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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 49
ANO DE 1966 15 DE DEZEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 49 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 44, inserindo a proposta de lei do serviço militar.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 47 369.
O Sr. Deputado Peres Claro requereu informações sobre o pessoal docente do ensino técnico.
O Sr. Deputado Joaquim de Jesus Santos falou sobre o Código Civil.
O Sr. Deputado Amaral Neto deu conta das impressões que recebeu durante uma recente visita a Angola.
O Sr. Deputado Sousa Rosal assinalou a passagem do 48.º aniversário da morte do Presidente Sidónio Pais.
Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Santos Bessa, Nunes de Oliveira, Cunha Araújo, Pontífice de Sousa e Agostinho Cardoso.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Heis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
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Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Salitos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Cutileiro Ferreira
anuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancela de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerele Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta do Sr. Padre Agostinho de Carvalho, de Lindoso, Ponte Ia Barca, dirigida a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia, sobre o problema da agricultura do Alto Minho.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 285, 1.a série, de 10 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 47 369, que adita as especializações de criptoteletipistas, soldadores, torneiros mecânicos, serralheiros mecânicos e serralheiros montadores à alínea b) do n.º 4.º do artigo 12.º do Decreto-Lei
n.º 30249, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 35 000, além do aditamento que lhe foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 43 926 (vencimentos a abonar aos oficiais, guardas-marinhas, sargentos e praças da Armada).
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Peres Claro.
O Sr. Peres Claro: -Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Usando da faculdade que o Regimento me concede, e com vistas a possível intervenção sobre a crise do professorado no ensino técnico profissional, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me seja fornecida nota, por grupos, e com referência às escolas técnicas do continente, sobre as seguintes categorias de professores em exercício no corrente ano lectivo:
a) Professores efectivos;
b) Professores auxiliares do 2.º grau;
c) Professores eventuais (extraordinários incluídos) com Exame de Estado para o 2.º grau;
d) Professores adjuntos com licenciatura;
e) Professores adjuntos sem licenciatura;
f) Professores auxiliares do 1.º grau;
g) Professores eventuais (extraordinários incluídos) com Exame de Estado para o 1.º grau;
h)Professores eventuais com licenciatura;
i) Professores eventuais sem licenciatura.
O Sr. Jesus Santos: - Sr. Presidente: O novo Código Civil, que o Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro, aprovou, é obra de tão vasta complexidade, joga com interesses tão relevantes e pressupõe e revela estudos científicos tão sérios que seria atrevimento inqualificável, quando não insana temeridade, pretender numa breve intervenção parlamentar antes da ordem do dia fazer a sua análise crítica ou mesmo só emitir a seu respeito um simples juízo de valor.
As minhas palavras limitar-se-ão, por isso, a dar uma ligeira nota sobre a oportunidade política e social e a conveniência jurídica da sua promulgação.
De entre os grandes empreendimentos levados a efeito neste ano jubilar da Revolução Nacional avulta, notavelmente e sem dúvida, a promulgação do novo Código Civil.
Ao enriquecimento material que o surto de desenvolvimento económico deu ao País trouxe o novo Código Civil o enriquecimento cio património cultural e científico da Nação.
É no Código Civil, com efeito, que se espelha a verdadeira fisionomia social de um povo. Nele se inserem, efectivamente, os grandes princípios jurídicos que regulam as relações privadas do homem em sociedade, acompanhando-o fielmente desde o seu nascimento até à sua morte.
O grau de cultura, o índice do desenvolvimento económico, o equilíbrio social e a sensibilidade moral de uma sociedade referem-se incontroversamente pelo estatuto jurídico que regula as relações dos homens que a compõem.
Ora o código do visconde de Seabra, velho de quase um século, sem embargo das suas incontestáveis virtudes e das suas múltiplas virtualidades, não podia satisfazer já as necessidades da actual sociedade portuguesa.
Daí as inúmeras alterações que sucessivamente lhe foram introduzidas e as numerosas derrogações que sofreu. Em boa verdade, aquele velho código não regulava
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já actualmente grande número das relações privadas, que iam buscar a sua disciplina a profusa legislação extravagante, alem de que muitos dos seus preceitos estavam em conflito aberto com as realidades sociais e económicas que comandam a vida portuguesa do nosso tempo.
Este facto, profundamente perturbador da vida do País, há muito que fora verificado e preocupava os responsáveis.
Foi assim que em 1944 um diploma de oportuno alcance apontou a urgência da reforma da lei civil, fixou as coordenadas dentro das quais esta se devia realizar e criou a comissão que deveria proceder aos respectivos trabalhos preparatórios.
Deve-se ao Prof. Vaz Serra, então Ministro da Justiça, o mérito dessa iniciativa, como a ele se deve também soma enorme de trabalhos doutrinários e preparatórios do novo código e que regularmente foram publicados no Boletim do Ministério da Justiça.
No largo período dos vinte e tantos anos que, entretanto, decorreram, trabalharam no estudo e preparação do código, dando-lhe o melhor do seu esforço, da sua inteligência e do seu saber, notáveis civilistas das duas nossas Faculdades de Direito.
Prestaram também a sua colaboração valiosa advogados e magistrados, bem como as instituições que, por força da sua função, mais estreitamente se encontram ligadas aos problemas e à ciência do direito.
Isto deve tranquilizar, e tranquiliza efectivamente, a Câmara quanto ao valor moral e intelectual da obra realizada.
Por outro lado, dos trabalhos produzidos e dos estudos feitos, mormente dos diversos anteprojectos parcelares e do projecto definitivo, foi dado o mais amplo conhecimento ao País e solicitada a este a colaboração possível.
Por isso, com verdade proclamou nesta Assembleia o Prof. Antunes Varela que, seguir do supunha, em nenhum país do Mundo as autoridades conseguiram facultar aos estudiosos um conjunto tão extenso de publicações e uma colecção tão rica de elementos interpretativos como os milhares de páginas que, enriquecendo a literatura jurídica portuguesa, formam a massa imponente dos trabalhos preparatórios do código.
Significa isto - e eu quero salientá-lo claramente - que a elaboração do novo código importou trabalho penoso e fecundo, determinou a audição das opiniões esclarecidas dos estudiosos e dos práticos do direito, de que, sobretudo, ela se operou sob o império de uma forte preocupação de seriedade científica e política, que honra sobremaneira o chefe do departamento governamental sob cuja direcção administrativa e égide intelectual os trabalhos se desenvolveram.
Porque assim entendo e porque assim o entende esta Câmara c a generalidade do País, ao Ministro Antunes Varela, sobre cujos ombros pesou a principal responsabilidade da condução e orientação superior dos trabalhos do Código Civil de 1966, rendo, em meu nome pessoal e creio que o posso fazer em nome de toda a Assembleia, as mais vivas homenagens, exprimindo-lhe simultaneamente os sentimentos do muito apreço em que o País tem as suas altas virtudes de governante e o respeito e admiração que a todos merecem a sua poderosa inteligência e o seu vasto saber de civilista insigne que honra e dignifica a escola a que pertence.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: O novo Código Civil aí está, e é certamente monumento jurídico que ilustra a cultura da geração que o produziu.
Mas será o código inteiramente perfeito e estará, portanto, isento de críticas?
Reconhecendo não ser eu pessoa qualificada para dar a resposta, atrevo-me, contudo, a dizer que algumas deficiências há-de conter - até porque a perfeição é, porventura, coisa inatingível pelo homem - e que para a regulamentação de certos institutos outros regimes jurídicos seriam possíveis ou mesmo defensáveis num ponto de vista de mera teoria doutrinária.
Todavia, importa não esquecer que ao disciplinar as relações de um agregado social hão-de necessariamente tomar-se em consideração as realidades humanas, sociais, morais e económicas que o configuram e que as normas jurídicas vão regulamentar.
O código agora promulgado destina-se a regular as relações privadas dos Portugueses - não de outros - e há-de ser considerando o condicionalismo da nossa sociedade, o carácter e o modo de ser do povo português, que os regimes jurídicos escolhidos deverão ser apreciados e valorados.
Quando assim encaradas, temos de reconhecer que as soluções encontradas são as mais consentâneas e adequadas.
Poderá, apesar de tudo, haver pequenas divergências quanto à solução dada a este ou àquele aspecto de um determinado problema concreto. Isto não invalida, contudo, nem enfraquece, a nossa consciente e decidida adesão à nova lei.
E ao dar-lhe expressamente o voto da minha inteira concordância quero crer que, ao entrar em vigor, o novo Código Civil será interpretado e aplicado com o mesmo espírito de seriedade intelectual que presidiu à sua feitura, para que a justiça que pretende realizar torne mais feliz o povo da nossa terra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Como V. Ex.ª não ignorará, um grupo de quinze Deputados, dos quais me coube em boa sorte ser um, visitou durante o último Verão a província de Angola, a convite do seu Governo-Geral.
Gostoso da viagem, reconhecido pelo acolhimento, altamente satisfeito com o que vi, a alma pede, o coração manda, a razão impõe-me, que dê largas ao agradecimento e testemunhe a beleza e a grandeza das terras visitadas e da obra de seu amanho e fecundação que admirei; devedor ao meu lugar nesta Casa de tanto enriquecimento do espírito e reafervorar de sentimentos, é através de V. Ex.ª que quero dar a minha conta deles a quem nos levou, a quem nos recebeu, a todos quantos possam querer saber que aprendeu um homem de boa fé e boa vontade, vendo essas terras de África, que não pudesse já levar sabido da lição de quantos o precederam e mais de espaço as pisaram.
Tenho bem em mente que a rapidez da visita - uma exacta semana no chão e nos céus de Angola, breves pausas na lha de S. Tomé e numa das de Cabo Verde -, que essa rapidez não consentiu nem o trato íntimo de pessoas, nem conhecimento detido das coisas, e esta caução quero desde já prestar para segurança dos limites que ponho ao meu depoimento. Mas o certo é que à vista das figuras físicas ressaltam pontos significativos, ganha-se noção concreta dos volumes, das luzes e mesmo das sombras; conceitos gerados na apreensão intelectual sofrem o contraste das aparências corpóreas; imagens mentais firmam-se na materialidade; ,e eis porquê esse perpassar de meia dúzia de dias através daquelas imensidões de espaço e de portugalidade se poderia confundir quem delas nada soubesse,
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para mina - creio poder dizer para nós outros - já foi aula prática, bastante para realizar, como nunca de longe, algo do que as gentes da nossa terra europeia fizeram daquela África e do que esta lhes promete para continuarem.
Não mais os problemas de Angola, quando tornem a exame da Assembleia, se me oferecerão como questões desencarnacas; porque me foi dado tocar o território onde se gearam, já entreverei mais clara a natureza deles e entenderei melhor o alcance das suas soluções. A migalha de represei tacão que me cabe ser ficou a compreender mais nitidamente quanto tem a honra de representar: ficou na verdade um pouco mais útil, por mais nacional!
Quando regressei desta viagem, a vários que me perguntaram impressões de África ofereci, em síntese, uma resposta, que não construí como floreio de ocasião ou ressaibo gratuito de impressões aliciantes, antes, desde que me ocorreu, reconheci corresponder verdadeiramente ao juízo que pudera formar das possibilidades daquelas terras e da sua capacidade de recompensarem quem se lhes dedique com açor to e decisão: «Se fosse vinte anos mais novo, iria para lá.» Pois, mais do que um amigo a quem isto disse, conhecedor de Angola melhor do que eu, mas ido ali, como eu, já com a sua vida encaminhada cá na metrópole, me asseverou ter pensado do mesmo modo após a sua estada; somente que alguns, os felizardos, não carecendo de remontar tanto no tempo para se reencontrarem com as energias dos acometimentos inovadores, afirmavam que menos dez anos de apego às suas ocupações lhes teriam bastido para se decidirem a trocá-las pelas oportunidades de que se haviam apercebido. De facto, é-se ali vivamente ,ornado pela noção da largueza dos campos abertos às actividades mais diversas, e o encontro frequente de pessoas que, em diferentes níveis e ramos de trabalho, se declaram amplamente satisfeitas e de toda a evidência gozam de desafogo de acção e de resultados, basta para sem firmar, mesmo no quadro de uma visita rápida, aquela noção depressa formada.
Por minha parte, na linha dos interesses a que mais me afeiçoei, deitei-me prender especialmente pelas perspectivas do desenvolvimento agrícola, favorecidas pela circunstância de a nossa visita se ter mormente desenrolado sobre o planalto central, onde se conjugam os factores mais convenientes à lavoura ao jeito europeu. Ido do clima mediterrânico, onde a secura se conjuga com o calor, era mesmo inevitável que me agradasse, e me deixasse tocado até de uma ponta de inveja, verificar que ali as chuvas sobre ver I no tempo quente e o seco é também o mais fresco, característica certamente atenuadora de outras agruras. Impressionaram-me enormemente as possibilidades pecuárias, apreciadas sobretudo nas imediações de Nova Lisboa, onde fui encontrar adiantamentos ainda não em uso na metrópole, como a apascentação sistematizada pelo parques mento. Afigurou-se-me haver ali, como mais para o sul, um reservatório potencial de carne susceptível de suprir tocos os deficits portugueses da Europa ou, em alternativa, ,e não paralelamente, marcar lugar no mercado internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma vez que aludi à agricultura, neste fugaz apontamento, não quero deixar de me referir ao colonato da Cela, o único que pudemos visitar com alguma detença e acerca do qual eu ia carregado de reservas, alimentadas em muita reticência que de há anos vinha sentindo. Pois quero declarar a boa impressão que colhi na passagem por lá: vi não poucas fazendas bem cuidadas, notei o bom alfaiamento que lhes foi fornecido e observei convincentes indícios - como, por exemplo, a abundância, qualidade e variedade do aprovisionamento dos estabelecimentos comerciais, demonstrativas de clientela coou poder de compra - da probabilidade de vir a justificar-se finalmente, mesmo em termos de rentabilidade, este empreendimento, que poderá ter sido muito dispendioso -não discuto nem, na verdade, averiguei- mas valorizará positivamente uma vasta área, onde ainda há abundante lugar para acabar de aproveitar a estrutura criada com novas explorações.
Não compreendia o nosso programa - e foi grande pena para mim! - a visita a qualquer das estações, agrária e pecuária, por cujas vizinhanças passámos, más os institutos veterinário e de investigação agronómica, em Nova Lisboa, proporcionaram-nos algumas horas de satisfação no exame de sérios e intensos programas de trabalho, a que instalações verdadeiramente surpreendentes, pelos meios que as apetrecham, como pela qualidade funcional dos edifícios onde se alojam, concedem o ambiente digno da qualidade dos técnicos que ali encontrámos - e dessa qualidade souberam em pouco tempo dar-nos ampla prova pela natureza dos trabalhos que nos expuseram e pela solidez de conhecimentos transparente nas suas elucidações, tão claras como altas de nível. Soubemos com gosto que numerosas dependências de assistência a agricultores e experimentação especializada completam a acção desses institutos, ou com eles colaboram, o que nos perfez a segurança de haver na esfera do seu domínio quem saberá bem aproveitar as potencialidades da província. Assim não lhes continuem a faltar os elementos humanos de desenvolvimento dessa acção estudiosa e directiva, que lá também escasseiam: mas logo no nosso grupo houve quem cobiçasse para filhos seus a oportunidade de se aperfeiçoarem ali, tão aliciante de eficácia e seriedade se nos mostrou a obra em curso.
Mas de análogas sensações de capacidade e potencialidades nos certificou noutros planos a observação de muitos aspectos diversos da vida e do crescimento de Angola. Sobre comoventes relíquias de um passado duríssimo resplandecem as realidades do presente - na formação de espíritos, na exploração deus dons naturais, na instalação das gentes -, mas a recordação dominadora que me, ficou foi a dos imensos horizontes abertos à conquista do futuro, que a devoção ao trabalho, universalmente encontrada e decerto filha da mesma certeza, a cada momento descobre e amplia. As próprias cidades e vilas, de belas ruas tão floridas, esplendidamente iluminadas e pavimentadas, entre as soberbas moles dos colégios, dos .serviços públicos, das empresas, e as airosas residências onde logo apetece ficar, na serenidade laboriosa dos centros provincianos ou na movimentação já intensa das capitais, apresentam-se-nos vastas de espaços a preencher por novos edifícios e seus moradores, atirando-nos por seu modo à cara de europeus comprimidos na densidade de velhas terras a confrontação de larguezas atractivas e refrescantes.
Nem por isto, todavia, nos apareceram diluídos os sentimentos de comunicabilidade e cordialidade que hão-de ter ido apegados às mesmas almas, entretecidos na própria maneira de ser daqueles nossos patrícios, porque são intrínsecos à feição lusitana, no chão de África sublimada pelo laço comum do amor da Pátria, que será amparo nas provações e luz perene no apartamento. Em muitos lugares, quando a nossa passagem era conhecida, encontrámos desvanecedoras recepções e apurada hospitalidade, carinhosas e quentes, decerto porque, como recordações da distante terra natal, seríamos para os idos da Europa uma refiguração dela, e para todos, enraizados em Angola
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de há pouco, de há muito, ou desde sempre, novas testemunhas do que por ela estavam fazendo. O pequeno aeródromo de Caconda apinhado de gente, os velhos açorianos de S. Jorge do Catofe, reunidos creio que sem falta de um, a população toda de Quibala, já no lusco-fusco do fim da tarde, esperando-nos à roda do seu regedor, as autoridades e notáveis da Gabela, indiferentes à demora, sob o -cacimbo, são imagens que destaco de entre outras como típicas da benevolência que quiseram manifestar-nos e do apreço demonstrado nas nossas pessoas à Representação Nacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Só não direi que tocámos ali o limite da afabilidade, porque idêntica a viemos encontrar, dias mais tarde, na escala - tão curta para tanta sensação que nos acrescentou às experimentadas em Angola - na escala, ia a dizer, por S. Tomé. A par do deslumbramento da natureza tropical, ajardinada pela exploração intensa, o alegre acolhimento do seu povo, o asseio de vida patente por toda a parte, a fácil comunicabilidade, a polidez de modos, a geral educação deduzida na multiplicação de contactos, rapidíssimos embora, ao acaso de encontros todavia representativos na sua diversidade, deixaram-nos de S. Tomé, onde já sabíamos viver a população mais letrada de Portugal - parece que ainda mais que a de Cabo Verde -, a imagem do que uma convivência multirracial, prosseguida na paz e com tempo, pode fazer para elevação do Africano aos hábitos de civilização que temos por melhores.
Sr. Presidente: Falando principalmente de Angola, pois foi o objecto essencial da viagem em que participei, muito de propósito tenho estado a contrariar o impulso de me alargar no comentário de quanto me arrebatou, ou despertou interrogações, na contemplação dos dons de Deus e das dádivas dos homens àquela terra regada de tanto suor e de tanto sangue de portugueses - só não conjecturarei que de lágrimas, salvas as das saudades mais vivas, porque quem aquilo fez não seria para lágrimas!-, do mesmo modo que calo muito do que se me afigurou poder constituir tema de estudo ou preocupação para os responsáveis pela marcha dos negócios públicos, entre os quais quero que nos contemos, e nos contem, a nós próprios. Forçando ainda a natural concisão, estou-me a reter para não parecer presumido de conclusões que a brevidade do tempo não consentiria talvez, para não incorrer em erros de apreciação por falta de bastante amadurecimento das noções adquiridas.
Se as palavras ou o jeito de as dizer não me desservirem, espero ter, no entanto, podido transmitir a V. Ex.ª as minhas impressões dominantes e essenciais: as de uma realidade séria e de uma plenitude de promessas, que oxalá as maldades dos homens não desgracem.
Mas alguma coisa me resta dizer para que não tenho de pedir apoio, nem temo a emenda de ninguém, pois é plenamente, instransmissívelmente, pessoal - embora com toda a certeza não exclusiva; esta é a declaração da parte muita viva que tomo para mim nos rendidos agradecimentos devidos às personalidades que nos receberam, agasalharam e acompanharam em Angola e em S. Tomé: às autoridades locais, encabeçadas pelos governadores visitados, que todos nas suas residências quiseram partir connosco o pão da hospitalidade; à imprensa, que nos seguiu atenta e aprovou a nossa presença; aos chefes de serviços e dirigentes de empresas; e por fim, que não por somenos, aos nossos colegas Deputados por esses círculos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E destes estou certo que nenhum me levará a mal enaltecer entre todas a desvelada companhia que em Angola nos fizeram o Sr. Deputado Pinheiro da Silva, secretário provincial da Educação, e o Sr. Deputado Neto de Miranda, presidente da Comissão Provincial da União Nacional, que foram verdadeiramente muitíssimo além da normal cortesia e bondade de acolhimento, pois, com sacrifício dos seus trabalhos e incómodo de suas pessoas, quiseram fazer o favor de nos acompanhar e guiar os passos durante os dias e os caminhos quase todos da nossa digressão pela província.
