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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO O N.º 42

ANO DE 1966 26 NOVEMBRO

CÂMARA CORPORATIVA

IX LEGISLATURA

PARECER N.º 4/IX

Projecto de lei n.º 2/IX Lei da caça e do repovoamento cinegético

Projecto de proposta de lei n.º 2/IX Regime jurídico da caça

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 2/IX, sobre a lei da caça e do repovoamento cinegético, e, nos termos do artigo 105.º, acerca do projecto de proposta de lei n.º 2/IX, elaborado pelo Governo sobre o regime jurídico da caça, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem cultural (subsecção de Educação física e desportos) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso Rodrigues Queirós, Aníbal Barata Amaral de Morais, António Bandeira Garcez, Armando Rasquilha Tello da Gama, Artur Augusto de Oliveira Pimentel, Fernando Andrade Pires de Lima, Fernando Augusto de Santos e Castro, João Pedro Neves Clara, Joaquim Trigo de Negreiros, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Manuel da Silva José de Mello, José de Mira de Sousa Carvalho, Luís Quartin Graça e Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos, sob a presidência de S. Exª. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

SUMÁRIO

Apreciação na generalidade

1.º Oportunidade da reforma legislativa. Causas do empobrecimento do património cinegético. Sentido desta reforma (n.º 1 a 3).

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§ 2.º Importância da caça (n.º 4).

1) Aspecto desportivo,

2) Aspecto social.

3) Aspecto económico.

4) Aspecto turístico.

5) Aspecto fiscal.

§ 3.º A propriedade da caça e o direito de propriedade (n.º 5 a 7).

§ 4.º Reservas de caça. Sua justificação e sua função (n.º 8). § 5.º Ideias dominantes e estrutura geral dos projectos de diploma em estudo. Sua apreciação (n.01 9 a 11).

II

Exame na especialidade

A) Do projecto de proposta de lei

§ 1.º Exercício da caça.

1) Conceito de caça (n.º 12 e 13).

2) Restrições ao exercício da caça (n.º 14).

3) Noção de caçador. Caça desportiva e caça com fim lucrativo (n.08 15 a 18).

4) Apropriação da caça (n.º 19 a 21).

5) Titulares do direito de caça. Requisitos para o exercício deste direito (n.º 22 a 24).

6) Carta de caçador e licenças (n.º 25 a 30).

7) Locais de caça (n.º 31 e 32).

8) Períodos venatórios (n.º 33 a 38).

9) Processos de caça (n.º 39 a 41).

]0) Espécies cinegéticas (n.º 42).

:i) Animais nocivos (n.º 43).

§ 2.º Reservas de caça. Sua finalidade. Modalidades (n.º 44). § 8.º Reservas particulares ou coutadas de caça (n.º 45).

1) Efeito da concessão de reserva de caça (n.º 46).

2) Condições subjectivas e objectivas para obter a

concessão de reserva de caça (n.º 47 a 49).

3) As reservas de caça e o regime florestal (n.º 50).

4) Área concelhia destinada a reservas de caça (n.º 51).

5) «Corredores» ou espaços livres (n.º 52).

6) Prazo da concessão de reservas de caça (n.º 53).

7) Reservas concelhias de caça (n.º 54).

8) Arrendamento de reservas de caça (n.º 55 a 58).

§ 4.º Reservas zoológicas e zonas de protecção (n.º 59).

§ 5.º Criação artificial de caça (n.º 60).

§ 6.º Comércio da caça (n.08 61 e 62).

§ 7.º Responsabilidade penal.

1) Sanções. Sua gravidade. Modalidades (n.08 63 e 64).

2) Infracções mais importantes (n.08 65 a 69).

§ 8.º Responsabilidade civil (n.º 70).

1) Danos de caça (n.º 71).

2) Danos da caça (n.º 72 e 73).

§ 9.º Fiscalização (n.º 74 a 76).

§ 10.º Organização e competência dos serviços (n.º 77).

§ 11.º Disposições finais e transitórias (n.º 78).

B) Do projecto de lei (n.º 79)

III

Conclusões

Contraprojecto da Câmara Corporativa (n.º 80).

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º Oportunidade da reforma legislativa.

Causas do empobrecimento do património cinegético.

Sentido desta reforma

1. Em face da manifesta escassez das espécies cinegéticas, que, como doença incurável, se vem acentuando de ano para ano no nosso país, e da incapacidade da legislação vigente sobre caça para afastar ou atenuar as causas do mal, resolveram o Governo e o Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira tomar a iniciativa de novas leis, em ordem à protecção e desenvolvimento das espécies.

Não se discute a oportunidade da iniciativa, tão flagrante ela é, e só deixará de a louvar quem for insensível ao interesse nacional, porque verdadeiramente é este que está em causa.

2. São múltiplas as causas do empobrecimento da fauna cinegética nacional: o número sempre crescente de caçadores, da ordem de algumas dezenas de milhar (1); a utilização de armas e de pólvoras mais aperfeiçoadas e destruidoras; o acentuado desenvolvimento das vias de comunicação, que levam aos mais recônditos lugares onde outrora a caça proliferava, conjugado com a impressionante difusão de meios de transporte, acessíveis às bolsas mais modestas; a progressiva redução das áreas susceptíveis de oferecer condições de vida às espécies, em virtude do arroteamento de terras e do alargamento das zonas urbanizadas; a deficiente e quase inexistente fiscalização, impotente para impedir actos gravemente atentatórios das espécies; e, finalmente, a ineficácia do sistema punitivo, inadequado às necessidades de hoje e desprovido do indispensável poder intimidativo.

Eis os principais factores do mal. Alguns deles são irremovíveis e representam até um sinal positivo do progresso e da civilização e, por isso, não há senão que aceitá-los. Para outros, todavia, poderá encontrar-se remédio, e é justamente para eles que se voltam as providências dos órgãos legislativos e, em consequência, as atenções desta Câmara.

Será possível ainda reconstituir o património cinegético do País?

Crê-se que sim. Ponto é que todos os interessados estejam dispostos a sacrificar um pouco dos seus interesses. E valerá a pena, porque, ou agora, ou então será porventura tarde de mais.

3. Qual, porém, deverá ser o sentido das novas providências legislativas?

E muito difícil em matéria desta índole traçar critérios de orientação que a todos satisfaçam.

Sem dúvida que os verdadeiros problemas, mormente os de âmbito nacional, devem ser encarados com toda a atenção e interesse, mas este problema da caça é justamente um daqueles em que a atenção e o interesse atingem frequentemente as fronteiras da paixão, e onde esta se instala dificilmente poderá haver claro e justo discernimento.

O legislador consciente terá de agir com inteira objectividade, valorizando os interesses em presença para estabelecer entre eles um justo equilíbrio, sacrificando, e na medida necessária, os de menor valia. Concretamente, deverá ter em mente que o objectivo fundamental é o de conseguir uma adequada protecção e desenvolvimento do

(1) Em 1945 o número de caçadores era cerca de 100000, sendo actualmente cerca de 150000.

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património cinegético nacional tão duramente atingido, para o que terá de impor sérias restrições, sem esquecer, por outro lado, que a caça pressupõe a utilização do solo para o seu exercício e, em momento anterior, para a própria criação e alimentação das espécies.

Por outro lado, terá presente que há valores ou interesses, costumes e concepções que constituem uma tradição, e que as tradições, tal como no seio das famílias, também contam e pesam na vida da colectividade.

For isso, não será avisado atentar deliberadamente contra ela, mas antes introduzir-lhe as correcções ou desvios impostos pelas novas circunstâncias.

§ 2.º Importância da caça

4. Mas justificará a caça que dela se ocupem os órgãos legislativos? Constituirá ela realmente um problema de interesse nacional? Qual a importância da caça nos dias de hoje?

A caça assume importância relevante sob os aspectos desportivo, social, económico, turístico e fiscal.

1) Aspecto desportivo

Passados os tempos já muito distanciados em que interessava exclusivamente ou quase exclusivamente para satisfação de necessidades fundamentais da vida material do homem, como a alimentação e o vestuário, ou constituía mesmo meio de defender a própria vida em face dos animais selvagens, a caça tornou-se essencialmente um desporto. É este na verdade o seu fundamental aspecto nos tempos modernos.

Praticada ao ar livre, em permanente contacto com a natureza, e exigindo uma movimentação constante e ordenada, a caça constitui um exercício físico salutar, difícil de ser superado;

Por isso se lhe reconheceu através dos tempos especial valor como treino ou preparação militar.

A este propósito vale a pena mencionar aqui a determinação que no século XII Gengis Khan fez introduzir no seu código (Yassak):

Dada a necessidade de manter as hostes em permanente treino militar e guerreiro, torna-se obrigatória a realização durante o Inverno de uma grande caçada, pelo que se proíbe, sob pena de morte, a todo o súbdito do império o exercício de caçar durante o período que decorre de Março a Outubro a todas as espécies de caça grossa ou miúda.

E o imperador mongol foi ao ponto de criar, a par dos Ministérios da Guerra e da Justiça, o da Caça, que, pela sua importância, confiou ao filho mais velho (2).

E o nosso rei D. João I, no seu célebre tratado de caça intitulado Livro da Montaria, enalteceu o valor da caça como exercício para que «o jogo e feitos das armas se não perca», o melhor para «recrear o entender» (3).

E na antiguidade não faltaram poetas e filósofos - Platão, Cícero, Virgílio, Horácio e tantos outros - que enalteceram as suas virtudes. Xenofonte, na sua Cinegética, aconselhava a prática da caça à juventude, «que deve ser forte e valorosa» (3).

Instrumento de revigoramento da raça e exercício altamente higiénico, a caça deve ser facilitada às classes intelectuais, obrigadas a viver uma vida sedentária e quantas vezes absorvente, assim como a todos os que vivem em grandes urbes numa atmosfera cada vez mais poluída.

Mas com a caça nem só o corpo beneficia. Em igual medida o espírito se revigora, libertando-se de preocupações, canseiras, dos mil problemas da vida.

Quem pôde já experimentar - exclamará o verdadeiro amante da caça- o inefável prazer de, manhã cedo, ainda de noite, deixar a casa, espingarda às costas e cão amigo ao lado, trilhando os caminhos sob o brilho trémulo das estrelas, e, atingido o cimo do monte, contemplar o universo, o céu e a terra desfazendo no horizonte o abraço que os unira durante a noite à mesma hora que ao longe se ouve o sino da pequena igreja anunciando a ressurreição de um novo dia?!

Seja quem for - qualquer que seja a sua origem, condição ou cultura -, sentir-se-á dominado pela beleza de um espectáculo que o condicionalismo da caça faculta Liberalmente aos seus devotos, ao mesmo tempo que os seus sentimentos são naturalmente influenciados por uma maior espiritualidade e pureza.

Tudo isto na realidade poderá proporcionar a caça. Por isso alguns lhe chamam divina ... (5). E também Diogo F. Ferreira, falcoeiro de D. Sebastião, escreveu, a seu modo, na sua Arte de Caça de Altanaria:

E alívio de cuidados pesados, mãe de altos pensamentos, é finalmente um toque no qual se conhece o para quanto cada pessoa seja.

tempo para os lados de Sintra em digressão venatória, o que lhe valeu ser advertido por um dos do seu Conselho, em nome de todos:

Por mercê, tende outra maneira em esto daqui em diante, senom ... como senom? disse ele. Allafee disserem, senom buscaremos nós outro que reine sobre nós, que tenha cuidado de manter o poobo em direito e em justiça e nom deixe as cousas que tem de fazer de sua fazenda para ir ao monte e ha caça andar hum mês (Fernão Lopes, Crónica de El-Rei D. Fernando).

O rei D. Duarte, também grande caçador, escreveu um livro de especial interesse cinegético - Arte de bem Cavalgar toda a Sela.

O último monarca caçador foi D. Carlos. Amava entranhadamente a caça, e as caçadas de Vila Viçosa, na coutada dos duques de Bragança, tiveram larga fama, nelas se reunindo frequentemente numerosas pessoas atraídas pelo espírito acolhedor do soberano.

(1) As primeiras manifestações de arte dos povos primitivos e da antiguidade têm quase sempre motivos de caça, em que o homem, fraco de forças, vence pela astúcia e inteligência as feras mais corpulentas e temíveis.

E na Idade Média a caça inspirou numerosos artistas, sendo célebres as iluminuras da época representando cenas cinegéticas.

Igualmente cânticos antiquíssimos, como os vedas, e crónicas hindus, chinesas e japonesas mostram o papel fundamental da caça nas antigas civilizações.

(5) «Divina - lhe chamam Xenofonte, Diogo Fernandes Ferreira e todos os sequazes de Nenrode, caçador tão formidável que o Eterno exclamou do alto, contemplando as suas inconcebíveis façanhas: Aquele salafrário dá-me cabo da criação I» (Aquilino Ribeiro, «A Arte de Caçar», em A Caça em Portugal, II).

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E noutro passo:

Escolas de homens ágeis, fortes e robustos, desprezadores das delícias, conserva a castidade.

Foi por isso que Diana, para guardar a pureza, fugiu à conversação com os homens e se fez caçadora ...(6).

Pode dizer-se ainda que a caça estimula e robustece qualidades e de paciência, de prudência, de observação e de decisão.

Em suma: constitui um desporto das mais altas virtudes.

2) Aspecto social

No plano social, a caça é um exercício são, capaz de ocupar as horas de ócio,- sobretudo nos meios, rurais, que de outro modo poderiam servir a fins menos convenientes.

Por outro lado, ela favorece a aproximação de pessoas de meios sociais diferentes, que convivem fraternalmente durante horas no exercício da caça.

E aí patente a solidariedade entre todos e a consciência dessa solidariedade e utilidade gera por vezes laços de gratidão e de afecto que tendem a perdurar.

Por outro lado ainda, a caça serve de ocasião a encontros de convívio social, nos quais os participantes, aproveitando a 1 toa disposição, a franqueza e a lealdade que caracterizam esses momentos, conseguem mais facilmente aplanar as dificuldades de problemas da mais diversa índole (7).

Assim se estreitam os laços entre os indivíduos, como, por vezes, entre as próprias nações.

3) Aspecto económico

A caça de dempenha ainda um papel relevante na economia geral do País.

Beneficia os transportes, as pensões e hotéis, assim como toda a indústria ligada ao fabrico de munições e de todos os apetrechos necessários à prática venatória.

E fonte é e abastecimento dos mercados, calculando-se que ela deu, em 1958, um contingente de carne limpa de 2592 t. Só em Lisboa teriam entrado nesse ano 5321 lebres. 23 640 coelhos e 36 568 perdizes, a que há que juntar outras espécies, como o pombo bravo e a galinhola.

O rendimento da caça abatida anualmente em Portugal poderá estimar-se em várias dezenas de milhões de escudos. (Cf. A Caça em Portugal, p. 6, do Dr. A. Garcês) (8).

A caça tem particular valor nutritivo, fornecendo às gentes do campo as proteínas de que em regra carecem os seus pouco variados alimentos.

(6) Estas transcrições têm em vista mostrar o lado curioso de certas concepções antigas sobre a caça.

(7) Já no tempo de Carlos Magno ficou célebre uma grandiosa cagada que precedeu o seu encontro com o Papa Leão III, no ano de 799, destinada justamente a preparar o ambiente com vista à solução dos importantes assuntos pendentes.

(8) Não obstante a crescente diminuição dos espécies, é ainda apreciável o contributo da caça abatida no abastecimento dos mercados da capital do País, consoante se alcança do seguinte

No ponto de vista culinário, a caça é considerada um dos alimentos que pelo seu apreciável valor gastronómico mais valorizam a arte culinária (9).

Noutro sentido, tem a caça ainda uma grande importância.

Queremos referir-nos ao aspecto da valorização das terras através da exploração das espécies cinegéticas.

Embora com algum atraso, está já a verificar-se em Portugal o fenómeno da procura da caça quer por nacionais, quer por estrangeiros, que chegam a pagar somas elevadas para que em determinadas reservas de caça lhes seja dada a faculdade de caçar (10).

Casos há em que o rendimento assim obtido supera todo o mais que a propriedade produz.

Sendo assim, a caça tornou-se um factor de riqueza individual e colectiva que há que ter na devida atenção; sobretudo, se pensarmos que há terrenos sem aptidão ou com uma reduzida aptidão para a exploração agrícola e florestal.

Numa época em que tanto se procura a reconversão cultural das terras, estará aí, na caça, nem sempre devidamente apreciada, uma fonte de rendimento que importa valorizar e explorar de harmonia com as reais necessidades da propriedade rústica (11), elemento essencial da estrutura económica da Nação.

4) Aspecto turístico

Os aspectos a que atrás se fez referência bastariam só por si para dar uma ideia da importância da caça.

Simplesmente, não se esgotaram neles todas as suas virtualidades.

Com efeito, a caça consegue ainda ir ao encontro das necessidades e exigências do turismo moderno, que todos os países procuram aproveitar como fonte de divisas e como instrumento de equilíbrio do seu comércio externo.

E trata-se justamente de um turismo rico este turismo de Inverno, que se encaminha para o Sudoeste da Europa

quadro relativo à caça aprovada para consumo nos postos sanitários da Câmara Municipal de Lisboa:

[... ver tabela na imagem
Anos

(a) Perdizes, coelhos e lebres.

(b) Pombos, codornizes o galinholas.

(9) Apreciada desde a remota antiguidade, a caça tinha entre os Romanos a fama de transmitir beleza, alegria, espírito. (V. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. rv, 353).

(10) É do conhecimento geral que se fazem arrendamentos de reservas de caça no Sul do País pela renda anual de várias dezenas de contos.

(11) Neste sentido, a caça converge para a consecução de finalidades que têm justificado entre nós várias medidas de reorganização agrária, como a revisão do regime jurídico da colonização interna, o emparcelamento da propriedade rústica, o novo regime das obras de fomento hidroagrícola e o arrendamento rústico, todas elas com o objectivo de «proporcionar uma maior rendabilidade do trabalho e do capital, de criar condições vantajosas para uma intensificação em larga escala do aproveitamento das terras e proporcionar aos trabalhadores do campo um nível de vida mais elevado e uma maior independência económica». (Cf. o parecer da Câmara Corporativa n.º 41/Vil, de 6 de Abri} de 1961, sobre o arrendamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1961, vol. i, p. 841).

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em busca de espécies cinegéticas aqui existentes e que escasseiam ou faltam por completo noutras regiões deste continente ou noutros continentes.

A nossa perdiz vermelha é um excelente cartaz, neste aspecto, como o é em Espanha, com óptimos resultados, já há vários anos.

A exploração da caça maior será sem dúvida outro, quando se criarem reservas próprias. Os exemplos da vizinha Espanha e de vários países da Europa central, como a própria Checoslováquia, onde os caçadores são recebidos em velhos castelos ou antigas residências senhoriais, com deferências e ambiente requintado, exigem reflexão e têm alertado e entusiasmado entre nós os meios interessados.

Dispondo de largos recursos económicos, estes caçadores turistas exigem comodidades, mas em regra não regateiam preços.

Suo evidentes os resultados positivos deste turismo: é toda uma cadeia, desde as actividades de transporte e instalações hoteleiras aos próprios terrenos de caça, que dele beneficiam, arrecadando divisas que naturalmente interessa atrair.

Este turismo está, entre nós, apenas no começo. Mas os resultados já obtidos são de certo modo animadores, permitindo prever que a caça possa vir a constituir, juntamente com o clima e a beleza da nossa paisagem, um importante factor de atracção turística.

5) Aspecto fiscal

São bem conhecidos os benefícios de ordem fiscal que a caça proporciona, já através das taxas das licenças de uso e porte de arma de caça, já através das taxas das várias licenças para caçar, já finalmente através dos impostos que oneram a importação e a venda de armas de caça e das munições e acessórios da prática venatória.

§ 3.º A propriedade da caça e o direito de propriedade

5. Um diploma sobre a disciplina da caça não poderá deixar de tomar posição, por modo mais ou menos explícito, sobre o problema fundamental das relações entre o direito de caça, a propriedade da caça e o direito de propriedade.

A ligação entre estes é evidente, pois que o direito de caçar tem por objecto a própria caça, isto é, os animais bravios que vivem em liberdade natural, e a caça, por sua vez, pressupõe a utilização da terra onde habita e onde encontra alimentação e condições de vida.

O tema tem alguma delicadeza, sobretudo no momento de opção, mas não é possível ignorá-lo nem fugir a enfrentá-lo com a objectividade que se impõe.

Procurar-se-á, antes de mais, averiguar sumariamente quais os sistemas que ao longo dos tempos surgiram para o solucionar.

§ A história da caça não é senão um dos aspectos da história da vida do homem.

Nos tempos mais recuados e durante muitos séculos a caça constituiu para o homem, como já atrás foi referido, o meio de satisfazer as necessidades da sua vida material, como a alimentação e o vestuário, e ainda o processo de defender a sua integridade pessoal em face dos animais selvagens de grande porte, os quais vencia pela astúcia e inteligência.

E, dada a abundância dos animais bravios, a escassez dos meios de os capturar e a inexistência de propriedade privada da terra, não havia necessidade de sujeitar a caça a quaisquer limitações, quer nas espécies, quer no tempo, lugar ou meios.

A caça era então um direito natural.

A liberdade de o exercer era absoluta.

Uma segunda época sobreveio - a chamada época romana.

As necessidades e os interesses em conflito passaram a ser objecto de regulamentação jurídica.

Assim aconteceu também com a caça.

As Institutas de Justiniano, ao tratarem da classificação jurídica das coisas, consideram rés nullius os animais selvagens.

Tratava-se de coisas sem dono, de que todos podiam apropriar-se através da occupatio.

A ocupação era, com efeito, o único título de aquisição da propriedade sobre a caça.

Os proprietários da terra tinham, sem dúvida, a faculdade de proibir que quaisquer estranhos, incluindo os caçadores, penetrassem nos seus prédios, em nome do ius prohibendi.

Contudo, não possuíam, por isso, um direito real sobre a caça existente nos seus prédios, mas tão-só o de excluir a entrada nele de terceiros (12). Para adquirirem a propriedade da caça necessitavam, como quaisquer outros indivíduos, de levar a cabo um efectivo acto de ocupação.

Em suma: a caça era concebida como um elemento estranho à propriedade. Não constituía um acessório ou um fruto desta, mas coisa autónoma, que passava à propriedade do primeiro ocupante.

O direito de caça era assim independente do direito de propriedade.

Posteriormente, por efeito das invasões dos povos germânicos, essencialmente guerreiros e caçadores, e com o advento do período feudal, as coisas tomaram outra feição, e a Uberdade de caçar foi quase suprimida.

Os senhores feudais e os vassalos, plenos de autoridade, assenhoriaram-se de todas as regalias, incluindo a caça.

Multiplicaram-se os feudos, multiplicaram-se os direitos dos feudatários. A caça não era já independente da propriedade, mas integrava-se nesta, confundindo-se com ela.

O direito de caça não era mais que uma regalia do senhor. Não constituía r es nullius, mas um produto da terra.

7. E aqui temos os dois sistemas ou concepções - o romanista e o germânico - de sentidos opostos, que depois, ao longo dos séculos, passaram a constituir a base da disciplina jurídica da matéria de caça.

Cada um deles, atacado por uns, defendido por outros, acolhido numa ordem jurídica ou proscrito de uma outra, sobreveio até aos nossos dias.

E o conflito entre eles aí está mais uma vez patente, em certa medida, no projecto de proposta de lei e no projecto de lei em apreciação.

O que importa, por conseguinte, é averiguar qual deles serve melhor a solução do caso português.

Vejamos, pois.

À concepção germânica da caça como fruto ou produto da terra opõem alguns o argumento de que é artificial no seu fundamento, não servindo para resolver a questão nos países ou nas regiões onde predomina a pequena propriedade, pois que a caça, pela sua mobilidade, nasce num prédio e alimenta-se e vive em vários outros, cuja determinação exacta é na realidade impossível.

E certo que essa concepção se aproxima bastante da realidade quanto à grande propriedade, mas subsiste sempre, em certa medida, a dificuldade de saber se a caça

(12) Relativamente aos que entrassem abusivamente nos prédios, os seus donos podiam usar contra eles a acuo iníuriaram. ou uma acção possessória, ou a negatoria servitutis.

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encontrada numa propriedade, porque vive em liberdade natural e por isso difere muito dos animais domésticos, nela nasceu o nela se criou e vive exclusivamente (pense-se sobretudo na caça que se encontra nas estremas dos prédios) Além de que há espécies - as chamadas espécies migratórias - que nem sequer permanecem nas regiões onde nascem.
Por outro lado, argumenta-se que a concepção germânica, aplicada, em toda a sua pureza e rigor, poderá levar à extinção de espaços livres, transformando o País ou uma região praticamente numa grande coutada, onde não teriam acesso os caçadores não proprietários ou desprovidos de meio; económicos que lhes possibilitem tornar-se arrendatários de reservas de caça.
E isto pode impressionar num país em que a tradição da liberdade de caçar quase atribuiu ao direito de caça a natureza de um direito de personalidade, que, como tal, se compreende seja limitado, mas nunca excluído.
Por outro lado ainda, a concepção germânica pura levaria logicamente a uma situação que o sentimento jurídico das sociedades modernas não poderia deixar de considerar um verdadeiro abuso do direito (13). Com efeito, o proprietário, de atro de tal concepção, não só pode impedir que outrem cace nos seus terrenos, como pode deixar ele próprio de aproveitar a caça aí existente e até destruir os ovos, [...] e toda a criação, atentando contra uma riqueza pública que importa salvaguardar.
Quer isto dizer que o sistema germânico, na sua pureza, leva a tais extremos, que, se quisermos salvá-lo, teremos de limitá-lo, exigindo que o proprietário só possa considerar-se dono da caça sob certas condições, como sejam as de delimitar a sua propriedade e possibilitar o seu aproveitamento racional no interesse próprio ou de terceiro (14).
Mas reconhece-se geralmente ao princípio germânico a grande virtude de poder contribuir eficientemente para a protecção e fomento das espécies.
Não há dúvida de que, se o proprietário quiser, ninguém melhor do que ele poderá cuidar da defesa da caça que habitualmente viva na sua propriedade. Se ele tiver estímulo à conservação da caça, ele procurará protegê-la tal como protege e defende os frutos da terra. E essa protecção, levada à escala regional ou nacional, será criadora e fomentadora de uma riqueza que a todos acabará por beneficiar.
A concepção romanista da res nullius, ou da liberdade de caçar, tem a seu favor alguns argumentos de valor.
Antes de mais deve reconhecer-se que a caça, pela sua constante mobilidade, coomo já se assinalou, não vive excluindo o caso de propriedades de áreas muito extensas, num só prédio, mas reparte a sua vida por vários, cujo número só arbitrariamente poderá fixar-se (15).
Acresce que a propriedade privada tem o seu fundamento natural no esforço do homem, no suor do seu rosto, aparecendo como o fruto do trabalho, a condensação material dos seus esforços (16).
E a caça apresenta-se praticamente como uma dádiva da natureza, em que não intervém ou em que só raras vezes intervém, e em pequena medida, o esforço humano.
Por outro lado, sabe-se que a propriedade privada desempenha também uma função social, até por imperativo constitucional (17), e pode conceber-se que o Estado queira que ela, em geral, suporte o ónus de criar e alimentar as espécies cinegéticas destinadas à usufruição colectiva.

(13) "É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito", lê-se no artigo 318.º do projecto definitivo do novo Código Civil.
(14) Assim acontece em Espanha. Há aí a liberdade de caçar ao lado da faculdade do proprietário reservar, vedar ou coutar as suas terras. Mas, para poder fazê-lo, tem de se conformar com as exigências e requisitos impostos por lei. Não pode actuar arbitràriamente: ou se sujeita às imposições legais ou então o seu terreno pode ser utilizado livremente por caçadores estranhos - cf. o artigo 9.º da lei da caça de 16 de Maio de 1902, assim redigido:

Este direito pode exercer-se nos terrenos do Estado, dos povos, comunidades civis ou terras da propriedade particular que não estejam vedados.

Por isso, ao contrário do que frequentemente se ouve afirmar, parece que rigorosamente não vigora em Espanha o sistema germânico (que foi, sem dúvida, o consagrado pela anterior lei da caça de 1879), mas o romanista, embora limitado por uma ampla permissão, conquanto condicionada, de reservas de caça. E tanto assim que, se alguém se apropriar de animal bravio existente em terreno alheio, não comete um furto (cf. Nueva Enciclopédia Jurídica, vol. III, pp. 937 e seguintes).
Muito diferente é o sistema do direito francês: "Ninguém tem a faculdade de caçar na propriedade alheia sem consentimento do proprietário ou de seus representantes" (Code Rural, artigo 365). Aqui, sim, vigora o sistema germânico. Note-se, todavia, que, por uma lei recente - Lei n.º 64 696, de 10 de Julho de 1964 - relativa à organização das associações comunais e intercomunais de caça, os proprietários podem, dadas certas condições (não atingirem os seus terrenos certa área, por exemplo), ser compelidos a entrarem com estes para aquelas associações, adquirindo, e 21 contrapartida, o direito de fazer parte da sociedade comuna. Ora é manifesto que isto não se harmoniza com o carácter meramente privatístico da caça e do direito de propriedade, como, aliás, foi justamente observado pelo Senado (Rapport n.º 166, 2.º sessão ordinária de 1961-1962).
A estas soledades comunais faremos referência, na parte especial, ao tratar das reservas concelhias de caça.

(15) Assim já não sucede quanto aos terrenos murados ou vedados, ou cercados de água por forma permanente, de tal sorte que os animais bravios não possam entrar nem sair livremente, os quais, assim, podem e devem considerar-se integrados no direito de propriedade dos respectivos terrenos.
(16) Of. o parecer da Câmara Corporativa emitido sobre o projecto de decreto-lei respeitante ao emparcelamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1960, vol. II, p. 35), n.º 8.
(17) Cf. o artigo 35.º da Constituição Política e os artigos 11.º, 12.º e 13.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Sobre os novos conceitos do direito de propriedade, escreveu-se no já citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento rústico (n.º 4):

Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir às grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos. Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios de um novo Código Civil:

O que ontem constituía justo motivo de exaltação do diploma (Código de 1867) - escreve o Prof. Antunes Varela -, o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído, converteu-se, nos dias de hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo de 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social, de profunda expressão comunitária.

Esta mesma concepção esteve presente ma lei relativa à organização das associações comunais da caça em França, que referimos na nota 14.

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Depois, pode asseverar se que o princípio romanista, conquanto limitado em certos períodos, tem a seu favor uma longa tradição entre nós.

Nos primeiros séculos da nacionalidade, a caça não era praticada igualmente por todas as classes, uma vez que OS reis e também alguns grandes senhores reservavam para si o privilégio da caça em várias terras ou regiões, sobretudo da caça grossa, pois a caça miúda era geralmente livre.

Mas as reclamações do povo fizeram-se sentir frequentemente nas cortes, quer em razão dos danos que os animais causavam nas suas culturas, quer em razão dos abusos cometidos pelos monteiros, quer porque consideravam a caça como «coisa comum e não estava portanto no senhorio de coisa alguma».

As reclamações do concelho de Lisboa, nas cortes aqui reunidas em 1439, respondeu o monarca:

Praz-nos descontar os porcos e cervos, e deixamos as perdizes para relevamento de nossos cuidados e enfadamentos (13).

Poderíamos citar outros exemplos como prova da reacção popular e da consciência dos povos quanto ao direito que se arrogavam sobre a caça(19). Mas apenas citaremos as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821, que fizeram votar e publicar o Decreto de Fevereiro do mesmo ano pelo qual D. João VI determinou que fossem devassadas e abolidas todas as coutadas em aberto, extinguindo, anos depois, os cargos de monteiro-mor do reino, monteiros-mores e menores, caudeis e todos os demais que constituíam a burocracia venatória da época inerente a coutos de caça(20).

E não muitos anos depois surge o Código Civil de 1867.

E não se ignora que ele proclamou por forma inequívoca o princípio romanista da caça como res nullius.

«E lícito a qualquer apropriar-se, pela ocupação, dos animais e outras coisas que nunca tiveram dono ...» - diz o artigo 383.º

«E lícito a todos, sem distinção de pessoas, dar caça aos animais bravios...» - diz o artigo 384.º

E todas as leis posteriores sobre caça, desde a Lei n.º 15, de 7 de Julho de 1913, até ao vigente Código da Caça de 1934 (21), observaram aquele princípio.

Já lá vai um século praticamente, e, se mais não houvesse, como efectivamente há e foi assinalado, o facto só por si bastaria para integrar uma tradição.

Por outro lado, o projecto definitivo do novo Código Civil, já publicado, ao tratar da ocupação (secção II do capítulo II), diz, no artigo 1319.º:

Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono ...

E no artigo seguinte 1319.º -, que tem por epígrafe
«Caça e pesca», lê-se:

A ocupação dos animais bravios que se encontram no seu estado de liberdade natural é regulada por legislação especial.

Ora daqui parece dever extrair-se a conclusão de que também o novo Código Civil se mostra fiel ao princípio romanista, tanto mais que em ponto algum inclui a caça entre os poderes de fruição contidos no direito de propriedade.

Mas é também fora de dúvida que o princípio romanista, aplicado em toda a sua plenitude, levaria à extinção da fauna cinegética.

À inteira liberdade de caçar, em face de uma legião de caçadores que aumenta progressivamente e de uma área com condições de vida para a caça cada vez mais reduzida, equivaleria à destruição total das espécies dentro de poucos anos.

Isto significa que também a concepção da caça como res nullius não serve nem pode ser aplicada em toda a sua pureza.

Chegamos, assim, à conclusão de que nenhum dos sistemas em presença contém em si a virtualidade de solucionar convenientemente o problema venatório se não lhes introduzirmos desvios e correcções.

Mas se assim é, se temos de eleger um deles, porque na realidade não dispomos de outros, então parece que estará indicado dar preferência ao sistema tradicional (22).

E pensa-se que ele poderá conduzir a resultados satisfatórios se houver a decisão necessária para o corrigir de harmonia com as realidades dos tempos de hoje.

Esta correcção consistirá, sobretudo, além da delimitação de locais em que é proibido caçar, no estabelecimento de um sistema de reservas de caça suficientemente amplo e equilibrado, que não tolha em medida incomportável os direitos dos caçadores de limitado poder económico, mas que seja meio eficaz de protecção e desenvolvimento das espécies, em primeiro lugar, que proporcione depois uma maior rendabilidade das terras, especialmente daquelas que não têm ou têm reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, e que satisfaça finalmente as necessidades de um turismo rico e exigente, como é o turismo venatório.

Eis o caminho que se nos afigura mais prudente e aconselhável.

Evitar-se-á deste modo a transição brusca de um sistema para outro, através de uma revolução jurídica que não deixaria de ter os seus graves reflexos de ordem social (23).

(18) Cf. Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal, 2.ª edição, vol. III, 33.

(19) Cortes de Lisboa de 1371, Cortes de Évora de 1481, Cortes do Porto de 1372, Cortes de Lisboa de 1459 (vide Gama Barros, ob. cif.).

(20) Já anteriormente o Regimento de 21 de Março de 1800 manteve sómente as coutadas reais, descontando todos os restantes terrenos e restabelecendo a liberdade de caçar para toda a gente. (Cf. Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. III, 170).

(21) Decreto-Lei n.º 23460 e Decreto n.º 23461, ambos de 17 de Janeiro de 1934. E também os chamados Códigos da Caça de 1930 e 1931, Decretos n.º 18 743, de 12 de Agosto de 1930. e 20 199, de 12 de Agosto de 1931, respectivamente.

(22) Além de Portugal costuma apontar-se, na Europa, sómente a Itália como seguindo este sistema. Parece, todavia, que a Espanha também o segue, embora com mais limitações em favor dos proprietários, como atrás se disse. Segue-o igualmente o Brasil e algumas outras nações da América do Sul. O sistema germânico nem sempre se mostra eficaz. Assim, em França, onde Ia plus grande partie du territoire français est un désert cynégétique (citado rapport do Senado francês sobre o projecto de lei relativo & organização das associações comunais e intercomunais de caça, p. 8).

(23) Terão cabimento aqui, em certa medida e com as devidas adaptações, as considerações feitas no já aludido parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (p. 361):

É preciso não esquecer que a ciência do direito não é simplesmente uma ciência de conceitos e de abstracções - a doutrina jurídica -, nem simplesmente uma arte de interpretar as leis. O direito é também um ramo de sócio-

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Deve esclarecer-se, todavia, que a Câmara teve as maiores hesitações em aderir a este ponto de vista (sistema romanista), que só por maioria de votos conseguiu vingar.

§ 4.º Reservas de caça. Sua justificação e sua função

8. Já no parágrafo anterior fizemos uma referência às reservas de caça. Todavia, a sua importância justifica que algo mais se diga acerca delas.

A sua legitimidade é contestada por alguns com a alegação de que constituem privilégios ou regalias que, se tinham explicação na época feudal, devem hoje ser proscritos da legislação, pois que contrariam o princípio de que a caça constitui res nullius, a todos devendo ser, pois, concedido o direito de caçar livremente.

Os que assim falam laboram, contudo, em manifesto equívoco.

Em primeiro lugar, por toda a parte se reconhece que a inteira liberdade de caçar conduziria ao extermínio das espécies (21). Se, por exemplo, entre nós, ainda abunda a caça em certas regiões do Alentejo, isso deve-se certamente às reservas de caça aí existentes.

Em seguido lugar, porque as reservas de caça hoje admitidas e admissíveis não se confundem com as antigas coutadas dos: reis e dos grandes senhores.

Elas eram então um mero privilégio, sem nenhuma finalidade de protecção, defesa e repovoamento das espécies.

Esta finalidade é justamente o que justifica hoje as reservas de saca.

Estas existem por concessão do Estado, o qual, ao autorizá-las, não se move pelo interesse particular do concessionário, nas em atenção ao interesse público da conservação e fomento da caça.

De resto, a concessão, como se vê aliás do projecto de proposta de Lei em apreciação, é acompanhada de obrigações e ónus que, se não forem cumpridos, dão lugar à sua revogação ou à aplicação de uma sanção de natureza pecuniária.

A concessão de uma reserva de caça tem um carácter essencialmente público: depende de um acto de vontade do Estado.

O concessionário, por isso, deve exercer o seu direito de harmonia com as normas e as directrizes impostas pela administração pública.

logia que estuda, qualifica e aprecia os fenómenos jurídicos e suas repercussões sociais em qualquer domínio, seja ele o económico, o político ou o moral.

Trata-se, portanto, de um estudo em que não podem deixar de intervir os juristas, porque estão em causa precisamente problemas políticos e morais, e não simplesmente económicos. Há que chegar, pois, ao ponto de equilíbrio e de justiça social, fixar a meta conveniente na evolução natural e os institutos que, como o da propriedade privada, marcam uma civilização que se não pretenda abolir.

(24) Assim se entende em Itália:

... seguendo Ia tesi dei liberi cacciatorí, si giungerebbe alia comoleta distruzione delia aelvaggina, doe ad un re-suliaio contrario dl deaiderio degli antireseroisti (cf. Fran-cesco Gij;olini, II dirítto di caceia, 437).

O mesmo se reconhece em França (citado relatório do Senado francês sobre reservas comunais de caça):

La classe banale françaiae, à caractere extrêmement démocratlque, est unique au monde. On Ia pratique gra-tuitemen-e (sana location du territoire, avec Vaccord tacite dês propriétairea). Ette laiaae Ia plua grande place à Ia liberte, à Ia fantaiaie, à Vévaaion; cest Ia chasse devant sói, Ia vnie chasse comme Ia concevaient noa anciena, maia parce quelle a été appliquée aana ordre, aana discipline, aans organiaation, elle esi vide de gibier et Ia plua grande partie di territoire françaia eat un déaert cynégétique.

Assim, o concessionário não poderá, segundo o seu livre arbítrio, baseado nos seus puros interesses pessoais, como se se tratasse de uma concessão de carácter privado, providenciar sobre o funcionamento da reserva, mas deverá cuidar da protecção e favorecer a multiplicação das espécies e ainda tomar providências quanto à fiscalização, através de um certo número de guardas de caça

Quer dizer: o Estado, após a concessão, não se desinteressa do funcionamento da reserva, mas vigia-o e controla-o.

Do que fica exposto, vê-se que a concessão cria entre o Estado concedente e o concessionário uma relação de natureza pública, e não de índole privatística. Tal característica deve ser salientada com o devido relevo, porque é convicção muito difundida a de que a reserva é um instituto de direito privado criado no exclusivo interesse do concessionário (25).

O concessionário fica numa posição de subordinação em relação à administração, que explica o poder de fiscalização das entidades públicas, que podem, inclusivamente, aplicar sanções e revogar a concessão.

O concessionário não poderá limitar-se a uma conduta puramente passiva, usufruindo a caça que se reproduz naturalmente, sem peso e medida, mas deverá ser activo e vigilante, desenvolvendo as espécies, qualitativa e quantitativamente. Não deverá esquecer que a concessão não lhe é atribuída para satisfazer exclusivamente a sua paixão venatória, com exclusão de todos os outros caçadores dos seus terrenos, ou sómente para proteger a cultura e os produtos agrícolas, mas para que providencie, com critérios técnicos e meios económicos, no sentido de aumentar as espécies, por forma que estas irradiem para os terrenos livres e constituam um viveiro de que possam beneficiar outras zonas carecidas de caça(26).

Besta apenas acentuar que o direito que o concessionário adquire através da concessão não é um direito de propriedade ou um direito real sobre as espécies de caça existentes no seu prédio, mas tão-só o direito de excluir outros de caçar dentro dele. Deste modo, quem violar esse direito, caçando dentro da reserva, e se apropriar de algum animal bravio, não comete um crime de furto, mas sómente uma contravenção.

E o concessionário apenas adquirirá a propriedade dos animais da sua reserva por um acto efectivo de ocupação, tal como se se tratasse de qualquer outro caçador.

Estas as considerações que neste lugar havia a fazer com o fim de apontar a função das reservas de caça nos tempos actuais e a sua justificação em face do proclamado princípio da liberdade de caçar (27).

§ 5.º Ideias dominantes e estrutura geral dos projectos de diploma em estudo. Sua apreciação

9. A ideia fundamental que domina cada um dos dois projectos de diploma em causa é a da protecção e desenvolvimento do património cinegético nacional, propósito que, só por si, dignifica qualquer deles.

(25) F. Gigolini, ob. cit., 440.

(26) F. Gigolini, ob. cit., 446.

(27) O problema das reservas de caça apresenta vários aspectos delicados, aos quais teremos ocasião de nos referir adiante quando os abordarmos a propósito do exame na especialidade. Assim, o problema das áreas máxima e mínima de cada reserva, o problema da área de cada concelho destinada a reservas de caça, o problema do arrendamento du reservas, etc.

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Divergem, todavia, no ponto de partida. Com efeito, enquanto o projecto governamental parte do princípio tradicional da res nullius, o projecto parlamentar parte do princípio germânico.

Quer um, quer outro, porém, não adoptam o princípio eleito em toda a sua rigidez.

O projecto do Governo introduz no sistema romanista várias correcções, já proibindo o exercício da caça em alguns locais, em nome da defesa da propriedade e da segurança das pessoas e de certas actividades, já, sobretudo, admitindo as reservas de caça, através das quais fica interdita a caça à generalidade dos caçadores dentro dos limites dos respectivos terrenos.

O projecto parlamentar, por sua vez, avisadamente, também não atribui indiscriminadamente a propriedade da caça aos donos das terras, mas sómente àqueles que, em prédios de área superior a 50 ha, mostrem ter providenciado no sentido da protecção e fomento das espécies cinegéticas, através de repovoamento, do combate aos animais daninhos e de eficiente fiscalização.

Dentro desta orientação, todas as outras terras - as de área inferior, sem valor, de per si, como terrenos de caça, ou de área superior, mas não utilizadas devidamente pelos seus donos - restarão livres para o exercício da caça. E, como é de esperar que em muitos casos assim aconteça, por desinteresse ou inércia dos proprietários, teríamos largas zonas do País onde seria livre o direito de caçar.

Mas se é realmente assim, então nós poderemos chegar a resultados idênticos sem abandonar o sistema tradicional: bastará que se institua um regime de reservas de caça suficientemente amplo e equilibrado, por forma que possa satisfazer-se o desejo e o interesse legítimos de todos os que na realidade estão dispostos a reservar ou contar os seus terrenos.

10. Há, contudo, um outro aspecto em que o projecto parlamentar leva vantagem sobre o projecto de proposta de lei: justamente aquele em que aponta a caça como importante factor de valorização das terras ingratas, insusceptíveis de cultura rendável.

À importância da caça sob este aspecto económico já aludimos no § 2.º Bestará tê-lo presente para na altura própria, quando se tratar das preferências a observar na concessão das reservas, lhe dar o devido relevo.

Já quanto ao aspecto da projecção da caça no plano turístico os dois projectos se equivalem em intenções.

E o mesmo poderá dizer-se quanto à preocupação do repovoamento, bem como a de reclamar sanções mais pesadas e mais adequadas para as infracções à disciplina da caça.

11. Tudo ponderado, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação na generalidade aos dois projectos, atentas a sua oportunidade e louvável intenção de resolver os prementes problemas da caça. Na especialidade, porém, como adiante se verá, a preferência da Câmara vai mais para o projecto do Governo, não apenas porque ele se integra dentro do princípio tradicional da liberdade de caçar, que se entende dever manter, com as adequadas limitações, mas também porque o projecto parlamentar, dada a estrutura que apresenta, não dispensaria a publicação, para além da lei em que porventura viesse a transformar-se, de uma outra lei para fixar princípios sobre matérias fundamentais que nele não são contempladas, ou então remetê-las para um simples regulamento, o que não se afigura aconselhável.

Diversamente, o projecto de proposta de lei apresenta-se com uma estruturação aproveitável em grande parte, sem prejuízo de se lhe introduzirem alterações que outros pontos de vista e outras reflexões aconselham.

Mas seria acto de menos justiça não reconhecer aqui os méritos da iniciativa do projecto de lei nem prestar a devida homenagem ao seu autor.

II

Exame na especialidade

A) Do projecto de proposta de lei

§ 1.º Exercício da caça

1) Conceito de caça

12. É inteiramente compreensível que numa lei sobre caça se queira dar antes de mais uma noção de caça.

Assim se procedeu de resto na lei sobre pesca - Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959 - em cuja base II se define o que deve entender-se por pesca (22).

Caça, em sentido geral, compreende não só a acção de caçar como também os animais bravios a que esta acção se dirige, antes e depois de caçados, os quais constituem o seu objecto (29).

É no primeiro sentido que a caça é tomada quando se pretende definir esta juridicamente.

A base I do projecto em apreciação contém, no n.º l, a seguinte noção: «Caça é a ocupação ou apreensão de animais bravios que se encontram no estado de liberdade natural e que não vivem habitualmente sob as águas».

Esta definição afigura-se correcta e corresponde fundamentalmente à que se contém no Código Civil vigente (artigos 383.º e 384.º) e no projecto definitivo do novo Código Civil, cujas disposições já foram transcritas neste parecer (n.º 7) (30).

Juridicamente, a caça é um acto de ocupação de uma coisa que não pertence a ninguém (res nullius). Por isso, não podem ser objecto de caça os animais domésticos nem os selvagens que tenham sido anteriormente capturados e reduzidos a propriedade privada (31).

(28) Para os efeitos desta lei, considera-se pesca não só a captura de peixes e outras espécies aquícolas, mas também a prática de quaisquer actos conducentes ao mesmo fim, quando realizados nas águas referidas na base antecedente ou nas margens delas (n.º 1 da base II).

(29) Na língua francesa há duas palavras distintas para expressar estes diversos sentidos: gibier (espécies cinegéticas) e chasse (acção de caçar).

Em Itália a palavra caceia exprime os dois sentidos, mas em relação aos animais bravios usa-se geralmente a palavra selvaggina.

Paralelamente a este duplo sentido, a caça apresenta aspectos que reclamam a disciplina de duas ordens de normas jurídicas: de direito privado e de direito público.

São de direito privado as normas que disciplinam as relações entre o direito de caçar e o direito de propriedade, que atribuem a propriedade de caça, etc.

São de direito público as normas que estabelecem restrições ao direito de caçar, quer no interesse da propriedade, quer no interesse da segurança e tranquilidade das pessoas, quer no interesse da conservação da caça, como aquelas que qualificam e punem as infracções à disciplina da caça, as que estabelecem e fixam taxas pela actividade venatória, etc.

(30) E também o conceito da autoria do Prof. Pires de Lima, que se lê na recente Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. IV, p. 352: «Apreensão de animais bravios que vivem em liberdade natural».

(31) Entende-se por animais selvagens «Omnia igitur anima-lia quae terra, mar i, coelo capiuntur id est ferae bestiae et volucrps. pisoes capientium funt» (Digesto).

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Nem todos os animais bravios que vivem em liberdade natural constituem objecto de caça, pois há que ressalvar os peixes e outras espécies aquícolas que constituem objecto da pesca.

Por isso, Cunha Gonçalves usa a expressão animais bravios terrestres (32), o que, porém, pode ter o inconveniente de levar a excluir algumas espécies cinegéticas - as chamada:; espécies aquáticas. Deste modo, parece mais apropriada a expressão utilizada no projecto - «e que não vivem habitualmente sob as águas».

As espécie.; cinegéticas podem dividir-se em dois grandes grupos: raça menor e caça maior.

O primeiro grupo é constituído por todas as espécies aladas (perdiz, codorniz, narceja, patos, tarambolas, pombos, rolas, abibes, abetardas, cisões, galos selvagens, etc.) e espécies de pêlo (coelho e lebre); pertencem ao segundo grupo os animais de porte médio e mesmo de grande porte, como a cabra selvagem, o veado, o urso, o alce, a camurça, c corso, o javali, etc. Numa posição intermédia situam-se os animais designados depredadores (raposa, texugo, saca-rabo, ginete,, gato selvagem, lontra, tourão, fuinha, marta, etc).

Há ainda a chamada caça grossa, designação reservada aos grandes herbívoros e carnívoros dos continentes africano e asiático, cuja perseguição e abate implicam riscos especiais (elefante, búfalo, rinoceronte, leão, leopardo, etc.) (33).

Vulgarmente também se designa a caça menor por caça miúda e toda a outra por caça grossa.

13. O n.º 2 da base em apreciação define o exercício da caça como sendo toda a actividade que tenha por fim a apreensão dos animais bravios, e, seguidamente, enumera a título exemplificativo os actos de caça: esperar, procurar, perseguir, apanhar ou matar esses animais.

Esta enumeração é a que consta do regulamento do actual Código da Caça (artigo 1.º do Decreto n.º 23 461), tendo-se acrescentado, e bem, o acto de esperar (34).

Em resumo: a base I do projecto é de aceitar inteiramente, com pequenas alterações de redacção.

Somente se propõe a eliminação da palavra ocupação na redacção do n.º l, não porque esteja deslocada, mas porque pode ferir a sensibilidade dos que não têm formação jurídica (ocupar um coelho, ocupar uma perdiz ...) e são esses sem dúvida os que constituem a maioria esmagadora daqueles a quem a lei da caça se destina.

Mas já na base IV, ao tratar da apropriação ou da aquisição do direito de propriedade sobre o animal, terá de emprega -?P tal expressão em virtude de, juridicamente, não poder ser substituída por outra.

2) Restrições ao exercício da caça

14. Compreende-se que o exercício da caça sofra limitações no sentido de salvaguardar certos interesses que aquele exercício pode atingir.

Essas limitações ou restrições terão em vista ou conciliar o direito de propriedade e de liberdade privada com o direito de caça, ou evitar o extermínio das espécies em geral ou de determinadas espécies em particular, ou favorecer o fomento da caça, ou tutelar a segurança das pessoas, ou proteger obras ou actividades de interesse público, etc.

Por isso, se justifica a base II, nos termos genéricos em que se encontra formulada.

3) Noção de caçador. Caça desportiva e caça com fim lucrativo

15. A base III (n.º 1) dá-nos a seguinte noção de caçadores:

Os indivíduos que, por qualquer dos processos permitidos, praticam actos de caça.

Todavia, é manifesto que o facto de um caçador caçar por processo proibido não lhe retira a qualidade de caçador, sujeitando-o sómente a responsabilidade penal (35).

Será, todavia, indispensável ou útil definir na lei o que deve entender-se por caçador?

A Câmara propende para a resposta negativa, muito embora se reconheça que à categoria de «caçador» andam ligados certos direitos ou regalias. Sem dúvida mais importante e até indispensável será indicar quem pode ser titular do direito de caça e os requisitos que deve reunir para o exercer, matéria a que adiante se fará referência (n.º 22 a 24).

16. Esta base (assim como todo o projecto) é omissa quanto à classificação dos caçadores em desportivos e profissionais (26).

Poderá discutir-se se se deverá pensar em preencher essa lacuna, não certamente para valorizar o caçador «profissional», mas para o caracterizar devidamente a fim de o sujeitar a um regime de desfavor.

Com efeito, o caçador «profissional» não pode hoje justificar-se razoavelmente no nosso continente e ilhas como noutros tempos em que abundava a caça.

Ele é, na realidade, um dos grandes factores do desaparecimento das espécies cinegéticas.

Trata-se de indivíduos com óptima pontaria e que todos os dias, quer chova, quer faça sol, saem para o terreno da caça, abatendo elevado número de peças, movidos por fim lucrativo. Não exercem um desporto, mas uma indústria. Abatem e destroem caça indispensável ao recreio e exercício dos que realmente buscam o desporto cinegético.

Acresce que não é compreensível uma actividade profissional limitada a cerca de três meses por ano. Que farão eles nos restantes nove meses? Muitos entregar-se-ão à ociosidade, outros continuarão a abater caça criminosamente.

Em nome, pois, do interesse geral, compreende-se que se seja levado a criar dificuldades ao caçador «profissional», procurando limitar o seu número e, sobretudo, impedir novas «vocações» de profissionalismo venatório. De resto, ele tem possibilidade de vir a ser aproveitado,

Quanto à caça maior e à caça grossa, clubes e associações internacionais de caçadores desportivos consideram tabelas de pontuação para t classificação dos trofeus das peças abatidas, uma vez que na caca desportiva não interessa considerar o valor da carne, mas unicamente o tamanho das presas ou das hastes, ou mesmo a corpulência dos animais.

(34) Esta definição do exercício venatório importa para o efeito de saber se se justifica a consagração expressa da punição do delito tentado ou frustrado, ponto a que adiante, na parte penal, se fará referência.

(35) A definição de caçador contida no § 1.º do artigo 1.º do Decreto n.º 23461 mão tem qualquer interesse. Diz-se aí:

Caçador é todo o indivíduo que, munido ou não de arma de fogo, acompanhado ou não de cães, se dedique ao exercício da caça.

Abrange tanto o caçador legal como o ilegal, não os distinguindo.

(36) A Lei da Pesca distingue entre pesca desportiva e profissional:

A pesca é desportiva quando praticada como distracção ou exercício, e profissional quando praticada com fim lucrativo (n.º 2.º da base II da Lei n.º 2097).

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dados os seus conhecimentos especializados sobre caça, para guarda e guia de caça, como sucede noutros países, obtendo emprego permanente e de harmonia .com as suas preferências e habilitações (37).

A distinção entre caçadores desportivos

A regularidade do exercício da caça conjugada com o propósito lucrativo caracterizam o caçador «profissional».

Assim, não pode considerar-se «profissional» o caçador que só aos domingos vai à caça e vende depois, em regra, a caça abatida; nem aquele outro que todos ou quase todos os dias caça, mas não vende as peças que abate.

Sobre este problema, porém, a Câmara entendeu, por maioria, que não se justifica a consagração na lei da modalidade de caçador «profissional», com o fundamento de que isso equivaleria a conceder-lhe uma dignidade que não tem, muito embora se aceite que nos lugares próprios se cuide de criar restrições a tal género de caça, devendo, no entanto, procurar-se evitar o emprego da expressão «profissional».

17. O n.º 2 da base em apreciação refere-se aos auxiliares dos caçadores.

Parece justificar-se aludir neste lugar aos cães, que prestam igualmente excelente auxílio ao caçador, e são até por vezes o seu único companheiro, tanto mais quanto é certo que em parte alguma do projecto se lhes faz qualquer referência.

A previsão desta matéria na própria lei tem a sua razão de ser no facto de a utilização dos auxiliares de caça e dos cães contender com. o direito de propriedade dos terrenos em que se exerce a caça.

18. De harmonia com o exposto, propõe-se para a base III a seguinte redacção:

Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, com a função de procurar, perseguir e levantar caça (batedores), ou de transportar mantimentos, munições ou a caça abatida, e bem assim fazer-se acompanhar de cães.

4) Apropriação da caça

19. A base IV procura fixar o momento e a forma por que o caçador adquire a propriedade da caça, exprimindo-se nestes termos:

O caçador apropria-se do animal pelo facto da apreensão, mas adquire direito a ele logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.

Trata-se de redacção quase idêntica à do corpo do artigo 388.º do Código Civil

Simplesmente, reputa-se conveniente falar expressamente em ocupação, dizendo que o caçador se apropria do animal pela sua ocupação, pois que juridicamente é esta a forma de aquisição da propriedade das coisas que constituem rés nullius, como é o caso da caça(38).

(37) O regime de desfavor a impor-lhes resumir-se-á fundamentalmente na exigência de uma licença especial, de taxa mais elevada, e na possibilidade de se limitar o seu número por concelho, de harmonia com as necessidades concretas.

(38) Sabe-se que há dois modos de aquisição da propriedade: aquisição originária e aquisição derivada.

A diferença entre elas está em que na primeira, contrariamente ao que sucede na segunda, nenhuma relação pessoal existe entre o adquirente da coisa e a pessoa que anteriormente era titular dela.

A ocupação representa uma forma de aquisição originária, porquanto a coisa ingressa directamente no património do.

E velha a questão de saber se para a ocupação da caça é necessária a sua morte ou basta que seja ferida e, neste caso, se a ferida deve ser grave ou leve.

No direito romano justinianeu prevalecia o critério da ferida grave, por tal forma que o animal não pudesse fugir já à captura do perseguidor.

O nosso direito actual (Código Civil e Código da Caça), assim como o projecto em apreciação, não tomam posição expressa quanto a esta questão.

Parece, todavia, de preferir o critério justinianeu.

Cunha Gonçalves, referindo Planiol e Bipert e Stolfi, escreve a propósito:

E preciso que a ferida seja mortal ou que o animal esteja tão cansado que a sua captura seja iminente e certa. Se o animal, levemente ferido e perseguido pelos cães do caçador, for morto por outro, ou abocado pelos seus cães, pois nada há que lho proíba, pertencerá a este último, pois a ocupação ou apreensão efectiva deverá prevalecer sobre a apreensão esboçada (38).

E de reconhecer, contudo, a dificuldade que por vezes na prática existirá em determinar se o ferimento é ou não grave e, consequentemente, se o animal fugirá ou não ao seu perseguidor. Pensa-se que a solução de tais casos necessitará da compreensão e da nobreza de espírito dos caçadores em presença, que a paixão venatória em tais momentos nem sempre deixa aflorar.

20. As matérias dos n.º 2, 3 e 4 da base IV são praticamente a reprodução do que se encontra no direito vigente.

Parece que no n.º 3 deverá contemplar-se a hipótese de o animal morto cair em terreno onde o direito de caçar não seja livre (tal como se prevê na segunda parte do artigo 389.º do Código Civil, reproduzido no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 23460).

A entrega ao caçador do animal nos termos do n.º 4 nem sempre será possível, por razões óbvias, pelo que se afigura conveniente ressalvar os casos de impossibilidade.

21. Pelo exposto, a base IV ficaria assim redigida:

1. O caçador apropria-se do animal pelo facto da sua ocupação ou apreensão, mas adquire direito a de logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto forem sua perseguição.

2. Considera-se ocupado ou apreendido o animal que for morto pelo caçador ou apanhado pelos seus cães ou aves de presa durante o acto venatório ou que for retido nas suas artes de caça.

3. Se o caçador matar ou ferir animal que caia ou se refugie em terreno onde o direito de caçar não seja livre, não poderá entrar nele sem autorização do respectivo dono, ou de quem o representar.

4. No caso de a autorização ser negada, serão estes obrigados a entregar o animal ao caçador no estado em que se encontrar, sempre que tal seja possível.

5) Titulares do direito de caça. Requisitos para o exercício deste direito

22. A base V indica quem pode exercer a caça e quais os requisitos que para tal deve revestir. Por outras pa-

ocupante, independentemente de qualquer acto de transmissão de terceiro (cf. Professores Pires de Lima e Antunes Varela. Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. n, p. 52, 5.ª edição). (39) Tratado, vol. m. p. 181.

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lavras: diz-nos quem pode ser titular do direito de caça e quem tem capacidade para a exercer.
Titular de direito de caça só podem ser as pessoas físicas, independentemente do sexo, estado civil ou religião, profissão ou nacionalidade.
Mas nem a todos os indivíduos é reconhecida capacidade para exercer tal direito, o que se comprende, dados os riscos que o seu exercício normalmente importa.
Por isso, as leis costumam impor limitações, exigindo a verificação de certos requisitos.
É o que faz justamente a base em apreciação, depois de atribuir a todos os indivíduos, em abstracto, a susceptibilidade de caçar.
De todos os requisitos referidos nesta base, verdadeiramente merece reparo o da alínea a): "Serem maiores de 14 anos".
Neste aspecto, o projecto de proposta de lei em nada inovou em relação ao que se dispõe no artigo 1.º, § 1.º, do Decreto-lei n.º 23 460, uma vez que também este consente a caça aos menores com mais de 14 anos, inclusivamente com arma de fogo, desde que os seus representantes legais obtenham, em favor deles, licença de uso e porte de arma de caça (40).
Apesar de tudo, parece que não é razoável permitir a indivíduos com tal idade o exercício da caça com arma de fogo, que constitui uma actividade altamente perigosa.
Não pode prescindir-se de um certo grau de maturidade de espirito que naturalmente ainda não existe nos menores em causa.
A idade limite para caçar com arma de fogo parece não dever ser inferior à dos 16 anos.
É, de resto, esta a idade que indicia, no nosso direito criminal, a imputabilidade penal, ou seja, o conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para ser possível a censura ao agente por ele não ter agido de outra maneira (41).
Também na França ("Code Rural", artigo 368.º) e na Itália (artigo 44.º, T. U. de 18 de Junho de 1931, n.º 173 da Lei de Segurança Pública) a idade mínima para caçar som arma de fogo são os 16 anos, e em Espanha 15 anos (artigo 5.º do Regulamento da Lei de Caça de 3 da Julho de 1903) (u). Em Inglaterra os menores de 17 anos também não podem utilizar armas de fogo ("Firearms Acts" 1937 e 1965).
Por outro Lado, tratando-se de caça sem arma de fogo, parece não haver inconveniente em baixar o limite de idade para os 12 anos, permitindo certas modalidades de caça compatíveis com essa idade (caça à lebre a cavalo, por exemplo).
Relativamente ao seguro obrigatório para os menores, a Câmara entende que ele se justifica sempre quanto à menoridade dos 21 anos, independentemente da emancipação, e que a importância do mesmo não deve ser inferior a 200 000$.
Propõe-se, assim, para a base V a redacção seguinte:

1. Só é lícito caçar a quem reúna os seguintes requisitos:

a) Ser maior de 16 anos, ou maior de 12 desde que não utilize armas de fogo;
b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de deficiência orgânica ou fisiológica que torne perigoso o exercício dos actos venatórios;
c) Não estar sujeito a proibição do mesmo exercício por disposição legal ou decisão judicial.

2. Os menores de 21 anos só podem exercer a caça dom utilizarão de armas de fogo desde que seja garantida, mediante seguro e por importância não inferior a 200 000$, a indemnização pelos danos que venham a causar.
3. A proibição do exercício da caça por anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica será limitada ao emprego de armas de fogo quando ao mesmo estiver especialmente ligado o perigo a evitar.

23. O n.º 4 da base em apreciação prevê a dispensa da carta de caçador e das licenças para caçar em certos casos.
Todavia, como se entende que deverão colocar-se numa secção autónoma as matérias respeitantes àquelas carta e licenças, o preceituado neste número deverá ir para essa secção.

24. A base V prevê certos requisitos, uns positivos, outros negativos, para o exercício da caça.
Não prevê, todavia, o caso de ter havido condenação por crimes de natureza tal que devam excluir o direito de caçar ou a aplicação de medidas de segurança em face de uma personalidade anómala incompatível com o exercício desse direito.
Aqui referir-se-ão principalmente os crimes que estão mais em ligação com a propriedade (43) - é sobre a propriedade do solo que a caça se exerce -, mas vários outros devem certamente impedir os seus autores de caçar, constituindo obstáculo à concessão da licença de uso e porte de arma de caça.
Nestes termos, propõe-se a seguinte base (base VI):

1. Não pode exercer a caça o que tenha sido condenado ou ao qual tenha sido aplicada, medida de segurança:

a) Por crime doloso contra a propriedade em pena de prisão superior a seis meses, a saber: furto, roubo, fogo posto e dano;
b) Por crime de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado;
c) Por delinquência habitual e delinquência por tendência, vadiagem e mendicidade;
d) Por alcoolismo habitual e por abuso de estupefacientes.

2. Poderá ser levantada a proibição prevista no número anterior quando tiverem decorrido cinco anos sobre o cumprimento ou extinção da pena ou da medida de segurança, e cessará sempre que tenha sido obtida a reabilitação judicial.

(40) Os menores com mais de 14 anos podem obter licença de uso e porte de arma de caça quando os respectivos requerimentos sejam subscritos pelos seus pais ou tutores (artigo 57.º, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 37 813, de 21 de Fevereiro de 1949).
(41) Cf. Prof. E. Correia, Direito Criminal, vol. I, p. 831:

Os menores de 16 anos estão sujeitos à jurisdição dos tribunais de menores e, em relação a eles, só podem ser tomadas medidas de assistência, educação ou correcção previstas na legislação especial (artigo 109.º do Código Penal).

O projecto da parte geral do novo Código Penal mantém a orientação da inimputabilidade para os menores de 16 anos (artigo 15.º).
Veja-se também o artigo 17.º da Organização Tutelar de Menores (Decreto-Lei n.º 44 288, de 20 de Abril de 1962).
(42) A proibição de caçar com arma de fogo aos indivíduos com menos de 16 e com mais de 14 anos inutilizará a faculdade de obtenção d<_ _57.º.='_57.º.' no='no' de='de' _37='_37' e='e' arma='arma' _313.='_313.' do='do' artigo='artigo' p='p' uso='uso' caca='caca' citado='citado' _2.º='_2.º' decreto-lei='decreto-lei' já='já' prevista='prevista' licença='licença' porte='porte' n.º='n.º' _='_'>

(43) E destes excluir-se-ão os de menor gravidade.

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6) Carta de caçador e licenças

25. O projecto de proposta de lei contém um capítulo autónomo (capítulo vi) em que trata "Das licenças".
Parece que estas, na medida em que condicionam o exercício do direito de caçar, devem ser tratadas ainda dentro do capítulo relativo ao exercício da caça, logo a seguir à definição de caça e da indicação dos titulares do direito de caça.
E, dada a sua correlação com a carta de caçador, as licenças deverão formar com esta uma só secção (secção III).

26. A carta de caçador está devidamente caracterizada na base VI do projecto.
Constitui uma inovação de aplaudir, e há muito que vinha sendo sugerida nos meios venatórios.
É o documento de identificação do caçador e do registo da sua conduta venatória. É através dele que um indivíduo entra no mundo venatório. Constitui pressuposto indispensável para o exercício da caça, visto que sem ele não poderá obter a licença de caça.
Servirá de controle e também de estímulo para o caçador no sentido de procurar não o manchar com infracções à disciplina da caça.
Como documento de identificação do caçador, compreende-se que dele deva constar que o caçador pratica a caça com fim lucrativo, quando for caso disso.
Em face dessa menção, não poderá ser-lhe concedida outra licença de caça que não seja a licença de caça com fim lucrativo.
A base em apreciação determina que compete às comissões venatórias regionais ou distritais a passagem das cartas e o lançamento dos respectivos averbamentos.
Cuida-se, porém, que é matéria que deverá ir para regulamento.
Pensa-se também que terá o maior interesse que a carta de caçador contenha uma ou mais folhas anexas em que resumidamente se especifiquem as principais obrigações do caçador, quer no aspecto do respeito pela propriedade alheia, quer no aspecto do respeito pela própria caça, com indicação das sanções para a sua inobservância, já que é de prever que grande parte ou mesmo a maioria dos caçadores não adquiram a nova lei. E não é possível uma educação venatória - que muito importa promover - com desconhecimento da própria lei da caça, ao menos na parte que refere aquelas obrigações.
De harmonia com o exposto, propõe-se que as bases VII e VIII fiquem assim redigidas:

BASE VII

1. Os indivíduos a quem é licito caçar nos termos das bases V e VI só poderão fazê-lo se forem titulares de carta de caçador e estiverem munidos das licenças legalmente exigidas, consoante as circunstâncias.
2. Pela concessão da carta, e das licenças referidas no número anterior são devidas taxas, estando isentas de emolumentos e dispensadas de registo em qualquer serviço diferente daquele que as concede.

BASE VIII

1. A carta de caçador desuna-se a identificar o caçador e a registar o seu comportamento venatório, dela devendo constar as infracções praticadas no exercido da caça e outras ocorrências respeitantes à sua actividade venatória.
2. Se o caçador se dedicar à prática da caça com fim lucrativo, por conta própria ou alheia, será o facto averbado na respectiva carta de caçador.

27. O exercício do direito de caça não pode ter lugar sem que o seu titular tenha obtido a competente autorização administrativa, isto é, a licença de caça.
Compreende-se a necessidade desta autorização. Por um lado, a caça é uma actividade perigosa para as pessoas e até para os bens, e, por isso, não poderá autorizar-se que ela seja praticada por quem não reúna condições de idoneidade; por outro, a caça permite ao caçador apropriar-se de uma riqueza pública, e, por isso, é justo que, em contrapartida, ele pague uma taxa ao Estado, a qual, reverterá, na sua maior parte, em benefício da conservação e fomento dessa riqueza.
A base XXXVI do projecto prevê várias modalidades de licença de caça - precisamente quatro: licença geral de caça, licença regional de caça, licença concelhia de caça e licença de caça sem espingarda.
Desde há muito se defende nos meios venatórios a instituição de mais que uma modalidade de licença de caça, com vista a proporcionar aos caçadores de modestos recursos económicos - que não saem em regra da área do seu concelho - uma licença mais barata, e a exigir aos caçadores com melhores meios de fortuna uma licença mais cara, já que eles terão possibilidades de caçar em várias regiões do País e, nessa medida, de usufruir maiores benefícios da prática venatória.
Isto afigura-se lógico e justo.
Por isso, se tem defendido a criação de duas licenças: a licença geral de caça e a licença concelhia de caça.
O projecto prevê ainda a licença regional de caça, válida na área da região venatória para que for emitida.
Mas, em certos meios, só se reclamam e consideram úteis as licenças geral e concelhia de caça. (Não está em causa a licença de caça sem espingarda).
Neste sentido são o projecto de lei de iniciativa do Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira (n.º 7 do articulado); um projecto de sugestão ao Governo de alterações à lei da caça emanado da Câmara Corporativa (do Digno Procurador Dr. João Maria Bravo); o projecto de parecer da mesma Câmara que recaiu sobre esse projecto de sugestão, um anteprojecto de alterações à lei da caça emanado da Secretaria de Estado da Agricultura (1959), elaborado de acordo com as comissões venatórias regionais; O Problema Venatório Português, p. 245, do Dr. Freitas Cruz; e Caça, p. 113, do Dr. João Maria Bravo, etc. (44).
No entanto, a Câmara entende que deve manter-se a licença regional de caça como consta do projecto da proposta de lei.
E quanto à licença concelhia, é de parecer que ela só possa ser concedida aos caçadores que tenham residência habitual no respectivo concelho, favorecendo-os em relação aos estranhos (não residentes), os quais só aí poderão caçar quando munidos da licença geral ou regional, consoante os casos.

28. Por outro lado, entende-se que deverá instituir-se a licença de caça com fim lucrativo.
Aquela mesma lógica e aquele mesmo princípio de .justiça que presidem à distinção entre as licenças geral e concelhia de caça justificam esta outra modalidade de licença de caça.

(44) O projecto de sugestão ao Governo sobre a caça, apresentado, nos termos do artigo 23.º do Regimento da Câmara Corporativa, pelo antigo Procurador Dr. João Maria Bravo, está publicado nas Actas da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1959, n.º 54, de 24 de Abril
O projecto de parecer do relator designado pela Câmara Corporativa foi publicado no opúsculo A Caça, em Portugal, do Dr. António Garcês.

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Com efeito, se o caçador se dedica à caça com intuito lucrativo, se ele todos os dias vai à caça e assim se apropria da grande quantidade de exemplares que depois vende a bom preço, é lógico e justo que, em contrapartida, pague uma taxa mais elevada pela licença que tal lhe permite.
Depois, como já se acentuou, o exercício venatório com fim lucrativo não tem interesse nem justificação entre nós, pois a caça escasseia, e ele é certamente uma das causas do empobrecimento do património cinegético nacional. Haverá, pois, que criar-lhe restrições, e entre elas estará a exigência de uma taxa mais elevada para a respectiva licença.
Poderá objectar-se que não se justifica esta modalidade de licença, uma vez que o caçador a que nos estamos referindo está sujeito a contribuição industrial.
Ora não tá dúvida que a lei tributária assim o abrange (artigo 1.º do Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 103, de 1 de Julho de 1963) (45).
Simplesmente há dois aspectos a considerar: por um lado, não SB vê que seja demasiado sujeitar o caçador que exerce a caça com fins lucrativos simultaneamente a uma licença de caça especial, de taxa mais elevada (46), e a contribuição industrial, até porque esta pode ser lançada em quantitativo muito reduzido; por outro, a colecta em tal contribuição depende das secções de finanças concelhias, e nem sempre os informadores fiscais estão em condições de identificar os caçadores do tipo indicado residentes no concelho, além de que estes, por expedientes vários, conseguem furtar-se muitas vezes, se não normalmente, à tributação.
Quanto é sua identificação, para lhes ser exigida a licença de caça especial, ela não oferece, em geral, dificuldades às comissões venatórias concelhias. De resto, iguais ou maiores dificuldades haverá em identificá-los para o efeito da contribuição industrial, e nem por isso se entende que tal constitui razão bastante para dela os isentar.
Também no âmbito da pesca existe uma licença profissional de pesca (47) (artigo 54.º, § 1.º, do Regulamento da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959).
A licença a que nos referimos apenas permitirá caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes, o que, além do mais, permitirá condicionar o número de licenças dessa espécie a conceder por cada concelho, providência esta que se afigura da maior utilidade, e, por isso, também se sugere.

29. A base XXXVIII do projecto de proposta de lei prevê ainda outras, modalidades de licença: de batedor, de caçador com furão, de criador de furões para venda.
Trata-se, todavia, de licenças secundárias, de menor importância, pelo que estará indicado colocá-las no regulamento a "laborar, sem embargo de se lhes fazer na lei referência genérica.
Sempre se dirá, porém, quanto à licença de batedor, que melhor seria substituí-la por uma licença para batida, complementar da licença de caça, geral ou concelhia, dadas as implicações de ordem prática. É que não se sabe muitas vezes antecipadamente se o caçador tem à sua disposição um ou mais batedores, tudo dependendo da forma como foi organizada a batida, assunto a que os caçadores participantes são estranhos frequentemente, sobretudo quando são convidados pelos donos ou pelos arrendatários das reservas de caça.

30. Quanto à dispensa da carta de caçador e das licenças de caça, afigura-se que dela devem beneficiar os estrangeiros e os nacionais que não residam na metrópole, pois que a exigência daquelas frustar-lhes-ia frequentemente a possibilidade de caçar entre nós, sobretudo quando disponham de escasso tempo de permanência.
Bastará sujeitar tais caçadores à taxa de revalidação da licença de caça do país ou do território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, de harmonia com o que vier a ser estabelecido em regulamento.
Parece ainda de propor, para estes casos, a exigência de seguro obrigatório, dado que a sua não residência na metrópole dificultará ou impossibilitará mesmo a reparação dos danos.
Tendo em atenção o exposto, sugere-se que as bases IX, X e XI tenham a seguinte redacção:

BASE IX

1. A licença de caça revestirá as seguintes modalidades:
a) Licença geral de caça;
b) Licença regional de caça;
c) Licença concelhia de caça;
d) Licença de caça com fim lucrativo;
e) Licença de caça sem espingarda.

2. A licença de caça é geral, regional ou concelhia, consoante autoriza o exercício venatório, respectivamente, em todo o continente e ilhas adjacentes, sòmente na área de uma região venatória, ou apenas na área do concelho da residência habitual do caçador e na dos concelhos limítrofes.
3. A licença de caça com fim lucrativo sòmente permite caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes.
4. A licença de caça sem espingarda apenas permite caçar com a ajuda de cães ("a corricão"), com ou sem pau, na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes.

BASE X

1. A taxa da licença de caça com fim lucrativo não poderá ser inferior à taxa da licença geral de caça.
2. Poderá o Governo, sob proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, limitar o número de licenças de caça com fim lucrativo a conceder por concelho em cada ano ou em anos sucessivos.

BASE XI

1. São dispensados da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas:

a) Os membros do corpo diplomático e consular acreditados em Portugal, desde que nos países que representam se dê reciprocidade a esta isenção;
b) Os estrangeiros que venham caçar no Pais a convite de entidades oficiais portuguesas;
c) Os estrangeiros e os nacionais não residentes na metrópole.

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2. Os indivíduos designados na alínea c) do número anterior estão, todavia, sujeitos à taxa de revalidação da licença de caça do pais ou território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, bem como a seguro obrigatório, nos termos a fixar em regulamento.

7) Locais de caça

31. O projecto em apreciação, depois de proclamar o princípio de que a prática da caça é livre quanto aos locais onde possa ter lugar (base VII), indica seguidamente os locais onde o seu exercício é limitado (base VIII), bem como aqueles em que é proibido (base IX).
Afigura-se, no entanto, que na lei importará sòmente enunciar o critério orientador, deixando para regulamento a enumeração dos casos de limitação ou de proibição do exercício da caça, que, aliás, não oferecem grande dificuldade, de determinação.
Aqui reputa-se suficiente, em homenagem à propriedade, salientar apenas os casos que reclamam uma maior protecção pelos riscos especiais que em relação a eles envolveria a prática venatória e que o próprio Código Civil contemplou na sua maioria (48).
Por outro lado, e ainda no sentido de salvaguarda dos interesses da propriedade, considera-se conveniente, preceituar que o proprietário dos terrenos ou seus representantes possam opor-se ao exercício da caça quanto àqueles que não se acharem munidos da competente licença para caçar ou não se encontrarem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos. Esta faculdade envolve naturalmente a de aqueles poderem exigir ao caçador que exiba a sua licença de caça.
Esta providência inspira-se no Código Civil italiano, cujo artigo 842.º (sobre caça e pesca) determina:

O proprietário de um terreno não pode impedir que alguém entre nele para o exercício da caça, a não ser que o terreno esteja reservado nos termos da lei sobre caça ou que contenha cultura que possa sofrer dano.
Ele pode sempre opor-se a quem não estiver munido da licença passada pela autoridade competente.
Para o exercício da pesca é necessário o consentimento do dono do prédio.

Finalmente, tem-se por conveniente fixar o alcance da expressão "terrenos murados", dadas as divergentes opiniões sobre a matéria.

E entende-se ainda submeter ao mesmo regime os terrenos vedados e os completamente cercados de água por forma permanente, uma vez que também quanto a estes os animais bravios não podem entrar nem sair livremente.

32. Atento o que fica dito, sugere-se a seguinte redacção para as bases que tratam da matéria sobre locais de caça.

BASE XII

1. A caça pode ser exercida em todos os terrenos não exceptuados por lei, assim como nas águas interiores, no mar e nas áreas das circunscrições marítimas, observados os condicionamentos estabelecidos.
2. O proprietário ou seus representantes podem, opor-se ao exercido da caça relativamente àqueles que não se encontrarem munidos da competente licença para caçar ou não se acharem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos.

BASE XIII

1. É proibido caçar sem autorização dos respectivos proprietários ou possuidores:

a) Nos terrenos murados ou por outro modo vedados, ou completamente cercados de água por forma permanente, e nos quintais, viveiros, pomares, parques e jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer terrenos que circundem estas e situados numa área com um raio de 300 m;
b) Nos terrenos cultivados, semeados de cereais ou com qualquer outra cultura, antes de efectuada a respectiva colheita;
c) Nos milhar ais que não estejam em adiantado estado de maturação ou onde ainda não tenha sido colhida a sementeira de feijão, quando a houver;
d) Nos terrenos que se acharem de vinha ou com outras plantas frutíferas de pequeno porte e nos pomares, desde o abrolhar até à colheita dos frutos;
e) Nos terrenos abertos, plantados de oliveiras ou de outras árvores frutíferas de grande porte, no intervalo que medeia entre o começo da maturação dos frutos e a sua colheita;
f) Nos terrenos com qualquer sementeira ou plantação de espécies florestais, durante os três primeiros anos, e nos colmeais.

2. Consideram-se murados ou vedados, para os efeitos da alínea a) do n.º 1, os terrenos circundados em toda a sua extensão por muros ou paredes, redes metálicas, valados ou linhas de água, ou vedações de outro género equivalente, de forma que os animais de pêlo não possam sair e entrar livremente.
3. A proibição prevista no n.º 1 em relação aos terrenos referidos nas alíneas b) a f) estender-se-á a todo o período da caça, sempre que os mesmos terrenos se encontrem devidamente delimitados.
4 Consideram-se delimitados, para os efeitos do número anterior, os terrenos em que o proprietário ou possuidor aponha tabuletas ou quaisquer outros sinais convencionais colocados em lugares bem visíveis e indicativos de que não é permitido caçar.

(48) Não deixará de ter interesse transcrever neste lugar passagens de uma carta de Alexandre Herculano publicada em. O Direito, tomo LVII, p. 127, que nos dá ideia do pensamento do escritor e até do ambiente da época quanto ao ponto em análise.

Se esses patetas tivessem senso comum, no conjunto das providências do código relativas à caca, veriam logo o pensamento único que os domina. É garantir o suor do agricultor contra o egoísmo do caçador; defender o homem que trabalha contra o homem que se diverte. Os artigos 385.º, 386.º, 387.º, 388.º, 390.º e 392.º (projecto) são significativos. Não se pensava em favorecer a multiplicação de animais sempre mais ou menos daninhos para que não escasseasse desporto aos janotas. A gente que trabalha no Código não pensava nesses títeres senão para os coibir. Ter-se-ia podido redigir esta secção com mais clareza; mas quem podia imaginar que miguem queria tirar dela a indução de que a propriedade ficaria enfeudada ao janotismo?
... Estas coutadas do caçador incerto, depois de abolidas as coutadas do rei e dos seus donatários, seriam absurdas.
... Pelo que vejo a gente do Alentejo é mais séria.

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8) Períodos venatórios

33. E este - o da fixação dos períodos venatórios - um ponto importante e delicado da disciplina da caça. Por um lado, estes períodos devem ser suficientemente curtos a fim de permitir às espécies cinegéticas o necessário tempo de repouso para a sua reprodução, e desenvolvimento. Por outro lado, não devem ser tão curtos que cerceiem em medida injustificada o direito de caçar, tornando-o ilusório.
Sendo várias e diferentes as espécies cinegéticas e distribuindo-se estas, quer em qualidade, quer em quantidade, de harmonia com as características geofísicas e climatéricas do território, compreende-se a existência de vários períodos venatórios, já, pois, em razão das espécies, já em razão das regiões do País. Todavia, como o território do continente é pouco extenso, a variação das épocas venatorias não se impõe intensamente, o que possibilitará uma relativa uniformidade, com vantagens em alguns aspectos, entre eles o da fiscalização.
Tal como sucede nos outros países, também entre nós têm existido, e continuarão a existir, uma época geral da caça, durante a qual é possível caçar todas as espécies, e períodos venatórios especiais para a caça de certas espécies ou eu determinadas circunstâncias.

34. Nesta matéria de tempo de caça, e dada a escassez de espécies que se vem agravando de ano para ano, uma questão deverá ser posta: será de admitir a prática da caça em todos os dias da época geral ou, diversamente, deverá restringir-se essa prática a alguns dias da semana?
A resposta não pode deixar de ser a favor da restrição, pelo menos enquanto se verificar a escassez das espécies e não entra em pleno rendimento as providências da nova lei da caça, especialmente as relativas à criação artificial de caça, à constituição de reservas de caça em número suficiente, especialmente no Norte e Centro do País, e à prevenção e repressão das infracções.
Julga-se, e Dm efeito, que a solução não está em encurtar constantemente o período venatório, comprimindo o já reduzido período de três meses, mas justamente em proibir a caça durante certos dias da semana, ampliando mesmo este período.
É aliás o próprio projecto em análise que prevê a possibilidade dessa proibição na alínea c) da base X, a qual vem sendo si gerida e reclamada nos meios venatórios (49).
Na verdade, há que reconhecer que caçar todos os dias no nosso país, no estado actual em que se encontra a caça, é um luxo cujo preço será a extinção próxima das espécies.
Por isso, se propõe que, durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação da nova lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana - sábado, domingo e segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.
Esta restrição não é aplicável às reservas de caça, visto que aí é o interesse dos próprios titulares que os levará a restringir o exercício venatório, e, atento o seu regime, nunca serão invadidas, como os terrenos livres, por legiões de caçadores, muitos dos quais "em estado de espírito destuidor, como que movidos por sanha ancestral, que não corresponde às tradições que eram brasão, de que o verdadeiro caçador caça por desfastio e não por ambição" (50).
A restrição proposta servirá ainda para desencorajar os caçadores que se dedicam à caça com fim lucrativo, na medida em que a actividade venatória se lhes torna menos rendosa, e, por outro lado, evitará que grupos de caçadores, aliás à sombra de um direito que a lei lhes tem facultado, se desloquem para certas regiões onde ainda há alguma caça e aí permaneçam uma ou duas semanas, quando não mais, deixando à sua saída um deserto cinegético. Ora isto, além de não poder admitir-se nos tempos e circunstâncias actuais, é mal visto pelos caçadores residentes naquelas regiões, que vêem desaparecer em alguns dias, em benefício de estranhos, a fonte das suas diversões e o complemento da sua alimentação e dos seus familiares.
A restrição proposta refere-se a "um período mínimo de três anos", como que a sugerir a vantagem de ser prolongada para além dele e até possivelmente de forma permanente.
Esta Câmara põe fundadas esperanças nesta providência e, por outro lado, pensa que os três dias consecutivos em que a caça é permitida - sem dúvida os mais indicados -, bem como os dias de feriado nacional ou municipal, proporcionarão a todos os caçadores -aos verdadeiros desportistas - satisfazer o seu entusiasmo e extrair da caça os benefícios de ordem física e espiritual que ela comporta (51).

35. Dentro da matéria que vimos apreciando neste número, um outro ponto merece reflexão: o que respeita à fixação do início e do termo da época geral da caça.
E aqui podem seguir-se duas orientações: ou remeter pura e simplesmente para regulamento a fixação das datas de abertura e de encerramento da caça, e esta é a orientação do projecto do Governo, tal como a do Código da Caça em vigor (52), ou, diversamente, fixar na própria lei essas datas, dando, todavia, à Administração a faculdade de em cada ano, e de harmonia com os factores a ter em atenção, elaborar o calendário venatório.
Esta última orientação é a seguida, por exemplo, no direito italiano (53). Com efeito, a lei de 5 de Junho de 1939 preceitua que a caça é permitida desde o penúltimo domingo de Agosto até ao dia 1 de Janeiro, com algumas excepções (máxime, caça maior e de arribação), podendo, contudo, o (Ministro da Agricultura e das Florestas restringir o período da caça ou proibir esta, seja por forma geral e absoluta, seja para certo processo de caça ou em relação a determinadas espécies ou região (artigos 12.º e 23.º).
Esta orientação não deixa de apresentar as suas vantagens, pois que aponta o princípio, o qual deverá ser seguido em circunstâncias normais, evitando flutuações de ano para ano.
Aproveitando a oportunidade, e até porque pode acontecer que o legislador venha a decidir-se finalmente por outra orientação, justamente como a consagrada na lei

(49) Neste sentido, o Dr. João Maria Bravo, Caça, pp. 15 e 132, e Nabais da Cunha in o jornal Diário de Lisboa de 6 de Outubro e de Ï6 de Dezembro de 1965.
(50) Cf. o relatório do projecto de lei da iniciativa do Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira.
(51) Se daí resultar uma abundância excessiva de certas espécies por forma a tornarem-se prejudiciais ou nocivas - o coelho, por exemplo -, a solução estará em permitir a caça por certos meios (por exemplo, com furão), ou adoptar as providências previstas na lei quanto à nocividade dos animais bravios.
(52) Cf. artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 23 460 e artigo 10.º do Decreto n.º (23461.
(53) Também a lei espanhola de 1902 (artigo 17.º, redigido segundo a Ley de vedas de 26 de Julho de 1935) fixa os vários períodos venatórios consoante as espécies e as regiões.

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italiana, terá algum interesse referir as datas de abertura e de encerramento da caça entre nós ao longo do tempo.
Foi no reinado de D. Afonso V que se estabeleceram as primeiras regras de defeso (de Março ao S. João), ao mesmo tempo que se indicaram os meios ilícitos de caçar. Estas determinações, que visavam sòmente as coutadas reais, estenderam-se a todo o reino no reinado de D. Manuel, sendo proibido caçar nos meses de Março, Abril e Maio (Ordenações Manuelinas, liv. v. t. 89) (54).
Com a Lei n.º 15, de 7 de Julho de 1913, que acabou com a faculdade de as câmaras municipais fixarem os períodos venatórios, a abertura da caça tinha lugar no dia 1 de Setembro e o encerramento no dia 15 de Fevereiro do ano seguinte.
Os Códigos da Caça de 1930 e 1931 (Decreto n.º 18 743 e Decreto n.º 20 199) fixaram as datas de abertura e de encerramento em 15 de Setembro e -15 de Janeiro, respectivamente.
O Código da Caça em vigor, de 1934, fixou as datas de 1 de Setembro e de 15 de Fevereiro, posteriormente alterados para o dia 1 de Outubro e o dia 15 de Janeiro seguinte (artigo 1.º do Decreto n.º 37 983, de 26 de Setembro de 1950).
Terá interesse referir também o que se passa noutros países.
Assim, em Espanha a época geral de caça vai- desde o primeiro domingo de Outubro ao primeiro domingo de Fevereiro (55).
Em Itália já vimos: desde o penúltimo domingo de Agosto ao dia 1 de Janeiro.
Em França, as datas de abertura e de encerramento da caça são fixadas anualmente pelo (Ministro da Agricultura, ouvido o Conselho Superior da Caça (artigo 371.º do "Code Rural"). Para a campanha de 1965-1966, essas datas, que nunca são uniformes para todos os departamentos (em número de 90), foram, em regra, as de 5 de Setembro de 1965 e de 2 de Janeiro de 1966 (Ain, Aisne, Ardennes, Aube, Côte-d'Or, etc.) e de 29 de Agosto de 1965 e de 2 de Janeiro de 1966 (Alpes, Ariège, Haute-Garonne, Gironde, etc.) (56).
E, entre nós, quais as datas mais indicadas para o início e o termo da época geral da caça?
Quanto à data de encerramento, a que parece mais razoável e equilibrada é a de 15 de Janeiro. E esta é também a data geralmente preferida nos meios venatórios. Com efeito, ela não representa ainda qualquer perigo para a reprodução das espécies, e, por outro lado, permite prolongar o período venatório em benefício dos praticantes da caça.
E terá ainda a vantagem de favorecer a vinda ao nosso país de caçadores de outros países, designadamente nórdicos, onde as épocas de caça se encerram mais cedo.
Quanto à data de abertura, a que igualmente parece mais indicada é a de 15 de Setembro.
Simplesmente, a escassez da caça tem contribuído para que se encurte o período venatório, não só retardando a abertura, como antecipando o encerramento. E, assim, já há vários anos que a caça se inicia no dia 1 de Outubro e termina no dia 31 de Dezembro.

Mas, como já acima se disse, a solução não está em encurtar cada vez mais o período de caça, mas em restringir o seu exercício a alguns dias da semana. E, deste modo, em lugar de três meses de caça, poder-se-ia ter um período de quatro meses.
Por isso, se entende que será possível abrir a caça antes do dia 1 de Outubro, Isso iria ao encontro das legítimas aspirações de alguns milhares de caçadores que vêem as suas férias terminar no dia 30 de Setembro.
São estudantes, professores, funcionários públicos, advogados, magistrados, etc., aos quais seria razoável conceder a oportunidade de caçar, ainda que fosse num só fim de semana, em suas terras, na companhia de pessoas de família ou de amigos, gozando momentos de satisfação que jamais se apagarão com o rodar do tempo. Quantos caçadores de hoje devem essa qualidade e o seu entranhado entusiasmo pela caça à circunstância de quando jovens, a lei lhes haver facultado caçar no mês de Setembro?!
Depois, essa possibilidade, ainda que restrita a escassos dias - repete-se - será o bastante para afastar a tentação de caçar no defeso, ante a perspectiva de só poder caçar-se no dia 1 de Outubro, data em que e a partir da qual muitos estarão impedidos de fazê-lo.
A antecipação da abertura da caça por alguns dias em relação ao primeiro de Outubro - no máximo de uma semana - não será atentatória da protecção das espécies, que já então terão suficiente desenvolvimento, acrescendo que o tempo é normalmente fresco nos últimos dias de Setembro e, por isso, não afecta as possibilidades de defesa da caça.

36. É intuitivo o que significa o defeso: é todo o período de tempo que se situa fora do período ou períodos venatórios, e no qual, por isso, não é lícito caçar.
Todavia, a restrição do exercício da caça a alguns dias da semana dentro da época geral pode suscitar algumas dificuldades, e, por isso, se entende que possa ter utilidade precisar na lei o que se considera período de defeso. Neste sentido e para o efeito, se sugere uma nova base (base XVI).

37. A base XII do projecto em apreciação contém uma excepção quanto ao período venatório, uma vez que permite caçar em qualquer tempo os animais bravios.
A excepção compreende-se justamente por se tratar de prédios murados por tal forma que os animais não podem neles entrar nem deles sair livremente. É evidente que só as espécies de pêlo estão em causa, e não as espécies aladas.
Haverá apenas que completar a redacção, colocando ao lado dos prédios murados os prédios vedados ou cercados de água completa e permanentemente por forma que os animais bravios não possam igualmente entrar ou sair livremente.
Quanto à base XIII, afigura-se que o assunto de que trata - regulamentação em tempo de defeso de trabalhos de treino de cães e de provas para os mesmos - deverá ir para regulamento.

38. De harmonia com as considerações expostas, propõem-se as seguintes bases em substituição das que no projecto tratam da matéria dos períodos venatórios, sendo certo que nada há a opor à redacção da base XI.

BASE XIV

1. A caça só pode ser exercida durante a época geral e nos períodos especiais fixados para a caça de

(54) Cf. Dr. F. Cruz, ob. cit., 77.
(55) Para a .campanha de 1964-1965 (caça menor) fixaram-se os dias 4 de Outubro e 7 de Fevereiro (Regulamentaciones Especiales de Coza, p. 71) e para a campanha de 1965-1966 os dias 8 de Outubro e 6 de Fevereiro (l de Janeiro para as províncias galegas) (Orden General de Vedas de Gaza, de 21 de Junho de 1965).
(56) Calendário emanado do Ministério da Agricultura (Direction des Forêts).

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certas espécies ou em determinadas circunstâncias, salvas as excepções previstas na lei.
2. A época geral da caça e os períodos venatórios especiais serão fixados atendendo aos ciclos gestatórios das espécies cinegéticas e à necessidade de protecção das respectivas crias e ainda, quanto às espécie migratórias, às épocas das suas migrações.
3. Poderá o Governo, porém, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça, determinar, por meio de portaria:

a) O adiamento da abertura da época geral da caça ou da caça a qualquer espécie;
b) A antecipação do encerramento de qualquer desses períodos;
c) A proibição de caçar durante certos dias da semana.

4. Os períodos venatórios nas ilhas adjacentes, enquanto não for publicado o respectivo regulamento, serão fixados pelas comissões venatórias distritais.

BASE XV

1. Durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação desta In, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana - sábado, domingo e segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.
2. Esta restrição não é aplicável às reservas de caça.

BASE XVI

Consideram-se período de defeso o que se situa fora da época geral da caça ou dos períodos venatórios especiais e, bem assim, os dias da época geral em que não é lícito caçar, nos termos do n.º 1 da base anterior.

BASE XVII

O proprietário ou possuidor de prédios murados ou vedados, ou cercados de água completa e permanentemente, por tal forma que os animais bravios de pêlo não possam sair e entrar livremente, pode dar-lhes caça em, qualquer tempo e por qualquer modo.

BASE XVIII

Só é permitido caçar desde o começo do crepúsculo da mar ha até ao fim do crepúsculo da tarde, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

9) Processos de caça

39. A protecção das espécies cinegéticas depende, em larga medida, dos processos utilizados na caça.
Com efeito, processos há que podem permitir a apreensão de vários exemplares de uma só vez, pela traição que lhes é reparada, não dando à caça possibilidades de defesa.
São meios reprováveis, incompatíveis com a chamada lealdade venatória, que deve estar sempre presente no desporto da caça.
Os processos reprováveis de caçar foram desde longa data previstos e punidos pela lei.
As Ordenações Manuelinas, já citadas (ver n.º 35), determinavam a tal respeito:

Defendemos geralmente em todos os nossos reinos que pessoa alguma não mate nem cace perdizes, lebres, nem coelhos com bois nem com fios de arame, nem com outros alguns fios, nem tome nenhuns ovos das ditas perdizes, sob pena de quem o contrário fizer pagar da cadeia dous mil reais por cada vez que nisso for achado, ou lhe for provado dentro de dous meses, e mais perder as armadilhas; nas quais penas isso mesmo incorrem aqueles em cujo poder ou casa, as ditas armadilhas forem achadas, ou sejam suas ou alheias.

E, mais adiante:

Que pessoa alguma não mate, nem cace perdizes com candeias, nem com rede de cevadoiro, nem com perdigão, ou perdiz de chamada, sob pena de ... (57).

Quanto à gravidade das sanções pela caça em tempo de defeso ou por processos ilegais, não deixa de ter interesse referir o que se dispunha na Lei de 1 de Julho de 1565:

E quem o contrário fizer, sendo fidalgo ou cavaleiro, pela primeira vez seja degredado para África, e pague vinte cruzados; e pela segunda haja a dita pena de degredo e dinheiro em dobro. E sendo de menor qualidade, pela primeira vez seja preso, até trinta dias de prisão, e pague dous mil reais. E pela terceira vez, seja degredado por um ano para fora da vila e termo em que caçou, e do lugar do seu termo onde for morador, e pague a dita pena de dinheiro em dobro. E além das ditas, perca quaisquer aves, armadilhas, cães, fios e redes com que caçou.
Vê-se do que fica transcrito que as sanções eram mais graves para as faltas cometidas pelas pessoas de mais elevada condição social, que deveriam dar o exemplo de respeito pelas leis, que para as mesmas faltas cometidas pelas pessoas mais modestas, as quais poderiam ser levadas à transgressão por necessidades materiais.

40. A base XIV do projecto avisadamente não enumerou os meios lícitos de caçar nem as respectivas limitações, que razoavelmente devem ir para regulamento, contentando-se, como convém numa lei, a estabelecer indicações ou princípios gerais.
Pela sua relevância, poderia pensar-se em referir expressamente a caça "de batida", para a proibir nos terrenos onde é livre o direito de caçar, visto tratar-se de um processo de todo incompatível com a necessidade de protecção da caça. Contudo, mesmo quanto a este processo, prevaleceu a ideia de que deverá ter o seu assento em regulamento.

41. A base XV alude à licitude da caça por qualquer meio dentro dos terrenos murados, aspecto já considerado na base XVII que se propõe neste parecer.
Atento o que fica exposto, sugere-se que a matéria respeitante aos processos de caça fique a constar de uma só base, nos termos seguintes:

BASE XIX

1. A caça só pode ser exercida pelos processos autorizados em regulamento.

(57) Coisa semelhante se determinava já na Lei n.º 43 do reinado de D. Afonso V.

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2. Determinar-se-ão neste as adequadas limitações ao uso dos diversos processos e meios admitidos para aplicação genérica ou consoante as espécies cinegéticas e as circunstâncias de tempo e de lugar.
3. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, estabelecer limitações aos processos ou meios de exercido da respectiva caça, incluindo a proibição de determinados tipos de armas de fogo.

10) Espécies cinegéticas

42. As três bases da secção VI do projecto de proposta de lei versam sobre espécies cinegéticas, proclamando a primeira o princípio de que podem ser objecto de caça todos os animais bravios não exceptuados por lei. Há-de ser em regulamento que se fixará o elenco das espécies cuja caça importa proibir (58).
Todavia, quanto às espécies não proibidas, pode suceder que uma ou outra escasseie, o que justificará que, por meio de simples portaria, se proíba temporàriamente a sua caça ou se limite o número de exemplares dessa espécie que cada caçador pode abater diariamente.
As providências que se prevêem na base XVIII também se afiguram justificadas.
É de aceitar, com alterações sem grande relevo, a redacção das bases em referência.

11) Animais nocivos

43. O projecto em apreciação contempla (base XIX) o caso dos animais bravios que, pela sua abundância, se tornem nocivos.
Há que encarar também o caso dos animais bravios que são nocivos por natureza, independentemente da sua abundância, os quais são prejudiciais à agricultura, à caça ou à pesca.
A estes se refere o artigo 12.º do Decreto n.º 23 461, permitindo a todo o tempo a sua destruição.
A matéria do n.º 2 da base XIX deverá ir, como parece manifesto, para regulamento.
Aqui importará salientar ainda que o direito de destruir os animais nocivos deverá poder exercer-se independentemente de carta de caçador e de licença de caça, e, por outro lado, que o pedido de autorização para a adopção das medidas necessárias para a correcção da densidade dos animais que se tornem nocivos deverá ser apreciado em prazo curto - não excedente a quinze dias -, sob pena de se ter por deferido se nada dentro dele for comunicado aos interessados. A razão está na urgência das medidas, que, se não forem tomadas a tempo, deixarão de produzir o indispensável efeito.
A base XX refere-se à regulamentação do uso de meios adequados para defender as culturas da acção dos pássaros. Mas uma vez que estes ou são nocivos por natureza (59) ou em razão da sua abundância (60), não haverá que contemplá-los autònomamente.
Nestes termos, sugere-se que as bases referidas sejam substituídas pelas seguintes:

BASE XXIII

1. É permitido em todo o tempo destruir os animais nocivos à agricultura, à caça e à pesca, nos termos da lei.
2. O direito previsto no número anterior pode ser exercido, independentemente de carta de caçador e de licença de caça, pelos proprietários ou agricultores nos terrenos em que os animais nocivos causem prejuízos e, bem assim, pelas pessoas por eles autorizadas.

BASE XXIV

1. O Governo poderá autorizar as medidas necessárias para a verificação e correcção da densidade dos animais de espécies cinegéticas nos terrenos em que eles, pela sua abundância, se tornem nocivos, mesmo em tempo de defeso, incluindo o uso de processos ou meios de caça legalmente proibidos.
2. A apreciação do pedido de autorização deverá fazer-se no prazo de quinze dias, a contar da sua entrada na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, considerando-se deferido se nada for comunicado antes desse prazo.

§ 2.º Reservas de caça. Sua finalidade. Modalidades

44. A matéria das reservas de caça constitui um dos aspectos da disciplina venatória mais importantes e delicados.
A propósito da apreciação na generalidade, já abordámos o tema em ordem a demonstrar a justificação e a função das reservas nos dias de hoje (cf. o § 4.º).
De harmonia com as considerações então feitas, afigura-se que a própria lei, antes de mais, deveria apontar a finalidade das reservas de caça (61) através de uma base concebida nos seguintes termos:

BASE XXV

Para protecção e fomento das espécies cinegéticas e fins científicos poderão ser constituídas reservas particulares de caça ou coutadas de caça, reservas zoológicas e zonas de protecção.

Na expressão genérica reservas de caça incluem-se, pois, não só as reservas particulares de caça ou coutadas de caça, mas ainda as chamadas reservas zoológicas e as zonas de protecção, visto que, no fundo, todas elas são reservas de caça, com vista à protecção e desenvolvimento das espécies.
O escopo científico é característico das reservas zoológicas, pelas quais se estabelece uma protecção integral, à fauna e à flora.

§ 3.º Reservas particulares ou coutadas de caça

45. Depois de se haver apontado a finalidade das reservas de caça em geral, está indicado que se trate, mima secção autónoma, das reservas particulares de caça.

(58) Assim sucede com o Decreto n.º 23 461, em vigor, que distingue várias espécies: rapaces nocturnas, trepadoras, sindátilas, pássaros comuns, pernaltas; o ouriço-cacheiro e os morcegos (artigo 4.º, § único).
Nas espécies indígenas inclui as perdizes, as lebres, os coelhos, as abe tara as e os sisões (artigo 5.º)
(59) Nocivos por natureza: pega, gaio, etc.
Nocivos quando muito abundantes: melro, pardal, tordo, etc. (artigo 12.º, §§ 1.º e 2.º, do Decreto n.º 23 461).
(60) Idem.
(61) Aliás, assim acontece na lei italiana: "Le bandite, le zone di ripopolamento e cattura e le riserve di caccia hanno lo scopo di curare il ripopolamento della selvaggina o di favorirne la sosta" (artigo 43.º da Lei de 5 de Junho de 1969).

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Também se lhes chama aqui coutadas de caça, por ser esta a designação tradicional (62), no que se não vê qualquer inconveniente, visto que já foi salientado devidamente - a própria lei o faz através da base que se acaba de propor - que não se trata de meros privilégios ou regalias como em tempos recuados, mas de uma concessão de interesse público, acompanhada de ónus e obrigações, feita com o fim principal de proteger e desenvolver a caça, criando ao mesmo tempo centros de irradiação das espécies para os terrenos livres e viveiros que possam servir ao repovoamento de zonas carecidas de caça.

1) Efeito da concessão de reserva de caça

46. Ao a atar das reservas particulares ou coutadas de caça, impõe-se antes de mais saber qual o significado da sua concessão (63).
Sabe-se que elas constituem uma excepção ao princípio da liberdade de caçar quanto aos locais de caça. Mas em que consiste precisamente essa excepção?
Nisto mesmo: a concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito, extensivo aos que o acompanharem, de exercer a caça dentro dos respectivos terrenos, com exclusão dos demais caçadores (ius prohibendi venationis), os quais só nele poderão caçar com autorização escrita do referido titular (64).
Neste sentido, propõe-se a seguinte base:

BASE XXVI

1. A concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito de caçar noa respectivos terrenos, com exclusão de todos os outros caçadores, os quais sòmente aí poderão caçar se dele obtiverem autorização escrita.
2. O direito referido no n.º 1 é extensivo àqueles que acompanhem no exercido da caça o titular da reserva.

Já noutro lugar (cf. a parte final do § 4.º da apreciação na generalidade) se caracterizou o direito do concessionário.
O titular da reserva não adquire sobre a caça um direito de propriedade ou qualquer outro direito real, mas tão-só um direito público subjectivo - o de poder caçar, com exclusão dos demais caçadores -, sem esquecer a obrigação que sobre ele recai de cuidar da conservação e desenvolvimento das espécies.
Daqui que, não adquirindo a propriedade da caça existente nos terrenos da reserva, todo aquele que ilegalmente entre neles e se aproprie de algum animal bravio não comete um furto, mas uma transgressão.
Em suma: a concessão de reserva não transforma a caça de res nullius em coisa pertencente ao titular da reserva. Este só adquirirá a propriedade da caça através de um acto efectivo de ocupação.
Não importa que o concessionário seja dono dos terrenos reservados, pois que essa qualidade nunca lhe confere o direito de propriedade sobre a caça. Somente através da concessão adquire o direito de ocupação exclusiva, o qual impede que quaisquer outros possam entrar e caçar dentro dos limites da reserva (ius prohi-bendi venationis).
Este direito de caçar com exclusão de outros aproveita àqueles que acompanharem no exercício da caça o titular da reserva.
Quanto a outras pessoas, torna-se necessária autorização escrita.

2) Condições subjectivas e objectivas para obter a concessão de reserva de caça

47. Compreende-se, dada a importância de uma reserva de caça, que ela só possa ser concedida quando se verificarem certos pressupostos ou condições respeitantes não só à pessoa do requerente como também aos terrenos em causa.
Não faria sentido que se permitisse a constituição de uma reserva a quem não possua idoneidade moral ou Dão disponha de possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que terá de assumir. Com efeito, através da concessão), confiam-se ao concessionário importantes poderes em relação a uma parcela de riqueza pública que importa defender.
Depois, ao pedido de concessão não poderá ser alheio o proprietário ou o possuidor dos terrenos a reservar.
Por isso, em Itália, entende-se geralmente, à face do artigo 46.º da Lei de 5 de Junho de 1939, que só o proprietário ou possuidor têm legitimidade para requerer a concessão de reserva de caça.

Tal interpretação resulta da finalidade da disposição em exame, que é a de consentir a concessão de reserva (bandita ou riserva) sòmente a quem tem uma ligação jurídica com o imóvel, consubstanciada aio direito de propriedade ou noutro direito real ou pessoal que implique o gozo e fruição do prédio no próprio interesse, dado que a caça importa um contacto inevitável com o terreno e que sòmente o proprietário ou possuidor das culturas, dos frutos e dos produtos estão em condições de conciliar os interesses agrícolas com os interesses da fauna cinegética (65).

Parece, em rigor, que unicamente poderão requerer a concessão de reserva de caça o, proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta ou arrendatário com o consentimento destes individualmente ou em grupo.
Todavia, as necessidades de ordem prática aconselham a que outras entidades (comissões venatórias concelhias, associações de caçadores, órgãos de turismo) (66) devam ter entre nós legitimidade para requerer a concessão de reservas de caça, quando o façam em conjunto com o proprietário ou possuidor dos terrenos ou provem ter obtido para tal o seu consentimento.

48. Os (pressupostos de natureza objectiva dizem respeito às características dos terrenos.

(62) Coutada significa "terra defesa, cerrado (vem de couto)".
Couto (do latim cautus) significa "terra coutada, defesa ou privilegiada" (Dicionário, de Cândido de Figueiredo).
(63) Também na secção seguinte se caracterizam as outras modalidades de reservas de caça: reservas zoológicas e zonas de protecção.
Não se compreenderia, de resto, que na lei se mencionassem as obrigações e ónus do concessionário e não se salientasse o fundamental direito que lhe assiste, justamente o da ocupação exclusiva das espécies existentes na reserva.
(64) Xá mesma orientação, vide o artigo 48.º, III, da lei italiana de 193), o qual torna extensivo o direito de caçar aos familiares do titular da reserva (parentes ou afins que com ele vivam), orientação que esta Câmara não aceitou.
(65) F. Gigolini, ob. cit., p. 465.
(66) Estas entidades, em lugar de requererem a concessão de reserva de caça, nos termos referidos, poderão tomar de arrendamento uma reserva já constituída.
A alínea d) da base XXVII, que adiante se sugere, foi inspirada na lei da pesca [alínea c) da base IV, que trata dos concessões de pesca].

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Se efectivamente as reservas têm em vista a protecção e o fomento da caça, é lógico que a concessão não deva ter lugar relativamente a terrenos sem idoneidade para isso.
Trata-se de um aspecto que, tal como o focado na alínea anterior, escapou ao projecto em estudo.
Dentro das condições objectivas, situa-se ainda o aspecto dos limites .mínimo e máximo da área de cada reserva, já que para a função de protecção e desenvolvimento das espécies é indispensável uma considerável extensão de terreno, como é óbvio, e, por outro lado, não pode consentir-se uma extensão excessiva, a fim de não tornar impossível ou ilusória a liberdade de caçar.
Trata-se, todavia, de uma questão que melhor terá a sua sede em regulamento, por forma a ter em consideração as necessidades reais, que não se sabe de antemão como vão evoluir (67).
Compreende-se que a fixação daqueles limites seja função das características dos terrenos em concreto, bem como da sua afectação à exploração turística ou à caça maior, as quais poderão justificar limites máximos mais amplos.
Nas regiões do País onde predomina a pequena propriedade será difícil encontrar propriedades cuja área atinja o limite mínimo. Prevê-se para tais casos no projecto a possibilidade de uma reserva de caça ser constituída por terrenos pertencentes a várias pessoas.

49. A base XXIII do projecto em estudo consagra preferências na concessão de reservas, de caça.
O propósito terá sido o de fornecer à Administração critérios objectivos, ditados pelo interesse geral, facilitando-lhe ao mesmo tempo o encargo de decidir sobre os vários pedidos concorrentes.
A preferência indicada em primeiro lugar respeita aos terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético.
É assim patente a preocupação de satisfazer através da caça as necessidades do turismo, que importa atrair como importante factor do desenvolvimento económico.
O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, que superintende directamente nos assuntos do turismo, da qual devem as reservas de caça em causa ficar a depender nos aspectos relacionados com a exploração turística, dadas as especialidades desta, as quais escapam açu campo de acção da Secretaria de Estado da Agricultura.
Esta intervirá sòmente no aspecto técnico respeitante à conservação e fomento da caça.
A base é, porém, omissa quanto à preferência a estabelecer em benefício dos terrenos que não tenham ou tenham uma reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, os quais merecem toda a atenção no projecto do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, como neste 4Í parecer já foi salientado.
Tratando-se de terrenos insusceptíveis de outra exploração rendável, está certamente indicado que se lhes dê também preferência - e imediatamente a seguir aos terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético - para o efeito da concessão de reservas de caça. Não apenas se satisfará o interesse particular, mas ainda se defenderá, assim, da melhor maneira o interesse geral.
Também a Câmara entende que deverá conceder-se preferência aos pedidos feitos por quem seriamente se proponha instalar postos de criação artificial de caça, com vista naturalmente ao povoamento cinegético.
Para conhecimento dos interessados, dada a relevância da matéria, sugere-se que os pedidos de concessão de reserva de caça sejam devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

3) As reservas de caça e o regime florestal

50. O n.º 5 da base XXI do projecto do Governo preceitua que "os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos, para todos os efeitos, ao regime florestal parcial".
É uma orientação que há-de ter uma razão séria a determiná-la, pois concebe-se que as reservas de caça possam ser estranhas ao regime florestal.
Qual será então a razão ou as razões dessa orientação?
Data de 1901 (Decreto de 24 de Dezembro) o conjunto de disposições que vieram definir o regime florestal, e desde logo se denunciou a intenção do legislador no sentido de manter relacionados os aspectos da protecção e criação da riqueza florestal e da protecção e fomento cinegético e aquícola.
Essa interligação é lógica e natural, sendo certo que a caça e a pesca foram os primeiros produtos da exploração da floresta pelo homem.
Desde então passou a atribuir-se a reserva de caça e pesca às propriedades que os seus proprietários voluntariamente submetessem ao regime florestal. Assim se criava uma espécie de regalia em compensação das obrigações impostas, especialmente quanto a arborização.
Os dois aspectos apontados continuam interligados através do tempo até aos nossos dias (cf. sobretudo o Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, artigos 51.º e seguintes) (68).
Esta orientação parece assentar em duas ordens de razões, pelo menos: por um lado, a criação e a conservação das espécies cinegéticas (refere-se agora sòmente o caso da caça, porque é o que está em causa) supõem uma certa arborização que lhes dê possibilidades de alimentação, abrigo e reprodução; por outro - e esta deve ser a razão fundamental - conseguir-se-á, desse modo, estimular o povoamento florestal, cujas vantagens não poderão ser esquecidas.
Com efeito, além da defesa e conservação do solo, aumento das reservas hídricas e até uma certa regularização do regime dá atmosfera, que constituem alguns dos benefícios indirectos da floresta, esta tem ainda um valor material directo, que a coloca numa posição de relevo na estrutura económica nacional, avaliando-se os seus produtos em cerca de 2 300 000 contos anuais.
Além do consumo nacional, desde óleos essenciais, celulose, materiais de construção, embalagens, etc., os produtos florestais atingiram, nos anos entre 1953 e 1957, 22,6 por cento de peso e 29,1 por cento do valor de toda a exportação de Portugal continental (69).
Sendo esta a importância da floresta (70), compreende-se que se queira associar o regime florestal à concessão de

(67) Os limites mínimo e máximo em vigor são de 50 ha e 1000 ha, respectivamente, conforme despacho do Ministro da Economia.
(68) "O Ministro da Economia poderá, a requerimento dos donos das propriedades sujeitas ao regime florestal, conceder-lhes a reserva de caça e pesca" (artigo 51.º).
(69) Cf. "O regime florestal na propriedade particular", conferência proferida em 31 de Outubro de 1960 pelo engenheiro silvicultor José Maria da Silva Saldanha Lopes.
(70) A qual cobre actualmente cerca de um terço do território do continente e deverá, segundo estudos feitos, cobrir dois terços do mesmo.

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reservas de caça, como o foi mais uma vez, relativamente à cor cessão de reservas de pesca pela Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

Todavia, objectar-se-á que a submissão ao regime florestal se não justifica quando os terrenos tiverem características precominantemente agrícolas, além de que a floresta é inimiga de certas espécies de caça.

Não há dúvida de que a perdiz, especialmente, prefere terrenos abertos, fugindo das áreas cobertas de pinheiros e eucaliptos sobretudo destes. Mas é possível um povoamento florestal não fechado - nos caminhos, valas, linhas de água, etc., sendo certo ainda que um montado de sobro ou azinho, por exemplo, é já compatível com qualquer espécie cinegética; como o é igualmente em larga medida o simples revestimento de matas, que muitas vezes é preferível ao de qualquer arborização artificial com vista à protecção e conservação do solo (caso de alguns troços das margens do Guadiana e afluentes).

Acresce que, tendo os terrenos, na sua maior parte, aptidão agrícola, a área a tratar silvicolamente não ultrapassará um terço da superfície total.

Depois, a necessidade de reconversão cultural das terras pode bem explicar a política de utilizar a concessão de reservas de caça como um dos meios de a atingir.

Em suma: compreende-se a sujeição ao regime florestal dos terrenos reservados para caça, mas propõe-se que esta sujeição se faça sem obediência ao limite imposto no § 1.º do artigo 42.» do Decreto n.º 39931, de 24 de Novembro da 1954, tratando-se de terrenos com feição predominantemente agrícola. Nestas condições, a obrigação de arborizar poderá ser reduzida substancialmente, de harmonia com as características dos terrenos.

4) Área concelhia destinada a reservas de caça

51. Dentro da matéria das reservas de caça, a questão relativa à determinação da área máxima que poderá ser ocupada pelas reservas, no seu conjunto, em cada concelho, é das mais melindrosas.

Na verdade, por um lado, há que fixar um limite suficientemente amplo que permita que as reservas realizem a sua Junção de conservação e fomento das espécies e satisfaça as pretensões legítimas de todos quantos queiram constituir reservas de caça. Por outro lado, esse limite não pode alargar-se ao ponto de fazer desaparecer espaços livres suficientes para o exercício da caça por parte daqueles que não têm possibilidades de acesso às reservas de caça.

O equilíbrio entre estes interesses é problema difícil, mas há que encará-lo e procurar resolvê-lo com os olhos postos na realidade e nas necessidades do presente e de um futuro não muito longínquo, visto não ser de prever com segurança como as coisas evoluirão para além de certas fronteiras.

Esse limita - também chamado taxa de reserva - é actualmente de 25 por cento.

O projecto de proposta de lei alarga-o um pouco, fixando-o em um terço (n.º 1 da base XXII).

Este limite parece, todavia, algo acanhado, sobretudo em relação a concelhos do Sul do País que têm áreas muito extensas.

Assim, por exemplo, o concelho de Odemira, com os seus 172 736 ha, o de Mértola, com 131 908 ha, o de Beja, com 117 332 ha, o de Serpa, o de Montemor-o-Novo, o de Évora, o de Coruche, o de Santiago do Cacem, o de Alcácer do Sal, o de Castelo Branco e de Idanha-a-Nova, todos eles com mais de 100 000 ha, permitirão uma taxa de reservas maior, não havendo, em princípio, inconveniente em que atinja 40 por cento da superfície concelhia.

Diversamente, concelhos há cuja superfície é tão pequena - por exemplo, Vila Viçosa (20 160 ha), Almeirim (24 168 ha), Alcochete (9569 ha), Moita (4985 ha), Constância (7940 ha), Golegã (7730 ha), Marvão (15 816 ha), Bombarral (8845 ha), Peniche (7703 ha), Albufeira (14 091 ha), Vila do Bispo (17 932 ha) e a maior parte dos concelhos do Norte do País - que não é compreensível que a taxa de reserva possa atingir, em concreto, o limite dos 40 por cento.

Mas deverá dar-se à Administração a faculdade de fixar,, dentro daquele limite, a área a reservar, em relação a cada concelho, em função de certos factores: extensão e características do seu território, designadamente, a densidade populacional, como a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal.

Será, pois, a Secretaria de Estado da Agricultura que, tendo em atenção os factores aludidos, fixará concretamente as taxas de reservas concelhias.

Assim, se os terrenos não tiverem ou tiverem uma reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, está indicado que se alargue o limite, a fim de proporcionar através da caça um rendimento que por outro modo não seria possível.

O limite indicado é largo? E reduzido?

Vejamos o que se passa nos concelhos dos distritos de Beja, Évora, Portalegre, Santarém e Setúbal, justamente aqueles em que se tem manifestado mais interesse pelas reservas de caça, e, consequentemente, aqueles em que há maior número de concessões.

A Lei n.º 3069, de 24 de Abril de 1954 (mais recentemente o Decreto-Lei n.º 45 443, de 16 de Dezembro de 1963) considera de utilidade pública a beneficiação dos terrenos tida como indispensável para garantir a fixação e conservação do solo, dando prioridade às regiões situadas ao sul do Tejo e na orla raiana do Centro e do Norte, onde a erosão é mais intensa, e às bacias hidrográfica.

Distrito de Beja (a)

[ver tabela na imagem]

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Distrito de Évora

[ver tabela na imagem]

Distrito de Portalegre

[ver tabela na imagem]

Distrito de Santarém

[ver tabela na imagem]

Dos números constantes dos quadros anteriores pode concluir-se que nos distritos a que estes se referem, sem dúvida aqueles em que mais reservas de caça há, a área ocupada por estas não ultrapassava, em média, 20 por cento da superfície total do distrito no fim do ano de 1965.

É certo que nesta mesma data estavam pendentes algumas dezenas de requerimentos para obter concessões de caça e também de pesca, mas, no total, os terrenos a que respeitavam somavam apenas 52 275 ha, o que em muito pouco eleva a média acima apontada (71).

Se, pois, se alargar a taxa de reserva para 40 por cento, como se propõe, logo se verá a ampla margem posta à disposição dos actuais e futuros interessados na concessão de reservas de caça(72).

Pensa-se que, desta forma, se conseguirá resolver o problema para um número de anos suficientemente amplo. É possível que, decorrido eles, as circunstâncias imponham alterações ou novas soluções, mas isso será o resultado da evolução que em tudo se manifesta.

Por outro lado, não se crê que a taxa de 40 por cento seja atentatória da liberdade de caçar. As medidas adoptadas pela nova lei, máxime, a da criação artificial de caça e do maior respeito pelo defeso ê processos lícitos de caçar, mercê de um sistema preventivo e punitivo mais adequado, hão-de favorecer uma maior densidade de espécies. De modo que valerá mais caçar numa área reduzida, mas com uma relativa abundância de caça, que caçar numa área mais extensa, mas sem caça ou com muito pouca, como acontece actualmente.

5) «Corredores» ou espaços livres

52. A alínea b) da base XXII determina que serão regulamentados «os espaços de terreno ou «corredores» mínimos, onde seja livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva».

Também em Itália não é permitida a constituição de uma reserva de caça a distância inferior a 500 III de outra ou outras já existentes (artigo 64.º da Lei de Caça).

A razão é a de criar uma certa dispersão que favoreça um melhor repovoamento cinegético, permitindo ao

(71) A afluência de requerimentos tem a sua explicação, em grande parte, na escassez das espécies e na baixa taxa de reserva, pelo que é de prever que, com o repovoamento cinegético e o alargamento daquela taxa, diminua o interesse pelas reservas de caça.

(72) A extensão das reservas de caça em Itália não pode superar um quinto do território efectivamente útil de cada província (artigo 65.º da Lei de 6 de Junho de 1939).

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mesmo tempo caçar livremente nos referidos «corredores», para onde irradiam os animais bravios das reservas.

12 certo que a existência destes «corredores» será por vezes fonte de transgressões, além de que sem eles melhor se realizaria a conservação e o desenvolvimento das espécies nus reservas contíguas. Mas entende-se geralmente, que eles constituem, em certa medida, uma contrapartida indispensável da concessão das reservas em benefício daqueles que só no terreno livre têm possibilidades de caçar (73).

A Câmara, contudo, entende que os corredores sómente se justificam quando a reserva ou conjunto de reservas contíguas sejam superiores a 3000 ha.

6) Prazo da concessão de reservas de caça

53. Estando em causa, sobretudo, o interesse público e não em primeiro lugar o interesse, particular do concessionário da reserva de caça, compreende-se que à concessão seja assinalado um prazo.

O projecto em apreciação fixa um prazo não superior a seis anos.

Poderá objectar-se que este prazo é demasiado curto, uma vez que a constituição de uma reserva de caça exige providências, com despesas por vezes consideráveis, as quais só decorridos alguns anos começam a dar os seus frutos (74).

Não se rega que assim seja, mas, dado que o prazo é sempre prorrogável, desde que o concessionário cumpra as obrigações impostas, pouco importará que o prazo seja de seis, deis ou quinze anos.

Não parece contudo, que haja interesse de maior em obrigar o concessionário a requerer a renovação da concessão, a qual deverá operar-se automaticamente, se não houver oposição da Administração, que poderá ter lugar findo o praso de seis anos ou em momento anterior, no caso de a concessão não funcionar de acordo com as directrizes impostas e as exigências legais.

Bem ao contrário, a obrigação de requerer a renovação da concessão poderia afectar o sentimento de segurança do concessionário escrupuloso no cumprimento dos seus deveres e, Ente a ideia de se lhe afigurar instável e limitado no tempo o seu direito, demovê-lo de levar a efeito os investimentos e outras medidas necessárias ao repovoamento das espécies.

Poderá si ceder que os terrenos de uma reserva de caça sejam transferidos por acto entre vivos ou por morte. Tal facto não deverá acarretar a caducidade da concessão, pois que, SE tem interesse a qualidade da pessoa do concessionário e a sua capacidade financeira e técnica na orientação ia reserva, não têm menor importância, os aspectos objectivos respeitantes à natureza e extensão dos terrenos, e à função de protecção e fomento da caça que a reserva esteja desempenhando.

Por isso se propõe que o caso seja expressamente previsto na lei.

7) Reservas concelhias de caça

54. O projecto de proposta de lei refere várias vezes as reservas de caça exploradas pelas comissões venatórias para lhes conceder protecção, sob alguns aspectos: preferência no deferimento dos pedidos de concessão; isenção da taxa; permissão da cobrança de uma quantia pela autorização de caçar; possibilidade do arrendamento, negada quanto às restantes reservas.

Compreende-se este regime proteccionista, mas parece justificar-se que se vá mais além.

Por isso, entende-se que deverá impor-se expressamente na lei a obrigação de a Direcção-Geral dos Serviços Forestais e Aquícolas estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.

E supõe-se ser de grande alcance estabelecer que em tais reservas sómente seja lícito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-lhes preferência para o exercício da caça em condições a fixar.

Com a criação de reservas deste género ir-se-á despertar em muitos caçadores, inimigos das reservas de caça ou incrédulos quanto às suas vantagens, a compreensão por elas, primeiro passo para a sua expansão.

Com efeito, quando o caçador verificar que lhe é possível, numa dessas reservas, satisfazer o seu entusiasmo, com a certeza de matar num dia alguns exemplares de caça, mediante o pagamento de uma pequena quantia, a fixar de harmonia com as suas possibilidades económicas, lembrando-se ainda de que essa reserva lhe «pertence», na medida em que lhe está destinada, bem como aos restantes caçadores residentes no mesmo concelho, sentirá necessariamente a utilidade da reserva e então vê-la-á com compreensão e carinho.

Pensa-se com grande convicção que a estas reservas concelhias de caça está destinado um relevante papel na conservação e fomento da caça, sobretudo nas regiões onde predomina a pequena propriedade, pois aí há naturalmente maiores dificuldades na sua constituição, ao mesmo tempo que servirão para modificar a mentalidade de muitas pessoas que actualmente se recusam a aceitar os benefícios das reservas de caça em geral.

E se se atentar em que as reservas concelhias de caça a todos servem, mesmo aos caçadores de mais modestos recursos económicos, concluir-se-á também sobre os seus salutares efeitos de ordem social (73).

E ainda outras vantagens poderão advir de tais reservas, entre elas a da educação cinegética dos caçadores.

A propósito destas reservas concelhias, terá interesse aludir às associações comunais e intercomunais de caça organizadas em França pela Lei n.º 64-696, de 10 de Julho de 1964, a que este parecer já fez referência.

Não coincidem certamente na sua organização com as reservas concelhias de que se vem falando, mas aproximam-se delas quanto às suas finalidades e às razões que as determinaram.

Assim, «as associações comunais ou intercomunais de caça têm por fim favorecer sobre o seu território o desenvolvimento da caça e a destruição dos animais nocivos, a repressão do furtivismo, a educação cinegética dos seus membros no respeito pela propriedade e pelos seus frutos e, em geral, assegurar uma melhor organização técnica

(78) O citado artigo 64.º da lei italiana contém uma providência destinada a favorecer os caçadores que não têm meios de se deslocai a grandes distâncias, a qual consiste em deixar-se livre para caçar uma faixa de terreno com a profundidade mínima de 15 km em volta das cidades capitais de províncias.

(74) A Lei da Pesca fixa um prazo não superior a dez anos, prorrogável, para as concessões de pesca (artigo 6.º).

Na Itália as concessões de reserva de caça são por prazo não superior a quinze anos, prorrogável (artigo 51.º da citada Lei de Caça).

(76) Nada impede, mas tudo aconselha até, que as câmaras municipais constituam reservas de caça com a mesma finalidade nos terrenos sob a sua administração, para o que deverá contribuir o Fundo Especial da Caça e Pesca, sempre que necessário, visto que lhe compete, de maneira geral, suportar os encargos com quaisquer providências adequadas ao fomento e protecção da caça.

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da caça a fim de permitir aos caçadores um melhor exercício deste desporto» (artigo 1.º).

Quanto às razões que levaram à criação das referidas associações, lê-se no relatório do Senado Francês que lhes respeita: «A licença anual não confere ao seu titular nem o direito de caça (atributo do direito de propriedade) nem o direito de dispor de espécies cinegéticas que quase desapareceram. A criação de sociedades comunais fará desaparecer esta espécie de logro; ela dará aos seus membros um direito de caça efectivo sobre os terrenos das sociedades comunais e a possibilidade de ter caça à sua disposição, graças à organização racional da sociedade e a um repovoamento efectivo e eficaz das espécies».

A importância atribuída a estas associações de caça é tal que os proprietários de terrenos com área inferior a 20 ha podem ser compelidos a entrar com eles para a associação comunal, adquirindo, em contrapartida, o direito de caçar em todos os terrenos da associação (artigos 3.º e 4.º da citada lei).

8) Arrendamento de reservas de caça

55. Eis-nos chegado a um outro ponto importante do regime das reservas de caça. O n.º 1 da base XXIX do projecto em estudo dispõe:

As autorizações de constituição de reservas de caça são inseparáveis dos terrenos a que respeitam, não podendo os respectivos direitos ser cedidos por qualquer fornia, independentemente da propriedade dos terrenos.

Isto significa justamente que se pretendeu proibir o arrendamento das reservas de caça, com uma única excepção: quando se trata de «cedência de reservas a favor de comissões venatórias» (n.º 3 da citada base).

A razão desta orientação deve assentar na seguinte ordem de considerações.

Por um lado, o arrendamento poderá frustrar a função da reserva, uma vez que o arrendatário, movido pelo seu interesse próprio, será levado a caçar o mais possível, atingindo o próprio capital cinegético.

Por outro, poderá repugnar que o titular da reserva, através de uma concessão que em certa medida constitui um privilégio gratuitamente cedido, vá auferir benefícios de ordem material, por vezes elevados.

Não há dúvida de que estas considerações, que se crê terem determinado a proibição dos arrendamentos, são de ponderar atentamente, porque encerram uma grande parcela de verdade.

Desta sorte, a defesa da solução a favor do arrendamento só será possível, se se instituir um regime que evite os apontados inconvenientes e houver fortes razões de ordem jurídica, económica e prática que o justifiquem.

Comecemos por este último aspecto.

Não se desconhece certamente que uma das características do direito moderno é o da mais ampla liberdade negociai. Com efeito, «cumpre salvaguardar, .quanto possível, a liberdade contratual, que só deve ser limitada até onde o impuserem as exigências supremas do bem comum e da justiça» (76).

Por outro lado, o arrendamento de reservas de caça possibilita o aproveitamento de uma parcela de rendimento justamente naqueles casos em que «os proprietários não possuem capital suficiente, ou não têm capacidade técnica ou jurídica para a direcção de uma empresa agrícola, ou que são obrigados a dedicar-se a outras actividades», razões estas que podem ser invocadas - e já o foram (77) - para justificar o próprio contrato de arrendamento rústico.

Não se pense, na verdade, que a exploração de uma reserva de caça é assim coisa tão simples.

E, se se pretende valorizar as terras através da caça, aumentando a sua rendabilidade, então impõe-se reconhecer o arrendamento, único meio, em muitos casos, como os atrás apontados, de tornar viável o aproveitamento da riqueza cinegética.

Relativamente à objecção de que a concessão da reserva constitui um privilégio que não deve ser negociável, algo de importante é possível responder.

Antes de mais, o Estado não faz a concessão com os olhos postos no interesse particular do concessionário, mas com vista à satisfação do interesse geral da conservação e fomento das espécies. Assim, o concessionário, desde logo, e na medida em que cumprir as obrigações que lhe foram impostas, não usufrui apenas egoisticamente um certo direito, mas realiza simultaneamente uma finalidade de interesse público.

Depois, está fora das realidades quem pense que a reserva de caça só traz benefícios, e não também encargos.

Pois, na verdade, há que delimitar e sinalizar a propriedade, manter e sustentar a fiscalização, pagar a taxa anual, renunciar a certas formas de exploração agrícola (gado porcino, por exemplo) em algumas áreas, pelo menos, custear os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento a efectuar na reserva, contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento dos terrenos onde é livre o direito de caçar, para falar sómente nas obrigações e encargos principais.

Sendo assim, o arrendamento será uma forma de compensar tais encargos.

Quanto à objecção de que o arrendamento poderá frustrar a função da reserva pela actuação dos arrendatários, interessados em explorar o mais possível aquela, ela procede, pois, se muitos arrendatários são conscienciosos, muitos outros não o são.

Mas a dificuldade poderá ser arredada se for possível conseguir uma disciplina para o arrendamento de modo a desencorajar os arrendatários pouco escrupulosos.

E esta Câmara crê que isso é possível.

Para tanto, deverá determinar-se que, para o caso da não renovação do contrato de arrendamento, possam estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato, pois será nele, especialmente, que incidirá a actuação prejudicial daqueles arrendatários.

Além disso, a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, deverá ter a faculdade de fazer cessar o arrendamento mediante simples notificação ao arrendatário, que não deve ter direito a qualquer indemnização, no caso de comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies (78).

Por outro lado, o arrendamento deverá ser levado ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, a fim de que esta possa apreciar a idoneidade dos arrenda-

(77) Cf. o já referido parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara

(78) «Revisão do Código Civil Português», conferência pronunciada pelo Prof. Galvão Teles na Universidade de Múrcia, 195(5, parte final Corporativa, VII Legislatura, vol. l, p.

(79) Esta faculdade compreende-se inteiramente, em nome do interesse público. Assim como pode revogar-se a concessão, também poderá evidentemente fazer-se cessar o arrendamento.

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tários e exercer o devido controle, inclusivamente para o efeito do pagamento da taxa prevista no n.º 3.º da base XXXVII (79).

Deverá ainda fazer-se depender a validade do contrato de documento escrito, que facilita a prova do mesmo e permite à Administração conhecer o arrendatário e apreciar os termos do contrato (80).

Afigura-se ainda conveniente estabelecer um prazo mínimo para o arrendamento. Colhem aqui, e com a devida adaptação em certa medida, as razões que impõem um prazo mínimo de duração para o contrato de arrendamento da propriedade rústica: procurar que o «rendeiro, gozando de maior estabilidade, se sinta estimulado a explorar a terra mais racionalmente e a benfeitorizá-la - pois saberá te r tempo para colher ele próprio os benefícios desse dispêndio de dinheiro ou trabalho».

«A preocupação principal do legislador deve, ser a de estimular a boa gestão económica da coisa e o seu melhoramento, paia que ela se valorize e produza mais, com proveito de ambas as partes e da economia nacional (8I)»

A duração do arrendamento de uma reserva de caça deve, pois, ser suficientemente ampla, a fim de preservar a integridade desta e a função que lhe compete de protecção e fomento da caça. Neste sentido, propõe-se o prazo de três anos.

A violação das obrigações de comunicar a celebração do contrato de arrendamento à entidade competente superior e de o reduzir a escrito ou de observar o prazo mínimo de duração deverá acarretar sanções. A mais adequada parece ser a aplicação de uma multa, não inferior a 50 000$, por via administrativa, paralelamente ao que sucede quando o concessionário não cumpre as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão (base XXXI, n .º 2.º, in fine).

Eis um conjunto de providências que atenuarão em medida apreciável os alegados inconvenientes do arrendamento de reservas de caça, não havendo, por isso, motivos bastantes para o proibir (82).

De resto, a proibição legal não impediria os arrendamentos clandestinos, com todas as desvantagens que eles comportam.

56. Será de permitir o subarrendamento de uma reserva de caça?

A resposta deverá ser afirmativa, se ele desempenhar uma função útil e necessária.

Ora, afigura-se que não é o caso.

Com efeito, do subarrendamento de uma reserva de caça poderá dizer-se o que se diz em relação ao subarrendamento da propriedade rústica: «um processo de criar uma classe de intermediários puramente parasitária, vivendo à custa do senhorio e do inquilino, e sem nenhum benefício social.» (83)

Mas já coisa diferente poderá entender-se quanto à cessão do direito ao arrendamento, que é, na verdade, uma figura jurídica distinta do subarrendamento.

Na cessão há uma transferência de direitos; o arrendatário deixa de figurar na relação jurídica, desaparece, sendo substituído pelo cessionário, que entra na posição jurídica do primitivo locatário. Na sublocação, pelo contrário, o arrendatário mantém-se; não cede o seu direito; não se deixa substituir; continua a ser, perante o senhorio, o único contraente. Na sublocação subsistem, pois, dois contratos de arrendamento, sendo o primeiro arrendatário senhorio em relação ao segundo, não se criando quaisquer laços jurídicos entre o verdadeiro senhorio e o segundo arrendatário.

A sublocação dá lugar a uma classe parasitária, mas não a cessão do direito ao arrendamento, visto, neste caso, o arrendatário demitir de si todos os seus direitos contratuais, que são transmitidos ao novo arrendatário.

Pode haver em certos casos especulação, tratando-se de uma cedência onerosa. Mas essa especulação não é, de per si, razão bastante para se proibir o negócio. A doutrina francesa, muito sensatamente, e reagindo contra a sua própria lei, aparentemente clara, tende a aproximar esta cessão do traspasse de um estabelecimento comercial. Em ambos os casos se considera de justiça que o arrendatário beneficie da mais valia que resulta da sua própria actividade. Não importa que seja um estabelecimento ou seja uma exploração agrícola. Se, findo o contrato, neste último caso, há direito a uma indemnização por benfeitorias, deve poder o arrendatário traspassar os seus direitos onerosamente.

Claro que deve exigir-se sempre o consentimento do senhorio. Não se lhe pode impor um arrendatário que lhe não agrada, um cultivador indesejável (84).

Ora estas considerações servem igualmente, com as devidas adaptações, quanto à cessão do direito ao arrendamento de uma reserva de caça, e justamente para o efeito de justificar a sua admissibilidade.

E também, neste caso, deverá exigir-se, além da comunicação da cessão à Secretaria de Estado da Agricultura, o consentimento do titular da reserva, por não ser indiferente a pessoa do cessionário, as suas qualidades pessoais e a sua aptidão técnica e financeira para a gestão da reserva.

57. Tem-se vindo a falar do arrendamendo de reservas de caça.

Será, porém, rigoroso, sob o aspecto jurídico, dizer-se que há aqui um contrato de arrendamento?

Segundo Gigolini, «trata-se de um negócio jurídico através do qual o concessionário locador se obriga a fazer gozar uma reserva, isto é, um complexo de terrenos reservados ao exercício exclusivo da caça, em favor do titular da concessão e mediante o pagamento de um preço.

(79) Em Itália o arrendamento depende de autorização do Ministro da Agricultura e exige-se igualmente documento escrito.

(*º) O arrer damento não retira ao concessionário a qualidade de titular da reserva. Ele continuará a responder perante o Estado conced:nte pelo cumprimento das obrigações, pois não cedeu o seu d reito, mas simplesmente o arrendou. Ó arrendatário, por sua vez, terá as suas relações com o respectivo concessionário loc.idor, estas de natureza privatística.

(81) Citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p. 392).

Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos, com excepção dos arrendamentos familiares (bases III e XXIII da Lei n.º 2114, de 15 de Junho de 1962).

(82) A proibição seria também largamente prejudicial à exploração turística da caça na qual muitos depositam as melhores esperanças.

(83) Cf. o citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento rústico (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p. 486).

(84) Citado parecer da Câmara Corporativa (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p. 489).

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Trata-se de um contrato que, não obstante as características próprias resultantes da sua particular finalidade, se aproxima substancialmente do contrato de locação de imóveis rústicos.

O objecto do contrato são os terrenos. Poderá objectar-se que o exercício da caça conferido ao arrendatário tem por objecto os animais bravios, os quais não são considerados frutos do terreno reservado, mas constituem res nullius, que passam à propriedade do primeiro ocupante.

Tal objecção é exacta, mas não poderá esquecer-se que para exercer a caça é necessário ter o gozo do terreno no qual vivem os animais bravios, introduzindo-se nele, percorrendo-o e adaptando-o, se necessário, às necessidades da caça, de modo que o exercício da caça está ligado Intimamente ao terreno. Assim, o arrendatário da reserva deve ter o gozo e posse do terreno reservado, ainda que sómente para o fim de exercer a caça. Trata-se de um uso limitado, é certo, mas sempre implica o gozo de terrenos alheios.

Ao argumento de que o objecto do arrendamento não são os terrenos, mas a reserva, deverá responder-se que esta não é outra coisa senão um complexo de terrenos reservados para caça em benefício do titular da reserva» (85).

A estes contratos de caça já esta Câmara teve ocasião de se referir ao apreciar o projecto de proposta de lei sobre o arrendamento da propriedade rústica.

Escreveu-se então:

A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.

O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.

Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento do prédio, sobretudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.

Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas (86).

Ao tratar do objecto do arrendamento e do aluguer, referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela:

Apesar de a lei falar sómente em coisas móveis e imóveis, parece, pelo menos em certos casos, que também os direitos sobre essas coisas podem ser objecto de aluguer ou de arrendamento. Está, por exemplo, nestes casos, o traspasse do direito de caçar num certo couto; o traspasse do direito de colher durante certo tempo a cortiça produzida numa herdade, mediante uma retribuição certa. Dever-se-ia falar, portanto, em coisas mobiliárias e imobiliárias (87)

Em suma: de tudo o que fica exposto, afigura-se lícito falar de arrendamento de uma reserva de caça, conquanto devam ter-se sempre presentes as particularidades próprias (88).

58. Atendendo a todas as considerações atrás feitas sobre a matéria relativa ao regime das reservas particulares de caça, sugere-se que as bases do projecto de proposta de lei que lhe respeitam sejam substituídas por estas outras, além da base XXVI, já proposta (n.º 46):

BASE XXVII

1. Poderão requerer a concessão de reservas ou coutadas de caça:

a) O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o consentimento daqueles, individualmente ou em grupo;

b) As comissões venatôrias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior;

c) As associações de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento;

d) As câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, e os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base V da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b).

2. Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.

3. Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § 1.º do artigo 42.º do Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos de feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

1. Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem:

a) Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético;

b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal;

(82) Citado parecer da Câmara Corporativa (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p. 376).

(83) Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, p. 546 (6.ª edição).

(84) No contrato de arrendamento de prédios rústicos poderá pôr-se o problema de saber se o gozo do prédio inclui o direito de caça

Claro que, se não há reserva constituída, o problema não se põe, visto que, sendo a caca res nullius, o arrendatário pode, como qualquer outro cidadão, exercer o direito de caça nos terrenos arrendados.

Se há reserva de caça constituída, o problema é de interpretação da vontade das partes, a resolver em face do contrato ou dos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704.º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário pode servir-se do prédio «tão-somente para uso convencionado ou conforme com a sua natureza», nos termos do Decreto n.º 5411, artigo 22.º, n.º 3 [cf. o citado parecer da Câmara Corporativa, 55, e Carrara, I Coutratti Agrari. 277 (4.ª edição)].

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c) Aos pedidos que respeitem a terrenos submetidos a regime florestal de simples policia, para os quais se mostre executado ou em execução o respectivo plano de arborização, tratamento e exploração;

d) Aos pedidos apresentados pelas comissões venatórias;

e) Aos pedidos feitos por quem se proponha instalar postos de criação artificial de caça;

f) Aos pedidos apresentados conjuntamente pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e por associações de caçadores, legalmente constituídas, que se encarreguem de administrar e explorar a reserva.

2. Em igualdade de condições previstas no n.º l, ou na tua falta, será dada preferência:

a) Aos interessados que não beneficiem ainda de reservas de caça, ou, se todos já delas beneficiarem, aos que disponham de menores áreas em tal regime;

b) Aos pedidos primeiramente formulados.

3. O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, da qual as respectivas reserva.; de caça ficam a depender nos aspectos ligados à exploração turística.

4. Os pedidos de concessão de reserva de caça serão detidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

BASE XXIX

1. Compete ao Governo, por meio de portaria, a concessão de reservas de caça, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas;

2. Na apreciação do pedido de concessão de reservas de caça atender-se-á não só à idoneidade moral do requerente como às suas possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que terá de assumi.

3. Não poderá conceder-se a reserva quando os terreno.- não revestirem as condições indispensáveis à função de protecção c desenvolvimento das espécies.

BASE XXX

1. A área sujeita ao regime de reserva de caça poderá variar de concelho para concelho, e será fixada em portaria, conforme a sua extensão e características, designadamente a inaptidão dos terrenos para a explorarão agrícola ou florestal, a densidade da população e as condições de desenvolvimento das espécies, não podendo, porém, exceder 40 por cento do respectivo território.

2. As áreas máxima e mínima de cada reserva de caça o conjunto de reservas de caça serão fixadas em regulamento, tendo em atenção as características dos terrenos, assim como a sua afectação à explorarão para fins turísticos ou à caça maior.

3. Os espaços de terreno ou «corredores» mínimos, onde seja livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva, serão igualmente fixados em regulamento, desde que a área da reserva ou conjunto de reservas contíguas seja superior a 3000 ha.

BASE XXXI

1. As reservas de caça serão concedidas por prazo não superior a seis anos, prorrogável, por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do que se estabelece no número seguinte.

2. Mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, poderá em qualquer altura ser declarada extinta a concessão de reserva de caça ou reduzida a sua área nos terrenos em que case regime se torne inconveniente para o interesse público, ou em que não sejam cumpridas as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão; no caso deste incumprimento, pode optar-se por uma multa até 50 000$, a impor administrativamente, ouvido o interessado.

3. Se o regime de reserva de caça tiver sido requerido pelo usufrutuário dos terrenos, sem intervenção do respectivo proprietário, caducará a concessão com a extinção do usufruto, desde que o proprietário não requeira a sua renovação.

4. A transmissão dos terrenos por acto entre vivos ou por morte não envolve a caducidade da respectiva concessão de reserva de caça.

BASE XXXII

O concessionário de uma reserva de caça é obrigado:

a) A pagar uma taxa anual;

b) A delimitar e sinalizar a respectiva área;

c) A cumprir o regulamento da Administração e exploração da reserva e as condições que tenham sido fixadas na concessão;

d) A manter a fiscalização permanente da reserva;

e) A executar os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento;

f) A contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento cinegético dos terrenos onde é livre o direito de caçar.

BASE XXXIII

1. As taxas anuais a pagar pelas reservas de caça serão progressivas e fixadas em junção das respectivas arcas, considerando-se, para a determinação do escalão aplicável, a superfície total das reservas pertencentes à mesma pessoa.

2. Para as reservas destinadas à caça maior poderá estabelecer-se um regime especial de taxas menos oneroso.

3. Ficam isentas de pagamento da taxa as reservas exploradas pelas comissões venatórias e pelas entidades referidas na alínea d) do n.º 1 da base XXVII, as que beneficiem da declaração de interesse turístico, e bem assim, durante os cinco primeiros anos, aquelas que resultem da associação de vários proprietários ou usufrutários, enfiteutas ou arrendatários de terrenos nas regiões onde predomina a pequena propriedade.

4. A requerimento dos interessados e com parecer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pode o Governo conceder em cada ano redução da taxa, até 50 por cento, para as reservas em que tal se justifique, pelos resultados obtidos no fomento das espécies cinegéticas, designadamente por meio de medidas de protecção e de repovoamento naturais ou artificiais.

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BASE XXXIV

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.

2. Poderá estabelecer-se que em tais reservas sómente seja licito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-se-lhes preferência para o exercício da caça nas condições que forem fixadas.

BASE XXXV

Pode ser fixado, em função da densidade das espécies das respectivas áreas, o número máximo de exemplares de certa ou certas espécies que em cada época venatória é permitido abater nas reservas de caça.

BASE XXXVI

1. Nas reservas exploradas pelas comissões venatórias poderão estas, quando autorizadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cobrar uma quantia, dentro dos limites fixados em regulamento, pela concessão de autorização para caçar na respectiva área.

2. Nas reservas que beneficiem da declaração de interesse turístico é concedida igual faculdade à entidade exploradora, de harmonia com o que for estabelecido pela Presidência do Conselho.

BASE XXXVII

1. O arrendamento de uma reserva de caça terá de ser comunicado à Secretaria de Estado da Agricultura pelo concessionário locador dentro de um mês, a contar da celebração do contrato, e só é válido se constar de documento escrito.

2. O prazo de arrendamento não poderá ser inferior a três anos.

3. Pelo arrendamento pagará o concessionário locador a taxa de 5 por cento do preço convencionado.

4. A violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 desta base acarretará a aplicação da multa prevista no n.º 2 da base XXXI, que será fixada em função da renda.

BASE XXXVIII

1. Para o caso da não renovação do contrato de arrendamento da reserva de caça poderão estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato.

2. O concessionário locador continua a ser o titular da concessão da reserva de caça, respondendo pelo cumprimento das obrigações que, em tal qualidade, lhe são impostas.

3. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, poderá fazer cessar o arrendamento, mediante simples notificação ao arrendatário, no caso de este comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies, o qual não terá, por esse facto, direito a qualquer indemnização. * BASE XXXIX

1. É proibido o subarrendamento das reservas de caça.

2. A cessão de direito ao arrendamento é permitida com o consentimento do concessionário locador, devendo a arrendatário levá-la ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, nos termos do n.º 1 da base XXXVII.

3. A infracção do disposto no n.º l, bem como a falta do consentimento e da comunicação referidos no n.º 2, sujeitam o arrendatário à multa a que se refere o n.º 4 da base XXXVII.

§ 4.º Reservas zoológicas e zonas de protecção

59. Com um fim mais acentuado de protecção e fomento das espécies cinegéticas, o projecto em estudo prevê a constituição de reservas zoológicas e zonas de protecção.

Às reservas zoológicas preside primacialmente uma finalidade científica, proibindo-se nos respectivos terrenos quaisquer actividades que perturbem o desenvolvimento da fauna e da flora ou alterem o meio ambiente e natural das suas espécies. A protecção à fauna e à flora é, pois, integral.

Nas zonas de protecção encara-se, sobretudo, a defesa e fomento das espécies, mas não se proíbe em absoluto a caça nem outras actividades.

O pensamento parece ter sido - e, se não o foi, afigura-se que se justifica que se adopte agora - o de prever a criação de reservas integrais e reservas parciais de caça (89), e, por isso, se sugere a seguinte redacção para a base que trata da matéria:

BASE XL

1. O Governo deverá, ouvido o Conselho Nacional da Caça, constituir em terrenos do Estado ou de outras entidades, ou autorizar que se constituam noutros terrenos, com o consentimento dos respectivos proprietários, reservas zoológicas e zonas de protecção, cujo regime será o estabelecido em regulamento.

2. Nas reservas zoológicas ou reservas integrais de caça são inteiramente proibidas, não só a caça de qualquer espécie, como também a prática de actividades que possam perturbar o desenvolvimento da flora e da fauna da área ou alterar o meio ambiente e natural das suas espécies.

3. Nas zonas de protecção ou reservas parciais de caça são proibidas, além da caça de determinada ou determinadas espécies, as actividades que prejudiquem o seu desenvolvimento.

§ 5.º Criação artificial de caça

60. A base XXXI do projecto do Governo prevê a instalação de postos de reprodução. artificial de caça (mais exacto será falar em postos de criação artificial de caça) destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial.

Acontece que há já entre nós em funcionamento postos desta natureza, com o que se prova uma vez mais que as realidades frequentemente se antecipam à sua consagração legal.

Nesta providência está certamente um importante factor do fomento cinegético do País. As espécies assim criadas, em quantidades que é possível controlar, irão repovoar as regiões carecidas de caça. E como os fundos destinados a suportar os encargos com o fomento das espécies aumentarão substancialmente, em resultado, especialmente, da elevação das taxas das licenças de caça, não haverá obstáculos do ponto de vista financeiro.

(89) Os chamados «parques nacionais de caça» poderão incluir-se na designação genérica de zonas de protecção ou reservas parciais.

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Por sua vez, a exploração industrial dos referidos postos pode te* também uma influência favorável à protecção da caça, uma vez que engrossará os mercados e, nessa medida, fará diminuir a procura junto dos caçadores que se dedicam à caça com fim lucrativo, que, assim, terão de vender a preços mais baixos a caça abatida, o que lhes reduzir í o interesse pela sua actividade lucrativa.

Nesta matéria da criação artificial da caça, afigura-se que as entidades oficiais deverão dar o exemplo e o estímulo, e, por isso, se sugere que a lei ponha a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a obrigação d 3 instalar ou de promover a instalação de um ou ma s postos de criação, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.

E, salva esta sugestão, parece nada haver a objectar às bases do projecto, as quais também isentam, por motivos compreensíveis, os postos de reprodução com o objectivo exclusivo de fomento cinegético de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dez anos do seu funcionamento, isenção susceptível de ser prorrogada.

Pelo exposto, as bases em referência ficariam assim redigidas:

BASE XLI

1. Poderão ser instalados postos de criação artificial de caça, destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial.

2. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas deverá promover a instalação de um ou mais postos a e criação artificial de caça, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.

3. A instalação dos postos depende de autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os aspectos sanitários.

4. Os referidos organismos exercerão, respectivamente, a fiscalização dos postos e a sua inspecção sanitária.

BASE XLII

1. Os postos de criação com objectivo exclusivo de fomento cinegético estão isentos de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dês anos do respectivo funcionamento.

2. Decorrido este prazo, poderá a isenção ser prorrogada pelo Governo, pelo período que for fixado.

§ 6.º Comércio da caça

61. As bases XXXIII a XXXV referem-se ao comércio e transporte da caça.

Pensa-se que o regime desta matéria deve ir para regulamente (assim é em França - Godé Rural, artigo 372), sem prejuízo de se fixarem na lei alguns princípios essenciais, como o da proibição da venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso (90), com as excepções que ele deve comportar: exemplares contidos em conservas ou frigoríficos industriais, com selagem obrigatória neste último caso.

Um outro ponto essencial é o da selagem da caça, que abrange tanto as espécies abatidas como as criadas nos postos de reprodução com fins industriais.

Ela tem em vista evitar que seja iludida a proibição de caçar no defeso, pois que a caça que for abatida neste período não poderá ser selada, e daí que não possa ser vendida ou transportada.

Por outro lado, a selagem importará o pagamento de uma taxa, que reverterá para o Fundo Especial da Caça e Pesca.

No aspecto prático não haverá dificuldades irremovíveis quanto à selagem: os que se dedicam à compra de caça para revenda encarregar-se-ão certamente de a selar.

É certo que alguma caça escapará à selagem - aquela que não vai para os mercados, hotéis ou pensões, sobretudo -, mas isso não poderá evitar-se, além de que não deve ser motivo de preocupação, pela sua reduzida quantidade.

62. A base XXXIII proíbe a venda da caça a todos os que não sejam caçadores "profissionais", comerciantes e industriais de caça ou não explorem hotéis, restaurantes e estabelecimentos similares, com excepção dos exemplares criados em postos de reprodução industrial.

Crê-se que não se justifica tal proibição. Ela conduziria até a valorizar a actividade do caçador "profissional" por forma especial, dado que só a eles seria lícito abater caça para vender, e já por mais de uma vez neste parecer se salientou a necessidade de criar restrições àquela actividade, por ser perniciosa à protecção das espécies nos tempos de hoje em que tanto escasseiam.

Depois, impedir-se-ia a venda de caça por parte dos titulares de reservas de caça, aos quais se justifica permitir que lancem mão deste meio para se ressarcirem, ao menos, em parte, das despesas que a constituição e o funcionamento de uma reserva importam.

E só assim (excluindo o processo do arrendamento) é possível que. as terras proporcionem, através da caça, uma rendabilidade, que, como já foi posto em relevo neste parecer, não poderá desprezar-se, e, bem ao contrário, importa aproveitar em nome do interesse individual e colectivo.

Por isso, entende-se que deve ser eliminada a base em apreciação, e, de harmonia com o exposto, propõem-se as seguintes bases:

BASE XLIII

1. Constará de regulamento o regime relativo ao comércio e transporte das espécies cinegéticas, designadamente a fixação da data do inicio da sua venda ao público e a obrigatoriedade da sua selagem, com pagamento de taxa, assim como a proibição de venda de exemplares de todas ou de algumas espécies.

2. E proibida a venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso.

3. Exceptuam-se desta proibição os exemplares em conserva ou contidos em frigoríficos industriais e bem assim os criados nos postos de reprodução artificial, devendo, nos dois últimos casos, ser devidamente selados.

BASE XLIV (91)

1. O Governo poderá proibir ou limitar a exportação de caça sempre que tal se mostre necessário, bem como proibir a importação de exemplares vi-

(29) Também a Lei n.º 2097 sobre pesca proíbe, sob pena de prisão e multa, a venda, aquisição e simples exposição ao público de peixe fresco durante a época do respectivo defeso (base XXIII).

(91) Esta base é igual à base XXXV do projecto, à qual nada há a opor.

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voa de quaisquer espécies cinegéticas que sejam inconvenientes.

2. Não poderá ser feita a importação de nenhum exemplar vivo sem prévia autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas.

§ 7.º Responsabilidade penal

1) Sanções. Sua gravidade. Modalidades

63. Ao tratar da responsabilidade penal no domínio da caça, cuida-se essencialmente daquela que deriva das infracções à disciplina da caça.

Do exercício desta podem resultar danos nas pessoas ou no património de terceiros, susceptíveis de gerar responsabilidade criminal, mas desta não interessa tratar aqui (com a excepção que adiante se referirá), visto que lhe são aplicáveis as disposições da lei geral (homicídio, ofensas corporais, danos).

Quanto à gravidade das sanções que hão-de corresponder às referidas infracções, importa considerar o valor dos interesses em causa e confrontá-los com os outros valores ou bens jurídicos tutelados pela lei penal geral ou por leis penais especiais, sobretudo as que disciplinam matérias paralelas ou afins, como é o caso da pesca. Na verdade, não pode esquecer-se a necessidade de manter a uniformidade de critério que deve dominar todo o sistema jurídico-penal.

Por outro lado, pode haver circunstâncias que imponham uma repressão mais severa, em face de um mais intenso desrespeito pelos interesses a proteger.

Ora, se o interesse da caça não ocupa, como indubitavelmente não ocupa, uma posição de relevo na hierarquia dos interesses ou bens tutelados pela ordem jurídico-penal, em todo o caso a caça tem um valor desportivo e económico que importa acautelar adequadamente. Tanto mais quanto é certo que se tem vivido numa situação de quase impunidade, pela escassez da fiscalização e pela ineficácia do sistema punitivo, demasiado frouxo e inadequado.

É justamente a ponderação dos aspectos referidos que permitirá encontrar a conveniente moldura .penal para as sanções em causa.

64. Afigura-se que as sanções mais adequadas são:

a) Pena de prisão até seis meses;

6) Pena de multa até 10000$;

c) Interdição do direito de caçar.

A base XL do projecto em apreciação estabelece a pena de prisão até três meses e a multa até 5000$, o que parece ficar aquém do necessário (w). Não se esqueça que a Lei da Pesca prevê a aplicação de uma pena de prisão até dois anos e de multa até 50000$ (base XVIII), o que determina a forma de processo correccional, com pronúncia do arguido e prisão do mesmo até julgamento, a não ser que preste caução.

Diversamente, as penas que se sugerem determinam simples processo de polícia correccional.

Relativamente à interdição do direito de caçar, trata-se de uma providência em cuja eficácia é lícito depositar fundadas esperanças.

A interdição pode ser temporária, de um a cinco anos (23), ou definitiva.

Aquela será fixada pelo tribunal entre os referidos limites, tendo em atenção certamente o facto praticado e a personalidade do infractor, não devendo estabelecer-se restrições ao critério do julgador a fim de que lhe seja possível individualizar adequadamente a sanção (04).

A interdição definitiva, que constitui uma medida extrema, só deverá ter lugar em casos graves, em casos de plurirreincidência por delitos de acentuada gravidade. É exactamente o caso de o infractor haver sido já condenado duas vezes por caçar em época de defeso ou por processos proibidos, condenações que envolvem sempre a interdição temporária, e voltar a cometer uma dessas infracções.

A lei italiana estabelece a interdição definitiva sempre que se tenham verificado já duas ou mais condenações por violação da mesma lei (artigo 79.º), o que, porém, parece exagerado, visto que as infracções correspondentes podem não revestir acentuada gravidade.

O projecto em estudo permite a interdição definitiva logo após uma só condenação, com interdição temporária (n.º 4 da base XLI), o que também se afigura exagerado. Não se esqueça que as sanções muito rigorosas, além do mais, podem ter o efeito de estimular o julgador a absolver, impressionado pela sua injustiça no caso concreto.

Como consequência da condenação, prevê-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções (o projecto em estudo fala apenas em instrumentos - n.º 3 da base XL) (95).

A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da própria espingarda, objecto não só valioso, em muitos casos, como de estimação especial, em muitos outros (veio de um antepassado, ou de um amigo, por exemplo): e envolve ainda a perda do veículo que serviu à prática da infracção, pois não raro se utilizam veículos motorizados para apanhar caça ilicitamente, sobretudo, de noite.

Quer num caso, quer noutro, trata-se de medidas pesadas, susceptíveis de fazer reflectir os que se achem tentados a transgredir a lei, e, por isso, de grande eficácia preventiva.

A perda dos instrumentos da infracção não deverá ter lugar quando pertencerem, não ao infractor, mas a terceiro, e sejam utilizados contra a vontade ou desconhecimento deste, e sem que da infracção haja tirado vantagens.

Ë., aliás, o que se harmoniza com o pensamento que resulta do disposto no n.º 1.º do artigo 75.º do Código Penal e, mais precisamente, com o disposto no artigo 102.º do projecto da parte geral do novo Código Penal.

Parece conveniente indicar na lei algumas circunstâncias que nas infracções à lei da caça agravam por forma acentuada a culpabilidade do infractor: o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, o ter lugar de noite, em reservas ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas de protecção, bem como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.

É certo que algumas das circunstâncias apontadas estão previstas no Código Penal em vigor (artigo 34.º, n.ºs 10.º, 13.º e 19.º), mas elas assumem no domínio da caça, como se disse, relevo especial, além de que o novo Código Penal não seguirá o critério de enumerar as cir-

(22) Pelo Código da Caça em vigor a prisão vai até dois mezes e a multa abe 800$ (§ único do artigo 11.º do Decreto-Lei 23 460).

(23) O projecto da parte geral do novo Código Penal estabelece igualmente o prazo de um a cinco anos para a interdição de profissão, mister, indústria ou comércio (artigo 180.º).

(94) A base XLI do projecto em apreciação não se integra neste pensamento, sendo excessivamente casuística.

(95) Esta previsão na lei é indispensável, tratando-se de contravenção, dado o disposto no § único do artigo 486.º do Código Penal:

A perda dos objectos e instrumentos, apreendidos em contravenção, só pode ser pronunciada quando a lei especialmente o decretar.

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cunstâncias, quer as agravantes, quer as atenuantes (cf. o artigo 86.º do referido projecto da parte geral, cuja orientação foi já aprovada pela comissão revisora, na sua 26.º sessão).

Aliás, tamDém na Lei da Pesca se indicaram agravantes C96).

2) Infracções mais Importantes

65. Embota a maior parte das infracções à disciplina da caça deva ter assento em regulamento, justifica-se que, pela sua maior relevância, a lei contemple a infracção que consiste na caça em época de defeso ou por processos proibidos.

Tão atentatória da conservação e fomento das espécies ela é, que leis antigas a puniam com a maior severidade. Entre elas d stingue-se a Lei de 1 de Julho de 1565, já citada neste parecer a propósito dos processos da caça (n.º 9 do § 1.º), a qual previa a pena de degredo para África, se o nfractor fosse fidalgo ou cavaleiro, e, sendo de menor qualidade, a pena de prisão até 30 dias, pela primeira vez, e, pela terceira vez, a pena de degredo por um ano para fora da vila e termo em que caçou.

Além disso, estabelecia a perda de «quaisquer aves, armadilhas, cães, fios e redes» utilizados na caça.

Era este o critério da lei há quatrocentos anos, numa altura em qie as necessidades de protecção da caça não atingiam, ceitamente, a intensidade dos tempos de hoje.

Há, pois, que encarar -a infracção com a gravidade real que ela comporta e puni-la com severidade dentro do quadro das s.mções propostas para a violação das normas disciplinados s da caça.

Afigura-se que as penas adequadas, dentro dos limites máximos fixídos- na base XLV, são a de prisão não inferior a um mês e a multa não inferior a 500$, acrescendo sempre» a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.

Além disso, e em caso de reincidência (97), a pena de prisão não poderá ser substituída por multa, salvo se entre a nova condenação e a anterior tiverem decorrido mais de cinco anos.

Entende-se, na verdade, que só em caso de reincidência a prisão deverá ser efectiva, isto é, conduzir necessàriame ite à cadeia, e não-quando se trate de delinquência priirária, já que a primeira infracção pode ter resultado de uma mera leviandade (caso de um menor, por exemplo,- e, por outro lado, há que não esquecer — como já atrás- se salientou — que uma pena rigorosa em excesso pode levar o tribunal a absolver.

Por outro .ado, sómente especiais necessidades de prevenção e repressão poderão justificar a prisão não remível quando se trate de penas curtas de prisão. No nosso direito a regra é a de que pode sempre substituir-se por

() «Constitui agravante das infracções previstas nas bases XVIII a XXI o facto de terem sido cometidas de noite ou em águas onde a pesca for proibida, reservada ou objecto de concessão» (base xx).

(97) Esta existirá sempre que se trate de caça em tempo de defeso ou do caça por qualquer meio proibido, não se exigindo inteira coincid ;nci-a das infracções. Todas elas s&o equiparadas para efeitos de reincidência. Isto e&tá, aliás, de acordo com a orientação do projecto da parte geral do novo Código Penal, que não distingue entre reincidência genérica e reincidência especifica, na esteira do projecto do Código alemão (artigo 90).

O elemento fundamental da reincidência — que pressupõe tão-sòmente a pritica de crimes dolosos a que corresponda pena de prisão — passa a ser o desrespeito por parte do delinquente da solene advertência contida na sentença anterior. Exige-se ainda, para haver reincidência, que entre o crime anterior e o posterior não tenham decorrido mais de cinco anos.

multa a pena de prisão não superior a seis meses1 (artigo 86.º do Código Penal).

A fixação da pena de prisão, em casos de reincidência, far-se-á de harmonia com o disposto na lei geral (artigo 100.º, n.º 2.º, do Código Penal), não se justificando estabelecer regras especiais no domínio da caça.

Quanto à pena de multa, aplicável cumulativamente, a sua fixação deverá fazer-se nos termos do artigo 84.º do Código Penal, funcionando a reincidência como circunstância agravante geral, pois, não se estabelecendo uma correspondência entre a prisão e a multa, a agravação desta não tem de acompanhar a agravação daquela. E, para o efeito, atender-se-á à maior ou menor culpabilidade do delinquente, bem como à sua situação económica (cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, 1961, n, p. 163).

A infracção a que nos vimos referindo, pela sua gravidade, merece a qualificação de crime, também admitida no âmbito da pesca Ç98).

E, tratando-se de crime, já lhes corresponde processo de polícia correccional, o que torna possível às comissões venatórias> constituírem-se assistentes na acção penal, formulando a acusação.

66. Deverá estabelecer-se a punição da tentativa e do crime frustrado?

A resposta deve ser negativa.

Com efeito, as infracções à disciplina da caça de que nos estamos ocupando são crimes meramente formais, consoante resulta da enumeração das actividades que constituem o exercício da caça (n.º 2 da base i). O simples esperar ou procurar caça em época de defeso ou utilizando processos proibidos preenchem ou realizam a consumação de crime.

67. Pensa-se que se justifica também contemplar na lei a infracção que consiste em caçar em locais proibidos (n.º 1 da base xm), em homenagem ao direito de propriedade, fazendo-lhe corresponder uma multa —de 500$ a 5000$ —, sem prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.

De harmonia com a gravidade da infracção, entende-se ainda que o tribunal poderá decretar a interdição do direito de caçar.

68. Beputa-se conveniente consagrar expressamente na lei a punição dos danos causados no exercício da caça.

Bigorosamente não seria necessário, porque essa punição resulta já da lei geral, quer se trate de crime doloso, quer de crime culposo (artigos 472.º e seguintes e 482.º do Código Penal).

Simplesmente interessa chamar a atenção para a possibilidade legal da punição desses danos, através de um processo simples e económico. Bastará, com efeito, a mera denúncia da pessoa ofendida para desencadear o procedimento penal; e nem isso será preciso, se os danos constituírem crime público, pois em tal caso o Ministério Público procederá oficiosamente, independentemente de denúncia.

Do mesmo modo se entende que deverá chamar-se a atenção para a faculdade de se requerer no processo crime a indemnização dos prejuízos sofridos, de harmonia com

(") «A utilização na pesca de materiais explosivos, químicos ou vegetais, correntes eléctricas, substâncias venenosas ou tóxicas e, de uma maneira geral, susceptíveis de causar a morte ou o atordoamento dos peixes constitui crime punível com a pena de prisão nunca inferior a quatro meses e multa de 100$ a 10 0001» (artigo €1.º, § dnioo. do regulamento da Lei n.º 2007).

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o que já se encontra estabelecido no artigo 29.º do Código de Processo Penal.

A ameaça do processo crime poderá ainda actuar psicologicamente sobre o infractor, levando-o a dispor-se mais facilmente a indemnizar os danos causados, sem recurso aos tribunais.

Por vezes a pessoa prejudicada pode ter dificuldades em obter a identificação do caçador, quando este decida recusar-se a declinar a sua identidade. Â situação é tanto mais embaraçosa e difícil quanto é certo que pode ter lugar em sítio ermo.

Prevenindo tal hipótese, parece dever estabelecer-se que a recusa do caçador a identificar-se é punível com a pena de crime de desobediência.

Não se pretende, assim, transformar o lesado em autoridade ou agente da autoridade, mas assegurar a identificação em geral dos caçadores responsáveis pelos danos causados nos bens ou nas pessoas de terceiros, o que é manifestamente de interesse público.

69. Atendendo a tudo o que vem de ser exposto, sugere-se que as bases que tratam da responsabilidade penal sejam as seguintes:

BASE XLV

1. As infracções à disciplina da caça são puníveis, conforme o que for determinado nesta lei e em disposições regulamentares, com as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente:

a) Pena de prisão até seis meses;

b) Pena de multa até 10 000$;

c) Interdição do direito de caçar.

8. Poderá estabelecer-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções.

3. Constituem circunstâncias agravantes o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, a sua prática durante a noite, em reservas particulares ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas de protecção, bem, como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.

BASE XLVI

1. A interdição do direito de caçar pode ser temporária, de um a cinco anos, ou definitiva.

2. O não acatamento da interdição é punível com a pena de prisão até seis meses.

3. A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da espingarda, bem como do veículo que serviu à prática daquela, salvo se pertenciam a terceiro e foram utilizados para esse fim contra sua vontade ou com o seu desconhecimento e sem que da infracção haja tirado vantagens.

BASE XLVII

1. A caça em época de defeso ou com o emprego de meios proibidos constitui crime punível com prisão de um a seis meses e multa de 600$ a 10 000$. e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.

2. Decretar-se-á a interdição definitiva quando ao infractor hajam sido impostas duas interdições temporárias, nos termos do número anterior, e volte a cometer uma das infracções nele previstas.

3. A pena de prisão respeitante a uma das infracções previstas no n.º 1 não poderá ser substituída por multa quando o infractor tenha sido já condenado por uma dessas infracções, salvo se entre a nova condenação e a anterior decorreram mais de cinco anos.

BASE XLVIII

1. A caça em locais proibidos constitui contravenção punível com a multa de 500$ a 5000$, sem, prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.

2. O tribunal poderá decretar, de harmonia com a gravidade da infracção, a interdição do direito de caçar.

BASE XLIX

Nos processos crimes pelas infracções previstas na base XLVII podem constituir-se assistentes, as comissões venatórias da á "a onde a infracção foi cometida.

BASE L

1. Os danos cometidos no exercício da caça são puníveis, nos termos gerais, quando não constituam crimes públicos, mediante simples denúncia das pessoas ofendidas, as quais poderão logo formular o pedido de indemnização, nos termos do artigo 29.º do Código de Processo Penal.

2. A recusa do caçador a identificar-se, quando a isso rogado pela pessoa prejudicada, ou sua representante, é punível com a pena do crime de desobediência.

§ 8.º Responsabilidade civil

70. Os danos de que emerge a responsabilidade civil no domínio da caça podem agrupar-se em duas categorias: danos de caça e danos da caça.

Os danos de caça são os cometidos no exercício venatório, quer pelos caçadores, quer pelos seus auxiliares, cães, furões ou aves de presa.

Tais danos podem incidir sobre os terrenos de caça (culturas, plantações, construções) ou sobre pessoas ou coisas que sejam atingidos por essa actividade.

Os danos da caça são os danos causados pela própria caça, isto é, pelas espécies cinegéticas, os quais por vezes assumem proporções consideráveis, já em razão da abundância dos animais bravios (coelhos e lebres, sobretudo), já em razão da sua natureza (veados, gamos, javalis, etc.).

1) Danos de caça

71. Ao procurar fixar-se a responsabilidade civil pelos danos cometidos no exercício da caça, convirá antes de mais averiguar se a lei geral já a contempla, pois, em caso afirmativo, seria inútil regulá-la na Lei da Caça.

Esta averiguação deverá fazer-se à face do projecto definitivo do novo Código Civil, já publicado. Não faria sentido, na verdade, reproduzir na Lei da Caça um regime idêntico ao do novo código e, muito menos, um regime diferente (99).

O projecto definitivo do Código Civil continua a fundamentar a responsabilidade civil, em geral, na culpa do agente (responsabilidade subjectiva), sendo ao lesado que

(99) A responsabilidade civil em causa está actualmente prevista no artigo 890." do Código Civil e no Decreto-Lei n.º 23 460, artigo 7.º, e no Decreto n.º 23 461, artigo 25.º

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incumbe provar a culpa do autor da lesão (artigos 483.º e 487.º).

Prevê, tcdavia, casos de responsabilidade subjectiva em que o lesado está dispensado do ónus de provar a culpa do agente, cabendo antes a este o encargo da prova de que empregou todas as diligências e cautelas exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir o dano. São justamente os casos de danos causados por coisas perigosas ou relativamente às quais haja o dever de custódia ou por actividades perigosas.

Preceitua, com efeito, o artigo 494.º:

1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar e adoptar em relação a ela as cautelas convenientes, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa teve no acidente ou, sendo a coisa perigosa, que empregou todas as cautelas exigidas pelas circunstâncias paia evitar os danos causados.

2. Quem causar dano a ou trem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-lo, .excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de o prevenir.

Quer dizer: nos casos contemplados nesta disposição, estabelece-se a inversão ao ónus da prova, na orientação do direito italiano, acompanhada de uma ampliação do conteúdo de dever de diligência, exigindo um grau de diligência superior ao da média ordinária (10º).

O lesado terá de provar apenas o nexo causal entre o prejuízo e a actividade do agente.

Não se vai ainda para a responsabilidade objectiva, adoptando-se uma solução intermédia - responsabilidade subjectiva, com inversão do ónus da prova.

A razão está em que nas hipóteses referidas o perigo que as coisas ou actividades representam para terceiros não é sempre acompanhado de uma vantagem especial de quem as guarda ou as exerce, pelo que seria excessiva uma responsabilidade objectiva, devendo tão-sòmente presumir-se a culpa do agente.

Ao lado da responsabilidade subjectiva, o projecto definitivo do Código Civil prevê casos de responsabilidade objectiva ou pelo risco (artigos 501.º e seguintes), entre os quais estão os danos causados por animais (101).

Preceitua D artigo 502.º:

1. Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.

2. Responde também pelos danos que os animais venham a causar aquele que assumiu o encargo da sua vigilância, salvo se provar que não houve culpa da sua parte.

O projecto do Código Civil não prevê, em especial, a responsabilidade civil pelo exercício da caça, tendo sido intenção do legislador submetê-la ao regime geral sobre tal matéria.

Isso poderá concluir-se de vários passos dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil (102).

E, na verdade, pode pensar-se não serem necessários preceitos especiais para a responsabilidade em causa, dado que o regime geral poderá reputar-se suficiente (105).

Com efeito, o perigo mais relevante do exercício da caça está na utilização das armas de fogo. Mas o seu emprego, já porque constitui uma actividade perigosa, já porque elas são em si mesmas coisas perigosas, está previsto no transcrito artigo 494.º do projecto, pelo que os danos dele resultantes caem dentro do regime de inversão do ónus da prova.

Quanto aos danos causados pelos animais de que o caçador se serve, a responsabilidade correspondente será objectiva, nos termos do também transcrito artigo 502.º

Por outro lado, o projecto do código prevê a responsabilidade do comitente, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar (artigo 492.º).

Por sua vez, o artigo 491.º prevê a responsabilidade dos pais e outras pessoas encarregadas da vigilância de outrem.

Por outro lado, ainda, os artigos 490.º e 499.º regulam os casos de pluralidade de causadores do dano, estabelecendo a responsabilidade solidária de todos, com direito de regresso entre os responsáveis, e o artigo 500.º regula a prescrição do direito de indemnização.

Em face do exposto, poderia ser-se levado a admitir que o regime consagrado no futuro Código Civil sobre a responsabilidade civil em geral abrange suficientemente a responsabilidade pelos danos de caça.

Todavia, a Câmara, por maioria de votos, propende para que a responsabilidade pelos danos resultantes da caça com arma de fogo deverá reger-se pelos princípios da responsabilidade objectiva, com base no risco.

Por um lado, porque o exercício da caça com arma de fogo é uma actividade extremamente perigosa; por outro lado - e isto é particularmente importante -, porque o caçador obtém com o exercício da caça uma especial satisfação, quando menos de ordem lúdica, que plenamente se deve equiparar a outro qualquer interesse.

Cuida-se, assim, que não haverá matéria em que mais se justifique a responsabilidade objectiva do que a presente, estando ainda a tempo o legislador do novo Código Civil de reconsiderar sobre o problema.

2) Danos da caça

72. Como estruturar a responsabilidade civil resultante dos danos causados pelas espécies cinegéticas de um prédio nos terrenos vizinhos?

No direito romano não havia um direito de indemnização dos danos causados pela caça, pois não havia nele o direito exclusivo de ocupação dos animais bravios, pelo que qualquer pessoa os podia matar, evitando, assim, o dano.

(102) Prof. Vaz Serra, Fundamento da Responsabilidade Civil, separata do n.º 90 do Boletim do Ministério da Justiça, p. 14, 27, 34 e seguintes, e Responsabilidade Civil, separata do n.º 85 do Boletim do Ministério da Justiça, p. 366.

(101) São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por actos ilícitos (artigo 501.º).

Vaz Serra, Responsabilidade Civil, separata dos n.0" 86-93 do Boletim do Ministério da Justiça, p. 171, e Responsabilidade Civil, separata do n.º 85 do Boletim do Ministério da Justiça, pp. 366 a 371. Neste local referem-se actos do caçador como exemplos de aplicação dos princípios gerais expostos.

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No direito francês, entende-se que o proprietário de uma terra com caça não é responsável em relação aos vizinhos pelos danos causados à sua colheita pela caça que a habita, a não ser que uma culpa se prove contra ele. Com efeito "os vizinhos são obrigados a suportar um certo quantum de prejuízos, que se aprecia segundo os usos, nas regiões com mais ou menos caça, e também segundo a proximidade dos bosques.

Todo o ultrapassar ou aumentar do prejuízo implica responsabilidade do proprietário se introduziu caça nas suas terras, na medida em que não. prova que o aumento não provém desta introdução: aumentou pelo seu facto voluntário os inconvenientes resultantes normalmente da vizinhança.

Relativamente ao prejuízo anormal causado pela caça que não introduziu, o proprietário responde por ele se não fez o que podia para impedir o número excessivo e a multiplicação dos animais.

Deve não só caçar, mandar caçar ou deixar caçar, mesmo com batidas ou com furão, mas, se necessário, mandar destruir tocas ou mesmo brenhas, tais como campos de juncos, que constituam um retiro ou um refúgio para a caça, a não ser que prefira fechar a sua propriedade de maneira a reter a caça" (101).

O Código Civil espanhol dispõe que o proprietário de uma herdade de caça responde pelos danos causados por este nos prédios vizinhos, se não fez o necessário para evitar a sua multiplicação ou se dificultou a acção dos donos desses prédios para a perseguir.

E entre nós?

Nem o Código Civil nem o Código da Caça em vigor contêm regras sobre a responsabilidade civil pelos danos da caça. Somente o artigo 55.º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954) prescreve:

Os proprietários dos terrenos sujeitos ao regime florestal em que seja estabelecida a reserva de caça e pesca terão de indemnizar os agricultores confinantes pelos prejuízos que a caça existente nos referidos terrenos causar às suas culturas, quando assim seja por estes exigido e for comprovado.

O projecto definitivo do novo Código Civil não contempla a matéria, tendo sido propósito deliberado remeter a sua disciplina para a lei especial sobre a caça (103).

Importa, pois, tomar posição.

O instituto da caça é dominado entre nós pelo princípio da liberdade de caçar, podendo assim os caçadores exercer a caça em todos os terrenos não exceptuados por lei.

E este direito de livre exercício da caça constitui um meio de defesa geral contra os danos que um excessivo aumento de densidade das espécies cinegéticas certamente acabaria por produzir nas culturas e plantações.

Desta forma, o perigo de danos causados pela caça será, de um modo geral, um perigo que se pode considerar normal.

E, não constituindo a caça, em geral, um benefício exclusivo do proprietário, mas da generalidade dos caçadores e, assim, da colectividade, não se justificaria fazer recair sobre aquele a obrigação de evitar os referidos danos.

Mas as coisas mudam já de feição quanto aos terrenos com direito de caça reservado (reservas particulares ou coutadas de caça), visto que neste caso se criou um benefício exclusivo ou privilégio a favor do titular da reserva. Por isso, a vantagem que daí resulta já justifica que o beneficiário deva suportar, como compensação, o encargo dos danos que a situação causar.

Tanto mais que tal vantagem impedirá que o exercício do direito de caça pela generalidade dos caçadores funcione como meio natural de prevenção contra os danos resultantes da excessiva abundância das espécies, vedando inclusivamente esse meio de defesa aos proprietários vizinhos.

Daí que a restrição do direito de caça implique para estes proprietários um risco superior ao inerente à simples existência de caça, ligado à diminuição das possibilidades de defesa dos mesmos, assim se criando um aumento de perigo de danos.

Esse agravamento de risco aparece ainda mais acentuado nas chamadas reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial de caça, já que nos respectivos, terrenos é particularmente favorecida a multiplicação dos animais bravios (101).

Em resumo: o agravamento nos casos apontados do risco normal inerente à simples existência de caça, com a criação, de situações perigosas e a compensação das vantagens que resultam da restrição ou proibição do exercício da caça e da correspondente diminuição das possibilidades de defesa dos proprietários vizinhos, parecem suficientes para basear uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, a qual, aliás, se afigura presente na redacção do transcrito artigo 55.º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal (107).-

73. De harmonia com o exposto, propõe-se que as bases sobre a matéria da responsabilidade civil fiquem assim redigidas:

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercido da caça, é fixada nos termos gerais, salvo no que respeita aos danos causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes à responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BASE LII

1. Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, nonas de protecção e postos de criação artificial são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos, vizinhos.

(104) Prof. Vaz Serra, Responsabilidade Civil, separata do Boletim do Ministério da Justiça n.ºs 86-93, pp. 162 e seguintes, onde se faz referência à orientação de alguns sistemas jurídicos estrangeiros quanto a esta matéria.

(105) Prevê-se no projecto a responsabilidade, que é objectiva, dos danos causados pelos animais, como atrás se referiu, mas trata-se de animais apropriados pelo homem, com exclusão dos animais bravios em estado de liberdade natural (Prof. Vaz Serra, ob. cit., pp. 123, 126, 1/74 e 180).

(1O6) Coisa semelhante (semelhante, pelo menos, ao que sucede nas reservas de caça) é o que se passa com os terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas, nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades.

(107) Em princípio, a responsabilidade deverá caber aos exploradores das actividades, como interessados que são na exploração que origina os danos.

Atendendo, todavia, à possibilidade de estes mudarem e de ser então inviável ou muito difícil determinar qual deveria ser responsabilizado, até por não se saber qual tenha contribuído para o dano, entende-se conveniente responsabilizar o proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra os exploradores.

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2. Os proprietários ou possuidores dos terrenos que neles consentiram o estabelecimento das referidas reservas, zonas e postos, respondem solidariamente pelos danos, tendo, porém, direito de regresso contra os que exerçam a respectiva exploração.

3. O regime previsto nesta base é extensivo aos terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades.

§ 9.º Fiscalização

74. O projecto do Governo é omisso quanto à matéria da fiscalização da actividade venatória, certamente por se entender que deve ter o seu assento em regulamento.

Crê-se, todavia, que, dada a sua "relevante importância, a própria lei não poderá deixar de se lhe referir, conquanto por forma genérica.

E a grande importância da fiscalização resulta do facto de ser uma verdade incontroversa que as leis disciplinadoras do exercício venatório, por mais bem concebidas que sejam, resultarão inúteis sem um corpo de fiscais suficientemente numeroso e competente. Tanto mais quanto é certo que é muito difícil vigiar a aplicação da lei sobre caça, dada a extensão do território e a possibilidade (Lê a lei ser violada em qualquer hora do dia ou da noite, especialmente em locais recônditos e de difícil acesso.

A indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça aceita-se que seja feito em regulamenta.

Foi esta também a orientação seguida na Lei da Pesca (base X), que não só remeteu para regulamento aquela indicação como também a dos autos que fazem fé em juízo.

Parece, todavia, que a indicação destes deve constar da lei, na medida em que implique derrogação dos princípios insertos no Código de Processo Penal (artigos 16.6.º e 169.º). E certamente esse será o caso, se se entender, como parece que deve entender-se, dado o condicionalismo em que a fiscalização actua, que é dispensada a indicação de testemunhas., sempre que as circunstâncias de facto tornem impossível essa indicação.

Assim acontece, por exemplo, no Regulamento do Serviço da Polícia Pior estai, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954 (artigo 57.º), e no Código da Caça em vigor (Decreto n.º 23461, artigo 58.º e § único).

75. Um outro aspecto que merece referência no âmbito da fiscalizarão é o de saber se deverá ou não conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas respeitantes aos autos de notícia levantados por infracção que tenham presenciado.

Tal benefício existe, por exemplo, no domínio dos crimes contra a saúde pública, visto que o artigo 5.º, n.º 2.º, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957, manteve em vigor a comparticipação estabelecida a favor dos participantes, autuantes ou descobridores de tais crimes. Isto "pesai de a Câmara Corporativa, chamada a pronunciar-se s obre o projecto do diploma, ter acentuado que "a evolução dos conceitos sobre a dignidade das funções de fiscaliza não tem-se feito no sentido de libertar os respectivos agentes da suspeição geral de actuarem mais na prossecução do seu próprio interesse do que na defesa do interesse público, não lhes dando, portanto, qualquer comparticipação nas multas". (Pareceres da Câmara Corporativa, VI Legislatura, 1957, vol. I, p. 137).

Não se duvida que a doutrina assim defendida pela Câmara é a que melhor corresponde à dignidade e prestígio da função pública.

Simplesmente, a questão é complexa, e terá de ser apreciada em função das necessidades concretas. Se os agentes encarregados da vigilância e fiscalização forem bem remunerados, dispensarão o estímulo resultante da comparticipação nas multas. No caso contrário, já esta se aceita e porventura se imporá até porque a actuação daqueles se faz normalmente em circunstâncias difíceis e muitas vezes perigosas.

Afigura-se, por isso, prudente deixar a (resolução desta questão ao critério do Governo.

Salienta-se, porém, que o Código da Caça vigente (Decreto n.º 23 461, artigo 64.º) dispõe que os autuantes e os participantes das transgressões deste decreto têm direito a receber um quarto das multas pagas pelos respectivos transgressores".

76. De harmonia com o exposto, propõe-se as seguintes bases:

BASE LIII

Constará de regulamento a indicação ias autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da policia e fiscalização da caça.

BASE LIV

1. Nos autos de noticia levantados pelas autoridades ou agentes da autoridade com competência para o exercício da policia e fiscalização da caça, por infracções que tenham presenciado, relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as circunstâncias de facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé em juízo, até prova em contrário.

2. Para os efeitos desta base, consideram-se agentes de autoridade os membros das comissões venatórias, depois de ajuramentados perante o juiz de direito da comarca do seu domicílio.

3. Pelos autos de notícia levantados nos termos do n.º l, poderá conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas.

BASE LV

Os guardas florestais, os guardas dos serviços hidráulicos e os guardas que constituem o corpo de fiscalização privativo da cuca não poderão caçar durante o exercício das suas funções.

§ 10.º Organização e competência dos serviços

77. O título II do projecto de proposta de lei tem a epígrafe "Disposições orgânicas", as quais regem a organização e competência dos serviços que têm a seu cargo o fomento e protecção das espécies cinegéticas e a fiscalização do exercício da caça.

Parece preferível, à semelhança do que sucede com a Lei n.º 2097, sobre a pesca (capítulo n), usar a epígrafe "Organização e competência dos serviços".

Conclui-se das bases do título II do projecto que houve - a intenção de fixar na lei tão-sòmente os princípios fundamentais sobre a matéria, ficando reservado para regulamento tudo o mais, orientação que se afigura de aplaudir.

Confia-se à Secretaria de Estado da Agricultura, através da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, o

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encargo de velar pelo fomento e protecção das espécies cinegéticas, bem como do licenciamento e da fiscalização do exercício da caça.

A mesma orientação se seguiu relativamente à pesca (base VIII da citada Lei n.º 2097).

Constituindo a caça, tal como a pesca, uma riqueza pública, compreende-se que seja o próprio Estado que se encarregue de superintender na sua disciplina (108).

O mesmo acontece na generalidade dos países da Europa.

Assim, em Espanha compete ao Ministério da Agricultura, através da Direccion Genieral de Montes, Caza y Pesca Fluvial a superintendência sobre os assuntos de caça e pesca.

Em França essas funções estão também a cargo do Ministério da Agricultura, pela Direction Générale de l'Espace Rural (Direction des Forêts).

Em Itália igualmente os assuntos da caça estão subordinados ao Ministério da Agricultura e da Floresta, conquanto muitas atribuições sejam confiadas aos presidentes das juntas de província.

Para coadjuvar a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o projecto prevê comissões venatórias (109), às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias, como prevê ainda a "Colaboração das câmaras municipais, designadamente na concessão de licenças e aquisição da carta de caçador.

As comissões venatórias são regionais, concelhias e distritais (estas nas ilhas adjacentes).

Quanto à constituição das comissões venatórias, remete-a para regulamento, mas desde já dispõe que na sua composição terão lugar representantes da lavoura e dos caçadores.

Haverá aqui um reparo a fazer: omitiu-se a referência aos representantes do turismo, que naquelas comissões deverão ter assento, pela projecção dos interesses respectivos.

Cria-se o Conselho Nacional da Caça, órgão consultivo por excelência. Mas nada se diz sobre a sua composição.

Esta constará de regulamento, certamente, mas convirá, desde já, assinalar a presença obrigatória de representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo (110).

Este Conselho Nacional da Caça, agora previsto, corresponde ao Conselho Superior de Caça francês e ao Conselho Superior de Caça, Pesca Fluvial, Coutos e Parques Nacionais espanhol.

O projecto refere-se ainda à criação do lugar de inspector-chefe da caça, paralelamente ao que se faz para a pesca (base IX da Lei n.º 2097), o qual parece dever integrar-se na própria Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

E prevê ainda a necessidade de se ampliar o quadro do pessoal para acorrer ao. acréscimo do serviço resultante da execução da lei, o que poderá fazer-se de harmonia com as possibilidades do Fundo Especial de Caça e Pesca, agora criado - e que melhor se julga dever chamar-se Fundo Especial da Caça e Pesca -, cujas receitas e encargos se enumeram.

Ao referir-se este aspecto da organização dos serviços, não poderá deixar de se exprimir o voto de que os funcionários respectivos satisfaçam em número e qualidade, sob pena de todos os esforços e as intenções do legislador ficarem frustrados.

Dada a natureza do serviço e o estado calamitoso a que a caça chegou, requerem-se servidores que não sejam meros burocratas, mas que sintam e vivam os problemas. E para isso, antes de tudo, terão de ser profundos conhecedores deles e estar esclarecidos sobre os meios de os resolver.

Tendo em atenção o exposto, são de aceitar as bases constantes do título II do projecto de proposta de lei, sómente se propondo, além da já assinalada quanto à designação do Fundo Especial, uma alteração no proémio da base LI (base LXII do articulado proposto pela Câmara) e outras leves modificações nas bases XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX, a substituir pelas seguintes:

BASE LVII

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas será coadjuvada no exercício daquelas atribuições por comissões venatórias, às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas c formular pareceres sobre essas matérias.

2. As câmaras municipais colaborarão também no exercício das mesmas atribuições, designadamente na concessão das licenças .previstas nesta lei e na transmissão dos pedidos das cartas de caçador.

BASE LVIII

1. O território do continente divide-se em regiões venatórias, funcionando em cada uma delas uma comissão venatória regional.

2. Em cada concelho funcionará uma comissão venatória concelhia, excepto nas sedes das regiões venatórias, onde as respectivas comissões regionais acumularão as funções àquelas atribuídas.

3. Nas ilhas adjacentes existirão apenas comissões venatórias distritais, podendo ser criadas delegações nas ilhas onde não está situada a sede do distrito.

4. Na composição das comissões venatórias terão lugar representantes da lavoura e do turismo, a designar pelas respectivas corporações, e dos caçadores, estes últimos designados por eleição.

BASE LIX

1. É criado o Conselho Nacional da Caça, junto da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ao qual compete, em geral, formular pareceres sobre as matérias a que se refere a base LV.

2. Na composição do Conselho Nacional da Caça farão parte obrigatoriamente representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo.

BASE LX

1. E criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o lugar de inspector-chefe da caça,

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cujo provimento será feito nos termos estabelecidos no n.º .. da base IX da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

2. Para ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da execução da presente lei, poderá a Secretaria de Estado da Agricultura adoptar as providências autorizadas no n.º 2 da mesma base, de harmonia com as disponibilidades do Fundo a que se refere a base seguinte.

§ 11.º Disposições finais e transitórias

78. As bases LIII, LIV e LV do projecto referem-se, respectivamente, às propriedades que à data da entrada em vigor da nossa lei estejam submetidas ao regime florestal, mandando-lhes aplicar a disciplina das reservas constituídas ao abrigo da mesma lei, dado o interesse público em causa, I extinção da secção venatória do Conselho Técnico dos Serviços Florestais, que é substituída pelo Conselho Nacional da Caça, e à transferência para o Fundo Especial de Caça e Pesca dos saldos das contas de gerência e dos restantes valores e direitos das comissões venatórias existentes.

Afiguram-se de aceitar ás referidas bases.

Haverá, porém, que eliminar a parte do n.º 4.º da base LIII que exige que os interessados requeiram a prorrogação do prazo de concessão das reservas actualmente existentes por uma razão de paralelismo com o regime de renovação das futuras concessões.

Na base LV também deverá ajustar-se a designação de Fundo Especial da Caça e Pesca.

Sugerem-se sómente mais duas bases: uma a estabelecer que a Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, elaborará a regulamentação da lei (o que, rigorosamente, não seria necessário, dado o poder dever genericamente previsto no n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição Política), com audiência dos Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional, já porque a caça é essencialmente um desporto, já porque há que estruturar regimes jurídicos, quer no campo civil, quer no penal, assim como regimes fiscais; a outra base destina-se a mencionar matérias que deverão ser incluídas no regulamento a elaborar, evitando que ao longo do diploma se tenha de repetir continuamente a referência àquele.

Essas bases são as seguintes:

BASE LXVII

A Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, elaborará a regulamentação da presente lei, a publicar depois de ouvidos os Ministérios da Justiça, das Finança.; e da Educação Nacional.

BASE LXVII

Serão determinados, especialmente, em regulamento:

a) O número de cães e de auxiliares do caça de que cada caçador ou grupo de caçadores pode fazer-se acompanhar;

b) As taxas devidas pela passagem da carta de caçador, das licenças de caça e demais licenças exigíveis, bem como a entidade ou entidades a quem compete passá-las;

c) O recurso do acto de concessão ou de recusa da passagem. da carta de caçador ou da licença de caça;

d) Os locais onde é limitado ou proibido o exercício da caça;

e) A época geral da caça « os períodos venatòrios especiais;

f) As condições e modo de destruir os animais nocivos ou os animais que se tornem nocivos;

g) As taxas anuais devidas pelas concessões de reservas de caça;

h) O número de caçadores que poderão constituir uma associação de caçadores, o número de associações a que o mesmo caçador pode pertencer, bem como o número de hectares que cada associação de caçadores poderá usufruir em regime de reserva de caça;

i) A eventual participação dos autuantes nas multas, a que se refere o n.º 3 da base LIV;

j) A constituição das comissões venatórias;

l) A constituição do Conselho Nacional da Caça.

Quanto à última base do projecto de proposta de lei (base LVI) , segundo a qual «A presente lei entrará em vigor com o correspondente regulamento», a Câmara entende que não se justifica, dado que, nos termos do § 4.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo deve expedir o respectivo decreto para execução da lei dentro de seis meses, a contar da sua publicação, entrando, pois, a lei em vigor decorrido o prazo de cinco dias após ter sido publicada (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 22 470, de 11 de Abril de 1933).

B) Do projecto de lei

79. Este projecto contém catorze artigos, encimados por epígrafes.
Apreciemo-los.

a) Os artigos 1.º e 2.º têm por epígrafe: «Definição jurídica de caça».

Todavia, é manifesto que só o artigo 1.º se lhe deve querer referir, ao dizer-se:

Além de entretenimento saudável, desporto e exercício paramilitar, a caça deve ser um instrumento de valorização nacional do solo e um elemento de atracção turística.

Mas aqui não há uma definição jurídica de caça (ocupação ou apreensão de animais bravios que vivem em liberdade natural), mas tão-somente se refere a caça como exercício físico, de interesse sob os aspectos desportivo e militar, bem como o seu valor no sentido da valorização das terras e de atracção turística.

O artigo 2.º, por sua vez, diz que a faculdade de caçar depende de licença e que sofre limitações legais e naturais impostas pela protecção das espécies e pela civilização.

Não se duvida de que assim deve ser.

Mas não se vê que esta disposição seja mais completa do que a base II do projecto do Governo, além de que não se afigura indicado misturar a licença de caça com as restrições ao exercício do direito de caçar.

b) O artigo 3.º, que tem por epígrafe «Economia de subsistência», diz:

Os resultados disponíveis globais da caça fazem parte da economia de subsistência do povo português, obviando ao seu poder de procura e consumo e às funções turísticas do território.

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Trata-se de uma simples directriz, com a finalidade de salientar a importância da caça nos planos económico e turístico, que melhor ficaria no relatório da lei.

c) O artigo 4.º indica os factores ou alguns factores de repovoamento cinegético e instrumentos de valorização integral do solo e de desenvolvimento programado: as reservas, as sociedades de caça entre proprietários ou possuidores das terras e caçadores, as empresas de caça, as coutadas, as aldeias de caça e as comissões venatórias.

O projecto do Governo também refere estes factores.

Às reservas e aldeias correspondem as zonas de protecção (base XXX).

As coutadas e associações entre proprietários e caçadores e sociedades de caça estão previstas no capítulo II.

Às empresas que explorem a produção e venda de espécies são os chamados postos de criação artificial de caça.

Saliente-se, contudo, que no articulado proposto pela Câmara relativamente às reservas de caça procurou-se precisar e alargar as entidades que podem requerer e obter a concessão de reservas de caça.

O § 3.º prevê a constituição, dentro das coutadas, de refúgios de 20 ha a 50 ha, onde não poderá caçar-se, a não ser quando a abundância de espécies se torne nociva.

A providência peca pelo seu carácter genérico e imperativo, pois há que atender aos casos concretos das reservas. Essa providência adapta-se melhor às reservas arrendadas, a fim de evitar a destruição excessiva das espécies pelos arrendatários pouco escrupulosos.

d) O artigo 5.º estabelece uma ligação necessária entre o regime florestal e as reservas de caça, princípio que está igualmente presente no projecto de proposta de lei (n.º 5 da base XXI).

6) O artigo 6.º, que tem por epígrafe «Mudança de regime jurídico», estabelece que, ao fim de três anos, nas propriedades de área superior a 50 ha, assistidas por guardas florestais, e em que se proceda ao repovoamento intensivo da caça e à extinção dos animais daninhos, os animais bravios ai achados pertencerão integralmente aos titulares do direito de propriedade.

Esta disposição pretende, assim, operar a transição do sistema tradicional da caça como res nullius ou da liberdade de caçar para o sistema germânico que atribui a propriedade da caça ao dono da terra.

Este tema foi já apreciado com desenvolvimento na primeira parte deste parecer (§§ 3.º e 5.º), por forma que é dispensável fazer-lhe neste momento qualquer outra referência.

f) O artigo 7.º estabelece dois tipos de licença de caça: um geral e outro especial ou municipal.

Este aspecto também foi contemplado pelo projecto do Governo.

Tá se lhe fez a apreciação devida no n.º 6.º do § 1.º da segunda parte deste parecer, concluindo-se pela razoabilidade da distinção entre os dois tipos de licença, devendo, contudo, a licença concelhia atribuir o direito de caçar na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes, dado que a caça passa facilmente de um concelho para outro vizinho e o caçador pode residir na confluência de dois ou mais concelhos.

O § único prevê que a concessão de licença de caça possa vir a ficar dependente da efectivação de um seguro contra acidentes de terceiro, não impondo para já a sua obrigatoriedade.

Trata-se, porém, de uma simples sugestão.

g) O artigo 8.º chama a atenção para a gravidade do «furtivismo» em associações, dispondo que lhe deverão corresponder sanções agravadas, com perda dos instrumentos de caçar e veículos utilizados para o transporte.

O projecto do Governo também se ocupa genericamente da situação, mas a Câmara, além de propor sanções mais graves para os delitos da caça, em geral, autonomizou a infracção da caça em tempo de defeso ou por processos proibidos, que qualificou de crime punindo-o com severidade. Previram-se ainda circunstâncias (cometimento de noite, por duas ou mais pessoas, etc.) que agravam a responsabilidade penal.

Mas a disposição em causa tem indiscutivelmente o mérito de chamar a atenção para a gravidade do «furtivismo», ao que esta Câmara não foi insensível.

h) O artigo 9.º estabelece que «os armeiros e espingardeiros que forem autorizados a montar novos estabelecimentos obrigar-se-ão a possuir stands de tiro ao voo e coronhas articuladas para a melhor adaptação das armas vendidas».

Ora nem parece necessário nem justificável impor encargos tão pesados aos armeiros e espingardeiros.

Quem quiser aperfeiçoar-se no tiro ao voo ou ao prato terá o recurso aos stands particulares ou de clubes. De resto, não se vê interesse público nesse aperfeiçoamento, que visa essencialmente abater mais caça.

Crê-se que a esmagadora maioria dos caçadores do País, entre os quais se encontrarão os melhores, nunca tiveram necessidade de recorrerem a stands para se adestrarem.

Para a adaptação das coronhas das espingardas pode recorrer-se a oficinas especializadas, que as há.

t) O artigo 10.º proíbe a venda de espingardas em segunda mão, a não ser em estabelecimentos especiais apartados das sedes.

Compreender-se-á que se regulamente a venda das referidas espingardas, mas não que ela seja proibida nos termos propostos. Não se vê nisso inconveniente grave. Além disso, obrigar-se-iam as casas de armas a ter mais que um estabelecimento, o que poderá causar encargos incomportáveis.

j) O artigo 11.º enumera as entidades a quem deve competir a fiscalização oficial da caça.

Não se duvida que as entidades indicadas devam intervir na fiscalização, mas esta Câmara entende que a sua enumeração deve constar de regulamento.

1) O artigo 12.º impõe aos serviços florestais o encargo de dar impulso à criação e conservação da pureza de raças de cães que enumera.

Parece, contudo, que, a aceitar-se tal orientação, a matéria deve ir para regulamento. Aliás, parece que a entidade mais indicada seria a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários.

m) A matéria do artigo 13.º - organização pelas Misericórdias de corridas de galgos com lebres mecânicas movidas electricamente - parece não dever ter assento em lei.

n) Refere-se, finalmente, o artigo 14.º ao abate das espécies ameaçadas de extinção e à obrigação geral imposta aos caçadores de se empenharem na destruição dos animais nocivos à caça, aspectos que devem ser objecto de regulamentação.

O primeiro aspecto é previsto também no projecto do Governo (bases XVII e XVIII).

Quanto ao segundo, crê-se que a obrigação a que se refere o artigo 14.º terá mais o sentido de uma recomendação do que propriamente de um comando vinculativo.

III - Conclusões

80. Em harmonia com as razões expostas, é de parecer a Câmara Corporativa que o projecto de proposta de lei

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n.º 2/IX e o projecto de lei n.º 2/IX devem ser substituídos por outro projecto de diploma com a seguinte redacção:

TITULO I

Do regime da caça

CAPITULO I

Exercício da caça

SECÇÃO I

Disposições gerais

BASE I

1. A caça é a apreensão de animais bravios que se encontram em estado de liberdade natural e que não vivem habitualmente sob as águas.

2. Considera-se exercício da caça toda a actividade que tenha por fim aquela apreensão, designadamente os actos de esperar, procurar, perseguir, apanhar ou matar aqueles animais.

BASE II

A caça está sujeita a restrições quanto aos requisitos pessoais exigidos para o seu exercício, aos locais e tempo em que podo ser praticada, aos processos nela utilizáveis e aos animais que podem ser abatidos.

BASE III

Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, com a função de procurar, perseguir e levantar caça (batedores), ou de transportar mantimentos, munições ou a caça abatida, e bem assim fazer-se acompanhar de cães.

BASE IV

1. O caçador apropria-se do animal pelo facto da sua ocupação ou apreensão, mas adquire direito a ele logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.

2. Considera-se ocupado ou apreendido o animal que for morto pulo caçador ou apanhado pelos seus cães ou aves de presa durante o acto venatório ou que for retido nas suas artes de caça.

3. Se o coador matar ou ferir animal que caia ou se refugie em terreno onde o direito de caçar não seja livre, não poderá entrar nele sem autorização do respectivo dono, ou de quem o representar.

4. No caso de a autorização ser negada, serão estes abrigados a entregar o animal ao caçador no estado em que se encontrar, sempre que tal seja possível.

SECÇÃO II

Pessoas que podem exercer a caça

BASE V

1. Só é lícito caçar a quem reúna os seguintes requisitos:

a) Ser maior de 16 anos, ou maior de 12 desde que não utilize armas de fogo;

b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de deficiência orgânica ou fisiológica que torne perigoso o exercício dos actos venatórios;

c) Não estar sujeito a proibição do mesmo exercício por disposição legal ou decisão judicial.

2. Os menores de vinte e um anos só podem exercer a caça com utilização de armas de fogo desde que seja garantida, mediante seguro e por importância não inferior a 200 000$, a indemnização pelos danos que venham a causar.

3. A proibição do exercício da caça por anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica será limitada ao emprego de armas de fogo quando ao mesmo estiver especialmente ligado o perigo a evitar.

BASE VI

1. Não pode exercer a caça o que tenha sido condenado ou ao qual tenha sido aplicada medida de segurança:

a) Por crime doloso contra a propriedade em pena de prisão superior a seis meses, a saber: furto, roubo, fogo posto e dano;

b) Por crime de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado;

c) Por delinquência habitual e delinquência por tendência, vadiagem e mendicidade.

d) Por alcoolismo habitual e por abuso de estupefacientes.

2. Poderá ser levantada a proibição prevista no número anterior quando tiverem decorrido cinco anos sobre o cumprimento ou extinção da pena ou da medida de segurança, e cessará sempre que tenha sido obtida a reabilitação judicial.

SECÇÃO III

Carta de caçador e licenças

BASE VII

1. Os indivíduos a quem é lícito caçar nos termos das bases V e VI só poderão fazê-lo se forem titulares de carta de caçador e estiverem munidos das licenças legalmente exigidas, consoante as circunstâncias.

2. Pela concessão da carta e das licenças referidas no número anterior são devidas taxas, estando isentas de emolumentos e dispensadas de registo em qualquer serviço diferente daquele que as concede.

BASE VIII

1. A carta de caçador destina-se a identificar o caçador e a registar o seu comportamento venatório, dela devendo constar as infracções praticadas no exercício da caça e outras ocorrências respeitantes à sua actividade venatória.

2. Se o caçador se dedicar à prática da caça com fim lucrativo, por conta própria ou alheia, será o facto averbado na respectiva carta de caçador.

BASE IX

1. A licença de caça revestirá as seguintes modalidades:

a) Licença geral de caça;

b) Licença regional de caça;

c) Licença concelhia de caça;

d) Licença de caça com fim lucrativo;

e) Licença de caça sem espingarda.

2. A licença de caça é geral, regional ou concelhia, consoante autoriza o exercício venatório, respectivamente, em todo o continente e ilhas adjacentes, sómente na área de uma região venatória, ou apenas na área do concelho da residência habitual do caçador e na dos concelhos limítrofes.

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3. A licença de caça com fim lucrativo sómente permite caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes.

4. A licença de caça sem espingarda apenas permite caçar com a ajuda de cães («a corricão»), com ou sem pau, na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes.

BASE X

1. A taxa da licença de caça com fim lucrativo não poderá ser inferior à taxa da licença geral de caça.

2. Poderá o Governo, sob proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, limitar o número de licenças de caça com fim lucrativo a conceder por concelho em cada ano ou em anos sucessivos.

BASE XI

1. São dispensados da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas:

a) Os membros do corpo diplomático e consular acreditados em Portugal, desde que nos países que representam se dê reciprocidade a esta isenção;

b) Os estrangeiros que venham caçar no País a convite de entidades oficiais portuguesas;

c) Os estrangeiros e os nacionais não residentes na metrópole.

2. Os indivíduos designados na alínea c) do número anterior estão, todavia, sujeitos à taxa de revalidação da licença de caça do país ou território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, bem como a seguro obrigatório, nos termos a fixar em regulamento.

SECÇÃO IV

Locais de caça

BASE XII

1. A caça pode ser exercida em todos os terrenos não exceptuados por lei, assim como nas águas interiores, no mar e nas áreas das circunscrições marítimas, observados os condicionamentos estabelecidos.

2. O proprietário ou seus representantes podem opor-se ao exercício da caça relativamente àqueles que não se encontrarem munidos da competente licença para caçar ou não se acharem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos.

BASE XIII

1. E proibido caçar sem autorização dos respectivos proprietários ou possuidores:

a) Nos terrenos murados ou por outro modo vedados, ou completamente cercados de água por forma permanente, e nos quintais, viveiros, pomares, parques e jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer terrenos que circundem estas e situados numa área com um raio de 300 m;

b) Nos terrenos cultivados, semeados de cereais ou com qualquer outra cultura, antes de efectuada a respectiva colheita;

c) Nos milharais que não estejam em adiantado estado de maturação ou onde ainda não tenha sido colhida a sementeira de feijão, quando a houver;

d) Nos terrenos que se acharem de vinha ou com outras plantas frutíferas de pequeno porte e nos pomares, desde o abrolhar até à colheita dos frutos;

e) Nos terrenos abertos, plantados de oliveiras ou de outras árvores frutíferas de grande porte, no intervalo que medeia entre o começo da maturação dos frutos e a sua colheita;

f) Nos terrenos com qualquer sementeira ou plantação de espécies florestais durante os três primeiros anos, e nos colmeais.

2. Consideram-se murados ou vedados, para os efeitos da alínea a) do n.º l, os terrenos circundados em toda a sua extensão por muros ou paredes, redes metálicas, valados ou linhas de água, ou vedações de outro género equivalente, de forma que os animais de pêlo não possam sair e entrar livremente.

3. A proibição prevista no n.º 1 em relação aos terrenos referidos nas alíneas b) a f) estender-se-á a todo o período da caça, sempre que os mesmos terrenos se encontrem devidamente delimitados.

4. Consideram-se delimitados, para os efeitos do número anterior, os terrenos em que o proprietário ou possuidor aponha tabuletas ou quaisquer outros sinais convencionais colocados em lugares bem visíveis e indicativos de que não é permitido caçar.

SECÇÃO V

Períodos venatórios

BASE XIV

1. A caça só pode ser exercida durante a época geral e nos períodos especiais fixados para a caça de certas espécies ou em determinadas circunstâncias, salvas as excepções previstas na lei.

2. A época geral da. caça e os períodos venatórios especiais serão fixados atendendo aos ciclos gestatórios das espécies cinegéticas e à necessidade de protecção das respectivas crias e ainda, quanto às espécies migratórias, às épocas das suas migrações.

3. Poderá o Governo, porém, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça, determinar, por meio de portaria:

a) O adiamento da abertura da época geral da caça ou da caça a qualquer espécie;

b) A antecipação do encerramento de qualquer desses períodos;

c) A proibição de caçar durante certos dias da semana.

4. Os períodos venatórios nas ilhas adjacentes, enquanto não for publicado o respectivo regulamento, serão fixados pelas comissões venatórias distritais.

BASE XV

1. Durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação desta lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana sábado, domingo e segunda-feira, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.

2. Esta restrição não é aplicável às reservas de caça.

BASE XVI

Consideram-se período de defeso o que se situa fora da época geral da caça ou dos períodos venatórios especiais e, bem assim, os dias da época geral em que não é lícito caçar, nos termos do n.º 1 da base anterior.

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BASE XVII

O proprietário ou possuidor de prédios murados ou vedados, ou cercados de água completa e permanentemente, por tal forma que os animais bravios de pêlo não possam sair e entrar livremente, pode dar-lhes caça em qualquer tempo e por qualquer modo.

BASE XVII

Só é permitido caçar desde o começo do crepúsculo da manhã ase ao fim do crepúsculo da tarde, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

SECÇÃO VI

Processos de caça

BASE XIX

1. A caça só pode ser exercida pelos processos autorizados em regulamento.

2. Determinar-se-ão neste as adequadas limitações ao uso dos diversos processos e meios admitidos para aplicação genérica ou consoante as espécies cinegéticas e as circunstâncias de tempo e de lugar.

3. Quando a diminuição da densidade da qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, estabelecer imitações aos processos ou meios de exercício da respectiva caça, incluindo a proibição de determinados tipos de armas de fogo.

SECÇÃO VII

Espécies cinegéticas

BASE XX

1. Podem ser objecto da caça todos os animais bravios que não pertençam a espécies cuja caça esteja proibida.

2. São proibidas a captura e a destruição dos ninhos, luras e ovos de qualquer espécie, salvo nos casos previstos na lei.

BASE XXI

1. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ouvido o Conselho Nacional da Caça, proibir a respectiva caça ou limitar o número de exemplares dessa espécie que cada caçador pode abater diariamente.

2. As proibições e limitações poderão restringir a área a elas sujeita e a respectiva duração.

BASE XXII

1. Poderá o Governo, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça:

a) Fazer cessar a proibição da caça para as espécies cuja densidade tenha atingido um nível adequado;

b) Autorizar, em condições a fixar, a caça de espécie; para as quais a mesma esteja proibida, nas regiões onde se verifique a sua excepcional densidade ou onde se comprove causarem prejuízos às culturas;

c) Autorizar a captura, para fins científicos ou didácticos, de exemplares de espécies cuja caça estiver proibida, bem como dos respectivos ninhos e ovos.

2. As providências previstas nas alíneas a) e b) do número anterior revestirão a forma de portaria.

SECÇÃO VIII

Defesa contra animais nocivos ou que se tornem nocivos

BASE XXIII

1. É permitido em todo o tempo destruir os animais nocivos à agricultura, à caça e à pesca, nos termos da lei.

2. O direito previsto no número anterior pode ser exercido, independentemente de carta de caçador e de licença de caça, pelos proprietários ou agricultores nos terrenos em que os animais nocivos causem prejuízos e, bem assim, pelas pessoas por eles autorizadas.

BASE XXIV

1. O Governo poderá autorizar as medidas necessárias para a verificação e correcção da densidade dos animais de espécies cinegéticas nos terrenos em que eles, pela sua abundância, se tornem nocivos, mesmo em tempo de defeso, incluindo o uso de processos ou meios de caça legalmente proibidos.

2. A apreciação do pedido de autorização deverá fazer-se no prazo de quinze dias, a contar da sua entrada na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, considerando-se deferido se nada for comunicado dentro desse prazo.

CAPITULO II

Reservas de caça

BASE XXV

Para protecção e fomento das espécies cinegéticas e fins científicos poderão ser constituídas reservas particulares de caça ou coutadas de caça, reservas zoológicas e zonas de protecção.

SECÇÃO I

Reservas particulares ou coutadas de caça

BASE XXVI

1. A concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito de caçar nos respectivos terrenos com exclusão de todos os outros caçadores, os quais sómente aí poderão caçar se dele obtiverem autorização escrita.

2. O direito referido no n.º 1 é extensivo àqueles que acompanhem no exercício da caça o titular da reserva.

BASE XXVII

l. Poderão requerer a concessão de reservas ou coutadas de caça:

a) O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o

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consentimento daqueles, individualmente ou em grupo;

b) As comissões venatórias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior;

c) As associações de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento.

d) As câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, e os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base V da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b).

2. Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.

3. Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § 1.º do artigo 42.º do Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos de feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

1. Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem:

a) Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético;

b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal;

c) Aos pedidos que respeitem a terrenos submetidos a regime florestal de simples polícia para os quais se mostre executado ou em execução o respectivo plano de arborização, tratamento e exploração;

d) Aos pedidos apresentados pelas comissões venatórias;

e) Aos pedidos feitos por quem se proponha instalar postos de criação artificial de caça;

f) Aos pedidos apresentados conjuntamente pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e por associações de caçadores, legalmente constituídas, que se encarreguem de administrar e explorar a reserva.

2. Em igualdade de condições previstas no n.º l, ou na sua falta, será dada preferência:

a) Aos interessados que não beneficiem ainda de reservas de caça, ou, se todos já delas beneficiarem, aos que disponham de menores áreas em tal regime;

b) Aos pedidos primeiramente formulados.

3. O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, da qual as respectivas reservas de caça ficam a depender nos aspectos ligados à exploração turística.

4. Os pedidos de concessão de reserva de caça serão devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

BASE XXIX

1. Compete ao Governo, por meio de portaria, a concessão de reservas de caça, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

2. Na apreciação do pedido de concessão de reservas de caça atender-se-á não só à idoneidade moral do requerente como às suas possibilidades técnicas e económicas em face, das obrigações que terá de assumir.

3. Não poderá conceder-se a reserva quando os terrenos não revestirem as condições indispensáveis à função de protecção e desenvolvimento das espécies.

BASE XXX

1. A área sujeita ao regime de reserva de caça poderá variar de concelho para concelho, e será fixada em portaria, conforme a sua extensão e características, designadamente a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal, a densidade da população e as condições de desenvolvimento das espécies, não podendo, porém, exceder 40 por cento do respectivo território.

2. As áreas máxima e mínima de cada reserva de caça ou conjunto de reservas de caça serão fixadas em regulamento, tendo em atenção as características dos terrenos, assim como a sua afectação à exploração para fins turísticos ou à caça maior.

3. Os espaços de terreno ou «corredores» mínimos, onde seja livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva, serão igualmente fixados em regulamento, desde que a área da reserva ou conjunto de reservas contíguas seja superior a 3000 ha.

BASE XXXI

1. As reservas de caça serão concedidas por prazo não superior a seis anos, prorrogável, por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do que se estabelece no número seguinte.

2. Mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, poderá em qualquer altura ser declarada extinta a concessão de reserva de caça ou reduzida a sua área nos terrenos em que esse regime se torne inconveniente para o interesse público, ou em que não sejam cumpridas as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão; no caso deste incumprimento pode optar-se por uma multa até 50 000$, a impor administrativamente, ouvido o interessado.

3. Se o regime de reserva de caça tiver sido requerido pelo usufrutuário dos terrenos, sem intervenção do respectivo proprietário, caducará a concessão com a extinção do usufruto, desde que o proprietário não requeira a sua renovação.

4. A transmissão dos terrenos por acto entre vivos ou por morte não envolve a caducidade da respectiva concessão de reserva de caça.

BASE XXXII

O concessionário de uma reserva de caça é obrigado:

a) A pagar uma taxa anual;

b) A delimitar e sinalizar a respectiva área;

c) A cumprir o regulamento da administração e exploração da reserva e as condições que tenham sido fixadas na concessão;

d) A manter a fiscalização permanente da reserva;

e) A executar os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento;

f) A contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento cinegético dos terrenos onde é livre o direito de caçar.

BASE XXXIII

1. As taxas anuais a pagar pelas reservas de caça serão progressivas e fixadas em função das respectivas áreas,

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considerando-se, para a determinação do escalão aplicável, a superfície total das reservas pertencentes à mesma pessoa.

2. Para as reservas destinadas à caça maior poderá estabelecer-se um regime especial de taxas menos oneroso.

3. Ficam isentas de pagamento da taxa as reservas exploradas pelas comissões venatórias e pelas entidades referidas na alínea d) do n.º 1 da base XXVII, as que beneficiem da declaração de interesse turístico, e bem assim, durante os cinco primeiros anos, aquelas que resultem da associação de vários proprietários ou usufrutuários, enfiteutas ou arrendatários de terrenos nas regiões onde predomina a pequena propriedade.

4. A requerimento dos interessados e com parecer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pode o Governo conceder em cada ano redução da taxa, até 50 por cento, para as reservas em que tal se justifique, pelos resultados obtidos no fomento das espécies cinegéticas, designadamente por meio de medidas de protecção e de repovoe mento naturais ou artificiais.

BASE XXXIV

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.

2. Poderá estabelecer-se que em tais reservas sómente seja lícito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-se-lhes preferência para o exercício da caça nas condições que forem fixadas.

BASE XXXV

Pode ser fixado, em função da densidade das espécies das respectivas áreas, o número máximo de exemplares de certa ou certas espécies que em cada época venatória é permitido abater nas reservas de caça.

BASE XXXVI

1. Nas reservas exploradas pelas comissões venatórias, poderão estas, quando autorizadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cobrar uma quantia, dentro dos limites fixados em regulamento, pela concessão de autorização para caçar na respectiva área.

2. Nas reservas que beneficiem da declaração de interesse turístico é concedida igual faculdade à entidade exploradora, de harmonia com o que for estabelecido pela Presidência do Conselho.

BASE XXXVII

1. O arrendamento de uma reserva de caça terá de ser comunicado a Secretaria de Estado da Agricultura pelo concessionário locador dentro de um mês, a contar da celebração do contrato, e só é valido se constar de documento escrito.

2. O prazo de arrendamento não poderá ser inferior a três anos.

3. Pelo arrendamento pagará o concessionário locador a taxa de 5 por cento do preço convencionado.

4. A violarão do disposto nos n.ºs 1 e 2 desta base acarretará a aplicação da multa prevista no n.º 2 da base XXXI que será fixada em função da renda.

BASE XXXVII

1. Para o caso da não renovação do contrato de arrendamento da reserva de caça poderão estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato.

2. O concessionário locador continua a ser o titular da concessão da reserva de caça, respondendo pelo cumprimento das obrigações que, em tal qualidade, lhe são impostas.

3. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, poderá fazer cessar o arrendamento, mediante simples notificação ao arrendatário, no caso de este comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies, o qual não terá, por esse facto, direito a qualquer indemnização.

BASE XXXIX

1. E proibido o subarrendamento das reservas de caça.

2. A cessão do direito ao arrendamento é permitida com o consentimento do concessionário locador, devendo o arrendatário levá-la ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, nos termos do n.º 1 da base XXXVII.

3. A infracção do disposto no n.º l, bem como a falta do consentimento e da comunicação referidos no n.º 2, sujeitam o arrendatário à multa a que se refere o n.º 4 da base XXXVII.

SECÇÃO II

Reservas zoológicas e zonas de protecção

BASE XL

1. O Governo deverá, ouvido o Conselho Nacional da Caça, constituir em terrenos do Estado ou de outras entidades, ou autorizar que se constituam noutros terrenos, com o consentimento dos respectivos proprietários, reservas zoológicas e zonas de protecção, cujo regime será o estabelecido em regulamento.

2. Nas reservas zoológicas ou reservas integrais de caça são inteiramente proibidas, não só a caça de qualquer espécie, como também a prática de actividades que possam perturbar o desenvolvimento da flora e da fauna da área ou alterar o meio ambiente e natural das suas espécies.

3. Nas zonas de protecção ou reservas parciais de caça são proibidas, além da caça de determinada ou determinadas espécies, as actividades que prejudiquem o seu desenvolvimento.

CAPITULO III

Criação artificial de caça

BASE XLI

1. Poderão ser instalados postos de criação artificial de caça, destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial.

2. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá promover a instalação de um ou mais postos de criação artificial de caça, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.

3. A instalação dos postos depende de autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os aspectos sanitários.

4. Os referidos organismos exercerão, respectivamente, a fiscalização dos postos e a sua inspecção sanitária.

BASE XLII

1. Os postos de criação com objectivo exclusivo de fomento cinegético estão isentos de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dez anos do respectivo funcionamento.

2. Decorrido este prazo, poderá a isenção ser prorrogada pelo Governo, pelo período que for fixado.

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CAPITULO IV

Comércio da caça

BASE XLIII

1. Constará de regulamento o regime relativo ao comércio e transporte das espécies cinegéticas, designadamente a fixação da data do início da sua venda ao público e a obrigatoriedade da sua selagem, com pagamento de taxa, assim como a proibição de venda de exemplares de todas ou de algumas espécies.

2. E proibida a venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso.

3. Exceptuam-se desta proibição os exemplares em conserva ou contidos em frigoríficos industriais e bem assim os criados nos postos de reprodução artificial, devendo, nos dois últimos casos, ser devidamente selados.

BASE XLIV

1. O Governo poderá proibir ou limitar a exportação de caça sempre que tal se mostre necessário, bem como proibir a importação de exemplares vivos de quaisquer espécies cinegéticas que sejam inconvenientes.

2. Não poderá ser feita a importação de nenhum exemplar vivo sem prévia autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

CAPITULO V

Das responsabilidades penal e civil

SECÇÃO I

Responsabilidade penal

BASE XLV

1. As infracções à disciplina da caça são puníveis, conforme o que for determinado nesta lei e em disposições regulamentares, com as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente:

a) Pena de prisão até seis meses;

b) Pena de multa até 10000$;

c) Interdição do direito de caçar.

2. Poderá estabelecer-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções.

3. Constituem circunstâncias agravantes o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, a sua prática durante a noite, em reservas particulares ou coutadas de caça, reservas zoológicas, ou zonas de protecção, bem como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.

BASE XLVI

1. A interdição do direito de caçar pode ser temporária, de um a cinco anos, ou definitiva.

2. O não acatamento da interdição é punível com a pena de prisão até seis meses.

3. A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da espingarda, bem como do veículo que serviu à prática daquela, salvo se pertenciam a terceiro e foram utilizados para esse fim contra sua vontade ou com seu desconhecimento e sem que da infracção haja tirado vantagens.

BASE XLVII

1. A caça em época de defeso ou com o emprego de meios proibidos constitui crime punível com prisão de um a seis meses e multa de 500$ a 10 000$ e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.

6. Decretar-se-á a interdição definitiva quando ao infractor hajam sido impostas duas interdições temporárias, nos termos do número anterior, e volte a cometer uma das infracções nele previstas.

3. A pena de prisão respeitante a uma das infracções previstas no n.º 1 não poderá ser substituída por multa quando o infractor tenha sido já condenado por uma dessas infracções, salvo se entre a nova condenação e a anterior decorreram mais de cinco anos.

BASE XLVIII

1. A caça em locais proibidos constitui contravenção punível com a multa de 500$ a 5000$, sem prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.

2. O tribunal poderá decretar, de harmonia com a gravidade da infracção, a interdição do direito de caçar.

BASE XLIX

Nos processos crimes pelas infracções previstas na base XLVII podem constituir-se assistentes as comissões venatórias da área onde a infracção foi cometida.

BASE L

1. Os danos cometidos no exercício da caça são puníveis, nos termos gerais, quando não constituam crimes públicos, mediante simples denúncia das pessoas ofendidas, as quais poderão logo formular o pedido de indemnização, nos termos do artigo 29.º do Código de Processo Penal.

2. A recusa do caçador a identificar-se, quando a isso solicitado pela pessoa prejudicada ou sua representante, é punível com a pena do crime de desobediência.

SECÇÃO II

Responsabilidade civil

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercício da caça é fixada nos termos gerais, salvo no que respeita aos danos causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes à responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BASE LII

1. Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos vizinhos.

2. Os proprietários ou possuidores dos terrenos que neles consentiram o estabelecimento das referidas reservas, zonas e postos, respondem solidariamente pelos danos, tendo, porém, direito de regresso contra os que exerçam a respectiva exploração.

3. O regime previsto nesta base é extensivo aos terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades.

CAPITULO VI

Fiscalização

BASE LIII

Constará de regulamento a indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça.

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BASE LIV

1. Nos autos de notícia levantados pelas autoridades ou agentes da autoridade com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça, por infracções que tenham presenciado, relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as circunstâncias de .lacto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé em juízo, até prova em contrário.

2. Para os efeitos desta base, consideram-se agentes de autoridade es membros das comissões venatórias, depois de ajuramentados perante o juiz de direito da comarca do seu domicílio.

3. Pelos autos de notícia levantados nos termos do n.º l, poderá conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas.

BASE LV

Os guardas florestais, os guardas dos serviços hidráulicos e os guardas que constituem o corpo de fiscalização privativo da caça não poderão caçar durante o exercício das suas funções.

TÍTULO II

Da organização e competência dos serviços

BASE LVI

Constituem atribuições da Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, o fomento e a protecção das espécies venatórias e o licenciamento e a fiscalização do exercício da caça.

BASE LVII

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas será coadjuvada no exercício daquelas atribuições por comissões venatórias, às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias.

2. As câmaras municipais colaborarão também no exercício das mês nas atribuições, designadamente na concessão das licenças grevistas nesta lei e na transmissão dos pedidos das cari is de caçador.

BASE LVIII

1. O território do continente divide-se em regiões venatórias, funcionando em cada uma delas uma comissão venatória regional.

2. Em cada concelho funcionará uma comissão venatória concelhia, excepto nas sedes das regiões venatórias, onde as respectivas comissões regionais acumularão as funções àquelas atribuídas.

3. Nas ilhas adjacentes existirão apenas comissões venatórias distritais, podendo ser criadas delegações nas ilhas onde não está situada a sede do distrito.

4. Na composição das comissões venatórias terão lugar representantes da lavoura e do turismo, a designar pelas respectivas corporações, e dos caçadores, estes últimos designados por eleição.

BASE LIX

1. É criado o Conselho Nacional da Caça, junto da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ao qual compete, em geral, formular pareceres sobre as matérias a que se refere a base LV.

2. Da composição do Conselho Nacional da Caça farão parte obrigatoriamente representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo.

BASE LX

1. E criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o lugar de inspector-chefe da caça, cujo provimento será feito nos termos estabelecidos no n.º 1 da base IX da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

2. Para ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da execução da presente lei, poderá a Secretaria de Estado da Agricultura adoptar as providências autorizadas no n.º 2 da mesma base, de harmonia com as disponibilidades do Fundo a que se refere a base seguinte.

BASE LXI

1. É criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o Fundo Especial da Caça e Pesca, destinado a assegurar a execução da presente lei e da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

2. O Fundo é gerido por uma comissão administrativa dotada de autonomia administrativa e financeira, constituída pelo director-geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, que presidirá, pelos inspectores-chefes da caça e da pesca e pelo inspector-chefe administrativo.

3. A comissão administrativa será auxiliada por secções especializadas de caça e de pesca, presididas pelos respectivos inspectores-chefes, e de que farão parte representantes das actividades e organismos interessados.

BASE LXII

1. Constituirão receitas do Fundo Especial da Caça e Pesca:

a) O produto das taxas previstas nesta lei, salvas as quantias que em regulamento forem atribuídas ao Estado e às câmaras municipais;

b) O produto das taxas atribuídas às comissões venatórias pelos títulos li. III e VII da tabela B aprovada pelo Decreto-Lei n.º 37 313, de 21 de Fevereiro de 1949;

c) As quantias cobradas pelas comissões venatórias pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas por elas exploradas;

d) A percentagem, para esse fim fixada, das quantias cobradas pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas que beneficiem de declaração de interesse turístico;

e) O produto das multas por infracções relativas a disposições sobre caça, regime florestal e protecção da natureza;

f) O produto da venda dos instrumentos das mesmas infracções, quando seja declarada a sua perda, ou quando abandonados pelos infractores;

g) As quantias previstas nas alíneas b) e c) da base XIV da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959;

h) As heranças, legados e doações;

t) Os juros dos capitais arrecadados.

2. A consignação estabelecida na alínea e) do n.º 1 não prejudica a atribuição ao Cofre Geral dos Tribunais da parte que lhe cabe no produto das multas, nos termos do Código Penal.

3. A percentagem a que se refere a alínea d) do n.º 1 será fixada pelo Secretário de Estado da Agricultura.

BASE LXIII

O Fundo Especial da Caça e Pesca suportará, além daqueles a que se referem a base XIII da Lei n.º 2097, de

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6 de Junho de 1959, e a base LIX da presente lei, os encargos seguintes:

a) Da inspecção, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqui colas, e da fiscalização, a cargo da mesma Direcção-Geral e das comissões venatórias regionais;

b) De todas as restantes despesas das comissões venatórias, regionais e concelhias;

c) Do funcionamento do Conselho Nacional da Caça e das secções .especializadas a que se refere o n.º 3 da base LXI.

d) Do licenciamento da caça;

e) Da instalação e manutenção de laboratórios e estabelecimentos de investigação destinados ao fomento das espécies cinegéticas e museus de interesse cinegético;

f) Da organização de missões de estudo, de congressos, da representação neles e de exposições, sobre assuntos venatórios;

g) De prémios a atribuir aos agentes de fiscalização da caça que se revelem especialmente diligentes no desempenho das suas funções;

h) Da publicação de trabalhos e estudos, de reconhecido mérito, que tenham por objecto a caça, a pesca ou a protecção da natureza;

i) De quaisquer outras providências convenientes para o fomento e protecção da caça ou da pesca, ou para assegurar a eficácia das correspondentes fiscalizações.

TITULO III

Disposições finais e transitórias

BASE LXIV

1. As propriedades que à data da entrada em vigor desta lei estejam submetidas ao regime florestal de simples polícia, com reserva de caça, são consideradas, para todos os efeitos, como reservas constituídas ao abrigo das bases XXVI e seguintes.

2. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas procederá à revisão da situação das mesmas propriedades, em ordem a verificar o cumprimento das condições impostas no decreto que as submeteu àquele regime.

3. As reservas que sejam mantidas terão de obedecer aos limites fixados ao abrigo do disposto na base XXX. Para este efeito, se, mesmo depois de reduzidas as áreas de cada reserva ao limite permitido, ficar excedida, em algum concelho, a área máxima autorizada, serão reduzidas proporcionalmente às respectivas superfícies, de modo a confinarem-se dentro daquele máximo.

4. As reservas que forem mantidas considerar-se-ão como tendo sido autorizadas por prazos de seis anos, prorrogáveis, a contar da data da decisão, nos termos do disposto na base XXXI.

BASE LXV

Fica extinta a secção venatória do Conselho Técnico dos Serviços Florestais, a que se refere o artigo 15.º do Decreto-Leí n.º 40 721, de 2 de Agosto de 1956, logo que esteja constituído o Conselho Nacional da Caça, criado pela presente lei.

BASE LXVI

Serão transferidos para o Fundo Especial da Caça e Pesca os saldos das contas de gerência e os restantes valores e direitos das comissões venatórias existentes.

BASE LXVII

A Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqui colas, elaborará a regulamentação da presente lei, a publicar depois de ouvidos os Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional.

BASE LXVIII

Serão determinados especialmente em regulamento:

a) O número de cães e de auxiliares de caça de que cada caçador ou grupo de caçadores pode fazer-se acompanhar;

b) As taxas devidas pela passagem da carta de caçador, das licenças de caça e demais licenças exigíveis, bem como a entidade ou entidades a quem compete passá-las;

c) O recurso do acto de concessão ou de recusa da passagem da carta de caçador ou da licença de caça;

d) Os locais onde é limitado ou proibido o exercício da caça;

e) A. época geral da caça e os períodos venatórios especiais;

f) As condições e modo de destruir os animais nocivos ou os animais que se tornem nocivos;

g) As taxas anuais devidas pelas concessões de reservas de caça;

h) O número de caçadores que poderão constituir uma associação de caçadores, o número de associações a que o mesmo caçador pode pertencer, bem como o número de hectares que cada associação de caçadores poderá usufruir em regime de reserva de caça;

i) A eventual participação dos autuantes nas multas, a que se refere o n.º 3 da base LI v;

j) A constituição das comissões venatórias;

Z) A constituição do Conselho Nacional da Caça.

Palácio de S. Bento, 22 de Julho de 1966.

José Ferreira Queimado.
Alexandre Gomes de Lemos Corrêa Leal.
Bento de Sousa Amorim.
Bento Mendonça Cabral Parreira do Amaral.
João José Lobato Guimarães.
Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge.
José Augusto Vaz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Mário Júlio Brito de Almeida Costa.
Afonso Rodrigues Queiró.
Aníbal Barata Amaral de Morais.
António Bandeira Garcez.
Armando Rasquilho Tello da Gama.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Fernando Augusto Santos e Castro.
João Pedro Neves Claro.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José Manuel da Silva José de Mello.
José de Mira de Sousa Carvalho.
Luís Quartin Graça.
Manuel de Almeida de Azevedo c Vasconcelos.
José Alfredo Soares Manso Preto, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

2.º SUPLEMENTO AO N.º 42

ANO DE 1966 26 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

O Governo enviou à Câmara Corporativa um projecto de proposta de lei sobre o "regime jurídico da caça", para o qual solicitou o seu parecer.

Entendeu a Câmara Corporativa que seria preferível fazer a sua apreciação conjuntamente com a do projecto de lei sobre a "lei da caça e do repovoamento cinegético", enviado pela Assembleia Nacional, e, nessas condições, elaborou um parecer único, no qual substitui as duas propostas por um só projecto de diploma.

Verificando-se que a concepção e substância do parecer da Câmara Corporativa não só se harmoniza com a linha de pensamento que presidiu à elaboração do seu projecto, como o melhora consideravelmente, o Governo faz seu o parecer da Câmara e submete à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

TITULO I

Do regime da caça

CAPITULO I

Exercício da caça

SECÇÃO I

Disposições gerais

BASE 1

1. A caça é a apreensão de animais bravios que se encontram em estado de liberdade natural e que não vivem habitualmente sob as águas.

2. Considera-se exercício da caça toda a actividade que tenha por fim aquela apreensão, designadamente os actos de esperar, procurar, perseguir, apanhar ou matar aqueles animais.

BASE I

A caça está sujeita a restrições quanto aos requisitos pessoais exigidos para o seu exercício, aos locais e tempo em que pode ser praticada, aos processos nela utilizáveis e aos animais que podem ser abatidos.

BASE III

Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, com a função de procurar, perseguir e levantar caça (batedores), ou de transportar mantimentos, munições ou a caça abatida, e bem assim fazer-se acompanhar de cães.

BASE IV

1. O caçador apropria-se do animal pelo facto da sua ocupação ou apreensão, mas adquire direito a ele logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.

2. Considera-se ocupado ou apreendido o animal que for morto pelo caçador ou apanhado pelos seus cães ou aves de presa durante o acto venatório ou que for retido nas suas artes de caça.

3. Se o caçador matar ou ferir animal que caia ou se refugie em terreno onde o direito de caçar não seja livre, não poderá entrar nele sem autorização do respectivo dono, ou de quem o representar.

4. No caso de a autorização ser negada, serão estes abrigados a entregar o animal ao caçador no estado em que se encontrar, sempre que tal seja possível.

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SECÇÃO II

Pessoas que podem exercer a caça

BASE V

1. Só é feito caçar a quem reúna os seguintes requisitos:

a) Ser maior de 16 anos, ou maior de 12 desde que não utilize armas de fogo;

b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de deficiência orgânica ou fisiológica que torne perigoso o exercício dos actos venatórios;

c) Não estar sujeito a proibição do mesmo exercício por disposição legal ou decisão judicial.

2. Os menores de vinte e um anos só podem exercer a caça com utilização de armas de fogo desde que seja garantida, mediante seguro e por importância não inferior a 200 000$, a indemnização pelos danos que venham a causar.

3. A proibição do exercício da caça por anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica será limitada ao emprego de armas de fogo quando ao mesmo estiver especialmente ligado o perigo a evitar.

BASE VI
1. Não pode exercer a caça o que tenha sido condenado ou ao qual tenha sido aplicada medida de segurança:

a)Por crime doloso contra a propriedade em pena de prisão superior a seis meses, a saber: furto, roubo, fogo posto e dano;

b)Por crime de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado;

c) Foi delinquência habitual e delinquência por tendência, vadiagem e mendicidade.

d) Por alcoolismo habitual e por abuso de estupefacientes.

2. Pode-se ser levantada a proibição prevista no número anterior quando tiverem decorrido cinco anos sobre o cumprimento ou extinção da pena ou da medida de segurança, e cessará sempre que tenha sido obtida a reabilitação judicial.

SECÇÃO III

Carta da caçador e licenças

BASE VII

1. Os indivíduos a quem é lícito caçar nos termos das bases V e VI só poderão fazê-lo se forem titulares de carta de caçador e estiverem munidos das licenças legalmente exigidas, consoante as circunstâncias.

2. Pela concessão da carta e das licenças referidas no número anterior são devidas taxas,, estando isentas de emolumentos e dispensadas de registo em qualquer serviço diferente daquele que as concede.

BASE VIII

1. A carta de caçador destina-se a identificar o caçador e a regista o seu comportamento venatório, dela devendo constar as infracções praticadas no exercício da caça e outras ocorrências respeitantes à sua actividade venatória.

2. Se o caçador se dedicar à prática da caça com fim lucrativo, ;?or conta própria ou alheia, será o facto averbado na respectiva carta de caçador.

BASE IX

1. A licença de caça revestirá as seguintes modalidades:

a)Licença geral de caça;

b)Licença regional de caça;

c)Licença concelhia de caça;

d)Licença de caça com fim lucrativo;

e) Licença de caça sem espingarda.

2. A licença de caça é geral, regional ou concelhia, consoante autoriza o exercício venatório, respectivamente, em todo o continente e ilhas adjacentes, somente na área de uma região venatória, ou apenas na área do concelho da residência habitual do caçador e na dos concelhos limítrofes.

3. A licença de caça com fim lucrativo sómente permite caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes.

4. A licença de caça sem espingarda apenas permite caçar com a ajuda de cães (a corricão), com ou sem pau, na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes.

1. A taxa da licença de caça com fim lucrativo não poderá ser inferior à taxa da licença geral de caça.

2. Poderá o Governo, sob proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas, limitar o número de licenças de caça com fim lucrativo a conceder por concelho em cada ano ou em anos sucessivos.

BASE XI

1. São dispensados da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas:

a) Os membros do corpo diplomático e consular acreditados em Portugal, desde que nos países que representam se dê reciprocidade a esta isenção;

b) Os estrangeiros que venham caçar no País a convite de entidades oficiais portuguesas;

c) Os estrangeiros e os nacionais não residentes na metrópole.

2. Os indivíduos designados na alínea

c) do número anterior estão, todavia, sujeitos à taxa de revalidação da licença de caça do país ou território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, bem como a seguro obrigatório, nos termos a fixar em regulamento.

SECÇÃO IV

Locais de caça

BASE XII

1. A caça pode ser exercida em todos os terrenos não exceptuados por lei, assim como nas águas interiores, no mar e nas áreas das circunscrições marítimas, observados os condicionamentos estabelecidos.

2. O proprietário ou seus representantes podem opor-se ao exercício da caça relativamente àqueles que não se encontrarem munidos da competente licença para caçar ou não se acharem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos.

BASE XIII

1. É proibido caçar sem autorização dos respectivos proprietários ou possuidores:

a) Nos terrenos murados ou por outro modo vedados, ou completamente cercados de água por forma

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permanente, e nos quintais, viveiros, pomares, parques e jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer terrenos que circundem estas e situados numa área com um raio de 300 m;

ò) Nos terrenos cultivados, semeados de cereais ou com qualquer outra cultura, antes de efectuada a respectiva colheita;

c) Nos milharais que não estejam em adiantado estado de maturação ou onde ainda não tenha sido colhida a sementeira de feijão, quando a houver;

d) Nos terrenos que se acharem de vinha ou com outras plantas frutíferas de pequeno porte e nos pomares, desde o abrolhar até à colheita dos 1 frutos;

e) Nos terrenos abertos, plantados de oliveiras ou de outras árvores frutíferas de grande porte, no intervalo que medeia entre o começo da maturação dos frutos e a sua colheita;

f) Nos terrenos com qualquer sementeira ou plantação de espécies florestais durante os três primeiros anos, e nos colmeais.

2. Consideram-se murados ou vedados, para os efeitos da alínea a) do n.º l, os terrenos circundados em toda a sua extensão por muros ou paredes, redes metálicas, valados ou linhas de água, ou vedações de outro género equivalente, de forma que os animais de pêlo não possam sair e entrar livremente.

3. A proibição prevista no n.º 1 em relação aos terrenos referidos nas alíneas b) e a) estender-se-á a todo o período da caça, sempre que os mesmos terrenos se encontrem devidamente delimitados.

4. Consideram-se delimitados, para os efeitos do número anterior, os terrenos em que o proprietário ou possuidor aponha tabuletas ou quaisquer outros sinais convencionais colocados em lugares bem visíveis e indicativos de que não é permitido caçar.

SECÇÃO V

Períodos renatórios

BASE XIV

1. A caça só pode ser exercida durante a época geral e nos períodos especiais fixados para a caça de certas espécies ou em determinadas circunstâncias, salvas as excepções previstas na lei.

2. A época geral da caça e os períodos venatórios especiais serão fixados atendendo aos ciclos gestatórios das espécies cinegéticas e à necessidade de protecção das respectivas crias e ainda, quanto às espécies migratórias, às épocas das suas migrações.

3. Poderá o Governo, porém, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça, determinar, por meio de portaria:

a) O adiamento da abertura da época geral da caça ou da caça a qualquer espécie;

b) A antecipação do encerramento de qualquer desses períodos;

c) A proibição de caçar durante certos dias da semana.

4. Os períodos venatórios nas ilhas adjacentes, enquanto não for publicado o respectivo regulamento, serão fixados pelas comissões venatórias distritais.

BASE XV

1. Durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação desta lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana -sábado, domingo a segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.

2. Esta restrição não é aplicável às reservas de caça.

BASE XVI

Consideram-se período de defeso o que se situa fora da época geral da caça ou dos períodos venatórios especiais e, bem assim, os dias da época geral em que não é lícito caçar, nos termos do n.º 1 da base anterior.

BASE XVII

O proprietário ou possuidor de prédios murados ou vedados, ou cercados de água completa e permanentemente, por tal forma que os animais bravios de pêlo não possam sair e entrar livremente, pode dar-lhes caça em qualquer tempo e por qualquer modo.

BASE XVIII

Só é permitido caçar desde o começo do crepúsculo da manhã até ao fim do crepúsculo da tarde, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

SECÇÃO VI

Processos de caça

BASE XIX

1. A caça só pode ser exercida pelos processos autorizados eun regulamento.

2. Determinar-se-ão neste as adequadas limitações ao uso dos diversos processos e meios admitidos para aplicação genérica ou consoante as espécies cinegéticas e as circunstâncias de tempo e de lugar.

3. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas, estabelecer limitações aos processos ou meios de exercício da respectiva caça, incluindo a proibição de determinados tipos de armas de fogo.

SECÇÃO VII

Espécies cinegéticas

BASE XX

1. Podem ser objecto da caça todos os animais bravios que não pertençam a espécies cuja caça esteja proibida.

2. São proibidas a captura e a destruição dos ninhos, luras e ovos de qualquer espécie, salvo nos casos previstos na lei.

BASE XXI

1. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas, ouvido o Conselho Nacional da Caça, proibir a respectiva caça ou limitar o número de exemplares dessa espécie que cada caçador pode abater diariamente.

2. As proibições e limitações poderão restringir a área a elas sujeita e a respectiva duração.

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BASE XXII

1. Poderi o Governo, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça:

a) Fazer cessar a proibição da caça para as espécies cuja densidade tenha atingido um nível adequado;

b) Autorizar, em condições a fixar, a caça de espécies para as quais a mesma esteja proibida, nas regiões onde se verifique a sua excepcional densidade ou onde se comprove causarem prejuízos às culturas;

c) Autorizar a captura, para fins científicos ou didácticos, de exemplares de espécies cuja caça estivar proibida, bem como dos respectivos ninhos e ovos.

2. As providências previstas nas alíneas a) e b) do número anterior revestirão a forma de portaria.

SECÇÃO VIII

Defesa contra animais nocivos ou que se tornem nocivos

BASE XXIII

1. E permitido em todo o tempo destruir os animais nocivos à agricultura, à caça e à pesca, nos termos da lei.

2. O direito previsto no número anterior pode ser exercido, independentemente de carta de caçador e de licença de caça, pelos proprietários ou agricultores nos terrenos em que os animais nocivos causem prejuízos e, bem assim, pelas pessoas por eles autorizadas.

BASE XXIV

1. O Governo poderá autorizar as medidas necessárias para a verificação e correcção da densidade dos animais de espécies cinegéticas nos terrenos em que eles, pela sua abundância, se tornem nocivos, mesmo em tempo de defeso, incluindo o uso de processos ou meios de caça legalmente proibidos.

2. A apreciação do pedido de autorização deverá fazer-se no prazo de quinze dias, a contar da sua entrada na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, considerando-se deferido se nada for comunicado dentro desse prazo.

CAPITULO II

Reservas de caça

BASE XXV

Para protecção e fomento das espécies cinegéticas e fins científicos poderão ser constituídas reservas particulares de caça ou coutadas de caça, reservas zoológicas e zonas de protecção.

SECÇÃO I

Reservas particulares ou coutadas de caça

BASE XXVI

1. A concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito de caçar nos respectivos terrenos com exclusão de todos os outros caçadores, os quais sómente aí poderão caçar se de! e obtiverem autorização escrita.

2. O direito referido no n.º 1 é extensivo àqueles que acompanhei! no exercício da caça o titular da reserva.

BASE XXVII

1. Poderão requerer a concessão de reservas ou coutadas de caça:

a) O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o consentimento daqueles, individualmente ou em grupo;

b) As comissões venatórias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior;

c) As associações de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento.

d) As câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, e os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base V da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b).

2. Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.

3. Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § 1.º do artigo 42.º do Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos de feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

1. Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem:

a) Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético;

b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal;

c) Aos pedidos que respeitem a terrenos submetidos a regime florestal de simples polícia para os quais se mostre executado ou em execução o respectivo plano de arborização, tratamento e exploração;

d) Aos pedidos apresentados pelas comissões venatórias;

e) Aos pedidos feitos por quem se proponha instalar postos de criação artificial de caça;

f) Aos pedidos apresentados conjuntamente pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e por associações de caçadores, legalmente constituídas, que se encarreguem de administrar e explorar a reserva.

2. Em igualdade de condições previstas no n.º l, ou na sua falta, será dada preferência:

a) Aos interessados que não beneficiem ainda de reservas de caça, ou, se todos já delas beneficiarem, aos que disponham de menores áreas em tal regime;

b) Aos pedidos primeiramente formulados.

3. O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, da qual as respectivas reservas de caça ficam a depender nos aspectos ligados à exploração turística.

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4. Os pedidos de concessão de reserva de caça serão devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

BASE XXIX

1. Compete ao Governo, por meio de portaria, a concessão de reservas de caça, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas.

2. Na apreciação do pedulo de concessão de reservas de caça atender-se-á não só à idoneidade moral do requerente como às suas possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que terá de assumir.

3. Não poderá conceder-se a reserva quando os terrenos não revestirem as condições indispensáveis à função de protecção e desenvolvimento das espécies.

BASE XXX

1. A área sujeita ao regime de reserva de caça poderá variar de concelho para concelho, e será fixada em portaria, conforme a sua extensão e características, disignadamente a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal, a densidade da população e as condições de desenvolvimento das espécies, não podendo, porém, exceder 40 por cento do respectivo território.

2. Às áreas máxima e mínima de cada reserva de caça ou conjunto de reservas de caça serão fixadas em regulamento, tendo em atenção as características dos terrenos, assim como a sua afectação à exploração para fins turísticos ou à caça maior.

3. Os espaços de terreno ou "corredores" mínimos, onde seja livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva, serão igualmente fixados em regulamento, desde que a área da reserva ou conjunto de reservas contíguas seja superior a 3000 ha.

BASE XXXI

1. As reservas de caça serão concedidas por prazo não superior a seis anos, prorrogável, por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do que se estabelece no número seguinte.

2. Mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, poderá em qualquer altura ser declarada extinta a concessão de reserva de caça ou reduzida a sua área nos terrenos em que esse regime se torne inconvenveniente para o interesse público, ou em que não sejam cumpridas as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão; no caso deste incumprimento pode optar-se por uma multa até 50 000$, a impor administrativamente, ouvido o interessado.

3. Se o regime de reserva de caça tiver sido requerido pelo usufrutuário dos terrenos, sem intervenção do respectivo proprietário, caducará a concessão com a extinção do usufruto, desde que o proprietário não requeira a sua renovação.

4. A transmissão dos terrenos por acto entre vivos ou por morte não envolve a caducidade da respectiva concessão de reserva de caça.

BASE XXXII

O concessionário de uma reserva de caça é obrigado:

a) A pagar uma taxa anual;

b) A delimitar e sinalizar a respectiva área;

c) A cumprir o regulamento da administração e exploração da reserva e as condições que tenham sido fixadas na concessão;

d) A manter a fiscalização permanente da reserva;

e) A executar os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento;

f) A contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento cinegético dos terrenos onde é livre o direito de caçar.

BASE XXXIII

1. As taxas anuais a pagar pelas reservas de caça serão progressivas e fixadas em função das respectivas áreas, considerando-se, para a determinação do escalão aplicável, a superfície total das reservas pertencentes a mesma pessoa.

2. Para as reservas destinadas à caça maior poderá estabelecer-se um regime especial de taxas menos oneroso.

3. Ficam isentas de pagamento da taxa as reservas exploradas pelas comissões venatórias e pelas entidades referidas na alínea d) do n.º 1 da base xxvn, as que beneficiem da declaração de interesse turístico, e bem assim, durante os cinco primeiros anos, aquelas que resultem da associação de vários proprietários ou usufrutuários, enfiteutas ou arrendatários de terrenos nas regiões onde predomina a pequena propriedade.

4. A requerimento dos interessados e com parecer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pode o Governo conceder em cada ano redução da taxa, até 50 por cento, para as reservas em que tal se justifique, pelos resultados obtidos no fomento das espécies cinegéticas, designadamente por meio de medidas de protecção e de repovoamento naturais ou artificiais.

BASE XXXIV

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.

2. Poderá estabelecer-se que em tais reservas sómente seja lícito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-se-lhes preferência para o exercício da caça nas condições que forem fixadas.

Pode ser fixado, em função da densidade das espécies das respectivas áreas, o número máximo de exemplares de certa ou certas espécies que em cada época venatória é permitido abater nas reservas de caça.

BASE XXXVI

l. Nas reservas exploradas pelas comissões venatórias, poderão estas, quando autorizadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cobrar uma quantia, dentro dos limites fixados em regulamento, pela concessão de autorização para caçar na respectiva área.

2. Nas reservas que beneficiem da declaração de interesse turístico é concedida igual faculdade à entidade exploradora, de harmonia com o que for estabelecido pela Presidência do Conselho.

BASE XXXVII

1. O arrendamento de. uma reserva de caça terá de ser comunicado à Secretaria de Estado da Agricultura pelo concessionário locador dentro de um mês, a contar da celebração do contrato, e só é válido se constar de documento escrito.

2. O prazo de arrendamento não poderá ser inferior a três anos.

3. Pelo arrendamento pagará o concessionário locador a taxa de 5 por cento do preço convencionado.

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4. A violação do disposto nos n.º 1 e 2 desta base acarretará a aplicação da multa prevista no n.º 2 da base XXXI, que será fixada em função da renda.

BASE XXXVIII

1. Para o caso da não renovação do contrato de arrendamento da reserva de caça poderão estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato.

2. O concessionário locador continua a ser o titular da concessão da reserva de caça, respondendo pelo cumprimento das obrigações que, em tal qualidade, lhe são impostas.

3. A Direção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, poderá fazer cessar o arrendamento, mediante simples notificação ao arrendatário, no caso de este comprometer selamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies, o qual não terá, por esse facto, direito a qualquer indemnização.

BASE XXXIX

1. É proibido o subarrendamento das reservas de caça.

2. A cessão do direito ao arrendamento é permitida com o consentimento do concessionário locador, devendo o arrendatário levá-la ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, nos termos do n.º 1 da base XXXVII.

3. A infracção do disposto no n.º l, bem como a falta do consentimento e da comunicação referidos no n.º 2, sujeitam o arrendatário à multa a que se refere o n.º 4 da base XXXVII.

SECÇÃO II

Reservas zoológicas e zonas de protecção

BASE XL

1. O Governo deverá, ouvido o Conselho Nacional da Caça, consttuir em terrenos do Estado ou de outras entidades, ou autorizar que se constituam noutros terrenos, com c consentimento dos respectivos proprietários, reservas zoológicas e zonas de protecção, cujo regime será ,o estabelecido em regulamento.

2. Nas reservas zoológicas ou reservas integrais de caça são inteiramente proibidas, não só a caça de qualquer espécie, como também a prática de actividades que possam perturbar o desenvolvimento da flora e da fauna da área ou liberar o meio ambiente e natural das suas espécies.

3. Nas zonas de protecção ou reservas parciais de caça são proibidas, além da caça de determinada ou determinadas espécies, as actividades que prejudiquem o seu desenvolvimento.

CAPITULO III

Criação artificial de caça

BASE XLI

1. Poderão ser instalados postos de criação artificial de caça, destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial.

2. A Direção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá promover a instalação de um ou mais postos de criação artificial de caça, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.

3. A instalação dos postos depende de autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os aspectos sanitários.

4. Os referidos organismos exercerão, respectivamente, a fiscalização dos postos e a sua inspecção sanitária.

BASE XLII

1. Os postos de criação com objectivo exclusivo de fomento cinegético estão isentos de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dez anos do respectivo funcionamento.

2. Decorrido este prazo, poderá a isenção ser prorrogada pelo Governo, pulo período que for fixado.

CAPITULO IV

Comércio da caça

BASE XLIII

1. Constará de regulamento o regime relativo ao comércio e transporte das espécies cinegéticas, designadamente a fixação da data do início da sua venda ao público e a obrigatoriedade da sua selagem, com pagamento de taxa, assim como a proibição de venda de exemplares de todas ou de algumas espécies.

2. E proibida a venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso.

3. Exceptuam-se desta proibição os exemplares em conserva ou contidos em frigoríficos industriais e bem assim os criados nos postos de reprodução artificial, devendo, nos dois últimos casos, ser devidamente selados.

BASE XLIV

1. O Governo poderá proibir ou limitar a exportação de caça sempre que tal se mostre necessário, bem como proibir a importação de exemplares vivos de quaisquer espécies cinegéticas que sejam . inconvenientes.

2. Não poderá ser feita a importação de nenhum exemplar vivo sem prévia autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

CAPITULO V

Das responsabilidades penal e civil

SECÇÃO I

Responsabilidade penal

BASE XLV

1. As infracções à disciplina da caça são puníveis, conforme o que for determinado nesta lei e em disposições regulamentares, com as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente:

a) Pena de prisão até seis meses;

b) Pena de multa até 10000$;

c) Interdição do direito de caçar.

2. Poderá estabelecer-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções.

3. Constituem circunstâncias agravantes o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, a sua prática durante a noite, em reservas particulares ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas de protecção, bem como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.

BASE XLVI

1. A interdição do direito de caçar pode ser temporária, de um a cinco anos, ou definitiva.

2. O não acatamento da interdição é punível com a pena de prisão até seis meses.

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3. A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da espingarda, bem como do veículo que serviu à prática daquela, salvo se pertenciam a terceiro e foram utilizados para esse fim contra sua vontade ou com seu desconhecimento e sem que da infracção haja tirado vantagens.

BASE XLVII

1. A caça em época de defeso ou com o emprego de meios proibidos constitui crime punível com prisão de um a seis meses e multa de 500$ a 10 000$ e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.

Q. Decretar-se-á a interdição definitiva quando ao infractor hajam sido impostas duas interdições temporárias, nos termos do número anterior, e volte a cometer uma das infracções nele previstas.

8. A pena de prisão respeitante a uma das infracções previstas no n.º 1 não poderá ser substituída por multa quando o infractor tenha sido já condenado por uma dessas infracções, salvo se entre a nova condenação e a anterior decorreram mais de cinco anos.

BASE XLVIII

1. A caça em locais proibidos constitui contravenção punível com a multa de 500$ a 5000$, sem prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.

2. O tribunal poderá decretar, de harmonia com a gravidade da infracção, a interdição do direito de caçar.

BASE XLIX

Nos processos crimes pelas infracções previstas na base XLVII podem constituir-se assistentes as comissões venatórias da área onde a infracção foi cometida.

BASE L

1. Os danos cometidos no exercício da caça são puníveis, nos termos gerais, quando não constituam crimes públicos, mediante simples denúncia das pessoas ofendidas, as quais poderão logo formular o pedido de indemnização, nos termos do artigo 29.º do Código de Processo Penal.

2. A recusa do caçador a identificar-se, quando a isso solicitado pela pessoa prejudicada ou sua representante, é punível com a pena do crime de desobediência.

SECÇÃO II

Responsabilidade civil

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercício da caça é fixada nos termos gerais, salvo no que respeita aos danos causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes à responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BASE LII

1. Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos. vizinhos.

2. Os proprietários ou possuidores dos terrenos que neles consentiram o estabelecimento das referidas reservas, zonas e postos, respondem solidariamente pelos danos, tendo, porém, direito de regresso contra os que exerçam a respectiva exploração.

3. O regime previsto nesta base é extensivo aos terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades.

CAPITULO VI

Fiscalização

BASE LIII

Constará de regulamento a indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça.

BASE LIV

1. Nos autos de notícia levantados pelas autoridades ou agentes da autoridade com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça, por infracções que tenham presenciado, relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as circunstâncias de facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé em juízo, até prova em contrário.

2. Para os efeitos desta base, consideram-se agentes de autoridade os membros das comissões venatórias, depois de ajuramentados perante o juiz de direito da comarca do seu domicílio.

3. Pêlos autos de notícia levantados nos termos do n.º l, poderá conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas.

BASE LV

Os guardas florestais, os guardas dos serviços hidráulicos e os guardas que constituem o corpo de fiscalização privativo da caça não poderão caçar durante o exercício das .suas funções.

TITULO II

Da organização e competência dos serviços

BASE LVI

Constituem atribuições da Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqrícolas, o fomento e a protecção das espécies venatórias e o licenciamento e a fiscalização do exercício da caça.

BASE LVII

1. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas será coadjuvada no exercício daquelas atribuições por comissões venatórias, às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias.

2. As câmaras municipais colaborarão também no exercício das mesmas atribuições, designadamente na concessão das licenças previstas nesta lei e na transmissão dos pedidos das cartas de caçador.

BASE LVIII
1. O território do continente divide-se em regiões venatórias, funcionando em cada uma delas uma comissão renatória regional.

2. Em cada concelho funcionará uma comissão renatória concelhia, excepto nas sedes das regiões venatórias, onde as respectivas comissões regionais acumularão as funções àquelas atribuídas.

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3. Nas ilhas adjacentes existirão apenas comissões renatórias distritais, podendo ser criadas delegações nas ilhas onde não está situada a sede do distrito.

4. Na composição das comissões venatórias terão lugar representantes da lavoura e do turismo, a designar pelas respectivas corporações, e dos caçadores, estes últimos designados por eleição.

BASE LIX

1. E criada o Conselho Nacional da Caça, junto da Direcção-Geral. dos Serviços Florestais e Aquícolas, ao qual compete, em geral, formular pareceres sobre as matérias a que se refere a base LV.

2. Da composição do Conselho Nacional da Caça farão parte obrigatoriamente representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo.

BASE LX

1. É criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o lugar de inspector-chefe da caça, cujo provimento será feito nos termos estabelecidos no n.º 1 da base IX da LII n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

2. Para ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da execução da presente lei, poderá a Secretaria de Estado da Agriculta-a adoptar as providências autorizadas no n.º 2 da mesma base, de harmonia com as disponibilidades do Fundo a que se refere a base seguinte.

BASE LXI

1. E criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o Fundo Especial da Caça e Pesca, destinado a assegurar a execução da presente lei e da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.

2. O Fundo é gerido por uma comissão administrativa dotada de autonomia administrativa e financeira, constituída pelo director-geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, que presidirá, pelos inspectores-chefes da caça e da pesca e pelo inspector-chefe administrativo.

3. A comissão administrativa será auxiliada por secções especializadas de caça e de pesca, presididas pelos respectivos inspsctores-chefes, e de que farão parte representantes das actividades e organismos interessados.

BASE LXII

1. Constituirão receitas do Fundo Especial da Caça e Pesca:

a) O produto das taxas previstas nesta lei, salvas as quantias que em regulamento forem atribuídas ao instado e às câmaras municipais;

b) O produto das taxas atribuídas às comissões venatórias pelos títulos n, III e VII da tabela B aprovada pelo Decreto-Lei n.º 37 313, de 21 de Fevereiro de 1949;

c) As quantias cobradas pelas comissões renatórias pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas por elas exploradas;

d) A percentagem, para esse fim fixada, das quantias cobradas pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas que beneficiem de declaração de interesse turístico;

e) O produto das multas por infracções relativas a disposições sobre caça, regime florestal e protecção da natureza;

f) O produto da venda dos instrumentos das mesmas infracções, quando seja declarada a sua perda, ou quando abandonados pelos infractores;

g) As quantias previstas nas alíneas b) e c) da base XIV da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1953;

h) As heranças, legados e doações; i) Os juros dos capitais arrecadados.

2. A consignação estabelecida na alínea e) do n.º 1 não prejudica a atribuição ao Cofre Geral dos Tribunais da parte que lhe cabe no produto das multas, nos termos do Código Penal.

3. A percentagem a que se refere a alínea d) do n.º 1 será fixada pelo Secretário de Estado da Agricultura.

BASE LXIII

O Fundo Especial da Caça e Pesca suportará, além daqueles a que se referem a base XIII da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959, e a base LIX da presente lei, os encargos seguintes:

a) Da inspecção, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, e da fiscalização, a cargo da mesma Direcção-Geral e das comissões venatórias regionais;

b) De todas as restantes despesas das comissões venatórias, regionais e concelhias;

c) Do funcionamento do Conselho Nacional da Caça e das secções especializadas a que se refere o n.º 3 da base LXI.

d) Do licenciamento da caça;

e) Da instalação e manutenção de laboratórios e estabelecimentos de investigação destinados ao fomento das espécies cinegéticas e museus de interesse cinegético;

f) Da organização de missões de estudo, de congressos, da representação neles e de exposições, sobre assuntos venatórios;

g) De prémios a atribuir aos agentes de fiscalização da caça que se revelem especialmente diligentes no desempenho das suas funções;

h) Da publicação de trabalhos e estudos, de reconhecido mérito, que tenham por objecto a caça, a pesca ou a protecção da natureza;

i) De quaisquer outras providências convenientes para o fomento e protecção da caça ou da pesca, ou para assegurar a eficácia das correspondentes fiscalizações.

TITULO III

Disposições finais e transitórias

BASE LXIV

1. As propriedades que à data da entrada em vigor desta lei estejam submetidas ao regime florestal de simples polícia, com reserva de caça, são consideradas, para todos os efeitos, como reservas constituídas ao abrigo das bases XXVI e seguintes.

2. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas procederá à revisão da situação das mesmas propriedades, em ordem a verificar o cumprimento das condições impostas no decreto que as submeteu àquele regime.

3. As reservas que sejam mantidas terão de obedecer aos limites fixados ao abrigo do disposto na base XXX. Para este efeito, se, mesmo depois de reduzidas as áreas de cada reserva ao limite permitido, ficar excedida, em algum concelho, a área máxima autorizada, serão reduzidas proporcionalmente às respectivas superfícies, de modo a confinarem-se dentro daquele máximo.

4. As reservas que forem mantidas considerar-se-ão como tendo sido autorizadas por prazos de seis anos, prorrogáveis, a contar da data da decisão, nos termos do disposto na base XXXI.

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BASE LXV

Fica extinta a secção venatória do Conselho Técnico dos Serviços Florestais, a que se refere o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 40 721, de 2 de Agosto de 1956, logo que esteja constituído o Conselho Nacional da Caça, criado pela presente lei.

BASE LXVI

Serão transferidos para o Fundo Especial da Caça e Pesca os saldos das contas de gerência e os restantes valores e direitos das comissões venatórias existentes.

BASE LXVII

A Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos (Serviços Florestais e Aqui colas, elaborará a regulamentação da presente lei, a publicar depois de ouvidos os Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional.

BASE LXVIII

Serão determinados especialmente em regulamento:

a)1 O número de cães e de auxiliares de caça de que cada caçador ou grupo de caçadores pode fazer-se acompanhar;

b) As taxas devidas pela passagem da carta de caçador, das licenças de caça e demais licenças exigíveis, bem como a entidade ou entidades a quem compete passá-las;

c) O recurso do acto de concessão ou de recusa da passagem da carta de caçador ou da licença de caça;

d) Os locais onde é limitado ou proibido o exercício da caça;

e) A época geral da caça e os períodos venatórios especiais;

f) As condições e modo de destruir os animais nocivos ou os animais que se tornem nocivos;

g) As taxas anuais devidas pelas concessões de reservas de caça;

h) O número de caçadores que poderão constituir uma associação de caçadores, o número de associações a que o mesmo caçador pode pertencer, bem como o número de hectares que cada associação de caçadores poderá usufruir em regime de reserva de caça;

t) A eventual participação dos autuantes nas multas, a que se refere o n.º 3 da base LIV;

f) A constituição das comissões venatórias;

Z) A constituição do Conselho Nacional da Caça.

Lisboa, 11 de Novembro de 1966. - O Ministro da Economia, José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira.- O Secretário de Estado da Agricultura, Domingos Rosado Vitória Pires.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

3.º SUPLEMENTO AO N.º 42

26 DE NOVEMBRO ANO DE 1966

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967

Economia internacional

l- Evolução da conjuntura na Europa Ocidental

1. A economia dos países da Europa Ocidental registou em 1965 evidentes sinais de abrandamento, tendo o produto interno bruto acusado uma taxa de expansão de 3,5 por cento, contra 5,5 por cento no ano anterior.

Ë certo que para esta evolução concorreram, nalguma medida, as condições climatéricas, que se reflectiram desfavoravelmente, em especial nos sectores da agricultura e da construção civil. Todavia, o fraco ritmo de crescimento económico na Europa Ocidental deve-se principalmente a circunstâncias ligadas à própria situação da conjuntura. Na verdade, encontrando-se. estas economias próximas do pleno emprego e sofrendo constantes pressões da procura de factores produtivos e de bens e serviços, foram geralmente adoptadas medidas restritivas, que não podiam deixar de originar um impacto pouco favorável ao crescimento económico.

O ritmo da actividade económica, como é natural, não se processou uniformemente em todos os países, variando de harmonia com factores específicos e com a natureza e duração das políticas anti-inflacionistas ensaiadas.

Assim, a França, a Itália e a Bélgica, que mais cedo e mais energicamente procuraram debelar a inflação, viram em breve os seus esforços coroados de êxito, pois os primeiros índices de recuperação surgiram, respectivamente, na Primavera e nos finais de 1965, tendo prosseguido visivelmente nos primeiros meses do ano em curso.

Em contrapartida, naqueles países cuja política assumira coloração menos restritiva, as economias mantiveram-se em nível quase estacionário durante o ano transacto e nos primeiros meses de 1966. Na Holanda, na Suécia e na Alemanha a flexão da actividade económica foi essencialmente determinada por uma insuficiência de recursos produtivos, em especial de mão-de-obra. Na Suíça, pelo contrário, o abrandamento verificado deve-se à intensiva aplicação das aludidas providências restritivas.

2. Importa sublinhar, como traços característicos da evolução da conjuntura europeia no ano findo, o afrouxamento registado na produção industrial e a flexão verificada nos investimentos em capital fixo.

Na generalidade dos países, europeus a produção industrial aumentou a cadência moderada, tendo-se observado na Alemanha Ocidental um ritmo de acréscimo particularmente baixo (1,6 por cento), enquanto que na Áustria, na Suécia e na Noruega o mesmo fenómeno se registava, embora em menores proporções. Em virtude da indicada recuperação das economias belga, italiana e francesa, os índices da produção industrial elevaram-se sensivelmente no final de 1965 e princípios de 1966, muito embora em França a produção de bens de equipamento não tenha superado a estagnação em que se encontrava. Taxas de crescimento elevadas neste sector registaram-se, exclusivamente, em Espanha e na Holanda.

Por seu turno, o crescimento do volume bruto de investimentos em capitais fixos progrediu a cadência claramente mais moderada do que em 1964, facto em parte também devido ao generalizado agravamento das condições da oferta de crédito.

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3. O ano 10 de 1965 e os primeiros meses do ano em curso têm-se caracterizado pela manutenção e agravamento dai. tensões inflacionistas, que vêm afectando as economias europeias.

Situada:, no limiar do pleno emprego, sofrendo pressões autónomas nos mercados de trabalho, em que avultam tendencias generalizadas para a redução dos horários semanais s para os acréscimos de salários, suportando ainda os efeitos expansionistas das despesas públicas de consumo II das exportações em constante aumento, as economias europeias não poderiam deixar de sentir fortes movimentos inflacionistas, já pelo lado dos custos, já provocados pelos excedentes da procura.

Para alem destes factores de ordem geral, a subida de preços registada no último ano deve-se ainda a um conjunto c e circunstâncias específicas, tais como a escassez das colheitas, a subida das cotações de algumas matérias-prímas e o aumento dos impostos indirectos, decretado em alguns países.

Em especial, pelo que respeita às tensões experimentadas nos mercados de trabalho, cumpre salientar que a penúria de mão-de-obra se tem particularmente revelado na Alemanha Ocidental, onde os benefícios resultantes do acréscimo de trabalhadores estrangeiros foram totalmente em lados pela redução da duração semanal de trabalho. Tal situação é extensiva à Suíça, à Bélgica, à Dinamarca e à Suécia, não se registando contudo em França e rã Itália. Na França, em que o desemprego é moderado, a taxa anual de alta de salários não atingiu 6 por cento, contra 6,7 por cento no último ano; na Itália, apesar da recuperação, o desemprego e o subemprego agravaram-se, de modo que o salário horário aumentou de 9 por cento, contra 15,3 por cento em 1964.

Pela conjugação de todos estes factores, os preços no consumo sofreram acentuada evolução, tendo subido de 7 por cento na Dinamarca, na Holanda e na Suécia, de 5,5 por cento na Suíça e de 4 a 5 por cento na Alemanha, Áustria e Bélgica. Em França e na Itália, em que as providências estabilizadoras foram particularmente intensas, a subida dos preços no consumo não excedeu 3 por cento.

4. O combate à inflação desenvolveu-se na Europa Ocidental, 10 período em análise, pela utilização predominante de medidas monetárias, com relativo detrimento das políticas de rendimentos e orçamentais.

Constitui exemplo típico desta orientação a política adoptada pela República Federal da Alemanha. Em pleno clima inflacionista, as medidas financeiras e fiscais provocavam, desde os princípios de 1965, efeitos expansionistas, decorrentes quer da redução do imposto sobre o rendimento, quer do acréscimo das prestações de segurança social. Assim, à política monetária foi confiada uma missão estabilizadora da conjuntura. Em Janeiro e Agosto a taxa oficial de desconto foi aumentada, respectivamente para 3,5 e 4 por cento, provocando elevações nos limites máximos de juro dos créditos bancários a curto e médio prazos.

Não obstante o desequilíbrio dos pagamentos externos ter reduzido as disponibilidades líquidas, o crédito bancário não deixou de se expandir, em virtude do nível avultado de depósitos.

Nos primeiros meses do ano em curso, os preços continuaram a sua marcha ascendente, acompanhando os movimentos dos custos. Prevendo esta tendência, o orçamento para 1966 apresentou características de maior moderação, tez do o Governo anunciado em Maio que não recorreria ao mercado de capitais até ao final do corrente ano. Simultaneamente, a política monetária tornava-se mais restritiva, tendo o Bundesbank aumentado, em fins de Maio, a taxa de redesconto de 4 para 5 por cento.

Numerosos países europeus confiaram também à política monetária, e especialmente às manipulações da taxa de juro, a missão de jugular as pressões inflacionistas. Assim, em Abril do ano findo, a Suécia elevava a taxa oficial de desconto de 5 para 5,5 por cento; em Maio de 1966, a Holanda subia a mesma taxa de 4,5 para 5 por cento; finalmente, em Julho do corrente ano, o Banco Nacional da Bélgica aumentava a taxa de desconto de 4 3/4 para 5 1/4 por cento.

As políticas inflacionistas praticadas pela França e pela Itália utilizaram em mais ampla escala as medidas financeiras e relativas aos rendimentos, constituindo deste modo excepção à tendência dominante na Europa Ocidental.

Na Itália, em ordem a estimular a recuperação de que a economia vinha dando mostras desde o último trimestre de 1965, o orçamento incluiu um conjunto de medidas de efeito expansionista, como a aceleração do programa de trabalhos públicos, supressão de impostos para favorecer a indústria de construção e diminuição dos encargos da previdência.

O deficit orçamental, aliado aos excedentes da balança de pagamentos, desencadeou um forte aumento de liquidez, de tal modo que a massa monetária cresceu duas vezes mais do que no ano transacto. A política de crédito não enveredou, no entanto, por orientação restritiva, tendo-se mantido a taxa de desconto em 3,5 por cento. Como nos primeiros meses de 1966 a procura de crédito e os excedentes da balança de pagamentos continuaram a fornecer à economia italiana, abundante liquidez, o Governo decidiu proceder a uma política conjuntural de crédito público, de modo a absorver poder de compra do mercado.

A França combateu as tensões inflacionistas e assegurou uma relativa estabilidade de preços mediante a acção conjugada da política de bloqueamento, de rendimentos e orçamental.

Em 1965, e na continuação de esforços já desenvolvidos em anos anteriores, o Governo Francês apresentou um orçamento equilibrado, principalmente através da redução das despesas ordinárias de consumo. Apesar de os meios de pagamento se terem expandido, o Governo, dispondo de um orçamento saneado, não hesitou em enveredar por uma política monetária de feição liberal, visando estimular a concorrência interbancária e a obtenção de elevados níveis de investimento, necessários ao prosseguimento da expansão iniciada na Primavera de 1965. Assim, as taxas de juro máximas dos créditos bancários foram sendo sucessivamente reduzidas, enquanto em Abril do ano passado o Banco de França diminuiu a taxa de desconto de 4 para 3,5 por cento. Naquele mês tornaram-se livres as taxas de remuneração de depósitos bancários de prazo igual ou superior a seis anos.

O combate à inflação pelo recurso sistemático à política monetária, que tem vindo a ser processado na maioria dos países europeus, não deixa de envolver sérios riscos. Na verdade, em períodos de alta dos custos de produção e dos preços, as margens de autofinandamento das empresas não têm tendência para se expandir. Sendo assim, a elevação das taxas de juro, dificultando o acesso ao crédito, pode desencadear uma flexão no ritmo dos investimentos e uma consequente atenuação da actividade económica. De resto, nos casos em que a inflação tenha a sua origem nos custos, as restrições monetárias podem conter a procura, eventualmente não excessiva, determinando a recessão e o desemprego.

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26 DE NOVEMBRO DE 1966 758-(61)

5. Durante o ano de 1965 e os primeiros meses de 1966 as taxas de juro experimentaram evolução ascendente na Europa Ocidental. A actual estrutura das taxas de juro deriva de um complexo de circunstâncias, em que avultam, como causa principal, as restrições de crédito integradas nos programas de estabilização, coadjuvada pela intensa procura de fundos por parte do sector público e pela diminuição dos fluxos de capitais estrangeiros dirigidos à Europa. A elevação das taxas de juro tem, pois, a sua origem principal em razões de ordem interna, tendo-se afastado a política monetária da. sua missão equilibradora da balança de pagamentos. Esta última função tem sido essencialmente desempenhada por uma acção selectiva sobre os movimentos de capital, o que tem afrouxado os laços existentes entre as condições de acesso ao crédito interno e os fluxos internacionais de capitais.

As políticas de controle selectivo praticadas no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Continente Europeu provocaram uma quebra brusca de entradas de capitais a longo prazo na Europa Ocidental. Ao contrário, a separação artificial entre os mercados financeiros americanos e europeus deu origem a que aumentassem as emissões de empréstimos internacionais na Europa, cuja maioria é constituída por operações em dólares. Este facto deve-se às emissões volumosas na Europa, efectuadas por sociedades americanas e suas filiais, incitadas pelas providências de restauração da balança de pagamentos, a que adiante se fará referência.

Segundo informações recentes, o volume das emissões estrangeiras na Europa durante os primeiros quatro meses de 1966 ultrapassava já a metade do total registado no ano anterior. Apesar de o mercado dar já mostras de saturação, os fortes estímulos da política norte-americana para o ano em curso permitem prever que as referidas emissões prossigam em ritmo acelerado.

6. O comércio externo dos países europeus da O. C. D. E. cresceu em 1965 a um ritmo lento e inferior ao registado no ano findo. No entanto, o déficit comercial manteve-se praticamente estacionário, tendo-se compensado os vultosos saldos negativos da Alemanha e da Espanha com os movimentos favoráveis das balanças de pagamentos inglesa, francesa e italiana. Note-se, porém, que, em virtude de um mais rápido crescimento das exportações do que das importações - 20 e 7 por cento, respectivamente -, diminuiu o déficit do conjunto europeu com os Estados Unidos e o Canadá.

Em ritmo moderado se expandiu igualmente o comércio intereuropeu (11 por cento, contra 13 por cento no ano anterior), devido, em parte, às políticas de estabilização e, ainda, à discriminação tarifária decorrente da divisão económica da Europa Ocidental em dois blocos integrados.

Em França, o déficit da balança comercial reduziu-se consideravelmente, em virtude do acentuado acréscimo das exportações, enquanto as transacções sobre invisíveis correntes e movimentos de capitais se saldaram com importantes superavites, o que determinou um saldo global positivo de 1,1 mil milhões de dólares na balança de pagamentos.

Pelo que respeita à situação das reservas, há que registar terem estas acusado uma expansão de 395 milhões de dólares, inferior, portanto, à verificada no ano anterior. Em contrapartida, a percentagem de ouro no total das divisas aumentou substancialmente, em virtude da sua conversão naquele metal, anunciada pelo Governo no início de 1965 e desde então persistentemente efectivada.

Na Itália, as exportações cresceram de modo apreciável, em virtude da expansão da procura de origem externa,

enquanto o turismo continuava a facultar forte manancial de divisas. Por isso, a balança de pagamentos italiana traduziu-se em 1965 num saldo positivo de 1,6 mil milhões de dólares, ou seja mais 800 milhões do que o formado no ano precedente.

A França e a Itália foram dos raros países a conseguir melhorar, no último ano, a situação da balança de pagamentos. Com efeito, na generalidade dos países europeus, em que a expansão da procura superou a oferta de origem interna, o desequilíbrio traduziu-se em forte acréscimo de importações, com os naturais reflexos na balança de pagamentos.

Assim, na Alemanha Ocidental, os excedentes da procura interna desencadearam aumento das importações, que originou uma redução para metade do tradicional excedente da balança de mercadorias. Como as entradas líquidas de capitais a curto prazo não foram suficientes para compensar o déficit das transacções correntes, a balança de pagamentos saldou-se com um déficit global de 300 milhões de dólares, tendo as reservas descido a ponto de afectar a posição do marco nos mercados cambiais.

7. Merece referência especial a situação económica do Reino Unido, pelos reflexos que apresenta na sua balança de pagamentos e na posição da libra, uma das moedas-chave do sistema monetário internacional.

Em virtude da pressão exercida pela procura sobre os recursos, a política económica do Reino Unido tem promovido activamente os objectivos de estabilização dos preços e o restabelecimento da balança de pagamentos.

Em 1965 a procura global experimentou acentuado acréscimo, explicável, quer pelo agravamento do déficit do orçamento geral, quer pelas altas de salários não compensadas por ganhos de produtividade. A acção do Conselho Nacional para os Preços e Rendimentos não foi, na verdade, suficiente para impedir uma alta do salário horário de 7 por cento, cujos efeitos se agravaram pela tendência de redução da duração semanal de trabalho.

Não obstante a elevação dos impostos e das quotizações de previdência, a subida dos salários, aliada à alta das prestações de segurança social e dos dividendos distribuídos, veio determinar um aumento dos rendimentos disponíveis, que se converteu numa elevação quase equivalente das despesas dos consumidores. Este acréscimo da procura, apenas parcialmente compensado pela produção, originou, naturalmente, uma subida nos custos e nos preços e veio exercer pressões nefastas na balança de pagamentos e, consequentemente, na posição da libra.

Em 1965 a balança de pagamentos britânica revelou evolução mais favorável, tendo-se reduzido o déficit, graças ao acréscimo das exportações e à substancial redução das saídas de capitais a longo prazo, obtida por severas medidas de. controle de câmbios.

Importa, contudo, referir em traços largos a evolução dos pagamentos externos britânicos e os seus reflexos na recente crise da libra.

Durante os primeiros seis meses de 1965 o déficit da balança de pagamentos reduziu-se consideravelmente, em virtude das providências destinadas a dificultar as exportações de capitais privados a longo prazo e a restringir a concessão de créditos bancários e o nível da procura interna. Não obstante este comportamento favorável, a flexão dos haveres estrangeiros em esterlino veio determinar novas pressões sobre a libra, contidas, porém, pela ajuda dos bancos centrais e por um saque de 1400 milhões sobre o F.M.I., que possibilitou reembolsar compromissos interbancários e ainda aumentar o nível das reservas. Esta situação permitiu mesmo reduzir a sobre-

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taxa sobre as importações de 15 para 10 por cento P baixar a taxa oficial de desconto de 7 para 6 por cento, respectivamente em Abril e Junho do ano transacto.
No período entre Julho e Setembro, razões de carácter sazonal originaram o aparecimento do movo déficit de pagamentos, seguido de crise de confiança na libra e saída de vultosos capitais de Londres, em parte sanadas pelo recurso às facilidades dos bancos centrais estrangeiros.
Porém, a partir de Setembro e graças ao apoio interbancário, acentuou-se a recuperação da libra, que chegou a atingir cotação superior à paridade. Nos últimos meses do ano a evolução processou-se de forma satisfatória, tendo-se registado importante refluxo de capitais para Londres, mercê da melhoria da balança de pagamentos britânica e das balanças dos países ultramarinos membros da zona do esterlino, que vieram confirmar e reforçar a confiança na libra.
Ao contrário, porém, do que sucedera nos últimos meses de 1965, em que as exportações cresceram em ritmo acelerado, o 1.º trimestre de 1966 caracterizou-se por uma taxa de acréscimo de 1 por cento, enquanto as importações redobravam de intensidade, em virtude das despesas dos consumidores, que previam um acréscimo dos impostos indirectos. Em face destes resultados pouco animadores a libra voltou a revelar menor firmeza, acentuada pelo anúncio das eleições gerais e pelo conflito da marinha mercante.
Como a pressão da procura sobre os recursos se mantinha, o Governo britânico lançou mão de uma vasta gama de medidas financeiras e monetárias destinadas a atenuar os efeitos inflacionistas e a salvaguardar a posição do esterlino.
No projecto de orçamento, apresentado em Maio do corrente ano, prevê-se uma compressão do déficit da ordem de 239 milhões de libras, através de um agravamento da pressão fiscal. De entre os impostos suplementares aplicáveis, cumpre referir, pelo seu relevo, a taxa selectiva de emprego, cuja finalidade imediata consiste em retirar mão-de-obra do sector dos serviços, dirigindo-a paru sectores mais produtivos, como a indústria transformadora.
Por outro lado, anunciou-se oficialmente a abolição em Novembro próximo da sobretaxa sobre as importações aplicada em Outubro de 1964. A balança de pagamentos deveria ser restaurada mediante um programa de limitação de saídas de capitais, com o objectivo de diferir por um ou dois anos a execução dos investimentos projectados nos países desenvolvidos da zona do esterlino. Paralelamente, deveriam ser restringidas as despesas do Governo no estrangeiro, tendo sido anunciadas negociações com a Alemanha Ocidental no sentido de desonerar o Reino Unido de parte do custo em divisas do estacionamento de tropas britânicas naquele país.
Em Julho último, o prolongamento dos resultados decepcionares do comércio externo criou um clima propício a que se sugerisse em certos círculos uma desvalorização da libra em 15 por cento. Tal medida apresentaria, no entanto, sérios inconvenientes. Para além do facto de outros países poderem seguir a política britânica, anulando a vantagem temporariamente obtida, acresciam ainda as pressões que tal desvalorização iria exercer sob o dólar, bem como as consequências desfavoráveis no ponto de vista da política interna.
Por todas estas razões, o Governo decidiu optar por um conjunto de medidas que, dispensando a drástica solução preconizada por alguns, permitisse igualmente refrear a [...], reduzir os excedentes da procura e promover um impacto na balança de pagamentos..
Pelo que respeita à política de crédito, para além da elevação da taxa oficial de desconto, fixou-se um limite máximo aos empréstimos bancários a conceder até fim de Março de 1967.
A política de rendimentos foi orientada no sentido da estabilização de salários durante seis meses, com restrições rigorosas no semestre subsequente; medidas semelhantes são aplicáveis aos dividendos e preços de todos os bens e serviços, embora se tomem em consideração os custos dos materiais importados, factores de carácter sazonal ou actos do Governo.
Adoptou-se também um conjunto de providências destinadas a conter a procura privada interna. Nesta linha de orientação, fixaram-se condições mais rígidas para as vendas a prazo; aumentaram-se em 10 por cento as taxas dos principais impostos indirectos; aplicou-se uma sobretaxa temporária de 10 por cento no imposto sobre o rendimento; elevaram-se os encargos postais e telefónicos; finalmente, prosseguiu-se uma política de rigoroso licenciamento de construções de edifícios para fins públicos ou comerciais.
Toda esta gama de medidas permite prever um certo afrouxamento da pressão exercida pela procura sobre os recursos durante o ano. Novas providências destinadas a conter a procura interna se tornarão, porém, necessárias se a situação da balança de pagamentos não apresentar a curto prazo melhorias consideráveis.

2 - Evolução da conjuntura na América do Norte

8. Em 1965 a economia dos Estados Unidos prosseguia no seu quinto ano consecutivo de expansão económica, em ritmo acelerado. A produção situou-se, de facto, a um nível próximo do potencial produtivo, tendo-se reduzido consideràvelmente a margem de recursos não utilizados, a ponto de a taxa de desemprego se ter confinado a limites sem precedente há mais de um decénio (4,4 por cento).
Para a rápida progressão do produto nacional bruto - 5,5 por cento - contribuíram os acréscimos das despesas de investimento em capitais fixos e o consumo dos particulares, não obstante o declínio registado na construção de habitações e nas exportações de mercadorias e serviços. Deve, contudo, salientar-se que a aludida expansão do produto foi em grande parte estimulada por apreciável largueza na concessão de crédito e por medidas financeiras de efeitos expansionistas, tais como a entrada em vigor da 2.ª fase do programa de redução de impostos sobre o rendimento, a ampla diminuição dos impostos indirectos e a subida das prestações de segurança social, para além das despesas militares decorrentes das operações do Vietname.
Ao contrário, porém, do que nos últimos anos se verificara, o índice de preços por grosso dos produtos industriais elevou-se de 1,8 por cento, enquanto o índice de preços no consumidor acusou acréscimo de 1,5 por cento. É certo que a tendência revelada por este último índice é, em parte, imputável a factores. temporários, como a subida de preços dos produtos alimentares e de certas matérias-primas. Mas, apesar desta circunstância e do facto de os acréscimos de salários terem sido compensados por ganhos de produtividade, a verdade é que o ano de 1965 veio revelar que a economia americana, à semelhança da Europa Ocidental, sofre actualmente pressões da procura. Este fenómeno de alta de preços, aliado à diminuição da reserva de mão-de-obra desempregada, parece ter posto termo à estabilidade que até agora caracterizara a fase ascendente da conjuntura.

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9. Como a economia norte-americana apresentava no ano transacto, a par de uma acentuada tendência expansionista, alguns sinais de desequilíbrio, impôs-se a adopção de medidas tendentes a reduzir, embora moderadamente, o ritmo de acréscimo da procura.
Na verdade, desde os primeiros meses de 1965 a política monetária tomou nítida tonalidade restritiva. Como se acentuara a procura de crédito, em virtude do aumento das despesas de investimento, da expansão do crédito ao consumo e da dívida pública, as taxas de juro foram-se elevando progressivamente no decorrer do ano. Tendo em atenção estas circunstâncias, as autoridades monetárias norte-americanas decidiram, em 6 de Dezembro último, elevar a taxa de redesconto dos bancos da Reserva Federal de 4 para 4,5 por cento. Por outro lado, os bancos foram autorizados a elevar até 5,5 por cento a taxa de juro dos depósitos a prazo com vencimento igual ou superior a 30 dias.
A tendência para a alta continuou a desenhar-se nos primeiros meses de 1966, não só nas taxas de juro a curto prazo, mas também nas taxas de juro a médio e longo prazo, que desde há alguns anos se mantinham estacionárias.
Em ordem a coadjuvar e reforçar a acção da política monetária no sentido da contenção do ritmo da procura, adoptaram-se na Primavera do corrente ano importantes medidas financeiras, de que cumpre salientar a aceleração da cobrança do imposto sobre lucros das sociedades, a elevação do montante de retenções na fonte de rendimentos dos particulares e a suspensão por dois anos da redução dos direitos sobre vendas de automóveis e serviços telefónicos, que entrara em vigor no dia 1 de Janeiro do ano em curso.

10. A evolução da balança de pagamentos norte-americana traduziu-se em 1965 pela redução do déficit de 2800 para 1300 milhões de dólares. Este resultado é essencialmente explicável pela diversidade de comportamentos registados na balança comercial e na balança de capitais.
A balança de mercadorias deteriorou-se no ano transacto, mercê de um crescimento mais rápido das importações relativamente ao das exportações. Na verdade, a expansão da procura interna e o abrandamento do ritmo da procura externa, nomeadamente da Europa Ocidental, do Japão e dos países menos desenvolvidos, originaram uma sensível flexão das exportações americanas, que cresceriam a uma taxa de 4 por cento, quando no ano anterior se registara uma taxa de 14 por cento. Em contrapartida, as importações aumentaram de 15,5 por cento, que representa a taxa mais elevada desde há sete anos.
Esta evolução desfavorável da balança comercial veio atenuar os efeitos da apreciável redução das saídas globais de capitais privados, de que foram primeiros responsáveis os créditos a curto prazo. De facto, enquanto em 1964 ias saídas líquidas representavam 2100 milhões de dólares, em 1965 verificou-se uma inversão de movimentos, cifrando-se a entrada Líquida de créditos em 700 milhões de dólares. Este fenómeno determinou a aludida compressão das saídas globais de capital, não bastante terem aumentado ou permanecido estacionárias as exportações de capitais privados a longo prazo, os investimentos directos, as compras de valores mobiliários estrangeiros por conta de residentes e os donativos e operações de capital do Governo.
O aludido fenómeno deve-se a um conjunto de providências utilizadas pela administração, consciente de que as saídas de capitais, pelo relevo que adquiriram desde 1960, se tornaram um dos mais importantes obstáculos à restauração da balança de pagamentos norte-americana. Estes movimentos não têm revestido natureza especulativa, antes têm sido determinados por maiores expectativas de lucro no estrangeiro, em grande parte explicáveis pela entrada em funcionamento do Mercado Comum Europeu, e pela própria política de facilidades na concessão de crédito até então praticada nos Estados Unidos.
Uma vez que a política monetária, dominada por objectivos de ordem interna, se alheara, de certo modo, da sua missão equilibradora da balança de pagamentos, foram adoptadas medidas de diversa natureza no sentido de conter as exportações de capitais e, do mesmo passo, evitar a diminuição das reservas. Assim, já em Julho de 1963 tinha sido apresentado um projecto de taxa de perequação do juro, que veio determinar uma substancial redução de emissões de títulos estrangeiros no mercado de Nova Iorque.
Porque esta medida não se apresentava suficiente para evitar as vultosas saídas de capitais, adoptou-se em Fevereiro de 1965 um programa voluntário de restrição de créditos consentidos ao estrangeiro. De harmonia com os termos deste programa, foram limitados os empréstimos dos bancos a não residentes; as sociedades, convidadas a melhorar de 15 a 20 por cento, em 1965, a situação dos seus pagamentos exteriores; por outro lado, foi pedida às empresas a estabilização média dos seus investimentos directos fora dos Estados Unidos.
A par deste programa, e no sentido de restaurar a situação da balança de pagamentos, decidiu-se ainda a prorrogação até 1967 da taxa de perequação do juro e a fixação de um limite ao valor dos produtos a importar por turistas americanos.

11. Não obstante a melhoria apresentada pela evolução da balança de pagamentos, o valor das reservas oficiais de ouro e divisas sofreu em 1965 forte contracção (menos 1300 milhões de dólares), que o situou em nível não registado há cerca de 30 anos. Este desgaste das reservas foi provocado, quer pela liquidação em ouro do aumento da quota dos Estados Unidos no F. M. L, quer pela decisão da França de converter em ouro parte das suas disponibilidades em divisas.
A redução do encaixe metálico foi, porém, parcialmente compensada por um acréscimo dos haveres oficiais em divisas estrangeiras, representado essencialmente pela utilização, por parte da Inglaterra, da linha de crédito aberta pelo Sistema de Reserva Federal.

12. Os indicadores da conjuntura permitem prever, para o 2.º semestre do ano em curso, uma forte progressão das componentes da procura interna. Na verdade, o acentuado acréscimo das despesas públicas constitui um factor de impulsão do consumo e do investimento, que se devem prolongar em níveis elevados. Por outro lado, a rápida diminuição da margem dos recursos por utilizar pode constituir sério obstáculo à prossecução de uma política de estabilidade na actual fase ascendente da conjuntura.
Pelo que respeita à situação do mercado monetário, prevê-se uma sensível expansão da procura de créditos. A manter-se o nível actual das operações restritivas de open-market, é porventura de esperar nova elevação das taxas de juro.
Quanto à balança de pagamentos, espera-se que as medidas tomadas pelo Governo determinem nova redução de saídas de capitais, que devem este ano abranger sobretudo os capitais a longo prazo. Torna-se, no entanto,

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difícil prever em que medida tais providências podem criar tensões desfavoráveis nos mercados financeiros, bem como repatriações de capitais estrangeiros dos Estados Unidos, que anulariam em parte os benefícios pretendidos pelas políticas aludidas.

13. Tal como a economia dos Estados Unidos, a do Canadá entrou em 1965 no seu quinto ano consecutivo de franca expansão económica. Na verdade, o produto nacional bruto aumentou de 6,6 por cento, em termos reais, para o que concorreu essencialmente o elevado nível dos investimentos. No entanto, após quatro anos de relativa estabilidade, o ano de 1965 veio acusar sensíveis subidas de preços, tendo-se elevado de 3,2 por cento o índice de preços no consumidor.
A balança de pagamentos do Canadá experimentou também, no ano transacto, evolução desfavorável, que veio inverter a tendência para a melhoria que se revelara progressivamente desde 1959. O facto deve-se, em grande parte, à deterioração da balança comercial, resultante dos acentuados acréscimos da procura interna e da flexão das vendas de trigo.
O agravamento da balança exterior, aliado às altas de preços e salários e à rápida diminuição da mão-de-obra desemprega ia, determinou o Governo a adoptar providências destinadas a conter a elevação da procura interna. Deste modo, as empresas foram aconselhadas a moderar os seus investimentos, abrandou-se o ritmo de execução de grandes obras públicas e elevou-se, em Dezembro do ano findo, a taxa de desconto de 4 1/4 para 4 3/4 por cento.
Nos primeiros meses de 1966 continuava o agravamento dos preços, devido, em grande parte, ao forte acréscimo das despesas públicas. Daí que se tenha de novo elevado em Março a taxa de desconto para 5 1/4 Por cento e adoptado medidas fiscais tendentes a estimular as empresas a diferir os seus investimentos e a retirar poder de compra da economia.
As previsões para o 2.º semestre do corrente ano levam a admitir o prolongamento da expansão, uma vez que se têm desenvolvido todas as componentes da procura interna. No entanto, o ritmo de crescimento da economia canadiana póde sofrer a influência da provável deterioração da bala aça de pagamentos correntes e da recrudescência das pressões da procura.

3 - Cooperação económica e financeira internacional

14. As transacções do Fundo Monetário Internacional com os Estados membros revestiram-se em 1965 de particular importância para o funcionamento do sistema monetário internacional, em virtude do limitado aumento dos encaixes-ouro e dos haveres mundiais de divisas. Na realidade, as dificuldades de pagamentos dos dois centros emissores de reservas - os Estados Unidos e a Grã-Bretanha -, bem como as insuficiências cambiais dos países subdesenvolvidos, explicam a intensa actividade do Fundo no ano transacto.
Particularmente no que respeita a estes últimos países, há que registar terem os saques por eles efectuados atingido o montante de 487 milhões de dólares, quantitativo dos mais elevados desde a data da criação do Fundo. Em contrapartida, o sistema de financiamentos compensatórios tem-se revelado insuficiente para anular os efeitos das autuações dos produtos primários, de que dependem essencialmente as economias daqueles países.
Como já se acentuou no relatório da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965, tem sido preocupação dominante o aperfeiçoamento e reforma do sistema de liquidações internacionais, em ordem a dotá-lo dos meios suficientes para acompanhar a economia mundial em expansão. Assim, com o objectivo de aumentar a liquidez internacional, a assembleia geral anual do F. M. I. decidiu, em 1964, um aumento das quotas dos Estados membros, que foi posteriormente fixado pelo Conselho em 25 por cento e que entrou em vigor em 26 de Fevereiro de 1966. Fixaram-se, contudo, percentagens mais elevadas de aumento para dezasseis países membros daquela instituição. Tais acréscimos atingem os 5000 milhões de dólares e deverão ser liquidados 25 por cento em ouro e 75 por cento na moeda respectiva de cada país. Dentro da mesma linha de orientação, o prazo de validade dos acordos gerais de empréstimo foi prorrogado por um novo período de quatro anos, a contar de Outubro de 1966.
Não obstante os aperfeiçoamentos introduzidos, mantém-se a necessidade de estudar a reforma do sistema monetário internacional, com vista a conferir-lhe a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento do comércio mundial sem risco de deflação.
O último relatório do F. M. I. exprime a opinião de que os métodos existentes permitem, pelo menos num futuro próximo, a criação de reservas num volume suficiente para ocorrer às necessidades das liquidações internacionais. Ao invés, no relatório apresentado pelo Grupo dos Dez - o relatório Ossola - sustenta-se ser necessária a criação de liquidez adicional, destinada a suprir as insuficiências previsíveis de ouro e do dólar. Neste importante documento apresentam-se algumas sugestões positivas de reforma, formuladas essencialmente no ponto de vista técnico, de modo a permitir a discussão no plano político em fase ulterior. Mas nas recentes reuniões do Grupo dos Dez, levadas a cabo em Junho e Julho do ano em curso, não se conseguiu obter acordo quanto às questões de fundo e quanto ao modo de proceder às negociações, que os Estados Unidos desejariam ver alargadas pela participação de dez pequenos países.
Por outro lado, os Estados estranhos ao Grupo dos Dez pretendem não ser excluídos das negociações, cuja evolução irá necessariamente reflectir-se no seu processo de expansão. Em especial, os países menos desenvolvidos sustentam a necessidade de se coordenar a revisão do sistema monetário internacional com a adopção de políticas comerciais e de auxílio tendentes a combater os desequilíbrios estruturais. Aquela reforma deveria considerar igualmente a estreita conexão entre a expansão da liquidez internacional e o financiamento do desenvolvimento económico.

15. No ano económico terminado no final de Junho de 1966, o volume da assistência financeira do B. I. B. D. atingiu o montante de 839 milhões de dólares, situando-se, portanto, aquém do máximo de 1023 milhões realizados no exercício anterior. Esta assistência repartiu-se por diversos sectores, cabendo o primeiro lugar aos transportes, logo seguidos pela energia eléctrica, agricultura, indústria, telecomunicações, fornecimentos de água e educação.
É digno de referência especial o progresso registado no capítulo do financiamento da educação, no qual se aplicaram cerca de 34 milhões de dólares, fornecidos em parte pelo Banco e, em parte mais ampla, pela Associação Internacional de Desenvolvimento. A actividade destas organizações no capítulo educacional, que se desenvolve há perto de quatro anos, traduz-se já num total

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de 86,1 milhões dê dólares, o que revela a importância conferida aos investimentos intelectuais, elemento decisivo do processo de desenvolvimento económico.
Saliente-se ainda ter sido assinada e ratificada por largo número de países a convenção que institui um sistema de conciliação e arbitragem nos diferendos, relativos a investimentos, entre Estados membros e cidadãos de outros Estados. Registaram-se também progressos no projecto de instituição de um esquema multilateral para segurar os investimentos estrangeiros contra riscos anormais, elaborado em cooperação com a O. C. D. E. e a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento. Espera-se que este projecto seja ainda discutido pelos directores executivos no 2.º semestre do ano em curso..
Note-se ainda que no ano económico terminado em Junho de 1966 Portugal beneficiou de dois empréstimos do Banco Mundial, no total de 30 milhões de dólares, destinados ao financiamento do sector da energia eléctrica.
A Associação Internacional de Desenvolvimento concedeu no aludido ano económico créditos totais no valor de 284 milhões de dólares, menos 25 milhões, portanto, do que no ano transacto, orientados predominantemente para os sectores da indústria e dos transportes.
Registe-se, finalmente, que os financiamentos da Sociedade Financeira Internacional - a que o nosso país recentemente aderiu - atingiram no exercício findo o montante de 35,6 milhões de dólares, denotando assim apreciável melhoria sobre o ano anterior.

16. As negociações integradas no Kennedy Round decorreram no ano findo sem que se tivessem registado significativos progressos. As listas de produtos industriais que devem ser excluídos da redução linear de 50 por cento foram justificadas e confrontadas pelos Estados intervenientes. For outro lado, considerou-se o problema dos chamados obstáculos paratarifários e não tarifários ao comércio, que, em geral, constituem sérios entraves às trocas internacionais.
Pelo que respeita às negociações multilaterais por classes de produtos, iniciaram-se em Maio de 1966 conversações sobre o aço e os produtos químicos. A principal dificuldade tem sido suscitada pelo facto de as tarifas aduaneiras aplicadas pelos Estados Unidos sobre aqueles produtos serem calculadas, não pelo próprio valor dos bens importados, mas pelo preço de venda no mercado interno.
A crise registada no ano transacto na Comunidade Económica Europeia veio pràticamente bloquear as negociações Kennedy sobre produtos agrícolas. Com o superamento da crise, a C. E. E. pode de novo ter nelas participação activa, havendo sido já ensaiadas as primeiras tentativas no sentido de reatar as conversações. Assim, os países do Mercado Comum acordaram em completar as ofertas que a Comunidade fará aos intervenientes do Kennedy Round sobre um certo número de produtos, tais como os cereais, o alumínio, a pasta de papel e produtos derivados. Prevê-se, contudo, que os maiores obstáculos surgirão a propósito do acordo mundial sobre os cereais, já pela escolha do método de subtracção dos excedentes do circuito, já pelo sistema de repartição dos encargos destas técnicas pelos países membros da C. E. E.
Como as dificuldades não cessam de se avolumar e, por outro lado, o Trade Expansion Act apenas concede ao presidente dos Estados Unidos poderes para negociar reduções de tarifas aduaneiras até meados de 1967, torna-se cada vez mais urgente e penosa a tarefa de proceder a uma liberalização em larga escala do comércio mundial.

17. Durante o ano de 1965 os temas dominantes nas reuniões ministeriais da A. E. C. L. foram principalmente os decorrentes da sobretaxa britânica sobre as importações e os resultantes da cisão económica da Europa Ocidental. Assim, nas reuniões de Viena e Copenhaga, efectuadas, respectivamente, em 24 de Maio e em 28 e 29 de Outubro do ano findo, foi claramente afirmado o propósito de uma estreita cooperação com a C. E. E., quer no que respeita à política económica e comercial, quer nos domínios de investigação fundamental e aplicada. Por outro lado, os restantes membros da A. E. C. L. foram unânimes em criticar a manutenção da sobretaxa britânica, dados os reflexos desfavoráveis nas correntes comerciais dentro da zona. Compreende-se, pois, que tenha sido recebido com satisfação o anúncio formulado pelo chanceler do Tesouro em Maio de 1966 de que a aludida taxa seria abolida em Novembro próximo.
Na reunião do Conselho da A. E. C. L. levada a cabo em 12 e 13 de Maio do corrente ano em Bergen, na Noruega, sublinhou-se a relevância daquela medida para o futuro da Associação, cujos progressos têm sido notórios pelo dinamismo imprimido às trocas comerciais.
De novo se voltou a abordar o problema da integração económica europeia, pondo-se em destaque a conveniência de se encetar o diálogo com a C. E. E., de forma a conduzir ao desenvolvimento recíproco das trocas e à expansão das economias dos dois blocos em causa. Com vista a preparar esta eventual reunião, o Conselho decidiu encarregar o Secretariado de elaborar um estudo sobre as perdas e deficientes aplicações de recursos a que conduz a existência de dois blocos económicos discriminatórios.
Os Ministros reunidos em Bergen exprimiram também a sua apreensão pela morosidade e escassos progressos das negociações Kennedy, decidindo promover todos os esforços no sentido de as levar a bom termo, visto serem um importante instrumento de expansão das trocas mundiais e de atenuação das consequências da divisão económica da Europa.
Na aludida reunião do Conselho da A. E. C. L. decidiu-se igualmente a criação de um subcomté do Comité Consultivo para discutir problemas económicos e sociais e tomaram-se providências relativas ao desenvolvimento das trocas agrícolas entre países membros, às normas industriais e ao direito de estabelecimento.
Pelo que toca a este direito, determinou-se que certos casos envolvem necessariamente uma expansão das trocas interzonais, pelo que devem ser autorizados sem restrição, criando desse modo um tratamento menos favorável para entidades não originárias da zona. As legislações dos Estados membros, aliás, devem ser por estes examinadas - e os resultados deste exame comunicados ao Conselho -, com vista a permitir uma aplicação mais efectiva do artigo 16.º da Convenção de Estocolmo.
Quanto às propostas de expansão das trocas agrícolas, formuladas por Portugal e pela Dinamarca, o Conselho da A. E. C. L. convidou os Estados membros a proceder a negociações bilaterais destinadas a reduzir ou suprimir os obstáculos ao comércio destes produtos. Convidaram-se também os Governos a adoptar, na medida do possível, providências legislativas tendentes a combater as exportações de produtos agrícolas provenientes de terceiros países e que sejam objecto de dumping ou de subvenções.
Com a abolição da totalidade dos direitos aduaneiros sobre produtos industriais e a entrada em vigor de medidas tendentes a aperfeiçoar a estrutura da zona de comércio livre em 31 de Dezembro do corrente ano, é de esperar que a actividade da A. E. C. L. continue a concorrer para uma expansão acelerada do comércio e da economia dos seus membros.

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18. A questão do financiamento da política agrícola comum e da consequente extensão dos poderes dos órgãos comunitários esteve na origem da crise que em Junho de 1965 eclodiu na C. E. E. e que praticamente bloqueou a actividade desta organização. Reveste-se, pois, do mais alto significado o acordo firmado em 11 de Maio do ano em curso, que representa o superamento daquela crise e, do mesmo passo, uma sólida base para a estruturação da união aduaneira entre os Seis.

Nos ternos do citado acordo, fixou-se que em 1 de Julho de 1968 não só seriam suprimidos os últimos direitos aduaneiros entre os Estados membros da Comunidade, como também estes procederiam ao ajustamento das suas tarifas à tarifa exterior comum. A supressão dos restantes direitos 20 por cento do nível existente à data da formação do Mercado Comum efectuar-se-á em dois escalões: 5 por cento em 1 de Julho de 1967 e 15 por cento em 1 de Julho de 1968. Prevê-se igualmente para esta data a livre circulação de todos os produtos agrícolas, o que supõe a entrada em vigor dos preços comuns até esse momento.

Quanto ao financiamento da política agrícola comum, decidiu-se que o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (I. E. O. Gr. A.) passará a tomar a seu cargo a totalidade das despesas relativas aos produtos que beneficiam de uma organização dos mercados. O Fundo será alimentado pôr receitas provenientes de origens diversas: uma parte consistirá em 90 por cento dos levantamentos antecipados percebidos pelos Estados membros na importação de produtos agrícolas derivados de terceiros países; outra parte é constituída por contribuições dos orçamentos nacionais.

Este processo revela-se um poderoso instrumento de consolidação da união aduaneira, visto que os encargos do financiamento da política agrícola comum incidirão principalmente sobre os Estados que importem produtos agrícolas de países estranhos à Comunidade.

De particular importância reveste-se também o acordo, assinado petos Seis em 24 de Julho do ano em curso, através do c uai se deu um dos últimos passos decisivos pana a construção da Europa Verde. O acordo tem por conteúdo um complexo de decisões relativas à organização dos mercados e à fixação dos preços comuns de produtos de espacial relevância para as economias da Comunidade, tais como o açúcar, o leite, os frutos e legumes e a carne.

Estes importantes progressos registados no capítulo da política agrícola comunitária levam a supor que a C. E. E. se encontrará a breve prazo em posição de participar nas negociações sobre produtos agrícolas, integradas no Kennedy Round e contribuir assim para uma ampla liberalização do comércio mundial.

Pelo que respeita à política comercial exterior, há que registar terem-se concluído com êxito as negociações realizadas com I Nigéria, com vista a outorgar a este país um estatuto similar ao que beneficia dezoito Estados signatários da Convenção de Yaoundé. Em contrapartida, prolongam-se ainda .as negociações com a Áustria, cujo objectivo é E criação de uma união aduaneira de facto entre a C. E E. e este país.

19. A O. O. D. E. exerceu no ano findo intensa actividade nos vários domínios da cooperação económica internacional.

No âmbito do Acordo Monetário Europeu, o Fundo Europeu outorgou à Turquia, em 30 de Julho de 1965,.. a segunda parti do sexto crédito, no valor de 25 milhões de unidades c e conta, que este país aplicou no reembolso de empréstimos anteriormente obtidos. Em 1 de Fevereiro de 1966, o Conselho do A. M. E. concedeu também um crédito de 30 milhões de unidades de conta à Grécia, que poderá ser objecto de saques numa base renovável durante três anos, beneficiando ainda este país de um prazo suplementar de dois anos para o reembolso.

As modificações introduzidas recentemente no funcionamento do Fundo Europeu, que lhe permitem facultar créditos até ao montante de 50 milhões de unidades de conta por prazo não superior a um ano e por simples decisão do Conselho, conferem a esta instituição perspectivas de uma acção mais flexível e eficaz no domínio da assistência financeira.

Os Comités do Comércio e das Transacções Invisíveis desenvolveram também, no ano último, apreciável actividade, devendo registar-se os esforços tendentes à eliminação das práticas comerciais restritivas e à liberalização das operações de invisíveis correntes e movimentos de capitais.

20. Merece referência mais pormenorizada a acção do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (C. A. D.), pelo relevo que assumiu a sua sexta reunião em alto nível, realizada em Washington, em 20 e 21 de Julho do corrente ano.

Nesta reunião apreciaram-se o ritmo e os níveis da ajuda financeira efectuada pelos países membros do C. A. D. aos países menos desenvolvidos no ano de 1965. Salientou-se terem sido os fluxos de capitais privados a contribuir mais activamente para o acréscimo da ajuda total, o que não deixa de apresentar sérios riscos, dada a elevação das taxas de juro e as crises de pagamentos nas economias exportadoras de capitais.

Do lado dos países menos desenvolvidos voltaram a ser ponderados os problemas da sua capacidade de absorção da ajuda financeira, bem como o dos encargos crescentes da dívida pública. Realçou-se que o pagamento de juros e amortizações por parte destes Estados cresciam rapidamente, não obstante a ajuda financeira do sector público ser constituída, em 60 por cento, por donativos e a quase totalidade do remanescente realizada a taxas inferiores às do mercado de capitais. Sugeriu-se, por isso, uma suavização dos termos dos empréstimos, no qual deviam colaborar todos os países fornecedores de assistência financeira. Igualmente se salientou o papel que o Fundo Monetário Internacional pode vir a desempenhar no sentido de proteger as balanças de pagamentos dos países menos desenvolvidos dos seus pesados encargos de dívida.

Na reunião de Washington foram também cuidadosamente analisados os problemas da agricultura e alimentação nos países subdesenvolvidos. Reconheceu-se, em geral, a necessidade de se intensificarem os esforços, por parte das nações mais industrializadas, no sentido de aumentar substancialmente o nível da ajuda alimentar. Esta necessidade deriva do constante aumento da procura de produtos alimentares, não compensada por oferta equivalente, já por terem sido extremamente pobres as colheitas em 1965-1966, já porque a política de controle da produção, praticada nos Estados Unidos, e as importações maciças da China e da União Soviética fizeram baixar os excedentes norte-americanos a níveis não registados há mais de um decénio.

Todavia, os países menos desenvolvidos - reconhece-se também - devem, por seu lado, conceder alta prioridade aos investimentos na agricultura, de modo a cobrir parte das suas próprias necessidades. A ajuda financeira

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e técnica deveria, pois, canalizar-se não só no sentido do fomento das exportações de bens alimentares, como também para o objectivo de apoiar a organização de planos eficazes de melhoramento da produtividade agrícola.

Estreita cooperação deverá ainda ser mantida quanto ao aspecto populacional do problema, já que as explosões demográficas na generalidade dos países subdesenvolvidos constituem sério obstáculo à obtenção de níveis alimentares satisfatórios.

Neste contexto, cumpre referir, pela sua dimensão e relevância, a recente política de ajuda- alimentar anunciada nos Estados Unidos. Por um lado, pretende-se aumentar a produção de alimentos destinados a programas de auxílio, e, por outro, adoptou-se um plano, designado por Food for Frcedom, destinado a substituir a legislação que deixa de vigorar em fins de 1966. O novo regime não exige o requisito da existência de excedentes, o que o torna mais regular e adequado às necessidades dos países carecidos de ajuda; em contrapartida, exige que o país beneficiário demonstre o desenvolvimento de esforços no sentido de uma progressiva auto-sustentação.

21. Cabe ainda fazer referência à recente reunião conjunta do F. M. I. e do B. I. E. D., em que se examinaram atentamente os problemas da expansão económica mundial, do desenvolvimento das trocas, do auxílio aos países em via de desenvolvimento e das actuais condições do mercado financeiro internacional. Sob este conjunto de aspectos, foi frutuoso o confronto de posições e as atitudes podem considerar-se coincidentes. Quanto à reforma do sistema monetário internacional, subsistem ainda profundas divergências, não obstante os progressos realizados e a aproximação de pontos de vista. E de esperar, no então to, que, por sucessivas transigência e como resultado dos estudos em curso, se encontre uma solução satisfatória na reunião do próximo ano.

Foram também especialmente analisadas as flutuações das exportações dos países de produção primária, que continuam a constituir sério obstáculo ao seu desenvolvimento económico. Por isso, reveste-se da maior importância a decisão, anunciada pelo Fundo, de ajustar os acordos de financiamento compensatório, de molde a aperfeiçoar estes instrumentos de estabilização e, portanto, de expansão económica equilibrada.

II

Economia nacional

A) Evolução da conjuntura no continente e ilhas adjacentes

l -Produção e procura

22. O produto nacional bruto, ao custo dos factores, cresceu no decurso da execução do II Plano de Fomento à taxa média anual de 6,1 por cento, como se conclui das estimativas revistas das contas nacionais (1).

Este resultado, mais favorável do que o previsto relativamente à aceleração da cadência de expansão do produto nacional, foi influenciado decisivamente pela recuperação observada a partir de 1962, após relativo afrouxamento no ano anterior.

Em 1965, primeiro ano da execução do Plano Intercalar de Fomento, o crescimento do produto nacional bruto, em termos reais, processou-se à taxa de 7 por cento, idêntica à verificada em 1964 e sensivelmente superior ao valor médio para os países industrializados da Europa Ocidental. Foi assim excedida de modo significativo a previsão formulada para o acréscimo do produto durante o período de execução do Plano (6,1 por cento).

Esta evolução foi determinada pelo prosseguimento da rápida expansão da actividade industrial, acompanhada do incremento da generalidade das actividades do sector terciário e de recuperação na produção agro-pecuária. Continuou assim a realização de um dos objectivos específicos dos planos de fomento a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional.

De acordo com estimativas provisórias, é de esperar que o produto nacional continue em 1966 o seu movimento de expansão, mas a taxa inferior à do ano transacto, devido ao comportamento desfavorável da produção do sector primário. Todavia, na maioria dos restantes sectores, o produto formado deve revelar expressiva elevação, nomeadamente nas indústrias transformadoras, electricidade e ainda na actividade comercial.

A evolução da formação e da aplicação do produto nacional no ultimo triénio consta do quadro que a seguir se publica:

[...ver tabela na imagem]

QUADRO I Produto e despesa nacional

(Em milhões de contos, a preços de 1963)

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[Ver tabela na imagem]

(a) Variações calculadas sobre os valores em milhares de contos.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Conclui-se dos números precedentes que a expansão das despesas dos consumidores em bens e serviços, determinada nomeadamente pela elevação dos salários e outros rendimentos e pelas transferências privadas, exerceu nos últimos anos acção preponderante como elemento dinamizador da produção, ascendendo a sua taxa de acréscimo em 1965 a 7 por cento. Em face desta evolução, e considerando o acréscimo verificado na capitação do produto, é lícito admitir que teria prosseguido a melhoria do nível de vida da população. De igual modo, a procura externa de bens e serviços teve no ano transacto acentuado efeito expansionista, devido em particular ao desenvolvimento do turismo.

Na formação de capital fixo registou-se nos dois últimos anos afrouxamento em relação à cadência de expansão particularmente expressiva verificada em 1963. For sua vez, as despesas correntes do sector público aumentaram em 1965 a ritmo mais lento do que no ano anterior.
Paralelamente à expansão da procura, prosseguiu ainda o aumento das importações de bens e serviços, nomeadamente das destinadas ao desenvolvimento da indústria.

No ano em curso, apesar de não se dispor de estimativas completas, pode admitir-se que se manterá a preponderância do consumo privado e das exportações de bens e serviços na intensificação da produção. Além disso, prevê-se que o ritmo de acréscimo das despesas correntes do sector público volte a flectir, enquanto que a formação de capital fixo deve ultrapassar ligeiramente o nível alcançado em 1965.

Agricultura, silvicultura e pesca

23. O valo: acrescentado no sector primário revelou nos últimos anos evolução irregular, a que não foram estranhos os efeitos das condições atmosféricas sobre algumas das principais; produções agrícolas. Com efeito, após comportamento particularmente favorável em 1962, o produto formado na agricultura de elevada preponderância no sector manteve-se estacionário no ano imediato e flectiu em 1964. No entanto, em 1965 evidenciou apreciável recuperação.

Quanto às restantes actividades englobadas neste sector silvicultura e pesca, embora o produto nelas formado manter ha tendência ascendente, a sua variação não se reveste de significado especial.

Esta evolução, associada à que se observou nos restantes sectores, determinou sucessivos decréscimos da contribuição do agregado «Agricultura, silvicultura e pesca» para a formação do produto interno, que se situou no último ano em cerca de 20 por cento.

24. A avaliar pelas previsões do Instituto Nacional de Estatística, é de admitir que o produto originado no sector primário acuse contracção em 1966. Com efeito, os resultados da campanha agrícola devem revelar-se inferiores aos do ano transacto, em consequência fundamentalmente de quebras nas colheitas de trigo, centeio, cevada, vinho e azeite, que foram afectadas por desfavoráveis condições atmosféricas. Prevê-se, porém, que as culturas de regadio, em especial as de batata, milho, arroz e feijão, apresentem produções superiores às de 1965.

Relativamente à actividade pecuária, o nível de pluviosidade verificado durante a maior parte do ano favoreceu o desenvolvimento das pastagens naturais e das forragens verdes, com benefício para a criação de gados. Aliás, a tonelagem de gado abatido para consumo público na metrópole aumentou cerca de 23 por cento no decurso dos seis primeiros- meses de 1966. Para este comportamento teriam ainda contribuído as providências adoptadas no ano anterior, com vista ao fomento da produção e ao aperfeiçoamento dos processos de comercialização da carne e do leite.

Por seu lado, a produção frutícola evoluiu em sentido desfavorável. Em face da relativa escassez verificada, resultante também da expansão da procura, o mercado de frutas esteve sujeito durante uma parte do ano a tensões, que determinaram intervenção com vista a conter a alta dos preços.

Prosseguiu no decurso de 1966 a acção do Governo com o objectivo de promover uma mais ampla participação da agricultura no desenvolvimento económico do País, em conexão com os restantes sectores da economia. Em especial, por despacho de 20 de Maio último, foram estabelecidas as bases gerais da assistência técnica e financeira à lavoura e, particularmente, da concessão de dotações à cultura cerealífera, em regulamentação do Decreto-Lei n.º 46 595. Este despacho teve como finalidade esclarecer, em pormenor, os objectivos a atingir no domínio do fomento agro-pecuário, através da ordenação das culturas e da adopção de técnicas de produção tendentes à melhoria da produtividade. Nele se acentua que o apoio a conceder pelo Governo se destina à organização de explorações agrícolas rentáveis, embora se confira prioridade à assistência relativa a associações de agricultores de natureza comunitária.

Fixaram-se ainda as atribuições e objectivos das comissões técnicas regionais, criadas por despacho de 15 de Março último, às quais compete, fundamentalmente, estudar as medidas indispensáveis ao aumento da produção agro-pecuária e silvícola, em condições técnicas e económicas adequadas, indicando os requisitos a satisfazer pelos agricultores para beneficiarem da assistência técnica e financeira dos serviços oficiais, de acordo com a política de reconversão agrícola. No que respeita às dotações à produção cerealífera, assinale-se que a sua concessão se destina particularmente às explorações situadas nas regiões julgadas aptas à cultura de cereais, dependendo nas restantes regiões da realização da reconversão gradual.

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25. Gomo no ano anterior, o valor acrescentado pela silvicultura terá registado ligeira contracção em 1966, que deve atribuir-se essencialmente à produção de cortiça, cujo ciclo de extracção se situa ainda na fase decrescente. Prevê-se, do mesmo modo, ligeira quebra na extracção de resinas, mas o corte de madeiras manteve a tendência ascencional verificada nos últimos anos, em paralelismo com o desenvolvimento das indústrias que as utilizam, em especial a de pasta para o fabrico de papel.

Prosseguiu, aliás, o revestimento florestal das áreas adequadas a esta finalidade, sendo de esperar a intensificação desta acção, em especial nos terrenos particulares, de harmonia com a política de reconversão agrária. Dentro desta orientação, o programa para 1966 do Plano Intercalar de Fomento inscreveu uma dotação de 125 000 contos para repovoamento florestal, integralmente a cargo do Orçamento Geral do Estado. Saliente-se, ainda, que no ano em curso foram submetidos a regime florestal parcial obrigatório terrenos baldios situados na serra dos Candeeiros.

26. De acordo com os elementos provisórios disponíveis, o produto formado no sector da pesca, que em 1965 se manteve relativamente estável, deve evidenciar acréscimo de cerca de 5 por cento no corrente ano.

No prosseguimento da política de modernização da frota pesqueira nacional, foi autorizada no ano corrente a emissão da obrigação geral representativa da 2.º série do empréstimo de renovação e apetrechamento da indústria da pesca, no quantitativo de 74 000 contos, destinado ao financiamento de empreendimentos incluídos no Plano Intercalar de Fomento.

Indústrias e construção

27. O desenvolvimento industrial do País intensificou-se de modo significativo nos dois últimos anos, mercê, nomeadamente, da instalação e ampliação de numerosas unidades industriais.

De facto, o valor acrescentado no sector industrial, incluindo a construção, depois de aumentar à taxa de 13 por cento em 1964, acusou novamente no ano transacto ampla expansão (10,7 por cento). Idêntica tendência é revelada pelo índice anual da produção industrial (*), que aumentou de 11,7 e 8 por cento em 1964 e 1965, respectivamente. Deste modo, a expansão da produção industrial do País tem vindo a processar-se a cadência mais rápida do que na generalidade dos países da Europa Ocidental. Esta favorável evolução deve-se, em geral, à expansão da produção, quer no sector das indústrias tradicionais, quer no das recentemente lançadas. Entre as primeiras, cabe destacar as dos têxteis, vestuário e calçado, enquanto que para as últimas se verificou expansão particularmente nítida nos sectores da «Metalurgia de transformação, indústrias mecânicas e eléctricas» e «Material de transporte» e ainda, em menor escala, nas «Indústrias químicas e actividades conexas».

Saliente-se também a recuperação do produto formado na construção em 1965. Por seu lado, a produção das indústrias extractivas manteve-se em nível estacionário, não obstante o desenvolvimento verificado na actividade das pedreiras.

28. De harmonia com as estimativas do Instituto Nacional de Estatística, prevê-se para 1966 elevação do produto do sector «Indústrias e construção» à taxa de 6,5 por cento. Esta expansão resulta essencialmente da evolução prevista para a actividade das indústrias transformadoras, embora o produto da construção, de menor influência no conjunto, apresente também acréscimo apreciável. O mesmo sucede com as indústrias extractivas.

Os aperfeiçoamentos introduzidos na elaboração das contas nacionais tornam possível analisar pela primeira vez o desdobramento por sectores do valor acrescentado nas indústrias transformadoras, embora com reservas, dado o carácter provisório das estimativas. Com base nelas, a favorável evolução das indústrias transformadoras teria resultado de aumentos no produto formado na generalidade das indústrias, com excepção do sector dos «Têxteis, vestuário e calçado». Importa assinalar, porém, a contínua expansão do conjunto das indústrias metalúrgicas, mecânicas e eléctricas e de material de transporte e a recuperação das indústrias da madeira, cortiça e mobiliário.

Por outro lado, da observação dos elementos relativos à produção industrial nos seis primeiros meses do ano ressalta em particular a expansão relativa a produtos siderúrgicos em bruto, laminados de aço, alimentos preparados para animais, pasta para papel, e ainda ao número de automóveis montados.

Anote-se também que, de acordo com o inquérito realizado em Junho último pela Corporação da Indústria, as expectativas sobre a evolução da actividade industrial no período de Abril a Setembro se apresentavam favoráveis, principalmente para as indústrias de bens de consumo. Por sua vez, as de bens de investimento deveriam manter-se no elevado nível de produção alcançado.

Entre as limitações à expansão da actividade industrial sobressaíam as relacionadas com o equipamento, embora a carência de mão-de-obra, sobretudo qualificada, e as dificuldades no abastecimento de matérias-primas afectassem também algumas indústrias. Por outro lado, a procura externa de produtos industriais mantinha tendência crescente.

No que respeita à construção civil, observou-se no 1.º trimestre de 1966 contracção no número de edifícios construídos na metrópole, bem como no número de pavimentos e na superfície coberta. Admite-se porém que esta actividade tenha retomado durante o ano o movimento de expansão anteriormente verificado.

29. No decurso do corrente ano continuou o Governo a estimular a instalação e desenvolvimento de unidades industriais com projecção na expansão do produto nacional e na capacidade de concorrência, quer nos mercados externos, quer na substituição de importações no mercado nacional. Foram assim adoptadas, como nos anos anteriores, diversas medidas de natureza fiscal em benefício das indústrias, para além das vantagens de ordem geral, instituídas no quadro da legislação tributária. Assinale-se também o relevante papel exercido pela execução de empreendimentos de infra-estrutura, incluídos no Plano Intercalar, na criação de economias externas, bem como a acção empreendida pelo Governo no domínio da formação profissional.

Entre as providências legislativas recentemente promulgadas, cabe referir a publicação, pelo Decreto-Lei n.º 46 924, de 28 de Março último, do regulamento de Instalação e Laboração dos Estabelecimentos Industriais. Além disso, foi aprovado por despacho de 26 de Fevereiro o regulamento Económico Parcial para a Indústria Têxtil.

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Energia eléctrica e serviços

30. Segundo os indicadores disponíveis sobre algumas das principais actividades incluídas no conjunto «Energia eléctrica e serviços», é de admitir que o produto formado neste sector continue a evidenciar elevado ritmo de expansão em 1966.

 semelhança dos últimos anos, neste comportamento teria desempenhado papel saliente o desenvolvimento do turismo, com reflexos sobre a actividade de alguns dos principais grupos de serviços.

31. Durante o 1.º semestre de 1966 verificou-se notável recuperação da produção de energia eléctrica, que havia diminuído no ano transacto, em consequência de condições atmosféricas particularmente adversas.

Com efeito, a produção de energia hídrica de marcada importância no conjunto elevou-se de cerca de 37 por cento naquele período. Não se tornou necessário, assim, utilizar intensamente a capacidade das centrais térmicas de apoio, cuja produção acusou decréscimo.

De acordo com a orientação tendente à instalação de centrais nucleares, foi assinado em Maio último um protocolo entre a Junta de Energia Nuclear e um grupo de empresas nacionais, com vista a promover a realização de estudos dativos ao ciclo dos combustíveis nucleares, em especial os relacionados com o tratamento químico dos minérios de urânio do continente.

Prosseguiu, por outro lado, a execução dos investimentos previstos no Plano Intercalar de Fomento, que visam a dotar o País com um sistema de produção, transporte e distribuição de energia compatível com as exigências do processo de crescimento económico. No que respeita ao financiamento destes empreendimentos, é de acentuar a concessão, e II 1966, pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, de mais dois empréstimos, sendo um, no quantitativo de 20 milhões de dólares, destinado ao aproveitamento hidroeléctrico do Carrapatelo, no rio Douro, e outro, de 10 milhões, para a instalação do segundo grupo gerador da central térmica do Carregado

32. Relativamente às actividades transportadoras, os indicadores disponíveis permitem admitir como favorável a evolução em 1966. O tráfego aéreo voltou a acusar nítida expansão: de Janeiro a Junho o número de passageiros quilometro e de toneladas quilómetro de mercadorias transportados pelas companhias metropolitanas aumentou de 24 e 59 por cento, respectivamente, em comparação com igual período do ano precedente.

A este comportamento não foi estranha a criação de novas carreiras, bem como a modernização do material de transporte, a par da intensificação do afluxo de turistas. Ao abrigo do Plano Intercalar de Fomento, continuaram as outras de melhoramento dos aeroportos da metrópole, cujo financiamento se encontra, na sua quase totalidade, a cargo do Orçamento Geral do Estado.

No sector dos transportes terrestres, observou-se no decurso do 1.º semestre de 1966 sensível acréscimo do número de passageiros-quilómetro transportados por estrada e via férrea. Todavia, o tráfego de mercadorias nos caminhos de .erro denunciou contracção, pelo que as respectivas receitas líquidas aumentaram, como no ano anterior, a cadência relativamente lenta.

Importa salientar neste domínio a inauguração, em Agosto último, da Ponte Salazar, sobre o rio Tejo, em Lisboa, dada a sua importância no plano nacional e no da valorização económica do Sul do País, em especial da península de Setúbal. O custo total deste empreendimento, abrangendo os acessos e a construção de túneis destinados à futura passagem de vias férreas, atingirá cerca de 2200 milhares de contos.

Prosseguiram, por outro lado, os empreendimentos relativos à construção, reparação e beneficiação das estradas do continente e ilhas adjacentes, com vista à modernização da rede rodoviária.

No âmbito da política de equipamento ferroviário, saliente-se a encomenda de numerosas carruagens, efectuada no corrente ano pela companhia concessionária à indústria nacional. A fim de permitir o financiamento deste e outros investimentos, o Decreto-Lei n.º 46 981, de 27 de Março último, elevou para 620000 contos o limite do empréstimo por obrigações a emitir por aquela companhia durante o período de execução do Plano Intercalar.

Interessa ainda referir a continuação das obras de ampliação da rede do metropolitano de Lisboa, tendo sido autorizado o Fundo Especial dos Transportes Terrestres, pelo Decreto-Lei n.º 46 851, a emitir em 1966 obrigações no quantitativo de 30 000 contos, com vista a cobrir parte do respectivo financiamento.

Relativamente aos transportes marítimos, o número de navios entrados em portos da metrópole durante os seis primeiros meses de 1966 acusou ligeira contracção em relação a idêntico período do ano anterior. Esta evolução resultou exclusivamente da diminuição observada nos navios nacionais, uma vez que o número de navios de nacionalidade estrangeira entrados no período em análise aumentou de cerca de 7 por cento.

Com vista ao financiamento do programa de renovação da frota mercante nacional, incluído no Plano Intercalar de Fomento, foi autorizado o Fundo de renovação da Marinha Mercante, pelo Decreto-Lei n.º 46 407, a conceder o seu aval a um empréstimo até ao limite de 60 000 contos, contratado por uma empresa de navegação no mercado interno, para aquisição de um navio de passageiros.

Continuaram também as obras de beneficiação de alguns portos da metrópole, sendo de assinalar, neste domínio, a autorização concedida à Administração dos Portos do Douro e Leixões, nos termos do Decreto-Lei n.º 47 026, para contratar com a empresa concessionária da refinação dos petróleos a construção em Leixões de um terminal portuário destinado ao tráfego de petróleo bruto e seus derivados.

33. A avaliar pelos respectivos indicadores, a actividade comercial teria registado significativa expansão no decurso do 1.º semestre de 1966. De facto, o quantitativo global dos efeitos liquidados nas duas câmaras de compensação aumentou de 13 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior. De igual modo, o volume total dos efeitos comerciais descontados revelou sensível incremento.

Considerando a importância de que se reveste a actividade comercial no quadro da política de valorização e escoamento da produção agrícola, o Governo tem procedido à revisão dos circuitos de comercialização de alguns produtos agrícolas, em especial de bens alimentares, devendo esta acção vir a ser intensificada.

34. A observação estatística permite concluir que prosseguiu no ano em curso o rápido desenvolvimento das actividades turísticas. Com efeito, o número de estrangeiros entrados na metrópole de Janeiro a Junho elevou-se a 729 000, o que traduz aumento de cerca de 25 por cento. Por sua vez, o número de dormidas em hotéis e pensões acusou, igualmente, significativo acréscimo.

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De acordo com esta evolução, é de prever que o número de visitantes estrangeiros ascenda em 1966 a 1 800 000 e, uma vez que a receita média por turista tem ultrapassado nos últimos anos 3000$, o montante global em divisas proporcionadas pelo turismo pode ascender a cerca de 6 milhões de contos.

Em face da acção do turismo na promoção do crescimento económico, o Governo continuou a prestar decidido apoio à valorização turística do País, através, quer de empreendimentos de natureza infra-estrutural, quer da assistência técnica e financeira à iniciativa privada, em especial no âmbito do Plano Intercalar de Fomento.

2-Situação financeira interna
Preços e salários

35. A manutenção da estabilidade financeira interna constitui uma das condições essenciais do processo de crescimento económico. Em particular nos países em via de desenvolvimento, em que se impõe amplo esforço no sentido de acelerar o ritmo de expansão do rendimento nacional, podem ser especialmente graves as consequências de uma situação de carácter inflacionista. No actual estádio de desenvolvimento desses países nos quais a actividade industrial se encontra em geral numa fase de modernização, convém evitar que os investimentos produtivos sofram contracção, em consequência de políticas restritivas no domínio da procura.

Em Portugal, ao contrário do que aconteceu na maioria dos países da Europa Ocidental, a tendência para a elevação dos preços manteve-se moderada até 1963. Porém, nos dois últimos anos, desenvolveram-se pressões sobre os preços dos bens alimentares, como resultado, em parte, da falta de adaptação da produção agrícola às novas exigências da procura.

Esta evolução impôs atenta vigilância com o objectivo de conter as tensões inflacionistas verificadas, frequentes, aliás, nas economias em que, a par de sectores evoluídos, existem também actividades menos adaptáveis às transformações inerentes a um rápido crescimento económico. De harmonia com esta orientação, além de medidas de carácter selectivo, com efeitos a curto prazo, o Governo definiu no Plano Intercalar de Fomento uma política geral coordenada e compatível, com o objectivo de um equilibrado crescimento do produto nacional.

36. Da observação do índice geral de preços por grosso em Lisboa ressalta que de 1960 a 1964 o seu agravamento foi diminuto. No ano transacto verificou-se, todavia, subida de maior amplitude (2,9 por cento), que se deve atribuir principalmente à elevação dos preços dos bens alimentares. Aliás, o movimento no sentido da alta dos preços por grosso relativos à alimentação iniciou-se em 1963 e prosseguiu, ainda que mais moderadamente, no ano seguinte.

Atendendo à origem das mercadorias, importa assinalar a subida do índice de preços por grosso relativo aos produtos da metrópole em 1965 -4,5 por cento-, enquanto no período de 1960-1964 não se registara variação significativa. A alta dos preços por grosso no último ano resultou assim essencialmente do agravamento dos custos dos produtos fabricados na metrópole, uma vez que nas restantes rubricas se registaram movimentos de extensão reduzida.

37. Enquanto que a análise dos preços por grosso mostra que a tendência para a alta se acentuou em 1965, nos índices de preços no consumidor os aumentos provinham já de 1964 e agravaram-se no ano seguinte.

Assim, o índice de preços no consumidor em Lisboa, que entre 1960 e 1963 havia aumentado, em média, 2 por cento, acusou agravamento de igual amplitude 3,4 por cento - nos dois últimos anos. Para o comportamento observado em 1964 concorreu decisivamente a subida dos preços da alimentação, cuja progressão teria acusado ligeiro afrouxamento no último ano, a que se opôs, no entanto, a elevação da renda média do tipo de habitação considerado no índice e dos preços dos serviços domésticos, assim como dos bens e serviços abrangidos na rubrica «Higiene».

A tendência para a subida dos preços no consumidor foi ainda mais acentuada no Porto, e, à semelhança do que se verificou em Lisboa, foram os índices relativos à alimentação, habitação e «diversos» que determinaram fundamentalmente a elevação do índice no período de 1960-1965, dado que nas outras rubricas os índices se mantiveram estáveis ou aumentaram ligeiramente.

Nas restantes cidades que constituem objecto de observação estatística observaram-se, de um modo geral, movimentos de sentido idêntico: o índice de preços no consumidor acusou ligeira elevação até 1963, mas no último biénio, particularmente em 1965, assistiu-se a acréscimo mais acentuado. Exceptua-se deste comportamento o índice de preços no consumidor em Evora, que se agravou de modo sensível em 1963, registando posteriormente afrouxamento no ritmo da subida. Assitíale-se ainda á considerável alta dos preços no consumidor em Faro durante o último ano, em consequência não só da elevação dos preços dos bens alimentares, como também do substancial incremento das rendas de habitação, factos que se encontram, aliás, em estreita ligação com o crescente afluxo de turistas.

Por último, importa referir que em todas as cidades consideradas os preços relativos à alimentação apresentaram, em geral, elevação superior à do índice geral de preços e, com excepção de alguns agravamentos de carácter mais restrito, a sua tendência para a alta se deve atribuir, essencialmente, a subida do custo de vida.

38. Durante o 1.º semestre do ano corrente prosseguiu a elevação dos preços por grosso e no consumidor.

Assim, o nível de preços por grosso em Lisboa acusou aumento de cerca de 4 por cento, superior ao observado em idêntico período de 1965. Para este facto contribuiu de modo decisivo o agravamento observado nos preços dos produtos da metrópole e do estrangeiro, em particular de certos bens alimentares e artigos manufacturados.

De igual modo, acentuou-se o movimento ascendente dos preços no consumidor, ainda que de amplitude mais moderada do que nalguns países da Europa Ocidental. O mapa seguinte comprova a afirmação:

QUADRO II

Preços no consumidor na Europa Ocidental (Base: 1960)

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[Ver tabela na imagem]

Fonte: Main Economic Indicators, da O. C. D. E.

Importa ainda assinalar que no decénio de 1955-1965 a desvalorização monetária em Portugal foi das menos acentuadas, em confronto com outros países, e nos assegura uma posição idêntica à da Alemanha Federal, Bélgica e Suíça e mais favorável do que a relativa a algumas moedas de larga projecção internacional, como a libra esterlina, o florim, a lira, a coroa sueca e o franco.

Os números seguintes são esclarecedores:

[Ver tabela na imagem]

Países

Fonte: First National City Bank, de Nova Iorque.

39. À. semelhança dos anos anteriores, a elevação dos índices de preços no consumidor no decurso dos seis primeiros meses de 1966 deve-se fundamentalmente ao comportamento dos preços relativos à alimentação, cujo agravamento excedeu o do índice geral, excepto em Faro. Por outro lado, desempenhou ainda importante papel na subida do nível de preços no consumidor em Coimbra, Évora e Faro o aumento das rendas de habitação.

A avaliar pelos respectivos índices, a tendência para a alta dos preços no consumidor teria sido mais moderada em Lisboa, onde apenas se observou significativa elevação nos preços dos produtos alimentares. No Porto e em Faro o movimento ascensional foi mais acentuado, o que em relação à última destas cidades teria resultado da intensificação do afluxo turístico.

No mapa que a seguir se insere pode apreciar-se a evolução recente dos diferentes índices de preços.

QUADRO 111 índices de preços do Instituto Nacional de Estatística

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40. Para além de factores de natureza conjuntural de que se destaca essencialmente a escassez de algumas colheitas agrícolas, determinada por desfavoráveis condições climáticas , o aumento dos preços dos bens alimentares parece resultar em larga medida da falta de adaptação da produção agrícola ao volume crescente da procura e à transformação da sua composição, paralelamente com o aumento dos custos de produção nas actividades agro-pecuárias. Este comportamento não significará, porém, que a procura interna se tenha revelado, em si, excessiva, mas traduz antes algumas deficiências no domínio da oferta de produtos agrícolas.

Ë certo que nos últimos anos a elevação dos salários e outras remunerações, a par da expansão das transferências de emigrantes, das despesas militares e da concessão de crédito ao consumo, tem imprimido particular dinamismo às despesas de consumo privado, em especial nos estratos da população de menores rendimentos, o que tem originado crescente procura de bens alimentares. Saliente-se também- o expressivo aumento da procura externa, resultante da intensificação do fluxo turístico, que requer avultadas disponibilidades de bens alimentares de boa qualidade.

Note-se que o aumento de preços no consumidor se tem processado a ritmo inferior ao da elevação dos salários, devido à intensa procura de mão-de-obra qualificada por alguns dos principais sectores, à emigração para o estrangeiro e à mobilização para o ultramar, com a consequente escassez da oferta de trabalho. O quadro que segue é elucidativo.

[Ver tabela na imagem]

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Por sua vez, a alta dos salários pagos pêlos agricultores - que parece constituir movimento de carácter irreversível - tem determinado, por vezes, o aparecimento de tensões sobre os preços de alguns bens alimentares, na medida em que onera o seu custo de produção. Como a correcção destas pressões não pode competir unicamente à elevação dos preços garantidos ou a subsídios, torna-se indispensável decisivo esforço, com vista não só ao aumento da produção, mas ainda à melhoria da produtividade nas explorações agrícolas. Neste contexto, tem o Governo vindo a desenvolver apreciável acção, traduzida principalmente em incentivos à adopção de culturas mais rentáveis, na realização de investimentos agrícolas, no quadro dos Planos de Fomento, e na expansão do uso de novas técnicas de cultivo.

Aliás, a política de reconversão definida no ano transacto, em ligação com o novo regime cerealífero, pretende acelerar a transformação das explorações agrícolas e evitar, na medida do possível, as produções marginais. Com efeito, as subvenções aí consideradas não constituem um factor de correcção dos preços dos cereais, uma vez que apenas se destinam aos agricultores que efectuem a reconversão cultural, ou seja toda a acção que conduza a um aumento da rentabilidade global das suas explorações.

41. Tiveram também considerável influência na subida dós preços relativos à alimentação certas deficiências dos circuitos de distribuição de alguns produtos, não obstante

a acção do Governo no sentido de simplificar e aperfeiçoar os sistemas de comercialização e de rever alguns preços de produtos agro-pecuários, sem encargo sensível para o consumidor.

Já em 1964 o Governo reafirmou a determinação de manter a estabilidade financeira interna, criando os instrumentos de acção necessários à política de preços, através da atribuição ao Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, sob proposta do Ministro da Economia, da definição dos princípios a que deve obedecer aquela política e a organização e funcionamento dos mercados e dos circuitos de comercialização.

De harmonia com esta orientação, foram promulgados nos dois últimos anos diversos diplomas relativos ao regime de comercialização para alguns produtos de destacada importância para o consumo privado, em especial para a carne e o leite, cujas providências se integram, aliás, nas directrizes sobre o fomento pecuário, e ainda para o azeite, cujo regime fixou novos preços e regulamentou a sua mistura com outros óleos comestíveis. A fim de conter a subida verificada recentemente no preço das frutas, adoptou ainda o Governo diversas medidas, que se enquadram no saneamento do respectivo processo de comercialização.

Foram também reorganizados os serviços de prevenção e repressão das infracções antieconómicas e contra a saúde pública, através da criação da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, que tem vindo a exercer acção

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fiscalizadora sobre a formação dos preços de venda ao público dos bens alimentares, em especial nos mercados de consumo.

42. Como se assinalou, 4nos últimos anos a alta dos preços no consumidor tem sido amplamente excedida pela elevação das remunerações pagas a grande parte da população activa, o que tem determinado importante melhoria dos rendimentos reais auferidos.

O movimento ascensional dos salários, que encontra explicação aã coincidência do surto emigratório para o estrangeiro com a intensificação da procura de mão-de-obra especializada por alguns sectores e com a mobilização exigida pela defesa do território, prosseguiu no decurso dos sais primeiros meses de 1966, como mostra o quadro seguinte:

QUADRO V índices ponderados de salários

[ver tabela na imagem]

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Verifica-se assim que, em termos relativos, a subida dos salários continuou a ser mais elevada na agricultura do que na indústria e nos transportes, o que tornará indispensável melhoria compensadora da produtividade, a fim de que o aumento dos custos de produção não ocasione o aparecimento de novas pressões sobre os preços dos produtos agrícolas. Saliente-se, porém, que esta necessidade não se limita apenas à agricultura, sendo comum a outros sectores da economia, em particular à actividade industrial.

De facto, a partir de 1964, o volume da emigração tem sido superior ao número de novos trabalhadores, afectando não só o sector primário, mas também o secundário. A explicação do movimento emigratório deve residir na disparidade existente entre os níveis de remunerações em Portugal e nos países europeus mais industrializados, aliada às ter soes internas sobre os mercados de emprego nesses países. Deste modo, as possibilidades de colocação na actividade industrial e nos serviços não proporcionam, em regra, salários que permitam dar-lhes preferência, pelo que na presunto situação económica do País se parece pôr, não o problema da insuficiência de novos empregos, mas antes o da concorrência com os níveis de salários praticados nos países industriais da Europa.

Moeda e crédito

43. Entre 1962 e 1965 observou-se expansão, a cadência rápida, dos meios de pagamento internos, devido não apenas aos favoráveis resultados das relações económicas externas, mas ainda à forte expansão do crédito bancário. Porém, enquanto que até 1964 sobressaiu a elevação dos depósitos à ordem (deduzidos os depósitos interbancários), no último ano a expansão dos meios de pagamento (15,4 por cento) ficou a dever-se fundamentalmente à aceleração dos depósitos a prazo e com pré-aviso. Esta evolução resultou em particular de mais acentuada transformação de depósitos à ordem em depósitos daquelas categorias, na sequência da definição das normas de disciplina dos depósitos bancários (Decreto-Lei n.º 46 492, de 18 de Agosto de 1965). Além disso, intensificou-se em 1965 o acréscimo da moeda legal em circulação moeda metálica e notas, que se tinha processado a ritmo moderado nos anos anteriores.

Porém, a participação da moeda legal nos meios monetários globais não experimentou variação significativa.

Por outro lado, à semelhança dos dois anos precedentes, o crédito bancário assumiu em 1965 posição preponderante entre os factores monetários, concorrendo a sua variação em cerca de 75 por cento para a expansão dos meios de pagamento totais.

44. Com efeito, o crédito distribuído pelo sistema bancário (com exclusão do Banco de Fomento Nacional), através de desconto e empréstimos, expandiu-se a partir de 1962 a ritmo acelerado. Neste comportamento exerceu particular influência a progressão do crédito outorgado pela banca comercial, paralelamente à melhoria de liquidez, resultante, em especial, da formação de sucessivos excedentes na balança de pagamentos da zona do escudo.

Porém, enquanto que em 1964 a expansão do crédito na banca comercial tinha sido acompanhada de contracção do recurso ao redesconto no Banco de Portugal, em 1965 este movimento inverteu-se, dada a necessidade de prestar apoio financeiro aos bancos comerciais, tendo em vista o ajustamento ao novo regime legal sobre liquidez e solvabilidade.

Por sua vez, nas caixas económicas a expansão do crédito processou-se no último biénio à taxa anual de 8 por cento, o que denota recuperação em relação aos dois anos precedentes, como resultado essencialmente da actividade da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.

Deste modo, o volume global do crédito concedido ao sector privado registou em 1965 acréscimo de 18,3 por cento, contra 15,4 por cento no ano anterior.

45. No 1.º semestre de 1966 prosseguiu moderadamente a expansão dos meios de pagamento internos, que aumentaram de 0,6 por cento, contra 3,3 por cento no período homólogo do ano anterior. Este comportamento foi determinado pela forte diminuição dos depósitos à ordem (deduzidos os depósitos interbancários), para que concorreu em ampla medida o prosseguimento da transformação em depósitos a prazo e com pré-aviso, que aumentaram de 10 por cento naquele período. Por sua vez, a ligeira elevação da moeda legal em circulação (resultante do aumento das notas em poder do público) explica-se pela contracção sofrida pelas disponibilidades em cofre nas instituições de crédito - habitual na primeira parte do ano -, uma vez que o valor da emissão fiduciária diminuiu.

Na elevação dos meios de pagamento durante o período considerado exerceu particular influência o resultado das contas exteriores, que contrariou a acção expansionista exercida pelo crédito bancário.

O mapa que segue mostra a evolução dos meios de pagamento no 1.º semestre do corrente ano, em confronto com a ocorrida em igual período de 1965.

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26 DE NOVEMBRO DE 1966 758(75)

[Ver tabela na imagem]

QUADRO VI

Meios de pagamento (Milham de contos)

Fonte: Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.

Observe-se, todavia, que os números antecedentes devem considerar-se susceptíveis de correcção em virtude das alterações legais, ultimamente introduzidas, na classificação dos depósitos.

46. A expansão do crédito concedido pelo sistema bancário (de que se exclui o Banco de Fomento Nacional) processou-se durante os seis primeiros meses de 1966 à taxa de 1,9 por cento, contra 4,8 por cento em igual período do ano anterior. Prosseguiu, porém, embora a ritmo mais lento, a elevação do crédito concedido pela banca comercial e pelas caixas económicas.

As variações do crédito nos três sectores do mercado monetário nos 1.ºsemestres de 1965 e 1966 podem apreciar-se através do quadro seguinte:

[ver tabela na imagem]

QUADRO VII

Crédito concedido pelo sistema bancário (Milhares de centos)

Designação

Em 31 de Dezembro de 1964
Em 30 de Junho de 1065
Em 31 de Dezembro de 1965
Em 30 de Junho de 1966

Fonte: Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.

47. No que se refere ao Banco de Portugal, o valor das disponibilidades líquidas em ouro e divisas atingiu em 30 de Junho de 1966 o elevado montante de cerca de 28 milhões de contos, embora tenha flectido ligeiramente. A este facto se deve, em parte, a diminuição da emissão monetária do banco central em 1 113 000 contos. Além do montante das notas em circulação, que baixou de 485 000 contos, observou-se também diminuição do saldo das contas do Tesouro e da Junta do Crédito Público (391 000 contos) e de bancos e banqueiros (-229 000 contos).

Por outro lado, apesar do decréscimo da reserva de ouro e divisas, a relação entre esta e o valor das responsabilidades escudos à vista passou de 81,6 para 83,4 por cento, o que traduz apreciável melhoria da cobertura cambial do banco emissor e, portanto, reforço da solvabilidade exterior da moeda nacional.

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48. Na banca comercial o crédito distribuído através das rubricas «Carteira comercial» e «Empréstimos diversos» aumentou no 1.º semestre de 1966 à taxa de 3,9 por cento, inferior à registada no mesmo período do ano anterior. A este afrouxamento não teria sido estranha a criação em 1965 de condicionalismos legais relativamente à criação de moeda escriturai pela banca e à utilização

reprodutiva das suas responsabilidade à vista ou a curto prazo, a par de outros factores de influência menos evidente. Deste modo, o conjunto dos depósitos nos bancos comerciais flectiu ligeiramente, uma vez que o substancial aumento dos depósitos a prazo e com pré-aviso foi insuficiente para compensar a quebra sofrida pelos depósitos à ordem, como se observa no seguinte quadro:

[Ver tabela na imagem]

QUADRO VIII

Depósitos nos bancos comerciais e caixas económicas (Milhares de contos)

Designação

Em 31 de Dezembro de 1964
Em 30 de Junho de 1965
Em 31 de Dezembro de 1965
Em 30 de J unho de 196

Fonte: Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.

Por sua vez, a. contracção das reservas de caixa destas instituições, habitual na primeira parte do ano, teve no período em análise expressão particularmente nítida, para o que concorreu o decréscimo, quer dos fundos em cofre, quer do depósito no banco central. Observou-se, assim, sensível que ara de liquidez na banca comercial, embora o excesso legal de reservas de caixa se mantenha em nível apreciável.

Cumpre ainda referir a participação dos bancos comerciais na tomada, entre outros títulos, de promissórias de fomento nacional, que prosseguiu no 1.º semestre do corrente ano, paio que o montante total de promissórias em poder daquelas instituições ascendeu a 1 133 000 contos.

49. Durante o 1.º semestre de 1966 o crédito distribuído pelas caixas económicas, essencialmente através de empréstimos, elevou-se à taxa de 2 por cento, inferior à verificada em igual período do ano anterior. Na actividade destas instituições cumpre salientar a da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, que ocupa posição de especial relevo, quer no mercado monetário, quer no mercado de capitais.

Como se vê no mapa anterior, o quantitativo global dos depósitos nas caixas económicas elevou-se à taxa de 5,4 por cento, superior, portanto, à verificada para o crédito, pelo que as disponibilidades de caixa experimentaram considerável acréscimo.

Deste modo, o grau de liquidez destas instituições elevou-se acentuadamente, representando as disponibilidades de caixa, em 30 de Junho último, 30,8 por cento dos depósitos totais.

Importa notar que uma parte apreciável do aumento destas disponibilidades foi aplicada na tomada de promissórias de fomento nacional, principalmente pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência ( + 151000 contos).

50. No domínio da política monetária e de crédito, foi o Governo autorizado, pela Lei n.º 2128, de 18 de Dezembro de 1965, a «reforçar, se as circunstâncias o aconselharem, as medidas conducentes à disciplina da actividade bancária e à normalização do mercado de capitais». Com efeito, embora admitindo como suficiente a disciplina da concorrência interbancária e do crédito, promulgada durante o ano transacto, não foi excluída a possibilidade do seu reforço, se as circunstâncias o exigirem, com vista ao aperfeiçoamento das condições de funcionamento dos mercados do dinheiro. Nestes termos, no corrente ano o Governo tem continuado a acompanhar atentamente a evolução do sistema bancário e do mercado de capitais, por forma a assegurar a realização dos objectivos visados no Plano Intercalar.

Relativamente ao mercado monetário, deve ainda referir-se que, por despacho de 1 de Abril último, se fixou o capital de 700 000 contos para a 10.º emissão de promissórias de fomento nacional, cujo produto se destina ao financiamento de empreendimentos integrados no Plano.

Mercado de capitais

51. A avaliar pelos diferentes indicadores disponíveis, a actividade do mercado de capitais nacional terá experimentado nos últimos anos apreciável recuperação, embora tenham persistido algumas deficiências estruturais, que o Governo, aliás, tem procurado corrigir, de acordo com as directivas das Leis de Meios para 1965 e 1966. Com efeito, reconhecendo a necessidade de incentivar a formação de poupanças e activar a sua mobilização para fins de desenvolvimento económico, delineou-se um programa de acção tendente a aperfeiçoar a estruturação e condições de funcionamento do mercado de capitais, por forma a restituir-lhe a necessária vitalidade. Além disso, atento o elevado nível em que se tem situado o recurso ao mercado monetário para a realização de operações de financiamento, através quer do crédito a médio prazo,

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quer do crédito a curto prazo, que é objecto de renovações, tem-se procurado delimitar o campo de acção daquele mercado e do mercado de capitais, bem como imprimir ao crédito bancário uma disciplina quantitativa e qualitativa adequada às actuais condições do desenvolvimento económico.

Além da actividade financeira das maiores instituições do mercado de capitais - a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e o Banco de Fomento Nacional-, importa referir a evolução recente das principais categorias de operações financeiras.

52. Dentro da política selectiva de crédito seguida tradicionalmente, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência tem vindo a exercer nos últimos anos ampla acção no financiamento dos investimentos, quer pela to-

mada de títulos, quer pela concessão de crédito para fomento da actividade económica.

Em 1965 a expansão do crédito global atingiu montante mais elevado que no ano anterior. Nesta evolução teve papel decisivo o aumento do crédito concedido ao sector privado para fomento da actividade económica ( + 10,5 por cento), nomeadamente do crédito industrial. Saliente-se ainda que o crédito distribuído à agricultura mediante -operações com os diferentes sectores cresceu de 3,8 por cento.

Por outro lado, os financiamentos de empreendimentos abrargidos no Plano Intercalar totalizaram no ano transacto 627 700 contos, ou seja montante sensivelmente superior ao previsto.

O mapa que segue mostra a discriminação, por sectores, do crédito distribuído por esta instituição:

QUADRO IX

Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência Variação do crédito distribuído

(Milhares de contos)

[ver tabela na imagem]

Fonte: Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.

No decurso do 1.º semestre de 1966 o conjunto dos saldos devedores das diferentes operações de crédito elevou-se de 273 200 contos, o que representa progressão superior à do período homólogo do ano precedente.

Para aquela variação voltou a contribuir principalmente o aumento do crédito ao sector privado para fomento da economia, além da tomada de promissórias de fomento nacional,-a que anteriormente se fez referência. Importa referir que a expansão dos saldos do crédito industrial (+127400 contos) e do crédito agrícola ( + 107200 contos) atingiu quantitativos superiores aos verificados no 1.º semestre de 1965.

Por outro lado, o saldo das operações de crédito hipotecário manteve o movimento decrescente observado nos últimos anos, de harmonia com a prioridade que tem vindo a ser atribuída às operações de maior reprodutivi-dade.

53. No Banco de Fomento Nacional as operações de financiamento realizadas no hexénio 1960-1965, sob a forma de empréstimos directos, participações financeiras e diversas operações transitórias, atingiram 5239000 contos e as operações de garantia efectuadas totalizaram 1 316 000 contos. Todavia, o montante das operações de

financiamento tem vindo a diminuir, sendo em 1965 de cerca de 531 000 contos, enquanto que o valor das operações de garantia se fixou em 106 000 contos.

De um modo geral, a política de financiamento deste instituto de crédito no último ano foi delineada de acordo com a orientação e os critérios de prioridade do Plano Intercalar de Fomento.

Aliás, os financiamentos aprovados para empreendimentos, previstos no Plano ou em conformidade com aqueles critérios, elevaram-se a 296 700 contos, montante sensivelmente superior ao programado - 145 800 contos. Do total de operações aprovadas, foram realizadas em 1965 operações no montante de 143 900 contos, a que acrescem outras relativas ao II Plano de Fomento (99500 contos).

Importa notar que, com vista à mobilização de recursos financeiros que lhe permitam desempenhar a sua missão e cooperar na reactivação do mercado de capitais, o Banco procedeu à revisão das condições de recepção de depósitos a prazo e ao lançamento de duas fracções, no montante de 100 000 contos, de uma emissão de obrigações na importância global de 250 000 contos.

Ò quantitativo das operações realizadas nos últimos anos pode apreciar-se no mapa que a seguir se insere.

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758-(78) DIARIO DAS SESSÕES N.º 42

[Ver tabela na imagem]

QUADRO X
Banco de Fomento Nacional Operações realizadas
(Milhares de contos)

Fonte: Banco do Fomento Nacional.

Durante os seis primeiros meses de 1966 o Banco de Fomento Nacional aprovou financiamentos e operações de garantia no valor de 494 700 e 23 000 contos, respectivamente.

Como se observa no quadro anterior, o montante global das operações realizadas nesse período excedeu o registado no 1.º semestre de 1965, devido principalmente ao aumento das participações financeiras. Os empréstimos directos elevaram-se igualmente, como resultado do acréscimo dos empréstimos realizados na metrópole, que compensou a contracção dos destinados ao ultramar.

54. A partir de 1963 tem vindo a observar-se considerável expansão do valor global dos capitais movimentados na constituição de sociedades na metrópole, que atingiu no ano transacto 2 milhões de contos, ou seja mais 28 per cento do que em 1964. Para esta evolução tem concorrido essencialmente a constituição de sociedades anónimas. Todavia, é de admitir que, quer no caso da constituição de sociedades, quer no do aumento de capital social das sociedades existentes, o acréscimo da oferta lê novas acções no mercado de capitais se mantenha em nível pouco elevado.

Por outro lado, depois de ter decrescido acentuadamente em L963 e 1964, o montante das autorizações concedidas para a emissão de obrigações privadas no mercado interno acusou no ano transacto sensível elevação, ascendendo a 1 040 000 contos. Entre as emissões autorizadas, sobressaem as relativas ao sector «Transportes e comunicações» -no valor global de 660000 contos - e a do Banco de Fomento Nacional, até ao limite de 250 000 contos, com o aval do Estado.

Nos primeiros seis meses de 1966 foram já autorizadas emissões internas de obrigações no montante de 109000 contos, principalmente para empresas do sector «Electricidade».

Relativamente ao mercado de títulos, importa ainda salientar a recuperação das transacções e as altas de cotação vê lançadas nos dois últimos anos, para o que teria concorrido, em parte, a constituição dos primeiros fundos de investimento. Em 1965 o montante dos títulos transaccionados nas bolsas, bancos comerciais e casas de câmbio elevou-se de 23 por cento, devido essencialmente às transacções de acções, quer de sociedades metropolitanas, quer de sociedades ultramarinas.

No 1.º semestre do ano em curso verificou-se igualmente expansão, em que influíram decisivamente as transacções de acções de empresas da metrópole.

Por sua vez, os valores médios dos índices das cotações na Bolsa de Lisboa das acções de sociedades metropolitanas e ultramarinas elevaram-se em 1965 de 14 e 26 por cento, respectivamente. De igual modo, o índice de cotações para o conjunto de fundos públicos registou valorização no último ano (9 por cento). Esta melhoria de cotações prosseguiu no 1.º semestre do corrente ano: em relação a igual período de 1965, o valor médio dos índices das acções cresceu de 11 por cento para as sociedades da metrópole e de 27 por cento para as ultramarinas.

3-Relações económicas externas
Balança de pagamentos da zona do escudo

55. No quadriénio de 1962 a 1965 as contas exteriores do País saldaram-se

Relativamente às transacções correntes da metrópole, o respectivo déficit apresentou naquele período valor da ordem dos 3 milhões de contos. Esta estabilidade explica-se por a expansão do superavit de invisíveis correntes, devido em especial ao acréscimo das receitas de turismo, ter compensado a elevação do saldo negativo registado nas transacções comerciais. Por seu lado, o superavit das operações correntes das províncias ultramarinas continuou a acusar valores elevados nos últimos anos, embora tenha flectido em 1965, devido ao comportamento desfavorável das transacções comerciais.

Nas operações de capital, correspondentes na sua maior parte à metrópole, formaram-se igualmente avultados saldos positivos naquele período, que devem atribuir-se fundamentalmente às importações de capitais a longo prazo, quer privados, em .especial créditos e empréstimos, quer públicos. Todavia, não obstante o acréscimo que tem vindo a verificar-se do lado das entradas, o saldo das operações de capitais privados a longo prazo experimentou sucessivos decréscimos nos dois últimos anos, como consequência, essencialmente, das saídas de capitais correspondentes a amortizações e reembolsos.

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Sublinhe-se que os movimentos de capitais do sector público tiveram em 1965 menor influência sobre o excedente global da balança de pagamentos do que no ano precedente.

Da conjugação das variações ocorridas em 1965 nas diversas rubricas resultou um superavit de 2 323 000 contos, de menor amplitude que o do ano precedente, mas superior ao verificado em 1963.

Como contrapartida dos saldos formados na balança de pagamentos, as disponibilidades líquidas em ouro e divisas a curto prazo do Banco de Portugal revelaram nítida expansão no período em análise. Em especial, no último ano

a variação destas disponibilidades excedeu 1,8 milhões de contos.

Além disso, verificou-se a acumulação de avultadas disponibilidades cambiais nos bancos comerciais, após ligeiro decréscimo no ano precedente.

56. Os elementos disponíveis sobre a balança de pagamentos da zona do escudo para 1966 referem-se apenas ao 1.º trimestre, pelo que apresentam interesse limitado.

Como mostra o quadro seguinte, formou-se naquele período déficit moderado, que se deve atribuir essencialmente às operações de capital a curto prazo.

[Ver tabela na imagem]

QUADRO XI

Balança de pagamentos da zona do escudo (Milhares de contos)

Fonte: Banco de Portugal.

Importa sublinhar, todavia, a significativa melhoria da balança de transacções correntes da metrópole, cujo déficit se limitou a 90 000 contos, devido em particular à elevação das receitas de invisíveis correntes.

57. Por outro lado, as liquidações cambiais do Banco de Portugal (com exclusão de parte das liquidações multilaterais) referentes aos nove primeiros meses de 1966 denunciam favorável evolução da balança de pagamentos no decurso do ano, uma vez que o saldo daquelas liquidações se fixou em +757 000 contos,
contra +195 000 contos em igual período do ano precedente:

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Deste medo, e considerando a evolução observada durante o 2.º semestre nos anos anteriores, é legítimo admitir que se intensifique ainda a melhoria do resultado das finanças exteriores na parte final do ano, de modo a formar-se, coiro no último quadriénio, um amplo saldo positivo. Com e: eito, espera-se que o saldo das transacções correntes revela evolução favorável, devido especialmente às boas perspectivas da exportação de produtos industriais e de desenvolvimento do turismo e ainda à tendência para declínio da taxa de acréscimo das importações. Em contrapartida e conforme a previsão orçamental, as entradas de capitais do sector público devem atingir em 1966 montante inferior ao do ano transacto.

Referir-se-á finalmente que o total das reservas em ouro e divisas do banco emissor se situava em 30 de Setembro último no elevado quantitativo de 29 599 000 contos, revelando um acréscimo de 1 041 000 contos, relativamente ao início do ano.

Os números seguintes mostram a evolução operada, a partir de 1962:

Recursos de ouro e divisas:

Em milhões de escudos

1962 - 31 de Dezembro ......... 22 773
1963 - 31 de Dezembro ......... 23 773
1964 - 31 de Dezembro ......... 27002
1965 - 31 de Dezembro ......... 28 558
1966 - 30 de Setembro ......... 29599

Comércio externo

58. Ao longo dos últimos anos tem vindo a verificar-se contínua elevação do déficit do comércio externo global da metrópole, particularmente nítida em 1965. Esta tendência tem sido resultante de expansão mais acentuada nas importações do que nas exportações, coimo reflexo, essencialmente, das necessidades de aquisição de matérias-primas e bens de equipamento decorrentes do próprio processo de desenvolvimento económico. De facto, não obstante a diminuição das importações de alguns produtos, em consequência de se ter iniciado ou desenvolvido a produção interna de bens substitutivos, o valor importado revelou nítido movimento ascendente. Quanto aos produtos alimentares, após sensível acréscimo em 1964, as importações elevaram-se no ano transacto a cadência mais moderada.

Por sua vez, as exportações da metrópole registaram nos últimos anos apreciável expansão, que tem sido acompanhada de melhoria da respectiva estrutura. De facto, tem vindo a elevar-se de modo sensível a colocação nos mercados externos de alguns produtos que incorporam elevada contribuição de trabalho nacional, em particular artigos de vestuário e outros produtos têxteis, concentrados de tomate e pasta para papel.

Se, quanto à evolução do déficit da balança comercial e às suas incidências na balança de pagamentos, o comércio externo da metrópole tem revelado comportamento desfavorável, a conjugação das variações dos valores médios dos produtos exportados e importados em 1965 determinou, no entanto, apreciável melhoria das razões de troca (1), que nos anos precedentes tinham permanecido praticamente estáveis.

No mapa seguinte pode apreciar-se a evolução do comércio externo global da metrópole, individualizando a parte relativa ao estrangeiro.

[ver tabela na imagem]

QUADRO XII
Comércio externo da metrópole
(Milhares da contos)

Fonte: Comércio Externo, do Instituto Nacional de Estatística.

Prossegui, portanto, no 1.º semestre do ano em curso a elevação do deficit comercial total, ainda que a ritmo mais lento que no período homólogo do ano anterior.

A avaliar pelo valor médio da tonelada exportada, que aumentou mais acentuadamente que o da tonelada importada, parece legítimo admitir que tenha prosseguido naquele período a melhoria das razões de troca.
Interessa, porém, analisar separadamente a evolução recente das transacções comerciais da metrópole com o estrangeiro t com as províncias ultramarinas.

59. O déficit da balança comercial da metrópole com o estrangeiro, que vinha já a crescer entre 1962 e 1964, acentuou-se no ano transacto, atingindo a avultada expressão de cerca de 10,5 milhões de contos. Este comportamento, que se prende com o processo de industrialização em curso, uma vez que a expansão das importações (+20,2 por cento) se ficou a dever essencial-

(x) Valores calculados pelo Banco de Portugal.

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mente às aquisições de matérias-primas e bens de equipamento, veio a provocar a redução do coeficiente de cobertura das importações pelas exportações - de 58,6 para 55,3 por cento. Entre as importações que denunciaram maior acréscimo em 1965 sobressaem as de máquinas e aparelhos industriais não eléctricos, partes e peças separadas de automóveis, oleaginosas e metais.

Por seu turno, no aumento do valor das exportações para o estrangeiro em 1965 (10,2 por cento) tiveram apreciável influência alguns produtos industriais, que têm vindo a ocupar posição de relevo na exportação metropolitana, como concentrados de tomate ( + 161 000 contos), vestuário (+119000 contos) e diamantes não industriais (+406000 contos). Elevou-se igualmente de modo sensível o valor de algumas exportações tradicionais da metrópole, como as de conservas de peixe e vinhos, que registaram aumento de 235 000 e 130 000 contos, respectivamente.

No que respeita à distribuição regional das exportações, observou-se nos últimos anos progressiva elevação do valor exportado para a Associação Europeia de Comércio Livre, bem como da sua importância relativa, para que concorreu o desarmamento aduaneiro previsto na respectiva Convenção. Em 1965 a percentagem das exportações para esta área em relação ao total para o estrangeiro fixou-se em cerca de 36 por cento.

Aliás, a A. E. C. L. ocupou nos últimos dois anos a principal posição quanto à aquisição de produtos metropolitanos.

Por outro lado, a importância relativa das importações provenientes da Comunidade Económica Europeia, que vinha a flectir desde 1959, elevou-se de modo sensível no último ano, continuando a desempenhar o papel de principal mercado em relação às importações da metrópole.

60. No 1.º semestre de 1966 a balança comercial da metrópole com o estrangeiro acusou um déficit de 5122 000 contos, o que traduz elevação de 297 000 contos, inferior à observada em igual período do ano anterior.

Aliás, a taxa de acréscimo das exportações (11 por cento) excedeu a das importações (8,7 por cento), revelando o coeficiente de cobertura das importações pelas exportações ligeira melhoria.

Note-se ainda que a expansão do valor exportado resultou de apreciável aumento do valor médio para o conjunto das exportações, uma vez que a respectiva tonelagem global se manteve praticamente estável.

Relativamente à estrutura das exportações, cabe referir o acréscimo verificado para os produtos têxteis (+248000 contos), cujo valor exportado declinara no 1.º semestre de 1965, e ainda para os vinhos (+80000 contos) e concentrados de tomate (+47000 contos).

Nalguns dos principais produtos de exportação da metrópole - cortiça, conservas de peixe e resinosos - não se verificou, porém, variação significativa no período em análise.

No aumento de 883 000 contos no valor das importações provenientes do estrangeiro voltou a desempenhar papel preponderante a expansão das importações de máquinas e aparelhos (+575000 contos) e material de transporte (+354000 contos), nomeadamente partes e peças de automóveis.

Em contrapartida, diminuiu sensivelmente o valor importado de matérias e produtos têxteis (-109 000 contos). Quanto às aquisições de bens alimentares, ter-se-ia verificado decréscimo, devido, em especial, à variação do valor importado de azeite e trigo, que compensou alguns acréscimos, designadamente de milho e batatas.

61. No último triénio os movimentos de mercadorias entre a metrópole e o ultramar acusaram nítida tendência expansionista, principalmente no que se refere às saídas de mercadorias para o ultramar.

Este comportamento foi determinado em parte pelas medidas de liberalização comercial, aplicadas no quadro da integração económica do espaço português.

Como se pode ver no quadro que segue, verificou-se naquele período elevação do saldo a favor da metrópole nas relações comerciais com o ultramar, que prosseguiu no 1.º semestre de 1966.

[...Ver tabela na imagem]
QUADRO XIII Comércio da metrópole com o ultramar
(Milhares de contei)

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

O intercâmbio comercial com as províncias ultramarinas no período de Janeiro a Junho traduziu-se, assim, na elevação do saldo positivo da metrópole em no 000 contos, devido quer ao aumento do valor das saídas de mercadorias para o ultramar, quer à redução dos movimentos em sentido inverso.

Ambas as variações se devem atribuir, fundamentalmente, às trocas com a província de Moçambique.

B} Evolução geral da conjuntura nas províncias ultramarinas
Angola

62. De harmonia com os mais recentes indicadores sobre algumas das principais produções da agricultura da província, é de prever que a actividade neste sector registe apreciável melhoria na campanha de 1966. Com

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efeito, a colheita de café -de relevante importância na vida económica de Angola- atingiu novo máximo, tendo ultrapassado o quantitativo de 2000001. De igual modo, devei a ter-se elevado sensivelmente as produções de açúcar, óleo de palma, feijão e bananas.

Espera-se, ainda, que os resultados das culturas do algodão e do tabaco, bem como o corte de madeiras, atinjam nível idêntico ao do ano anterior. Entre os produtos relevantes, apenas deve observar-se contracção nas colheitas de milho e de sisal.

Por outro lado, apresentam-se favoráveis as perspectivas da próxima campanha agrícola, como resultado, não só da tendência ascendente evidenciada pela produção dos principais produtos, mas também do facto de as condições a>mosféricas se terem mostrado particularmente propícias. Além disso, é de prever que se intensifique a cultura de alguns produtos agrícolas ligados à exportação, como o tabaco.

Quanto à pesca, e após a evolução desfavorável que se observou no ano transacto, admite-se que o rendimento nela formado acuse sensível recuperação em 1966. Com efeito, o volume global do peixe capturado no decurso dos três primeiros meses de 1966 elevou-se de 33 por cento.

63. De acordo com a tendência observada em anos anteriores, as indústrias extractivas parecem revelar em 1966 expansão a ritmo relativamente lento, não obstante os avultados recursos mineiros da província. No 1.º trimestre do a ao o valor dos minérios extraídos excedeu em cerca de 5 por cento o de igual período de 1965. Este aumento deve atribuir-se fundamentalmente às maiores quantidades extraídas de diamantes, rocha asfáltica e sal marinho. Por sua vez, na produção de minério de ferro não se verificou variação significativa, enquanto que a extracção de petróleo em bruto diminuiu.

Em contrapartida, terá prosseguido a cadência acelerada o desenvolvimento das indústrias transformadoras, como se depreende do acréscimo de 20 por cento que o valor da produção global acusou nos três primeiros meses de 1956. Esta evolução ficou a dever-se, de um modo geral, às principais indústrias, devendo, todavia, sublinhar-se os avultados incrementos observados na produção de conservas de carne, tintas, derivados do petróleo, cimento e fibrocimento, sabão, açúcar, alimentos para gado e cerveja e ainda da generalidade dos produtos têxteis. Verificou-se, porém, contracção da actividade das indústrias de álcool industrial, descasque de arroz e óleos vegetais.

Na sequência da evolução registada no ano transacto, a actividade no sector da construção civil experimentou nos primeiros meses de 1966 considerável expansão: de Janeiro a Março, o número de edifícios construídos nas onze principais localidades de Angola quase duplicou, e, paralelamente, tanto a área coberta como o valor das construções excederam o triplo dos números registados no período homólogo do ano anterior.

64. Como resultado, em parte, da expressiva actividade das indústrias transformadoras, o consumo de energia eléctrica em Angola tem vindo a revelar apreciável progressão, que no 1.º trimestre do ano em curso atingiu 6 por cento, considerando apenas as quinze principais, localidades da província.

No que respeita aos transportes e comunicações, os elementos disponíveis não permitem formar juízo seguro

sobre a evolução recente do sector. Admite-se, porém, que a tendência decrescente do tráfego observada no último ano nos transportes marítimos e ferroviários tenha prosseguido nos primeiros meses de 1966, uma vez que a expansão das actividades primárias e secundárias só deve exercer integralmente os seus efeitos sobre a utilização dos meios de transporte na última parte do ano.

Pelo contrário, os transportes aéreos voltaram a acusar notável desenvolvimento, como mostra o aumento do número de passageiros e do volume de carga em trânsito no aeroporto de Luanda durante o 1.º trimestre - 28 e 29 por cento, respectivamente.

65. No decurso do 1.º semestre de 1966 a balança comercial de Angola apresentou saldo positivo de 211 milhares de contos, sensivelmente inferior ao observado em igual período do ano precedente (500000 contos).

Esta evolução resultou de acréscimo das importações a ritmo consideravelmente superior ao das exportações. De facto, de Janeiro a Junho o valor global importado aumentou de 20por cento, enquanto que o acréscimo do valor exportado foi de 6 por cento.

Para o aumento das importações concorreram em medida apreciável as maiores aquisições de bens de equipamento e matérias-primas, indispensáveis ao desenvolvimento industrial desta província. Por sua vez, o acréscimo do valor global das exportações deve atribuir-se principalmente ao comportamento favorável das vendas ao exterior de café, diamantes, derivados da pesca e algodão, que compensou a diminuição verificada nas exportações de milho, derivados de petróleo e sisal.

Atendendo à distribuição geográfica do comércio externo da província, nota-se que a redução do respectivo superavit resultou essencialmente da contracção do habitual saldo positivo com os países da Comunidade Económica Europeia, aliada ao agravamento dos déficits com a metrópole e com os restantes países membros da Associação Europeia de Comércio Livre. Em contrapartida, as transacções comerciais com os Estados Unidos e a Espanha determinaram a formação de saldos positivos sensivelmente superiores aos observados no 1.º semestre de 1965.

Moçambique

66. A ajuizar pelos elementos de que se dispõe, a actividade agrícola da província acusou evolução satisfatória na última campanha. Na verdade, a contracção das produções de algodão e, principalmente, de sisal pôde ser compensada, em especial, pelos resultados particularmente relevantes das colheitas de chá e cana-de-açúcar. Sublinhe-se o desenvolvimento recente desta última cultura, das mais promissoras da agricultura da província, dado o interesse que se tem observado na instalação de unidades açucareiras.

Por outro lado, mantiveram-se estáveis as produções de castanha de caju, oleaginosas e madeiras - matérias-primas que têm vindo a ser objecto de crescente industrialização local, com reflexos favoráveis nas relações económicas externas da província.

Por seu lado, como no ano transacto, a actividade no sector da pesca evoluiu desfavoravelmente na parte inicial de 1966: de Janeiro a Março, o volume de pesca desembarcada diminuiu de 12 por cento, quando comparado com o de igual período de 1965.

67. Após um longo período em que se registou evolução desfavorável, é de admitir que a actividade nas indústrias

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extractivas experimente significativo progresso no ano em curso. De facto, o índice da produção de minérios elevou-se de cerca de 60 por cento no período de doze meses terminado em Março último. Este comportamento deve-se em especial à extracção de carvão que, depois de sucessivas quebras em anos anteriores, acusou no 1.º trimestre de 1966 acréscimo de 40 por cento.

For outro lado, a produção de petróleo e de gás natural, em quantidades apreciáveis, parece evidenciar presentemente favoráveis perspectivas.

No que toca às indústrias transformadoras, a sua expansão terá prosseguido a elevado ritmo em 1966. Assim, em Março último o índice da produção do sector acusava acréscimo de cerca de 32 por cento, em relação ao nível alcançado em igual mês do ano anterior. De igual modo, o valor total da produção aumentou de 35 por cento no decurso do 1.º trimestre.

Além da instalação de novos ramos industriais, como o da construção de material circulante para caminhos de ferro, merecem especial referência o avultado incremento observado no domínio da industrialização de alguns produtos agrícolas - tratamento do chá e descasque de castanha de caju - e ainda o aumento da produção de cimento e fibrocimento, refrigerantes e sacaria. Porém, nas indústrias de extracção de óleos vegetais e de fiação registou-se contracção de actividade.

Para a construção civil não se dispõe ainda de indicadores directos que permitam ajuizar da sua evolução recente. Todavia, o aumento da produção de cimento e a continuação da subida das rendas de casa levam a admitir que terá prosseguido em 1966 a recuperação evidenciada pelo sector no ano precedente.

68. A produção de energia eléctrica continuou a expandir-se a cadência regular: de Janeiro a Março do corrente ano o consumo de electricidade nas duas principais cidades da província aumentou, em conjunto, de 6 por cento.

Relativamente às actividades transportadoras, o seu comportamento não terá sido tão favorável como em anos anteriores. Os indicadores disponíveis para os transportes marítimos nos três primeiros meses de 1966 revelam ligeira diminuição do tráfego de mercadorias nos portos de Lourenço Marques e da Beira.

Nos transportes terrestres, o movimento de mercadorias e passageiros pelos caminhos de ferro do Estado aumentou ligeiramente, mas na camionagem observou-se evolução desfavorável. Neste domínio, é de assinalar o início da construção de uma via férrea que ligará a rede dos caminhos de ferro do Malawi com a linha que serve o porto de Nacala.

Por sua vez, o tráfego aéreo voltou a acusar nítido incremento: o número de passageiros-quilómetro e o volume de toneladas- quilómetro de mercadorias transportados pelo serviço de transportes aéreos da província elevaram-se, respectivamente, de 36 e 39 por cento durante o 1.º trimestre de Í966.

69. Os elementos disponíveis sobre a evolução do comércio externo de Moçambique respeitam apenas aos meses de Janeiro e Fevereiro, pelo que não é possível avaliar com segurança da sua evolução no corrente ano. Naquele período observou-se diminuição do valor global exportado, a par de acréscimo das importações, tendo a balança comercial da província apresentado situação deficitária.

Cabo Verde

70. São particularmente escassos os indicadores disponíveis sobre o comportamento recente da actividade económica da província. Admite-se, todavia, que o desenvolvimento do sector agrícola tenha continuado a processar-se a ritmo lento, embora a produção de bananas revele perspectivas favoráveis.

Quanto à extracção de sal e pozolanas, a sua recuperação parece prosseguir em 1966. De igual modo, a actividade piscatória deve acusar significativa expansão. Saliente-se ainda o apoio prestado às frotas estrangeiras que pescam nos mares do arquipélago.

No domínio da pesca, reveste-se de especial significado d acordo recentemente firmado com a Alemanha Ocidental, com vista à avaliação da riqueza piscícola desta província. Por outro lado, o Governo local foi autorizado no ano corrente a subscrever 60 por cento do capital da principal empresa de pesca de Cabo Verde, a fim de lhe possibilitar os recursos financeiros indispensáveis à execução dos seus empreendimentos.

Guiné

71. Embora não se disponha de elementos sobre a evolução da produção agrícola da província em 1966, é de esperar que os investimentos de natureza infra-estrutural - obras de hidráulica agrícola e de defesa contra as águas salgadas ultimamente realizados tenham contribuído para acentuada melhoria da sua agricultura. Além disso, em Abril último foi criada na província uma caixa de crédito, cujo objectivo essencial reside na concessão de créditos ao sector agro-pecuário, mas que visa igualmente as actividades industrial e imobiliária, tendo em atenção os particularismos da economia da Guiné. A nova instituição deverá assegurar a aquisição de máquinas agrícolas por associações ou cooperativas para cedência aos agricultores em regime de aluguer.

No ano corrente a pesca terá continuado a revelar notável desenvolvimento, dadas as potencialidades piscícolas das águas da Guiné e a tendência crescente do consumo local de peixe. Aliás, o Governo da província comunicou recentemente o propósito de participar numa empresa ligada à exploração de instalações frigoríficas, em concretização de um plano de montagem de um sistema de frio destinado ao armazenamento e conservação de diversos géneros alimentícios.

Quanto à actividade mineira, é de referir a assinatura, em Março último, de um contrato para a pesquisa e exploração de petróleo, ao abrigo do qual se prevê a realização de investimentos no quantitativo de 300 000 contos. Assinale-se, por último, a constituição de uma sociedade destinada à realização de empreendimentos, turísticos e hoteleiros, com a participação do Governo local, cujo primeiro projecto é a construção de um hotel em Bissau.

S. Tomé e Príncipe

72. A actividade agrícola do arquipélago deve ter beneficiado com a subida recente das cotações internacionais do cacau - produto que constitui a base essencial da sua economia. Prosseguiu, por outro lado, a reestruturação da agricultura, nomeadamente através do desenvolvimento da produção de frutas tropicais, com amplas possibilidades de colocação nos mercados externos, como é o caso da banana, que já aproveitou da solução dada numa primeira fase ao problema do transporte em relação a Angola.

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Reflectindo, em parte, a favorável evolução da sua actividade económica, o comércio externo da província apresentou, para os quatro primeiros meses de 1966, um saldo positivo de 20 milhares de contos, superior ao registado nos últimos anos. Naquele período, as exportações de cacau representaram cerca de 70. por cento do total exportado, que se dirigiu fundamentalmente para a metrópole, pá sés membros da C. E. E. e Estados Unidos.

Macau

73. No corrente ano, acentuou-se a dependência da província perante as importações de géneros alimentícios, como resultado das reduzidas dimensões do seu sector agrícola. Porém, a avaliar pelo aumento das exportações, a pesca teia evoluído favoravelmente no ano em curso.

Quanto á indústria transformadora, a sua actividade parece ter evidenciado relativa estabilidade na parte inicial de 1963, não obstante a diminuição da produção no sector dos têxteis, que pôde ser compensada, pelo menos em parte, pela melhoria noutras indústrias, como a do calçado.

Por sua vez, na construção civil ter-se-á registado sensível expansão, como mostra o aumento de 37 por cento no número de edifícios construídos durante o 1.º trimestre de 1966.

O tradicional saldo negativo da balança comercial de Macau sofreu agravamento de cerca de 48 milhares de contos nos cinco primeiros meses do ano corrente. Este comportamento explica-se pela relativa estagnação observada no valor global das exportações, que aumentou apenas de 0,5 por cento, a par de acréscimo de 5 por cento nas importações.

De facto, de Janeiro a Maio de 1966, diminuíram sensivelmente as exportações de têxteis, mas as de peixe, crustáceos 3 moluscos acusaram apreciável incremento. Simultâneamente, verificou-se considerável elevação das importações de bens de consumo, atenuada, em parte, pela redução das aquisições de matérias-primas, em particular tecidos de algodão crus.

Timor

74. A escassez de indicadores disponíveis sobre a evolução da conjuntura nas províncias ultramarinas é particularmente acentuada no caso de Timor. No entanto, parece lícito admitir que a sua agricultura tenha continuado a beneficiar das medidas adoptadas com o objectivo de melhorai a produção de café, que constitui o principal produto da actividade económica da província, e de diversificar a produção agrícola, destinada especialmente à satisfação das necessidades de consumo locais.

Espera-se, por outro lado, que a exploração de madeiras experimente de futuro notável desenvolvimento, atendendo não 50 à riqueza florestal de Timor, mas também ao interesse manifestado nos mercados externos.

Finalmente, importa referir as perspectivas de expansão da actividade mineira, como resultado do estabelecimento de novo contrato relativo à extracção de diversos minérios.

III

Actividade financeira do Estado

75. A política financeira encontra-se subordinada, a partir de 1061, à necessidade de assegurar a integridade nacional. Acento este objectivo prioritário, tornou-se possível ainda prestar amplo apoio ao processo de crescimento económico, que constitui a base indispensável do esforço de defesa. De facto, em consequência da firme orientação definida, tem vindo a reforçar-se o excedente de receitas ordinárias, a fim de ser utilizado na cobertura dos encargos extraordinários de defesa do ultramar.

Este comportamento deve-se, quer aos critérios selectivos observados no domínio das despesas ordinárias sem prejuízo da satisfação das necessidades administrativas crescentes , quer à própria expansão a cadência acelerada da economia nacional e, portanto, da matéria colectável, que proporcionou a elevação das receitas ordinárias, sem agravamento da carga tributária. Aliás, tem-se procurado ainda afectar, na medida do possível, parte das receitas fiscais para cobrir investimentos públicos de menor reprodutividade, reservando os recursos provenientes de empréstimos internos e externos para os empreendimentos com mais decisiva influência na aceleração do processo de crescimento económico.

No gráfico seguinte pode observar-se a evolução das receitas e despesas ordinárias e do respectivo excedente nos últimos anos.

[...ver tabela na imagem]
Receitas e despesas ordinárias
(Milhares de contos)

l - Evolução das receitas e despesas nos últimos anos

76. Acompanhando a expansão da matéria colectável decorrente do desenvolvimento económico, as receitas ordinárias têm vindo a elevar-se a ritmo intenso nos últimos anos. Em 1965 a sua expansão processou-se à taxa de 15,7 por cento, superior u, registada no ano anterior.

Este comportamento ficou a dever-se essencialmente ao acréscimo nas cobranças de receitas fiscais, que ocupam posição preponderante no conjunto da receita ordinária.

O facto verifica-se pelo mapa inserto a seguir.

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[Ver tabela na imagem]

QUADRO XIV
Receitas ordinárias
(Milhares de contos)

Com efeito, os impostos directos acusaram expansão de 20,5 por cento, contra 5,7 por cento em 1964, o que reflecte, porém, em certa medida, a cobrança em 1965 de parte da liquidação do imposto complementar do ano anterior, devido a dificuldades surgidas na execução das disposições do respectivo código. De igual modo, a elevação dos imposto indirectos (17,5 por cento) foi parcialmente influenciada pela vultosa liquidação de direitos de importação incidentes sobre os automóveis fabricados no País.

Para além destes factores, observou-se ainda no último ano expansão, a ritmo particularmente acentuado, nos rendimentos provenientes da contribuição industrial, do imposto profissional e do imposto do selo e estampilhas fiscais.

77. Do confronto com os valores disponíveis da despesa nacional, que revelam elevada cadência de crescimento, verifica-se diminuição no último ano da relação entre as despesas orçamentais totais e a despesa nacional, como mostra o quadro que a seguir se insere:

[Ver tabela imagem]

QUADRO XV
Despesas públicas e despesa nacional

78. As despesas globais da Conta Geral do Estado,, após (progressão mais rápida em 1964, elevaram-se no ano transacto à taxa de 5,1 por cento. Este abrandamento foi determinado essencialmente pela quebra nas despesas de investimento, o que assume, porém, limitada relevância, uma vez que resultou em parte da contracção nas despesas da construção da ponte sobre o Tejo, que se encontrava na sua fase final. Por sua vez, a progressão dos encargos com a defesa e segurança (10,3 por cento) evidenciou cadência idêntica à do ano anterior, enquanto nos encargos com o serviço da dívida pública e com o funcionamento dos serviços se verificou intensificação do movimento ascendente.

Estas observações evidenciam-se no mapa seguinte, que mostra a decomposição das despesas totais da Conta Geral do Estado.

[Ver tabela na imagem]

QUADRO XVI

Despesas totais da Conta Geral do Estado (a) (Milhares de contos)
79. Examinada a evolução das despesas totais e das suas diferentes categorias, de acordo com a classificação funcional, interessa também considerar separadamente as despesas ordinárias e extraordinárias e apreciar a forma como se efectuou a cobertura das últimas.

Relativamente à despesa ordinária, o seu movimento ascendente processou-se com regularidade no último triénio. Assim, em 1965 observou-se acréscimo à taxa de 8,6 por cento, que apenas ultrapassou ligeiramente as dos dois períodos financeiros precedentes. E, dado que, como se referiu, as receitas ordinárias acusaram considerável aumento, o excedente dos recursos públicos normais situou-se em nível sem precedente (4 748 000 contos), superando os encargos extraordinários de defesa do ultramar.

Por seu lado, a despesa extraordinária realizada no ano transacto manteve-se praticamente estável, após o sensível acréscimo verificado em 1964. Voltou assim a observar-se, como em 1963, tendência para a moderação do acentuado movimento expansionista anteriormente registado.

Para além dos encargos acrescidos com as forças militares extraordinárias no ultramar, cabe destacar a elevação das despesas efectuadas nos sectores do ensino, da investigação e da saúde no âmbito do Plano Intercalar de Fomento, que compensaram em parte o decréscimo

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em relação a alguns empreendimentos, nomeadamente a ponte sobre o Tejo.

No que se refere à cobertura das despesas extraordinárias, a necessidade de afectar os excedentes das receitas ordinárias aos encargos militares extraordinários tem determinado dos últimos anos a mobilização de recursos provenientes de empréstimos para o financiamento dos investimentos englobados nos planos de fomento e ainda de outros empreendimentos. No entanto, dada a forte elevação do referido excedente, foi possível moderar em 1965 o recurso ao crédito. De facto, o produto aplicado dos empréstimos internos e externos, depois de manter relativa estabilidade no triénio de 1961-1963 e acusar sensível acréscimo em 1964, teve no ano transacto nítida contracção. Desta forma, a percentagem de cobertura das despesas extraordinárias ipor recursos provenientes de empréstimos passou de 46 para 24 por cento.

2 -A execução orçamentarem 1966

80. A elaboração do Orçamento Geral do Estado para 1966 assentou, como nos últimos anos, numa estimativa prudente das receitas ordinárias, na compressão dos gastos não essenciais e na selecção de despesas, de harmonia com as exigências da evolução conjuntural e os objectivos fundamentais do processo de desenvolvimento económico-sociai.

Teve-se a intenção de continuar a financiar os encargos de defesa das províncias ultramarinas com o excedente das receitas sobre as despesas ordinárias e utilizar ainda parte das receitas fiscais para cobrir investimentos de menor reprodutividade. Previu-se, aliás, que a expansão da matéria colectável continuará a proporcionar a elevação das receitas ordinárias e admitiu-se ao mesmo tempo que o aumento de encargos com o funcionamento dos serviços possa ser relativamente moderado. Além disso, deverá diminuir a utilização de recursos provenientes de empréstimos, sobretudo externos, paralelamente ao ligeiro decréscimo previsto para as despesas extraordinárias de investimento, como resultado da conclusão no decurso de 1966 de importantes empreendimentos - a ponte sobre o Tejo, a que já se fez referência, e a !. J ase do plano de rega do Alentejo.

81. Os elementos disponíveis para o 1.º semestre de 1966 evidenciam efectivamente apreciável acréscimo das receitas ordinárias, que se elevaram de 15,5 por cento, em relação a igual período do ano anterior. No mapa seguinte pode observar-se a evolução recente dos diferentes capítulos da receita ordinária:

QUADRO XVII

Receitas ordinárias no 1.º semestre de 1965 e 1966

(Milhares de contos)

[ver tabela na imagem]

Designação 1.º semestre Variação 1965 1966

Verifica-se, pois, que para o comportamento favorável da receita contribuiu em medida apreciável o acréscimo das receitas fiscais arrecadadas. No entanto, observou-se igualmente sensível aumento nas cobranças relativas a «Reembolsos e reposições» e «Consignações de receita», que na sua quase totalidade englobam contrapartidas de correspondentes variações de despesa, e ainda nos rendimentos provenientes do «Domínio privado, empresas e indústrias do Estado», em consequência nomeadamente do aumento das receitas brutas do porto de Lisboa e do aeroporto de Lisboa.

A elevação de 7,6 por cento nos impostos directos resultou sobretudo da melhoria apurada nos rendimentos do imposto sobre as sucessões e doações, da contribuição industrial e da sisa, que compensou largamente a contracção das cobranças do imposto complementar, resultante, aliás, de motivos de carácter acidental já anteriormente mencionados.

Na expansão dos impostos indirectos (9,6 por cento) exerceu papel preponderante o aumento das receitas arrecadadas através dos direitos de importação e da taxa de salvação nacional.

82. O quantitativo global das despesas orçamentais autorizadas no 1.º semestre de 1966 experimentou acréscimo de 4,6 por cento, ascendendo a cerca de- 7 376 000 contos. Esta evolução ficou a dever-se exclusivamente ao acréscimo de 7,7 por cento das despesas ordinárias, resultante, em grande parte, da elevação dos encargos da dívida pública, como se conclui do quadro seguinte:

QUADRO XVIII

Despesas orçamentais no 1.º semestre de 1965 e 1966 (a)

(Milhares de contos)

[ver tabela na imagem]

Designação 1º semestre Variação 1965 1966

(a) Autorizações expedidas para pagamento.

(b) Rectificado, devido a regularização de escrita resultante da anulação de uma autorização de pagamento.

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De facto, a despesa extraordinária manteve-se ao nível atingido no período homólogo do ano anterior, uma vez que ao decréscimo dos encargos de defesa e segurança se opôs elevação das despesas extraordinárias de investimento, principalmente das englobadas no Plano Intercalar. Anote-se, porém, o reduzido significado do respectivo montante e da sua variação, devido ao facto de a realização da maioria destas despesas se concentrar, como é hábito, na segunda parte do ano.

83. Da conjugação dos montantes apurados durante o 1.º semestre de 1966 nas receitas ordinárias e nos fundos saídos para pagamento das despesas da mesma natureza resultou a formação de avultado excedente, que superou amplamente a despesa extraordinária realizada.- Deste modo, e como se cobraram ainda receitas extraordinárias no montante de 248 700 contos, o resultado geral das contas públicas naquele período foi um excesso das receitas sobre as despesas de 1 649 800 contos, superior, ao dobro do registado em igual período de 1965.

Prosseguiu assim o reforço da situação financeira do Estado, com reflexo na progressão das disponibilidades gerais de tesouraria, evidenciada no gráfico que a seguir se insere:

[ver tabela na imagem ]

(Milhares de contos)

IV

A proposta de lei de autorização para 1967

Autorização geral

84. De acordo com o determinado no artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição Política, solicita o Governo autorização para cobrar os impostos e as outras receitas do Estado aí visadas e para os utilizar, em harmonia com os princípios constitucionalmente consagrados e as demais normas aplicáveis, no pagamento das despesas inscritas no Orçamento Geral do Estado relativo ao exercício de 1967. A forma por que se propõe que tal autorização seja legislativamente consubstanciada tem, quer no tocante aos termos da proposta, quer ao seu conteúdo material, e salvo ligeiras modificações de redacção, ampla conformidade com os preceitos de anteriores propostas. Pode, portanto, dizer-se que

se integra ua prática entre nós adoptada quanto ao funcionamento das instituições constitucionais e da administração financeira.

Tal circunstância permite recolher para a proposta agora apresentada os frutos de uma técnica que, salvaguardando as atribuições políticas constitucionalmente conferidas à Assembleia Nacional, possibilita a gestão financeira do Estado em termos considerados eficazes. Ficam também salvaguardados os direitos individuais dos cidadãos, na parte relativa à garantia concedida pelo diploma supremo da nossa ordem jurídica, de não pagarem «impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição», como se lê no seu artigo 8.º, n.º 16.º Na verdade, resulta da conjugação deste preceito com os dos artigos 70.º e 91.º estar compreendida no respectivo âmbito não só a criação de impostos, que pode, aliás, ser feita por diploma governamental, como a autorização para a sua cobrança, dependendo esta de lei formal.

Julga-se, assim, amplamente justificado, e mesmo sem recurso a pormenorizadas referências da nossa tradição tributária, o artigo 1.º da proposta.

85. Não tem o § único da disposição em análise maior carácter inovador.

Embora não reproduza formalmente o preceito similar da anterior proposta, tem do mesmo modo como objecto garantir, dentro de idênticos princípios e com resultados igualmente experimentados, a administração dos serviços autónomos e de outros cujas tabelas se não encontrem incluídas no Orçamento Geral do Estado.

Entre as duas fórmulas não existem, portanto, divergências quanto ao conteúdo, justificando-se a nova redacção por preocupações de simplicidade, que, explicado o propósito da sua consagração, não apresenta menor valor interpretativo que o oferecido pelos termos substituídos. Basta para tanto ter presente a existência, sob a diversidade aparente das fórmulas, de uma identidade de substância.

Conserva-se, portanto, aquele elemento de exegese fornecido pela redacção anterior e que, reportando a análise do preceito ao seu elemento histórico, é susceptível de superar embaraços dogmáticos eventualmente surgidos na doutrina, dada a imprecisão de terminologia adoptada relativamente às entidades referidas no § único do artigo 1.º

Em consonância com este elemento de interpretação está e é por ele revelado o factor material que ditou a redacção repetida no ano transacto e donde proveio a do § único do artigo 1.º da actual proposta. Como se pode ver no parecer emitido sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1950 - n.01 12 e 36 -, cuja orientação foi consagrada na Lei n.º 2045, de Dezembro do mesmo ano, procurava-se uma delimitação de entidades e serviços que fosse suficiente para eliminar eventuais divergências entre o decreto orçamental e o próprio orçamento e constituísse o corolário das consagradas regras da universalidade e unidade orçamentais. Dado o confessado propósito do legislador, a redacção adoptada pôde desempenhar o seu objectivo, mau grado a heterogeneidade de situações visadas, que dificilmente permitiriam a adopção de uma fórmula de suficiente idoneidade quando ponderada no seu estrito aspecto literal.

Embora não se tenham suprimido todas as dúvidas susceptíveis de surgirem no campo teórico, motivadas pelas oscilações da doutrina e pelo variado grau de independência obtido pelos serviços autónomos relativamente à contabilidade central do Estado, foi assim possível conseguir uma suficiente individualização no campo pragmático das entidades cuja cobrança de receitas se sujeitava ao condicionalismo da lei formal, dando plena

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execução aos princípios orçamentais constitucionalmente estabelecidos no artigo 63.º da Constituição Política.

A fórmula consagrada na Lei n.º 2045, de Dezembro de 1950, na D foi sempre a escolhida nas posteriores propostas de lei de autorização das receitas e despesas e nos respectivos textos legais. As modificações não suscitaram, porém, dúvidas, atento o manifesto propósito do legislador de contemplar as realidades referidas naquele texto. Não se afiguram, portanto, arriscadas as simplificações formais introduzidas na redacção do § único do artigo 1.º da actual proposta.

Quanto à matéria propriamente dita do § único do artigo 1.º, encontra ela suficiente justificação nos preceitos da Constituição Política aos quais já se fez referência. Julgam-se, portanto, supérfluos mais largos desenvolvimentos.

Estabilidade financeira

86. Insere-se no artigo 2.º uma declaração programática de largo alcance, de harmonia, aliás, com a formulação contida no diploma que promulgou as bases para a execução do Plano Intercalar de Fomento para o período de 1965-1967 das condições de que depende a realização dos objectivos específicos de progresso económico e social contidos no Plano.

E preocupação dominante do Governo não só assegurar o equilíbrio rigoroso das contas públicas, que é objecto do artigo 3.º, como velar pela manutenção da , estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior do escudo, bases indispensáveis da prossecução dos objectivos de aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e da sua repartição mais equilibrada. Só no quadro de um conjunto coerente e harmónico de medidas, que se reportem aos diferentes ângulos da política económica, financeira e social, poderá assegurar-se a eliminação dos factores susceptíveis de afectar a estabilidade interna e externa e, consequentemente, de comprometer a realização do esforço de defesa da integridade do território nacional e do esforço de desenvolvimento acelerado.

A expressa consagração no artigo 3.º do propósito do Governo de manter uma orientação financeira firmemente destinada a garantir os equilíbrios essenciais da economia teia carácter inovador no contexto da proposta de lei de autorização das receitas e despesas. E é esse, no actual condicionalismo, o seu significado fundamental.

87. O artigo 3.º constitui o lógico desenvolvimento da disposição que o antecede, expresso pela mesma forma usada no ano anterior. Mantiveram-se as circunstâncias que ditaram tal preceito. Não havia razão, portanto, para introduzir alterações.

A substância do artigo 3.º traduz-se na criação de um dispositivo que permite adaptar os recursos às necessidades como .processo de assegurar o equilíbrio das contas públicas e c normal provimento da tesouraria. Se em tempos meros sobrecarregados de dificuldades já se . escreveu, pedante o desafogo da tesouraria, que tal cláusula tinha apenas carácter de segurança, pode hoje as-sinalar-se-lhe uma importância primacial. Os encargos da defesa nacional e as exigências do desenvolvimento económico do espaço português atingem vultosas somas no Orçamento Geral do Estado, impondo uma rigorosa e dúctil coordenação de meios, de forma a assegurar, conjuntamente com as despesas normais de funcionamento, a realização dos objectivos considerados prioritários dentro dos estabelecidos no quadro da política financeira.

Tal é o fim do artigo 3.º

A este respeito importa salientar que em todo este capítulo esteve presente a prática já seguida - e incrementada no ano transacto - de financiar o esforço de defesa com os excedentes das receitas ordinárias relativamente aos encargos de idêntica índole. Dessa forma se poderá ir canalizando para o campo do desenvolvimento económico novas receitas, permitindo acelerar o ritmo que lhe for proporcionado pelo crédito, quer de origem interna, quer de proveniência externa.

Tais razões justificam a atribuição ao Governo de poderes especiais destinados a prevenir situações anormais e, quando não for possível evitá-las, a actuar de forma a suprimir os seus inconvenientes. Permite, além disso, a adopção de uma severa política quotidiana de seleccionação de encargos, de modo a impedir que o supérfluo afecte o necessário, como é exigência imperiosa da política financeira.

Disposições tributárias

88. Ao definir as linhas fundamentais da estrutura orçamental, não pode o Governo deixar de atribuir ao sector tributário um destacado relevo, tanto pela consideração dos resultados que condicionam a acção pública da Administração e a sua eficiência como pela necessidade de analisar os efeitos da política fiscal em relação ao sector privado, às suas limitações e à sua própria coordenação e desenvolvimento.

Apresenta-se, de momento, essa preocupação com manifesta acuidade e necessariamente mais acentuada, mercê da entrada em vigor das recentes reformas tributárias, que, tomando como ponto de partida os rendimentos reais, vieram tornar particularmente sensível o sistema fiscal às oscilações da conjuntura.

Daí que, ao traçar uma política tributária de natureza conjuntural, como é a das leis de autorização das receitas e despesas, se deva começar por analisar atentamente o comportamento das respectivas receitas nos anos anteriores, a fim de se extraírem as conclusões que hão-de habilitar ao estabelecimento de uma estratégia de equilíbrio, de estabilização e de crescimento, como é a que preside à elaboração da política financeira do País.

Na formulação dos critérios que hão-de constituir as linhas fundamentais da política tributária conjuntural, se deve ser dado realce à análise das razões que legitimam o uso de medidas transitórias, ou porventura de excepção, não pode também deixar de partir-se do exame do comportamento das receitas nos anos anteriores, tentando determinar-lhe as causas e prever-lhe as consequências.

Simplesmente, o próprio comportamento das receitas tributárias depende, em grande parte, da política de estrutura do sistema fiscal instituído, razão por que não se poderá omitir a apreciação do seu estado de adiantamento e a fase em que se encontre a sua execução. De resto, num momento em que o tempo já decorrido sobre o lançamento da reforma fiscal não se apresenta ainda como suficiente para da respectiva execução se tirar a ilação da normalidade do comportamento dos fluxos tributários, a preocupação com os factores de natureza estrutural deve ainda ser maior.

Não se poderá, assim, deixar de proceder a uma análise conjunta, embora sumária, dos factores de estrutura e conjunturais que possam legitimar novas medidas tributárias para o próximo ano.

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tempo, precisamente para evitar que se acumulassem, num só período de gestão pública e de administração privada, as dificuldades que, em ambos os aspectos, há sempre necessidade de vencer, quando os sistemas são modificados em profundidade. Dos diplomas legais que reformaram parcelarmente cada uma das fontes tributárias, alguns vigoram já desde 1959, enquanto que outros só em 1964 entraram em execução, tendo ainda no corrente ano sido publicado e posto em vigor o Código do Imposto de Transacções. Daí a necessidade de ter sempre presente, ao ponderar os resultados da aplicação de uns e de outros, para tomar as medidas conjunturais que se imponham, a reduzida probabilidade que em relação aos últimos diplomas é de admitir quanto à plena normalidade dos resultados obtidos até ao presente. E são precisamente essas circunstâncias que se verificam em relação aos últimos diplomas da reforma, que hão-de ditar, em grande parte, as medidas, que haverá de adoptar na elaboração da política fiscal para 1967.
Na mesma ordem de ideias, a comparação entre os resultados financeiros da execução da reforma e os resultados nos anos anteriores sofre das mesmas limitações, que, de resto, já se deixaram assinaladas no relatório da Lei de Meios para 1965.
Na verdade, se, no que se refere à sisa e ao imposto sobre as sucessões e doações, é possível tentar uma comparação entre a progressão dos réditos tributários antes e depois da reforma, dado que o novo sistema está em aplicação desde 1959, já em relação aos impostos sobre o rendimento o período de aplicação do novo regime é ainda demasiado curto para que se possa formular uma conclusão segura sobre o comportamento das receitas fiscais a partir da reforma.
Não obstante essas circunstâncias, não deixará de se passar em revista o comportamento das receitas provenientes dos impostos abrangidos pela reforma fiscal ou criados durante o respectivo período, o que constituirá certamente uma base de trabalho que não pode deixar de ser apreciável. Para o efeito, sintetizam-se, desde já, no seguinte mapa as receitas que, respeitando aos impostos reformados, serão seguidamente objecto de apreciação.
QUADRO XIX [Ver tabela na imagem]
(a\ Os números em itálico respeitam á última cobrança pelo regime anterior à reforma do sistema tributário. (A) 8.º semestre, apenas.
90. Antes da reforma dos impostos sobre o património levada a efeito pelo Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958, este último imposto abrangia três diferentes fórmulas ou espécies que se mantiveram por muito tempo distintas, quer pela incidência, quer pelas taxas e pelo processo de liquidação: o imposto liquidado nos termos gerais, o imposto cobrado por avença e a taxa de compensação:
A taxa de compensação era uma forma tributária compensatória de receita perdida por virtude de alterações substanciais introduzidas anteriormente no imposto sobre as sucessões e doações e cobrava-se em função dos rendimentos sujeitos a contribuição predial, contribuição industrial, grupo C, e imposto sobre a aplicação de capitais, secção A. Simplesmente, o mencionado Decreto-Lei n.º 41 969, no seu artigo 5.º, tendo mantido transitoriamente esta taxa, previu, desde logo, a sua progressiva eliminação, à medida que entrassem em vigor as reformas dos impostos a que ela se referia. E foi o que efectivamente veio a verificar-se, excepto pelo que diz res-
peito à contribuição predial, por se haver entendido que deveria manter-se ainda a taxa de compensação nos três primeiros anos de vigência do respectivo código, dado que só ao fim desse período as novas taxas deste imposto entravam inteiramente em vigor.
A reforma do imposto sucessório só teve imediata realização a partir de 1 de Janeiro de 1959 pelo que se refere às formulas de liquidação nos termos gerais e por avença, e, nestes sectores, não trouxe modificações que conduzissem a sensível alteração no montante das receitas.
Na verdade, a evolução dos réditos deste imposto, que no mapa se apresenta conjuntamente em relação às duas formas de cobrança, apenas reflecte, antes e depois da reforma e no curso da respectiva execução, salvo circunstâncias adiante mencionadas, a evolução de factos naturais e económicos que, afectando o número e valor das transmissões, vêm, naturalmente, a repercutir-se no montante da receita. A progressiva expansão demográfica e económica, só por si, provocam, naturalmente, um acréscimo no número e valor das transmissões por morte e por doações, o que, relacionado com a existência de

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taxas progressivas, funcionando na dependência do grau de parentesco e do valor das quotas dos beneficiários, vem a provocar uma evolução constante no aumento das receitas emergentes do imposto.
Outro facto muito sensível na cobrança do imposto sobre as sucessões e doações é a maior ou menor actualização dos rendimentos colectáveis inscritos nas matrizes prediais, visto que, ressalvados casos particulares, como sejam os de avaliações ou de outra natureza, são os valores matriciais que, quanto a bens imobiliários, servem de base à determinação do valor da transmissão. Ora, na medida em que, nos últimos anos, foram sendo postas em vigor, em diversos concelhos, novas matrizes mais actualizadas, quer pela entrada em vigor do regime cadastral, quer por aplicação de factores de actualização, quer por força de avaliações directas, ter-se-ão correspondentemente produzido efeitos nas cobranças anuais do imposto sobre as sucessões e doações e justificado em grande parte o seu índice de crescimento.
Esta influência acentuou-se muito especialmente a partir de 1964, porque, pelo Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de Junho de 1963, que aprovou o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, foi ordenada uma correcção geral das matrizes rústicas e urbanas, a qual, exceptuadas as matrizes rústicas dos concelhos sujeitos a regime cadastral, começou a produzir efeitos a partir de Agosto do ano imediato. Se o resultado desta correcção não é muito sensível em relação ao acréscimo da receita do imposto sucessório, isso se deve ao facto do se haver neutralizado o efeito de um brusco agravamento da carga fiscal através da cessação simultânea da aplicação dos antigos factores de correcção dos valores matriciais, que até então se utilizavam para suprimir as desperequações originadas pela valorização monetária.
Foi ainda. em 1964 que os serviços tiveram que enfrentar subitamente os problemas inerentes à reforma quase simultânea dos principais impostos directos sobre o rendimento, a que conduziu, inevitavelmente, a um apreciável atraso nas liquidações dos processos de imposto sobre as sucessões e doações, o qual só a partir do final de 1965 se tem progressivamente atenuado.
Quanto á evolução da receita da taxa de compensação, que, como se salientou, tem constituído uma forma tributária substitutiva da antiga receita do imposto sobre as sucessões e doações e que continuou em vigor depois da entrada em execução do código de 1958, a sua cobrança nos anos posteriores continuou a ser condicionada pela evolução da matéria colectável dos três impostos subsidiários aos quais se referia.
De 1962 para 1963 deixou de verificar-se, porém, o constante e progressivo acréscimo dos resultados da cobrança, invariavelmente observado nos anos imediatamente anteriores. Deve-se esta circunstância ao facto de ter começado a vigorar, a partir de 1 de Janeiro de 1963, o Código do Imposto de Capitais, aprovado pelo Decreto-Lei.n.º 44 561, de 10 de Setembro de 1962, pelo que, a partir daquele ano e por força do já citado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 41 969.cessou a cobrança da taxa de compensação sobre os rendimentos sujeitos a imposto de capitais. De 1963 para 1964, e por motivo semelhante, nota-se, novamente, um importante decréscimo na receita do imposto. De facto, em 31 de Julho de 1963 começara a vigorar o Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 103, de 1 de Julho daquele ano, pelo que em 1964 foram subtraídos à incidência da taxa de compensação todos os rendimentos sujeitos a contribuição industrial.
De 1964 em diante apenas se lançou a taxa de compensação sobre rendimentos sujeitos a contribuição predial, situação esta que apenas se manterá até ao fim do ano corrente, ficando eliminada esta receita a partir de 1967, em obediência à invocada disposição do diploma que aprovou o Código da Contribuição Predial.
O decréscimo da receita que ocorreu mais acentuadamente em 1965 deve-se ainda ao facto de, por disposição da respectiva Lei de Meios, a taxa desta receita ter sido reduzida em relação àquele ano.
91. A reforma da sisa foi também integrada no citado código de 24 de Novembro de 1958, que, como se disse, entrou em vigor em 1 de Janeiro do ano seguinte.
Na apreciação das variações dos réditos provenientes deste imposto importa ter presente que o volume de receita da sisa depende essencialmente do maior ou menor número e valor das transmissões onerosas de bens imobiliários, e, por isso, constitui, para cada ano, um elemento elucidativo do maior interesse na apreciação do comportamento dos factores em relação à conjuntura.
Em face da estabilidade dos elementos estruturais desta espécie tributária, o sentido ascendente observado no quadro de receitas deve-se, nas suas grandes linhas, ao crescimento económico, e designadamente ao já referido comportamento dos sectores da oferta e da procura da propriedade imobiliária, bem como à sensível valorização da propriedade urbana. Por outro lado, trata-se de imposto particularmente sensível a todas as flutuações da actividade da construção, dado que são as transacções de prédios urbanos as mais significativas no ponto de vista fiscal. Daí que a quebra ou transitória estagnação deste sector, verificada em 1962 por virtude da política de crédito, não tenha sido fortemente compensada pela criação, nos termos dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 43 763, de 30 de Junho de 1962, de um adicional sobre a sisa devida por transmissões de prédios urbanos de maior valor, que ainda hoje se mantém.
Da mesma forma que no imposto sobre as sucessões e doações, vem a sisa a acusar acentuadamente os efeitos de actualização das matrizes prediais. Por isso, à subida verificada em 1964 não deve ter sido alheia a correcção das matrizes introduzida a partir de 10 de Agosto de 1964, que, como anteriormente se esclareceu, produz substancial aumento nos valores que serviram de base à liquidação. Paralelamente, assistiu-se também, de 1963 para 1964, à maior das subidas dos últimos anos nos números relativos aos valores declarados, tendo aumentado consideravelmente a proporção destes últimos nos valores de liquidação. Trata-se de factos a que se não pode deixar de ligar a acção fiscalizadora, a eficácia preventiva das disposições legais e a colaboração do próprio contribuinte.
Em face do exposto, é de admitir a continuação do movimento ascensional das receitas que tem vindo a verificar-se.
92. O Código do Imposto Profissional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 305, de 27 de Abril de 1962, começou a vigorar em 1 de Janeiro de 1963.
Com a reforma deste imposto, que tinha no volume das receitas fiscais um reduzido significado, assistiu-se a um alargamento sensível do âmbito da incidência, bem como a uma expressiva alteração no regime de taxas, o que, juntamente com aperfeiçoamentos introduzidos no processo de determinação da matéria colectável, permitiu que, não obstante se ter elevado substancialmente o nível quantitativo das isenções protectoras do mínimo de existência, se obtivesse considerável progresso no volume das

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cobranças emergentes do imposto profissional, sobretudo a partir de 1964.
De facto, em 1963 - primeiro ano da execução deste imposto - não se observaram ainda plenamente os seus efeitos, visto ter decorrido nesse ano um período transitório indispensável para se estruturar a passagem da antiga técnica de lançamento para o novo regime, o que teve como consequência não poderem ter sido contempladas plenamente muitas situações normalmente tributadas. Assim, e .para citar apenas uma das principais, lembra-se que, nas actividades por conta de outrem, a tributação se limitou à dedução de 1 por cento dos proventos postos à disposição dos trabalhadores pelas entidades patronais, visto que a diferença da receita do imposto liquidado em obediência às taxas previstas no código só veio a apurar-se em 1964, na medida em que o imposto passou a ser cobrado com referência ao ano anterior. Em igual medida influenciaram as cobranças de 1963 as remunerações de actividades por conta alheia recebidas por profissionais que exerceram ocupações referidas na tabela anexa ao código.
Estabilizado o regime definitivo da reforma deste imposto em 1964, podem indicar-se, por ordem decrescente da sua importância, as causas da mutação verificada na receita:
a) Início da sujeição ao novo regime de contribuintes até então afastados da tributação por actividades exercidas por conta de outrem;
b) Tributação em imposto profissional de rendimentos que normalmente deveriam ser objecto de contribuição industrial, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto Profissional;
c) Transferência para o imposto profissional do adicionamento anteriormente incluído no imposto complementar;
d) Tributação dos proventos derivados de direitos de autor ou de análoga natureza;
e) Por sua vez e pelo que se refere ao regime de taxas, a substituição do regime de taxa fixa e de contingente, adoptado na legislação anterior em relação aos contribuintes que exercessem por conta própria determinadas actividades profissionais sujeitas a este imposto, pela tributação dos rendimentos reais percebidos, veio também a ter uma certa eficácia no movimento ascendente que se tem verificado no volume das receitas provenientes desta fonte.
93. O imposto sobre a aplicação de capitais foi reformado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 561, de 10 de Setembro de 1962, que começou a vigorar em 1 de Janeiro de 1963.
Também em relação a este imposto, só a partir de 1964 se pôde observar que o novo regime instituído conduziu a nítidos progressos no quantitativo da receita.
Tais resultados são mais significativos do que poderia julgar-se numa apreciação superficial, devendo-se ter em conta que o código subtraiu muitas situações à incidência do imposto e atenuou a carga fiscal de outras, já para satisfazer imperativos da política de fomento, ou conseguir mais justa e equitativa distribuição de encargos, já para se manter a harmonia e coerência do sistema de impostos sobre o rendimento.
Basta recordar que na secção A o código isentou deste imposto os juros das vendas a crédito dos comerciantes, relativas a produtos ou serviços do seu comércio ou indústria, bem como o juro ou qualquer compensação da mora no pagamento do respectivo preço, que passaram a
constituir, exclusivamente, matéria colectável da contribuição industrial.
Por sua vez, na secção B suprimiu-se a tributação dos juros dos depósitos à ordem, das incorporações de fundos de reserva no capital das sociedades e da emissão de acções com reserva de preferência para os accionistas; reduziu-se de 10 ou 14 por cento, conforme os casos, para 5 por cento a taxa do imposto sobre os lucros distribuídos aos sócios das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, bem como se estabeleceram isenções e reduções, admitidas para favorecer a consecução dos objectivos da política de fomento à escala nacional ou regional.
O aumento mais significativo deu-se, porém, na secção B, visto que o código veio cobrir na incidência algumas importantes situações anteriormente omitidas, devendo-se ainda o facto à circunstância de se ter estruturado em novos moldes a tributação dos juros dos suprimentos e outros abonos feitos pelos sócios às sociedades.
94. Pelo que diz respeito à contribuição predial, a reforma teve lugar com a publicação do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de Julho de 1963, e começou a vigorar 30 dias depois.
De acordo com o facto que se tem assinalado para os restantes impostos, só no ano seguinte ao da reforma, isto é, em 1964, se atingiu a completa eficácia, em termos de cobrança.
Na verdade, e também para dar satisfação às necessidades decorrentes da sucessão de regimes, foi estabelecido, desde logo, um conjunto de providências transitórias, que, em certa medida, se mantiveram ainda em vigor até ao corrente ano, designadamente no que se refere a taxas.
A vigência deste regime transitório, implicando a redução das taxas dos impostos abrangidos por este diploma, veio, por outro lado, a impor que se mantivesse a cobrança da taxa de compensação criada pelo artigo 10.º da Lei n.º 2022, de 22 de Maio de 1947, a qual só em 1965 se reduziu a metade em relação ao rendimento dos prédios rústicos, por virtude da suspensão determinada para o imposto sobre a indústria agrícola.
Essa suspensão, que se julgou conveniente e oportuno decretar, produziu, porém, uma quebra pouco expressiva no previsível movimento ascensional das receitas provenientes deste sector tributário, dado o reduzido volume de receita que do mesmo se esperava.
Verdadeiramente, só a partir do primeiro lançamento nos termos do código, isto é, em 1967, com a correlativa supressão da taxa de compensação e aplicação das taxas previstas nos artigos 220.º e 349.º do Código da Contribuição Predial, se poderá formular um juízo definitivo sobre o comportamento das receitas emergentes dos impostos estruturados nos termos do mesmo código. E ainda então será necessário o decurso de um certo número de anos, que permita avaliar da rentabilidade do regime definitivo então em vigor, sem esquecer que um destes impostos -a contribuição predial urbana- é particularmente sensível à evolução da conjuntura por tomar por base de tributação o rendimento real efectivo. E não devemos esquecer ainda os resultados das revisões ordenadas no artigo 8.º do Decreto n.º 45 104, que aprovou o código, relativamente às matrizes de concelhos submetidos ao regime do cadastro geométrico.
Em todo o caso, não deixa de ter um grande interesse acompanhar a evolução das receitas emergentes da contribuição predial nestes últimos anos, visto que daí transparecem sensíveis alterações de volume que só são explicáveis imputando-as a determinadas providências

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instituídas pela reforma. Nessa análise omite-se naturalmente qualquer referência ao imposto sobre a indústria agrícola, visto não ter existência antes do código e haver sido suspensa temporariamente a sua execução. E lembra-se mais uma vez que dos resultados obtidos só os referentes a 1964 traduzem a aplicação do código, visto que as receitas cobradas em 1963 ainda tomaram por base o regime anterior.
Da análise da evolução das receitas da contribuição predial, importa salientar a estabilidade das referentes à contribuição rústica e o aumento de volume muito significativo em relação à urbana.
Quanto è contribuição rústica, a referida estabilidade deve-se a um fenómeno de compensação resultante de medidas de efeito contrário que neutralizou as consequências não desejadas de uma subida brusca, neste sector, dos encargos tributários: por um lado, a taxa da contribuição predial rústica foi reduzida ao alargarem-se as isenções; por outro, corrigiram-se as matrizes nos concelhos que não se encontram submetidos ao cadastro geométrico nos termos do artigo 7.º do diploma que aprovou o código e procedeu-se à actualização de matrizes, por avaliação geral, em diversos concelhos.
Destas providências de sinal contrário resultou, pois, unicamente e como se desejava, um volume de receitas ligeiramente superior ao verificado em anos anteriores.
Pelo que diz respeito à contribuição predial urbana, notam-se fundamentalmente as seguintes características no comportamento da receita: por um lado, uma progressão acentuada no respectivo volume da matéria tributável, que se pode atribuir à manutenção de um certo ritmo da construção de prédios para habitação e sobretudo ao aumento progressivo das respectivas rendas, especialmente nas zonas urbanas em que o nível de fogos ainda é deficitário, e à caducidade de isenções temporárias que vinham vigorando até então; por outro, um aumento substancial verificado entre 1963 e 1964, que se pode atribuir fundamentalmente às seguintes causas:
a) Actualização dos rendimentos colectáveis dos prédios urbanos não arrendados, obtida através da aplicação dos factores de correcção previstos no artigo 10.º do diploma que aprovou o código;
b) Estabelecimento transitório em 11 por cento da taxa deste imposto, que era de 10,5 por cento;
c) Maior regularidade na apresentação de declarações de renda resultante das combinações previstas nos artigos 296.º e 298.º do código.
Também neste sector tributário se afigura de prever um progressivo aumento de receitas paralelo ao dos anos anteriores e imputável a algumas das causas anteriormente referidas.
95. Relativamente à contribuição industrial, cumpre lembrar que; esta foi reformada pelo código aprovado pelo Decreto-Lei: n.º 45 103, de 1 de Julho de 1963, que, como outros diplomas da reforma, começou a vigorar 30 dias após a publicação.
Mais uma vez se verifica que só a partir de 1964 se começaram a sentir, no volume das receitas, os efeitos particularmente significativos da reforma tributária. No entanto, não obstante a variação da receita cobrada acusar, em 1964, relativamente a 1963, uma variação para mais de 19,3 por cento, não poderão desse facto tirar-se conclusões seguras sobre o comportamento das receitas emergentes do novo sistema de tributação dos lucros das empresas. Por um lado, o imposto vinha já acusando, no
regime anterior, um aumento progressivo de receita, em alguns casos particularmente significativo, como sucedeu entre 1961 e 1962, em que se registou um acréscimo de 14,4 por cento. Por outro, o número apresentado em relação a 1964 representa toda a cobrança efectuada, incluindo o imposto resultante da liquidação provisória.
Ora, porque esta liquidação tomou por base o lucro apurado nos termos da legislação anterior, avultadas importâncias foram já restituídas em consequência de liquidação definitiva.
No entanto, há que considerar que o impulso ascendente de receita nos dois últimos anos se deve em grande parte ao constante desenvolvimento económico do País, particularmente acentuado nos sectores comercial e industrial.
Espera-se justificadamente a continuidade dessa evolução, tanto mais que se conta com os efeitos do reforço da acção verificadora dos serviços consequente do seu reapetrechamento adequado.
96. Criado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, que aprovou o respectivo código e entrado em vigor 30 dias após a publicação, o imposto de mais-valias produziu no primeiro ano de aplicação uma receita particularmente diminuta.
Ainda é cedo para aquilatar da rentabilidade desta forma tributária, tanto mais que o regime instituído para tributação dos ganhos de capital está ainda longe de atingir a plena aplicação, pois, praticamente, ainda se não cobrou o imposto das primeiras mais-valias obtidas da transmissão dos elementos do activo das empresas; e, quanto aos ganhos auferidos com a transmissão onerosa de terrenos para construção, a incidência foi limitada às transmissões dos que tenham sido adquiridos pelo alienante posteriormente à vigência do código.
Por isso, a cobrança efectuada até agora resultará, na sua quase totalidade, de ganhos revelados nos aumentos de capital das partes sociais das empresas.
97. O regime do imposto complementar foi reformado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 399, de 30 de Novembro de 1963, que entrou em vigor 30 dias após a publicação.
Em 1964, primeiro ano da execução da reforma, observou-se grande quebra na cobrança (47,8 por cento em relação ao ano anterior), que se atribui às seguintes circunstâncias:
a) Às modificações de regime introduzidas pela reforma, designadamente no que se refere ao alargamento dos limites das isenções e redução das taxas;
b) Ao facto de grande parte da cobrança correspondente a 1964 ter sido adiada para 1965, visto que, por dificuldades iniciais de execução, o lançamento só pôde iniciar-se a tempo de se abrirem os cofres em Dezembro de 1964;
c) Aos atrasos já assinalados na liquidação da contribuição industrial, os quais, inevitavelmente, por se tratar de um dos mais importantes impostos parcelares subsidiários do complementar, se teriam de reflectir de modo expressivo na cobrança deste último.
Logo em 1965, com a gradual normalização destas situações, o imposto denotou apreciável progresso em relação à cobrança de 1963, acompanhando assim, como era natural, os progressos na matéria colectável fornecida pelos impostos subsidiários mais importantes - impostos

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profissional e de capitais e contribuição industrial e predial. Mas importa não tomar a expressão numérica relativa a 1965 como o índice normal da cobrança deste imposto, dado o facto já referido de se haverem cobrado em 1965 muitas receitas que respeitavam à cobrança normal do ano anterior.
98. Pelo que se refere ao imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo, ao imposto sobre bebidas engarrafadas e gelados, imposto do selo sobre os produtos de perfumaria e toucador, sobre cartas de jogar e sobre aguardente ou álcool proveniente de destilação do vinho e outras matérias-primas de produção alheia, foram abolidos com a entrada em vigor do Código do Imposto de Transacções, pelo que não interessa fazer-lhes agora qualquer referência especial.
Por sua vez, quanto ao imposto sobre o valor das transacções ultimamente instituído em substituição daqueles impostos sobre as despesas, o seu reduzido período de vigência torna prematura qualquer previsão sobre a respectiva receita.
99. Conhecidas, assim, as características fundamentais da estrutura do sistema - tributário e a natural previsibilidade quanto ao comportamento normal, para 1967, dos respectivos factores, é possível definir já um dos principais elementos determinantes da política tributária que deverá seguir-se no próximo ano: progresso natural, embora moderado, dos afluxos de receita, sem necessidade de se alterarem, para tanto, as bases em que a tributação vem sendo processada.
Certo é que em face das solicitações decorrentes do crescimento das necessidades públicas, numa época como a actual, se tem de prever, com larga segurança, um aumento progressivo dos encargos financeiros, dado que o custo da defesa do território não pode prejudicar o reapetrechamento estrutural para valorização dos recursos nacionais, designadamente nos sectores económico e educacional.
Espera-se que a substituição dos impostos sobre o consumo pelo imposto de transacções, apesar da compensação que haverá de fazer-se neste, em relação às receitas perdidas, constitua um elemento de apreciável reforço, que, aliado ao previsto e natural crescimento dos réditos normais e à actualização das taxas do imposto do selo, possa dispensar o uso de medidas excepcionais para além daquelas que vêm sendo utilizadas nos períodos transactos. Não se propõe, assim, para 1967, nenhuma medida de que possa resultar, quer como objectivo quer como efeito, um agravamento da carga tributária.
Ás medidas que se propõem têm, pois, um significado que se situa para além do campo específico da técnica puramente financeira.
100. Antes, porém, de se dar conhecimento das razões e princípios que constituem a linha de rumo do pensamento que preside a uma projectada revisão das isenções fiscais em vigor, importa salientar que o Governo não julga conveniente, nem tão-pouco necessário, que em alguns aspectos do importante sector dos estímulos fiscais se deva manter uma atitude de inteira reserva até ao termo dos estudos que se encontram em curso. A premência de alguns interesses nacionais mais decisivos recomenda, pelo contrário, que se recorra desde já a incentivos de natureza e finalidade específicas que até agora não foram utilizados e a que o adiantamento dos trabalhos de fixação de critérios sobre a futura política de incentivos não opõe, de resto, qualquer objecção.
Julga-se que, no estado actual da nossa economia perante os mercados, importa ter em conta não unicamente o condicionalismo dimensional em que se tem vivido - mais ou menos limitado na sua extensão por barreiras externas ou mais ou menos influenciado por factores endógenos que se expressam em verdadeiros índices de moderação tradicional -, mas atender, agora mais do que nunca, aos horizontes novos que se oferecem à nossa capacidade de produção e de venda, mercê dos movimentos de cooperação ou de integração, e designadamente da favorável situação em que, perante eles, o nosso país se encontra.
Dois sentidos fundamentais terão de orientar a nossa economia em face da concorrência em mercados cada vez mais vastos e cada vez mais abertos: o do ritmo acelerado da produção, em volume e qualidade capaz de satisfazer e cumprir as solicitações e exigências das grandes correntes de consumo; e a presença activa e contínua de elementos de prospecção e de venda, nos espaços que possam oferecer interesse para a nossa expansão económica.
Dá-se assim, na presente proposta, e antes da revisão geral do regime das isenções, um amplo incentivo às empresas que pretendam apetrechar-se desde já para o novo condicionalismo e para as exigências da indústria e comércio, na potencialidade actual que, no campo da expansão do mercado, naturalmente se lhe ofereça ou mesmo se lhe imponha: estimula-se o reinvestimento em actividades essenciais e procura-se marcar-lhes uma orientação, com vista à sua melhoria integral.
Como se refere expressamente no corpo do artigo 9.º, pretende-se, com a concessão dos benefícios nele previstos, «fortalecer a capacidade das actividades produtivas nacionais nos mercados interno e externo, designadamente naqueles sectores que desempenham acção motora no processo de desenvolvimento económico».
Estimula-se, através do benefício a conceder nos termos deste artigo, o aumento do lucro das empresas, concedendo uma dedução em matéria colectável da contribuição industrial no aumento que se verifique em relação ao ano anterior.
Dado que se pretende incentivar acções efectivas e não unicamente premiar situações que possam resultar de acontecimentos fortuitos que não correspondem a uma maior capacidade económica das empresas ou a um aumento da sua produtividade - julga-se necessário fazer depender à concessão do benefício da realização de certos investimentos ou despesas, ou do exercício de actividades das quais seja legítimo esperar o acréscimo de lucro que se deseja fomentar.
O benefício que se oferece aos factores de crescimento da produtividade realizados em determinado período tem necessariamente de se projectar para além do ano fiscal imediato, dado que não é habitual que se verifiquem logo os melhores efeitos do emprego de capitais, designadamente em actividades por vezes lentas ou retardadas na sua produtividade. Por isso se pensa prolongar o benefício para além do ano em que se realizem as operações que se deseja ver estimuladas; e igualmente se tem como necessário que o regime de estímulo agora estabelecido, embora temporário, se prolongue para além do ano próximo, pelo tempo indispensável à realização de resultados positivos para o progresso da economia nacional.
Fará que seja efectivo, haverá necessidade de não limitar o incentivo aos impostos do Estado, e, dentro destes, à contribuição industrial. Por isso se conta com a sua aplicação a todas as formas de tributação que tomem por base o rendimento e nomeadamente o imposto complementar, o imposto para a valorização e defesa do ultramar e os impostos administrativos.

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É grande o sacrifício do Estado neste campo das receitas tributárias. Não se julga, porém, exagerado em face dos benefícios a obter com a conquista e consolidação de posições que, como é evidente, há necessidade de ocupar.
101. O regime jurídico das isenções tributárias, cuja revisão se encontra prevista no artigo 11.º da proposta, tem sido, durante o ano corrente, objecto de aprofundado estudo em que se procurou ter em conta não apenas o peso sobre as finanças públicas de uma política cujo objecto tem vindo a ser progressivamente alargado, mas também as razões específicas da orientação seguida e ainda o princípio geral de justiça distributiva.
A avaliação do volume global das receitas com que o Estado beneficia, por esta forma, a realização de múltiplas finalidades de interesse colectivo não é possível, porém, sem que tenha de se solicitar aos beneficiários imediatos um mínimo de colaboração, que se limita ao fornecimento de elementos respeitantes à matéria que seria naturalmente colectada se não existissem as isenções que lhe respeitem. Trata-se de uma exigência que não pode ser havida como exagerada ou susceptível de oposição por quem aufere benefícios de elevado vulto, e nem sempre apreciados na sua exacta dimensão.
Esta foi uma das razões impeditivas da adopção, no ano corrente, de medidas legislativas alterando o regime de algumas isenções. Outra, foi a necessidade de demorar em alguns casos a consideração de circunstâncias que, como no caso das isenções determinadas pelos problemas da habitação, se localizam simultaneamente nos campos do regime jurídico privado, no dos interesses económicos nacionais e ainda no do sector político-social.
A coincidência da política tributária conjuntural de 1967 com a preparação do III Plano de Fomento obriga também, à ponderação da necessidade de encarar os efeitos e o regime temporário que em relação às isenções, fiscais se têm de tomar para base de incentivo dos fins específicos do planeamento.
Embora as linhas fundamentais do Plano só possam ser definidas, no decurso do próximo ano, importa desde já tomar posição em relação a alguns sectores quanto ao verdadeiro sentido de orientação a imprimir aos incentivos fiscais de finalidade económica.
Daí as razões por que as novas disposições propostas para a lei de autorização de receitas e despesas se circunscrevam essencialmente no campo tributário à disciplina das isenções de fomento económico.
Dado o momentoso interesse que este assunto apresenta para o estabelecimento das linhas fundamentais de uma política financeira que há-de reflectir-se para além do próximo ano, dá-se já neste relatório uma breve síntese da orientação com que no sector se procede ao estudo da revisão das isenções tributárias.
102. A reforma das isenções e de outros estímulos fiscais ao progresso económico virá naturalmente completar e rever fundamentalmente o que consta da legislação em vigor para os impostos directos, dado que é em relação a estes que mais se tem feito sentir; no que respeita aos indirectos, o imposto de transacções consubstancia, por si só, o que se pôde levar a efeito no campo da despesa, embora haja ainda muito que fazer em relação ao regime de impostos indirectos especiais, quase todos correspondentes à rubrica financeira das «Indústrias em regime tributário especial». Quanto ao imposto do selo, dado que está em preparação uma remodelação geral do seu regime independente e sem prejuízo da actualização das taxas a levar a efeito ainda no decurso deste ano, nos termos da correspondente
autorização, nela se ponderará a melhor forma de exonerar certos circuitos, tais como o da concentração de certas empresas, a prestação de determinadas actividades e a produção de alguns bens, que se - revestem de particular importância para o desenvolvimento económico nacional.
103. Os objectivos fundamentais da revisão das isenções confinam-se neste campo restrito a um exame atento da lista dos estímulos, que na reforma fiscal se procurou compendiar e aditar. O espírito da revisão consistirá em só limitadamente criar novos estímulos a situações especificas, consistindo o âmago da tarefa em retomar e encarar globalmente o sistema para averiguar da sua razão de ser e da respectiva compatibilidade com a situação actual do País.
A revisão das isenções visará, pois, além do estabelecimento de um sistema quanto possível coerente, do estímulos fiscais ao desenvolvimento e a outros objectivos, permitir ao Estado a cobrança de valiosas receitas que perde por motivos destituídos de validade e ainda criar incentivos ao desenvolvimento que sejam aconselhados pela situação actual da economia portuguesa. Nenhum destes objectivos é despiciendo no ponto de vista da política de fomento ou da política geral, pois a articulação mais coerente de uma política de desonerações e o restabelecimento da justiça tributária quanto a estímulos que, outrora úteis, funcionem hoje como meros favores ou privilégios, não são indiferentes ao progresso do País e à melhor ordenação das suas estruturas.
Com efeito, e vista a questão sob o ângulo financeiro, a disponibilidade para o Estado de receitas, que poderão ser cobradas devido à abolição de estímulos sem razão de ser, possibilita ao próprio Estado afectar maiores meios financeiros à prossecução de uma política de investimentos. Tem, além disso, por objecto a eliminação de benefícios ineficazes ou injustos, voltando a distribuir equitativamente entre os cidadãos a carga que representa a participação nas despesas do Estado, restabelecendo, deste modo, a igualdade fundamental entre os contribuintes.
104. A eficácia político-económica dos estímulos fiscais é, por vezes, gravemente entravada pela sua consignação em disposições que vinculam automaticamente a Administração, sempre que se verifiquem os pressupostos legais. E se isto se pode sustentar, em certo modo, com base no princípio da generalidade da lei do imposto, a verdade é que nem sempre realiza o verdadeiro objectivo a que se destinam medidas cuja legitimidade só se verifica quando ocorra igualmente a efectividade dos respectivos fins.
Os benefícios tributários têm sido até agora frequentemente indiscriminados e automáticos, funcionando como simples favores fiscais concedidos a quem se proponha realizar certa actividade. Ora, a sua consideração como factores de desenvolvimento obrigaria a conceder à administração fiscal o poder de - sem prescindir da definição precisa pela lei dos pressupostos em que se moverá a concessão dos benefícios - apreciar a verificação, no caso concreto, da respectiva utilidade para a política estrutural do desenvolvimento e, bem assim, para as necessidades da conjuntura. Por isso, parece haver que seguir uma dualidade de exigências: em primeiro lugar, fazer depender a concessão dos benefícios fiscais com objectivo económico de uma prévia apreciação do interesse nacional da iniciativa a favorecer; impor-se-á, depois, tornar possível ao Governo a fixação das condições de funcionamento dos benefícios de acordo com as circunstâncias da conjuntura e a evolução económica do País e verificar a sua eficiência, que seria sempre condição resolutiva.

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Para que se possa verificar tal alteração de ordem jurídica - com incalculáveis consequências no funcionamento do sistema existente, se. for bem entendida e executada - impõe-se estabelecer uma maior coordenação entre os serviços do Ministério das Finanças e os dos outros Ministérios. Urge ainda dotar a administração fiscal de um departamento especializado, que a mantenha informada sobre as condições económicas do País, evitando que ela actue numa perspectiva puramente financeira e, pelo contrário, se integre numa política económica, de que pode ser instrumento da maior utilidade.
Para tanto, poder-se-ia encarar - e prevê-se que venham a ser tomadas medidas sobre a matéria - a publicação de disposições que permitam avaliar, agora e para o futuro, o significado financeiro e económico das isenções existentes, impondo os correlativos deveres acessórios a alguns contribuintes e outras entidades isentas; e igualmente será de admitir a remodelação do sistema de elaboração e apuramento dos elementos constantes das declarações dos contribuintes e do lançamento, liquidação e cobrança de impostos, de forma a obter elementos numéricos colhidos na própria fonte sobre a conjuntura nacional. É esse o objectivo único do artigo 8.º da proposta.

105. Em matéria de estímulos gerais ao desenvolvimento poderão talvez enunciar-se algumas das grandes directivas propostas no estudo em curso e a adoptar eventualmente depois de ponderada reflexão sobre o problema:
a) Visar-se-á uma maior diversificação regional dos estímulos ao desenvolvimento económico, procurando reduzir as profundas diferenças que existem entre os rendimentos regionais das várias parcelas do território do continente e ilhas. O meio fiscal destinado a tal fim consistirá não só em conceder estímulos - aliás em grande parte já existentes - a empresas que vão laborar em regiões rurais economicamente desfavorecidas, como em deixar de atribuir idênticos benefícios às que, pretendendo usufruir de economias externas de localização, vão agravar sensivelmente as referidas disparidades de rendimento e de emprego que tanto preocupam o Governo.
b) Relativamente ao investimento - e ainda dentro do espírito do artigo 9.º da proposta e, bem assim, do seu artigo 10.º -, além de novos estímulos que possam ser criados, tendentes a suscitar uma maior expansão de capitais metropolitanos no ultramar, encarar-se-á a possibilidade de regulamentação fiscal do crédito ao investimento, a revisão de execução dos artigos 42.º e 44.º do Código da Contribuição Industrial em ordem a fomentar mais intensamente o autofinanciamento, a participação de empresas no capital de outras empresas e a criação de instituições capazes de dinamizarem os mercados financeiros; e procurar-se-á também fomentar o investimento na melhoria das condições técnicas e culturais da mão-de-obra, não só através de maiores deduções de lucros, como por meio de uma mobilização fiscal suplementar que vise tal objectivo.
c) No referente à agricultura, e dado o seu aspecto conjuntural, terá de procurar evitar-se a redução, salvo em casos extremos, dos benefícios legais existentes. Formam eles, na verdade, um vasto complexo e tornam possível a sua aplicação não automática a empreendimentos meritórios, embora não se creia, neste ponto, na
acção decisiva da política fiscal para melhorar o progresso da estrutura agrária e das correspondentes estruturas sociais. Pareceria até numa perspectiva puramente financeira, que os benefícios tributários deveriam ser substituídos por uma política de financiamento mais maleável e fiscalizadora do mérito das situações e empreendimentos beneficiados. Mas tal alteração, talvez necessária a uma eficaz política agrária, depende de uma reforma dos métodos e da própria orgânica dos serviços, e ainda da estrutura que venha a ser consagrada, nas programações económicas, como a mais recomendável para se dar realização à pluralidade dos seus aspectos. Não se duvida de que essa política inspirará a elaboração e execução do III Plano de Fomento. Mas não dispensa ela também a reforma dos estímulos fiscais aos sectores agrícolas reputados estratégicos e nomeadamente à expansão das culturas fundamentais para abastecimento do mercado interno e da exportação; à reconversão das culturas e métodos de exploração; ao fomento de unidades de conveniente dimensão económica; ao desenvolvimento pecuário; à horticultura e pomicultura; e ainda à primeira transformação de produtos agrícolas ou silvícolas, com reflexos na rentabilidade das explorações e no progresso da agricultura em geral.
d) No que se refere às actividades com relevância na obtenção de receitas turísticas, encara-se conferir maior maleabilidade ao regime de concessão dos benefícios existentes, em harmonia com princípios gerais da remodelação das isenções fiscais com objectivo económico.
e) Na esfera da habitação - parece impor-se a revisão geral do regime de benefícios fiscais com vista à resolução genérica do problema da habitação, favorecendo especialmente o ciclo de construção de habitações com carácter de economicidade. É também aconselhável um estudo de conjunto do problema, afim de se definir uma política global e de favores tributários, capaz de solucionar a breve prazo as deficiências quantitativas e qualificativas da estrutura habitacional.
f) Em matéria de ensino e investigação, o sistema de estímulos tributários revela-se como susceptível de ampliação e comporta múltiplas modalidades, a estudar em conjunto com o Ministério da Educação Nacional para valorização do capital humano, intensificação das actividades culturais e progresso científico do País.
Os estudos efectuados no Ministério das Finanças abrem largos horizontes nesta matéria e asseguram eficiente impulso ao desenvolvimento da investigação, à formação e aperfeiçoamento de técnicos e à construção e instalação de escolas que garantam um mais fácil acesso ao ensino e a sua indispensável difusão.
106. A existência de múltiplas isenções individuais estabelecidas por lei, ou concedidas a determinadas empresas, levanta delicados problemas jurídicos, tanto no que se refere ao seu fundamento como no que respeita à sua modificação. Numa perspectiva político-económica, tais benefícios não deixam de ter a sua justificação, na medida em que constituem contrapartida de riscos, ou outros sacrifícios que muitas dessas empresas aceitaram

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suportar, em empreendimentos de fundamental utilidade para a política de desenvolvimento económico.
São em número apreciável as empresas nessas circunstancias; a revisão da sua situação pode tornar-se aconselhável para restabelecer o equilíbrio na participação de todos nos encargos públicos e aumentar os recursos para o esforço do desenvolvimento. A revisão dos benefícios individuais, qualquer que tenha sido a sua origem, poderá constituir, por isso, em certos casos, objectivo da política de reordenação dos estímulos tributários. Nela se deverão, porém, tomar em conta, não apenas a equidade tributária e o papel das respectivas empresas no crescimento económico nacional, mas igualmente a necessidade de se ressarcirem de prejuízos iniciais, e ainda suportarem elevados custos de amortização, e de financiarem vultosos investimentos, no presente ou no futuro.
107; Expostos os aspectos substanciais da política tributária a seguir em 1967, e a que se referem os artigos 6.º a 14.º da proposta, importa referir, finalmente, o que se projecta realizar, quanto a outros problemas que, sendo embora de ordem meramente formal, se revestem da maior importância dentro dos quadros e do espírito renovador que vem orientando em geral toda a acção dos últimos anos.
Em 1958. ao iniciar a reforma da tributação directa, logo o Governo esclareceu que os diplomas a publicar correspondiam a uma 1.ª fase da reforma, a qual deveria prosseguir oportunamente quando, depois de postos à prova esses diplomas durante alguns anos de aplicação prática, se afigurasse conveniente reunir num único código a regulamentação legal dos diversos impostos.
Mais de três anos decorridos sobre a entrada em vigor dos principais diplomas que constituem a reforma, parece chegado o momento de iniciar a execução do plano traçado, dando um novo passo no sentido do objectivo final, então definido, de um imposto único sobre o rendimento, pelo que se propõe o Governo promover a conclusão dos estudos, já iniciados no ano corrente, visando a oportuna publicação de um diploma em que deverá conter-se a disciplina jurídica dos actuais impostos sobre o rendimento.
Esta 2.ª fase da reforma fiscal não deverá traduzir-se, porém, na pura justaposição dos preceitos dos Códigos do Imposto Profissional, do Imposto de Capitais, da Contribuição Industrial, da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e do Imposto Complementar. Dois aspectos inovadores de suma importância haverá a assinalar no futuro Código dos Impostos sobre o Rendimento: ao lado de uma parte especial, em que se conterão os preceitos próprios de cada imposto, deverá prever-se uma parte geral, na qual virão a figurar, ordenadas segundo um critério científico, além de disposições que hoje se encontram dispersas pelo vários diplomas que integram a reforma fiscal, normas reguladoras de aspectos essenciais da disciplina jurídica da relação tributária e sobre que a nossa legislação é hoje ainda omissa ou fragmentária.
Esta parte geral do projectado Código dos Impostos sobre o Rendimento - só é possível graças ao desenvolvimento que nos últimos anos, alcançou entre nós o estudo jurídico da fiscalidade, devido, em grande parte, à própria reforma fiscal - irá permitir decerto uma aplicação mais justa da lei tributária, do mesmo passo que dará novo impulso à dogmática deste ramo de direito.
Por outro lado, e dentro da mesma preocupação, expressa no artigo 13 º da proposta, de abrir caminho a um futuro imposto único sobre o rendimento, meta ideal para que tende o esforço reformador da nossa lei tributária, pro-
curar-se-á introduzir no sistema uma substancial simplificação das técnicas de liquidação e de cobrança, reduzindo o número de declarações a apresentar pelos contribuintes no sentido de, se possível, as limitar a uma única, sem prejuízo, porém, da existência autónoma dos actuais impostos sobre o rendimento.
A simplificação das técnicas que se espera levar a efeito mediante a unificação do processo tributário virá completar a série de medidas que vêm sendo tomadas no sentido de racionalizar e tornar mais eficiente a actividade do sector público de administração tributária e a cooperação correspondente, que não pode dispensar-se, do sector privado. Muito se espera, pelo lado da organização dos serviços, do que a este respeito vai ser estabelecido ainda no decurso do ano corrente, no uso da autorização legislativa, quanto a formação, recrutamento e selecção de pessoal e quanto ao caminho decisivo que se conta seguir no campo do progresso integral da função pública.
Atendendo ao estado de relativo adiantamento em que se encontram os trabalhos preparatórios do respectivo projecto, é intuito do Governo promover, logo que possível, a publicação do Código dos Impostos sobre o Rendimento, para o que se solicita desde já a necessária autorização.
Assim se espera, com esta providência e com a revisão das isenções e dos impostos especiais e indirectos, completar, em oportunidade próxima, tanto na substância como na orgânica e na forma, a reestruturação do sistema tributário.
Ordem de prioridades
108. O presente capítulo da proposta de lei sofreu extensas remodelações em relação aos preceitos equivalentes das propostas anteriores. Todas as alterações introduzidas respeitam, porém, à forma ou à sistematização, sem afectar a identidade da substância.
Na linha de orientação anteriormente seguida, mantém-se a alta precedência atribuída aos encargos destinados à preservação da integridade territorial da Nação. Esta prioridade corresponde a uma constante da política financeira e a um superior imperativo do interesse nacional.
Na ordem de urgências estabelecida e em estreita correlação com o esforço de defesa, seguem-se os investimentos prioritários do Plano Intercalar de Fomento, através dos quais se procura intensificar a acção de desenvolvimento económico, com vista à aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional e à sua mais justa repartição. Paralelamente, inscreve-se também o princípio do auxílio económico ao ultramar, nas suas diferentes modalidades, afirmando-se, assim, a unidade e solidariedade da Nação, no seu todo e na diversidade das parcelas que a constituem. Nesta hierarquização dos encargos orçamentais incluem-se, finalmente, outros investimentos de natureza económica, social ou cultural, cuja realização depende, todavia, nos termos dos artigos 15.º e 17.º, das disponibilidades do Tesouro e da observância do sistema de prioridades definido.
109. As despesas extraordinárias de defesa do ultramar adquiriram forte relevo a partir de 1961 e a sua evolução patenteia-se nos seguintes números:

Milhares do contos

1961 .................. 2427,6
1962 .................. 3264,4
1963 .................. 3354,9
1964 .................. 3592,2

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Apesar da sua ascensão, estes encargos têm podido ser praticamente cobertos pelos excedentes das receitas ordinárias, como o demonstram os respectivos montantes:
Excesso dos meios ordinários:

Milhares de contos

1961 .................. 2807,2
1962 .................. 3059,7
1963 .................. 3115,4
1964 .................. 3517,1
1965 .................. 4748,4

O exame dos números precedentes mostra o paralelismo do excedente dos recursos ordinários e dos encargos extraordinários de defesa, mas evidencia também que nalgumas gerências aquele excedente foi mais elevado - o que se tornou especialmente significativo no exercício de 1965.
Neste ano, com efeito, os meios normais cobriram a totalidade das despesas de emergência no ultramar e registaram um excesso de 692 000 contos.
Este facto representa fortalecimento da estrutura financeira do Estado e constitui aquisição a preservar e consolidar.
110. Os investimentos inscritos no Orçamento para execução do Plano Intercalar atingiram no 1.º biénio os seguintes valores:

Contos

1965 ................. 2080800
1966 ................. 2157400

Dado que o montante global dos investimentos públicos previstos no Plano e a cargo do orçamento ascende a 5353,8 milhares de contos, o valor daqueles investimentos elevou-se a 79,2 por cento do total. O facto é demonstrativo de que a expansão da economia nacional constitui preocupação permanente do Governo e finalidade essencial da sua acção. Esta linha de orientação - que será objecto de desenvolvimento no capítulo seguinte - será mantida no ano de 1967 e à sua concretização serão afectos, na mais vasta medida, os recursos disponíveis.
111.0 auxílio económico ao ultramar, quer através de empréstimos directos, quer através de garantias a operações de crédito interno e externo, constitui outra das modalidades da acção do Governo, que se espera poder prosseguir em dimensão adequada.
Nos últimos anos esse auxílio revelou-se nos seguintes valores:

Milhares de contos

1962 .................. 1720,9
1963 .................. 1914,8
1964 .................. 2807,1
1965 .................. 2394,6

O significado destes quantitativos não se mede apenas pela sua expressão numérica; carece, para sua exacta avaliação, de ser traduzido em percentagens do produto nacional.
Essas percentagens são as seguintes:
Os números anteriores adquirem a plenitude do seu sentido se os compararmos com idêntica percentagem dos países mais evoluídos.
Indicam-se a seguir os respectivos números:
Ajuda do sector público (Ver tabela na Imagem)
Fonte: Tableaux statistiques pour l'examen annuel de Vaide da O. C. D. E.
112. Salvaguardadas as precedências anteriores e dentro das possibilidades financeiras, prevê-se também a eventualidade de efectivação em 1967 de outros investimentos de natureza económica, cultural e social.
Dizem eles especialmente respeito ao fomento do bem--estar rural e aos sectores da saúde, da educação, do ensino, da investigação científica, da formação profissional, da assistência social a estudantes e ainda do acesso à cultura das classes menos favorecidas.
Este simples enunciado dispensaria qualquer justificação, que todavia não pode omitir-se.
113. No referente ao fomento do bem-estar rural, pensa-se que a acção a desenvolver deve ser integrada em programas de valorização regional, cuja preparação se encontra avançada e a que se espera poder dar realização, em escala conveniente, no período do III Plano de Fomento.
As assimetrias espaciais que se verificam no território nacional e que se traduzem em profundas disparidades no nível do desenvolvimento económico exigem urgente correcção, por imperativo do crescimento harmónico de todas as regiões do País e pela necessidade de assegurar às zonas atrasadas a indispensável promoção económica e social.
Enquanto, porém, se não torna efectiva essa forma de planeamento, urge prosseguir na útil acção de fomento do bem-estar rural, desde há anos realizada e cujos benefícios dispensam encarecimento.
O financiamento da obra em curso tem até agora sido efectivado através de dotações orçamentais, de comparticipações do Fundo de Desemprego, de empréstimos aos corpos administrativos e de subsídios ou auxílios de outra natureza.
Por seu lado, as realizações empreendidas têm tido por objecto, designadamente, a electrificação, o abastecimento de água, as obras de - saneamento, as edificações para fins assistenciais e sociais, ou de casas, nos termos do Decreto-Lei n.º 34486, e respectivos arranjos urbanísticos, e ainda a construção de mercados. A enumeração destes empreendimentos corresponde à hierarquia de preferências estabelecida nas precedentes leis de meios.
114. No ano transacto, e em execução desta política, foram concedidos aos corpos administrativos emprésti-

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mós dos seguintes valores e cujas finalidades igualmente se discriminam:

Contos

Agua ...................... 32993
Electricidade ............. 15343
Habitação ................. 3133
Saneamento ................ 8719
Estradas .................. 9200
Urbanização ............... 60940
Mercados .................. 6821
Instalação de serviços .... l633
Diversos .................. 6877
Soma ...................... 145659

O Fundo de Desemprego concedeu no mesmo ano, com idêntica finalidade, subsídios na importância total de 57 530 contos. Por sua vez, as comparticipações orçamentais desperdidas na electrificação rural elevaram-se, em igual período, ao valor total de 28 650 contos.
Os investimentos globais atingiram, assim, em 1965, a totalidade de 231 839 contos, distribuídos, em função das necessidades, pelos diferentes distritos do País.
115. Mas o esforço despendido carece de ser não só intensificado, mas ainda tornado extensivo a novos sectores. Com esse fim, os artigos N.os 17.º e 19.º da proposta, reproduzindo embora a ordem de urgências das propostas anteriores, imprimem maior amplitude ao seu conteúdo.
De facto, nas alíneas a) e e) daqueles artigos incluem-se, para além das realizações tradicionais, os equipamentos colectivos e de carácter cultural, e bem assim os empreendimentos destinados à valorização local e à elevação do teor de vida das respectivas populações.
Pretende-se, deste modo, dar maior flexibilidade às disposições em análise e permitir a satisfação das exigências do progresso local, que não cabiam nos esquemas rígidos constantes das propostas anteriores.
116. A proposta prevê ainda, com observância da escala de preferências consignada no artigo 15.º, outros e importantes investimentos de natureza social e cultural. Esses investimentos encontram-se discriminados no artigo 17.º, e na ordem de enumeração ocupam o primeiro lugar os relativos ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil e ao ree-quipamento dos hospitais. Reproduz este preceito disposição correspondente da proposta anterior. O facto traduz a continuidade da política de saúde e consagra uma ordem de prioridades que parece impor-se de forma incontestável.
Com efeito, a luta antituberculosa, não obstante os seus êxitos, necessita de ser prosseguida para plena realização dos seus objectivos. A mortalidade devida a esta doença situe-se ainda em níveis elevados e a sua redução para taxas mais moderadas constitui necessidade que não pode ser preterida. Os progressos da medicina conferem viabilidade I este objectivo. Por sua vez, a assistência psiquiátrica, nos moldes definidos pela Lei n.º 2118, carece também de continuar a ser promovida, a fim de que adquira a intensidade necessária para corresponder às suas finalidades. Outro imperativo a que cumpre dar satisfação é o da assistência materno-infantil, no duplo aspecto médico e social. O combate à mortalidade infantil, embora registe assinaláveis progressos, necessita de ser continue do até à realização satisfatória dos fins que importa alcançar. E este. um domínio que interessa particularmente ao Governo e a que se votará, como cumpre, cuidadosa e solícita atenção.
117. O reequipamento dos hospitais merece uma referência documentada.
Nos últimos anos têm sido consagradas a este reequipamento dotações de volume crescente e cujo montante procurará elevar-se nas proporções que as circunstâncias permitirem.
Os números seguintes são esclarecedores:
Reapetrechamento hospitalar (movimento geral em contos):

Planos aprovados

1962 ................... 19472
1963 ................... 13827
1964 ................... 14500
1965 ................... 19459

Perante a extensão das necessidades é também de esperar que, por uma melhor utilização das verbas orçamentais e dos novos recursos de que dispõe este sector, se possa ampliar a actividade realizada e proporcionar àqueles estabelecimentos a aparelhagem de que carecem para desempenho cada vez mais eficaz da sua missão.
118. Em conexão com os investimentos intelectuais, cuja intensificação constitui objecto do artigo 15.º da proposta, prevêem-se no artigo 17.º outros investimentos da mesma natureza e neste preceito concretamente especificados. Referem-se eles ao desenvolvimento das actividades pedagógicas, culturais e científicas; ao reapetrechamento de Universidades e escolas; à construção e utensilagem dos estabelecimentos de ensino ou de outras instituições de carácter cultural; à construção de lares e residências para estudantes, mediante programas devidamente aprovados; e ainda à assistência social às populações escolares e ao acesso à cultura das classes menos favorecidas.
O conteúdo deste preceito - que é idêntico ao do artigo 23.º da Lei de Meios para 1966- foi objecto no ano findo de elucidativa justificação. Cumpre, porém, fornecer alguns elementos objectivos, designadamente sobre a intensificação das actividades de carácter pedagógico, cultural e científico e ainda sobre o esforço de reequipamento das instituições de ensino ou de natureza cultural.
119. No primeiro aspecto e em obediência à acção programada no Plano Intercalar têm-se previsto, nas decisões governamentais, as seguintes iniciativas:
a) Planeamento da acção educativa;
b) Valorização de pessoal investigador, docente, técnico e administrativo;
c) Experiências pedagógicas;
d) Acção cultural extraordinária;
e) Trabalhos de investigação de carácter extraordinário;
f) Acção social escolar; g) Publicação de obras; h) Outras iniciativas.
O montante global consignado a estes fins no Plano Intercalar foi de 100 000 contos, além dos meios suplementares que possam vir a ser concedidos nos planos anuais de financiamento. Deste montante fixou-se em 35 000 contos a importância a despender em 1965. Idêntico quantitativo - 30 000 contos - se prevê poder aplicar-se na gerência em curso, de modo a garantir a integral execução do esforço programado.

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120. Relativamente ao reapetrechamento das escolas foi também o problema considerado no Plano Intercalar de Fomento, o qual previu um investimento global de 70 000 contos, em relação ao triénio. Este investimento foi justificado nos seguintes termos: «Também no capítulo de reapetrechamento de escolas se vem realizando uma obra apreciável, não só no momento da sua instalação como em fases sucessivas, sob a. forma de reapetrechamento, através da comissão instituída para o efeito pelo Decreto-Lei n.º 41 114. Mesmo assim ainda há muitas necessidades a satisfazer, pois existe material que sofreu inevitável desgaste ou se tornou antiquado; e existem por outro lado modalidades de equipamento, correspondente a novas técnicas pedagógicas, que não se adquiriram ou só se adquiriram em quantidades insuficientes.»
O equipamento escolar constitui, na verdade, necessidade iniludível e nele se tem feito um esforço digno de relevo. Entre 1957 e 1966 foram, neste domínio, inscritos no orçamento créditos extraordinários no valor total de 179 000 contos, assim discriminados:

Contos

1957 .................. 30000
1958 .................. 30000
1959 .................. 15000
1960 .................. 15000
1961 .................. 5000
1962 .................. 10000
1963 .................. 15000
1964 .................. 14000
1965 .................. 25000
1966 .................. 20000

A evolução destes números revela as oscilações da conjuntura financeira, mas mostra também, a partir de 1963, um esforço de intensificação que se tornou particularmente relevante em 1965 e 1966. Ao desenvolvimento desta acção se espera conceder novos meios, de forma a impulsionar a eficiência do ensino e a promover a sua modernização.
Política de investimentos
121. No artigo 16.º da presente proposta de lei, reafirma-se o princípio de que «os investimentos públicos serão especialmente destinados a empreendimentos de infra-estruturas e a completar ou suprir os investimentos privados, de forma a promover-se, a ritmo acelerado, o crescimento harmónico da economia nacional».
A sua redacção evidencia, em primeiro lugar, a preocupação de adequar, na medida do possível, a intervenção do sector público na formação bruta de capital fixo à posição do Estado perante a evolução da actividade económica do País. Com efeito, o tipo de necessidades que numa economia de mercado ao Estado cumpre satisfazer e, consequentemente, a natureza dos meios de financiamento de que se socorre justificam que se atribua lugar preponderante aos empreendimentos de infra-estruturas na programação dos investimentos públicos, dada a importância de que se revestem para a economia nacional e o menor interesse que oferecem à iniciativa privada. Igualmente se compreende a relevância que se atribui aos investimentos destinados a realizações em que as despesas públicas têm como propósito suprir a insuficiência do capital privado, quando se tem presente o carácter dualista da economia portuguesa e a forma como nela se opera a inserção do Estado, nomeadamente no que se refere ao papel que lhe compete na promoção e coordenação do desenvolvimento da actividade produtiva.
Aliás, esta preocupação está expressa na disposição em referência, na medida em que, ao definir-se o tipo de investimentos públicos a efectuar, se lhes assinala o objectivo de, por seu intermédio, se promover a expansão harmónica e acelerada da economia nacional.
122: Destaque-se ainda que o significado desta orientação adquire toda a sua plenitude quando se atenta no facto de ela corresponder a simples corolário dos grandes princípios que presidiram à elaboração do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Ora, a importância de que se reveste o Plano no processo de desenvolvimento económico nacional, pelo que representa de progresso na definição da problemática da economia portuguesa e pela sua incidência na planificação anual da actividade financeira, torna conveniente que se faça referência, ainda que breve, às sucessivas fases por que passaram neste domínio os métodos da administração pública nacional.
123. Assegurado o equilíbrio das contas públicas, graças à ordem financeira instaurada a partir de 1928, tornou-se então possível - como no último relatório se acentuou - iniciar a prática. de subordinar a resolução dos grandes problemas económicos nacionais à disciplina de um programa administrativo e financeiro, sistemático para cada caso. Com este objectivo se estabeleceu o «plano portuário», traçado pelo Decreto n.º 17 421, de 3 de Outubro de 1929, o qual envolvia uma despesa no montante de 250 000 contos a realizar em três anos. Foi o período do que se designou como de «programas administrativos parciais».
E ainda dentro deste contexto que surge a Lei de Reconstituição Económica, de 24 de Maio de 1935, em que claramente se exprime essa mesma orientação administrativa.
124. Saliente-se que, dada a sua natureza e espírito, à Lei de Reconstituição Económica, no âmbito da qual foi lançada e executada toda uma série de planos administrativos parciais que representaram um investimento global superior a 10 milhões de contos, não foi ainda possível alcançar a concatenação e harmonização de objectivos que a tornariam um verdadeiro plano de desenvolvimento económico nacional. Contudo, se assim não aconteceu, a verdade é que o Governo, chegado o seu termo - em Maio de 1950 -, entendeu, à luz da experiência adquirida, estarem criadas as condições de disciplina e preparação dos serviços que permitiam ir mais longe, gizando-se então um programa coordenador que resultasse do confronto entre si dos diversos planos elaborados e de outros que se tinha como necessário estabelecer, para se adoptar uma escala de prioridades entre eles, e, uma vez concluídas as obras em curso, concentrar esforços e meios nalgumas realizações tidas como mais importantes em relação a outras de interesse ou urgência menos evidentes.
125. Assim surge o I Plano de Fomento, abrangendo a metrópole e o ultramar, a que implicitamente correspondiam dois objectivos fundamentais: elevar o nível de vida dos portugueses e assegurar-lhes novas e melhores oportunidades de emprego.
Está-se ainda perante um plano parcial que, embora inspirado numa concepção global do desenvolvimento, se restringia aos grandes empreendimentos a efectuar pelo Estado na agricultura, nas vias de comunicação e nos meios de transporte, conjuntamente com os investimentos a executar pelos particulares com o auxílio directo ou indirecto do Estado. Não obstante, evidencia-se já uma

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das características marcantes do planeamento económico português: é um plano vinculatório no tocante aos investimentos exclusivamente públicos e puramente orientador no que respeita aos investimentos da iniciativa privada.
Para a realização destes objectivos, previa-se no programa inicial do I Plano de Fomento investimentos cujo montante global ascendia a 7,702 000 contos na metrópole e a 4 500 000 contos no ultramar. Todavia, na sua execução vieram a ultrapassar-se sensivelmente estes valores, tendo-se realizado investimentos da ordem dos 15 milhões de contos. Embora o acréscimo em relação ao montante previsto some cerca de 3 milhões de contos, a percentagem relativamente ao valor global do investimento bruto do sexénio de 1953 a 1958 não atingiu 20 por cento.
A execução do I Plano assegurou, porém, uma considerável expansão económica e as vantagens do planeamento ficaram demonstradas em vários campos:
1) Possibilidade de elaboração de programas anuais de financiamento, graças aos quais os empreendimentos previstos puderam encontrar sem dificuldade os recursos necessários;
2) A certeza de que num período relativamente largo se realizaria certo volume de obras ou se utilizaria determinado tipo de materiais permitiu que novas unidades se constituíssem ou que as existentes alargassem significativamente a sua dimensão;
3) A existência de um plano nacional de seis anos determinou que as actividades privadas e os serviços públicos fizessem previsões a largo prazo e estudassem projectos e programas destinados a realizá-las, conseguindo-se um espírito de continuidade e de regularidade de acção que se revelou altamente benéfico para a harmonia e disciplina do desenvolvimento económico do País.
126. Por seu turno, o II Plano de Fomento para 1959-1964 foi delineado com vista à prossecução dos seguintes objectivos:
a) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
b) Melhoria do nível de vida;
c) Ajuda à resolução dos problemas de emprego;
d) Melhoria da balança de pagamentos.
Para alcançar estas finalidades houve necessariamente que seleccionar os empreendimentos a inscrever no plano e optar, entre as hipóteses possíveis, pela concentração de recursos em tarefas fundamentais, cujo cumprimento mais decisivo e rapidamente pudesse contribuir para a concretização dos resultados desejados. Por isso, na distribuição de investimentos pelos vários ramos da actividade, e mesmo dentro de cada um deles, foi dada preferência aos empreendimentos de maior e mais rápida repercussão no produto nacional, sem, todavia, se omitirem outros que, embora de mais lenta reprodutividade, se consideraram indispensáveis para a realização dos objectivos visados.
Deste modo se chegou a um volume de investimentos planeados no montante de 21 987 892 contos, o qual, excluída a parte relativa às ilhas adjacentes, correspondeu aproximadamente a 30 por cento do produto interno bruto.
É de notar, porém, que os investimentos são um dos elementos do Plano, mas não são, por si sós, suficientes
para o identificar. Com efeito, o Plano foi concebido como um programa de política económica a prosseguir no período considerado, tendo em vista o progressivo desenvolvimento da riqueza e do rendimento nacional. Tudo nele foi, consequentemente, orientado para uma política de crescimento económico, de modo que a sua execução pudesse influir na vida do País muito para além do que representa a percentagem de investimento planeado.
127. A análise, adiante efectuada, sobre o contributo da execução do II Plano de Fomento para a formação bruta de capital fixo em 1959-1964, dispensa que neste momento se faça referência aos resultados particularmente favoráveis obtidos.
Não deve, no entanto, deixar de assinalar-se uma constante do esquema de programação em que se baseou o Plano: em consequência da extrema dificuldade em obter adequada informação estatística, não foi possível ir além das projecções das grandes componentes da despesa nacional. Com efeito, não se tornou exequível descer a uma programação sectorial que permitisse, por um lado, proceder à desagregação dos efeitos do investimento global planeado e, por outro, verificar em que medida os empreendimentos programados nos diversos sectores contribuíram para a evolução prevista, em termos globais, do produto nacional.
128. Para além das referidas dificuldades de natureza estatística, na fase seguinte do planeamento exerceu influência determinante a incerteza decorrente de acontecimentos ou condicionalismos que marcaram profundamente os últimos anos da execução do II Plano de Fomento. Assim é que, por um lado, se tornou imperioso afectar, a partir de 1961, vultosos recursos à defesa da integridade nacional, o que, naturalmente, influenciou de forma significativa o montante e a natureza dos meios susceptíveis de mobilização para o financiamento do Plano, e, por outro, as modificações operadas no contexto dentro do qual terão de mover-se as actividades produtoras, resultante da complexidade do processo de unificação dos mercados nacionais e da indecisão em que a Europa se encontra quanto à sua própria integração, vieram introduzir um elemento aleatório adicional nas expectativas dos empresários.
Daí que o Governo tenha julgado conveniente encurtar a fase seguinte de planeamento, com vista fundamentalmente à normalização das tendências de crescimento anteriormente registadas, por forma a tornar exequível a programação de um processo de desenvolvimento de maior dimensão. Com efeito, prevê-se que a esta fase, a que correspondeu a formulação do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, se sucederá a execução do III Plano de Fomento para 1968-1973, que, consequentemente, se insere no quadro de uma evolução a mais longo prazo, destinada a permitir que o País ascenda a um estado de desenvolvimento económico comparável ao dos países europeus industrializados.
129. O Governo, ao elaborar o Plano Intercalar de Fomento, definiu como objectivo principal a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, acompanhada de uma repartição mais equilibrada dos rendimentos formados.
Simplesmente, como se assinalou anteriormente, esta evolução, que constitui fase de um planeamento económico e social a longo prazo, implicará necessariamente diversos ritmos de crescimento e, portanto, produzirá sensíveis alterações da sua estrutura.

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Contudo, como resulta, aliás, das disposições insertas em outros capítulos da presente proposta de lei - e que têm constituído constantes fundamentais da nossa política económica e financeira -, a consecução daqueles objectivos encontra-se expressamente subordinada à verificação das seguintes condições: coordenação com o esforço de defesa - que se reveste de carácter prioritário -, manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda nacional e, ainda, equilíbrio do mercado de trabalho.
130. Assinale-se, finalmente, que se está, pela primeira vez, perante uma planificação económica global, concebida como esquema orientador da estrutura da economia metropolitana.
Este carácter global que o Plano Intercalar de Fomento assume em relação ao continente e ilhas adjacentes, se não traduz um programa imperativo para o conjunto da economia, não se limita também a uma simples enumeração de investimentos prioritários. Na realidade, procurou-se que o Plano constituísse um programa de desenvolvimento harmónico da actividade económica portuguesa, no âmbito, do qual se prevê, designadamente, todo um conjunto de medidas de política económica e financeira nos diversos sectores de actividade, por forma a tornar-se possível atingir as metas programadas.
131. Deve salientar-se que, não obstante ter havido a preocupação de .elaborar um plano global, não deixaram de destacar-se alguns empreendimentos mais relevantes, pelo montante do investimento ou pelo seu carácter motor, quer do sector público, quer do sector privado, embora estes últimos não representem um compromisso definitivo de execução por parte do Estado, mas tão somente o alto interesse atribuído à sua realização.
Na distinção entre o compromisso de promover a realização de certos investimentos e a mera atribuição de interesse à realização de outros, por parte da iniciativa privada, reside o carácter misto que reveste, à semelhança dos anteriores, o Plano Intercalar: imperativo para o sector público; meramente indicativo para o sector privado.
É neste contexto, portanto, que deve entender-se a política de investimentos definida no presente capítulo da proposta de lei de autorização das receitas e das despesas para o próximo ano e a relevância consignada, no artigo 16.º, às despesas de capital do Estado destinadas a realizar empreendimentos de infra-estruturas e a completar ou suprir a iniciativa privada.
132. Contudo, se deste modo se encontram esquematizados os grandes princípios orientadores da política financeira e económica do Governo, em que naturalmente se integra a política de investimentos públicos, torna-se indispensável completar essa referência através da análise dos valores globais que traduzem o comportamento da formação bruta de capital fixo nos últimos anos, para se apreender a motivação da política orçamental em matéria de investimentos e das restantes medidas destinadas a acelerar o ritmo de expansão do investimento privado, previstas para 1967.
133. No intuito de contribuir para essa análise elaborou-se o quadro seguinte:
QUADRO XX (Ver tabela na Imagem)
(a) Valores provisórios.
Como pode observar-se, o valor da formação bruta de capital fixo elevou-se a 16 671 000 contos no último ano de execução do II Plano de Fomento, tendo progredido à taxa média anual de 8,6 por cento no período de 1959-1964, não obstante a quase estagnação observada no decurso de 1962.
Por outro lado, a importância relativa da formação bruta de capital fixo no produto nacional bruto a preços de mercado, que se cifrava em 16,5 por cento no início da execução do II Plano de Fomento, excedeu 17,1 por cento em 1964.
Em especial, deve referir-se o papel preponderante desempenhado pelo sector público no ritmo acelerado a que se processou a expansão desta componente do produto nacional e no elevado nível a que ascendeu durante o período em análise, dada a importância de que se reveste o volume de investimentos produtivos acumulados no processo de crescimento a longo prazo dos países que se
encontram em estádio de desenvolvimento económico análogo ao de Portugal. Com efeito, verificou-se nítido acréscimo, tanto em valor absoluto como relativo, do montante de despesas públicas que foi possível consagrar à formação bruta de capital fixo - cerca de 2 700 000 contos em 1964, valor praticamente duplo do registado em 1959, ao iniciar-se a execução do Plano.
Por sua vez, a formação bruta de capital fixo do sector privado, que em 1958 totalizava 8 820 000 contos, ascendeu a 13 978 000 contos em 1964, o que traduz incremento à taxa média anual de 8,1 por cento.
134. Nesta evolução exerceu influência decisiva o esforço desenvolvido no âmbito do II Plano de Fomento, em que se inscreveram investimentos públicos e alguns investimentos, na sua maior parte de base, a cargo da iniciativa privada, que, apesar de representarem apenas cerca de 30 por cento da previsão da formação bruta de

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capital fixo no sexénio, assumiram importante significado: garantir a realização de um conjunto de projectos capazes de catalisar e de estimular as decisões de investimento do sector privado.
O volume de despesas realizadas na .efectivação dos investimentos programados elevou-se a 27 119 000 contos em 1959-1964, montante sensivelmente superior ao estimado - 21 988 000 contos. Este resultado revela-se particularmente expressivo quando se tem presente o vultoso esforço financeiro que, simultaneamente, a partir de 1961, houve que realizar com a defesa das províncias ultramarinas.
No que se refere à forma como se operou o financiamento dos investimentos abrangidos no Plano, nos seis anos de execução, deve destacar-se que a participação do sector público (1), num total de 24920000 contos, foi de 46,4 por cento, enquanto as fontes privadas e o crédito externo contribuíram com 41 e 12,6 por cento, respectivamente.
135. Os elementos actualmente disponíveis sobre a execução do Plano Intercalar de Fomento são por de mais insuficientes para neles se basearem quaisquer conclusões seguras sobre a forma como tem vindo a processar-se a realização dos objectivos programados.
Contudo, no que se refere, designadamente, à formação bruta de capital fixo, os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística - ainda que provisórios os valores apresentados para 1965 e meras estimativas os respeitante;, ao corrente ano - permitem avaliar as tendências recentemente verificadas no comportamento daquela variável estratégica no processo de desenvolvimento económico nacional. Assim, de harmonia com os referidos elementos, parece ter-se operado naquele ano ligeiro decréscimo no ritmo de crescimento da formação bruta de capital fixo relativamente a 1964. Este facto é particularmente sensível no sector público.
Por sua vez, no corrente ano, não se prevê alteração sensível na tendência assinalada anteriormente em relação a este valor global. Para esta evolução julga-se contribuir, em larga medida, o comportamento desfavorável da formação bruta de capital fixo nos sectores das «Indústrias transformadoras» e da «Agricultura, silvicultura e pesca».
136. Nestas condições, adquire especial relevância a política de investimentos definida no presente capítulo da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967 e as restantes medidas que o Governo se propõe adoptar- para incentivar a formação bruta de capital fixo privado.
Quanto a este último aspecto, merecem, particular referência as medidas através das quais se faculta a concessão de incentivos fiscais de carácter excepcional -designadamente no campo dos direitos aduaneiros e da contribuição industrial - com o intuito de directa ou indirectamente criar condições mais favoráveis ao investimento produtivo nos sectores que desempenham acção motora no processo de desenvolvimento.
Ainda, com idêntico objectivo, se prevê a promulgação de medidas de política económica, financeira e social no

(1) Consideram-se fontes públicas de financiamento: Orçamento Geral do Estado, Fundo de Fomento de Exportação, Fundo de Desemprego, fundos especiais, autarquias locais, instituições de previdência, Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e autofinanciamento público.

sentido de assegurar a eliminação dos factores susceptíveis de afectar a estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa da moeda, além da adopção de novas providências tendentes ao aperfeiçoamento orgânico e funcional dos mercados monetário e financeiro e ao seu indispensável ajustamento à evolução da conjuntura interna internacional.
137. No artigo 17.º da proposta, à semelhança do que se tem verificado nas leis de meios precedentes, propõe-se o Governo continuar em 1967 a intensificar os investimentos intelectuais, designadamente nos sectores da investigação, do ensino, da formação profissional e dos estudos nucleares.
No que se refere, em especial, aos investimentos a efectuar na investigação e ensino, esta disposição constitui reafirmação dos critérios que presidiram à organização do Plano Intercalar de Fomento e traduz, por outro lado, a relevância crescente deste tipo de investimentos no decurso das sucessivas fases de planeamento do desenvolvimento nacional, como natural suporte do esforço de crescimento programado e, principalmente, como condição básica do desenvolvimento económico e social da Nação a longo prazo. Assim, prevê-se que no triénio de execução do Plano Intercalar as despesas atinjam, em média, quase 350 000 contos anualmente, o que representa mais do que o triplo do investimento médio anual nestes sectores no decurso do II Plano de Fomento e quase o sêxtuplo do que lhes foi atribuído no I Plano de Fomento.
Por outro, a importância conferida às despesas de investimento a efectuar em relação à formação profissional decorre de imperativos de eficiência económica e de exigências de produtividade inerentes ao esforço de crescimento económico em que o País se encontra empenhado.
Finalmente, a intensificação das despesas públicas nos estudos nucleares oferece características idênticas à das restantes despesas de capital contempladas na proposta de disposição legal em referência. Com efeito, igualmente neste caso se está perante investimentos de carácter infra-estrutural, cuja premência e importância resulta não só do dever que ao Governo compete de assegurar o melhor aproveitamento possível dos recursos nacionais, mas também, e principalmente, porque se aproxima o momento em que se encontrarão integralmente aproveitados os recursos energéticos de tipo clássico.
Nestes termos torna-se indispensável encontrar, a tempo, soluções alternativas que facilitem a satisfação das necessidades de energia e evitem estrangulamentos no processo de expansão económica.
138. Na justificação da «Ordem de prioridades» para o exercício de 1967, que é objecto do anterior capítulo desta proposta de lei, efectuou-se a justificação adequada dos restantes aspectos da política de investimentos contemplada nos artigos 17.º a 19.º, o que dispensa que se lhes faça, neste momento, nova referência.
Providências sobre o funcionalismo
139. O agravamento do nível dos preços, a partir de 1958, e a consequente deterioração verificada no teor de vida dos servidores do Estado, determinaram o Governo a publicar o Decreto-Lei n.º 47 137, de 5 de Agosto de 1966, a fim de pôr termo a esta situação, através de medidas de emergência, que as circunstâncias requeriam.

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Depois de estudos adequados e da ponderação dos encargos a assumir foi concedido por esse diploma um abono eventual compensatório da alta do custo de vida, calculado em função da elevação dos preços no consumidor, segundo os índices do Instituto Nacional de Estatística e do Banco de Portugal. Procurou-se, ao mesmo tempo, dentro das disponibilidades financeiras, melhorar a situação dos funcionários de hierarquia mais modesta, pela adopção de um sistema degressivo, a partir das disposições de base da escala burocrática. Assim, as percentagens estabelecidas para o subsídio foram de 25 por cento em relação aos vencimentos dos funcionários incluídos na letra Y do Decreto-Lei n.º 26 115, de 22 por cento relativamente aos correspondentes às letras P a X e de 20 por cento em referência às remunerações do restante funcionalismo.
140. A estas providências foi, porém, atribuído carácter provisório, relegando-se para a Reforma Administrativa, cujos estudos estão em curso, as soluções definitivas.
Por isso no artigo 1.º do referido diploma se estabeleceu que o Governo determinará a utilização daquela Reforma e que nela se terão em vista as actuais exigências da Administração, a situação dos servidores do Estado e a eficiência dos serviços.
Partiu-se ainda da ideia de que nessa Reforma se deverá promover a modernização de métodos, a simplificação de formalismos, a organização racional de quadros, a mecanização e o acréscimo da produtividade do trabalho. Só assim será possível renovar a estrutura burocrática, adaptando-a às exigências da administração moderna, e simultaneamente comprimir em medida adequada o número dos funcionários, actualmente hipertrofiado, sobretudo nas categorias-base da hierarquia.
141. No sentido de estimular o acréscimo do rendimento dos serviços -princípio fundamental das soluções a adoptar- admitiu-se a possibilidade da atribuição de prémios destinados a esse objectivo, à semelhança do que há muito se encontra determinado nas legislações similares estrangeiras.
Providenciou-se ainda no sentido de evitar é êxodo de pessoal especializado que, em número - crescente e por virtude da exiguidade dos proventos do Estado, está a abandonar a função pública e a dirigir-se para a actividade privada, actualmente mais atractiva e remuneradora.
Dado que as actuais administrações e a extensão «da actividade estadual exigem, em grau cada vez mais intenso, a existência de uma escola de funcionários de alta qualificação profissional, admitiu-se também que na Reforma a promulgar se estabelecessem indemnizações de tecnicidade, tendentes a vincular o funcionário ao cargo, a remunerá-lo com equidade e a atenuar a concorrência - do sector privado que, dia a dia, se faz sentir com maior acuidade.
Atendendo ainda a que na fixação das remunerações se não pode abstrair da diferença das condições do meio social onde a função é exercida, admitiu-se também a concessão de subsídios de residência, já adoptados nalguns sectores da Administração e previstos, como aconselháveis, no relatório do Decreto-Lei n.º 26 115.
Mas, para além do regime de remunerações - em que se inclui a revisão do quantitativo das ajudas de custo e das gratificações -, existe um vasto domínio onde pode exercer-se uma útil acção de natureza social em favor do funcionalismo. Trata-se da assistência na doença aos
servidores do Estado, do estabelecimento de cantinas subsidiadas, do fomento de facilidades no que respeita à habitação e do acesso à cultura dos filhos de funcionários, designadamente dos de categoria mais humilde.
Outros benefícios de idêntica índole se encontram em estudo e a que se espera dar, dentro das possibilidades, gradual realização.
142. Nesta linha de preocupações - e sem embargo da consideração do conjunto dos problemas, incluindo a situação dos funcionários aposentados - prevê-se para o próximo exercício um apreciável reforço da dotação destinada à Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado.
Propõe-se, assim, o Governo dar execução aos objectivos que determinaram a publicação do Decreto-Lei n.º 47 137 e tornar efectivos, em dimensão acrescida, os benefícios previstos nesse diploma, dentro do esquema global que nele foi encarado.
Espera-se também, se as circunstâncias o permitirem, publicar a legislação necessária à efectivação de outras medidas de carácter social, cuja justiça mais flagrantemente se imponha e que possam ser promulgadas independentemente da Reforma Administrativa.
143. Relativamente ao problema da habitação, referente aos funcionários públicos e administrativos, prossegue, em ritmo satisfatório, a execução do Decreto-Lei n.º 42 951, de 27 de Abril de 1960, que permitiu a utilização, para esse fim, dos fundos permanentes da Caixa Nacional de Previdência.
Durante o ano de 1965, a actividade da Caixa Geral de Depósitos, através do seu gabinete técnico, compreendeu a efectivação de diversos trabalhos, nomeadamente os seguintes:
Conclusão da empreitada relativa à construção de 44 fogos em Castelo Branco, e das quatro últimas empreitadas relativas ao «II Plano de Distribuição da Câmara Municipal de Lisboa», correspondentes à construção de 282 fogos;
Início de quatro empreitadas relativas ao «III Plano de Distribuição da Câmara Municipal de Lisboa» para a construção de 175 fogos, da empreitada relativa à construção, em Ponta Delgada, de 60 fogos e da construção, no Porto, de 62 fogos;
Apreciação dos projectos relativos ao «IV Plano de Distribuição da Câmara Municipal de Lisboa» e organização de dois dos respectivos concursos;
Continuação da elaboração do projecto do 2.º bloco longitudinal (2.ª fase) a levar a efeito no Porto;
Conclusão dos projectos dos edifícios a construir em Coimbra, Espinho, Beja e Largo do Leão, em Lisboa, e organização dos processos de concurso destes dois últimos;
Prosseguimento dos estudos relativos ao projecto dos edifícios a construir na Rua de D. João V, em Lisboa;
Início da elaboração do projecto dos edifícios a construir em Portalegre;
Realização de negociações com as Câmaras de Évora, Viseu, Bragança, S. João da Madeira, Setúbal, Faro e Vila Real;
Diligências e estudos relativos aos terrenos pertencentes ao Estado, situados na jurisdição da Câmara Municipal de Lisboa;
Aquisição de nove fogos, a pedido directamente formulado, de funcionários.

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144. Os, investimentos realizados durante 1965 (até 31 de Outubro) foram os seguintes:
Trabalhos de construção (conclusão em Olivais Sul do II Plano, início do III Plano, Porto - 2.a fase - e reparações em Olivais Norte) .............. 10 243
Aquisição de terrenos, projectos e outras despesas (Olivais Sul, Ponta Delgada, Coimbra, Beja, Largo do Leão, Rua de D. João V, em Lisboa, Portalegre, Guarda e Castelo Branco) ........................................................ 5588
Aquisição de fogos a pedido de funcionários ............................ 1982
17813

145. As verbas despendidas nos últimos anos foram as seguintes:
Contos

1960 .......................... 3081
1961 .......................... 16841
1962 .......................... 28874
1963 .......................... 29441
1964 .......................... 48574
Em 1965 (até 31 de Outubro) ... 17813
144624

Do total investido desde 1960, cerca de 130 000 contos correspondem à construção e aquisição de 920 fogos:

Olivais Norte ................ 350
Olivais Sul (II Plano)........ 306
Porto (l.a fase).............. 181
Castelo Branco................ 44
Pedidos isolados.............. 39
920

O restante destinou-se à aquisição de terrenos e ao início de construção de 297 fogos, assim distribuídos:

Olivais Sul (III Plano)........ 175
Porto (2.a fase)............... 62
Ponta Delgada.................. 60
297

146. As construções programadas, em projecto ou em fase de construção, são actualmente as seguintes:
Programadas:

Custo em contos Número de fogos

Rua de D. João V, em Lisboa....... 7000 17
Guarda (l.a fase)................. 5320 40
Pedidos diversos.................. 14420 40
25740 97

Em fase de projecto:

Olivais - IV Plano (lotes n.01 21,
105 a 113, 383 e 462) .................... 15600 136
Porto - 2.º bloco longitudinal............ 7180 60
Coimbra .................................. 15260 105
Beja .............. ...................... 7680 48
Espinho ................................. 1850 15
A transportar ............................ 47570 364
Portalegre .............................. 6820 46
Largo do Leão, em Lisboa ................. 7110 28
Total ................................... 61500 438

Em fase de construção:

Olivais Sul-III Plano
(lotes n.ºs 175 a 177, 281, 439 a 441,
470 a 473, 477 e 478) .................. 40630 309
Porto - 3.a torre ....................... 14080 62
Ponta Delgada........................... 8010 60
Total ................................... 62720 431
Total geral..............................150960 966

Se a esta verba se adicionar o correspondente às obras já concluídas ou a fogos adquiridos e, como tal, não incluídos na relação anterior, ou seja cerca de 130 000 contos para um total de, respectivamente, 881 e 39 fogos, obtém-se a verba global, aproximadamente, de 281 000 contos para um número de fogos de 1900.

Esta verba não inclui os empreendimentos que a Caixa levou a efeito para os Serviços Sociais das Forças Armadas, os quais envolveram investimento superior a 42 000 contos para 199 fogos.

147. Em 1966 procurou-se dar continuidade à acção desenvolvida no sentido de estender a outros centros populacionais os benefícios resultantes da aplicação da doutrina expressa no Decreto-Lei n.º 42 951; e procurou-se atender os pedidos directamente formulados por funcionários para a construção e aquisição de habitações, de harmonia com os requisitos legais.

A previsão das verbas a despender no ano corrente é a seguinte:

Lisboa: Contos por
arredondamento
Olivais Sul - III Plano de Distribuição............... 30000
Olivais Sul e Norte - IV Plano de Distribuição ........ 4000
Largo do Leão ........................................ 2000
Rua de D. João V ..................................... 200
Porto - 2.a fase ..................................... 7500
Ponta Delgada ........................................ 3000
Beja ................................................. 2000
Espinho .............................................. 300
Portalegre ........................................... 500
Pedidos de funcionários .............................. 10000
59500

146. As construções programadas, em projecto ou em fase de construção, são: (Ver tabela na Imagem)
Se a esta verba se adicionar o correspondente às obras já concluídas ou a fogos adquiridos e, como tal, não incluídos na relação anterior, ou seja cerca de 130 000 contos para um total de, respectivamente, 881 e 39 fogos, obtém-se a verba global, aproximadamente, de 281 000 contos para um número de fogos de 1900.
Esta verba não inclui os empreendimentos que a Caixa levou a efeito para os Serviços Sociais das Forças Armadas, os quais envolveram investimento superior a 42 000 contos para 199 fogos.
147. Em 1966 procurou-se dar continuidade à acção desenvolvida no sentido de estender a outros centros populacionais os benefícios resultantes da aplicação da doutrina expressa no Decreto-Lei n.º 42 951; e procurou-se atender os pedidos directamente formulados por funcionários para a construção e aquisição de habitações, de harmonia com os requisitos legais.
A previsão das verbas a despender no ano corrente é a seguinte:
Dos investimentos indicados, os relativos ao Porto, Olivais Sul (III Plano de Distribuição) e Ponta Delgada correspondem na sua quase totalidade a empreitadas já iniciadas.
Não se incluiu no programa o empreendimento relativo a Coimbra, por não estar ainda decidido se, em face dos resultados do inquérito levado a efeito naquela cidade, o referido empreendimento poderá entrar em ase de execução no ano de 1966.

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Quanto aos restantes dispêndios, referem-se a obras para empreitadas a adjudicar ao longo do ano de 1966, do seguinte modo:
1.º trimestre - Largo do Leão, Beja, Olivais Sul -
III Plano (lotes n.08 439 a 441);
2.º trimestre - Olivais - IV Plano (lotes n.08 105 a 113 e 462);
3.º trimestre - Olivais - IV Plano (lotes n.08 21 e 383) e Porto (bloco longitudinal);
4.º trimestre - Portalegre e Espinho.
148. Os números anteriores mostram o esforço desenvolvido pela Administração no sentido de facultar habitação, em condições acessíveis, aos funcionários do Estado e das autarquias locais. Mas a obra empreendida neste sector, apesar da sua amplitude, pode ainda ser intensificada. Por outro lado, as normas aprovadas para a aquisição e construção de casas são por sua vez susceptíveis de aperfeiçoamento, à luz da experiência adquirida. O problema vai ser urgentemente estudado, em ordem à pronta adopção das soluções que se impõem em obra de tão relevante interesse social.
Política monetária e financeira
149. A orgânica e o funcionamento do mercado de capitais no nosso país, pela sua importância própria e pelas suas relações, com o processo do desenvolvimento económico nacional, têm merecido desde há muito as atenções do Governo. Demais, mantém-se firme a convicção de que a sustentação de um equilíbrio monetário relativo e a da solvabilidade externa da moeda portuguesa são condições fundamentais para a realização daquele processo e a consecução dos seus objectivos.
Numerosas providências foram sendo promulgadas ou previstas, no sentido de. melhorar e de regular mais perfeitamente, apoiando-a, a actividade dos referidos mercados. E se nem sempre os propósitos terão sido concretizados com a rapidez desejável, o facto explica-se não só pela dificuldade natural de definir regimes suficientemente seguros e razoavelmente adequados às circunstâncias, mas também pela necessidade de atender à evolução das conjunturas interna e internacional e de dar tempo a que os ajustamentos se operem e produzam os seus primeiros efeitos.
Nos anos de 1963 a 1965 deram-se mais alguns passos importantes na execução do programa de aperfeiçoamento orgânico e funcional dos referidos mercados, continuando a linha iniciada com o Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957, e o Decreto-Lei n.º 42 641, de 12 de Novembro de 1959. Nomeadamente, estabeleceram-se os termos da reorganização do sistema de crédito e da estrutura bancária nas províncias ultramarinas; definiram-se as bases do regime das operações de crédito e de seguro de crédito à exportação; efectuou-se a revisão das disposições reguladoras da aplicação de capitais estrangeiros no espaço português; regulamentaram-se a constituição e o funcionamento de fundos de investimentos mobiliários e das respectivas sociedades gestoras; estatuiu-se o regime de emissão e circulação das promissórias do fomento ultramarino; e por último introduziram-se diversas modificações nos regulamentos respeitantes ao sistema de crédito e à estrutura bancária da metrópole. Esclareceu-se ainda ou concretizou-se a natureza e o âmbito dos meios de acção atribuídos ao Banco de Portugal e facilitaram-se ao mesmo Banco os meios de obter os elementos de informação
indispensáveis ao exercício das suas funções. Previu-se ainda, no Decreto-Lei n.º 46492, de 18 de Agosto de 1965, a adopção de providências atinentes a incentivar o mercado financeiro, com vista a assegurar a normalidade do seu funcionamento e a prossecução da política de desenvolvimento económico. Já em 1966, e no cumprimento do disposto nos artigos 26.º e 27.º daquele diploma, o Ministério das Finanças, atendendo ao interesse dos objectivos visados, concedeu isenções do imposto sobre a aplicação de capitais e do imposto complementar para os juros de obrigações emitidas.
150. Julga-se chegado o momento de dar continuidade ao referido programa de acção, particularmente dentro da linha de orientação geral marcada no aludido Decreto-Lei n.º 46 492, com vista a estimular a actividade do mercado de capitais nacional e a atenuar, assim, as pressões que a procura de fundos tem vindo a exercer ultimamente no mercado monetário. Aproximando-se o fim do Plano Intercalar de Fomento e para o indispensável apoio à execução do III Plano de Fomento, que se pretende de maior amplitude e de mais ambiciosos objectivos em relação aos programas precedentes, há que realizar um esforço de aperfeiçoamento dos mecanismos monetário-financeiros.
Sem dúvida que se justificará a concretização de várias providências encaradas no referido diploma legal quanto ao funcionamento do mercado monetário. E muito possível, também, que algumas medidas de carácter conjuntural hajam de ser tomadas, para atenuar tensões ou coarctar movimentos especulativos, as quais, não conduzindo a uma política de condicionamento do crédito bancário, se informem, todavia, pelos princípios de uma expansão selectiva do crédito, susceptível de promover a elevação da produtividade do dinheiro em circulação.
Em todo o caso, será em relação ao mercado financeiro e àquele domínio que em todo o sistema de crédito se situa entre os chamados mercado monetário e de capitais, que deverão concentrar-se mais imediata e especialmente as atenções. Considerando o conjunto de medidas já previstas e os estudos que entretanto foram sendo realizados, julga o Ministério das Finanças dever dar prioridade à execução das seguintes medidas:
a) Regulamentação geral das operações de crédito a médio e longo prazo, que poderão constituir objecto dos institutos de crédito do Estado, de bancos de investimentos e outros estabelecimentos especiais de crédito e dos departamentos financeiros de bancos comerciais no ultramar, bem como, sob certas condições, dos bancos comerciais metropolitanos e de algumas instituições parabancárias;
b) Regulamentação das operações de crédito para financiamento das vendas a prestações de bens de consumo duradouro, em conformidade com o estabelecido no artigo 20.º do aludido Decreto-Lei n.º 46 492;
c) Revisão dos regulamentos sobre serviços e operações das bolsas de valores, designadamente com a finalidade de incitar o alargamento das transacções regulares nos mercados de títulos e, correlativamente, as aplicações de poupanças disponíveis;
d) Centralização das informações relativas aos riscos bancários.
Além disso, e sem prejuízo das emissões de promissórias do fomento nacional, de obrigações do Tesouro e de certi-

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ficados da dívida pública, prevê o Ministério - para além das soluções já adoptadas -, a criação de novos títulos que, pelas condições de juro real e de amortização, sejam capazes de atrair especialmente as pequenas e médias poupanças, para o financiamento de investimentos reprodutivos.
151. Todavia, e sem prejuízo dessas providências, importa, na actual emergência, adoptar algumas medidas que possam actuar mais directamente sobre a conjuntura. Entre elas, importa, especialmente, salientar as que se destinam a estimular a formação e a mobilização de poupanças e a suprir as deficiências da oferta de crédito a determinados sectores económicos. Neste sentido, podem citar-se, além da emissão de obrigações do Estado e de empresas privadas em condições que se adeqúem melhor ao presente condicionalismo: a promulgação de isenções fiscais a determinadas formas de poupança a médio e longo prazo; a criação de um tipo de depósito que estimule a formação de novas modalidades de aforro; e a criação de outros títulos de rendimento fixo não previstos na nossa legislação ou não usados na prática bancária, nomeadamente as obrigações convertíveis em acções.
152. Têm-se observado também ultimamente algumas deficiências na oferta de crédito a determinados sectores económicos, o que constitui grave problema, não apenas limitado a esses sectores, mas extensivo ao conjunto da economia, pela consequente quebra no equilíbrio ou harmonia do processo de crescimento. Não se duvida de que em alguns casos tais deficiências só poderão ser supridas através de medidas que ultrapassam o campo financeiro e que, em qualquer caso, devem resultar de estudos prévios elaborados com profundidade. No entanto, há que procurar encontrar rapidamente medidas práticas que, partindo embora da estrutura existente ou com um mínimo de modificações ou adaptações na orgânica actual, possam responder com a possível brevidade, e até onde for possível, às necessidades dos diversos sectores económicos.
Nestes termos planeia-se, para o decorrer do próximo exercício, a promulgação de medidas que possam, pelo melhor aproveitamento do sistema financeiro, melhorar as condições de financiamento do sector agrícola e das empresas industriais de pequena e média dimensão. Prevê-se, ainda em conjugação com o preceituado no artigo 9.º da proposta, a eficaz regulamentação do Decreto-Lei n.º 46 308, que definiu as bases do sistema de crédito e respectivo seguro à exportação.
Outras disposições
153. A regulamentação da actividade seguradora na metrópole iniciou-se com o Decreto de 21 de Outubro de 1907. E embora este diploma tenha definido as bases gerais da constituição e do funcionamento das sociedades de seguros, a experiência adquirida, especialmente depois do primeiro conflito mundial, impôs a revisão da legislação existente com o objectivo de tornar mais eficiente a disciplina criada e de acautelar melhor protecção dos interesses dos segurados e beneficiários dos contratos de seguros. Foi dessa revisão que surgiram, em 5 de Novembro de 1929, o Decreto n.º 17 555, que substituiu várias disposições do diploma de 1907, e o Decreto n.º 17 556, que criou a Inspecção de Seguros, em substituição do antigo Conselho de Seguros, regulamentado pelo Decreto n.º 21 977, de 13 de Dezembro de 1932.
Posteriormente, e à medida que se processava o desenvolvimento económico das províncias ultramarinas, radicava-se nestas a ideia da constituição local de sociedades de seguros. E perante pedidos de autorização apresentados ao Governo, este decidiu regulamentar a actividade seguradora naqueles territórios, promulgando para o efeito o Decreto n.º 34562, de 1 de Maio de 1945.
Passou, assim, a haver duas regulamentações para a constituição e funcionamento das sociedades de seguros: uma para a metrópole e outra para as províncias ultramarinas. E embora sejam idênticas nas questões básicas, divergem em vários aspectos, nomeadamente: regula-se o exercício da actividade no ultramar de agências de sociedades metropolitanas, mas nada há estipulado quanto à instalação na metrópole de agências de sociedades com sede nos restantes territórios; há divergências quanto à constituição, aplicação e caucionamento das reservas técnicas; são distintos os depósitos exigidos, quer quanto às sedes das sociedades, quer quanto às agências das sociedades metropolitanas no ultramar, quer quanto às das sociedades ultramarinas na metrópole; há uma disciplina corporativa na metrópole e ausência de análoga disciplina no ultramar.
154. Em Portugal metropolitano estão autorizadas a operar em seguro directo 80 sociedades, das quais 40 são agências-gerais de sociedades estrangeiras, cujo total de prémios directos se cifrou, em 1965, em 2357,6 milhares de contos, importância em que as 40 sociedades nacionais participaram com 2038 milhares de contos, ou seja, cerca de 86 por cento. Ora, suposto que este montante se distribuía uniformemente pelas sociedades portuguesas, caberiam a cada uma apenas 51 000 contos, importância reduzida como dimensão comercial e mais diminuta ainda para observância da lei dos grandes números. Mas como esta distribuição uniforme se não verifica, uma boa parte das nossas seguradoras tem uma dimensão mais que insuficiente. E esta insuficiência torna-se mais notória quando se observa que a menores dimensões correspondem maior peso dos encargos gerais e maiores desvios entre previsões de sinistros e realidades. O primeiro facto reflecte-se imediatamente na redução da capacidade para suportar o acréscimo de encargos que se tem verificado, quer com o pessoal, quer com o material, sem adequada subida de prémios, que a concorrência não permite, e sem a possibilidade de muitas poderem recorrer à utilização de novos meios técnicos que reduzam o custo dos serviços administrativos; o segundo facto, obrigando a uma maior divisão de riscos pelos ressegurados, normalmente estrangeiros, torna as sociedades mais débeis e simples angariadoras de resseguros, com desfavoráveis reflexos na .balança de pagamentos.
155. Por outro lado, no plano internacional, os esforços que por toda a parte se têm desenvolvido e se continuam a desenvolver para o progresso económico dos diferentes países e para a cooperação nos mais variados sectores, levaram a O. E. C. E., primeiramente, e depois a O. C. D. E., a procurar regulamentar tal cooperação no seio dos países que dela fazem parte e a estabelecer, para o efeito, medidas de liberalização, cada vez mais amplas, que abrangem a actividade seguradora, tanto no campo das operações, como no das transferências. E o apelo à colaboração internacional em grandes empreendimentos económicos, particularmente por parte dos países em via de desenvolvimento, traz como consequência a competição em matéria de coberturas dos respectivos riscos.

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A breve síntese, que nos parágrafos anteriores se deixa esboçada, da actual situação da indústria seguradora, conduz facilmente ao reconhecimento de que se torna necessário promover a revisão do dispostitivo legal vigente, quer para se ir ao encontro da integração económica do espaço português, quer para a valorização das sociedades de seguros no ponto de vista financeiro e de dimensão comercial.
Julga-se, por agora, indispensável a adopção das seguintes medidas:

a) Revisão dos montantes fixados para os capitais e os depósitos iniciais, mesmo para além de uma simples actualização dos mínimos fixados no Decreto n.º 17 555, de 5 de Novembro de 1929;
b) Revisão dos elementos que. podem ser considerados para a caucionamento das reservas técnicas;
c) Criação de padrões mínimos de solvência;
d) Concessão de benefícios de natureza fiscal e outros com vista a permitir a fusão ou incorporação de sociedades de seguros.

No que respeita aos órgãos de fiscalização, também se torna necessária uma revisão no sentido de os dotar com os meios de acção indispensáveis, particularmente no ultramar; de definir geogràficamente as respectivas jurisdições; de estabelecer os domínios de cooperação entre todos; finalmente, de robustecer, como cumpre, a sua autoridade.
São estas as justificações do preceituado no artigo 23.º da proposta e bem assim os seus objectivos.
Nestes termos, o Governo apresenta a seguinte proposta de lei:

PROPOSTA DE LEI

I

Autorização geral

Artigo 1.º É o Governo autorizado a arrecadar, em 1967, as contribuições, impostos e demais recursos do Estado, de harmonia com as normas legais aplicáveis, e a utilizar o seu produto no pagamento das despesas inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
§ único. Idêntica autorização é concedida aos serviços autónomos e aos que disponham de receitas próprias, os quais poderão também aplicar os seus recursos na satisfação dos respectivos encargos, mediante orçamentos previamente aprovados e visados.

II

Estabilidade financeira

Art. 2.º O Governo promoverá, de acordo com o disposto na base III da Lei n.º 2123, de 14 de Dezembro de 1964, a adopção de medidas harmónicas de política económica, financeira e social tendentes a assegurar a eliminação de factores susceptíveis de afectarem a estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa da moeda.
Art. 3.º O Governo adoptará, na execução do Orçamento Geral do Estado para 1967, as providências necessárias ao equilíbrio das contas e ao regular provimento da tesouraria, ficando autorizado a proceder à adaptação dos recursos às necessidades, de modo a assegurar a integridade territorial do País e o desenvolvimento económico de todas as suas parcelas, podendo, para esses fins, reforçar rendimentos disponíveis e criar novos recursos.
§ único. Para consecução dos objectivos referidos no corpo deste artigo, poderá ainda o Ministro das Finanças:

a) Providenciar no sentido de obter a compressão das despesas do Estado e das entidades ou organismos por ele subsidiados ou comparticipados;
b) Reduzir ou suspender as dotações orçamentais;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes, a celebração de arrendamentos de prédios, e as despesas consideradas adiáveis;
d) Cercear a utilização de verbas orçamentais, seu reforço e a antecipação de duodécimos;
e) Sujeitar a este último regime as verbas inscritas no sector extraordinário da despesa;
f) Subordinar as requisições de fundos à comprovação das efectivas necessidades dos serviços;
g) Limitar as despesas com missões oficiais e as aquisições de viaturas com motor.

Art. 4.º As. dotações globais do Orçamento Geral do Estado para execução do Plano Intercalar de Fomento não podem ser aplicadas no ano de 1967 sem o seu desenvolvimento e justificação em orçamento aprovado e visado.
Art. 5.º Os serviços do Estado, autónomos ou não, corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, bem como os organismos de coordenação económica e corporativos, adoptarão na administração das suas verbas os critérios de rigorosa economia prescritos no artigo 3.º

III

Disposições tributárias

Art. 6.º O Governo promoverá, durante o ano de 1967, a conclusão dos estudos necessários à adaptação dos regimes tributários especiais e à reforma da tributação indirecta.
§ único. Até à adopção dos regimes previstos neste artigo, são mantidos os adicionais referidos no artigo 5.º do Decreto n.º 46 091, de 22 de Dezembro de 1964.
Art. 7.º Durante o ano de 1967, é mantido em 25 o factor de capitalização para efeitos de determinação do valor matricial dos prédios rústicos, a que se refere o artigo 30.º do código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, salvo para os prédios inscritos em matrizes cadastrais entradas em vigor anteriormente a 1 de Janeiro de 1958, em relação aos quais se continuará a aplicar o factor 30.
§ único. O disposto neste artigo é aplicável à determinação do valor matricial para quaisquer efeitos, designadamente os previstos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 31 500, de 5 de Setembro de 1941, ficando, porém, sujeitos ao factor 25 os prédios referidos na última parte do corpo do artigo, a partir da data em que as matrizes revistas, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 45 204, de 1 de Julho de 1963, começarem a produzir efeitos, de harmonia com o artigo 14.º do mesmo diploma.
Art. 8.º Fica o Governo autorizado a manter, no ano de 1967, a cobrança do imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar, que recairá sobre as pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades de natureza comercial ou industrial em regime de concessão de serviço público ou de exclusivo e, bem assim, as que exerçam outras actividades a definir pelo Governo,

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desde que beneficiem de qualquer privilégio ou de situação excepcional de mercado.
§ 1.º O imposto incidirá sobre os lucros imputáveis ao exercício da actividade comercial ou industrial revelados pelas contas de resultados do exercício ou de ganhos e perdas relativas ao ano de 1966 e a sua taxa continuará a ser de 10 por cento, sem qualquer adicional.
§ 2.º Ficarão unicamente excluídas do imposto extraordinário as empresas cuja contribuição industrial, liquidada para cobrança no ano de 1967, ou que lhes competiria pagar nesse ano, se não beneficiassem de isenção ou de qualquer dedução, seja inferior a 100 contos em verba principal.
Art. 9.º A fim de fortalecer a capacidade concorrencial das actividades produtivas nacionais nos mercados interno e externo, designadamente naqueles sectores que desempenham acção motora no processo de desenvolvimento económico, o Governo instituirá temporariamente:
a) A redução de direitos que incidam sobre a importação de determinadas matérias-primas e bens de equipamento;
b) A dedução, na matéria colectável da contribuição industrial, de uma percentagem do aumento registado no lucro tributável, em comparação com o ano anterior;
c) A aceleração do regime de reintegrações e amortizações, para o que serão elevadas as taxas fixadas pela Portaria n.º 21 867, de 12 de Fevereiro de 1966.
§ único O Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos definirá, atenta a conjuntura financeira, os bens e actividades a que se poderão aplicar as medidas indicadas ao corpo deste artigo.
Art. 10.º Poderá ainda o Governo conceder outros estímulos fiscais aos investimentos destinados à instalação, ampliação e renovação de equipamentos das indústrias, e bem assim ao desenvolvimento das explorações agrícolas ou pecuárias, mediante isenção de contribuições e impostos e redução de taxas.
Art. 11.º No ano de 1967 continuar-se-á a promover a revisão do regime das isenções tributárias, devendo procurar-se, em relação aos incentivos fiscais ao desenvolvimento económico, estabelecer um condicionalismo variável em função das necessidades da valorização regional e da desconcentração industrial e urbana.
§ único. Serão também adoptadas as providências legislativas que se tornarem necessárias para que aos serviços de administração fiscal sejam fornecidos os elementos indispensáveis à avaliação financeira dos benefícios fiscais em rigor.
Art. 115.º Fica o Governo autorizado a celebrar as convenções internacionais necessárias para evitar a dupla tributação, á evasão e a fraude fiscal, e a adoptar, para o conjunto do território nacional, as providências adequadas àquelas finalidades e à harmonização dos sistemas tributários.
Art. 13.º No ano de 1967, proceder-se-á também aos estudos adequados à unificação dos diplomas tributários, especialmente dos que respeitam à tributação directa e à definição dos princípios fundamentais para todos os impostos que disciplinam a actividade tributária do Estado, a acção das serviços e dos direitos e obrigações dos contribuintes e ainda à eliminação de formalismos dispensáveis e à simplificação das técnicas de liquidação e de cobrança.
Art. 14.º Continua a ser vedado criar ou agravar, sem expressa concordância do Ministro das Finanças, taxas e outras contribuições especiais não escrituradas em receita geral do Estado, a cobrar pelos seus serviços ou por organismos corporativos e de coordenação económica.
IV Ordem de prioridades
Art. 15.º As despesas dos diversos sectores do Orçamento Geral do Estado para 1967 terão a limitação dos recursos ordinários e extraordinários previstos para o referido exercício, de modo a ser rigorosamente respeitado o equilíbrio financeiro, e nelas se observará a seguinte ordem de precedências:
1.º Encargos com a defesa nacional, nomeadamente os que visam à salvaguarda da integridade territorial da Nação;
2.º Despesas resultantes de compromissos internacionais e para ocorrer a exigências de defesa militar, ficando o Governo autorizado a elevar, no decreto orçamental, o limite estabelecido;
3.º Investimentos públicos previstos na parte prioritária do Plano Intercalar de Fomento;
4.º Auxílio económico e financeiro às províncias ultramarinas, nas suas diferentes modalidades;
5.º Outros investimentos de natureza económica, social e cultural.
Política de investimentos
Art. 16.º De acordo com a orientação definida no Plano Intercalar de Fomento, os investimentos públicos serão especialmente destinados a realizar empreendimentos de infra-estrutura e a completar ou suprir os investimentos privados, de forma a promover-se, a ritmo acelerado, o crescimento harmónico da economia nacional.
Art. 17.º Continuarão a ser intensificados os investimentos sociais e culturais, designadamente nos sectores da saúde, da investigação, do ensino, da formação profissional e dos estudos nucleares, para o que o Governo, dentro dos recursos disponíveis, inscreverá ou reforçará no orçamento para 1967 as dotações ordinárias ou extraordinárias correspondentes a investimentos previstos na parte não prioritária do Plano Intercalar e destinadas:
a) Ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil e ao reequipamento dos hospitais;
b) A intensificação das actividades pedagógicas, culturais e científicas;
c) Ao reapetrechamento de Universidades e escolas, e bem assim à construção e utensilagem dos estabelecimentos de ensino ou de outras instituições de carácter cultural;
d) À construção de lares e residências para estudantes, de harmonia com programas devidamente elaborados;
e) À assistência social às populações escolares e ao acesso à cultura das classes menos favorecidas.
Art. 18.º A programação regional tendente à correcção das disparidades de desenvolvimento e à promoção económica e social das diferentes regiões continuará a ser objecto de estudo, com vista à sua efectiva realização no decurso do III Plano de Fomento.

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Art. 19.º Enquanto não for elaborada a programação a que se refere o artigo anterior, prosseguirá a acção para fomento do bem-estar rural, devendo os auxílios financeiros, quer de carácter orçamental, quer sob a forma de comparticipações do Fundo de Desemprego e de subsídios ou financiamentos de outra natureza, obedecer à seguinte escala de prioridades:
a) Estradas e caminhos, especialmente de acesso a povoações isoladas;
b) Electrificação, abastecimento de água e saneamento ;
c) Construção de edifícios para fins assistenciais e sociais ou de casas, nos termos do Decreto-Lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945;
d) Respectivos arranjos urbanísticos;
c) Outros empreendimentos destinados à valorização local e à elevação do teor de vida das respectivas populações.
VI Providências sobre o funcionalismo
Art. 20.º O Governo promoverá a urgente conclusão dos estudos em curso para a Reforma Administrativa, na qual se integrará a reestruturação dos quadros do funcionalismo público, tendo em vista a organização racional dos serviços, o acréscimo da sua produtividade e a situação económico-social dos servidores do Estado.
Art. 21.º Durante o exercício de 1967 será intensificada a assistência na doença ao funcionalismo e proceder-se-á à instalação de cantinas subsidiadas, à actualização das ajudas de custo e à concessão de maiores facilidades no que respeita ao problema da habitação.
VII Política monetária e financeira
Art. 22.º No prosseguimento dos objectivos definidos no Decreto-Lei n.º 46492, de 18 de Agosto de 1965, serão tomadas novas providências tendentes ao aperfeiçoamento orgânico e funcional dos mercados monetário e financeiro e ao seu ajustamento à evolução da conjuntura interna e internacional.
VIII Outras disposições
Art. 23.º O Governo promoverá a revisão das disposições legais que regulamentam a constituição e funcionamento das sociedades de seguros, tendo em conta a integração económica do espaço português e a actualização das condições financeiras que as circunstâncias aconselham para o exercício da sua actividade.
§ único. Serão também revistas as disposições legais que regulam os órgãos de fiscalização das sociedades de seguros, com vista à coordenação das suas actividades e aumento da sua eficiência.
Ministério das Finanças, 4 de Novembro de 1966. - O Ministro das Finanças, Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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758-(110) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

ANEXO- MAPA N.º 1

[Ver tabelas nas imagens]

(a) Inclui além do movimento com o estrangeiro, também o movimento com o ultramar.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

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26 DE NOVEMBRO DE 1966 758-(111)

ANEXO -MAPA N.º 3

[Ver tabela na imagem]

(a) Inclui, além do movimento com o estrangeiro, também o movimento com o ultramar.

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Página 112

758-(112) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

ANEXO -MAPA N.º 4

(Ver tabela na Imagem)

(M) Inclui, além de outros, o Comércio por grosso e a retalho» «Organismos do crédito e seguros» e «Serviços de saúde e educação».
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Página 113

26 DE NOVEMBRO DE 1966 758-(113)

ANEXO -MAPA N.º 6

[Ver tabela na Imagem]

(a) Inclui, além de outros, o Comercio por grosso e a retalho», «Organismos do crédito e seguros» «Serviços do saúde e educação».
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

ANEXO -MAPA N.º 7

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Página 114

758-(114) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

ANEXO-MAPA N.º 8

[Ver tabela na Imagem]

Fonte: Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística.

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ANEXO-MAPA N.º 9

[Ver tabela na imagem]

Resumo comparativo, por rubricas da classificação funcional, das somas autorizadas para pagamento nos l.os semestres de 1965 e 1966

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758-(116) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

[Ver tabela na Imagem]

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26 DE NOVEMBRO DE 1966 758-(117)

ANEXO - MAPA N.º 10

Despesa

(Milhares de contos)

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758-(118) DIARIO DAS SESSÕES N.º 42

[Ver tabela na imagem]

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