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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
ANO DE 1968 10 DE JANEIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 115 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 9 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões n.º 103, 104, 105 e 106.
Deu-se conta do expediente.
Foram entregues aos Srs. Deputados Nunes Barata, José Alberto de Carvalho e Augusto Simões elementos fornecidos por vários Ministérios em resposta a requerimentos apresentados em sessões anteriores.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa diversos números do Diário do Governo que inserem vários decretos-leis.
Foram também recebidas na Mesa as contas das provindas ultramarinas relativas ao exercido de 1966.
Foram lidas as respostas do Governo a notas de perguntas apresentadas anteriormente poios Srs. Deputados Borges de Araújo e Amaral Neto.
O Sr. Presidente referiu-se à morte dos antigos Deputados Dr. Rui de Andrade, Dr. José Manuel Videira Pires e embaixador José Nosolini, mandando exarar na acta um voto de pesar pelo seu passamento.
O Sr. Deputado Cancella de Abreu foz igualmente referência à morte do antigo Deputado Dr. Rui de Andrade, tecendo o seu elogio.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses também prestou homenagem à memória dos antigos Deputados Dr. Rui de Andrade c Dr. José Manuel Videira Pires.
O Sr. Deputado Sebastião Alves enalteceu o amplo movimento de solidariedade do Governo e do povo português a favor das vitimas das trágicas inundações registadas na região do Lisboa em Novembro passado.
O Sr. Deputado Marques Teixeira congratulou-se com a próxima inauguração de um serviço de táxis aéreos na metrópole, realçando a sua importância para o distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta louvou a obra desenvolvida pelo jornal Ô Primeiro de Janeiro, a propósito do seu centenário.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei do serviço militar.
Usou da palavra o Sr. Deputado Barbieri Cardoso.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
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Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubacb Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, tendo já sido distribuídos, os Diários das Sessões n.ºs 103, 104, 105 e 106. Estão em reclamação. Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão aprovados. Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De um grupo de estudantes do Instituto Superior Técnico apoiando as considerações do Sr. Deputado Sousa Magalhães sobre o ensino da matemática nas nossas Universidades.
Do presidente da Comissão Regional de Turismo das Ilhas de S. Miguel e Santa Maria apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Armando Cândido, Nunes Barata, Valadão dos Santos e Sousa Meneses acerca do turismo dos Açores.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Nunes Barata em requerimento apresentado na sessão de 9 do mês findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação de requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Alberto de Carvalho na sessão de 2 de Fevereiro do ano findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão igualmente na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação de requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Simões na sessão de 8 de Novembro passado. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 8.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa o suplemento ao Diário do Governo n.º 284 e os Diários do Governo n.ºs 289, 290, 292, 294, 297, 299, 300, 301 e 302, 1.ª série, respectivamente de 7, 14, 15, 18, 20, 23, 27, 28, 29 e 30 de Dezembro findo, que inserem os Decretos-Leis:
N.º 48 094, que procede a alguns ajustamentos nos quadros do pessoal do Hospital do Ultramar e do Centro de Documentação Técnico-Económica e cria dois lugares de contínuo de 2.a classe no quadro dos serviços gerais do Ministério;
N.º 48 112, que permite que, sempre que a conservação corrente das estradas nacionais o aconselhe, o subsídio ordinário anualmente concedido à Junta Autónoma de Estradas, nos termos do n.º 1) da base I da Lei n.º 2068, seja corrigido através de disposições a inserir no decreto orçamental de cada ano, e determina que para os encargos com os acessos da margem sul à Ponte Salazar sejam inscritas dotações, a partir de 1 de Janeiro de 1968, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 45 149, de harmonia com o único do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 47 107;
N.º 48 116, que altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 35 836, que instituiu o Serviço Meteorológico Nacional, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 46 099, e revoga o artigo 32.º e o
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§ único do artigo 2.º, respectivamente, dos Decretos-Leis n.ºs 35 836 e 46 099;
N.º 48 117, que aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos sobre segurança social, assinada na Haia em 12 de Outubro de 1966;
N.º 48 118, que determina que o produto do imposto de circulação, a que se referem os artigos 6.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 45 331, cobrado nos distritos autónomos das ilhas adjacentes onde se encontrem descentralizados os serviços de viação, constitua receita das respectivas juntas gerais;
N.º 48 136, que altera o quadro de oficiais médicos fixado pelo artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 28401;
N.º 48 137, que permite que o vice-almirante chefe do Estado-Maior da Armada continue no activo até aos 67 anos, se o Governo, reconhecendo conveniência nisso, o reconduzir naquele cargo;
N.º 48 146, que cria na Presidência do Conselho, na dependência do Ministro da Defesa Nacional, o Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional e define a sua finalidade e competência;
N.º 48 165, que cria na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o Serviço de Inspecção da Caça e Pesca e define a sua competência e funcionamento;
N.º 48 166, que promulga a estruturação das carreiras hospitalar, de saúde pública e de ensino para os profissionais de enfermagem dos estabelecimentos e serviços oficiais do Ministério da Saúde e Assistência;
N.º 48 168, que define os objectivos em que o Governo promoverá o fomento da utilização de máquinas nas culturas agrícolas e florestais;
N.º 48 169, que reorganiza a Estação de Cultura Mecânica, criada pelo Decreto-Lei n.º 27 207;
N.º 48 171, que torna aplicável aos funcionários nomeados nos termos do Decreto-Lei n.º 47 343, em comissão de serviço, para desempenhar funções nos serviços de utilização comum dos hospitais, criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 46 668, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 32 691 (direito a aposentação como subscritores da Caixa Geral de Aposentações);
N.º 48 172, que abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Ultramar, destinado a reforçar a verba inscrita no artigo 127.º, capítulo 18.º, do orçamento em vigor do segundo dos mencionados Ministérios;
N.º 48 174, que equipara, para efeitos de vencimentos e diuturnidades, os mestres de Trabalhos Manuais do Colégio Militar aos mestres da classe C referida no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 37 028 (ensino profissional industrial e comercial);
N.º 48 178, que abre um crédito no Ministério das Finanças para a respectiva importância ser adicionada à verba inscrita no artigo 315.º, capítulo 13.º, do orçamento de Encargos Gerais da Nação para o corrente ano económico;
N.º 48 180, que prorroga até 31 de Dezembro de 1968 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049, que permite manter aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço a sua actual situação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enviadas por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Ultramar, estão na Mesa as contas das províncias ultramarinas relativas ao exercício de 1966:
Estão na Mesa as respostas às notas de perguntas apresentadas pelo Sr. Deputado Borges de Araújo na sessão de 2 de Março e pelo Sr. Deputado Amaral Neto na sessão de 15 de Novembro do ano findo. Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes.
Elementos de informação relativos à nota do Sr. Deputado António Magro Borges de Araújo sobre a execução da Lei n.º 2129, de 20 de Agosto de 1966.
Pergunta primeira - Qual a razão por que aguarda provimento mais de um milhar de requerentes, desde o mês de Outubro do ano findo?
O cumprimento da Lei n.º 2129 não só diz respeito às preferências estabelecidas nas suas bases I a IV, mas também, e sobretudo, às consequências resultantes da revogação do disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 40 964, de 31 de Dezembro de 1956.
Na verdade, as referidas bases I a IV não aumentaram, só por si, o número de lugares a prover ao abrigo da preferência conjugal.
A revogação do referido artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 40 964 veio, porém, abrir a possibilidade de passarem a ser providos por professores efectivos cerca de 3000 lugares até então preenchidos só por professores do quadro de agregados.
Assim, houve um aumento enorme de lugares postos a concurso, sem que tenha havido qualquer aumento de funcionários do quadro, quer das direcções escolares, quer da Direcção-Geral.
Para serviço na Direcção-Geral requisitaram-se algumas professoras, que, para produzirem algum rendimento, necessitam de bastante tempo de aprendizagem.
Em Outubro de 1965 os funcionários tiveram de dar andamento ao provimento de cerca de 3390 lugares, para os quais foram apresentadas muitas de z e v. as de milhares de requerimentos (por exemplo, em Lisboa, 20000; no Porto, 12000; em Braga, 10000).
No ano lectivo de 1966-1967 foram postos a concurso mais de 4000 lugares, para os quais foram apresentados cerca de 83000 requerimentos.
Por outro lado, despendeu-se muito tempo a prestar informações e esclarecimentos sobre a nova mecânica legal e a pôr a concurso e prover quase 500 novos lugares do ciclo complementar do ensino primário (5.a classe) no princípio do ano lectivo de 1966-1967.
Além disso, houve necessidade de proferir vários despachos ministeriais interpretativos da aplicação da Lei n.º 2129, para o que foi necessário estudar muitos processos de concursos relativos à preferência conjugal, a fim de se poder ter uma ideia de conjunto, e pedir parecer à Procuradoria-Geral da República sobre se os cônjuges de vários concorrentes deviam ser considerados funcionários públicos ou simples serventuários do Estado, pois no primeiro caso teriam direito a dar preferência conjugal e no segundo caso não.
Acresce, ainda, que, tanto nas graduações como nas nomeações, se procede segundo uma escala de seriação, e a falta de decisão num processo implica a paragem de outros.
Julga-se que os factos apontados são razões suficientemente justificativas da demora dos provimentos dos lugares abertos ao abrigo da Lei n.º 2129.
Pergunta segunda - Existe qualquer fundamento para não se dar integral execução à Lei n.º 2129?
Vêm-se envidando todos os esforços para dar integral execução à Lei n.º 2129. As razões de uma certa morosidade no cumprimento dessa lei acham-se bem esclarecidas na resposta à primeira pergunta.
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Pergunta terceira - Não existindo, quais as providências tomadas e as que o Ministério da Educação Nacional pensa tomar para que a lei seja cumprida?
Pelas respostas anteriores se vê que não existe qualquer fundamento para se não dar integral execução à Lei n.º 2129.
As providências adoptadas pelo Ministério foram:
Consultas feitas à Procuradoria-Geral da República;
Vários despachos interpretativos da Lei n.º 2129 para sua aplicação;
Modificação dos avisos de concurso, de modo a determinar melhor as condições de concurso, e outras modificações de harmonia com os despachos ministeriais.
Providências que conviria adoptar:
Estando já esclarecidas as dúvidas que surgiram na sua aplicação, julga-se que se tornaria necessário aumentar os quadros da Direcção-Geral do Ensino Primário e dispor de mais espaço para poder receber os funcionários a admitir.
Resposta a uma nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Monteiro do Amaral Neto, na sessão da Assembleia Nacional de 15 de Novembro de 1967.
1. £ de 4 por cento a taxa de juro considerada para o cálculo da amortização do capital investido, que foi de cerca de 150 000 contos.
2. Consoante dispõe o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 43 705, de 22 de Maio de 1961, as importâncias cobradas sob a forma de portagem são escrituradas no orçamento das receitas gerais do Estado.
A contabilização da amortização do investimento é feita na Junta Autónoma de Estradas, considerando as receitas anuais de portagem, os dispêndios com a conservação e exploração da obra e os juros.
3. Procedimento análogo é seguido em relação à auto-estrada do Norte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Depois da última sessão da Assembleia, realizada em 15 de Dezembro, morreram os antigos Srs. Deputados Dr. Bui de Andrade, que foi Deputado nas IV e VI Legislaturas, Dr. José Manuel Videira Pires, que foi Deputado na VIII Legislatura, e o embaixador José Nosolini Osório da Silva Leão, que foi Deputado nas I, III, IV e V Legislaturas.
Mando exarar na acta, com a segurança de que interpreto os sentimentos da Assembleia, um voto de pesar pelo passamento destes antigos Srs. Deputados. Pus a mim mesmo a dúvida sobre se devia fazer referência à morte do antigo Sr. Deputado José Nosolini, porque sei que o Sr. Embaixador José Nosolini deixou disposição no sentido de se não dar qualquer publicidade à sua morte. Não obstante, entendo que essa disposição não me liga, e, portanto, não me sinto obrigado a deixar de mandar exarar no Diário das Sessões uma referência à sua morte. Também entendo que, em consequência dessa disposição que conheço, não devo ultrapassar este simples registo que acabo de fazer em homenagem à modéstia exteriorizada pelo homem de quem fui amigo e cuja morte sinto, não só como Presidente da Assembleia, mas também na qualidade de seu amigo. Suponho que não podia deixar de fazê-lo, depois de conhecer a disposição que deixou no sentido de que a sua morte não fosse acompanhada de qualquer forma de publicidade. Respeito a vontade dos que morreram; não se trata, porém, de publicidade, mas de puro registo da morte de um antigo Deputado sem lhe ajuntar palavras que podiam magoar a memória da modéstia que quis fosse guardada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: O voto que V. Ex.ª se dignou mandar exarar no Diário das Sessões por motivo do falecimento do antigo Deputado Dr. Bui de Andrade representa um acto de justiça, pois o Dr. Bui de Andrade, quer na Câmara dos Deputados das Legislaturas de 1906 e na que existiu sob a égide de Sidónio Pais, quer em duas Assembleias Nacionais de actual situação política, foi um parlamentar ilustre.
Nesta qualidade, ocupou-se especialmente dos problemas da agricultura, problemas sérios e de sempre; e fê-lo com a autoridade e o prestígio que lhe advinham do saber de experiência feito; experiência de que deu exemplo a sua grande casa de lavoura em Santa Eulália, a administração da afamada Quinta da Cardiga e outras.
Também os temas agrícolas e de pecuária foram objecto da sua colaboração na imprensa, especialmente em A Voe. E era há muito presidente da Associação da Agricultura.
No campo político, Rui de Andrade foi sempre coerente e firme nos seus ideais e, ao serviço deles, grandes foram, por exemplo, as suas diligências para que a Família de Bragança tivesse residência condigna em Portugal; e presidiu à comissão que levou a efeito a construção da estatua de El-Rei D. Carlos, em Lisboa.
Independentemente do exposto, nobres e efectivos sentimentos levaram-no a consagrar a memória de seu pai, mediante a divulgação da sua notável obra artística, em luxuosa edição, constituída por quatro luxuosos volumes de pintura e aguarelas.
Por muitos títulos, a sua memória é, pois, condigna de todas as homenagens.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Meneses: -Sr. Presidente: No final de 1967 desapareceram da cena da vida duas figuras políticas que V. Ex.ª já evocou e que eu sito meu dever evocar também, não para traçar o seu panegírico, como um dia se fará, mas tão-sòmente como nota de simples homenagem pelo muito que fizeram na restauração dos autênticos valores nacionais, numa doação contínua e total de inteligência e acção.
O Dr. Rui de Andrade, grande figura em vários domínios, foi um exemplo de fidelidade às ideias mais puras do nosso nacionalismo cristão. Lavrador, artista e político, em tudo pôs o zelo de prestigiar e engrandecer o País. Atravessando, ao longo da sua vida, os períodos mais desiguais e difíceis da nossa história política deste século, encontrou-se sempre na linha dos que auxiliaram a recuperação nacional e trabalharam pelo reaportuguesamento das nossas instituições. Muito se lhe deve na criação do Portugal novo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nas muitas conversações em que me foi dado ouvir a sua palavra sadia e sábia, exprimia sempre,
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como espécie de lema pedagógico, uma admiração de fascínio e gratidão pelo Sr. Presidente do Conselho, o que servia de incutir mais fé e confiança nos destinos da Nação sob o comando supremo daquele insigne estadista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A segunda figura, o Dr. José Manuel Videira Pires ...
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. António Santos da Cunha: - Peço licença a V. Ex.ª para acrescentar algumas palavras às que acaba de proferir sobre a figura verdadeiramente nacional do antigo Deputado Sr. Dr. Bui de Andrade, que, após uma vida operosa, acaba de desaparecer do número dos vivos. O velho lavrador e insigne político que, como V. Ex.ª acaba de brilhantemente referir, esteve presente em todas as iniciativas que foram necessárias para que Portugal retomasse os trilhos sãos que tinha abandonado, exerceu as altas funções de lugar-tenente da Ordem do Santo Sepulcro em Portugal, lugar onde prestou ao País também altos serviços.
Como humilde, o mais humilde membro desta notabilíssima Ordem, tão Intimamente ligada a Santa Sé, entendi dever fazer ressaltar esta nota.
Sobre a morte do antigo Deputado Videira Pires, a que V. Ex.ª começou a referir-se, quero apenas que aqui fique a minha bem sentida lágrima de saudade.
O Orador: - A segunda figura, dizia eu, o Dr. Videira Pires, que foi Deputado na precedente legislatura, é um exemplo raro de dedicação à doutrina e às estruturas da Revolução Nacional. No liceu, na Universidade e na profissão nunca se recusou a servir quando e onde fosse preciso, e pela conversa, pela pena e pela oratória marcou, com fulgor, uma presença convincente de apologeta da restauração integral do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fundador e director de jornais, conferencista e filósofo, publicista, e professor, afadigou-se em exercer o mais puro magistério de combatente de uma causa que temos por certa e imprescindível ao bom governo do nosso povo. Da sua actuação parlamentar não sei dizer o suficiente, porque não estava na Câmara; lembro apenas o desvanecimento com que ele falava de alguns vultos desta Assembleia, de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e de outros Srs. Deputados.
A sorte (a sorte, chamemos-lhe assim) não foi mãe, mas madrasta, pura este denodado nacionalista. Apesar disso, nunca se lhe ouviu uma só palavra de recriminação ou revolta contra ela. Aceitou, resignado, os golpes da fortuna, certamente convicto de que quem vive segundo a consciência não é nunca totalmente infeliz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como disse, não quis fazer o panegírico destas duas figuras, díspares na idade e nas condições sociais, mas convergentes no mesmo ideal de ver a Nação restituída à sua plena verdade política. Quis apenas obedecer ao imperativo do coração e à sentença, que uma vez li, de que a lembrança dos homens bons não é, em certa medida, menos útil do que a sua presença.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: Hão-de passar anos, bastantes anos, para sarar todas as feridas morais e materiais deixadas por essa onda de desolação e morte que perpassou pela periferia de Lisboa de 25 para 26 de Novembro último.
Há ainda lágrimas em muitos olhos, que não se cansarão de chorar os seus mortos, e uma pesada vaga de tristeza se apoderou das populações atingidas pela dantesca avalancha de água e lama que, ao mesmo tempo que consumiu vidas e destruiu casas, pontes e estradas, deixou um fundo rasto de estragos: comerciantes sem fazenda, fábricas destruídas ou paralisadas por longos períodos, agricultores com as leiras devastadas, os gados mortos e os arvoredos perdidos!
Aias, se a catástrofe veio em dimensões bíblicas, a resposta que se lhe deu teve medidas proporcionais à sua grandeza.
Nos anais que costumam registar os vaivéns da vida hão-de figurar, lado a lado, a página negra da tragédia, com as suas mortes, destruições e privações, e a página luminosa dessa onda de caridade cristã e de verdadeiro amor ao próximo de que deram testemunho populações e governantes.
Penso ser de salientar antes de mais a acção abnegada e em muitos casos, arriscada de quantos, na densidade da trágica noite e nos dias seguintes, socorreram, ajudaram, salvaram e agasalharam parentes, vizinhos, simples conhecidos e até desconhecidos!
Admirável, espantosa demonstração de solidariedade do nosso povo!
Essa vaga de generosidade, que partiu dos centros afectados pela catástrofe, atingiu rapidamente o País inteiro e estendeu-se ao Mundo todo, dando azo a manifestações de pesar sem conta e ofertas oriundas de muitos recantos da Terra! Houve vários chefes de Estado que quiseram acompanhar-nos com o seu óbulo, merecendo um apontamento especial o de Sua Santidade o Papa Paulo VT. Merece também uma referência singular o generoso donativo da Fundação de Kalouste Gulbenkian, de 50000 contos, para construção e reparação de habitações. O gesto tem a altura do titular da Fundação e é digno dos seus actuais dirigentes!
Ainda agora, decorrido que vai mês e meio, prosseguem pelo País os peditórios, promovidos voluntariamente por gentes de todas as categorias e situações e o ritmo de entrada das dádivas do estrangeiro parece não querer abrandar.
Não sei de ocasião em que se possa ter observado tanta grandeza de alma, tanto amor ao próximo! Não sei mesmo se alguma vez foi possível em Portugal ver praticada por instituições ou pessoas tanta caridade!
Agiu-se por amor, agiu-se por devoção, agiu-se com verdadeiro espírito evangélico! E isto por toda a parte, onde quer que faltaram alimentos ou agasalhos, onde quer que se pedia um tecto.
Até a nobre e digna figura do Chefe do Estado apareceu por toda a parte com o conforto da sua palavra, a esperança da sua presença.
O Governo, em si, agiu depressa e bem. É certo caber-lhe a obrigação maior no acudir à trágica emergência. Mas onde não chegava a obrigação, entrou-se com a devoção.
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O Conselho de Ministros que marcaria o rumo das acções a empreender reuniu-se logo a 27, sob a presidência de Salazar, que, aliás, desde a primeira hora se informara de tudo e acompanharia depois tudo o que foi feito e está a colaborar nos planos do muito que há a fazer.
Já no dia 26 os membros do Governo que puderam atingir Lisboa se devotaram sem descanso às providências mais urgentes. Cabe aqui lembrar que S. Ex.ª o Secretário de Estado da Aeronáutica, nosso mui ilustre colega nesta Assembleia, conseguiu, correndo grave risco, atingir as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em Alverca, alta madrugada de 26.
O citado Conselho de Ministros definiu as linhas gerais de actuação, que passavam principalmente pelos Ministérios do Interior, da Saúde e Assistência, das Corporações, da Economia e das Obras Públicas, sob a coordenação de S. Ex.ª o Ministro do Interior.
Emergindo daqui, organizou-se no Ministério do Interior um grupo de auxílio imediato às vítimas, presidido pelo Sr. Governador Civil de Lisboa, que visava as necessidades prementes de alojamento, roupas, camas e alimentação e que englobava representantes do Instituto de Assistência à Família, da Direcção-Geral de Saúde, do Ministério das Obras Públicas, da Misericórdia de Lisboa, da Caritas, do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha Portuguesa.
Do muito que foi feito deram conta os órgãos habituais de informação, mas, Sr. Presidente, muito mais do que foi anunciado se fez efectivamente.
Para lá do que se atribuiu às entidades que acima citei e às corporações de bombeiros, às forças armadas e de segurança, às câmaras municipais, às juntas de freguesia e das reverendos párocos, muito haveria que contar se se pudera organizar inventário completo de quanto já se deu e de quanto já está realizado.
E o que se não disse? E o que se fica a ignorar? Colectividades, lavradores, camponeses, operários, estudantes, empresas, todas foram inexcedíveis em zelo, abnegadamente esforçados, magnânimos no trabalho dado e nos equipamentos gratuitamente cedidos.
Passada a fase angustiante dos primeiros socorros, encarou o Governo os problemas de fundo que requeriam soluções de maior amplitude, mandando proceder muito rapidamente a inquéritos - alguns milhares de inquéritos! - para melhor poder agir onde e quando fosse necessário.
Paralelamente, os titulares das pastas do Interior, Saúde. Corporações, Economia e Obras Públicas percorreram incessantemente a região assolada, reformando-se aqui, consolando além, encorajando mais adiante.
Poderão SS. Exas. avaliar quanto de emoção suscitaram, quanto de coragem incutiram e quanto de gratidão colheram, aparecendo, governantes em pessoa, nas aldeias devastadas, transpondo portas de comerciantes arruinado? e visitando fábricas semidestruídas e paralisadas?!
Só quem viveu intensamente o momento e lhe sofreu os efeitos em vidas e haveres poderá ter medido justamente o alcance de tais visitas!
Passado o momento agudo, realizados os necessário;? inquéritos, dizia, houve que enfrentar os problemas maiores: acautelar a saúde das populações; construir ou reparar habitações; estimular e ajudar o pequeno comércio e a pequena lavoura, mais fortemente afectada; repor em produção as unidades industriais paralisadas e acautelar os pagamentos dos salários dos trabalhadores inactivos; reconstruir estradas, pontes, caminhos, condutas de água, etc.
Como é óbvio, acorreu a salvaguardar os problemas sanitários que poderiam emergir da situação criada o Ministério da Saúde e Assistência, através da Direcção-Geral de Saúde. Houve que abastecer de água potável várias povoações, houve que instalar rapidamente postos de vacinação, houve que distribuir medicamentos e material de enfermagem.
As medidas adoptadas eram, em regra, de carácter preventivo e mostraram-se suficientes.
No que se refere a alojamentos, deduzira-se dos inquéritos imediatamente realizados que haveria necessidade urgente de muitos centos de habitações. Além da aquisição imediata de 200 casas pré-fabricadas a que se procedeu, cedeu, ou vai ceder, o Ministério das Corporações cerca de 300 fogos, acabados uns, em vias de acabamento outros, e a Câmara Municipal de Lisboa, cerca de sete dezenas. Houve aqui a rara coincidência de ser possível a ocupação imediata de tantas casas já construídas, mas houve também o desvelo e boa vontade de todos os intervenientes.
Carecendo-se ainda de quatro ou cinco centenas de habitações, sei que já estão preparados os respectivos projecto» e as necessárias verbas para uma rapidíssima construção.
Tem algo de inusitado e é merecedora dos mais rasgados encómios a acção do Ministério da Economia sobre os sectores atingidos da agricultura, do comércio e da indústria.
O crédito de 250 000 contos anunciado em nota oficiosa começou rapidamente a ser aplicado onde mais fortemente se fazia sentir a necessidade: nas pequenas explorações.
Os inquéritos, mais ou menos já concluídos, que foram conduzidos com uma velocidade que a rotina da burocracia estatal não comporta, levarão, certamente, a alargar o crédito anunciado, pois os prejuízos sofridos são-lhe comprovadamente superiores.
De um primeiro apuramento concluiu-se que foram danificados ou ficaram destruídos 2730 estabelecimentos agrícolas, 1422 casas comerciais e 331 unidades industriais, com prejuízos calculados, respectivamente, em 80 900, 68 800 e 227 700 contos, num total de 377 400 contos!
Estes números são ainda susceptíveis de agravamentos, que só pesquisas ainda em curso hão-de estabelecer.
Para
Sei ainda que para a agricultura c a indústria se encontra completa, a maioria dos processos e que se começará dentro de dias II atribuir subsídios. As normas burocráticas que observei são simples, rápidas e práticas. Penso ser impossível ir mais depressa ou fazer melhor.
Mas o que é mais notório na acção deste departamento governamental é a, concessão do subsídios não reembolsáveis nos casos mais agudos. O Governo, aqui, viu mais longe que as simples actividades económicas abrangidas: não havia só unidades de produção ou circuitos de distribuição; havia vidas inteiras de trabalho em que tudo se perdeu; havia entidades produtoras agrícolas ou industriais em que residia o mundo todo dos que as ergueram e até dos que nelas trabalhavam. E nisto, não cabendo obrigações, agiu-se por devoção.
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Aspecto idêntico teve a resolução do Ministério das Corporações, providenciando a cobertura dos salários inerentes às actividades paralisadas pelos acontecimentos. Foi-se mais longe e mais fundo do que permitiam os esquemas habituais de actuação. Salvaguardando a face humana do caso, a face política saiu enaltecida!
Tarefa pesada e necessariamente lenta caberá ainda ao Ministério das Obras Públicas: há estradas sem pavimento, pontes arrasadas, ribeiras que se assorearam ou mudaram de leito, canais de drenagem obstruídos e o mais que seria fastidioso enunciar.
Executou-se já o essencial a, vida dos povos atingidos, recorrendo a soluções provisórias, como tinha de ser. O resto requer projectos prévios e verbas avultadas.
Sei que se aprontaram os projectos e se mobilizaram já, em parte, as verbas para um rápido actuar. Aqui terá de contar-se com alguma morosidade, mas não vai nisso mal maior, uma vez que se acautelou o mais urgente.
Ao Ministério das Finanças competirá a aplicação das isenções fiscais que os prejuízos sofridos aconselham.
Na emergência houve que reforçar certas verbas o proceder a dotações suplementares para alguns serviços de outros Ministérios, tudo prontamente satisfeito.
Entretanto, Sr. Presidente, no afã de bem fazer em que nos empenhamos todos, governantes e governados, não houve tempo para escutar algumas vozes hostis a tudo o que é português e que, efectivamente, também agora se manifestaram por esse Mundo adiante, sobretudo através de certa imprensa.
Propalava-se um amontoado de atoardas e protérvias no intuito de responsabilizar o Governo pela catástrofe!
A rapidez com que agiram levou, todavia, a divulgar notícias tão falsas e desencontradas que os leitores devem ter desconfiado. E desconfiaram, como alguém me confessou.
No meio da confusão que se pretendeu estabelecer, informou-se até que o Governo Português teria recusado o auxílio da Cruz Vermelha Internacional.
Ora, posso afirmá-lo rotundamente, nem a Cruz Vermelha Internacional ofereceu o seu auxílio, nem o Governo o recusou!
Aceitámos, por exemplo, auxílios da Cruz Vermelha Suíça, Inglesa, Alemã, Belga, etc., e aceitaríamos de bom grado outros de idênticas proveniências.
Não mendigámos, nem tanto era necessário, mas recebemos, gratos e com humildade, o que quiseram dar-nos.
A nossa dor e a nossa tristeza não aumentaram com tal campanha de deturpações, mas custa muito saber que nisso terão colaborado gentes que vivem o seu dia a dia n» nossa terra, alguns dos quais são portugueses!
Que se pense de modo diverso do nosso, aceita-se. Que portugueses entreteçam especulações políticas sobre a dor e o luto de portugueses, é ultrapassar todos os limites da decência e da convivência!
E consolador, todavia, o comportamento dos órgãos portugueses de informação, incluindo a imprensa. Em tudo houve objectividade e verdade, como é seu timbre.
Sr. Presidente: Colocado numa das zonas mais afectadas, atingido seriamente nos meus efectivos de trabalho e nas minhas instalações industriais, eu posso aqui testemunhar quão valiosas e reconfortantes foram as medidas adoptadas e os passos dos nossos governantes e, ao curvar-me perante os meus mortos e perante todos os mortos da tragédia, quero deixar bem expressa a minha gratidão a todos e penso poder interpretar a gratidão de todos quantos padeceram perdas de vidas e fazenda.
A certa e cristianíssima resposta das populações e a acção decidida e eficaz do Governo levam-me a concluir estas palavras com uma afirmação de fé: que nenhum cabo das tormentas há-de deter este nobre e digno povo!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: Pedi a V. Ex.ª a concessão do uso da palavra para fazer um apontamento muito breve.
Na habitualidade do rumo orientador da nossa imprensa, sempre solícita na sua acção prestimosa de defender, servir e dar realce a tudo quanto promova e interfira com o bem público, alguns jornais dos fins da última semana - e, em primeira mão o Diário de Lisboa -, retransmitindo o autorizado pensamento do Sr. Director-Geral da Aeronáutica Civil, noticiaram que a TAP irá explorar, a partir do próximo Verão, no território da metrópole, um serviço de táxis aéreos. Ficou a saber-se que pequenos aviões podem servir qualquer aeródromo operacional da rede metropolitana, embora a sua concentração se faça nos aeródromos de Lisboa, Porto, Faro e Viseu.