Estendendo-o, como é devido, ao Governo-Geral, causa eficiente de tudo, e ao Sr. Ministro do Ultramar, cujo apoio tudo terá condicionado, não posso, com franqueza, pensar em fecho melhor para esta nota de viagem do que dizer aqui a todos: muito e muito obrigado!
Portanto, com isto, tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: -Sr. Presidente: Faz hoje precisamente 48 anos que o Presidente Sidónio Pais foi traiçoeiramente assassinado em plena estação do Rossio, quando tomava o comboio para o Porto, a fim de visitar essa nobre e invicta cidade e desfazer com a sua presença equívocos que reinavam entre aqueles que apoiavam a situação a que presidia com a maior dignidade e acerto, que lhe vinham do prestígio da cátedra, da experiência do Poder e da arte de diplomacia.
Pois, como é sabido, tinha antes sido professor da Universidade de Coimbra, ministro por duas vezes e embaixador em Berlim.
Seria imperdoável falta deixar passar este dia sem se ouvir pronunciar nesta Casa, onde a voz do povo, que tanto o amou, tem assento, uma palavra, mesmo simples, mas sincera, que outra não sei dizer, de repulsa, de justiça e de saudade em memória de tão ilustre Presidente.
De repulsa, por aqueles que, afastados do Poder em 5 de Dezembro de 1917 por força do Exército e vontade da Nação, cansada e gasta de ter no Poder a demagogia, na Administração o caos, no trabalho a indisciplina e na rua a desordem, desorientados por tanta conjura e intriga inútil lá no fundo escuro das alfurjas, onde se acoitavam impotentes e desesperados, dementaram o espírito e armaram o braço do assassino.
De justiça, pela alta inteligência, indiscutível honestidade e serena coragem de que deu sobejas provas na curta vida da República Nova que instituiu e a que deu feição presidencialista. A nobreza e firmeza do seu carácter resistiu a toda a sorte de intrigas que para manter o País em permanente agitação se levantavam sem qualquer sombra de fundamento e foram desde as acusações que punham em causa a sua dedicação à República, ele que já era um activo e apaixonado republicano quando estudante em Coimbra e depois foi ministro de governos republicanos e era Presidente eleito, só porque não se quis submeter ao despotismo dos partidos, até à de não colaborar com os nossos aliados na primeira guerra mundial, só porque quis meter ordem na nossa comparticipação. Este rumor teve supremo e público desmentido no telegrama que lhe foi enviado, após o armistício, pelo rei Jorge V de Inglaterra, nestes termos:
Possa a nova era, cuja aurora vamos romper, apertar mais os antigos laços que unem o povo do meu Império ao de Portugal e trazer para ambos prosperidade c progresso.
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De saudade, pelo porte e espírito cavalheiresco, pela nobreza de alma e bondade de coração, tudo virtudes com que Deus fez dos Portugueses um povo à parte, e que o Presidente Sidónio Pais cultivava com naturalidade e rara distinção e simpatia, dotes que lhe eram reconhecidos da maneira mais sentida nas exuberantes manifestações que espontaneamente lhe eram tributadas onde quer que aparecesse.
O País ainda deve ao Presidente Sidónio Pais, além dós dias em que vivemos com acendrada fé nos destinos da Pátria E fundadas esperanças no seu resgate sempre animados ela preocupação de estabelecer a concórdia entre todos os portugueses, destacando-se entre eles o de reconciliar o Estado com a Igreja, o de ter feito arreigar no espírito dessa qualificada mocidade que foram os seus cadetes da Escola de Guerra, hoje Academia Militar, vivos e leais camaradas do 5 de Dezembro e de sempre e que depois foram os tenentes do 28 de Maio, o firme propósito de f aze* mudar de rumo os ventos nefastos da política, pondo em movimento e dando expressão àquilo que mal teve tempo de ser aspiração e determinação e hoje é realidade indiscutível.
Por sentida homenagem do Governo de Salazar, fiel intérprete da vontade nacional, os restos mortais do Presidente Sidónio Pais jazem entre os nossos maiores no Panteão Nacional, monumento acabado de erguer para glorificar aqueles portugueses que pelo génio, pela cultura,- pelo heroísmo, se vão da lei da morte libertando.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: -Sr. Presidente: Na economia global e nas finanças públicas há problemas que se revestem de grande generalização, abrangem os planos internos e exteriores e que, para serem dominados, obrigam a amplas análises e depois a adequações e tentativas equibradoras que dificultam a actuação construtiva.
Somos arrastados, por vezes, postos em caminhos já trilhados, e sofremos de efeitos e consequências alheias ao próprio destino.
Assim, certos problemas da hora presente -da moeda, do crédito, do desenvolvimento, das finanças - vêm ter connosco e fazem mais do que impressionar: reclamam atenção e alteração de medidas.
O mundo rodeia-nos, mas, além disso, interfere-nos.
E um mundo assim parece, pela técnica e por aspirações generalizadas, que encurta e condensa, tem os seus anéis de roda, mas triplica as nossas tarefas.
Já não é pouco conservar uma fortaleza e deixar assobiar os ventos e marulhar as inundações.
Mas olhemos dessa torre para o que se passa.
No aperto dos prazos, na multidão de elementos a consultar, na exuberância de testemunhos oficiais que parecem estender-se, mas sem alturas de graduação, julgo oportuno focar alguns pontos de finanças gerais e de economia continental, acudindo apenas aos que me pareceram mais instantes. Com este exórdio, entro no debate propriamente dito.
A América descomunal:
Começarei por um esboço sobre a fisionomia económica da América descomunal, para poder mostrar a sua imensa federação nortenha enleada aos ritmos de vida do velho continente.
Dela se pode dizer que não consegue apartar-se de uma larga apreensão, que se deixou surpreender nas suas mais caras previsões e que, ajudando, colaborando, doando mesmo, tais ajudas e dons suscitaram reparos e desaprovações que ninguém esperaria.
A apreensão chama-se greve de serviços públicos em meios descomunais.
A surpresa está nos ponteiros loucos e sem fim da sua principal bolsa.
O desacordo com as suas benemerências está no carácter e alcance das suas ajudas e dons, particularmente do investimento no estrangeiro e da alta dos juros, que causa pasmo aos de dentro e aos de fora.
Vejamos ponto por ponto:
A greve americana!
Não é o que ela foi.
É o que representa de ameaçador, o que ela mostra de frágil e terrível, a um tempo, na ossatura e marcha da sua gigantesca economia.
Intermezzo sombria, mais, drama colossal, condenação sem apelo a uma cidade que se intitula capital do Mundo e a um país que tomou a dianteira na balança de poder contemporânea e que as elites directivas e as autoridades não suspeitaram, não previram, não souberam segurar e nem sequer remediaram.
Perante o colapso da alta civilização, cosmópolis e grande potência quedaram-se desiludidas e perplexas - obscuras, enfraquecidas, tolhidas d.e movimentos, inermes, sem saber tomar nas mãos as rédeas de comando, sem transportes, as habitações mergulhadas em frio e obscuridade, as longas e insuportáveis marchas a pé, os negócios parados, a economia caída de joelhos; e, espreitando sempre, o retrocesso a outras idades bárbaras e à anarquia.
Um mencur operário, colérico e jactancioso, mostrou ser o grande ditador que a literatura e o filme americano quiseram carregar, com todos os tons, na história da Europa.
A ameaça de barbárie, u suspensão trágica da civilização, ao colapso fatal da vida colectiva, os Americanos, impreparados e cândidos, não responderam nem sabiam responder.
A surpresa gerou-se em Wall Street, na mais poderosa e célebre bolsa do Mundo.
Uma bolsa que desce, uma bolsa que recua - quando se esperava que subisse sempre - representa dinheiro mais caro com reflexo directo em títulos e valores.
Hipotecas, acções, bilhetes, obrigações, títulos viram-se rápida e inesperadamente afectados.
Alguns esfregando os olhos pensavam estar diante do regresso não do bom, mas da catástrofe de 1929. Por sua vez, a bolsa de Nova Iorque pesou e esmagou as suas pequenas irmãs de Londres, Paris, Milão e Bruxelas, subindo os juros de forma espantosa, estrangulando os negócios e cerceando o empreendimento.
Era de tal ordem que até se esperava que deitasse o Governo a terra.
E o pensamento era geral, por todos afirmarem pela mesma cartilha.
E a cartilha chama-se o indico Dow-Jones
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Desde 1882 que dois velhotes provincianos, zaguchas e penetrantes - aliás sem grandes luzes de economia política -, elaboraram um índice popularmente aceite, o índice Dow-Jones, o qual, entre alguns valores seleccionados, fora construído para fornecer uma imagem segura cio estado de negócios e da vida económica norte-americana.
Um povo inteiro acreditava que o Dow-Jones cristalizaria em volta dos 1000 como símbolo de uma prosperidade ilimitada. Em Agosto ele caía para 763.
Wall Street pesou como uma nuvem opaca sobre as bolsas europeias, Londres, Paris, Milão, Bruxelas, subindo os juros, estrangulando os negócios, escurecendo o empreendimento.
Desenrolaram-se perspectivas sombrias, multa gente se enovelou em dificuldades, caíram os lucros, venderam-se menos barcos, menos automóveis, menos filmes, menos aparelhos; os stocks acumularam-se; a circulação monetária atrasou e o Governo foi acusado. E disto tudo resultou uma política melancólica de resignação de dinheiro caro, de fiscalidade, de bloqueio de salários e preços, coisas que os Americanos desamoram, se não odeiam.
Para os empresários menos crédito, também novas disciplinas e reclamações de produtividade extra.
Ora o mercado financeiro não é o passado, nem o presente, mas o futuro que descobre o véu que mostra as suas tintas e perfila ulteriores realidades.
E o passado rosado foi substituído por horizontes carregados de sombras.
Grandes empresas, colossais empresas, anunciam reduzir o ritmo das suas produções, mas a vaga de apreensão continuou mesmo assim.
Diga-se o que se disser, a economia da grande América é bem dirigida e a recessão vai sendo fiscalizada com acerto, marchando sob orientações e cuidados e travando com suavidade sem- se ficar para trás no entanto.
A Europa resistiu e pode continuar a sua marcha no meio de contramedidas, de inflações, de atrasos e sobretudo debatendo-se com quedas do investimento.
E, se a crise da bolsa nova-iorquina não foi -Deus nos livre - o regresso .a 1929 e às suas catástrofes, foi, entretanto, um choque, uma queda vertical, uma desilusão e a afirmativa de que ninguém dorme sobre certezas.
Os reparos em terceiro lugar dizem respeito aos investimentos americanos na Europa, na África e na Ásia.
Vários organismos europeus, vários políticos em evidência, vários parlamentares, sem negarem a generosidade e a bizarria do povo americano e dos seus dirigentes, discutiram os critérios de distribuição e analisaram as consequências, sobretudo no aspecto de viabilizar as infantilidades e desvarios de alguns Estados sem consistência.
Como os dons, auxílios e investimentos estavam à mercê de critérios flutuantes e unilaterais viu-se neles uma fonte nova de riscos, de desequilíbrios e de perplexidades e até de injustiça e de política esterilizante e infantil.
Que os dons, auxílios, fornecimentos, ajudem a consolidar o trabalho digno e a seriedade das vidas colectivas, está bem, mas que pareçam, em vários casos, ajudas versáteis e que possam ser aproveitados para alargar o caos social, a falta de juridicidade e a desordem primitiva, isso é o que lá fora, pela Europa, se discute e que devemos registar.
A estes investimentos desconexos e a tudo sujeitando acorreu a alta clamorosa das taxas de juro.
Ela acentuava retraimento, receios, perplexidades, pessimismo nos negócios, um ciclo que fecha.
A guerra no Vietname, que foi o ano passado um factor de alta de cotações, o que implicava encomendas e fornecimentos, tornou-se este ano um factor de baixa, um escuro despertar para os negócios.
E ao despertar as taxas de juro subiam onde não se julgava possível e até os custos de produção cresciam.
Na América, além dos seus bancos que são centrais de compensação e pagamentos da sua grande indústria, existe uma rede de pequenos bancos que rodam e exploram com dinheiro caro e prometem dar aos depositantes o que ninguém quer dar.
Por outro lado, exportadores de capitais que, como se viu, já interferem nos negócios mundiais, desde o equador aos pólos, pretendem suplantar e exceder os Ingleses e, como contraem riscos enormes e se lançam assim ao mundo ignoto dos afro-asiáticos, estão cada vez reclamando mais juro.
Este capítulo é rico de ensinamentos para nós.
Ele mostra a humildade e desligação da nossa bolsa, a qual não se mostrou sensível à crise americana.
Mostra que deve ser estudado o seu regime e devem ser propostas medidas, não de pura burocracia, mas de comissões trabalhando para se alargar o seu mercado, concentrar as transacções e dar preço a propriedades e valores que só o têm de comprador para vendedor.
O que se fizer terá publicidade bastante para não criar humidade no recesso dos departamentos.
A Inglaterra:
A Inglaterra, muito dada a estatísticas simples, mas significativas, debate-se no temor de duas curvas que não se mostram paralelas e que não caminham à mesma velocidade-- a da sua capacidade de produção e a da capacidade de compra -, sem conseguir fazer delas as lâminas proporcionadas de uma tesoura que se abre.
Eu admirei excedentemente, durante anos e anos, esse país que considerávamos um amigo velho, convertido em pessoa de família, mas que mostra, nos novos tempos, não saber conservar as amizades mais sólidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A Inglaterra debate-se com três crises de elevado calibre - a condução pertinaz dos negócios internos, sob modelo alterado das técnicas do direito público; a sua vacilação dispersiva na sustentação e coordenação de uma comunidade cujo princípio unitário baqueia; e a inconsideração com que pretende amparar-se, apadrinhar e recorrer a um órgão rixoso, versátil, extravagante, como é a O. N. U., onde os nascituros e emancipados têm voz predominante sobre a velhice, a experiência, o conhecimento secular e sólido e o direito público, comece ele em Serafim de Freitas, em Suarez ou em Grotius.
Por muito talentosos que sejam os descendentes de Pitt e de Gladstone, por muito sólido e fundamentado que seja o seu código político, por muito afinada que se mostre a sua teoria político-económica, de Adão Smith a Marshall e a Keynes, a marcha inglesa sofre pelas caminhadas e deslocações, pelos atrasos e retrocessos, pelas vacilações e apressados em três sentidos tão concorrentes como dispersivos. O déficit da sua balança de pagamentos ameaça a solidez do esterlino e a segurança das transacções externas, depois de vários anos.
O déficit tem sido mais que considerável e não se verá extinto senão depois de anos.
A Inglaterra produz em esforço sério, portentoso, para domar este dragão agarrado aos seus flancos. Aumentou marginalmente a exportação.
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Travou com mão forte a saída de capitais.
Constrangeu as importações.
Reduziu as despesas no estrangeiro e reduziu até os investimentos.
O Banco de Inglaterra promoveu a redução da liquidez.
Até agora estes e outros meios utilizados não recompuseram satisfatoriamente a (situação, apesar de em seu socorro terem voado alguns grandes bancos estrangeiros, mostrando-se aos gentlemen, generosos, cavalheirescos e capazes de jogo mais do que asseado.
Medidas mais expeditivas foram tomadas nos preços e rendimentos.
Mais expeditivas, mas não sei se verdadeiramente socialistas.
Comprimiu-se o poder de procura.
Despediu-se o pessoal sobrante dos limites fornecidos pela colocação.
Bloquearam-se os salários.
Congelaram-se os preços.
Atacaram se as compras e os créditos.
Surgiu uma fiscalidade selectiva que não ignora os trabalhadores.
E os Ingleses puderam estancar a alta e pôr certa ordem em sua casa.
Mas na terra de Beveridge surdiu de novo o desemprego, com os seus clamores, tristezas e com as suas vítimas, numa comunidade que esperava o full employment e uma política plenamente racional.
A Inglaterra dá-nos, assim, uma lição corajosa, mas lógica, um exemplo perturbador e pessimista, embora não lhe faltem se condições de regresso saudável e as vozes de prudência, e equidade.
Ela leva mais de que nos traz, em valores do comércio.
Assim, em 1964 exportou para Portugal 102,8 milhões de dólares e recebeu 81,1. É isto que nos diz a E. F. T. A:
A França:
A ilustre França do general De Gaulle apresenta um potencial político-económico formidável e procura desembaraçar-se da compromissos militares para, no traçado de uma nossa independência, regressar à sua antiga e poderosa posição na balança de forças.
Apesar de algumas dificuldades e tendências acentuadas inflacionistas, ela mantém o domínio monetário e do crédito e insere-se numa alta mais que apreciável, nas paridades de poder de comprador.
Fruto dos seus campos sem rivais, dá sua técnica industrial cuidadosa e diversificada, explorando sabiamente as lindezas dos departamentos e das suas grandes cidades, enleando pelo requinte das produções e prendendo pelo luxo ostensivo, construindo em larga escala, economizando franco a franco, revendo cautelosamente as «adições» dos estabelecimentos, as contas, e a Conta Geral do Estado, poupando e investindo, a França dispõe de meios e condições ;em rival.
Não falando em que atrai e absorve por um turismo concertado que agora a recobre de hotéis, de pensões, de restaurantes e de salas de espectáculo, na qual se empenham os artífices e operários que desertaram das nossas terras.
Isto lhe assegura créditos que bastem para cobrir os déficit s da si a balança de pagamentos.
E assim pôde a França converter dólares bastos em ouro maciço e tornar-se campeã recente do já arcaico sistema do gold standard, ela que foi pátria do bimetalismo.
Não há que sublinhar que se entregue à travagem dos bens de equipamento e ao combate da alta, pelos cerceamentos orçamentais.
Estes fenómenos carecem ser vistos de mais longe e sem esquecer que, depois de anos e anos, a França apresenta orçamentos equilibrados, recorre aos velhos princípios da universalidade e tem na sua Cour napoleónica um instituto meticuloso que fiscaliza, além das contas públicas, a correcção administrativa e económica e a eficiência de serviços públicos de qualquer índole.
Claro que as decepções também não a excepcionam; foi assim que o avanço ultra-rápido dos Chineses permitiu bruler l'étape e deixar para trás os esforços descompassados e discutíveis do seu governo atómico.
A França é a nossa compradora primeira de vinho do Porto e a sua preferência tem o sabor e consagração de uma realeza.
Alemanha de Oeste:
Poucas palavras direi deste grande país, enriquecido pela invenção, pela técnica e pelo trabalho, que funciona em pleno. Não existe desemprego. A Alemanha precisa ainda de 1 800 000 trabalhadores mais na indústria e 600 000 nas suas granjas, as quais são, em grande parte, do Estado e ostentam dimensão média.
Apesar disso, ela dá a impressão de superlotada e as grandes cosmópolis vizinham com outras grandes e as unidades fabris de dimensão descomunal acumulam-se em Dusseldórfia e outros pontos, que parecem transportar-nos à América do Norte, sua rival.
Aumentando o redesconto, os juros, limitando os levantamentos, condensando os lucros, provocando a morosidade e a revisão das aberturas de crédito, utilizando menos o open market ..., pretendeu-se conservar a solidez do mercado de capitais e domar os preços, tudo isto sem, todavia, recompor, por inteiro, a balança de pagamentos.
Mas o coração da Alemanha pulsa agitadamente no Reno, com as suas drenagens infinitas, nas multidões disciplinadas, num trabalho organizado, que não pára, nem esmorece, e na certeza de suplantação pelo trabalho e pela técnica, que são o seu maior segredo.
A questão do ouro:
Deve o ouro ser reposto no seu antigo pedestal?
Ou deve apenas ser coadjuvado, completado e suprido na sua raridade?
Será a altura de se pensar numa nova moeda?
A estas e outras questões correlacionadas devia dar-se resposta na 22.a Assembleia do Fundo (Monetário Internacional, realizada em Setembro deste ano.
Cem ministros das Finanças, sob a presidência do Irão, várias autoridades monetárias de polpa, técnicos que julgam não haver outra linguagem senão as séries registadoras e as curvas varadas para os modelos futuros, práticos da banca, procuraram responder por diversas formas a estas e outras complicadas questões.
Os Estados Unidos da América e a Inglaterra apresentaram projectos e propostas. Mas a França, a Bélgica, a Alemanha Federal, negaram-lhes o seu acordo.
No fundo, atrás das intervenções e ocultados pelos argumentos, estavam em debate outros problemas - a ascendência do dólar e da libra, uma reforma monetária de maior escala, as taxas de juro que agora sobem sem licença e a ajuda ao Terceiro Mundo para o amortecer ou, pior ainda, para o despertar e erguer sem se saber como e contra quem.
Portanto, acentue-se, a reforma monetária que deveria gizar-se a favor de todos, de amigos, compartes, vizinhos e aliados, e sobretudo para ajudar o Terceiro Mundo.
Woods, presidente do Banco Mundial, quer um sistema que alargue os créditos de desenvolvimento para o quá-
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druplo, a fim de acudir aos países em evolução, que são a maioria.
Mas terá de se subir o juro para 6 por cento. O seu Banco vai ser constrangido a isso (sic).
Schweitzer, director-geral do Fundo Internacional, estudou a diminuição das exportações dos países em via de desenvolvimento, a necessidade de finanças compensatórias, o mecanismo da criação de reservas adicionais em curto prazo para obter maior liquidez internacional, facilidade nos negócios e segurança no comércio mundial.
Vários oradores acentuaram a necessidade de reservas suplementares.
Mas foi dito que os países com situação firme deviam abrigar-se, controlando a inflação.
A França propôs uma solução neutral, chamada de branco e preto.
No fundo reclamava-se estabilidade geral, negócios mais avultados e fáceis, pontos de apoio sólidos e em número maior que o actual.
Foi preciso que a crise tocasse pela porta dos grandes países para se promover a formação de uma opinião qualificada, genérica, mas salvadora.
As propostas de solução pareceram anais que modestas.
Tempos estes -que não os da minha mocidade estudiosa-, tempos de Irving Fisher, de Gustavo Cassei e de Keynes, homens inteligentíssimos e (resolutos.
A ciência e a arte entorpecem na aluvião dos elementos medidos e a imaginação dos teóricos também não desperta num mundo prolixo e conjecturai.
Somos um pouco injustos, porque, apesar dos novos factores, o elemento fundamental da reserva e o denominador comum das paridades continua a ser o ouro,- o qual tem um pool e uma convenção, tem os seus apóstolos e liga às moedas de projecção mundial as produções de maravilha da Califórnia e do Rand.
O relatório do nosso banco emissor regista a complexidade do problema e das negociações e prevê lentidões de processamento, mas parece aguardar para voltar ao fundo da quês cão.
O Plano Rueff:
A França pretende que se estude o preço do ouro e que se proceda à sua revalorização.
Em Fevereiro do ano passado, o general De Gaulle fez-se apóstolo do estalão ouro, mas sem se esquecer de o acompanhar, cautelosamente, da reivindicação de créditos suplementares.
Não seria este, na realidade, o espírito de Bretton Woods?
O ilustre professor francês Jacques Rueff, na altura em que se discutiam em Washington - e pode perguntar-se porque não estava lá - as propostas de reforma monetária internacional, apresentou em Inglaterra - creio que no Times - um plano de revigoração do preço do ouro para o dobro, o que implicava uma desvalorização geral de todas as moedas.
A tese querida de Rueff era a de que em 1934 os Americanos, tendo procedido ao congelamento do preço do ouro, consolidando uma certa política, introduziram, todavia, na vida internacional um factor constante de distorção e de justiça.
Como se está a ver, esta tese ajustava-se à atitude francesa e aos interesses dos que, como nós, basilarmente, dispõem de ouro.
Para que nem tudo fosse exíguo e condicionado, para remover a catástrofe segundo as suas previsões, o mestre francês apresentava um plano de reforço do preço do ouro e pretendia aproveitar-se das vantagens de uma inflação geral em larguíssima escala.
Seria justo - perguntava ele - que a tonelada de carvão e a tonelada de aço recebessem o dobro em ouro do que mereciam, antes de 1934?
Não se trataria de receio próprio de um feticlaísmo ultrapassado, que apenas é ditado pelos mercados?
Rueff planeava uma série de medidas que começariam na restrição das reservas em dólares e em esterlino e que implicavam também a subida simultânea do ouro nas diferentes bolsas e mercados.
A mais-valia assim obtida haveria de ficar afecta ao desenvolvimento dós países menos evoluídos. E os governos obteriam, desta sorte, novas e grandes margens nas suas operações criadoras.
E certo que isto implicava a liquidação das dívidas exteriores em ouro, ou a sua consolidação em vinte anos o que, de qualquer modo, produziria um surto de dificuldades e desembolsos.
Porém, esta larga e deliberada operação desencadearia nova maré de negócios e revestia-se de um aumento geral de prosperidade.
Não se sabia, em todo o caso, se os preços ficariam contidos e, menos ainda, se findaria a guerra das divisas qualificadas, nas praças mundiais.
Seja como for, os Estados Unidos opõem-se, com todas as veras de uma convicção inabalável, à revalorização do ouro.
Não sei bem, pois, qual é a nossa posição perante o esquema do professor. Mas já disse, minutos atrás, o que predomina nos nossos interesses.
Terei de acrescentar, apenas, dois reparos:
Primeiro, as nossas finanças têm sido sempre avessas a reajustamentos maciços, porque comportam grande dose de ilusão e de inutilidade.
Em segundo lugar, a nossa política monetária e de preços lutou bastas vezes, na medida possível, pela estabilidade do poder comprador e de valores para o largo prazo.
Assim, a sugestão ousada de dirigismo monetário, a despeito das suas óbvias vantagens, encontra razões tradicionais que não permitem nela embarcar sem tormenta.
A liquidez internacional:
Isto nos conduz para a larga questão da liquidez internacional.
O sistema monetário internacional deveria ser tal que ajudasse a produção e melhorasse rapidamente o comércio mundial.
Em grandes países, as reservas ouro e as reservas em divisas estão-se a esgotar dia a dia e ameaçam de eclipse os países de posição comercial, industrial e financeira predominante.
Por outro lado, as necessidades mundiais de novos mercados, de acréscimos de vendas e de novos fabricos, também cada vez mais, impõem recursos suplementares transferíveis, financiamentos e poderes de compra internacional para acudir à expansão, ou melhor, no progresso geral do Mundo.
O grande problema da hora presente é o da liquidez mundial, ou seja o funcionamento de um sistema monetário internacional sem choques, sem paragens, sem desvios.
Se há liquidez a mais, aqui e além, alguns países tornam-se donos e senhores, adquirem posições de supremacia nas bolsas e nos mercados e podem rir-se ou explorar a debilidade alheia.
Se há liquidez a menos, tem de se vender e não se pode comprar, estuo fechadas as cancelas do desenvolvimento, consagra-se uma inferioridade e cai-se em estagnação, se não se caminha em retrocesso.
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O sistema actual funciona deficientemente, e sobretudo não pode funcionar suficientemente perante as formações da economia mundial, o desejo de intensificação de relações e de melhoria, de vida, na maioria dos povos que nos avassalam na O. N. U.
No meio de mudanças de toda a ordem, o ouro permanece ã pedra fundamental deste xadrez, mas não trabalha sozinho. Hoje é acompanhado por grandes stockagens de dólares, em regra, às vezes de libras, que ouro são apenas porque ouro valem.
Mas políticos, banqueiros e negociantes servem-se ainda de títulos de primeira ordem, de fácil venda, estavelmente cotados, para reforçar as suas reservas e coberturas e até de existências rapidamente negociáveis.
Muitos bancos, muitas tesourarias, têm procurado reforçar a sua posição e aumentar as suas coberturas, como acontece com o nosso banco emissor.
Procura-se por virtude de tudo isto - colaboração internacional, tecnicidade, câmbios estabilizados e um crédito mais folgado.
Procura-se reforçar a liquidez oficial e a liquidez particular.
E mais difícil será passar além, ainda, assentando ou permitindo novos créditos, e obtendo superior liquidez e cobertura das novas necessidades.
Primeiro, hão-de vencer-se os desequilíbrios das balanças americanas e inglesas.
Depois, ter-se-á de montar uma coordenação estreita e urna fiscalização geral ad hoc, o que «parece trabalho de navegação quando os mares estavam por descobrir. Mas, enfim, esforço e mais esforço orientados teoricamente hão-de ser feitos.
Além disso, todos querem mais e. porque todos querem mais, também reclamam melhor.
Os dez ministros, o Clube dos 10, para eliminarem os desequilíbrios das balanças e melhorarem o sistema, querem, em vez de rarefacção de divisas, abundância, melhor funcionamento das liquidações, a organização de um plano de vida internacional para conservar as reservas, um sistema capaz de criar reservas adicionais e responsabilidades particulares. Tudo isto, porém, teria de funcionar sem inflação.
Assim, há problemas técnicos, problemas políticos, as discussões continuam, as reuniões sucedem-se, o problema vai avançando e parece já ninguém desejar ulterior liquidez para acelerar o desenvolvimento., pensando-se, assim, diferentemente do que se entendia de princípio.
Abrindo, em todo o caso, horizontes aos poderes de compra recíprocos, alargando o domínio do crédito e assegurando aos negócios facilidade e prontidão, vários organismos trabalham e gizam, à procura de um regime isento de defeitos e correcto - o Fundo Monetário Internacional, a O. C. D. E., o Banco de Desenvolvimento e grupos de estudo e técnicos, entre eles o Grupo dos 10.
Portanto - repito -, maior liquidez, maior segurança, melhores reservas e sobretudo mais espalhadas, flexibilidade, para superior crédito e disponibilidades.
Já vai ser mais difícil evitar faltas, inferioridades e câmbios tontos que desafiam a acção dos governos e que surpreendem os meios económicos.
Por agora, fica-se na elaboração de um plano internacional de stocks e de reserva de divisas.
Esperando-se muito da cooperação dos Estados para encontrar, sem demora, uma solução para o problema da liquidez internacional.
A reunião da Haia. de Julho deste ano, não vai muito além do que deixo dito:
Progresso possível na adaptação das balanças de pagamento ao princípio da colaboração!
Sistema monetário sem choques, que traga estabilidade e inspire confiança!
Criação de reservas internacionais suplementares, tanto em ouro como em divisas!
Planificação de medidas com base, agora, nas necessidades mundiais.
Em suma - nada de novo na face do planeta!
A Europa Unida:
Nos meios políticos e parlamentares, uma fórmula de reorganização está agora encontrando apoios substanciais, impressionando convicções próximas das representações nacionais e ditando já tentativas e até movimentos francos de entendimento e de cooperação para se chegar a um mercado único europeu de 300 milhões.
Esta fórmula com desmesurada- expressão nos ângulos financeiros e económicos é a de uma Europa Unida.
Desde a Idade Media que esta Europa vive retalhada, convulsa, usufruindo raros momentos de paz, numa história ditada pelo ferro e pelo fogo e pela truculência dos seus dirigentes rivais. As suas tragédias cresceram nos últimos 90 anos de guerras e destruições mais que mortíferas.
Todavia, quando se fala em Europa Unida é sòmente referida a de Oeste, a de valores, cristãos, que espera a reunião das duas fatias dos Seis e dos Sete em que actualmente se divide.
O facto de o comércio internacional ter aumentado enormemente em cada uma das metades, sem progredir no conjunto, tornou-se uma razão mais que forte para ponto de partida.
A Inglaterra, cuja posição não é simples, nem simplista, pelas suas ligações interessadas à Comunidade e, sobretudo, às economias ultramarinas, fornecedoras de produtos primários e de matérias-primas, mostra-se ansiosa por entrar no Mercado Comum, vendo aí solução de dificuldades e manancial exuberante de vantagens, capacitada assim para fazer frente a parte das suas crises.
Chama-se isso explorar uma possibilidade que lhe permitirá participar na vida económica da Europa e adoptar compromissos do Tratado de Roma.
Alguns se opõem à entrada singular desse país isolado insularmente; muitos recomendam que se faça acompanhar de outros parceiros da E. F. T. A., porque sozinho encontrará fechadas as portas:
Os Americanos abençoam :esta união europeia e entendem que, em face de uma federação grandiosa que comportaria pelo menos em aliança íntima a América do Norte e o Canadá, haveria uma Europa dinamizada, poderosa, mais solidária, capaz de falar com eles de igual para igual, e assumir responsabilidades mais corajosas do que as de uma Europa dividida, fragmentada e sem um querer resoluto como os tempos impõem.
A Inglaterra, pelos seus homens públicos e representativos, faz um esforço enorme para entrar no Mercado Comum, vá acompanhada ou siga sozinha. Mas a recepção não tem sido brilhante; porém, é certo que as reacções desafrontadas não desanimam os propugnadores.
A E. F. T. A. foi criada como uma associação de livres trocas, onde a própria liberdade mercantil significava igualdade dos seus parceiros.
Entendo eu, portanto, igualdade do mesmo grau.
Os seus benefícios cresciam rapidamente de 1964 para 1965 e corresponderam a altas apreciáveis de crescimento económico.
Desde a reunião de Viena, onde surdiram vários chefes de governo, que se espera pelo movimento duplo de integração europeia e de intensificação da cooperação.
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Houve em certa altura uma crise e tornou-se necessário reclamar de novo um clima de confiança e de cooperação.
Entretanto, a expansão económica continuava sob o signo de laissez passer, mesmo entre nós, que fomos duramente atingidos pelas más colheitas.
Houve agora uma reunião em Londres, onde foi dado um mandato continental de autoridade e de simpatia do Governo Britânico, reforçando a sua posição para negociar em bloco e poder forçar as portas principais.
Não podemos esquecer que se estavam, nessa emergência, tomando decisões graves e se perfilhavam princípios que representam uma temível ameaça para-a África austral, onde permanecemos de pé, dos dois lados, com os nossos direitos e sem servilismo a inferioridades.
Por outro lado, será difícil para nós subscrevermos tudo quanto se contém no Tratado de Roma.
Era melhor a fórmula de solidariedade em bloco, de entrada em comum na C. E. E., do que este mandato dado aos nossos antigos aliados, fiando tudo de negociações em que costumam ser mestres, ao que sabemos.
Sobretudo, era superior a fórmula da Europa Unida, sem graus, nem sobreposições.
Se as nossas coisas piorarem pela falta de melindre dos Britânicos para connosco, na Beira ou em outros lugares, se houver corrida de vantagens, se a integração se tornar, complexa entre parceiros tão desiguais, haverá que ver de novo o assunto.
Walter Lippman escreveu que seria grande surpresa a da entrada da Grã-Bretanha no Mercado Comum dentro de poucos anos.
Ela terá de modernizar, em consequência, o seu equipamento por forma tão drástica que isso implicará um novo período mais austero do que o actual imposto pelo Sr. Wilson.
Reclamou-se - mas ultimamente - contra a atitude dos grandes companheiros, desdenhando os nossos e outros interesses, absorvendo mão-de-obra e retendo capitais, o que quer dizer pensando somente em si, no clima de liberdade mercantil e de associação. Isto deveria ter sido reclamado há mais tempo e não deverá ser esquecido nas várias reuniões.
As reclamações da alta de juro:
Todos conhecem, para além das afirmações do relatório do ministro, o fenómeno presente da alta das taxas de juro.
O dinheiro está caro nos Estados Unidos e por toda a parte.
As taxas de juro subiram em toda a Europa, começando na vizinha Espanha e acabando ao longo da «cortina de ferro».
Portanto, alta do custo do dinheiro, não só nestes países, mas em todo o mercado mundial, o que quer significar que começa a subir tudo - bilhetes do tesouro, hipotecas, créditos de vária espécie, dívidas de entidades locais, investimentos regionais, nível de preços, previsões erróneas, prejuízos, até à realização de um ciclo de contracção dos negócios.
O Banco Export-Import passou de 5,5 para 6 por cento, e este está no fundo da escala.
Portanto, dinheiro caro e, como consequência, na defensiva, menos compras, menos stocks, deficits e bloqueios de salários e de preços que não alteram o que está, embora remediando a algumas das pressões altistas, menos ou mais difícil empreendimento, banqueiros desconfiados e homens de negócio com dificuldades.
A alta do preço do dinheiro levou a banca oficial a agravar o desconto e a fazer contrair o crédito em todo o sector, procurando aquela trabalhar ainda dentro de
taxas moderadas sem encarecer ou agravar a alta correspondente.
Resulta daqui um certo desequilíbrio com os demais mercados, a expatriação ou a fixação de residência no estrangeiro de alguns capitais ali obtidos ou guardados e um desdém compreensível para os capitalistas estrangeiros, que podiam procurar-nos para aqui trazerem os seus haveres frutíferos.
Numa conferência, muito viva, como sempre, e retumbante, do Prof. Daniel Barbosa, este ilustre economista reclamou uma pronta revisão das taxas praticadas nos depósitos a prazo e na emissão de obrigações.
Estribou-se em três razões:
A primeira, de que a desproporção entre o mercado português e o estrangeiro impedia a mobilização nacional da poupança, tão essencial no momento que passa.
A segunda, de que somente um juro de certa altura será capaz de atrair o aforro que permanece escondido ou desconfiado.
E a terceira, de que estando a emigrar os capitais portugueses, à busca de remunerações elevadas, eles só reentram através de solicitações marginais ou cobrindo operações de crédito externo do Estado e das entidades privadas, fechadas com juro superior, e até bastante superior, ao nosso.
E assim pode fazer-se lá fora o que não se autoriza entre nós.
A isto se deverá acrescentar que, sendo muito espalhado o endividamento, somente por meio desse prémio adicional se poderão obter novos e apreciáveis recursos e que a taxa, sendo uma taxa, proporcionada a uma certa situação de equilíbrio - mais resultante do que mola propulsora -, ela não pode conservar-se artificialmente ajustada, porquanto tende a mover as cotações e a baixar o geral dos valores do lado das transacções. Já o tenho dito: quando os valores descem na bolsa é que, realisticamente, as taxas sobem muitas vezes.
O nosso país, como os países em evolução, carece de trabalhar com taxas baixas, e só se lhe deparam hl fora tentativas de elevação.
Principalmente agora, que as vozes da barbárie enrouquecida, as vozes da inferioridade estulta, clamam sem argumentar, vociferam sem entendimento, navegando na nave dos loucos, não esperemos o quase zero de mestre
O problema deve ser reflectido.
A construção civil, o transporte automóvel e ferroviário, as empresas jornalísticas, as plantações e benfeitorias no campo, a indústria de alimentação, as hipotecas, grande parte do fomento, carecem de juro barato e dificilmente se adaptam à alta global e efectiva das taxas.
Apesar disso, os reparos do Prof. Daniel Barbosa merecem atenção e estudo.
Não estou no segredo dos deuses, nem posso medir com rigor o quadro e tendências do mercado da dívida pública, para dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e apontar à Câmara um trilho seguro.
Além dos que apontei, o Estado é entidade que precisa de dinheiro a rodos e barato.
Na fase activa em que nos encontramos tem que investir sem dificuldade e não acrescentar muito às futuras amortizações.
O Banco de Portugal salienta, primeiro, a expansão havida há largos meses do valor das transacções do capital, tais como vendas de prédios, de títulos, de propriedades, sem mobilização de fundos.
O aforro deve ter crescido mais do que as operações desta ordem.
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Supõe que os títulos dos mercados externos emitidos por portugueses no estrangeiro se encontrem em grande parte na não de portugueses.
É isto, digo eu, um mal, pela clandestinidade dos movimentos contra lei, mas será um bem, pelo que toca às nossas coisas.
No mesmo lugar e mais adiante, o relatório do conselho de a administração do Banco parece -parece- recomendar aperto do controle e critica a propensão já conhecida da procura de fundos no mercado monetário, com abandono do médio prazo e do emprego de capitais, com fraco esclarecimento dos resultados económicos.
Por fim, confessa que a uniformização das taxas de desconto e redesconto determinou um sentido de alta nos juros.
Esta alta de 1964 para 1965 andava de 0,5 a 1 e até 2 por cento, nos vários compartimentos.
Vai longo este parágrafo.
Direi: O Estado, mesmo promovendo uma elevação das taxas, terá de o fazer moderadamente, para conservar as mãos livres, na sua aproximação dos credores e do mercado financeiro, sem perder a direcção do monetário.
Precisa de utilizar taxas normais e taxas baixas para manobrar u poupança, convencê-la, canalizá-la.
E, sobretudo, embora tendo políticas específicas para os juros, deverá evitar que um andar ou um compartimento a levantar obriguem o arquitecto a subir todo o edifício!
Um ciclo que não acabou: expansão-contracção:
Tendo era Abril de 1965 feito larga exposição sobre o funcionamento do sistema bancário, pouco acrescentarei hoje ao que então concluí e, nessa ordem de ideias, começarei sor me referir a dois pequenos capítulos de efeitos paralelos ou coincidentes.
O primeiro é o da publicidade.
O segundo é o da concorrência.
A entrada da banca nos anúncios, reclamos, propaganda gráfica e televisão estava naturalmente prevista desde que a finança francesa, pela sua difusão publicitária, capte rã, todas as contas feitas, um acréscimo de clientela da ordem de 35 por cento.
Mas a França ficava ainda longe dos exageros propagandísticos dos bancos alemães e americanos, que por meio de prospectos, estudos, agentes especiais e variada morfologia lê reclamo procuram, numa sociedade mais vasta, captar os restos de poupança para os pôr ao duplo serviço do público e das instituições da especialidade.
Esta lição prática e singela, dada pelos expositores a um público para quem o comércio de fundos e de juros traz eviderte confusão, despertou naturais curiosidades, acompanhou em perplexidades e logrou esclarecer pessoas pouco exercitadas, que não sabiam como manejar os seus meios.
O segundo aspecto carece de atenção mais delicada.
Abandonando o mercado financeiro nunca muito vigiado e canalizando para o depósito a prazo grandes e poderosos meios que permaneciam em liquidez ou à ordem, a concorrência pareceu a muitas autoridades da especialidade onerosa, exagerada e criadora de certos embaraços para o investimento.
Principalmente o «a prazo» começou a caçar no terreno dos valores mobiliários e títulos de dívida pública.
A intervenção do legislador recompôs uma certa ordem de hábitos monetários.
Mas deve reconhecer-se que o depósito a prazo, de insignificante, se volveu em factor positivo e melhoria de um capítulo que permite novos desenvolvimentos, adquirindo a importância que lhe faltava como tal.
Pela sua rede de agências, filiais e correspondentes, por essa atracção que suplanta toda a propaganda, contingentes enormes de meios e haveres líquidos puderam ser postos ao serviço da banca e do público.
Não atingiu esta mobilização fulgurante os compartimentos próprios do desenvolvimento?
Não se conseguiu que a utilização do depósito a prazo permitisse uma organização defensável do crédito a largo e a médio prazo, proporcionando apenas descontos sobre descontos e inflação mercantil?
Não se pode subscrever um veredicto de total condenação por serem tirados do seu torpor inglório milhões e milhões.
Caçou-se em profundidade, encontraram-se novas fontes, até nas terras pequenas e obscuras; incumbia a seguir com tais disponibilidades promover a formação de empresas viáveis e reequipar as velhas empresas sólidas.
Depois de uma elevação da taxa de redesconto e certamente de normas de aperto no sentido de uma revisão, o crédito sobre uma expansão desmesurada começou a contrair-se.
Creio que não se fez bem apertando as margens pela totalidade e dificultando, por igual, no acesso ao mercado.
A expansão tinha sido determinada por um optimismo nem sempre sadio e pela ideia de que o desconto tem primazias e a banca comercial deve confinar-se nas letras, livranças e cheques e nos contactos habituais com as praças.
Cresceu descomunalmente o desconto e crescia na medida em que subiam os depósitos e se caminhava para os mínimos legais.
Mas, na medida em que a Caixa Nacional de Crédito e o Banco de Fomento Nacional não acudiam também, a banca comercial se embrenhou nos financiamentos do médio e até do largo prazo.
Tomada, pois, a deliberação sobre juros no banco emissor,, em virtude de recomendações do Conselho Nacional de Crédito e da lei executiva, a contracção, como já se disse, substituiu a expansão.
Um novo ciclo começou, e começou generalizando, em vez de especificar, tomando todas as direcções, em vez de visar algumas.
Ora, cometeram-se assim alguns erros.
Julga-se despropositado, porque, na altura em que prosperava a exportação de têxteis de algodão e de lanifícios, de concentrados de tomate e dos vinhos e cortiças para o mercado exterior, um cerceamento de crédito ou uma revisão de posições, o próprio encurtamento dos vencimentos, agravaram dificuldades dos devedores e trouxeram indirectamente prejuízo à economia nacional.
O Banco de Portugal reconhece, em formulação delicada, que a expansão do crédito até aos extremos limites só em parte serviu os objectivos do desenvolvimento.
Força a reconhecer que uma contracção que atinge os sectores confiantes e em ascensão, diminuindo-os na sua conquista de mercados, se fez ao invés do preciso.
Há muito atraso a vencer.
Em França 2 por cento compram o ouro; 2 por cento compram obrigações emitidas por companhias e sociedades; 2,5 por cento compram acções; 4 por cento adquirem obrigações garantidas pelo Tesouro; e 5 por cento vão buscar bilhetes da tesouraria.
Grande parte da poupança portuguesa conserva-se em liquidez.
Está agora dirigindo-se para as construções urbanas e, mesmo fazendo algumas hipotecas, abandona o campo.
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Os títulos da dívida pública continuam, a ser tomados pelas instituições de previdência, companhias de seguros e bancos.
Destes últimos a banca comercial compra promissórias em pequena escala.
E são a Caixa Geral de Depósitos e as caixas económicas que as tomam nas suas carteiras em alta percentagem.
Foi-se exageradamente para as obrigações e daí institutos quase públicos recorrerem a elas, mas praticando taxas assaz elevadas.
É força parar e concluir.
Conclusão:
O Mundo vai cheio de clamores, de manobras insidiosas, de ideias e princípios, destrutivos, ditados pela inferioridade, pela violência inculta e pelas improvisações e arremedos de Estado que fazem do direito a mola torta.
Neste geral desconcerto que obriga a pegar em armas, não só para salvaguarda do território, mas para que as nossas terras continuem terras de homens livres, a saúde financeira e a capacidade exterior do escudo continuam a ser duas fortes colunas do templo, as quais, como as históricas, alinhavam ao lado do pórtico.
O debate público anual possui grande alcance político, deve levantar o véu dos tempos futuros e inspirará a confiança merecida no ingrato mister de governar.
São graves as responsabilidades de quem dirige, mas também são as desta tribuna, que, sem ela, a tanta coisa parecerá faltar aceitabilidade e até sanção.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967 enviada à Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças sugere-me algumas considerações que não quero deixar de fazer nesta apreciação na generalidade a que ela está sendo sujeita.
Nela transparece uma admirável preocupação de estabilidade financeira e de equilíbrio de contas, dentro de um programa de aceleração de desenvolvimento e de progresso do País, e apresentam-se com admirável clareza objectivos que visam a criação de rápidas e muito melhores condições de vida para o povo português, tudo isto, aliás, dentro da orientação geral das propostas da Lei de Meios que todos os anos o Governo envia a esta Assembleia.
Isso leva-me a dirigir ao ilustre Ministro das Finanças as minhas felicitações e os meus agradecimentos.
Peço, no entanto, licença para destacar alguns pontos que estão mais ligados à minha actividade profissional e que tanta importância têm na vida da Nação - os que dizem respeito à saúde pública, isto é, à saúde e à vida dos Portugueses. Aliás, é já hábito velho aproveitar a Lei de Meios, como também as contas públicas, para destacar, perante esta Câmara, deficiências ou anomalias de certos sectores do Ministério da Saúde e Assistência, na esperança de que isso possa merecer a atenção do Governo, e na de que os assuntos sejam devidamente considerados e que assim se possa prestar colaboração útil aos problemas de saúde pública, que tão profundamente afectam a economia nacional.
Afirma o Governo a sua intenção de continuar a intensificar os investimentos culturais e sociais, especialmente nos sectores da saúde, da investigação, do ensino e da formação profissional, e acentua a necessidade de uma programação referente ao desenvolvimento regional e do prosseguimento da acção para o fomento do bem estar rural, problemas da mais alta importância e que não têm tido a protecção que, na verdade, merecem.
Ali se promete a inscrição ou o reforço, no orçamento para 1967, das dotações ordinárias ou extraordinárias correspondentes a investimentos previstos na parte não prioritária do Plano Intercalar e destinados, entre outros, ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil, ao reequipamento dos hospitais, ao reapetrechamento das Universidades e escolas e à construção dos estabelecimentos de ensino ou de outras instituições de carácter cultural, à construção de lares e residências para estudantes e à assistência social às populações escolares e ao acesso à cultura das classes menos favorecidas.
Como médico que se tem debruçado sobre alguns destes problemas e que tem sentido a amargura do nosso atraso em relação a todos ou quase todos os países da Europa, no que toca a quase todos estes aspectos, eu não posso deixar de enviar daqui as minhas felicitações ao ilustre Ministro das Finanças, ao mesmo tempo que faço os melhores votos para que esses investimentos sejam de molde a determinar uma notável melhoria dos diversos serviços e a permitir aos ilustres Ministros da Educação Nacional e da Saúde e Assistência a que eles dizem respeito as reformas necessárias para que rapidamente se modifique o estado em que se encontram. Os problemas da educação, do ensino e d[a investigação, bem como os da saúde e do bem-estar do povo, estão na base de todos os outros problemas de que depende o progresso e a vida da Nação.
Em todos os países civilizados se nota um cuidado particular na elaboração dos seus orçamentos, consagrando ao ensino e à saúde verbas avultadas.
Foi por via desses investimentos e da aplicação de sábias regras à vida destes sectores que os países que hoje estão na vanguarda da investigação e dispõem de melhores condições sanitárias conseguiram a invejável posição que ocupam. «Temos de acelerar o passo se quisermos recuperar o atraso em que vivemos» (ob. Santos Reis).
Entre nós, pelo menos no que toca à saúde pública, o acréscimo da percentagem dos seus gastos em relação ao acréscimo dos gastos públicos tem sido nulo e até sofreu redução em 1965.
Nilo me deterei a analisar os assuntos da educação e do ensino; mas não deixarei de fazer algumas considerações sobre o da tuberculose, o da assistência materno-
infantil, o da medicina preventiva e o da situação criada ao Ministério da Saúde pelo Decreto-Lei n.º 47 137, de 5 de Agosto do corrente ano, que instituiu o subsídio eventual do custo de vida ao funcionalismo público.
No que toca à tuberculose, entendo de meu dever, como responsável pelas actividades da luta na zona centro, trazer à Câmara, também este ano, algumas informações resumidas sobre a forma como recentemente tem decorrido a campanha a esta nossa terrível endemia, quais os resultados obtidos e quais as necessidades presentes para a sua prossecução.
Como todos sabem, a luta começou quando era muito forte a endemia tuberculosa, quando as taxas de alergia de infecção das crianças eram extraordinariamente elevadas; quando os dispensários eram em número reduzido e mal apetrechados; quando o número de camas nos sanatórios estava muito aquém das nossas necessidades; quando a «bicha» dos que aguardavam internamento era constituída por muitas centenas de doentes, muitos dos
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quais tinham de aguardar muitos meses até que chegasse o momento Ia sua sanatorização; quando as taxas de mortalidade pela tuberculose eram extraordinariamente elevadas; enfim, quando o quadro era tal que o nosso grande Ricardo Jorge pôde dizer, com toda a justiça, que a tuberculose eram o nosso problema sanitário número um e que a tuberculose era o nosso mais jurado inimigo.
Em informações constantes de alguns projectos de lei de meios apresentados pelos ilustres Ministros das Finanças nos últimos anos e em exposição que eu e outros Deputados fizemos à Câmara, forneceram-se elementos acercai do modo como tinha sido montada a luta, quais os investimentos vultosos que o Governo, com notável e louvável regularidade, lhe tinha atribuído e os resultados que iam registando.
Julgo oportuno fornecer hoje algumas informações complementares como que a «fazer o ponto» sobre a nossa rota, neste sector da nossa actividade sanitária.
O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos tem lutado tenazmente contra dois problemas fundamentais - por um lado, o envelhecimento dos carros das brigadas de radiorrastreio e das de vacinações e provas e o desgaste acentuado dos próprios aparelhos de radiofoto; por outro, a falta de médicos para constituírem as brigadas de provas e vacinações.
Estes dois problemas nem sempre puderam ser resolvidos como convinha e, por isso mesmo, se afectaram os números que representam a actividade global do Instituto. O primeiro poderá resolver-se facilmente com o reforço das verbas a dispensáveis à renovação de todo aquele material; mas o segundo é proveniente do nosso mal crónico, da nossa escassez numérica de médicos, agora ainda mais agravada pela necessidade que temos de concentrar os mais jovens médicos nas nossas províncias da Guiné, de Angola e de Moçambique.
No entanto, apesar de tudo, anda por mais de meio milhão em cada um dos três anos de 1962, 1963 e 1964 o número de portugueses sujeitos a exame dos nossos elementos de Juta. Pelo que toca às provas tuberculínicas nos de meros de 20 anos, os números totais sobem a mais de 300 000 em cada um dos dois primeiros anos, mas desceram levemente no ano de 1964 pelas razões que acima apontei.
Em 1965, porém, essas provas já subiram para cerca de 500 000, num notável esforço de adaptação para vencermos as dificuldades que há pouco citei.
As vacinações pelo B. C. G. dos anérgicos têm sido preocupação constante do Instituto. Tem sido realizada essencialmente pelo seu pessoal; mas, desde há anos a esta partes, tem-se procurado interessar grande parte da população médica estranha ao Instituto na prática da vacinação antituberculosa, quer orgarizando cursos práticos semanais para médicos, quer remunerando-os pelas vacinações praticadas.
Esses cursos têm sido organizados regularmente pelos três centros de profilaxia. Pelo que toca ao que se passou no da zona centro, devo dizer que sobe a mais de 500 o número de médicos que os frequentaram, principalmente jovens médicos.
A vacinação dos recém-nascidos e dos lactentes tem merecido um particular carinho, quer pelo que respeita a intensificação das vacinações nas próprias maternidades, quer pelo que toca às que se praticam nos dispensários materno-infantis e nos próprios consultórios médicos.
Foi assim que, nestes quinze anos, passámos as médias anuais lê vacinação de 8000 a 10000 dos primeiros aros para os 228 000 e 281 000 dos últimos anos.
Aquelas medidas que acabo de me referir permitiram passar a m<ídia _290='_290' de='de' vacinações='vacinações' leiria.br='leiria.br' os='os' incluídos='incluídos' em='em' números='números' do='do' _000.='_000.' cerca='cerca' para='para' projecto-piloto='projecto-piloto' estão='estão' _1965='_1965' das='das' anual='anual' nestes='nestes'>
A campanha de vacinação antipoliomielítica obrigou-nos, porém, a atrasar certos programas de vacinação antituberculosa e a alterar o nosso ritmo de trabalho.
A busca activa dos tuberculosos permitiu-nos descobrir, em 1965, mais de 15 000 casos novos de tuberculose, número que sofreu brusco aumento em relação aos anteriores, por causa do acordo com a previdência, que começou a funcionar em Janeiro de 1965. E o número dos casos pertencentes à previdência não foi maior porque muitos dos seus doentes já estavam inscritos no I. A. N. T.
Pelo que respeita à abreugrafia, a actividade do Instituto, nos três anos citados, andou entre 844 000 e 1 085 364 radiofotos, sem contar as setenta e tal mil da campanha de erradicação do distrito de Leiria, em 1964. Em 1965, atingimos mais de 1 217 000, e no 1.º trimestre de 1966 mais de 300 000 exames.
A percentagem dos que revelaram actividade evidente anda por 0,17 a 0,30 e as de actividade provável por 0,75 a 0,98. Na totalidade dos quinze anos, de 1950 a 1964, atingimos cerca de 9 300 000 exames.
A actividade dos dispensários, no esclarecimento das dúvidas, no tratamento dos doentes para ali enviados ou que ali acorrem e na vigilância e tratamento dos que têm alta dos sanatórios tem sido notável, atendendo à escassez numérica do seu pessoal e à sua deficiente remuneração. O total das consultas de cada ano passou de pouco mais de 200 000 para perto de 600 000 nos últimos anos.
Os nossos dispensários cobrem agora mais de 190 concelhos, abrangendo mais de 80 por cento da população do continente e ilhas.
Este serviço é de primordial importância na luta e devia ser acarinhado e impulsionado muito mais do que até aqui tem sido possível fazê-lo.
A taxa de casos de tuberculose encontrados em cerca de 80 000 mancebos e recrutas observados em cada ano, desde 1954 a 1965, referida a 100 000 indivíduos, é elemento importante para se poder avaliar a marcha da endemia tuberculosa: nos primeiros quatro anos de 1954 a 1957, inclusive - andou sempre acima de 1000 e atingindo 1536,2 em 1955. Em 1962 passou para 435, em 1963 para 298 e em 1965 para 295. Esta rápida e extraordinária redução sofreu uma ligeira oscilação em 1964. em que se atingiram 513,7.
O número de doentes propostos para internamento tem baixado nos últimos cinco anos: passou de 10 068 em 1961 para 9421 em 1965. A bicha para os internamentos desapareceu há anos, agora não há demora na sanatorização.
As médias da duração do internamento têm baixado tanto nos sanatórios como nas enfermarias-abrigo.
A taxa de mortalidade por 100 000 habitantes é outro elemento de apreciação da marcha da endemia. Nestes quinze anos assistimos a uma redução progressiva, que veio dos 133,3 por 100000 habitantes em 1951 para 30,1 em 1965.
Os elementos que acabo de fornecer à Câmara para lhe permitir ter uma ideia do que se tem feito neste sector e dos resultados que têm sido obtidos não visam a convencê-la de que podemos abrandar o ritmo do combate, reduzir o pessoal, fazer economias nas dotações. Nada disso! Damos conta do trabalho realizado, apontamos resultados que são agradáveis, mas temos de afirmar que não podemos abrandar a luta sem risco de perdermos tudo o que, neste campo, temos conseguido.ídia>
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E menos intensa a endemia; mas a verdade é que, apesar disso, a população portuguesa está ainda bastante exposta à infecção, como se verifica pelos 15 000 novos casos de tuberculose do ano passado e pela taxa de alergia tuberculínica espontânea, isto é, de infecção das crianças - à volta de B a 9 por cento nas de menos de 4 anos; de mais de 20 por cento nos de. 5 a 9 anos; e de 37 a 39 por cento nos de 10 a 14 anos. Isto quer dizer que é esta a percentagem dos que ainda se infectam em cada ano em cada um desses grupos etários.
A gravidade da infecção pode ainda exprimir-se, actualmente, pelos seguintes elementos:
Em cada ano, adoecem de tuberculose 165, pelo menos, por cada 100 000 portugueses;
Esses casos registam-se, sobretudo, entre as crianças e os indivíduos com idades correspondentes às de maior rendimento social;
A incapacidade temporânea gerada pela doença, a qual vem juntar-se ao custo do tratamento, afecta grandemente a economia nacional;
1/5 a 1/6 desses doentes não tem possibilidade de recuperação e morre ao fim de período mais ou menos longo de doença:
Os cálculos do desfalque anual da economia nacional produzido pela tuberculose com base no salário médio de 60$ (não considerando senão os de mais de 14 anos de idade) mostram que ele sobe a mais de 217000 contos;
A juntar a isto, há que calcular o que representa para a economia do País a perda, por morte, de 2425 portugueses vitimados pela tuberculose em 1964, com idades compreendidas entre 20 e 69 anos (a totalidade de óbitos por tuberculose, nesse ano, foi de 2912).
Não! Enquanto morrerem, em cada ano, vitimados pela tuberculose, 30 por cada 100 000 portugueses, com idades essencialmente compreendidas entre 30 e 40 anos, enquanto se verificarem os elementos que acabo de citar, esta luta não pode parar, nem sequer abrandar.
É dever do Governo mante-la e incrementá-la, assegurando ao respectivo Instituto os meios indispensáveis para o fazer.
Ele tem uma orgânica que tem estado à altura das exigências de combate, orgânica que foi possível conseguir através dos vultosos subsídios que o Governo lhe concedeu. O esforço vem de longe, em louvável continuidade, e por isso mesmo é de justiça lembrar aqui, em atitude de sincero reconhecimento, quantos no Ministério do Interior, no Subsecretariado da Assistência, no Ministério da Saúde e no Ministério das Finanças tornaram possível a prossecução desta luta.
O Instituto norteia as suas actividades de harmonia com os preceitos estabelecidos pela O. M. S. e pelas conferências anuais da União Internacional da Tuberculose e vai ajustando os seus programas de acção, com louvável preocupação pragmática, em reuniões periódicas da direcção, dos delegados, dos inspectores e dos directores de sanatórios.
As exigências cada vez maiores têm-se feito sentir de um modo particular nos quadros do Instituto, que urge modificar para que a luta não sofra ralentamento que nos comprometa. Não é oportuno o momento para explanar o caso; mas é azada a ocasião para recordar ao Governo e particularmente aos Ministérios da Saúde e das Finanças a necessidade de resolver aquilo que há muito lhes foi pedido - a revisão dos quadros do pessoal técnico e administrativo com vista a uma descentralização administrativa e, além disso, a instituição da carreira médica dentro do Instituto. Assim se assegurará uma maior rentabilidade dos investimentos e se evitará a desagragação funcional dos serviços e a deterioração do seu rendimento. Aqui, como em muitos outros sectores, muito maior seria o rendimento do trabalho se fosse outra a orgânica que os rege e outras as normas a que têm de obedecer e se não se verificasse o desinteresse ou a fuga de certos funcionários.
A isto há a juntar os reforços de subsídios que permitam, essencialmente, incrementar a vacinação B. C. G.; melhorar o equipamento dos serviços fixos, onde há aparelhos que já esgotaram há muito a sua duração normal de funcionamento; substituir unidades móveis que a cada passo se avariam, comprometendo os programas e a própria reputação do Instituto, avolumando o preço dos serviços e criando incalculáveis prejuízos c arrelias às populações convocadas.
Espero que SS. Ex.ª os Ministros da Saúde e Assistência e das Finanças consigam atender, no mais breve prazo, a este problema tão importante da nossa sanidade nacional.
A nossa assistência materno-infantil carece de vigoroso impulso que a faça sair da situação deplorável em que infelizmente se encontra.
As medidas que têm sido tomadas e os investimentos que têm sido feitos não têm servido senão para atenuar muito lentamente o mal crónico de que cia sofre, o que não só nos cria uma lamentável situação internacional do ponto de vista sanitário, mas também nos compromete o equilíbrio da população portuguesa. Recordo aqui o que, ainda não há muito, afirmei em congresso que se ocupou deste assunto. A taxa de mortalidade infantil é um índice sanitário e demográfico da maior importância e tem servido para apreciar o desenvolvimento dos serviços de saúde pública e o progresso económico dos vários países. Tem-se como bom indicador do nível de saúde dos povos, por virtude de a criança estar exposta aos múltiplos factores ambientais de cada país. A criança de 0-1 ano reflecte a salubridade do meio, o conforto, o bom estar geral, as condições higiénicas (; mesmo toda a vida social. Quanto mais baixo for a nível de vida, mais elevada será essa taxa. Esta taxa de mortalidade infantil é, como afirmam os especialistas da demografia, inversamente proporcional ao grau de desenvolvimento dos países.
É preocupação de todos os países que ela baixe o mais rapidamente possível e tanto quanto se possa conseguir. Depois da última guerra mundial, e particularmente depois da descoberta no campo dos antibióticos e do avanço conseguido com a preparação de vacinas profilácticas, alguns países conseguiram reduções espectaculares, cujos gráficos se assemelham a verdadeiras cascatas.
A nossa tem baixado suavemente e, nos últimos anos sofreu mesmo algumas subidas, só explicáveis pela deficiente organização e expansão dos nossos serviços de saúde pública e dos que particularmente respeitam à assistência materno-infantil. Os cálculos matemáticos que permitem determinar a linha de tendência indicam-nos que só em 1975, isto é, daqui a nove anos, atingiremos taxas que já há anos foram ultrapassadas em muitos países da Europa.
Ela, hoje, ainda é três vozes mais elevada que a da França. Em 1963, quando a Suécia já tinha 15 mortos de menos de 1 ano por cada 1000 nados-vivos, nós ainda tínhamos 72,5. E, na Europa, só a Jugoslávia nos levava a palma, com 77,5 por cento. Continuamos com uma- taxa de mortalidade infantil muito forte, no mesmo grupo da Albânia, da Polónia, da Roménia e da Jugoslávia; mas, dentro do grupo, ainda das piores.
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Dentro ia mortalidade infantil, a sua componente neonatal é confrangedoramente elevada. Em 1963 tínhamos 26,4 por cento, enquanto a Itália tinha 21, a Inglaterra 14, a França 12 e a Holanda 11.
A componente pós-neonatal (do 1.º ao 12.º mês) é cinco vezes mais alta que II da França e quinze vezes mais alta que a da Suécia.
Na componente neonatal têm larga representação os prematuros. Os prematuros representam, entre nós, 7 a 10 por cento dos partos ocorridos, que é como quem diz, 14 000 a 20 000 prematuros em cada ano. Ora estes prematuros carecem de uma assistência especializada, com a qual se poderia reduzir substancialmente a mortalidade destes recém-nascidos fortemente tocados de debilidade e de insuficiente capacidade de adaptação. A taxa de mortalidade dos prematuros sem assistência especializada é de 50 por cento e a dos assistidos baixa para 25 por cento e mês no 15 por cento. E o prematuro correctamente assistido evoluiu para o futuro como um recém-nascido de termo.
Igualmente elevada é a nossa taxa de mortalidade fetal
- a dos antigos abortos e nados-mortos, tanto no seu valor absoluto como em relação à dos outros países; já em 1950, m, Europa, nós estávamos à cabeça, ou quase, dos demais países. E nem admira, já que a consulta pró-natal só se faz em algumas cidades com certa regularidade, mas a, um reduzido número de grávidas, e que os partos sem assistência de médico ou de parteira estiveram sempre acima de 50 por cento até 1963. Só desde então baixai em para os 49,6 e para os 46,8 por cento!
Tal como a mortalidade infantil, também a dos grupos etários de l4 anos e muito elevada. Estes grupos são particularmente influenciados pelas carências alimentares e pelo baixo nível de vida da população. Enquanto nós temos uma taxa de 8,5, a Jugoslávia tem-na de 4,6 e os outros países estão todos abaixo de 2 ou de 1. Ela é cinco vozes mais alta que a da França e nove vezes mais elevada que a da Suécia. Se formos analisar as causas de morte da; crianças, veremos, com profundo desgosto, que é no sector das doenças evitáveis que os números são menos favoráveis ao nosso país. É assim que a tuberculose, a difteria, a tosse convulsa, a poliomielite, etc., continuam a registar altos valores letais que já se não vêem nos outros países.
As consequências de tudo isto suo muito graves.
Por virtude da tendência para a redução da taxa da natalidade e por causa da ainda muito elevada taxa da mortalidade infantil, tem vindo a- baixar, no nosso país, a percentagem dos indivíduos com menos de 14 anos, em qualquer dos três grupos: 0-4 anos; 5-9 anos; 10-14 anos. A percentagem de indivíduos de menos de 19 anos passou, em meio século (de 1900 a 1950), de 43,3 para 38,3.
Àqueles dois elementos -redução da taxa de natalidade e conservação de altos valores da taxa da mortalidade infantil - vem juntar-se o aumento da duração média da vida para conduzir a um envelhecimento da nossa população, o qual, do ponto de vista demográfico e económico, tem sérios inconvenientes. O saldo fisiológico anual d ? 100 000 a 128 000 vidas não pode servir para nos iludir a este respeito.
Nos últimos anos, esta situação tem sido agravada pela emigração maciça dos elementos mais válidos e pela mobilização dos rapazes dos 22 aos 30 anos, que conduzem à acentuação da percentagem de velhos e a uma descida da taxa da natalidade.
A isto só poderemos opor dois elementos - promoção da subida da taxa da natalidade e abaixamento da mortalidade infantil. A primeira é muito difícil de conseguir; mas a segunda está perfeitamente ao nosso alcance, particularmente na sua componente pós-neonatal.
E, como diz Sauvy: «mesmo sem haver uma subida da taxa da natalidade, uma fraca taxa de mortalidade infantil, só por si, contribuirá para manter a juventude da Nação».
Perante o quadro que aí fica, esboçado com o mínimo de elementos possível para que se compreenda a nossa situação, não podemos deixar de lamentar certo imobilismo de alguns sectores da nossa administração e de dizer que nos sofre o ânimo, Sr. Presidente, por ver que temos preparada em Coimbra uma excelente instituição para assistir à mãe e à criança e que muitas das suas secções não puderam ainda entrar em funcionamento por falta de verba necessária que o assegure. Dói-nos a alma que, perante as nossas evidentes insuficiências, se mantenham fechadas e a deteriorar-se na Quinta da Bainha, em Coimbra, as secções destinadas aos prematuros, ao Ninho dos Pequenitos, à Creche de D. Maria do Resgate Salazar e ao Parque Infantil de Oliveira Salazar, para só referir estas. No ponto de vista político e assistencial urge que sejam atribuídas ao Centro de Saúde e Assistência Materno-Infantil do Doutor Bissaia Barreto as verbas necessárias para as pôr em funcionamento. Manda o bom senso político e a sensata administração que esta situação se não mantenha por mais tempo. Neste sentido, aqui fica o meu apelo aos Srs. Ministros das Finanças e da Saúde e Assistência.
O Regimento não me permite que me alongue no desenvolvimento deste tema.
Porém, peço licença para lembrar ainda a conveniência de reformarmos o nosso ensino médico com vista a criar no estudante um forte espírito de prevenção e uma constante preocupação pela medicina preventiva e de darmos a nossa saúde pública uma feição menos burocrática e uma orientação mais acentuadamente preventiva.
Esse espírito criado no estudante de Medicina terá tendência a imperar na sua orientação profissional durante toda a vida. Efectivamente, a evolução do Mundo exige cada vez mais que o médico domine os grandes princípios da medicina preventiva e esteja preparado para fazer a sua correcta aplicação. Cada vez mais ele há-de ser solicitado e impelido a prevenir a doença e a promover a saúde.
E já que falei de medicina preventiva, quero aqui deixar uma palavra de louvor a S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência e à Direcção-Geral de Saúde, em continuação do que já aqui disse em 28 de Janeiro, acerca da campanha de vacinação contra as doenças infecto-contagiosas da infância. Não vou repetir o que disse então; mas quero acentuar que a forma como decorreu e os resultados já registados se podem considerar notáveis. O País conhece, pelo relato que a tal respeito fez o Sr. Ministro da Saúde e Assistência, em conferência na televisão o que foi e como vai continuar essa campanha, que se realizou pelos esforços conjugados do Ministério da Saúde e Assistência e da Fundação de Calouste Gulbenkian.
Foi uma campanha estabelecida com seguro critério científico e que conseguiu atrair o interesse não só dos serviços de saúde pública, mas de muitos médicos, professores, párocos e outros elementos, bem como várias instituições e organizações, e conquistou rapidamente a confiança do público.
Até Setembro último efectuaram-se 3 782 635 actos vacinais, dos quais 2943 484 contra a poliomielite, 497 807 contra a difteria, o tétano e a tosse convulsa (vacina tripla, dupla e antitetânica) e 341 344 contra a varíola.
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Quanto à vacina B. C. G., já há pouco informei qual o número de vacinações nos últimos anos.
A colaboração do público pode avaliar-se dizendo que ela excedeu todas as expectativas, pois durante a aplicação da primeira dose compareceu 85 por cento da população infantil convocada e na aplicação da segunda dose 75 por cento, e em alguns lugares atingiram-se mesmo os 100 por cento.
A baixa da poliomielite paralítica, para só nos referirmos a esta, foi este ano espectacular - em vez das quase três centenas de casos como média dos últimos cinco anos, registaram-se vinte casos, havendo, portanto, uma redução de 93 por cento. A vacinação vai continuar através dos 1680 postos fixos espalhados por todos os concelhos do País, para que se possa aplicar a terceira dose da vacina antipolio viva, o B. C. G., a tripla, a dupla, a antitetânica e a antivariólica, com os seus respectivos reforços e revacinações.
Esta campanha de vacinação num país que era tão duramente atingido pela tuberculose, pela difteria, pela tosse convulsa e pelo tétano merece os mais rasgados elogios. Graças a ela havemos de ver baixar os números que se referem à tuberculose infantil e à alergia tuberculínica espontânea; os 3280 casos de difteria com 194 mortos; os 1749 de tosse convulsa com 109 óbitos; os 440 de tétano com 295 óbitos, como nos aconteceu em 1962. Tal como se passou com a poliomielite, havemos de ver substancialmente reduzidos estes números com a prossecução da campanha de vacinação profiláctica.
Sr. Presidente: Não quero terminar sem deixar aqui uma palavra sobre um assunto que muito me preocupa. Nesse sentido fiz um requerimento, que dirigi a V. Ex.ª no dia 3 de Dezembro, mas sobre o qual ainda me não foram fornecidos elementos, o que, aliás, não admira. Quero referir-me aos reflexos do subsídio eventual do custo de vida nas verbas de manutenção do Ministério da Saúde e Assistência.
Como V. Ex.ª sabe, o Ministério da Saúde e Assistência tem um reduzido número de pessoal cujos vencimentos são considerados no Orçamento Geral do Estado; mas o pessoal que recebe através das verbas globais consignadas aos diversos institutos é onze vezes superior àquele. Ora, o Decreto n.º 47 137, de 5 de Agosto do corrente ano, que estabeleceu aquele subsídio, não considerou senão aquele pequeno número de funcionários que estão consignados no Orçamento Geral do Estado e, portanto, o Ministério tem de sacrificar verbas dos vários serviços para poder fazer face ao subsídio eventual de todos os outros funcionários.
V. Ex.ª acaba de ver a pequena amostra que apresentei acerca das deficiências que têm certos serviços do Ministério da Saúde (e as dos demais não são melhores) e é fácil concluir como ficarão agravados se o Sr. Ministro da Saúde for obrigado a restringir-lhes as verbas para pagar aos funcionários!
Eu calculo que nos outros Ministérios não terá acontecido isto, pelo menos com o volume que a coisa assume no Ministério da Saúde.
O Diário do Governo de 24 de Novembro último, através do Decreto n.º 47 335, já vem em socorro do Ministério da Saúde com um reforço de 13 000 000$, em subsídio especial; mas este fica muito aquém do que é necessário para evitar uma forte redução das verbas de manutenção de muitos serviços. A manter-se o que está, veremos ainda menos eficientes os serviços que são fundamentais para a vida da Nação. Além de que o principio de sacrificar verbas de manutenção de serviços já de si deficientes para pagar .ao pessoal não me parece moral nem de boa administração.
Aqui deixo, Sr. Presidente, o meu apelo ao Sr. Ministro das Finanças, na esperança de que ele há-de encontrar forma de dar reforço de subsídio necessário ao Ministério da Saúde para evitar a redução das verbas de manutenção dos serviços que, nesta altura, se consideram inevitáveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Foi no dealbar do ano de 1964 que aqui se debateu o aviso prévio sobre educação nacional e lamentava eu então o esforço inglório desenvolvido no decorrer de alguns anos por muitos homens de saber e inteligência esclarecida ao serviço dos graves problemas a esse sector inerentes, não por culpa sua, mas por deficiência dos investimentos indispensáveis à concretização de uma autêntica política de educação e de ensino conducente ao necessário prestígio das instituições e à sua verdadeira eficiência.
É a segunda vez que subo a esta tribuna para, a propósito da proposta de lei de autorização das receitas e despesas, louvar e aplaudir o ilustre Ministro das Finanças Dr. Ulisses Cortês - a primeira na discussão da proposta de lei para 1966 e agora na de 1967.
Tratando-se, sem dúvida, de problemas da mais alta transcendência e da mais inequívoca projecção nacional, o ilustre Ministro, que já o ano passado deu lugar de relevo ao sector do ensino e da investigação, revela-nos de novo, na proposta que temos perante nós, o firme propósito de manter a mesma orientação, numa afirmação clara de que não eram vãs as palavras que proferiu no discurso da cerimónia de posse do elevado cargo de Ministro das Finanças, e segundo as quais, logo a seguir à defesa nacional, colocaria sem reservas e sem a mínima hesitação a educação nacional.
E assim é que as dotações destinadas ao Ministério da Educação Nacional têm vindo a aumentar em ritmo apreciável, dando-nos a esperança de que prosseguirão no futuro, como se impõe, em grau cada vez mais elevado.
É ponto assente e que reúne a concordância geral, mormente daqueles que se debruçam sobre os problemas da educação e do ensino, que os investimentos nesse sector são uma condição de desenvolvimento económico.
«Tudo quanto as condições nos permitam realizar com investimento em «capital humano» -escreve-se no parecer da Câmara Corporativa- merecerá o inteiro apoio e o aplauso incondicional da Câmara, pois que, embora menos espectacular e menos directamente reprodutivo em termos de bens e serviços, representa formar, hoje, um poderoso factor de progresso de amanhã.» Foi por saber que esta Assembleia Nacional de igual modo apoia calorosamente todos os investimentos que se promovam nesse sentido que não quis deixar de proferir, nesta emergência, algumas palavras a reforçar outras aqui produzidas e a fazer sentir ao Ministro Dr. Ulisses Cortês, que muito aprecio, ou melhor, que muito apreciamos, a sua superior compreensão pelos problemas da educação, do ensino e da investigação, que, aliás, pude apreciar já nos inesquecíveis contactos que tivemos aquando do estudo do Plano Intercalar de Fomento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Importa, pois, não deixar que nos atrasemos - e algum atraso temos ainda a recuperar -, procurando dar cumprimento, sem demora, a um profundo plano de acção educativa, o qual não só assegurará a resolução de muitos dos problemas que nos inquietam eu-
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tre ais matérias merecedoras de tratamento prioritário, como poderá proporcionar uma larga audiência no III Plano de Fomento porque, apesar de todos os condicionalismo^ que nos traz uma guerra traiçoeira e ignóbil, suponho ter sido solto c travão que vinha comprometendo a nossa arrancada rumo ao futuro.
Ë e\identï que não bastam apenas investimentos. Há que saber aproveitá-los para que o juro do capital investido possa ser latamente compensado.
A extraor linária expansão escolar que se vem verificando em curva sempre ascendente, sendo um bem que importa assegurar, é evidente que acarreta implicações de vária ordem O recrutamento e formação de professores, bem como a; instalações escolares, de uma maneira geral superlotadas, são exemplos que despertam sérias apreensões.
No que rt speifca às edificações escolares — onde o esforço realiza Io merece os maiores encómios —, sem pretender tornar-me impertinente, entendo que o seu custo não deve ser menosprezado. Parece-me de bom critério económico reduzir o custo dessas instalações, pois de nada interessarás construção de edifícios sumptuosos, mas sim de linhas sóbrias e, sobretudo, funcionais, como já aqui acentuei, de modo a possibilitar maior número de construções.
Vozes: — Muito bem l
O Orador: — Neste binómio ensino-educação o papel do professor assume a mais alta expressão e o mais importante significado. Por isso ele deverá aliar às suas qualidades intele ?tuais boa formação moral e pedagógica, pois de nada vale m, como já temos visto acentuado, belíssimas escolas, bem apetrechadas, com excelentes bibliotecas, dispondo de programas actualizados e melhor estruturados, se os professores são incompetentes, deficientemente dotados e com indesejáveis qualidades morais.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Mas para recrutar e formar bons professores é necessirio oferecer-lhes remuneração capaz e ainda sque as perspectivas de carreira sejam aliciantes, o que só pode ser co iseguido com a actualização dos respectivos quadros, de -ontrário os jovens melhor dotados afastam-se irremediavelmente. Isto acontece em todos os escalões do ensino e de .im modo especial em relação ao ensino superior, sendo, >nfcretanto, de inteira justiça pôr em evidência que muito se está a fazer quanto à revisão dos quadros docentes decido à boa receptividade do Sr. Ministro das Finanças. Necessário é que estas medidas passem a ser urgentemente completadas com igual revisão dos planos de estudo, em todos os ramos do ensino que, por anacrónicos, representam um dos factores mais responsáveis pelo fracasso do :nesmo ensino.
Ë preciso, na realidade, como já se disse desta tribuna, dispor de mt ios e de infra-estruturas que permitam preparar o caminho a homens que se afirmem pela independência do s-eu espírito e que constituam as.elites de todos os ramos de actividade, sem as quais não há progresso possível.
Se para c homem viver são indispensáveis o oxigénio que respira ? os alimentos que> ingere, só uma «formação integral do homem, nos aspectos morais, intelectuais e físicos, pea-riitirá, como acentuou o ilustre Ministro da Educação Nicional, levantá-lo à sua verdadeira dignidade e fazer dele autêntico motor do progresso social».
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Julgo ter aqui pleno cabimento, embora esteja no meu espírito uma referência mais ampla em próxima oportunidade, uma palavra de justiça à acção que vem sendo desenvolvida pelo titular da pasta da Educação Nacional e que poderá atingir a mais alta expressão se continuar a verificar-se o apoio financeiro que o Ministro das Finanças vai facultando.
Numa época em que tanto se fala de crescimento económico e industrial, tem de se estimular por todos cus meios ao nosso alcance o departamento a que me referi, para que possamos dispor de técnicos de graus superior e médio aptos a ocorrerem às solicitações que o progresso do País exige, quer no comércio, quer na indústria, quer no sector agro-pecuário.
Mas se o número de técnicos em quantidade e qualidade é um factor de sobrevivência que se nos depara frente às necessidades da metrópole e do ultramar, os investimentos com a educação, no que concerne à formação da juventude, são de capital importância. A acção neste aspecto, que não deve confinar-se apenas ao campo social, tem de ser projectada sem delongas, com vista a uma adequada e bem estruturada preparação integral. Deixemos, entretanto, problemas tão. aliciantes como são os que se prendem com a educação e formação da juventude para o aviso prévio que brevemente será debatido e situemo-nps de novo nas considerações que a proposta de lei sugere.
Fala-se aí, no artigo 17.º, alínea b), da intensificação das actividades pedagógicas, culturais e científicas. De acordo com o parecer da Câmara Corporativa, porque mais de conformidade com a formulação de princípios enunciados no preâmbulo da proposta, julgo que à palavra «científicas» se deverá acrescentar a expressão «nomeadamente o desenvolvimento da investigação fundamental e aplicada». O certo é que neste capítulo também a proposta de lei não deixou de evidenciar muito justamente a investigação científica, o que significa o reconhecimento do seu valor como arma poderosa de formação de técnicos e de cientistas com a mais vincada influência no efectivo progresso do País. Daqui se infere a necessidade de valorizar as Universidades, de praticar uma profunda reforma de estruturas, pois só elas podem criar a mentalidade de investigador e incutir nestes o desejo de encarar problemas mais transcendentes.
Se o Instituto de Alta Cultura deve ser quanto a mim o organismo coordenador de toda a investigação científica, esta deve ser realizada ou orientada pela Universidade, pois só assim conseguiremos atingir os objectivos de carácter prático a que nos propomos e ao mesmo tempo robustecer a Universidade como núcleo basilar na formação de futuros investigadores e técnicos e como instituição de importância primacial ao serviço da cultura nacional.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Finalmente, no relatório da proposta de lei em discussão faz-se referência aos estudos nucleares e diz-se que «... igualmente neste caso se está perante investimentos de carácter infra-estrutural, cuja premência e importância resultam não só do dever que ao Governo compete de assegurar o melhor aproveitamento possível dos recursos nacionais, mas também, e principalmente, porque se aproxima o momento em que se encontrarão integralmente aproveitados os recursos energéticos do tipo clássico». Ora, parece que o pensamento exposto só ficará expressamente traduzido se, como sugere a Câmara Corporativa no seu bem elaborado parecer, ao artigo 17.º for introduzida uma alínea, a juntar às existentes, relativa aos estudos nucleares.
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Merece também uma referência especial o facto de no artigo 17.º e em ligação com a parte não prioritária do Plano Intercalar prever-se a inscrição ou reforço no orçamento para 1967 das dotações ordinárias ou extraordinárias correspondentes «ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil e ao reequipamento dos hospitais».
São problemas sanitários e sociais de tal magnitude e com tão larga repercussão no bem-estar dos povos que só dignificam quem os coloca na primeira linha das preocupações governamentais, procurando concorrer de uma forma decisiva para a sua resolução.
Dos temas enunciados nesta alínea há um em relação ao qual a previdência social, através da Federação das Caixas de Previdência - Obras Sociais, começou já a ter
- e deve, no futuro, ter ainda mais - papel relevante a desempenhar, e que é o da protecção à infância. Eu sei que está bem presente na política do Ministério das Corporações - haja em vista a reforma da previdência votada por esta Assembleia em 1962 - e no pensamento do presidente das obras sociais, Dr. Veiga de Macedo- que ao assunto continua a dedicar o maior carinho-, a necessidade da fixação de obras de assistência daquele género, e antes de mais, nas zonas especialmente industrializadas, em que a mão-de-obra feminina surge com apreciável relevo. De solicitar e de louvar que essas obras se difundem o mais possível, pois que assim continuaremos na verdade a construir o futuro salvando não só muitas vidas, mas proporcionando também o desenvolvimento nas melhores condições físicas das crianças na fase mais delicada da sua evolução.
E termino, Sr. Presidente, como iniciei este despretensioso apontamento: com um voto de reconhecimento ao ilustre Ministro Dr. Ulisses Cortês, que com visão clara dos aspectos que mais podem afectar a vida nacional lhes dedica especial e decidida atenção.
A prosseguir nesta política de investimentos entrámos realmente a construir o futuro e seguiremos firmes e confiantes na grandeza da Pátria.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Embora a larga concorrência que se verifica na discussão da chamada Lei de Meios, anualmente submetida à apreciação desta Assembleia, não obstante as largas divagações que aquela sempre permite sobre os variados assuntos que o seu contexto abrange, proporcione, sobretudo aos iniciados na vida parlamentar, ocasião propícia, para se afoitarem nas estreias que naturalmente os preocupam, o certo é que, muito propositadamente, me furtei, no meu primeiro ano desta Casa, à tentação de, também eu, me submeter ao baptismo iniciador. Ao proceder assim, a correr parelho com um certo temor reverenciai, tive uma correlativa e invencível intenção de me rebelar contra o que me haviam aconselhado, no sentido de que fizesse por subir desde logo a esta tribuna, pois se verificava como regra dificilmente o virem a fazer, constrangidos por inexplicável frustração, aqueles que o não fizessem no decurso dos primeiros 60 dias.
Evidentemente que, desde logo, sem pretender tornar-me excepção à regra, decidi não me deixar dominar por tal entendimento, por em pouco de espírito de contradição, confesso, mas mais pela prudência que me era imposta por uma maneira de ser que me não aconselhava precipitação numa actividade em que me iniciava e a que não tinha a pretensão de poder dar contributo que valesse os riscos a que me sujeitava. Optei, assim, pela ausência desta tribuna, que, aliás, na proeminência que a reveste, nenhum receio me infundia, mas me surgia, indevidamente, é certo, como mais responsabilizante. E digo evidentemente porque, ao falar nesta Assembleia, daqui ou da minha bancada, é idêntico o sentimento de responsabilidade que me domina, na posição em que ora me encontro talvez um pouco mais à vontade, mais aconchegado como estou à sombra tutelar do nosso ilustre Presidente, a quem cumprimento cheio do respeito que me foi já dado manifestar-lhe e a quem reitero o muito apreço e admiração que de todos nós tem sabido merecer.
Além do mais, a discussão nesta Assembleia da lei relativa à autorização das receitas e despesas, lei orçamental, vulgo Lei de Meios, no pensamento e ordenamento político que a informa e considerados os lermos em que a via tratada, não se coadunava com a ideia que do seu trato fazia e achava me devia impor a ponderação de aspectos sobre que me não encontrava suficientemente esclarecido, dado o carácter eminentemente técnico de que se reveste, como instrumento ordenador da actividade financeira do Estado. O retraimento, porém, se me não aumentou a capacidade, nem os méritos, para entrar na discussão pela forma que entendo ser a mais adequada, valeu-me, ao menos, como experiência informativa do sistema adoptado, o qual haveria de permitir-me, nos moldes estabelecidos, subir a esta tribuna com mais ânimo e trazer assim modesta achega aos trabalhos que têm lugar, não para, como desejava, avançar fundo na análise do instrumento técnico que na Lei de Meios se consubstancia e que à Câmara Corporativa mais corpete, mas para me deter nas incidências políticas que o seu conteúdo me sugira, estas, sim, da competência específica desta Câmara.
Seja, porém, qual for o ângulo de observação em que nos detenhamos na apreciação desta Lei de Meios, o trabalho a desenvolver, quer no aspecto que concerne aos especialistas do direito financeiro, quer no aspecto legislativo que incumbe a esta assembleia política, encontra-se em qualquer deles simplificado pela clareza do parecer da Câmara Corporativa que o acompanha, elaborado com base numa especialização e cornucópia de conhecimentos de que esta Câmara potencialmente não dispõe e de que, se os tivera, nem sequer com utilidade se poderia servir no escasso prazo de tempo em que terá de votar documento de tão transcendente e importante significado.
Entro assim, apesar da explicação prévia, indeciso e mal seguro no caminho em que me encontro, se bem que, de qualquer jeito, sempre estultícia seria, reconheço-o, pretender abalançar-me na crítica circurstânciada do tão delicado instrumento, não só por motivos de ordem pessoal, mas sobretudo pela natureza e idoneidade da fonte de que promana, onde paira ainda, a inspirar confiança e impor certeza, o espírito sempre actualizado do Ministro das Finanças a quem coube impor o rumo certo à administração financeira nacional, a viver, ainda hoje e graças a Deus, na obediência aos princípios da técnica orçamental que implantou e haveriam de criar o clima de segurança e paz social que usufruímos, assegurar a potencialidade que representamos, garantir as possibilidades de defesa de que dispomos e a acreditar e impor um processo político em crescente (acção criadora e renovadora.
Apoiados.
E pôr isso que, sem menos consideração pelos Ministros prossecutores da sua obra, entre os quais se afirma em brilho e competência o actual Ministro Dr. Ulisses Cortês, não posso deixar de ter presente na discussão desta lei de autorização das receitas e despesas a figura proeminente, extraordinária e sempre actual do Sr. Presidente do Conselho, a quem coube todo o mérito do estabelecimento das directrizes que haveriam de permitir o saneamento das
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finanças portuguesas e o permanente equilíbrio dos orçamentos do listado, bases indispensáveis à estruturação da Revolução da 28 de Maio.
Está, pois, na matéria, criado o clima de confiança propício à aceitação incontrovertível da lei em cuja discussão nos empenhamos, a qual tradicionalmente se vem impondo à consideração e admiração desta Câmara pela constante observância dos princípios inicialmente implantados no sentido de a lei orçamental ser sério instrumento da actividade governativa, numa previsão tanto quanto possível certa das receitas e das despesas dentro de um condicionamento adequado à sua integral e perfeita execução, o que, entre nós, continuadamente se vem verificando, a ponto de, sem desequilíbrios e sem deficits, termos sido capazes de enfrentar situações anormais, como sucede com a guerra que nos é movida nas nossas fronteiras da África, e, serenamente, sem perturbações e com base em orçamentos vulgares, aguentarmos muito para além do que nos seria permitido se não fora o rigor e consciência dê uma programação preestabelecida que- deixa perplexos e confusos os que nacional e internacionalmente desconhecem o método da técnica a que obedecemos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Sendo, como é, o fenómeno financeiro um processo de actividade do Estado, é evidente que nele terá de decisivamente influir o primado político, já que os seus reflexos serão sempre de natureza política de abordo com as tendências ideológicas da orientação responsável. Toda a técnica orçamental terá de primordialmento se submeter aos objectivos daquela e, porque é assim não há dúvida de que há-de naturalmente interessar a esta Assembleia a discussão dos programas financeiros do Governo com vista à verificação de que foram satisfeitas ou se encontram em vias de satisfação todas- as necessidades da grei dentro do ideário que preside à política investida na responsabilidade de assegurar e defender o interesse colectivo.
Ora, no tocante, e ainda bem que assim é, nenhuns reparos me sugeriu a leitura da lei em discussão, a que, por isso, dou o meu voto favorável na generalidade.
Nela se da resposta em termos iniludíveis ao que é autêntico anseio nacional na primazia concedida ao esforço de queira que nos cumpre, razão primeira da sobrevivência, necessidade que a todas as demais se impõe. Desde 1961 que toda a nossa política financeira se encontra subordinada à obrigação unanimemente aceite de salvaguardar a integridade nacional, cujos encargos de defesa continuam sendo financiados com o excedente das receitas sobre as despesas ordinárias, o que incrivelmente pôde ser conseguido cumulativamente com um amplo apoio, que se não descurou, ao processo do crescimento económico nacional.
Esforço de guerra, melhor diríamos, esforço de paz, pois outra coisa não desejamos na luta defensiva que mantemos; fomento económico com vista a uma mais equitativa distribuição no produto nacional, cujo crescimento em 1965 se processou à taxa de 7 por cento e cuja ascensão legitimamenta se espera; auxílio económico ao ultramar e outros investimentos de natureza económica, social e cultural; o fomento do bem-estar rural; a atenção dispensada aos sectores da saúde, da educação, do ensino, da investigação científica, da formação profissional, da assistência social aos estudantes, do acesso geral à cultura; a procura da melhoria Ias condições de financiamento à lavoura, a necessitar de rápida e substancial ajuda, de modo a poder ser ainda recuperada no valor que representa; as providências sobre o funcionalismo público, reafirmando-se o carácter eventual do subsídio de emergência concedido àquele e cuja solução definitiva se promete ao relegarem-se para a reforma administrativa os estudos necessários, nesta se encarando frontalmente a situação dos servidores do Estado, a prejudicarem com a sua continuada fuga a eficiência dos serviços daquele, tudo exprime, no pensamento e determinação de alcançar metas, uma notável compreensão das necessidades nacionais que a governação conscienciosamente enfrenta numa manifesta decisão de servir o bem comum, colocando-se abertamente no cerne das questões que tanto dominam e preocupam o geral dos indivíduos.
Verifica-se, assim, a continuidade de um perfeito e sadio equilíbrio financeiro. Prestigia-se um processo governativo. Afirma-se em confiança uma política e consolida-se em termos de projecção um regime.
Estes, pelas suas notáveis incidências políticas, os aspectos que não quero deixar de referir e focar na fugidia enunciação dos princípios orientadores do instrumento financeiro em discussão e que exuberantemente reflectem a permanência de uma inteira fidelidade ao normativismo inspirador de uma administração financeira em que assenta e de que emerge a política que todos nós servimos. Por isso, as conclusões a tirar na apreciação que a esta Assembleia mais interessa são de tal modo animadoras e tranquilizantes que bem podemos louvar o Governo e agradecer ao Sr. Ministro das Finanças, para além da clareza da forma com que se exprime, a satisfação dada aos variados anseios nacionais que tão fundo e esperançosamente toca e cuja realização justificadamente poderemos esperar, dado o costumado acerto das previsões anunciadas, impressionantemente reflectidas no que respeita aos encargos com a defesa nacional escrupulosamente respeitados e integralmente satisfeitos em termos de garantirem a independência da presença que tradicionalmente nos cumpre no Mundo.
E já que nos foi dado falar de novo em defesa nacional, no integral entendimento que esta comporta e nos interessa, ocorre-me perguntar se ao correlativo esforço consumidor de potencial humano, armamento e munições terá correspondido uma paralela acção do espírito missionário que tem sido apanágio da gente lusa na propagação e dilatação da cristandade com que, velas desfraldadas aos ventos, demos novos mundos ao Mundo.
Se a obra civilizadora que nos acreditou e projectou, educando e nacionalizando, terá sido devidamente considerada adentro dos encargos com a defesa nacional em que também cabe.
Ao meditá-lo, colocamo-nos inteiramente no âmbito do artigo 140.º da Constituição Política. Nele se dispõe que:
As missões católicas portuguesas do ultramar e os estabelecimentos de formação do pessoal para serviço delas e do padroado português terão personalidade jurídica e serão protegidas e auxiliadas pelo Estado como instituições de ensino e assistência e instrumentos de civilização.
E, embora no artigo 46.º do referido diploma se assegure a liberdade de culto das demais confissões religiosas, no artigo 45.º afirma-se ser a religião católica a religião da Nação Portuguesa, avançarei eu, a religião do Estado, na associação que nos é cara do binómio Estado-Nação.
Ora, na Concordata de 1940, diploma regulador das relações entre a Igreja e o Estado, definiram-se os princípios orientadores da nossa actividade missionária, princípios que foram condensados no Acordo (Missionário do mesmo ano e obtiveram expressão legal através do Decreto n.º 31207, de 5 de Abril de 1941, dando origem ao Estatuto (Missionário, que presentemente regula as missões, do qual se infere que as corporações missionárias reconhecidas pelo Governo serão subsidiadas pelos governos da metrópole e da respectiva província ultra-
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marina e, de igual modo, os institutos missionários. Nos termos do referido estatuto, nem as instituições e corporações missionárias são organismos ou repartições do Estado, nem o pessoal que as serve é considerado funcionalismo público, mas sim pessoal em serviço especial de utilidade nacional e civilizadora, acentue-se.
A leitura cuidada deste Estatuto Missionário claramente demonstra a atenção e interesse que as missões, e muito bem, mereceram ao Governo negociador do Acordo. E que, de facto, as missões católicas têm desempenhado e continuam desempenhando papel preponderante da nossa tarefa civilizadora. Desde o passado, do alvorecer da nossa história, que à dilatação do Império correspondeu uma simultânea dilatação da Fé, sendo a cruz alçada o verdadeiro símbolo da nossa presença, tem que os guerreiros e os missionários jamais se separaram, pois se tinha a comunidade cristã como o alicerce mais forte das soberanias conquistadas.
Descobrimos e conquistámos, mas também evangelizámos, para assimilar, para integrar e para ficar.
Lembro que foi no reinado de D. João II que a Igreja de S. Salvador do Congo se erigiu, dando assim lugar ao aparecimento do primeiro Estado indígena cristão, mas em Moçambique e na Índia igualmente nos pertenceu a iniciativa evangelizadora, nela se enraizando todo o predomínio de que sempre desfrutámos e legitimou os mais audazes cometimentos que nos acreditaram como povo missionário e civilizador. Pois bem, apesar disso, nem sempre a obra civilizadora das missões foi devidamente prezada. Duros golpes lhe foram desferidos, que fundo se repercutiram no coração da Pátria, por Pombal, por Joaquim António de Aguiar e pelo demo-liberalismo republicano, que um ano «após o seu efémero estabelecimento em 1911 logo proibiu as missões católicas, que célere foram substituídas pelas missões estrangeiras, a minarem, com reflexos presentemente sentidos, a nossa própria soberania, a tal ponto que o Governo da República, em 1919, haveria de permiti-las e restaurá-las.
E hoje nos nossos dias teremos feito tudo quanto nos cumpre para a salvaguarda e consolidação das missões no nosso ultramar, muito embora no artigo 68.º do Estatuto Missionário se prescreva que «o ensino indígena obedecerá à orientação doutrinária estabelecida na Constituição Política e será, para todos os efeitos, considerado oficial»?
Teremos procurado obter através das missões católicas estabelecidas no nosso ultramar, ajudando-as, a reciprocidade de um trabalho que também lhes cumpre de acordo com os desígnios nacionais, com vista a uma mais perfeita e completa integração dos indígenas no todo que constituímos?
Estaremos a considerá-las como verdadeira fonte e força de defesa nacional?
Estaremos a prezar no seu real valor toda a importância que para a nossa expansão e fortalecimento da nossa soberania realmente têm as missões católicas no nosso território ultramarino?
Se estamos..., não se vislumbra nenhuma clara atitude conducente a tão relevante fim, e eu bem estimaria poder ver nesta lei de autorização das receites e despesas programados princípios e consignadas verbas capazes de fomentar e incentivar o trabalho missionário de evangelização em termos de darmos satisfação à nossa formação e simultaneamente ao próprio interesse nacional.
Apoiados.
Quando, no que concerne, me é dado verificar a arrogância da catolicidade orgulhosamente vivida pelos nossos vizinhos espanhóis, tenho pena, imensa pena, de que afrontosamente não sejamos capazes de dar testemunho da nossa, numa consentânea vivência de apregoada trilogia, que tanto vejo invocada e pouco servida, em que nos aparece, antecedendo os conceitos de Pátria e Família, a presença do Santo Nome de Deus.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pontífice de Sousa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967 traz-me a esta tribuna para breves comentários sobre o texto da proposta de lei e o relatório que o antecede.
Antes, porém, desejava salientar que se passou mais um ano sem que tenham sido resolvidos alguns dos problemas que foram considerados da maior importância no debate da proposta de Lei de Meios para 1966.
A programação regional, com vista à correcção das disparidades do desenvolvimento e à elevação do nível de vida das populações, bem como a sua efectiva realização, que tanto interesse mereceu a esta Assembleia no ano passado, continua a ser esperança dos portugueses que lutam no interior do País pelo progresso de Portugal e pelo fortalecimento da sua economia.
E certamente no decurso deste ano alguns milhares de cidadãos viram-se forçados a abandonar os campos ou os aglomerados urbanos do interior, emigrando para o estrangeiro ou para os grandes centros, agravando seriamente os desequilíbrios já existentes.
É lícito, pois, perguntar porque não foi utilizada a verba inscrita este ano no Orçamento Geral do Estado, que poderia ter beneficiado já alguma região menos desenvolvida e servido de experiência para outros empreendimentos futuros.
Temos bem presentes as palavras com que o ilustre Ministro das Finanças justificava a inclusão do artigo 21.º da proposta de Lei de Meios para 1966: «A falta de experiência neste domínio e a própria complexidade do problema pareceu aconselhar ensaio de dimensão limitada, a alargar progressivamente à generalidade do território nacional.»
Sabemos que este objecto está a ser seriamente considerado para realização no decurso do III Plano de Fomento, que terá início em 1968.
Até lá, porém, algo se poderá fazer; assim se queira trabalhar neste sentido.
Eis a razão, Sr. Presidente, por que damos o nosso acordo à redacção que a Câmara Corporativa entendeu sugerir para o artigo 18.º da proposta da Lei de Meios para 1967, em substituição do texto inicialmente proposto pelo Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No relatório que antecede a proposta da Lei de Meios para o corrente ano refere-se que a taxa de crescimento em 1965 do produto nacional bruto foi superior à média dos países industrializados da Europa ocidental e que será de esperar a sua expansão em 1966, embora a ritmo mais baixo que o do ano anterior.
Quanto ao comportamento do sector industrial do País, refere-se também que a sua expansão tem vindo a processar-se a cadência mais rápida do que na generalidade dos países do Ocidente europeu e que o índice anual da produção industrial aumentou de 11,7 e 8 por cento, respectivamente, em 1964 e 1965.
Importa, pois, considerar o abrandamento ùltimamente verificado, que coloca o ritmo de desenvolvimento indus-
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trial em 1965 em nível inferior ao previsto no Plano Intercalar de Fomento, que era de 9,5 por cento.
Esta situação não pode deixar de causar as mais sérias apreensões, reflectindo, possivelmente, a diminuição do ritmo, de acréscimo de formação bruta do capital fixo que tem estado a verificar-se a partir de 1964.
Efectivamente, as indústrias têm vindo-a sentir, nos últimos tempos, dificuldades de diversa ordem, entre as quais avultam o aumento da carga tributária e de outros factores que influenciam o custo de produção, diminuindo-lhes a capacidade concorrencial e limitando assim o seu desenvolvimento.
Sendo esta a situação que as estatísticas nos revelam, há que tomar medidas, com toda a urgência, que possam contrariar as tendências depressivas ultimamente verificadas - pois é indispensável fomentar a aceleração do desenvolvimento industrial do País, não só para fortalecimento do nível de vida da população, como pelo acréscimo de encargos que possivelmente teremos de suportar com a defesa da integridade da Pátria.
A contrapartida das receitas, indispensável ao prosseguimento desta política, não deve, porém, procurar-se numa mais pesada contribuição das actividades produtivas nacionais, mas antes no seu afluxo natural aos cofres do Estado, paralelamente ao desenvovimento económico.
Justificasse, pois, o princípio estabelecido no artigo 9.a da proposta de lei, sobretudo tendo em vista que algumas indústrias não atingiram ainda nível técnico, nem dimensionamento, que lhes permita concorrer de forma estável com as suas congéneres do estrangeiro.
Há ainda que contemplar as empresas tradicionalmente abastecedoras do mercado nacional, que obstam à importação maciça de bens que elas próprias produzem e poupam ao País a saída de numerosas divisas. Também essas desempenham relevante função económica e deve ter-se em atenção que muitas unidades fabris obtêm no mercado interno, experiência, estrutura e dimensão que lhes possibilita, mais tarde, a conquista dos mercados internacionais.
Também as novas indústrias, sem tradição no País, poderão representar, no futuro, grandes fontes de rendimento da Nação, mas terão, naturalmente, alguns problemas no início da sua actividade.
Deve ainda acentuar-se que as medidas agora preconizadas pelo Sr. Ministro das Finanças no referido artigo 9.º têm sido utilizadas desde há vários anos em diversos países que pretenderam fortalecer a sua economia em desenvolvimento.
Poderemos, por exemplo, referir uma nação europeia, a Grécia, que tem utilizado diversos estímulos fiscais com o objectivo de encorajar os investimentos, de lhes conferir uma adequada estrutura e de promover o desenvolvimento regional, finalidades previstas também nos artigos 10.º. e 11.º da proposta da Lei de Meios para 1967.
Com efeito, já em 1959 e 1963 foi decretada naquele país a isenção de direitos de importação e outras taxas sobre bens de equipamento, com fins de modernização, beneficiando as empresas industriais em actividade, e já anteriormente, se estabelecera esse princípio para as peças e acessórios destinados a máquinas integradas em unidades industriais situadas na província.
Também algumas matérias-primas importadas pelas empresas gregas e destinadas a consumo próprio estão livres de imposições aduaneiras e, por outro lado, as empresas que exportam produtos agrícolas, industriais ou artesanais são favorecidas através de uma dedução no rendimento colectável.
Tais disposições têm como finalidade principal a redução dos custos de produção, de forma a possibilitar o desenvolvimento, das indústrias.
Sistemas especiais de amortizações aceleradas para edifícios industriais e outros elementos do activo fixo das empresas, bem como deduções na matéria colectável, foram ainda instituídos naquele país, a partir de 1954, e tiveram repercussões favoráveis no fortalecimento da sua economia.
Parece, pois, não causar receios a instituição em Portugal dos estímulos ao investimento previstos na presente Lei de Meios, que desde há vários anos vêm sendo utilizados com êxito noutros países também de economias débeis como a nossa.
Alguns reparos merecem, porém, determinadas considerações que se fazem no relatório sobre estes problemas.
Parece intenção do Governo fazer depender a concessão de benefícios fiscais da sua apreciação prévia, caso por caso, e não de um dispositivo legal que defina as condições em que um empresário poderá, ou não, usufruir do benefício.
Este condicionalismo considera-se, porém, moroso e susceptível de poder anular todo o efeito que se pretende atingir.
Não se formulam reservas quanto à conveniência de apreciar previamente o interesse nacional da iniciativa a favorecer - pois esse seria realmente o critério que deveria ser estabelecido -, se não se considerassem altamente inconvenientes as contingências a que tal critério ficaria sujeito, não só pelo subjectivismo do julgador, como ainda pela possibilidade de fazer intervir no julgamento factores de ordem política, de que os interessados sempre procurariam socorrer-se e que tantas vezes acabam por sobrepor-se aos interesses económicos e aos mais elementares princípios de justiça.
Por outro lado, julga-se indispensável que o empresário, ao fazer o estudo de determinado investimento, tenha ao seu dispor todos os dados relativos ao mesmo e assim necessite conhecer, a priori, se o investimento será ou não onerado com imposições aduaneiras, se será ou não susceptível de beneficiar dos demais estímulos fiscais previstos na lei.
Todos estes elementos são factores determinantes do investimento, pelos reflexos que terão no custo de produção, e devem, pois, ser claramente definidos.
As vantagens de uma orientação neste sentido devem, assim, sobrepor-se aos inconvenientes que se referem no relatório da proposta da Lei de Meios.
Idênticas reservas se fazem quanto à «verificação da eficiência dos benefícios», que se refere também no relatório, como condição sempre resolutiva dos mesmos, pois não é compreensível que se pretenda estimular os investimentos prometendo benefícios e estes se neguem após a realização dos mesmos.
Estabelece-se ainda no artigo 13.º o princípio da unificação dos diplomas tributários, especialmente dos que respeitam à tributação directa, tendo em vista a criação de um imposto único sobre o rendimento.
Assinala-se já no relatório que o futuro código conterá os preceitos próprios de cada imposto, numa parte especial, e normas reguladoras de aspectos essenciais da disciplina jurídica da relação tributária, noutra parte geral, que permitirá uma aplicação mais justa da lei tributária.
Será, assim, mais um código tributário que o contribuinte tem de estudar, o que já vem sendo hábito nos últimos tempos.
Em boa verdade, pode dizer-se que as actividades privadas, têm despendido muitas energias, e muitas horas
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de trabalho para poderem conhecer a vasta e complexa legislação fiscal ùltimamente publicada e será legítimo recomendar ao Governo que a simplificação que se preconiza neste artigo não tenha em vista apenas beneficiar a administração fiscal, com a contrapartida de uma maior complexidade para o contribuinte.
Por outro lado, também se receia que a «mais justa aplicação da lei tributária», referida no relatório, signifique afinal um agravamento dos impostos, o que não é compatível com a actual conjuntura.
Encerrarei a análise deste capítulo das disposições tributárias com alguns comentários referentes à reforma da tributação indirecta referida no artigo 6.º
Convém não esquecer que se pretende com este preceito, além de outras finalidades, a actualização das taxas do imposto do selo e que seria de toda a conveniência que o futuro diploma fosse apreciado pelas corporações, antes de publicado, a fim de melhor se acautelarem os interesses do sector privado.
Devem aqui ser recordados os sérios embaraços em que os contribuintes se viram envolvidos desde a publicação do Código do Imposto de Transacções, publicado no Diário do Governo do dia 1 de Julho passado, que continha normas pràticamente impossíveis de cumprir, quer pelo curto prazo de que se dispunha, quer pela burocracia que se exigia às empresas abrangidas por algumas disposições do código.
Devido ao alto espírito de compreensão revelado pelo ilustre Ministro das Finanças, foi possível obter uma maior dilatação de alguns prazos que o código prescrevia e a simplificação de algumas formalidades.
Subsistem, porém, enormes dificuldades quanto ao cumprimento das disposições ainda vigentes, problema que tem de ser urgentemente revisto, pois, a partir do início do próximo ano, os contribuintes ficarão sujeitos a pesadas multas pelas faltas que cometerem, mesmo involuntàriamente.
Por outro lado, facilmente se deduz do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 47 336, de 24 de Novembro do corrente ano, ser intenção do Governo proceder a novas simplificações, em curto lapso de tempo, pelo que se afigura de recomendar que se legisle no sentido de continuar a ser vedado o levantamento de autos de notícia, durante o ano de 1967, sem prévia autorização do director-geral das Contribuições e Impostos.
Haveria, assim, um maior período de tempo para o Ministério das Finanças proceder a uma revisão mais profunda do texto legal, de forma a estabelecer sistemas mais fáceis de determinação da matéria colectável e de cobrança do imposto, fiscalização mais simplificada e ainda a resolução de outros graves problemas, tais como as imobilizações financeiras, a que são obrigadas muitas empresas.
Entretanto, os contribuintes teriam tempo para estruturar as suas empresas, adaptar as suas escritas e obter finalmente aprovação dos seus esquemas de contabilidade.
Não pode esta Assembleia, em meu entender, alhear-se deste problema, que está a afectar seriamente alguns sectores das nossas actividades económicas, que ùltimamente têm ainda sofrido sérios embaraços pelas restrições de crédito que começaram a sentir-se a partir de meados do corrente ano, por virtude da designada «política selectiva de crédito».
O certo é que, selectiva ou não, essa política tem tido graves reflexos no desenvolvimento industrial, por obrigar os empresários a limitar as suas iniciativas e a sofrer sérios embaraços quanto às operações correntes.
Tendo a indústria de financiar o seu equipamento, a sua produção e, durante largos meses, a sua clientela, sofre necessàriamente limitações em todos estes aspectos da sua vida industrial e comercial, não só directamente pela banca, como ainda pelos seus clientes, que, sofrendo maiores dificuldades também, obrigam a um maior prazo de financiamento dos fornecimentos.
Torna-se, pois, imperioso e urgente completar os incentivos ao desenvolvimento industrial previstos na proposta da Lei de Meios para 1967 com a resolução dos demais problemas que estão a entravar esse desenvolvimento, medida que teria a maior repercussão no futuro do País e que permitiria fechar com chave de ouro toda a série de realizações deste ano jubilar de 1966.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Sem dúvida que a Lei de Meios em discussão vai corresponder a um período particularmente difícil e delicado da vida do País, resultante, por um lado, da actual conjuntura internacional e da guerra no ultramar e, por outro, da própria evolução e circunstâncias momentâneas da nossa economia, como da própria economia mundial.
O relatório que antecede a proposta de lei constitui um lúcido, esgotante e notável estudo que honra o grande estadista que se encontra à frente da pasta das Finanças. Limitar-me-ei, Sr. Presidente, nesta intervenção, a dois assuntos enquadráveis na ordem do dia: a situação do funcionalismo público e certos aspectos do turismo.
Não parece muito útil discutir neste momento o abono eventual atribuído recentemente ao funcionalismo. Todos reconheceram a sua insuficiência - a começar pelo Goveno - em relação ao custo de vida, que tende a agravar-se, e neste último aspecto é de louvar a iniciativa do inquérito que o Instituto Nacional de Estatística vai promover como elemento de estudo, em 1967, no continente, e que desta tribuna sugiro seja extensivo às ilhas adjacentes - que também são metrópole.
S. Exa. o Ministro das Finanças argumentou largamente acerca da orientação seguida na distribuição deste subsídio, no montante a que nele se pôde chegar e nas limitações que as circunstâncias impõem ao Orçamento do Estado.
O País conhece também os fundamentos da crítica que lhe foi feita, sobretudo no que respeita aos funcionários mais humildes.
Receio que não seja modificável nos próximos meses.
Há, todavia, necessidade de através dele, auxiliar duas categorias de servidores que não abrangeu e desenvolver «em força» outras formas de protecção ao funcionalismo público e administrativo, sem dúvida o grupo social que maiores dificuldades económicas atravessa na hora presente no nosso país, em relação ao nível e às condições em que é obrigado a viver.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao funcionalismo na situação de reforma, em regra postergado pelas providências legislativas que se promovem ou em relação ao qual algumas vezes se reduzem benefícios concedidos aos servidores do Estado e das autarquias administrativas em serviço activo. Sempre me impressionou vivamente este desigual critério, até porque, naqueles que já não podem servir o Estado, mingua-lhes também a capacidade de obter compensação supletiva em actividades particulares.
Há, assim, uma espécie de ingratidão do Estado pelos que lhe deram ao longo da vida o seu trabalho, na altura em que a idade ou a doença não permitem prolongá-lo mais.
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A outra categoria corresponde aos milhares de funcionários que, devidamente autorizados, acumulam dois cargos de pequena remuneração e em que por vezes o de menor ordenado foi, por razões legais, considerado «vencimento» e o outro, o mais importante, denominado «gratificação».
Se vejo anunciadas providências quanto ao primeiro grupo, na Lê de Meios de 1967, lamento que não venha ali considerado o segundo, no qual se incluem numerosos médicos pelo País em fora, que vêem ainda desta vez prejudicados os seus legítimos proventos.
Não posso, evidentemente, reunir elementos para apreciar as possibilidades financeiras do Estado de encarar estes aspectos do abono eventual concedido ao funcionalismo, mas parece-me que eles não devem aguardar a reforma administrativa anunciada, cuja conclusão se pretende acelerai, mas que, pela sua complexidade e importância, levará ainda com certeza muito tempo a entrar em plena execução.
Penso, assim, que há o dever de estudar-se imediatamente o assunto e de procurar solucioná-lo, embora estabelecendo escalões e limite superior para a concessão de subsídio a estas gratificações, mas permitindo pelo menos ao funcionário que na atribuição do referido abono possa optar pelo maior ordenado, mesmo que se chame «gratificação».
Ponho o problema à consideração do Sr. Ministro das Finanças, que é e foi um dos mais ilustres membros desta Assembleia Nacional e que sempre prestou a melhor atenção ao que aqui se diz. A insuficiência do abono eventual concedido conduz lògicamente à aceleração e extensão das regalias enunciadas no Decreto-Lei n.º 47 137, que promove a assistência na doença ao funcionalismo e familiares, o que também se anuncia na proposta da Lei de Meios.
No relatório da proposta de lei fala-se, demasiado genericamente, do estabelecimento de cantinas subsidiadas, do fomento do facilidades no que respeita à habitação e ao acesso à cultura dos filhos de funcionários, designadamente dos d« categoria mais humilde.
Acrescenta o relatório que outros benefícios de idêntica índole se encontram em estudo e a que se espera dar, dentro das possibilidades, gradual realização.
Sr. Presidente: Não é de mais que cada um de nós acentue ao comentar nesta tribuna a proposta da Lei de Meios que aceita militantemente a prioridade das despesas com a defesa nacional e que todos os sacrifícios se devam fazer pelo nosso ultramar.
Mas depois deste capítulo, onde aliás as normas de economia, como em tudo, são de considerar, parece-me que o da protecção ao funcionalismo constitui um dos que mais interesse devem merecer, nas diversas modalidades que pode revestir.
E nas medidas a tomar deve pocurar chegar-se a todos os distritos do País.
Verifica-se, com efeito, no que respeita à habitação, quer no que foi executado, quer no que está programado, que um pequeno número de distritos dele beneficia.
E, se nos referirmos ao acesso à cultura dos filhos dos funcionários, temos de não esquecer os estudantes das ilhas adjacentes de ensino médio e universitário, a quem nunca foi concedida qualquer espécie de protecção, várias vezes por mim pedida nesta Assembleia, enquanto continuar centralizado em três cidades do País todo o ensino de nível universitário.
A assistência na doença ao funcionalismo e familiares envolve, como em relação à assistência hospitalar aos beneficiários das caixas de previdência, situações delicadas, compreensão mútua por parte de muitas entidades, difícil coordenação num país em que a duplicação e até a multiplicidade de serviços asfixia a nossa organização sanitária nacional, talvez mais do que as insuficientes lotações hospitalares e os insuficientes quadros de pessoal.
É inevitável que este problema terá de ser trabalhado, como a reforma administrativa, a nível nacional, com o sacrifício do que não é essencial por parte de todos, já que mais essencial é contribuir-se para a melhor coordenação e unificação possíveis.
Seja como for, parece-me que é no incremento da assistência na doença ao funcionalismo, em desfavor do qual se nota ainda acentuada diferença em relação aos beneficiários da previdência, que neste momento devem ser canalizados todos os esforços de protecção.
Sr. Presidente: O relatório da Lei de Meios refere o crescimento rápido das receitas provenientes das actividades turísticas, calculadas em 6 milhões de contos para 1966, contra 4 721 000 contos em 1965, correspondendo ao afluxo, respectivamente, de 1 800 000 turistas previstos para 1966 e 1 500 000 turistas entrados em 1965.
Tenho acentuado várias vezes nesta Assembleia as características insólitas e originais que assumiu o fenómeno turístico no nosso século.
É que, na verdade, ele ultrapassa em muito o aspecto económico - aquele mais habitualmente considerado - para ter incidências de ordem filosófica, moral, religiosa e social que não devem ser subestimadas.
Cedo se aperceberam os papas João XXIII e Paulo VI da universalidade deste facto contemporâneo, acerca do qual deram bem nítidas directivas pastorais. Pela primeira vez estas vieram, em 27 de Maio de 1962, da Cátedra de Pedro pela voz do Papa da Mater et magistra, nas seguintes palavras:
O turismo é uma componente do tempo livre, parte do qual é justo que seja consagrado ao divertimento, para procurar-se, antes de tudo, o necessário repouso do corpo e do espírito.
Em directrizes emanadas do último concílio e depois dele, a Igreja vem acentuando a necessidade da «pastoral do turismo».
Na carta pontifícia dirigida ao I Simpósio Internacional sobre «Problemas pastorais do turismo», fala-se nas «novas imposições pastorais» que ele cria e afirma-se ser necessário adoptar perante ele apropriados e oportunos procedimentos pastorais, no plano diocesano como no interdiocesano, por forma a atingir-se um programa concreto, dinâmico e inteligente, «uma cura de almas» que corresponda às novas exigências estruturais.
E insiste-se na necessidade de organizar a vida litúrgica, com clero especializado nas paróquias que, em períodos do ano, vêem aumentar o número de fiéis em virtude de afluxos turísticos, por forma a o turista poder ouvir a própria língua e não se sentir estrangeiro na Casa de Deus.
Giovani Arrighi dedicou a este tema, em Agosto do corrente ano, no Osservatore Romano, uma série de artigos sob o título «A pastoral do turismo nos ensinamentos de João XXIII e Paulo VI».
Ali se diz, em referência a trechos de João XXIII, que o turismo oferece elementos positivos de cultura, sociabilidade, educação e até de ascese, multiplicando o encontro entre homens que o trabalho condena a viver ignorados uns dos outros, permitindo o conhecimento de outros povos, usos e costumes, compreensão e estima por outras formas de vida e em várias ocasiões ajuda recíproca.
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Não deixam de acentuar-se também neste trabalho, ilustrado por numerosas citações pontifícias, os aspectos negativos do turismo quanto à moral e, em particular, às dificuldades na assistência à missa dominical, sobretudo no que se refere, ao turismo de pouca duração que abranja os fins de semana.
E o articulista acentua as razões invocadas por Paulo VI para que a Igreja se deva interessar pelo turismo:
a) Razões de assistência religiosa;
b) Motivos de devoção (peregrinações, turismo religioso);
c) O turismo é o fenómeno que em grande escala informa os costumes e a mentalidade modernos.
Clara nas suas afirmações acerca da importância do turismo é a carta do Santo Padre dirigida, por intermédio do cardeal secretário de Estado, ao I Encontro Nacional Italiano sobre «A Pastoral do Turismo», realizado em Roma, em 19 e 20 de Setembro último, promovido pela Comissão para Turismo da Conferência Episcopal Italiana e em que tomaram parte os professores de Teologia Pastoral dos seminários e estudantados religiosos.
Ali se diz:
Ao exprimir a sua complacência pela iniciativa, que não tem até agora precedentes, e merece, portanto, todo o apoio, S. S. deseja aproveitar a feliz ocasião para dirigir aos promotores e aos participantes uma particular palavra de aplauso e de bênção.
O Encontro é índice eloquente da tomada de consciência, por parte dos teólogos, sobre os problemas urgentes e inadiáveis levantados pela pastoral do turismo e da séria vontade de estudo e reflexão com que acolheram as solícitas indicações do mais recente magistério pontifício e os cuidados do Concílio Vaticano II. A Santa Sé, com efeito, não tem deixado de acompanhar as fases do crescente fenómeno turístico com orientações, exortações e considerações, as quais, ao mesmo tempo que lhe reconhecem o eminente valor humano e espiritual, fazem ressaltar, em toda a sua importância, a necessidade de um cuidado pastoral que saia dos limites da improvisação para se dedicar ao turismo com clareza de princípios, com coordenação de métodos, com exigência de especialização que não se esquiva ao estudo dos especiais problemas psicológicos, ambienciais, técnicos e organizativos.
Por seu lado, o Concílio inculcou aos bispos o dever de adoptar «convenientes sistemas de assistência especial para os turistas» (decreto Christus Dominus, n.º 18); e, ao verificar a formação de novas formas de cultura das massas - que promove melhor a unidade do género humano, mas esconde, outrossim, perigos para as curas das almas -, exortou os cristãos a colaborar, «a fim de que as manifestações e actividades culturais colectivas, próprias da nossa época, sejam impregnadas de espírito humano e cristão» (Cost. part. Gaudium et Spes, n.º 61, cf. n.º 4). Convida, particularmente, os que viajam por motivos de negócio ou de simples distracção a recordarem-se de que são, em toda a parte, arautos itinerantes de Cristo e a comportarem-se, realmente, como tais (Conf. Decr. Apostolicam Activitatem, n.º 14).
Tal compromisso apostólico, com as responsabilidades e os deveres que comporta, exige, antes de tudo, dos teólogos, sobretudo daqueles que ensinam os futuros sacerdotes, uma nova reflexão global sobre os métodos pastorais, conducentes a ter pastores de almas preparados também para este grave dever do seu ministério, que saibam, cada vez melhor, cuidar do turismo com apropriadas iniciativas, contactos abertos e amigos, com disponibilidade completa para as exigências espirituais e pastorais, sobretudo formando as almas para que mesmo nos tempos livres dêem o seu testemunho de fidelidade total, alegre e empolgante a Cristo Senhor.
O Santo Padre deseja, portanto, que o ensino da teologia pastoral do turismo obtenha o devido lugar nos institutos de formação eclesiástica e religiosa e que para este fim haja uma maior colaboração entre os professores das universidades e seminários.
Sr. Presidente: Esta longa referência pretende documentar e dar relevo à importância que a Igreja vem atribuindo ao fenómeno turístico, sob o ponto de vista espiritual e social, e acentuar que ele transcende em muito a indústria turística pròpriamente dita.
António Ferro - não me canso de recordá-lo - foi o grande precursor do turismo integral e, porventura, um dos primeiros do Mundo a reconhecer a sua transcendência e a sua influência na valorização - sobretudo valorização - estética - de um país.
Não resisto a documentar com palavras suas o que venho de dizer:
Se o turismo é um problema sério, e não um simples passatempo, é porque está ligado, directa ou indirectamente, a quase todos os problemas nacionais, contorno indispensável da nossa renovação, seu necessário acabamento. O turismo perde assim o seu carácter de pequena e frívola indústria para desempenhar o altíssimo papel de encenador e decorador da própria Nação. É que todas as obras públicas resultarão apagadas, frias, inexpressivas, se não forem animadas pelo turismo, pela graça feminina do turismo. O mais belo palácio pode repelir-nos se não tiver flores, por toda a parte, a iluminá-lo. Ora, o turismo, precisamente, é o grande jardim do progresso moderno.
Provado fica, sumariamente, que depende, em grande parte, deste problema o apuramento, a valorização de toda a obra nacional. Mas, ajudando essa obra, o turismo constitui, em si mesmo, uma obra profunda de higiene e de bom gosto, uma divulgação de gestos e de princípios indispensáveis à elevação artística e espiritual de cada povo. Mais ainda, o seu prestígio internacional é consequência, em certos aspectos, da sua organização de turismo.
Joffre Dumazedier, que em vários trabalhos tenho citado, pergunta se não estaremos neste capítulo a sair da civilização do trabalho mecanicista, fruto da revolução industrial do século XVIII, cujos resultados, a um tempo, usufruímos e sofremos. Situar-nos-íamos no limiar de uma espécie de civilização de loisir, reacção compensadora em face das consequências a que a evolução da primeira poderia conduzir a pessoa humana e que viria dar sentido e finalidade social às pausas no trabalho, cada vez maiores e mais reivindicadas.
Aparece-nos (o loisir), diz-nos Dumazedier, «como elemento central da cultura» vivida «por milhões de trabalhadores, possuindo relações subtis e profundas em todos os grandes problemas do trabalho, da família, da política, que sob a sua influência se põem em termos novos». «Pretendemos dizer - acrescenta Dumazedier - que a meio do século XX não é possível elaborar teorias sobre estes
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problemas sem ter reflectido nas incidências do loisir sobres eles.»
O turismo será, porventura, um dos capítulos mais vastos desta teoria, pelas incidências diversas que comporta, até pé a tendência inevitável, que possui, a generalizar-se cada vez mais a grandes massas humanas.
Parece-me não errar, com efeito, se disser que o turismo social pode não convir de momento a certos países e regiões, cuja estrutura só torna possível e vantajoso o turismo do qualidade, mas, quer o queiramos, quer não, ele acabará, no futuro, por desenvolver-se largamente, e para isso temos que preparar-nos. Também isso foi previsto pelos dois últimos papas.
João XXIII afirmou que o homem de hoje considera o turismo como um valor e reivindica-o como um direito.
E são de Paulo VI estas palavras:
O turismo social no plano internacional, além de favorecer o mútuo conhecimento entre os homens, seus países e suas civilizações, ajuda a compreender a alma e os povos; põe-nos em contacto com obras de arte, por meio das quais os povos se exprimem e favorecem o diálogo entre os homens. [Oss. Rom., 2 de Dezembro de 1965.]
Avizinhando os povos e as classes sociais, o turismo revela a rica diversidade desta moderna família que constitui o conjunto dos homens e é, por isso, um factor insubstituível de cultura e de humanismo, instrumento privilegiado de educação [Oss. Rom., 3 de Dezembro de 1965], sobretudo quando no desejo de conhecer se junte o de compreender e de amar. [Ibidem.] O turismo deve favorecer uma verdadeira educação da caridade. O turista, embora em férias, muitas vezes não põe em férias - por assim dizer - o seu egoísmo e o seu habitual individualismo. Precisa de uma vontade positiva para sair do seu isolamento, a fim de que a sua viagem resulte útil. Eis a maneira cristã de viajar que é o verdadeiro turismo social.
Alonguei-ma um pouco, Sr. Presidente, sobre estes aspectos supra-industriais do turismo, por duas razões.
Em primeiro lugar, porque me parece necessário que o País se consciencialize da transcendência do fenómeno quando se avizinha 1967 - o Ano Internacional de Turismo - e nele se celebrará o cinquentenário das aparições de Fátima.
Em segundo lugar, porque, tratando-se, como disse, de um fenómeno contemporâneo, irreversível, definitivo e universal, a indústria estruturada sobre ele não tem menor solidez, nem menos estabilidade, que qualquer outra indústria do nosso século. Apenas poderá o movimento turístico modificar as suas tendências, com o andar dos tempos, e essa indústria ter que adaptar-se a novas circunstâncias. Parece-nos que será sob o signo do sun, sand and sea, das praias e das ilhas de mar calmo e suave temperatura, que, por muito tempo, singrará o turismo. Admita-se que um dia outra tendência venha a dominar: o turismo terá de adaptar-se então à montanha ou às paisagens do interior, sem que as multidões deixem de viajar.
Cada país terá de defender o seu produto turístico, de adaptar-se ao gosto e à moda, defender-se da concorrência, cuidar da conquista de mercados, procurar equilibrar as possibilidades da oferta e da procura, como em qualquer outra indústria.
Todas as regiões do País, metrópole, ilhas e ultramar, devem preparar-se para o turismo, valorizando a sua matéria-prima, que é, neste caso, a paisagem, os monumentos, o folclore, etc., e é através do desenvolvimento regional e das redes de estradas e aeródromos que esse turismo, por sua vez, se pode desenvolver.
A indústria, de turismo obriga, todavia, e o Governo disso se apercebeu a tempo, à estruturação de grandes zonas de turismo de longa estada - conjunto industrial cujo clima, paisagem, capacidade hoteleira, divertimentos, etc., com a correspondente infra-estrutura económica, possam movimentar um número grande de turistas.
Essas zonas de turismo, de permanência ou de longa estada, são base essencial e ponto de partida donde irradie o movimento turístico por todo o resto do território, num turismo de passagem ou de pequena estada, de grande importância económica, se atingir volumes suficientes de turistas, renovando-se frequentemente.
Sr. Presidente: O II Congresso Nacional de Turismo, realizado há dois meses em Moçambique e integrado nas comemorações do 40.º aniversário da Revolução Nacional, representou uma iniciativa interessantíssima, coroada de êxito, pela diversidade dos assuntos tratados, pela forma como o foram e por constituir mais uma afirmação da pluricontinentalidade de Portugal.
Pude verificar que no notável discurso com que encerrou o Congresso, o Sr. Dr. Paulo Rodrigues, Subsecretário de Estado da Presidência, sintetizou admiràvelmente a obra feita desde a «arrancada» de 1964, os resultados obtidos, as perspectivas e normas de actuação em relação ao presente e ao futuro, as bases da nossa política de turismo, e focou as características que venho de referir:
As implicações do turismo na ordem moral, social e política - disse o ilustre homem de Estado - fazem dele, também, um problema de governo. Na defesa do bem comum cumpre assegurar, com intransigência e firmeza, que o surto turístico não constitua factor de desmoralização da gente e da terra portuguesas, antes, sirva para espelhar a verdadeira imagem deste povo perante um mundo sujeito à acção corrosiva de todas as mentiras que lhe forjam os interesses apostados na guerra psicológica, dirigida do exterior contra a liberdade e a integridade da Nação Portuguesa.
Teve o Congresso, Sr. Presidente, como um dos principais objectivos, os problemas suscitados pelas características pluricontinentais de Portugal e a necessidade de planificar e coordenar o nosso turismo adentro deste condicionalismo.
Parece-me que, como na metrópole, as províncias ultramarinas necessitam de definir, pouco a pouco, estruturar e apetrechar zonas de turismo de longa estada, de planalto e de praia, atendendo às condições climáticas, estações do ano, possibilidades no domínio do folclore, da fauna e da flora, etc., zonas estas donde irradie o turismo de passagem e de pequena estada para as outras regiões da província. E óbvio que a coordenação à escala nacional das grandes zonas turísticas do País pluricontinental e dos seus pontos terminais de irradiação daria lugar a gigantescas possibilidades, pelo volume do conjunto assim constituído, a que corresponderia certa capacidade de orientar grandes correntes turísticas, com apoio nas grandes carreiras aéreas nacionais, como nas de serviço interno de cada província, nas nossas agências de viagens e na nossa organização hoteleira. A Corporação de Transportes e Turismo teria papel específico a desempenhar neste sector.
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Há outro aspecto importante a considerar no turismo nacional pluricontinental, aliás magistralmente tratado pelo Sr. Dr. Paulo Rodrigues no discurso a que me referi.
É sabida a importância do saldo positivo da nossa balança turística e as suas características de exportação invisível, a que corresponde a entrada de divisas e o crescimento do produto formado em muitos ramos da actividade nacional.
E é sabido, também, quanto esses valores crescentes pesam cada vez mais como cobertura do deficit da balança nacional de pagamentos.
Definida a política nacional de turismo pelo ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho vai para três anos, conhece-se o incremento dado ao turismo externo a partir dessa data, os estudos técnicos, a reorganização dos serviços e a importância e posição que lhe foi atribuída no desenvolvimento da economia nacional. E sabem-se os valoras atingidos pela balança turística em países como a Itália, a Espanha, a Grécia, a Jugoslávia, etc.
Mas não se esqueça que o turismo passivo, isto é, aquele; que as naturais de um país vão fazer ao estrangeiro, pesa muito, em países como os Estados Unidos e a França, na redução do saldo positivo da sua balança turística. Este problema não existe para os países comunistas, porque se impede totalmente o dispêndio de divisas por parte dos seus cidadãos para turismo no estrangeiro. A balança turística nestes países não tem assim componente negativa e o seu valor corresponde praticamente ao total das receitas entradas.
O nosso turismo passivo em 1965 atingiu cerca de 2 500 000 contos, correspondentes ao dinheiro que os Portugueses foram gastar ao estrangeiro; em 1961 tinha um valor aproximado a 511 000 contos. Estes dois números dão a ideia da subida deste valor negativo.
À medida que for aumentando o nível de vida dos Portugueses e o hábito de viajar, o valor deste turismo passivo virá a pesar, sem dúvida, como factor negativo na economia nacional.
As características pluricontinentais do País, a variedade e beleza de paisagens e climas, do ambiente humano, costumes, folclores, etc., das grandes províncias ultramarinas, das ilhas adjacentes e de arquipélagos como S. Tomé e Cabo Verde permitem a propaganda, estruturação e desenvolvimento de um largo turismo interno adentro do espaço português.
A zona de turismo de permanência da Madeira tem, em relação ao continente português, a vantagem de ficar a pouco mais de duas horas de voo de Lisboa, que os aviões de jacto reduzirão, dentro de um ano, a quase metade. O ambiente repousante, o custo pouco elevado das viagens aéreas, se comparado com as do ultramar, a tendência acolhedora da sua gente, o equilíbrio e beleza das suas paisagens, constituem um atractivo enorme para o turista que se não pode deslocar para muito longe.
Em relação ao ultramar, a Madeira, pelo seu clima e estabilidade da sua temperatura, constitui um ponto de transição com muito interesse para o turista ultramarino que, sobretudo no Inverno, se dirige à metrópole.
Com efeito, na Madeira, à beira-mar e na zona sul, onde se situa a cidade do Funchal e se concentra quase totalmente o seu turismo, a temperatura média anual é de cerca de 18,8º, a qual desce para 16º em Fevereiro, o mês mais frio do ano, e sobe para 19,5º em Agosto, o mês mais quente. A temperatura da água do mar é, no Inverno, superior à do ar e em média de 17º.
Em pleno Inverno os turistas praticam a natação nesta estação fixa de turismo permanente.
Um turismo interno com as características referidas convenientemente estimuladas constitui grande profilaxia da perda de divisas resultante do nosso turismo passivo, contribuirá para a valorização da nossa balança turística e, sobretudo, para desenvolver o intercâmbio entre portugueses da metrópole e do ultramar, elemento essencial para que todo o País seja conhecido e amado pelos Portugueses, de qualquer cor e de qualquer província, da grande nação pluricontinental que queremos continuar a ser.
Ao viajar-se de Lisboa para a Madeira, S. Tomé, Angola ou Moçambique, tem-se a dupla sensação de que se viajou para muito longe e de que se mão saiu do nosso país, de que nos transportámos para ambientes bem diversos dos que vivemos, sem deixarmos de ouvir falar a nossa Língua.
Este turismo interno pluricontinental tem, como o nosso turismo externo, de atender a que as longas distâncias e o custo das viagens têm que ser compensados por uma política racional de preços de hotéis e tráfego aéreo para fins turísticos.
Nem de outro modo pode conceber-se.
A este assunto se referiu no congresso de Lourenço Marques o Dr. Arnaut Pombeiro, que afirmou:
O turismo depende directamente do nível e da capacidade dos serviços oferecidos pela indústria transportadora.
Visto a nível do espaço português, justifica-se assim todo o impulso que o Estado pretenda continuar a dar ao turismo nacional e o apoio à iniciativa privada neste domínio, sobretudo no âmbito do futuro Plano de Fomento.
Também se justifica, para certas regiões como a Madeira, e permitam-me que insista na zona de turismo donde venho, que ele se enquadre adentro do artigo 18.º da proposta da Lei de Meios, que trata da programação regional «tendente à correcção das disparidades de desenvolvimento e à promoção económica e social das diferentes regiões».
O turismo continua a representar para a Madeira a indústria susceptível de atingir larga escala e travar a crescente emigração, que continua, por um lado, a depauperar a ilha e a sua agricultura, onde se nota a falta de braços, e a ser, por outro lado, infelizmente, a maior fonte de entrada de divisas.
Com a sua fama, a sua vocação e as suas tradições turísticas, a Madeira continua a caminhar demasiado lentamente no seu desenvolvimento turístico.
Continuam idênticos os seus postulados: desenvolvimento agro-pecuário como suporte económico do turismo; ligação aérea directa a outros países; fomento hoteleiro.
Espera-se para breve a abertura da Escola Hoteleira, enquadrada no plano do desenvolvimento turístico da ilha, cujo estudo basilar foi concluído, mas que se deseja ver incrementado na sua execução.
Também se deseja encarar a hipótese de disposições regulamentares que permitam uma maior autonomia do seu órgão oficial do turismo, e que a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal possa adquirir terrenos para fins de fomento turístico, como já lhe é permitido fazê-lo para fomento agro-pecuário.
Foi a Madeira recentemente vítima de uma injusta campanha contra o seu aeroporto por parte de alguns jornais suecos, traduzindo uma frívola rixa entre agências de viagens dinamarquesas e suecas. Desejo registar nesta tribuna a firmeza, prontidão e eficiência com que o Comissariado do Turismo, através da sua representação na Suécia, desfez a atoarda que se levantara.
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896 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 49
Continua a aumentar ràpidamente na Madeira o movimento de passageiros, de aviões, de carga e de correio, como se pode verificar através dos números seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
Anos
1961 ....
1962 ....
1963 ....
1964 ....
1965 ....
1966 (onze meses) ....
É pequeníssimo o número de dias anuais em que o aeroporto não é utilizável.
As largas possibilidades dos transportes aéreos nacionais e o incremento que está a dar-se à carreira da Madeira, que inclui, num futuro relativamente próximo, a utilização de aviões de jacto, traz para o primeiro plano a necessidade de se fomentar a construção hoteleira e o investimento neste sector de capitais vindos de fora da ilha. E o afluco destes capitais tem sido tão pequeno que são preciosos para o turismo madeirense aqueles que neste aspecto se aventurem como precursores.
Estão projectadas, além do conjunto do casino, que inclui um hotel, duas outras grandes unidades hoteleiras, num total, pelo menos, de mil camas.
Espera-se que da rapidez nas decisões a tomar quanto à construção das três unidades e na ajuda que se lhe possa dar resulte um passo em frente na capacidade hoteleira da Madeira, demento prioritário, neste momento, do seu desenvolvimento turístico.
Sr. Presidente: A proposta da Lei de Meios não menciona directamente o turismo, enquadrado, sem dúvida, nas generalidades dos artigos 16.º e 18.º
No relatório lê-se o seguinte, ao falar-se de estímulos gerais ao desenvolvimento: «No que se refere às actividades com relevância na obtenção de receitas turísticas, encara-se conferir maior maleabilidade ao regime de concessão de benefícios existentes, em harmonia com princípios gerais da remodelação das isenções fiscais com objectivo económico.»
Na realidade, digo eu, a indústria de turismo não pode deixar de ser enquadrada na política geral do nosso desenvolvimento industrial, com objectivo a maior produção, maior exportação invisível, que é, neste caso, a entrada de turistas, e boas condições de concorrência no mercado internacional.
E se a indústria de turismo é, por um lado, tributária de uma infra-estrutura de valorização do País e de uma política que deve ser cada vez mais aberta quanto ao tráfego turístico, os serviços de turismo precisam, por outro lado, de ser efectivamente abastecidos de fundos que lhes permitam capacidade suficiente para conduzir a bom ritmo a nossa promoção turística.
Faço votos por que isto assim possa acontecer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá duas sessões, uma de manhã, às 11 horas, para se concluir a discussão na generalidade da proposta de lei em debate, outra à hora regimental, para se iniciar e concluir, como é preceito constitucional, a discussão na especialidade da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Arlindo Gonçalves Soares.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Colares Pereira.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
D. Custódia Lopes.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Jaime Guerreiro Rua.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA