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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
SUPLEMENTO AO N.º 192
ANO DE 1965 24 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
Proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
1. Durante largos anos - mais concretamente, até à promulgação da Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913 - a responsabilidade das entidades patronais pelos acidentes de trabalho fundou-se no conceito da culpa ..., tradicional no direito romano e genericamente e consagrado no artigo 2398. º do Código Civil, donde posteriormente transitou para vários outros diplomas legais (Decretos de 6 e 14 de Abril de 1891, de 30 de Junho de 1884, de 6 de Julho de 1895, etc.). Com base nesse conceito, só haveria lugar à reparação dos acidentes de trabalho quando estes fossem devidos a culpa ou negligência da entidade patronal incumbindo ao trabalhador fazer a pró t desse elemento indispensável da responsabilidade.
2. A insuficiência da protecção decorrente da aplicação de tal critério, e a reacção que por toda a parte ia suscitando, determinada sobretudo pelo reconhecimento da dificuldade dos trabalhadores em reunir suficiente prova de culpa da entidade patronal, deu origem, nos países de legislação social mais evoluída, à teoria da responsabilidade contratual, essencialmente caracterizar pela aceitação do princípio de que às entidades patronais deve competir, por força do contrato de trabalho, a principal responsabilidade pelos acidentes durante ele ocorridos, desonerando-se assim os trabalhadores da prova da culpa correspondente. As entidades patronais só se considerariam isentas dessa responsabilidade quando demonstrassem que o acidente não fora devido a culpa ou negligência sua, mas a caso fortuito ou de força maior ou ainda a culpa do trabalhador ou de terceiro..
Não obstante a sua a formulação teórica aparentemente autónoma, na prática, porém, a nova teoria apenas se traduzia, em relação à anterior, numa inversão do «ónus da prova», que passaria a pesar sobre a entidade patronal, em vez de o ser, como até aí, sobre o trabalhador, continuando a deixar sem qualquer protecção os inúmeros acidentes devidos a caso fortuito, força maior ou simples imprevidência dos sinistrados.
Porque inspirada, todavia, na necessidade de neutralizar a aplicação rígida da teoria da responsabilidade delitual, a teoria da responsabilidade contratual chegou a ser consagrada em algumas legislações, designadamente a suíça (1881 a 1911), dando origem noutros países (v. g. a Bélgica) a uma forte corrente jurisprudencial, principalmente justificada pela natural propensão dos tribunais em se tornar em cada vez menos exigentes na prova apresentada pelas vítimas dos acidentes de trabalho quanto & existência de culpa por parte das entidades patronais.
Noutros países, no entanto, como a França, a teoria da responsabilidade contratual não logrou impor-se à doutrina e à jurisprudência, pela insatisfação que ela mesma provocava perante o reconhecimento, cada vez maior, da insuficiência de qualquer construção baseada no conceito clássico de culpa
3. A teoria da responsabilidade sem culpa, ou da responsabilidade objectiva, encontrou, por isso, fácil acolhimento e rápida consagração em matéria de acidentes de trabalho, e dela nasceu a teoria do risco profissional que abstraindo da noção de culpa, baseava toda a respon-
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sabilidade emergente dos acidentes de trabalho no risco que é inerente ao exercício de qualquer actividade profissional, fazendo recair sobre as entidades patronais que dessa actividade, fonte de riscos, auferem lucros, a obrigação de reparar os danos correspondentes
Logo consagrada na Alemanha, pela Lei de 6 de Julho de 1884, a nova doutrina rapidamente se difundiu à Áustria (Lei de 23 de Dezembro de 1887), Noruega (Lei de 23 de Julho de 1894), Itália (Lei de 17 de Marco de 1898), Inglaterra (Lei de 6 de Agosto de 1897), França (Lei de O de Abril de 1898), etc.
Tudo isto, porém, respeitava unicamente aos acidentes de trabalho
No referente às doenças profissionais apenas a lei federal suíça, de 23 de Março de 1877, tornara extensivos os princípios aplicáveis em matéria de responsabilidade por acidentes de trabalho às indústrias susceptíveis de provocar certas doenças graves, posteriormente enumeradas pelos Decretos de 19 de Dezembro de 1887 e de 18 de Janeiro de 1901, orientação que foi seguida pela Alemanha, mandando equiparar, pela Lei de 11 de Fevereiro de 1929, algumas enfermidades contraídas no local de trabalho aos acidentes dele resultantes
4. No nosso país, a teoria do risco profissional só veio n ser consagrada pela referida Lei n º 83, de 24 de Julho de 1913, que foi também o primeiro diploma a estabelecer um verdadeiro regime jurídico de reparação para os acidentes de trabalho, já que, até então, e a julgar pelo que se dizia no i ela tono do Decreto n º 5637, de 10 de Maio de 1919 «a indemnização pelo desastre no trabalho em Portugal era apenas uma platónica disposição do Código Civil (artigo 2398.º)»
Com efeito, foi a Lei n.º 83 que veio consagrar entre nós os princípios então dominantes nas legislações estrangeiras sobre a caracterização dos acidentes de trabalho, responsabilidade das entidades patronais e sua transferência para as instituições de seguro privado (mútuas de patrões e companhias de seguros), matéria em que só era ultrapassada, ao tempo, por aquelas legislações que, como a alemã, haviam instituído, desde início, o seguro social obrigatório
Regulamentada por vários diplomas, entre os quais se destacam os que aprovaram o Regulamento dos Desastres no Trabalho (Decreto n º 938, de 9 de Outubro de 1914) e o Regulamento da Lei dos Desastres do Trabalho (Decreto n º 4288, de 9 de Março de 1918), que àquele se veio substituir, a Lei n º 83, abstraindo da circunstância de não prever a reparação das doenças profissionais, constituiu, bem dúvida, um diploma informado por aberto espírito de protecção ao sinistrado, a quem só no caso de dolo era recusado o direito à reparação.
5. Posteriormente, o Decreto n º 5687, de 10 de Maio de 1919, veio tornar extensiva a toda a actividade profissional a aplicação da legislação sobre acidentes de trabalho O que de mais inovador, porém, se continha nos seus preceitos era o estabelecimento do seguro obrigatório, a criação de mútuas distritais e a inclusão no conceito de desastre no trabalho de «todos os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas» Na prática, todavia, nem a obrigatoriedade do seguro, nem a extensão do regime às doenças, profissionais tiveram execução, o mesmo sucedendo com o seguro mútuo, que nunca foi organizado
Segundo fonte autorizada, ficou esse facto a dever-se às condições económicas e sociais, e até psicológicas, existentes então no País, que não favoreciam de modo algum as bases indispensáveis para a organização de um sistema
de protecção social tão largo como o que se tentou instituir.
De tal diploma ficou, porém, segundo a mesma fonte, um impulso extraordinário no sentido da obrigatoriedade do seguro contra os riscos profissionais e a modificação de muitos preceitos da Lei n.º 83.
6. E, deste modo, chegamos a 1936, com a publicação da Lei n º 1942, que, embora substituindo o risco profissional pelo risco de autoridade, caracterizado por uma mais ampla autonomização da reparação em relação à prestação directa de trabalho, foi estruturalmente orientada ainda pelo princípio da responsabilidade patronal e, bem assim, pelo da transferência desta para o seguro privado
Não obstante aquela inovação doutrinal, razões de ordem económico-social aconselharam, no entanto, o legislador, como se depreende do relatório da proposta apresentada à Assembleia Nacional em 9 de Dezembro de 1935, a aceitar certas limitações não só no âmbito da responsabilidade, como no próprio campo de obrigatoriedade do seguro, motivo por que passaram n ser mais numerosos do que anteriormente os casos de isenção da responsabilidade e a obrigatoriedade do seguro passou a ser apenas imposta às empresas com mais de cinco trabalhadores
A evolução que entretanto se operou na quase universalidade das legislações revelou uma progressiva tendência paia rever tais princípios à luz dos conceitos que regem o sistema dos seguros sociais obrigatórios, dada a natureza dos riscos protegidos e o especial relevo que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais assumem como riscos originados directamente na prestação do trabalho.
Essa foi também a atitude adoptada pela Câmara Corporativa no parecei elaborado sobre a proposta em que veio a converter-se a Lei n.º 2115, onde se encarou o problema, preconizando-se a integração daqueles eventos no âmbito do seguro social obrigatório, «à medida que as circunstâncias o permitam».
E daquela evolução resultou que esta integração se está a processar na maioria dos países sendo já muito reduzido o número dos que ainda conservam o seguro privado, pelo menos como sistema exclusivo de cobertura.
7. Ao elaborar a presente proposta de lei não pode, portanto, deixar de se ter em conta quer a referida tendência, quer a necessidade de estruturar o regime jurídico da reparação por forma que possa ser válido e eficaz em toda a extensão da moldura oferecida pelo sistema de garantia actualmente em vigor entre nós e onde aparecem combinados o seguro privado para os acidentes de trabalho e o seguro social para as doenças profissionais, mercê da recente criação da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (Decreto-Lei n º 44 307, de 27 de Abril de 1962).
Pela natural importância que essa circunstância impõe no diploma, bem como pela extensão e originalidade de algumas das suas inovações, sentiu o Governo, através do departamento competente, que não deveria reservar para si a responsabilidade exclusiva do empreendimento, antes deveria para ele pedir a colaboração e o esclarecimento dos órgãos mais representativos do Estado.
Daí o recurso à via legislativa da proposta de lei e também a prévia submissão do texto, em veste de projecto, ao parecer da Câmara Corporativa.
E o Governo só tem motivos para se congratular por assim haver procedido
Na verdade, seguro embora da validade e justiça das soluções propostas, foi-lhe muito grato verificar a essencial aceitação que as mesmas receberam por parte da Câmara
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Corporativa, que, no texto, praticamente não nenhuma inovação substancial, salvo pelo que integração no seguro social obrigatório dos trabalhadores agrícolas. Muitas, porém, foram as movi índole que o diploma recebeu e grandemente o iam, designadamente pelo que respeita à sistematização das matérias e à maior conformidade das suas com a realidade económico-social da actual conjuntura da vida portuguesa, o que permite dar à presente de lei uma feição mais ajustada aos interesses que se propõe salvaguardar.
Além da colaboração, o Governo agradece a confiança nele depositada pelas frequentes remissões à via regulamentar aconselhadas pelo parecer Corporativa, confiança que não deixará de justificar, usando no exercício daquela competência a mesma prudência e segurança de que a Câmara deu provas.
E não se estranhará, por certo, que o Ministério das Corporações e Previdência Social, a quem honra de subscrever a presente proposta de lei com palavras de apreço, a eficiência de um sistema que constitui a sua principal razão de ser, solicitando outrossim, vénia para adoptar como texto definitivo o próprio articulado sugerido pela Câmara Corporativa, no qual apenas se introduzem as alterações que, em seu entender, merecem ainda atenta ponderação pelo Poder Legislativo.
8. Segundo a Lei n.º 1942, a transferência da responsabilidade patronal para o seguro privado não só substituída por caução ou prova de capacidade e perante a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, igualmente condicionada, na sua obrigatoriedade, ração «de alguma indústria em estabelecimento adequado, empregando normalmente mais de cinco trabalhadores» (artigo 12.º)
Deste condicionalismo resulta, não raras vezes, impossibilidade de tornar efectivos, na prática, direitos mente reconhecidos sempre que, não existindo ou r ando a transferência da responsabilidade, se vê insolvência total ou parcial das entidades patronais reparar tão grave situação todas as legislações que adoptam o sistema do seguro privado têm instituído um «fundo de garantia», alimentado por receitas de dem, fundo que se prevê na presente proposta cuja gestão se confia à Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais.
Dando o seu inteiro aplauso à iniciativa, a Câmara Corporativa considera esta uma providência de carácter eminentemente social, reveladora, ao mesmo tempo, da extensão dada à protecção aos trabalhadores, que vai até ao ponto de «desprender a execução dos direitos das pessoas dos respectivos obrigados originários para a fazer recair sobre uma instituição apropriada» (base XLV).
9. Um dos aspectos mais estudados nas reuniões internacionais em que se debatem os problemas dos sociais é o do ajustamento das prestações à variação das
condições económicas, ou seja, da sua actualiza o perante a desvalorização da moeda. Sem se desconhecerem as dificuldades das soluções a adoptar neste domínio, entendeu-se dever enfrentar desde já o problema, dado o flagrante imperativo da sua justiça, esperando-se, confiadamente, que as disponibilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões permitam a corrigindo, em razoável medida, pelo menos as situações de mais acentuados desníveis (base XLV, n.º 4)
10. Relativamente ao campo de aplicação da lei, generalizou-se como parece impor-se, a obrigatoriedade do seguro, eliminando-se as limitações actuais, já que só essa generalização obstará aos inconvenientes apontados (base XLIII)
É essa também a posição adoptada pela Câmara Corporativa, em cujo entender, no entanto, a protecção devida aos trabalhadores rurais deverá concretizar-se por forma a não onerar excessivamente a economia agrícola, «impondo-lhe encargos superiores aos suportados pelos países que, graças a melhores características do meio físico e maior progresso técnico, tiram da terra mais rendimentos», sugerindo-se, para o efeito, a organização de um seguro social obrigatório para os trabalhadores do campo (base XLIII, n.º 2)
Atentas tais razões, entende o Governo não dever recusar a sugestão da Câmara Corporativa.
De resto, ao proceder deste modo, o Governo não ignora que análogas soluções têm sido adoptadas por numerosos outros países (cerca de 40, segundo o inquérito realizado pela Organização Internacional do Trabalho na 47.ª sessão da conferência), entre os quais se contam alguns dos que possuem legislação social mais evoluída, como a Alemanha a Áustria, a Espanha, os Estados Unidos da América, a Finlândia, a França, Israel, a Itália, a Holanda, a Inglaterra, a Suécia, etc.
11. Como não poderia deixai de ser, na estruturação da proposta de lei tiveram-se em conta os mais autorizados ensinamentos da doutrina, o estudo das legislações estrangeiras similares mais evoluídas, as correntes da jurisprudência nacional na já longa aplicação do texto vigente e as convenções e recomendações internacionais.
Da utilização de todos estes dados resultou a introdução de alguns preceitos inovadores, aliada à correcção de princípios que informam determinadas normas fundamentais do texto vigente.
Assim, definiu-se o acidente de trabalho com base nos elementos essenciais do seu conceito e com fundamento no risco de trabalho, eliminando-se da definição aquilo que só circunstancialmente, em algumas legislações, a acompanha (base v, n.º 1), procurando-se igualmente definir os elementos de tempo e de local de trabalho, bem como os limites dos chamados acidentes in itinere ou «de trajecto», fonte de numerosas controvérsias judiciais (base v, n.ºs 2 e 3)
Também a este respeito conta a presente proposta de lei com a aprovação da Câmara Corporativa, que aplaude a orientação adoptada de melhor precisar o critério consagrado na Lei n.º 1942, utilizando, para o efeito, os elementos do conceito de acidente de trabalho que, com base na lei vigente, a jurisprudência foi lentamente condensando.
Levando porém, a sua análise um pouco mais longo, a Câmara sugere que no texto proposto seja incluída uma referência expressa ao «nexo de causalidade», que, em seu entender, sempre deve existir entre o acidente e o trabalho, invocando para o efeito a lei espanhola de 22 de Junho de 1956, que se afirma traduzir tal orientação.
A propósito, no entanto, pondera-se que são coisas diferentes a relação entre a lesão e o trabalho e a relação entre o evento causador da lesão e o mesmo trabalho, o que melhor se compreenderá tomando como exemplo o acidente sofrido por um trabalhador atingido no local de trabalho por uma telha que eventualmente se tenha desprendido do telhado da fábrica.
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Dir-se-á, neste caso, que o acidente sofrido é consequência do trabalho, mas o evento causador da lesão (queda da telha) já como tal não pode ser considerado.
Razão por que em vez da fórmula adoptada pela Câmara, que considera «acidente de trabalho o evento que se verifique no local, no tempo e em consequência ao trabalho», se prefere uma outra que se limite a excluir da prestação legal os eventos inteiramente estranhos à prestação do trabalho, propondo a seguinte redacção para o texto em causa «Considera-se acidente de trabalho o evento que se verifique no local e no tempo do trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho, e que produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcionai ou doença de que resulte a morte ou redução na incapacidade de trabalho ou de ganhos» (base V, n.º 1)
Ainda sobre o conceito de acidente de trabalho tem interesse chamar a atenção para os textos que se referem ao «ónus da prova», na ligação que deve existir entre a lesão e o acidente, e ao valor a atribuir à privação do uso da razão e à força maior como factos descaracterizadores do sinistro.
Relativamente ao «ónus da prova», enquanto no parecer da Câmara Corporativa se sugere que o regime seja diferente consoante o acidente ocorra no tempo e no local de trabalho ou fora dele (..., por exemplo), a lei actualmente em vigor e com ela o projecto que serviu de base à presente proposta de lei estabelecem que, em qualquer caso, sempre a lesão reconhecida a seguir ao acidente se presume consequência deste, dispensando, por isso, a vitima de fazer a prova dessa relação.
É essa também a orientação adoptada pela presente proposta de lei, pois não se vê razão para abandonar a solução tradicional, distinguindo situações que o não justificam (base V, n.º 4) Estaremos em ambos os casos perante um acidente de trabalho legalmente protegido.
Quanto ao valor da perda do uso da razão e da força maior como factos descaracterizadores do acidente (privando assim a vítima da indemnização correspondente), atendeu-se, na redacção do texto definitivo da proposta, ao seguinte.
No primeiro caso (privação do uso da razão), não se vê motivo para que o acidente não seja indemnizado, salvo quando a vítima tenha contribuído para a situação criada (v g na embriaguez) Parece, na realidade, injusto indemnizar o acidente quando este é atribuído conscientemente ao sinistrado (sem culpa grave) e não proceder do mesmo modo quando o sinistro seja, por exemplo, consequência de um acesso súbito de loucura (hipótese em que não há culpa da vítima na lesão sofrida e portanto mais se justifica o direito à protecção legal) [base VI, alínea c)].
No segundo caso (força maior), considera-se igualmente injusto isentar de responsabilidade todas as situações devidas a forças inevitáveis da natureza, com a única ressalva de constituírem ruço natural da profissão, como sugere a Câmara Corporativa. Tal poderia significar, por exemplo, que fosse excluído de qualquer indemnização o operário da construção civil atingido por um raio no desempenho da sua actividade, ou o pastor que, em pleno campo, sofresse um ataque de insolação. Com efeito, quer o raio, quer a insolação, não podem ser considerados riscos naturais da profissão, no sentido de riscos específicos
Propõe-se, por isso, que o texto contenha antes a expressão naco criado pelas condições de trabalho, porventura mais conforme com o objectivo pretendido (base VI, n.º 2).
Constitui ainda inovação importante da proposta de lei, no que respeita à classificação das incapacidades, a introdução do conceito de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, cuja reparação se entendeu dever diferenciai do regime aplicável à incapacidade geral de ganho, inovação que, no dizer da Câmara Corporativa, é de aplaudir, pois a sua falta levava, por efeito da lei actual, à insuficiente reparação das vitimas que ficavam incapazes para todo e qualquer trabalho [base XVI, alínea b)]
Por último, procura a proposta de lei aperfeiçoar as regras dos importantes institutos da caducidade e prescrição e de vários outros preceitos fundamentais, cuja redacção tem suscitado problemas complexos de interpretação e aplicação, como os que prevêem a isenção de responsabilidade nos casos de trabalho ocasional ou acidental, a predisposição patológica e a lesão ou doença anteriores (bases XXXVIII, VII e VIII).
Embora coincidentes nos seus aspectos fundamentais, a proposta de lei afasta-se, todavia, do parecer da Câmara quanto às relações que devem existir entre a predisposição patológica e a incapacidade para que aquela possa conduzir a exclusão do direito à reparação integral.
Entende-se, com efeito, que tal exclusão só deve ter lugar quando a predisposição patológica tenha sido a causa única da lesão ou doença, e não quando apenas tenha constituído uma das suas causas (ainda que fundamental)
Ao proceder deste modo, o Governo limita-se a consignar legalmente uma orientação que de há muito é assento unânime da jurisprudência (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Outubro de 1940, 18 de Fevereiro de 1941, 10 de Maio de 1949, 17 de Maio de 1950, etc.).
De resto, esta foi também a orientação adoptada para o ultramar pelo Diploma Legislativo de 5 de Maio de 1957, em cujo artigo 142. º se lê:
A predisposição patológica da vítima do acidente não isenta as entidades patronais da respectiva responsabilidade senão quando for causa única da lesão ou doença manifestada após o acidente.
Não se ignoram, por último, as dificuldades de prova que a adopção de solução diferente sempre suscitaria, e das quais, em geral, o sinistrado seria duplamente vítima (base VIII).
12. Revestem ainda relevante importância as inovações introduzidos no que respeita ao regime de reparação, salientando-se neste capítulo o aumento das prestações correspondentes à redução na capacidade de trabalho ou de ganho da vítima, que em determinadas circunstâncias pode atingir 100 por cento da retribuição-base [base XVI, alínea a)], o aumento das pensões por morte e a sua graduação consoante a idade dos beneficiários (base XIX), a concessão do direito a pensão ao viúvo afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho ou quando tenha idade superior a 65 anos [base XIX, alínea b)], a dilatação da idade-limite das pensões devidas aos filhos e a outros parentes sucessíveis enquanto frequentarem o ensino ou quando estiverem afectados de doença física ou mental [base XIX, alíneas d) e c)], a possibilidade de acumulação das prestações do cônjuge sobrevivo e filhos com as dos restantes beneficiários (base XX), o aumento do montante do subsídio devido para despesas de funeral (base XXI), etc.
Pronunciando-se genericamente sobre estas inovações, a Câmara Corporativa não teve dúvidas em lhes dar o seu aplauso, pela justiça da melhoria que comportam em relação aos sinistrados e seus familiares.
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À margem, porém, dessa aceitação de princípio, sugerem-se no parecer da Câmara algumas restrições ao projecto inicial do Governo, sobretudo justificadas por razões de natureza económica.
Convencido embora de que as repercussões financeiras das inovações, tal como foram inicialmente propostas, são muito mais limitadas do que se pretende fazer crer, não só pela compensação que a esse respeito resultará do alargamento do seguro obrigatório das mais amplas da população (basta referir que no nosso país cerca de 51 700 empresas em quais aquela obrigatoriedade se não verificava, ao serviço menos de cinco trabalhadores), como também pelo facto de as principais inovações introduzidas a respeito a casos ou situações (morte e incapacidade permanente absoluta) cujas taxas de verificação representam percentagem baixíssima na totalidade riscos (cerca de 0,4 por 100 trabalhadores-ano em das modalidades), o Governo não hesita, todavia aderir às soluções preconizadas no parecer da Câmara sobretudo na convicção de que, passado um experiência em que as previsões feitas possam ser comprovadas, logo se procederá em conformidade, no caminho do progresso social ora iniciado.
Há, no entanto, um ponto para o qual se desejas chamar a atenção do Poder Legislativo, em ordem à sua conveniente ponderação.
Trata-se da sugestão feita pela Câmara de a ferir o direito a pensão aos ascendentes e parentes sucessivos da vítima que, por lei, tenham direito a qualquer que seja a sua situação em relação ao agregado familiar daquela.
A ser aceite tal princípio, isso significaria que a ser excluídos da prestação em causa todos os parentes do sinistrado que não fossem seus ascendentes, descendentes ou irmãos, os únicos que, segundo a lei, direito a alimentos, abandonando-se assim, justificativa bastante e contra a opinião doutrina, uma orientação que vem já da Lei 24 de Julho de 1913, e se encontra expressam sagrada pela Lei n º 1942 [artigo 16. º, alínea c) a qual a atribuição do direito a pensão é apenas consequência de uma situação de facto (estar a cargo da vítima), e não do direito a prestações alimentícias.
Daí a redacção proposta para o texto que ao assunto se refere [base XIX, alínea c)]
Merecem ainda alusão, como inovações impe vantes, a que se pretende dar aceitação, as restrições a despedimento sem justa causa de trabalhadores em regime de incapacidade temporária e a obrigatoriedade relativa de ocupação dos trabalhadores durante o período de incapacidade temporária parcial (base XXXVI).
A respeito da primeira, a Câmara Corporativa sugere que o despedimento sem justa causa do trabalhador em regime de incapacidade temporária seja punido com o
dobro da indemnização que lhe competiria à face da lei, sugestão que, em muitos casos, pode, todavia, significar quase total carência de protecção pelo pouco tempo que o trabalhador tenha de actividade prestada à entidade patronal. Propõe-se, por isso, que a indemnização seja fixada entre o dobro e o triplo daquilo que constituiria o seu montante em condições normais (base XXXVI, n.º 3)
Finalmente, afigura-se, outrossim, ao Governo não poder aderir à sugestão da Câmara Corporativa no sentido da eliminação do direito a qualquer reparação legal por acidente em relação aos aprendizes ou ... que não auferem retribuição
Em primeiro lugar, nada justifica deixar sem protecção adequada os aprendizes e tirocinantes vítimas de um sinistro no trabalho, quando é certo que a sua actividade representa uma utilidade económica, actual ou potencial, para a entidade patronal.
Em segundo lugar, tal abandono representaria um retrocesso em relação ao direito vigente, dado o disposto no artigo 37. º da Lei n. º 1942, onde se determina que «para os trabalhadores de menos de 16 anos e para os aprendizes, quer vençam salário, quer não, as indemnizações nos casos de incapacidade permanente ou temporária parcial, durante o período de readaptação, serão calculadas pelo salário do trabalhador válido da mesma profissão e da mesma empresa que o tiver menor», com o que parece ficar suficientemente justificada a redacção que na presente proposta de lei se dá à base XXIII, n. º 5.
13. Uma das mais graves lacunas do texto vigente é a que respeita à quase total carência de normas impostas pela natureza específica das doenças profissionais, o que, designadamente no caso das doenças de carácter evolutivo e irreversíveis, como a silicose, tem suscitado sérias dificuldades na decisão de inúmeros e complexos pleitos judiciais Por isso se introduziram, na medida em que a lei, como lei de bases o permitiu, as normas que pareceram mais adequadas à regulamentação exigida pela natureza e características especiais destas enfermidades, tanto no que respeita ao regime jurídico da sua reparação como à sua prevenção, neste caso de predominante) importância.
Aceitando a orientação da proposta de lei, a Câmara Corporativa preconiza igualmente a necessidade do tratamento autónomo das doenças profissionais, sugerindo a seu respeito uma arrumação das matérias que não se tem qualquer dúvida em subscrever.
Já o mesmo não sucede, porém, quanto à exclusão, pelo parecer, do conceito de doença-acidente, complementar do conceito específico de doença profissional, pelo qual se pretende dar protecção adequada, idêntica à que é prestada aos acidentes, às doenças comuns directa e necessariamente provocadas pelo exercício da profissão (base XXV, n.º 2) Não se vê, de facto, tomadas que sejam as precauções legais convenientes, razão para tratar de certa maneira uma doença profissional (específica da profissão silicose, saturnismo, etc. ) e não tratar do mesmo modo uma doença comum igualmente ligada por vínculo directo e necessário à actividade profissional Em relação ao sinistrado e do ponto de vista social as situações são precisamente idênticas.
14. No que toca à prevenção, não é necessário salientar o significado de que ela se reveste relativamente u sinistralidade do trabalho e forçoso é reconhecer as insuficiências existentes neste domínio Basta, porém, o gravame económico que para a economia nacional constituem os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, para plenamente justificar todas as medidas que no domínio da prevenção são propostas e devem ser tomadas, gravame que facilmente se pode deduzir dos dados estatísticos que foi possível recolher e que constam dos seguintes quadros, unicamente relativos a acidentes cuja responsabilidade foi transferida para entidades seguradoras
Acidentes com incapacidades temporárias nos anos de 1958 a 1962
Número de acidentes - l 438 340,
Número de dias perdidos - 18 242 899,
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Indemnizações pagas - 367 342 000$,
Despesas com tratamentos - 457 851 000$,
Acidentes com incapacidades permanentes nos anos de 1958 a 1962
Número de diminuídos físicos - 164 026,
Pensões pagas - 201 695 000$,
Pensões remidas - 62 778 000$
Para que seja eficiente deve, todavia, a acção preventiva ser orientada e organizada através da centralização coordenadora das actividades de todos os serviços e entidades interessados na prevenção, como, aliás, em toda a parte tem sido reconhecido e praticado, centralização que na presente proposta de lei se encontra consignada na base XLVI, n º 2, mediante a instituição, para o efeito, de um orgão adequado.
Também com vista a estimular as medidas de prevenção e de segurança no trabalho, merece ser referida a sugestão apresentada pela Câmara Corporativa, a que se dá inteiro acolhimento, de fazer inserir nas apólices do seguro de acidentes uma cláusula que permita a cobrança de um prémio suplementar em casos de falta de acatamento às normas de segurança do trabalho, e outra destinada a garantir a redução dos prémios normais quando, em consequência das medidas de prevenção tomadas, o número de acidentes desça abaixo da média (base XLIV, n.º 2).
Tem sido esta, de testo, também, a orientação apontada à Caixa Nacional de Doenças Profissionais desde a tua criação.
Tal como se propõe no parecer da Câmara, a presente proposta de lei aceita igualmente a maior intervenção do organismo representativo da actividade seguradora privada na elaboração do projecto de apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho, embora dentro de uma fórmula que melhor assegure a completa ponderação de todos os interesses em presença por parte do Governo (base XLIV, n.º 1).
15. Finalmente, no que respeita à adaptação e readaptação profissionais e colocação dos sinistrados, não podiam deixar de ser consideradas a oportunidade e a justiça dos princípios estabelecidos e das orientações recomendadas nas mais recentes reuniões dos organismos internacionais de carácter social.
Para a plena consecução deste objectivo mostra-se naturalmente indicado o aproveitamento de todos os serviços e instituições já existentes, tais como o Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, o Instituto de Formação Profissional. Acelerada, o Instituto de Orientação Profissional, Centro de Recuperação de Diminuídos Físicos e outros (base XLVII), pensando-se, para o aspecto específico da readaptação profissional dos diminuídos físicos, criar um organismo de formação adequado, em conjugação com os serviços de recuperação clínica ]á em funcionamento, o mesmo devendo suceder com o serviço de colocação dos sinistrados, a integrar, com prioridade, nos organismos de colocação profissional em actividade ou em montagem nos departamentos competentes
De entre todos os organismos a cuja colaboração há que recorrer para a plena prossecução dos objectivos pretendidos, dois há, porém, que merecem especial referência, não só pela sua maior ligação com a política social da prevenção e reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas também pela sua maior eficiência e capacidade de actuação.
São eles a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e o Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho, do Ministério das Corporações e Previdência Social, organismos criados, respectivamente, a 27 de Abril e 30 de Novembro de 1962.
Destina-se a primeira, como no relatório do respectivo diploma instituidor expressamente se afirma, «a assegurar a reparação das doenças profissionais por ela cobertas e a recuperação dos trabalhadores que delas sejam vítimas, bem como a prestar colaboração, pelos meios ao seu alcance, aos serviços a quem incumbe a prevenção das mesmas doenças» Por sua vez, quanto ao Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho, depois de se afirmar que «mais do que reparar económica e socialmente os efeitos da doença importa sobretudo evitar que ela surja», aponta-se ao novo organismo, também no seu diploma instituidor, a missão de «investigação e estudo, ordenados a um mais amplo conhecimento e divulgação dos princípios e métodos da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais».
E, pois, com a plena consciência do que «o surto de industrialização que o País atravessa acentua cada vez mais as necessidades apontadas, não só pelo crescimento da população fabril, mas porque o reapetrechamento industrial e a utilização de novos processos técnicos impõem, também, o recurso a novos meios de acção para se atenuar o decorrente agravamento dos índices de sinistralidade no trabalho», que o Governo, ouvida a Câmara Corporativa e tomado em consideração o respectivo parecer, tem a honra de apresentar à Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
CAPITULO I
Disposições gerais
BASE
Objecto da lei
1. Os trabalhadores e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.
2. Para os efeitos da presente lei a expressão «acidentes, de trabalho» compreende as doenças profissionais, salvo declaração em contrário e sem prejuízo das normas específicas que só a estas respeitem.
BASE II
Âmbito da lei
l. Têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos.
2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou um contrato a este legalmente equiparado e também os aprendizes, os tirocinantes e os que em conjunto ou isoladamente prestam determinada actividade, desde que devam considerai-se na dependência económica da pessoa servida.
3. Os servidores civis do Estado e dos corpos administrativos só se consideram abrangidos por esta lei quando não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações
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BASE III
Trabalhadores estrangeiros
1 Os trabalhadores estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal consideram-se, para os efeitos desta lei, equiparados aos trabalhadores portugueses, se a legislação do respectivo país conceder a estes tratamento igual ao concedido aos seus nacionais
2 A reciprocidade estabelecida no número extensiva aos familiares do sinistrado em relação aos quais esta lei confira direito a reparação.
3 Os trabalhadores estrangeiros vítimas de acidentes em Portugal ao serviço de empresa estrangeira direito a reparação reconhecida pelo respectivo deram-se excluídos do âmbito desta lei
BASE IV
Trabalhadores portugueses no estrangeiro
Os trabalhadores portugueses vítimas de acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa terão direito às prestações previstas nesta lei, salvo se a legislação do país onde ocorreu o acidente lhes reconhecer direito à reparação.
CAPITULO II
Dos acidentes de trabalho
BASE V
Conceito de acidente de trabalho
1 Considera-se acidente de trabalho o evento que se verifique no local e no tempo do trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho, e que produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na e de trabalho ou de ganho
2 Considera-se, ainda acidente de trabalho o evento ocorrido nas seguintes circunstâncias:
a) Fora do local ou do tempo de trabalho, se tiver lugar na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos,
b) Na ida para o local do trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal, ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso,
c) Na execução de serviços espontâneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade patronal
3 Entende-se por local de trabalho toda a zona de laboração ou exploração da empresa, e por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele ligados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
4 Se a lesão, perturbação ou doença forem reconhecidas a seguir a um acidente presumem-se consequência deste.
BASE VI
Descaracterização do acidente
1 Não dá direito a reparação o acidento ocorrido nas seguintes circunstâncias:
a) Quando for dolosamente provocado pela vítima ou provier de acto ou omissão desta, se, sem causa justificativa, inutilizar as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal,
b) Quando provier exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima,
c) Quando resultar da privação permanente ou acidental do uso da lazão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se aquela derivar da própria prestação do trabalho, ou for independente da vontade do sinistrado, ou se a entidade patronal, ou o seu representante, conhecendo o estado da vítima, consentir na prestação,
d) Quando provier de caso de força maior
2 Só se considera caso de força maior o que for devido a forças inevitáveis da natureza, actuando independentemente de qualquer intervenção humana, e, sendo devido a essas forças, não constitua risco criado pelas condições de trabalho, nem se produza ao executar trabalhos expressamente ordenados pela entidade patronal em condições de perigo evidente.
3 A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades patronais da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores e do seu transporte no local onde possam ser clinicamente socorridos.
BASE VII
Exclusões
1 Silo excluídos do âmbito da presente lei:
a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, salvo se forem prestados em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa,
b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração, se a entidade a quem for prestado o serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.
BASE VIII
Predisposição patológica e Incapacidade
1 A predisposição patológica da vítima de um acidento não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.
2 Quando a lesão ou doença consecutivas ao acidente forem agravadas por lesão ou doença anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo resultasse do acidente, salvo se pela lesão ou doença anteriores a vítima já estiver a receber pensão.
3 No caso de a vítima estar afectada de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação por este devida será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente
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4. Confere e ainda direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente de trabalho e que de tal tratamento seja consequência.
BASE IV
Reparação
O direito à reparação compreende as seguintes prestações.
1.º Em espécie prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento, em toda a medida possível, do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima, e à recuperação desta para a vida activa,
2.º Em dinheiro indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, pensões, no caso de morte, são familiares da vítima e despesas de funeral.
BABE X
Lugar do pagamento das prestações
1. O pagamento das prestações será efectuado no lugar da residência da vítima ou seus familiares, salvo se outro for acordado.
2. Se o credor das prestações se ausentar para o estrangeiro, o pagamento será efectuado na sede da instituição de seguro, salvo se outro lugar de pagamento for acordado.
BASE XI
Assistência medica
As empresas serão obrigadas a instalai, nos centros de trabalho, caixas ou postos de socorros, consoante o número de trabalhadores ao seu serviço, a terem entre eles um ou mais socorristas e a admitirem médicos do trabalho, dos termos que vierem a ser definidos em regulamento
BASE XII
Hospitalização.
A hospitalização, internamento e tratamentos previstos no n.º l.º da base IX devem ser feitos nos estabelecimentos nacionais mais adequados ao restabelecimento e reabilitação da vítima.
BASE XIII
Observância de prescrições clinicas e cirúrgicas
1. As vítimas de acidente devem submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável e necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito de reclamar das suas decisões para os peritos médicos do tribunal.
2. Não conferem direito às prestações estabelecidas nesta lei os incapacidades que sejam judicialmente reconhecidas como consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntariamente provocadas, na medida em que resultem de tal comportamento
3. Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando esta, pela sua natureza ou pelo estado da vitima, ponha em risco a sua vida
BASE XIV
Transportes
1. O fornecimento ou pagamento dos transportes abrange não só as deslocações necessárias à observação e tratamento, como as exigidas pela comparência a actos judiciais, salvo, quanto a estas, quando as deslocações forem consequência de pedidos dos sinistrados que vierem a ser julgados totalmente improcedentes.
2. Quando a vítima foi do sexo feminino ou menor de 14 anos, ou quando a sua avançada idade ou a natureza da lesão ou da doença o exigirem, o direito a transporte será extensivo à pessoa que a acompanhar.
BASE XV
Recidiva ou agravamento
O direito às prestações previstas no n.º l da base IX mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, em casos de recidiva ou agravamento, e abrange as doenças intercorrentes relacionadas com as consequências do acidente.
BASE XVI
Prestações por incapacidade
1. Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho da vítima, esta teia direito às seguintes prestações.
a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho pensão vitalícia igual a 80 por cento da retribuição-base, acrescida de 10 por cento desta retribuiçao-base por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento daquela retribuição-base,
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível,
c) Na incapacidade permanente e parcial pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na sua capacidade geral de ganho,
d) Na incapacidade temporária e absoluta indemnização igual a dois terços da retribuição-base, mas nos três dias seguintes ao acidente a indemnização será apenas de um terço da referida retribuição,
e) Na incapacidade temporária parcial indemnização igual a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
2. As indemnizações são devidas enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional, sendo, porém, reduzidas a um terço durante o período de internamento hospitalar ou durante a tempo em que correrem por conta da entidade patronal
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ou seguradora as despesas com a assistência clínica e alimentos do mesmo sinistrado, se este for solte o ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo.
3 O salário do dia do acidente será pago pela entidade patronal. As indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta.
BASE XVII
Casos especiais de reparação
1 Quando o acidente tiver sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante, as pensões e indemnizações previstas na base anterior fixar-se-ão segundo as regias seguintes:
a) Nos casos do incapacidade absoluta, permanente ou temporária e morte, as pensões 01 indemnizações serão iguais à retribuição-base.
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária as pensões ou indemnizações correspondentes terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2 Se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítro do juiz, até aos limites previstos no número anterior.
3 O disposto nos números anteriores não prejudica a responsabilidade civil por danos morais ou a criminal em que a entidade patronal, ou o seu representante tiver incorrido.
4 Se, nas condições previstas nesta base, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade e patronal, esta terá direito de regresso contra ele
BASE XVIII
Prestação suplementar
Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de uma terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar não superior a 25 por cento do montante da pensão, a qual incidirá sobre a parte em que exceda 80 por cento da retribuição-base
BASE XIX
Pensões por morte
1 Se do acidente resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais
a) Viúva, se tiver casado antes do acidente 30 por cento do salário anual da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho,
b) Viúvo, se tiver casado antes do acidente estiver afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho, ou de idade superior a 65 anos à data e morte da mulher, enquanto se mantiver no estado de viuvez 30 por cento do salário anual de vítima,
c) Cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, com direito a alimentos a pensão estabelecida nas alíneas anteriores e nos mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos,
d) Filhos legítimos ou perfilhados, incluindo os nascituros, nas condições da lei civil, até perfazei em 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, e os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho 20 por cento do salário anual da vítima se foi apenas um, 40 por cento se forem dois e 50 por cento se forem três ou mais, se forem órfãos de pai e mãe, receberão o dobro destes montantes até ao limite de 80 por cento do salário da vítima,
e) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis até aos 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que, em relação a todos eles, a vítima contribuísse, com carácter de regularidade, pata a sua alimentação 10 por cento da retribuição-base a cada um, não podendo o total das pensões exceder 30 por cento.
2 Se não houver cônjuge, ou filhos com direito a pensão, os parentes incluídos na alínea c) do número anterior, e nas condições nela referidas receberão, cada um, 15 por cento do salário anual da vítima, até perfazerem a idade de 65 anos, e 20 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões exceder 80 por cento do salário anual da vítima, para o que se procederá a rateio, se necessário.
3 Se a viúva passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual Se tiver porte escandaloso, perderá o direito à pensão
4 Se por morte da vítima houver concorrência entre o cônjuge viúvo e divorciados, entre divorciados ou entre estes e cônjuge separado judicialmente, será a respectiva pensão repartida em partes iguais por todos os que a ela teriam direito.
5 Se a vítima não deixar familiares com direito a pensão, será devida ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões u importância de três vezes a retribuição anual.
BASE XX
Acumulação e rateio das pensões por morte
1 As pensões referidas na base anterior são acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder 80 por cento do salário anual da vítima
2 Se as pensões referidas na alínea c) da base anterior, adicionadas às previstas nas alíneas a), b) c) e d), excederem 80 por cento do salário da vítima, serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto aquele montante se mostrar excedido
3 Se o cônjuge sobrevivo falecer no decurso da pensão) devida aos filhos, será esta aumentada nos termos da parte final da alínea d) da base anterior.
4 As pensões dos filhos da vítima serão, em cada mês, as correspondentes ao número daqueles com direito a pensão que estiverem vivos nesse mês.
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BASE XXI
Despesas de funeral
A reparação das despesas de funeral será igual a 30 dias de retribuição, elevada para o dobro quando haja transladação
BABE XXII
Revisão das pensões
1 Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que serviu de base & reparação, as respectivas prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2 A revisão só poderá ser requerida nos dez anos posteriores à data da fixação da prestação, salvo tratando-se de doenças profissionais com carácter evolutivo, caso em que a revisão pode ser requerida sem limite de tempo.
3 A revisão poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
4 Quando, apesar de receber pensão por incapacidade para o trabalho, o trabalhador continuar ao serviço da mesma empresa ou for admitido noutra, a pensão a que tiver direito será suspensa sempre que a retribuição auferida pelo sinistrado for superior ao dobro da que percebia à data do acidente.
Enquanto durar a suspensão, a pensão reverterá para o fundo criado na base XLV.
BASE XXIII
Retribuição-base
1 As indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição que a vítima auferia no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente recebida pela vítima.
2 Entende-se por retribuição tudo quanto a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade
3 Se a retribuição do dia do acidente não representar. A retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período de um ano anterior ao acidente e, na falta deste elemento, segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional da vítima e os usos.
4 Na reparação emergente das pneumocomoses as indemnizações e pensões serão calculadas com base na remuneração percebida pelo doente no ano anterior à cessação da exposição ao risco ou à data do diagnóstico inequívoco da doença.
5 Se a vítima foi um aprendiz ou tirocinante, ou menor de 18 anos, percebendo ou não retribuição, as indemnizações e pensões terão por base:
a) No primeiro caso, a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à aprendizagem ou tirocínio da vítima,
b) No segundo caso, a retribuição média de um trabalhador não qualificado de maioridade da mesma empresa ou de empresa similar.
6 Em caso algum a retribuição a considerar poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação do trabalho ou de convenção colectiva.
BASE XXIV
Limites na retribuição-base
Para o cálculo das prestações previstas nesta lei o Governo fixará, por decreto, limites às retribuições-base e estabelecerá para o efeito diversos escalões, conforme as diferentes profissões e actividades.
CAPITULO III
Das doenças profissionais
BASE XXV
Lista das doenças profissionais
1 As doenças profissionais constarão, taxativamente, de lista organizada e publicada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, sob parecer de uma comissão para esse fim nomeada e em que estarão representados o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, a Direcção-Geral de Saúde, a Ordem dos Médicos e a Corporação de Crédito e Seguros.
2 A doença resultante directa e necessariamente de uma causa que actue continuamente em consequência da actividade exercida, mas que não esteja incluída na lista das doenças profissionais, será considerada como acidente de trabalho.
BASE XXVI
Reparação das doenças profissionais
Haverá direito a reparação emergente de doença profissional quando, cumulativamente com a doença, se verifiquem as seguintes condições:
a) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo i isco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual,
b) Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na lista a que se refere a base anterior, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos
BASE XXVII
Período de responsabilidade das doenças profissionais
1 São responsáveis pela reparação emergente de doença profissional, e na proporção do tempo de trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima trabalhou na mesma indústria- ou ambiente nos dois anos anteriores à cessação do trabalho causador da doença, ou, em termos, idênticos, as instituições de seguro que cobriam o risco
2 No caso de silicose, o período referido no número anterior sei á o que resultar dos elementos averbados na carteira de sanidade e, na falta destes, de cinco ou dez anos, conforme seja ou não de contracção recente, pericialmemte comprovada.
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BASE XXVIII
Reparação especial da silicose com incapacidade
1 Os trabalhadores a quem, por estarem afectados de silicose com incapacidade, não seja permitidas trabalhai em meio ou ambiente susceptível de provocai! Io agravamento da doença, terão direito, durante um ano, a ser pagos, pela entidade patronal, da diferença entre o montante da pensão correspondente à sua incapacidade e a retribuição que auferiam.
2 Se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos de risco, com retribuição correspondente, ou se ele obtiver outro emprego, não fica aquém obrigada ao pagamento da diferença estabelecida no número anterior senão pela importância necessária para integrar a retribuição que o trabalhador auferia anteriormente.
3 Se o trabalhador se despedir com justa foi despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida nos n.ºs 1 e 2 desta base pelo período de tempo que ainda falta decorrer até se completar o prazo de um ano.
BASE XXIX
Responsabilidade especial na reparação da silicone
1 As entidades patronais que admitirem ou mantiverem ao seu serviço trabalhadores com inobservância das medidas previstas nas bases XXXI e XXXII, ou a (instituição seguradora que, nessas condições, tiver assumido a cobertura do risco, serão exclusiva e integralmente responsáveis pela reparação correspondente à incapacidade ou morte da vítima, sendo, porém, subsidiária a responsabilidade da Segunda.
2 O disposto no número anterior é igualmente aplicável à admissão de trabalhadores considerados inaptos no exame médico previsto na base XXXI.
BASE XXX
Participação obrigatória das doenças
1 As entidades patronais são obrigadas a participar aos tribunais do trabalho e à Inspecção do Trabalho todos os casos de doenças profissionais de que tenham conhecimento e de que sejam vítimas trabalhadores ao seu serviço, e igual obrigação recai sobre a instituição de seguro que cubra o risco.
2 A entidade patronal ou a instituição de infringir o disposto no número antecedente não poderá aproveitar da caducidade prevista no n.º 1 da base sem prejuízo da sanção penal aplicável aos responsáveis.
BASE XXXI
Carteira de sanidade
1 As entidades patronais cujas actividades impliquem sujeição ao risco de silicose não poderão admitir serviço trabalhadores sem previamente os submeter a exame médico, nos termos da legislação em vigor destinado a verificar se estão afectados daquela devendo, em relação a cada um deles, ser passada carteira de sanidade, conforme regulamento a publicar pelos Ministérios das Corporações e Previdência Sociedade Saúde e Assistência.
2 O exame médico será renovado periòdicamente em função do risco da actividade, dos locais onde está é exercida e do estado sanitário dos trabalhadores.
3 Os Ministros das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência poderão determinar a obrigatoriedade do exame e da carteira de sanidade em relação a outras doenças profissionais cuja gravidade e extensão o imponha.
BASE XXXII
Obrigatoriedade do exame medico
Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor desta lei, se encontrem ao serviço de entidades patronais compreendidas no âmbito da base anterior, serão, no prazo regulamentarmente estabelecido, submetidos ao exame médico previsto na mesma base.
BASE XXXIII
Qualificação sanitária dos trabalhadores
O estado sanitário dos trabalhadores, para efeitos de registo na carteira de sanidade prevista na base XXXI, deverá ser qualificado em função da sua aptidão para o trabalho nas actividades que determinem sujeição ao risco da silicose.
BASE XXXIV
Reparação especial da silicose sem incapacidade
1 Os trabalhadores afectados de silicose de que não resulte incapacidade, mas que os impeça de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença possa ser agravada, terão direito, durante seis meses, à retribuição que auferiam, paga pela entidade patronal.
2 Não é devida a reparação estabelecida no número anterior se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, ou este obtiver outro emprego, num e noutro caso com retribuição igual ou superior a 75 por cento do que recebia anteriormente.
3 Se o trabalhador se despedir com justa causa ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida nos n.º 1 e 2 desta base pelo período de tempo que ainda faltar decorrer até só completar o pi azo de seis meses.
BASE XXXV
Extensão do regime especial de reparação de silicose
O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá, por decreto, tornar extensivas a outras espécies de pneumocomoses as normas especiais de reparação contidas nesta lei quanto à silicose, desde que a gravidade e a extensão daquelas doenças o aconselhem.
CAPITULO IV
Disposições complementares
BASE XXXVI
Ocupação e despedimento durante a Incapacidade temporária
1 É vedado às entidades patronais fazer cessar, sem justa causa, a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço enquanto estes só mantiverem em regime de incapacidade temporária.
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2 Durante o período de incapacidade temporária parcial as entidades patronais serão, nos termos e na medida que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, obrigadas a ocupar os trabalhadores vitimas de acidente ao seu serviço em trabalho compatível com o seu estado e a remunerar o trabalho produzido com retribuição correspondente, nunca inferior à devida pela capacidade restante e com base na retribuição do dia do acidente.
3 A infracção ao disposto no n.º 1 dará direito a uma indemnização a favor do sinistrado calculada entre o dobro e o triplo da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.
BASE XXXVII
Acidente originado por companheiros ou terceiros
1 Quando o acidente foi enigmado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação emergente desta lei não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
2 Se a vítima do acidente receber de companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se-á desonerada da respectiva obrigação e terá direito a ser reembolsada pela vítima das quantias que tiver pago ou despendido.
3 Se a indemnização arbitrada à vítima ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
BASE XXXVIII
Caducidade e prescrição
1 O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clinica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta.
2 Quando se tratar de doença profissional, o prazo previsto no n.º 1 conta-se da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença Se não tiver havido esta comunicação ou ela tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto
3 As prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento
BASE XXXIX
Remissão de pensões
Salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante, e poderá ser autorizada a remição quando deva considerar-se economicamente mais útil o emprego judicioso do respectivo capital
BASE XL
Nulidade dos actos contrários a lei
1 É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos nesta lei ou com eles incompatível
2 São igualmente nulos os actos e contratos simulados que visem a renuncia aos direitos conferidos nesta lei
BASE XLI
Inalienabilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade dos créditos. Privilégios creditórios
Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e renunciáveis e gozam dos mesmos privilégios creditórios que a lei geral consigna para garantia das retribuições do trabalho, com preferência a estes últimos na classificação legal.
BASE XLII
Proibição de descontos nos salários
As entidades patronais não podei ao descontar qualquer quantia no salário dos trabalhadores ao seu serviço a título de compensação pelos encargos resultantes desta lei, sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo.
BASE XLIII
Sistema e unidade do seguro
1 Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista nesta lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos.
2 O seguro dos trabalhadores rurais ou equiparados, em relação aos quais as respectivas entidades patronais não efectuem a transferência da responsabilidade prevista no número anterior, ficará a cargo de instituições de previdência social obrigatória, conforme vier a ser estabelecido em regulamento.
3 A obrigatoriedade de transferência da responsabilidade estabelecida no n.º 1 abrangerá os riscos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, salvo, quanto a estas, no caso de a sua reparação estar a cargo da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
4 Cada entidade patronal efectuará a transferência referida no n.º 1, em relação a todos os riscos, para a mesma instituição seguradora
5 Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 da base XVII a instituição seguradora sei á apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta lei
BASE XLIV Apólices uniformes
1 O Grémio dos Seguradores submeterá à aprovação do Governo, no prazo que lhe for indicado, os projectos de modelos de apólices uniformes do seguro de acidentes de trabalho, adequadas às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos nesta lei e em regulamento. O Governo, pelos Ministérios das Finanças, das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, elaborará e mandará publicar os modelos aprovados, e podei á fazê-lo por sua iniciativa se o Grémio não apresentar os projectos no prazo acima referido.
2 Serão previstas nas apólices uniformes a cobrança de um prémio suplementar de seguiu quando oficialmente se averiguar que as entidades patronais não observam as normas de segurança do trabalho, e a redução dos prémios devidos quando, em consequência das medidas de
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prevenção tomadas, o número de acidentes ao da média segundo as várias actividades.
3 São nulas as cláusulas adicionais que co direitos ou as garantias estabelecidos nas apólices u previstas nesta base
BASE XLV
Fundo de garantia e actualização de pene os
1 Para assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes, é constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais um fundo, conta especial e denominado Fundo de Garantia de Actualização de Pensões.
2 Constituem receitas deste Fundo
a) As importâncias provenientes do reembolso de prestações por ele pagas,
b) As importâncias referidas no n.º 5 da base XIX,
c) As importâncias arrecadadas por força do n.º 4 da base XXII,
d) As multas impostas por infracção aos preceitos desta lei e seu regulamento, e) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe legalmente atribuídas,
3 O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões fica sub-rogado em todos os duetos das vítimas de acidentes e seus familiares para reembolso do montante das prestações que haja pago.
4 Na medida em que as possibilidades do fundo o permitirem, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social autorizar que complementarmente, sejam por ele integradas pensões reconhecidamente desactualizadas.
BASE XLVI
Princípios sobre prevenção
1 Ao Governo incumbe decretar as medidas de segurança, higiene e profilaxia necessárias à protecção da saúde, integridade física e vida dos trabalhadores e fiscalizar o seu cumprimento.
2 O Governo promoverá a criação de um organismo adequado à direcção e coordenação de todas as entidades e serviços, oficiais e privados, interessados na prevenção, a centralização dos elementos estatísticos e investigação das causas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e ao estudo das providências a adoptar em matéria de prevenção.
BASE XLVII
Serviços de segurança e higiene
As entidades patronais devem constituir, conforme a sua capacidade económica e a gravidade ou frequência dos riscos da respectiva actividade, serviços e comissões de segurança, de que façam parte representantes do pessoal, com o objectivo de vigiar o cumprimento das normas de segurança e higiene no trabalho, investigar as causas dos acidentes e, em colaboração com os serviços técnicos e sociais das empresas, organizar a prevenção e assegurar a higiene nos locais de trabalho.
BASE XLVIII
Adaptação, readaptação e colocação
1 Aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequência de acidentes de trabalho, será facultada, quando as circunstâncias o justifiquem p permitam, a utilização de serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação
2 O Governo criará os serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação, utilizando, tanto quanto possível, os serviços e instituições já existentes, por forma a garantir a máxima- coordenação e a mais estreita colaboração não só entre aqueles serviços e instituições, como entre eles e os serviços das empresas patronais e seguradoras.
BASE XIIX
Admissão de trabalhadores sinistrados
As empresas de reconhecida capacidade económica organização para a admissão do seu pessoal um sistema de prioridades de modo a, em primeiro lugar, admitiu em em actividades compatíveis com a lesão ou doença de que estejam afectados os trabalhadores que tenham sido vítimas de acidente de trabalho ao seu serviço.
BASE L
Disposição revogatória
Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, ficando revogada a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e o Decreto-Lei n º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.
Ministério das Corporações e Previdência Social, 22 de Março de 1965 - O Ministro das Corporações e Previdência Social, José João Gonçalves de Proença.
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ANEXOS
CÂMARA CORPORATIVA
VIII LEGISLATURA
Projecto de proposta de lei n.º 506/VIII
Regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
1. Durante largos anos - mais concretamente, até à promulgação da Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913 - a responsabilidade das entidades patronais pelos acidentes de trabalho fundou-se no conceito da culpa aquiliana, tradicional no direito romano, genericamente consagrado no artigo 2898.º do Código Civil e, posteriormente, em disposições dispersas por vários outros diplomas legais (Decretos de 6 e 14 de Abril de 1891, de 30 de Junho de 1884, de 6 de Julho de 1895, etc ). Com base em tal princípio só haveria lugar à reparação pelos acidentes de trabalho quando estes fossem devidos a culpa ou negligência da entidade patronal, incumbindo ao trabalhador fazer a prova desse elemento indispensável da responsabilidade.
2. A insuficiência da protecção decorrente da aplicação daquele critério, e a reacção que, consequentemente, por toda a parte ia suscitando, até pelo reconhecimento da dificuldade dos trabalhadores em reunir suficiente prova de culpa da entidade patronal, deu origem, nos países de legislação social mais progressiva, à teoria da responsabilidade contratual, segundo a qual as entidades patronais são, por força do contrato de trabalho, responsáveis, em princípio, pelos acidentes durante ele ocorridos, desonerando-se assim os trabalhadores da prova da culpa correspondente. As entidades patronais só se consideram isentas dessa responsabilidade quando demonstrem que o acidente não foi devido a culpa ou negligência sua, mas a caso fortuito ou de força maior, ou a culpa do trabalhador ou de terceiros.
Na prática, porém, e não obstante a sua formulação teórica aparentemente autónoma, a nova teoria apenas se traduzia, em relação à anterior, numa inversão do ónus da prova, que passava a pesar sobre a entidade patronal, continuando a deixar sem protecção os inúmeros acidentes devidos a caso fortuito, a força maior ou a simples imprevidência dos trabalhadores.
Porque inspirada, todavia, na necessidade de neutralizar a aplicação rígida da teoria da responsabilidade delitual, a teoria da responsabilidade contratual chegou a ser consagrada pela legislação suíça (1881 a 1911), dando origem, noutros países (v. g. a Bélgica), a uma forte corrente jurisprudencial, aliás perfeitamente compreensível, dada a propensão dos tribunais, pelas razões já referidas, para se tornarem cada vez menos exigentes em relação à prova a produzir pelas vítimas dos acidentes de trabalho quanto à existência de culpa por parte das entidades patronais.
Outros países, no entanto, foram mais longe na sua reacção, como a França, onde a teoria da responsabilidade contratual não logrou sequer impor-se à doutrina e à jurisprudência, em virtude da insatisfação que ela mesma provocava perante o reconhecimento, cada vez maior, da insuficiência de qualquer construção baseada no conceito clássico de culpa.
3. A teoria da responsabilidade sem culpa, ou da responsabilidade objectiva, encontrou, por isso, fácil acolhimento e rápida consagração em matéria de acidentes de trabalho, e dela nasceu a teoria do risco profissional que, abstraindo da noção de culpa, baseou a responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho no risco que é inerente ao exercício de toda e qualquer actividade profissional, fazendo recair sobre as entidades patronais que dessa actividade, fonte de riscos, auferem lucros, a obrigação de reparar os danos correspondentes
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Logo consagrada na Alemanha, pela Lei de 6 Julho de 1884, a nova doutrina ràpidamente se difundiu à Áustria (Lei de 23 de Dezembro de 1887), Noruega (Lei de 23 de Julho de 1894), Itália (Lei de 17 de Março de 1898), Inglaterra (Lei de 6 de Agosto de 1897), França, a (Lei de 9 de Abril de 1898), etc.
Tudo isto, porém, respeitava apenas aos acidentes de trabalho.
No referente às doenças profissionais, apenas a lei federal suíça, de 23 de Março de 1877, tornara extensivos os princípios aplicáveis em matéria de responsabilidade por acidentes de trabalho às indústrias susceptíveis de provocar certas doenças graves, posteriormente enumeradas pelos Decretos de 19 de Dezembro de 1887 e de 18 de Janeiro de 1901, orientação que foi seguida pela Alemanha, mandando equiparar, pela Lei de 11 de Fevereiro de 1929, algumas enfermidades contraídas no local de trabalho aos acidentes deste resultantes.
4. No nosso país, a teoria do risco profissional a ser consagrada pela referida Lei n.º 83, de 24 de 1913, que foi também o primeiro diploma a um verdadeiro regime jurídico de reparação pi a os acidentes de trabalho, já que até então, e a julga pelo que se dizia no relatório do Decreto n.º 5673, de 1 de Maio de 1919, «a indemnização pelo desastre no trabalho em Portugal era apenas uma platónica disposição do Código Civil (artigo 2398.º)».
Com efeito, foi a Lei n.º 83 que veio consagrar entre nós os princípios então dominantes nas legislações estrangeiras sobre a caracterização dos acidentes de
trabalho, responsabilidade das entidades patronais e sua transferência para instituições de seguro privado (mútuas de patrões e companhias de seguros), e, quanto a este último aspecto, só era ultrapassada, ao tempo, por aquelas legislações que, como a alemã, haviam instituído, desde início, o seguro social obrigatório.
Regulamentada por vários diplomas, entre os quais se destacam os que aprovaram o Regulamento dos Desastres no Trabalho (Decreto n.º 938, de 9 de Outubro e 1914)
e o Regulamento da Lei dos Desastres do Trabalho (Decreto n.º 4288, de 9 de Março de 1918), que àquele substituir, a Lei n.º 83, abstraindo da circunstância de não prever a reparação das doenças profissionais, sem dúvida, um diploma informado por aberto de protecção ao sinistrado, a quem só em caso de dolo era recusado o direito à reparação.
5. Posteriormente, o Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919, veio tornar extensivo a toda a actividade profissional o âmbito de aplicação da legislação sobre de trabalho. O que de mais inovador, porém, se continha nos seus preceitos era o estabelecimento do seguro obrigatório, a criação de mútuas distritais e a me conceito de desastre no trabalho de «todos os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas». Na prática, todavia, nem a obrigatoriedade do seguro,
nem a extensão do regime às doenças profissionais tiverem execução, o mesmo sucedendo com o seguro mútuo, que nunca foi organizado.
6. E, deste modo, chegamos a 1936, com a publicação da Lei n.º 1942, que, embora substituindo o risco profissional pelo risco de autoridade que autonomiza a reparação da prestação directa de trabalho, foi estruturalmente orientada ainda pelo princípio da responsabilidade patronal e, bem assim, pelo da transferência desta para o seguro privado.
Não obstante aquela inovação doutrinal, razões de ordem económico-social aconselharam ao legislador, como se depreende do relatório da proposta apresentada à Assembleia Nacional em 9 de Dezembro de 1935, limitações não só no âmbito da responsabilidade como no próprio campo de obrigatoriedade do seguro, motivo por que passaram a ser mais numerosos do que anteriormente os casos de isenção da responsabilidade e a obrigatoriedade do seguro passou a ser apenas imposta às empresas com mais de cinco trabalhadores.
A evolução que, entretanto, se operou na quase universalidade das legislações, revelou uma progressiva tendência para rever tais princípios à luz dos conceitos que regem o sistema dos seguros sociais obrigatórios, dada a natureza dos riscos protegidos e o especial relevo que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais assumem como riscos originados directamente na prestação do trabalho.
Foi assim que no parecer da Câmara Corporativa (n.º 39/VII), sobre a proposta em que veio a converter-se a Lei n.º 2115, se encarou o problema, preconizando-se a integração daqueles eventos no âmbito do seguro social obrigatório, «à medida que as circunstâncias o permitam».
E daquela evolução resultou que esta integração se está a processar na maioria dos países, sendo já muito reduzido o número dos que ainda conservam o seguro privado, pelo menos como sistema exclusivo de cobertura, tal como se verifica no inquérito preparatório da 47.ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho.
7. Ao elaborar-se a presente proposta de lei, não podia deixar de considerar-se este problema, já que o regime jurídico da reparação depende, fundamentalmente, do sistema que se adoptar em matéria de cobertura e garantia do risco. A orientação que se impunha era, necessàriamente, a de, não deixando de ter em conta a referida tendência, estruturar o regime jurídico da reparação por forma a que ele seja válido e eficaz dentro da moldura oferecida pelo sistema de garantia actualmente em vigor e no qual ainda se combinam o seguro privado para os acidentes de trabalho e o seguro social para as doenças profissionais.
8. Segundo a Lei n.º 1942, a transferência da responsabilidade patronal para o seguro privado não só pode ser substituída por caução ou prova de capacidade económica perante a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, como está condicionada, na sua obrigatoriedade, à exploração «de alguma indústria em estabelecimento adequado, empregando normalmente mais de cinco trabalhadores». (artigo 12 º).
Deste condicionalismo e da posição dos trabalhadores sujeitos aos efeitos de um contrato de seguro a cuja celebração e execução são de todo estranhos resulta, não raras vezes, a impossibilidade de tomar efectivos, na prática, direitos judicialmente reconhecidos, dada a insolvência total ou parcial das entidades patronais Para eliminar tão grave situação todas as legislações que ainda adoptam o seguro privado têm instituído um «fundo de garantia», alimentado por receitas de vária ordem, fundo que se prevê na presente proposta de lei e cuja gestão se confia à Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (base XXII).
9. Um dos aspectos mais estudados nas reuniões internacionais em que se debatem os problemas actuais dos seguros sociais é o do ajustamento das prestações à variação das condições económicas, ou seja, da sua actualização
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perante a desvalorização da moeda. Sem se desconhecerem as dificuldades das soluções neste campo, entendeu-se ser possível enfrentar desde já o problema, dada a flagrante justiça que o esforço nesse sentido representa, esperando-se, confiadamente, que as disponibilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões permitam ir corrigindo, em razoável medida, pelo menos, as situações de mais acentuados desníveis (base XXXII, n.º 3), designadamente pelo que respeita ao sector das doenças profissionais.
10. Relativamente ao campo de aplicação da lei, generalizou-se, como parece impor-se, a obrigatoriedade do seguro, eliminando-se as limitações actuais, já que só essa generalização obstará aos inconvenientes apontados (base LIII).
11. Como não podia deixar de ser, na estruturação da lei tiveram-se em conta os mais autorizados ensinamentos da doutrina, o estudo das legislações estrangeiras similares mais evoluídas, as correntes da jurisprudência nacional, na já longa aplicação do texto vigente, e as convenções e recomendações internacionais, como as que foram aprovadas na referida 47.ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho (1963).
Da utilização de todos estes dados resultaram a introdução de alguns preceitos inovadores e a correcção de princípios que informam determinadas normas fundamentais do texto vigente Assim, definiu-se o acidente de trabalho com base nos elementos essenciais do seu conceito e com fundamento no risco do trabalho, eliminando-se da definição aquilo que só circunstancialmente, em algumas legislações, a acompanha (base II, n.º 1), e definiram-se, igualmente, os elementos de tempo e de local do trabalho (idem, n.º 3), procurando-se, outrossim, configurar os limites dos chamados acidentes in itinere ou de trajecto, fonte de numerosas controvérsias judiciais [base II, n.º 2, alínea c)]. No que respeita à classificação das incapacidades, introduziu-se o conceito de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, cuja reparação se entendeu dever diferenciar do regime aplicável à incapacidade geral de ganho [base XV, alínea b)].
Aperfeiçoaram-se as regras dos importantes institutos da caducidade e prescrição e de vários outros preceitos fundamentais, cuja redacção tem suscitado problemas complexos de interpretação e aplicação, como os que prevêem a isenção de responsabilidade nos casos de trabalho ocasional ou acidental, a predisposição patológica e a lesão ou doenças anteriores (bases XXXI, VIII e XXIV).
12. Revestem ainda relevante importância as inovações introduzidas no que respeita ao regime de reparação, salientando-se, neste capítulo o reconhecimento do direito às prestações legais por parte dos familiares da vítima no caso de acidente atribuído a falta indesculpável desta (base VII, n.º 2), a extensão do direito de reparação aos menores de 18 anos e aos filhos ou familiares de 21 ou 24 anos, enquanto frequentarem o ensino médio ou superior, bem como aos incapacitados por doença física ou mental (base XXI), a possibilidade de acumulação das prestações da viúva e filhos com as de outros beneficiários até ao limite do salário (base XXII, n.º 1), o limite mínimo da desvalorização que confere direito à reparação (base XV, n.º 3), as restrições ao despedimento sem justa causa de trabalhadores em regime de incapacidade temporária e a obrigatoriedade, em certa medida, de ocupação de trabalhadores durante o período de incapacidade temporária parcial (base XVII, n.ºs 1 e 2).
13. Uma das mais graves lacunas do texto vigente é a que respeita à quase total carência de normas impostas pela natureza específica das doenças profissionais, o que, designadamente no caso das doenças de carácter evolutivo e irreversíveis, como a silicose, tem suscitado sérias dificuldades na decisão de inúmeros e complexos pleitos judiciais. Por isso se introduziram, na medida em que a lei, como lei de bases, o permitiu, as normas que pareceram mais adequadas à regulamentação exigida pela natureza e características especiais destas enfermidades, tanto no que respeita ao regime jurídico da sua reparação, como à sua prevenção, neste caso de predominante importância.
14. No que respeita à prevenção, não é necessário salientar o significado de que ela se reveste relativamente à sinistralidade do trabalho e forçoso é reconhecer as insuficiências existentes neste domínio. Basta, porém, o gravame económico que para a economia nacional constituem os acidentes do trabalho e as doenças profissionais, para plenamente justificar todas as medidas que no domínio da prevenção são propostas e devem ser tomadas, gravame que fàcilmente se pode deduzir dos dados estatísticos que foi possível recolher e que constam dos seguintes quadros, unicamente relativos a acidentes cuja responsabilidade foi transferida para entidades seguradoras.
Acidentes com incapacidades temporárias nos anos de 1958 a 1962:
Número de acidentes 1 438 340
Número de dias perdidos 18 242 899
Indemnizações pagas 367 342 000$00
Despesas com tratamentos 457 851 000$00
Acidentes com incapacidades permanentes nos anos de 1958 a 1962
Número de diminuídos físicos 164 026
Pensões pagas 201 695 000$00
Pensões remidas 62 778 000$00
Para que seja eficiente deve, todavia, a acção preventiva ser orientada e organizada através da centralização coordenadora das actividades de todos os serviços e entidades interessadas na prevenção, como, aliás, em toda a parte tem sido reconhecido e praticado, centralização que na presente proposta de lei se encontra consignada na base XXXIV, n.º 2, mediante a instituição, para o efeito, de um órgão adequado.
15. Finalmente, no que respeita à adaptação e readaptação profissionais e colocação dos sinistrados, não podiam deixar de ser consideradas a oportunidade e a justiça dos princípios estabelecidos e das orientações recomendadas nas mais recentes reuniões dos organismos internacionais de carácter social.
Para a plena consecução deste objectivo mostra-se naturalmente indicado o aproveitamento de todos os serviços e instalações que já existem, tais como o Fundo de Desenvolvimento de Mão-de-Obra, o Instituto de Formação Profissional Acelerada, o Instituto de Orientação Profissional, o Centro de Recuperação de Diminuídos Físicos e outros (base XXXVII, nº 2), pensando-se, para o aspecto específico da readaptação profissional dos diminuídos físicos, criar um organismo de formação adequado, em conjugação com os serviços de recuperação clínica já existentes, o mesmo devendo suceder com o serviço de colocação dos sinistrados, a integrar, com prioridade, nos
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organismos de colocação profissional em funcionamento ou em montagem nos departamentos competentes.
De entre todos estes organismos a cuja colaboração há que recorrer para a plena prossecução dos objectivos pretendidos, dois há, porém, que merecem especial referência, não só pela sua maior ligação com a política social da prevenção e reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas também pela sua maior eficiência e capacidade de actuação.
São eles a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e o Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho da Junta da Acção Social, do Ministério das Corporações e Previdência Social, organismos criados, respectivamente, a 27 de Abril e 30 de Novembro de 1962.
Destina-se a primeira, como no relatório de respectivo diploma instituidor expressamente se afirma, de assegurar a reparação das doenças profissionais por ela cobertas e a recuperação dos trabalhadores que delas sejam vítimas, bem como a prestar colaboração, pelos meios ao seu alcance, aos serviços a quem incumbe a prevenção das mesmas doenças». Por sua vez, quanto ao Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho, depois de se afirmar que «mais do que reparar económica e socialmente os efeitos da doença importa sobretudo evitar que ela surja», aponta-se ao novo organismo, também no seu diploma instituidor, a missão de «investigação e estudo, ordenados a um mais amplo conhecimento e divulgação princípios e métodos da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais».
É, pois, com a plena consciência do que «o surto de industrialização que o País atravessa acentua cada vez mais as necessidades apontadas, não só pelo crescimento da população fabril, mas porque o reapetrechamento industrial e a utilização de novos processos técnicos impões, também, o recurso a novos meios de acção para o decorrente agravamento dos índices de sinistralidade no trabalho», que o Governo, confiado na bondade da orientação e na justiça das soluções preconizadas, tem a honra de apresentar à Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei sobre o regime dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
BASE I
Finalidade da lei
1. A presente lei destina-se a definir o direitos dos trabalhadores ou dos seus familiares à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
2. Quando na presente lei se usa a expressão «acidentes de trabalho», deve entender-se como nela abrangidas as doenças profissionais.
BASE II
Conceito de acidente de trabalho
1. Considera-se acidente de trabalho todo o evento que se verifique no local e no tempo do trabalho e que produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
2. Considera-se, ainda, acidente de trabalho o ocorrido nas seguintes circunstâncias:
a) Fora do local ou tempo do trabalho, se tiver lugar na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos.
b) Na execução de serviços espontâneamente prestados e de que possa resultar proveito económico à entidade patronal,
c) Na ida para o local do trabalho ou no regresso deste quando for utilizado transporte da entidade patronal ou por esta fornecido, ou quando o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso.
3. Entende-se por local de trabalho toda a zona de laboração ou exploração da empresa e por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início em actos de preparação ou com ele ligados e os que se lhe seguirem em actos também com ele relacionados e, ainda, as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
4. Se a lesão, perturbação ou doença forem verificadas no local e no tempo do trabalho, ou nas circunstâncias previstas no n.º 2 desta base, presumem-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho, e se as mesmas forem reconhecidas a seguir a um acidente presumem-se consequência deste.
BASE III
Relação das doenças profissionais
1. As doenças profissionais constarão, taxativamente, de lista organizada e publicada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, sob parecer do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica.
2. A doença resultante de uma causa que actue continuadamente em consequência da actividade exercida, mas que não esteja incluída na lista das doenças profissionais, será considerada como acidente de trabalho,
BASE IV
Âmbito da lei
1. Têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos.
2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou por contrato a este legalmente equiparado, e também os aprendizes, os tirocinantes e os que em conjunto ou isoladamente prestem determinada actividade, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida.
3. Os servidores civis do Estado só se consideram abrangidos por esta lei quando não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
BASE V
Trabalhadores estrangeiros
1. Os trabalhadores estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal consideram-se, para os efeitos desta lei, equiparados aos trabalhadores portugueses, se a legislação do respectivo país conceder a estes igual tratamento que aos seus nacionais.
2. Sob a condição de reciprocidade estabelecida no número anterior, consideram-se nele abrangidos os familiares da vítima aos quais esta lei conferir direito a reparação.
3. Os trabalhadores estrangeiros vítimas de acidente em Portugal ao serviço de empresa estrangeira e com direito a reparação reconhecido pelo respectivo país consideram-se excluídos do âmbito desta lei
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BASE VI
Trabalhadores portugueses no estrangeiro
Os trabalhadores portugueses vítimas de acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa terão direito às prestações previstas nesta lei, salvo se a legislação do pais onde ocorreu o acidente lhes reconheceu direito à reparação.
BASE VII
Descaracterização do acidente
1. Não dá direito a qualquer reparação o acidente que tiver sido intencionalmente provocado pela vítima.
2. Não dá direito, do mesmo modo, a reparação por incapacidade temporária ou permanente.
a) O acidente que resultar exclusivamente de falta grave e indesculpável da vitima,
b) O acidente que resultar de ofensas corporais voluntárias, provocadas, indesculpàvelmente, pela vítima
BASE VIII
Exclusões
1 São excluídos do âmbito da presente lei
a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, e que não sejam prestados em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa,
b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos agrícolas de curta duração, se o destinatário do serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores
2. A exclusão prevista na alínea b) do número anterior não abrange os acidentes que resultem da utilização de máquinas.
BASE IX
Reparação
O direito à reparação compreende as seguintes prestações
1) Em espécie
a) Assistência médica e cirúrgica, tanto geral como especializada,
b) Hospitalização, internamento em casas de repouso ou convalescença e tratamentos termais,
c) Assistência farmacêutica e acessórios,
d) Transportes,
e) Fornecimento de aparelhos de prótese e ortopedia sua renovação e reparação normais,
f) Reabilitação profissional, sempre que as circunstâncias o justifiquem e permitam,
g) Reparação ou substituição dos aparelhos de prótese e ortopedia, deteriorados ou inutilizados em consequência do acidente;
2) Em dinheiro.
a) Indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho,
b) Indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade geral de ganho, em caso de incapacidade permanente,
c) Pensões, no caso de morte, aos familiares da vítima,
d) Despesas de funeral
BASE X
Assistência médica
1. A assistência médica e cirúrgica compreende todos os cuidados de observação e tratamento, médico e cirúrgico, quer destinados à cura, quer à recuperação, nomeadamente a reabilitação física com ou sem internamento, bem como todas as despesas acessórias adequadas à reintegração fisiológica e funcional da vítima.
2. As entidades patronais são obrigadas a assegurar imediatos socorros às vítimas de acidente de trabalho e o seu transporte ao médico ou estabelecimento hospitalar mais próximo.
3. Os médicos e os estabelecimentos hospitalares ou análogos não poderão recusar-se a prestar às vítimas de acidentes de trabalho os socorros de urgência de que estas careçam.
4. As empresas serão obrigadas a instalar, nos centros de trabalho, caixas ou postos de socorros, consoante o número de trabalhadores ao seu serviço e a sua capacidade económica, e a habilitar um ou mais trabalhadores com o curso de socorristas do trabalho.
BASE XI
Hospitalização
A hospitalização, internamento e tratamentos previstos na alínea b) da base IX devem ser feitos nos estabelecimentos mais adequados ao restabelecimento e reabilitação da vítima.
BABE XII
Transportes
1. O fornecimento ou pagamento dos transportes abrange não só as deslocações necessárias à observação e tratamento, como as exigidas pela comparência a actos judiciais.
2. O transporte deve obedecer às condições de comodidade impostas pela natureza da lesão ou doença.
3. Quando a vítima for do sexo feminino, ou menor de 14 anos, ou quando a sua avançada idade ou a natureza da lesão ou da doença o exigirem, o direito a transporte será extensivo à pessoa que a acompanhar.
4. Tanto a vítima como, nos casos previstos no número anterior, a pessoa que a acompanhar, terão direito a ser reembolsadas das despesas de alimentação e de hospedagem necessárias.
BASE XIII
Prótese e ortopedia
O fornecimento, renovação e reparação dos aparelhos de prótese e ortopedia deverão ser os necessários e adequados à máxima recuperação da capacidade geral de ganho ou de trabalho da vítima.
BASE XIV
Recidiva ou agravamento
O direito às prestações previstas no n.º 1 da base IX, alíneas a) a f), inclusive, mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, em caso de recidiva ou agravamento e abrange as doenças intercorrentes relacionadas directa ou indirectamente com as consequências do acidente
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BASE XV
Incapacidade
1. Se do acidente resultar redução na capacidade de ganho ou de trabalho da vítima, terá esta direito às seguintes prestações.
a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, uma pensão vitalícia igual à retribuição-base,
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, uma pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Na incapacidade permanente e parcial, uma pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho,
d) Na incapacidade temporária absoluta, uma indemnização correspondente a dois terços da retribuição-base,
c) Na incapacidade temporária parcial, uma indemnização correspondente a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
2. Salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatòriamente remidas as pensões de reduzido montante e poderá ser autorizada a remição daquelas que não representem um valor económico apreciável quando deva considerar-se econòmicamente mais útil o emprego judicioso do respectivo capital.
3. Não conferem direito a pensão as incapacidades permanentes de reduzido grau de desvalorização, mas o capital que corresponderia à sua remição reverterá para o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões previsto na base XXXII.
BASE XVI
Casos especiais de reparação
1. Quando o acidente tiver sido dolosa ou intencionalmente provocado pela entidade patronal ou seu representante, ou tiver resultado da falta de observância, por parte das mesmas, das disposições legais ou instruções emanadas dos órgãos competentes sobre higiene e segurança do trabalho, as pensões e indemnizações previstas na base XV fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, as pensões ou indemnizações serão iguais à retribuição-base;
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, as pensões ou indemnizações correspondentes terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2. O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade civil ou criminal em que a entidade patronal, ou o seu representante, tiver incorrido.
BABE XVII
Ocupação e despedimento durante a incapacidade temporária
1. É vedado às entidades patronais fazer cessar, sem justa causa, a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço enquanto estes se mantiverem em regime de incapacidade temporária.
2. Durante o período de incapacidade temporária parcial as entidades patronais serão, nos termos e na medida que vierem a ser regularmente estabelecidos, obrigadas a ocupar os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço em trabalho compatível com o seu estado e a remunerar o trabalho produzido com retribuição correspondente, nunca inferior à devida pela capacidade restante e com base na retribuição do dia do acidente.
3. A existência de justa causa para os efeitos do n.º 1 deverá ser declarada pelo tribunal do trabalho a requerimento da entidade patronal.
BASE XVIII
Determinação da incapacidade temporária e permanente
Na avaliação da incapacidade temporária atender-se-á não só à natureza e gravidade da lesão ou doença, como à profissão e idade da vítima, na determinação da incapacidade permanente atender-se-á, além disso, ao grau de possibilidade de readaptação à mesma ou outra profissão e a quaisquer outras circunstâncias que naquela incapacidade possam influir.
BASE XIX
Prestação suplementar
Se em consequência da lesão resultante, do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de uma terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar, não superior a 25 por cento do montante da pensão fixada judicialmente, na falta de acordo.
BASE XX
Familiares com direito a pensão
Se do acidente resultar a morte da vítima, terão direito a pensão
a) A viúva, enquanto se mantiver no estado de viuvez,
b) O viúvo, se afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho, ou de idade superior a 65 anos, à data da morte da mulher, enquanto se mantiver no estado de viuvez,
c) O cônjuge divorciado ou judicialmente separado a data do acidente, com direito a alimentos.
d) Os filhos legítimos, legitimados ou perfilhados, incluindo os nascituros, nas condições previstas na lei civil,
e) Os ascendentes,
f) Outros parentes sucessíveis.
BASE XXI
Pensões por morte
1. Os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
a) Viúva, se o casamento tiver sido anterior ao ardente 30 por cento do salário anual da vítima até perfazer 65 anos e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho. Passando a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual e perderá o direito à pensão se tiver porte escandaloso,
b) Viúvo, se o casamento tiver sido anterior ao acidente e se verificarem as condições referidas na alínea b) da base anterior 30 por cento do salário anual da vítima,
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c) Cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, com direito a alimentos a pensão estabelecida nas alíneas anteriores e nos mesmos termos,
d) Filhos legítimos, legitimados ou perfilhados, incluindo os nascituros, nas condições da lei civil, até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino médio ou superior, e os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho: 20 por cento do salário anual da vítima se for apenas um, 40 por cento se forem dois e 50 por cento se forem três ou mais. Se forem órfãos de pai e mãe, receberão o dobro destes montantes,
e) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis até aos 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino médio ou superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que, em relação a todos eles, a vítima contribuísse, com carácter de regularidade, para a sua alimentação 10 por cento da retribuição-base a cada um, não podendo o total das pensões exceder 30 por cento,
f) Se não houver cônjuge ou filhos com direito a pensão, os herdeiros incluídos na alínea anterior, e nas condições nela referidas, receberão, cada um, 30 por cento do salário anual da vítima, até perfazerem a idade de 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões exceder o salário anual da vítima, para o que se procederá a rateio, se necessário.
2. Se por morte da vítima houver concorrência entre o cônjuge viúvo e divorciados, entre divorciados, ou entre estes e cônjuge separado judicialmente, será a respectiva pensão repartida em partes iguais por todos os que a ela teriam direito.
3. Se a vítima não deixar familiares com direito a pensão, será devido ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões o capital correspondente a três vezes a retribuição anual.
BASE XXII
Acumulação e rateio das pensões por morte
1. As pensões referidas na base anterior são acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder o salário anual da vítima.
2. Se as pensões referidas na alínea e) da base anterior adicionadas às previstas nas alíneas a), b), c) e d) excederem o salário da vítima, serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto aquele montante se mostrar excedido.
3. Se o cônjuge sobrevivo falecer no decurso da pensão devida aos filhos, será esta aumentada nos termos da parte final da alínea d) da base anterior.
4. As pensões dos filhos da vítima serão, em cada mês, as correspondentes ao número daqueles que estiverem vivos nesse mês e com direito a pensão.
BASE XXIII
Despesas de funeral
A reparação das despesas de funeral será igual a 30 dias da retribuição, elevada para o dobro quando haja transladação.
BABE XXIV
Predisposição patológica e incapacidade
1. A predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença.
2. Quando a lesão ou doença consecutivas ao acidente forem agravadas por lesão ou doença anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo resultasse do acidente, salvo se pela lesão ou doença anteriores a vítima já estiver a receber pensão.
3. No caso de a vítima estar afectada de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação por este devida será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
4. Se a lesão ou doença anteriores ao acidente tiverem determinado a reversão de capital para o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, nos termos do n.º 3 da base XV, sobre este Fundo recairá o encargo pela parte correspondente.
5. Confere ainda direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente de trabalho e que de tal tratamento seja consequência.
BASE XXV
Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas
1. As vítimas de acidente devem submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável e necessárias à cura da lesão ou doença e da recuperação da capacidade de trabalho.
2. Não conferem direito às prestações estabelecidas nesta lei as incapacidades que sejam judicialmente reconhecidas como consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntàriamente provocadas, na medida em que resultem de tal comportamento.
3. Considera-se justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando esta, pela sua natureza ou pelo estado da vitima, ponha em risco a sua vida.
BASE XXVI
Acidente originado pelos companheiros ou terceiros
Quando o acidente for originado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação emergente desta lei não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
BASE XXVII
Lugar do pagamento das prestações
1. O pagamento das prestações será efectuado no lugar da residência da vítima ou seus familiares, salvo se outro for acordado.
2. Se o credor das prestações se ausentar para o estrangeiro, o pagamento será efectuado na sede da instituição de seguro, salvo se outro lugar de pagamento for acordado.
BASE XXXVIII
Revisão das pensões
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva,
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recaída ou melhoria da lesão ou doença que serviu de base à reparação, as respectivas prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida nos dez anos posteriores à data da fixação da prestação, salvo tratando-se de doenças profissionais com carácter evolutivo, caso em que a revisão pode ser requerida sem limite de tempo.
3. A revisão poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
BABE XXIX
Retribuição-base
1. As indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição que a vítima auferia no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente recebida pela vítima.
2. Entende-se por retribuição tudo quanto a ler considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade.
3. Se a retribuição do dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período de três meses anteriores ao acidente e, na falta deste elemento, segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional da vítima e os usos.
4. Se a vítima for um aprendiz ou tirocinante, ou menor de 18 anos, percebendo ou não retribuição, as indemnizações e pensões terão por base.
a) No primeiro caso, a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresas similar e categoria profissional correspondente aprendizagem ou tirocínio da vítima,
b) No segundo caso, a retribuição média de um trabalhador de maioridade da mesma empresa similar.
5. Em caso algum a retribuição a considerar poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação de trabalho ou de convenção colectiva.
BASE XXX
Limites na retribuição-base
Para o cálculo das prestações previstas nesta lei, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social fixar, por decreto, limites às retribuições-base e estabelecer, para o efeito, diversos escalões.
BASE XXXI
Caducidade e prescrição
1. O direito de acção respeitante as prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da oura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta.
2. As prestações estabelecidas por decisão judicial, por instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.
BASE XXXII
Fundo de Garantia e Actualização de Pensões
1. Para assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes, é constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais um fundo, gerido em conta especial, denominado Fundo de Garantia e Actualização de Pensões.
2. O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões fica sub-rogado em todos os direitos das vítimas de acidentes, ou seus familiares, para reembolso do montante das prestações que haja liquidado.
3. Na medida em que as possibilidades do Fundo o permitirem, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social autorizar que, complementarmente, sejam por ele integradas pensões reconhecidamente desactualizadas.
BASE XXXIII
Receitas do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões
Constituem receitas do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões
a) As importâncias provenientes do reembolso de prestações pelo Fundo liquidadas,
b) As importâncias arrecadadas por força do n.º 3 da base XV,
c) As importâncias referidas no n º 3 da base XXI,
d) As multas impostas por infracção aos preceitos desta lei e seu regulamento,
c) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe legalmente consignadas
BASE XXXIV
Princípios sobre prevenção
1. Ao Governo incumbe decretar as medidas de segurança, higiene e profilaxia necessárias à protecção da saúde, integridade física e vida dos trabalhadores, e fiscalizar o seu cumprimento,
2. O Governo promoverá a criação de um órgão adequado à direcção e coordenação de todas as entidades e serviços, oficiais e privados, interessados na prevenção, à centralização dos elementos estatísticos e investigação das causas dos acidentes e ao estudo das providências a adoptar em matéria de prevenção.
BASE XXXV
Deveres de segurança e higiene
As entidades patronais e os trabalhadores são obrigados a cumprir as normas de prevenção e higiene contidas em leis, regulamentos e instruções emanados dos órgãos ou autoridades competentes, sem prejuízo do dever de assegurarem as elementares condições de segurança e higiene nos locais de trabalho.
BASE XXXVI
Serviços de segurança e higiene
As entidades patronais devem constituir, conforme a sua capacidade económica e a gravidade ou frequência do risco da respectiva actividade, serviços e comissões de segurança, de que façam parte trabalhadores, encarregados e técnicos, com o objectivo de vigiar o cumprimento das normas de segurança e higiene no trabalho, investigar as causas dos acidentes e, em colaboração com os serviços técnicos e sociais das empresas, organizar a prevenção e assegurar a higiene nos locais de trabalho
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BASE XXXVII
Adaptação, readaptação e colocação
1. Aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequência de acidentes de trabalho, será facultada, quando as circunstâncias o justifiquem e permitam, a utilização de serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação.
2. O Governo criará os serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação, utilizando, tanto quanto possível, os serviços e instituições já existentes, por forma a garantir a máxima coordenação e a mais estreita colaboração, não só entre aqueles serviços e instituições, como entre eles e os serviços das empresas e do seguro.
BASE XXXVIII
Admissão de trabalhadores sinistrados do trabalho
As empresas de reconhecida capacidade económica e na proporção do seu pessoal serão obrigadas a admitir trabalhadores que tenham sido vitimas de acidentes de trabalho ao seu serviço, em actividades compatíveis com a lesão ou doença de que se encontrem afectados.
BASE XXXIX
Reparação das doenças profissionais
Haverá direito à reparação emergente de doenças profissionais quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
a) Estar o trabalhador afectado da correspondente doença profissional,
b) Ter sido exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual,
c) Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na relação a que se refere o n.º 1 da base III, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos.
BASE XL
Período de imputabilidade das doenças profissionais
1. São responsáveis pela reparação emergente de doenças profissionais, e na proporção do tempo de trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima trabalhou na mesma indústria ou ambiente nos dois anos anteriores à cessação do trabalho de que resultou a doença, ou, em termos idênticos, as instituições de seguro que cobriam o risco.
2. No caso de silicose, o período referido no número anterior será o que resultar dos elementos averbados na carteira de sanidade e, na falta destes, de cinco ou dez anos, conforme seja ou não de contracção recente, pericialmente comprovada.
BASE XLI
Reparação especial da silicose com incapacidade
1. Os trabalhadores a quem, por estarem afectados de silicose com incapacidade, não seja permitido trabalhar em meio ou ambiente susceptível de provocar o agravamento da doença, terão direito, durante um ano, se antes não tiverem obtido outro emprego, a ser pagos, pela entidade patronal, da diferença entre o montante da pensão correspondente à sua incapacidade e a retribuição que auferiam.
2. Se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, com retribuição correspondente não fica obrigada ao pagamento da diferença estabelecida no número anterior senão pela importância necessária para integrar a retribuição que o trabalhador auferia anteriormente.
3. Se o trabalhador se despedir com justa causa, ou foi despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida no n.º 1 desta base pelo período de tempo que ainda falte decorrer até se completar o prazo de um ano, ou até o trabalhador obter outro emprego.
BASE XLII
Responsabilidade especial na reparação da silicose
1. As entidades patronais que admitirem ou mantiverem ao seu serviço trabalhadores com inobservância das medidas prescritas nas bases XLV e XLVI, ou a instituição seguradora que, nessas condições, tenha assumido a cobertura do risco, serão exclusiva e integralmente responsáveis pela reparação correspondente à incapacidade ou morte da vítima e não poderão aproveitar da caducidade prevista na lei.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável à admissão de trabalhadores considerados inaptos no exame médico previsto na base XLV.
BASE XLIII
Caducidade e prescrição nas doenças profissionais
1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca, tratando-se de doenças profissionais, no prazo de um ano, a contar da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença.
Se não tiver havido comunicação formal do diagnóstico ou se a comunicação tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto.
2. As prestações estabelecidas por decisão judicial ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.
BASE XLIV
Participação obrigatória das doenças profissionais
1. As entidades patronais são obrigadas a participar aos tribunais do trabalho e à Inspecção do Trabalho todos os casos de doenças profissionais de que tenham conhecimento e de que sejam vítimas trabalhadores ao seu serviço, igual obrigação recaindo sobre a instituição de seguro que cubra o risco.
2. A entidade patronal ou a instituição de seguro que infringirem o disposto no número antecedente não poderão aproveitar da caducidade prevista no n.º 1 da base anterior, sem prejuízo da sanção penal que corresponda à infracção.
BASE XLV
Carteira de sanidade
1. As entidades patronais cujas actividades determinem sujeição ao risco de silicose não poderão admitir ao seu
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serviço trabalhadores sem prèviamente os submeter a exame médico, nos termos da legislação em vigor, destinado a verificar se estão afectados daquela enfermidade, devendo em relação a cada um deles ser passada uma carteira de sanidade conforme regulamento a emanar dos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência.
2. O exame médico será renovado periòdicamente, em função do risco da actividade, dos locais onde esta é exercida e do estado sanitário dos trabalhadores.
3. Os Ministros das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência poderão determinar a obrigatoriedade do exame e da carteira de sanidade a que se referem os números anteriores em relação a outras doenças profissionais cuja gravidade e extensão os imponhara.
BASE XLVI
Obrigatoriedade de exame médico
Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor desta lei, se encontrem ao serviço de empresas compreendidas no âmbito da base anterior, serão, no prazo regulamentarmente estabelecido, submetidos ao exame médico previsto na mesma base.
BASE XLVII
Qualificação sanitária dos trabalhadores
O estado sanitário dos trabalhadores, para efeitos de registo na carteira de sanidade prevista na base XLV, deverá ser qualificado em função da sua aptidão para o trabalho nas actividades que determinem sujeição ao risco da silicose.
BASE XLVIII
Reparação especial da silicose sem incapacidade
1. Os trabalhadores afectados de silicose de que não resulte incapacidade, mas os impeça de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença possa ser agravada, terão direito, durante seis meses, se antes não tiverem obtido outro emprego, à retribuição que auferiam, paga nela entidade patronal.
2. Não é devida a reparação estabelecida no número anterior se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, com a retribuição que ele recebia anteriormente.
3. Se o trabalhador se despedir com justa causa ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida no n.º 1 desta base pelo período de tempo que ainda faltar decorrer até se completar o prazo de seis meses ou até o trabalhador obter outro emprego.
BASE XLIX
Extensão do regime especial de reparação da silicose
O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá, por decreto, tornar extensivas a outras espécies de pneumoconioses as normas especiais de reparação contidas nesta lei quanto à silicose, desde que a gravidade e a extensão daquelas doenças o aconselhem.
BASE L
Nulidade dos actos contrários à lei
1. Toda a convenção contrária às disposições desta lei ou com elas incompatível é nula de pleno direito.
2. São igualmente nulos os actos e contratos simulados que tenham por efeito a renúncia aos direitos nesta lei consignados.
BASE LI
Inalienabilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade dos créditos.
Privilégios creditórios.
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecido por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos mesmos privilégios creditórios que a lei geral consigna para garantia das retribuições do trabalho, com preferência a estes últimos na classificação legal.
BASE LII
Proibição de descontos nos salários
As entidades patronais não poderão descontar qualquer quantia no salário dos trabalhadores ao seu serviço a titulo de compensação pelos encargos resultantes desta lei, sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo.
BASE LIII
Sistema e unidade do seguro
1. Enquanto outro regime não for instituído, e sem prejuízo do disposto no número seguinte, as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista nesta lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos.
2. A obrigatoriedade de transferência da responsabilidade prevista no número anterior abrangerá os riscos emergentes quer de acidentes de trabalho, quer de doenças profissionais, salvo quando a reparação destas estiver a cargo da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
3. Nos casos previstos no n.º 1 da base XVI a instituição seguradora será apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta lei.
4. O seguro de todos os riscos só pode ser transferido para uma única entidade seguradora.
BASE LIV
Apólice uniforme
1. O Governo, pelos Ministérios das Finanças, das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, publicará, de harmonia com os princípios estabelecidos nesta lei e seu regulamento, o modelo da apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
2. São nulas as cláusulas adicionais que contrariem as da apólice uniforme prevista no número anterior.
BASE LV
Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, ficando revogada a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e demais legislação complementar.
Ministério das Corporações e Previdência Social, 26 de Dezembro de 1964 - O Ministro das Corporações e Previdência Social, José João Gonçalves de Proença.
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PARECER N.º 21/VIII
Projecto de proposta de lei n.º 5O6/VIII
Regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 506/VIII, elaborado pelo Governo, sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Aguinaldo de Carvalho Veiga Alcide Ferreira, António Aires Ferreira, António Bandeira Garcês, António Jorge Martins da Mota Veiga, António Júlio de Castro Fernandes, Fernando Maria André de Oliveira de Almeida Carneiros e Meneses, Francisco David Ferreira, Guilherme Pereira da Rosa, João Ortigão Ramos, João José Lobato Guimarães, Luís de Sousa e Silva, Manuel Pinto de Oliveira, Mário Luís Correia Queirós e Rui Enes Ulrich, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer.
I
Apreciação na generalidade
1. O projecto de proposta de lei n º 506/VIII visa alterar o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, que hoje consta, fundamentalmente, da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936.
Trata-se, pois, de remodelação de matéria que já foi objecto de estudo desta Câmara, no seu longo e minucioso parecer n.º 71-I, de 1963 (Diário das Sessões, suplemento ao n.º 74, de 7 de Fevereiro de 1936), onde se ventilou a problemática dos acidentes de trabalho em termos largos na perspectiva e minuciosos na análise.
Sendo assim, afigura-se desnecessário tratar de novo, com idêntica extensão, os mesmos temas. Basta ter em atenção os primeiros números do relatório da proposta para rapidamente se caracterizar o clima em que ela foi elaborada e a diversidade de problemas que procura resolver.
Convém, no entanto, lembrar que o conceito de acidente de trabalho, como entidade jurídica autónoma, é, em todo o Mundo, fruto de grande surto de industrialização que se desenvolveu no século XIX.
A expansão da actividade fabril e do trabalho mecânico multiplicou extraordinàriamente as condições propícias para a ocorrência de acidentes em multidões de trabalhadores cada vez mais numerosas.
O projecto em estudo aponta as bases em que se foi processando a reparação pelas consequências dos sinistros.
A ideia tradicional vinda do direito romano pressupunha a culpa da entidade patronal como fundamento da responsabilidade. Mas, em face da grandeza do fenómeno social do acidente de trabalho, tão estreita base cedo provocou a busca de conceitos mais amplos, e assim se passou para a teoria da responsabilidade contratual que atribuía às entidades patronais a obrigação de indemnizar pelas consequências dos acidentes de trabalho, em princípio, salvo se fizessem prova de o acidente ter resultado de culpa dos sinistrados ou de caso fortuito.
Perante a insuficiência das soluções fornecidas por esta fórmula, recorreu-se ao princípio da responsabilidade objectiva, que, dada a natureza da matéria, se traduziu na teoria do risco profissional. Segundo ela, a obrigação de reparar as consequências dos acidentes compete aos dadores do trabalho, já que da actividade exercida pelos trabalhadores derivam para aqueles lucros e riscos, simultâneamente.
E este é ainda, fundamentalmente, o assento jurídico do regime de reparação pelos acidentes de trabalho nos países onde estes continuam a ser regulados por normas de direito privado.
2. Em Portugal, quando a necessidade de resolver o problema se começou a fazer sentir, ele só podia ser encarado à face do artigo 2398.º do Código Civil, segundo o qual os dadores de trabalho apenas respondiam pelos acidentes devidos a culpa sua, e como não se estabelecia qualquer presunção sobre a prova da culpa, ela incumbia às vítimas.
Em seguida, e durante cerca de meio século, publicaram-se numerosos diplomas relativos à segurança e higiene de certas indústrias Assim estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos (1863), pedreiras (1884 e 1892), aparelhos motores (1874), pólvora e dinamite (1880 e 1883), geradores e recipientes de vapor (1893 e 1898), construções civis e estabelecimentos industriais (1895 e 1898), substâncias explosivas (1902), e indústrias eléctricas (1903), mas em nenhum deles se estabeleceu que a responsabilidade civil pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais competiria, em princípio, à entidade patronal.
Publicaram-se também alguns diplomas em que se concediam subsídios de hospitalização e tratamento, a reforma antecipada ou pensões em caso de acidente de trabalho, podendo referir-se, entre outros, os regulamentos, de diversos serviços públicos Arsenal da Marinha (1893), Caminhos de Ferro do Estado (1901 e 1904), assalariados das obras públicas (1902 e 1908), Arsenal do Exército e pessoal jornaleiro dos correios e telégrafos (1905), e serviços fabris do Ministério da Marinha (1908), mas esses
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subsídios e pensões eram concedidos à margem do princípio do risco profissional de acidentes de trabalho.
Esta situação foi radicalmente transformada pela Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, que instituiu um regime geral de protecção às vítimas de acidentes de trabalho liberto do princípio de responsabilidade baseada em culpa.
Diploma inteiramente inovador, especificou em enumeração taxativa as actividades cujos empanados e operários ficavam abrangidos pela protecção legal, figurando entre elas as actividades agrícolas e florestais sòmente para os trabalhos feitos com máquinas, definia o conceito de acidente de trabalho, indicou as entidades responsáveis, fixou as pensões por morte e incapacidade e determinou qual o salário-base para as calcular.
Alargado o âmbito deste regime aos caixeiros-viajantes e de praça pela Lei n.º 801, de 3 de Setembro de 1917, foi a Lei n.º 83 regulamentada pelo Decreto n.º 4288, de 9 de Março de 1918, e só veio a ser substituída pelo Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919.
Este novo diploma de carácter geral começou por instituir o seguro social obrigatório contra desastres no trabalho, abrangendo todos os riscos profissionais por conta de outrem em qualquer ramo da actividade intelectual ou material, regulando os pontos fundamentais da matéria, com a novidade de considerar incluídos no conceito de desastres no trabalho os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas.
Concebido assim sob o signo da mais rasgada iniciativa no domínio do social, no entanto o Decreto n.º 5637 nunca foi regulamentado, o que se explica por as condições económicas, sociais e até psicológicas do País não fornecerem então as bases indispensáveis para a organização de um sistema de protecção social tão largo como o que ele tentou instituir.
Deste diploma ficou, porém, um impulso extraordinário no sentido da obrigatoriedade do seguro contra riscos profissionais e a modificação de muitos preceitos da Lei n.º 83.
Veio aquele texto a ser substituído pela Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, ainda hoje assento quase exclusivo da matéria.
Diploma amplo, cujo espírito é o de assegurar a protecção contra acidentes de trabalho num regime de puro direito privado, a Lei n.º 1942 orienta-se pelos princípios da responsabilidade patronal, cujos efeitos são mitigados na prática pela definição de numerosas exclusões ou isenções e pelo da obrigatoriedade do seguro imposta às empresas industriais a partir do emprego de cinco trabalhadores.
Mas a evolução continuou, e na esteira de numerosas legislações, a tendência para alargar o âmbito dos seguros sociais obrigatórios levou à criação da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (Decreto-Lei n.º 44 307, de 27 de Abril de 1962).
Sobre este problema, no tocante aos acidentes de trabalho, já, aliás, se manifestou esta Câmara, designadamente no parecer n º 39/VII, sobre a reforma da previdência social (Pareceres, ano de 1961, I, pp. 253 e seguintes).
3. As disposições do projecto são inspiradas por elevado espírito social, que se manifesta quer pela diminuição do número de situações que isentam ou excluem da responsabilidade, quer pela concessão de mais amplos direitos nas prestações devidas pelo acidente.
Comparando o projecto com a lei em vigor, nota-se, quanto ao primeiro caso, a não descaracterização do acidente, quando for causado pela privação do uso da razão ou por caso de força maior, e a manutenção do direito a reparação por morte, quando o acidente resultar de falta indesculpável da vítima ou de ofensas corporais por ela provocadas, quanto au segundo, o aumento da percentagem nas pensões devidas por incapacidade permanente e por morte e o agravamento destas em função da idade dos beneficiários, a elevação do limite de idade dos filhos e dos outros parentes sucessíveis e das despesas de funeral, a acumulação de pensões para além das do cônjuge sobrevivo e dos filhos, e a determinação da remuneração-base sem qualquer redução.
Todos estes benefícios são em si mesmos desejáveis, na medida em que significam o aumento do nível de segurança social dos trabalhadores.
Convém, todavia, ponderar o reflexo económico que terão.
A cobertura dos riscos de acidentes de trabalho far-se-á, segundo o projecto, através do seguro privado, e este funciona com base em reservas matemáticas. O alargamento do direito às prestações e do quantitativo destas imporá um aumento de reservas cujo montante não se pode prever e para corresponder a ele o remédio natural será o de elevar os prémios do seguro.
Para evitar o recurso a este expediente, seria necessário que o aumento de volume da massa dos seguros, tornados obrigatórios, compensasse os efeitos da elevação das reservas.
É certamente este o pressuposto fundamental do projecto, mas não se conhecem estudos económicos que permitam demonstrar o seu rigor.
Ora, se este pressuposto não viesse a realizar-se por forma satisfatória, teria de recorrer-se à elevação dos prémios Esta elevação, por sua vez, recairia sobre as entidades patronais seguradas e iria onerar a produção em medida imprevisível. E nem o bloqueamento das tarifas de prémios remediaria a situação, pois a indústria de seguros deixaria de poder explorar este ramo, por falta de viabilidade económica.
Contudo, e apesar destas reservas, a Câmara Corporativa não pode deixar de presumir que os elementos que serviram de base ao projecto são de molde a permitir torná-lo exequível.
4. O presente projecto é complexo.
Organizado em função dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e da reparação das suas consequências, contém também disposições sobre prevenção, deveres de segurança e de higiene dos trabalhadores e outras matérias afins.
Parece que seria tecnicamente mais perfeito dispor em diplomas separados sobre matérias de diferente natureza jurídica, umas reguladoras da cobertura dos riscos, outras atinentes à melhoria de condições sociais ou de sanidade dos trabalhadores.
Como, porém, o centro de interesse do diploma são os acidentes de trabalho, a Câmara Corporativa aceita estudá-lo como um todo.
Toma, porém, em conta que o projecto abarca as doenças profissionais. Ora, a cobertura destas faz-se já, em grande parte, no regime do seguro social obrigatório. Entende, por isso, a Câmara que na arrumação do texto as duas matérias se devem distinguir quanto possível, sem prejuízo de dizerem respeito a ambas as normas que possam ser de aplicação comum.
5. Impõe-se neste momento fazer uma comparação mais pormenorizada entre o alcance jurídico do projecto e o da lei vigente
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Como se diz no relatório (n.º 6), a proposta do Governo de que veio a resultar a Lei n.º 1942 continha maiores limitações não só no campo da responsabilidade, como no campo da obrigatoriedade do seguro. Aquelas referiam-se a mais numerosos casos de isenção de responsabilidade em relação à legislação anterior e estas exprimiam-se pela imposição da obrigatoriedade do seguro sòmente às empresas industriais com mais de cinco trabalhadores.
É muito mais larga a estrutura do presente projecto.
Segundo ele, o âmbito da lei abarcará os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, mesmo não lucrativa (base IV, n.º 1), e as exclusões desse âmbito são restritas (base VIII).
Por outro lado, passa a ser de regra geral a obrigatoriedade do seguro contra acidentes de trabalho (base LIII).
Trata-se, assim, de uma amplificação da protecção contra acidentes de trabalho na sua própria base e, simultâneamente, da generalização do sistema que se reputa tornar eficaz a execução daquela protecção.
São medidas de carácter social, com vista à melhoria das condições de trabalho da população, em relação às quais a Câmara nada tem a opor.
Sente-se, porém, obrigada a pôr em relevo a situação que vai resultar da generalização do seguro às empresas agrícolas, porque é notório o estado de profunda crise em que vive há anos a agricultura portuguesa.
Parece, por isso, perigoso impor-lhe agora encargos superiores aos suportados pelos países que, graças a melhores características de meio físico e a maior progresso técnico, tiram da terra mais rendimentos.
Por outro lado, a divisão da propriedade em Portugal levou a inscrição nas matrizes prediais de cerca de 1 800 000 agricultores, número que torna de extrema dificuldade efectuar a cobertura do risco a que eles ficam sujeitos como dadores de trabalho, pelo menos para as pequenas empresas.
E o caso destas é ainda para considerar à parte.
Certamente não é justo que o princípio da obrigatoriedade do seguro deixe fora da sua acção protectora qualquer trabalhador agrícola. Mas não pode esquecer-se que, em empresas deste tipo, há numerosos casos em que o agricultor trabalha habitualmente as suas terras com membros da sua família, em geral os filhos. Pela ordem natural das coisas, os filhos crescem, casam-se e vão abandonando a casa paterna. Então o pequeno agricultor vê-se obrigado a recorrer ao trabalho assalariado.
O nível social do patrão e dos seus assalariados é aqui o mesmo. Todos trabalham de igual modo, alimentam-se à mesma mesa e muitas vezes dormem sob o mesmo tecto.
Contudo, pelo texto da base LIII, o pequeno agricultor terá de contratar um seguro para cobrir o risco dos seus trabalhadores, deixando a descoberto o seu próprio risco, embora a situação económica e social e as consequências do acidente sejam idênticas.
Ora isto está, certamente, fora do ambiente social e económico de muitas regiões do País, sobretudo do Norte, e merece, decerto, providências adequadas. Estas poderão consistir na organização de um seguro social obrigatório para os trabalhadores agrícolas como no lugar próprio a Câmara proporá.
6. Faz notar o relatório do projecto (n.º 8) que a actual limitação da obrigatoriedade da transferência da responsabilidade para companhias de seguros, circunscrita, como é, às empresas industriais que empreguem normalmente mais de cinco trabalhadores (Lei n.º 1942, artigo 12.º), deixa sem defesa, na prática, numerosos trabalhadores cujos direitos tenham sido judicialmente reconhecidos, pois muitas pequenas entidades patronais têm economia tão frágil que não suporta o peso dos encargos devidos por acidentes de trabalho e frequentemente as deixa conduzir à falência ou à insolvência.
Para remediar esta grave situação e na esteira de várias legislações estrangeiras, prevê o presente projecto a constituição de um fundo de garantia e actualização de pensões (base XXXII) que se destina a substituir ou completar as prestações devidas pelas entidades patronais incapazes de solver as suas obrigações.
Trata-se de medida reveladora da extensão da protecção dos trabalhadores, a qual vai até desprender a execução dos direitos das pessoas dos respectivos obrigados originários para a fazer recair sobre uma instituição apropriada.
É, pois, uma providência dê carácter eminentemente social, que a Câmara também aplaude.
7. Salienta também o relatório da proposta a importância da prevenção contra acidentes, fazendo ver o peso que o número de dias de trabalho perdidos e o montante das indemnizações e das pensões pagas representam na economia do País para justificar a criação de um organismo adequado a centralizar e dirigir todas as actividades tendentes a difundi-la e a coordená-la.
E põe ainda em relevo a necessidade de medidas facilitadoras da adaptação e readaptação profissionais dos sinistrados, que propõe se apoie nos organismos já existentes.
Tanto num como noutro caso trata-se de providências acessórias, mas indispensáveis à plena eficiência do sistema de protecção concebido em larga perspectiva que o projecto da proposta visa a instaurar, e que portanto se justificam pelo seu próprio fim.
A Câmara não pode deixar de apoiá-las.
8. Por todas as considerações formuladas, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação na generalidade ao presente projecto de proposta de lei e vai passar ao exame na especialidade, base por base, sem prejuízo da arrumação da matéria que proporá para a ordenação final do texto.
II
Exame na especialidade
Base I
9. Sob a epígrafe «Finalidade da lei», diz a base I, n.º 1, do projecto qual o fim a que a lei se destina.
Não é usual a forma agora empregada para iniciar o dispositivo de um diploma legal, e por isso se propõe para a substituir nova epígrafe e novo texto
E outro tanto sucede quanto ao n.º 2 da base, que estabelece uma equiparação entre acidentes de trabalho e doenças profissionais para os efeitos da lei e é, portanto, indispensável dentro da sua estrutura.
Base II
10. Com a base II, que define o conceito de acidente de trabalho, entra-se no âmago da matéria.
Cumpre pôr desde já em relevo a oposição de atitudes de espírito neste ponto entre a lei vigente e o projecto em estudo.
Na proposta do Governo que deu origem à Lei n.º 1942 sustenta-se em termos vincados a dificuldade de definir as características dos acidentes de trabalho, justificando-se a solução adoptada de «deixar à jurisprudência o
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cuidado de determinar em cada caso o que deva considerar-se acidente de trabalho dentro dos necessários limites de uma justa interpretação, permitindo-se apenas os seus movimentos no campo das relações nítidas de causalidade entre o trabalho e o acidente.
A este pensamento correspondeu o n.º 1 da proposta de então, cuja inspiração, aceita no parecer desta Câmara, serviu de base à discussão na Assembleia Nacional e deu origem ao artigo 1.º da Lei n.º 1942. Assim, reconhece-se neste texto aos trabalhadores o direito a reparação por acidentes de trabalho, sem definir estes, mas dando para a formação do seu conceito três elementos de base o lugar e o tempo de trabalho, a autoridade da entidade patronal e o proveito económico que para esta possa resultar da execução dos serviços prestados (Lei n.º 1942, artigo 1.º).
Apoiando-se nesta norma durante cerca de vinte e cinco anos, foram os tribunais do trabalho elaborando uma doutrina, corrigida e aperfeiçoada pelo Supremo Tribunal Administrativo, da qual veio a resultar uma estruturação do conceito de acidente de trabalho verdadeiramente estável e pacífica, capaz de abranger a generalidade dos casos previsíveis.
Atingido este estádio, justifica-se inteiramente a atitude contrária à de 1936.
É o que se faz na base II do projecto, indicando como elementos do conceito de acidente de trabalho aqueles que, com base na lei vigente, a jurisprudência foi lentamente condensando.
No entanto, nota-se no texto proposto a falta de um elemento essencial. É a exigência do nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho que está no próprio fundamento da lei vigente e deve por isso ser introduzida no texto, à semelhança do que dispõe a lei espanhola, de 22 de Junho de 1956, segundo a qual «para os efeitos da lei se entende por acidente toda a lesão corporal que o trabalhador sofra durante e em consequência do trabalho que execute por conta alheia».
Sobre os restantes termos da base alguma coisa há a dizer.
No final do n.º 1 faz-se distinção entre a capacidade de trabalho e a de ganho. É elemento novo, a explicar na ocasião de se anotar a base relativa às prestações devidas por incapacidade.
A alínea c) no n.º 2 consagra de forma expressa a relevância jurídica do acidente «de trajecto» ou (...), outra e trabalhosa aquisição da jurisprudência.
O n.º 3 condensa mais uma construção da jurisprudência e o n.º 4 deve ser alterado em ordem a conjugar mais adequadamente os tipos de acidente com a forma legal de o provar.
Base III
11. Enquanto no artigo 8.º da Lei n.º 1942 se faz a enumeração taxativa das doenças profissionais, a base III, n.º 1, da proposta limita-se a dispor que as doenças profissionais constarão, taxativamente, de uma lista oficial publicada sob parecer de entidades autorizadas.
É a melhor solução. A lista incorporada no texto da lei torna-se excessivamente rígida e não pode ser fàcilmente adaptada à evolução do meio técnico que, suscitando a criação de novas indústrias, pode aumentar o rol daquelas cuja actividade faz perigar a saúde humana. O sistema projectado é evidentemente mais maleável e não traz qualquer inconveniente.
Não se compreende, porém, que entre as entidades a ouvir acerca da lista se omitam a Direcção-Geral de Saúde e a Ordem dos Médicos.
O n.º 2 da base não é de aceitar. A diferença de natureza entre os acidentes de trabalho e as doenças profissionais é patente. Enquanto aqueles se manifestam normalmente por forma súbita e imprevista, estas agem de modo lento e insidioso. Admitir o princípio do n.º 2 da base seria facultar indirectamente uma ampliação da lista das doenças e poderia ao mesmo tempo permitir inculcar como acidentes de trabalho simples afecções vulgares que surgem ao fim de muitos anos de trabalho em consequência do normal desgaste do organismo.
Base IV
12. Regula a base IV o âmbito da lei.
No n.º 1 concede-se o direito a reparação a todos os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, mesmo quando esta for explorada sem fins lucrativos. Mencionando o trabalho feito nestas últimas circunstâncias, esta fórmula é mais ampla do que a actual (Lei n.º 1942, artigo 1.º), embora seja o mesmo o conceito resultante de ambas. Nada há a objectar-lhe.
O n.º 2 indica quem deve considerar-se trabalhador por conta de outrem, tomando por ponto de partida o contrato de trabalho e os contratos equiparadas a este (Lei n.º 1952, de 10 de Março de 1987, artigo 1.º). Acrescenta-lhes outras categorias de pessoas, uma vez que quanto a estas se verifique o elemento fundamental de dependência económica em relação à pessoa servida. Trata-se de um corolário do princípio geral, ao qual nada há a opor.
Finalmente, o n.º 3 consagra direito vigente, desde que pelo artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 36 610, de 24 de Novembro de 1947, foi declarada inaplicável a lei dos acidentes de trabalho aos servidores do Estado e dos corpos administrativos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que nesta qualidade tiverem direito à reforma extraordinária por virtude de doença ou de desastre em serviço.
Base V
13. Na base V trata-se de trabalhadores estrangeiros, como o fazia o artigo 3.º da Lei n.º 1942.
Há, todavia, diferença entre os dois textos. Domina em ambos o princípio da reciprocidade, mas o n.º 3 da base exclui do âmbito da lei os trabalhadores estrangeiros vítimas de acidentes de trabalho em Portugal ao serviço de empresas estrangeiras, quando no respectivo país lhes for reconhecido direito a reparação. É uma forma de evitar duplicação de indemnizações que nada poderia justificar.
Base VI
14. A base VI exprime um princípio novo, relativo ao direito dos trabalhadores portugueses ao serviço de empresas portuguesas no estrangeiro que aí sejam vítimas de acidentes de trabalho e não tenham direito a reparação.
A justiça do princípio é inegável e a sua oportunidade também, pois assim se preencha uma lacuna da lei actual.
Base VII
15. Refere-se a base VII à descaracterização do acidente, ponto do maior relevo.
O n.º 1 repete por outros termos o princípio vigente (Lei n.º 1942, artigo 2.º, n.º 1.º) e não suscita dúvidas.
No n.º 2, porém, diz-se que não dão direito a reparação por incapacidade temporária e permanente dois tipos
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de acidente a) o que resultar exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima, b) o que resultar de ofensas corporais voluntárias provocadas indesculpàvelmente pela vitima.
O sentido das expressões das duas alíneas procura corresponder em fórmulas breves à descaracterização já prevista no regime em vigor (Lei n.º 1943, artigos 2.º e 3.º). Isto significa certa incoerência do projecto.
Na verdade, enquanto na formulação do conceito de acidente de trabalho ele condensa e sintetiza os elementos fundamentais que constituem a estrutura da lei vigente, na presente caso o mesmo projecto propõe-se substituir os elementos precisos e nítidos da descaracterização do acidente contidos na lei em vigor por fórmulas breves e sintéticas.
Não se vê fundamento para esta alteração e há mesmo desvantagem em operá-la. Em contraste com noções rigorosas como são as da lei actual, na base das quais se firmou durante cerca de vinte e cinco anos uma jurisprudência coerente e clara, é perigoso formular conceitos genéricos, que deixarão flutuar entre limites muito largos os critérios do julgador, suscitando porventura soluções diferentes para casos idênticos.
Ao mesmo tempo, o projecto deixa de lado dois fundamentos da descaracterização do acidente enunciados na lei em vigor e que, por não terem relação com o trabalho, em sistema de seguro privado convém indicar claramente, embora cercados das restrições necessárias a privação do uso da razão do sinistrado e o caso de força maior, este sempre muito restritivamente admitido pela jurisprudência.
Além disto, chama a atenção a diferença de sentido entre os n.ºs 1 e 2 da base. Ao passo que no primeiro o acidente intencionalmente provocado pela vítima não dá direito a qualquer reparação, o acidente resultante da falta grave e indesculpável ou de ofensas corporais voluntárias indesculpàvelmente provocadas só priva das prestações devidas ao próprio sinistrado. Se dele resultar a morte, os seus familiares manterão o direito às respectivas pensões.
É certamente uma situação anómala esta, já que a fonte potencial do direito do sinistrado se estanca para ele, mas através dele vai abastecer os seus familiares. Pode legitimamente reconhecer-se que, neste ponto, a lei vai longe de mais e deve ser restringida.
Em consequência, deve a base VII ser inteiramente remodelada. Não obstante, convém aditar-lhe uma disposição que garanta em todos os casos aos sinistrados a prestação dos primeiros socorros.
Base VIII
16. Não tem menos importância a base VIII, relativa às exclusões do âmbito da lei.
A norma do n.º 1 corresponde a um fundamento de isenção da responsabilidade em vigor (Lei n.º 1942, artigo 6.º, § único, n.º 2). Apesar de mais condensada, não levanta reparos.
Nos termos do n.º 2 também estão excluídos os acidentes ocorridos na execução de trabalhos agrícolas da curta duração se o destinatário do serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar acidentalmente um ou mais trabalhadores.
Este fundamento de exclusão é demasiadamente estreito.
Pretende-se contemplar com ele os acidentes ocorridos na pequena empresa agrícola. Mas pode julgar-se que nas pequenas indústrias dependentes da lavoura a razão de excluir é a mesma. O tanoeiro, o latoeiro e outros artesãos que normalmente trabalham sós ou com membros da sua família podem, em ocasiões de aperto de serviço, ter de recorrer a auxiliares assalariados nas condições previstas na alínea para os pequenos agricultores. Não se vê que devam ter menos regalias do que estes.
Nada a opor ao n.º 2 da base, já que o emprego da máquina aumenta certamente o risco.
Bases IX a XIII
17. As bases IX a XIII contêm a indicação das prestações em espécie e em dinheiro integrantes do direito à reparação.
Nada há a opor quanto à substância da base IX. Mas é preferível substituir o seu n.º 1 por outro que, sem subordinação a alíneas, abranja todas as modalidades previsíveis das prestações em espécie, dominado pelo escopo de obter o pleno restabelecimento do estado de saúde e a completa restauração da capacidade de trabalho dos sinistrados.
Da base X têm carácter regulamentar os três primeiros números, devem por isso ser inseridos no regulamento da lei.
O n.º 4, depois de autonomizado, deve conter também o princípio de impor às empresas a admissão de médicos do trabalho nos termos que o mesmo regulamento vier a definir.
Na base XI deve esclarecer-se que os estabelecimentos mais adequados ao restabelecimento e reabilitação do sistema devem ser nacionais.
Quanto à base XII é de aceitar plenamente o direito aos transportes prescritos no n.º 1. Mas convém limitá-lo pela exclusão dos transportes causados pelos actos judiciais emergentes de reclamações feitas pelos sinistrados que venham a ser julgados totalmente improcedentes.
Os restantes números da base têm índole regulamentar, e por isso devem passar ao previsto regulamento.
E o mesmo é de dizer quanto à base XIII.
Base XIV
18. A base XIV versa a recidiva ou agravamento, abrangendo também as doenças intercorrentes relacionadas com as consequências do acidente directa ou indirectamente.
Nada há a objectar ao alcance da base Mas é preferível eliminar estes dois advérbios, deixando para cada caso, sem peias, a indagação da relação de casualidade entre as consequências do acidente e a nova doença.
Base XV
19. Na base XV trata-se da reparação por incapacidade.
O n.º 1 regula as prestações resultantes da redução na capacidade de ganho ou de trabalho da vítima em cinco alíneas. É matéria correspondente à do regime em vigor (Lei n º 1942, artigo 17.º), com o desdobramento em duas da alínea a) do preceito actual.
Esta operação relaciona-se com o reconhecimento, feito no proémio do n.º 1, de duas espécies de redução da capacidade dos sinistrados - a de trabalho e a de ganho -, uma relativa a toda e qualquer actividade e outra sòmente à do trabalho habitual.
Tal distinção é de aplaudir e a sua falta levava, por efeito da lei actual, à insuficiente reparação das vítimas que ficavam incapazes para todo e qualquer trabalho.
Segundo o projecto, esta espécie de sinistrados receberá uma pensão vitalícia igual à retribuição-base [alínea a)].
Mas a Câmara entende que não deve ir-se tão longe.
O montante da pensão não deve ser incentivo à imprudência e a igualdade entre o montante da indemnização
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e o salário não incita a retomar o trabalho. Ora, a readaptação do doente deve tentar-se sempre, embora só possa fazer-se pouco a pouco. Ponderando estas circunstâncias, sugere a Câmara que, neste caso, deve atribuir-se ao sinistrado uma pensão igual a 80 por cento da retribuição-base acrescida de mais 10 por cento por cada familiar em situação equiparada à que confere direito a abono de família, mas até ao limite de 100 por cento da retribuição-base.
Nos termos da alínea b), os sinistrados que ficarem atingidos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual receberão uma pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, segundo a maior ou menor capacidade residual para o exercício de outra profissão. Há aqui melhor adaptação às circunstâncias do que no regime em vigor, segundou qual a pensão será sempre de dois terços do salário [Lei n.º 1942, artigo 17.º, alínea a)].
Quanto à incapacidade permanente e parcial, a disposição projectada corresponde à actual [ibidem, alínea b)].
No tocante à incapacidade temporária, quer absoluta quer parcial, os princípios mantêm-se na generalidade.
Nota-se, porém, quanto àquela, a falta de qualquer restrição.
A norma em vigor, que reduz a indemnização a um terço apenas nos três dias seguintes ao do acidente [ibidem, alínea c)], tem por fim impedir fraudes e estimular o regresso ao trabalho. Em atenção ao seu fim moralizador, deve manter-se.
Dispõe o n.º 2 da base sobre remição de pensões, excluindo desta forma da extinção as que foram devidas em consequência de doenças profissionais. Esta restrição é de aceitar já que os doentes profissionais são pessoas sobre cujo futuro paira sempre a sombra de um possível agravamento.
Quanto às pensões devidas por acidentes de trabalho, o princípio já está em vigor como obrigatório em certos casos e como facultativo noutros, devendo admitir-se sem a restrição de que elas não tenham valor económico apreciável. É, porém, deslocado o lugar que o número ocupa no projecto. Será mais próprio convertê-lo numa base.
O n.º 3 da base declara não conferirem direito à indemnização as pequenas incapacidades permanentes. É a consagração, como princípio geral, da disposição em vigor segundo a qual o tribunal pode desprezar as desvalorizações que não traduzam incapacidade geral de ganho (Lei n.º 1942, artigo 49.º). Trata-se de norma moralizadora que não suscita objecções.
Mas a Câmara entende não ser de aceitar a última parte do número, que manda reverter para o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, previsto na base XXXII, o capital correspondente à remissão destas pequenas pensões.
Na verdade, não parece justo que o capital correspondente a certa pensão deixe de pertencer ao seu natural beneficiário para se incorporar num fundo geral. Por outro lado, a consideração do princípio fundamental do n.º 3 permitirá às entidades seguradoras diminuir os prémios dos seguros.
A base deve ainda completar-se com alguns princípios já vigentes o de que o salário do dia do acidente incumbe sempre à entidade patronal, o de que as indemnizações serão reduzidas durante o período de internamento hospitalar ou durante o tempo em que correrem por conta da entidade patronal ou seguradora as despesas com assistência clínica e alimentos, se o sinistrado for solteiro ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo, e os relativos à designação do dia do início da obrigação de pagamento (Lei n.º 1942, artigos 17.º, §§ 1.º e 3.º, e 26.º).
Base XVI
20. A base XVI prevê os casos especiais de reparação.
No n.º 1 consideram-se em conjunto os casos de acidentes provocados dolosa e intencionalmente pela entidade patronal ou pelo seu representante e os que tiverem resultado da falta de observância de disposições obrigatórias sobre segurança do trabalho. É disposição que tem correspondência no regime vigente (Lei n.º 1942, artigo 27.º).
O n.º 1 não prevê o caso de acidentes causados por culpa, em geral, e a alínea a), certamente por lapso, não se refere aos casos de morte.
A Câmara entende que não devem abranger-se necessàriamente na mesma regra os casos de dolo e os de culpa, pela dissemelhança que há entre eles. Para os primeiros aceita que o agravamento das pensões e indemnizações atinja o máximo que o sinistrado poderia receber. Mas quanto aos casos de culpa, sugere que o agravamento fique sujeito ao prudente arbítrio do juiz, até atingir porventura aquele máximo nos casos de culpa grave. Os acidentes originados por infracção às disposições legais ou regulamentares sobre higiene e segurança do trabalho caberão no âmbito dos originados por culpa.
No n.º 2 ressalva-se a responsabilidade civil e criminal em que o causador do acidente tiver incorrido. Como a responsabilidade civil em causa é fundamentalmente a regulada na base, dá-se maior conteúdo ao preceito prevendo os danos morais sofridos pelo sinistrado.
Também o número não prevê o direito do regresso da entidade patronal contra o seu representante. E é necessário fazê-lo.
Base XVII
21. A base XVII regula o despedimento e a ocupação dos sinistrados durante o período de incapacidade temporária (n.ºs 1 e 2), proibindo o primeiro quando não houver justa causa e dando regras à Segunda. São princípios de protecção inteiramente de aceitar.
Mas o n.º 3 exige que a justa causa para o despedimento seja declarada judicialmente a requerimento da entidade patronal. Isto significa impor para o caso a obrigação de intentar uma espécie de acção declaratória cuja utilidade é duvidosa. Na verdade, o fim prosseguido pela lei pode atingir-se de forma indirecta agravando a indemnização que for devida pelo despedimento sem justa causa para o dobro, por exemplo.
Base XVIII
22. O objectivo da base XVIII é a determinação dos pontos de referência para a formação do critério de avaliação das incapacidades temporária e permanente.
A Câmara entende tratar-se de matéria contra a qual nada objecta mas de carácter regulamentar. Deve, por isso, ser incluída no regulamento da lei.
Base XIX
23. Regula a base XIX a atribuição de uma prestação suplementar quando a vítima do acidente de trabalho, em consequência da lesão resultante deste, não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa.
A situação já é contemplada na lei actual (Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951, artigo 3.º), e está inteiramente dentro do espírito da protecção legal. Nada a opor ao princípio; mas a Câmara entende que a
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percentagem de 25 por cento deverá incidir sobre a parte da pensão que não exceder 80 por cento da retribuição-base, e não também sobre os acréscimos devidos por familiares a cargo, no caso de incapacidade permanente absoluta.
Bases XX a XXIII
24. Nas bases XX a XXIII determina-se quem são os familiares com direito a pensão, quais os montantes das pensões por morte, como se faz a acumulação e o rateio destas pensões e qual a obrigação relativa ao funeral do sinistrado. É matéria muito mais amplamente tratada do que no regime actual (Lei n.º 1942, artigo 16.º, e Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, artigo 82.º).
A diferença entre o regime actual e o projectado consiste essencialmente no aumento de pensões correspondentes ao avanço da idade dos beneficiários, em conceder direito ao viúvo afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho ou quando tenha idade superior a 65 anos, em dilatar a idade limite das pensões devidas aos filhos e a outros parentes sucessíveis enquanto frequentarem o ensino ou quando estiverem afectados de doença física ou mental, em prescrever a acumulação das pensões, em fazer reverter para o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões o capital correspondente a três vezes a retribuição anual do sinistrado, quando ele não deixar familiares com direito a pensão, e em aumentar o montante do direito a despesas de funeral.
Entendendo que convém fundir as bases XX e XXI, a Câmara aplaude, em geral, a melhoria de situação dos familiares dos sinistrados que resultará das novas disposições, por se tratar de medidas de protecção social mais largas do que as actuais.
No entanto faz restrições quanto a alguns pormenores.
Assim, a pensão devida ao cônjuge divorciado ou judicialmente separado deve ter o limite do montante dos alimentos que por ele eram recebidos.
Não se justificam as pensões devidas aos filhos sem qualquer limite, já que o sinistrado, se fosse vivo, teria de prover ao seu próprio sustento. Elas devem ter o limite de 80 por cento do salário da vítima.
E deve exigir-se, como é óbvio, que a frequência do ensino pelos familiares seja feita com aproveitamento.
O direito a pensão conferido a quaisquer parentes sucessíveis simultâneamente com os ascendentes só pode justificar-se se uns e outros tivessem direito a alimentos e até ao montante destes.
É excessiva a percentagem do salário atribuído aos herdeiros do sinistrado quando ele não deixar cônjuge ou filhos com direito a pensão e, mais ainda do que a pensão devida ao filhos, ela deve ter o limite de 80 por cento da retribuição.
E, pela razão já invocada, este deve ser também o limite para os efeitos da acumulação e do rateio previstos na base XXII.
A referência aos filhos legitimados é inútil, em virtude de a lei os equiparar aos filhos legítimos (Decreto n.º 2 de 25 de Dezembro de 1910, artigo 2.º).
O n.º 2 da base amplia à concorrência entre divorciados ou entre estes e o cônjuge separado judicialmente a norma actual de divisão das pensões entre o cônjuge viúvo ou divorciado. É uma extensão do princípio em vigor a que nada há a objectar.
Finalmente, a disposição do n.º 3 é uma das formas de alimentar o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões. Nada a opor-lhe, já que, em contraste com a situação prevista no n.º 3 da base XV, se trata de caso em que não há titular da pensão.
Base XXIV
25. Versa a base XXIV as relações entre a predisposição patológica e a incapacidade.
É matéria actualmente regulada em termos semelhantes (Lei n.º 1942, artigo 4.º) e para cujos problemas se não encontrou ainda solução mais perfeita. Na verdade, a plasticidade da matéria humana não permite muitas vezes distinguir com rigor as causas das afecções das condições em que elas se desenvolvem, forçando assim a soluções empíricas.
Parece, porém, à Câmara que a exigência da causa única como condição para a eficácia da predisposição patológica é excessiva, bastará que seja causa fundamental, como na lei em vigor.
Base XXV
26. Na base XXV regula-se o dever geral dos sinistrados quanto à observância das prescrições clínicas e cirúrgicas.
Ao passo que actualmente esta matéria constitui objecto de uma disposição de sentido proibitivo e punitivo (Lei n.º 1942, artigo 21.º), a base projectada tem a índole de um preceito normativo e moral (n.º 1), a cuja infracção apenas correspondem sanções proporcionadas à falta.
Contudo, em matéria desta gravidade convém deixar expresso o direito de as partes recorrerem das decisões do médico designado pela entidade responsável para os pontos médicos do tribunal e esclarecer que a recusa prevista no n.º 3 é sempre justificada.
Base XXVI
27. A base XXVI torna explícito o direito de acção por parte das entidades responsáveis contra os companheiros da vítima ou terceiros, quando uns ou outros forem os causadores do acidente.
É disposição correspondente a outra em vigor (Lei n.º 1942, artigo 7.º). Mas, como sucede a esta (§§ 2.º e 3.º), é necessário completá-la com preceitos tendentes a evitar a duplicação de indemnizações pela mesma causa.
Base XXVII
28. Segundo a base XXVII, o lugar do pagamento das prestações devidas aos sinistrados ou seus familiares será, em princípio, o lugar da residência.
É uma alteração da regra geral na matéria (Código Civil, artigo 744.º), consequência do princípio social informador da lei e, por isso, de louvar
Base XXVIII
29. O objecto da base XXVIII é a revisão das pensões também prevista no regime actual (Lei n.º 1942, artigo 23.º).
O preceito agora proposto é mais amplo e perfeito. O prazo para o exercício do direito alarga-se de cinco para dez anos e não se exige para as doenças profissionais de carácter evolutivo, como era necessário. Por outro lado, regula-se melhor o espaçamento dos pedidos.
Não é, porém, moral que o sinistrado com direito a pensão, mas que continue a trabalhar, receba, de pensão e salário, retribuição muito superior àquela que recebia à data do acidente. Isto evita-se completando a sistema com uma disposição a preceituar que enquanto assim suceder a pensão ficará suspensa. Em tal caso deve o seu valor reverter para o Fundo criado na base XLV
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Base XXIX
30. Na base XXIX fixam-se os princípios fundamentais para a determinação da retribuição-base. Corresponde ela nos artigos 36.º a 39.º da Lei n.º 1942, aquele foi alterado pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 27 165, de 10 de Novembro de 1936.
Trata-se de sistema baseado no regime actual, mas com algumas modificações de relevo.
Nada há a objectar aos n.ºs 1 e 2. No n.º 3, para o caso de a retribuição do dia do acidente não representar a retribuição normal, manda-se calcular esta pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período pé três meses anteriores ao acidente. Este período é demasiadamente pequeno, porque despreza o salário sazonal, ganho conforme os trabalhos feitos ao longo do ano, e muito importante na agricultura. Do cálculo feito com base nele pode resultar injustiça e por isso deve o período ser alargado para um ano.
O n º 4 institui, por equiparação a trabalhadores adultos, regime especial de cálculo para a reparação devida aos aprendizes ou tirocinantes, ou menores de 18 anos, quer vençam salário, quer não, matéria também tratada em termos mais simples pelo artigo 37.º da Lei n.º 1942.
A inclusão daqueles que não recebem retribuição não pode justificar-se. Na verdade, para a transferência da responsabilidade é necessário indicar o salário que se paga e sobre este se faz o cálculo do prémio. Assim, o seguro do tirocinante ou estagiário que trabalha sem remuneração só pode fazer-se com base num salário fictício, e esta solução é inaceitável. Ora quem não vence salário não está na dependência económica da pessoa servida e esta dependência é um dos limites da definição da âmbito da lei (base IV, n.º 2).
Por outro lado, a equiparação prevista abrange os casos de incapacidades temporárias. Disto pode multar que um aprendiz ou menor possa vir a receber indemnização superior ao salário que ganhava antes do acidente. Esta situação é anómala e o regime em que se baseia constitui incentivo à fraude.
Corrigido este sistema, ainda há nele lugar para uma determinação especial sobre a contagem do prazo relativo a todas as pneumoconioses.
A limitação contida no n.º 5 é de razão evidente.
Base XXX
31. A base XXX confere ao Ministro das Corporações e Previdência Social a faculdade de fixar, por decreto, limites às retribuições-base e estabelecer para o efeito diversos escalões.
Este princípio de limitação está expresso de regime actual (Lei n.º 1942, artigo 18.º, alterada pelo Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951, artigo 2.º) e é geralmente aceite como {ponto fixo no cálculo das indemnizações e pensões, já que, acima de certos limites, os encargos da previdência não podem, razoàvelmente, deixar de ser assumidos pelos próprios beneficiários.
Entende, porém, a Câmara que, pela sua importância, a faculdade prevista se converta em dever legal do Governo, que, ao desempenhar-se dele, deverá considerar os diversos escalões de harmonia com as diferentes profissões e actividades.
Base XXXI
32. Caducidade do direito de acção e prescrição das prestações fixadas tratam-se nos dois números da base XXXI.
É matéria já versada no regime actual (Lei n.º 1942, artigos 32.º e 33.º), mais claramente regulada agora.
Nada há a opor ao regime projectado, convindo apenas que a mesma base abranja idênticos institutos relativos às doenças profissionais.
Bases XXXII e XXXIII
33. Nas bases XXXII e XXXIII determina-se a constituição do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões e fixam-se as suas receitas.
Louvada já, na apreciação na generalidade, a constituição do Fundo, pouco há agora a dizer. As suas bases devem reunir-se numa só, por força da supressão da parte final do n.º 3 da base XV, de entre as receitas do Fundo desaparecerá a que ali era prevista.
Bases XXXIV a XXXVI
34. As bases XXXVI a XXXVI constituem um grupo de preceitos reguladores de princípios sobre prevenção e deveres e serviços de segurança e higiene do trabalho, quer do sector público, quer do âmbito da esfera privada.
A base XXXV é redundante, em geral, pois não há necessidade de uma norma a impor a obrigação de cumprir outras normas, e o seu n.º 4 refere-se a um dever genérico e não tem conteúdo dispositivo. Mas as outras duas destinam-se a melhorar as condições e o ambiente do trabalho. Nada a objectar a ambas.
Base XXXVII
35. Regula a base XXXVII a adaptação, readaptação e colocação dos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho em consequência de acidente de trabalho, e prevê para isso organismos adequados a criar.
Será um excelente modo de completar a protecção legal.
Base XXXVIII
36. A base XXXVIII impõe às empresas de reconhecida capacidade económica a obrigação de admitir, na proporção do seu pessoal, trabalhadores que tenham sido vitimas de acidente de trabalho ao seu serviço, em actividades compatíveis com a lesão ou a doença de que estejam afectados.
Princípio de evidente justiça social, a sua formulação parece, no entanto, excessivamente rígida. Pode levar a impor trabalhos onde eles não sejam necessários e, assim, afectar o bom equilíbrio das empresas. Deve, pois, limitar-se a obrigação à organização de um sistema de prioridades para a admissão de pessoal já desvalorizado ao serviço das empresas, de modo a poder retomar nelas a sua actividade.
Bases XXXIX a XLIX
37. As bases XXXIX a XLIX constituem um amplo corpo de regulamentação relativo às doenças profissionais, que faz contraste com a escassez da mesma matéria no regime actual (Lei n.º 1942, artigo 9.º, n.º 10.º).
Em todo ele pouco há a objectar.
Na base XLII, n.º 1, relativa à responsabilidade especial na reparação da silicose, é excessiva a sanção da perda do direito a invocar a caducidade. Já é suficiente pena para a incúria a possibilidade de exclusiva e integral responsabilidade pela reparação.
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Como ficou dito (n.º 32), os princípios especiais da base XLIII podem incluir-se na base XXXI, de modo a tratar a matéria de caducidade e prescrição numa única base.
Na base XLVIII, relativa à reparação especial da silicose sem incapacidade, é excessiva a exigência, feita no n.º 2, de a entidade patronal ter de manter ao trabalhador a retribuição que ele recebia anteriormente. Bastará que ela não seja inferior a 75 por cento.
Base L a LII
38. Nas bases L, LI e LII inserem-se alguns preceitos gerais sobre nulidade de actos contrários à lei e impossibilidade da perda de créditos ou de descontos nos salários.
Correspondem a preceitos vigentes (Lei n.º 1912, artigos 31.º, 33.º e 44.º), mas o pensamente que os informa deve ser expresso com maior rigor.
Bases LIII e LIV
39. Coroando o novo e amplo tratamento da matéria do projecto, as bases LIII e LIV instituem a obrigatoriedade de seguro e impõem a sua unidade.
O pensamento central do sistema exprime-se no n.º 1.
Mas para ocorrer à situação descrita na apreciação na generalidade (n.º 5) é necessário introduzir na base um número que permita a inclusão na previdência social obrigatória dos trabalhadores rurais cujas entidades patronais não tenham transferido a responsabilidade para o seguro privado.
O n.º 2 adapta a futura lei ao actual regime de cobertura de doenças profissionais e o n.º 3 reproduz um preceito em vigor (Lei n.º 1942, artigo 27.º, § único).
Finalmente o n.º 4 impõe uma disciplina que tem utilidade, evitando a dualidade de interesses em relação às mesmas pessoas.
Na base LIV, n.º 1, determina-se a publicação de um modelo de apólice uniforme de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Este princípio é de aplaudir, mas deve aplicar-se em tantos modelos quantos os tipos de actividade a cobrir. E para a sua efectivação omite-se no projecto a intervenção do organismo corporativo primário do ramo da actividade em causa, ou seja o Grémio dos Seguradores.
Não deve ser assim. Pela própria função que exerce, a iniciativa dos modelos de apólices uniformes deve competir a este organismo para se processar a sua publicação pelo Governo. Mas a aprovação dos modelos de apólices deve competir ao Ministério das Finanças, como acontece em todos os casos, embora neste se deva admitir que os Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência sejam oficialmente chamados a dar o seu parecer.
Para estimular as medidas de prevenção, devem introduzir-se nestas apólices uniformes uma cláusula a permitir a cobrança de um prémio suplementar em casos de falta de acatamento às normas de segurança do trabalho e outra a garantir a redução dos prémios normais quando, em consequência das medidas de prevenção tomadas, o número de acidentes desça abaixo da média.
Por outro lado, o preceito do n.º 2 da base é um corolário do valor imperativo das apólices uniformes.
Base LV
40. Finalmente a base LV contém a fórmula revogatória, que convém completar com a indicação expressa de mais um diploma fundamental que ficará substituído.
41. Não mereceram referência especial neste exame as transposições de preceitos do projecto e as alterações de redacção neles introduzidas para o efeito da nova sistematização a sugerir, sempre que de umas e outras não resultou alteração de sentido.
III
Conclusões
Por tudo o exposto, a Câmara Corporativa propõe que ao projecto da proposta de lei n .º 506/VIII seja dada a redacção seguinte.
CAPITULO I
Disposições gerais
BASE I
Objecto da lei
1. Os trabalhadores e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.
2. Para os efeitos da presente lei a expressão «acidentes de trabalho» compreende as doença profissionais, salvo declaração em contrário e sem prejuízo das normas específicas que só a estas respeitem.
BASE II
Âmbito da lei
1. Têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos.
2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou por contrato a este legalmente equiparado e também os aprendizes, os tirocinantes e os que em conjunto ou isoladamente prestem determinada actividade, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida.
3. Os servidores civis do Estado e dos corpos administrativos só se consideram abrangidos por esta lei quando não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
BASE III
Trabalhadores estrangeiros
1. Os trabalhadores estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal consideram-se, para os efeitos desta lei, equiparados aos trabalhadores portugueses, se a legislação do respectivo país conceder a estes tratamento igual ao concedido aos seus nacionais.
2. A reciprocidade estabelecida no número anterior é extensiva aos familiares do sinistrado em relação aos quais esta lei confira direito a reparação.
3. Os trabalhadores estrangeiros vítimas de acidentes em Portugal ao serviço de empresa estrangeira e com direito a reparação reconhecido pelo respectivo país consideram-se excluídos do âmbito desta lei.
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BASE IV
Trabalhadores portugueses no estrangeiro
Os trabalhadores portugueses vítimas de acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa terão direito às prestações previstas nesta lei, salvo se a legislação do país onde ocorreu o acidentei lhes reconhecer direito à reparação.
CAPITULO II
Dos acidentes de trabalho
BASE V
Conceito de acidente de trabalho
1. Considera-se acidente de trabalho o evento que se verifique no local, no tempo e em consequência do trabalho e que produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
2. Considera-se, ainda, acidente de trabalho o evento ocorrido nas seguintes circunstâncias.
a) Fora do local ou do tempo do trabalho, se tiver lugar na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos,
b) Na ida para o local do trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou quando o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso,
c) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveio económico para a entidade patronal.
3. Entende-se por local de trabalho toda a una de laboração ou exploração da empresa, e por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele ligados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados e, ainda, as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
4. Se a lesão, perturbação ou doença se verificaram no local e no tempo de trabalho e forem reconhecidas a seguir a um acidente, presumem-se consequência deste, mas quando o acidente se verificar nas circunstâncias previstas no n.º 2, incumbe à vítima o ónus da prova.
BASE VI
Descaracterização do acidente
1. Não dá direito a reparação o acidente ocorrido nas seguintes circunstâncias
a) Quando for dolosamente provocado pela vítima ou provier de acto ou omissão desta, se, sem causa justificativa, inutilizar as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal,
b) Quando provier de acto ou omissão da vítima contra ordens expressas e recentes a quem ela estiver profissionalmente subordinada,
c) Quando resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se aquela derivar da própria prestação do trabalho ou se a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado da vítima, consentir na prestação,
d) Quando provier de caso de força maior.
2. Só se considera caso de força maior o que for devido a forças inevitáveis da natureza, actuando independentemente de qualquer intervenção humana, e, sendo devido a essas forças, não constitua risco natural da profissão nem se produza ao executar trabalhos expressamente ordenados pela entidade patronal em condições de perigo evidente.
3. A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades patronais da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores e do seu transporte ao local onde possam ser clinicamente socorridos.
BASE VII
Exclusões
1. São excluídos do âmbito da presente lei
a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, salvo se forem prestados em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa,
b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração, se a entidade a quem for prestado o serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.
2. A exclusão prevista na alínea b) do número anterior não abrange os acidentes que resultem da utilização de máquinas.
BABE VIII
Predisposição patológica e incapacidade
1. A predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa fundamental da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.
2. Quando a lesão ou doença consecutivas ao acidente forem agravadas por lesão ou doença anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo resultasse do acidente, salvo se pela lesão ou doença anteriores a vítima já estiver a receber pensão.
3. No caso de a vítima estar afectada de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação por este devida será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
4. Confere ainda direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente de trabalho e que de tal tratamento seja consequência.
BASE IX
Reparação
O direito à reparação compreende as seguintes prestações:
1.º Em espécie prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a
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sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento, em toda a medida possível, do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima, e à recuperação desta para a vida activa.
2.º Em dinheiro indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, pensões, no caso de morte, aos familiares da vítima, e despesas de funeral.
BASE X
Lugar do pagamento das prestações
1. O pagamento das prestações será efectuado no lugar da residência da vítima ou seus familiares, salvo se outro for acordado.
2. Se o credor das prestações se ausentar para o estrangeiro, o pagamento será efectuado na sede da instituição de seguro, salvo se outro lugar de pagamento for acordado.
BASE II
Assistência médica
As empresas serão obrigadas a instalar, nos centros de trabalho, caixas ou postos de socorros, consoante o número de trabalhadores ao seu serviço, a terem entre eles um ou mais socorristas e a admitirem médicos do trabalho, nos termos que vierem a ser definidos em regulamento.
BASE XII
Hospitalização
A hospitalização, internamento e tratamentos previstos no n.º 1.º da base IX devem ser feitos nos estabelecimentos nacionais mais adequados ao restabelecimento e reabilitação da vítima.
BASE XIII
Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas
1. As vítimas de acidente devem submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável e necessárias à cura da lesão ou doença e da recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito de reclamar das suas decisões para os peritos médicos do tribunal.
2. Não conferem direito às prestações estabelecidas nesta lei as incapacidades que sejam judicialmente reconhecidas como consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntàriamente provocadas, na medida em que resultem de tal comportamento.
3. Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando esta, pela sua natureza ou pelo estado da vítima, ponha em risco a sua vida.
BASE XIV
Transportes
O fornecimento ou pagamento dos transportes abrange não só as deslocações necessárias à observação e tratamento, como as exigidas pela comparência a actos judiciais, salvo, quanto a estas, quando as deslocações forem consequência de pedidos dos sinistrados que vierem a ser julgados totalmente improcedentes.
BASE XV
Recidiva ou agravamento
O direito as prestações previstas no n.º 1.º da base IX mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, em caso de recidiva ou agravamento e abrange as doenças intercorrentes relacionadas com as consequências do acidente.
BASE XVI
Prestações por incapacidade
1. Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho da vítima, esta terá direito às seguintes prestações.
a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho pensão vitalícia igual a 80 por cento da retribuição-base, acrescida de 10 por cento desta retribuição por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento daquela retribuição-base,
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível,
c) Na incapacidade permanente e parcial pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na sua capacidade geral de ganho,
d) Na incapacidade temporária e absoluta indemnização igual a dois terços da retribuição-base, mas nos três dias seguintes ao acidente a indemnização será apenas de um terço da referida retribuição,
e) Na incapacidade temporária parcial indemnização igual a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
2. As indemnizações são devidas enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional, sendo, porém, reduzidas a um terço durante o período de internamento hospitalar ou durante o tempo em que correrem por conta da entidade patronal ou seguradora as despesas com a assistência clínica e alimentos do mesmo sinistrado, se este for solteiro ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo.
3. Não conferem direito a pensão as incapacidades permanentes de reduzido grau de desvalorização.
4. O salário do dia do acidente será pago pela entidade patronal. As indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta ou ao do decurso do prazo previsto na alínea anterior.
BASE XVII
Casos especiais de reparação
1. Quando o acidente tiver sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante, as pensões e indemnizações previstas na base anterior fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e morte, as pensões ou indemnizações serão iguais à retribuição-base,
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b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, as pensões ou indemnizações correspondentes terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2. Se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do juiz até aos limites previstos no número anterior.
3. O disposto nos números anteriores não prejudica a responsabilidade civil por danos morais ou a criminal em que a entidade patronal, ou o seu representante. tiver incorrido.
4. Se, nas condições previstas nesta base, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade patronal, esta terá direito de regresso contra ele.
BASE XVIII
Prestação suplementar
Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de uma terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar, não superior a 25 por cento do montante da pensão, a qual incidirá sobre a parte em que esta não exceda 80 por cento da retribuição-base.
BASE XIX
Pensões por morte
1. Os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
a) Viúva, se tiver casado antes do acidente 30 por cento do salário anual da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensìvelmente a sua capacidade de trabalho,
b) Viúvo, se tiver casado antes do acidente e estiver afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho, ou de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher, enquanto se mantiver no estado de viuvez 30 por cento do salário anual da vítima,
c) Cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, com direito a alimentos a pensão estabelecida nas alíneas anteriores e nos mesmos termos até ao limite do montante dos alimentos,
d) Filhos legítimos ou perfilhados, incluindo os nascituros, nas condições da lei civil até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, e os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho 20 por cento do salário anual da vítima se for apenas um, 40 por cento se forem dois e 50 por cento se forem três ou mus, se forem órfãos de pai e mãe, receberão o dobro destes montantes até ao limite de 80 por cento do salário da vítima,
e) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis com direito a alimentos até aos 18 anos ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho 10 por cento da retribuição-base a cada um, não podendo porém receber mais do que o montante dos alimentos a que tenham direito nem podendo o total das pensões exceder 30 por cento.
2. Se não houver cônjuge, ou filhos com direito a pensão, os parentes incluídos na alínea c) do número anterior, e nas condições nela referidas, receberão, cada um, 15 por cento do salário anual da vítima, até perfazerem a idade de 65 anos, e 20 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite sensìvelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões exceder 80 por cento do salário anual da vítima, para o que se procederá a rateio, se necessário.
3. Se a viúva passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual. Se tiver porte escandaloso, perderá o direito à pensão.
4. Se por morte da vítima houver concorrência entre o cônjuge viúvo e divorciados, entre divorciados, ou entre estes e cônjuge separado judicialmente, será a respectiva pensão repartida em partes iguais por todos os que a ela teriam direito.
5. Se a vítima não deixar familiares com direito a pensão, será devido ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões a importância de três vezes a retribuição anual.
BASE XX
Acumulação e rateio das pensões por morte
1. As pensões referidas na base anterior são acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder 80 por cento do salário anual da vítima.
2. Se as pensões referidas na alínea e) da base anterior adicionadas às previstas nas alíneas a), b), c) e d) exceder em 80 por cento do salário da vítima, serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto aquele montante se mostrar excedido.
3. Se o cônjuge sobrevivo falecer no decurso da pensão devida aos filhos, será esta aumentada nos termos da parte final da alínea d) da base anterior.
4. As pensões dos filhos da vítima serão, em cada mês, as correspondentes ao número daqueles com direito a pensão que estiverem vivos nesse mês.
BASE XXI
Despesas de funeral
A reparação das despesas de funeral será igual a 30 dias da retribuição, elevada para o dobro quando haja transladação.
BASE XXII
Revisão dos pensões
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que serviu de base à reparação, as respectivas prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida nos dez anos posteriores à data da fixação da prestação, salvo tratando-se de doenças profissionais com carácter evolutivo, caso em que a revisão pode ser requerida sem limite de tempo.
3. A revisão poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
4. Quando, apesar de receber pensão por incapacidade para o trabalho, o trabalhador continuar ao serviço da
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mesma empresa ou for admitido noutra, a pensão a que tiver direito será suspensa, mas sòmente enquanto aquela retribuição for superior ao dobro da que percebia à data do acidente.
Enquanto durar a suspensão, a pensão reverterá para o fundo criado na base XLV
BASE XXII
Retribuição-base
1. As indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição que a vítima auferia no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente recebida pela vítima.
. Entende-se por retribuição tudo quanto a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade.
3. Se a retribuição do dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período de um ano anterior ao acidente e, na falta deste elemento, segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional da vítima e os usos.
4. Na reparação emergente das pneumoconioses as indemnizações e pensões serão calculadas com base na remuneração percebida pelo doente no ano anterior à cessação da exposição ao risco ou à data do diagnóstico inequívoco da doença.
5. Se a vítima for um aprendiz ou tirocinante, ou menor de 18 anos, as pensões terão por base.
a) No primeiro caso, a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à aprendizagem ou tirocínio da vítima,
b) No segundo caso, a retribuição média de um trabalhador não qualificado de maioridade da mesma empresa ou de empresa similar.
6. Em caso algum a retribuição a considerar poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação de trabalho ou de convenção colectiva.
BASE xxrv
Limites na retribuicão-base
Para o cálculo das prestações previstas nesta lei o Governo fixará, por decreto, limites às retribuições-base e estabelecerá para o efeito diversos escalões, conforme as diferentes profissões e actividades.
CAPITULO III
Das doenças profissionais
BASE XXV
Lista das doenças profissionais
As doenças profissionais constarão, taxativamente, de lista organizada e publicada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, sob parecer de uma comissão para esse fim nomeada e em que estarão representados o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, a Direcção-Geral de Saúde, a Ordem dos Médicos e a Corporação de Crédito e Seguros.
BASE XXXVI
Reparação das doenças profissionais
Haverá direito à reparação emergente de doença profissional quando, cumulativamente com a doença, se verifiquem as seguintes condições:
a) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual,
b) Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na lista a que se refere a base anterior, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos.
BASE XXVII
Período de imputabilidade das doenças profissionais
1. São responsáveis pela reparação emergente de doença profissional, e na proporção do tempo de trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima trabalhou na mesma indústria ou ambiente nos dois anos anteriores à cessação do trabalho causador da doença, ou, em termos idênticos, as instituições de seguro que cobriam o risco.
2. No caso de silicose, o período referido no número anterior será o que resultar dos elementos averbados na carteira de sanidade e, na falta destes, de cinco ou dez anos, conforme seja ou não de contracção recente, pericialmente comprovada.
BASE XXVIII
Reparação especial da silicose com incapacidade
1. Os trabalhadores a quem, por estarem afectados de silicose com incapacidade, não seja permitido trabalhar em meio ou ambiente susceptível de provocar o agravamento da doença, terão direito, durante um ano, se antes não tiverem obtido outro emprego, a ser pagos, pela entidade patronal, da diferença entre o montante da pensão correspondente à sua incapacidade e a retribuição que auferiam.
2. Se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, com retribuição correspondente, não fica obrigada ao pagamento da diferença estabelecida no número anterior senão pela importância necessária para integrar a retribuição que o trabalhador auferia anteriormente.
3. Se o trabalhador se despedir com justa causa, ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida no n.º 1 desta base pelo período de tempo que ainda falte decorrer até se completar o prazo de um ano, ou até o trabalhador obter outro emprego.
BASE XXIX
Responsabilidade especial na reparação da silicose
1. As entidades patronais que admitirem ou mantiverem ao seu serviço trabalhadores com inobservância das medidas prescritas nas bases XXXI e XXXII, ou a instituição seguradora que, nessas condições, tiver assumido a cobertura do risco, serão exclusiva e integralmente responsáveis pela reparação correspondente à incapacidade ou morte da vítima, sendo, porém, subsidiária a responsabilidade da segunda
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2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável à admissão de trabalhadores considerados inaptos no exame médico previsto na base XXXI.
BASE XXX
Participação obrigatória das doenças profissionais
1. As entidades patronais são obrigadas a participar aos tribunais do trabalho e à Inspecção do Trabalho todos os casos de doenças profissionais de que tenham conhecimento e de que sejam vítimas trabalhadores ao seu serviço e igual obrigação recai sobre a instituição de seguro que cubra o risco.
2. A entidade patronal ou a instituição de seguro que infringir o disposto no número antecedente não poderá aproveitar da caducidade prevista no n.º 1 da base XXXVIII, sem prejuízo da sanção penal aplicável aos responsáveis.
BASE XXXI
Carteira de sanidade
1. As entidades patronais cujas actividades impliquem sujeição ao risco de silicose não poderão admitir ao seu serviço trabalhadores sem prèviamente os submeter a exame médico, nos termos da legislação em vigor, destinado a verificar se estão afectados daquela enfermidade, devendo em relação a cada um deles ser passam carteira de sanidade conforme regulamento a publicar pelos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência.
2. O exame médico será renovado periòdicamente, em função do risco da actividade, dos locais onde esta é exercida e do estado sanitário dos trabalhadores.
3. Os Ministros das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência poderão determinar a obrigatoriedade do exame e da carteira de sanidade em relação a outras doenças profissionais cuja gravidade e extensão o imponha.
BASE XXXII
Obrigatoriedade de exame médico
Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor desta lei, se encontrem ao serviço de entidades patronais compreendidas no âmbito da base anterior, serão, no prazo regulamentarmente estabelecido, submetidos ao exame médico previsto na mesma base.
BABE XXXIII
Qualificação sanitária dos trabalhadores
O estado sanitário dos trabalhadores, para efeitos de registo na carteira de sanidade prevista deverá ser qualificado em função da sua aptidão para o trabalho nas actividades que determinem sujeição da silicose.
BASE XXXIV
Reparação especial da silicose sem incapacidade
1. Os trabalhadores afectados de silicose de que não resulte incapacidade, mas que os impeça de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença possa ser agravada, terão direito, durante seis meses, se antes não tiverem obtido outro emprego, à retribuição que auferiam, paga pela entidade patronal.
2. Não é devida a reparação estabelecida no número anterior se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, com a retribuição igual ou superior a 75 por cento da que ele recebia anteriormente.
3. Se o trabalhador se despedir com justa causa ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida no n.º 1 desta base pelo período de tempo que ainda faltar decorrer até se completar o prazo de seis meses ou até o trabalhador obter outro emprego.
BASE XXXV
Extensão do regime especial de reparação da silicose
O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá, por decreto, tornar extensivas a outras espécies de pneumoconioses as normas especiais de reparação contidas nesta lei quanto à silicose, desde que a gravidade e a extensão daquelas doenças o aconselhem.
CAPÍTULO IV
Disposições complementares
Ocupação e despedimento durante a incapacidade temporária
BASE XXXVI
Ocupação e despedimento durante a incapacidade temporária
1. É vedado às entidades patronais fazer cessar, sem justa causa, a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço enquanto estes se mantiverem em regime de incapacidade temporária.
2. Durante o período de incapacidade temporária parcial as entidades patronais serão, nos termos e na medida que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, obrigadas a ocupar os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço em trabalho compatível com o seu estado e a remunerar o trabalho produzido com retribuição correspondente, nunca inferior à devida pela capacidade restante e com base na retribuição do dia do acidente.
3. A infracção ao disposto no n.º 1 dará direito a uma indemnização a favor do sinistrado igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.
BASE XXXVII
Acidente originado por companheiros ou terceiros
1. Quando o acidente for originado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação emergente desta lei não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
2. Se a vítima do acidente receber de companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se-á desonerada da respectiva obrigação e terá direito a ser reembolsada, pela vítima, das quantias que tiver pago ou despendido.
3. Se a indemnização arbitrada à vítima ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
BASE XXXVIII
Caducidade e prescrição
1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta
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2. Quando se tratar de doença profissional, o prazo previsto no n.º 1 conta-se da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença. Se não tiver havido esta comunicação ou ela tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto.
3. As prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu
vencimento.
BASE XXXIX
Remição de pensões
Salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatòriamente remidas as pensões de reduzido montante, e poderá ser autorizada a remição quando deva considerar-se economicamente mais útil o emprego judicioso do respectivo capital.
BASE XL
Nulidade dos actos contrários à lei
1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos mesta lei ou com eles incompatível.
2. São igualmente nulos os actos e contratos simulados que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei.
BASE XLI
Inalienabilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade dos créditos. Privilégios creditórios.
Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos mesmos privilégios creditórios que a lei geral consigna para garantia das retribuições do trabalho, com preferência a estes últimos na classificação legal.
BASE XLII
Proibição de descontos nos salários
As entidades patronais não poderão descontar qualquer quantia no salário dos trabalhadores ao seu serviço a título de compensação pelos encargos resultantes desta lei, sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo.
BASE XLIII
Sistema e unidade do seguro
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista nesta lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos.
2. O seguro dos trabalhadores rurais ou equiparados, em relação aos quais as respectivas entidades patronais não efectuem a transferência da responsabilidade prevista no número anterior, ficará a cargo de instituições de previdência social obrigatória, conforme vier a ser estabelecido em regulamento.
3. A obrigatoriedade de transferência da responsabilidade estabelecida no n.º 1 abrangerá os riscos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, salvo, quanto a estas, no caso de a sua reparação estar a cargo da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
4. Cada entidade patronal efectuará a transferência referida no n.º 1, em relação a todos os riscos, para a mesma instituição seguradora.
5. Nos casos previstos no n.º 1 da base XVI a instituição seguradora será apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta lei.
BASE XLIV
Apólices uniformes
1. O Grémio dos Seguradores submeterá à aprovação do Governo, no prazo que lhe for indicado, os projectos de modelos de apólices uniformes do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais, adequadas as diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos nesta lei e em regulamento. O Ministério das Finanças, ouvidos os Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, autorizará a publicação dos modelos aprovados, e poderá fazê-lo por sua iniciativa se o Grémio não apresentar os projectos no prazo acima referido.
2. Serão previstas nas apólices uniformes a cobrança de um prémio suplementar de seguro quando oficialmente se averiguar que as entidades patronais não observam as normas de segurança do trabalho, e a redução dos prémios devidos quando, em consequência das medidas de prevenção tomadas, o número de acidentes seja inferior ao da média segundo as várias actividades.
3. São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou as garantias estabelecidos nas apólices uniformes previstas nesta base.
BASE XLV
Fundo de Garantia e Actualização de Pensões
1. Para assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes, é constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais um fundo, gerido em conta especial, e denominado Fundo de Garantia e Actualização de Pensões.
2. Constituem receitas deste Fundo
a) As importâncias provenientes do reembolso de prestações por ele pagas;
b) As importâncias referidas no n.º 4 da base XVIII,
c) As importâncias arrecadadas por força do n.º 4 da base XXII
d) As multas impostas por infracção aos preceitos desta lei e seu regulamento,
e) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe legalmente atribuídas.
3. O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões fica sub-rogado em todos os direitos das vítimas de acidentes e seus familiares, para reembolso do montante das prestações que haja pago.
4. Na medida em que as possibilidades do Fundo o permitirem, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social autorizar que, complementarmente, sejam por ele integradas pensões reconhecidamente desactualizadas.
BASE XLVI
Princípios sobre prevenção
1. Ao Governo incumbe decretar as medidas de segurança, higiene e profilaxia necessárias à protecção da saúde, integridade física e vida dos trabalhadores, e fiscalizar o seu cumprimento.
2. O Governo promoverá a criação de um organismo adequado à direcção e coordenação de todas as entidades
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e serviços, oficiais e privados, interessados na prevenção, à centralização dos elementos estatísticos e investigação das causas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, e ao estudo das providências a adoptar em matéria de prevenção.
BASE XLVII
Serviços de segurança e higiene
As entidades patronais devem constituir, conforme a sua capacidade económica e a gravidade ou frequência dos riscos da respectiva actividade, serviços e comissões de segurança, de que façam parte representantes do pessoal, com o objectivo de vigiar o cumprimento das normas de segurança e higiene no trabalho, investigar as causas dos acidentes e, em colaboração com os serviços técnicos e sociais das empresas, organizar a prevenção e assegurar a higiene nos locais de trabalho.
BASE XLVIII
Adaptação, readaptação e colocação
1. Aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequência de acidentes de trabalho, será facultada, quando as circunstâncias o justifiquem e permitam, a utilização de serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação.
2. O Governo criará os serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação, utilizando, tanto quanto possível, os serviços e instituições já existentes, por forma a garantir a máxima coordenação e a mais estreita colaboração, não só entre aqueles serviços e instituições, como entre eles e os serviços das empresas patronais e seguradoras.
BASE XLIX
Admissão de trabalhadores sinistrados
As empresas de reconhecida capacidade económica organizarão para a admissão do seu pessoal um sistema de prioridades de modo a, em primeiro lugar, admitirem em actividades compatíveis com a lesão ou doença de que estejam afectados os trabalhadores que tenham sido vítimas de acidentes de trabalho ao seu serviço.
BASE L
Disposição revogatória
Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, ficando revogada a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.
Palácio de S. Bento, 25 de Fevereiro de 1965
Afonso Rodrigues Queiró
Armando Manuel de Almeida Marques Guedes
Joaquim Trigo de Negreiros
João de Castro Mendes
Manuel Duarte Gomes da Silva
Aguinaldo de Carvalho Veiga
Alcide Ferreira
António Aires Ferreira
António Bandeira Garcez [Vencido quanto ao seguinte
a) A Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936 constitui um diploma notável. Preparada sob a superior orientação do Dr. Pedro Teotónio Pereira,
mereceu um exaustivo parecer da Câmara Corporativa, subscrito pelo Procurador João Duarte e com a decisiva colaboração do Prof José Gabriel Pinto Coelho. Na Assembleia Nacional valorizaram-na, entre outras, as intervenções do Prof. Mário de Figueiredo.
A Lei n.º 1942 não se encontra envelhecida. A doutrina e a jurisprudência expurgaram-na das dificuldades iniciais de aplicação e enriqueceram-na com os seus entendimentos, esclarecimentos e conclusões. Tem ela servido eficientemente e, se há que actualizar alguns dos seus dispositivos, seria preferível adoptar o processo seguido com a publicação do Decreto-Lei n.º 38 539, de 29 de Novembro de 1951.
Por este diploma foi possível elevar a indemnização média, por incapacidade temporária, de 212$20 para 2821$70 e a pensão média anual de 544$50 para 1089$60 sem qualquer espécie de perturbação, aumentos de taxas ou mais encargos.
Uma lei nova implica sempre dúvidas de execução e de interpretação e, portanto, pleitos, quezílias, demoras e discussões. As reformas justificam-se quando necessárias, e, como não é este o caso, perfilho a opinião de que se mantenha a Lei n.º 1942, sem embargo das alterações que se tornem aconselháveis.
b) Também não posso dar a minha concordância à proposta e ao parecer quando aludem às tendências observadas em certos países, no sentido de se integrarem os acidentes de trabalho no esquema da segurança social. Já tive, a propósito do parecer n º 39/VII, ensejo de expor a Câmara o meu ponto de vista. O seguro de acidentes de trabalho é um contrato pelo qual o segurado - entidade patronal - transfere para o segurador, mediante o pagamento do prémio equivalente, a responsabilidade que sobre ele recai. Nasceu esta do velho conceito da culpa aquiliana, firmando-se depois no risco, sem que, no entanto, a evolução que sofreu alterasse a sua natureza. Como seguro de responsabilidade (e a proposta e o parecer como tal o aceitam), o seguro de acidentes de trabalho assenta em meras relações de direito civil.
Não assim o seguro social. Com ele pretende atender-se a situações de carência económica, através da repartição de fundos constituídos pelas comparticipações de todos - empregadores, empregados e Estado. O direito à prestação não emerge de um contrato, mas de uma norma geral, e os beneficiários não são terceiros, mas os próprios segurados.
Na proposta de lei e no parecer apelida-se de social o seguro de acidentes de trabalho, não em razão da sua estrutura e da sua finalidade, mas apenas tendo em mente a entidade que outorga a sua cobertura - uma caixa pública. Labora-se numa grande confusão não é um seguro social, é, sim, um seguro socializado.
As tendências a que se referem a proposta e o parecer são conhecidas. Autênticos «ventos da história», sabem todos donde sopram e quem os faz soprar. Nascidas no maquis comunizante da França ocupada, espalharam-se pela Europa e estenderam-se a várias esferas de actividade.
Quanto ao seguro de acidentes de trabalho, a socialização restringiu-se aos sectores industriais e de serviços, mantendo-se nas fainas agrícolas o seguro privado. Não se compreende muito bem, e isto dentro da ilação da proposta e do parecer, como
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o mesmo risco possa caracterizar-se de social nuns casos e de privado noutros!
Mas a França socializou também algumas das suas mais importantes companhias de seguros, sem que os seguros por elas efectuados deixassem de ter-se como privados, a União Indiana, sob a égide do inefável Sr. Nehru, socializou os seguros de vida, e o Ceilão, a Indonésia, a R A U , a Argélia e outros povos de idêntica formação ideológica socializaram outras espécies de seguros, sem que, no entanto, eles igualmente se considerem sociais.
Em Portugal, as leis fundamentais que nos regem proíbem ao Estado concorrer ou substituir-se à iniciativa privada - a não ser que esta se mostre inoperante, e não o é.
c) Julgo, igualmente, que não é viável acompanhar a proposta e o parecer nos seus generosos anseios, se bem que neles comungue, de proporcionar às vítimas do trabalho a máxima reparação. Temos, infelizmente, de ser realistas e de graduar essa reparação conforme as nossas possibilidades, sob pena de ela se tornar inexequível. A análise do seguro de acidentes de trabalho, nos últimos vinte anos (1942-1962), termina por um déficit de 4 a 5 por cento. As reservas matemáticas das pensões, que são, conforme a Lei n.º 1942 e o Decreto-Lei n.º 38 539, calculadas até o salário máximo de 100$, mas reduzido a metade na parte que excede 30$, pesam na sua exploração em cerca de 14 por cento. Se duplicássemos os montantes, as reservas subiriam para mais de 20 por cento e o deficit, desde que se não agravassem os restantes termos da lei, elevar-se-ia a não menos que 10 por cento.
O sistema de cálculo da Lei n.º 1942 é clássico no direito português estipulam-no a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, artigo 19.º, o Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919, artigo 23.º, a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, artigo 19.º, o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951, artigo 1.º, o Diploma Legislativo n.º 2827, de 6 de Junho de 1957, artigo 193.º (Angola), o Diploma Legislativo n.º 1706, de 19 de Outubro de 1957, artigo 44.º (Moçambique), o Diploma Legislativo n.º 507, de 27 de Março de 1958, artigo 191.º (S. Tomé e Príncipe), e o Decreto n.º 44 309, de 27 de Abril de 1962 (Código do Trabalho Rural do Ultramar), artigo 251.º
Se, em vez de tal sistema, se estabelecer o critério de salário máximo sem aquela redução, as reservas matemáticas poderão atingir somas incomportáveis Assim, uma incapacidade de 100 por cento para um indivíduo de 35 anos, com um salário de 200$, que hoje importa em 308 790$, passará para 1 235 160$ ou seja quatro vezes mais.
Mas os agravamentos - aos quais, aliás, há que adicionar o invulgar estilo de custas do Decreto-Lei n.º 45 497, de 30 de Dezembro de 1963, ou Código de Processo do Trabalho - não se restringem às reservas matemáticas verificam-se nas percentagens de incidência, nas idades dos pensionistas órfãos e no número de beneficiários, além de outros, entre os quais avulta o do n.º 3 da base XXI do projecto de proposta de lei e n.º 4 da base XVIII do projecto de alteração.
Para compensar, fala-se na generalização do seguro. A verdade, porém, é que, exceptuando os pequenos produtores agrícolas e os serviços domésticos, o seguro de acidentes de trabalho garante hoje a quase totalidade da população activa do País.
A aplicação da lei em projecto não poderá deixar de ter, como contrapartida, um pesado reflexo no custo do seguro].
António Jorge Martins da Motta Veiga
Fernando Maria André de Oliveira de Almeida Calheiros e Meneses
Francisco David Ferreira
Guilherme Pereira da Rosa
Luís de Sousa e Silva
Manuel Pinto de Oliveira
Mário Luís Correia Queiroz
Rui Ennes Ulrich
José Augusto Vaz Pinto, relator [Votei pela supressão do n.º 3 da base II e pela revogação do Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951. Os direitos emergentes de acidentes de trabalho são direitos civis, e nesta matéria o Estado está equiparado aos particulares (Código Civil, artigo 3.º). Ora o efeito do n.º 3 da base II, conjugado com a vigência do citado decreto-lei, é o da continuarem fora da competência dos tribunais do trabalho quase todas as questões emergentes da acidentes de trabalho em que o Estado e os corpos administrativos sejam entidades responsáveis. E reputo esta situação contrária ao espírito da ordem constitucional vigente, segundo a qual os tribunais são um dos órgãos da soberania (Constituição, artigo 71.º)].
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA