uma zona fronteiriça permite ainda o traçado de um terceiro meridiano de Bragança a Portalegre, incluindo Castelo Branco, com preponderância da actividade primária e com os centros industriais da Covilhã e Portalegre
Está assim o País dividido em três eixos verticais, que vão diminuindo de valor e poderio económico à medida que se avança para o interior.
Na realidade, o Norte do Ribatejo constitui, pela sua localização geográfica, pelo valor que já é presentemente em todas as actividades e pelas extraordinárias potencialidades que encerra, o centro por excelência donde necessariamente deverão irradiar as ligações entre o Norte e o Sul, com a abertura da estrada nacional n.º 2 (Chaves-Abrantes-Faro), com a travessia do percurso n.º 3 (Vilar Formoso-Abrantes-Lisboa), com as vias actuais de penetração do Norte do Alentejo e na Beira Baixa e as suas ligações com a Espanha, com o mar, Fátima, Beira Litoral e Lisboa, com os entroncamentos ferroviários e com a via natural que é o rio Tejo.
Uma primeira conclusão se pode tirar - o Norte do Ribatejo, ou, melhor, Abrantes, é, sob o ponto de vista de comunicações, um nó de tão grande importância que, por si só, constitui a infra-estrutura de um verdadeiro pólo de desenvolvimento.
Voltando a glosar a síntese, atrás transcrita, do eminente relator, poderemos considerar a seguir a produção de energia eléctrica na bacia hidrográfica do Tejo. O rio Zêzere pode considerar-se como completamente aproveitado, se exceptuarmos as cabeceiras, o Ocreza também, o Tejo tem em funcionamento a barragem de Belver (que pode duplicar), Fratel está incluído no actual Plano Intercalar de Fomento, e Chaparral aguardará a sua oportunidade, com Alvito e Almourol. No entanto, não se deverá proceder à construção desses empreendimentos sem ter em atenção os seus fins múltiplos, todos conducentes ao objectivo atrás referido e por todos reconhecido como fundamental a fixação regional das populações organizadas segundo os novos conceitos do urbanismo.
Tais fins, parece-nos que poderão ser agrupados segundo três ordens de actuação.
O primeiro consistindo em conservar e beneficiar os recursos naturais pelo combate à erosão em toda a bacia hidrográfica e pela regularização das cheias.
O segundo aspecto da actuação seria o da utilização das potencialidades assim propiciadas e que vemos ordenadas do seguinte modo produção de energia, no plano das comunicações, a navegabilidade e o atravessamento, rega dos campos, estabelecimento de indústrias de toda a espécie, nomeadamente de apoio a agricultura, o abastecimento de água das populações, cujas condições óptimas de fixação assim ficariam estabelecidas, por fim, aproveitamento das albufeiras para utilização turística, recreio e desporto.
O terceiro aspecto (e este sectorialmente) diz respeito ao aproveitamento integral das essências florestais mais abundantes na região.
O ilustre Deputado Sr Araújo Correia trata este problema com grande extensão Salienta, nomeadamente, a nossa insuficiente matéria exportável, que poderá encontrai na floresta um suplemento que contribua substancialmente para o equilíbrio da balança comercial, que «poderá atingir alguns milhões de contos», possibilitando, além disso, a atenuação da «crise jamais conhecida na economia rural» pela valorização das madeiras, das resinas, dos óleos, da celulose e outros produtos. Chama a atenção, a seguir, para a planificação económica, que deverá ter em conta tão importante aspecto da nossa economia, e acentua judiciosamente o estado actual das actividades agrícolas em explorações antieconómicas. Referindo-se a zona do Norte do Ribatejo e as circunvizinhas e aos problemas do arborização, pondera as estruturas da propriedade e a carência de meios financeiros mas acaba por concluir que, desde que as madeiras obtenham remuneração compensadora, ter-se-á dado um grande passo em frente na reso-
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lução - que é urgente - dos problemas que afligem a agricultura.
A terceira conclusão é óbvia. Todos os produtos agrícolas, desde a floresta ao pomar, dos cereais ao azeite, deverão ser quanto possível industrializados em toda a gama de potencialidades na região ou na área considerada como pólo de desenvolvimento.
Interessa-nos, porém, neste domínio e neste momento, o problema que resulta de, segundo julgamos saber, terem pedido alvará para montagem de fábrica de celulose no vale do Tejo quatro entidades distintas.
Vários aspectos podem ser considerados nu análise deste problema, desde a origem dos capitais à dimensão da empresa e, muito em especial, a localização. De facto, a indústria de celulose merece, por si só, uma extensão que não lhe queremos dar e que não está tão-pouco no âmbito desta nossa intervenção. No entanto, deixamos aqui muito sumariamente alguns dos aspectos da extrema complexidade que encerra essa indústria.
Sabe-se, por um lado, que a curva de consumo mundial á ascendente e que há presentemente carência deste produto. Sabe-se ainda que toda a indústria vive hoje em regime competitivo e há que vender à formação dos grandes espaços económicos e ao seu imenso dimensionamento em poderio económico-financeiro. Por outro lado, a indústria de celulose tem tido entre nós um comportamento altamente favorável, com índices de rentabilidade dos mais relevantes.
A proliferação da indústria indiscriminadamente poderá acarretar para a nossa economia, em esforço de guerra, problemas graves, quanto a cambiais pela importação vultosa de equipamentos e, quanto a custo de produções, índices que não suportam o poder competitivo de outras unidades estrangeiras.
Posto assim o problema, parece-nos ser de atender a origem dos capitais em que figurem os interesses do Estado e da previdência e do público em geral, canalizando os seus aforros para empreendimentos de segura e firme rentabilidade, de atender aquelas entidades que no sector ofereçam garantias de idoneidade e de demonstração de capacidade industrial e de atender ainda os interesses regionais, quer dos proprietários das matas, quer dos industriais, quer mesmo das autarquias locais.
O problema de localização é um outro aspecto da mais alta relevância. Na verdade, importa que a implantação de um complexo industrial como a celulose se situe numa zona já por si diferenciada, com caudais de água suficientes, servida por boas vias de transporte, até o fluvial, próximo de centros abastecedores de energia, de aglomerados urbanos e de centros de consumo aptos, desde já a servir.
Dentro da orientação que demos a este trabalho, a localização de mais uma celulose no vale do Tejo deverá fazer parte de um pólo de desenvolvimento que não pode ser outro que o Norte do Ribatejo. E aqui incide a quarta conclusão
Outro aspecto implícito nas afirmações do Sr. Eng.º Araújo Correia decorre do problema do ensino técnico e liceal e até daquele grau de ensino mais especializado e ainda não existente na região
Embora o Norte do Ribatejo esteja servido de institutos de ensino e colégios particulares, achamos vantajoso que o Liceu de Santarém seja desdobrado, dando assim satisfação ao pedido do Município de Abrantes, apresentado a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, que, com certeza, não deixará de atender, dadas as razoes expostas pelo ilustre presidente da Câmara de Abrantes.
E esta é a quinta conclusão a tirar.
Não está esquecido tão-pouco o problema que resulta da criação de um pólo de desenvolvimento em Abrantes, com os seus programas de valorização regional, e é ele o de não poder ser executado independentemente de outros planos, quer os do Norte do Alentejo, quer os da Beira Baixa. Há, sem dúvida, um caso regional a estudar e a pôr em andamento, o que não invalida de modo algum as interdependências com outros planos sectoriais e regionais e que obviamente terão de ser encarados dentro do plano global.
Daqui se deduz a sexta conclusão.
Sr. Presidente. O vale do Tejo constitui uma zona natural que reúne todas as condições para um sistemático ordenamento regional.
Não é outro o parecer do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação do Engenheiro Duarte Pacheco oportunamente criado por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, a cujo Gabinete ficou adstrito, em clara manifestação de alto interesse e preocupação que estes assuntos lhe merecem.
Naquele Centro de Estudos, dignamente presidido pelo Eng.º Sá e Melo, um grupo de trabalho está encarregado de proceder ao estudo de investigação de base que tem a região do Norte do Ribatejo por objecto e poderá num futuro próximo transformar-se em estudo-piloto de ordenação urbanística regional.
Na realidade, os novos conceitos de urbanização e desenvolvimento estão Intimamente ligados, porque o que importa fundamentalmente é a fixação das populações aos territórios.
Entende esse grupo de trabalho que o Norte do Ribatejo é, por si só, uma zona de polarização natural cuja situação geográfica, além do mais, possibilitará contrabalançar os efeitos nocivos das fixações intencionais de indústrias contrárias ao espírito da Lei n º 2099. Quer dizer julga aquele Centro de Estudos que o Norte do Ribatejo poderá e deverá constituir uma zona tampão do complexo urbano que é a região de Lisboa. Para tanto conviria que a placa giratória que é o nó rodoviário, ferroviário e fluvial que é a região de Abrantes se transformasse numa cidade interior de alta relevância, retendo o afluxo populacional à zona da região de Lisboa, pela criação de um pólo de desenvolvimento, e dando origem, por conseguinte, a um núcleo populacional da casa das 50 000 almas, incluindo Abrantes, Alferrarede e Rossio de Abrantes, num prazo de tempo relativamente curto.
Como deixámos dito atrás, não existem no interior do País aglomerados urbanos com suficiente capacidade atractiva que permitam a fixação das correntes migratórias em condições mais favoráveis do que muitas das zonas suburbanas de Lisboa e do Porto.
A descentralização preconizada pelo Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação do Engenheiro Duarte Pacheco vem ao encontro do espírito não só da Lei n.º 2099, mas também do próprio espírito e das intenções do Plano Intercalar de Fomento, e está de acordo ainda com a moção apresentada nesta Assembleia quando da discussão e aprovação da lei sobre aquele Plano.
Tão salutar iniciativa não pretende substituir-se aos organismos que amanhã terão a seu cargo a planificação regional, mas não restam dúvidas de que se trata de um precioso auxílio sem o qual não se obterão os resultados de um ordenamento considerado em termos modernos. A orientação do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação está definida pelo respeito e nobres valores humanos pretende respeitar uma tradição cultural e serve-se para isso de eficientes métodos modernos e da experiência alheia, situando os problemas em termos universais
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Merece ela uma palavra de louvor na pessoa do Sr. Eng.º Sá e Melo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta iniciativa do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação não pode deixar de teria adesão e compreensão das autoridades administrativas das forças vivas locais, dos industriais, comerciantes lavradores, dos elementos culturais e religiosos e de tonos aqueles que sentem que é preciso pensar e agir em termos da nossa época e realizar com fervor as grandes tarefas de interesse colectivo.
Todos os que contribuam de algum modo para que a região do Norte do Ribatejo se transforme num pólo de desenvolvimento terão contribuído para a resolução de um grande, imenso problema nacional.
Sr. Presidente. Como remate e conclusão final desta modesta intervenção pedimos ao Governo que, respeitando a linha de orientação que está segundo, seja incluído no III Plano de Fomento a região do Norte do Ribatejo como pólo de desenvolvimento. Na verdade, a política de revalorização regional não trata apenas, segundo nos parece, de promover um mais rápido crescimento económico, mas sim de provocar de desenrolar de diversos mecanismos, englobando todas as actividades económicas, sociais, culturais e políticas. Além disso, a revalorização regional é a garantia de uma positiva descentralização, corrigindo automaticamente as tão acentuadas assimetrias nacionais, tanto no domínio populacional como na riqueza. Consente ela, por outro lado, uma vida regional activa, com o desempenho de funções por um verdadeiro escol local.
Revigora os corpos sociais e defende um espírito e uma maneira de ser e a nossa interpretação do Mundo e da vida. É a garantia firme da transmissão de lentos e nobres valores morais e religiosos que tem sido sempre timbre da nossa história.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Brilhante de Paiva: - Sr Presidente. Com a devida vénia, peço a V Ex.ª que aceite os meus calorosos agradecimentos pela oportunidade que ma dá de entrar no debate das Contas Públicas e os cumprimentos muito respeitosos que V Ex.ª me merece, a todos os títulos.
Sr. Presidente, Srs Deputados. Todas as porções ultramarinas do património nacional carecem de defesa, muito ajustadamente, observou o nosso ilustre colega Deputado Sousa Meneses que os gastos fie natureza militar, em maioria muito significativa, revertem à carteira particular das nossas actividades económicas, que de certo modo vêm incentivar, se bem o entendi, ao fim e ao cabo, o que se dá é uma mudança de rumo em presença de alguns ou vários dos sectores, pelo menti em medida notável.
Os soldados continuam a vestir-se e a alimentar-se usando tecidos e alimentos nacionais, pá verá acréscimos notáveis na despesa exigida pelos transportes, haverá reduções na actividade extractiva ou transformadora, ou reacomodações em ordem a obter o mesmo ou melhor rendimento, no domínio metropolitano, do que se obtinha antes da deslocação dos jovens para o ultramar.
Mas, sejam quais forem os sacrifícios de homens e fazenda que a Nação tenha de suportar, para defender os seus filhos e se firmar no espírito de governantes alheios como crivo que a um tempo detém os avanços da ambição desmedida ou os abandonos de uma indiferença calculada e refalsada, ela deve faze-los sem tergiversar, e até ao fim Longe de Lisboa, milhões dos nossos acolhem as tropas jubilosamente e no reconforto de nova segurança, sentem nas operações militares o vigor da mão que tudo fará para os não abandonar nem ao aviltamento nem ao extermínio que têm campeado por essa África fora, no cortejo em que se passeiam os césares novos do Oriente da Europa e da Asia ou os seus centuriões aos ombros dos moleques. Quaisquer indecisões que por má sina viéssemos a mostrar não consentiriam nunca a esperança de vermos dissipadas a nosso favor as indecisões alheias ou a de que a um só gesto da nossa aflição viriam os poderosos
levantar-nos do charco.
Eis, Sr Presidente, que na defesa militar não pode ver-se apenas o zelo de um governo a actuar por si mesmo, e muito menos uma actuação contrária a hipotéticas indiferenças e abulias inertes de um país ameaçado e ainda assim descrente da seriedade dos perigos. Muito ao contrário, a Nação está hoje, como desde o início dos atentados de Março de 1961, fundamente ansiosa por ver passado o pesadelo e firmemente convencida de que o Governo saberá mante-la íntegra, reconduzi-la ao labor pacífico e ao convívio familiar. E, pois, de um mandato de pleno poder e de dever total, inadiável e indiscutível que se trata. Por isso mesmo se reclamam armas, por isso mesmo se mandam soldados, por isso mesmo se concitam ajudas de todos aqueles povos que entendam defender-se enquanto nos defendem, por isso mesmo se mostra o caminho da negra realidade aos que se fiem no agressor e deixem correr o mundo, por isso mesmo prestam todos os portugueses ao seu Governo o concurso de que são capazes.
Mas a defesa da nacionalidade não tem apenas facetas militares. Exige uma acção de retaguarda, que há-de desenvolver-se no domínio da economia e, em escala não menor, no da preservação das almas contra as infiltrações teóricas ou contra as tentações à prática subversiva por conta de quem, afinal, se tem mostrado ser o verdadeiro inimigo do Ocidente e do nosso modo de viver, familiar e cristão.
Reservo algumas palavras para estes aspectos Já que é na província do Indico que tenho vivido e fui eleito, perdoar-se-á que a tenha no pensamento ao expressar as minhas observações.
Há pontos de semelhança, de aproximação, numa vista ligeira em que se contrastem as economias de Portugal metropolitano e moçambicano, e o mais evidente é a insuficiência da produção interna, que traz, como consequência, a necessidade de importar Lá, como aqui, o concurso dos chamados elementos invisíveis é ainda impressionante, de notar é, todavia, que Moçambique começa a ter de viver dos seus saldos anteriores, na medida em que os invisíveis não conseguem tapar a brecha Lá, como aqui, exporta-se mão-de-obra.
Há aspectos que reclamam uma colaboração mais activa entre os factores das economias metropolitana e moçambicana e aos quais se refere o parecer elaborado, com renovado brilho, pelo nosso ilustre colega Eng.º Araújo Correia a quem não me dispenso de expressar a minha homenagem e o meu aplauso agradecido.
Em Moçambique, colheu-se algum proveito dos esforços feitos no sentido de equilibrar os pratos da balança do comércio externo, reduzindo-se um tanto o déficit dos pagamentos. Mas continua em foco a urgência de dar incentivos à actividade mineira, à exploração e renovação florestal (com referência especial a esta, para que se não diga que temos consentido no sistemático aniquila-
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mento), à pequena agricultura de subsistência, à cultura cerealífera, à fruticultura, à pecuária e, sem dúvida nenhuma, à indústria transformadora. Sem auto-suficiência não pode haver saldos positivos e caminha-se para o caos.
O parecer relativo às Contas de 1963 chama a atenção da Assembleia para vários ramos do sector primário de Moçambique, nos quais devo fazer menção especial, embora a mero título exemplicativo, da cultura algodoeira do Norte e de mais uma ou duas actividades do género L1 numa obra de Nelson Saraiva Bravo (A Cultura Algodoeira na Economia do Norte de Moçambique), em passagem em que se encara em conjunto a produção de Angola e Moçambique, que no ano de máxima produção, 1960, cada um dos 584 000 cultivadores, em média, pouco mais recebeu do que 700$ pelos seus 270 kg de algodão encaroçado, ou seja mais ou menos 2$60 por quilograma
(p 63). Este autor menciona o enunciado da intenção de elevar o preço de compra para 6$ no local de concentração, enunciado feito por um dos interessados na compra e na propaganda da cultura entre os agricultei es nativos.
Ora no parecer verifica-se que a indústria metropolitana, ao invés de montar nas duas (províncias de governo-geral mais unidades transformadoras, através das quais, sem se prejudicar, beneficia as respectivas economias, vem comprando cada vez menos algodão ao ultramar e vem aumentando constantemente a utilização do algodão estrangeiro.
Longe de num está a ideia de acusar quem quer que seja, porque não sei de culpas, mas não posso privar-me de vincar o desconforto que nos dá semelhante evolução numa era que se tem definido como de gradual mas pertinaz integração do espaço económico português, sonho acalentado por todos e cada um dos que proclamamos que Portugal é só um, é indivisível, se espalha pelo Mundo e nele são iguais todos os filhos.
Um a um, explanam-se mais uma vez, numa insistência que a objectiva justeza fundamenta plenamente e não pode deixar despreocupado quem quer que tenha de orientar, ou autorizar, ou simplesmente verificar as soluções, os problemas de primeiro plano da economia ultramarina.
Ao algodão, tratado até 1961 num regime sobre o qual desabou como que um telhado de casa a arder, tantos eram os queixumes e as exigências de correcção e de justiça humana, mas a que sucedeu uma orgânica de eficácia ainda não comprovada no aumento do peso na balança comercial - ao algodão segue-se o açúcar, a castanha de caju, a copra, os óleos vegetais, o sisal, o chá e as madeiras (para só mencionar os produtos de maior incidência). Alinham do lado positivo a castanha de caju, com o seu notável poder de estabilização da balança, os óleos vegetais, o sisal e as madeiras, do lado negativo o chá e a copra, além dos dois primeiros.
Não tenho o direito de fatigar VV Ex.ªs Sr. Presidente e Srs Deputados, metendo-me a divagar pela estatística. A roupagem estatística poderia fazer-me perder o fio à meada, se pesasse mais ou fosse mais comprida do que convém à exposição das minhas ideias simples. De resto, desde que desejo fazer acentuar um ou outro aspecto já evidenciado no parecer, bastará remeter para este a gentilíssima atenção de VV Ex.ªs.
O algodão e o açúcar têm pontos de contacto, mas há aspectos em que divergem largamente. As terras que convêm a um parecem não convir ao outro, o regime social da exploração opõe um ao outro, no algodão os concessionários compram aos produtores os frutos, separam deles os caroços, que vendem para a extracção dos óleos e dos bagaços, e por fim vendem a fibra aos fabricantes, pode talvez pôr-se à hipótese de não estar ainda atingido o nível de remuneração considerado socialmente necessário e útil, por causas que convirá estudar e remediar, quer sejam de natureza técnica, como possíveis defeitos de profilaxia ou falta de apoio mecânico à cultura e à colheita, quer sejam de natureza comercial ou social e, portanto, se situem no campo do critério humano da valorização.
O certo é que a produção tem baixado e este facto não pode deixar de ter reflexos da maior gravidade no conjunto nacional, obrigado a sangrar-se em divisas para comprar lá fora o que pode produzir em quantidades suficientes para si e para vender aos outros, e que estes reflexos não podem deixar de alinhar entre os factores de depauperamento.
Eis algo em que será possivelmente útil a reunião de uma mesa redonda, em volta da qual se sentem os representantes da administração - pública e os das diversas fases da produção, comercialização, transporte e aproveitamento industrial, e veja cada um que contributo pode dar à cura do mal, de olhos postos na sobrevivência, que não nos individualismo das culpas ou dos proveitos.
Tal qual no ramo algodoeiro, o açúcar é tratado em regime monocultural ou quase e cujas consequências sociais parecem agravar-se aqui por alguns motivos essenciais. Nestes, devo relevância ao facto de se ocuparem baixas férteis, aluvionárias e de fácil irrigação, com imensos latifúndios de diminuta densidade démica. Ao contrário do algodão, no açúcar escritura-se a favor da empresa transformadora o proveito imediato da cultura e a população empregada tem ou teve nos salários um promotor de meios de vida de primeira grandeza.
Creio que mereceria estudo a fundação de um colonato açucareiro experimental de regime familiar, policultural, dispondo da sua unidade transformadora cooperativa, e em que a posse da terra viesse a cair ao colono com os restantes bens que lhe coubessem no conjunto, sem as pulverizações de propriedade que costumam trazer as heranças.
Quero crer que semelhante hipótese já terá ocorrido à consideração dos nossos economistas, de cujo espírito se não ausenta a necessidade da observação sociológica, e quero crer que eles lhe terão pesado o poder de fixação à terra e até o de polarização de certos sectores populacionais em evasão através das fronteiras, às claras e às ocultas, em busca da França ou em busca da República da África do Sul.
Por muito insensato que pareça, sinto o dever de advogar soluções paralelas a esta nos domínios da horto-pomi-cultura e da pecuária ou noutros, como o da própria cultura algodoeira, através das quais se prosseguisse a política da fixação.
Assiste-se a uma debandada que lembraria a dos carnenos de Panúrgio, se não fosse de homens e não ostentasse laivos de tragédia, e não sangrasse o País de preciosíssimas energias humanas Devo e presto aqui uma homenagem a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, que lhe mandou estudar as causas e as possibilidades de espancamento, pondo ao serviço dos interesses nacionais nesta faceta da nossa vida sócio-económica os espíritos mais esclarecidos, e com essa homenagem o aplauso do incitamento e da esperança na continuação da obra de recuperação do nosso povo - recuperação no pão e recuperação no espírito, tanta vez sujeito às mais nefastas influências doutrinarias e às mais perigosas rebeldias
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Tenho fé nele, militam com que no nosso espirito perto de quatro décadas de dedicação incondicional, cujos resultados estão à vista, no aumento da riqueza na fortificação dos laços mútuos entre Portugueses e até na gratidão que todos lhe expressamos e não é bem causa.
Um dos aspectos mais flagrantes da vida económica ultramarina é a cultura do tabaco. Assistiu-se pela, em 1963, a um movimento que desfavoreceu Angola e favoreceu Moçambique (em ambos os casos ligeiramente) com resultado positivo, mas de fraca incidência no contributo para o equilíbrio, não realizado, na balança comercial de Moçambique Longamente - dir-se-ia até teimosamente - tem o nosso ilustre colega Araújo Correia insistido pelo aproveitamento dos tabacos ultramarinos por parte da industria tabaqueira metropolitana, sempre com o aplauso vivo dos Deputados do ultramar e da Câmara, despertando novas esperanças nos cultivadores de Malema, de Sussundenga ou de outros pontos de Moçambique, como de Angola ou de outras províncias.
O tabaco continua a ser um dos mais evidentes factores de escoamento de divisas, apesar dos esforços feitos pelo Governo no sentido da nacionalização do ciclo respectivo e que se exemplificam na zona de aproveitamento e povoamento do Revuè. Em Sussundenga funcionavam - e provavelmente funcionam ainda - cursos de adaptação dos colonos novos aos métodos de cultura e de cura (em uso nos centros produtores modernos. Tomaram-se medidas tendentes à absorção do tabaco ali produzido, entre elas contava-se a compra da produção a um preço remunerador e, assim, capaz de impulsionar a dedicação do colono e atrair novos.
Haverá talvez algo a modificar, quer nos processos de cultura, quer no do tratamento das folhas, noa o sei, nem o ouvi, nem o li nunca. Mas suponho que assim é, ninguém estará mais pronto a receber novos ensinamentos do que os colonos e os seus conselheiros técnicos, dedicados e sabedores.
Onde provavelmente há algo a modificar - e drasticamente - é no plano da manufactura, porque, apesar da insistência dos que querem defender a racionalização do ciclo tabaqueiro, continuamos a importar ramas americanas em volumes monetários quase iguais a quatro vezes o que se compra à produção nacional, além de irmos buscar à Grécia, à Rodésia e Malawi, e ainda a outros, mais do que compramos aos nossos colonos, isto em Relação ao mercado metropolitano.
Nos cerca de 190 000 contos de tabaco comprado pela metrópole, o ultramar figura com pouco menos do que a sexta parte. Se o problema se situa ao nível dos técnicos de mistura, ou dos aditivos, ou dos de prova, é de exigir que todos eles se acomodem aos imperativos de ordem nacional, porque estão a operar num país que conta com eles nos seus anseios de crescimento e de integração.
A importação de mais de 111 000 contos de tabaco americano, perante os poucos mais de 32 000 contos do que a metrópole comprou ao ultramar, é de denunciar como lesiva dos interesses nacionais, em que pese a quem quer que venha argumentar fundamentado em especificações técnicas, talvez bebidas no estrangeiro é talvez anteriores ou indiferentes à existência de produtores portugueses, ou no gosto que se criou por entre o público fumador, e a que pode não ser alheio um ou outro artifício do plano técnico do fabrico ou da venda. Fumar tabaco de produção nacional mereceria ser objecto de aforismos semelhantes aos que tiveram sua voga noutros sectores do consumo, uma vez que tanto se fuma.
Não posso deixar de secundar calorosamente o apoio implícito dos dados contidos no parecer e de pedir ao Governo as medidas necessárias a uma reconversão acelerada e segura dos valores que na indústria tabaqueira têm dividido o favor da economia estrangeira e contra a nossa, de modo que o respectivo sector primário em vez de desanimar e repelir cultivadores, se faça vigoroso elemento de colonização. É essencial que aos colonos do tabaco não falte o valoroso apoio do Governo, que por esse meio se afirmará também na obra de aglutinação a que lançou mãos em boa hora.
Afirma-se no parecer, e bem, que a província de Moçambique tem condições para ser um grande exportador de milho. E geral a convicção de que o mesmo se poderá afirmar em relação a outros cereais de sequeiro. Ao Sul do Save, como nos planaltos centrais, como em imensas extensões dos distritos setentrionais, tem sido atribuída notável capacidade na produção de trigo. E o parecer anota que se importaram, em 1963, 52 000 contos de milho, cuja produção baixou em 1962 e se manteve a nível muito baixo até ao momento da análise Subiu também paralelamente a importação do trigo, já hoje largamente utilizado na alimentação pelo próprio povo nativo, atingindo 102 000 contos. Juntando aos dois cereais a impressionante importação de 44 000 contos de leite e produtos do seu aproveitamento, temos que nestas três verbas se atingem cerca de 200 000 contos.
Os cereais parece que têm constituído um sério desafio à capacidade provincial de auto-abastecimento, no defeito imperam factores por de mais conhecidos e alguns dos quais têm exigido investimentos por parte de entidades de crédito a favor de organismos associados à produção. É de necessidade premente olhar para este sector e remediar o desinteresse ou mesmo o desânimo que parece estar na base do desfalecimento, uma vez que se não vislumbra uma contrapartida da respectiva importação na fase actual da economia moçambicana, agravada por mais de l milhão de contos de perda em relação ao exterior.
A produção cerealífera, ou porque seja mal remunerada, ou por falta de espírito cooperativo, ou por dificuldades na conservação das condições do solo, ou até por carência crónica de transporte, não tem apoiado a sua indústria transformadora.
Sem dúvida nenhuma a sua tenuidade transcende os limites da capacidade governativa e gera preocupações candentes. Está em causa, mais uma vez, a fixação do homem à terra, ora, o homem foge para os centros urbanos ou atravessa a fronteira em busca de proventos e de vida fácil, decai a instituição familiar, bebem-se fermentos ideológicos ou aberrações Lá, como cá, queixumes da agricultura e a demanda do eldorado.
No campo alimentar surge a África do Sul como fornecedor de primeiro plano, lá vamos comprar artefactos de algodão, as transferências de divisas para o vizinho atingem cifras muito consideráveis, a atestarem ou a inércia da produção ou o excessivo individualismo de quem importa, ou ambas as coisas. A ele, a bem dizer, só lhe interessam as bananas e as laranjas que nos manda buscar em enormes camiões climatizados, quando bem podemos ser nós a levar-lhas.
Há ainda um domínio da vida moçambicana que nos merece toda a atenção e absorverá, sem dispensar um só, cuidados extremos, para não cairmos em decisões irreversíveis na prossecução dos firmes propósitos coesivos a que lançou ombros o Governo, neles, como em tudo o mais, fidelíssimo intérprete e defensor da vontade nacional. Trata-se da assimilação, congregação e preparação
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espiritual, científica ou literária das gerações novas de aquém e de além-mar.
Através dos organismos do Estado, através das instituições religiosas, através das entidades particulares, e até pelo convívio diário e constante na família e no círculo dos amigos, vem-se exercendo a valorização e aglutinação de milhões de jovens em torno da bandeira a cuja sombra protectora tiveram a dita de ver a luz Sena criminoso deixar essas gerações à indiferença perante a noção da pátria e perante os direitos e deveres que derivam do simples facto de serem portugueses. Não é de permitir-se, e, pelo contrário, é de reprimir com a maior severidade, qualquer inércia que, na prática do ensino, não dê profundo vinco à formação patriótica ou desvirtue, no espírito juvenil, o acatamento às instituições nacionais, relegando-as para plano secundário.
Mas estão à vista exemplos de inconcebível abandono de liames paternais ou educativos perante o ouropel dos novos sóis, e não sei que tenha incidido ordem de apreensão nos correios ou em locais de venda sobre uma revista que se tem publicado na Holanda e cujos efeitos sobre os desprevenidos entusiasmos da juventude dão lugar das mais ardentes ansiedades.
As minhas homenagens às autoridades, que sei que estão atentas. Mas os perigos estão aqui, na Europa, e estão em África, ou onde quer que tenhamos jovens a chamar a vida nacional. Fora deste Cantinho minúsculo, que foi e é capaz de dar vigorosos impulsos à vida do Mundo, que à história tem dado os seus gigantes e se agiganta também agora na luta, a diversidade nos usos familiares e até nos falares locais poderia vir a constituir brecha propícia à desagregação, exigindo redobrado zelo e concepções pragmáticas Lá, é mais sensível a urgência premente de evitar desvios e mais pecaminoso o permitir infiltrações de ideais antinacionais ou atentatórios do prestígio das instituições.
A magnitude da obra a realizar exige que nos abstenhamos de peias burocráticas, que simplifiquemos e reduzamos decididamente o amontoado de exames escolares, que arredemos do espírito especificações individuais contrárias aos propósitos nacionais de plena e perfeita assimilação, que nos lancemos todos juntos, os pais, os missionários, os agentes estatais ou particulares da educação, à obra colectiva de ensinar Portugal, enquanto jovem, a ser português. Mesmo que para isso tenhamos de estruturar instalações de modéstia espartana ou até passar sem elas. Nada nos exime de ensinarmos - e desde já - o maior número dos que queiram aprender, porque nos surge à porta, avassaladora, a onda das gerações novas, que não poderemos mandar embora sem ressaibos de amargor, ou sem a convicção de injustas separações, num caminho que não pode deixai de ser comum.
A tarefa de ensinar exige o concurso de todos em plenas condições de igualdade. Porque não subsidiar a actividade particular, quando os exemplos estão ao pé da porta (a República da África do Sul é um deles), sujeitando-a exactamente às mesmas especificações quanto à competência do professorado e respectivas regalias e quanto às características ou direitos ou deveres dos alunos, de modo a retirá-la da condição de parente pobre do ensino oficial e a transformá-la em colaboradora de pleno rendimento?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se ampliaria desta forma a acção educativa? Não iria beneficiar mais vastas massas juvenis com um dispêndio moderado? O ensino destina-se
essencialmente a transformar um jovem num cidadão, proporcionar-lhe, franqueando-lhe, a porta da escola, mesmo quando por razões atinentes ao seu ambiente não tenha podido chegar a ela no dia em que chegaram os que de cedo adquiriram o veículo linguístico do conhecimento, será trazer para o serviço da nacionalidade um elemento positivo Isto poderá parecer lugar-comum na Europa, não o é certamente em África, onde a campanha do alargamento do ensino absorve as atenções gerais e ocupa grande parte nas ansiedades do Governo.
Dou o meu voto à aprovação das Contas Gerais do Estado relativas a 1963. Concordando inteiramente com as afirmações de princípio contidas no parecer, desejaria vê-las pertinazmente seguidas nos anos futuros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desejo acentuar de novo a necessidade de facilitar ainda mais o acesso do homem comum ao bem-estar, evitando a concentração dos lucros numa minoria escassa, a continuação da abra de integração económica do espaço nacional, não só nos aspectos do puro interesse material, mas também no que toca à unidade dos homens e ao seu desenvolvimento dentro do espírito português. Desejo acentuar também que em todo o ultramar se acolhem com inexprimível sensação de conforto todas as medidas de defesa e os seus agentes e que às mesmas, a exemplo do Governo, se atribui o primado em todos os requisitos da vida nacional Desejo, finalmente, acentuar que, dentro das instituições vigentes, e com Salazar, os povos de toda essa África confiam no futuro e põem todo o seu vigoroso esforço ao serviço da grandeza da Pátria, que é de todos e de todos tem de ser sempre e cada vez mais.
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão
Eram 18 horas e 20 minutos
Srs Deputados que entraram durante a sessão
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
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Sirneão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs Deputados que faltaram à sessão
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Mana Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisório Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luis de Avillez
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA
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