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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 47

ANO DE 1966 14 DE DEZEMBRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 47 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 de DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr.Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 43, com o aviso convocatório para a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebeu-se na Mesa, remetido pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 283, 1.ª série, inserindo o Decreto-Lei n.º 47 366.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gonçalves Rapazote, acerca do novo Código Civil, e Elísio Pimenta, sobre o problema dos táxis na capital. O Sr. Presidente informou que nos dias 14 e 15 haveria duas sessões diárias e deu conhecimento da realização, no próximo dia 29 do corrente, na Assembleia, da sessão de encerramento das Comemorações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário Galo, Cutileiro Ferreira, Per es Claro, Valadão dos Santos e António Santos da Cunha.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Gosta.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De aplauso à intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz na sessão de 9 do corrente.
De congratulação e apoio às palavras proferidas pelo Sr. Deputado Sousa Magalhães.
Da direcção do Grémio dos Industriais de Panificação expondo a presente situação dos seus agremiados.

O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 283, 1.ª série, do 7 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 47 366, o qual introduz ajustamentos nos quadros do Hospital do Ultramar u da Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: Está presente, para ratificação da Assembleia Nacional, o Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, que aprova o Código Civil.
Fez-nos saber o Governo, pela voz autorizada do Sr. Ministro da. Justiça, que, embora «perante os textos constitucionais em vigor, nenhum obstáculo se levantasse à publicação do código fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia», subtraindo deste modo o diploma à expectativa de uma apreciação parlamentar, entendia que, por «óbvias razões», o não deveria fazer.
As «óbvias razões» do seu entendimento poderemos nós resumi-las na importância do diploma e na consideração de que as leis fundamentais pão devem executar-se sem que recebam o assentimento desta Assembleia.
A importância do diploma, é de primeira evidência e foi ainda ilustrada pela presença do Sr. Ministro da Justiça nesta Casa o pela, sua notável exposição, onde floresceram as qualidades naturais do civilista - a clareza e a argúcia - e se documentou o generoso labor de uma geração de grandes juristas que, a mim, modesto estudante de Direito, me sabe bem respeitar e honrar.
E, de todos, peço licença para salientar os nomes dos meus dois mestres na velha Universidade de Coimbra, o Doutor Adriano Pais da Silva Vaz Serra e, com uma palavra de particular admiração e saudade, o Doutor Manuel Augusto Domingues do Andrade.
O desejado assentimento desta Assembleia, implícito na conduta do Governo e explícito nas palavras do Ministro, tem um significado da maior relevância.
Corresponde ao reconhecimento de um velho princípio da nossa constituição histórica, segundo o qual nenhuma lei fundamental feita em cortês devia ser alterada sem o concurso das mesmas cortes.
Cumpriu, portanto, o Governo o seu dever e a nós nos cumpre, registando o facto, reafirmar em toda a sua pujança a vitalidade do princípio.
Ora, as cortes tradicionais das Espanhas não se haviam como soberanas, nem empolavam seus méritos supondo-se transmissoras do Poder.
Mais realistas e seguras de si do que, os democráticos parlamentos, constituíam, efectivamente, um elemento de contenção do Poder.
A sua autoridade secular estava firmada nos contra-poderes, que representavam «um conjunto instituciona-

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lizado e autónomo de sociedades e comunidades políticas, independentes do Poder Público».
Mal ou bem, melhor ou pior, sinto-me vinculado no meu mandato à soberana vontade do meu povo e sempre desejei falar aqui a mesma linguagem dos conselhos, que não consente a falsificação de vozes exteriores, interessadas, subordinadas ou postiças.
E é essa vinculação que me dá alguma força representativa, pois a voz da minha consciência ficaria mais fraca se não repercutisse nas lareiras, nos adros e nos pelourinhos da terra transmontana.
O problema que nos põe a presença do Código Civil é, no meu entendimento das circunstâncias, a sua ratificação ou não ratificação.
Ou aceitamos ou rejeitamos, em bloco, o corpo de leis civis que a Assembleia Nacional recebeu das mãos honradas do Sr. Ministro da Justiça.
É que a nossa atitude perante uma obra deste fôlego, perante o monumento jurídico que nos foi presente, não pode considerar a particularização de uma apreciação técnica conducente à verificação da necessidade de emendas do seu articulado.
Eu estaria tentado a dizer, se hoje me fosse permitido usar o conceituoso estilo sancho-cervantino, que os códigos só devem ser emendados antes de serem feitos.
O grave sentido das responsabilidades que os supremos arquitectos desta obra documentaram ao longo de vinte anos de trabalho e a humildade com que nos ofereceram o resultado de tamanha vigília obrigam-nos a meditar na dureza do caminho percorrido, ao mesmo tempo que nos interrogamos sobre o assentimento que nos pedem.
Num velho livro de estudo da minha arte, o capítulo «Da Origem do Direito Civil» abre deste jeito:

O primeiro legislador foi Deus; testemunhas são no Testamento Velho Isaías, em o Novo Santiago; e da gentilidade sem lume da fé só com a luz da razão natural Demóstenes, que disse que a lei era um dom de Deus inventado por ele; e Túlio, que era uma razão tirada da mente Divina; e todos os legisladores persuadiam os homens que a lei que lhes davam a recebiam de algum Deus, para que com mais pronto ânimo a abraçassem. Porque a primeira que deu leis aos mortais foi, segundo Deodoro, a Deusa Geres: por isso atribuiu Miros as suas a Júpiter, Licurgo a Apoio, Sólon a Minerva, Zemoláxis a Vesta, Nurma à Ninfa Egéria, e o execrando Mafoma, por conselho de Sérgio, deu a entender, que recebia a sua do Espírito Santo, por meio de uma pomba.

Mas eu não posso subir tão alto e vou conduzir-me como homem, no meio dos homens, à procura das leis que «mexem com a vida de todos nós».
Conta-se que no ano 304 da fundação de Roma, 4748 da criação do Mundo e 451 antes da vinda de Cristo, o povo, que nunca se aquieta, se amotinou, em Roma, e criou tribunos por seus juizes para que capitulassem com os senadores e ambas as partes elegessem legisladores para lhes darem leis.
Como não chegassem a acordo, convieram em mandar buscar leis estranhas, elegendo para isso três legados que foram a Atenas por elas.
Três anos depois, Postúmio Albo, Mânlio e Sulpício Camarino trouxeram as ditas leis e para as promulgar se criaram dez varões _ patrícios - Ápio Cláudio, Ge-núcio, Séxtio, Vetúrio, Júlio, Mânlio, Sulpício, Curiato, Eomúlio e Postúmio -, que «as mandaram pôr pùblicamente em dez tábuas de metal para que fossem a todos manifestas».
E conclui, assim, o meu tratado:

Estes foram os primeiros princípios e fontes originais do Direito Civil que temos.
Mas, parecendo no ano seguinte, que ainda por elas não estavam bem providos, criaram outros dez Varões, todos novamente eleitos excepto Ápio Cláudio, por cujo parecer se fizeram outras duas tábuas e por isso se chamam as Leis das Doze Tábuas, as quais parecendo escuras e dando-lhes os sábios várias interpretações e reduzindo-as a escrituras compuseram um Corpo a que chamaram com nome genérico Direito Civil.

Ora, no decorrer dos séculos, sempre foi assim o trabalho constante de aperfeiçoamento do corpo de leis e o esclarecimento dos seus textos.
Não será preciso ressuscitar imperadores e pretores romanos, reis godos e bispos cristãos, sábios e doutores, nem evocar os espíritos tutelares dos Acúrsios, dos Bártolos e dos Paulos, para erguer diante de nós, com o cerimonial devido, a pirâmide dos códices e das leis que no rodar dos tempos foram escritas, revistas, glosadas, discutidas e aplicadas.
E, segundo S. Tomás, todas essas leis obrigam em consciência, embora leis humanas, porque, realizando o bem comum, se inserem na lei natural, que, por sua vez, se liga à lei eterna.
Se não existisse esse direito superior às leis humanas positivas, elas ficariam dependentes da vontade daqueles que as votam ou do arbítrio do governante que as impõe e seriam a porta aberta a todas as tiranias.
Debruçado sobre o contexto da lei, a minha apreciação parlamentar projecta-se agora para além da pura técnica do código, do sistema e dos princípios que o informaram, fixando especialmente alguns pontos de inserção na nossa, vida quotidiana.
A crítica da vida quotidiana, que muito nos interessa seguir, tem-se desenvolvido ao serviço de um certo humanismo que contende com as nossas mais profundas vivências.
Se a nossa sociedade está a ser solicitada para um esforço decisivo de sobrevivência, creio que seria desejável que as leis amparassem, ajudassem e fortalecessem as instituições que podem realmente vincular o homem português ao nosso destino colectivo.
Seria preciso dar a essas instituições o dinamismo interno que conduziria à restauração da própria sociedade, hoje atomizada, evitando que progridam e proliferem exclusivamente os organismos estatais e paraestatais.
É evidente que a principal instituição a defender e a valorizar é a família, e são precisamente as relações de família aquelas que sofrem a grande ofensiva desse tal humanismo que contende com as nossas mais profundas vivências.
Não admira, portanto, que as críticas ao código revertessem, em grande parte, ao capítulo das relações de família e da situação da mulher.
Os sociólogos e juristas e os juristas sociólogos, que fazem uma espécie de história natural da sociedade, consideram a promoção da mulher «o facto mais saliente e verdadeiramente novo no decurso do último século».
Esse facto veio influenciar fortemente os costumes e a vida política, trazendo «uma tonalidade inédita à vida social».
Eu não direi hoje, como Boccaccio e todos os moralistas medievais, que «as mulheres fazem perder a virtude a todas as coisas», mas aceito com os sociólogos juristas do

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meu tempo que «a humanidade conhecerá, graças às mulheres, uma civilização hedónica».
De resto, mesmo sem a decisiva influência da mulher, já hoje a luta entre os regimes políticos se desenvolve numa competição entre os níveis de vida e de conforto que dispensam aos cidadãos.
Não vejo que a nossa comunidade possa e deva entrar nesta competição, cultivando ao mesmo tempo a austeridade, o espírito de sacrifício, o sentido da responsabilidade, que nascem da tal vinculação a puros valores morais e não cabem nos esquemas do hedonismo.
O código nasceu nesta precisa hora em que a sociedade anda agitada por vagas de fundo que alteram os próprios contornos das nossas grandes certezas.
A chamada «promoção da mulher», o urbanismo, a automatização, a máquina de pensar ou de decidir, a preocupação dos lazeres, as receitas ecuménicas, multiplicam, à escala cósmica, os nossos problemas culturais e envelhecem, dia a dia, os modos, os costumes e as leis.
Mas quando tocados pela tentação do progresso, vamos de encontro à problemática da cibernética, ficamos sabendo que lá operações que não são mecanizáveis, nem automatizáveis.
Toda a tramitação espiritual que se escreve sobre a forma de séries de proposições lógico-algébricas pode ser confiada e tratada pela máquina, que sempre deduzirá melhor que o homem.
É de prever que, graças aos calculadores electrónicos, possamos assistir à aproximação e interpenetração das ciências exactas e das ciências humanas, e sabemos já que as massas - esse genial produto do progresso - têm a tendência para aceitar os éditos dos ordenadores como se fossem a encarnação de um deus novo.
Fico-me, porém, nas avisadas palavras do seu pai e criador:

Grande infelicidade será a nossa se nos deixarmos guiar pé as máquinas de decidir sem examinar as leis da sua acção e conhecer perfeitamente se os princípios que as conduzem são aceitáveis.
A máquina, como génio, nunca poderá decidir de outro modo que não seja através dos elementos que lhe são lados.
Faltar-lhe-á sempre a intuição e nunca poderá amar.
Se transferirmos a responsabilidade para a máquina, vamos lançá-la ao vento para depois a ver regressar trazida pela tempestade.

Agitada per vagas de fundo e batida pelos ventos de todas as tempestades, a humanidade vive uma hora de grande esperança.
Para dominar a máquina, porém, serão precisos, segundo a lição dos humanistas que sobre o problema se debruçam, «mais espírito criador, maior estrutura moral, mais personalidade, mais dinamismo, mais sentimento, mais amor, numa palavra, mais cultura». Os juristas hão-de situar-se nos terrenos cimeiros desta pirâmide humana.
Pois se temos realmente a segurança de que a seriedade dos processos utilizados e a categoria dos artífices nos permitem receber um código do nosso tempo, que vai substituir, com manifesta utilidade, o velho código do visconde de Seabra, havemos também de reconhecer que ainda não foi aberta aquela janela rasgada sobre o futuro - future de que os juristas são verdadeiros criadores -, através da qual eu gostaria de enxergar o retrato da nossa comunidade portuguesa do aquém e de além-mar e, na perspectiva do definitivo abraço, a primeira pedra do código luso-brasileiro.
Conta-nos o barão de Montesquieu que uma vez perguntaram a Solou se as leis que tinha dado aos Atenienses eram realmente as melhores, e Sólon respondeu: «Dei-lhes as melhores que eles podiam aguentar.» O realismo medieval havia de recolher, depois, na regra de S. Bento, o mesmo seguríssimo comando.
E agora serei eu, desiludido perante uma família enfraquecida e um poder paternal diminuído, quem se interroga se a sociedade portuguesa seria capaz de aguentar o tratamento mais enérgico que eu me atreveria a preconizar.
Se ouvirmos os queixumes de quantos vêm gemendo diante da indissolubilidade do matrimónio e de um divórcio mitigado, bem nos parece que o legislador de 1966 teve alguma razão para usar de consumada prudência.
É ainda o barão de Montesquieu quem nos serve estas regras salutares.
As leis regulam as acções dos cidadãos e só os costumes podem reger as acções do homem.
Alterar os costumes é tornar infelizes os homens e, portanto, será preciso uma acção continuada e persistente que por bons e acabados exemplos conduza à evolução sadia dos costumes e dos modos - uma acção que olhe a conduta interior e a conduta exterior de cada homem.
A polícia só pode corrigir os modos, mas não pode, nem sabe, modificar os costumes; para isso é precisa uma outra qualidade de sinaleiros.
Por estas sumárias razões, ao analisar o Código Civil devemos fazer um exame de consciência e fixar as culpas que nos cabem, a nós, políticos, e a todas as castas de educadores, no processo de dissolução, social que o individualismo preparou e conduziu,, sucessivamente, à desvinculação, ao pragmatismo e ao declínio da responsabilidade individual.
O social, substantivado, que anda por aí à solta a fingir de gente grande, representa a sociedade no indivíduo e não pode confundir-se com o verdadeiro sentido social que o código recolheu e conduz à subordinação do indivíduo à sociedade, agarrado, preso às obrigações, aos deveres, aos votos, às promessas, por imposição daquela força moral que há-de viver dentro dele e ser maior do que ele.
Mas o código voltou a página do individualismo, e o selo da sua integração na ordem nova de 1933 está logo patente no artigo 1.º
Aí se proclamam como fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.
Oremos que o preceito tem o mais largo alcance, na medida em que reconhece outros poderes legislativos dos quais emanam normas cuja força sobreleva a dos usos e apenas se subordina às leis imperativas.
A faculdade legislativa, judicial e executiva não são monopólio do Estado, devem existir em todos os graus de hierarquia social, começando no indivíduo, como ensina Vásquez de Mella.
O indivíduo legisla com a sua inteligência, executa com a sua vontade e julga com a sua consciência moral; e logo é seguido do pai, que, no círculo doméstico, reúne as mesmas faculdades legislativa, executiva e judicial, no poder paternal; e continuado nas corporações cujas normas ora se reconhecem expressamente fontes de direito privado.
A nossa acção política não pode prescindir de proclamar a necessidade de animar todas as funções vitais «cujo livre exercício constitui a mesma «sociedade».

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Só deste modo poderemos reforçar os contrapoderes e lutar com a monstruosidade do Estado, impedindo a sua intromissão na vida privada dos cidadãos perigosamente devassada e confundida pelo desbragamento do poder enlouquecido.
Não nos queixemos só das leis, queixemo-nos dos homens, e especialmente de nós próprios, daqueles que mais directamente se obrigaram a contribuir pela sua acção para levantar da sociedade multirracial que proclamamos e muito vagarosamente construímos.
Se ainda não esgotei o meu tempo regimental, esgotei decerto a experimentada paciência de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados (não apoiados), com as minhas reflexões sobre o . assentimento que dou ao novo Código Civil.
Nos dois monumentos que o Governo levantou para comemorar o 40.º Aniversário da Revolução Nacional estão confrontadas duas escalas de valores.
Enquanto os técnicos podem confiar, seguros e vaidosos, na estabilidade da Fonte de Salazar, os juristas têm de oferecer os frutos de vinte anos de esforçado trabalho com a prudência e a humildade de quem folheia o tratado da imperfeição das leis.
Enquanto os engenheiros levantam uma obra nova, definitiva, assegurando a comunicação das margens do Tejo, até então separadas, os legistas, no seu passo conhecido, continuam a digerir os textos e a remoer os materiais, retocando cautelosamente a forma dos velhos institutos.
... E tem sido sempre assim, desde a aurora do Império Romano, continuadamente...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Alexandra de Kent, prima de Isabel II, cometeu há semanas, em Lisboa, uma imprudência. Dispensou o automóvel da Embaixada do seu velho país e, depois de fazer compras no Chiado, obrigou o marido a suportar o peso de um grande embrulho, talvez mais leve do que as preocupações causadas pelo Sr. Harold Wilson ao administrador da companhia proprietária do oleoduto que conduz o petróleo da portuguesa Beira à jovem e corajosa Rodésia, antiga colónia de S. M. Britânica. E isto pela simples razão, segundo os jornais, de não terem encontrado um táxi!
É claro que o que lhes aconteceu em Lisboa há-de acontecer-lhes em Londres e em todas as capitais do Mundo, se cometerem imprudências iguais e não forem bafejados pela sorte. O táxi em parte alguma aparece na hora e no lugar que dele precisamos. E também em Lisboa, como em qualquer outra parte, não chega ao seu destino tão depressa quanto queremos.
Isto vem a propósito de haver mais 400 licenças de táxis em Lisboa, cidade onde transita, por dia, mais de 1 milhão de pessoas. Se, em vez de 400, passasse a haver 1000, a situação não se modificaria sensivelmente. O problema de trânsito urbano não se resolve apenas com o número de veículos ao dispor dos seus utentes. Que o diga quem dispõe de carro próprio. Que o confirme aquele que se sujeita ao transporte colectivo, mesmo com paragem à porta de casa, Irrita-nos a sua lentidão própria ou provocada pela densidade do tráfego e ainda mais nos desesperamos com as suas frequências espaçadas ou a insuficiência de lugares, cujo custo, comprovado com um pequeno papel colorido escrito em português, vai alimentar alguns compatriotas da simpática princesa, de quem os jornais falaram a propósito das compras no Chiado, do pacote do marido milionário e da falta de táxis.
O Governo, ou, mais pròpriamente, o Ministério das Comunicações, depois de demorado estudo e ouvidos os municípios, grémios e sindicatos, resolveu enfrentar a problemática do transporte em automóveis com taxímetro em Lisboa e Porto, por forma a estabelecer um princípio de solução que só o tempo e a experiência, mestra da vida, dirá se foi o melhor.
Regozijo-me com a solução, com gosto igual ao desgosto que senti ao ter de aludir em Fevereiro último e deste mesmo lugar aos prejuízos graves que a sua dilação causava aos utentes desse imprescindível meio de transporte urbano, muito embora me pareça que ela haja de sofrer alguns ajustamentos, capazes de satisfazerem ao interesse público e ao equilíbrio dos interesses particulares em questão.
A imprensa tratou insistentemente do problema com um sentido de defesa desse interesse e desse equilíbrio, que seria injustiça deixar de assinalar.
Aqui, na Assembleia Nacional, houve ocasião de se insistir também pela necessidade de um esclarecimento oficial que tranquilizasse os espíritos perturbados por uma situação que permitia todas as conjecturas, mesmo as mais absurdas, a primeira das quais, das conjecturas absurdas, era o desinteresse do Governo.
Logo o Ministério das Comunicações deu réplica a essas vozes, e em 16 de Fevereiro último fazia publicar nos jornais uma nota na qual, em termos de concordância com as críticas, anunciava o seu propósito de promulgar as medidas necessárias, uma vez concluído o respectivo estudo, baseado em elementos estatísticos e económicos e nos pareceres das autarquias e dos serviços competentes.
O Sr. Ministro das Comunicações teve a amabilidade de enviar à Assembleia os elementos pertinentes ao assunto versado.
Vejamos, portanto, a questão.
Primeiro ponto: a existência em Lisboa de número insuficiente de táxis para satisfazer as necessidades da sua população residente e flutuante, uma e outra em constante crescimento.
Este ponto nunca foi posto em dúvida, salvo pelos interessados na carência, por respeitáveis razões de concorrência ou para fins ilícitos de especulação, que se não escondia, antes se fomentava com o maior impudor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não desejaria repetir o muito que se tem dito sobre isto, mas julgo-o de alguma maneira importante para o desenvolvimento da questão.
O contingente de táxis para a cidade de Lisboa - do Porto falarei mais adiante, visto o problema apresentar aspectos diferentes - foi estabelecido pela Portaria n.º 11 625, de 28 de Dezembro de 1946, em 2000 unidades, aumentado meses depois para 2103 unidades.
Isto passou-se, insisto, há precisamente vinte anos.
Verificamos, por outro lado, que a população de Lisboa era então de 750 000 habitantes.
A capital conta hoje uma população residente de 850 000 almas, que, acrescida de uma população activa na ordem das 90 000 pessoas, do aglomerado suburbano e da população flutuante nacional e estrangeira, em desenvolvimento acelerado, por via do turismo, permite avaliar, por baixo, a presença quotidiana nesta grande urbe de mais de 1 milhão de pessoas.
Se à população residente, à que aqui trabalha vinda da grande Lisboa e ao afluxo flutuante interno e internacional juntarmos uma maior procura de meios de transporte, proveniente de um evidente aumento do nível de vida. concluiremos, sem dificuldade, que os 2000 táxis de

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há vinte anos então considerados bastantes para as necessidades de toca a população, estão hoje proporcionalmente reduzidos a um número muito inferior.
E o curioso é que a redução também se fez em termos absolutos, pois a totalidade do contingente autorizado há vinte anos não se encontra preenchida.
Para mais, se o número de táxis não acompanhou o crescimento ca população, nem o aumento da procura, outra circunstância ainda, e não menos perturbadora, veio contribuir para a diminuição da possibilidade da sua utilização, o que corresponde, na prática, a uma menor oferta, sobretudo nas chamadas horas de ponta.
Essa circunstância traduz-se pura e simplesmente num fenómeno difícil de dominar ou reduzir, pelo menos enquanto Lisboa não dispuser de novos sistemas de tráfego rodoviário, coisa cara e demorada, e que é a densidade desse mesmo tráfego, cujo aumento se verifica aceleradamente de ano para ano, com o risco constante da saturação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Calcula-se que o congestionamento do tráfego nas ruas de Lisboa provoque um gasto de tempo nos percursos que se cifra pelo dobro, ou mesmo o triplo, de 1946. Isto é, um táxi, nomeadamente nas horas de ponta, para fazer o mesmo percurso gasta, em 1966, uma a duas vezes mais tempo do que vinte anos atrás.
Esse tempo, efectivamente perdido, corresponde, em última análise, a um menor número de táxis em serviço.
Pondo de farte aquelas horas da noite em que também os transportes colectivos diminuem de frequência, ou paralisam, como acontece com o metropolitano, e não considerando o meio da manhã e o intervalo entre a entrada e saída dos espectáculos, os períodos de ponta ocupam todas as restentes horas, num total que se pode computar em um terço das 24 horas do dia.
Das 8 às 9 horas, das 12 às 15 horas, a partir das 17 e até às 20 horas e das 21 às 22 horas é trabalho árduo encontrar um táxi em qualquer parte da cidade, sobretudo nas zonas centrais, e a carência torna-se aflitiva nos dias de chuva ou para quem necessita de chegar a uma estação de caminho de ferro ou ao aeroporto, como ,toda a gente deve ter experimentado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nem se diga que olfacto se verifica apenas nas zonas centrais. Sabemos, é verdade, que os táxis, em determinadas horas de congestionamento do trânsito nessas zonas, procuram refugiar-se nas zonas periféricas de menor movimento, o que se explica pelo receio do tempo perdido na congestão das artérias saturadas pelos milhares de veículos automóveis de todas as espécies e ainda pelos eléctricos. O receio é legítimo, e não me parece fácil contrariá-lo, mas a verdade, também, é que a falta se verifica por toda a parte, nomeadamente numa das horas críticas da vida da cidade e devido a razões diferentes.
Se este aspecto da questão for resolvido sem demoras e com o mesmo espírito que ditou a Portaria n.º 22 329, de 22 de Novembro, isto é, de servir o interesse público, ao número de unidades agora aumentadas acrescerá uma maior possibilidade da sua utilização, o que grandemente importa aos utentes, sem prejudicar os empresários e os motoristas.
Refiro-me às rendições dos veículos de circulação contínua. aqueles que têm um horário de 24 horas.
É um problema que apresenta as suas dificuldades, pois resulta do contrato colectivo de trabalho entre os sindicatos nacionais de motoristas e o Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis, na parte referente ao horário de trabalho.
Todavia, o Sr. Ministro das Comunicações, no seu despacho de 22 de Novembro, que estabelece as normas gerais e especiais a seguir na atribuição das licenças, não deixou de considerar condicionada a passagem das mesmas licenças pela apresentação de uma declaração formal dos interessados, contendo o compromisso de não empregarem os veículos, caso optem pelo sistema de circulação contínua, no horário das 6 às 18 e das 18 às 6 horas.
Este condicionalismo estabeleceu-se, certamente, porque, prevendo-se dificuldades e demoras nas negociações em curso para a alteração do contrato colectivo entre os sindicatos e o Grémio, o efeito favorável do aumento autorizado do número de licenças de táxis não terá real expressão, pela falta de veículos numa das horas de ponta mais importantes, a das 17 às 18 horas.
E porquê? Precisamente porque 65 por cento dos táxis paralisam simultâneamente, por longo tempo, entre as 17 e as 18 horas, enquanto apenas 300 o fazem entre as 20 e as 21 horas e os restantes 600 não têm horário de circulação contínua.
Precisamente à hora em que a procura é maior, muito mais de metade dos motoristas recusam-se a receber passageiros, porque se dirigem fatigados, depois de doze horas praticamente passadas ao volante, aos locais onde esperam os que hão-de tomar conta da tarefa nocturna.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os contratos e convenções colectivas de trabalho são livremente negociados pelas partes interessadas, sindicatos e Grémio, e estas assumem obrigações por via contratual e, portanto, de sua inteira responsabilidade.
O Ministério das Corporações e Previdência Social limita-se a acompanhar as negociações e a homologar os respectivos contratos ou convenções depois de concluídos. Mas o Ministério das Corporações dispõe também de poderes legais para intervir em determinado sentido, quando as partes permanecem inertes ou contrariam o interesse público, e parece-me que o interesse público ficará em jogo, com o risco até de se perderem ou minimizarem os efeitos das providências ora tomadas pelo Ministério das Comunicações, se as duas partes, Grémio e sindicatos, acordarem em não alterar as horas das rendições.
Creio poder dizer que existe a maior diligência, por parte do Ministério, no andamento das negociações, e espera-se que a entrada em vigor das normas do Acordo Europeu de Transportes Rodoviários, a que o novo contrato se deve subordinar, não venha a retardar a sua homologação.
Passemos agora ao problema das remunerações dos motoristas.
Não aceito a concepção económica de salário que se baseie em gratificações dadas voluntàriamente pelos utentes dos serviços, por a considerar anti-social e contra a ética corporativa da remuneração do trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não me parece, pelos mesmos motivos, que o Ministério das Corporações a possa considerar na apreciação do justo salário dos trabalhadores em causa.

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Sendo assim, também não se poderá julgar actualizada, e de harmonia com as necessidades presentes e crescentes dos motoristas, a retribuição semanal líquida de 293$30, que corresponde a menos de 40$ diários e 1200$ mensais, por um trabalho de dez horas que, na prática, corresponde a pouco menos de doze.
Mas como há que estabelecer a justa harmonia entre as necessidades do trabalhador e as possibilidades do empresário, considerados como mútuos colaboradores, cabe perguntar se o rendimento da exploração dos automóveis com taxímetro é suficiente para a satisfação de novos encargos resultantes de um aumento de salários.
Creio que se pode responder imediatamente através do que se sabe sobre a exploração exercida, até há pouco tempo, com o chamado negócio dos alvarás, que é do domínio público.
Dizia-se que a venda de um automóvel com taxímetro andava, em Lisboa, por 500 contos. Não se vendia o veículo, vendia-se a licença para circular, vendia-se o alvará. Não há muito tempo, depois de o Ministério das Comunicações haver denunciado o propósito de pôr termo a esse rendoso negócio, um jornalista do Diário Popular averiguava que um carro anunciado nos jornais, que andara 350 000 km, o que imo é muito, se considerarmos que muitos deles já passaram o milhão de quilómetros, se vendia, com direito à praça, é claro, por 580 contos, e o vendedor, segundo confessava, já tinha uma oferta de 565 contos.
Ninguém acredita que quem se dispunha a dar 565 contos pelo direito de explorar uma indústria cujos preços de venda estão fixados e garantidos por um mecanismo devidamente aferido ignore os resultados económicos dessa mesma indústria.
Calcula-se que um táxi faz em média 50 serviços, ou mais, por período de 24 horas, percorrendo 300 km, a que corresponde um apuro de 500$ a 700$.
Calcula-se, também, que as despesas, abrangendo as reparações e consumo de combustível, com motores Diesel robustos e económicos, contribuições e taxas, hoje bastante elevadas, seguros e salários, e a própria amortização do veículo, atinjam pouco mais de metade desse lucro. Se o táxi pertencer ao próprio motorista, e não a um comerciante de mercearia, empreiteiro, funcionário público ou advogado, por exemplo, não terá de contar com o salário ou conta apenas com o salário do motorista do outro turno, caso tenha laboração contínua.
Isto quer dizer que o negócio, que foi muito bom, ainda é bom, sem que haja necessidade de modificar as tarifas. E, se com o aumento de salários o negócio passar a ser menos bom, como se trata de um serviço que não pode deixar de se considerar público, então que os novos encargos sejam suportados pelo empresário, e não por aqueles que se utilizam do serviço.
Atente-se, ainda, que a circunstância de as licenças haverem sido consideradas bens fora do comércio, portanto intransmissíveis, a título gratuito ou oneroso, lhes tirou o valor de transacção e que, sendo as mesmas, no presente e no futuro, atribuídas exclusivamente aos próprios motoristas, ou a cooperativas por eles constituídas, as despesas com os investimentos absorverão uma quota-parte muito menor dos rendimentos.
Ao contrário do que ouvi recentemente em defesa do critério oposto ao adoptado, de aumentar os contingentes, estou certo de que o aumento não provocará a diminuição nos apuros dos veículos actualmente licenciados, pois usou-se de prudência no número das novas licenças, 400, quando havia quem sustentasse que o mercado comportaria um milhar delas. Esse critério de prudência tem ainda a vantagem de permitir novos aumentos, conforme as necessidades da procura, evitando-se, assim, o desequilíbrio da economia dessa espécie de transportes e modificações nas tarifas.
Um artigo publicado há pouco no jornal do Grémio dos Industriais dos Transportes em Automóveis faz surgir novas perspectivas, no que toca às remunerações dos motoristas. Sustenta-se no mesmo artigo, e repare-se que o boletim é o porta-voz da entidade patronal, e não dos trabalhadores, que, a exemplo do que se passa numa grande cidade do espaço português e em outras da Europa e das Américas, os motoristas devem participar dos lucros da exploração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Essa ideia merece estímulo e oxalá venha a ser considerada no contrato colectivo. Largo passo se daria no sentido da valorização da empresa e do trabalhador e caminho resoluto para a obtenção de uma maior produtividade e realização da paz social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As disposições do Decreto n.º 47 328 e do referido despacho normativo de 22 de Novembro, quando bem interpretadas - e os sindicatos passam a dispor de um excelente instrumento de valorização própria e dos seus filiados, se souberem e quiserem dele usar -, conduzem à promoção económica e social dos motoristas.
Na verdade, conceder a quem trabalha a possibilidade de adquirir o instrumento de trabalho, individualmente ou agrupado cooperativamente, por forma a tornar a exploração mais racional e económica, é medida de extraordinário alcance social e integra-se nos princípios doutrinários do Regime que mandam atender à realização do bem comum e à protecção das classe mais desfavorecidas.
Mas há que ir mais longe, isto é, que não sòmente as vagas resultantes dos novos contigentes, mas também todas as existentes dos contingentes anteriores e as que vierem a dar-se no futuro, sejam atribuídas exclusivamente a motoristas profissionais que reunam as qualificações do aludido despacho, e só no caso de o seu número exceder o dos concorrentes é que deverão ser atribuídas a industriais. Não o fazer será caminhar demasiado devagar no sentido mais justo. Não se vê, na verdade, razão para qualquer restrição do direito de obter uma licença no futuro àqueles que se consideram como os titulares mais qualificados para as receberem no presente, tanto mais que a Administração, como sujeito passivo de um direito subjectivamente público, tem na mão a possibilidade de em qualquer altura cancelar as licenças por comportamento (negativo dos titulares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma das inovações introduzidas no regime de licenças de táxi respeita à sua intransmissibilidade. O direito à licença não é negociável, nem se transmite mortis causa, em relação a todas as que forem concedidas posteriormente à entrada em vigor do Decreto n.º 47 329, de 22 de Novembro, do contingente agora fixado, e passados dois anos, às do anterior contingente.
O legislador considera as licenças como títulos pessoais conferidos àqueles que, tendo determinadas qualificações, exercem uma actividade considerada serviço público, e a sua concessão, um tacto gracioso da Administração, sem contrapartida económica por parte dos beneficiários.

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Mas o conceito tem uma base moral indiscutível, pois elimina ou dificulta a especulação a que a transmissibilidade das licenças dava lugar.
Todavia, o alarme e a inquietação dos motoristas quanto às consequências da inovação são justificados e, em relação às transmissões mortis causa, existem circunstâncias que a lei mão previu e que, a serem mantidas, podem ofender gravemente o património dos titulares das licenças caducas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se, na verdade, gozam de preferência legal na concessão de títulos cancelados os que, por força de sucessão legítima ou legitimaria, se tornem danos do equipamento indispensável ao exercício da actividade transportadora, a verdade, também, é que pode não existir entre eles algum que reúna as qualificações exigidas pana o acesso à profissão.
Se existir, porque não autorizar a constituição de sociedades familiares, que beneficiariam não apenas um, mas todos os herdeiros, sabe-se lá quantas vezes sem quaisquer outros recursos para viver?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No caso contrário, isto é, na ausência de herdeiro qualificado, e para que o automóvel e demais equipamento não seja vendido ao desbarato ou sujeito à especulação do novo titular, é de justiça que a este, ao novo titular da licença, seja imposta a condição de adquirir aos herdeiros, se estes quiserem, o automóvel e o equipamento por valor fixado por avaliação na qual intervenha o sindicato.
E, se o veiculo não estiver, total ou parcialmente, pago no momento da abertura da herança, porque não levar a condição ao ponto de a dívida ser transferida para o novo titular, tomando-se em conta os factores da desvalorização?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E porque não admite e estuda o sindicato uma forma de crédito que habilite os profissionais a adquirirem o automóvel, instrumento do seu trabalho?
O problema do Porto não tem a acuidade do da capital. Para uma população residente de cerca de 320 000 habitantes, e a afluente e flutuante, existem hoje 249 automóveis de aluguer a táxi, devendo as 51 licenças que faltam para completar as atribuídas agora ser concedidas exclusivamente a motoristas profissionais.
Salvo acontecimentos excepcionais, nunca ia falta de táxis se fez sentir por forma a perturbar a vida da cidade. E isso continuará enquanto a população portuense não criar o hábito de andar de táxi, de que é sinal sensível a circunstância de os carros permanecerem, normalmente, nas praças, esperando aí o cliente e não indo ao seu encontro, como em Lisboa.
Creio que a situação se modificará logo que a aceleração de trânsito nas ruas da cidade se possa fazer com o desaparecimento dos anacrónicos carros eléctricos e uma melhor regulamentação dos estacionamentos dos automóveis de passageiros e de carga.
Em resumo e para concluir:
1.º É de louvar a fixação de novos contingentes de automóveis ligeiros taxímetros e a prudência adoptada para que o aumento a verificar não possa fomentar o desequilíbrio entre a oferta e a procura, o que exclui a necessidade de se proceder à modificação das actuais tarifas.
2.º O regime jurídico que considera as licenças como bens fora do comércio, e, portanto, insusceptíveis de transmissão a título oneroso ou gratuito, tem uma base moral suficientemente experimentada com a especulação que se verificou no negócio de transmissão das mesmas licenças, sendo, todavia, de atender às salvaguardas já consignadas na lei e àquelas que, durante os próximos dois anos, se considerarem dignas de consideração perante situações não previstas, que o Governo não deixará de tomar na justa conta.
3.º Entre essas salvaguardas, são de atender desde já as referentes às transmissões mortis causa, garantindo-se às pessoas que sucederem, como herdeiros, aos titulares das licenças a constituição de sociedades familiares ou o reembolso do custo legítimo do equipamento indispensável ao exercício da actividade, por parte dos titulares a quem venham a ser atribuídas as licenças caducas.
4.º Deve promover-se, pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, a rápida conclusão do novo contrato colectivo entre os sindicatos e o Grémio interessados, nomeadamente quanto a regime de trabalho, no que respeita à rendição das turnos dos carros em regime de laboração contínua, por forma a evitarem-se os inconvenientes resultantes da rendição simultânea de grande número de unidades nas horas de ponta, e bem assim às remunerações dos profissionais, excessivamente inferiores às que a justiça social exige.
5.º Em relação à remuneração do trabalho, é de interesse para a cooperação e solidariedade entre empresários e trabalhadores que estes venham a participar dos lucros da exploração.
6.º Na hipótese de não se poder chegar ràpidamente a acordo entre as partes em questão, deverá o Ministério das Corporações, dentro da competência que a lei lhe confere, e atendendo ao interesse público em jogo, intervir por forma a que aqueles dois pontos antes referidos, horário de trabalho e remunerações, sejam resolvidos de harmonia com as necessidades públicas e a justiça social.
7.º Os sindicatos dos motoristas deverão estudar e criar formas de crédito destinadas à compra dos equipamentos por parte dos motoristas que se habilitem à concessão dos títulos de licença, facilitando-lhes capitais a juro baixo e combatendo a usura, a que de outra forma ficariam sujeitos.
Sr. Presidente: Fui longe de mais, perdoe-me V. Ex.ª Não disse, contudo, tudo quanto se poderia dizer sobre assunto tão debatido.
Quero terminar com duas notas. Uma, de preocupação: nos dois anos seguintes muitos negócios se continuarão a fazer e talvez poucos ou nenhuns com benefício para os motoristas profissionais.
A segunda, de simpatia, de simpatia por esses humildes servidores do público, que, pela correcção e até pelos riscos de muitas espécies que suportam, bem merecem ser valorizados, para o que bastará aplicar os princípios da organização social vigente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Quero desde já informar VV. Ex.ªs de que amanhã e depois haverá duas sessões, uma de manhã, às 11 horas, e outra de tarde, à hora regimental.
Quero ainda dizer a VV. Ex.ªs que, como naturalmente já sabem pela leitura dos jornais, a comissão executiva das Comemorações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional promove uma sessão nesta sala da Assembleia, sob

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a presidência do Chefe do Estado, para encerramento das comemorações, no dia 29. Sei que VV. Ex.ªs vão receber convite da comissão executiva das Comemorações para assistirem a essa sessão. Peço a todos os que nessa altura se encontrarem no continente que não deixem de corresponder ao convite que lhes vai ser dirigido.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Galo.

O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados Colegas: No começo de mais uma sessão legislativa em que tenho a honra de estar presente, dirijo, principalmente por imperativos de admiração e de devoção, as minhas primeiras palavras - palavras de saudação respeitosa - a V. Ex.ª, Sr. Presidente, personalidade ilustre que a todos nós nos confere orgulho pela forma excepcionalmente brilhante e clarificadora como sabe orientar os nossos trabalhos nesta Casa da Representação Nacional; e a tais saudações sou a fazer seguir as que desejo entregar aos meus ilustres colegas, cuja camaradagem esplêndida é para mim motivo farto do mais legítimo contentamento.
Temos em apreciação esta peça fundamental da vida de instituição e de função do País que é a proposta da Lei de Meios - agora para 1967 -, que virá a transformar-se, em termos supervenientes, exactamente na lei que nos há-de reger tal vida. Uma proposta que é sempre, pois, coisa respeitável, sempre coisa impetrante da mais vasta ponderação - mesmo considerando que nada aqui se processa que não exija respeito, que não peça ponderação.
Acontece, para mais - a concitar, até, a nossa gratidão -, que muito felizes somos por estas propostas se apresentarem plenas de indicadores de toda a ordem, nos conceitos e nos números e suas relações, o que, afinal, mais nos prenderá ao respeito, à ponderação, já que agiremos com farto conhecimento das premissas a que nos temos de agarrar para a marcha dos nossos trabalhos de apreciação e votação. Aliás, outra coisa não seria de esperar, quanto à de agora, de uma peça que vem subscrita por quem, como sabemos, sempre teve e tem a preocupação do indicador claro, do indicador que fala por si - de uma peça, enfim, que vem subscrita pelo ilustre Dr. Ulisses Cortês, operoso Ministro das Finanças.
Ainda que, como adiante se verá, discordando do que considero um retrocesso em matéria de pensamento e sua entrega à letra da proposta - refiro-me ao seu artigo 18.º, dedicado aos assuntos da valorização regional para equilíbrio económico-social da nossa população-, daqui apresento àquele esforçado membro do Governo as mais firmes - porque merecidas - saudações.
Proponho-me tratar de três assuntos que me chamaram em especial a atenção e que versam: reforma tributária; funcionalismo civil e militar, quanto ao aumento que lhe foi feito nas respectivas remunerações; e programação regional para eliminação das disparidades económicas da parte metropolitana do País. E passo a tais pontos.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Foi Portugal, neste ano de 1966, cenário de vários congressos de suma importância e projecção no conhecimento teórico e prático de actividades de toda a ordem. E até se realizou um que versou a explanação de ideias e concretizações exactamente em matéria fiscal - o XX Congresso Internacional de Direito Financeiro e Fiscal, em Setembro, que teve a presidência executiva do Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano. Nesse congresso, lá se proferiram magistrais lições sobre a matéria que a todos os congressistas reuniu, a grande altura brilhando os delegados portugueses, os quais, nas suas conferências e nas suas intervenções, mostraram ser dignos da confiança que neles todos depositámos e depositamos quando se debruçam, quer como professores, quer como membros da alta hierarquia ligada aos departamentos ministeriais, sobre o magno problema que, sem dúvida, constitui o estudo da fase que falta percorrer ainda para ser institucionalizada entre nós a completa reforma tributária que o País aguarda. Uma última fase que se consubstanciará na emissão de um código único que reúna a regulamentação legal dos diversos impostos. E suponho que nisso estará implícita a ideia de que o País gostará de saber, corrente e claramente, o que paga para as despesas da Nação, mesmo porque desejará ver-se-lhe aplicada a asserção posta naquele congresso de que quem sabe o que paga certamente se terá como pagando mais do que deve.
Pode dizer-se que é de todos os tempos - mas principalmente dos últimos, em que a velocidade impera soberanamente nos movimentos industriais, comerciais e dos vários serviços afluentes e efluentes - o anseio pela emissão, quanto a impostos e contribuições, do chamado «conhecimento único», decorrente, pois, de um só código em que se consubstanciem todos os que regem a forma e o conteúdo da carga tributária com que a Nação paga as despesas da Nação.
Não dou novidade a ninguém se disser que muitos dos protestos (a grande maioria deles, em boa verdade) dos contribuintes, principalmente as empresas industriais e comerciais, quanto aos impostos e contribuições a que ficaram sujeitos por força da reforma tributária que nos últimos anos se tem processado, tais protestos advêm da complexidade do processo, da tarefa exaustante a que se tem de remeter um empresário que, mesmo tendo um corpo de funcionários (que terá aumentado largamente só para se cumprirem preceitos dos vários códigos), nem assim se considera repousado, dada a circunstância de, no caso de faltas involuntárias quanto a tais preceitos - mas sem poder provar que tais faltas foram mesmo involuntárias -, incorrendo em penalidades que podem ir ao ponto da publicação do seu nome como «defraudador». poder, sim, ver esse seu nome manchado e a sua empresa prejudicada irremediàvelmente no conceito de quem quer que seja. Já não é aqui caso para se dizer que tal empresário discorde ou não dos quantitativos dos impostos que tem de pagar; nem é aqui o caso de pagar ou não indevidamente, mas, sim, é o caso de ele querer que lhe seja «facilitada a sua vida de contribuinte», incluindo o sentimento de segurança em que possa ficar de haver cumprido o que a sua consciência de cidadão correcto manda que pague em perfeita concordância com a lei, e nunca, pois, pagar o que essa sua consciência manda que pague, mas sem que, involuntàriamente, esteja de acordo com os preceitos legais.
Bem me lembro, prezados Colegas, de um industrial que desabafou por esta forma: «Com a reforma em curso de aplicação, passei a pagar de impostos cerca de três vezes mais do que pagava antes, além de pagar ordenados a mais gente que tive de admitir para os meus escritórios. Pois estou», disse esse industrial, «neste estado de espírito: peçam-me mais ainda, mas restituam-me a tranquilidade que perdi!».

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Ora, a isto vem a promessa que o Sr. Ministro das Finanças fez no preâmbulo da sua proposta da Lei de Meios para 1967, que temos em apreciação. Com efeito, lá se lê, no n.º 107:

Em 1958, ao iniciar a reforma da tributação directa, logo o Governo esclareceu que os diplomas a publicar correspondiam a uma 1.ª fase da reforma, a qual deveria prosseguir oportunamente quando, depois de postos à prova esses diplomas durante alguns anos de aplicarão prática, se afigurasse conveniente reunir num único código a regulamentação legal dos diversos impostos.
Mais de três anos decorridos sobre a entrada em vigor dos principais diplomas que constituem a reforma, perece chegado o momento de iniciar a execução do programa- traçado, dando um novo passo no sentido do objectivo final, então definido, de um imposto único sobre o rendimento, pelo que se propõe o Governo promover a conclusão dos estudos, já iniciados no ano corrente, visando a oportuna publicação de um diploma em que deverá conter-se a disciplina jurídica dos actuais impostos sobre o rendimento.
Esta 2.ª fase da reforma fiscal não deverá traduzir-se, porém, na pura justaposição dos preceitos dos Códigos do Imposto Profissional, do Imposto de Capitais, da Contribuição Industrial, da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e do Imposto Complementar. Dois aspectos inovadores de suma importância haverá a assinalar no futuro Código dos Impostos sobre o Rendimento: ao lado de uma parti; especial, em que se conterão os preceitos próprios de cada imposto, deverá prever-se uma parto geral, na qual virão a figurar, ordenadas segundo um critério científico, além de disposições que hoje se encontram dispersas pelos vários diplomas que integram a reforma fiscal, normas reguladoras de aspectos essenciais da disciplina jurídica da relação tributária e sobre que a nossa legislação é hoje ainda omissa ou fragmentária.
Esta parte geral do projectado Código dos Impostos sobre o Rendimento - só possível graças ao desenvolvimento que nos últimos anos, alcançou entre nós o estudo jurídico da fiscalidade, devido, em grande parte, à própria reforma fiscal - irá permitir decerto uma aplicação mais justa da lei tributária, do mesmo passo que dará novo impulso à dogmática deste ramo de direito.
Por outro lado, e dentro da mesma preocupação, expressa no artigo 13.º da proposta, de abrir caminho a um futuro imposto único sobre o rendimento, meta ideal para que tende o esforço reformador da nossa lei tributária, procurar-se-á introduzir no sistema uma substancial simplificação das técnicas de liquidação e de cobrança, reduzindo o número de declarações a apresenta pelos contribuintes, no sentido de, se possível, as imitar a uma única, sem prejuízo, porém, da existência autónoma dos actuais impostos sobre o rendimento.
A simplificação das técnicas que se espera levar a efeito mediante a unificação do processo tributário virá completar a série de medidas que vêm sendo tomadas no sentido de racionalizar e tornar mais eficiente a actividade do sector público de administração tributária e a cooperação correspondente, que não pode dispensar-se, do sector privado. Muito se espera, pelo lado da organização dos serviços, do que a este respeito vai ser estabelecido ainda no decurso do ano corrente, no uso da autorização legislativa, quanto a formação, recrutamento e selecção de pessoal e quanto ao caminho decisivo que se conta seguir no campo do progresso integral da função pública.
Atendendo ao estado de relativo adiantamento em que se encontram os trabalhos preparatórios do respectivo projecto, é intuito do Governo promover, logo que possível, a publicação do Código dos Impostos sobre o Rendimento, para o que se solicita desde já a necessária autorização.
Assim se espera, com esta providência e com a revisão das isenções e dos impostos especiais e indirectos, completar, em oportunidade próxima, tanto na substância como na orgânica e na forma, a reestruturação do sistema tributário.

Então, prezados Colegas, é de interesse ler-se o que, a propósito disto, se escreveu, de extracção oficial, no preâmbulo da proposta da Lei de Meios para 1959 - ainda no limiar de toda a reforma fiscal já hoje realizada. Podemos ver lá, a partir do seu n.º 108:

O objectivo concreto dos estudos previstos na Lei n.º 2045, de 28 de Dezembro de 1950, era a reforma dos impostos directos, a efectuar logo que o estado dos trabalhos empreendidos o permitisse.

Finalmente, os trabalhos - estava-se em fins de 1958 - da reforma fiscal aproximam-se do termo da sua 1.ª fase, o que permitirá a próxima publicação dos respectivos diplomas, cuja entrada em vigor condicionará outros passos da tarefa de revisão há anos iniciada.

Manter-se-á [continuamos a reportar-nos ao que se disse na proposta da Lei de Meios para 1959] o sistema, actualmente em vigor, de uma pluralidade de impostos parcelares incidindo sobre os rendimentos da propriedade imobiliária, do comércio e da indústria, do trabalho e da aplicação de capitais, corrigidos por um imposto pessoal de sobreposição - o imposto complementar.
Não que se desconheçam ou minimizem as vantagens de um único imposto sobre o rendimento, de tipo anglo-saxónico, as quais consistem, não pròpriamente em o imposto ser único, que na realidade o não é, mas em ser único o conhecimento. E o conhecimento único, além da comodidade que oferece ao contribuinte, permite uma efectiva isenção do mínimo de existência.
Contudo, a substituição de vários por um único conhecimento exigiria uma vasta remodelação dos serviços de finanças, totalmente inviável a curto prazo. Acresce que pareceu melhor aguardarem-se e os resultados das alterações introduzidas nos impostos actuais para, com base nos ensinamentos da experiência, se proceder com mais segurança à estruturação do único imposto que venha substituí-los.

Isto é, prezados Colegas: sem dúvida que estamos a percorrer o traço coerente inscrito na vida da Nação já - devidamente expresso, claro - desde o ano de 1958, ano da aprovação da proposta da Lei de Meios para 1959, essa proposta onde foi anunciada pela primeira vez, para as nossas preocupações de simplificação, a decisão que há em se processar a emissão de um código de todos os impostos de que foram saindo códigos específicos durante estes últimos anos - enquanto não se conseguem as condições ideais para não apenas se pensar num único

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conhecimento contendo muitos impostos, mas num conhecimento respeitante a um só imposto que seja a consubstanciação de todos os demais.
E com isto quero dizer que muito grato ficaremos ao Sr. Ministro das Finanças: primeiro, por não ter deixado fugir uma oportunidade de interesse para fazer ao País essa comunicação, através desta proposta da Lei de Meios para 1967, e, segundo, pela certeza em que vamos ficar de que dará toda a urgência à resolução do actual estado de coisas, que é bem sinónimo de um quase desespero dos contribuintes, em matéria de complexidade de formalidades a cumprir antes que possam pagar à Nação o que esta lhes pede.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Passo agora a tratar do caso - que continuo a considerar bastante agudo - da situação do funcionalismo civil e militar, em matéria de remuneração, mesmo considerando a outorga que lhe foi feita, a contar de Setembro último, de um suplemento, a título provisório (como lhe chamou até o Sr. Ministro das Finanças). Aliás, um suplemento que a unanimidade do funcionalismo teve dê considerar realmente como coisa provisória - mas para resolução definitiva a curto prazo.
Aquando da emissão do Decreto-Lei n.º 47 137, em Agosto último, tomou-se como ponto de partida para a consideração dos subsídios ao funcionalismo civil e militar o seguinte quadro, que o Sr. Ministro das Finanças apresentou na sua conferência de imprensa de meados de Julho e a que todos os órgãos de informação deram o relevo necessário:

Índices dos preços no consumidor

[Ver Tabela na Imagem]

E houve por bem o Sr. Ministro das Finanças de ter o aumento do custo de vida, de 1958 para 1965, como havendo de estimar-se, com base nos elementos apontados, em cerca de 20 por cento - ainda que as donas de casa digam, sem terem de recorrer a complicados cálculos, que a subida foi maior ...
Ora, vejamos, com base nos elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística - que os publica para toda a gente ver e que nos porão mais fortemente dentro das realidades, por os irmos considerar nas suas origens e nos seus pontos de aplicação -, o quadro desses índices, tomando as cidades do continente que o Instituto referido contempla com os seus números-índices de preços no consumidor:

Índices dos preços no consumidor

[Ver Tabela na Imagem]

Isto é: podemos construir outro quadro - extraído do acabado de ver - que nos põe perante factos que começam a dar corpo aos receios que o Sr. Ministro das Finanças expressou na referida conferência de imprensa de meados de Julho - receios de que o benefício promovido pelo aumento dado ao funcionalismo a contar de Setembro viesse a ser ilusório se não fossem tomadas providências imediatas que resolvessem imediatamente alguns problemas que determinam a alta dos preços. Tal quadro, onde bem se pode dizer que estão tais receios traduzidos já em realidades que não podemos deixar de ter como altamente desagradáveis, é o seguinte:

Aumentos dos preços no consumidor (índices)

[Ver Tabela na Imagem]

Claro fica a todos nós que o custo de vida não estagnou - subiu. E uma consulta a este ultimo quadro - mesmo uma consulta, rápida- diz-nos imediatamente que sempre é verdade o que já se começava a adivinhar (parece mesmo que o Sr. Ministro das Finanças o previa, quando desejava que fossem resolvidos imediatamente os problemas que determinam a alta dos preços): que, nos meses de Janeiro a Setembro de 1966, a subida foi consideràvelmente mais rápida, em todas as cidades, com excepção da de Faro (onde, aliás, o custo de vida ultrapassa - mesmo porque o índice-base é de apenas, há três anos e meio - o das outras cidades), nos últimos nove meses acabados em Setembro de 1966 do que nos vários anos todos a contar dos anos de base até Dezembro de 1965!
Posto isto, meus prezados Colegas, continua de pé - e em ponto mais agudo, sem dúvida - o pensamento do Sr. Ministro das Finanças, quando expressou em público que o aumento de há meses a favor dos funcionários civis e militares, sendo como fora resultado de estudos emergenciais, aguarda ainda a solução definitiva. É, de resto, o que o Sr. Ministro Dr. Ulisses Cortês

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no n.º 140 do preâmbulo da sua proposta da Lei de Meios para 1967.
Como ainda não há muito tive o ensejo de o dizer ao Sr. Ministro do Interior, em visita que este ilustre membro do Governo fez a Leiria, aqui reitero o que expressei então, trazendo para este âmbito geral o que fiz então em âmbito mais confinado: a função política obriga a que abertamente se faça sentir a quem quer que seja, amigos e adversários, que o Governo, embora lutando com dificuldades de enorme tomo, como as que emergem da necessidade de se defender a Nação numa guerra que nos foi imposta, ao mesmo tempo que processar o erguimento económico de Portugal, quer na metrópole, quer no ultramar - o Governo, dizia, está atento a todos os problemas nacionais, não esperando «que o tempo os resolva», mas atacando-os de forma frontal. É exactamente isso que me impele a falar como falei, neste caso da urgência de se resolver ràpidamente a situação do funcionalismo civil e militar - considerando que há bem duas frentes fundamentais a defender: a frente das armas e a frente da retaguarda, que, se uma tem de ser forte, a outra não poderá deixar de o ser também!
E, evidentemente, não desejarei excluir dessas providências que peço ao Governo a classe dos funcionários já aposentados. A situação destes, em matéria de remunerações actualizadas, tem também de ser encarada rapidamente, se é que não queremos que se diga que o País é só grato aos que o servem actualmente, não reconhecendo valor à gratidão devida àqueles que o serviram noutros tempos e que, por igual, merecem o respeito de todos nós, principalmente porque já se encontram, os aposentados, fora, geralmente, da idade em que ainda poderá ser procurado qualquer complemento de rendimento. Porque, prezados Colegas, o custo de vida subiu para todos, não tendo o Estado conseguido que tal subida fizesse excepção a favor dos aposentados - mas podendo e devendo conseguir que se dê algum remédio a tal estado de coisas, preferìvelmente na forma como o fez e fará a favor do funcionalismo activo.
Sr. Presidente, prezados Colegas: E passo ao terceiro e último assunto dos que me propus tratar nesta ocasião em que temos; sob vistas a proposta da Lei de Meios para 1967: o assunto imponentemente grave das disparidades económicas regionais do espaço português, no caso especial do continente.
Sempre me bati, nesta Assembleia e onde quer que se me proporcionasse o ensejo, pela eliminação tão completa quanto possível de disparidades económicas que estão sendo anátema tremendo que injustamente vergasta grande parte do País - consideremos agora o continente, que o exactamente, no seu conjunto, a parte do espaço português que mais forte se tem de mostrar para, inclusivamente, estar em condições de defender todas as demais parcelas desse espaço.
Continuo a considerar que é tremendo mal o estarmos com uma distribuição de riqueza e bem-estar continental que afecta em mais de 50 por cento apenas a dois distritos: o de Lisboa e o do Porto. Aliás, estou a servir-me de expressões do Sr. Ministro das Finanças postas na proposta da Lei de Meios imediatamente anterior à que temos agora em apreciação. Expressões que rematavam com a lê que em tais dois distritos, apenas, vive cerca de 30 por cento da população continental.
A circunstância de eu poder vir a ser considerado maçador ou impertinente não será motivo para não insistir em asserções c números que me abonem nas afirmações de que há no continente português partes ricas e partes pobres - do ponto de vista da geografia regional. E, por isso mesmo, voltarei, daqui a pouco, a tais números, com que concretizarei pontos de vista.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Fala - impossível deixar de fazê-lo - a proposta da Lei de Meios para 1967 nos assuntos da valorização regional. Dizer que esta meta se inscreverá, com a força de que preciso, no III Plano de Fomento é dizer que fica lá muito e muito bem - mas não nos diz ainda tudo: e seria que tal meta concitaria um estrutural esforço de retaguarda - estou, naturalmente, a pensar que temos outra área de preocupações sem dúvida mais prementes, qual é a defesa pelas armas do território português do ultramar, tarefa conjuntural de alto coturno.
Com efeito, o artigo 18.º da proposta da Lei de Meios para 1967 tem a seguinte expressão:

Art. 18.º A programação regional tendente à correcção das disparidades de desenvolvimento e à promoção económica e social das diferentes regiões continuará a ser objecto de estudo, com vista à sua efectiva realização no decurso do III Plano de Fomento.

E nesta simples enunciado, em sua nudez do realidade sem manto de fantasia, se dá nota do problema que considero como o mais grave de todos os que contemplam em estrutura a vida da Nação - já que poremos fora de confronto tudo quanto respeite à defesa territorial do País, tarefa conjuntural, se Deus quiser!
E aqui me lembro de certa asserção de um antigo governante dos Estados Unidos, a qual rezava assim, mais ou menos: «Os Estados Unidos não poderão considerar a sua prosperidade como coisa estável se em qualquer parte do Mundo houver terras ou gentes em estado de deficiência económica.»
Isto é: a mais rica nação do Mundo, que tem também os seus problemas internos quanto a tal matéria, pondera como de primeira linha a resolução desses problemas, considerando estes como afectando-a, mesmo quando surtos e desenvolvidos em nações alheias. E, sem dúvida, trata-se de uma asserção lapidar, aplicando-se a nações e a homens, sem excepção, sendo já bom que, ao menos, as disparidades não conduzam a conflitos graves - e tanto mais graves quanto mais se avança nos meios ou trocas de informações, com que muitos tomam conhecimento rápido e constante do progresso económico de outros, sem compreenderem como é que pode acontecer que «no Mundo haja filhos e enteados, se o pai e a mãe são os mesmos ...».
Ora, bem me parece que - visto sermos uma nação com mais de oito séculos nesta ponta ocidental da Europa - podemos considerar como inadmissível que, desde sempre, pràticamente, muitas das nossas terras sejam «enteadas» e poucas delas sejam «filhas» ... Ou, precisando melhor: que haja «duas filhas», o resto sendo um bando de «enteadas» ... Ou, melhor ainda: a região de Lisboa seja «filha», tudo o mais sendo um conjunto de «enteadas», com a região do Porto a querer fugir para o lado da «filha» ... - e, com isto, quero dizer que também por cá se pode falar, em versão-paráfrase certa de asserção francesa, na «região de Lisboa e o deserto português ...».
Porém, prezados Colegas, confesso que não fiquei confortado ao ler o referido artigo 18.º da proposta de lei que estamos a apreciar - quando confrontei o seu con-

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teúdo com o do artigo 21.º da proposta da Lei de Meios para o corrente ano de 1966, conteúdo, este último, que é:

Art. 21.º A programação regional, com vista à correcção das disparidades do desenvolvimento e à elevação do nível de vida das populações, será dotada com verbas especiais, destinadas à sua efectiva realização, de acordo com a política definida pelo Governo.

E acontece que, na parte preambular da mesma proposta da Lei de Meios para este ano de 1966, o pensamento do Sr. Ministro das Finanças, Dr. Ulisses Cortês, coincidia exactamente com o conteúdo do referido artigo 21.º da mesma proposta. Vejamos passos desse pensamento preambular:

136. Pela primeira vez se inscreve no texto da proposta da Lei de Meios o princípio da programação regional.
Esta forma de planeamento, que visa à valorização económica e social das regiões menos evoluídas, foi objecto de particular menção no Plano Intercalar de Fomento. Nele se acentua que esta modalidade de programação assenta num conjunto de investimentos destinados a criar condições que permitam o progresso das regiões atrasadas e contribuam para o bem-estar das suas populações. Inspira-o ainda o objectivo de contrariar as disparidades geográficas do desenvolvimento, assegurar o equilíbrio demográfico e combater o êxodo rural.
A correcção das assimetrias espaciais dos níveis do desenvolvimento e dos desequilíbrios na sua distribuição regional representa, na verdade, preocupação comum dos esquemas de planeamento e exigência inseparável do progresso harmonioso. Se, no aspecto sectorial, o crescimento tem de ser proporcionado, à mesma regra há-de obedecer a expansão no ponto de vista regional.

Parece, assim, chegado o momento de passar da pura definição do princípios à fase efectiva das realizações.

Fica-se com a impressão de que o Sr. Ministro das Finanças chamou em seu auxílio, para a confecção do artigo 18.º da sua proposta da Lei de Meios que temos em apreciação, o estabelecido ou anunciado no Plano Intercalar de Fomento de 1965-1967, que, no seu relatório de instrução, contém a indicação de que realmente o III Plano de Fomento (que o Governo estuda, como se sabe) incluiria entre os seus objectivos fundamentais os programas de valorização regional.
Mas acontece que o Plano Intercalar de Fomento foi aprovado por esta Assembleia Nacional na sua lei de 14 de Dezembro de 1964, à volta de um ano, pois, antes de o Sr. Ministro das Finanças ter escrito o artigo 21.º da sua proposta da Lei de Meios para o corrente ano de 1966 (que foi aprovada por nós e incluída na lei superveniente).
Portanto, em matéria de programação regional, no plano das preocupações instantes do Ministério das Finanças, parece ter havido um retrocesso que em nada pode satisfazer a ansiedade com que o País espera que terminem ràpidamente - na medida do possível, mas sem soluções de continuidade - as disparidades económicas regionais, disparidades que afectam o bem-estar social de tantas e tantas terras do continente português! E o retrocesso mede-se pela ideia posta em 1965 na proposta da Lei de Meios para 1966 e pela sua retirada em 1966 da proposta que temos em apreciação. Ideia que, em 1965, era a de a programação regional ser dotada com verbas destinadas à sua efectiva realização, mas que ficou infirmada ou anulada quando em 1966 se diz ficar relegado tudo isso para o III Plano de Fomento! Sabe-se que o Plano Intercalar de Fomento, aprovado fim 1964, diz, na sua base II:

1. O Plano tem por finalidade o progresso económico e social do povo português e, constituem seus objectivos específicos:

a) A aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional;
b) A repartição mais equilibrada do rendimento nacional.

2. Na organização e execução do Plano deverá também atender-se, na medida do possível, às exigências de correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento regional, em particular no continente e ilhas adjacentes.

Sem dúvida, logo na base III do mesmo Plano Intercalar diz-se:

1. A realização dos objectivos do Plano, a que se refere a base II, considera-se sujeita às seguintes condições:

a) Coordenação com o esforço de defesa da integridade do território nacional;
b) Manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda nacional;
c) Equilíbrio do mercado de trabalho.

Ora, sabendo-se o conteúdo destas duas bases do Plano Intercalar de Fomento, não se pode tomar para salvaguarda de mudança de intenções ou opiniões esse conteúdo. E não porque tal conteúdo é de 1964 - logo em 1965 pensando o Sr. Ministro das Finanças que seria de interesse dotar a programação regional com verbas adequadas, mas em 1966 entendendo que será desejável relegar a programação regional, pura e simplesmente, para os tempos do III Plano de Fomento, a surgir após 1967.
Eis a razão por que me encontro inconfortado com esta mudança de ideias do ilustre Ministro Dr. Ulisses Cortês, que, aliás, também não mereceu palavra de conformidade da digna Câmara Corporativa, como se lê no excelente parecer que emitiu e que tem como relator o também ilustre Procurador Dr. João Augusto Dias Rosas, àquela e a este me competindo render as melhores homenagens pelo esforçado trabalho com que presenteiam o País, e o fazem, não esporàdicamente, mas por forma constante. Está este parecer - reporto-me a este caso da eliminação das disparidades económicas regionais - de acordo com as ideias que eu próprio tenho ao discordar da não consideração expressa na proposta em apreciação de verbas com que deveriam ser dotadas as tarefas dessa eliminação, mas para já e sempre, que não apenas da execução do III Plano de Fomento.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Tudo quanto acabo de dizer - melhor: tudo quanto disse ainda antes de me referir à para mim feliz concordância de pontos de vista da própria Câmara Corporativa - eu já começara a entrar em pensamentos e palavras com que interviria nesta emergência, pensamentos e palavras que foram suscita-

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dos imediatamente após haver lido o texto da proposta e seu relatório nos grandes órgãos da imprensa de 22 do mês passado. Em pensamentos e palavras que começara a alinhar e q lê quis viessem a ficar como uns e outras; me acudiram.
E, naturalmente, senti-me sobremaneira satisfeito quando, exactamente em 6 do corrente, a todos nós foi distribuído o douto parecer da Câmara Corporativa - um parecer que, nas suas apreciações geral e especial da proposta, me deu inteira razão nas observações que ao meu espírito oram impostas com premência, por via da alteração de pensamento do Sr. Ministro das Finanças.
Com efeito, a Câmara Corporativa emite um parecer que, neste capítulo da programação regional, tem exacta coincidência com o pensamento que se formulou em mim próprio. E é assim que nesse parecer se recomenda que o artigo 18.º da actual proposta tenha a seguinte redacção, que inteiramente aprovo:

Os empreendimentos de valorização regional tendentes à correcção das disparidades de desenvolvimento das diferentes regiões e à promoção económica e social das populações respectivas serão dotados com verbas especiais, destinadas à sua efectiva realização de acorde com a política definida pelo Governo, enquanto se promove a elaboração dos estudos de programação regional com vista à sua integração no III Plano de Fomento.

Prezados Colegas: Congratulando-me - aliás, sem estar a fazer disso motivo de orgulho, pois que preferível me era encontrar já plenamente mantida a linha de orientação da proposta da Lei de Meios para 1966 na economia legal da de agora - com esta coincidência de pensamentos com que a Câmara Corporativa contemplou as minhas preocupações, direi mais uma vez, e não me cansarei de repetir: que considero que fortalecer econòmicamente cada um dos segmentos territoriais da parte continental do País é fortalecer económicamente o todo do espaço português. Considero, mesmo, que é a única forma de se conseguir tal fortalecimento total. Com isso, inclusivamente, a hoje parte subdesenvolvida do nosso continente se tornará suporte de alto interesse da parte já desenvolvida - mesmo para que tal parte já desenvolvida sirva para projectar melhor o País nos campos amplos das competições económicas internacionais. E, com isto, pretendo dizer que não se pode, nem deve, perder tempo na correcção das assimetrias de rendimento regional - ate porque, sem dúvida, já perdemos muito, quer com estudos demorados que não se concretizam, quer com concretizações que não tiveram nenhum estudo!
Aliás, na imprensa diária e em revistas especializadas são francamente salientadas as Vantagens da regionalização equilibrada da nossa economia. Lembro-me de O Século, que, em artigo de fundo do seu número de 5 de Maio deste ano, louvava estudos do economista e publicista Prof. Guilherme Rosa, director da revista Actividades Económicas - estudo que sei ter sido inspirado em certo e exaustivo inquérito feito na Europa pelo prestigioso instituto de crédito norte-americano The Chase Manhattan Bank (e sei-o porque ao mesmo economista recorri para, de tal estudo, retirar elementos com que me documentai, em matéria de poder de compra do nosso país e dos restantes países europeus, para a minha intervenção, em 26 de Novembro de 1964, quando da discussão da proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento). Disse-se nesse artigo de fundo de O Século - sob o título de «A concentração industrial tem de ser contrariada»:

Há longos anos que se pedem providências - e nós, neste lugar, várias vezes o fizemos - contra os excessos de concentração industrial nas áreas de Lisboa e do Porto, com grave prejuízo para o desenvolvimento do território em condições de equilíbrio económico e social.

... não pode continuar a situação actual, que atrai para as duas zonas já citadas um número extraordinário de indivíduos que nos seus lugares de origem podiam, ao serviço de indústrias, encontrar um nível de vida mais elevado, com isso contribuindo para a valorização regional.

Recentemente, mais uma vez o problema da concentração industrial foi objecto de largo e proficiente exame por parte do ilustre economista e financeiro Sr. Prof. Guilherme Rosa, que afirmou ser grave a situação, quando consideramos as regiões de Lisboa e do Porto nos seus tamanhos e ângulos nacionais, pois só no conspecto nacional poderemos ter aquelas duas regiões como casos de gigantismo, já que, considerando esses tamanhos e ângulos à escala europeia (da Europa de que fazemos parte, principalmente na expressão do conjunto «Mercado Comum-E. F. T. A.», tal ideia de gigantismo não tem sentido nenhum. Estudos adequados - observa o Sr. Prof. Guilherme Rosa - dizem-nos que os distritos de Lisboa e do Porto têm um poder económico dado ao seu agregado humano maior do que o do resto de Portugal continental (numa proporção de 11 para 10), cabendo só ao distrito de Lisboa mais de um terço do poder económico total. O distrito de Lisboa cota-se com uma capitação desse mesmo poder igual a 1,5 vezes a do distrito do Porto, e umas 2,1 vezes a dos distritos de Portalegre e Aveiro (que vêm logo a seguir ao distrito portuense), mas umas 4,6 vezes a dos distritos de Viseu, Vila Real e Bragança (os últimos a descer).

Concentrar à volta das duas maiores cidades do continente a maioria das unidades fabris acentuará cada vez mais esse desequilíbrio e retardará a valorização regional que é indispensável e urgente.

O desenvolvimento económico-social não pode continuar a ser privilégio das duas maiores cidades portuguesas. De outro modo, ao atraso já verificado juntar-se-ão outras dificuldades para a vida da maioria da população.

E lembro-me também da série de artigos que, com o título genérico de «Portugal, país macrocéfalo» e focando as disparidades económico-sociais entre nós, principalmente do ponto de vista regional, se publicaram, pela pena de Silva Costa, no Diário de Lisboa, de 28 de Novembro a 7 de Dezembro. Crónicas cheias de interesse, nelas se fala, entre o mais, de: «A grande Lisboa e o deserto português»; «O progresso concentra-se na região de Lisboa»; «Lisboa absorve o grosso da riqueza»; «Bem-estar centrado na privilegiada área de Lisboa»; «Distâncias sociais entre Lisboa e o resto do continente»; «Adensa-se em Lisboa o escol de que depende a propagação do progresso», e «O gigantismo de Lisboa pode ser atenuado pela criação de outros pólos de desenvolvimento». Numa destas crónicas, o autor serviu-se também

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dos resultados do inquérito feito na Europa, quanto ao poder de compra das regiões ou divisões administrativas das suas nações, pelo The Chase Manhattan Bank.
E, prezados Colegas, também me estou a lembrar do artigo com que o Eng.º Carlos Alves, presidente da Associação Industrial Portuguesa e director da revista Indústria Portuguesa, abriu o n.º 458 (Abril último) desta publicação - artigo que o seu autor subordinou ao título de «Industrialização e valorização regional». Disse o prestigioso presidente daquela Associação Industrial:

Na mentalidade económico-social, progressivamente actualizada, que tem vindo a estruturar-se entre nós, integrou-se com crescente relevo nos últimos tempos a ideia do desenvolvimento regional organizado e planeado, como correctivo de desequilíbrios e deficiências que podem comprometer todo o processo do crescimento. A própria experiência nacional e as lições alheias convergem para a convicção, que se impõe ciada vez mais largamente, da necessidade de um esforço de valorização sistemática nas áreas do território nacional que têm ficado diminuídas e retardadas na marcha do desenvolvimento.

A indústria, globalmente, não pode desinteressar-se destes intuitos. Com ela se conta, em muitos dos seus sectores de mais dinâmica iniciativa, para » regionalização do progresso económico do País; e a ela vem reportar-se, necessàriamente, grande parte dos benefícios que se intenta alcançar por essa via - visto que o desenvolvimento das áreas retardadas se traduzirá em expansão intensiva do mercado interno, em maiores disponibilidades de matérias-primas, em fixação de mão-de-obra e em multiplicação dos elementos geradores de riqueza.

É com grande expectativa que se aguarda o delineamento positivo da política de valorização regional. A indústria tem interesses primaciais a considerar nessa matéria e não deixará de assegurar-lhe a mais decidida cooperação.

E, pregados Colegas, seria um nunca-acabar de citações do mesmo teor, se buscasse para aqui o que se tem escrito entre nós a respeito da valorização económico-social das nossas áreas não desenvolvidas - no sentido, enfim, de não se deixar crescer por cá a expressão «Lisboa e o deserto português ...».
Sr. Presidente, prezados Colegas: Causou, impressão forte em muitos espíritos a frase proferida pelo ilustre Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, por ocasião da solene inauguração desse altíssimo marco das nossas realizações que é a Ponte de Salazar: frase que nos disse que não mais se proferiria, como anteriormente, a expressão de que o Tejo impedia o progresso do Sul do País.
Deus tenha ouvido o ilustre Ministro quando, rememorando falas de outros tempos, como que «garantiu que o Tejo não mais impediria o progresso do Sul do País». Ponto será que ouvi-lo Deus isso represente que o Sul do País será mesmo o Sul do País - das margens do Tejo às costas do Algarve, passando pelas terras sul-ribatejanas e de todo a Alentejo, enfim -, que não apenas dessas margens do Tejo às terras sadinas, já que, desta última maneira, aí teríamos progresso, sim, mas confinado exactamente à grande zona de Lisboa e área satélite!
Isto é: deseja-se que a Ponte de Salazar, com ser um indicador do nosso poder de realização em época singularmente significativa, seja também garante de que o Sul do País - mas todo ele! - começará a arredar de si os aspectos de não desenvolvimento económico-social das suas populações 1 Até porque não quereremos que a parte sul do País, principalmente o Algarve, busque o seu progresso apenas (ou quase) em surtos turísticos!
Naturalmente, competirá ao Governo zelar pela boa sina da Ponte de Salazar quanto à outorga de progresso ao Sul do País. É que sente-se por Lisboa - e, claro, pelo Porto - o latejar intenso dos gigantes que não param de crescer e que olham para todos os lados no jeito de procurar que não lhes barrem caminhos, horizontes e ambições!
Sr. Presidente: Vou terminar esta. minha intervenção reiterando saudações aos Srs. Ministro Dr. Ulisses Cortês e Procurador Dr. Dias Rosas pelas peças com que, para efeitos do estudo da lei que outorgará em 1967 os meios funcionais necessários ao nosso Governo, brindaram esta Assembleia Nacional; e dando a minha aprovação à proposta em apreciação, desde já sugerindo que o seu artigo 18.º tenha a redacção proposta pela Câmara Corporativa, que se estude efectivamente, aplicando-se em 1967, a regularização dos vencimentos do funcionalismo civil e militar, activo e aposentado, com o que fortaleceremos a retaguarda que todos precisamos de saber que se forma em apoio dos nossos heróicos irmãos que em terras do ultramar defendem, com armas na mão, essas terras e suas gentes - que há séculos já são portuguesas - e que se faça um esforço ingente no sentido de a reforma tributária com que fomos contemplados seja, por sua vez, contemplada por reforma ampla e rápida que a torne simples, quer se chegue a um código único dos impostos, quer se vá para um código de imposto único.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas actividades parlamentares, no reabrir desta nova sessão legislativa, são para V. Ex.ª, Sr. Presidente, as primeiras e justamente devidas palavras de cordial veneração e respeito.
Aos Srs. Deputados, as minhas saudações.
Sr. Presidente: Mais uma vez e com raro. brilhantismo o Ministro das Finanças elaborou uma proposta do lei de autorização das receitas e despesas para 1967, antecedida de um relatório, vastamente elucidativo, em que a cópia de conhecimentos económico-financeiros só é excedida pela clareza da exposição.
Pena é que a limitação constitucional de prazos concedidos a esta Câmara para estudo e discussão do projecto em causa não consinta a demora atenta que seria de desejar. A leitura do relatório que antecede o projecto de lei convida, direi mesmo que impõe, a consulta de variados documentos que nem sempre são fáceis de conseguir em tempo útil. Há, depois, que apreciar o parecer da Câmara Corporativa, documento tradicionalmente esclarecedor, mas que não dispensa reflexão ... longa reflexão.
A complexidade dos problemas económico-financeiros, a justeza do tempo que a Constituição nos concede e, cada vez mais, a extensão dos documentos a consultar, impedem que os menos prevenidos nestas delicadas matérias, e é o meu caso pessoal, apenas se possam pronunciar sobre aspectos gerais de mais destacado interesse. Raramente poderei ir a pormenores que seriam úteis, mas confio, sabendo que posso confiar, na agilidade mental do outros ilustres colegas para um mais aprofundado

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exame das importantes matérias contidas na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Começarei, Sr. Presidente, por referir a minha estranheza à falta, decerto deliberada, de uma referência, que desejava detalhada, sobre a conjuntura nos países do Leste europeu. Creio que para certos sectores da economia nacional - e citarei apenas as industrias de cortiça, de conservas de peixe e de têxteis e, o comércio de produtos ultramarinos, no aspecto de exportação, e as indústrias petrolíferas e de alimentação, no aspecto da importação - teria grande I interesse uma informação mais certa e segura dessa região europeia, à qual, por tudo, não podemos ser estranhos.
Caberia aqui um pertinente desabafo sobre atitudes assumidas, tanto nos domínios económico-financeiros como no político, por governos, acentuo governos, e não povos, que se dizem amigos e na realidade procedem por forma mais estranha, mais diferente e mais prejudicial que aqueles governos a que não damos o nome de amigos. Aliás, o exemplo é de, todas as épocas, as realidades económicas podem, e são muitas vezes, ser diferentes das afinidades político-sociais. Portugal necessita, e deve o Governo da Nação ter presente essa necessidade, manter e desenvolver as relações comerciais com os países do Leste europeu.
Há produtos de que são eles os nossos melhores clientes e o facto não pode ignorar-se. As realidades políticas que não aceitamos para uso próprio não deixam por isso de ser realidades. Estou em boa companhia, que me dispenso de citar, quando faço esta afirmação e, como sempre, confio no superior critério, que compete ao Governo da Nação, para que Portugal não seja ultrapassado até por nações realmente nossas amigas, mas concorrentes em determinadas exportações, numa política que a defesa da economia nacional impõe. Espero que a minha intenção seja compreendida no justo sentido em que a dirijo.
Quero referi, Sr. Presidente, o optimismo que mereceu no projecto de lei e no relatório que o antecede o coeficiente do crescimento do produto bruto nacional. Estou conforme com esse optimismo, mas não devo deixar passar em claro a dívida que me assalta: se o coeficiente do crescimento do produto bruto não é, e eu creio que é, uma expressão inversa do desenvolvimento já atingido. Isto. traduzido para realidades mais visíveis, significa que um aumento lê 1 por cento num país altamente desenvolvido não será, e é, muito mais que 3 por cento num país subdesenvolvido. No caso de Portugal há que considerar que estamos num período de progresso na industrialização, e certas indústrias que se estão desenvolvendo são certamente de carácter restrito no tempo.
Há indústrias, como a dos têxteis, que não são apanágio de países altamente desenvolvidos. No caso desta indústria, considerados os seus ramos de algodoeira, lanar, de fibras e mista, há que, atender que no valor total das suas exportações, o primeiro na escala nacional, haverá que deduzir o valor das matérias-primas importadas, talvez, por estimativa, cerca de 50 por cento. Sendo assim, e é, o valor com que figuram no quadro geral das exportações merece rectificação. A esse valor tem de ser deduzido o valor das importações das matérias-primas que laboram. Facto semelhante ocorre com o turismo. O valor das infra-estruturas, das isenções e dos produtos alimentares de importação tem de ser deduzido do valor global que nos foi oferecido. Quanto ao turismo, teremos de contar o valo negativo do aumento de custo de vida a que obriga as populações das regiões de turismo. Os representantes nesta Câmara dessas regiões nos irão dizer em momento oportuno o que se passa nesse capítulo.
Está em relação inversa a indústria da cortiça, porque a quase totalidade dos valores de exportação são valores reais de divisas entradas. A indústria corticeira é, pela sua contextura, uma indústria 100 por cento nacional. Pois bem, Sr. Presidente, eu não percebo porquê, pois há razões que a minha razão não entende, certamente, por despacho ministerial, publicado no Diário do Governo n.º 183, de 8 de Agosto de 1966, e pelo Decreto n.º 47 088, de 9 de Julho de 1966, foi autorizada a exportação de matérias-primas, absolutamente em bruto, com desprezo dos interesses da indústria e do trabalho nacionais. No caso do Decreto n.º 47 088, a exportação poderá atingir uma percentagem difícil de prever, mas que afectará gravemente uma indústria legalmente obrigada a condicionalismos severos de quadros de pessoal e salários mínimos. Não sei, nem sei se alguém saberá, a que perigos nos poderá conduzir o decreto a que me refiro. Sei que há países que dele poderão beneficiar altamente, e sei, todos sabemos por experiência própria, que os seus governos - e volto a frisar: governos e não povos - nos são adversos em muitos campos, e até no económico.
Por hoje, e neste capítulo, fico por aqui, não sem formular o voto de que o Governo da Nação atenda aos justos interesses da economia nacional.
Revertendo ao sector comercial, urge que se publique o estatuto do comerciante. Há que disciplinar uma actividade que só sobreviverá se for composta por um número adequado de verdadeiros comerciantes, compatível com a expansão e densidade das populações, e, sobretudo, por indivíduos conscientes em todos os aspectos das funções que lhes competem. Numa indisciplinada liberdade, numa concorrência sem justificação, a sorte do comerciante está votada ao infortúnio e à ruína. Compete ao Estado, ouvidas as actividades interessadas, promulgar as medidas que a conjuntura impõe. Especialmente no comércio de víveres há que encarar novos processos de actividade. As cadeias voluntárias de comerciantes, que são prática corrente no estrangeiro, são de incentivar, não só pelo aspecto de seriedade na apresentação, qualidade e preços dos produtos, mas ainda pelas facilidades de fiscalização que a todos muito interessa. Grandes compradores eliminam distorções no circuito económico, com manifesto proveito para a produção e consumo, assim se podendo, em certa dimensão, e assaz importante, obstar à elevação do custo de vida. Externamente há exemplos não só de estagnação no preço de consumo, mas, o que importa referir, de uma diminuição que tem ido a 15 por cento.
Este problema bem merece uma detida análise do Poder Executivo, porque, em certa medida, pode servir como frenador da elevação de salários, sem obstar à maior acessibilidade dos compradores aos bens de consumo. Aliás, ao Governo da Nação, que reafirmou a determinação de manter a estabilidade financeira, interessa, interessa sobremaneira, uma revisão de circuitos económicos no sentido de diminuir tanto quanto possível, e muito é possível, os intervenientes, que só procuram lucro sem cuidar da repercussão que a sua actividade tem nos índices finais de custo de produtos alimentares. O que acabo de referir, Sr. Presidente, quanto à necessidade do estatuto do comerciante, é também aplicado à necessidade do estatuto do exportador. Reservo-me para intervenção mais específica, que desde já prometo fazer nesta Câmara.
Refere o artigo 17.º da proposta de lei em discussão, ao tratar da política de investimentos, a intenção, que eu creio será cumprida, de «continuar a intensificação dos investimentos sociais e culturais, designadamente nos sectores da saúde, da investigação, do ensino, da formação profissional e dos estudos nucleares». Espero, e comigo espera a Nação, que S. Ex.ª o Ministro das Finanças possa

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dispor das verbas substancialmente vultosas para uma intensa programação e, sobretudo, acção, nos sectores referidos. Que, no referente à alínea a), a minha cidade de Évora não seja esquecida. Permito-me a estranheza, que certamente será remediada, de não encontrar referida a luta contra o cancro. Essa enfermidade, autêntico flagelo dos nossos dias, bem merece uma luta sem quartel com efectivos médicos condignos, em número e qualidade, com instalações hospitalares disseminadas segundo a incidência da doença e, mais ainda, com meios financeiros à altura da luta que se processa.
Na alínea c) do referido artigo trata-se do reapetrechamento de Universidades. Devo, Sr. Presidente, lembrar ao Governo da Nação que Évora espera, e por tudo bem merece, a criação de Faculdades de Veterinária e Agronomia. Dispenso-me de advogar a causa, tão flagrante é a justiça que lhe assiste. Um novo liceu, de forma a libertar o actual edifício, para que volte à sua tradicional função de Universidade, é a solução que se impõe.
Desejo ainda, Sr. Presidente, fazer algumas ligeiras considerações sobre a programação regional prevista no artigo 18.º do projecto de lei de autorização das receitas e despesas para 1967. Entendo, Sr. Presidente, como Deputado de um círculo geogràficamente desprotegido, o círculo de Évora, que se impõem medidas imediatas para uma dispersão racional das actividades industriais pelas zonas interiores do País; mas, antes de tudo, há que emendar graves erros cometidos e que, assim o creio, poderão vir a comprometer realizações futuras. Quero, por hoje, citar apenas dois. O primeiro é o imposto de camionagem, baseado no sistema de áreas quilométricas concêntricas, que é simplesmente uma punição aos que vivem mais afastados dos locais de consumo ou embarque.
Já referi várias vezes o facto nesta Câmara, sem que a minha débil voz conseguisse ser ouvida por quem de direito. Tal como existe, o imposto de camionagem é um convite, direi que é uma imposição, à concentração das indústrias nas áreas de Lisboa e Porto. Que o facto é um erro, todos o cremos, por tantas vezes, e com tanta clareza, já ter «ido exposto nesta Câmara. Se é real o desejo de que se verifique o desenvolvimento regional, esse imposto tem de ser revisto. Nos termos em que é fixado, tenho a certeza, contraria o desejo manifestado no artigo 18.º do projecto de lei em discussão. Não me cansarei de pedir a revisão desse imposto, porque o considero contrário aos interesses das populações do interior, que, acredito-o, tanto se deseja se libertem de uma situação de subdesenvolvimento.
Outro factor, aliás já referido nesta Câmara, que dificulta o desenvolvimento regional de certas zonas, é a diferente tributação das taxas de comércio e indústria e das taxas de derrama para a assistência, que variam, de concelho para concelho, entre 10 e 45 por cento nas primeiras, e 5 e 12 por cento nas segundas. O problema é grave. Tem implicações com os empréstimos de que são devedoras as câmaras municipais, mas, estou certo, terá solução. Na situação actual há concelhos que, por mais que se esforcem, pouco conseguirão nesse capítulo da desejada industrialização. Há que terminar com o círculo vicioso de não haver indústria porque a tributação é alta, e de a tributação ser alta porque não há indústria. Quem, com a necessária coragem, para terminar com este estado de coisas?
Quem o fizer bem merecerá, especialmente, das províncias do interior metropolitano.
Sr. Presidente: Porque pertenci ao grupo de Deputados que, em honrosa representação desta Assembleia Nacional, se deslocou, em Março do corrente ano, à província da Guiné, contraí, e gostosa dívida é essa, a obrigação de referir alguns apontamentos sobre essa província, neste ligeiro estudo que estou fazendo à proposta da Lei de Meios para 1967.
Sucintamente são referidos, no relatório que antecede a proposta de lei, os problemas que condicionam a vida económica da Guiné. No parecer da Câmara Corporativa, sempre tão prolixo, não encontrei qualquer referência aos referidos problemas. Decerto eles são preocupação de todos, mas é verdade que nos escasseiam os elementos que conduzam ao perfeito conhecimento dos factos. Terei que suprir as deficiências apontadas com os informes, directos, que recebi da Guiné. Sei que a produção agrícola superou as expectativas. O arroz, base da alimentação dos naturais da província, foi produzido em quantidades que permitiram diminuir as importações a um nível francamente promissor. Só agora, fins de 1966, se processa a primeira importação - menos de 1000 t - quando nos anos anteriores se verificaram números entre as 8000 t e 10 000t. Na pecuária, valor positivo da província, também os progressos são sensíveis.
Na pesca, com a construção de novos barcos, a constituição de uma cooperativa de pesca, o apetrechamento do porto de Bissau e a iminente criação de uma rede de frio, teremos o direito de depositar fundadas esperanças. Só é incompreensível que tanto tempo se tenha perdido sem explorar uma actividade tão rentável, quando todas as condições, tanto de pesqueiros como de mercados, são notòriamente favoráveis. As prospecções petrolíferas estão em curso e, segundo se crê, há fundadas razões para se acreditar num próximo êxito. Melhoraram, embora menos de que se desejaria, as comunicações marítimas, e é do crer uma mais eficiente política tarifária em benefício dos interesses da província.
Julgo, e em muito boa companhia, que haverá que rever as tarifas no tráfego aéreo entre a metrópole e a província. Basta uma ligeira consulta aos preços praticados noutras zonas, em igualdade de distâncias, para só verificar a razão do meu justo reparo. A Guiné pode vir a ser, e para isso tem incontestáveis belezas naturais, uma zona de turismo internacional, mas, para tal, há que rever os custos dos transportes e, ainda, o problema hoteleiro local. Não creio que seja viável, para já, um autêntico Palace, mas sim uma unidade hoteleira funcional, agradável e, em todos os aspectos, atraente. É lamentável que alguns sectores económicos, já radicados na província, não se abalancem às iniciativas que esperam, apenas, trabalho e capital, pana darem justa recompensa. Felizmente que vão correndo, da metrópole e de outras províncias, novos impulsionadores das riquezas jacentes da Guiné.
Já referi alguns aspectos, dos mais pertinentes, que condicionam o desenvolvimento da província, mas, e esses competem mais ao Governo, outros há que requerem imediata, direi mesmo urgente, solução: os problemas do crédito e as vias de comunicação. Sem crédito, é lei imutável, não pode haver desenvolvimento económico. Há que providenciar, e largamente, nesse sentido. Não basta a criação de uma caixa de crédito, há missões que só os bancos, e bancos já devidamente estruturados, podem, cabalmente, desempenhar. As caixas de crédito têm limitações que obstam a determinados tipos de concessão de crédito, tanto no montante como no tempo. Quanto às vias de comunicação, as artérias de qualquer região, há que as estudar e construir ràpidamente. Disciplinar correntes de água, construir cais acostáveis, dragar rios e braços de mar lê, mais ainda, estabelecer, urgentemente, uma rede de estradas de pavimento betuminoso, ou semelhante, que assegurem rapidez de transportes e segurança nos trajectos. Por estranhas razões, a Guiné tem falta de

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elementos activos nos quadros da técnica Administrativa. Há que incentivar o preenchimento desses quadros de forma que sejam operantes e eficientes. Não esqueçamos que o inimigo olha a Guiné, luta na Guiné, com objectivos que, não cabendo referir neste debate, podem ser combatidos por medidas tomadas através da Lei de Meios.
A conclusão de uma estrada entre Bissau e Nova Lamego, com os desvios indispensáveis, seria a espinha dorsal do sistema rodoviário da Guiné. Com ou sem sacrifícios, esta via tem o carácter de prioridade absoluta. Por ela se fará a penetração dos produtos de importação e da orla marítima e a drenagem dos produtos do interior da província. Assim, Sr. Presidente, será elevada ao lugar que lhe compete. Aproveitemos as condições dessa província em benefício da Nação e prestaremos um bom serviço, ao mesmo tempo que teremos correspondido ao portuguesismo das populações e à acção dignificante do Governo local, se também daremos cumprimento ao n.º 4 do artigo 15.º do projecto de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1967.
Poderá parecer estranho que eu, Deputado por um círculo predominantemente agrícola, limite as minhas referências aos problemas agrários a um simples comentário, talvez amargo comentário: que se ouçam, agora, aqueles que não quiseram obstar à ruína da lavoura. São eles que hoje defendem a política de preços que se deveria oportunamente ter seguido. As importações maciças de produtos alimentares, as colossais saídas de cambiais e o êxodo dos campos são problemas que sèriamente afligem o Ministro das Finanças, que, seja dito, pela clareza anterior na visão dos meemos, bem melhor sorte merecia. Como, porém, com a lavoura.
Ela, mais uma vez, colaborará a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Permito-me, eu também, subir a esta tribuna para uma ligeira apreciação à proposta da Lei de Meios que o Governo, pelo Ministério das Finanças, acabou de nos enviar.
Uma vez mais vem esse documento antecedido de um relatório em que se aprecia a conjuntura económica europeia e norte-americana em 1965 e nos primeiros meses do ano prestes a findar, o qual, pela sua clareza e concisão, nos permite ver a realidade portuguesa por comparação com o que se passa nas áreas do esterlino e do dólar, processo que nos parece despido de qualquer artificialismo, revelador por isso de uma honestidade de informação que só mal intencionados procurarão desconhecer. Esse relatório constitui, pois, até para o leigo em matéria económica, documento de fácil e cativante leitura, inclusive, porque é nele que se explana o pensamento do Governo quanto à aplicação de verbas, sua prioridade e seu volume.
Possuidor de dados, que decerto nos faltam, tem o Governo mais autoridade do que ninguém para saber onde convém e como convém acorrer com dinheiros e até onde pode ir na concessão de verbas. Quanto eu possa, pois, aqui dizer não passará de simples considerações, considerações de homem da rua, que ouve por aqui e por ali, e cujo desejo único é, de qualquer forma, contribuir com a sua modesta quota-parte para o bem-estar da Nação, neste caso particular preocupado com aquilo que de mais urgente haverá a fazer em política de investimentos.
Segundo se declara no artigo 16.º da proposta de lei, «os investimentos públicos serão especialmente destinados a realizar empreendimentos de infra-estrutura e a completar ou suprir os investimentos privados, de forma a promover-se, a ritmo acelerado, o crescimento harmónico da economia nacional». Se o tempo não corresse contra nós, se fosse possível calmamente, tal como se faz nas novas zonas a urbanizar, lançar a rede de infra-estruturas e, só depois dela estabelecida, proceder à montagem das estruturas, tudo decorreria sem atritos e sem precipitações. Mas diz-se no artigo citado que tem de promover-se, a ritmo acelerado, o crescimento da economia nacional, o crescimento harmónico, acrescenta-se. Trabalham, pois, as máquinas a rasgar terrenos, a elevar materiais, a fazer acabamentos, num pulsar incessante de motores, e as infra-estruturas vão surgindo e as estruturas vão-se montando, no total rendimento das máquinas.
Mas nos gabinetes, o ritmo de trabalho não se acelera na mesma medida. Todos os empreendimentos, todos os investimentos, têm de ser estudados e passados pelas mãos do homem. Rodam e assobiam as máquinas, mas se antes ou atrás de cada uma delas não houver um homem, essa frágil criatura, cada vez mais frágil e mais despida perante a força e a complexidade das máquinas, não se acelera o ritmo do trabalho, não se alcançam os atrasos no tempo. O homem é, o homem continua a ser, a peça mais importante, a única imprescindível, porque pensa, de qualquer plano, de qualquer execução. Esquecer esta verdade comezinha ou postergá-la é logo de início incorrer no fatal risco das não-realizações.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando no artigo 20.º da proposta de lei o Governo declara que vai promover «a urgente conclusão dos estudos em curso para a reforma administrativa, na qual se integrará a reestruturação dos quadros do funcionalismo público, tendo em vista a organização racional dos serviços, o acréscimo da sua produtividade e a situação económico-social dos servidores do Estado», onde diz urgente conclusão, eu diria urgentíssima conclusão, e não preciso de trazer para aqui outras razões senão as que tantos dos meus ilustres colegas nesta sala têm referido e que o próprio Governo tem ele mesmo reconhecido como premência à reforma anunciada. Não pode o Estado sujeitar-se mais à sangria do seu funcionalismo, que continua a passar-se para onde lhe pagam melhor e melhor o tratam; não deve o Estado fechar os olhos às acumulações de tarefas dos seus técnicos, até dentro dos próprios serviços do Estado, para auferirem mais proventos. Sem quadros humanos devidamente seleccionados e interessados não pode o Governo, nas suas reformas ou nas suas iniciativas, alcançar os resultados esperados. Por mais bem elaborada que seja uma lei, não consegue o Governo tirar dela os benefícios que esperara para a Nação, se não tiver junto de si um grupo de funcionários que apreendam e comunguem no sentido dessa lei, para conseguirem que ela seja cumprida em consciência.
Mas eu iria ainda mais longe: não pode o Governo publicar leis bens estruturadas, se não tiver quem as conceba, quem as prepare, quem as estruture. Pode a ideia ser magnífica, podem as razões ser plenamente justificadas e aceites, mas, se faltar à lei o sentido das realidades na sua execução, a lei provoca irritações que só redundam num mal geral e num descrédito do próprio Governo. Começa-se a sentir - e falo, Srs. Deputados, como homem da rua que sou - que há torres onde os técnicos se encerram para a elaboração científica das leis, não ouvindo - ou por já não os terem, ou por os esquecerem, ou por não acreditarem neles - os práticos, aqueles velhos homens com longa experiência de repar-

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tição e com a sensatez de quem passou já por muito e muitos serviu. E porque assim é, e porque se conta que os próprios Ministros vivem por vezes na angústia da redacção do articulado das leis que têm por - e são - necessárias, as leis saem, sem dúvida, perfeitas na sua forma e claras nas suas intenções, mas vão aplicar-se e falham no pormenor, exactamente porque não foram ouvidas - por falta de confiança ou por inexistentes - as pessoas que poderiam prèviamente ter dito uma palavra de aviso. Também por vezes pode haver excesso de confiança, e não se ouvindo as pessoas que se deveriam ouvir, gera-se nestas um ressentimento natural que é um passo para o seu desinteresse futuro. E assim se vem a cair num círculo vicioso.
Cada um de VV. Ex.ªs terá pressentido e sentido já isto que acabo de dizer, na intenção apenas de chamar a atenção do Governo para a urgência, para além das palavras, da reestruturação dos quadros do funcionalismo público, tendo em vista a organização racional dos serviços, até para maior economia, e o acréscimo da sua produtividade, que se impõe nesta corrida de alinhamento em que estamos empenhados há anos. Eu atrever-me-ia a insistir em menos funcionários e mais bem pagos, com chefes capazes e interessados apenas nas suas funções. Hoje o que se vê é uma multidão de assalariados e no meio deles, esbracejando como perdidos, umas escassas dúzias de funcionários dedicados até ao sacrifício que começam a perguntar-se se vale a pena.
Srs. Deputados: Quando necessito de alguma coisa de qualquer repartição, não peço a ninguém que vá por mim, vou eu mesmo, como qualquer cidadão anónimo, nunca invocando a minha qualidade de Deputado para as prioridades ou para as deferências, e fico-me nas bichas, e sou atendido pelos guichets. Até aqui dentro assim faço. Não falo, pois, de cor, nem carrego nas tintas. Falo pela minha experiência de homem da rua. E também digo que, quando se quer a conclusão urgente de qualquer estudo, se deve dar às pessoas dele encarregadas a possibilidade, a obrigatoriedade de apenas a esse estudo dedicarem as suas horas de trabalho. Constituir comissões com pessoas que têm naturalmente a sua ou as suas ocupações, e sem delas as afastarem para que se possam entregar apenas ao estudo de que as encarregaram, é de início provocar conscientemente demoras, fazer protelar a solução de problemas, que acaba por ser encontrada de afogadilho, quando não é já possível fazer esperar mais, e quase sempre da responsabilidade de um só, daquele que levou mais a sério a incumbência ou mais tempo livre tinha para a ela se dedicar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A demora da reforma administrativa está a causar evidentes prejuízos à Nação, e a sua necessidade é tão sentida pelos próprios serviços que nalguns se têm feito, entretanto, reformazinhas que mais acentuam a desorganização. Ouve-se dizer que nem em vinte anos os serviços do Estado se recomporão da sangria a que têm estado a ser sujeitos, com a saída de alguns dos seus funcionários mais qualificados para as empresas privadas. Os serviços foram, para essas empresas, uma espécie de viveiro donde saíram os exemplares mais apetecíveis, mais adultos, mais evoluídos. Reconstituir um viveiro leva muitos anos, exige bons tratadores, e se se exagera na demora do início da tarefa até os bons tratadores desaparecem, para não falar das espécies a criar. Se há estruturas que têm de assentar em pilares sólidos, as que tratam do homem, melhor, as que são feitas de homens, mais necessitam desses pilares, porque os homens não se montam peça a peça, é cada um deles um todo que é necessário educar dê acordo com aptidões e reacções que raramente são as mesmas de indivíduo para indivíduo, em que é necessário criar hábitos - uma das finalidades da educação e não a menos morosa de se conseguir.
E porque assim é, porque as massas humanas se não preparam com a mesma facilidade e rapidez das argamassas, é que outro dos problemas, que sem dúvida tem vindo a merecer do Governo o mais atento cuidado, é o do ensino, «como natural suporte do esforço de crescimento programado e, principalmente, como condição básica do desenvolvimento económico e social da Nação a longo prazo», assim se diz na justificação ao artigo 17.º da proposta. Não bastam, porém, os bem elaborados programas do ensino das várias matérias, nem os bem construídos e bem apetrechados edifícios. «O equipamento escolar constitui, na verdade, necessidade iniludível e nele se tem feito um esforço digno de relevo» - acentua o relatório. O aluno encontra sem dúvida, nas escolas, condições boas de aprendizagem, tem à sua disposição material capaz para aprender, experimentando com as suas próprias mãos. Tem a sua vida rodeada de comodidades, com lares e cantinas, prémios e auxílios, mas não basta. Faltam-lhe professores e mestres. Diz o relatório em apreciação que estudos efectuados no Ministério das Finanças asseguram eficiente impulso à formação e aperfeiçoamento de técnicos, referindo-se ainda a um sistema de estímulos tributários para valorização do capital humano.
Ora, também nesta matéria, importa caminhar depressa. Os apelos das Universidades e dos estabelecimentos de ensino secundário são persistentes e angustiantes. Estão a tornar-se crónicos nas inaugurações dos anos académicos, começam a tornar-se desânimo em liceus ê escolas técnicas. Nestas, se a falta de professores qualificados é notória e perturbadora, a de mestres é verdadeiramente decepcionante, pois não é possível sem mestres capazes preparar para serviço da Nação, para ocorrer ao grande esforço de industrialização que o País está a fazer, os operários necessários e sabedores. O Ministério das Corporações, deitando mão do problema, preparou e impulsionou centros de preparação acelerada de mão-de-obra, para reconversão de muita, mas também para aperfeiçoamento de outra. Mas como será realmente possível prender bons técnicos ao ensino, se a um mestre efectivo de serralharia, electricidade, electromecânica de precisão, fundição ou tecelagem, mecânica de automóveis ou outras especializações se paga o vencimento mensal de 2400$, que corresponde a 80$ diários, agora acrescidos do subsídio de custo de vida, e só ao fim de dez anos se lhe paga mais 500$? E é pagando a um contramestre efectivo, para as mesmas tarefas do mestre, o vencimento de 2000$ mensais que se pretende ter os melhores? Qualquer contínuo de banco ganha isso. Não admira, pois, que ao lado dos 23 contramestres do quadro tenha havido, em 1964-1965, 276 eventuais, na maioria rapazes saídos das escolas, enquanto não encontram caminho melhor, o que dá uma flutuação de permanência indesejável. Em auxiliares de trabalhos manuais e do quadro havia no mesmo ano 14 indivíduos, enquanto os eventuais eram 200. Os trabalhos manuais são uma das bases de pesquisa para os cursos profissionais. Cada auxiliar dos indicados ganha 1500$ mensais, tanto como um contínuo de 1.ª classe das mesmas escolas.
Isto é verdadeiramente deprimente e quanto se não faça para o melhorar, como investimento, embora a longo prazo, altamente reprodutivo, é largamente contribuir para aquilo que todos não desejamos - o colapso da nossa industrialização por falta de mão-de-obra qualificada. Os alunos das nossas escolas técnicas, apesar dos belos edifícios e dos bem fornecidos parques de maquinaria, não

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estão a sair bem preparados, porque não têm mestres que os ensinem devidamente, que os preparem como operários conscientes, até como cidadãos compreensivos, pois tendo, durante 22 horas por semana, mestres insatisfeitos, por mal pagos, e mestres de ocasião, à espera de colocação melhor, junto de si, os rapazes não poderão escapar a uma influência derrotista. Este é mais um pormenor que justifica a urgentíssima conclusão da reforma administrativa que o Governo continua a estudar e vai anunciando aos poucos nas leis de meios.
Sr. Presidente e Sr s. Deputados: O facto de me ter apenas referido a estes dois pontos da proposta governamental não quer dizer que sejam eles os de maior relevância; são apenas os que de mais de perto posso acompanhar. Sem dúvida, a defesa do nosso território tem de ser a preocupação primeira de todas as horas, mas se numa das mãos tem de estar a espada, na outra deve estar o arado E uma e outro precisam de mãos, como se conclui.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Quando nos debruçamos sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967, ora em discussão nesta Câmara, ressalto, logo o cuidado posto pelo Sr. Ministro das Finanças na elaboração desse documento, cuidado e escrúpulos, que, aliás, vem sendo tradição na nossa saudável política financeira nas últimas quatro décadas.
E ao termos a parte respeitante à economia internacional, em que nos é dado com toda a clareza o panorama da evolução da conjuntura, quer na Europa ocidental, quer na America do Norte, aquelas que mais influência têm no espaço português, entra-se pròpriamente no capítulo da economia nacional com os seus múltiplos aspectos, quer na evolução da conjuntura no continente e ilhas adjacentes, quer na evolução geral nas províncias ultramarinas ou ainda na actividade financeira do Estado.
E em tudo sempre presente a sobriedade e aquela preocupação em manter a estabilidade financeira, que tem sido timbre do Ministério das Finanças. É motivo, pois, para nos regozijarmos e manifestarmos ao Sr. Ministro das Finanças o nosso apreço pelo trabalho de vulto que vem realizando no seu Ministério, não obstante as enormes dificuldades da hora presente.
Há, todavia, três pontos sobre os quais gostaria de me deter e de chamar a atenção desta Câmara, ciente de que eles hão-de encontrar nesta Assembleia e nos respectivos departamento: ministeriais, especialmente no Ministério das Finanças, o apoio e a solução justa de que eles carecem.
O primeiro é o problema da lavoura e, ìntimamente relacionado cem este, o agro-pecuário, sabido como é que num país essencialmente agrícola como o nosso representa factor relevante de enriquecimento, de tal modo que no relatório que antecede a proposta agora em estudo e ao referir-se à evolução favorável do crescimento do produto nacional bruto se diz que cessa evolução foi determinada pelo prosseguimento da rápida expansão da actividade industrial, acompanhada do incremento da generalidade das actividades de sector terciário e de recuperação na produção agro-pecuária».
Não desconhecemos o que o Governo tem feito para estimular a lavoura e com ela dar o maior incentivo ao desenvolvimento, cada vez mais necessário e imperioso, da agro-pecuária, mas esses estímulos esporádicos não satisfazem e de nada servem se não houver uma reforma de base das infra-estruturas em que a lavoura se deve apoiar. Que eu saiba, nunca se esboçou qualquer tentativa de reforma agrária de vulto, embora se verifique urgência da mesma e não obstante vozes autorizadas nesta Câmara já se terem referido a esse problema de primordial importância para o País.
No aspecto social, o nosso homem do campo tem sido o mais esquecido e o mais abandonado de tudo e de todos. Não temos olhado para ele com aquele carinho e interesse que ele nos deve merecer. O presente e o futuro dessa gente são o mais negro possível. Não se vislumbra qualquer compensação e o mais pequeno atractivo para aquele trabalho árduo, duro, permanente, de sol a sol, enquanto vamos constatando que, felizmente, quase todos os demais trabalhadores de Portugal vão tendo as regalias que o Estado Corporativo em tão boa hora vem estendendo aos mais variados sectores de actividade.
São férias remuneradas, bairros económicos, assistência à família e na doença, etc. Para o nosso homem rural pràticamente nada há senão um horizonte carregado de preocupações constantes, trabalhos, doenças, etc. E o resultado está à vista: o êxodo completo - e com razão - dos campos para as cidades e para o estrangeiro. De ano para ano o problema está a tornar-se cada vez mais agudo, com graves implicações de ordem moral e social. Há que o estudar e procurar solução justa e adequada antes que seja tarde e com mais desastrosas consequências para a própria economia nacional.
A par de tudo isto, que já não é pouco, vê-se a agricultura ainda a braços com o empirismo e a rotina, que abundam por toda a parte, num trabalho anacrónico e pouco rentável, e sem que se fomentem os meios necessários de que a técnica actualmente dispõe e aconselha para lhe dar aquele incremento tão indispensável ao desenvolvimento da Nação.
Não se compreende, por exemplo, que num país essencialmente agrícola ainda se importe carne cujo valor anual sobe a muitas dezenas de milhares de contos, e isto porque estou certo de que a própria metrópole, para já não contar com o nosso vasto ultramar, tem em si a potencialidade necessária para prover àquele abastecimento. O que é urgente é que se facultem os meios necessários para que essa grande; riqueza, que é a pecuária, se desenvolva amplamente, tornando-a uma fonte da maior rentabilidade para o País.
Nos Açores, por exemplo, e só na ilha Terceira, há à volta de 7000 ha de terrenos incultos, terrenos que devidamente arroteados e tratados dão pastagens riquíssimas, tão ricas que um abalizado técnico suíço que ali esteve em visita de estudo as considerou das melhores do Mundo. As secas ali são raras, e até o problema da irrigação nunca foi encarado como uma necessidade. Ora, sabendo-se que a área média de pastagem necessária para uma cabeça de gado vacum adulta é de 0,8 ha, teremos que só esses terrenos seriam suficientes para alimentar tanto como 8750 cabeças. Na ilha de S. Jorge, onde se produzem os melhores lacticínios, o caso ainda é mais grave, pois 80 por cento da sua área estão incultos e por arrotear. Mas, entretanto, continuamos a importar carne do estrangeiro ....
É certo que no distrito de Angra do Heroísmo se encontra a trabalhar a repartição da Circunscrição Florestal, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas; e manda a verdade que se diga que o trabalho daquela repartição tem sido ali excepcional. Mais não se podia fazer em tão curto espaço de tempo e com dispêndio de tão pequenas somas. Mas também é verdade que, pro-

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cessando-se ao ritmo actual motivado, é claro, pelas parcas verbas orçamentadas, o trabalho de arroteamento e aproveitamento desses terrenos incultos só daqui a 30 anos estará concluído. Será possível que assim seja? Será possível que nos nossos dias se prefira importar carne e manter uma baixa produção leiteira, relegando para um segundo plano os meios simples e comezinhos de evitar mais um escoamento de divisas com todas as suas más consequências para a economia nacional? Julgo que o bom senso e a atitude do Governo a isso se oporão.
Mas há mais, Sr. Presidente: Ainda há um mês havia nos Açores para cima de 5000 cabeças de gado prontas a ser exportadas para o continente. A situação dos lavradores, sobretudo do pequeno lavrador, daquele que vive única e exclusivamente do produto dos poucos animais que exporta, é aflitiva. É que com grande dificuldade se consegue praça nos navios da Empresa Insulana de Navegação, e isso, como é óbvio, porque não comportam toda a carga manifestada de e para os Açores. E cá estamos nós novamente caídos no trágico problema dos transportes e do qual não vislumbramos possibilidade de vermos - transportes e portos - resolvidos satisfatòriamente. Porém, isto é assunto ao qual tenciono voltar um dia.
O segundo ponto para que queria chamar a atenção desta Câmara é o conteúdo do artigo 21.º do projecto agora em discussão. Todos sabemos que o Decreto n.º 47 137, de 5 de Agosto último, concedendo aumento de vencimento aos servidores do Estado, vindo assim ao encontro dos anseios desta Câmara, não resolveu o problema por completo e não atingiu, tanto como seria de desejar, os funcionários das categorias mais baixas. Mas todos nós também sabemos que o Governo dá um sentido de transitoriedade a esse decreto, pois que o referido artigo 21.º diz que:

O Governo promoverá a urgente conclusão dos estudos em curso para a reforma administrativa e a sua publicação, na qual se integrará o estatuto da função pública e a reestruturação dos quadros do funcionalismo público, tendo por objecto a modernização de métodos, a simplificação de formalismos, a organização racional dos serviços, o acréscimo da produtividade do trabalho e a situação económica e social dos servidores do Estado.

Todavia, gostaria de ter visto que ao texto do parecer da Câmara Corporativa, à parte final do artigo 21.º, fossem acrescentadas mais as palavras: «inclusive dos aposentados».
O esquecimento destes leais servidores do Estado, que o foram durante tantos anos, parece-me omissão grave e ingratidão para com aqueles a quem o Governo tem obrigação de proporcionar um fim de vida calmo e sem preocupações tremendas, como as que eles agora estão enfrentando.
Não desconhecemos as dificuldades de ordem financeira do momento actual, mas também não podemos esquecer ou relegar para segundo plano os casos aflitivos com que se debatem os aposentados. Os argumentos apresentados nesta Câmara a favor do aumento das remunerações ao funcionalismo público, na passada sessão legislativa, mantêm-se válidos, e com mais razão no tocante aos servidores do Estado na aposentação.
Em primeiro lugar, porque a grande maioria dos que se aposentam não aufere por inteiro o ordenado que tinha na efectividade, e isso por motivos de todos conhecidos. Depois, porque já idosos e muitos deles doentes, não podem socorrer-se de outros empregos como, aliás, muitos servidores do Estado na efectividade fazem nas horas fora do expediente. E em terceiro lugar, porque no último quartel de vida, esses homens e mulheres, que durante tantos anos e em prol da comunidade deram o melhor do seu esforço, inteligência, dedicação e saber nos mais variados campos de acção, têm direito a um fim de vida calmo, tranquilo, sem graves problemas de ordem económica, e não a um final de existência pungente e aflitivo, como o que se depara actualmente à grande maioria.
Tê-los no pensamento, procurar dar-lhes uma solução rápida e justa e ao mesmo tempo fazer-lhes saber que nós e o Governo não os olvidamos - é atitude que se impõe a esta Assembleia.
Finalmente, temos o problema das pensões de sobrevivência. O assunto já não é novo, pois ainda há dias a ele se referiu o meu ilustre amigo e colega Dr. Pinto de Meneses. Há, contudo, que chamar a atenção do Governo para a acuidade deste problema, de ordem tão verdadeiramente social, e humana que vale a pena pugnar por ele. Na verdade, não faz sentido e não é cristão que viúvas de funcionários públicos, frequentemente ainda bem novas e com filhinhos nos braços, se vejam de um dia para o outro na tremenda e triste situação de não saberem como hão-de prover ao sustento do agregado familiar e à educação decente dos filhos. Não ignoramos a existência dos montepios e dos seguros de vida. Porém, as pensões e subvenções daqueles são em média irrisórias, e os segundos são demasiado onerosos para a maioria do funcionalismo.
Grande parte dessas viúvas não terão as habilitações requeridas para conseguir um emprego decente e condizente com a vida, embora modesta, que levavam, e vêem-se sùbitamente numa situação dolorosa. As consequências que daí advêm são muitas vezes lamentáveis, e há que evitá-las facultando-lhes os meios necessários para viverem dignamente. Impõe-se, por consequência, mais do que nunca, o estudo desta modalidade de assistência à família do funcionário público por intermédio da pensão de sobrevivência. Ela impõe-se. A nossa consciência de portugueses e de cristãos assim o exige.
E nós esperamos, Sr. Presidente, que o Governo, que tão hàbilmente vem tentando resolver os mais difíceis e complexos problemas financeiros, resolva com a maior brevidade possível mais estes, para bem do País, para bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: O momento especial e delicado que se impõe à economia portuguesa de acertar o passo com esta progressiva Europa e certos apelos de homens e entidades responsáveis no sentido da reforma da nossa mentalidade de comerciantes, agricultores e industriais para que se opere a verdadeira reforma de processos e instituições levam-me a novamente aproveitar a oportunidade para tratar alguns aspectos, embora fragmentàriamente, desta urgentíssima tarefa, que a todos incumbe, de pugnar pelo aumento da nossa riqueza e bem-estar.
Na verdade, temos que mobilizar todas as nossas possibilidades de modo a, num aproveitamento de todas as energias criadoras e destruindo as barreiras que impedem o crescimento económico do País no ritmo que se torna necessário, podermos suportar as despesas extraordinárias

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a que nos vemos obrigados em face da guerra e fazer face às grandes tarefas que temos na nossa frente e ainda estão longe de serem realizadas: a educação e a cobertura sanitária das populações.
Suponho que os defeitos básicos do elemento humano da nossa economia se encerram em dois, como o grande mandamento: o primeiro é que muita gente não compreende as novas exigências que se criaram nesta irreversível caminhada de progresso e a ela fecha os olhos, e o segundo é que os verdadeiros criadores de riqueza não encontram quem as compreenda. De maneira que os programas que se anunciam e as dificuldades que bem se conhecem, e que dia a dia aumentam em proporções assustadoras, ou não encontram quem lhes veja a solução, ou, se encontram, não têm quem dê apoio efectivo a essa solução. Há queixas quanto à falta de apoio e até de dificuldades postas.
Devemos ser francos: o agricultor, comerciante ou industrial que pretenda sair da rotina, que o mesmo é dizer que procure sair do marasmo, sente logo as pernas peadas ao primeiro passo.
O chamado «apoio oficial» está a traduzir-se em mera figura de oratória, quando não se canaliza por critérios errados, que revelam impreparação e falta de conhecimento das realidades nacionais. Há, certamente, muitos problemas complexos, cujo equacionamento se não poderá fazer com dados inabaláveis e de efeito garantido; é também certo que em muitas actividades a atenção dos responsáveis da coisa pública há-de proceder por via empírica, como se faz nos laboratórios, e de maneira ainda mais acentuada, uma vez que o «doente» aqui tem de viver com aquilo mesmo que se experimenta ...
Tudo isso é assim. Mas o que verdadeiramente mais emperra a iniciativa dos homens de acção é a falta de coragem de quem deve apoiá-los, seja a franquear-lhes o mais possível o terreno que se propõem arrotear, seja a fornecer-lhes meios materiais de efectivarem os seus propósitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém ignora - volto a repetir, como «o fiz na última sessão - que a economia portuguesa atravessa um momento de crise, e parece ter chegado a altura de chamar a atenção do País sobre este facto grave, porque a cada português toca certamente uma parcela na tarefa da recuperação. O consumidor anónimo tem que se inteirar melhor do que deve preferir e da realidade dos seus gastos; o produtor há-de melhorar aquilo que fabrica, conjugando a qualidade e o preço em ordem à expansão, interna e externa, do seu produto, e os governantes terão de vigiar para que o interesse de todos se harmonize, harmonizando-se com o interesse da Nação.
Todo este intróito é feito de referências vagas, porque o número e a complexidade dos problemas assim o impõem. No entanto, resolvi trazer aqui, como exemplo, e apenas a título de exemplo, pois o mal é geral, mais uma vez e aquelas que forem precisas até que providências sejam tomadas, o que se está passando no sector da têxtil algodoeira. E se insisto em voltar a falar desta indústria - como exemplo, noto de novo - é porque, como já aqui disse, conheço todo o drama que ela está vivendo.
Em certa altura, e como é inevitável, a indústria chegou a um ponto que exigia, para sobreviver, que se modernizasse, - e para isso foi solicitada -, e que se modernizasse com a reestruturação da maquinaria e dos processos em ordem a conseguir preços mais baixos e produtos mais rentáveis e de mais fácil colocação no mercado. Ora, como reagiram os industriais nesta encruzilhada?
Uns tantos renunciaram a programas novos e preferiram ficar a envelhecer e a decair, nos seus métodos gastos, nos seus processos estafados, nas suas actividades ultrapassadas. Não quiseram a aventura dos caminhos que a vida lhes indicava, e não tardou que se vissem bloqueados pelo seu próprio imobilismo. Ultrapassados, morreram ou agonizam. Outros tantos lançaram-se, com mais ou menos entusiasmo, no caminho da renovação. Tinham compreendido a hora que se vivia e que se vive. E a hora era que só o reapetrechamento da sua indústria poderia dar-lhes a possibilidade de competirem com as avançadas indústrias congéneres do Mundo e que só essa competição vitoriosa daria, a eles industriais, a necessária compensação e daria ao País a dimensão económica que se aspira. Já referi na última intervenção o despacho do Sr. Ministro da Economia de 8 de Novembro, que reconhece o esforço feito e a necessidade que temos de colocar a têxtil algodoeira em condições de ombrear com os mercados estranhos. Os primeiros, os que renunciaram, não compreenderam; estes segundos, os que lutaram e lutam pela actualização progressiva das suas actividades, compreenderam. No entanto, a pergunta faz-se: estão eles a encontrar quem os compreenda?
Sr. Presidente: Todos devemos pensar bem sèriamente nestes problemas e não desistir de proclamar bem alto a verdade e envidar todos os esforços para que a obra de fomento se não perca, ou em iniciativas condenadas ao malogro, mas às quais muitas vezes, pelo carácter espectacular, se não hesita em conceder apoio maciço, ou empreendimentos que desgraçadamente - eu ia a dizer criminosamente - se deixam estiolar por falta de apoio.
O reapetrechamento de uma indústria desta magnitude e projecção não é geralmente tarefa que se contenha nas possibilidades do empresário, a não ser que ele desfrutasse de privilégios especiais, que, nesse caso, para o locupletarem a ele estariam a empobrecer o País. Exige-se avultado capital que ele não possui. Ora o crédito não se inventou para valer aos aflitos. Criou-se, principalmente, e preferentemente, para estimular os que empreendem, para fomentar a riqueza. Mas neste caso o crédito não acompanhou o programa desses industriais operosos e inteligentes. Se eles não dispunham de elevado capital, também não podiam contar com crédito a longo prazo, tanto nas instituições estaduais como nas instituições privadas. Há que criar novas instituições que possam assegurar crédito a longo prazo eficiente.
E porque é que este sector da indústria portuguesa não terá a ajuda de que precisa nas instituições de crédito? Será que não interessa ao País uma indústria que sempre foi tradicionalmente exportadora? Será que não interessa ao País o fomento de uma indústria que não demanda grandes dispêndios em técnica de fabrico e que está, portanto, dentro das actividades que podem ser acarinhadas pela Administração mesmo dentro de programas de austeridade impostos por circunstâncias anormais da vida nacional? Será que interessa mais ao País o fomento de indústrias que se dedicam exclusivamente ao fabrico de bens de consumo interno? Compreenda quem quiser, e parece que ninguém pode ter dúvidas quanto às respostas a dar a estas perguntas.
Com efeito, meus senhores, os industriais que tiveram a coragem de se reapetrecharem não encontraram apoio financeiro condizente com essa evolução. A banca comercial tinha, e tem, normalmente atingidos os limites da responsabilidade na concessão desse crédito; e os referidos

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industriais procuraram naturalmente fontes de crédito suplementares que se saldavam pela aquisição de matérias-primas pagáveis a prazos mais longos e igualmente prazos dilatados para o pagamento das novas instalações. Ora a situação só resultou numa primeira arrancada, porque, uma vez vencidos os compromissos com essas tais novas fontes de crédito, esses industriais teriam então de multiplicar o recurso à mesma banca, mas esta, não contando, como toda a gente sabe, com aumento de depósitos na proporção das novas necessidades assim criadas, não podia, e não pode, acompanhar tais iniciativas.
É evidente que os bancos só podem emprestar aquilo que têm, e mesmo assim parece-nos justo referir que no ano corrente, e relativamente a igual período do ano passado, já emprestaram mais à volta de 130 por cento, segundo informações que me foram prestadas.
Quer isto dizer que os industriais não podem contar com o necessário apoio da banca comercial nessa fase de reapetrechamento, dado que tais despesas não se saldam, no circuito económico, por depósitos que permitam acompanhá-los, sobrevindo naturalmente um desfasamento entre as necessidades industriais e os recursos bancários. E daí a crise a que estamos assistindo, a qual, nunca é de mais repetir, ameaça tomar aspectos verdadeiramente insanáveis. O Governo tem que imediatamente debruçar-se sobre o problema, porque amanhã será tarde; nunca é de mais repeti-lo.
Parece-me, pois, urgente, e muito urgente, que os responsáveis olhem a sério para uma isenta, segura e eficaz política de concessão de crédito a longo prazo, como primeira solução, e, como segunda solução, que se estimule o aumento dos capitais das grandes empresas, permitindo-se, nesse aumento, o acesso do grande público na subscrição de títulos, já que isso representa, em termos sociais, uma efectiva promessa de difusão de riqueza e de desagravamento de certos abismos e injustiças.
A crise é da indústria; mas os seus efeitos recaem sobre todos nós. A Nação é um todo económico.
Referi eu há pouco as circunstâncias em que os bancos comerciais tinham de administrar o crédito a conceder. Este fenómeno parece estar a ser mal interpretado, pois em toda a parte se fala de uma restrição do crédito, e as pessoas menos avisadas confundem os dados do problema e baralham aqui os sintomas aparentes com as causas reais. Na verdade, mais bem informado, não se me afigura que exista uma restrição de crédito, pois os bancos são os primeiros a não terem interesse nessa política de compressão, uma vez que se expandem primacialmente à custa do crédito. O que acontece é que os depósitos na banca comercial, embora subindo todos os anos, não acompanharam, como já disse, a proporção das necessidades do crédito, e mesmo o aumento verificado deu-se à custa de uma onerosa política de captação do depositante, com retribuições elevadas para os fins a que se destina esse dinheiro e que, portanto, vêm limitar consideràvelmente o seu recurso. Verifica-se, pois, e apesar de tudo, que os detentores de dinheiro fogem de o entregar às instituições de crédito, e estas não podem assim fazê-lo circular no comércio e na indústria, como sectores, por excelência, do desenvolvimento da economia portuguesa.
Ora, que motivos terão esses possuidores de dinheiro para assim procederem?
Em primeiro lugar, todos sabemos, e já tive oportunidade de o referir largamente nesta Assembleia, que se transferem capitais para instituições e fundos de investimento fora do País, onde o juro obtido é mais elevado do que o praticado na nossa praça. Em segundo lugar, os capitais portugueses, grandes e pequenos, acodem aos empréstimos externos lançados pelas grandes companhias portuguesas ou mesmo pela Administração. E ninguém deve estranhar, neste último caso, que assim aconteça, uma vez que isso traz aos subscritores dos títulos largas vantagens imediatas: juros que andam pelos 7 por cento; ausência de risco de câmbio, pois que o investimento é feito em divisa externa; não incidência sobre o juro assim obtido de quaisquer contribuições!
Ora, perante este quadro, eu pergunto: Onde iremos parar? Quais as perspectivas que se nos oferecem?
Deste género de investimento faz-se uma propaganda criteriosa e inteligente, como se não bastasse já a própria sedução das suas vantagens. Depois disso, quem são os «beneméritos» que hão-de renunciar a tais lucros pelo seu ardor patriótico? E, mesmo que fossem tomados em conta esses motivos patrióticos, a travarem a mão dos detentores do dinheiro, porque haveriam eles de vacilar, se é o próprio Estado quem os convida com os seus empréstimos externos em condições incomparàvelmente mais rendosas e cómodas do que as existentes cá dentro?
O problema, é tão grave que os próprios industrais se sentem tentados a liquidar as suas empresas ou a reduzir os seus investimentos para canalizarem os saldos assim encontrados nessa descoberta de juros elevados, de capital seguramente investido e livres dê quaisquer encargos. Daqui até à estagnação e ao esmorecimento desses homens de negócio, que são o sangue arterial da vida económica do País, irá um passo muito estreito.
Meus senhores: Este problema implica directamente as mais sagradas energias da Nação. É tempo de se olhar para ele com a melhor compreensão e coragem e não se tentar mascará-lo de frases pomposas e promessas inexequíveis e vãs. Se nós queremos progredir, a primeira condição é começar por não retroceder.
Sejamos realistas: há muito já que se impõem medidas eficazes que dificultem o acesso dos capitais portugueses aos empréstimos externos; que esses empréstimos não sejam anunciados, ao menos, com trombetas, já que tanto se interfere na informação; e que se possibilite o aumento da taxa de juro em Portugal para que os capitais se fixem no País e não procurem fontes mais remuneradoras, mas que ao País não interessam nem dizem respeito.
Então não será verdade que em irada a parte se corrige o desinteresse dos investidores justamente aumentando as taxas de juro para que eles acorram tom seus capitais? Pois, entre nós, dá-se o contrário: estreita-se a remuneração do capital e depois anuncia-se, ou deixa-se anunciar, que lá fora se paga melhor, em menores condições, criando-se imediatamente um derrame para o estrangeiro daqueles capitais que faltam então no comércio e na indústria e cuja falta começa a tomar aspectos de estagnação e de asfixia.
Sei perfeitamente que as dificuldades experimentadas pelas actividades económicas nacionais na obtenção de fundos para investimento se não resolvem acenas com uma política mais liberal de concessão de crédito por parte das instituições creditícias oficiais. Requerem-se - como já disse - novas instituições, novos instrumentos de mobilização de poupanças e novos processos de canalização destas para o financiamento do investimento produtivo.
No presente momento, porém, a Caixa Geral de Depósitos poderia contribuir para atenuar as dificuldades existentes, dado que a elevação do limite do depósito máximo à vista que pode beneficiar da taxa de 2 por cento, levada a efeito em Agosto do ano passado, permitiu a esta instituição elevar sensìvelmente o volume dos seus depósitos, elevando também a sua margem de liquidez, ao contrário

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do que se verificou nos bancos comerciais, que viram declinar os depósitos à ordem em resultado das medidas tomadas naquela, altura e contrair-se apreciàvelmente o seu coeficiente de liquidez.
É sabido que o Banco de Fomento Nacional se encontra bastante limitado nas suas possibilidades, por virtude da carência de meios com que se debate, mas por isso mesmo parece de aconselhar que a sua carteira de títulos fosse menor o que para aumentar as suas possibilidades este Banco lance no mercado, por exemplo, as acções da Empresa Termoeléctrica Portuguesa e da Companhia Portuguesa de Celulose, que, por certo, teriam boa aceitação do público, e que o faça limitando a aquisição de acções a cada comprador. Temos que distribuir melhor a riqueza nacional.
O quadro e bem conhecido, mas parece que se teima em não extrair dele os devidos ensinamentos.
As entidades responsáveis têm de olhar com atenção para os homens e para as empresas - que eu procurei exemplificar com o que se passa no ramo da indústria têxtil -, ajudando certamente em maior escala aqueles que empreendem a actividade da exportação e os que, constituídas as empresas ou a constituir, fabriquem produtos que evitem em condições viáveis o derrame de divisas da importação. Só o aumento de produtividade no mercado interno poderá eliminar as despesas que nos empobrecem. Assim, devora ré ver-se o condicionalismo da concessão de crédito, porque, se uma empresa pretende adquirir mercadoria no mercado interno e aqui lhe estipulam o prazo de pagamento de seis meses, é certo e sabido que recorrerá à importação, pois no mercado externo encontrará prazos que atingem os cinco anos, e nós temos de cuidar a sério pelo comportamento da nossa balança comercial.
Sr. Presidente: É ainda necessário que se reveja, em termos justos, a política de condicionamento industrial, pois que esta só to justifica nos seus fins quando evita atropelos e duplicações, quando, em suma, protege sectores já perfeitamente preenchidos, onde uma concorrência infrene pudesse corromper as condições de mercado; mas já não se justifica guando redunda em garantia do arbítrio nos preços e na qualidade, quando redunda na escravização do público consumidor e quando se salda pelo locupletamento astronómico de uns tantos indivíduos. É necessário também que a concessão de alvarás se faça a quem prove idoneidade moral e capacidade técnica e financeira, e não aos profissionais de negócios de alvarás. Chamo a especial atenção para este pormenor.
Todos estes dispersos comentários acerca de uma crise que se pode considerar alarmante para todos os portugueses não tocam certamente na questão em todos os seus motivos e es tão longe de abarcar a complexidade dos seus elementos, não um grito para os responsáveis. São, principalmente, um apelo para que se defenda o património do País da iminente exaustão.
Por toda a farte só diz e se quer que aumente a riqueza nacional, mas o que se verifica é o contrário. A crise industrial é penas um aspecto altamente significativo. A solução urge.
Há dias, o Sr. Deputado Virgílio Cruz trouxe-nos aqui os índices do consumo de electricidade, que são elucidativos. Veja quem tem obrigação de ver e deixemo-nos de poesias. Chamemos aos bois pelo seu nome, como dizem os bons lavradores da minha terra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã, como já disse, haverá duas sessões: uma às 11 horas da manhã, outra à hora regimental. A ordem do dia das duas sessões é a mesma de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
Armando José Perdigão.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Custódia Lopes.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Raul Satúrio Pires.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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