Sr: Presidente: Diz a sabedoria do nosso povo que «quem se não sente não é filho de boa gente». Ora, conhecedor do elevado grau de delicadeza e vibratilidade dos sentimentos morais da boa gente de Viseu, nunca insensível quando vê satisfeitas as aspirações que algum dia manifestara com base numa situação de premência, corroborada pelo sentimento da justiça, estamos seguros de interpretar, Sr. Presidente, o estado de espírito, jubiloso e feliz, que a empolga, dirigindo desta tribuna, em seu nome, com sumo agrado e justificada exaltação, palavras de merecido aplauso e de vivo reconhecimento às entidades que, por meio da sua iniciativa, umas, e poder da sua resolução, outras, consideraram desveladamente. atenderam e saberão corresponder de modo adequado, como é seu timbre, a uma ambição válida da população do nosso distrito, servindo eficazmente os seus legítimos interesses.
Mas nós, Sr. Presidente, através da intervenção nesta Assembleia de Novembro do pretérito ano, também aludimos, fazendo coro, aliás, com as vozes de elementos oficiais distritais, à necessidade de que fosse concedida rápida solução ao instante problema das ligações aéreas entre a sede do distrito de Viseu e, de modo especial, os centros urbanos de Lisboa e Porto, logo enunciando, ainda que de forma sucinta, os seus múltiplos fundamentos.
Pois bem. Com referência ao passo, de importância decisiva, a ser dado no caminho que conduzirá, em data próxima, mais do que à estruturação, à própria efectivação dos serviços dos transportes aéreos pelo que diz respeito ao distrito de Viseu, sabe-nos bem, e é nossa estrita obrigação moral, traduzir expressivos sentimentos, não só de regozijo, mas também de gratidão.
Gostosamente nos desobrigamos, Sr. Presidente, desse dever de gratidão.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Não posso, Sr. Presidente, deixar de me associar comovidamente às palavras de homenagem e de saudade de V. Ex.ª por essa figura da sociedade, da política e da economia portuguesa que foi o Dr. José Nosolini.
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Além dos laços do estima pessoal que a ele me ligavam e da admiração que dedicava à figura, a muitos títulos singular, do Dr. José Nosolini, quero deixar aqui também a expressão do meu sentimento pelo passamento daquele que representou o Porto nesta Assembleia como Deputado e que o Porto se honrava de considerar como um dos seus mais ilustres filhos.
Sr. Presidente: Se a imprensa no nosso país não se mede por tiragens de milhões de exemplares - os 4 600 000 finlandeses dispõem de 57 diários e na Alemanha Federal 86 por cento dos adultos lêem regularmente jornais -, pode dizer-se com exacta propriedade e elementar justiça de excepcional qualidade cultural e técnica, dos seus principais órgãos, e da alta dignidade posta no exercício da função pública, constitucionalmente atribuída, perante condições nem sempre favoráveis a uma livre e responsável actividade formadora e informativa.
E sumamente grato, portanto, quando as circunstâncias, o favorecem, prestar homenagem àqueles que serviram o bem comum através das acidentadas vicissitudes dos últimos 100 anos, nunca se afastando, aliás, de ideais que estiveram, porventura, na origem do seu próprio ser.
Quero referir-me a um acontecimento que, não sendo singular - ainda- não há muito se falou nesta Assembleia com justificado relevo de evento semelhante em relação a outro grande órgão da informação, o Diário de Notícias -, nos dá. todavia, uma dimensão temporal raro atingida pelos homens e poucas vezes pelas instituições.
Na verdade, enquanto 100 anos na vida do homem provocam curiosa ternura e risonho respeito, mas não anunciam regresso à juventude, que seria avanço, por maiores que hajam sido as qualidades físicas ou as virtudes do longevo, na vida de um jornal podem ser, como no caso presente, a afirmação de renovada vitalidade, quando ao progresso da ciência e da técnica, algo atrasadas infelizmente quanto à biologia humana, se junta a inteligência e a vontade dos seus impulsionadores.
Entrou nos 100 anos de existência um dos principais órgãos da imprensa portuguesa, o diário O Primeiro de Janeiro.
As manifestações de regozijo e de carinho provocadas pelo acontecimento, nos meios, representativos e no grande público, não se limitaram a atitudes locais ou regionais, porque O Primeiro de Janeiro, para além da defesa esclarecida -, oportuna e intransigente dos interesses da cidade II da região que o viram surgir dos acidentados dias da «Janeirinha», é, desde há muito, sob todos os aspectos jornalísticos, um grande diário, cuja difusão e influencia abrangem o País inteiro.
Nascido no agitado período das lutas políticas que dominaram a vida nacional do século passado, precisamente quando homens de Estado bem intencionados procuravam pacificar a Nação, libertando-a das guerras civis características dos primeiros anos do liberalismo, foi o movimento popular de reacção contra a criação do imposto de consumo sobre géneros alimentícios a razão próxima do seu aparecimento.
Não teve a vida efémera de muitos jornais de opinião. Tomando em breve feição informativa, pôde dispor ao longo dessa centena de anos, desde Gaspar Baltar a Manuel Pinto de Azevedo Júnior, de uma plêiade de orientadores de forte personalidade, entre os quais, se contam alguns dos maiores nomes do nosso jornalismo, que fizeram dele a objectiva atenta de todos os factos importantes da história contemporânea de Portugal e do Mundo, mantida com independência exemplar, virtude nunca de mais exaltada dos verdadeiros trabalhadores da imprensa.
Sr. Presidente: A quem for dado folhear os quase 40000 números publicados, encontrará, certamente, a par da notícia actual, exacta, penetrante desses factos, colhida nas fontes autênticas, e da reportagem oportuna dos acontecimentos, os comentários críticos sobre os diversos sectores da vida colectiva, desde a política à economia, e às artes, e as páginas admiráveis de muitos dos nossos valores literários do século passado e do presente.
Se falarmos de política de informação, no sentido da influência da opinião pública, considerada elemento fundamental da política e da administração do País, poderemos também dizer com verdade que ela foi praticada por O Primeiro de Janeiro com patriotismo e lealdade, nunca regateando, desinteressadamente, colaboração e apoio às grandes questões e problemas nacionais.
A Câmara Municipal do Porto, por proposta de um dos seus ilustres vereadores, deliberou, na última sessão de 1967, dar o nome de O Primeiro de Janeiro a uma das ruas da cidade.
Cumpriu a Câmara o seu dever. Nada mais justo. Nada mais merecido.
Desta Assembleia quero também, no uso do mandato que aqui me trouxe, tanto como seu leitor atento, por gosto, por hábito e por tradição familiar, congratular-me com o centenário e formular o voto por que O Primeiro de Janeiro continue pelos anos fora a servir, com o mesmo prestígio, o País, a cidade do Porto e a cultura, congratulação e voto que, não duvido, são também os dos Srs. Deputados que me escutam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei do serviço militar. Tem a palavra o Sr. Deputado Barbieri Cardoso.
O Sr. Barbieri Cardoso: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 2/IX, elaborada pelo Governo, com o título de Lei do Serviço Militar, que ora está em apreciação, é um diploma de elevada importância e que nos deve merecer especial interesse, pois tem como finalidade regular o contributo pessoal dos Portugueses, no âmbito militar, para a defesa da integridade Pátria.
Se um país se não pode manter sem que se promulguem leis que regulem e orientem as suas finanças, a sua economia, num resumo, a vida e o bem-estar da sua população, certo é que outras tem de possuir que o coloquem em condições de organizar e promover a sua defesa quando, porventura, seja atacado, no todo ou em parte do seu território nacional.
Enquanto se vai tendo a felicidade de se não ser forçado às duras experiências da guerra, porque se consegue ir obtendo que todas as evoluções da vida nacional se orientem num ambiente de paz, é com aqueles menos favorecidos na sua tranquilidade que temos de ir aprendendo e deles ir recolhendo os elementos necessários às nossas regulamentações e aprendizagens militares.
Infelizmente, no momento actual, as condições mudaram; temos a guerra, isto é, fazem-nos a guerra. Conquanto não seja total, três das nossas províncias ultra-
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marinas, das quais duas de mais vasta extensão territorial e de mais predominante influência económica, estão a ser alvo da ambição e cobiça desumana de inimigos.
Portugal é hoje uma nação que constituti exemplo invulgar perante todo o Mundo. Quando por todos vilipendiada, consequência da situação miserável e ignominiosa em que um regime democrático a havia lançado, quando tudo já parecia perdido, as revoltas e sedições se repetiam quase todos os dias, o nosso dinheiro em parte alguma era aceite, consequência da administração ruinosa e desonesta em que vivíamos, da incapacidade que em quase tudo se manifestava, resultante da existência de partidos políticos que só pretendiam servir-se, com total desrespeito pelos interesses nacionais, a Pátria Portuguesa, num estrebuchar, que mais parecia de agonia, mas era de desejo firme de continuar a viver, sacode-se do regime que a desmantelava e entra a trabalhar, a ordenar-se, a reger-se com critério e honestidade tais que, ao cabo de quarenta anos de regime, a transformação obtida mais parece obra miraculosa que empreendimento humano.
Porém, a maldade de certos homens ainda é muita, há os que proliferam à custa dos menos cautos. Esses já não desejavam ver Portugal restaurado, haviam-se habituado à ideia de que esta pequena faixa do extremo Ocidente europeu, que havia dado tantos mundos novos ao Mundo, não mas se levantaria, e em toda a sua extensão, por todo o globo terrestre, havia de ser pasto de abutres, não emagrecidos pela fome, mas sôfregos do desejo desmedido de criarem ainda mais gordura. Era-lhes inconcebível como nação que descera tanto tinha sido capaz de subir assim, só com os seus próprios recursos.
Pretendem o desmoronamento da Europa. O aniquilamento de Portugal como potência pluricontinental é um objectivo necessário para que se venha a alcançar esse fim. A expulsão total da Europa das zonas africanas será mais um golpe profundo vibrado no continente, que tão denodadamente tem trabalhado pela expansão da civilização cristã por todo o globo.
Ô abandono pelos Portugueses das suas províncias ultramarinas tinha de fazer parte do programa. Tudo se processaria à base de uma moral que só podia ser estúpida e ardilosa. «A África só deve pertencer aos Negros!»
Esqueceram-se esses neomoralistas de que, encontrando-se os Portugueses em África desde o século XV, teriam por esta teoria todos os brancos e negros de abandonar as Américas, a Oceânia e muitos outros territórios para onde emigraram ou foram levados em épocas mais recentes.
Uma vez que nos atacam pelas armas, que se nos não defendemos nos matam com os maiores requintes de extrema crueldade, seria afinal interessante saber quem são de facto os nossos inimigos, aqueles que verdadeiramente nos movem a guerra. Torna-se bastante difícil concretizados. As populações portuguesas naturais dessas províncias, está mais que provado que o não são, pois quem nos ataca vem de fora, partindo daqueles pseudopaíses que nos rodeiam com suas fronteiras, que não têm qualquer estrutura étnica, nem estado que lhes possa dar características nacionais, onde a desordem impera e as finanças são reguladas, ou melhor, exploradas, de fora. Evidentemente que nestes territórios temos inimigos, mas na verdade aqueles que para nós podem constituir preocupação situam-se muito mais longe, são os que providenciam para que sejam instruídos e armados os incumbidos de nos trazer o mal, estes de instintos ainda primitivos, incultos, a quem catequizam criando-lhes o desejo inabalável de nos aniquilar, bandos a quem financiam para que possam manter a sua agressividade e recebam a recompensa monetária do seu inqualificável crime.
Afigura-se-nos, porém, para nós e para eles, mais vantajoso que não procuremos identificá-los: teríamos que lhes oferecer todo o nosso total desprezo. E possível que com o decorrer do tempo e com a prática dos próprios erros venham a reconhecer o mau caminho por onde enveredaram, que mais não lhes dará que o abismo inevitável da ruína, e assim acabem, iluminados por um raio de razão, a reconhecer quanto valemos, quanto a nossa causa é justa, quanto tem sido útil e notável a nossa acção evangelizadora, quanto é e tem sido profícua ao mundo inteiro a existência de Portugal em África.
Já dizia Nuno Álvares que só compreendia as guerras justas, porque só nessas sabia lutar e vencer.
Impõem-nos uma guerra em que a justiça nos pertence; seguindo este princípio, saberemos lutar e vencer!
No seu mais recente discurso, proferido no dia 30 de Novembro do ano passado, na cerimónia de homenagem dos municípios de Moçambique, S. Ex.ª o Presidente do Conselho, Prof. Doutor Oliveira Salazar, rematou por estas tão significativas e expressivas frases:
Não posso assim terminar estas palavras, como tanto desejaria, com uma nota que todos - sobretudo os que mais sofrem - consideram de claro optimismo. Mas penso que deve ser-se optimista quando se está seguro de fazer durar indefinidamente a resistência. Essa possibilidade é que é a prova da força e sinal seguro da vitória, através da qual não queremos senão continuar na paz a Nação Portuguesa.
Estas palavras encerram tudo quanto há de melhor que um chefe pode dirigir, no momento presente em que vivemos, àqueles que dirige e comanda.
«Mas penso que deve ser-se optimista quando se está seguro de fazer durar indefinidamente a resistência.» Quanto esta exortação deve ter abalado os nossos inimigos. Eles estavam certos de que pela luta armada nos não venceriam, que os Portugueses sabem bater-se e morrer quando as circunstâncias o exigem. Porém, duvidavam da nossa organização económica, que tudo o que revelávamos era mais resultante de aparências do que de estruturação perfeita e portanto eficaz. Seria a falência da economia nacional aquilo que nos havia de estrangular. Enganaram-se! E o Chefe, é o nosso Chefe do Governo, que nos vem declarar que lutamos bem, com verdadeiro optimismo, porque estamos seguros de poder fazer durar indefinidamente a nossa resistência, «força e sinal seguro da vitória»!
Após esta curta análise da situação, não nos pode ficar a menor dúvida da necessidade e oportunidade de uma nova lei que venha actualizar as obrigações militares. As leis pelas quais nos temos regido de alguns anos para cá, a n.º 1961, de 1 de Setembro de 1937, e a n.º 2034, de 18 de Julho de 1949, evidentemente que, por estarem bem elaboradas em harmonia com a sua época, foram proveitosas e delas resultou trabalho útil e boa organização, mas as coisas de repente mudaram, a paz em que vivíamos, que também tanto compartilhávamos com os outros, que nos permitiu o nosso maravilhoso ressurgimento, num momento foi abalada. Obrigaram-nos a entrar em luta, não apenas de simples defensiva, mas muito mais do que isso, de sobrevivência.
Mais uma prova demos ao Mundo, a de que sabemos por que estamos em África e consequentemente a de que estávamos preparados para receber o embate de acções tão violentas. As forças do inimigo, bandos armados, constituídos pelo mais perfeito escol do crime e da barbaridade, lançaram-se sobre o português bondoso, confiante
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e amigo, e enquanto puderam aproveitar da surpresa foi um saciar de crueldade e de maus instintos, piores que os das feras, que normalmente só matam pela imperiosa necessidade de se alimentarem. Num momento os ânimos se restabeleciam e o necessário para a luta se recompletou; agora temos a experiência da guerra, será de uma guerra muito especial, que não poderá constituir generalidade de padrão para muito longo futuro, mas é com essa que no momento presente temos de nos haver e que, de resto, temos de admitir seja para durar. Para tanto, impõe-se estarmos preparados, moral e materialmente. É a opinião do Chefe do Governo e também a nossa.
Urge legislar para este fim.
A proposta de lei n.º 2/IX vem-nos ao encontro das conveniências presentes. Intitula-se Lei do Serviço Militar, e não Lei do Recrutamento e Serviço Militar, expressão já talvez tradicional e como a actualmente em vigor é designada. Mas há razões para esta diferença: na lei que se pretende substituir, o recrutamento é um conjunto de operações que condicionam a prestação deste serviço; na que está em proposta, o recrutamento decorre durante a prestação do serviço militar. Ato agora a legislação sobre serviço militar era quase que exclusivamente referente ao Exército, dando praticamente a todos os cidadãos responsabilidades sómente perante este, constituindo as disposições relativas às outras forças armadas matéria de excepção, isto é, como se o serviço naquelas constituísse casos especiais da prestação do serviço militar.
Esta proposta de lei é indiscutivelmente um trabalhe previamente bem estudado, conscienciosamente elaborado, de forma que só fosse posta no papel obra digna e que de antemão desse a garantia de ser proveitosa. Foi a elementos do Estado-Maior do Exército que em boa hora foi entregue esta incumbência, que mais uma vez reafirmaram os seus já tão conhecidos méritos, que de todos nós ficam credores dos melhores elogios. Assim, não tiveram dúvidas os Ministros das quatro pastas militares de o confirmar, conscientes de que este difícil trabalho era digno das suas assinaturas. Difícil, sim, pois, conquanto muita da sua matéria já transitasse das leis anteriores para esta, sem dúvida que a actualização dessa mesma matéria e o que de novo lhe foi introduzido não podem ter sido elaborados de ânimo leve ou menor aplicação.
Entregue o projecto em causa à apreciação da Câmara Corporativa, esta, de igual modo, no seu douto parecer, também não lhe regateou os elogios, rendendo as devidas homenagens aos seus autores.
Porém, tendo passado às mãos de um jurista dos mais distintos, este lhe deu corpo e forma, sem em nada lhe alterar a sua essência, de aspecto aparentemente diferente, mas que em tudo o mais continua a mesma. E lealmente cumpre-nos declará-lo, na sua quase totalidade resultou melhor. A Comissão de Defesa Nacional inclinou-se para o parecer da Câmara Corporativa, salvo em quatro artigos, em que dá preferência à estruturação inicial.
O militar está habituado, porque assim é instruído, a educar desde as massas menos cultas às que amanhã hão-de constituir as elites da Nação; assim, para ele tudo tem de ser minucioso, detalhado, de descer quase sempre até ao pormenor, aprecia mais o regulamento do que a lei, tudo deve ser claro, sem balanceamento de interpretações; o jurista é como o pintor ou o escultor, de que o primeiro, com um lápis, um papel, em meia dúzia de traços é capaz de fazer um desenho expressivo, e o outro, com um pedaço de barro mole, em meia dúzia de amarrotadelas nos apresenta uma figura que parece dizer-nos qualquer coisa. Assim, a lei na mão do jurista, em menos, toma mais expressão e até mais beleza. Se é que numa lei esta pode existir.
No projecto que estamos apreciando, como na lei ainda em vigor, o serviço militar, pode ser obrigatório ou voluntário, mas naquele procura dar-se-lhe mais relevo e elevação. O obrigatório é prestado não só nas forças armadas, mas também, quando necessário, na reserva de recrutamento militar e na reserva territorial. A reserva e o recrutamento militar, conquanto já previsto pela Lei n.º 1961, é agora que se leva a efeito, com a principal finalidade de evitar a emigração entre os 18 e os 20 anos. O serviço militar voluntário apresenta-nos neste projecto uma modalidade que se pode considerar inteiramente nova: a prestação de serviço militar por indivíduos do sexo feminino.
Por ser preceito de inteira novidade na nossa legislação, seja-me permitido que a este respeito pronuncie algumas palavras. Trata-se de uma inovação que, embora se nos afigure trazer incontestáveis vantagens, ou, talvez melhor, comece a ser necessária, não deixa de nos causar hesitação e nos levar a ponderar como e até onde o serviço militar prestado pelas mulheres possa ser conduzido.
A Câmara Corporativa, ao apreciar essa inovação no nosso serviço militar, deixou nitidamente transparecer o melindre que nela encontra, emitindo opinião de que certamente não se pretenderá levar a mulher portuguesa a tomar parte em acções militares de campanha, em paridade com os homens. Evidentemente que o pensamento dos autores deste projecto nunca terá sido este, não nos resta a menor dúvida de que nunca lhes passou pela mente levar a mulher portuguesa, ainda que voluntariamente, a um serviço nas forças armadas, tal como na China, em Israel ou no Vietname. Nem o nosso país se encontra em situação que o obrigue a recorrer a tanto, nem os Portugueses poderiam aceitar, a não ser em caso extremo, que as mulheres fossem conduzidas aos mesmos sacrifícios que eles tão abnegadamente aceitam, para garantia da continuidade da resistência da sua pátria.
Há hoje nas nossas forças armadas especialidades e serviços que, por oferecerem nenhuns ou quase nenhuns riscos, colocam os homens que os desempenham em situação moral de grande inferioridade perante aqueles que lutam na frente de batalha, sempre sujeitos às traiçoeiras surpresas das emboscadas, das minas ou das armadilhas. Estes, sim, estes é que sentem a guerra, são os que passam os dias e as noites atentos: ou ao ataque inesperado, que, quando todos descansam, já exaustos de fadiga da constante vigília, numa aparência ilusória de tranquilidade e de paz, repentinamente irrompe de entre o capim ou do denso arvoredo; ou à mina, que, bem dissimulada nas asperezas do caminho, bruscamente estoira ao ser tocada pelo carro em que se transportam; ou nos reconhecimentos e perseguições, em que têm de enfrentar os bandoleiros, aniquilando-os ou forçando-os à fuga.
São os que ficam feridos, são os que morrem.
Porém, por mercê da natureza das suas habilitações ou da profissão que exercem, muitos há que têm de ser destinados àquelas especialidades e serviços, as tais que lhes concedem poder tomar parte na campanha em situações de risco quase ou mesmo totalmente nulo.
Se estas missões puderem ser confiadas às mulheres, não diremos totalmente, mas em grande parte, os homens serão assim em muito maior número em situações de igualdade no cumprimento dos seus deveres de defesa da Pátria. Ninguém poderá então dizer que este ou aquele se aproveitou da sua profissão ou género de preparação cultural para se emboscar dos perigos, riscos e exigentes sacrifícios de uma campanha, por entre as enfermarias dos hospitais, por detrás dos balcões e aparelhagem dos
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laboratórios ou das máquinas de escrever e mesas dos gabinetes, das secretarias e das contabilidades. Todos estes homens assim libertos permitirão a constituição de mais unidades combatentes, que irão facultar a substituição daquelas em primeira linha, que gozarão agora de mais frequente e necessário repouso, ou então maior facilidade na instrução e mobilização dessas unidades, porque os seus contingentes tornar-se-ão assim mais amplos.
O efeito moral será excelente, ninguém já se poderá queixar de que a guerra só existe para muitos, sim, mas não para todos, nem mesmo numa percentagem quase total; apagar-se-á então por completo toda a suspeita ou maledicência de ter havido protecções, que, a existirem, indiscutivelmente têm de ser consideradas desonestas, mesmo com a alegação de que àqueles serviços ou especialidades alguns terão de ser destinados.
Hospitais, enfermarias, laboratórios, podem, na sua quase totalidade, ser entregues ao serviço militar feminino. Isto é: grande parte do serviço de saúde, em todas as situações de retaguarda onde o perigo seja nulo. E o mesmo se poderá estabelecer no serviço de intendência, com contabilistas e escriturárias, e nas secretarias em geral, repartições dos Ministérios militares, estabelecimentos fabris, etc., e até parte das transmissões e dos transportes.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Estou acompanhando com vivo interesse as considerações que V. Ex.ª está fazendo e de maneira especial o que acaba de dizer sobre a relevância do serviço das mulheres nas forças armadas. Perfeitamente de acordo.
Mas, se essa relevância é grande, pois pode dispensar de missões secundárias homens que noutros lugares serão sem dúvida úteis, pergunto eu:- não será o caso de se tornar obrigatória a prestação do serviço militar para o chamado sexo fraco? Aqui fica a nota, com o favor de V. Ex.ª
O Orador: - For agora é ir talvez depressa de mais. Quanto a mim, devemos caminhar por fases sucessivas. De qualquer maneira, agradeço a intervenção de V. Ex.ª
Ao criar-se uma lei que regula este serviço, não deverá esquecer-se aquilo que tem de ser tomado como fundamental, a protecção física e moral dos indivíduos que ingressarem nele. Não poderá ser tomado como origem de desinteresse o facto de o alistamento ser voluntário. Evidentemente que é a uma regulamentação justa, ponderada e honesta que pertence dar os fundamentos para a admissão da mulher portuguesa no seu contributo directo para a defesa da Pátria.
Numa apreciação de generalidade, só a mais três determinações constantes deste projecto desejo ainda referir-me. Uma delas, e que muito despertou a minha atenção, é a que consiste numa mais larga amplitude concedida para a obtenção de diplomas universitários. Evidentemente se torna importante impedir que o serviço militar possa prejudicar os alunos das escolas superiores na conclusão dos seus cursos. A margem que lhes é concedida é a suficiente para que um aluno universitário, normalmente aplicado, possa concluir a sua formatura. A nova lei reconhece assim quão importante é para o País a manutenção, desenvolvimento e aperfeiçoamento das suas elites, das quais hão-de sair a quase totalidade dos seus governantes, e mentores da futura intelectualidade nacional. E mais, nesta ordem de ideias, a nova lei não poderia esquecer a manutenção dos corpos docentes universitários; assim, concede mais alguns anos de adiamento das provas de classificação àqueles que tenham sido contratados como segundos-assistentes das Faculdades ou escolas superiores ou nelas preparem doutoramento. De entre estes assistentes e dos futuros doutorados é que hão-de ser escolhidos os novos professores, não só para recompletamento de vagas que se forem produzindo, mas ainda para desenvolvimento dos respectivos corpos docentes em harmonia com o crescente número de alunos que mais e mais vêm afluindo à frequência do ensino superior.
A outra disposição, conforme já antes salientei, desejo também referir-me:
Com frequência sucede haver mancebos que, apesar da sua pouca idade, são já o único meio de manutenção do seu agregado familiar, ou da pessoa que os criou e educou desde a infância. Pelas leis vigentes pode ser determinada, sem sujeição a pagamento de taxa, a antecipação da passagem à situação de disponibilidade dos indivíduos que, não tendo outros proventos além do seu trabalho, demonstrem ser o único amparo da mulher e dos filhos menores, ou dos pais ou irmãos menores, ou de mulher pobre e sexagenária que os tenha criado e educado desde a infância. Ficam ainda isentos da prestação de serviço no quadro permanente.
Uma disposição destas, que à primeira vista se afigura como humana, é imoral. É claro que não pode de forma alguma atirar para a maior das misérias as pessoas que, pela sua pouca idade, ainda não estão em condições de ganhar o seu sustento ou aquelas que, por muita velhice ou total incapacidade prematura, estão absolutamente inutilizadas, mas também não está certo que uma situação destas sirva a alguém de forma de se eximir ao seu contributo militar para com a Pátria.
Pelo projecto da proposta de lei agora em apreciação, em seu artigo 62.º, o qual a Comissão de Defesa Nacional considerou de mais justo efeito que o correspondente no parecer da Câmara Corporativa, virá moralizar esta situação, preceituando-se que o Estado concederá subsídios às famílias destes homens quando o seu agregado familiar ou a pessoa que os criou e educou desde a infância não disponha de outros meios para prover ao seu sustento.
A Câmara Corporativa, conquanto concorde que esta disposição tenha um largo alcance social - quanto a nós mais do que isso, também moral, pois que a prestação do serviço militar deve processar-se numa base de quanto possível igualdade -, receia que esse compromisso não possa ser integralmente cumprido pelo Estado, sugerindo que se proporcione haver outras formas de assistência que não sejam subsídios ou pensões. Evidentemente que pertence ao Estado salvaguardar os seus interesses, mas é inconcebível que, na situação em que o País presentemente se encontra, haja quem, por lhe ter cabido possuir pessoa de família única e exclusivamente a seu cargo que pela doença ou pela idade esteja totalmente inválida, possa ser dispensado de ir dar o seu esforço em defesa das províncias do ultramar português.
Verifica-se que esta nova Lei do Serviço Militar, além de pretender actualizar em harmonia com os ensinamentos adquiridos desde a publicação dos diplomas em vigor até ao momento presente e daqueles que têm resultado da experiência que nos vai dando a situação que vivemos, procura também um caminho de nítida orientação moral, o que se verifica também quando aborda a prestação do serviço militar em regime disciplinar especial.
Sabe-se que a tendência presente de todo o nosso sistema penal se orienta num sentido único, o da recuperação do delinquente. Foi já a querer-se caminhar para
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essa meta que se aboliu a pena de morte; não se devia pretender o desaparecimento do criminoso como castigo ou como defesa da sociedade, nem a sua prisão apenas neste fim. Evidentemente que se torna necessário punir, para que o delinquente se aperceba da gravidade da sua falta, mas é necessário, simultaneamente, trazê-lo à razão, fazendo-lhe compreender que nunca é tarde para se regenerar.
Ora o serviço militar é, acima de tudo, um grande agregado educacional, o que fundamentalmente pretende é conseguir nas tropas uma disciplina consciente e bem compreendida, depois um acrisolado amor à sua pátria. Tudo baseado numa manifestação constante de respeito aos chefes, mesmo de sincera amizade por eles, porque estes só os podem conduzir num único caminho - o da entrega total ao País, dando tudo, até a própria vida, se tanto for necessário, e quase nada ou mesmo nada recebendo em troca.
Sendo esta a ética militar, não se aceitará como bem que haja unidades em que os seus componentes, sendo ainda tão jovens, estejam já marcados pelo ferrete da ignomínia. Porque não há-de o serviço militar esforçar-se por também os regenerar? Misturando-os com os bons de forma que estejam sempre em percentagem mínima, evitando-se-lhes influências prejudiciais, em especial a maior de todas, que é a que resulta de se manterem em conjunto. Tudo se poderá limitar a uma simples vigilância.
Ë este o espírito da nova lei com tão altruísta finalidade. Admite, porém, que só em fases sucessivas este desejo se consiga totalmente efectivar, pelo que na parte interessada redigiu por forma que as duas modalidades ainda possam estar em prática com incorporação em unidades normais e incorporação em unidades especiais, conforme os casos a ponderar.
E tempo de terminar e faço-o como comecei, dizendo quanto julgo necessário e oportuno este novo diploma, que virá actualizar e dar melhor estrutura moral às obrigações militares.
Permita-se-me que, tratando-se de uma lei deste, carácter, eu daqui deixe subir o meu pensamento até junto daqueles que já lutaram em África e dela regressaram e dos que presentemente ali se encontram e tão galhardamente ali se batem.
Todos têm partido contentes, bem dispostos, conscientes daquilo a que vão, desejosos de bem servir, de bem cumprir, porém saudosos de quem lhes cá fica; quando regressam, tornam felizes, sobretudo pela tranquilidade que lhes concede a consciência do dever bem cumprido, muitos até envoltos na auréola de heroísmo gerada por honrosas condecorações tão corajosamente ganhas.
Chegam desejosos de tornar a beijar e abraçar os seus queridos, de ver a terra onde nasceram ou onde viviam antes da abalada, mas afinal continuam ainda a sentir-se tocados pela doce recordação, pela nostalgia daquelas extensões, que vigiaram, por onde caminharam, onde sofreram e padeciam sacrifícios imensos, para que continuassem na sua posse; não lhe conseguiram virar as costas, indiferentes, agora é que compreendem quanto na verdade elas são suas.
Ergamos o nosso louvor e o nosso reconhecido agradecimento a todos esses bons portugueses que sabem ser tão dedicados à sua pátria e tão grande exemplo constituem perante o Mundo. A Nação está orgulhosa deles!
Alguns têm caído para não mais se levantarem, são os camaradas que os recolhem em seus braços e lhes concedem ternamente os últimos cuidados, certamente afirmando-lhes a sua saudade, com o mesmo carinho com que o faria a mãe ou a esposa; mas é natural que eles já os não oiçam, partiram para a eternidade, para junto de Deus.
São o duro e triste preço que as pátrias pagam para serem dignas e terem o direito de viver. Para eles, deve ir o nosso profundo respeito e uma sentida e saudosa oração.
Estão sob a mão de Deus ... e por que maneira ... tão gloriosa e tão bela. São mais felizes do que nós!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão. Eram 18 horas e 15 minutos.
Sra. Deputados que entraram durante a sessão:
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA