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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
10 DE 1965 3 DE ABRIL
ASSEMBILEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 197, EM 2 DE ABRIL
Presidente Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Sr.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 191 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
A Câmara negou automação para o Sr. Deputado Lopes de Almeida depor na Policia, Judiciária de Coimbra.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, foram recebidos na Mesa os Diários do Governo n.ºs 66, 66 (suplemento) e 70, 1.ª série, que [...] Decretos-Leis n.ºs 46 243, 46 245, 46 246, 46 248, 46 249, 46 255, 46 257, 46 258 e 46 259.
O Sr. Presidente propôs que ficasse exarado na cota da sessão de hoje um voto de sentimento pela morte do antigo Deputado Sr. António Augusto de Matos Taquenho
O Sr. Presidente informou a Câmara de que havia sido procurado pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros com o fim de lhe agradecer e à Assembleia os votos de sentimento expressos a propósito da morte da mãe daquele membro do Governo.
O Sr. Deputado Manuel João Correia fez considerações sobre o aproveitamento dos recursos hidráulicos dos [...] Incomati, Umbelúzi e Sabié e o problema do abastecimento de Agua de Lourenço Marques.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu ocupares do aumento das tarifas telefónicas e da transferência para os CTT da exploração das redes telefónicas de Lisboa, Porto e subúrbios.
O Sr Deputado Nunes Barata falou sobre a recuperação social dos cegos.
O Sr Deputado Jacinto Medina referiu-se ao povoamento do ultramar, cuja legislação esta a ser apreciada pelo Conselho Ultramarino.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Usou da palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Faria.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Faz-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados
Agnelo Orneias do Rego
Agostinho Gonçalves Gomes
Alberto Henriques de Araújo
Alberto Maria Ribeiro de Meireles
Alberto Pacheco Jorge
Alberto dos Reis Faria
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior
Alexandre Marques Lobato
António Augusto Gonçalves Rodrigues
António Barbosa Abranches de Soveral
António Calheiros Lopes
António de Castro e Brito Meneses Soares
António Gonçalves de Faria
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Magro Borges de Araújo
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António Manuel Gonçalves Rapazote
António Martins da Cruz
António Moreira Longo
Armando José Perdigão
Artur Águedo de Oliveira
Artur Alves Moreira
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte
Augusto Duarte Henriques Simões
Augusto José Machado
Belchior Cardoso da Costa
Bento Benoliel Levy
Carlos Alves
Carlos Coelho
Carlos Monteiro do Amaral Neto
D Custódia Lopes
Délio de Castro Cardoso Santarém
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António Martins
Francisco José Lopes Roseira
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro
Jacinto da Silva Medina
Jerónimo Henriques Jorge
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bocha Cardoso
João Ubach Chaves
Joaquim de Jesus Santos
Joaquim José Nunes de Oliveira
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho
José Augusto Brilhante de Paiva
José Fernando Nunes Barata
José Luís Vaz Nunes
José Manuel da Costa
José Manuel Pires
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Pinto Carneiro
José dos Santos Bessa
José Soares da Fonseca
Júlio Dias das Neves
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia
Manuel Lopes de Almeida
Manuel de Sousa Rosal Júnior
D. Mana Margarida Craveiro Lopes dos Reis
Mário de Figueiredo
Olívio da Costa Carvalho
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos
Sebastião Garcia Ramires
O Sr Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 191 correspondente à sessão de 19 de Março, que já foi distribuído ontem pelos Sr. Deputados.
Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - como nenhum dos Sra. Deputados deduz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado
Deu-se emita do seguinte,
Expediente
Telegrama
Do presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista sobre o naufrágio do rebocador Rio Vez.
O Sr Presidente: - Está na Mesa um ofício da Polícia Judiciária de Coimbra solicitando que o Sr. Deputado Lopes de Almeida seja autorizado a depor naquela Polícia.
Ouvido, o Sr. Deputado declarou que julgai a inconveniente para o exercício das suas funções de Deputado o ser autorizado a depor. É nestes termos que ponho o problema a VV Ex.ªs
Consultada a Câmara, foi denegada a autorização pedida
O Sr Presidente: - Para efeitos do deposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estilo na Mesa os Diários ao Governo n.ºs 66, suplemento no n.º 66 e 70 1.ª
série, respectivamente de 19 e 29 de Março que inserem os Decretos-Leis n.ºs 46 243, que dá nova redacção aos § 3 º do artigo 17 º e aos artigos 101.º 111.º, 112.º, 115.º e 117.º do Decreto-Lei n.º 45 290, que regula o exercício das funções de crédito e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancam nas províncias ultramarinas 46 245, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo, à Federação de Caixas de Previdência -Obras Sociais uma panela de terreno situada na freguesia e concelho da Marinha Grande, destinada à construção de um centro de educação infantil e de outras obras de carácter social, 46 246, que permite que os terceiros-oficiais contratados paia o desempenho de funções provisórias da Direcção-Geral da Contabilidade Pública e os nomeados inteiramente para a mesma categoria e que se encontrem a prestar serviço, findo que seja o prazo de validade do seu concurso, sejam nomeados, sem dependência de novo concurso, para o exercício das mesmas funções em vacaturas que existam ou venham a existir no quadro da aludida Direcção-Geral, 46 248, que permite ao Ministro do Exército, sempre que as circunstâncias o exijam, mandar abrir concurso extraordinário, nas condições estabelecidas no presente diploma, para o recrutamento de oficiais engenheiros para o quadro permanente do serviço de material, 46 249, que dá nova redacção ao artigo único do Decreto-Lei n º 45 662 (pagamento da remuneração por trabalhos extraordinários ao pessoal assalariado em serviço nos diversos departamentos do Ministério), 46 255, que insere disposições relativas aos Estudos Gerais Universitários e dá nova redacção ao artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 45 180, que promulga o regime de funcionamento dos referidos Estudos, 46 256, que estabelece normas transitórias a observar no condicionamento do plantio da vinha - Revoga determinadas disposições legislativas, 46 257, que estabelece novas disposições legais para a produção e comércio de óleos comestíveis - Revoga várias disposições do Decreto n.º 17 774 e dos Decretos-Leis n.ºs 26 777 e 45 620, 46 258, que aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha sobre segurança social, assinada em Bona em 6 de Novembro de 1964, e 46 259, que aprova, para ratifica-
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cão, a Convenção sobre pesca e seus anexos I e II, assinalados em Londres em 9 de Março de 1964.
Faleceu em Cascais a 28 de Março último, o artigo Deputado a esta Assembleia na V Legislatura Sr António de Matos Taquenho Proponho que na acta fique expresso um voto de sentimento pela morte daquele antigo Deputado.
Pausa
O Sr Presidente: - Srs Deputados Fui procurado pelo Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros, que veio agradecer as manifestações de sentimento que tive, e que tivemos, por ocasião da morte de sua mãe e me pediu que transmitisse à Assembleia e a todos VV Ex.ªs o mesmo agradecimento.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr Deitado Manuel João. Correia
O Sr Manuel João Correia: - Sr Presidente Disse na última intervenção que fiz nesta Câmara, a propósito dos rios internacionais de Moçambique, que voltaria a pedir a palavra para me referir mais especificadamente ao aproveitamento dos recursos hidráulicos dos rios Incomati, Umbelúzi e Sabié e ainda ao problema do abastecimento de água de Lourenço Marques.
Começarei por me referir ao aproveitamento do Incomati Movene, cujo projecto é da autoria do engenheiro inspector superior Viriato de Noronha de Castro.
É do projecto do I Plano de Fomento que transcrevo em breve descrição, o seguinte passo, que se refere aproveitamento.
O aproveitamento do Movene foi considerado em duas fases A 1.ª abrange a construção do de Ressano Garcia a Movene a da barragem e da central eléctrica e o transporte de energia e água para Lourenço Marques Ficarão prontos a ser utilizados em Lourenço Marques 72 milhões de kilowatts 86 000 m2 diários de água.
A 2.ª fase consistirá em transportar a ás regar 30 000 ha de terras nas margens do e entregá-las prontas para a cultura e povoamento.
Não se menciona na transcrição feita -o que mente foi devido a qualquer lapso - o regadio de 10 000 ha de boas terras negras na zona da Moamba, antes da albufeira do Movene.
A rega dos outros 30 000 ha far-se-ia com as águas turbinadas, as quais seriam conduzidas por um canal, com o desenvolvimento de 110 km, até atingirem altas da Manhiça. Mas como a área que beneficiaria deste regadio é constituída por solos de natureza muito pobre surgiu posteriormente a alternativa de essas águas serem aproveitadas na irrigação de uma mancha de terras com melhores qualidades produtivas situadas a sul do rio Umbelúzi.
A 1.ª fase do aproveitamento hidráulico do Incomati Movene esteve incluída, como se viu, do I Plano de Fomento, chegaram mesmo a ser abertos os concursos públicos para as empreitadas das construções.
Sobre este grande empreendimento hidráulico pronunciam-se nesta Câmara, durante a apreciação de Fomento, os antigos Deputados Srs. Sousa Monteiro Pinto, e Mascarenhas Gaivão, que o defenderam com firmeza, acentuando as vantagens que da sua execução adviriam para a província
Mas este empreendimento, apesar do grande interesse de que se revestia, não teve infelizmente realização, continuando secos e improdutivos milhares de hectares de terras que poderiam estar hoje ocupadas por centenas de famílias de agricultores, trabalhando e contribuindo para a valorização da economia de Moçambique. Isto sem contar com a produção de energia eléctrica e com a garantia para o futuro, do abastecimento de água de Lourenço Marques.
A Câmara Corporativa, ao dar parecer sobre o mesmo Plano, pronunciou-se no sentido de se «ponderar a vantagem e conveniência que haveria em ficar para uma próxima 2.ª fase do Plano de Fomento a execução total e conjunta das duas fases do aproveitamento Incomati-Movene», baseando esta opinião no «facto de já estar adquirida para Lourenço Marques uma potente central térmica».
Parece depreender-se que merecia maior atenção o aspecto da produção de energia eléctrica do que os outros dois aspectos, aliás tão importantes, da rega e do abastecimento de água de Lourenço Marques.
Concordo plenamente que' seria mais acertado proceder-se, de uma só vez, à execução completa das obras respeitantes ao aproveitamento do Incomati-Movene, mas não com a condição de serem transferidas para um plano futuro.
Neste particular da «potente central eléctrica» que já tinha sido adquirida, posso dizer que foi grande o eiró de estimativa, pois as necessidades de consumo de Lourenço Marques, em ritmo sempre crescente, já justificaram, há muito tempo, a aquisição de um novo grupo gerador de potência não inferior à do primeiro.
Repito aqui, a propósito, o que disse a este respeito o antigo Deputado Dr. Vaz Monteiro ao defendei o projecto.
O facto de já estar adquirida para Lourenço Marques uma central térmica não impede que se procure produzir energia hidroeléctrica barata e abundante.
A central térmica passaria a servir de apoio.
Por sua vez, o antigo Deputado Dr. Mascarenhas Gaivão, ao fazer também a defesa do projecto, proferiu palavras que foi pena que não tivessem sido acatadas, pois encerraram verdades que o tempo confirmou. Disse o seguinte.
O aproveitamento hidroeléctrico do Movene é, como o do Limpopo um problema que envolve, além do aspecto económico, o político. Aqui como ali temos necessidade de mostrar a nossa presença efectiva para que não suceda ao Incomati o mesmo que sucedeu ao Limpopo e está a sucedei ao Umbelúzi, isto é, a antecipação dos Sul-Africanos ou Rodesianos na realização de aproveitamentos hidráulicos para lega e outros a montante do nosso território.
Estavam certas as previsões do Sr Mascarenhas Gaivão, pois os aproveitamentos que a República da África do Sul está fazendo e tenciona fazer nos rios Komati e Crocodile, aos quais já me referi na primeira intervenção sobre este assunto, têm dizer-nos que foram oportunas as suas palavras então proferidas nesta Câmara, mas que, infelizmente, ninguém ouviu.
Apesar do parecer negativo da Câmara Corporativa, que foi, sem dúvida, a primeira machadada desferida no projecto, a Assembleia Nacional deu-lhe a sua aprovação, certamente devido à defesa exaustiva que dele fizeram os Deputados que atrás citei.
Aberto concurso público para a empreitada das obras, verificou-se que a proposta mais baixa era muito superior à estimativa do projecto
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Aqui se vibrou a segunda machadada, desta vez mortal, no empreendimento. Digo mortal porque, não obstante as tentativas que se fizeram para que essa bela iniciativa não morreste, como tantas outras iniciativas que teriam certamente transformado a face económica de Moçambique, até hoje nada se realizou Chegou-se mesmo a pô-la completamente de lado
Diz-se que havia quem contrariasse claramente a execução do projecto, com a alegação de que a sua exploração não seria económica. Todas as opiniões são dignas de respeito. Mas não há duvida de que o meu juízo se inclina para aceitai que quem defendia tal opinião certamente não considerou os fins múltiplos da albufeira do Movene, considerou talvez apenas o aspecto da produção de energia eléctrica, esqueceu-se de que seriam irrigadas dezenas de milhares de hectares de terras paia as quais não existe outra alternativa de regadio, não se lembrou de que ali ficava uma garantia para o abastecimento de água de Lourenço Marques, cujos consumos estão aumentando todos os dias e hão-de aumentar consideràvelmente no futuro.
A circunstância de terem aparecido no concurso propostas de preço muito superiores à estimativa elaborada pelo autor do projecto veio certamente reforçar a opinião - e a posição - dos que contrariai a execução da obra.
E o certo é que a obra, na qual tantas esperanças se depositaram, não teve, de facto, realização.
Dir-se-ia que se perderam as palavras de confiança e certeza pronunciadas pelo Sr. Ministro do Ultramar no Palácio Foz, no dia 15 de Junho de 1963. Disse então S Ex.ª, em tom que parecia não admitir qualquer dúvida.
construir-se-á a grande barragem do Movene, paia onde o Incomati será em grande parte canalizado, desde a fronteira, em Ressano Garcia.
Foram palavras de certeza aquelas que foram proferidas pelo Sr. Ministro do
Ultramar. E para nós, gente de Moçambique, palavras, de esperança Afinal, palavras de certeza e palavras de esperança que se desvaneceram como nuvens de fumo batidas por rajadas de vento.
E nós ficámos, em Moçambique, sem a esperança e sem a obra, sem o aproveitamento de fins múltiplos da albufeira do Movene, aproveitamento paia a produção de energia eléctrica, para abastecimento de água de Lourenço Marques, para a rega de muitos milhares de hectares de terras que continuam improdutivas. Ficámos também sem as obras que se seguiriam ligadas àquele aproveitamento ao aproveitamento do rio Sabié e à regularização do Baixo Incomati, cuja água continua a perder-se no mar ou, na época das cheias, a inundar destruidoramente a várzea da Manhiça, inutilizando valiosos campos agrícolas e arruinando e desencorajando os agricultores daquela região.
Aceitemos que a obra se não podia fazei dentro da estimativa do autor do projecto, admitamos que estariam certas as propostas de preço apresentadas pelos empreiteiros. Mesmo assim ela não deveria ter sido abandonada, considerando-se os enormes resultados que se obteriam com os fins múltiplos do projecto, de entre os quais avultava o regadio.
Sr. Presidente Outro aspecto do aproveitamento hidráulico do Movene seria precisamente aquele que permitiria o abastecimento de Lourenço Marques de 86 000 m3 de água diários.
É tão importante o problema do abastecimento de água de Lourenço Marques que desejo dedicar-lhe também uma pai te desta intervenção.
Mesmo eliminando-se a hipótese de se abastecei Lourenço Marques directamente com água provavelmente da albufeira Movene, isto é, aceitando-se o princípio de que a cidade deverá continuar a ser abastecida unicamente com água do rio Umbelúzi, ficaria a salvaguarda, em caso de necessidade futura de se poder descarregar na ribeira do Movene, que é tributária do Umbelúzi, água proveniente da albufeira, aumentando-se assim o caudal daquele rio Haveria, por este meio, a garantia de uma reserva de 86 000 m2 diários, no caso de surgir qualquer emergência ou necessidade inesperada.
Não restam dúvidas, a quem tenha meditado no problema, de que a questão do abastecimento de água de Lourenço Marques está a revestir-se de aspectos cada vez mais graves, tanto mais que se aproxima rapidamente a data em que o caudal do Umbelúzi, nas épocas de estiagem, não mais terá capacidade paia satisfazer um consumo de água que cresce todos os dias, de uma cidade que também cresce com rapidez em população e actividades económicas.
O Eng.º Pedro Arsénio Nunes, que já citei na minha primeira intervenção, num notável parecer que elaborou em Novembro de 1960, após uma visita de estudo que fez a Lourenço Marques, concluiu que, segundo as condições de estiagem aumento da população e restrições ou não do regadio, os níveis de consumo respeitantes às disponibilidades de água do no Umbelúzi sei iam atingidos dentro de treze, dezassete e, no pior dos casos, dez anos, isto é, em 1973, 1977 e 1970, respectivamente.
Nesta última hipótese, da qual nos distam apenas cinco escassos anos, o autor do parecer baseou a sua estimativa no consumo diário de 67 000 m3 de água. Ora, a verdade é que Lourenço Marques, em certos dias do ano, consome já 45 000 m3.
Para assegurar o abastecimento de água de Lourenço Marques, o Eng.º Pedro Nunes sugeriu a criação de uma albufeira no rio Umbelúzi, com a «implantação de uma pequena barragem na secção do rio localizada junto ao monte Guanguane, sensivelmente a meia distância entre as confluências do Calichane a do Movene», que garantiria «a satisfação de um consumo da ordem de 160 X 103 metros cúbicos por dia e das necessidades do regadio, que já hoje é alimentado pelo Umbelúzi, na hipótese de ocorrer uma estiagem como a de 1952».
O custo da construção desta barragem, diz o autor do parecer, não deveria ir muito além dos 20 000 contos.
Entretanto, em estudo posterior, a Comissão dos Rios Internacionais apresentou a sugestão de que, além daquela barragem, fosse implantada uma outra nos Pequenos Libombos, com a vantagem de esta permitir um maior armazenamento de água. Esta hipótese viria reforçar a garantia do abastecimento de água de Lourenço Marques e facultar a rega de maior extensão de terreno no vale do Umbelúzi.
Como se viu, a barragem junto ao monte Guanguane garantiria um «consumo da ordem dos 160 000 m3 por dia e das necessidades do regadio, que já hoje é alimentado pelo Umbelúzi».
Este regadio, segundo um parecer do Eng.º Sousa Monteiro, de Julho de 1957, citado pelo Eng.º Pedro Nunes, cobaia então uma área de cerca de 800 há.
Ora, a verdade é que, a pensar-se a sério na irrigação das margens do Umbelúzi, não se pode limitar o regadio aos referidos 800 ha. Há muitas centenas de hectares mais de boas terras que não devem continuai secas e inaproveitadas por falta de água. Por isso, não vejo que se possa dispensai, para este fim, os 86 000 m3 de água diários que no projecto da albufeira do Movene se destinaram ao abastecimento de Lourenço Marques, isto no caso de não serem necessários para o reforço deste abastecimento.
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Pode, portanto, defender-se facilmente o critério construção das três barragens - as duas do Umbelúzi e a do Movene - para assim se garantir o abastecimento de água de Lourenço Marques e melhorar consideràvelmente o regadio das margens do primeiro daqueles rios.
Infelizmente, porém, nenhuma daquelas barragens na lista das obras cuja realização esteja para breve. O aproveitamento do Incomati-Movene está, neste momento posto de parte, pelo menos posto de parte temporàriamente. Quanto à barragem do Umbelúzi junto ao Guanguane e à hipótese apresentada pela Comissão dos Rios Internacionais, não passam por enquanto, de sugestões sobre as quais não existe qualquer estudo de engenharia para a respectiva construção. Isto quer dizer que, no caso de se optar, para já, pela construção de uma barragem no rio Umbelúzi - o que deveria realmente ser feito sem demora, dada a sua urgência -, seria necessário contar-se com o tempo para a elaboração do projecto e respectiva construção. Assim, penso que talvez não pudesse estar concluída antes de cinco anos, justamente no termo do período previsto numa das teses apontadas pelo Eng º Pedro Nunes no seu parecer.
Para isto seria necessário que se começasse a trabalhar imediatamente. Mas nada de definitivo, que saiba eu existe ainda acerca do assunto
O que existe de concreto, e a este respeito conheço a opinião de pessoas responsáveis, é o receio de que entretanto, se façam mais aproveitamentos no curso do rio Umbelúzi a montante da nossa fronteira, o que destruiria completamente o plano constante do parecer elaborado pelo Eng º Pedro Nunes, com as consequências que é fácil de prever para uma cidade inteira, como é Lourenço Marques, a progressiva e esperançosa cidade de Lourenço Marques, que um dia pode encontrar-se perante o gravíssimo problema de ficarem completamente secas as condutas que alimentam os seus tanques de abastecimento de água. E não só a cidade como os próprios concelhos de Lourenço Marques e da Matola, com o grande núcleo populacional da Matola-Rio e os núcleos industriais do Língamo e da Machava, que são abastecidos de água pela mesma rede de distribuição.
Não posso deixar de registar aqui uma palavra de preocupação perante o descuido que parece ter havido à volta de assunto que se reveste de tanta importância. Não censuro o serviço de abastecimento de água à cidade. Penso que não lhe compete a construção da barragem do Umbelúzi, por se tratar de uma obra que seria também destinada a rega. E esta função compete, sem dúvida, ao Estado, e não a um município.
Sr Presidente: Referi-me com certa insistência a aproveitamentos hidráulicos nos rios Incomati e Umbelúzi.
Mas a verdade é que existem outros estudos sobre aproveitamentos hidráulicos do mesmo Incoman e também do rio Sabié, o qual, sendo tributário daquele, não deve ser considerado separadamente, até pela incidência que os seus caudais de cheia exercem nas tenras marginais do curso do Baixo Incomati. Quero aludir aos esquemas estudados pelo Eng.º Carlos de Ataídes, da brigada técnica hidroagrícola e da Comissão dos Rios Internacionais de Moçambique. Têm tanto interesses esses estudos, e tenta oportunidade também, que não preso deixar de os apreciar aqui, dando-lhes mesmo uma posição de certo destaque.
Vou referir-me, em rápida síntese, a esses esquemas, que são os seguintes:
Esquema da ribeira do Mjon
Esquema da Moamba, e
Esquema da Corumana
Os dois primeiros são aproveitamentos do Incomati, o terceiro é aproveitamento do Sabié e corresponde à barragem deste rio na portela da serra da Corumana
O Sr Burity da Silva: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor!
O Sr. Burity da Silva: - Tenho em meu poder cópia do plano do Sr. Eng.º Ataíde a que V. Exa. se refere e, por isso, conheço o seu esquema. É, pois, com o maior prazer que faço coro com os pontos de vista que V. Exa. expõe.
O Orador: - Muito obrigado!
Há duas soluções para a criação da albufeira da ribeira do Major. Uma, com maior armazenamento de água, mas cujo açude de derivação provocaria a inundação da actual estação do caminho de ferro em Ressano Garcia e de uma pequena área do território vizinho do Transval outra, com açude de menores proporções, que evitaria estes inconveniente.
Esta albufeira seria cnada por meio de barragem a construir numa garganta da ribeira do Major situada perto da sua foz, ou seja, da sua confluência com o rio Incomati, e seria alimentada por um canal com cerca de 17 km de comprimento, que partiria de um açude de derivação a implantar naquele no um pouco a jusante de Ressano Garcia
No caso da primeira solução, a albufeira teria um embalse de 170 milhões de metros cúbicos de capacidade, a sua produção anual de energia eléctrica seria da ordem dos 8 milhões de kilowatts-hora e proporcionaria a rega de uma mancha agrícola com a área de 12 500 ha
Na segunda solução, a capacidade da albufeira seria de 47 milhões de metros cúbicos de água, a produção anual de energia eléctrica andaria à roda dos 4,5 milhões de kilowatts-hora e o regadio cobriria uma área de 4000 ha
Vem a seguir o esquema da Moamba, que tem a particularidade interessante de poder alimentar com a água da sua própria albufeira a albufeira da ribeira do Major, por meio de um canal de pequeno comprimento, evitando assim o canal de 17 km e o açude a jusante de Ressano Garcia.
Estas duas albufeiras fitariam situadas em posição paralela.
Neste esquema, o no Incomati seria barrada nas proximidades da Moamba junto à propriedade que pertenceu ao antigo agricultor Dr. Pina Cabral. Esta barragem teria a altura de 28 m acima do leito do rio e o comprimento máximo na sua custa de 2300 m. A produção anual de energia eléctrica seria da ordem dos 70 milhões de kilowatts-hora.
Dada a possibilidade de interdependência dos esquemas da Moamba e da ribeira do Major, seria aconselhável considerar-se a construção simultânea destes dois esquemas, optando-se, neste caso, pela segunda solução proposta para o aproveitamento da ribeira do Major (o mais económico e de mais fácil realização), visto haver assim possibilidade, como já disse, de alimentar esta albufeira com água proveniente da albufeira criada pela barragem da Moamba
No esquema da Moamba, as terras irrigadas, seriam as mesmas em área e localização das previstas na primeira solução proposta no esquema da ribeira do Major.
Teríamos, porém, neste caso, além da mesma área de regadio sem os inconvenientes de inundação da estação de Ressano Garcia e de parte do território vizinho do Transval, uma maior reserva de água, uma maior pro-
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dução de energia eléctrica e ainda a regularização, em parte, dos caudais de cheia do Incomati.
Há um outro aspecto de grande importância relacionado com estes dois esquemas a possibilidade de a albufeira do Movene ser directamente alimentada com água proveniente da albufeira da ribeira do Major por meio de um canal que efectuasse a ligação destes dois armazenamentos de água
Esta hipótese eliminaria, no caso do aproveitamento hidráulico do Incomati-Movene, a constituição do respectivo açude em Ressano Garcia e do canal desde aquele açude até as imediações da albufeira do Major, como foi inicialmente projectado.
Resta referir-me ao esquema da Conumana, no rio Sabié. Este esquema foi inicialmente estudado (em 1947) pelo Eng.º Sousa Monteiro e recentemente actualizado pelo Eng.º Carlos de Ataíde. Permite a criação de uma albufeira com a capacidade útil de armazenamento de 500 milhões de metros cúbicos de água, pode produzir anualmente 36 milhões de kilowatts-hora de energia eléctrica e ainda regar 12 500 ha de terrenos que são considerados de «excepcional aptidão agrícola», situados nas proximidades da barragem, além das manchas agrícolas da várzea da Manhiça, cuja fertilidade não tem podido ser completamente aproveitada por causa das inundações que periodicamente destroem prometedores campos agrícolas e empobrecem os que neles tinham deportado as suas esperanças.
Com a construção da barragem da Conumana, se ela se seguisse à realização dos esquemas do Incomati, ficariam inteiramente regularizados os caudais de cheia do Incomati e do Sabié afastando para sempre o perigo e o prejuízo das cheias que flagelam as terias marginais destes rios.
Sr Presidente. Não figura na lista das obras a executar em Moçambique ao abrigo do Plano Intercalar de Fomento, além da barragem de Massanga, no rio dos Elefantes, e de umas escassas dezenas de milhares de contos para aplicação no Baixo Incomati no enxugo de terras, diques de defesa e rega por bombagem, qualquer outra obra de aproveitamento hidráulico. Isto quer dizer que antes de 1967, ano em que terminará a execução do referido plano, Moçambique não teria qualquer possibilidade de iniciai o aproveitamento da água dos seus rios internacionais, com excepção da barragem acima citada. Entretanto, é claro de ver, crescerão os perigos dos aproveitamentos que poderão ser feitos pelos nossos vizinhos. Sei que a realização dos aproveitamentos hidráulicos descritos nesta intervenção custaria mais de 1 500 000 contos. Todavia, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos na hora presente, uma das quais é, sem dúvida a grande batalha do desenvolvimento económico para que haja mais pão em cada lar e maiores conquistas no campo social, penso que é tempo de se encarar a sério o problema do aproveitamento dos nossos recursos hídricos.
Compreende-se claramente que se não tratam de obras que, dada a sua enorme grandeza, possam ser executadas todas de uma só vez. Mas comece-se por uma delas, pela que se apresente com maiores direitos de prioridade, e concluam-se também, quanto antes, os estudos definitivos do aproveitamento desses recursos, para que se saiba com o que se pode contar e por onde e como se deve começar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E aqui, neste último aspecto, que avulta a necessidade da criação em Moçambique, com premência que não pode ser adiada, de uma Direcção dos Serviços Hidráulicos que reúna sob uma mesma orientação, e a eficiência que resultaria da sua unificação, todos os serviços que em Moçambique trabalham em matéria de hidráulica, dispersos e sem coordenação
E de tal ordem a descoordenação de trabalhos que já sucedeu uma vez estarem a trabalhai simultaneamente, num mesmo no (o Limpopo), duas brigadas de hidráulica (uma a montante e outra a jusante), sem que uma tivesse conhecimento do trabalho que a outra estava a realizar.
Há, presentemente, em Moçambique nove organismos oficiais a trabalharem em hidráulica, além de trabalhos da mesma natureza que são também efectuados pela Direcção de Agricultura e Florestas e pela Junta Provincial de Povoamento, no caso desta Junta pela brigada de povoamento com base na cultura do arroz.
Este é um problema que também deixo a. apreciação do Governo, na certeza de que, sendo de tão grande importância, daquela importância que não precisa de muitas palavras para que se torne claramente entendida, não deixará de merecer a atenção de que é digno.
E não se diga que a Direcção dos Serviços de Hidráulica de Moçambique não pode ser criada porque não há disponibilidades financeiras para custear as suas despesas. Estou certo de que n despesa que se faz com os vários serviços de hidráulica existentes não só chegaria como até sobraria. Haveria até, certamente, economia em dinheiro e economia em resultados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para ocupar-me do aumento das tarifas telefónicas e do modo como vai processar-se a transferência para os CTT, em Janeiro de 1968, da exploração das redes telefónicas de Lisboa e Porto e subúrbios, de que tem sido concessionário desde 1882 The Anglo-Portuguese Telephone Company, Lda. , bem como da consequente aquisição pelo Estado da universalidade do estabelecimento desta Companhia. E só me é possível fazê-lo agora, não obstante ter recebido em 5 de Fevereiro os elementos que pedir ao Ministério das Comunicações, em requerimento de 24 de Novembro último, simplificado em 29 de Dezembro, e pelos quais instei em 27 de Janeiro.
O assunto é importante e de flagrante actualidade, como todos sabemos, e se tomei a iniciativa de tratá-lo foi porque já intervim há cerca de seis anos, no que diz respeito às tarifas.
Efectivamente, tendo sido divulgada em fins de Maio de 1959 a informação de que aquela Companhia e a dos eléctricos de Lisboa haviam solicitado ao nosso Governo autorização para aumentar as suas tarifas, e havendo essa notícia causado certo alarme na opinião pública, resolvi, ao abrigo do artigo 96 º da Constituição, requerer ao Sr. Ministro das Comunicações determinados documentos e informações sobre esses pedidos, o que fiz em 29 de Junho de 1959.
Este requerimento foi atendido com solicitude, mas, simultaneamente, no próprio ofício de remessa dos elementos pedidos, comunicava-se-me que a Presidência do Conselho amavelmente informava que aquele Sr. Ministro considerava inoportunos os aumentos pretendidos por aquelas duas companhias.
O assunto ficou, assim, esclarecido e arrumado
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Chega, porém, Novembro de 1964 e surge a notícia da conferência de imprensa promovida pelo Sr. Ministro das Comunicações e realizada no dia 17 desse mês, e, por ela, veio ao conhecimento geral que dessa vez fora cedido à Companhia dos Telefones um aumento, aliás data oficialmente autorizado, condicionado e ré, Decreto-Lei n.º 46 033, de 14 de Novembro, ou três dias antes da aludida conferência ministerial infelizmente distribuído depois, e portanto sem idade de conhecimento e diálogo públicos prévios, de incontestável conveniência e tem acontecido temente com inegável beneficio Do assunto se também os Decretos-Leis n.ºs 46 034 e 46 035
Nestas circunstâncias, e por coerência, julguei que devia voltar ao assunto, e com maior razão, porque agora o problema reveste aspectos muito mais graves por isso de ser observado com desapaixonada visão dos factos e das suas consequências jurídicas e práticas. E reveste-se mesmo, por vezes, de aspectos transcendentes, que se prestavam a uma profunda análise inconciliável com o tempo de que disponho.
Para evitar especulação, devo, porém, advertir desde já que não se trata de um escândalo, pois não o há nem podia havê-lo, dada a notória categoria moral e mental e a boa fé das pessoas que intervieram no estudo e na solução deste importante problema.
O meu propósito é tão-sòmente manifestar e fundamentar um modo de ver discordante do que foi resolvido e entrou em execução.
Com sucesso? Mesmo se não tivesse o direito de esperá-lo, não julgava inútil o meu esforço como expressão de dever cumprido na qualidade de representante da Nação.
Vejamos:
Em síntese, afigura-se-me que
1.º The Anglo-Portuguese Telephone Company, Lda., companhia inglesa, que é a concessionária «sem exclusivo», mas exercendo, de facto, a bem dizer o monopólio da exploração das redes telefónicas nas cidades de Lisboa e Porto e subúrbios, tem transgredido a lei e os contratos a que se encontra subordinada.
2.º A falta de cumprimento das obrigações assumidas pela Companhia não foi devida a casos de força maior oportuna e devidamente comprovados e reconhecidos pelo Governo, como os contratos exigiam.
3.º Consequentemente, além da prevista rescisão do contrato da concessão, eram aplicáveis à Companhia as demais sanções legais e convencionais, estas, aliás, agora ridículas, mas actualizáveis pela teoria da imprevisão comummente considerada pelos tribunais.
4.º O incontroverso desafogo financeiro da Companhia é jubilosamente confessado por ela no seu último relatório, ou seja o referente a 1963, pois o Sr. Administrador Roger disse que tinha o prazer de comunicar que 1963 foi outro ano bem sucedido e, sob o título de General Progress, acrescentou que a expansão da Companhia continua em considerável proporção ou ritmo.
5.º Na verdade, houve razão nestas francas expressões de júbilo, pois a conta de ganhos e perdas de 1963 acusou um saldo positivo de 855 137 libras, ou sejam 68 838 528$50 ao câmbio de 80$50, que ela, como disse no seu adoptou para a conversão, ou, vamos lá, 66 866 000$00 indicados sem explicação nas informações que pedi ao Ministério e correspondente ao câmbio de 78$10, isto é, mais 49 937 libras do que em 1962 ao aludido câmbio de 80$50.
6.º O dividendo aos accionistas atingiu, em 1963, 9 por cento e para as reservas geral e eventual entraram 230 000 libras, tendo ainda transitado para 1964 a importância de 672 704 libras.
7.º Eram e são, portanto, manifestas, a solvência da Companhia e a sua possibilidade financeira de manter ou reforçar as reservas e de garantir dividendo ao actual e ao futuro capital accionista, cujo aumento é decerto desnecessário como desnecessária será a emissão de novas obrigações, e ainda para ampliações indispensáveis, tanto mais que
8.º Por outro lado, certamente grande parte, se não a totalidade, do custo das instalações de telefones que foram e vão ser requisitados são pagas pelos requisitantes mediante a antiga taxa fixa de 250$ (agora elevada a 300$) e, além disto, elas aumentam substancialmente n receita da Companhia proveniente do rendimento de dezenas de milhares de postos novos instalados entre 1964 e 1967
9.º Se não fosse exacto o que fica exposto, a solução que a Companhia deveria adoptar seria a do recurso ao crédito, dadas a sua categoria e a garantia do seu activo, ou do seu direito e acção sobre o preço a receber do Estado pela aquisição desse activo. Suponho-o possível
10.º E, deste modo, não era, portanto, necessário o aumento das tarifas telefónicas que agora foi concedido ou qualquer outro.
11.º Mesmo ainda que fosse necessário ir em socorro da Companhia para esta cumprir, não se justificava cobrir esse encargo com o aumento das tarifas antes devia ser suportado pelo Estado, mediante empréstimos ou qualquer outro modo de financiamento, vencendo o juro normal e creditados (capital e juro) por conta do preço a fixar para a aquisição do activo do estabelecimento. Investimento este que viria a ser largamente compensado com os lucros da exploração revertida para o Estado.
12.º Da forma original e inédita como se processou este pronto socorro à portentosa Companhia resulta que, afinal, quem o presta, através do aumento das tarifas, são o público em geral e os subscritores em particular.
13.º Do acordo feito resulta também o inconveniente de uma muito antecipada e vultosa exportação de divisas a empregar pela Companhia em material estrangeiro necessário para as instalações, inconveniente este que não será inteiramente compensado pelo juro convencional de 6 por cento estabelecido no Decreto-Lei n.º 46 033 para os empréstimos ou adiantamentos.
14.º Além do mais, afigura-se-me desnecessário e é certamente anormal e até possivelmente arriscado o Estado antecipar compromissos e o desembolso de somas avultadas por conta de um preço ainda ignorado a satisfazer só daqui a anos e depois de fixado por árbitros, nos termos do artigo 35.º do contrato de 1928, por referência expressa do § 1.º do artigo 6.º alterado no fim do contrato e com ressalva da alínea 2) da base 2.ª anexa ao Decreto n.º 46 033, árbitros estes que o Sr. Ministro das Comunicações disse só virem a ser nomeados daí a ano e meio, e assim, fica o Estado amarrado desde já a um compromisso e impossibilitado de recuar ou discutir contenciosamente um preço exorbitante, como seria, por exemplo, já previsto na imprensa inglesa, sem o mínimo fundamento.
15.º Visto e ponderado tudo o exposto, julgo admissível que, excepcionalmente neste caso, teria sido talvez preferível, mediante o indispensável acordo mútuo, prorrogar a concessão por mais os 25 anos previstos, e, no final, a reversão gratuita para o Estado do activo da Companhia, sem encargos ou desembolsos antecipados para ele nem é claro, aumento de tarifas. E disse «excepcionalmente» porque, em princípio é conveniente não confiar a socie-
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dades ou indivíduos estrangeiros a exploração de serviços públicos importantes, como este é.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como é óbvio, o tempo não me permite desenvolver em separado todas as quinze conclusões que antecedem De resto, no conteúdo de muitas delas concretizam-se expressa ou implicitamente as razões do meu raciocínio.
E trata-se de conclusões inoperantes nesta conjuntura, em presença de alguns actos e factos já consumados?
Não o creio, mas, mesmo que, quanto a alguns, o retrocesso seja difícil sem reciproco acordo, o mesmo não sucede relativamente a outros, entre os quais o injustificável e francamente inconveniente e impolítico aumento das tarifas, destinado a cobrir encargos ou despesas que a Companhia ou, em último caso, o próprio Estado e não o público, podem e devem suportar, e, em todo o caso, são ainda pertinentes algumas palavras sobre as conclusões n.º 1.º a 3.º referentes às infracções da lei e dos contratos cometidas pela Companhia.
Na verdade
Ninguém, nem a própria Companhia, contestou que ela, apesar de ser inglesa, tenha existência jurídica em Portugal, pois concedeu-lha um alvará de 14 de Dezembro de 1887, e dúvida não se opõe a que ela está inteiramente subordinada às leis e aos tribunais portugueses, como determinavam o artigo 22.º do contrato de 1882 e o artigo 53.º da Lei de 22 de Junho de 1887, bem como o artigo 32.º do contrato de 1901, que expressamente a declarou sujeita exclusivamente às leis e aos tribunais portugueses, e, finalmente, determina-o o artigo 34.º do actual contrato de 1928, autorizado pelo decreto-lei de 3 de Janeiro, que a considera portuguesa para todos os efeitos.
Por outro lado, o § único do artigo 4.º e o artigo 23.º do contrato de 1882, os artigos 30.º e 31.º do contrato de 1901 e o 39.º do contrato de 1928 responsabilizaram a Companhia pelas infracções que cometesse.
De resto, bastariam os artigos 705.º e 709.º do Código Civil, aquele tornando os infractores responsáveis pelos prejuízos causados aos outros contraentes e o segundo estabelecendo em alternativas as sanções respectivas.
Mas terá a Companhia infringido realmente a lei e os contratos a que esteve e está submetida?
Tenho para mim que a resposta deve ser afirmativa, pois constitui só por si infracção, pelo menos, o facto de a Companhia não ter feito a instalação de milhares de telefones requisitados há longo tempo por entidades e pessoas interessadas, causando assim enormes prejuízos irreparáveis.
Suponho não ser de admitir outra opinião desde que uma das obrigações assumidas foi precisamente a de estabelecer à sua custa e explorar as redes telefónicas públicas dentro do perímetro da concessão.
Sem estas instalações é claro que a Companhia não podia entregar-se à exploração, aliás muito lucrativa, a que se obrigou para com o Estado e, através dele, para com o público que tinha e tem de servir.
Para não ir mais longe, basta acrescentar que, ainda no contrato de 1901, se duas partes se haviam obrigado a «cumprir fielmente» («fielmente», note-se bem) as condições exaradas. E igual «obrigação» foi confessada e reconhecida pela Companhia em sua exposição de 9 de Fevereiro de 1959, quando aludiu ao facto de a sua situação financeira afectar as suas futuras actividades em relação às «obrigações que contraiu», e reconhece a indispensabilidade de e ao encontro das necessidades «do público» pela ampliação das redes, e instalações, «sem qualquer interrupção» (sic)
Não pode haver dúvidas nem discordâncias, e a situação criada é tal que até no notável parecer sobre as Contas Gerais do Estado referentes R 1963 e há pouco discutidas e votadas o relator, Sr. Eng.º Araújo Correia mais uma vez chamou a atenção para os inconvenientes que resultam da demora na instalação dos postos requisitados» (p 504)
É verdade que os contratos da concessão ressalvaram os casos de força maior devidamente comprovados e reconhecidos pelo Governo, mas verdade é também que a Companhia nem na sua exposição de 1959, nem no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 46 033, o invocou.
E mesmo nas informações subscritas pelo Sr. Administrador Adjunto dos Correios, Telégrafos e Telefones, que recebi em 5 de Fevereiro último, diz-se, em resposta ao n.º 5 º do meu questionário, que o mandato da comissão mista «não abrangia» a matéria daquele número, ou seja a ponderação e aceitação dos argumentos que a Companhia, porventura, apresentara para justificar as infracções cometidas Borda apenas razões e comentários à margem, que não se me afiguram pertinentes, pois parece pretender concluir pela impossibilidade material de execução, em virtude do elevado grau de expansão das redes, imprevisível na data do contrato de 1928, que está em vigor com pequenas alterações.
Isto depois de alegar que também o estabelecimento e a exploração dos serviços a cargo da Companhia estavam sujeitos à inspecção e fiscalização do Governo, através dos CTT, falta que, aliás, não absolve a Companhia da consequência das infracções, e argumenta ainda com as dificuldades que adviriam da transferência abrupta paia os CTT do estabelecimento da concessionária e com o elevado valor que o Estado teria de desembolsar por uma só vez e em seguias condições para suportar a herança.
Acresce que esta resposta ao n.º 5.º do meu questionário teria, ao menos, o mérito de corresponder ao vácuo, se ano partisse do pressuposto de que a Companhia infringiu realmente a lei e os contratos conclusão irrecusàvelmente lógica.
O propósito revelado, esse sim, parece ter sido o de, embora indevidamente, considerar aquelas, razões como casos de força maior «devidamente comprovados e reconhecidos pelo Governo» Seria isto?
Tanto basta para demonstrar que, apesar de atingir alguns dos factos já consumados, este meu comentário não perdeu oportunidade e relevância, pois justificaria uma reconsideração ou a aplicação das sanções consequentes da infracção. E, mesmo que estivesse prescrito ou prejudicado o direito de seguir este caminho, a situação falsa em que a Companhia se colocou e os grandes prejuízos que tem causado ao Estado e aos requisitantes de instalações seriam argumentos de alta vai a e de influência muito de ponderar na determinação do preço da aquisição, que, como vimos, já se anuncia exorbitante verdadeira arma de defesa contra hipotéticos absurdos ou exigências incomportáveis.
Não obstante o exposto, pode alguém dizer ainda que para o cumprimento da obrigação de instalar as redes e os telefones já requisitados e os que futuramente o foi em, e mesmo também para o possível aperfeiçoamento, e ampliação dos valores existentes, a Companhia mão tem recintos suficientes nem possibilidade de obtê-lo.
Não o julgo possível, e mesmo que o fosse, «o concessionário é obrigado a assegurar o funcionamento regular e permanente do serviço público mesmo que a explo-
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ração se torne onerosa ou deficitária. O carácter de regularidade e continuidade do serviço é fundamental nas concessões de serviços públicos» (Conselheiro Alfredo Ferrão, Serviços Públicos no Direito Português, p. 335)
Já o Prof. Doutor Marcelo Caetano, no Manual de Direito Administrativo, 4.ª edição, p 529, embora com menos rigor, acentuara que o exercício desta actividade não é uma meia faculdade conferida ao particular, é também um dever a cumprir nos precisos termos em que a concessão houver sido outorgada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além da mencionada, outras infracções são atribuídas à Companhia, nomeadamente a de haver os registos de chamadas em número superior às realmente feitas, mas nem o tempo me chegava para apreciá-la nem tão-pouco estou habilitado com os elementos necessários para concretas e seguras afirmações e sua amplitude.
Sr Presidente: Admitindo, sem conceder, que não se justifica o que venho de dizer e onde baseei raciocínios de cuja sinceridade a ninguém é lícito duvidar, vejamos o que diz respeito pròpriamente ao aumento das tarifas, anunciado inesperadamente na aludida conferências de imprensa de 17 de Novembro último, autorizado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 46 033, de 14 de Novembro,
e estabelecido na Portaria n.º 20 947, do dia 30 imediato.
E notemos desde já que, além do aumento directo, houve-o também indirecto, e importante pela redução e alguns dos períodos de cada chamada, pois, em última análise, isto importa aumento tarifário quando a comunicação se prolongue por mais de um período, como sucedia e agora passou a suceder muito mais frequentemente.
Julgo não haver exagero em dizer que o aumento das tarifas impressionou desfavoravelmente o País e são gerais os clamores erguidos, e se o seriam justificadamente em qualquer momento, o são especialmente, e por todas as razões, na actual conjuntura. Consta-me que os protestos se tornam mais intensos à medida que vão sendo apresentados à cobrança os recibos que já compreendem o aumento tarifário. Aumento que, em presença do seu volume inicial, deverá, no seu conjunto, excede talvez a estimativa de 150 mil contos anuais indicada pelo Sr. Ministro das Comunicações!
Para justificar a reacção pública seria mesmo suficiente a circunstância de a exploração das redes telefónicas ser incontestàvelmente um importante e indispensável serviço público, e como tal foi e é reconhecido oficialmente nos decretos da concessão que lhe têm dito respeito e, resulta da sua própria natureza geral e utilitária. Necessàriamente tanto na vida particular como na pública, verdadeiro instrumento de trabalho indispensável ao exercício de todas as actividades e factor de notável relevo económica do País. Ninguém pode contestá-lo.
E se assim é, a manutenção e o desenvolvimento deste sistema de comunicações, além de ser uma fonte de progresso, favorece praticamente e de um modo geral o nível de vida de toda a população. O nível de vida e mesmo o custo dela, pois o preço da sua utilização - que já mais caro do que se imagina - afecta os orçamentos domésticos e os de exercício de todas as comerciais e industriais, que a algum lado vão buscara a compensação.
Independentemente destas razões e admitindo que outras ponderáveis se lhe contrapunham, havia contemplar-se a irremovível inoportunidade do aumento das tarifas.
Fora precisamente a inoportunidade que, por si e bem, serviu de fundamento bastante ao despacho ministerial que em 1959 indeferiu o pedido de pequeno aumento de 10$ mensais (apenas 10$) na taxa fixa dos postos principais, único aumento que então a Companhia julgou suficiente e pediu no propósito de conseguir o que chamou requisitos essenciais a aquisição de novo capital necessário à contínua e prevista expansão das redes telefónicas a seu cargo.
Ora, além de ser desnecessária e impolítica, muito mais evidente é a inoportunidade na presente conjuntura, porque agora o custo da vida para a generalidade dos particulares utilizantes dos telefones é maior do que em 1959 e agravam-se progressiva e inevitavelmente com o aumento de contribuições motivado pelos encargos da indispensável defesa do património nacional. Mais inoportuno agora, sim, visto que então, isto é, em 1959, ainda não sofríamos estes encargos, que se elevam a 3 500 000 contos anuais, além de centos de milhares despendidos directamente pelas grandes províncias ultramarinas, conforme declarou o Sr. Presidente do Conselho no seu discurso, a todos os títulos magistral, proferido em 18 de Fevereiro último.
Em face disto, em face dos grandes encargos e dificuldades que o estado de guerra trouxe para todos, como pode justificar-se que se julgasse agora oportuno o que se fez só porque estávamos a três anos de vista do termo do contrato?
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Isto é uma circunstância de tempo sobreposta a uma realidade que só por si e abertamente a condenava Suponho que não está certo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Disse o Sr Ministro das Comunicações que em quase 30 anos o nível dos preços tarifários se manteve praticamente o mesmo e que um estudo comparativo mostra serem as nossas taxas telefónicas, mesmo após o aumento previsto, das mais baixas da Europa, mas, a meu ver, o argumento não colhe, pois não podem servil de padrão ou de confronto com os de Portugal os preços que vigoram em países mais ricos e de nível de vida mais elevado Estes e as suas populações suportam sem dificuldade o peso de preços um tanto mais elevados, como se verifica, por exemplo, nas tarifas da França e da Inglaterra.
E, além disto, quem se impressione com esses confrontos deve lembrar-se de que, por outro lado, as taxas dos telefones da Alemanha ocidental, que haviam sofrido aumento, voltaram a ser reduzidas em Dezembro último, por motivo dos protestos do público e por se ter verificado uma acentuada baixa no número de telefonemas Assim o anunciou há pouco tempo um telegrama de Bona
E «as tarifas devem estabelecer taxas moderadas, tão próximas quanto possível do preço do custo do serviço, que beneficiem a massa da população, satisfazendo interesses gerais e não convencionais dos concessionários», diz também no citado Manual o Sr. Prof. Marcelo Caetano (p 545)
Também não é indiferente meditar numa circunstância que veio tornar incertas as previsões e cálculos sobre o futuro do problema das comunicações telefónicas e do seu regime de utilização e de preços. Quero referir-me ao sistema dos telefones electrónicos, que está a ser ensaiado na Inglaterra e nos Estados Unidos, parece que com sucesso, e, ao que se diz, as cidades de Copenhaga e Aarhus vão montá-los também a título experimental. E há pouco tempo a imprensa noticiou que na União Interna-
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cional dos Telefones, com sede em Genebra, está a ser estudado um sistema de telefone mundial automático, rápido e eficiente, e temos de admitir perturbações e alterações de alta influência nos sistemas de instalação e exploração das redes nacionais.
Admitindo, porém, por mera hipótese, que era necessário o aumento das tarifas para os fins em vista, e que a solução empregada era aceitável, restava ainda saber se esse aumento tinha de ser tão elevado como foi e se deviam ou não ser submetidos a ela todos os subscritores, sem excepção dos antigos.
Por mim, manifesto-me negativamente em ambos os casos.
No primeiro, porque, tomando para base um pressuposto de 20 000 pedidos de telefones ainda pendentes em 31 de Dezembro de 1964, os 20 000 interessados terão de pagai, pelo aumento de 50$ decretado, mais 1000 contos e, ao todo, 6000 contos, a razão de 300$ cada um Isto, repito, só pelas instalações, pois, além do custo vai lavei das, chamadas, cada um terá de pagar 600$ pela assinatura anual, dos quais 240$ provêm do aumento de 30$ para 50$ mensais.
Quanto ao segundo ponto, ou seja a sujeição dos anteriores subscritores ao aumento das tarifas, considero-o, além do mais, abertamente contrário a boas normas, mesmo tendo o Governo essa faculdade de fazê-lo livremente
Não é a minha opinião que se impõe ou prevalece, é o justificado princípio da não retroactividade que a razão e a justiça impõem e de que, em regra, são exemplo as leis penais, quando as novas agravam as penas, e as próprias leis fiscais, quanto aos novos encargos tributários.
E isto justifica-se mesmo no caso presente, porque, de outro modo, os interessados vivem em permanente insegurança e incerteza derivadas das alterações de cláusulas contratuais e das tabelas sob cujo domínio foram estabelecidos os novos preços, tanto mais que o aumento das taxas mensais e das chamadas locais, a redução dos seus períodos de duração, etc., implicam, como já disse, um elevado encargo para os utentes, a não ser que prefiram recorrer ao slogan da Companhia «Não vás, telefona », e invertê-lo para «Não telefones, vai ».
Só os «inocentes» dois tostões, que, não obstante a sua pequenez, representam 40 por cento de aumento nas chamadas, que denomino «utilitárias», e normalmente o são, representam um aumento total muito elevado, digo mesmo o maior volume das receitas provenientes das novas tarifas.
E, vamos lá, escapam do aumento as cabinas públicas, não só porque são utilizadas por muitos dos que não podem ter telefone em sua casa, mas também porque seria difícil modificai as caixas para receberem os $70. Mas nem tudo se perde, pois lá veio a redução para três dos cinco minutos de cada período de chamada, com prejuízo até para os namorados, se não preferirem voltar ao gargarejo.
Mas, vou mais longe. Mesmo os que, à data do aumento, já tinham requisitado telefones, em rigor não deveriam ser atingidos pelo aumento, pois já tinham tomado posição e a demora das instalações não pode ser-lhes atribuída Bem bastam os prejuízos, muitas vezes elevados e irremediáveis, que tal demora lhes tem acarretado.
E assim, o aumento, quando necessário, só devia atingir os interessados que se inscrevessem depois do início da vigência das novas tarifas. Do mal, o menos
E suficiente acrescentar agora que, em face de tudo o ocorrido, e nomeadamente dos novos encargos trazidos para o público e da posição inédita, incerta, arbitrária e arriscada em que o Estado se colocou três anos antes da reversão, ficando assim ilaqueado pelos actos que se forem consumando e impedido de ter os movimentos livres para poder discutir o preço do custo do que vier a ser fixado pela futura arbitragem, em face ainda do previsível excesso desse preço, sou levado a imaginar que talvez fosse preferível a renovação da concessão por anais os 25 anos previstos.
Bem sei que, nos termas do § 2.º do artigo 6.º do contrato de 1928, bem como nos anteriores, a renovação só pode dar-se com mútuo acordo do Estado e da Companhia.
E é também certo que no preâmbulo do Decreto-Lei n º 46 033, de 14 de Novembro último, se diz que n, concessionária não deu o seu acordo à prorrogação, justificação esta que, por sinal, peça por ser incompleta ou inadvertidamente inexacta, porque na sua exposição o Sr Ministro não só disse que a comissão mista da Companhia e dos CTT se manifestou também contra a prorrogação (e não apenas aquela), e nesse sentido, mas também ele próprio, Sr Ministro, se mostrou ostensiva mente concordante
Todavia, é possível que, no decurso do tempo que ainda resta, surjam razões justificativas de uma reconsideração recíproca Quem sabe? Talvez até isso tivesse acontecido se a solução adoptada fosse previamente divulgada e submetida a conhecimento e diálogo públicos
Tanto mais que com a prorrogação lucrava o Estado, porque, pelo contrato, a transferência para ele seria gratuita, lucrava o público, porque não havia aumento das tarifas, lucravam os requisitantes, porque o Estado, como era seu dever, obrigaria a Companhia a cumprir, lucrava a própria Companhia, porque as dezenas de milhares de contos de saldos que cobraria durante os 25 anos da renovação chegavam-lhe para cumprir o contrato e para dividendos, reservas, etc É até de admitir que a expressiva alta de cotação das acções na Bolsa de Londres logo no dia seguinte à conferência ministerial com a imprensa em Lisboa ainda fosse maior.
Só não lucrariam os CTT, que devem estar empenhados na breve reversão para eles da exploração das redes da Companhia, como, aliás, é natural e mais viável, visto que já explora, e com melhoramento progressivo, as do Estado e, com os saldos deste ramo (54 002 contos em 1963), cobre os deficits dos serviços do correio e telegráfico, como revela no seu relatório e acentua o Sr. Eng.º Araújo Correia, no citado parecer das Contas.
E a reversão para os CTT terá a vantagem de não haver interrupção da continuidade dos serviços Pena é que, apesar daquele vultoso saldo, fosse julgada necessária a matéria dos Decretos-Leis n.º 46 034 e 46 035, em parte onerosa.
E não se compreendem, além daquele, outros preceitos onerosos dos Decretos-Leis n.º s 46 084 e 46 035, embora seja de assinalar o benefício que resulta para as populações mais distantes da substancial redução do custo de instalação de redes interurbanas.
Claramente que, no caso de renovação do contrato, deveria o Estado ser mais vigilante e rigoroso, a fim de evitar que não se mantivessem ou não se agravassem as infracções.
Não se imagine que estou a contradizer-me, pois só perfilharia a renovação no caso de te manter o aumento das tarifas e de vir a ser exorbitante o custo do preço da transferência do activo para o Estado.
Para finalizar.
Tudo o exposto e o mais que acrescesse e a escassez de tempo me tivesse impedido de analisar, tudo, dizia eu, conduz, a meu ver, a confirmação da 11.ª a das conclusões
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a que me levou a apreciação do problema e enumerei no início das minhas considerações.
Isto é
Mesmo que razão não me assistisse e fosse n perdoar à Companhia as infracções e ir em sei para ela poder cumprir não se justificava e constituiu sob todos os aspectos um erro cobrir esse encargo com o aumento das tarifas telefónicas, antes, repito, devia ser suportado ùnicamente pelo Estado. Ùnicamente pelo Estado, sim, tanto mais que, finda a concessão e a exploração directa das redes da Companhia nos serviços públicos nacionais, o Estado encontrará no vultoso rendimento representado por dezenas de milhares de saldos da exploração uma larguíssima recompensa para o capital investido. Lucros líquidos mesmo muito superiores aos que a Companhia aufere, porque cessam muito dos encargos que a exploração por ela lhe acarreta em Londres, com reservas, dividendos, grandes impostos, administração maior número de administradores, etc. Ao passo que entregue, como se resolveu, aos CTT, há apenas de manter-se o pessoal da Companhia e custear indispensáveis que acrescerem.
Entrego o momentoso assunto ao elevado e Governo critério do Governo. E faço-o confiadamente, tanto mais que - sem intuito pejorativo que, porventura, se pretendesse atrbuir-me - entendo que sapientis est mutare consilium.
Sr. Presidente e meus Senhores. Não posso nem sei dizer melhor.
Por mercê de Deus, próximo, muito próximo, as oitava dezena da minha vida, agravada por complexos de uma precária saúde, só uma redobrada benevolência de todos os meus prezados Colegas para com o seu decano pode relevar as deficiências de um patrocínio de que, por iniciativa própria, ele se revestiu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Talvez mais de 15 000 portugueses continuem aguardando da capacidade dos Poderes Públicos, e da devoção de cada um de nós uma solução que não será a dos asilos anacrónicos, a da música volante ou a da simples exploração da caridade pública.
Os cegos são seres humanos portadores daquela dignidade que permito a qualquer homem encarar habitualmente a vida, a sociedade, o mundo do trabalho. Daí a necessidade de os libertarmos dos complexos e inibições que os têm relegado para a condição de seres marginais (cf Ver. Thomas Carrol, Blindness what it is what is does and how to live with it, Boston, 1961)
Renovo ainda um apelo o da recuperação social dos cegos (cf Diário das Sessões de 22 de Fevereiro de 1960).
Será que nada se tem feito entre nós a seu favor?
Não serei eu quem cometa a injustiça de olvidar muitos trabalhos e dedicações.
Já no bem elaborado parecer da Câmara sobre o Estatuto da Saúde e Assistência o seu relatório conselheiro Trigo de Negreiros, lembrava os esforços desenvolvidos desde o século passado até à Fundação Sam.
O que se me afigura é serem diminutos para o muito que há a fazer, importando, por outro lado rever métodos todos de forma a encarar o problema num plano que não é o da simples assistência, mas, antes, o da educação, recuperação e readaptação à vida.
Insisto na oportunidade de resolver algumas questões prévias definição legal de cegueira e de ambliopia, obrigatoriedade da declaração destas deficiências, avaliação, através de um recenseamento especial, do número de cegos e das suas condições de existência (nível económico, sob mico, cultural, etc. ) no nosso país.
Daqui passaríamos ao problema das estruturas indispensáveis a um esquema de recuperação social e às técnicas de actuação que assegurariam o sucesso de tal esquema.
Nem será difícil comparar a experiência de outros países para concluir pelo que mais nos interessaria. Desde a vizinha Espanha onde o problema foi encarado no plano para o nacional, às resoluções da II Conferência Asiática de Assistência aos Cegos (Kuala-Lumpur, 20 a 30 de Maio de 1963), a matriz de soluções revela ainda como os cegos vêm ocupando particularmente as atenções dos povos e dos governantes.
O problema financeiro, que a Espanha encarou apoiada na lotaria, a criação de um órgão coordenador das actividades a preparação do técnicos ajustados, a mentalização do público e a edição de medidas legislativas condicionam ainda o sucesso das novas actuações a encarar em Portugal.
De que actuação se trata?
Penso que dirão particularmente respeito ao ensino, à recuperação e readaptação e ao emprego dos invisuais.
O curso sobre educação de cegos, recentemente realizado na Misericórdia de Lisboa, pôs ao vivo a oportunidade de um vasto plano educacional das crianças e jovens deficientes visuais.
Educação familiar, educação preparatória, educação integrada e educação segregada de tudo importaria considerar as soluções convenientes.
Técnicos especializados deveriam prestar às nossas famílias o apoio da criança indispensável à integração e desenvolvimento normal da criança cega no meio familiar (cf, por exemplo, Berthold Lowenfeld, Our Blind Children, 2.ª edição, Springfield, 1964).
A educação preparatória, por seu turno, dever-se-ia efectuar com o objectivo de uma preparação psicológica e sensorial motora da criança facilitando a sua educação na escola comum ou na escola residencial.
Na escola comum não se dispensaria a orientação de professores especializados através de classes braille ou de recurso e do ensino itinerante.
Só quando razões de ordem psicológica, pedagógica ou social o recomendassem se recorreria à educação segregada em escolas residenciais ou semi-internatos.
A cobertura escolar do País para invisuais deveria ser assim objecto de um plano sistemático, em que se harmonizassem os vários tipos de ensino com os condicionalismos regionais.
As próprias escolas residenciais actualmente existentes conheceriam uma remodelação profunda - desde as instalações aos métodos do trabalho -, para virem a atender as zonas rurais onde não seja possível contar com recursos educacionais especializados.
Sr. Presidente: Dar a um homem que só viu privado nativa da vista, num desastre recente a certeza de que, não obstante ilustre tanto a cegueira irremediável, poderá voltar a fazer uma vida normal, trabalhar, deslocar-se na cidade, ler e escrever correctamente, embora sob forma diversa, é indiscutível que tudo isto constitui uma grande vitória moral e humana.
Levar uma rapariga, talvez enclausurada num asilo desde a primeira infância, sem esperanças e na dependência de tudo e de todos, a assumir as responsabilidades normais do governo do lar a sair sòzinha para fazer com-
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pras, a trabalhar numa oficina - que bela tarefa de solidariedade, que eloquente testemunho de vitória sobre as adversidades da Natureza (cf «Cegos e problemas de trabalho», in Broteria, Dezembro de 1964).
São estas as perspectivas que nos oferecem as técnicas de recuperação de cegos adultos. É ainda este o apelo que os cegos de Portugal fazem ao Governo da Nação.
O mundo de possibilidades ocupacionais dos cegos estende-se hoje das manufacturas tradicionais em que estes de há muito se encontram especializados - cestos, tapetes calçado, etc - a actividades largamente mecanizadas - moldagem de plásticos, saboaria, metalurgia ligeira, obras de malha com máquinas de grande rendimento.
Urge ainda aqui dotar o País dos indispensáveis centros de recuperação.
Mas a tarefa educativa não se confina a si própria. Os cegos ganham por seu intermédio o direito a uma colocação condigna, compatível com as novas aptidões e convenientemente remunerada.
A política de ocupação utilizada em vários países reconduz-se a três sistemas - preferencial, concorrencial ou de qualificação profissional e criação de novos empregos.
A adopção de medidas legais que impõem ao Estado ou às empresas particulares a obrigação de dar preferência, em certos empregos, a cegos com um mínimo de preparação e idoneidade não constitui procedimento inédito. A legislação em Itália, por exemplo, não diz mesmo respeito apenas aos cegos, mas a outras pessoas fisicamente diminuídas (cf «L'emploi obligatoire des invalides en Italie», in Revue Internationale du Travail, Julho de 1963)
Por sua vez, a política de criação de novos empregos liga-se aos chamados centros especiais do trabalho.
O problema tem merecido particulares atenções na Inglaterra e o sucesso das experiências realizadas constitui motivo de alento (cf «Un nouveau service de placement pour les aveugles en Grande-Bretagne», in Revue Internationale du Travail, Junho de 1964)
Existiam na Grã-Bretanha 67 oficinas ou fábricas especializadas para invisuais que ocupavam alguns milhares de pessoas. Em regra, cada uma utilizava entre 20 e 100 operários, embora as de maior dimensão chegassem a empregar 300 cegos.
Para garantir a viabilidade no plano económico e da concorrência destas unidades preconizou-se a criação de uma sociedade autónoma ligada ao Ministério do Trabalho. É administrada em moldes comerciais e tem uma dupla função orientação técnica dos centros fabris, a fim de lhes assegurar rentabilidade e garantia no plano comercial da colocação dos produtos, evitando o aviltamento dos preços e, consequentemente, a quebra nos salários dos cegos.
O trabalho artesanal ou domiciliário é igualmente objecto de protecção dentro deste esquema.
Tal apoio vai do fornecimento das matérias-primas à comercialização dos respectivos produtos.
Creio impor-se entre nós não apenas o recurso à qualificação profissional da mão-de-obra cega, mas ainda à adopção de medidas legislativas preferenciais e, sobretudo, a criação de centros especializados fabris. Nem esta última solução deve ser contrariada pelo que revele de discriminação. Representa, antes, o primeiro estádio de uma luta pela justa integração dos cegos na vida social
Sr. Presidente. Guardo da infância a memória das feiras da minha terra. Eram dias festivos abertos à nossa curiosidade no mundo dos objectos expostos no desvairamento das gentes. Mas uma nota triste ensombrava tudo isto os cegos, que ao longo do caminho expunham a sua miséria e clamavam, em nome de Cristo, por uma esmola.
Mais tarde, escolar de Coimbra, percorri, com outros companheiros, os caminhos de Fátima. E no meio deste povo a que pertenço, e cujas virtudes de fé, designação e fraternidade sempre me comoveram, encontrava de novo os cegos. Nesses dias Fátima não era apenas o altar do Mundo para o dramático apelo de muitos que ainda pelos seus caminhos tinham fome de justiça.
Os tempos rodaram. E deles guardo a recordação dos dias que não voltam.
Uma coisa subsiste, contudo o dramático apelo dos cegos.
Ouvimo-lo a dois passos desta Casa. Sentimo-lo por todos os cantos desta Lisboa.
A sua música é uma acusação a todos nós.
Que ela seja escutada pelo Governo da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Jacinto Medina: - Sr. Presidente. Está neste momento a ser debatida no mais alto órgão consultivo da nossa política ultramarina, o Conselho Ultramarino, conforme tem noticiado a imprensa, a revisão de legislação sobre o povoamento do ultramar e, designadamente, dos diplomas legais pelos quais se regem as Juntas Provinciais de Povoamento de Angola e Moçambique.
Pela transcendência do problema na vida nacional, os debates revestem-se de uma importância que não é de mais salientar e despertam certamente em todos nós e nas populações do ultramar a maior expectativa, pois dos resultados a que se chegar, das conclusões formuladas, dependerá todo o quadro orgânico e institucional, jurídico e económico em que virá a processar-se o povoamento do ultramar, cuja revisão há muito se impunha e é condição indispensável para que se obtenham os resultados visíveis e palpáveis que a actual conjuntura nacional exige com premente urgência.
Parece assim poder-se vaticinar que estamos em vésperas de passos decisivos para a resolução de um problema sobre a existência do qual todos estão de acordo, mas sobre cuja solução, à escala conveniente, é largo o terreno das controvérsias e das opções e escasso o caminho andado no sentido das realizações concretas
Ainda que em nosso entender o ataque do problema no seu aspecto global, devesse ter sido levado a cabo ha muito mais tempo, quando de forma parcelar e insuficiente se pretendeu resolvê-lo, actuando apenas nas esferas provinciais, com a criação das Juntas de Povoamento de Angola e Moçambique, há que felicitar agora o Governo, e em especial o Sr Ministro do Ultramar, por ter posto a questão no seu devido pé, atribuindo-lhe a valorização própria na ordem dos problemas nacionais, chamando a pronunciar-se sobre ela o mais alto órgão consultivo da política ultramarina e encarando a sua solução no plano nacional, em que verdadeiramente se integra.
Tão feliz ocasião leva-me a tecer sobre o assunto alguns comentários que me parecem de interesse e oportunidade.
Pode dizer-se que a nenhum português escapa hoje que o povoamento do ultramar, a ocupação humana dos territórios, tornando a presença física de Portugal tão palpável ali como na metrópole, é um dos elementos essenciais da vitória na luta que estamos a travar pela integridade e sobrevivência da Nação.
As forças armadas dão guerra, sem quartel aos elementos subversivos, e pela sua magnífica preparação técnica, capacidade de resistência e estoicismo, levada aos maiores extremos, alto sentido patriótico, quer no combate, quer
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no trabalho social, elevado moral e superior qualidade dos seus chefes, estão a reduzir cada vez mais a sua actividade terrorista, a confinar mais as áreas da sua actuação e a causar-lhes danos devastadores que minam o seu moral e esbatem as suas esperanças de vitória. Vão assim garantindo as condições necessárias para que decorra com segurança a vida das populações e se mantenha em frentes palpitante o ritmo do trabalho criador da riqueza, da paz e do bem-estar. Mas a vida dos territórios não se pode processar indefinidamente ao som dos mosteiros e do matraquear da metralha, os braços dos soldados são necessários para as tarefas de paz, são capital humano a investir em empreendimentos mais rendosos e menos trágicos, a guerra, e as suas inumeráveis misérias, deve ser banida quanto antes do quadro diário das populações.
As tropas garantem uma segurança que se poderá chamar a curto termo, mas o seu esforço custa à Nação muito sangue de soldados, muitas lágrimas de mães, muito suor do povo.
Passadas as fases agudas em que a acção militar foi a lei suprema e a única alternativa, parece dever-se enveredar com decisão e vigor para soluções que, se tivesse mesmo sido adoptadas há mais tempo, teriam com certeza evitado muitos dos horrores e das tragédias que assinalaram os últimos quatro anos da vida nacional.
Em artigo há pouco publicado num jornal de Luanda, o Dr. Pequito Rebelo - português de rija têmpera que a idade não impede de sair a fossado, como os cavaleiros alcaides dos castelos que balizavam a estrada reconquista, não em ginete coberto de armaduras, mas no seu pequeno avião, em que presta serviços assinaláveis às forças armadas e toma contacto com as terras e as gentes - dizia em síntese perfeita.
O que permitiu a entoada das influências estrangeiras do terrorismo no nosso território foi a sua deficiente ocupação. Embora esta ocupação nos não envergonhasse no confronto com os outros países, ela não foi o que exigia a plenitude da nossa missão civilizadora e cristianizadora. Só atacando na raiz esta causa indirecta do terrorismo, isto é, fazendo agora o que não se fez antes, a ocupação numerosa, eficiente, em quantidade e qualidade, em valores materiais e espirituais, e começando desde já esta ocupação pela zona do terrorismo, este se poderá destruir no seu fundamento e nas suas sementes e se poderá destruir no mais curto prazo, auxiliando e concretizando a definição da vitória militar.
A ideia não é totalmente original, pois em trabalho elaborado em 1962 por um distinto economista que então prestava serviço no Gabinete Militar de Angola, o Dr. Walter Marques, se estudou com todo o pormenor a constituição de aldeamentos agrícolas preparados para a autodefesa e cujos ocupantes seriam soldados desmoralizados depois do termo, do seu serviço militar.
Os aldeamentos seriam instalados nas linhas de infiltração mais frequente das guerrilhas - ao longo das fronteiras e em certas linhas definidas de acordo com o comando militar - e satisfariam ao duplo objectivo de evitar a osmose dos elementos terroristas e fomentar e desenvolvimento económico, quebrando-se assim o circulo vicioso peculiar à zona norte, atingida pelo terrorismo a ocupação económica não avança por insuficiência de cobertura defensiva e esta torna-se mais complexa e difícil precisamente por falta dos apoios que uma ocupação humana e económica pode fornecer.
O modelo adoptado seria o da propriedade individual para a exploração agrícola, aliada à utilização, em regime cooperativo, de certas instalações máquinas e alfaias e das unidades industriais destinadas a transformação dos produtos agrícolas, modelo semelhante ao dos mochav israelitas.
Por razões que ignoro o plano não foi executado, o que me parece a todos os títulos infeliz, pois outra poderia ser hoje a fácies económica e o grau de segurança nessa vasta região crítica Imagino que dois terão sido os principais obstáculos as disponibilidades em verbas - estimava-se 20 000 contos para uma aldeia de 100 famílias e o projecto na sua fase final previa cerca de 12 aldeamentos - e as dificuldades do recrutamento dos soldados-colonos
Estes, quando se decidiam a ficar na província, não desejavam trabalhar na agricultura e muito menos em aldeamentos no Norte, na metrópole não tinha a Junta os meios de recrutamento e preparação que se impunham e lhe teria permitido aproveitar o desejo de voltar de uma grande parte daqueles que, depois de matarem as saudades da terra e dos seus, não se conformavam com os horizontes limitados da vida provinciana e para sempre se tinham deixado seduzir pelo feitiço das lonjuras africanas, pelo ilimitado dos seus horizontes, pela pujança das suas potencialidades Parece que ainda se pensou em recorrer aqui ao Movimento Nacional Feminino - e como exemplo de desorganização e descoordenação não conheço melhor-, mas é evidente que nada poderia resultar, pois que aquela organização não só não dispõe dos meios e experiência para tal trabalho como tem uma finalidade completamente diferente e muito própria.
Para mim é este um problema da maior premência, que deveria constituir das preocupações mais instantes da Junta de Povoamento de Angola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelas suas repercussões de toda a ordem, que desnecessário se torna apontar, deveria dar-se-lhe prioridade absoluta e seguimento imediato, mesmo antes e independentemente de quaisquer reformas que venham a ser introduzidas nas estruturas que presidem ao povoamento e legislação por que se rege
A sua solução - só por si - poderia abreviar extraordinariamente o fim do terrorismo Disse Liautey que na Argélia um campo de trabalho valia um batalhão Quantos não valeriam no Congo Português doze aldeamentos defensivos e a malha de comunicações consequente!
A desproporção entre os elementos das diferentes etnias é muito grande - cerca de um para vinte em Angola -, o que, além de pôr hoje problemas políticos de vária ordem, retarda a exploração dos recursos locais e dificulta a absorção das populações negras para a nossa maneira de ser, de pensar, de viver, isto é, a política de assimilação conducente à completa integração de todas as populações da Nação nos planos jurídico, social e económico, objectivo transcendente e permanente de toda a política nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Urge, assim, fomentar a deslocação para o ultramar de elementos de origem europeia, ou de outros territórios da Nação, de nível geral de cultura mais elevada, em que a assimilação se pode considerar completamente realizada -como Cabo Verde e Índia -, constituir com eles núcleos de colonização que sejam fonte de irradiação da cultura portuguesa, dos usos, dos costumes, da religião, das tradições, da língua, isto é, dos valores de integração que determinam a obra de
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lação, realizar, enfim, o povoamento fisicamente indispensável à formação de uma sociedade multirracial equilibrada, em que a desproporção dos elementos étnicos em presença não constitua obstáculo à completa interpenetração das culturas e a constituição de autênticas comunidades luso-tropicais, tão originais e tão específicas da forma de contacto do português
Por outro lado, a valorização e o aproveitamento dos recursos locais, isto é, o desenvolvimento económico, são naturalmente estimulados, tanto quantitativa como qualitativamente, pelo crescimento populacional resultante da entrada de indivíduos portadores de técnicas e de necessidades mais evoluídas, que contribuem para dois objectivos da maior importância o aperfeiçoamento e a consolidação das estruturas económicas ultramarinas e melhoria do processo de elevação social e material dos povos, até ao estado de unidade perfeita, ou luso-tropicalização integral, conforme muito bem frisa o Prof. Nunes dos Santos
Não se ignora, é certo, que para encorajar o povoamento e até para, de certo modo, o tornar possível é essencial o aumento da dimensão humana do mercado, o reforço das estruturas económicas locais, de forma que ofereçam as necessárias condições de absorção das correntes migratórias entradas, que vêm aumentar a dimensão física daquele. Mas também não é menos certo que, sem a importação da capacidade técnica e empresarial e dos superiores padrões de vida dos elementos imigrantes, dificilmente se poderá dar impulso significativo ao desenvolvimento das economias, já que as populações locais, no seu estádio actual, pouco mais podem representar que mão-de-obra não qualificada. Mas não se pode estar à espera de que as estruturas económicas sejam suficientemente atractivas
Há que sair do impasse através do povoamento dirigido e custeado pelo Estado, durante o tempo em que as estruturas económicas locais e as condições gerais de vida não ofereçam ao emigrante atractivos suficientes para uma emigração espontânea, e, simultaneamente, por uma acção local visando, em síntese, como preconizam as associações económicas:
a) Fazer desaparecer progressivamente a agricultura de subsistência, inserindo-a na de mercado, aumentando-se o poder de compra, melhorando-se as condições sanitárias e culturais, obtendo-se segurança social e impenetrabilidade aos movimentos do exterior, tudo possibilitando a instalação de indústrias transformadoras para além da progressividade dos consumos actuais e do aumento da população,
b) Consolidação e alargamento das infra-estruturas,
c) Eficiência do sistema de pagamentos,
d) Indústria pesada e extractiva virada para a exportação, com vistas à correcção das balanças de pagamentos e comercial e a proporcionar divisas para novos investimentos, não só neste sector como nas indústrias ligeiras e nas economias externas agrícolas.
Para a economia metropolitana, as vantagens do povoamento e do consequente reforço das estruturas económicas ultramarinas ressaltam do conhecido teorema de Marco Fanno «Quanto maior for a emigração de homens e a exportação de capitais do país colonizador, tanto maior será o volume destes e número daqueles que pode ser utilizado com proveito no território metropolitano», ou ainda da sua afirmação de que a expansão demográfico-capitalista dos países industriais, seja para a zona temperada, seja para a tropical, constitui um meio poderoso do desenvolvimento da sua economia, destinado a consentir-lhes e à sua população um crescimento ilimitado»
Gostaria que meditassem nisto os senhores capitalistas e industriais da metrópole!
De ponderar são também as implicações político-sociais do povoamento, já que se torna evidente que, quanto mais numerosos forem os núcleos de portugueses da metrópole ou de outros territórios espalhados pelas grandes províncias do ultramar, maiores serão os vínculos, as relações e os laços de solidariedade que os ligarão entre si.
Além do mais, os grandes espaços, a fraca densidade demográfica e abundantes riquezas do solo e do subsolo são, e sempre foram, mormente quando mal exploradas, objecto de cobiça das grandes nações, que, na sua pugna pela hegemonia mundial, não hesitam em postergar os interesses dos menos poderosos ou dos mais débeis, ainda que encobrindo as suas mal veladas manobras com o véu diáfano de artificiosos ideais liberdade, valorização humana e promoção social, autodeterminação dos povos, nem por isso deixam menos transparecer a luta pelas matérias-primas e pelos mercados, característica da forma mais odiosa das colonizações, ou, melhor, dos colonialismos, de conteúdo exclusivamente materialista.
Nesta luta de morte entre a penetração capitalista e as forças comunistas, que procuram tornear aquelas pelo flanco africano, expandir a sua ideologia e drenar os seus excessos demográficos, ai dos fracos que não saibam guardar a sua fazenda e esperam que outros a guardem! Ai das populações africanas que, como já se conta Houphoué-Boigny, na sua «inocente cordialidade», serão dentro em breve as grandes vítimas da torrente chinesa! Vae victis! Pela nossa parte teremos de estar bem alerta e precavidos, pois, apesar da nossa secular presença em África, do nosso contacto fraternal com as populações de todas as etnias, da nossa aliança íntima com os trópicos - a que Gilberto Freire chamou confabulação secretamente maçónica de um grau e de uma profundidade ainda não alcançada por outro europeu -, não podemos ignorar que a Rússia e a China, jogando com a tensão racial, estimulando o ódio dos povos de cor contra o Branco e fomentando as nacionalidades incipientes - no que são secundadas pela América, numa política suicida e incoerente -, procuram destruir RS posições que a Europa ainda detém em África.
O Sr Vaz Nunes: - Muito bem!
O Orador: - Esta panorâmica, que tão sucintamente acabo de apresentar a VV. Exas. - que no espírito da Nação se traduz pela sensação geral, quase intuitiva, de que o povoamento, nos seus múltiplos aspectos, constitui um domínio fundamental da política nacional e pela consciência nítida de que é preciso carrear para o nosso ultramar toda esta seiva que se desperdiça, ao deixarmos fugir, que digo eu, ao facilitarmos inacreditavelmente a saída de braços que vão valorizar as terras estranhas da França, da Venezuela, da Argentina, da Alemanha, dos Estados Unidos e do Brasil -, não pode deixar de estar presente nas preocupações do Governo, dos responsáveis e dos estudiosos, a avaliar pelas referências frequentes que se lhe fazem, pelos estudos, colóquios, conferências e ensaios, em que se debatem com entusiasmo e saber todas as suas múltiplas implicações e transcendência.
Longe vai o tempo em que se pensava, como Oliveira Martins, que «desviar do Brasil para África a corrente de emigração proletária que para ali vai em demanda de trabalho seria um erro económico, sem alcance nem vantagem política» Como estamos a pagar caro, meus senho-
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rés, a falta de uma visão mais ampla da verdadeira dimensão da Nação!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como homens a tantos títulos ilustres não puderam projectar-se no futuro e antever as dificuldades e os perigos que a sua visão distorcida dos verdadeiros interesses nacionais viriam a fazer correr à Pátria?
Ao contrário da expansão anglo-saxónica, essencialmente mercantilista, cujos objectivos foram e são quase que exclusivamente de ordem económica, mais acentuadamente comercial, de acordo com as suas fortes estruturas industriais e como consequência necessária do jogo mecânico das forças económicas, a expansão portuguesa é dominada pela ideia da expansão da fé, da dilatação física das fronteiras da Pátria, e poderá considerar-se como o prolongamento lógico e natural do esforço da reconquista em que o inimigo era o Árabe e o objectivo transcendente a consolidação do remo pela dilatação das fronteiras.
Ainda que durante um longo período posterior ao ciclo das Descobertas a nossa ocupação dos territórios desvendados fosse dispersa, limitada ao litoral, feitorias para comércio, o que se explica certamente pela nossa exiguidade populacional e pela grande extensão das cobertas, nem por isso deixou de ser ideia, dominante dos nossos reis a ocupação efectiva dos territórios, a sua colonização demográfica, como se diria hoje, em que cristianização, pedra angular da nossa acção civilizadora se fazia pelo povoamento a assimilação e a interpenetração étnica tão peculiar à forma portuguesa de estar Mundo e de contacto com os povos diferentes.
A ideia dominante foi sempre civilizar e assimilar as populações, integrando-as, bem como as terras descobertas em definitivo no património da Nação.
Nunca foi objectivo da política portuguesa um mero imperialismo económico, a exploração pura e simples das riquezas encontradas sem a menor preocupação pelos direitos e interesses das populações indígenas pela sua elevação espiritual e pelo aumento do seu bem-estar. Como cantou Camões em versos magníficos « Não somos roubadores que passando, pelas fracas cidades descuidadas, a ferro e fogo os gentios vão matando, para roubar-lhes as fazendas cobiçadas»
É na segunda metade do século XIX que mais se acentua o interesse nacional e político do Estado no povoamento de Angola e Moçambique, procurando fomentar e disciplinar a emigração de colonos para aquelas províncias, mesmo à custa de pesados encargos.
No que respeita a Angola, inicia-se a colonização da Huíla depois da publicação, em 28 de Março de 1877, de uma carta de lei que autorizou o Governo a despender as somas necessárias para o transporte e fixação de colonos nas províncias ultramarinas.
Posteriormente, em 1899, foi publicado um outro regulamento que visou genericamente a colonização agrícola do ultramar através de indivíduos idos de metrópole. Como consequência, surgiram vários projectos de colonização, entre os quais o de Caconda, decretado por Teixeira de Sousa em 1902, o do planalto de Benguela e o projecto de Azevedo Coutinho de 1910.
No domínio da iniciativa privada, a mais conhecida é a tentativa do caminho de feiro de Benguela autorizada pelo Decreto n.º 25 027, de 9 do Fevereiro de 1935.
Mais recentemente, da execução dos planos de fomento tem resultado uma valorização de infra-estruturas de grande projecção económica, como portos comunicações, energia e prospecção do subsolo, bem como a criação de novas indústrias e actividades, nos diversos sectores da economia, que se traduzem em condições favoráveis à aceleração do povoamento sob a forma de emigração livre e automática.
No aspecto da colonização agrícola há que destacar o enorme esforço realizado nos colonatos da Cela e do Cunene, que, se os modelos adoptados e a economia do seu funcionamento podem ser objecto de discussão, constituem, não obstante, realidades económico-sociais, cujas repercussões futuras na ordem política podem ser de valor incalculável, se se atentar nos milhares de colonos europeus já ali fixados e na obra de valorização económica já realizada.
De todas estas tentativas e realizações e da relativamente abundante legislação e medidas de vária ordem tomadas pelo Ministério no âmbito da sua competência não tem resultado, todavia, aquele aumento do fluxo migratório tão necessário e sabia de ocupação humana dos territórios do ultramar.
Em 1961, reconhecendo-se - como se diz no preâmbulo do respectivo decreto - «a vastidão do domínio abrangido, a que não é estranho nenhum sector da actividade colectiva, dos primários aos de grau superior, a multiplicidade e frequente complexidade dos aspectos sob que se tem de considerar-se, dos bioecológicos aos sócio-antropológicos dos históricos e culturais aos económicos e políticos, dos técnicos aos administrativos e jurídicos, a própria presteza e eficiência da actuação que se desejam», foram criadas as Juntas de Povoamento de Angola e Moçambique, que ficaram a ser as responsáveis em cada uma das províncias pela condução dos problemas de povoamento e coordenação para tal fim de todas as actividades que aos mesmos de algum modo interessam.
Em Angola a Junta de Povoamento tem efectuado trabalho assinalável e de largo alcance no domínio da colonização interna assistência técnica e realização de obras de rega e acessos para a valorização da agricultura indígena, instalações de freguesias, com centros sociais, escolas, capela, posto sanitário, etc., que muito estão a contribuir para a fixação das populações rurais e elevação do seu teor de vida e consciencialização quanto às suas responsabilidades sociais, desenvolvimento comunitário e cooperativo para a melhoria da produtividade e do rendimento das actividades agrícolas e menores custos, colonatos mistos, em que os colonos das diversas etnias trabalham lado a lado em convívio fraternal, cujos benefícios e significado desnecessário se torna encarecer, aquisição de máquinas para a distribuição por várias áreas a fornecer aos agricultores gratuitamente ou a baixo preço de aluguer ou amortização, o que a torna já credora dos maiores aplausos e plenamente justifica a sua criação
No que respeita ao aumento maciço do fluxo migratório, os resultados obtidos podem considerar-se, no entanto, insignificantes e muito longe de satisfazei às prementes necessidades do povoamento da província.
O número de colonos fixados pela Junta até aos fins de 1963, oriundos do exterior - metrópole e Cabo Verde -, era apenas de 2100 aproximadamente, dos quais 93 soldados que se fixaram na província depois de terminado o seu serviço militar. Sobre estes, da falta do legislação necessária para o seu recrutamento, da definição das modalidades do seu emprego e dos factores psicológicos a considerar, das insuficiências e erros cometidos na actuação até aqui adoptada, muito haveria a dizer, mas deixo o assunto para outra oportunidade.
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A exiguidade dos resultados faz ressaltar claramente que as juntas provinciais não são ainda os instrumentos capazes de por si só gerar e manter um fluxo de povoamento do exterior à escala requerida. E não admira. Não dispõem dos meios de acção exterior que permitam o recrutamento e a formação dos colonos e a sua competência neste domínio foi limitada pela lei ao condicionamento da emigração espontânea na província, especialmente no que respeita ao pessoal destinado a estabelecimentos ou empreendimentos agrícolas, industriais e comerciais.
Circunscritas a uma actuação local, as juntas podem contribuir em muito para o desenvolvimento da agricultura local e para a sua transição «progressiva da fase de subsistência para a de mercado, podem ser instrumento valioso no aumento do bem-estar rural e na elevação do nível de vida das populações e, consequentemente, do seu poder de compra, podem contribuir de forma apreciável na distribuição equilibrada dos factores produtivos e realizar mesmo uma obra político-social de transcendente importância mas não preenchem a lacuna grave que se verifica e invalida quase completamente o esforço de povoamento
Sabe-te que se pode dispor anualmente de excedentes de mão-de-obra da metrópole, Cabo Verde e ainda, talvez. do Estado da índia, que andam pelas 50 000 a 70 000 unidades, e não se ignora que o dispêndio com o carreamento da totalidade destes excedentes para o ultramar sob a forma de povoamento totalmente dirigido envolve cifras impressionantes paia as possibilidades da economia nacional.
E claro e intuitivo que um fluxo regular de povoamento desta magnitude envolve a resolução de complexos problemas de ordem económica, de ordem técnica e de ordem administrativa, de ordem cultural e de ordem social, que podem fazer hesitar os menos decididos, e se é possível obter uma quase unanimidade de pontos de vista quanto à necessidade de acelerar o ritmo de povoamento e de aproveitar a totalidade - ou a maior parte das unidades disponíveis, já se deparam dúvidas frequentes, para não dizer descrença, quanto à sua viabilidade e generalizada controvérsia quanto às modalidades de que se deve revestir o povoamento dirigido ou espontâneo, colonização agrícola ou industrial, colonatos ou propriedades isoladas, povoamento orientado pelo Estado ou a cargo de empresas privadas para tal fim constituídas, etc.
Expondo em tempos a alguém altamente responsável as minhas preocupações quanto a este aspecto da nossa política ultimamente, foi-me recordada a história em que os ratos, para se defenderem do gato que os dizimava, reuniram-se em conselho e deliberaram que s solução seria atai ao pescoço do gato uma coleira com guizos Ao aproximar-se, o ruído destes dana o alarme, que permitiria a fuga a tempo de não serem atacados Simplesmente, passada a euforia da descoberta, verificaram, consternados, que ficara por resolver o problema fundamental como pôr os guizos ao gato
Por mim julgo que se poderá pôr os guizos ao gato desde que se decida encarar o povoamento como um dos imperativos imediatos da política nacional, se lhe dá a prioridade que se impõe e se criem com urgência as estruturas institucionais e se decretem as providências legais que permitam ao nível do Governo Central um esforço eficaz e produtivo
Uma nação capaz de manter 100 000 homens em operações militares, sem abalo visível das suas estruturas económicas e sociais, não pode ser incapaz de encontrar a resposta ao desafio que lhe é feito. Mas há que fixar uma política geral orientadora dos esforços a realizar e definir as linhas mestras daquela política para que se possa planear e estrutural o plano de povoamento, há que realizar estudos, há que elaborar planos parciais, que definir e preparar as áreas a ocupai, recrutar e escolher os colonos, etc.
É manifesto que a pequena Repartição de Povoamento do Ministério do Ultramar, que de pouco mais se ocupa que do expediente burocrático relativo ao embarque de escassos colonos, não está à altura nem tem os necessários meios para se desempenhar de funções tão complexas
O que se impõe é a criação de um organismo ao nível do Governo Central no Ministério do Ultramar, ou de preferência na Presidência do Conselho, convenientemente dotado de meios paia, em plano verdadeiramente nacional, atacar o problema de forma global, na totalidade das suas múltiplas facetas
Chame-se-lhe Junta de Povoamento do Ultramar, Junta Nacional de Colonização - se nele se integrar a Junta de Colonização Interna da metrópole -, encare-se mesmo a criação de um Subsecretariado para o efeito, mas o que certamente não é possível é planear e conduzir eficazmente o povoamento sem que exista um órgão superior que possa centralizar todos os serviços que a ele respeitem, trate do recrutamento e da preparação de colonos, coordene a acção das juntas provinciais de povoamento no que respeita à fixação destes, evite a dispersão dos trabalhos, as perdas de tempo, os desperdícios de verbas e a morosidade da execução
O que não se pode é continuar a consentir uma situação que a nada conduz e que vai retardando indefinidamente a solução de um dos mais graves problemas que na hora presente põem e prova a vitalidade e a capacidade realizadora da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se governar é povoar, como alguém uma vez disse, nunca, como no nosso caso, o asserto foi mais verdadeiro.
Povoar o ultramar, marcando insofismavelmente a nossa presença, é ainda o melhor meio de desencorajar as ambições desenfreadas, que, movidas pelos complexos desígnios dos materialistas despidos de ideal, vazios de conteúdo superior, pretendem levar-nos ao abandono da nossa própria casa a abrir mão sem protesto do património legado pelos nossos maiores, que, apesar das suas possíveis imperfeições e da nossa insatisfação, é uma obra extraordinária de relações humanas, de desenvolvimento económico, de paz e progresso, é consolidar as estruturas nacionais, é governar no seu melhor sentido.
Oxalá o Governo assim o entenda.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei acerca do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Faria.
O Sr. Gonçalves de Faria: - Sr. Presidente: Ao intervir na apreciação na generalidade do projecto de proposta de lei sobre o novo regime jurídico dos acidentes
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de trabalho e das doenças profissionais, não tenho outro propósito que não seja expor algumas dúvidas que surgiram ao meu espírito, determinadas por certos preceitos inovadores que o projecto contém em relação à lei vigente.
Eu tinha a impressão de que a Lei n.º 1942, promulgada em 27 de Julho de 1936, podia ser considerada ainda hoje, não obstante os seus quase 30 anos de vigência, como um diploma notável e capaz de permitir satisfazer, pela fácil actualização de alguma das suas disposições, as exigências do moderno direito social. Não o intendeu assim o Ministério das Corporações e Previdência Social, considerando antes preferível proceder à revogação total da Lei n.º 1942, procurando no novo texto uma melhor ordenação e sistematização das matérias tratadas, precisando situações mal definidas e duvidosas no direito vigente e actualizando certos conceitos da moderna problemática da reparação dos acidentes no trabalho e das doenças profissionais.
Ao ler-se o projecto da proposta de lei, não pode deixar de reconhecer-se a preocupação do legislador de proporcionar ao trabalhador por conta de outrem e aos seus familiares uma protecção eficaz contra as consequências dos acidentes involuntariamente verificados no decurso da actividade profissional e das doenças manifestadas como consequência dessa mesma actividade, quer pelo alargamento das reparações em espécie quer pelo montante das pensões, nìtidamente mais elevado que o consignado na lei vigente, quer ainda por outras disposições inovadoras, destinadas a proporcionar às vítimas do trabalho máxima reparação.
Não posso deixar de reconhecer o indiscutível elevado interesse social de todas estas inovações, pelo que elas representam de benefícios para uma grande parte da classe trabalhadora
Sem outro património que não seja o valor do seu trabalho, sem outra riqueza de que possa dispor além das possibilidades físicas que a Natureza lhe deu o trabalhador tem o seu grande drama, não na sombra do desemprego que uma política governativa pode muitas vezes corrigir, mas no receio da doença ou do acidente que o pode liquidar totalmente como meio de sustento para os seus. A presente proposta de lei vem protegê-lo e defendê-lo de uma forma justa da insuficiência, ou da inaptidão, que o acidente ou a doença lhe criou proporcionando, para si e seus familiares, a possibilidade de uma vida isenta de preocupações de ordem material. Neste aspecto, profundamente humano e cristão, a proposta de lei é credora do nosso maior apreço.
Simplesmente, tenho fundados receios de que os encargos derivados do alargamento do novo esquema de reparação venham a sobrecarregar demasiado, e, até nalguns casos injustamente, a economia empresarial. Se tal vier a verificar-se, e não vejo como seja possível evitá-lo, uma vez que o agravamento de valores de pensões não deixará de se reflectir, e em elevado grau, nas taxas de seguro a sua repercussão no equilíbrio económico da produção não poderá deixar de se fazer sentir sèriamente e a breve trecho.
Os encargos sociais já têm hoje uma forte incidência no custo da produção. De uma maneira geral, eles oneram a mão-de-obra em cerca de 30 por cento. Por aqui se vê a necessidade de ser muito prudente ao legislar em matéria social para se não romper abruptamente o equilíbrio económico-social da Nação. De uma maneira geral, toda a acção económico-social exige uma visão e um planeamento de conjunto sem os quais se arisca à inanidade ou à catástrofe.
Tenho sérias dúvidas sobre a oportunidade da política social desenvolvida ùltimamente pelo Ministério das Corporações, com a publicação da reforma da previdência, a reforma do direito processual do trabalho e do projecto da reforma do direito contratual de trabalho, e agora com a nova regulamentação do regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, justamente pelas suas implicações na economia das empresas privadas, que dificilmente os poderão comportar sem um reajustamento dos respectivos preços de venda
É uma vez que me referi ao projecto de reforma do direito contratual de trabalho, não posso deixar de exprimir, na qualidade de dirigente patronal, o meu vivo receio por certas disposições do projecto. Não é só pelo agravamento muito sensível dos encargos sociais a que vai dar lugar, mas especialmente pelas situações delicadas que ele cria nas relações entre os dirigentes patronais e os trabalhadores.
Compreendo estas disposições em países economicamente evoluídos, mas considero-as contraproducentes para um país em vias de desenvolvimento económico.
Quer dizer, e não creio que se possa rebater a asserção, que as consequências imediatas, ou a curto prazo, do somatório dos encargos criados as entidades patronais pela actividade legislativa ultimamente verificada no Ministério das Corporações sem dúvida alguma de elevado sentido social, mas em meu entender divorciada da actual conjuntura económica nacional, serão uma aceleração no processo em curso da alta dos preços.
Ora, a política social que, a meu ver, mais interessa de momento é aquela que promova o desenvolvimento da riqueza nacional mediante os investimentos públicos e particulares e a estabilidade dos preços. O resto virá por acréscimo. Na verdade, pelo desenvolvimento da riqueza nacional obter-se-á mais trabalho para os Portugueses, maior quantidade de empregos e melhores rendimentos globais, que hão-de permitir, por sua vez, o aumento do capital e a prossecução no investimento. Pela estabilidade dos preços conseguir-se-á a manutenção de um nível constante do custo de vida, que é a base de todos os planos relativos à produção ou à melhoria do poder de consumo dos trabalhadores.
O problema mais delicado que se põe na presente conjuntura à consideração do Governo, e que exige pronta solução, consiste na luta contra a alta dos preços, que, diminuindo a capacidade aquisitiva dos trabalhadores, cria o risco de romper o equilíbrio do binómio preços-salários e de desencadear um processo inflacionista difícil de controlar e reprimir.
No caso respeitante à proposta de lei em apreciação, o próprio legislador reconhece que o alargamento do esquema de prestações tanto pelo que toca às incapacidades como pelo que respeita à morte, não deixará de constituir um agravamento para as entidades responsáveis pelo seguro dada a necessidade de constituição das reservas matemáticas correspondentes mas julgo possível compensar esse agravamento pela generalização do seguro, pela obrigatoriedade de transferência da responsabilidade da entidade patronal para uma entidade seguradora e pela acção da prevenção, de que se afirma esperar uma diminuição muito sensível do número de incidentes e, portanto, aos respectivos encargos.
Não tenho, e lamento-o, elementos que me permitam fazer uma ideia do aumento do número de segurados que possa considerar-se como consequência da generalização do seguro
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Mas registo a afirmação do Digno Procurador Dr. António Bandeira Garcês na sua declaração de voto, que diz:
Exceptuando os pequenos produtores agrícolas e os serviços domésticos, o seguro de acidentes de trabalho garante hoje a quase totalidade da população activa do País.
A obrigatoriedade de transferência da responsabilidade da entidade patronal para uma entidade seguradora não salvaguarda, a meu ver, senão numa medida limitada os interesses dos, sinistrados e os das próprias entidades patronais.
Pela nova proposta de lei, a transferência da responsabilidade para entidades seguradoras passa a ser sempre obrigatória, «salvo se às entidades patronais foi reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos». Há, no entanto, disposições na lei que tornam pràticamente impossível o auto-seguro.
Na minha opinião, porém, dever-se-ia facilitar o auto-seguro, porque o melhor seguro do pessoal trabalhador ainda será aquele em que o segurador seja a própria entidade patronal, já que ninguém mais do que ela tem conveniência em ver perfeitamente reparados os danos que os infortúnios do trabalho possam causar aos seus servidores. Sou absolutamente de opinião que o auto-seguro seria o seguro óptimo. É certo que nos casos de incapacidades permanentes e de morte o caucionamento das respectivas responsabilidades pelo pagamento das pensões pode tornar-se demasiado pesado pelos valores que imobiliza e ser incomportável para a economia do empresário. Nestes casos, a transferência da responsabilidade para as companhias de seguros pode ser imposta à entidade patronal. Mas só nestes casos.
Quanto às situações de incapacidade temporária, o seguro por conta própria é, na realidade, a modalidade do seguro que mais convém à entidade patronal. Refiro-me, obviamente, às empresas de certa dimensão económica que, pelo elevado número de trabalhadores ao seu serviço, não podem deixar de ter devidamente montados e organizados os seus serviços clínicos, até porque o impõem determinadas leis ou convenções de trabalho De resto, a proposta de lei em discussão torna obrigatória às empresas a prestação de assistência médica e, para determinados casos, a presença, nos centros de trabalho, de médicos de trabalho
Mais uma razão a justificar o auto-seguro para as incapacidades temporárias. Além das vantagens, do ponto de vista psicossocial, de poder facultar aos sinistrados a assistência por pessoal médico e de enfermagem que vive no seu meio e com eles contacta diariamente em ambiente quase familiar, estão os serviços clínicos em perfeitas condições de dispensar aos acidentados e doentes profissionais, sem qualquer restrição, os cuidados necessários a uma melhor recuperação.
Por outro lado, o conhecimento largo que os médicos de trabalho possuem da psicologia e da índole de cada trabalhador, conhecimento que lhes vem precisamente do contacto diário que têm com o trabalhador, coloca-os em posição privilegiada para encaminhar o tratamento, já que a clínica dos acidentados do trabalho se reveste de características particulares que escapam à observação do clínico geral.
Quem está à frente de empresas e lida com trabalhadores sabe infelizmente, que a grande maioria dos trabalhadores não está ainda devidamente educada para pôr de parte certas artimanhas, e, por isso é frequente a simulação de situações de sinistro, de que dificilmente se apercebe o médico que não tenha um contacto permanente com o meio operário. E outros indivíduos há que têm a aversão ao seguro e procuram minimizar a importância do acidente, escondendo ou diminuindo as suas queixas, o que lhes pode acarretar complicações, sabido como é que de um pequeno acidente desprezado podem surgir graves consequências.
Para as empresas que são obrigadas a ter os seus serviços clínicos, e em especial para as empresas mineiras, a quem foi imposto, pelo Decreto n.º 44 308, a criação dos serviços médicos de prevenção de doenças profissionais, serviços que, aliás, podem sor perfeitamente aproveitados paia a clínica dos acidentes, não oferece dúvida de que as contribuições a pagar à entidade seguradora não podem deixar de ser mais pesadas do que as reparações dos acidentes, uma vez que essas empresas são obrigadas a possuir serviços clínicos devidamente organizados. Muitas empresas mineiras possuem até estabelecimentos hospitalares capazes de assegurar uma assistência cirúrgica era condições perfeitas.
Parece-me pois, necessário que conste expressamente na lei que, sob o mesmo princípio de unidade de seguro, as entidades patronais de reconhecida capacidade económica poderão chamar a si a cobertura de parte dos riscos nela consignados.
Quanto à acção preventiva de acidentes e doenças profissionais, depositam-se nela grandes esperanças. Mas essa acção é necessàriamente lenta e não se podem esperar resultados espectaculares a curto prazo.
A campanha nacional de prevenção infortunística, em boa hora iniciada, creio que em 1957, pelo então Ministro das Corporações, o nosso ilustre colega Di Veiga de Macedo, que à causa dos trabalhadores deu o melhor da sua inteligência, com inexcedível dedicação, foi o primeiro brado de alerta contra a alta sinistralidade verificada no País e foi ainda a primeira tentativa séria realizada entre nós para equacionar, num plano nacional, os múltiplos aspectos que houve de encarar para resolver o instante e grave problema da segurança do trabalho, aspectos que respeitam a prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, à higiene do trabalho e à medicina do trabalho.
Os resultados obtidos com a campanha com as medidas-legislativas oportunamente tomadas - lembro como uma das mais importantes a inclusão nos contratos colectivos de trabalho da disposição respeitante à defesa da integridade física e da saúde dos trabalhadores - foram extremamente satisfatórios, não só pela sensível redução verificada nos índices de sinistralidade, mas, sobretudo, por fazer despertar a consciência nacional para a gravidade deste sério problema, que, por razões humanitárias, sociais e económicas, tinha de ser resolvido a todo o transe.
Só há que prosseguir neste sentido e, por isso, dou o meu inteiro aplauso às medidas propostas pelo novo diplomo em ordem à prevenção dos sinistros de trabalho, a doença ou o acidente.
Sr. Presidente: A proposta de lei, na parte respeitante às doenças profissionais, dá relevância especial à silicose, preceituando para esta doença normas especiais de reparação.
A silicose, claramente definida no Decreto-Lei n.º 44 308, é uma doença que afecta de uma maneira muito particular os trabalhadores das minas e a sua importância não pode ser menosprezada em face das graves consequências, em geral reversíveis, que advêm para o trabalhador silicótico e dos elevados encargos de prevenção e de reparação suportar pela entidade patronal, nestes casos as empresa mineiras. Mas estas empresas enfrentam presentemente, por razões de várias ordens, sérias dificuldades para poderem subsista e, por isso, há que ser muito prudente ao
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legislar-se sobre matéria que possa reflectir-se na sua já débil economia. De contrário, assistiremos muito em breve à paralisação de muitas unidades mineiras.
E a indústria mineira, como foi demonstrado há relativamente pouco tempo nesta Câmara, se for devidamente amparada pelos Poderes Públicos, pode ser uma das indústrias de mais elevado interesse no desenvolvimento económico do País.
Com a criação da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, a cobertura do risco inerente à responsabilidade pelas doenças profissionais e a recuperação dos trabalhadores que por elas sejam vitimados passaram a cargo desta Caixa, para os trabalhadores admitidos a partir uma determinada data, desde que o exame médico feito no acto da admissão lhes seja favorável.
Nesta primeira fase, deve dizer-se, só as empresas de reconhecido risco silicogénico são obrigatòriamente inscritas na referida instituição.
A criação da Caixa Nacional de Seguros de Profissionais surgiu, e muito bem, como uma n determinante, imposta pela atitude do seguro privado para com a reparação desta doença profissional.
Simplesmente, a contribuição a pagar à Caixa de Seguros de Doenças Profissionais pelas empresas mineiras como taxa de seguro atinge, na maioria dos casos, 5 por cento do salário, sem qualquer contrapartida na redução das taxas de seguro privado.
Para as empresas mineiras esta taxa é demasiado alta para a economia de certas minas e afigura-se-me proceder à sua revisão no sentido de aliviar a sua incidência nos custos de produção.
Mas a situação agravou-se ùltimamente com a publicaçaõ do Decreto-Lei n.º 46 172, que dá possibilidade serem admitidos como beneficiários da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais os trabalhador abrangidos por um companhia de seguros quanto ao risco de doenças profissionais com dispensa de exame médico mediante acordo entre as duas instituições. Isto significa para as companhias de seguros livrarem-se de muita e encargos, encargos que elas transferem muito satisfatòriamente, mas muito injustamente, para a entidade patronal, no caso que de momento nos interessa, as empresas mineiras.
É verdade que a lei prevê a variação da taxa do seguro da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais em conformidade com a maior ou menor aceitação das medidas de prevenção.
As empresas mineiras alegram-se com esta disposição porque a luta contra a silicose, através de medidas de carácter médico, de ordem técnica e de ordem social, tem sido implacável de há meia dúzia de anos a esta parte e os resultados obtidos são francamente animadores.
De entre as medidas médicas sobressai como a mais importante o exame médico do pessoal no acto da admissão. Este exame deve ser rigoroso e todos os candidatos portadores de afecções ou mal formações das vias aéreas superiores, de bronquites ou outras afecções pulmonares ou cardiovasculares além de outros que o exame clínico assinale, devem ser imediatamente eliminados.
O rigor do exame nunca é exagerado, sabido como é que uma deficiente ventilação pulmonar constitui causa adjuvante para o aparecimento da silicose.
E há que ter bem presente que o estado físico do operário tem uma influência enorme para a receptividade da doença.
Eu considero esta medida como fundamental na prevenção da silicose.
É uma medida sem dúvida brutal, pelo elevado número de operários que elimina. Conheço uma mina em que 30 por cento dos candidatos são reprovados no exame de admissão. Este facto é significativo, e há que considerá-lo, porque se constata que quase todos os candidatos provêm do meio rural.
E o que se passa nesta mina que conheço passa-se, segundo fui informado igualmente noutras minas. Esta elevada percentagem de reprovações está a criar às empresas situações aflitivas, por lhes ser impossível recrutar novos operários destinados a manter o quadro do pessoal no nível exigido pelo volume da produção.
Nada direi quanto às medidas de ordem técnica, cuja finalidade é a supressão ou, pelo menos, a diminuição da formação de poeiras. Quero, contudo, chamar a atenção para a necessidade de se determinar, obrigatoriamente, para cada mina o seu índice comótico, segundo a fórmula francesa ou outra fórmula.
Esta determinação deverá ser feita pela Direcção-Geral de Minas, que já possui quase toda a aparelhagem de captação, contagem e análise de poemas e mesmo o pessoal devidamente habilitado para o efeito, embora em número insuficiente para o controle sistemático e generalizado a todas as minas.
À reorganização do esquema orgânico da Direcção-Geral de Minas, já sugerido ao Governo nesta tribuna, deverá ter em atenção a importância de um serviço de coniometria junto de cada uma das circunscrições mineiras.
A existência deste serviço constitui uma falta grave na prevenção da silicose nas minas.
O conhecimento do índice coniótico é fundamental para se fazer uma ideia do ambiente de trabalho numa mina, quanto à nocividade, e para orientar as medidas técnicas de prevenção.
Além destas medidas de carácter médico e técnico, outras há de âmbito social que se mostram como preciosos adjuvantes na profilaxia da silicose.
Tais são o fornecimento de refeições a preços acessíveis, a instalação de balneários, o auxílio financeiro para a construção ou beneficiação de moradias próprias o transporte de pessoal que mora afastado dos locais de trabalho, etc.
As empresas deviam ser encorajadas e até ajudadas na generalização destas medidas, indubitavelmente de largo alcance social. Incompreensivelmente, porém, é o próprio Estado a entravar a acção das empresas neste domínio, chegando a considerar algumas dessas medidas passíveis de contribuição industrial.
Pelas considerações que acabo de fazer é de aplaudir o que determina a lei em matéria de prevenção, especialmente no que se refere a obrigatoriedade do exame médico no acto da admissão e dos exames periódicos para despiste da doença.
Há, contudo, um ponto que me parece extremamente delicado e que se refere à disposição legal que considera, para efeito da prevenção, como silicose a acentuação do retículo pulmonar ($ único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44 308).
A proposta de lei consigna a reparação deste estado, chamemos-lhe «pré-silicótico», impedindo os trabalhadores que se encontram neste caso de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença possa ser agravada e reconhecendo-lhes o direito, durante seis meses, se antes não tiverem obtido outro emprego, à retribuição que auferiam paga pela entidade patronal.
Considero extremamente perigosa esta disposição. Há que reconhecer que as classes trabalhadoras não possuem nível cívico para que a interpretação do conteúdo desta base se seja conforme com o espírito do legislador. Na prá-
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tica haverá férteis recursos da imaginação para conseguir-se o benefício da retribuição.
Um distinto médico especialista em matéria de silicose escreveu algures.
Que o acentuação do retículo pode não traduzir nada de patológico, pois é normal em qualquer indivíduo depois dos 40 ou 50 anos ou pode existir num empoeiramento que não seja silicótico um vulgar fumador, por exemplo.
E, continua
À parte estas situações, as reticulites podem ainda aparecer, embora transitoriamente, nos processos inflamatórios agudos provocados por uma infecção bronco-pulmonar, por uma febre eruptiva, uma gripe uma coqueluche, uma asma, etc. Podem ainda aparecer, de forma persistente, num processo de bronquite crónica nos casos de perturbações circulatórias por congestões pulmonares passivas, na hipertensão pulmonar, por poliglobolia, nas estases linfáticas devidas a estados bacilares, neoplásticos ou leucócitos, de fibrose intersticial por cologenoses, ou pneumopatias por sobrecarga e, ainda nossos casos de fibrose pulmonar progressiva idiopática.
Perdõem-me os ilustres Deputados médicos meter a foice em seara alheia, mas creio que a transcrição veio confirmar os meus receios sobre o perigo da disposição a que me venho referindo, pelas situações delicadas que não deixará de criar às empresas mineiras.
Sr Presidente: A presente proposta de lei merece a minha concordância na generalidade, sem embargo de reconhecer que se torna necessário ponderar cuidadosamente certos pontos que se prestam a controvérsia. Ser que a jurisprudência pode vir a esclarecer e estabelecer doutrina sobre esses pontos mas todos nós sabemos que os pleitos judiciais são sempre demorados incómodos e dispendiosos.
Dentro desta preocupação de que sempre que seja possível, não se deve sobrecarregar as empresas com encargos evitáveis, permito-me chamar a atenção de quem de direito para o que se passa em alguns tribunais do trabalho no que se refere a interpretação do artigo 103.º do Código de Processo do Trabalho.
Muitas empresas mineiras possuem serviços médicos privativos, devidamente organizados e apetrechados, mas, por força do referido artigo, não lhes é reconhecido o direito de serem elas a fornecer quaisquer elementos de diagnóstico, porque este artigo preceitua que esses elementos serão requisitados aos serviços médico-sociais da previdência social da área do tribunal, e se estes não estiverem habilitados a fornecê-los, em tempo oportuno, serão requisitados a estabelecimentos ou serviços adequados ou a médicos especialistas»
E os estabelecimentos e serviços médicos das empresas parecem não ser considerados adequados, nem os seus médicos competentes para fornecerem esses elementos. A consequência deste, a meu ver, infundado procedimento traduz-se para os trabalhadores na deslocação, por vezes, de dezenas de quilómetros para serem radiografados num dos postos dos serviços médico-sociais da proximidade do tribunal, quando a radiografia podia sei executada nas proximidades do local de trabalho e para as empresas num elevado agravamento do custo dos exames radiográficos e de maiores despesas originadas com as deslocações dos trabalhadores, para não salientar o reflexo das deslocações no absentismo
A Inspecção-Geral dos Tribunais do Trabalho está a par desta situação iníqua criada a algumas empresas mineiras, e, por isso, se aguarda confiadamente que ela seja devida e satisfatòriamente esclarecida.
Sr. Presidente: Cheguei ao fim da minha intervenção, que reconheço ter sido dominada pela perspectiva económica relacionada com os novos, encargos que podem derivar do esquema da proposta de lei em apreciação para a entidade patronal. O tempo se encarregará de demonstrar se os meus receios são ou não infundados.
O meu desejo é que não tenham razão de ser e que a acção de política social do Ministério das Corporações, prossiga sem desfalecimento a par do desenvolvimento económico do País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na terça-feira dia 6 sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Cardoso de Matos
André Francisco Navarro.
António Burity da Silva.
António Maria Santos da Cunha
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Fernando António da Veiga Frade
Francisco António da Silva
Francisco Lopes Vasques
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne
Jorge Augusto Correia
Jorge Manuel Vítor Moita
José Dias de Araújo Correia
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Tito Castelo Branco Arantes
Srs Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia
Antão Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio
Augusto César Cerqueira Gomes.
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Carlos Emílio Tenreiro Teles Gruo
José Guilherme de Melo e Castro
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Pinheiro da Silva
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Purxotoma Ramanata Quenim.
Rogério Vargas Moniz
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas
Urgel Abílio Horta
Virgulo David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barras.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA