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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 203

ANO DE 1965 24 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 203 EM 23 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luis Folhadela de Oliveira

SUMARIO:-O Sr Presidente declarou aberta 10 horas e 15 minutos.Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
ara cumprimento do disposto no § 3º do artigo 109º da Constituição Política, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 84, 1.ª série, de 17 do corrente, que insere os n.ºs 46 278 e 46 279.
O Sr Deputado Agostinho Cardoso tratou de problemas de ensino.
O Sr Deputado Paulo Cancella de Abreu falou sobre actividade da Cruz Vermelha Portuguesa.
O Sr. Deputado Reis Fana referiu-se às condições de aproveitamento das madeiras em Portugal, especialmente em relação às resinosas.
O Sr Deputado Pinto Bull congratulou-se com a recente visita do presidente da Fundação Gulbenkian à Guiné e relembrou algumas intervenções que tivera, durante a legislatura, sobre a mesma província.
O Sr Deputado Lopes Roseira aludiu a crise da lavoura.
Sr Deputado Belchior da Costa regosijou-se com a ratificação, pela Santa Sé, do patrocínio da princesa Santa Joana de Portugal sobre a cidade e diocese de Aveiro.
O Sr. Deputado Ernesto Loureiro louvou as medidas tomadas pelo Sr. Ministro da Economia quanto à aquisição de alfaias agrícolas e produsiu considerações sobre o Congresso do Ensino Particular.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na especialidade da proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
oram aprovadas as bases XXI a XLII, algumas com alterações
saram da palavra no decorrer do debate os Srs Deputados Tito Arantes, Soares da Fonseca, Delia Santarém, Proença Duarte, Sousa Birne, Gonçalves de Fana, Cerqueira Gomes, Abranches de Soveral, Martins da Crus, Gonçalves Rapazote, Alberto de Meireles e Pinto de Mesquita.
O Sr Presidente encerrou a sessão as 20 horas

O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutosFez-se a chamada, a qual responderam os seguintes Srs Deputados:
gostinho Gabriel de Jesus Cardoso
lberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão
lberto Maria Ribeiro de Meireles
Alberto dos Bens Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior
André Francisco Navarro
Antão Santos da Cunha
António Augusto Gonçalves Rodrigues

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António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva
António Gonçalves de Fana
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Magro Borges de Araújo
António Manuel Gonçalves Rapazote
António Maria Santos da Cunha
António Martins da Cruz
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte
Augusto Duarte Henriques Simões
Augusto José Machado
Belchior Cardoso da Costa
Bento Benoliel Levy
Carlos Alves
Carlos Coelho
D Custódia Lopes
Délio de Castro Cardoso Santarém
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António da Silva
Francisco José Lopes Roseira
Francisco de Sales de Mascarenha Loureiro
Henrique Veiga de Macedo
James Pinto Buli
Jerónimo Henriques Jorge
João Mendes da Costa Amaral
João Bocha Cardoso
Joaquim de Jesus Santos
Joaquim José Nunes de Oliveira
Jorge Augusto Correia
José Alberto de Carvalho
José Luís Vaz Nunes
José Manuel da Costa
José Manuel Pires
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Pinto Carneiro
José Soares da Fonseca
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Júlio Dias das Neves
Luis de Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo
Olívio da Costa Carvalho
Paulo Cancella de Abreu
Quirino dos Santos Mealha
Rui de Moura Ramos
Tito Castelo Branco Arantes

O Sr Presidente: - Estão presentes 72 Srs Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do presidente da União do Grémio de Espectáculos, a apoiar a intervenção do Sr Deputado Sales Loureiro sobre a protecção à indústria cinematográfica.
Do Grémio das Empresas Teatrais, no mesmo sentido.
Da União dos Grémios da Indústria Hoteleira e Similares do Norte, a apoiar a intervenção do Sr Deputado Elísio Pimenta sobre o turismo nortenho

O Sr Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3º do artigo 109º da Constituição Política, está na Mesa o Diário do Governo n º 84, 1a série, de 17 do corrente, que insere os decretos-leis n.ºs 46 278, que aprova para ratificação a Convenção sobre segurança social entre Portugal e o Luxemburgo, e 46 279, que aprova para ratificação o Acordo entre Portugal e a Bélgica sobre a segurança social dos empregados do Congo e do Ruanda-Urundi, assinado em Bruxelas a 13 de Janeiro de 1965
Tem a palavra o Sr Deputado Agostinho Cardoso

O Sr Agostinho Cardoso: - Sr Presidente A obra do Estado Novo nos diversos sectores e níveis do ensino como nas actividades circum-escolares é notável se a compararmos com a situação do Bafe nesse sector anteriormente a 1926, embora já passassem 39 anos sobre essa data.
Mas, apesar disso, os 6,5 por cento que numa lenta subida de receitas lhe vêm sendo atribuídos nos últimos anos no Orçamento Geral do Estado são manifestamente baixos, num tempo em que se considera indiscutível postulado que a educação constitui alicerce indispensável de expansão na economia de um país e, como a saúde, o mais rendoso* capital nela investido
A importância deste sector do Estado, cujas receitas orçamentais é indispensável fazer subir, acha-se bem definida nestas palavras do actual titular da respectiva pasta
O desenvolvimento económico requer por toda a parte a formação de quadros de pessoal científico e técnico mais vastos e mais adestrados Para satisfazer as novas exigências da vida, para criar mais riqueza, paia elevar o nível geral, é precisa mais gente convenientemente preparada. E eis como economia e educação aparecem de mãos dadas.
Não deve a educação subordinar-se integramente à economia, porque tem fine superiores que transcendem a mera produção de bens, e deve tender, primeiro que tudo, ao enfraquecimento espiritual da personalidade Mas é fora de dúvida que sem progresso educacional não pode haver prosperidade económica O trabalho como factor cie produção valei á tanto mãos quanto mais valer o trabalhador, e este valerá tanto maus quanto mais preparado estiver, quanto mais sólida instrução geral e especializada houver recebido A economia será, em grande parte, o que for o homem, e este será, também em larga medida, o que dele fizer a educação
Esta relação entre o desenvolvimento educacional e o desenvolvimento económico acha-se sintetizada nestas outras suas palavras acerca da «conveniência da coor-

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denação entre a planificação educacional e a planificação económica, atendendo, designadamente, a que a primeira, viçando aumentar a qualidade e o rendimento do ensino, dentro dos recursos de que possa dispor-se em dinheiro e em pessoas, representaria importante contributo para o desenvolvimento económico e social do País através de fecundos investimentos no mais valioso dos capitais, que é o humano".
Daí a insistência com que nesta Assembleia se tem acentuado a necessidade - e ainda há pouco tempo o fez o ilustre Deputado Dr. Martins da Cruz- de dar maior posição na distribuição das receitas gerais do Estado ao Ministério da Educação Nacional.
Tem sido preocupação do Sr. Prof. Galvão Teles informar periodicamente o País acerca da posição doutrinária do Ministro em face dos problemas educacionais, da orientação dos estudos que equipas de técnicos de alto nível, sob a sua chefia e coordenação, vêm realizando e dos aspectos vastos e transcendentes que reveste a problemática da educação nacional. Refiram-se, de passagem, as últimas realizações mais importantes- desse Ministério: a criação do Secretariado da Juventude e Desportos, a criação e regulamentação do telensino e a instituição das seis classes de instrução primária. Mas saliente-se, sobretudo, que duas ordens de problemas de hierarquia diferente, mas de igual premência, dominam a actual panorâmica da educação nacional.
Em primeiro lugar, pela primeira vez no País, caminha-se para uma planificação da educação nacional, que, no aspecto qualitativo, se desenha no sentido de um Estatuto da Educação Nacional, com suas consequências na "estruturação da orgânica do Ministério e em extensas reformas do ensino e que no aspecto quantitativo se orientou no estudo da previsão, da evolução da estrutura escolar portuguesa no período de 1960 a 1975, adentro do chamada "Projecto Regional do Mediterrâneo", em ligação com a O. C. D. E., por iniciativa e sugestão de Portugal.
A segunda ordem de problemas, cuja solução urgente se impõe -já que as reformas de conjunto são necessariamente lentas, porque exigem em regra tempo preparatório, mais pessoal, mais dinheiro e mais instalações-, corresponde às medidas de acção imediata na melhoria das condições de trabalho do pessoal docente e dos alunos, no funcionamento dos serviços, nas remunerações, na ampliação de quadros, etc.
Várias vezes o actual Ministro da Educação Nacional exprimiu a necessidade de enfrentar e solucionar os problemas deste tipo, que são actualmente numerosos e graves, sem prejuízo das ideias de planificação e das reformas a empreender, ou porque haja neles acuidade e urgência, ou porque não colidam com futuras reformas, ou ainda porque as respectivas soluções parcelares sejam, fáceis de enquadrar nessas reformas.
Resta saber se há ou não o risco de as reformas e planificação do futuro estarem a absorver mais a atenção e o tempo de trabalho do que as reparações urgentes na estrutura actual e se o insuficiente ou defeituoso rendimento desta, a prolongar-se no tempo, poderá ou não causar danos irreparáveis no material humano que há-de accionar ou viver essas reformas. E, ainda, se não é de distrair com urgência verbas suficientes para essas "reparações" que se impõem, sob pena de os resultados serem irremediáveis.
Eis um argumento a mais para que a dotação do Ministério da Educação Nacional seja convenientemente reforçada.
Sr. Presidente: Não permite o tempo de que disponho largo estudo desta questão, mas não quis que esta legislatura acabasse sem denunciar aqui, com a minha admiração pelo esforço que vem realizando o Ministro da Educação Nacional e os seus ilustres colaboradores, a acuidade que reveste certo tipo de problemas imediatos do sector educacional do País e em breve apontamento enumerar alguns:
l.º Mencione-se, quanto ao sector primário, a necessidade da estruturação ida sanidade escolar, a que se referiu brilhantemente há tempos o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho, incluindo o apetrechamento suficiente do País em escolas para crianças de excepção e para os portadores de deficits físicos ou sensoriais, com a remuneração conveniente do professorado especializado e a especializar.
A observação sanitária das crianças, a prospecção das doenças escolares e a conveniente profilaxia, a correcção, terapêutica e recuperação, sobretudo nos domínios da oftalmologia, da psiquiatria, da otorrinolaringologia e da estomatologia, a difusão, das cantinas escolares, o transporte gratuito, de crianças que habitam longe das escolas - aparecem como objectivos urgentes.
É pena que haja no País só 88 médicos escolares e 44 visitadoras. Acrescente-se a posição cada vez mais grave dos regentes escolares.
Reproduzo o que acerca deles disse na sessão de 14 de Dezembro de 1963:

À medida que aumenta o número de professores primários vão os regentes escolares, para cujo quadro ainda em 1961 se realizaram exames de admissão, ficando desempregados, sem qualquer aposentação.
A protecção esboçada a estes servidores da Nação limitou-se até agora a facilitar o ingresso como alunos- das escolas do magistério primário aos que tenham o 5.º ano do liceu e menos de 35 anos e a colocação como contínuos dos estabelecimentos escolares aos que possuam o l.º ciclo.
Interessava estudar um mais vasto plano de protecção que possivelmente os enquadrasse como auxiliares dos professores primários nas escolas de frequência numerosa, e para os que só possuam a 4.º classe lhes desse prioridade absoluta em concurso público para a nomeação como contínuos de todos os estabelecimentos de ensino do País, para as vagas que se forem dando.
Há ainda os que envelheceram no trabalho de ensinar a ler e que não podem recomeçar outra profissão. A Nação tem de proteger a velhice dessa gente que devotamente a serviu.

À medida que as escolas do magistério primário, numa apressada preparação de duvidosa eficácia pedagógica, lançam vagas de novas professoras, vão sendo dispensados os regentes escolares, que sobrevivem ainda em alguns sertanejos postos escolares ou em locais a que nenhum professor se candidata.
Parece-me o momento oportuno de promover um inquérito nacional, por intermédio das direcções escolares e com o apoio do Instituto de Assistência à Família, que permitisse avaliar o número de regentes escolares actualmente existentes, seu tempo e qualidade de serviços prestados, sua situação económica e familiar, probabilidades de terem de abandonar as suas funções, possibilidades de obter novos empregos, etc.
O ensino técnico é talvez aquele que mais necessita de providências imediatas. Reunindo um volumoso sector de adolescentes, de difícil orientação didáctica e de difícil

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manejo, luta com sérias dificuldades quanto a instalações e apetrechamento e condições de trabalho do seu pessoal docente.
As diversas categorias de professores do ensino técnico, com diferentes remunerações e exigências de trabalho, parece-me ser elemento que perturba as actividades deste sector. Ainda recentemente um grupo de professores adjuntos do ensino técnico fez subir às instâncias superiores uma petição em que se reuniram argumentos irrefutáveis quanto à posição que ocupa na hierarquia do professorado, reflectindo-se numa injusta remuneração, comparada com a de outros profissionais do ensino e outras categorias- similares de funcionalismo público.
Os estágios para professores efectivos em alguns grupos acham-se fechados há mais de seis anos, o que impede aos professores adjuntos o acesso a lugares a que legitimamente devem aspirar, asfixiando a sua carreira, embora com a vantagem para o Estado de ter menos gente a quem pagar férias e de ter técnicos mais "baratos" ... injustamente.
É de impressionar o diferente número de horas exigidas semanalmente aos professores do liceu e do l.º grau do ensino técnico, por um lado, e, por outro, aos do 2.º grau do ensino técnico, a quem se exigem mais horas, e a quem correspondem, em regra, turmas mais numerosas de alunos, nas quais o professor tem diante de si uma população recém-chegada de apressada preparação na escola primária e onde se reflecte em alta percentagem um baixo nível intelectual de meios sociais que começam a sair de um longo período de analfabetismo. Esta diferenciação em dois graus na categoria de professor de escolas técnicas, com remunerações diferentes e inversamente proporcionais ao trabalho exigido, felizmente ausente no ensino liceal, não deixa de parecer hoje absurda.
E se nos voltarmos para o ensino liceal, encontramos problemas do tipo referido, comuns ao ensino técnico, lado a lado com problemas: específicos:

a) A insuficiência dos liceus normais e o apertado crivo que constituem para os candidatos ao ensino secundário;
b) A insuficiência dos quadros de professores efectivos impede a legítima aspiração do acesso aos licenciados pelas nossas Universidades que se dedicaram a uma benemérita e nobilíssima carreira, seguiram os seus degraus e vêem passar os anos sem atingir a efectividade. Quadros de professores há muito ultrapassados em liceus onde o número de professores adventícios, provisórios, contratados ou agregados é permanentemente muito superior ao dos efectivos.

2.º A situação dos professores extraordinários, todos licenciados, obrigados a contratos por três anos, dos quais não podem desistir, sob pena de punição, mas que se consideram afastados do serviço nas férias, sem vencimento durante os meses de Agosto e Setembro.
3.º É o caso ainda dos professores provisórios, licenciados, com contratos anuais, mas que terminam sempre no fim do mês de Julho ...
Eis, Sr. Presidente, três tipos de casos em que o Estado, por penúria de verbas no sector da educação, não paga férias a professores, num tempo em que todas as profissões tendem para férias.
E concluo esta parte citando o que disse a respeito de tão velho mal na sessão de 29 de Janeiro de 1963 desta Assembleia:

Parece que, na ordem dos valores e do tempo, há que dar certa prioridade à reparação dessas situações a que me refiro. É o caso da insuficiente remuneração do professorado, que levou ao enorme predomínio do sexo feminino nos quadros docentes do ensino secundário. É o caso da pequenez dos quadros do professorado efectivo do ensino secundário e técnico. Sabe-se há muito que os quadros dos liceus e escolas-técnicas são definitivamente insuficientes para as necessidades normais do ensino, e usa-se e abusa-se de permanentemente contratar professores provisórios, extraordinários ou agregados, a quem se não pagam as férias, a quem se desconta para a aposentação, mas a quem se fechou completamente a possibilidade de aposentação. E, todavia, a lei obriga os colégios particulares a pagar as férias grandes a todos os professores que contratem.

A estreiteza dos quadros e as dificuldades de acesso a professor efectivo a que aludi levaram à seguinte situação, que veio exposta num artigo de O Primeiro de Janeiro em 14 de Outubro de 1964:

Em 1901, para 46 000 escolares havia menos 32 professores efectivos do que em 1938-1939, o que nos permite concluir mais uma vez que por penúria de verbas está o ensino liceal entregue na sua maior parte a professores adventícios ou provisórios, ainda com insuficiente formação pedagógica e que não a podem praticamente realizar nem ascender como desejam na carreira do professorado.

Depreenda-se, ainda, o que isto representa em relação às previsões do Projecto Regional do Mediterrâneo! ...
E cite-se a originalidade daquela providência estatal que dispensou os homens de exame de admissão ao estágio nos liceus normais, mantendo-o para as senhoras, dado o predomínio deste sexo no ensino liceal.
A série de anomalias e absurdos que ao longo dos anos se criou em volta do professorado de ensino secundário e técnico, com reflexos cada vez mais graves sobre as condições e resultados do ensino, parece-me que aconselhava um conjunto de medidas de saneamento da situação que preceda a completa reforma geral destes sectores. Ainda aqui é de pedir-se, como base de tudo o que venha a fazer-se, um aumento substancial de dotações orçamentais orientadas nesse sentido.
Só assim será possível melhoria de remunerações, aumento do quadro dos professores efectivos, da lotação dos liceus normais e, portanto, do número de professores estagiários, abertura de estágio em certos grupos, hoje fechados, no ensino técnico, subsídios de residência, gratificações por serviços complementares e a instituição de mais escalões de promoção, como o faz a França adentro da carreira do professorado. A protecção e regalias atribuídas pouco a pouco ao professorado deste nível no ultramar, e que só merecem aplauso, começam agora a estabelecer grave contraste com a situação do professorado metropolitano - aspecto importante a considerar.
É que o professor do liceu para chegar a efectivo tem que subir estes degraus:

a) Licenciatura por uma Universidade;
b) Exame de admissão ao estágio dos liceus normais, agora só exigido aos candidatos do sexo feminino ;
c) Um curso especializado de ciências pedagógicas, ministrado nas Faculdades de Letras (um ano):
d) Um estágio, não remunerado, com a duração de dois anos, nos liceus normais;
e) Um Exame de Estado.

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Sr. Presidente: Não pretendo referir-me em tão ligeiro trabalho ao ensino universitário.
Interessa-me só perguntar se não será ele o que exige mais urgente reforma e se esta é ou não possível de enquadrar em mais vastas e futuras reformas de conjunto.
A fuga crescente de licenciados do sector público para o sector privado, a carência da chamada mão-de-obra científica, a disparidade entre o número de alunos que se matriculam numa Faculdade e o número dos que concluem o seu curso em cada ano, o caso particular dos médicos e as dificuldades com que neste capítulo se debatem os serviços do Estado, parece-me porém com urgência um problema de política pedagógica, envolvendo a selecção da matéria e métodos de ensino e a revisão dos critérios de apreciação do aproveitamento escolar. Será inútil acentuar quanto aqui ainda os insuficientes resultados prejudicam o progresso do País e quanto é de atribuir-se a este sector importante prioridade na distribuição dos dinheiros públicos.
Sr. Presidente: Aproveito a oportunidade de estar no uso da palavra para acrescentar um pequeno apontamento acerca de dois problemas do tipo que venho referindo respeitantes à Madeira, o círculo que me elegeu. Há no plano do ensino primário uma necessidade urgente de construir mais edifícios escolares. Os que estão ou vão sendo construídos representam menos de metade do total que é preciso construir.
A dificuldade maior reside no custo elevado do terreno na ilha da Madeira, ultrapassando as possibilidades das câmaras municipais que o tem de adquirir, embora socorrendo-se de empréstimos do Ministério das Obras Públicas, sem juros, mas a serem repostos em dois anos.
Considerando este caso particular, muito grata ficaria a Madeira ao Sr. Ministro das Obras Públicas se o terreno para a construção de escolas primárias pudesse ser incluído no conjunto da edificação, já que esta usufrui de melhores condições de comparticipação por parte do referido Ministério.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: A Madeira julga que é tempo de começar-se a pensar em ,criar na sua capital um esboço de Estudos Universitários, a desenvolver pouco a pouco, conforme a experiência o for aconselhando. E argumenta deste modo:

1) Os estudantes correspondentes aos seus 300 000 habitantes e que concluem anualmente o curso secundário estão em largas condições de inferioridade em relação aos seus colegas do continente e em especial aos das três cidades universitárias. Viagens caras para o universitário madeirense, manutenção cara, ausência de qualquer redução nas propinas ou de prioridade nos lares universitários, nenhuma protecção que de longe se aproxime da que justamente vêm usufruindo os estudantes ultramarinos. Obteve-se recentemente da Junta Nacional da Marinha Mercante a redução de 20 por cento nas viagens de ida e volta em todas as férias. Acrescentem-se os perigos de ordem moral que numa grande cidade, longe do ambiente familiar, correm jovens dos dois sexos, vindos de meios sociais diversos, a partir dos 17 anos.
2) A descentralização, à medida que mais numerosas massas juvenis ascendem à Universidade, é a orientação inevitável.
3) Nas Canárias há duas Universidades - uma em Lãs Palmas e outra em La Laguna.
4) A criação de Estudos Universitários em duas províncias ultramarinas parece indicar este sentido descentralizador. A Madeira tem actualmente 4603 estudantes matriculados, em estabelecimentos secundários e técnicos oficiais e particulares.
5) Pretende assim a Madeira a criação de uma secção num curso superior, possivelmente de Letras, aquele onde seja menos difícil recrutar pessoal docente e que represente um esboço e uma experiência local de Estudos Universitários a desenvolver.

A Academia de Música e de Belas-Artes da Madeira constitui argumento válido a favor do que venho dizendo. Júris nomeados pelo Ministério da Educação Nacional deslocam-se à Madeira para exame final dos alunos, que obtêm assim a equivalência ao curso geral e superior do Conservatório Nacional e ao curso geral das Escolas Superiores de Belas-Artes de Lisboa e Porto, podendo depois inscrever-se directamente no 5.º ano (curso complementar das referidas Escolas). Poderia estabelecer-se analogia com o que nesta instituição eficazmente vem sendo feito pelo Ministério da Educação Nacional: os exames efectuados por professores das Faculdades de Letras que se deslocassem ao Funchal, no que respeita aos quatro primeiros anos, estipulando-se que no 5.º ano os alunos se matriculariam directamente numa das Faculdades do País.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Quero recordar que a Madeira já teve uma Escola Medida. Portanto, eu ainda conheço na minha ilha médicos formados por essa Escola, aliás dos mais distintos clínicos que possuímos.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as suas palavras, tanto mais que vêm completar as minhas considerações, uma vez que tenho de ler muito depressa em virtude de o tempo ser escasso.

Pausa.

O Orador: - Não se ignora que um dos principais óbices desta aspiração madeirense é o pessoal docente. Posso, todavia, afirmar que este problema foi estudado pelas entidades locais e apresenta grandes possibilidades de solução, que o tempo de que disponho não permite analisar. Desejo desta tribuna, e dado o interesse que toda a Madeira tem na solução deste problema e as referidas possibilidades de solução que ele comporta, pedir ao Sr. Ministro da Educação Nacional que envie à Madeira um técnico do seu Ministério para estudá-lo in loco.
Pode S. Ex.ª estar certo de que os Madeirenses lhe ficariam muito gratos por tal decisão.
E termino, Sr. Presidente; resumindo:
Há "reparações urgentes" a efectuar no actual funcionamento de diversos sectores da educação nacional que não podem aguardar as reformas de conjunto, sob pena de comprometer-se gravemente o futuro. O próprio Ministro por outras palavras já o tem afirmado. O País vive e viverá progressivamente sob o clima de explosão educacional, que a campanha contra o analfabetismo promo-.

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véu e que se vai felizmente repercutindo sobre o ensino médio e superior.
Faço votos por que no Orçamento Geral do Estado para 1966 possam ser substancialmente aumentadas as dotações do Ministério da Educação Nacional para que esses problemas possam ser solucionados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: As horas de amargura sofrem-se em silêncio. Simples mente, eu tinha o propósito, que, por divulgado, é um dever, de, antes do encerramento da presente legislatura, ocupar-me ainda de dois assuntos.
Um deles é o centenário da Cruz Vermelha Portuguesa que neste ano decorre e, por este motivo já era digno de referência nesta Assembleia. A escassez do tempo não permite porém mencionar a sua grande acção sob todos os aspectos que a caracterizam; tão grande que não carecia de adjectivos para defini-la e realçá-la.
O outro assunto, aliás relacionado com aquele, refere-se à extraordinária acção assistêncial da Secção Auxiliar Feminina da mesma Cruz Vermelha e à de outras instituições semelhantes, especializando o Movimento Nacional Feminino.
Já na sessão de 25 de Janeiro de 1962 tive oportunidade de referir-me à notabilíssima acção social da mulher portuguesa, desde sempre especificadamente na conjuntura nacional que decorria e decorre. E de tão expressiva e consoladora realidade, cada vez mais revelada, concluí que não era demasiado, antes constituía um dever de justiça e gratidão, assinalar aqui a sua operante acção em variados sectores da vida nacional. E terminei, então, por dirigir-lhe uma sincera mensagem de aplauso e de louvor nas pessoas das distintas senhoras que honrosamente temos por colegas nesta Assembleia e tão brilhante e nobremente sabem ser as intérpretes do pensamento e dos melhores anseios femininos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - E demasiado não é voltar a referir aquela meritória acção, até porque ela está a revelar-se cada vez mais acentuada e relevante, como fruto dos esforços empreendidos através de campanhas persistentes e de exaustivos esforços.
E, como se comemora neste ano o centenário da benemérita Cruz Vermelha Portuguesa, justifica-se plenamente começar por uma referência muito especial à sua Secção Auxiliar Feminina.
Disse-me um dia uma ilustre senhora, pertencente a esta Secção Auxiliar:

Quando é preciso, as mulheres portuguesas sabem dominar as suas próprias fraquezas e contrariedades pessoais, para trabalharem em comum para um fim comum.

Bem exacta e expressiva é esta realidade. Basta contemplar para exemplo a valiosa actividade daquela brilhante Secção desenvolvida no decurso do ano de 1964.
Só nesse ano, 6682 pessoas foram socorridas e beneficiadas pelos diversos modos utilizados por ela, como sejam subsídios, internamentos, medicamentos, rendas de casa, roupas, géneros alimentícios, etc.
Organizou colónias de férias e foram atendidos nos seus centros de saúde, em consultas e tratamentos, o mínimo de 6806 crianças e numerosos adultos, sem referir vacinações, análises, radiografias e intervenções cirúrgicas.
À Secção Feminina da Cruz Vermelha exerce também assídua e variada actividade assistêncial nos hospitais militares e anexos e no serviço de recuperação sob várias formas e ainda na obtenção de emprego para os recuperados. Isto sem falar na assídua troca de correspondência com os soldados em campanha no ultramar, nomeadamente em Angola, e na remessa constante de milhares de encomendas com artigos de toda a natureza.

O Sr. Sonsa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - Além de tudo o exposto, que é imenso, há que assinalar ainda, com o destaque merecido e muito especial, a sua notável campanha em prol da construção de casas para pobres; com tal sucesso que, em dinheiro e materiais, ela já excedia no final daquele ano três milhares de contos. Daí resulta que, segundo a informação que obtive, já estão concluídas 156 casas e em construção 238.
É tudo?
Sem dúvida que não é. Mas dúvida também não há de que aquela sua acção vai prosseguir, pois não hão-de faltar-lhe recursos para esse fim.
Na realidade, apesar do muito que se fez, do muito e muito que estão, a fazer também o Estado, através do grande Ministro Arantes e Oliveira, e as Câmaras- Municipais de Lisboa e, Porto e outras, muito está ainda por fazer "obre o problema habitacional das classes mais humildes; problema da maior acuidade e também dos de mais difícil solução,, dados o aumento natural da população e a inextinguível corrente migratória para os grandes centros populacionais. Digo mais: problema de impossível solução radical, visto que estes dois factores impeditivos são uma constante irremovível.
E o embaraço tem-se tornado ainda maior, porque muitos assalariados, que poderiam pagar uma renda modesta em habitações decentes e higiénicas, preferem permanecer em miseráveis tugúrios, por vezes em promiscuidade inconcebível e funesta. Disto foi exemplo a dificuldade que houve em desocupar os chamados "bairros da lata", de que ainda restam alguns vestígios, mais próprios .para pocilgas do que para abrigo de seres humanos.
Era pois muito oportuna, neste ano jubilar da Cruz Vermelha Portuguesa, uma merecida referência ao papel das senhoras portuguesas- na sua Secção Auxiliar.
Mas também é muito justo tornar esta homenagem extensiva a todas as demais instituições femininas congéneres, de entre as quais se deve destacar em alto relevo o Movimento Nacional Feminino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Merece-o a todos os títulos e seria um pecado olvidar tão modelar instituição, independente do Estado, e destinada a congregar todas as mulheres portuguesas de todas as classes sociais, credos e cores, interessadas em prestar auxílio moral e material aos que estão lutando pela integridade da nossa pátria.
São 62 000 ou mais as inscritas actualmente no território nacional e mesmo na estrangeiro, que irradiam de 637 delegações, com as quais comunicam as dirigentes através das comissões central e provinciais, distritais, concelhias e de freguesia.
Durante 1964, a comissão central prestou assistência moral e material a 70 000 famílias de militares; e é com

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risco e suportando fadigas e privações de toda a ordem que as desveladas dirigentes e outras se deslocam até aos confins do ultramar, onde se combate.
São já conhecidos os números que se referem à assistência do Movimento Nacional Feminino aos militares e suas famílias. Esses números falam por si, é certo, mas seria ocioso repeti-los, pois ainda há bem pouco tempo a imprensa lhes deu larga publicidade.
Géneros, roupas e outros objectos de uso pessoal e de recreio e artigos religiosos são enviados, formando embalagens sem conta. E distribuiu milhões de aerogramas.
Possui serviços de contencioso, médicos, farmacêuticos e de colocação de desmobilizados e uma secção de madrinhas de guerra, de quem soldados em número superior a 20000 recebem excelente estimulo, "poio moral, etc., e tudo em grande escala e numa estruturação perfeita, excelentemente eficaz e operante.
Sob o aspecto cultural, refiro também, a título de exemplo, a criação e fornecimento de bibliotecas fixas e itinerantes e nos quartéis, nos acampamentos e nos navios, bem como a publicação de uma interessante, útil e apropriada revista literária e ilustrada de boa apresentação.
Enfim: são de justiça, de louvor e de gratidão as palavras que a mulher portuguesa merece e que não julguei demasiado repetir neste lugar, como certa e grata expressão do sentimento nacional.
Por motivo pessoal que todos compreendem, custou-me usar da palavra nesta ocasião; mas sinto-me honrado por tê-lo feito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Reis Faria: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não desejava que terminasse esta legislatura sem mais uma vez trazer junto de VV. Ex.ªs o problema do aproveitamento das madeiras em Portugal, especialmente em relação às resinosas.
Ao longo dos quatro anos que durou esta legislatura, a situação mantém-se inteiramente a mesma na sua estrutura, embora com ligeiras modificações de conjuntura.
No aspecto agrícola, o lavrador continua a receber em muitos casos um valor insignificante pela sua madeira, noutros um valor exagerado; continua muita madeira por esses montes e serras do País a crescer, a desenvolver-se e a morrer ingloriamente, sem qualquer possibilidade de aproveitamento e de contribuição para a economia do País.
Pensa-se na reconversão florestal de muitos terrenos sem primeiro se ponderar seriamente se essa reconversão é feita no melhor sentido de produtividade ou de rentabilidade dos terrenos a florestar e das espécies a usar nessa florestação.
No aspecto industrial pouco ou nada se modificou na serragem de madeiras, que é um sector muito importante de actividade, alguma coisa se fez nos aglomerados de partículas e desenrolado de troncos para caixas e contraplacados e há muitos pedidos, segundo consta, para fábricas de celulose.
Pelo menos neste sector há agitação, o que significa vida e busca de uma situação melhor do que a actual; oxalá ela seja dirigida no melhor sentido, pois só a Nação lucrará com tal.
No sector de comercialização tudo continua como dantes, com umas ligeiras, ou por vezes graves, variações apenas de conjuntura. Neste momento talvez para um pouco melhor, não por virtude dos homens, mas por força das circunstâncias.
Sr. Presidente: Gostaria de analisar cada um destes pontos de per si e fazer à roda deles algumas considerações.
Comecemos então, da mesma forma, pelo sector agrícola.
Como se sente e já tem sido dito e repetido muitas vezes, cerca de 92 por cento dos nossos pinhais encontram-se nas mãos de particulares, actuando os serviços florestais directamente apenas nos 8 por cento restantes; é visível que a sua acção é limitada e precária na economia da floresta no nosso país.
Não lhes permite a legislação existente actuar mais profunda e directamente na boa exploração dessa riqueza do País, mas é evidente, segundo nos parece, que haveria todo o interesse em alterar este estado de coisas.
Estude-se, legisle-se, se necessário for, com prudência e largueza de vistas, com o devido respeito pela propriedade particular, mas com os olhos postos no alto interesse nacional, aproveitando inclusivamente a experiência de outros povos que já antes de nós o fizeram.
O estado actual de carência de matérias-primas para as fábricas, por um lado, e, por outro, o verem-se tantos pinhais a envelhecer e a serem uma verdadeira inutilidade para a (economia nacional, outros a adoecerem e a infectarem as áreas vizinhas, outros mal plantados e mal explorados, a definharem, a não se desenvolverem como devem por má orientação no seu tratamento, é que me parece que estão a necessitar uma legislação adequada que permita aos serviços florestais actuarem, orientando, aconselhando e dirigindo por forma que esses valores não se percam, outros se preservem, aqueles se desenvolvam e todos contribuam para o melhor aproveitamento dessa riqueza nacional.

O Sr. Dias das Neves: -Muito bem!

O Orador: - Depois de termos pinhais bem plantados, em boa produção e bem. explorados, temos de pensar que é necessário para essa boa exploração uma devida e bem orientada distribuição das indústrias da madeira ao longo do País, porque senão a madeira desvaloriza-se, quanto mais não seja por (entregar ao transportador para o local de utilização a maior parte do produto da venda dessa madeira.
Hoje em dia essa distribuição é simplesmente desastrosa e anárquica.
É evidente que não está no nosso espírito uma geometria impecável, impossível de realizar, mas apenas chamar a atenção para um problema que com as novas indústrias a instalar ainda poderá vir a agravar-se e a que se devia atender desde já.
No I Colóquio de Produtividade da Indústria de Serração de Madeiras, realizado o ano passado no Porto e em Lisboa, alguma coisa se disse em relação a estes problemas, que devia ser aproveitada para tentar dar uma solução a uma actividade que interessa a muitas dezenas de milhares de portugueses, que só num dos seus sectores é a quinta exportação portuguesa e no seu valor global é uma parte não desprezável do rendimento nacional.
Falou-se muito nesse Colóquio em produtividade, mas muito menos em rentabilidade, e parece-nos que, sem de forma alguma esquecer a primeira, nos devêssemos talvez, para já, preocupar um pouco mais com a segunda.
Conhecemos um caso de uma fábrica de serração em determinado país que com dezasseis operários produz diariamente 100 m3 de madeiras serradas, pois apenas trabalha cinco medidas de vigas normalizadas no conjunto da produção.

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Isto representa 1,28 horas de trabalhador por metro cúbico de madeira serrada.
O corrente nas nossas fábricas de serração de embalagens e de madeiras para construção civil anda por cerca de 45 horas de operário médio por metro cúbico de madeira serrada, ou sejam 35 vezes mais.
É evidente que esta diferença de produtividade não resulta apenas de organização industrial, mas sim das diferenças de estrutura que a possibilitam, e não sabemos que mais admirar: se a possibilidade de alimentar em matéria-prima uma fábrica que produz 100 m.3 de produtos diários, quando entre nós apenas a décima parte é normalmente possível com relativa segurança, se a diferença impressionante de mão-de-obra empregada.
Não se imporá ,uma revisão de toda a (estrutura no sentido de um melhor. aproveitamento de uma riqueza que temos ao nosso dispor, que o é d.e facto, que interessa a tanta gente mo nosso país e que ainda estamos a pensar em aumentar largamente?
Sr. Presidente: Segundo é voz corrente, existem no Ministério da Economia vários pedidos para a instalação de fábricas de celulose em vários pontos do País.
A nossa riqueza florestal exige que tais fábricas sejam instaladas, a fim de se aproveitar devidamente essa riqueza; contudo, pergunto: está feito o estudo de abastecimento dessas fábricas de forma a aproveitar da melhor maneira a nossa floresta?

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - A sua localização será a ideal em relação às possíveis fontes de abastecimento?
A sua dimensão será a melhor para um óptimo aproveitamento da nossa riqueza florestal?

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Três perguntas muito simples, aliás até interdependentes, a que era necessário dar uma resposta concreta antes de conceder autorizações menos esclarecidas que possam vir a criar num futuro mais ou menos próximo situações a que depois seja mais difícil dar uma solução justa ou económica. Parece-nos que seria agora a altura de estudar o problema a fundo e não deixar aos peticionários esse encargo, que por eles nem sempre será encarado da melhor maneira, por estarem em jogo outras considerações.

O Sr. Azevedo Coutinho: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Os actuais projectos de arborização estão a ser já elaborados, considerando o ajustamento das espécies às condições do meio físico e dos mercados. Por outro lado, está-se a proceder ao inventário do material lenhoso existente nas matas para se apreciarem as possibilidades de estabelecimento de indústrias nessas regiões. Isso está-se a fazer por processos expeditos, por fotografia aérea.

O Orador: - Muito obrigado pelo esclarecimento tão autorizado de V. Ex.ª, que vem valorizar a minha intervenção.

Pausa.

O Orador: - Com o sentido de aproveitar todas as possibilidades para diminuir os deficits de abastecimento em pasta de papel, fez a O. C. D. E., pelos seus organismos técnicos próprios, um estudo muito interessante em oito países da Europa, dos quais estão publicados os resultados em relação a sete países, por um deles ter pedido a não publicação dos números que se lhe referem.
Trata-se da instalação de pequenas fábricas de pasta de papel com produções de 50 t a 100 t diárias de pasta, cujo abastecimento, portanto, não seria entre nós muito difícil de assegurar e que são largamente rentáveis na sua maioria, apesar dos preços que pagam pela matéria-prima e pela mão-de-obra..
É necessário estudar convenientemente o aproveitamento industrial e a cobertura do País por forma a aproveitar o mais completamente possível a sua riqueza florestal, muito especialmente agora, que tanto se pensa na reconversão florestal de quase 20 por cento da área agricultada, elevando para cerca de 50 por cento do País o terreno florestado.
Veja-se só o caso do Minho a mandar madeira para Cacia ou para Pontevedra, em que o custo do transporte absorve qualquer melhoria de preço ainda possível.
Há muito que se fala na instalação de uma fábrica de celulose na região, mas até hoje ainda não foi possível concretizar essa ideia. Esperemos que não demore muito mais tempo, pois é bem evidente a sua necessidade, tanto para benefício do lavrador como para apoio da indústria de serração ali existente.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Com o deficit de madeira ou de produtos de madeira que existe hoje no Mundo, com tendência ainda a aumentar, segundo as estatísticas da F. A. O., temos obrigação de estudar a melhor forma de aproveitamento de madeira de que dispomos por forma a obter em todos os campos á melhor rentabilidade da sua exploração, seja agrícola, seja industrial, seja comercial.
Depois disto, melhorar a produtividade, tanto agrícola como industrial, usando as melhores técnicas, a fim não só de podermos concorrer nos mercados externos como de obter para o País o maior número de divisas através da uma riqueza nacional que ainda tem na sua frente larga margem de aumento na sua contribuição para o rendimento nacional.
Finalmente, a parte comercial. É aquela onde se nos afigura que, mais fácil será de actuar no dia em que o Governo se decida a não permitir que os nossos exportadores se digladiem ingloriamente no estrangeiro, dando a estranhos os benefícios em preços que tanto nos prejudicam, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... permitindo ao exportador a pressão no industrial, obrigando-o a trabalhar sem lucro ou mesmo até com prejuízo, quantas vezes apenas porque o exportador foi longe de mais na competição inútil com os seus próprios colegas portugueses.

O Sr. Costa Guimarães: - Infelizmente, essa deficiência gravíssima não se verifica só no sector das madeiras.
No mercado dos têxteis, por exemplo, os piores concorrentes dos exportadores portugueses são os próprios exportadores portugueses.

O Sr. Dias das Neves: - Eu sei que no sector das madeiras há diferenças de preços de 9 libras por standard.

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O Orador: - Em pura perda.

Pausa.

O Orador: - Seria bem mais útil para o País que por vezes não se exportasse tanta madeira, desde que o seu preço não seja compensador, do que exportar continuando a pagar os salários que se pagam nessa indústria e continuando o industrial, em certos ramos, a perder dinheiro, consumindo lentamente na sua indústria um património que herdou ou que criou noutros campos de actividade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estão prestes a terminar os trabalhos normais da presente legislatura, durante os quais abordei alguns problemas que me pareceram oportunos e relevantes para a província da Guiné, que aqui tenho a honra de representar, e quase todos relacionados com os quatro sectores que reputo de capital importância para o desenvolvimento de qualquer território em formação: saúde, ensino, fomento agro-pecuário e industrial e bem-estar.
Procurei sempre ser objectivo nas minhas intervenções e evitei enveredar pelo campo da demagogia. Não sei se terei conseguido realizar trabalho proveitoso, mas resta-me a consolação de tudo ter feito para corresponder à confiança que os eleitores da província em mim depositaram.
Na minha última intervenção acerca das Contas Gerais do Estado manifestei a convicção de que o Governo Central, que nunca regateou quaisquer auxílios e assistência às províncias ultramarinas, dentro das nossas fracas limitações materiais e de técnicos, atenderia, logo que fosse possível, à difícil situação económica e financeira em que se encontra a Guiné nestes conturbados tempos que estamos atravessando, porque de contrário só um milagre poderia permitir àquela martirizada província realizar alguns empreendimentos urgentes e que por razões de carência de verbas não tinham sido incluídos no plano de trabalhos do corrente ano.
Longe de mim nessa altura a certeza de que, volvido menos de um mês, teria o grato prazer de anunciar nesta Câmara que o milagre que então profetizava viria a concretizar-se com um volumoso auxílio da Fundação Calouste Gulbenkian, em satisfação de subsídios concedidos à província durante a visita do ilustre presidente daquela instituição, Doutor José de Azeredo Perdigão, em Fevereiro último.
Notícias agora chegadas até mim pelos últimos jornais da província dão-me conta da satisfação e do entusiasmo que reinam em toda a Guiné com o recebimento dos primeiros subsídios concedidos por aquela Fundação e da promessa formal de que os restantes seriam pagos após a entrega dos respectivos projectos ou planos de trabalho.
Foi um verdadeiro milagre que acaba de se verificar nas terras ardentes e sacrificadas da Guiné e que vem contrabalançar, e em parte anular, as dificuldades orçamentais que vinham prejudicando a efectivação de determinados empreendimentos urgentes.
O somatório dos subsídios concedidos atinge 8 897 000$ distribuídos pelos seguintes sectores:

Saúde ............... 4 325 000$00
Ensino .............. 2 802 000$00
Bem-estar ........... l 770 000$00
Total ... 8 897 000$00

importância que permitirá, dentro em breve, dar início à grande parte dos projectos prejudicados por carência de verbas.
Perante um acontecimento de tamanha relevância para a promoção social das gentes da Guiné, não podia deixar de me associar à justa consagração que a população da província tributou ao ilustre presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Doutor Azeredo Perdigão, a quem dirijo desta tribuna as minhas homenagens, e reitero, como filho da Guiné e Deputado por aquele círculo eleitoral, os meus melhores agradecimentos à Fundação Calouste Gulbenkian, pelo vultoso auxílio concedido à minha terra, agradecimento que torno extensivo ao ilustre presidente da benemérita instituição e à sua Ex.ma Esposa pela simpatia e lhaneza de trato com que a todos honraram durante a sua visita à Guiné.

O Sr. Herculano de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Já agora desejava também aproveitar esta ocasião para juntar, pela parte da província de Timor, um voto de agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian por um subsídio que, embora presentemente ainda não materializado, já está virtualmente concedido, e fazer sentir, não só pela parte de Timor, como também pela de outras províncias ultramarinas, a satisfação com que nós vemos o carinho que a referida Fundação está dedicando ás nossas províncias tropicais.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Pausa.

O Orador: - Essa visita oportuna e feliz, que acaba de tornar possível a realização de alguns projectos de grande interesse e alcance político na presente conjuntura, teve para mim um outro significado não menos importante e que foi o apoio moral, muito necessário nos tempos conturbados que decorrem e que o ilustre visitante levou aos heróicos militares que combatem nas várias frentes e às populações nativas, que apreciam o diálogo com pessoas importantes oriundas da Mãe-Pátria, nas quais vêem sempre um prolongamento do "Homem Grande de Lisboa", por todos venerado e querido.
Tive a oportunidade de acompanhar o ilustre visitante nas suas deslocações pelas terras da Guiné e é-me muito grato reviver à distância os momentos culminantes dessa visita, que abrangeu não só as regiões calmas e de fácil acesso, como a velha e histórica cidade de Bolama, e o arquipélago de Bijagós, mas também alguns pontos militarmente tidos como difíceis.
Em todos esses pontos o Sr. Doutor Azeredo Perdigão contactou com os chefes nativos, sentiu-se rodeado e acarinhado pela população autóctone, levou um abraço da metrópole e palavras de conforto aos militares que combatem na província e dispensou a toda a população civilizada, metropolitana e nativa, a alegria do seu convívio, sempre acompanhado de uma clareza de conceitos e de um portuguesismo que a todos agradou.
Lembro-me de o ver abraçar um soldado em plena estrada que conduz ao aeródromo de Nova Lamego, quando para ali caminhava com outros companheiros, de regresso a Bissau depois de uma missão de serviço. Não me esqueço da satisfação com que esse soldado recebeu esse abraço fraterno de quem acabava de chegar da metrópole e não conseguiu esconder uma pontinha de lágrima que lhe dês-

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lizava pelo rosto queimado pelo sol ardente, certamente por se sentir ligado através desse abraço com os entes queridos e amigos deixados nalgum recanto deste grande mundo lusíada.
Vejo o ilustre visitante sentado entre os alunos de uma escola primária rural tentando apreciar o que sabiam da grandeza de Portugal e a todos dando, em conversa amena, uma lição da nossa história.
Ouço ainda as suas magistrais palavras num improviso proferido no almoço com a oficialidade do quartel de Bula e que não resisto à tentação de aproveitar numa pequena parte para enriquecer esta minha intervenção de hoje e que será certamente a última desta legislatura, e quem sabe se da minha curta mas vivida carreira parlamentar.
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Quando neste momento me levantei para agradecer o brinda de VV. Ex.ªs, tive a sensação de que tinha de vencer o peso do Himalaia. E porquê? Porque não é fácil falar neste lugar. Não é fácil falar neste momento para soldados portugueses, mormente não é fácil falar quem nunca teve a honra de vestir uma farda de soldado. Eu estou aqui como um simples particular. Eu estou aqui como um simples civil. Mas não deixei de vir à Guiné.
À primeira lembrança -pois quero tomar o convite de S. Ex.ª o Governador como uma lembrança de, um dever que eu tinha de cumprir para com a Guiné -, imediatamente eu disse sim sem uma hesitação. VV. Ex.ªs perguntar-me-ão para que é que eu vim, e eu quando parti não sabia ao que vinha. Sabia simplesmente que vinha encontrar na Guiné uma província portuguesa. Eu sabia sómente que vinha encontrar na Guiné soldados de Portugal. E essa dupla circunstância para mim era absolutamente suficiente para que eu não hesitasse um instante em aceitar o honroso convite que o governador desta província me dirigiu. E em boa hora o fiz. Porque desde que desembarquei até este momento não tive sequer um instante, não de me arrepender, mas de não me sentir como sinto agora, patrioticamente, profundamente exaltado. E se entrei aqui um português de um relativo mérito se de uma grande fidelidade ao pensamento nacional, saio daqui com a certeza, depois da lição extraordinária que aqui tenho recebido, saio daqui um melhor português, porque foi no convívio com VV. Ex.ªs que na realidade todos esses meus sentimentos de amor pela Pátria, sacrifício pelo próximo, de amor por Portugal, se fortificaram, se reafirmaram, se purificaram.
Srs. Oficiais: Peço a VV. Ex.ªs que tenham a certeza de que todos os homens responsáveis que estão na metrópole -digo responsáveis e que conhecem efectivamente o que se passa nas províncias ultramarinas- estão inteiramente com VV. Ex.ªs Nem todos podam estar aqui. Porque compromissos, obrigações, obrigam manifestamente a que se conservem, digamos, na proa do navio que neste momento está a ser batido por tantas e tão fortes tempestades. Mas creiam VV. Ex.ªs que posso afirmar-lhes com toda a convicção que todos nós, os de lá, pensamos diariamente nos de cá. E fazemos os nossos ardentes votos para que VV. Ex.ªs cumpram a vossa missão e para que a cumpram com o maior sucesso e com o menor sacrifício próprio.

A repercussão dentro e fora da província desta visita e o seu reflexo no campo político e nas relações humanas entre os portugueses de etnias diferentes espalhados pela nossa Guiné trouxeram-me a certeza de que o exemplo dado pelo Sr. Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian podia. e devia ser seguido por outros homens públicos, políticos e dirigentes responsáveis, e que não tiveram ou não puderam ainda ter oportunidade de visitar o nosso ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta conformidade, e com vista a iniciar esta corrente a todos os títulos aconselhável, tenho o prazer de transmitir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, um convite do Sr. Governador da Guiné no sentido de uma delegação de Deputados desta Assembleia visitar aquela província no próximo mês de Maio ou quando fosse julgado oportuno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apraz-me esclarecer VV. Ex.ªs de que este convite, de que dei conta ao Sr. Ministro do Ultramar, mereceu a concordância de S. Ex.ª e estou certo de que tanto daquele departamento como da Secretaria de Estado da Aeronáutica encontrará todas as facilidades para a concretização da viagem por via aérea.
Esta visita, que proporcionará aos Srs. Deputados um contacto directo com as* realidades sociais e económicas da Guiné e o conhecimento in loco das dificuldades com que luta a província, facilitar-lhes-á mais tarde, no grupo das suas relações ou nesta Câmara, a tarefa de criticarem construtivamente ou ajudarem a resolver alguns dos muitos problemas latentes e de interesse para a província.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um rápido exame daquilo que mie foi possível realizar durante a presente legislatura mostra-me que ficou muito aquém daquilo que desejava.
Infelizmente nem todos os assuntos tiveram a solução que mereciam ou que a província desejava. Uns foram resolvidos e outros estão seguindo os trâmites legais, embora com uma lentidão confrangedora, e alguns caíram no saco do esquecimento.
Algumas das minhas intervenções não teriam agradado, sei-o bem, pois certas pessoas amigas fizeram-me saber que havia quem pensasse que eu me estava insurgindo contra os Poderes Públicos, esquecendo-se certamente que "entre nós o Deputado é livre de discutir e a votar" e que "é de acção em todas as frentes esta hora de Portugal", hora que considero dificílima e que gostaria que todos os homens responsáveis e todos os bons portugueses disso se compenetrassem.
Resta-me a grata consolação de ver que alguns problemas mereceram a compreensão e o apoio não só das entidades oficiais, como até dos organismos privados. Entre outras, refiro-me a duas campanhas que tive o ensejo de lançar durante a vigência do meu mandato: a concessão de bolsas de estudo aos naturais da Guiné e o recrutamento de pessoal técnico e dirigente para a província.
Uma e outra campanha têm sido frutuosas e não posso deixar de publicamente agradecer aos Srs. Ministros do Ultramar e respectivos Subsecretários e aos directores-gerais daquele Ministério o apoio que me têm dispensado e a algumas organizações privadas com interesses na província a exacta compreensão da campanha e a concessão imediata de algumas bolsas de estudo, o que permitiu que só no corrente ano lectivo o somatório de bolsas concedidas pelo Governo Central e da província e organismos privados ultrapassasse duas dezenas, o que

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é bastante interessante para uma província de fracos recursos como a Guiné.
Quero também agradecer a alguns Srs. Deputados, o valioso auxílio que me dispensaram na campanha para o recrutamento do pessoal para o fomento humano, que continuo a reputar como a principal obra que nos pede o ultramar.

O Sr. Sousa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - A obra civilizador a que Portugal vem a realizar nas suas províncias de além-mar é grande, mas "mais longe iremos quando pudermos não só anunciar nos discursos ou inscrever nas leis, mas efectivar, na prática, os dois maiores direitos que, em nosso parecer, ao homem podem ser assegurados: o direito ao trabalho e o direito à instrução".

O Sr. Manuel João Correia: -Muito bem!

O Orador: - Cometeria uma grande falta se não dirigisse uma palavra de agradecimento à imprensa, à rádio e à televisão pelo apoio e divulgação que deram às. minhas intervenções nesta Câmara e pelo papel altamente importante que tem desempenhado e podem continuar a desempenhar na propaganda do nosso ultramar e na mentalização da população metropolitana, de forma a criar uma corrente de interesse por tudo o que diga respeito às nossas províncias de além-mar.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sei que o Ministério do Ultramar veria com muito agrado a reposição dos programas de divulgação ultramarina que a E. T. P. emitia semanal ou quinzenalmente e que suspendeu por razões, que desconheço.
Sem procuração dos meus colegas Deputados ultramarinos, posso, em nome de todos, afirmar que essa reposição seria de grande interesse para todos os portugueses que viveram no ultramar e constituiria um meio de prender a atenção da nossa juventude pelos assuntos relacionados com B, vida, os problemas e os atractivos da nosso ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Para finalizar, quero dirigir uma palavra de agradecimento a V. Ex.ª, Sr. Presidente, pela forma como orientou os nossos trabalhos durante a presente legislatura e pela generosidade e muita simpatia com que nos tratou.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente: Enquanto esteve na ordem do dia a apreciação das Contas Gerais do Estado respeitantes ao ano de 1963, creio que uma das notas que mais foi salientada foi a da crise que atravessa a lavoura nacional. Penso que o diagnóstico - crise da lavoura nacional - foi feito sob a pressão de uma concepção unilateral, exclusivista, que peca por exagero.
Não se pode aceitar que, pelo facto de nesta nesga de Portugal no extremo ocidente europeu estar a agricultura a atravessar gravíssimas dificuldades, concludentemente se sentencie que está em crise a lavoura nacional.
Das duas, uma: ou estamos errados quanto à precisão do termo, ou estamos errados quanto ao conceito real de nação. Se é quanto à precisão do termo - "nacional" -, há que reduzir a expressão aos limites em que a crise se processa; e diremos, então, com verdade, infelizmente, que está em crise a lavoura metropolitana. Se o erro vem do conceito real de nação, torna-se forçosa uma rectificação, não só mental, como sentimental, que ajuste as realidades da vida ao conceito de nação. E logo veremos que as ideias e juízos que brotam natural e descontraídamente do nosso cérebro estão a trair-nos, tornando evidente um estado de espírito que traduz desconfiança ou cepticismo relativamente a uma verdade que desejamos indiscutível, dogmática, porque elemento componente da trilogia sagrada que elabora a seiva imponderável que faz a unidade de um povo ou, melhor dizendo, do povo português - Deus, Pátria; e Chefe Temporal. A inversa, erro seria também, pois ninguém aceitaria que, referindo-nos a uma crise específica- da agricultura de Angola - e tantas lá tem havido -, disséssemos que estava em crise a lavoura nacional.
Ora, a lavoura nacional é muito extensa, multiforme e complexa para ter como expressão a lavoura metropolitana, apesar de esta ser mais variada e possuir melhores recursos técnicos. Esta, em verdade, está em crise, e crise bastante aguda. E será tanto maior a crise quanto mais, na prática, se desprezar a agricultura do ultramar para a solução daquela. Quanto mais se desconhecer a agricultura do ultramar, maiores dificuldades terá a metrópole para resolver e debelar a sua própria crise, se é que, sem contar com o ultramar, alguma vez a verá debelada.
Alheada, e mais do que alheada, desconfiada do ultramar, nunca a metrópole conseguirá debelar a sua crise. E, quando se falar em agricultura nacional, temos de figurar em nosso espírito a posição e concurso, para a expressão do "todo", de cada uma das parcelas territoriais que constituem a Nação. Em tais condições, como pode a metrópole resolver, só por si, a sua crise agrícola sem o concurso das outras parcelas? Não sou técnico; por isso, o que venho dizendo e estou para dizer confina-se no âmbito de sugestões aos responsáveis e interessados. E um desafio de um observador impertinente às pessoas competentes e com autoridade no assunto. Sou aqui, quer queira, quer não, um político cuidando fazer política nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -Assim, eu estimaria que todos os ilustres membros do Governo não tomassem por molestas ou acintosas as intervenções e alusões que nesta Casa se façam e que, porventura, directa ou indirectamente, afectem sectores de sua jurisdição. Nós somos, aqui, proveitosos colaboradores da administração pública, contanto que nos tomem a sério e não caia em saco roto o que aqui se diz, pois eu entendo que colaborar é fiscalizar, sugerir, avisar, informar, lembrar e, até, aconselhar. Se nos prestarem atenção, cedo se verá que sempre tem utilidade o nosso trabalho.
A louvaminha é fácil, como fácil é também queimar incenso no turíbulo da lisonja; mas não é construtivo, porque- não orienta, não esclarece, só confunde e nada diz. Quem bole na parte perfeita de uma obra?
O governo dos povos compara-se perfeitamente ao trabalho interminável da lapidagem de um diamante de tamanho incomensurável, em cujas facetas, à maneira que vão ficando talhadas e polidas, ninguém toca.

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O Governo deve louvar-se e sentir-se lisonjeado com a crítica que, ao mesmo tempo, lhe aponte soluções construtivas como mera sugestão para o encontro de outras melhores, com ar definitivo. E deve dar costas aos ditirambos e hinos laudatórios, que não passam de cortinas de fumo perturbador e intoxicante da atmosfera que se quer saudável e impregnada apenas de eflúvios impulsionadores de melhores providências e obras para aumento do bem-estar da grei. E volto ao assunto.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Era só para dizer a V. Ex.ª se não entende que o que é de louvar é de louvar e que o que é de criticar é de criticar.

O Orador: - Com certeza. Isso está dentro do espírito da pessoa. Mas não louvamos aquilo que se faz mal porque esperamos que se faça bem.
O Governo tem como lógica final fazer bem.

O Sr. Pinto de Mesquita: -E desgostar ...

O Orador: - Voltando ao assunto.
A crise que se verifica na agricultura metropolitana, segundo o que vozes autorizadas e qualificadas aqui têm afirmado, é provocada pelos seguintes factores, não referindo, é claro, aqueles que escapam e transcendem a humana capacidade de contrôle e resolução: falta de braços, preços desajustados, carestia dos produtos que a lavoura utiliza e excesso de intermediários. Creio ser a escassez de mão-de-obra, cada vez maior, o factor mais influente.
A procura, sobrelevando a oferta, tende a provocar a alta dos salários. Daqui e da carestia dos materiais e produtos utilizados na lavoura resulta uma alta nos custos da produção, incompatível com o nível médio de vida, e, portanto, incomportável para o consumidor, fazendo com que se tornem deficitários os rendimentos de algumas culturas e, em muitos casos, de algumas explorações agrícolas. JB a lição que se tira da estatística referente ao movimento populacional é a de que a crise da mão-de-obra tende a agravar-se de ano para ano, por influência de duas causas, quanto a mim insuperáveis: o urbanismo e a emigração, ambas exprimindo o êxodo rural, cuja finalidade, em última análise, é a procura de actividades que proporcionem salários mais compensadores.
As migrações voltadas para o ultramar, seja por imperativo da defesa dos territórios, seja em obediência a uma política de povoamento, também muito influenciam a emigração, pois tanto uns como outros - soldados e novos colonos - cedo descobrem, em contacto com a África, um novo horizonte que, ao regressarem à metrópole, lhes impede o reatamento da vida anterior.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Muito bem!

O Orador: - Portanto, uma agricultura altamente diversificada, como a da metrópole, não pode progredir, nem manter-se rentável, sob a pressão da crescente escassez de braços.
Esta dura realidade, tornada mais trágica pela .soma dos encargos fiscais e corporativos que sobre ela pesam, impõe, quer queiramos, quer não, a revisão e reorganização da actividade agrícola nacional, visto que, no estado actual de corsas, é impossível, pagar salários mais elevados, obter melhores preços para a produção e suportar os encargos, não esquecendo que o lavrador tem família e, com ela, precisa de vivar dignamente, em termos de poder satisfazer as - elementares necessidades de um agregado familiar - alimentação, vestuário, calçado, educação da prole, saúde, higiene, conforto e férias.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Muito bem!

O Orador: - Como fazer essa revisão? Ou melhor, a que deve obedecer essa revisão? É nesta altura que se torna necessária e oportuna uma chamada geral a todas as parcelas do território nacional, a fim de serem avaliadas as possibilidades de coda uma e a sua capacidade de concurso para bastança da Nação. E tem de se partir de uma base de absoluta reciprocidade e leal confiança. Não pode haver ideias ou pensamentos inconfessados. Entraremos, então, na inventariação do que pode cada parcela produzir em condições mais económicas do que as outras, não só para consumo próprio, mas também para abastecimento das demais, e nunca para nenhuma obter lucros à custa das outras.
Deste modo, chega-se à discriminação das culturas a explorar por cada parcela. Isto não deve ser feito com a preocupação de auto-suficiência total de qualquer das parcelas do território nacional. Isso nunca aconteceu em tempos anormais de colheitas abundantes, aqui.
Presentemente, a metrópole está, ou continua, deficitária em trigo, milho, azeite e arroz. Se, em tempos de paz, as coisas se passam assim, será fatal que as dificuldades se agravem em períodos de guerra, estejamos ou não envolvidos nela. Demais, mão é só Portugal que é deficitário em géneros .agrícolas essenciais. E os países que o são tiveram sempre ao seu alcance os meios para resolverem as carências dos que anais necessários são para a alimentação humana. Não somos inferiores a esses países e temos recursos de que muitos deles não dispõem. Afigura-se-me que nada haverá a recear.

O Sr. Pinto de Mesquita: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita:-Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª, na certeza de que entre esses países, sobretudo os países industrializados da Europa, há uma riqueza que Portugal continental não tem tido. Pode vir a ter, sobretudo com o desenvolvimento das possibilidades de energia.

O Orador: - Pois o que se impõe é criar essa riqueza !

Pausa.

O Orador: - Uma vez definidas as espécies a produzir por cada parcela do território nacional, fica aos economistas a tarefa de reorganizar a comercialização dos produtos da terra e aos especialistas do direito corporativo o espinhoso encargo de reestruturarem os organismos corporativos ligados à lavoura, com acento tónico na eficiência, rapidez, economia e máximo rendimento, tudo em benefício dos agricultores.
Aos primeiros recordar-se-iam os países em que só os produtores são exportadores. E aos segundos seria recomendado que fizessem ressuscitar, em toda a sua pureza e excelência, os princípios do corporativismo. A discriminação a que se chegasse não constituiria impedimento para cada agricultor cultivar o que entender a nível de consumo doméstico. Mas, se quiserem produzir a nível de mercado, ficam sabendo que se sujeitam a todos os riscos, sem esperanças de auxílios que os salvem de aventuras de antemão condenadas ao malogro.

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Nestas condições, a metrópole -nesta incluídas as ilhas as jacentes - e as terras do ultramar sabiam o que fazer e sabiam com o que podiam contar. Numa organização deste tipo, e só deste tipo, não haveria lugar nem clima para o parasitismo dos intermediários e a comercialização seria processada em dois sentidos: um dirigido ao consumo interno e outro voltado para o mercado externo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nestas movimentações só intervinham duas entidades: os produtores que, por si ou seus representantes ou agentes, quisessem fazer a venda directa ao público ou realizar as exportações, e os grémios ou cooperativas, quando por aqueles lhes fosse feita a entrega dos produtos para venda ou exportação.
Claro é que a orgânica corporativa do ramo agrícola teria de corresponder totalmente aos interesses do binómio Nação-produtor e nela só teriam ingerência os produtores. Mas não vou perder-me nem tomar tempo a VV. Ex.ª8 com a apresentação esquemática de uma tal organização. Isso, como disse, seria tarefa para os técnicos, indicados que fossem os objectivos a atingir. Â minha pretensão, aliás bem modesta, não passa de dar a ideia da viabilidade de um sistema económico-social de base corporativa interessando a lavoura nacional com eficiência, equidade, rapidez e economia.
A reconversão agrícola que naturalmente derivava da reorganização da lavoura e que assusta, ou causa apreensões e reservas, a tantas pessoas, seria realizada gradativamente, sem violências nem imposições, amparada por medidas legais adequadas, tais como: prémios aos agricultores pelo alargamento de culturas definidas como básicas; subvenções durante o tempo calculado para a colheita dos produtos de novas plantações; isenções e reduções tributárias proporcionadas às áreas que tivessem sido sujeitas à substituição de culturas. Em última análise, tais providências corresponderiam a uma verdadeira capitalização, que o Estado realizaria a longo prazo.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Não sendo meu propósito descer à especificação, não passo sem fazer uma referência muito especial e ligeira à vitivinicultura, dada a relevante posição que ocupa na economia nacional, se bem que não seja decisiva ou imprescindível na alimentação humana.
A vinha teria de ser considerada em posição dúplice, de reconversão e alargamento: reconversão, com o objectivo de reduzir os inconvenientes da superprodução; alargamento, com a exclusiva finalidade de produção de castas de mesa, visando a melhoria do consumo e a exportação. E a vinicultura deveria ser objecto de uma reorganização tal que eliminasse a possibilidade de adulterações e fraudes; que reduzisse, tanto quanto possível, a diversificação de marcas e tipos de vinho, com vista a garantir confiança e facilitar a conquista de mercados; que poupasse as espécies silvícolas e preparasse a silvicultura para as tarefas novas que lhe estão reservadas nas indústrias de madeiras -principalmente caixotaria para embalagem de frutas e vinhos engarrafados -, de celulose e pastas; que limitasse gradualmente, até à completa extinção, a circulação de vinhos de consumo em cascos, incrementando-se deste modo a indústria vidreira; que circunscrevesse o comércio de vinhos por grosso aos produtores inscritos nos organismos corporativos da especialidade, e que não permitisse a existência de armazéns de vinhos senão aos produtores e aos mesmos organismos corporativos que, pelos produtores, fossem incumbidos das vendas. Com isto, talvez ficasse cortado o nó górdio que sufoca a vitivinicultura.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita:-Pelo menos atenuava. Tem inteira razão. Aqui é preciso, essencialmente, fazer uma política de predomínio de qualidade dos vinhos.

O Orador: - Muito obrigado.
As parcelas ultramarinas, com iguais organizações, deixariam de ser elementos concorrentes para serem fortemente colaborantes da economia do conjunto nacional, sem prejuízo das trocas que cada uma possa manter com o exterior para sustentar, equilibradamente, a sua balança de pagamentos. Sabido que a metrópole, por motivo de, na sua maior parte, ser constituída por terrenos acidentados, não tem condições para realizar uma lavoura completamente mecanizada, não lhe será possível obter produções rentáveis a cultivar as espécies que maior número de braços reclamam.
As terras do ultramar estão, por isso, indicadas para responderem a essas dificuldades e preencherem as necessidades daí emergentes. O trigo, o milho, o arroz, o feijão, a batata, etc., serão produtos que não estarão sujeitos a escassez, nem a rateios, nem ao sistema antieconómico de preços de compensação, porque o ultramar constituir-se-ia em larga fonte abastecedora de todos eles, em termos e condições de confirmar a inutilidade e prejuízo dessas culturas a níveis de mercado em solo metropolitano.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Tudo dependeria de seriedade e confiança na organização e funcionamento do sistema e de competência da técnica. A mentalidade que, a despeito de todos os prejuízos, defende e sustenta que a metrópole deve produzir todo o pão com que o povo se alimenta, não tem já consistência nos tempos modernos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O essencial é que passem a existir outras fontes donde venha o rendimento para pagar os suprimentos importados e que o povo tenha os meios necessários para comprar o pão de cada dia, venha ele donde vier. As técnicas de armazenagem e de conservação responderão pelo resto, pois governar ó, também, prever e prevenir.
É evidente que, numa perspectiva global desta natureza, a nossa frota mercante terá de apetrechar-se concomitantemente para estar ou encontrar-se à altura de dar cabal satisfação à tarefa da mais alta responsabilidade que sobre ela impende, já hoje mesmo.
A meu ver, terá de sacrificar as dimensões ao poder de deslocação; terá de sacrificar a lotação de passageiros à carga; terá de sacrificar espaços voluptuários aos espaços para carga, e terá de sacrificar o sumptuário ao económico e funcional. E tudo isto para que tenhamos mais unidades de transporte e maior número de viagens em menor espaço de tempo. Neste aspecto há muito que rever e fazer para progredirmos até que alcancemos o nível que exige a nossa posição de nação pluricontinental, cujos interesses se expandem para além dos mares. Eu penso que as frotas

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mercantes de todos os países são deficitárias. Todas vivem de subsídios dos respectivos governos. Mas os governantes sabem que os dispêndios feitos em auxílio da marinha mercante são reembolsáveis pelas mais diversas vias que conduzem réditos ao tesouro público. Pelo que directamente nos respeita, e considerada a descontinuidade territorial, creio que, primeiramente, deve ir crescendo a frota para que surja a carga transportável. Mas frota apropriada e devidamente apetrechada.
A produção exportável surge sempre mais depressa do que se constrói um transporte marítimo adequado à necessidade. Com certeza ninguém pensa que poderemos continuar por muito tempo a transportar cereais ensacados ou a transportar frutas nas condições que se verificam actualmente. E não vale a pena fomentar e organizar a produção de frutas com vista à exportação sem estarmos apetrechados, pelo menos, com dois barcos. E, no entanto, é necessário, é imperioso, valorizar por todos os meios a fruticultura nas terras ultramarinas, para que as frutas dos trópicos possam chegar também à mesa dos pobres com regular frequência, e, ainda, marcarem presença nos mercados europeus.
Neste ramo especial da comercialização de frutas podemos aprender muito com a União Sul-Africana, que dispõe de uma organização quê prima pela simplicidade, rapidez, eficiência e economia. Serviços ao agricultor, bons e baratos, é o que nós não temos sabido organizar. Mas, valha a verdade, não é por falta de competência; é, apenas, por defeituosa preparação cívica. E impossível servir a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo, pois quem pensa que assim pode fazer nunca serve a Deus, que logo manifesta o seu descontentamento pela boca dos prejudicados. E são, infelizmente, poucos os que estão dispostos a servir só a Deus, porque ... às vezes o Diabo tece-as.
Sr. Presidente: Convencido de ter aflorado inteligivelmente os tópicos para resolução do problema número um da economia nacional, vou dar por findo o fastidioso arrazoado ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... deixando expresso um voto: que não falte ao Sr. Ministro da Economia a força e a coragem que anule a inércia e dissipe as densas trevas que estão entorpecendo a reconversão agrícola e a integração económica do espaço português.
Dizem que a Revolução continua. Vi há 39 anos o seu começo. Estava, então, em Coimbra. Era ainda muito jovem, mas já compreendia muita coisa. Apartei-me para Angola. E, por lá esgadanhando o pão de cada dia, durante boas dezenas de anos, nunca mais dei pelo prosseguimento da Revolução. Mas dizem que continua. Onde?
E será revolução ou involução? Ou acomodação? Quem se afastou por muitos anos da casa paterna e depois volta encontra sempre muita coisa que lhe faz estranheza por ter adquirido novos hábitos e novos modos de ver. Só o coração não mudou.
Não vejam por isso irreverência no meu falar perante as tão ilustres pessoas de VV. Ex.ªs, a quem me ficam prendendo indeléveis laços de gratidão pelas bondades e deferências que tiveram para comigo, a começar por V. Ex.ª, Sr. Presidente. Este meu jeito de falar traduz a minha ânsia de mais e melhor para a terra portuguesa, porque "ainda há uma mulher com fome ou chora de frio uma criança".
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Belchior da Costa: -Sr. Presidente: O Reverendíssimo Prelado da Diocese de Aveiro tornou agora público, através da imprensa e por outros meios de comunicação, o breve Sanctifatis Flos, emanado da Santa Sé Apostólica e desta datado do princípio do corrente ano, pelo qual Sua Santidade o Papa Paulo VI se dignou atender ao pedido formulado por aquela alta autoridade eclesiástica (que o fez também, como se refere na notícia donde respigo este apontamento, em nome do clero regular e secular da diocese, das autoridades da cidade e dos fiéis em geral), no sentido de que fosse ratificado o patrocínio da princesa Santa Joana de Portugal sobre a cidade e sobre a Diocese de Aveiro.
Há muito já, como se realça na nota episcopal anunciadora da deliberação pontifícia, que os fiéis da diocese e o povo de Aveiro em geral haviam espontaneamente adoptado e considerado aquela ínclita infanta de Portugal como sua padroeira e especial protectora; e esta particular predilecção do povo e dos fiéis está em perfeita harmonia com a longa, profunda e arreigada tradição do culto popular pela vida e obras da virtuosa e santa princesa, considerada, sem favor, pelo erudito historiógrafo aveirense Prof. Rocha Madail, como "o mais representativo vulto da gloriosa galeria de figuras máximas da história de Aveiro".
A tradição deste culto e desta veneração, tão profundamente acendrados na alma popular e no conceito dos eruditos e das pessoas de distinção da cidade e da diocese, manteve-se viva através dos tempos e perdurou para além de todas as vicissitudes. Porém, a definitiva e solene confirmação de Santa Joana como padroeira da cidade e da diocese vem conferir-lhe um decisivo testemunho de autenticidade e de perene e oficial consagração.
No breve pontifício faz-se apropriada referência à tradição multissecular do culto por Santa Joana Princesa; e no documento episcopal com que o Rev.mo Bispo de Aveiro deu conhecimento público daquela determinação de Sua Santidade faz-se largo apontamento da tradição desse mesmo culto, bem como da "espontânea escolha" da infanta Santa Joana peia população Aveirense como sua padroeira.
Deste modo, a definição oficial da Santa Sé consagra este culto antigo e espontâneo, nascido na alma do povo e por este mantido em sua arreigada crença.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sua Santidade foi sensível aos rogos do Rev.mo Prelado da Diocese de Aveiro e no breve a que estamos aludindo expressamente declarou "confirmar Santa Joana, princesa de Portugal, como principal padroeira junto de Deus para a cidade e para toda a diocese de Aveiro, com todas as honras anexas e privilégios litúrgicos que legalmente competem aos padroeiros principais dos lugares".
Este acto de confirmação pelo papa da princesa Santa Joana como padroeira da cidade e da diocese de Aveiro, se por um lado constitui gloriosa consagração do culto joanino por parte da cidade e do povo de Aveiro e dos fiéis de toda a sua diocese, por obra das peregrinas virtudes cristãs que tão abundantemente floriram na formosíssima alma da excelsa filha do rei Afonso V, cujos veneráveis despojos humanos se guardam no precioso túmulo que enriquece de arte e de beleza a antiga Casa do Capítulo do Convento de Jesus, da bela cidade ribeirinha, por outro lado constitui uma prova de muito especial afecto e de alta distinção por parte da Santa Sé para com a cidade e o povo de Aveiro e de uma forma mais especial ainda para com o seu Rev.mo Prelado, Sr. D. Ma-

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nuel de Almeida Trindade, sem dúvida o grande empreendedor e defensor da nobre causa da oficialização, como padroeira da cidade e da diocese, da infanta Santa Joana. Pareceu-me, Sr. Presidente, que este "ganho de causa" por parte do eminente prelado, em alto serviço do seu múnus episcopal, esta consagração pela Igreja de Roma de Santa Joana como padroeira dos Aveirenses, justificava, e justifica, em meu parecer, que se faça disso, desta tribuna, um apontamento, ainda que rápido - dada a premência das presentes tarefas a que a Câmara se está. devotando - e mesmo que tal apontamento da grande honra conferida à cidade e à diocese seja feito, como está sendo, pelo menos qualificado dos representantes do distrito a esta Assembleia (não-apoiados), que, ao traduzir, embora em despretensiosos termos, o reconhecimento e a gratidão do povo da cidade e da diocese pela insigne honra recebida, deseja e quer aproveitar a oportunidade, como é de estrito dever, de prestar aqui ainda que só singela, mas convicta, homenagem de muito respeito e de muita admiração pelos grandes dotes espirituais e intelectuais que concorrem na pessoa insigne do Sr. Bispo de Aveiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Não é este, seguramente, momento azado, nem lugar próprio, para referir em pormenor a vida e obras da princesa Santa Joana, excelsa filha do Bei Africano, que, com 20 anos apenas, em plena juventude, se acolheu à sombra dos claustros do Convento de Jesus, em Aveiro, e aí veio a falecer perto de vinte anos mais tarde. Porém, não resisto à tentação de fazer aqui, à sua "virtuosa vida e santa morte" (como se escreve numa sua biografia), uma referência e um apontamento, se bem que, por força das circunstâncias, muito singelo e muito rápido.
Descrevem geralmente os cronistas (o que se confirma no Memorial da Infanta, há anos dado à publicidade) a princesa como pessoa "de singular formusura", aliás bem patente no precioso retrato, tirado do natural, que dela se guarda, como obra-prima de altíssimo valor artístico, no Museu Nacional de Aveiro. Mas não apenas formosa, pois também invulgarmente inteligente e ilustrada.
A fama destas nobres qualidades ultrapassou as fronteiras e projectou-se pela Europa além, a ponto de reis e príncipes se mostrarem particularmente interessados em conhecer tão insigne princesa. Esse movimento de curiosidade e de interesse pela princesa lusitana mostra-se bem patente através desse passo do Memorial que sobre a infanta escreveu a religiosa Margarida Pinheiro, sua contemporânea:

Corria por todas as partes da cristandade a fama da grande excelência da formosura e indústria do entender e saber desta infanta-princesa e todos os reis e príncipes de diversos reinos punha em grande cobiça e desejo de a ver e a ouvir e porque lhes é impossível, pela distância e alongamentos dos reinos e terras, mandavam pintores muito perfeitos que a vissem e tirassem pelo natural para poderem, assim pintada, gozar de tanta formosura.

Estes "repórteres fotográficos" do século XV, que os reis e os príncipes faziam deslocar a Portugal para lhes darem notícia da excelsa princesa, não levavam, porém, apenas, a referência da sua formosura física, mas também, como é óbvio, a notícia da sua inteligência e do seu saber; e aqui reside, com toda a maior probabilidade, a razão do grande prestígio de que a princesa desfrutava, mesmo antes de se dedicar à vida conventual, inclusive junto de seu próprio augusto pai, ao ponto de este lhe confiar, segundo a maior verosimilhança histórica, a regência do reino, se não de direito, pelo menos de facto, enquanto e durante o tempo da campanha de África.
Tais predicados humanos que se conjugavam na pessoa da grande princesa bem justificavam e por certo justificaram que se desenhasse forte movimento da opinião pública do tempo no sentido de impedir que a infanta professasse e no desejo de a ver regressada à vida da corte, "como ao reino convinha", no dizer da "protestação" apresentada ao rei pelos representantes das cidades e vilas de Portugal.
Sr. Presidente: Acima desse predicados, chamemos-lhes temporais, possuía, porém, a famosa princesa as mais raras virtudes espirituais e morais e uma verdadeira e inelutável predisposição e acentuada vocação para o serviço de Deus e do seu Reino; e por isso nada houve, nem a opinião do rei, nem o movimento do povo, que pudesse demover a princesa de fazer da sua vida, da sua pessoa e dos seus bens uma total dádiva à religião de Cristo e sua Igreja, então em pleno e deslumbrante renascimento.
E embora, possivelmente, aquelas mesmas "razões de Estado" ou outras equivalentes, ou ainda o santo escrúpulo da infanta de se julgar não merecedora da honra do hábito da Ordem a cujo convento o acolhera, a tenham impedido propriamente de professar, a verdade é que a vida de renúncia, de humildade e de caridade a que se votou no velho Convento de Jesus, de Aveiro, e a auréola de santidade em que essa vida se extinguiu foram tão profusamente iluminadas por um puro e intenso clarão de virtudes cristãs que jamais se apagou da memória do povo, e nela perdura viva e perpetuamente, a lembrança dessa virtuosa vida e dessa santa morte, cujo reconhecimento "oficial" mais uma vez acaba de ser feito.
Este acendrado amor a Deus, esta vida de renúncia, de pureza, de sacrifício, de humildade, de caridade, de que nos dá profusa nota o Memorial da Infanta a que já aludi e cuja publicação se ficou devendo à benemérita iniciativa dos ilustres directores do Arquivo Distrital de Aveiro, prestantíssimo repositório da história, da arte, da arqueologia, da literatura, das actividades, dos valores e até do folclore do distrito, plenamente justificaram que a princesa portuguesa desejasse, como se diz na sua crónica, "com toda a humildade que a amortalhassem no hábito de que sempre se tivera por indigna". Por isso a iconografia da sua morte a apresenta vestida com o hábito das Dominicanas, a cujo mosteiro deixou todos os seus bens, fazendo deles "herdeira a sua alma", como se refere em seu testamento.
Sr. Presidente: No documento com que o Rev.mo Prelado de Aveiro .deu testemunho público do breve pontifício da consagração da princesa Santa Joana como padroeira da cidade e da diocese de Aveiro lembra-se o processo concluído da beatificação da excelsa princesa e também se faz menção ao processo, este por concluir, da sua canonização.
Aí, S. Ex.ª Rev.ma formula o voto de que a consagração feita pela Santa Sé venha a reavivar a devoção e o culto por Santa Joana e por modo e por forma que se criem as vocações precisas a fim de se retomar o processo de canonização, há largo tempo interrompido, até à sua conclusão final.
Penso, Sr. Presidente, que todos nós daremos uma nota de verdadeira catolicidade e de verdadeiro patriotismo associando-nos a este voto do eminente prelado da diocese cujo distrito tenho também a honra de representar nesta Casa. E penso mesmo que caberá bem aos nossos representantes oficiais junto da Santa Sé tomar partido

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por esta nobre causa e auxiliar o zeloso prelado nos altos propósitos que o orientam e o dominam em matéria de tanta sublimação e da mais importante transcendência para o progresso espiritual do nosso povo, e por acréscimo, para o progresso material também.
E por meu lado, e para terminar, faço votos muito veementes por que este grande passo agora dado pela Santa Só de renovação e de confirmação do culto da venerável infanta seja o prelúdio da sua breve e definitiva ascensão à honra dos altares, para que fique, desse modo, mais próxima do coração dos homens e mais junta da mão de Deus.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ernesto Lacerda: -Sr. Presidente: Há longos anos que se encontra em construção a estrada nacional n.º 2, que, no seu longo traçado, ligará as cidades de Chaves e Faro, riscando, praticamente, de norte a sul todo o território metropolitano.
Desnecessário se torna encarecer os altos benefícios que a conclusão desta importantíssima via rodoviária há-de trazer aos povos das regiões que serve e a necessidade, por isso, de se incrementar a realização dos respectivos trabalhos.
Eu sei das dificuldades que, no actual momento, se levantam ao erário e quanto é aconselhável a prudente aplicação dos dinheiros públicos. Mas não deixo de reconhecer a justiça da pretensão de que sou intérprete e que em breves palavras desejo pôr à consideração do Sr. Ministro das Obras Públicas.
Como é do conhecimento geral, a estrada nacional n.º 2, dada a sua grande extensão, suscita diversos problemas em vários distritos do País, e também o meu - o de Leiria - se inclui nesse número.
Vários troços desta estrada se mostram concluídos. Outros ainda estão em curso ou aguardam a sua vez. Precisamente no extremo norte do distrito de Leiria, no concelho de Pedrógão Grande, encontram-se por iniciar os trabalhos de um dos seus troços na extensão aproximada de 4 km, prolongando-se por mais 8 km no distrito de Coimbra, isto é, do Alto da Louriceira a Alvares.
Região acidentada e pobre, em que as respectivas populações lutam com falta de comunicações, mostra-se da maior conveniência a construção desta espécie de coluna vertebral, donde irradiarão depois, com relativa facilidade, estradas ou caminhos municipais de acesso às povoações circunvizinhas.
Conhecemos algumas aldeias que estão completamente privadas de acessos aviação automóvel e cujos habitantes, para se deslocarem a qualquer ponto do País, têm de erguer-se a altas horas da madrugada, percorrer longas distâncias a pé, para alcançarem a tempo uma carreira de camioneta que os conduza ao destino.
Acresce que, tratando-se de uma região em que a respectiva população vive quase exclusivamente entregue aos trabalhos da agricultura, se esboçam em determinadas épocas, como tem sucedido ultimamente, pequenas crises de trabalho que bem podiam ser amenizadas com a realização deste melhoramento, que se considera decisivo para o progresso e desenvolvimento de uma vasta área do Norte do distrito de Leiria, ainda longe de atingir nível apreciável neste aspecto das comunicações.
Interpretando os legítimos anseios dos povos daquela região, dirijo-me ao Sr. Ministro das Obras Públicas, sempre atento aos pequenos-grandes problemas das populações rurais, para que considere sobre esta sua justa pretensão.
Não sabemos até que ponto o plano da Junta Autónoma de Estradas estará sobrecarregado com outros empreendimentos igualmente importantes e merecedores da sua sempre esclarecida atenção.
Entretanto, e porque apenas a execução deste reduzido número de quilómetros mantém pendente, no meu distrito, a consecução dessa importantíssima obra, e invocadas as razões que fundamentam a legitimidade do meu pedido, lembro e solicito a S. Ex.ª a inclusão naquele plano desse pequeno troço da estrada nacional n.º 2.
Estou certo de que não terá sido em vão que os povos do Norte do distrito de Leiria interessados me confiaram esta missão de que gostosamente me estou a desempenhar; como estou certo, também, de que o Sr. Ministro das Obras Públicas mais uma vez terá ensejo de manifestar a sua proverbial boa vontade na resolução dos problemas desta natureza.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi muito recentemente o nosso espírito alvoroçado por dois factos que reputo da maior importância e projecção, pelo que de significativo revestem no domínio agrário e da educação.
Vão assim as nossas considerações incidir sobre a recente nota promanada do Ministério da Economia acerca da aquisição de determinadas alfaias agrícolas e ainda sobre o I Congresso do Ensino Particular, iniciado com a presença feliz do Chefe do Estado e de alguns membros do Governo.
Depois das palavras autorizadas e esperançosas do novo e distinto Ministro da Economia, Dr. Gonçalo Correia de Oliveira, relativas à momentosa questão da crise da lavoura, passou-se, de pronto, às medidas práticas que & nota a que, atrás aludimos concede especial relevância.
Não obstante as dificuldades presentes, oferece-se à agricultura oportunidade de suprir a crise de mão-de-obra pela mecanização, para o que se estabelecem regras para aquisição de ceifeiras e tractores, que serão entregues à utilização dos lavradores, por intermédio dos órgãos próprios.
E para breve novas perspectivas se apontam para diminuir os males que se vêm conjurando sobre o nosso mundo rural, pelo que, em face do sopro renovador que parte do actual Gabinete da Economia, razões há de sobra para confiarmos que outras medidas de desafogo surjam, não esquecendo, logo que as circunstâncias o permitam, as que se referem à sobretaxa inoportunamente lançada sobre a produção vinícola e de cujos inconvenientes se fez, nesta Assembleia, largo eco!
Passando, entretanto, ao Congresso do Ensino Particular, que, pela organização e objectivos, se verifica ser essa modalidade de ensino uma força do maior relevo, de rara transcendência, para o progresso material e espiritual do País - porquanto feita através do ensino e da educação! -, necessário é que a tal força se concedam os estímulos necessários ao bom desempenho da sua função!
As afirmações proferidas nas sessões do acto inaugural, o nível de alguns dos assuntos já versados, a animação dos debates realizados, os objectivos das soluções propostas - tudo isso revela as altas vantagens, o relevante papel, o transcendente sentido da "escola pluralista", em

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flagrante oposição antitética à da "escola única", servida, as mais das vezes1, por um pensamento monolítico de tão comprovada ineficácia, no sentido espiritual e humano, por ir de encontro àqueles fundamentais valores que constituem o substrato sobre que se alça, esplendentemente, o humanismo da nossa civilização.
De acordo com a inspiração que moveu o I Congresso do Ensino Particular e em ordem à deferência que lhe é concedida pelos preceitos constitucionais, roga-se, para esse ensino, a protecção adequada ao alto préstimo da sua missão.
Ele é um laboratório vivo e prodigiosamente rico, quando devidamente munido, já que na sua orgânica geral, e pela variedade de processos que utiliza, coloca o jovem num trato mais apertado, varado e íntimo com a escola, que lhe oferece as perspectivas especiais, particulares, em que assenta a sua organização regimental.
Temos, de ter em conta não estar a escola tradicional convenientemente apetrechada para as exigências pedagógicas da era que passa.
Existe muito tempo inutilmente perdido no processus pedagógico, como de há muito se vem dizendo, e do tempo que se perde não ganha de qualquer modo nem o indivíduo nem a Nação. Importa, pois, que o nosso ensino seja mais directo, feito à roda do aluno e para o aluno, evitando-se assim que o educando se transforme em máquina de conhecimentos, e não em agente desses mesmos conhecimentos!...

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - O ensino privado, de cujo préstimo e valia andam arredias muitas consciências, que lhe ignoram o alcance e valor, não obstante afirmarem-se responsáveis, requer a revisão do seu estatuto, com a afirmação da garantia de "função pública"; maior liberdade de acção na organização dos seus cursos e planos de estudo; maior protecção para desenvolvimento e proliferação das suas unidades, ao mesmo tempo que deseja uma revisão da actual orgânica do nosso ensino, quanto a planos, sistemas de exame, métodos de ensino, estrutura de livros e processos didácticos.
Isso, naturalmente, o impõe a necessidade de uma preparação mais qualificada e ajustada às necessidades do País, que está na primeira preocupação do Ministro Prof. Galvão Teles.
Termino, entretanto, com o voto de que as conclusões do Congresso encontrem no1 ilustre Ministro e no Governo a receptividade, o acolhimento e a simpatia que bem merecem!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade a proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Vou pôr em discu8ssão a base XXI, que vai ser lida.

Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Foi lida. E a seguinte:

BASE XXI

A reparação das despesas de funeral seira igual a 30 dias de retribuição, elevada para o dobro quando haja transladação.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a base XXI.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XXII, sobre a qual há na Mesa várias propostas de alteração.
Vão ser lidas a base e as propostas de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXII

1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho dia vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doem ca que serviu de base à reparação, as respectivas prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia dom a altercação verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida nos dez anos posteriores à data dia fixação da prestação, salvo tratando-se de doenças profissionais com carácter evolutivo, das em que a revisão pode ser requerida sem limite de tempo.
3. A revisão podará ser a requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
4. Quando, apesar de receber (pensão por incapacidade piara o trabalho, o trabalhador continuar ao serviço da mesma empresa ou for admitido noutra, a pensão a que tiver direito será suspensa sempre que a retribuição auferida- pelo sinistrado for superior ao dobro da que percebia à data do acidente.
Enquanto durar a suspensão, a pensão reverterá pana o fundo criado na base XLV.

Proposta de alteração

BASE XXII

Propomos que na base XXII:

A) No n.º l, entre as expressões "reparação" e ;"as respectivas prestações" se intercale a expressão "ou quando se verifique aplicação de prótese ou de ortopedia";
B) Os n.ºs 2 e 4 passem a ter a seguinte redacção:

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
4. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o dis-

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posto nos n.ºs 2 e 3 desta base podendo requerer-se a revisão a qualquer tempo. Mas nos dois primeiros anos só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arantes -António Manuel Gonçalves Rapazote- António Magro Borges de Araújo.

Proposta de aditamento no n.º 1 da base XXII

Entre a palavra "reparação" e "as respectivas prestações" intercalar: "ou quando se verifique aplicação de aparelhos de prótese ou de ortopedia".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1965. - O Deputado, Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão a base e as propostas de alteração que acabam de ser lidas.

O Sr. Tito Arantes: - Sr: Presidente: Pedi a palavra apenas para pedir a V. Ex.ª autorização para retirar aquela proposta que eu tinha apresentado em meu nome individual, porque foi posteriormente substituída por uma outra proposta em que a Comissão assentou, com uma redacção que eu considero preferível e à qual dei, portanto, também a minha assinatura.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se aprova que seja retirada a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Tito Arantes, como acaba de ser requerido.

Submetida à votação, foi aprovada a retirada da proposta.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se em primeiro lugar o n.º l, juntamente com a proposta de alteração que foi lida.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora à votação as propostas de substituição dos n.º8 2 e 4.

Submetidas à votação, foram, aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora à votação o n.º 3, sobre o qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XXIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Essa proposta refere-se aos n.ºs 4 e 5. Deve ser, portanto, segundo creio, considerada como constituindo duas propostas de aliteração. O que estão é apresentadas, num aspecto formal, numa única proposta. Vão ser lidos a base e as propostas de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXIII

1. As indemnizações e pensões serão calculadas com base na retribuição que a vitima auferia no dia do acidente, se esta representar a retribuição normalmente pela vítima.
2. Entende-se por retribuição tudo quanto a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade.
3. Se a retribuição do dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pela vítima no período de um ano anterior ao acidente e, na falta deste elemento, seguindo o prudente arbítrio do juiz. tendo em atenção na natureza dos serviços prestados, a categoria profissional da vítima e os usos.
4. Na reparação emergente dias pneumoconioses as indemnizações e pensões serão calculadas com base na remuneração percebida pelo doente no ano anterior à cessação da exposição ião risco ou à data do diagnóstico inequívoco da doença.
5. Se a vítima for um aprendiz ou tirocinante, eu menor de 18 anos, percebendo ou não retribuição, as indemnizações e pensões terão por base:

a) No primeiro caso, a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à aprendizagem ou tirocínio da vítima:
b) No segundo caso, a retribuição média de um trabalhador não qualificado de maior idade da mesma empresa ou de empresa similar.

6. Em caso algum a retribuição a considerar poderá ser inferior à que resulte da lei, de despacho de regulamentação do trabalho ou de convenção colectiva.

Proposta de aditamento e eliminação

BASE XXIII

Propomos que, na base XXIII:

a) No final do n.º 4, se acrescente a expressão "se este a preceder";
b) No n.º 5 seja suprimida a expressão "percebendo ou não retribuição".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - António Maria Ribeiro de Meireles - Joaquim de Sonsa Birne - António Magro Borges de Araújo - António Martins da Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão a base e as propostas de alteração.

O Sr. Soares da Fonseca:-Sr. Presidente: Pedi a palavra para dar um simples esclarecimento.
Propõe-se que no n.º 5 seja suprimida a expressão "percebendo ou não retribuição". Esta proposta destina-se a

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harmonizar o n.º 5 com o que já foi votado na base II para tirocinantes e aprendizes, em que se exigia que estivessem na dependência económica da entidade patronal.
E convém esclarecer a Câmara de que isto se quis exactamente para favorecer que as entidades patronais abram largamente as portas ao tirocínio de aprendizagem daqueles que não ficam propriamente na SUH dependência económica, mas pretendem apenas fazer a aprendizagem ou o seu tirocínio.

O Sr. Presidente:-Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vão votar-se em primeiro lugar os n.08 l, 2, 3 e 6 da base, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o n.º 4 com a proposta de alteração que foi lida.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: -Vai votar-se agora o n.º 5 com a proposta de alteração que foi lida.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XXIV, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alterarão.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes.

BASE XXIV

Para o cálculo das prestações previstas nesta lei o Governo fixará, por decreto, limites às retribuições-base e estabelecerá para o efeito diversos escalões, conforme as diferentes profissões e actividades.

Proposta de alteração

BASE XXIV

Propomos que a redacção da base XXIV passe a ser a seguinte:

Para o cálculo das prestações previstas nesta lei o Governo fixará, por decreto, limites às retribuições-base, podendo para o efeito estabelecer diversos escalões.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23- de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - António Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa:

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a proposta de alteração da base XXIV acabada de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XXV, sobre a qual há na Mesa duas propostas de alteração.
Vão ler-se:

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXV

1. As doenças profissionais constarão taxativamente de lista organizada e publicada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, sob parecer de uma comissão para esse fim nomeada e em que estarão representados o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, a Direcção-Geral de Saúde, a Ordem dos Médicos e a Corporação de Crédito e Seguros.
2. A doença resultante, directa e necessariamente, de uma causa que actue continuadamente em consequência da actividade exercida, mas que não esteja incluída na lista das doenças profissionais, será considerada como acidente de trabalho.

Proposta de alteração

BASE XXV

Propomos que o n.º 2 da base XXV passe a ter a seguinte redacção:

2. A lesão corporal, perturbação funcional ou doença, embora não incluída na lista a que se refere o n.º 1 desta base, resultante de causa que actue continuadamente, é imdemnizável, desde que se prove ser consequência necessária e directa da actividade exercida e não represente normal desgaste do organismo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - António Mana Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - Tito Castelo Branco Arantes -António Magro Borges de Araújo.

Proposta de substituição do n.º 2 da base XXV

Poderão ainda beneficiar da protecção estabelecida na presente lei, embora não constando dessa lista, aquelas doenças que o trabalhador "prove terem resultado directa, (necessária e exclusivamente do exercício contínuo de determinada actividade e não representem natural desgaste do organismo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1963. - O Deputado, Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Tito Arantes:-Sr. Presidente: Dei também a minha adesão à nova redacção da proposta de alteração deste n.º 2 da base XXV e neste sentido fica prejudicada, e peço a V. Ex.ª autorização para a retirar, a proposta que inicialmente tinha subscrito apenas em meu nome próprio.

Consultada a, Câmara sobre a autorização para retirada da proposta, foi a mesma concedida.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão..

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O Sr. Délio Santarém: -Sr. Presidente: O objectivo do n.º 2 da base em apreciação é muito pertinente, mas também é muito discutível o meio preparado para lá chegar.
E, se bem compreendi, é muito discutível não só por contrariar, de certo modo, o que parece essencial no espírito do n.º l da mesma base, mas também por, fatalmente, arrastar para os tribunais muitas questões com complexos problemas relacionados com a etiopatogenia das doenças.
Acrescento, Sr. Presidente, que é no âmbito da fisiologia e da etiopatogenia que a medicina é mais misteriosa e transcendente, só porque, na verdade, são muito grandes as dificuldades a vencer por quem legisla e que não se apresentam, quanto a mim, perfeitos os textos do n.º 2, tanto na proposta do Governo como na do grupo dos Srs. Deputados.
E mesmo com todas as cautelas agora postas não sei se seria possível uma redacção mais conveniente.
Em todo o caso, considerando não só as causas eficientes, mas também as adjuvantes e predisponentes das doenças, peço a V. Ex.ª, Sr Presidente, que me permita lembrar que deve haver vantagem em excluir a palavra e o sentido de "continuadamente" e em juntar a palavra ."suficiente" à expressão "necessária e directa" que se lê nesse n.º 2 da base XXV.

O Sr. Pinto de Mesquita:-Sr. Presidente: Apenas me proponho formular um esclarecimento, que me é sugerido pela redacção do n.º 2 desta base. O respectivo princípio, mesmo antes da autonomia consagrada da figura jurídica, nem por isso tinha deixado de ser considerado pela jurisprudência como elemento complementar, por assim dizer, do de acidente de trabalho. Verifica-se mais uma vez em toda esta matéria, que tem 40 ou 50 anos de vida legal, que, tratando-se de uma matéria em progresso,, o influxo da jurisprudência tem uma alta importância. Por tudo isto, considerei este capítulo das doenças profissionais ,de alto interesse. O certo é que sobre este n.º 2 se levantou a dúvida sobre se se deve aceitar a relevância de doenças não constantes da lista fixada ou apenas deviam ser consideradas para os efeitos de protecção, as doenças que constassem da dita lista.
Inclinando para o primeiro destes modos de ver, entendo que a boa doutrina está na manutenção deste n.º 2, tal como se acha na Mesa, com as modificações introduzidas. Porque é difícil estabelecer todos os casos de doenças profissionais, uma vez que estas doenças podem ter origens e fontes que ainda ^não foram previstas. Pode haver indústrias químicas ou atómicas que provoquem doenças ainda desconhecidas ou não refenciadas por nós.
Portanto, essa matéria de uma lista fixada, ainda que se venha a alterar de ano para ano, é sempre um ponto de partida falível. E para corresponder à justiça deve-se realmente aguardar a acção jurisprudencial.
E até se apresentaria chocante que, representando o diploma em discussão, em frequentes pontos, uma cristalização legal do assente pela jurisprudência, e isto se reconhece na respectivo relatório, agora se concluísse neste caso particularmente fluido tentar-se cercear para futuro a respectiva acção.
Quer dizer: os legalistas estreitos devem ceder o passo aos jurisprudencialistas criadores.

O Sr. Presidente: -Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se em primeiro lugar o n.º 1 da base XXV.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de alteração -poderei dizer de substituição- do n.º 2.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão a base XXVI, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXVI

Haverá direito à reparação emergente de doença profissional quando, cumulativamente com a doença, se verifiquem as seguintes condições:

a) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual;
b) Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na lista a que se refere a base anterior, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos.

Proposta de alteração

BASE XXVI

Propomos que na base XXVI:
a) O texto da proposta passe a constituir o n.º l, com a seguinte redacção:

1. Haverá direito à reparação emergente de doenças profissionais, previstas no n.º 1 da base anterior, quando cumulativamente se verifiquem as seguintes condições:

a) Estar o trabalhador afectado da correspondente doença profissional;
b) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual;
c) Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na lista a que se refere a base anterior, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos.

b) Se adite um novo número (n.º 2), assim, redigido:

No caso de silicose, se o trabalhador esteve menos de cinco anos exposto ao respectivo risco,

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ficará sujeito ao regime de prova estabelecido no n.º 2 da base anterior.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arantes-António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges de Araújo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Proença Duarte:-Sr. Presidente: Esta base, como se encontra redigida e sobretudo com as alterações propostas pela comissão dos Srs. Deputados, parece-me que pretende dar solução a um problema de doutrina e de jurisprudência, que muito se discute nos nossos tribunais, acerca do momento a partir do qual se deve contar o prazo para o portador da doença profissional poder pedir a reparação estabelecida na lei e originada por essa doença.
A lei anterior, salvo erro no artigo 9.º, estabelecia que esse pedido de reparação deveria fazer-se dentro do prazo de um ano.
O texto da base, com a alteração proposta, diz que para se obter o direito à reparação se hão-de verificar cumulativamente vários requisitos e, entre eles, os mencionados nas alíneas b) e c), dizendo esta:

Não ter decorrido, a contar da cessação da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequícovo da doença, o prazo para o efeito fixado na lista a que se refere a base anterior, salvo tratando-se de doenças causadas pela inalação de poeiras de sílica, pelo rádio, raios X e substâncias radioactivas, cujo prazo será de dez anos.

Parece que se melhora, a favor dos acidentados por esta doença, a sua posição jurídica em face do novo texto da lei, porque a anterior estabelecia no artigo 9.º que a responsabilidade patronal pelos encargos provenientes de doenças profissionais subsiste pelo espaço de um ano, a contar da data do despedimento do trabalhador, e, se a doença for o cancro dos radiologistas, pelo espaço de cinco anos. Discutiu-se nos tribunais "e o momento a partir do qual se deveria contar o prazo era aquele em que se manifestava a doença ou aquele em que a mesma se teria instalado no organismo da pessoa.
Esse debate dos tribunais foi prolongado, deu lugar a vária jurisprudência e crítica à mesma e, entre essas críticas, seja-me permitido apontar a que foi feita pelo Prof. Raul Ventura num estudo a que chamou "Das Doenças Profissionais", no qual entendia que o momento a partir do qual se deve considerar o decurso do prazo para a caducidade do direito é a partir do momento em que a doença se teria instalado.
A proposta em discussão deixa ao Ministério das Corporações e Previdência Social a publicação e organização da lista das doenças profissionais e também o prazo dentro do qual se considera normal a instalação da doença no organismo do indivíduo. Somente quanto à doença proveniente da sílica, a silicose, marca o prazo de dez anos.
A ciência tem uma palavra a dizer sempre nos tribunais quando se trata de problemas desta natureza e por vezes se estabeleceu conflito entre a verdade científica e a verdade legal, porque o jurista entendia que a verdade legal era aquela que resultava do texto da lei em que dizia que esta doença se revelava dentro do prazo de um ano, e a verdade científica era por vezes contrária a esta verdade legal, afirmando que o período de incubação da doença poderia ser muito superior ao prazo de um ano.
A proposta de alteração deixa à Comissão instalada para fixar a relação das doenças o dizer qual o prazo de incubação de cada uma das doenças que hão-de fazer parte da lista. Quanto à doença proveniente da sílica, a proposta em discussão marca já o prazo de dez anos.
Parece que, na verdade, assim se resolve da maneira mais racional e lógica, mais consentânea com os princípios da justiça que se pretende realizar através da lei; assim se acautelam quer os interesses dos trabalhadores, quer os do dador de trabalho, os quais têm uma posição igual na protecção dada pela lei.
Parece, Sr. Presidente, que, na verdade, é de aprovar inteiramente a base XXVI de harmonia com a proposta de alteração apresentada pelos Srs. Deputados que a subscreveram.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a proposta de alteração apresentada e que foi lida.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: -Vou pôr em discussão a base XXVII sobre a qual há na Mesa uma proposta de aditamento. Vão ser lidas a base e a proposta de aditamento.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXVII

1. São responsáveis pela reparação emergente de doença profissional, e na proporção do tempo de trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima trabalhou na mesma (indústria ou ambiente nos dois anos anteriores à cessação do trabalho causador da doença, ou, em termos idênticos, as instituições de seguro que cobriam o risco.
2. No caso de silicose, o período referido no número anterior será o que resultar dos elementos averbados na carteira de sanidade e, na falta destes, de cinco ou dez anos, conforme seja ou não de contracção recente pericialmente comprovada.

Proposta de aditamento

BASE XXVII

Propomos que à base XXVII seja aditado um número (n.º 3), com a seguinte redacção:

3. O disposto no n.º 1 desta base não prejudica o disposto no n.º 4 da base XXVII, mas as instituições de seguro, no caso de variação de salário, terão o direito de exigir reembolso dos prémios correspondentes às diferenças salariais verificadas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Mérito Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arantes - António Manuel Gonçalves Rapazote-António Magro Borges Araújo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

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O Sr. Sousa Birne: - O n.º 1 desta base da proposta do Governo, ao estipular que as entidades patronais são responsáveis pela reparação emergente de doença profissional só na proporção do tempo, sem consideração pelo grau de intensidade do risco do trabalho prestado em cada uma dessas entidades, omite a consideração de aspectos de um índice de causalidade da maior importância. Com efeito, quanto maior for o grau de intensidade do risco, maior é, necessariamente, a velocidade de contracção da doença e maior, portanto, será a responsabilidade a imputar para o mesmo tempo de exposição.
Com a silicose as coisas passam-se desta maneira: à parte factores humanos1 fisiológicos pessoais do indivíduo que não estão em causa nesta apreciação, a velocidade ou a intensidade da contracção da doença dependem essencialmente de:

1.º Quantidade de poeira por unidade de volume de ar do ambiente, elemento de densidade que se define geralmente pelo número de partículas de poeira em suspensão por centímetro cúbico de ar;
2.º Percentagem de sílica livre nessas poeiras.

Isto quer dizer que para a mesma quantidade de poeira a agressividade do ambiente, e, portanto, a velocidade de contracção da silicose, é tanto mais rápida quanto mais elevada é a percentagem de sílica livre e, por outro lado, quer dizer também que para ambientes de poeiras com idêntica percentagem de sílica livre a velocidade de contracção varia directamente com o número de partículas de poeira em suspensão por centímetro cúbico de ar.
Ora a intensidade agressiva dos ambientes poeirentos é altamente variável de empresa para empresa ou de entidade patronal para entidade patronal; essa intensidade agressiva, mesmo entre indústrias análogas ou afins, depende da natureza propriamente específica do trabalho, dos locais, da natureza das rochas ou das substâncias minerais em que a actividade se desenvolve e ainda, e esse é um aspecto da maior importância, do cuidado que as empresas ou entidades patronais prestarem à adopção de medidas de prevenção técnica tendentes ou a reduzir ao mínimo a própria produção de poeiras ou a eliminá-las à nascença, ou seja à medida que elas se produzam.
Assim, uma empresa que exerce uma determinada indústria e que tem na sua actividade ambientes poeirentos com uma densidade de 10 000 - ou mais, que os há - partículas de poeira por centímetro cúbico, faz muito mais mal num ano aos seus operários que nela trabalham do que uma empresa com uma indústria análoga ou diferente faz em quinze ou vinte anos se, ou por condições especiais, ou pelo cuidado que lhe mereceu o saneamento, os ambientes poeirentos em que os seus operários trabalham não excedem em densidade 500 partículas de poeira por centímetro cúbico.
São estas as razões por que só a noção do tempo de prestação de trabalho relacionada à imputação do grau de responsabilidade da reparação é altamente incompleta e injusta.
Pensou-se, por esse facto, em introduzir uma proposta de alteração ao mesmo n.º 1 da base, pela qual a responsabilidade fosse atribuída não só na proporção do tempo, mas também na proporção desse grau de intensidade do risco.
No entanto, as Comissões, embora reconhecendo toda a justiça do princípio, reconheceram também que tal alteração, nas actuais circunstâncias, traria enormes dificuldades, era mesmo impraticável, na apreciação da jurisprudência, na resolução das causas em tribunal.
Foi por isso que as Comissões resolveram não ser de considerar tal admissão.
O princípio ficará, no entanto, registado, e eu creio que no futuro poderá evoluir a tendência de que venha a ser adoptado. Na verdade, o grau de intensidade do risco poderá vir a ser avaliado nos seus efeitos pela obrigatoriedade da adopção dos exames radiológicos de início e periódicos, e directamente na sua causa pela determinação do chamado "índice coniótico", cuja obrigatoriedade de determinação deverá ser instituída nos sistemas de prevenção técnica das empresas.
Algumas empresas, entre nós, estabeleceram já essa determinação e lá fora é de uso corrente obrigatório, pelo menos nalguns países.
De resto, é incontestável que as empresas responsabilizadas, não pelo tempo em que nelas se trabalhou, mas pelo mal que efectivamente causaram, é que está certo, e é princípio de elementar justiça que não paguem por aquelas que trabalham mal as que trabalham bem, pondo, pela utilização das medidas preventivas, todo o seu cuidado no saneamento dos ambientes em que se desenvolve o trabalho dos seus operários.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: Um apontamento apenas, em tom um bocadinho jocoso, para não deixar sem sublinhado a intervenção do Sr. Deputado Sousa Birne. Este Sr. Deputado pôs uma questão que tem o seu interesse e delicadeza e sobre a qual tem o seguinte ponto de vista: a este problema deve responder-se que sim.
Mas, honestamente, o Sr. Deputado Sousa Birne pôs a Câmara no conhecimento de que o problema foi ponderado nas Comissões e estas entenderam que não pode deixar de se dizer que não. Ora, como é impossível fazer a aliança entre o .sim e o não, a Câmara votará ou não com o Sr. Deputado Sousa Birne.

O Sr. Sousa Birne: - Creio que não há conciliação nenhuma a fazer entre o sim e o não, porque eu mesmo reconheci, como as Comissões reconheceram, que era impraticável nas actuais circunstâncias fazer a alteração da doutrina da base.

O Sr. Soares da Fonseca: -Perfeito, é isso mesmo.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se em primeiro lugar a base XXVII.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai agora ser votada a proposta de aditamento a essa base.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão as bases XXVIII, XXIX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXVIII

1. Os trabalhadores & quem, por estarem afectados de silicose com incapacidade, não seja permitido

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trabalhar em meio ou ambiente susceptível de. provocar o agravamento da doença, terão direito, durante um ano, a ser pagos, pela entidade patronal, da diferença entre o montante da pensão correspondente à sua incapacidade e a retribuição que auferiam.
2. Se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, com retribuição correspondente, ou se ele obtiver outro emprego, não fica aquela, obrigada ião pagamento da diferença estabelecida no número anterior senão pela importância necessária para integrar a retribuição que o trabalhador auferia anteriormente.
3. Se o trabalhador se. despedir com justa causa, ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida nos n.ºs 1 e 2 desta base pelo período de tempo que ainda falte decorrer até se completar o prazo de um ano.

BASE XXIX

1. As entidades patronais que .admitirem ou mantiverem ao seu serviço trabalhadores com inobservância das medidas previstas nas bases XXXI e XXXII, ou a instituição seguradora que, nessas condições, tiver assumido a cobertura do risco, serão exclusiva e integralmente responsáveis pela reparação correspondente à incapacidade ou morte da vítima, sendo, porém, subsidiária a responsabilidade da segunda.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável à admissão de trabalhadores considerados inaptos no exame médico previsto na base XXXI.

BASE XXX

1. As entidades patronais são obrigadas a participar aos tribunais do trabalho e à Inspecção do Trabalho todos os casos de doenças profissionais de que tenham conhecimento e de que sejam vítimas trabalhadores ao seu serviço e igual obrigação recai sobre a instituição de seguro que cubra o risco.
2. A entidade patronal ou a instituição de seguro que infringir o disposto no número antecedente não poderá aproveitar da caducidade prevista no n.º 1 da base XXXVIII, sem prejuízo da sanção penal aplicável aos responsáveis.

BASE XXXI

1. As entidades patronais cujas actividades impliquem sujeição ao risco de silicose não poderão admitir ao seu serviço trabalhadores sem previamente os submeterem a exame médico, nos termos da legislação em vigor, destinado a verificar se estão afectados daquela enfermidade, devendo em relação a cada um deles ser passada carteira de sanidade conforme regulamento, a publicar pelos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência.
2. O exame médico será renovado periodicamente, em função do risco da actividade, dos locais onde esta é exercida e do estado sanitário dos trabalhadores.
3. Os Ministros das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência poderão determinar a obrigatoriedade do exame e da carteira de sanidade em relação a outras doenças profissionais cuja gravidade e extensão o imponha.

BASE XXXII

Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor desta lei, se encontrem ao serviço de entidades patronais compreendidas no âmbito da base anterior, serão,
no prazo regulamentarmente estabelecido, submetidos ao exame médico previsto na mesma base.

BASE XXXIII

O estado sanitário dos trabalhadores, para efeitos de registo na carteira de sanidade prevista na base XXXI, deverá ser qualificado em função da sua
aptidão para o trabalho nas actividades que determinem sujeição ao risco da silicose.

BASE XXXIV

1. Os trabalhadores afectados de silicose de que não resulte incapacidade, mas que os impeça de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença possa ser agravada, terão direito durante seis meses à retribuição que auferiam, paga pela entidade patronal.
2. Não é devida a reparação estabelecida no número anterior se a entidade patronal transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, ou este obtiver outro emprego, num e noutro caso com retribuição igual ou superior a 75 por cento do que recebi-a anteriormente.
3. Se o trabalhador se despedir, com justa causa, ou for despedido sem justa causa, mantém-se para a entidade patronal a obrigação estabelecida nos n.ºs 1 e 2 desta base pelo período de tempo que ainda faltar decorrer até se completar o prazo de seis meses.

BASE XXXV

O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá, por decreto, tornar extensivas a outras espécies de pneumoconioses as normas especiais de reparação contidas nesta lei quanto à silicose, desde que a gravidade e a extensão daquelas doenças o aconselhem.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Gonçalves de Faria: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para me referir à base XXVIII.
Circunstâncias estranhas à, minha vontade impediram-me de estar presente à reunião das Comissões em que foi apreciada esta base. Por este motivo não pude ser esclarecido se o regime da reparação especial da silicose como incapacidade pela qual os trabalhadores, a quem não seja permitido trabalhar em meio ou ambiente susceptível de provocar o agravamento da doença já contraída, passam a- ter o direito, durante um ano, se antes não obtiverem outro emprego, de ser pagos ida diferença entre, o montante da pensão e a retribuição que auferiam, constitui ou pede vir a con9titu;r encargo da Caixa Nacional de. Seguros das Doenças Profissionais, no caso, evidentemente, das empresas já consideradas, obrigatoriamente, inscritas nesta Caixa, e para a qual já contribuem com uma taxa de seguro que para a sua maioria é de 5 por cento sobre, o salário.
Se esta reparação incumbe u, Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, nenhuma objecção tenho a fazer. Mas se ela é estranha às obrigações da Caixa, não posso deixar de chamar a atenção para o agravamento, a meu ver injusto, dos encargos sociais que já oneram de forma substancial a actividade dessas empresas, em que predominam as empresas mineiras.
E, perante as sérias dificuldades económicas e financeiras que quase .todas as empresas mineiras enfrentam presentemente, não vejo como lhes seja possível sobre-

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viver se for da sua directa e exclusiva responsabilidade esta reparação.
A meu ver, salvo melhor opinião, as empresa mineiras deveriam ser aliviadas de todos os encargos que possam pesar de forma sensível -e este é um deles- no custo da produção.
Neste sentido se emite a opinião de no regulamento desta lei se transferir esta reparação para a Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, para o seu fundo de assistência, o qual poderia vir a ser reforçado por um subsídio do Fundo de Desemprego, uma vez que, afinal, tudo se processa, se não for possível transferir o trabalhador para serviços isentos do risco, em remetê-lo para o desemprego, que em muitos casos pode ser o desemprego permanente, era face da tendência que já hoje se verifica, em muitas indústrias, para sujeitar a exames médicos rigorosos a admissão dos candidatos a emprego.

O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente: A base XXXIV da proposta do Governo, que se intitula "Reparação especial da silicose sem incapacidade", foi aquela cuja admissão mereceu desde o início grande hesitação da parte das Comissões.
Por um lado, ela, atribuindo o direito a uma indemnização equivalente a seis meses da retribuição salarial que auferiam aos trabalhadores afectados de silicose de que não resulte incapacidade, mas que os impeça de trabalhar em meio ou ambiente em que a doença seja agravada, define uma doutrina, que em princípio está certa e que lá .fora nalguns países se admite, embora os estados a que SÊ aplica, que são os mesmos que esta base pretende proteger, se denominem geralmente, não "silicóticos", mas, com mais propriedade, "estados anteprimários da silicose" ou "estados pré-silicóticos", e o preceito considerasse do puro domínio preventivo.
Por outro lado, para que a adopção da doutrina não gere mais confusão e indisciplina do que vantagens, requer previamente a regulamentação de um sistema de condicionamento especializado, que assim se resume:

1.º Os princípios definidores desse condicionamento deverão respeitar toda a possibilidade reparadora -regressiva ou de equilíbrio- que o sistema funcional da "prevenção médica" exercido nas actividades empresariais possa em primeira instância assegurar;
2.º A determinação das características radiológicas do estado pulmonar que imponham a impossibilidade permanente de regresso aos ambientes poeirentos terá de ser muito ponderadamente estabelecida e conjugada com as possibilidades daquele sistema de "prevenção médica", que entre as suas medidas preventivas deverá provavelmente incluir a rotação, por períodos temporários, dos operários entre ambientes poeirentos e ambientes de ar puro.

Este sistema de condicionamento nem sequer está definido se a própria tabela de desvalorizações vigente, que terá de ser alterada, define sempre indemnização de incapacidade, mesmo nos casos - que estão entre aqueles a que a doutrina desta base se pretende aplicar - em que não há incapacidade funcional.
A confusão que actualmente existe nas características definidoras da. doença é manifesta na disparidade das decisões entre tribunais diferentes para casos análogos; há mesmo leituras e definições radiológicas de "silicose" para casos impossíveis de o serem, e a própria designação de "silicose", que define um efectivo estado de doença, adoptou-se com uma amplitude absolutamente imprópria, psicologicamente doentia, e que terá de ser banida.
Pelo que se tem visto de confusão, e pelo que está por enquanto patente, a falta de um sistema de condicionamento ou ainda uma definição inadequada, para que a doutrina da base se aplique, pode ter graves consequências, em desordem e injustiças, gerando a indisciplina e a confusão de mais uma corrida à indemnização, por medo ou por dolo, e estabelecendo, sem vantagens para a causa, condições de vida impossível às actividades.
0 resumo do que se expôs é de que se está perante o dilema:

1) Ou firmar-se na justiça reparadora dos princípios da base, e aprová-la, confiando que todo o mecanismo da "prevenção" e o sistema de condicionamento da aplicação daqueles princípios sejam prévia e adequadamente postos em ordem e regulamentados;
2) Ou, em face das contingências e das responsabilidades emergentes, suprimir por agora a base, aguardando que toda a doutrina esclarecedora e definidora lhe avoquem a pertinente propriedade e oportunidade.

Estive entre aqueles que muito hesitaram perante o dilema da aceitação da base desde já, ou da sua prudente supressão por agora, aguardando que primeiro fosse formulada aquela delicada doutrina esclarecedora que melhor, com mais ilustração e com perfeita tranquilidade a impusesse e permitisse então adoptar.
É que a aplicação desta doutrina só se compreende cumulativamente com a instituição de um sistema de prevenção completo e evoluído, tanto sob o ponto de vista médico como sob o ponto de vista técnico, como, aliás, evoluída é a própria doutrina da base. De outra forma ele não atinge a sua justa finalidade, só gera confusão, e as suas consequências serão tão graves que com razão tremem as próprias: actividades pela sua aplicação.
Eu vejo no aspecto tudo tão incipiente, reconheço estar ainda tanto o desconhecimento de causa instalado na prevenção, na definição e na peritagem, que em consciência, e até por respeito especial à vitalidade e à própria existência da indústria mineira, prefiro, por agoira, recolher-me na prudência e não dar à base a minha aprovação.

O Sr. Gonçalves de Faria:-Sr. Presidente: Pedi novamente a palavra, agora para aderir às considerações que acabam de ser feitas pelo ilustre colega Sr. Deputado Sousa Birne.
Já na minha intervenção na generalidade pus sérias e justificadas objecções à doutrina desta base.
Na reunião das Comissões pedi a sua eliminação, por a considerar extremamente perigosa para a indústria extractiva na presente conjuntura. A confusão que ainda reina no diagnóstico da silicose e a falta de compreensão por parte dos trabalhadores do alcance do conteúdo desta base não deixarão de originar graves conflitos, que os tribunais poderão resolver, sem evitar, entretanto, consequências gravíssimas no ritmo de expansão da actividade mineira, que esta Câmara ainda não há muito tempo desejou ver acelerado.
O princípio estabelecido nesta base pode estar, e está, certo, mas considero ainda cedo para o impor com força de lei. As consequências da sua aprovação não poderão deixar de ser desastrosas para a indústria extractiva nacional, principalmente para as explorações mineiras.

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Conheço suficientemente a situação em que vivem estas explorações para poder afirmar convictamente que a aprovação desta base não deixará de levar, em curto prazo, à paralisação de muitas minas.
E posso afirmar que é esta também a opinião dos serviços oficiais que superintendem no sector.
Pelo que acabo de dizer, não posso dar a minha aprovação a esta base.
Resta-me a esperança de que ao proceder-se à sua regulamentação haja toda a prudência e ponderação, como o exige a indiscutível importância da indústria extractiva no desenvolvimento da economia nacional, e que não deixem de ser ouvidos todos os sectores interessados, quer oficiais, quer privados.
Finalmente, no que se refere à reparação, considero pertinente a opinião que emiti a propósito da apreciação da base XXVIII, isto é, enquanto não forem conseguidas aos trabalhadores efectivos outras ocupações compatíveis com o seu estado de saúde e capacidade de trabalho, a retribuição a que têm direito por efeito desta base seja paga pelo fundo de assistência da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, para o qual concorreria igualmente o Fundo de Desemprego.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: Penso que as dúvidas e problemas que podem suscitar estes casos, que são reais, devem ser resolvidos, não a favor das entidades patronais, mas a favor do trabalhador.
Certamente que há problemas e dúvidas. Não há dúvida de que entre a incapacidade real e as lesões que podem objectivamente verificar-se há uma grande distância, mas, até que o caso particular de cada um e a doutrina em relação a este problema se esclareça devidamente, deveríamos deixar ficar o problema resolvido em relação ao trabalhador, porque durante esse tempo é verdadeiramente dramática a sua posição. Esse trabalhador fica incapacitado legalmente e com razão, e até pelas prevenções que qualquer entidade patronal tem de tomar em relação à sua admissão a novos trabalhos, visto que já está contaminado pela silicose, ficando impossibilitado de se dedicar ao seu trabalho e sujeito durante seis meses ou mais tempo a uma situação verdadeiramente dramática.
Conheço esses problemas concretamente, de perto, porque os tenho vivido como perito, e certamente que sinto toda a gravidade da situação do trabalhador. O tempo que a lei consigna (seis meses) e em casos que não são muito numerosos não implica uma responsabilidade de grande vulto para as empresas.
E suponho que, na verdade, é a cargo delas que deve ficar o esclarecimento da questão.
Portanto, sou a favor e dou o meu voto à aprovação deste número da proposta.

O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente: Pedi a palavra apenas para um esclarecimento ao Sr. Deputado Cerqueira Gomes. Ninguém pretendeu, e eu muito menos ainda, que fiquem sem amparo situações de desgraça de operários; aqui não se trata de situações de desgraça, mas sim, apenas, de uma medida preventiva, porque não há incapacidade, nem há mesmo ainda doença. A minha única observação sobre a aplicação da doutrina é esta: é que ela, para ser útil, tem primeiro de assentar, e aí é que está a defesa do operário, num completo sistema de prevenção, e depois, cumulativamente com esse sistema de prevenção, virá a aplicar-se a base. A minha única dúvida em a aceitar por agora é que vejo tudo muito baralhado no que diz respeito à silicose, não estando ainda absolutamente definida a prevenção, nem tão-pouco o estudo radiológico da doença.

O Sr. Cerqueira Gomes:-Sr. Presidente: Em torno do problema há realmente dúvidas, mas é perfeitamente certo que um operário nestas circunstâncias é rejeitado, não sendo aceite por nenhuma empresa para a servir. Fica, portanto, numa situação de falta de protecção que merece u atenção da lei. Por isso, enquanto o problema não se definir melhor, julgo que, na dúvida, seria de responder à dúvida a favor do trabalhador. Aliás, no texto fala-se expressamente em trabalhadores afectados de silicose.
Ora a silicose pode realmente existir sem terem eclodido ainda os sintomas de diferenças funcionais. Não raro se encontram trabalhadores já largamente impregnados de sílica sem contudo as perturbações terem aparecido ainda. Não há paralelismo perfeito entre o grau de impregnação radiológica e o grau de insuficiência respiratória.
Quando um doente aparece impregnado de silicose, que é verificado por exame radiológico, passa desde então a ser rejeitado por todas as entidades patronais. Fica, assim, na posição de não poder continuar a exercer a sua actividade dentro da sua profissão.
Tem de se procurar outro facto, porque há outra situação para considerar, e julgo que a lei por seis meses deve admitir-se como situação nova não estabelecida. A silicose continua às vezes durante muito tempo a exercer a sua acção sobre o tecido pulmonar.
Portanto, entendo que estes seis meses se devem em parte à doutrina e em parte em relação a cada caso particular, visto que a integração do trabalhador pode ter dificuldades em encontrar outro serviço. Estes seis meses devem ficar a cargo da entidade patronal e não deixar o trabalhador numa posição de abandono, o que acarreta muitas dificuldades para a sua vida e dos seus.
Entendo isto por humanidade, e até com o sentido de perfeita justiça esta disposição deveria ser mantida e aprovada.

O Sr. Alberto de Meireles:- Sr. Presidente: Não obstante não haver nenhuma proposta de eliminação ou alteração à base XXXIV, julgou-se útil esclarecer que exactamente essa base foi objecto de particular cuidado e estudo nas Comissões. Isto porque se lhe pôs inicialmente uma objecção que parecia pertinente e que era a de que todos os trabalhadores afectados de silicose sofriam de incapacidade à face da tabela actual. Mas, como foi esclarecido pelo Sr. Ministro das Corporações e por pessoa especialmente responsável, a tabela será revista exactamente no sentido de contemplar a existência de estados silicóticos sem incapacidade.
Pensou-se nas Comissões em apresentar uma proposta de substituição a essa base, que, por último, não foi apresentada, por se julgar que se devia manter o texto da proposta, uma vez que se iria afastar a Incongruência apontada.
No n.º 2 se estabelece que se a entidade patronal transferir o trabalhador para ambiente ou serviço isento de risco já não há lugar à indemnização, desde que lhe seja assegurado salário não inferior a 75 por cento do que auferia.
Igualmente se o operário for procurar outro trabalho em que aufira uma remuneração não inferior aos mesmos 75 por cento, não haverá lugar a indemnização.
Portanto, não se trata de dar uma indemnização pura e simples: trata-se, e com muita humanidade - o Sr. De-

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putado Cerqueira Gomes o acabou de referir brilhantemente, como sempre, com a autoridade de médico muito ilustre, que se tem debruçado sobre esses assuntos -, de que o trabalhador em risco tenha garantido o salário por seis meses, para assim poder procurar outro trabalho. E nas condições actuais parece que não é arriscado esperar que o encontre sem risco silicogénico.
Sobre os outros problemas postos por dois ilustres Srs. Deputados, não me referirei em pormenor. Direi apenas que as Comissões, ponderando os prós e os contras, na certeza de uma cuidadosa e prudente regulamentação desta lei, resolveram não apresentar proposta de substituição e considerar a base como razoável, não importando sacrifício incomportável e injustificado para os dadores de trabalho.
É este esclarecimento que, em nome das Comissões, trago à Câmara.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vão votar-se em primeiro lugar as bases XXVIII, XXIX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII e XXXV.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a base XXXIV.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Sousa Birne:-Sr. Presidente: Requeiro que fique registado na acta que a aprovação da base XXXIV foi por maioria.

O Sr. Presidente: - Ficará registado que foi aprovada, por maioria.

O Sr. Soares da Fonseca: -Pois, se V. Ex.ª me desse licença, Sr. Presidente, eu requeria que ficasse registado que esta base foi rejeitada pela minoria de três votos ...

O Sr. Martins da Cruz: - Mas parece que não houve contagem de votos!

O Sr. Presidente: - Não houve realmente contagem, Sr. Deputado Soares da Fonseca.

O Sr. Soares da Fonseca: - Também a não requeiro, Sr. Presidente. Basta que na acta fique a minha declaração, e nada mais.

Risos.

O Sr. Presidente: - Mas eu fico a pensar se a declaração de V. Ex.ª pode ficar na acta. Se eu digo a V. Ex.ª que não houve contagem, se sinal de que lhe indefiro o requerimento.

O Sr. Soares da Fonseca: - Mas eu fiz o requerimento. Para V. Ex.ª o indeferir, tem de constar da acta que eu o fiz. Consta do Diário o requerimento e consta o indeferimento. Isto me basta.

O Sr. Presidente:-Entendidos. É indeferido o requerimento do Sr. Deputado Soares da Fonseca.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Vou pôr em discussão a base XXXVI, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXXVI

1. É vedado às entidades patronais fazer cessar, sem justa causa, a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço enquanto estes se mantiverem em regime de incapacidade temporária.
2. Durante o período de incapacidade temporária parcial as entidades patronais serão, nos termos e na medida que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, obrigadas a ocupar os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço em trabalho compatível com o seu estado e a remunerar o trabalho produzido com retribuição correspondente, nunca inferior à devida pela capacidade restante e com base na retribuição do dia do acidente.
3. A infracção ao disposto no n.º 1 dará direito a uma indemnização a favor do sinistrado calculada entre o dobro e o triplo da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.

Proposta de alteração

BASE XXXVI

Propomos que à base XXXVI seja dada a seguinte redacção:

1. É vedado às entidades patronais fazer cessar, sem justa causa, a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidentes ao seu serviço enquanto estes se mantiverem em regime de incapacidade temporária.
2. Durante o período de incapacidade temporária parcial as entidades patronais serão, nos termos e na medida em que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, obrigadas a ocupar os trabalhadores vítimas de acidente ao seu serviço em trabalho compatível com o seu estado e a remunerar o trabalho produzido com retribuição correspondente, nunca inferior à devida pela capacidade restante e com base na retribuição do dia do acidente.
3. A infracção ao disposto no n.º 1 dará direito a uma indemnização a favor do sinistrado igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.

Sala das Sessões- da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles António Manuel Gonçalves Rapazote - Tito Castelo Branco Arantes - António Magro Borges de Araújo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Soares da Fonseca: - Parece-me conveniente explicar que o texto que as Comissões propõem para substituição à base XXXVI é o texto sugerido pela Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

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O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se o texto da proposta de substituição.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente:-Vou pôr agora em discussão II base XXXVII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de aditamento.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXXVII

1. Quando o acidente for originado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação emergente desta lei não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
2. Se a vítima do acidente receber de companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se a desonerada da respectiva obrigação e terá direito a ser reembolsada, pela vítima, das quantias que tiver pago ou despendido.
3. Se a indemnização arbitrada à vítima ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência de acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.

Proposta de aditamento

BASE XXXVII

Propomos que à base XXXVII seja aditado o seguinte número:

A entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º l, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. Também à entidade patronal ou seguradora assiste o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que alude esta base.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arantes - António Magro Borges de Araújo-António Manuel Gonçalves Rapazote-António Barbosa Abranches de Soveral.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Abranches de Soveral: -Sr. Presidente: Desejava justificar muito rapidamente a razão do aditamento proposto.
Nesta base, o problema versado - já, aliás, tratado na Lei n.º 1942 - é o de o acidente de trabalho revestir também aspectos de indemnização por outras vias que não sejam a indemnização do trabalho.
Nesta base, embora se não isente o patrão de pagar a indemnização correspondente, dá-se-lhe o direito de vir a ser reembolsado da indemnização que porventura venha a pagar através daquela que o causador do acidente vier a pagar. Portanto, não se isenta a entidade patronal, mas dá-se-lhe um direito de receber a indemnização que pagou, se acaso o autor do acidente tiver indemnizado a vítima.
Faltava, portanto, conceder à entidade patronal o direito à recuperação que lhe era facultada nas três primeiras alíneas da base.
Entendeu-se por bem conceder à entidade patronal dois direitos. O primeiro era o de ela, por se substituir à vítima, exigir aos responsáveis pelo acidente a indemnização que teria de pagar, no caso de a vítima, por incúria, não querer exercer o direito dentro do prazo de um ano, prazo já bastante longo para se poder accionar os responsáveis pelo acidente. O segundo direito foi o de, no caso de a vítima pedir a indemnização a terceiros, a entidade patronal, com parte no processo, poder fiscalizar a actuação processual da vítima. Esse direito é absolutamente legítimo, para evitar incúria ou desleixo da vítima.
Parece-me que este n.º 4 representa a continuação lógica e natural do texto da base XXXVII por forma a dar efectividade ao direito que os números anteriores da mesma base já reconheciam à entidade patronal, que é sempre responsável perante os seus operários.
Esta a explicação que entendi dever dar à Câmara.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se os três números da base.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de aditamento.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão a base XXXVIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de aditamento.
Vão ler-se a base e a proposta de aditamento.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XXXVIII

1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta.
2. Quando se tratar de doença profissional, o prazo previsto no n.º 1 conta-se da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença. Se não tiver havido esta comunicação ou ela tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto.
3. As prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.

Proposta de aditamento

BASE XXXVIII

Propomos que à base XXXVIII seja aditado um novo número, com a seguinte redacção:

4. O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fon-

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seca - Alberto Manja Ribeiro de Meireles- António Martins da, Cruz - Tito Castelo Branco Arantes - Délio de Castro Cardoso Santarém - António Magro Borges de Araújo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se os três números da base.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de aditamento.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: -Vou pôr em discussão a base XXXIX, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vai ser lida.

Foi lida. E a Seguinte:

BASE XXXIX

Salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante, e poderá ser autorizada a remição quando deva considerar-se economicamente mais útil o emprego judicioso do respectiva capital.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se a base XXXIX.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: -Vou pôr em discussão a base XL, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XL

1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos nesta lei ou com eles incompatível.
2. São igualmente nulos os actos e contratos simulados que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei.

Proposta de eliminação

BASE XL

Propomos que na base XL, n.º 2, seja eliminada a palavra "simulados".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Joaquim de Sousa Birne - António Magro Borges da Araújo - António Martins da Cruz - António Manuel Gonçalves Rapazote.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - A alteração que está proposta é a eliminação de uma única palavra.
Entendeu-se nas Comissões que todas as actos e contratos que visem a renúncia dos direitos conferidos nesta lei - simulados ou verdadeiros - deverão ser igualmente nulos.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a base conjuntamente com a proposta de alteração apresentada.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: -Vou pôr em discussão as bases XLI e XLII, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XLI

Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por estia lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos mesmos privilégios creditórios que a lei geral consigna para garantias das retribuições do trabalho, com preferência a estes últimos na classificação legal.

BASE XLII

As entidades patronais não poderão descontar qualquer quantia no salário dos trabalhadores ao seu serviço a título de compensação pelos encargos resultantes desta lei, sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso dia palavra,, vai passar-se à votação.
Vão votar-se as bases XLI e XLII.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.

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António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco António Martins.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

anuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Marques Lobato.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempo.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 4878

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