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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147
ANO DE 1968 9 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 147 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 8 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 53, 1.ª série, inserindo o Decreto-Lei n.º 48 263.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jerónimo Jorge, sobre as comunicações marítimas entre o continente e os Açores; Pais Ribeiro, acerca de problemas hospitalares, nomeadamente quanto ao Hospital de Vila Real; Alberto de Araújo, para se referir à presença no nosso pais de uma missão de parlamentares britânicos; Francisco António da Silva, sobre problemas agrícolas do distrito de Beja; Santa Rita Vás, no sentido de chamar a atenção para a situação das várias colónias de goeses existentes no Quénia; Sérgio Sirvoicar, acerca da recente publicação pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do «livro branco» sobre a Índia.
Ordem do dia. - Continuação da discussão sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Horácio Silva e Pinto de Mesquita.
Concluído o debate, o Sr. Deputado Nunes Barata apresentou duas propostas de resolução, uma sobre as contas gerais do Estado e outra sobre as da Junta do Crédito Público, que, postas à votação, foram aprovadas por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Furtado dos Santos.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
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João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Apoiando a intervenção do Sr. Deputado Elmano Alves sobre a ligação ferroviária com a Moita.
Congratulando-se com as palavras do Sr. Deputado Cortes Simões na sessão de 6 do corrente.
Aplaudindo o discurso do Sr. Deputado Armando de Magalhães acerca dos transportes colectivos para Alpena.
O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 53, de 2 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 48 263, que dá nova redacção a várias disposições da tabela das custas no Supremo Tribunal Administrativo e nas auditorias administrativas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 42 150.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jerónimo Jorge.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: A propósito das comunicações marítimas entre o continente e os Açores e das unidades da frota de comércio nacional que regularmente servem aquele arquipélago, produziram-se nesta Assembleia, na sessão do dia 5 do corrente mês, algumas afirmações que julgo merecedoras de esclarecimentos.
Dada a relevância do problema, desejaria tratá-lo com certo desenvolvimento, mas as circunstâncias obrigam-me a ser breve, com o que, aliás, todos VV. Ex.ªs beneficiarão. Já não disponho de tempo necessário para a elaboração do trabalho de análise que me propunha fazer, e essa análise seria forçosamente demorada, o que não se concilia com o anúncio feito por V. Ex.ªs, Sr. Presidente, de que seria hoje encerrada a actual, sessão legislativa, nem com o facto de ainda não estar publicado, como, aliás, se compreende, o Diário das Sessões relativo à sessão em que o assunto foi tratado.
Sr. Presidente: É facto que os navios Lima e Carvalho Araújo estão velhos. Já um célebre despacho ministerial de Agosto de 1945 previa a construção de outros dois, também mistos, para os substituir. A esse despacho apenas em parte foi possível dar cumprimento, pois só o Funchal se construiu, em substituição do Lima, que normalmente se está agora utilizando como navio de carga.
Não há dúvida de que o Carvalho Araújo como navio de passageiros carece de ser substituído, pois, entre outras razões, está já bastante antiquado e impõe uma manutenção dispendiosa.
Mas a aquisição de dois navios para substituírem o Lima e o Carvalho Araújo custa uma elevada quantia. E onde vai a empresa armadora buscar o dinheiro necessário, se as receitas que aufere da sua frota com os fretes e as passagens que efectua são baixas, e cada vez mais, para fazerem face aos encargos de exploração dessas unidades, que sobem desmedidamente?
Se a carreira das ilhas adjacentes é de relevante interesse público, não é menos certo que é forçosamente deficitária, pois as circunstâncias económicas e geográficas que a rodeiam constituem um sério obstáculo a que o tráfego marítimo regular entre o continente e os dois arquipélagos seja compensador; apesar do deficit inevitável dessa carreira, a empresa não recebe qualquer compensação do serviço que presta e são por isso muito escassos os meios de que dispõe para satisfazer a compreensível aspiração de «bem servir».
Adquiriu-se, como se sabe, o paquete Funchal, magnífica unidade, que, pela sua concepção, conforto e beleza de linhas, honra-a marinha mercante nacional. Este navio foi construído na intenção de substituir, sem desdouro para Portugal, outros, também de passageiros e de pavilhão estrangeiro, que realizavam o tráfego entre o continente e a Madeira. E, na verdade, conseguiu-o! Abriu-se com ele uma nova senda ao progresso turístico das ilhas adjacentes, que era um dos seus objectivos, mas já em sucessivos despachos ministeriais, em que se insistia pela sua construção, se previa a necessidade de apoio financeiro à sua exploração, como é corrente no mundo marítimo em casos análogos. Se tal se podia dizer nessa altura, com mais forte razão se pode afirmar hoje, visto que, após a construção do Aeroporto da Madeira e os progressos da aviação, diminuiu consideràvelmente o número de passageiros de 1.ª classe do Funchal, isto é, dos que, devido aos preços que pagam pelas suas passagens, mais podem contribuir para a rentabilidade do navio.
Envidaram-se todos os esforços para solucionar esta situação, porém uma avaria ocorrida em 1966 no aparelho motor do navio imobilizou-o durante quase um ano,
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agravando ainda mais o problema. O facto, como é óbvio, teve como consequência o acréscimo das despesas normais do navio, mesmo imobilizado, com as decorrentes dos elevados encargos da sua reparação - e isto sem a contrapartida das receitas de fretes e passagens que obteria nesse período.
Os itinerários estabelecem-se, realmente, à luz da experiência colhida, de acordo com as necessidades gerais, tendo em vista o melhor rendimento de exploração - pois há que ter em conta ser a marinha mercante uma actividade privada.
Nesta conformidade, assegurada a regularização do tráfego, foi-se forçado no corrente ano a reduzir o número das viagens anuais do Funchal aos Açores, o que lhe permitirá uma mais intensa e defensável utilização noutros percursos e melhor compensará os elevados prejuízos em viagens do navio àquelas ilhas nalguns meses do ano. Somente não se efectuariam viagens em meses de fraca afluência de passageiros, pois nos restantes o navio continuaria a demandar os portos do arquipélago.
Quanto a ser maior a procura de lugares nas classes turísticas do que na 1.ª classe, o que é natural, pois esses lugares são bons e mais em conta, tal facto não origina que esta classe vá vazia, nem que o navio deixe de completar a sua lotação, pois quando nela há alojamentos disponíveis e eles faltam para os passageiros das classes turísticas, estes são frequentemente ali instalados, não deixando por isso de seguir viagem.
Ocorre-me perguntar como estaria o tráfego marítimo para as ilhas adjacentes, durante a imobilização do navio Funchal, se, providencialmente, a Empresa Insulana de Navegação não tivesse adquirido o Angra do Heroísmo. Quais as soluções de emergência que teria sido necessário adoptar para reduzir prejuízos económicos, morais e políticos resultantes de tão longa interrupção das comunicações marítimas?
E quanto à sugestão de se transformar a 1.ª classe do Funchal em prolongamento da turística, eu pergunto quanto isso não custaria, se seria razoável considerar e se a importância despendida teria uma fácil amortização, quando a do custo do navio já está sendo tão difícil.
Sr. Presidente: Relativamente ao navio Angra do Heroísmo, também é certo que em seu lugar era preferível adquirir um navio novo, pois esta solução permitiria fixar-lhe mais facilmente as especificações adequadas ao tráfego a que se destinava. Mas como obter a quantia vultosa necessária à sua encomenda? Por um preço acessível obteve-se, na realidade, uma unidade com menos de 10 anos (como, aliás, é imposição legal), em bom estado e servindo para carga e passageiros, tal como o Lima e o CarvalhoAraújo e como, aliás, é próprio dos navios mistos.
Quem tiver a impressão de que as instalações do Angra do Heroísmo destinadas aos passageiros da 1.ª classe são inferiores às oferecidas pelo Lima ou o Carvalho Araújo, deverá visitar os três navios para confirmar ou rectificar esse parecer.
O Angra do Heroísmo não pode transportar mais de 2600 t de carga; sendo assim, é evidente que, por falta de cargas, não é obrigado a navegar com 3500 t de lastro. Acresce que a conveniência de um navio meter ou não lastro, em menor ou maior quantidade, resulta de condicionalismos de estabilidade inerentes à sua construção e à necessidade de maior segurança de navegabilidade ou de conforto em viagens. São assuntos técnicos!... A não atracação do Angra do Heroísmo na Horta e na ilha Terceira será devida às condições portuárias ou às características do navio? Mas se ele atraca em Ponta Delgada é, certamente, porque ali as condições portuárias são muito melhores. Por isso mesmo está em projecto a melhoria dos portos açorianos, cujas deficiências são uma das causas da grave situação da Empresa Insulana de Navegação.
Congratulo-me, e muito sinceramente, com o voto aqui formulado pelo Sr. Dr. Machado Soares de que: se dê satisfação às imperiosas necessidades das ilhas dos Açores; se alivie a grave situação económica da Empresa Insulana de Navegação; e se cumpra o programa, aliás já estabelecido, de renovação e adaptação dos seus transportes marítimos de açor Io com as suas reais exigências.
Apenas lamento que se fale em improvisações, quando, na verdade, à excepção do Angra do Heroísmo, que foi comprado por não se mostrar exequível outra solução, todos os navios adquiridos obedeceram a um plano criteriosamente estudado e destinado a ocorrer às necessidades do tráfego que o armador, a quem está adstrito o mesmo, tem a dura obrigação de servir.
Atingido o citado objectivo de se aliviar a grave situação económica da Empresa, será o momento de se pensar na substituição do navio Lima por um navio de carga adequado ao respectivo tráfego.
O que se torna necessário é encarar o problema construtivamente. Não são críticas demolidoras que o solucionarão. O aspecto técnico-económico do problema tem de ser considerado e estudado por especialistas.
Peço, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que me perdoem o tempo tomado com estes comentários e com a necessária exposição dos factos em toda a sua crueza.
Associo-me ao desejo manifestado de que os Açores disponham de mais eficiente serviço de comunicações marítimas com o continente. Mas isto só se conseguirá se a exploração dos navios oferecer a necessária e indispensável rentabilidade ou, na hipótese, infelizmente verificada, de assim não suceder, se os deficits de exploração forem cobertos, dado o interesse público das referidas ligações.
Mais uma vez se justifica a indispensabilidade da renovação e actualização da nossa frota mercante, pois sem esta o País, mesmo com medidas de emergência, terá de suportar dificuldades que originarão críticas ou incompreensões.
Aqui deixo expressa a minha firme esperança de que, logo que as circunstâncias o permitam, caminharemos afoitamente nesse rumo, realizando assim mais uma das tantas e tão valiosas obras de restauração nacional que vêm prestigiando a administração de Salazar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pais Ribeiro: - Sr. Presidente: A vasta problemática que domina o binómio saúde-doença necessita, para se estruturar com objectividade, de condicionar e orientar convenientemente três sectores básicos, indispensáveis e insubstituíveis: a medicina preventiva, a medicina curativa e a medicina social e de recuperação.
Na realidade, o doente significa um valor humano, representa parte do capital saúde que importa conservar, faz parte do capital trabalho que urge salvaguardar, constitui elemento social que interessa reintegrar na actividade, para benefício próprio e bem da economia nacional.
Qual seria o valor económico-social de um país a que sorrissem uma industrialização e uma comercialização prometedoras e a que não faltasse uma agricultura animadora, se o seu capital humano, em vez de válido e forte, se encontrasse diminuído pela doença?
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A saúde não constitui apenas o maior bem individual, constitui, também, a maior riqueza de uma nação.
Cuidar da saúde da população é obrigação premente, é dever inadiável, é exigência que o direito do homem impõe, em qualquer campo, tanto no meio rural como no urbano e adentro de todos os níveis sociais.
Prevenção esclarecedora na despistagem precoce das doenças, facilidade de tratamento e hospitalização, auxílio na recuperação e na readaptação de diminuições físicas são trilogia da saúde pública que é instante desenvolver em todos os seus parâmetros.
Compete, dentro deste segundo aspecto, à assistência hospitalar papel primacial. Efectivamente, constitui o hospital dos nossos dias pedra angular da política da saúde. Acompanhando o progresso social, do que é, simultaneamente, reflexo e determinante, o hospital vem evoluindo através da história, tanto no campo administrativo e humano como no aperfeiçoamento das técnicas médico-cirúrgicas.
Se, primitivamente, na época medieval, apresentava características de asilo, utilizado para detenção de indesejáveis, albergue de pobres e hospício de indigentes, com a centralização do poder real modifica-se a sua estrutura pelo aparecimento de uma tendência de fusão nas diferentes instituições existentes, sendo já fruto desse espírito unificador a criação, em Lisboa, do Hospital de Todos-os-Santos. Dentro deste período e desta nova orientação se situam as Misericórdias, expoente máximo de quanto podem a bondade e a filantropia quando iluminadas por uma razão esclarecida.
No intuito de aí fazer praticar as catorze obras de misericórdia, deu a rainha D. Leonor novos estatutos à confraria de Nossa Senhora da Piedade, da Sé, criando, assim, obra imorredoura, de características próprias, que séculos fora tem perpetuado o seu nome e espalhado a jorros as benesses da caridade.
Distinguem esta instituição variados aspectos que a tornam única, sobressaindo entre eles a feição totalitária, feliz tentativa de reunir num só estabelecimento todas as actividades susceptíveis de proporcionarem o bem espiritual e físico. A esta faceta coordenadora de acentuado valor acresce o aspecto associativo, fundamentado no desejo de a todos facilitar a possibilidade de concorrerem pela sua esmola ou pelo seu tempo, pelo seu esforço ou pela sua boa vontade, para uma melhoria das condições morais ou materiais do seu semelhante.
De organização essencialmente laica e que aos leigos se destinava, enquanto irmandade ou confraria, estava inclusa e pertencia ao corpo da Igreja.
Em presença da excelência desta obra, que permitia lata penetração em todos os meios sociais - quer pelos objectivos que se propunha, quer pela grandeza da acção que realizava -, promoveu D. Manuel a sua expansão a todo o reino, onde com celeridade se difundiu. Porém, não sómente à metrópole este facto se processou, pois até à África, ao Brasil e à Índia se estendeu com brevidade tão benéfica influência, numa demonstração eloquente do alto espírito de abnegação e solidariedade humanas que norteava os portugueses dos Descobrimentos. Apesar dos reveses sofridos por esta instituição, sobretudo no século XIX, ainda em 1964, no total de camas existentes nos hospitais gerais, 62 por cento pertencia a hospitais das Misericórdias, afirmação clara da perenidade da obra, embora alguns deles carecessem, evidentemente, de reajustamento, para corresponderem às necessidades de um hospital moderno.
Se volvermos os olhos sobre a distribuição geográfica hospitalar determinada pela Lei n.º 2011, concluímos que o País se encontra dividido em três zonas, norte, centro e sul, centralizadas, respectivamente, nas três cidades principais, Porto, Coimbra e Lisboa.
Foram atribuídas a cada uma destas zonas diversas categorias de hospitais, conforme a sua localização se verificasse na sede da zona hospitalar - hospital central, na sede do distrito - hospital regional (embora alguns hospitais regionais também se encontrem em cidades não sedes de distrito), ou na sede do concelho - hospitais sub-regionais.
A hierarquia de tais estabelecimentos está em relação com a multiplicidade das suas funções e complexidade das técnicas e a amplitude do campo de acção. E, assim, que ocupam os hospitais centrais o primeiro plano, pois lhes cabem, além da assistência à região que lhes está adstrita, funções de apoio aos hospitais regionais, suprindo as suas limitações, já que comportam especialidades, das mais frequentes às mais complexas, como a neurocirurgia, a cirurgia cárdio-vascular, a cirurgia plástica, etc.
Ainda, estando alguns deles ligados às Faculdades de Medicina, desempenham funções escolares.
A nível distrital, processa-se idêntico intercâmbio entre os hospitais regionais e sub-regionais, pois, na sua orgânica, aqueles possuem já, além dos serviços de clínica médica, serviços de cirurgia, serviços de urgência, traumatologia, obstetrícia, infecto-contagiosas e muitas das especialidades clínicas e laboratoriais.
Este conjunto permite-lhes não só corresponder à maior parte das necessidades de uma assistência regional eficiente, como também orientar e preencher as deficiências dos hospitais sub-regionais, na sua maioria altamente empobrecidos, tanto em técnica como em equipamento.
Além destas funções, cabalmente representativas do valor da sua actuação, constitui o hospital regional, enquanto intermediário entre o hospital central e o sub-regional, um centro de triagem para hospitalização dos doentes no local mais adequado à sua cura.
Mercê das novas técnicas de diagnóstico e tratamento, os serviços de consulta externa ocupam nestes hospitais lugar de acentuado relevo, porque permitem evitar internamentos desnecessários de doentes susceptíveis de serem tratados em regime ambulatório, aumentando assim o número de camas disponíveis para hospitalizações inadiáveis.
Cabe ao hospital recordar-se que o doente que observa e trata constitui um todo em que é imprescíndivel considerar não só o aspecto fisiológico, mas, também, o psicológico e o social. São as manifestações deste todo que importa captar nas suas mínimas nuances, olhando o doente como «indivíduo», senhor de um contexto que lhe é próprio, uno e indiviso.
Para a alienação desta visão global do homem contribui, principalmente, a rotina, que exige, para ser destruída, um esforço constante de renovação. Como muito bem diz Gabrielle Chavent, «o diagnóstico não se limita apenas à auscultação do indivíduo, ele é uma introspecção que tem de estender-se ao meio, à colectividade e a tudo o que constitui o seu ambiente».
A ideia que a biofísica e a bioquímica poderiam solucionar todos os problemas da doença está, presentemente, ultrapassada.
Para um hospital regional, em virtude da sua já complexa e delicada orgânica e da magnitude da tarefa que se propõe, são exigidas instalações actualizadas, devendo substituir as grandes enfermarias, de uso ancestral - que traduzem não só grave erro psicológico, como social e técnico -, por compartimentos que não ultrapassem a lotação de quatro camas, onde se consciencialize o doente que não é apenas um caso ou um número mas, sim, um
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hóspede e um amigo. Efectivamente, bem conhecido é de todos o papel que o conforto representa no estado psíquico do doente e, por sua vez, a acção pronunciada que o psíquico exerce sobre o corpo.
Terá de estender-se a actualização das instalações destes hospitais quer aos serviços de cirurgia, onde o bloco operatório deverá corresponder às exigências de toda a cirurgia que a este nível se pratica, quer à instalação das diversas valências de especialidades médicas e laboratoriais, que impõem um apetrechamento adequado à sensibilidade das suas técnicas, quer mesmo à organização dos serviços de farmácia, cuja ausência tanto se faz sentir, ocasionando, por vezes, consequências graves.
Igualmente são exigidas apropriadas instalações sanitárias junto dos diferentes serviços, com os respectivos lavabos, cabinas com chuveiro ou banheira, etc., conforme estabelece a mais elementar higiene.
As próprias cozinhas e lavadarias devem suscitar cuidada atenção, sendo importante o papel que desempenham as primeiras, pois, quer a preparação, quer a apresentação dos alimentos são factor válido para estimular o apetite, tanto por uma confecção esmerada como por uma apresentação agradável. Com efeito, a alimentação constitui nos nossos dias uma ciência, com as suas regras e as suas fórmulas, sendo aconselhável uma composição racional das ementas não só qualitativa, mas quantitativamente.
A esta tão importante unidade hospitalar deve corresponder um adequado corpo clínico, farmacêutico e de enfermagem.
Nota-se, porém, que em algumas destas unidades o sector profissional apresenta vincadas deficiências: o sector médico encontra-se diminuído em certas especialidades; o sector de enfermagem apresenta uma situação que se manifesta chocante. Embora não tenha atingido o grau indesejável que se aprecia em alguns hospitais sub-regionais - onde, por vezes, um familiar tem de ficar a tomar conta do doente hospitalizado -, verifica-se que é aí nula ou insignificante a percentagem do pessoal de enfermagem diplomado. Contra tão preocupante deficiência impõe-se intensificar a criação de escolas de enfermagem a nível regional, contribuindo desta forma para modificar tão anómala situação.
Nos 25 hospitais regionais do continente verifica-se, através da estatística referente ao ano de 1964, que a relação camas hospitalares-médicos varia de 2,88 em Guimarães a 19,77 em Leiria, sendo de 8,81 a média das referidas unidades hospitalares. Porque o corpo clínico de algumas se não encontra ainda organizado na sua plenitude, urge completar e desenvolver totalmente os seus quadros.
Por outro lado, os serviços de farmácia apenas se acham instalados em 15 dos 25 hospitais regionais, encontrando-se os restantes desprovidos de quaisquer serviços farmacêuticos.
As 22 283 camas existentes nos 303 hospitais gerais distribuídos pelas três zonas hospitalares do continente permitem avaliar, em função da população, os índices camas-população, isto é, o número de camas por 1000 habitantes. Verifica-se, assim, que os valores obtidos são diferentes para as três zonas consideradas, sendo para a zona norte 1,98 por 1000 habitantes, para a zona centro 2,33 e 3,02 para a zona sul.
O valor destes índices impulsiona-nos a fazer alguns comentários que se nos afiguram pertinentes.
Tais valores correspondentes aos índices das zonas norte e sul, respectivamente 1,98 e 3,02, levam-nos a concluir que as novas construções hospitalares - preconizadas pelo III Plano de Fomento se impõem com acentuada preferência na zona norte, tanto no que respeita aos hospitais regionais como, até, aos sub-regionais, cuja incidência se apresenta nitidamente enfraquecida.
A esta circunstância cabe grande responsabilidade na precária assistência médica e hospitalar daquela região de tão elevada densidade populacional.
No sentido de neutralizar tão prejudicial deficiência - o que a todos os títulos concorrerá para o engrandecimento nacional pela valorização do seu potencial humano -, há que criar, com a maior brevidade, as carreiras médicas de saúde pública e as carreiras médicas hospitalares, conforme já algumas vezes se afirmou nesta Assembleia e, aliás, S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência preconizou.
Tal medida, facilitando a actuação médica em regime de full-time, proporcionará não só a diminuição das grandes concentrações de doentes que nas salas e corredores longa e ansiosamente aguardam a consulta, mas ainda ocasionará a utilização conveniente de determinados sectores hospitalares, quase inaproveitados, em virtude de o serviço médico em regime de part-time ser insuficiente para os dinamizar.
O equacionamento de uma nova orgânica que as carreiras médicas impõem apressará o estudo, quer clínico, quer laboratorial, se necessário, do doente, encurtando o período de hospitalização, com os múltiplos benefícios que daí advirão.
O desequilíbrio que se verifica nas taxas de ocupação hospitalar em função do total de camas, quer a nível central, quer a nível regional e sub-regional, é, certamente, condicionado pelas múltiplas deficiências que, a nível de alguns dos dois últimos, se verificam.
Atendendo a que a percentagem de 80 por cento constitui a taxa aconselhável, e que dela se aproximam, unicamente, os hospitais regionais, uma vez que os hospitais centrais atingiram uma hiper-saturação e os sub-regionais apresentam valores muito inferiores à taxa padrão, há que melhorar nestes últimos a sua capacidade funcional, técnica e material. Estes estabelecimentos hospitalares muito deverão melhorar com a instalação, nos seus serviços, das unidades médico-sanitárias - centros de saúde -, conforme está previsto, concorrendo, assim, para que sejam ocupadas mais de 4000 camas que, na situação actual, se mantêm vagas.
Permitimo-nos, Sr. Presidente, tecer estas modestas considerações acerca das características necessárias e indispensáveis a um hospital regional, para melhor focarmos e mais conscienciosamente podermos apreciar a panorâmica hospitalar da cidade de Vila Real.
Sede de distrito e de província, é desoladora a situação que desfruta e impressionante o conceito que somos levados a formular aquando de uma visita, curta embora, ao seu hospital.
Tendo por missão prestar assistência a muitos milhares de pessoas, luta arduamente com o desconforto e as precárias condições em que trabalha o seu corpo clínico, numa situação nitidamente carenciada de valências indispensáveis à confirmação urgente de certos diagnósticos.
Encontra-se, desde há 50 anos, instalado o Hospital da Misericórdia num edifício que, por corresponder a uma adaptação imperfeita de um antigo colégio, não reúne as mais elementares condições para o fim a que se destina.
Dotado de enormes salões, de exagerado pé direito, como era próprio da época em que foi construído o edifício, aí se acham instaladas longas e áridas enfermarias de dezenas de camas, que tornam totalmente impossível proporcionar aos doentes, aquele ambiente aconchegado e acolhedor que é actualmente preconizado e as construções modernas já permitem oferecer.
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Ocupam o primeiro piso oito modestíssimos quartos particulares, duas enfermarias e o bloco operatório, com uma localização desaconselharei, já que tem por acesso obrigatório um corredor desprotegido contra as intempéries.
No piso superior, cujas paredes exteriores, construídas de madeira e zinco, são totalmente desprovidas de qualquer protecção contra o frio e o calor, estão situadas todas as enfermarias de mulheres, inclusive a secção de maternidade, servidas por uma escada de madeira, de tão reduzidas dimensões que grandemente dificulta o transporte dos doentes.
A falta de espaço não permite ainda agrupar os doentes do foro das diferentes especialidades em compartimentos estanques, que, assim, se encontram distribuídos arbitrariamente pelas enfermarias.
Também as instalações do médico de serviço são inadequadas, sendo este, por vezes, obrigado a tomar as refeições na sala onde, simultaneamente, os doentes fazem as sessões de fisioterapia.
Agua corrente só existe em alguns pontos e o aquecimento apenas se encontra na sala de operações. E acontece isto, devemos frisá-lo, numa região em que as condições climáticas, pelas suas amplitudes térmicas, estão bem evidenciadas no velho adágio: "Oito meses de Inverno e quatro meses de inferno".
Quanto à lavadaria, rouparia, etc., primam pela ausência.
A contrabalançar tão acentuadas carências apresenta o hospital de Vila Real o seguinte movimento:
Doentes
Internamentos em 1964 ......... 2 424
Internamentos em 1965 ......... 2 687
Internamentos em 1966 ......... 2 915
Está o hospital dotado de 165 camas, número francamente insuficiente para fazer face às exigências da região, que abrange a área de nove concelhos, com a seguinte distribuição:
Camas
Serviços de medicina ............ 75
Serviço de cirurgia ............. 52
Serviço de pediatria ............ 20
Maternidade. .................... 18
Em 1966, na consulta urgente, sem internamento, foram atendidos 3372 doentes e na consulta externa normal 4000 doentes.
É o corpo clínico constituído por:
Um cirurgião e obstetra titulado;
Um cirurgião e urologista titulado;
Seis clínicos gerais (entre eles um cirurgião titulado por concurso, mas sem lugar de cirurgia);
Um clínico geral como anestesista;
Um clínico geral encarregado dos serviços de transfusões;
Um radiologista, aos sábados.
A relação camas hospitalares-médicos é quinze, número que traduz certa carência de médicos, apenas se apresentando em piore" circunstâncias os hospitais de Ponta Delgada (17,33) e Leiria (19,47).
A média de duração de internamentos no hospital regional de Vila Real é a seguinte:
Dias
Cirurgia. ............... 22,5
Medicina ................ 20,1
Pediatria ............... 21,5
Maternidade. ............ 12,7
Esta média corresponde ao estudo e tratamento de doentes e é inferior à média geral (26,69 dias). No sector cirúrgico mais de 50 por cento dos internamentos correspondem a casos de grande cirurgia, quer abdominal, quer torácica, abrangendo ainda o internamento de traumatizados, queimados e doentes de ortopedia.
O tempo de ocupação das parturientes, sendo de 12,7 dias, igualmente se não manifesta exagerado, tendo em conta que quase só recorrem a estes serviços parturientes cujo parto se afigura de prognóstico reservado e que nas suas aldeias distantes não têm recursos assistenciais nem ante nem post partum.
Atendendo a que, presentemente, as doenças cardíacas e as lesões vasculares afectando o sistema nervoso central ocupam os primeiros lugares entre as que ocasionam maior número de óbitos, e perante muitos casos de urgência, apresenta-se como grave a ausência de serviços de electrocardiografia, do laboratório de análises clínicas e dos serviços farmacêuticos, bom como dos serviços de radiologia, que sómente funcionam um dia por semana, acarretando ao corpo clínico dificuldades insuperáveis.
Para completar, indicamos alguns dados demográfico-sanitários do distrito, que julgamos esclarecedores do seu nível médico-assistencial:
População residente em 1960 - 325358 habitantes;
Número de habitantes por cada profissional de enfermagem em 1964 - 3959 (número aconselhável, 500 habitantes por enfermeiro);
Taxa de mortalidade infantil (1964) - 82,2 por cento;
Taxa de natalidade (1965) - 86,15 por cento;
Partos sem assistência médica (1960) - 80,7 por cento.
Sr. Presidente: Se, como afirma Tenon, os hospitais constituem a medida da civilização de um povo, em presença dos dados que expusemos, tão eloquentes na sua singela expressividade, parece-nos poder afirmar com justiça que Vila Real tem necessidade urgente e inadiável de um hospital digno dos seus doentes e do seu corpo clínico.
Estando prevista no III Plano de Fomento a construção de quinze hospitais regionais e ocupando o de Vila Real o 13.º lugar, "sendo de prever apenas o seu começo no decurso da execução do Plano", a sua posição não se nos afigura risonha nem adaptável à situação angustiosa que desfruta. Assim, deste lugar, solicitamos confiadamente ao Governo, e especialmente ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência, o seu melhor interesse e o seu maior carinho para os doentes de Vila Real, concedendo-lhes instalações e possibilidades técnicas e materiais que lhes permitam debelar o mal que os atingiu.
O principal erro do homem é perder o sentido da transcendência, é esquecer que faz parte do todo que constitui a espécie humana; quando menospreza a doença que ataca o seu semelhante é a si próprio que menospreza.
Perante uma necessidade que tão categoricamente se afirma, Vila Real não terá com quem discutir o primeiro lugar na ordem de prioridade da construção de novas unidades hopitalares.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: De visita ao nosso país encontra-se em Portugal, a convite da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional, uma missão parlamentar britânica, constituída por representantes dos dois grandes partidos ingleses.
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Assistem neste momento aos trabalhos desta Câmara e por isso lhes dirijo cordiais cumprimentos. de boas- vindas, relembrando com reconhecimento as atenções dispensadas pelos parlamentares britânicos aos Deputados portugueses que há dois anos visitaram a Inglaterra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal e a Grã-Bretanha são velhos aliados e amigos e muitas vezes se encontraram e combateram juntos em períodos difíceis e cruciais da sua história. E juntos se encontraram também na defesa de ideais comuns.
Os ventos da ambição que sopram em todos os quadrantes da terra e a transigência das grandes nações do Ocidente perante as verdades e os princípios que constituíram o fundamento da sua própria grandeza prejudicaram as relações entre os dois países e afectaram uma aliança, velha de séculos, estabelecida precisamente quando Portugal se preparava para os empreendimentos e para as tarefas da descoberta do mundo novo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por mais justificadas que sejam as nossas razões de mágoa e de ressentimento não podemos, porém, deixar de reconhecer que o nosso futuro e o nosso próprio destino estão directamente ligados à sobrevivência do Ocidente na luta gigantesca e sem quartel que lhe movem todas as forças unidas da destruição e do mal.
Os factos todos os dias demonstram que quando se abdica na ordem jurídica internacional não tem preço o custo da transigência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os ilustres parlamentares britânicos vieram tomar contacto com um lindo país, cheio de luz e de sol, que, na ordem e na disciplina, atento e vigilante na guarda das suas fronteiras, se entrega devotadamente, sem olhar a riscos ou sacrifícios, às grandes tarefas da valorização humana e da defesa firme daquela civilização que Portugal e a Inglaterra tanto contribuíram para difundir no Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E oxalá colham na sua visita elementos seguros de orientação e de esclarecimento.
São os meus votos e os meus desejos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Francisco António da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não desejaria que se encerrasse a presente sessão legislativa sem fazer algumas considerações sobre os problemas agrícolas do distrito de Beja, que aqui represento, constituem, no momento presente, não só um assunto de relevância económica, como também de relevância política.
Poderá parecer que se trata de uma repetição do que, por diversas vezes, tive a honra de trazer ao conhecimento desta Câmara. Embora os anos tenham passado, embora certas providências parcelares tenham sido tomadas, os problemas de ontem continuam a ser os problemas de hoje. E os argumentos que já utilizámos continuam a ter a mesma actualidade. Por essa razão, queria deixar bem claro que, ao abordar tal assunto, não pretendo estabelecer qualquer espécie de polémica, não pretendo ferir quaisquer susceptibilidades, nem tão-pouco apresentar a solução, milagrosa para problemas que não poderão resolver-se com uma análise superficial, e necessariamente incompleta, como a que aqui terei de fazer.
Sou movido, na minha intervenção, apenas pelo desejo de poder contribuir para a melhoria da situação da lavoura alentejana, já afectada, de há anos, por uma crise de grandes proporções em todos os seus sectores. Crise para a qual, aliás, se não perspectivam, nos anos mais próximos, soluções definitivas, uma vez que se criou um círculo vicioso de que se não pode sair com facilidade: a reconversão de culturas é unanimemente reconhecida como necessária e urgente, mas, para tanto, são precisos meios financeiros e técnicos que garantam a sobrevivência da lavoura no período em que se opera a reconversão; ora como a lavoura não possui, nas condições actuais, os meios financeiros para tal empresa, e como o Governo não pode, por si só, prover a todas as situações, a reconversão protela-se. E quando o Alentejo pede, aliás na sequência do que se prevê no III Plano de Fomento, a urgência na construção de aproveitamentos hidráulico-agrícolas, como meio de abreviar a reconversão, vozes há que se levantam contra o facto, como se a água não fosse fonte de riqueza, como se o interesse nacional não exigisse urgentemente a criação de novas estruturas agrícolas, para melhorar a deficitária situação da agricultura.
Quer-me parecer que, em parte, contribui para esta situação a demora na elaboração e na aprovação dos planos de desenvolvimento regional. Tem-se caminhado um pouco ao acaso, ao sabor da improvisação: daí a descrença, em certos sectores, quanto à rentabilidade da rega.
Bastará, contudo, atentar na certeza de que as culturas de sequeiro, tais como estão, não podem servir nem para a riqueza do País, nem para a melhoria da situação dos empresários agrícolas, para desejar que algo de novo se faça, não ao sabor do improviso, mas com planos amadurecidos, com uma orientação firme, que permita saber para onde caminhamos.
Se se fizer, no campo da agricultura alentejana, uma análise sectorial, teremos um quadro desolador, para o qual se torna necessário chamar a atenção do Governo.
É certo que, em algumas regiões, o último ano agrícola foi um pouco animador, mas apenas conseguiu suster. por mais algum tempo, o descalabro de muitas explorações, que, tendo sofrido as consequências de uma série de maus anos agrícolas, se mantêm altamente deficitárias.
A cultura trigueira, que absorve a maior parte da actividade agrícola, vive numa situação de incerteza.
O agricultor não deixa de reconhecer a necessidade de modificar o seu sistema de exploração no sentido de uma rentabilidade que não possui, pois enquanto se mantiver o condicionalismo do preço para esta cultura não há dúvida nenhuma que a mesma será deficitária para a grande maioria das explorações.
O aumento extraordinário das despesas de mão-de-obra, dos adubos, dos encargos de mecanização, a dificuldade na obtenção de créditos, tudo aliado às incertezas do clima, não permitem augurar melhoria de uma situação que se vai arrastando de ano para ano, enquanto não se criarem as bases estimuladoras de um aumento de produtividade, de um apoio técnico e financeiro e de uma maior compensação do produto.
O Ministério da Economia, consciente das reais dificuldades da lavoura trigueira, procurou, é certo, minorar-lhe as dificuldades através de uma política de subsídios. Mas tal política, se, em teoria, é aceitável, na prática, por virtude de discutíveis critérios de distribuição, pouco beneficia os médios, e muito menos os pequenos agri-
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cultores, que constituem ainda no Alentejo uma maioria, e que são os que mais carecem de ajuda.
A pecuária, que sempre tem constituído uma actividade complementar da agricultura alentejana, também não vive melhores dias. A inconstância do clima e a pobreza da maior parte dos solos obriga a criação de prados artificiais, o que ocasiona despesas volumosas, que nem sempre são compensadas.
Por outro lado, quase desapareceu do Alentejo a cultura porcina. A peste suína africana, para a qual ainda se não encontrou meio eficaz de combate, tem dizimado a maioria dos efectivos, ao mesmo tempo que tem contribuído para avolumar as dificuldades de precária economia transtagana.
A azinheira, que tinha importante papel económico, perdeu-o quase por completo.
Necessário se torna, pois, que também neste sector se tomem medidas práticas e efectivas para criar outra situação mais desanuviada, mais compensadora, até na medida em que o desenvolvimento da pecuária pode ser uma ajuda fundamental do processo de reconversão. Mas para isso é necessária a criação das bases primárias em que há-de assentar a exploração pecuária.
Numa época em que a investigação científica e técnica desempenha papel tão relevante na vida económica de tantos países, entre nós tem diminuído assustadoramente, como aqui há dias foi referido pelo nosso ilustre colega Dr. Teófilo Frazão, o número de médicos veterinários.
E a falta cada vez maior de técnicos, por virtude das suas fracas remunerações, tem dado azo a que as explorações agro-pecuárias se façam, na maior parte, das vezes, por processos empíricos, dispendiosos e de fraca rentabilidade.
Sinceramente, creio que as perspectivas criadas no domínio da investigação científica e técnica pelo III Plano de Fomento possam contribuir para a preparação dos técnicos de que o País, em geral, e a agricultura, em particular, tanto carecem. Se aliarmos a essas perspectivas a convicção firme de que, em breve prazo, serão revistas as categorias e as remunerações dos funcionários públicos, conforme foi anunciado, há dias, pelo Sr. Ministro de Estado, podemos confiar que o País disporá, num futuro não muito distante, em qualidade e quantidade, de agrónomos, veterinários e regentes agrícolas para o delineamento e execução de uma política agrícola.
A carência de escolas para a preparação de práticos agrícolas e a atracção exercida sobre os trabalhadores rurais por outras actividades mais remuneradoras têm levado, por sua vez, a fazer-se sentir, cada vez mais fortemente, a falta de mão-de-obra especializada nas tarefas agrícolas. A mecanização pode substituir, é certo, parte dessa mão-de-obra. O Ministério da Economia, através de legislação adequada, procurou ajudar a lavoura a apetrechar-se mecanicamente, concedendo facilidades de crédito. Mas é preciso ter em conta que a maior parte dos solos do Alentejo não admite a utilização de máquinas, e mesmo estas necessitam de pessoal especializado para o seu manuseamento. Mas como arranjar essa mão-de-obra se não se melhorarem as condições dos rurais?
Se analisarmos o sector da olivicultura, de tão antigas e nobres tradições na vida económica portuguesa, verificaremos que, neste momento, o panorama não é melhor do que na cultura cerealífera.
A oliveira sempre foi, na agricultura portuguesa, uma das principais fontes de riqueza. O sábio Leite de Vasconcelos referiu, nas suas Religiões da Lusitânia, que os olivedos já eram cultivados na Lusitânia pré-romana. Nos primórdios da nacionalidade, e talvez por influência muçulmana, a cultura da oliveira intensificou-se, talvez aproveitando as características do nosso clima.
E tal foi a intensificação dessa cultura que, no século XVI, o rei D. Manuel I chegou a mandar destruir olivais, porque a sua abundância, segundo refere João Lúcio de Azevedo, «dava à metrópole um aspecto rústico de que o soberano se humilhava».
Se atendermos a que se vivia, na época, a euforia dos descobrimentos e que a excessiva abundância de um produto avilta o preço e a qualidade compreender-se-á a decisão do soberano.
Estas citações servem apenas para ilustrar a afirmação que fizemos sobre o tradicionalismo da cultura da oliveira em Portugal. Outras se poderiam fazer para demonstrar o carinho e o interesse sempre dispensados pelos nossos reis a essa cultura, que têm sido, ainda, desde longa data, produtos tradicionais da exportação portuguesa.
Nos séculos XIV e XV, a azeitona portuguesa já era exportada para a Flandres, para a Inglaterra e para a Holanda, com outros frutos.
Numa obra chamada Elementos para a História do Município de Lisboa, refere Frei de Oliveira que, «ainda no reinado de D. Fernando I, havia tanta abundância de azeite no País que a Flandres, Alemanha, Castela, Leão e Galiza se abasteciam de azeite de Lisboa, Coimbra, Santarém, Abrantes, Estremoz, Elvas, Moura e Beja».
E para se avaliar ainda da importância económica da olivicultura no quadro da economia nacional, basta referir que os olivais ocupam uma área aproximada de 1 100 000 ha do nosso território metropolitano, com cerca de 60 milhões de oliveiras, cuja produção anual média é da ordem dos 80 milhões de litros, que correspondem a um valor bruto de 1 a 1,5 milhões de contos anuais.
As razões da importância dada à cultura da oliveira estão bem justificadas, se não quisermos recorrer a outras fontes, no preâmbulo da Portaria n.º 23 092, de 27 de Dezembro de 1967, da Secretaria de Estado do Comércio, quando se diz que «as condições edafo-climáticas de certas regiões do País, sobretudo das que se encontram situadas no seu lado nascente, são de tal maneira propícias à cultura da oliveira que dificilmente se encontrará outra tão adaptável aos seus solos».
O distrito de Beja, com clima de influência mediterrânica, possui alguns dos maiores olivais da Península.
Um só, o da Herdade dos Machados, no concelho de Moura, abrange uma área de cerca de 1500 ha; comportando quase 150 000 oliveiras. Por consequência, uma crise da cultura da oliveira não poderá deixar de afectar gravemente a economia alentejana.
E essa crise existe. O fenómeno não é só português, pois na mesma portaria se diz «que sucessivos agravamentos dos factores de produção que a olivicultura tem vindo ultimamente a sentir, derivados, sobretudo, do aumento de salários, pagos à mão-de-obra, para o qual se não encontrou até agora substituto mecânico que valha, e a dificuldade ou mesmo impossibilidade de transferir esses encargos para um consumidor que encontra no mercado outros óleos alimentares - a preço sensivelmente inferior ao do azeite, têm lançado por toda a lavoura olivícola uma crise económica de que dão suficiente testemunho o abandono a que se vêem votados, em certos países estrangeiros, o amanho de extensas áreas de olival, o desinteresse pela recolha dos frutos e o arranque puro e simples das árvores, onde a reconversão se mostra económicamente viável»...
Ora, reconhecendo-se a existência de uma crise que afecta sobremaneira a lavoura olivícola, reconhecendo-se que há um excesso de produção sobre a procura, reconhe-
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cendo-se que «dominar a crise da olivicultura aparece, assim, como acção urgente de verdadeiro interesse nacional» e que é preciso ajudar a lavoura a escoar integralmente as suas produções de azeite e determinando os processos de comercialização mais capazes de lhe garantir o melhor preço possível», só não se percebe como se permite, segundo o disposto na portaria referida, a existência da mistura de azeite com outros óleos vegetais, ou, mais precisamente, de outros óleos vegetais com o azeite. Se em anos de fraca produção tal mistura se admite, a título precário, não se compreende que em anos de relativa abundância, como o actual, se legalize essa prática.
Sr. Presidente: A Corporação da Lavoura, em reunião realizada em 15 de Novembro último, pronunciou-se abertamente, e quase unanimemente, contra tal mistura, e defendeu uma série de medidas que se tornam necessárias para manter a genuidade do azeite, livre de qualquer mistura ou adulteração, como se pratica com o vinho, a manteiga, o leite e outros produtos. Dispensamo-nos de referir essas medidas em pormenor, até porque foram objecto de um comunicado da Corporação da Lavoura aos órgãos de informação, mas não podemos deixar de salientar que elas se ajustam ao interesse nacional, e, como tal, merecem a concordância, estou certo, da maior parte dos olivicultores do distrito de Beja, bem como das restantes regiões do País.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santa Rita Vaz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão a chegar-me por estes dias notícias algo alarmantes de vários núcleos goeses, espalhados aqui e além, sobretudo na África, que são autênticos S. O. S. lançados quanto ao aflitivo estado de coisas, devido aos últimos acontecimentos ocorridos no Quénia, sobre a política de «africanização» posta em vigor por aquele Governo, receando pelo seu futuro. Como se sabe, existem naquela e noutras partes da África razoáveis colónias de goeses, aí radicadas vai para mais de séculos. Nunca deixaram de se considerar goeses e portugueses, resistindo a todos os aliciamentos feitos, depois da invasão indiana da sua terra natal, pelas embaixadas e os consulados indianos, com coacções de toda a sorte, para abandonarem a sua cidadania portuguesa. Por não termos, em alguns desses países africanos, nossos consulados, não tenho à mão estatísticas recentes sobre o seu número exacto, pois, muitos devem ter os seus passaportes com a validade caducada e outros ignoro mesmo a situação em que se encontram. Ê sabido que o goês nutre pela, terra do seu berço um amor tão intenso que, não poucas vezes, por mais bem lançado que esteja na vida, acicatado pelo aguilhão da nostalgia, a ela regressa, para rever a aldeia em que nasceu, os sítios em que passou a sua infância, escutando o toque dos sinos da sua igreja ou ermida, para matar saudades...
Esta justiça sempre lhe foi feita, como, por exemplo, em plena sessão do Conselho de Governo, o saudoso governador-geral do Estado Português da Índia, Dr. Jaime de Morais, vai para anos, ter apreciado nestes termos elogiosos:
... A par de tudo isso, a colónia tem nos seus habitantes o seu maior recurso, a sua maior riqueza. Tenazes, inteligentes e estudiosos, em toda a parte são uma elite. Por vezes erramos aqui na sua apreciação; mas eles, lá fora, são a honra desta terra e o orgulho de todos nós - sempre activos, diligentes, patriotas e disciplinados. Eles são os irmãos do português da metrópole que em terras de África e da América trabalha, vencendo sempre, manifestando o seu valor, a sua resistência, o seu feitio disciplinado e as fortes qualidades da sua raça.
De outro lado, posso citar, o depoimento do governador do Quénia, ao tempo colónia inglesa, Sir Evelin Barring, que confessou publicamente que «os goeses têm sido os braços direitos da administração do Quénia e praticamente são os claviculários dos cofres do Governo» - tão honestos e merecedores de confiança eles eram.
A par desses honrosos atestados que se referem ao passado não muito longínquo sobre os goeses emigrantes, um outro muito próximo, dos nossos dias, foi-lhes concedido pelo Rev.º Prof. António da Silva Rego, historiador de renome e autoridade incontestada nestes assuntos, aquando do II Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, reunido a bordo do navio Príncipe Perfeito, nestas palavras, que não resisto à tentação de citar:
As comunidades goesas são de tal forma importantes que justificam referência especial, pois são elas as grandes reactoras da cultura lusíada em todo o Índico e mares vizinhos. Ressalta esta importância ainda pelo particularismo da conjuntura que presentemente se atravessa.
E mais adiante, salientava:
São estas as comunidades por excelência que se encontram na África oriental, no Golfo Pérsico e noutras regiões ainda. Foram os goeses que aguentaram a presença portuguesa em Moçambique, em oposição a outros indianos de triste memória, os famigerados «banianes» ou «monhés», que, mantendo o comércio em suas mãos, deles sabiam afastar todos os concorrentes, fossem europeus ou asiáticos. Qualquer inquérito, mesmo apressadamente conduzido, realizado nas diversas nações da África oriental, mostrará que são os goeses os melhores e maiores vectores do cristianismo. Ora, este cristianismo é ainda o eco daquele que os velhos missionários portugueses levaram a Goa, franciscanos, jesuítas, dominicanos e agostinhos, principalmente. Singapura, Macau, as Molucas, Timor, etc., ainda hoje relembram as devoções que os missionários goeses introduziram. São os goeses uma comunidade bastante fechada e, por isso mesmo, mais resistente a estranhas e indesejáveis influências. Comunidade de tendências endogâmicas, encontra nas suas mulheres o melhor santuário onde se podem conservar intactas as suas tradições e legados dos seus maiores.
Devem ser hoje os goeses os que mais pungentemente sentem, em todo o espaço português, saudade de um passado, ainda tão recente e já tão vincadamente marcado pelo sofrimento; saudade provocada pela ausência dos seus entes queridos; saudade de passado mais antigo, nimbado pela distância e santificado pela dor. Os goeses devem merecer especial lugar nos cuidados da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.
Mais e melhor não poderia eu dizer, além do elogio em boca própria ser vitupério.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Expostas as credenciais dos emigrantes goeses pelas penas e bocas autorizadas, recorro ao valioso depoimento do Sr. Presidente do Conselho prestado no notável discurso pronunciado nesta
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mesma sala, em 3 de Janeiro de 1962, após a bárbara agressão armada da União Indiana contra Goa, Damão e Diu, nesta tocante passagem:
Tendo-se manifestado por toda a parte tão portugueses como os melhores e tendo arrostado com dificuldades enormes para se manterem fiéis, é apenas obrigação da nossa parte reconhecer-lhes um direito que os honra e os fax continuar presentes entre nós.
Assim o afirmou e à risca o tem cumprido, como na entrevista concedida ao Chicago Tribune, à pergunta do jornalista, «como se encontravam os antigos cidadãos portugueses vítimas da agressão indiana?», Salazar afirmou enfaticamente:
Para nós a agressão indiana contra Goa e a incorporação dos territórios portugueses na União Indiana não retirou aos cidadãos goeses a nacionalidade portuguesa. Continuamos a considerá-los como nossos nacionais. A União Indiana também a isso se comprometeu, muito embora de há muito tenha violado o seu compromisso e procure impor a todos, pela violência, a cidadania indiana.
E esta formal garantia representa para todos os goeses sem excepção o farol alentador que os há-de guiar ao porto de salvação e refúgio seguro. É ela que os faz viver e remar contra as alterosas vagas da maré que os pretende engolfar.
É público que tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como o do Ultramar têm feito tudo o que está ao seu alcance no sentido de auxiliar os goeses nas horas de desdita que estão a atravessar, esperando que, no momento actual, eles hão-de redobrar os esforços de modo a tornar ainda mais efectiva a sua actuação.
Daqui, deste lugar, posso mandar dizer aos que se me dirigiram, transidos de compreensível pânico, que tenham fé e confiança, pois Portugal nunca os abandonará!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sérgio Sirvoicar: - Sr. Presidente: Foi há pouco publicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros o primeiro volume do «livro branco» relativo ao caso de Goa, intitulado Vinte Anus de Defesa do Estado Português, da Índia.
Ler esse magnífico trabalho de compilação é assistir a vinte anos de firmeza, de coerência e de dignidade na condução da nossa política externa quanto ao caso da Índia Portuguesa.
Vinte anos em que a prudência, a reserva e a habilidade da diplomacia portuguesa procuraram, por todos os meios lícitos, esclarecer, convencer, tranquilizar o Governo da União Indiana, para que a paz, a liberdade e a justiça não desaparecessem das terras da Índia Portuguesa.
Mas também vinte anos em que o mesmo Governo da União Indiana deu provas repetidas de obstinação insensata; em que, invocando pretensos grandes princípios, desconheceu as realidades, desprezou o direito das gentes, traiu a política da verdade proclamada por Gandhi, considerado o grande campeão da independência da Índia.
A esse nacionalismo agressivo - e por isso condenável - respondeu sempre Portugal com a mão estendida, no gesto pacífico de quem mais não deseja do que viver em paz, mas sem por isso resignar-se por um só momento à lei do mais forte.
Pelas páginas do «livro branco» perpassam ainda os exemplos do patriotismo dos goeses espalhados pelo Mundo, livres ou sujeitos a pressões da União Indiana; exemplo em que deveriam meditar alguns maus portugueses, sempre prontos a acusar todo um povo, quem sabe se para encobrir culpas próprias ou interesses de pequena política.
É de justiça reconhecer nesta Assembleia os grandes serviços que com a publicação do «livro branco» o Ministério dos Negócios Estrangeiros presta à Nação, serviços que se não resumem à divulgação dos factos históricos ocorridos entre 1947 e 1967.
O grande, talvez o maior papel que este «livro branco» pode representar no drama de Goa - ainda nem sequer no segundo acto -, é e será o de marcar o rumo inalterável da política nacional quanto a todo o seu território - repito todo o seu território, incluindo Goa, Damão e Diu.
Assim Deus ilumine pelos próximos anos os responsáveis por essa política nacional, para que encontrem e sigam o melhor caminho para a executar e fazer triunfar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público relativas a 1966.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Nos últimos dias tenho lido e ouvido: «Debate sobre o parecer das contas públicas», e isto não está inteiramente bem.
Tal expressão julgo-a imprópria.
O debate baseia-se na Conta Geral e nas contas provinciais.
Existe sobre elas um relatório desenvolvido do Ministro das Finanças, acompanhado de dados muito seguros elaborados pela Contabilidade Pública.
Depois deste, e sobre este e outros, vêm dois relatórios e declarações gerais, de alcance constitucional, do Tribunal de Contas.
Por fim vem o parecer da Comissão Parlamentar de Contas Públicas sobre aqueles documentos.
Tal é o direito.
Estas é que são as bases e sobre elas se estabelece o debate.
«É este ou o do Orçamento que prefere no processo parlamentar?»
Qual dos dois debates parlamentares possui maior relevância política? O do Orçamento ou o dá Conta? Este ou o de meios?
Vou analisar o problema, mas desde já afirmo que não farei dele uma questão fechada.
Historicamente não merece qualquer discussão.
A autorização de meios e o consentimento de despesas remontam às Cortes da primeira dinastia e há quem afirme, precederem até e próprio direito público ou irmanarem-se com ele, para além das queixas dos povos, nas autorizações e consentimento dados ao poder real.
O apuro das contas pelos representantes da Nação, esse data apenas da Declaração dos Direitos, de 1789, na Revolução Francesa, pela qual aqueles foram investidos na fiscalização das aplicações dos dinheiros públicos.
É isso que se chama mergulhar raízes na história.
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Os mestres de direito público ensinam que o conteúdo do Orçamento é um acto de previsão do Ministro e da Câmara que culmina em forma de lei e encerra um mandato amplo e solene, concedido em nome do contribuinte, que vem a ser o suporte final dos encargos.
Este direito deve alicerçar-se num exame aprofundado das coisas.
Trata-se de um princípio de preeminência representativa ao consentir despesas e ao consentir receitas.
O apuramento das contas pelos representantes consubstancia desta sorte uma fiscalização das aplicações dadas aos dinheiros públicos.
A sua importância prática é, porém, menor. E muitos parlamentos se atrasam ou simplificam neste contrôle constitucional.
Ele, de resto, acaba por um regulamento ou por uma resolução, tal como acontece entre nós.
Tanto a anterioridade da Lei de Meios, que autoriza a confecção do Orçamento, como a do processamento parlamentar, definem o um e o dois, entendo eu.
Não há que tirar ensinamento da colocação do número dispositivo constitucional da tomada de contas. Ele está no desenvolvimento do preceito anterior (artigo 91.º, n.º 2.º, da Constituição).
E não há uma ordem onde se fala de dívidas, amortizável e consolidada, de autorizar a guerra, de aprovar convenções, etc.
Entre antecipação e esperança, definido o porvir e o passado como atestado do direito cumprido, a vantagem lógica está no primeiro.
Os grandes mestres de direito financeiro, Salazar, Jèse, Tangorra, Griziotti, Pigou, Laufenburger e tantos, discutiram sempre conceitos e teorias à luz da carga e dos benefícios das gerações posteriores à nossa. A Conta pode esclarecer, mas não fornece opções como a lei de autorização.
Claro que existe também um problema de dimensão política. Ao passo que o Orçamento Geral diz respeito ao território metropolitano e insular, a tomada de contas abrange todo o território português.
Mas, note-se bem, que os orçamentos provinciais devem organizar-se em princípios e termos uniformes e gerais - quer dizer, em moldes e intuitos unitários e similares.
Assim, entre construtores do futuro e passadistas não devemos estar no segundo lado, mas no primeiro lugar, sem querer com isto atentar contra a soberania e a importância deste debate.
Deixo à Câmara estabelecer a ordem das suas preferências.
«Porque a Conta é a Conta, e não o Orçamento?»
Tenho ouvido alguns oradores impetuosos, e li até dois artigos da imprensa diária - sendo mais vulgar o erro do que se julga -, estabelecendo confusão entre orçamento e conta.
Os dois conceitos divergem muito, estão separados, no tempo e na técnica, e revela-se assim pouco cuidado da parte dos que se extraviam nas fronteiras entre os dois cantões financeiros.
A questão adquiriu novos foros de importância.
Como ultimamente se substituiu aos anteriores conceitos de equilíbrio de gestão, apenas o de equilíbrio de contas públicas, com provimento regular das caixas do Tesouro, a distinção deve ser aclarada, porque se tornaram mais propícias as razões de erro possível.
Também a amplitude conferida pela missão representativa a esta tribuna leva a reclamar, na discussão da Conta, aberturas de crédito, reforços e alterações que teriam mais apropriado lugar nos debates sobre autorização anual de meios e na programação plurienal do fomento.
Mas, parlamentarmente, o caso possui menos relevância do que na crítica financeira e menos ainda do que nos debates de ordem técnica.
Vamos assim insistir numa distinção, para dela poder tirar algum ensinamento.
O Orçamento, que se baseia na autorização de meios e realizações conferidas pela Câmara ao Ministro das Finanças, é um programa de acção governativa para o ano seguinte, um plano de acção política, uma vista detalhada sobre o futuro.
Baseia-se em estimativas, aproximações, cálculos de verbas e de distribuição de encargos, sempre autorizados por um mandato político, tanto de expressão tradicional como popular.
Em termos contabilistas, consiste numa estimativa de custos gerais de serviços e numa escolha e ordenação de meios a empregar.
O Orçamento volta-se para o futuro.
Por assim dizer, podemos chamar-lhe uma profecia, uma visão antecipada da gestão pública, uma noção anterior do comportamento colectivo nos doze meses próximos que vão suceder-nos.
Diversamente, a Conta é o passado - é a crónica financeira do que aconteceu sob a regência de um dado orçamento.
E, como tal, deve conter não uma vista teorética, mas noções práticas do que se fez, do que se logrou fazer.
Ela não lida com provisões e cálculos - lida com números certos e elementos apurados como resultados finais.
Quando o Orçamento nos diz o que se irá passar, a Conta mostra a recapitulação numérica do que aconteceu realmente.
Em vez do domínio das perspectivas e projecções do futuro e das probabilidades, encontramo-nos num reino de certezas inflexíveis.
Bom ou mau, no seu dinamismo, o Orçamento é um profeta e a Conta está petrificada como a mulher de Loth, petrificada, mas olhando para trás.
O Orçamento é para autorizar, mas a Conta é para o mandatário responder pela gestão e para acertar e reverificar.
Portanto, não pode nem deve haver confusão nem emaranhado entre orçamento e contas, que, em financeiros, seria confusão indesculpável.
Mas agora, para mostrar que nem tudo será claro e separável, farei aqui algumas referências.
A primeira - as teorias consagradas sobre efeitos económicos e dinâmicas de pré-financiamento e circuito para afirmar que, ao passar-se do território puramente técnico ao sócio-económico, hão-de analisar-se translações, efeitos e repercussões originadas anos antes e que provocam oscilações benéficas no conjunto.
A segunda - que, sendo o Orçamento um instrumento de investimento e de política económica, o seu dinamismo não cessa no dia 31 de Dezembro e prolonga e acelera no tempo.
A terceira - que as finanças funcionais mostram a possibilidade técnica de trabalhar com empréstimos, taxas, impostos e outras medidas para lograr determinadas capacidades e consequências.
Suplantar certos ciclos, ajudar a expansão, abrigar das vagas de subemprego, contra-arrestar certos fluxos monetários, são hoje instrumentos conhecidos de realizar politicamente.
Há muito que as finanças italianas abandonaram estas noções tradicionais de orçamento e conta e, numa tarefa de sabor contabilista, em que sempre foram mestres, de-
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pois de Luca Paccioli, lhe substituíram os conceitos de «balanço preventivo» é «balanço consumptivo».
Portanto, devemos analisar muito cuidadosamente, destacando as previsões da execução pròpriamente dita.
Temos de possuir noções contabilistas e não ver as finanças como um instantâneo ao milésimo de segundo, mas como série cinematográfica, que ilumina vários campos e que excede a política unilateral.
A política financeira derrama-se por vastidão de capítulos, dos quais a economia de desenvolvimento é apenas um deles.
«A Lei de Meios para 1966.»
No debate presente não devemos esquecer, abandonar ou dar de barato os princípios por nós postos na Lei de Meios, particularmente os princípios inovadores.
Nem um só dia o Estado moderno pode viver sem orçamento. Se a Assembleia denegar poderes de autorização ou o Ministro da pasta respectiva dormir o sono de Homero, a vida parará, como parou a de Pompeia no tempo de Plínio-o-Velho.
Sem meios financeiros ninguém daria hoje um passo e a aparelhagem do Estado enfraqueceria até à inanição.
Pelo direito secularmente repetido dos povos, pela santa aliança entre procuradores e reis, as despesas têm de ser autorizadas, antes de realizadas, com os objectivos legais de satisfazer necessidades colectivas. E as receitas hão-de ser consentidas para o executivo proceder à sua liquidação e cobrança.
Para repartir uma e outras se recomendava prudência aos príncipes e esperavam justiça os povos.
A Lei de Meios e o orçamento que a concretiza ditam uma regra de viver nacional e da execução deste diploma legal hão-de esperar-se apertadas contas.
O que conferimos! nós em Novembro e Dezembro ao Governo?
O poder financeiro?
A representação dos contribuintes e a vigilância dos credores?
Não.
Conferimos anualmente um mandato.
Não é este uma procuração geral de Administração.
Tão-pouco se pode chamar um mandato político, paralelo ou igual ao mandato que recebemos do eleitorado.
Não se trata ainda de uma autorização popular precária, derrogável e fluida.
A Assembleia confere um mandato financeiro, constitucional, para que o Ministério elabore e ponha em vigor, de harmonia com os princípios votados, as cobranças e a satisfação das despesas. Uma grande parte destas últimas repete e mantém-se inalterável, formando uma rotina, um património moral e material cristalizado e reconhecido.
Sem embargo, uma parte, fora dessa rotina, contém os «princípios inovadores» que hão-de caracterizar a futura gestão, que assim se vê diferenciada.
Todos temos em mente o que se passou no fim do ano de 1965 e no debate se terem levantado aspectos flagrantes e novos da futura gestão financeira, nos« termos da proposta.
Examinemos alguns princípios e desta lembrança ficará uma ideia do essencial do mandato conferido e do que importaria analisar, nos estudos e debates sobre contas públicas. Vejamos:
O equilíbrio financeiro torna-se mais amplo e vasto e busca preocupadamente não os acertos da gerência, mas o nivelamento dos resultados finais - passa-se assim do equilíbrio orçamental ao equilíbrio das contas. Mais, este equilíbrio- da vida do Estado estende-se agora ao balanceamento das despesas gerais de consumo e das reservas praticadas de investimento.
Segundo - anuncia-se a reforma do imposto indirecto pela substituição de uma taxa generalizada sobre o valor das transacções.
O imposto não é bem indirecto, mas atinge a circulação jurídica, nas operações de compra e venda.
Apesar das reacções e obstáculos que a Câmara tem testemunhado, este instrumento fiscal mostrou-se várias vezes mais frutuoso do que se deixava prever!
Têm faltado às nossas reformas fiscais quadros, estimativas e cômputos sobre a situação do contribuinte em relação com as pressões ultimadas.
Dantes, de Salazar a Von Miguel, de Caillaux a Lloyd George, as reformas de tributação profetizavam, com rigor, a situação em que o contribuinte se encontraria confrontada com aquela em que se adiara.
Autorizaram-se as concentrações de verbas aceleradoras do crescimento económico.
A proposta ministerial preconizava ainda a intensidade dos investimentos intelectuais, abrangendo actividades laboratoriais, centros científicos, apetrechamento, formação de técnicos e estudos nucleares.
Grande parte das verbas assim destinadas não se aproveitou. E os recursos nucleares não correspondem ainda aos gastos efectuados.
Em face da conjuntura subversiva ultramarina que pretende abalar a resolução financeira, as leis fixaram um plafond de máximos legais.
Mas as despesas por motivos técnicos e militares mostravam-se em ascensão regular.
No desejo de corresponder às tensões actuais da vida financeira, inseriu-se uma disposição parasitária de planeamento regional para o efeito de inquéritos e estudos.
Talvez a proximidade do III Plano de Fomento dificultasse o aproveitamento de tão excelente intuito ou a complexidade de um esquema que lida com recursos naturais, desconcentração industrial e propõe obstáculos a levantar ao subemprego e ao êxodo demográfico.
Tais são os capítulos novos, as alterações de rotina, as aquisições intelectuais das finanças públicas que basto a quase enunciar quando mereceriam largos desenvolvimentos e deveriam ditar o comportamento colectivo.
Mas um mandato é uma potencialidade conferida, mão pode ser visto como o leito de Procusta nem como código de injunções, que em vez de facilitar a vida contabilista e financeira tolhesse os passos ou barrasse os caminhos.
«Examinemos o relatório ministerial.»
O relatório ministerial da Conta que o ano passado discutimos nadava em franco optimismo e, francamente, correspondia à conjugação de circunstâncias excepcionais de alta, perfeitamente favoráveis.
Mas, entretanto, a roda desandou, e o deste ano, premido já por factos de ordem diversa, mostra-se diverso mas respira, em todo o caso, uma equilibrada confiança.
Este agora produz-se numa atmosfera de grande saúde financeira, continua, corajosamente, a orientação fundamentalmente estabelecida em boa hora; desenvolve critérios e reformas, mantém o crédito do Estado e socorre-se largamente dele, reforça a posição da tesouraria, acompanha relevantemente os novos princípios postos e mantém afinal a fidelidade proclamada ao ressurgimento.
De notar o aumento dimensional do Orçamento e agora da Conta, cujos limites são gigantescos.
Embora menor do que nos três anos anteriores, a dívida pública expande internamente e no exterior.
Os encargos anuais trepam a 2 milhões, cifra ainda comportável, mas pesada, sem dúvida nenhuma.
As tensões inflacionistas na economia doméstica, nos mercados e na produção e consumo acrescentam, não só a
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carência de emprego, mas a raridade e carestia da mão-de-obra.
De tal modo que sobre o conjunto macroeconómico pesa, oprime e alastra, como um manto de tinta que se distende, a massa monetária quase a par do produto bruto e um recurso ao crédito comercial, que não se sabe bem se representa longitude de negócios se apertos demasiados.
Então o deficit comercial, pertinaz e insidioso, proclamando artifício e falta de regularização, já excede 11 milhões, um número absurdo, arrastado pela importância de matérias-primas para o sector fabril ou para o comércio urbano.
Entretanto as finanças seguem marcha vitoriosa, quase ininterrupta.
As receitas, embora, subavaliadas como coeficiente de segurança, atestam disponibilidades desmesuradas, embora algo menos do que seria preciso para as exigências de investimento.
As despesas militares crescem e ultrapassam o plafond legalmente fixado, e os créditos adicionais seguem-se, mas abertos com prontidão e sem hesitações de nenhuma ordem.
As despesas extraordinárias parecem-me exageradas em relação às receitas. Aconselharia a sua revisão e mudança de sector, se isso não resultasse um compromisso irremissível quanto à sua altura e persistência.
As alterações orçamentais surgem constantemente - com constância e em número exagerado.
Mas é uma técnica de segurança. Decerto que se trabalhou na concentração do investimento, através do orçamento e dos créditos.
Quanto ao investimento intelectual, é de lastimar que sobrassem verbas avultadas no Ministério da Educação Nacional, decerto não preparado para rapidamente acudir ao critério da Lei de Meios.
Quanto à proclamação da regionalização do investimento, representou apenas uma afirmação relevante do Ministério das Finanças e não uma deslocação orçamental, como se esperava, permanecendo a sua verba sem a utilização prevista.
As despesas de investimento coroaram na fase final da Ponte Salazar e na 1.ª fase da irrigação alentejana.
O orçamento e a gestão são instrumentos políticos de primeira ordem ë mostraram potencialidade para conter uma parte da vaga inflacionista e força para ajudar as capacidades expansivas da nossa economia geral.
Torna-se bastante difícil seguir o desenvolvimento dos princípios inovadores, no mare magnum das rubricas, secções, capítulos e grandes divisões orçamentais.
Há, se valer a pena, um ajustamento a fazer entre os dois documentos ministeriais, embora a Conta Geral, minuciosa, detalhada, completa, folheada em horas, acabará por dar resposta a muita coisa - às dúvidas, interrogações e reparos mais fáceis.
A Lei de Meios foi utilizada regularmente, fielmente. A execução dada correspondeu aos intuitos postos. E certas afirmações de princípio, novas e características, se tiveram menos expressão isso não se deveu às autoridades financeiras.
«Esse ano de 1966 ...»
Esse ano de 1966 ergueu-se sobre os augúrios funestos e tendo como berço uma conjuntura sombria das grandes nações ocidentais.
A crise da Bolsa de Nova Iorque .alastrou aos centros europeus. O Dow-Jones, mais que nervoso, traduzia a ansiedade e o pessimismo constritivo dos negócios mal parados. A Inglaterra adoecia já de diversos males. A Alemanha, a França e a Itália enfrentavam novas e crescentes dificuldades.
As balanças de pagamento deterioravam-se e as transferências ofereciam novos problemas, barrando os caminhos.
Surdira a questão do ouro e das liquidações convencionadas como ponto de partida de esquemas de revalorização e de tentativas de direitos especiais.
A Europa então preconiza unidade e intimidade colaboradora, mas, praticamente, divide-se mais e dá largas a desentendimentos de toda a ordem.
A Inglaterra bate à porta do Euromercado, mas os de dentro não ouvem nem correm para a entrada.
Todos reclamam maiores juros e - num mundo keynesiano - as altas taxas acastelam e enriquecem os que podem, empobrecendo os que precisam.
A banca entrega-se por isso a competições nunca vistas e os negócios são financiados em prazos curtos e com encargos crescentes - tudo para o mais.
Faltam créditos para os produtores, para os realizadores, mas os transportadores, os negociantes, os armazenistas, os construtores civis dispõem, a seu talante, dos financiamentos relevantes.
Num mundo febril e agitado, nós damos nesse 1966 a prova provada do viver diferente, dos restos da herança mundial de independência à conjuntura - de vivermos assim a nossa vida.
Esse ano de 1966 é o quadragésimo do 28 de Maio, um período histórico.
É o da Ponte Salazar, baseada numa mecânica simples de crédito exterior.
É o ano da irrigação alentejana.
É o ano do Alto Rabagão - 1 milhão!
E não sòmente isto - todos tivemos diante de nós a grande parada, a incrível parada das obras públicas e de construções locais, como jamais fora vista e nem sequer suspeitada.
Pelo Ministério destas, pelas Finanças, pelo Fundo de Desemprego, pelo crédito da Caixa, por um esforço adicional das câmaras e juntas, a capacidade colectiva do País excedeu-se a si própria.
Que importa que as verbas específicas tenham baixado esse ano?
Que importa certas quebras de créditos iniciais quando se realizaram as obras da Madeira e Açores?
Que importa que a ponte tenha custado um pouco mais do que se previra?
Mas atrás do visível tem de descortinar-se os efeitos sucessivos, as altas de consumo, o jogo de multiplicadores financeiros, a aceleração em zonas de estagnação e atraso.
sem dúvida - e é pena - faltou ainda o aproveitamento do Mondego e do Tejo e deve ser criticado o abandono a que foram nesse ano votados ainda os distritos de Bragança, Guarda, Vila Real e Viseu, que pareciam ainda enteados de uma tutora solícita mas imponente.
Faltava em 1966 o plano do Nordeste, um plano que há-de ser precavido e sério.
Seja como for, o quadragésimo ano foi um ano faustoso, copioso de realizações acabadas, e não de promessas fagueiras, de enleios inconsistentes, de tristes sinais de ineficiência e de paralisia.
Não pode a sucessão das contas deixar de registá-lo e a sucessão de balanços revelou um trabalho colectivo árduo e proveitoso que os números não podem impugnar, antes confirmam, e que .em 1966 tiveram, em parte, epílogo feliz.
Não podemos esquecê-lo.
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Vou agora referir-me à «função constitucional do Tribunal de Contas quando analisa, confronta e determina responsabilidades nas contas públicas»:
O Tribunal de Contas, entre nós, tem sido considerado órgão superior da vida do Estado, incumbindo-lhe, especificamente, a fiscalização financeira suprema, mas técnico-contabilista.
Não há tempo, hoje, para mostrar como mergulha as suas raízes na história e no direito e se tornou árvore frondosa, através dos regimes e das dinastias.
Durante meio século, em face dos parlamentos liberais, pesou sobre ele, no capítulo de revisão, um. silêncio de chumbo.
A Conta Geral do Estado tornou-se um padrão de inutilidade, de confusão; uma montanha de papelada supérflua.
Além deste silêncio, dominava-o um preconceito, por mais apurada que fosse a fiscalização do visto e a posteriori, a despeito do sangue moço das reformas e de reorganizações poucos espaçadas parecia que nunca chegaria à função culminante que centralizaria as suas actividades - a das contas públicas!
Estudei o assunto em longos serões, visitei as instituições análogas de Paris e de Roma, coleccionei pacientemente a literatura da especialidade, os velhos relatórios e regimentos, organizei e dispus os serviços e encontrei colaboradores que não mediam o tempo e os trabalhos nem se assustavam com a precariedade dos resultados.
Era forçoso vencer o prejuízo e remover os preconceitos e afinar em novos moldes os conhecimentos da especialidade.
Em 19 de Março de 1948 - já lá vão vinte anos! - aqui, nesta mesma tribuna, tomei um grave compromisso.
Renunciar à generosidade dos prazos e à posição mais que autónoma do Tribunal e com o mesmo pessoal, sem despesa adicional, fazer um esforço sério para que a Conta Geral fosse relatada e declarada, nos termos constitucionais, e o trabalho pudesse ser remetido a tempo para a Assembleia julgar politicamente, mas julgar com a precedência do juízo sobre exactidão e conformidade legal e impecabilidade dos dinheiros públicos geridos e aplicados assim.
Não podia de momento garantir os resultados, mas prometia um esforço denodado e sério.
Como num caminho bíblico, não faltaram as pedras, os cardos e a poeira das jornadas.
Mas, a 19 de Janeiro de 1949, a Conta Geral do Estado do 1947 encontrava-se analisada, conferida, reverificada e ajustada, no ponto de vista da exactidão, da conformidade legal e dos resultados e ainda se viam fixadas as responsabilidades dos gestores e apontadas as dos ordenadores, porque estes não seriam julgados.
Embora mutilado e distante, esse primeiro trabalho folheei-o agora com emoção pela sua estrutura sucinta, mas também pela riqueza de conteúdo que permitiria grandes desenvolvimentos e aperfeiçoamentos ulteriores, respeitada a sua orientação.
Pelo ilustre reformador de 1930 e de 1933, pela imprensa diária, pelos escritores da especialidade, esse filão rico, mas concentrado, foi saudado de forma elogiosa e compensadora, não escasseando incentivos para assim prosseguir.
Havia ali, na magistratura daquele órgão colegial, um grupo de juristas e financeiros dignos desse nome, como agora há, e um quadro de pessoal dedicado e especializado, esmaltado de qualificação que não desmerece hoje.
Em meio de surpresas e silêncios, o Tribunal logrou acrescentar, sobre as contas ultramarinas de 1954, um novo relatório e declaração geral de conformidade.
Seguiram-se os anos e, até agora, sempre o Tribunal de Contas julgou as gerências financeiras do ano económico a tempo de poderem ser remetidas à Assembleia antes da abertura do debate da Conta e dos seus trabalhos constitucionais.
Como veremos em outro lugar, apertada a Imprensa Nacional pela multiplicidade e faltas de meios de trabalho, conferida uma prioridade de facto aos monumentais pareceres da Comissão de Contas, há dois anos que a Assembleia se fica apenas na certeza oficial de que a Conta foi relatada e declarada, sendo-lhe presentes apenas os termos em que a declaração geral fora proferida. Isto não chega.
Vale, por isso, a pena demorar um instante sobre «a doutrina e a prática institucional» para nos convencermos do alto serviço à causa pública que tais documentos representam e que, em nenhum caso, poderiam substituir-se ou trocar estes documentos técnicos e contabilistas por uma actividade parlamentar em comissão.
O professor Moffa, de Roma, afirma que o ajustamento e reverificação da Conta Geral é essencialmente constitucional, de particular importância na vida do Estado. Nem é administrativa nem é judiciária, mas faz parte da ordem constitucional.
O conselheiro principal Miremonde, de Paris, afirma que o relatório público e a declaração geral da Cour des Comptes, documento entregue anualmente ao Presidente da República, faz parte do regime representativo e tinha em vista, por essa declaração geral, forçar a Administração a ter em ordem as contas gerais para serem apreciadas pelo Parlamento.
O professor Vicário, também de Roma, considerava atribuições constitucionais os ajustamentos da Conta Geral do Estado, o da Conta Patrimonial do Estado e o relatório para o Parlamento.
O senador Angelo Giugni afirmava ainda que a Corte dei Conti informava o Parlamento sobre actividade jurídica, administrativa e financeira do Poder Executivo, a fim de mostrar a responsabilidade política deste e a oportunidade de reformas, de novas leis e regulamentos sobre dinheiros públicos, ou seja o ponto de largada para uma actividade reconstrutora.
«O primeiro relatório» organizado sobre a Conta Geral do Estado de 1947 - que retomava o dever constitucional abandonado por mais de meio século - mostrava, com base ria lei fundamental, que o Tribunal de Contas cumpria um dever constitucional, exercia uma função crítica e revisora, informava a Assembleia sobre a execução dada à lei de receita e despesa e ao Orçamento e também às leis especiais financeiras e prestava, por fim, a sua informação sobre a Conta e as contabilidades e observava tecnicamente ainda, para fins de melhoria e aperfeiçoamento.
Exercia, pois, a fiscalização financeira no seu plano judicial, mas preparava a fiscalização financeira no plano político.
«Como se ajustam as contas gerais?»
Tirei-me de meus cuidados e procurei informar-me sobre o estado dos trabalhos de fiscalização financeira e pude consultar o processo respectivo relativo à gerência em discussão.
Os caracteres gerais da gestão de 1966 podem ser extraídos dos termos da declaração geral proferida pelo Tribunal de Contas em análises, reverificações e acertos sobre a Conta Geral.
Esta mostra a regularidade dos créditos, a ausência de infracções contabilistas e financeiras, atesta a correcção da escrita e dos números, oferece concordância e precisão com os elementos do contrôle e com as reverificações, ajustamentos e resumos; confere com fundos, saldos, com-
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pensações, transferências e reposições e ainda alinha com as verbas e desenvolvimentos, com as contas julgadas e responsabilidades estabelecidas. O gigantismo orçamental da gerência é fornecido nestes números das receitas:
Contos
1957 ................ 8 266 135
1966 ................ 19 737 214
Muitos capítulos fecharam em saldo e foram grandes os aumentos de dimensão nalguns dos mesmos capítulos, nas importâncias por cobrar e nas sobras disponíveis.
Mas de 1965 para 1966 a alta pode considerar-se normal.
Em todas as grandes divisões, o Tribunal de Contas fornece dados seguros relativos às previsões orçamentais, segue as correcções orçamentais, que são vultosas, e as cobranças arrecadadas e pagamentos efectuados, dos quais resulta, afinal, equilíbrio completo, saúde financeira e progresso geral.
Correspondentemente, melhorara a situação da tesouraria, que passou dos 4 milhões.
Para não nos embaraçarmos com noções técnicas e não nos enlearmos em situações numéricas, tentarei um apanhado, que me pareceu esclarecedor, dos problemas e soluções levantados pela Assembleia na sua outorga de poderes ao Ministério em nome da Nação.
Alguns tópicos essenciais respigados do relatório do Tribunal de Contas, os quais correspondem a pronunciadas autorizações conferidas pela Lei de Meios para 1966:
a) Cobrança de impostos indirectos - projectado, 4093 milhares de contos; cobrança, 6310;
b) Investimentos Intelectuais - orçado ordinariamente corrigido, 1556 milhares de contos; efectuado, 1312. Orçados extraordinariamente, 50 milhares de contos; gastos, 46,6;
c) Moderação no ritmo de obras públicas - previsão ordinária corrigida, 666 milhares de contos; gastos, 539. Previsão extraordinária, 1353 milhares de contos; gastos, 1198;
d) Alta das comunicações - orçamento corrigido, 1179 milhares de contos; gasto, 1148;
c) Supressão das pautas (convencional) - 23 300 contos;
f) Aumento da contribuição predial - por revogação de isenções, 51 805 contos;
g) Imposto sobre a defesa e valorização do ultramar - dotação e reforços, 140 000 contos; atingiu esse nível;
h) Programação regional - inscritos, 100 000 contos; ficou por utilizar e converteu-se na aplicação de encargos gerais;
i) Defesa do ultramar - dotação anual e alterações até ao fecho da gerência, 4 476 857 contos; satisfeitos com saldos anteriores, imposto de defesa e excesso de cobrança de receitas ordinárias.
A estes traços genéricos devo acrescentar ainda dois apontamentos: um sobre subsídios do Estado e outro sobre serviços autónomos. Eis o primeiro:
Há-os em todos os Ministérios e de certa importância. Uns baseiam-se em disposição específica da lei, e outros, autorizados em despacho, exigem, mais do que fiscalização, uma ordem revisora.
O Tribunal de Contas regista um total de 1 173 279 contos, sendo as maiores verbas as do Ministério da Saúde e Assistência (639 195 contos), Comunicações (404 230 contos) e Finanças (368 433 contos).
Nos serviços autónomos, com orçamentos anexos e autorização conferida pela Assembleia, podemos salientar como entradas:
Contos
Emissora .......................... 355 307
Correios, telégrafos e telefones .. 10 598 191
Lotaria ........................... 2 189 814
Caixa Geral de Depósitos .......... 139 633 675
Hospitais de Lisboa ............... 188 424
O relatório e a direcção fornecem elementos e verificações de muita segurança sobre as situações contabilistas e os aspectos fundamentais financeiros nas direcções focadas e nos ângulos a rever.
Sòmente emergem apenas algumas noções de economicidade, vantagem do Estado, eficiência de aplicações que na discussão levantam reparos e para os quais esperamos uma evolução defensável.
As despesas de investimento, as quais misturam ou entretecem a simples gestão anual com o planeamento do fomento. É um desfile de obras e realizações públicas, descomunal e útil, desde os aproveitamentos hidráulicos aos hospitais; dos aeroportos às fábricas de material de guerra; da compra de acções e obrigações ao turismo.
À parte um ou outro reparo, responsabilidades mínimas e dúvidas de interpretação, o Tribunal de Contas julga correctos os seus grandes números, aplicados com correcção os meios e realizados legalmente conforme os fins.
O Tribunal de Contas examinou também «as execuções orçamentais do ultramar».
Sucinto bastante, cuidadosamente analítico e de excelente nível técnico, o relatório e declaração de conformidade sobre as contas gerais ultramarinas de 1966 oferecem, além do rigor em que assentam, excelentes ângulos de visão e permitem anotar, aqui e além, aproximações sucessivas de princípios e técnicas da nossa reforma financeira e das leis especiais relativas ao seu progresso.
A declaração geral de conformidade de 16 de Fevereiro de 1968 do Tribunal de Contas mostra a conformidade das execuções orçamentais com a lei e com as escriturações públicas. Como já disse, consultei-as para os fins do debate e delas tomei apontamento.
Acentua a legalidade havida na gestão das finanças provinciais.
Aponta as alterações benéficas levadas a cabo pelas leis recentes e dá como sanados reparos e infracções havidos.
Mostra mais: a realização corrente de vários equilíbrios de que resultaram sobras, as quais puderam, devidamente, obviar à despesas extraordinárias.
E os empréstimos que exerceram repercussão nas contas foram também aplicados como se esperava e contraídos dentro da rigidez do empenho da metrópole e da substituição legal do devedor originário.
Folheando o trabalho institucional, encontrei em pleno desenvolvimento o princípio-chave. da autonomia financeira, traduzida em orçamentos privativos e aliada a este a deslocação de- competência do Ministério em favor dos Conselhos Legislativos, como evolução suasória.
A despeito do surto de terrorismo, vindo e acalentado do exterior, os saldos orçamentais lograram ser mantidos nas contas e os princípios de direito tradicional obtiveram actualizada confirmação e sempre se deu preferência ao custeio de defesa contra os agressores, sem por isso deixar de se acrescentar, desmedidamente, uma obra única no Mundo; de dimensão inesperada, de fomento expansivo, de construção em beleza e de portuguesismo convivente, onde as muitas e grandes realizações se levantaram para
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os séculos com meios exíguos e crédito naturalmente limitado, fazendo civilização com poucos e como poucos ou nenhuns.
Alguns excessos de dotação, releváveis, aliás, o paralelismo das praxes financeiras com a Mãe-Pátria, as transferências de alguns deficits dos serviços autónomos não alteram o sentido e significado do conjunto reverificado e ajustado.
Se alguém lutar como eu pela definição de alguns cânones tradicionais do Orçamento e pela identificação de regras novas, como a utilidade social, lerá com aprazimento este sóbrio trabalho, mas rico de conteúdo e que merecia a maior projecção pública.
Mudemos agora para falarmos «da Comissão Parlamentar de Contas, da personalidade do relator e do seu ingente trabalho».
Pode sem desdouro afirmar-se que a Comissão de Contas Públicas se condensa na personalidade do seu ilustre presidente-relator.
Desde 1937 que, servido por um trabalho beneditino, tão dilatado que atinge todos os meses do ano, conduzido com minúcias, ignorando desfalecimentos, passando à fieira dos seus instrumentos revisores toda a vida numérica do Estado, o seu trabalho redunda numa panorâmica analítica, considerada exaustiva e monumental.
Trata-se de uma dedicação única nos anais da Representação Nacional, de uma actividade isenta, que bem merece do País, e de um conceito representativo acima de todas as médias.
Nenhum homem público fora do Governo activo e das altas instituições logrou por esta forma alcançar a primazia intelectual e tanta autoridade, particularmente nas coisas económicas, do que aquela que o Sr. Engenheiro Araújo Correia usufrui em tantos campos e até nos arraiais contrários.
Uma bonne presse, durante dias e dias, destaca, reproduz, salienta e defere comentários elogiosos aos pontos críticos e reparos do ilustre relator, fazendo suas muitas das afirmações produzidas, coincidindo nas mesmas ideias, avultando nas mesmas vistas e preconizando, por igual, muitas das soluções: alvitradas.
Isto é sinal, creio eu, de uma inteligência prática, tocada de bom senso, de uma cultura sócio-económica mais que invulgar, de revisões críticas convictas e, mais do que isso, da existência de uma autêntica corrente de opinião que o perfilha sempre e que, de ano para ano, o aplaude mais, se é possível.
Além das suas observações pertinentes e judiciosas e de reparos dignos de demora e reconsideração, os pareceres anuais sobre contas públicas, espraiados e abundantes, são ordenados e tecidos com uma magia de estilo raramente permitida nestes capítulos.
Nada de teorias elegantes inabordáveis, de especulações nas nuvens, de ângulos surpreendentes de visão, de soluções puramente políticas, ou de reformas inoportunas, mais que arriscadas!
Além de tudo isto fornece várias monografias esplêndidas, dignas das estantes e objecto de frutuosa consulta. Vou rapidamente referir-me aos pontos de cristalização mais edificantes destes trinta e um anos de trabalho ardoroso, singularizado - único, como disse, nos anais parlamentares.
O Sr. Engenheiro Araújo Correia possui uma programação definida, uma política muito completa de reconstituição económica, capaz de acrescentar o nível de bem-estar do povo português, medindo, poupando, escolhendo, de preferência, o mais produtivo.
Ele propugna uma exploração mais completa das nossas riquezas naturais e do aproveitamento da mão-de-obra.
A sua política de desenvolvimento regional do Tejo, do Mondego, do Douro, pretende ser completa, pois não se reduz à electrificação do caudal hidráulico; ele quer que seja completada pela hidráulica agrícola, melhorias fabris, estabelecimento da navegabilidade e organização de uma rede transportadora.
As obras, construções públicas e empreendimentos serão ordenados segundo a prioridade absoluta da produtividade.
Insiste, com constância, em que certas obras de vulto deverão, de momento, ser suplantadas e relegadas pelas que assegurem mais altos e prontos dividendos.
A economia do Pais será assim fragmentada em três ou quatro hinterlands e a obra secular levada ao longo das praias derramar-se-á pelas áreas e concelhos atrasados, onde o progresso económico tarda ou dormita.
Debruçado sobre os inúmeros capítulos da vida de relação exterior e da vida económica interna do povo português, o relator do parecer critica, revê pelos seus critérios, dá mostras de insatisfação e acompanha o progresso macroeconómico para reclamar mais e balancear com certa severidade o muito que já foi feito.
Todo este ingente trabalho é servido por quadros, tabelas, séries estatísticas compendiosas, por números e asserções infindáveis, por desenvolvimentos crescentes, baseados em análise de fontes e testemunhos os mais puros de fonte.
Algumas observações laterais terei, entretanto, de fazer, que ajudam a esclarecer a atitude intelectual do relator e a explicar o juízo final justo adoptado pela Assembleia ao fechar politicamente as contas numa solene aprovação, como faz anualmente.
Fica, portanto, por aqui o preito devido ao homem e a homenagem devida ao seu trabalho ingente, de que vou dar resumo.
Sumário do «parecer da Comissão de Contas da Assembleia, quanto & metrópole».
O parecer da Comissão de Contas Públicas referentes à metrópole fornece uma panorâmica larga, bem desenvolvida e minuciosa, abrangendo estatísticas, tabelas e séries muito claras e completas, coadjuvadas por observações de ordem política, cautelosas e previdentes, quase não deixando divisão, capítulo, artigo e rubrica sem uma elucidação oportuna.
Se disser que o trabalho revisor e crítico, caracterizadamente político, assim encetado, sobe destarte às alturas de um tratado e, no seu andamento, comporta uma série de estudos monográficos, pode assim ajuizar-se do magnífico trabalho de consulta e de reflexão de que dispõe a Câmara e os Srs. Deputados, com base numa dedicação singular.
Análises, reflexões, juízos, monografias, poderão algumas vezes não dispor da nossa concordância, mas acho que devem ser bem recebidos e prestarão, nestes terrenos árduos, ajuda esplêndida para subir à colina donde a vista alçar ca futuros e maiores horizontes.
O Sr. Engenheiro Araújo Correia defende posições conhecidas, mantém critérios de precaução e de fácil garantia, interpreta, bastamente, o sentimento público, correspondendo assim com fidelidade à corrente de opinião que levantou no País há muito tempo.
Seria longo apontar toda a docência de desenvolvimento económico acumulada e repetida, ano após ano, sem qualquer desfalecimento. Eis alguns traços essenciais:
A política de desenvolvimento regional deve assentar em três ou quatro grandes bacias hidrográficas da metrópole e nelas instalarem-se, por planeamento, focos, centros e manchas industriais de transporte e adequação da mão-de-obra.
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O aproveitamento dos rios será integral - excedendo a captação de energia e a electrificação e estirando-se pela hidráulica agrícola, aproveitamento de materiais e aptidões, aperfeiçoando o transporte e a navegação, implantando indústrias e facilitando a circulação dos produtos obtidos.
As obras e empreendimentos públicos hão-de hierarquizar-se segundo critérios de prioridade que correspondem a finanças prudentes e de parcimónia de custos, de remunerações e resultados mais altos ainda.
Haverá moderação no lançamento de certos empreendimentos públicos menos urgentes e menos frutíferos.
Será necessário rever verbas, evitando que custos adicionais ou de excepção se repitam e se tornem males permanentes.
As técnicas administrativas, de eficiência e utilidade, hão-de completar o criterioso jogo com disponibilidades.
Na dívida pública, o ilustre relator encontrou crescimento. Os encargos anuais estavam já em algo mais de 2 milhões.
A dívida externa, que exercerá repercussões futuras pela mecânica de amortizações e de juros, estava em 6 milhões e meio. O balanço total da dívida excedia a cifra anotada pelo Tribunal de dívida efectiva.
O aumento dos custos da defesa nacional parecia-lhe mais do que apreciável - ampliando em dois anos milhão e meio de contos.
E a percentagem daquela no dividendo nacional, que era de 6,7 por cento, para 8,4 por cento. Mas o ilustre relator não regateava o esforço da retaguarda para manter, íntegras e livres, as nossas longínquas fronteiras.
Ele reclama constantemente com inaudito vigor a nacionalização de certas importações escusadas e protesta com a maior energia, contra as tensões desequilibradoras da balança comercial.
Os Srs. Deputados, meus colegas, devem ler e reler o que se aponta sobre importação de trigo, milho - especialmente milho -, batata de semente, etc., e de fabricos que a indústria portuguesa fornece.
Arboriza-se menos por carência de mão-de-obra, que desta maneira até rareia ao serviço do Estado. Claro que o comércio exterior é objecto de compromisso e negociação e algumas indústrias fabris se montaram, talvez precipitadamente, com recurso máximo a matérias-primas externas, ao passo que muitos recursos internos continuam adormecidos.
Passemos ao «parecer sobre o ultramar».
O julgamento das contas ultramarinas levanta naturais dificuldades, e estas não podem ser estranhas ao parecer.
Cada província dispõe de autonomia financeira, organiza os seus próprios orçamentos, promove a sua execução, abre créditos, decreta transferências e anulações e altera as provisões iniciais, de conformidade com as leis e as exigências políticas. No final de gerência haverá tácticas do serviço interessadas em não deixar sobras.
Assim, o julgamento tem a esclarecê-lo o relatório e declaração geral de conformidade, o parecer da Comissão de Contas da Assembleia e os depoimentos dos Srs. Deputados pelo ultramar, sempre muito cuidados e perfeitamente assentes.
O trabalho do Sr. Engenheiro Araújo Correia levanta problemas técnicos e questões de rigor financeiro.
Acompanha a política unitária de disciplina, de rigor, a sanear os hábitos e a vencer uma dualidade de economias como não há na Europa.
Aponta também as melhorias de uma intimidade mercantil com a metrópole e as ilhas, mas mostra o que pode e deve ser feito ainda para além do que está.
Regista a perturbação e o fragmentário dos serviços autónomos e dos fundos, que dispõem de um cantão de 85,5 por cento, mas que englobam os caminhos de ferro, os quais doseiam a aviação e o turismo. Aponta os portos e as consignações legais e regista autonomias administrativas e financeiras. Analisa o investimento metropolitano - perfeitamente paternal - e os eleitos circulatórios imediatos das descomunais despesas militares.
Estuda as capacidades exportadoras recíprocas e uma propensão crescente para mandar vir do estrangeiro.
Aponta o interesse pelas culturas do amendoim, algodão, sisal, tabaco, etc.
Por meio de quadros e séries facilita o exame comparativo das finanças centrais com as finanças ultramarinas e delas induz algumas normas de prudência e avisos saudáveis, e essa parece-me a diligência mais frutífera do parecer.
O problema do crédito externo é posto em condições de utilização e solvabilidade, mas sem os aspectos jurídico-políticos nele envolvidos.
As despesas, ordinárias sobem sempre, segundo regra infalível, primeiro em Angola, depois em Moçambique e por fim nas restantes.
As despesas militares pesam sobre o conjunto - o dinheiro, nervo da guerra, acompanha o sangue dos filhos.
Os saldos dos anos económicos evoluem em termos muito parecidos aos da Conta Geral.
O quadro da página I é um instrumento de conhecimento financeiro, único, proveitoso e rico do ensinamentos.
Enormes as consignações de rendimento, medíocres os recursos tirados de taxas e até do rendimento dos capitais do Estado.
No quadro da despesa extraordinária avulta o acidental, o empirismo, com uma base deficiente para a política financeira dessa grande divisão orçamental.
Creio que haverá homogeneidade nos dados a comparar e que não haverá atrasos de números, os quais não existem na metrópole.
Suponho que haverá vantagem em apertar a disciplina dos orçamentos suplementares.
Simplificar e centralizar serviços dispersos e duplicados sob a roupagem de necessidades privativas.
Certos movimentos contabilistas acusam a acção do Plano de Fomento, mas outros não o englobam.
O sistema de taxas parece deficiente, às vezes.
A posição capitalista do Estado merecerá a muitos algo mais.
Abusa-se de reservas e de reinvestimentos, mas isto não é só por lá.
A fiscalização, segundo depoimentos, precisava de aperto, algo mais.
Encontro nisto tudo «uma doutrina ortodoxa em conflito com a estratégia financeira actual».
Como facilmente se compreende tenho acompanhado, durante anos, a generalidade dos pareceres da Comissão de Contas Públicas, salpicados de notas de criticismo político.
Entretanto, na ordem do tempo eles vêm evoluindo no tom e no alcance.
Parecem-me hoje mais neutrais, mais conformes com certas tendências da Administração, menos censores, de uma tranquilidade que direi estatística e científica, limados assim de algumas arestas mais vivas.
Em Abril de 1956, visto ser o responsável pela Conta Geral de 1954, discuti aqui o parecer daquele ano, cuja gerência financeira fora da minha responsabilidade.
Pareceu-me de um pessimismo contundente, nessa altura, desligado das circunstânias da gerência - entre
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elas a marcha dos «satyagrahis» e os receios absurdos da praça -, achei que abrigava certas concepções ilusórias, fora da vida, e reinvindicava conceitos e obras em vias de transformação ou extintas.
Sobretudo, não coincidia com os depoimentos técnicos e de economia global do Banco de Portugal, da O. E. C. D. E. e os testemunhos independentes recebidos de vários lados.
O conceito basilar, uma ideia querida do relator, era o que ainda hoje persiste aqui e além, era o de que a estratégia financeira e a política monetária e financeira se assemelham a gestão empresarial próspera e lucrativa, onde as preocupações de lucratividade e de reprodutividade dominam sem condições.
Levado por naturais pendentes do seu brilhante espírito, alheio às questões da lei financeira e à análise e dedução dos regimes jurídicos, não seguindo as autorizações aqui conferidas até aos limites que elas comportam, apenas com as apreciáveis excepções das parafinanças, das autonomias e fundos que encontrei largamente debatidos, esta ideia ganhava sempre terreno.
Os pareceres tomaram, pois, o caminho da elucidação geral e das verificações estatísticas, servidas de séries, tabelas e mapas inesgotáveis.
Porém, esses critérios numéricos, cautelares, de estrita economia, de preferência reprodutiva de lucro patrimonial do Estado, desde essa já longa data que precedeu os anos de 1956, encontraram-se em choque frontal, em conflito com a estratégia actual, a política social, a utilização de meios e os esquemas de harmonização, equilíbrio e aceleração actualmente preconizados e admitidos.
Só muito rapidamente posso apontar esses aspectos revisores da teoria moderna, em relação com o que chamarei a herança clássica ou ortodoxa.
Vou enumerar alguns dos seus pontos capitais:
A estratégia financeira e monetária deste tempo deve combater logo os primeiros anúncios de depressão económica, de altas da vida, procurando sanear e recuperar para uma expansão efectiva, combatendo a desocupação e lutando por um mais alto bem-estar.
A hierarquização das obras e construções públicas deve fazer-se, não por simples produção de resultados ou por excedentes financeiros, mas produzindo e verificando efeitos próximos e longínquos, apurando uma ordem de multiplicadores e isolando os vários factores de aceleração que, regionalmente ou nacionalmente, elevem a propensão ao consumo e a produção de circuitos novos.
As nossas finanças tem duas metas fundamentais - lutar contra a guerra subversiva que nos movem de fora; realizar uma programação deflacionária capaz de remover as ameaças de depressão e os estrangulamentos.
Impostos, taxas, empréstimos, contribuições especiais, captação de capitais, despertar das poupanças, apresentam uma instrumentação técnica que permite visar efeitos especiais e aumentar capacidades.
Sem certas análises teóricas, sem esquemas que concretizem um plano de campanha, parece difícil descobrir novos capítulos de política, bem público e realização social.
Sobretudo, não nos podemos desprender dos traços vivos que, ano a ano, as autoridades políticas, monetárias e financeiras proclamam como princípios inovadores e evidenciam como método, com o seu lugar entre o consumo e a poupança, entre o investimento e o trabalho, entre a economia e as suas implicações de vária ordem.
Portanto, cada vez que examino as proposições consagradas do parecer, os seus critérios de segurança, as críticas revisoras, encontro tantas vezes afastamento da doutrina nova dos métodos renovados e das finanças instrumentais e revigoradoras que estão na ordem do dia.
Vou findar, mas lutando ainda «contra uma prioridade de facto».
Sr. Presidente: Nos últimos anos, o parecer da Comissão de Contas da Assembleia. Nacional cresceu desmesuradamente.
Em 1966, com os respectivos índices, os seus dois volumes somavam 1302 páginas e, sem dúvida, ultrapassavam a dimensão de um parecer e podiam titular-se, sem desfavor, de verdadeiro tratado.
A Imprensa Nacional, a braços com uma crise de quadros e de abundância de prosa oficial, a custo podia imprimi-los a tempo, não sem sacrificar a regularidade do Diário das Sessões e a regularidade das declarações gerais e relatórios do Tribunal de Contas, que orçavam pouco mais de 200 páginas. Também aqui havia dificuldades de agenda.
Desde essa altura que a Presidência do Conselho comunica a informação de que foram votadas as duas declarações gerais de conformidade e que a Imprensa Nacional alega estarem os relatórios demorados na impressão.
Assim, à medida que o parecer caminha para a monumentalidade, os relatórios e declarações atrasam ou permanecem em eclipse, contra o imperativo da lei.
Compreendo que seja caso de força maior, mas receio que uma prioridade de facto desabitue a Câmara de uma prática que está generalizada nos Estados, até nos mais longínquos.
Deixo as minhas apreensões à Câmara, para que uma instituição suprema em matéria de fiscalização financeira e colaboradora da Assembleia não se veja resignada a uma actividade teórica e sem consequências.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia, mestre insigne de Direito, que bem receba os meus compreensíveis cuidados e tenha a bondade de diligenciar junto do Tribunal e do Ministério das Finanças para que, sempre que se verifiquem atrasos de ordem material, o Tribunal de Contas nos remeta um exemplar dos relatórios e das declarações gerais que possa ser aqui consultado.
Quanto à Conta Geral e às contas provinciais de 1966, pelas razões expostas nenhuma dúvida me oferece a sua aprovação política e o encerramento por esta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Horácio Silva: - Sr. Presidente: Mesmo que o meu objectivo apenas fosse o de juntar a mais modesta voz - como é, de facto - ao coro de homenagens prestadas pelos meus distintos colegas ao ilustre relator do parecer das contas públicas de 1966, ser-me-ia sempre grato subir a esta honrosa tribuna da Assembleia Nacional para o fazer. Merece-as, a todos os títulos, o Sr. Engenheiro Araújo Correia, pelo seu esforçadíssimo labor de há tantos anos, labor ímpar, a cada ano renovado e sempre fecundo e pontual nos seus frutos - os notabilíssimos pareceres acerca das contas pública da Nação, isto é, da metrópole e do ultramar. Eis um exemplo e uma lição de dignidade e, saber que todos - e a própria Nação - devemos ao conceituado homem público e nosso eminente colega nesta Câmara, pela sua obra, obra realizada graças a um inacreditável dispêndio de energias, sem medir canseiras e sacrifícios de tempo e de saúde, numa dádiva total e sem dúvida exemplar de devoção à causa pública.
Aceite o Sr. Engenheiro Araújo Correia esta modesta expressão das homenagens que lhe são devidas.
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Sr. Presidente: Do parecer das contas gerais do Estado relativas a Angola salientarei em primeiro lugar que o desenvolvimento de província continua, sob determinados aspectos, a processar-se no mesmo ritmo exacto que já nesta Câmara salientei em anteriores intervenções: a boa ordem das contas públicas e o crescimento certo de alguns dos seus Vários índices.
Assim, por exemplo, as receitas gerais - ordinárias e extraordinárias -, que em 1965 se haviam fixado em 5 238 884 contos, tiveram em 1966 um novo salto de 411 550 contos, subindo a 5 650 434 contos, nível que não é já o mais alto da história financeira da província porque foi ainda ultrapassado no ano seguinte, o ano recém-findo.
As despesas - excepto as dos serviços autónomos, que diminuíram - acompanharam naturalmente o crescimento das receitas, subindo de 4 969 177 contos em 1965 a 5 351 134 contos em 1966, assim se apurando um saldo de exercício de 299 300 contos. Isto sem embargo de o orçamento de Angola haver podido atribuir à defesa nacional, como despesa ordinária, mais de 600 000 contos (soma que este ano subirá a mais de 800 000); e, não obstante, entre outras vultosas verbas, o dispêndio, como despesa normal e como despesa extraordinária, de mais de 550 000 contos com a promoção rodoviária e mais de 300 000 contos com a educação, para a qual estão previstos para este ano mais de 400 000 contos, sem incluir a construção de edifícios escolares, com os quais se despende anualmente 50 000 a 60 000 contos.
Julgo também de particular interesse a revelação do extraordinário crescimento das receitas ordinárias na província, que triplicaram no lapso de tempo decorrido de 1953 a 1966, passando de 1 424 000 contos para 4 489 000 no ano em apreço. E não parece nada despiciendo registar que as ditas receitas, não havendo alcançado os 2 milhões de contos em 1960, mais do que duplicaram desde o surto terrorista em Angola.
Afigura-se-me ainda digno de registo o sincronismo observado entre a previsão e a cobrança das receitas ordinárias do ano em referência. Em três capítulos do Orçamento a cobrança excedeu a previsão, verbi gratia, pelo que se refere aos impostos directos, mais 41 800 contos; aos impostos indirectos, mais 131 500, e às indústrias em regime especial, mais 11 800. Mas a previsão orçamental pecou por excesso nos capítulos das taxas, cobrando-se menos 2600 contos; do domínio privado, menos 4100; do rendimento de capitais, menos 2700; dos reembolsos e reposições, menos 30 400, e das consignações de receitas, menos 86 900, como consequência da redução nos serviços autónomos a que me referi há pouco, mas sem afectar de modo algum a segurança e o equilíbrio do Orçamento, pois que as cobranças em globo excederam, afinal, de 58 400 contos as previsões.
Em comparação com o ano de 1965, só as consignações de receitas recuaram em valor, descendo de 2 017 720 contos para 1 958 093 contos em 1966.
Sr. Presidente: Outro capítulo que se me afigura do maior interesse, nas contas gerais de Angola, é decerto o que se refere à dívida pública da província.
Esta cifrou-se, em 31 de Dezembro de 1966, por 4 708 676 contos, dos quais 3 319 926 a organismos oficiais da metrópole, a saber: 2 364 100 contos ao Ministério das Finanças, 836 229 ao Tesouro da metrópole, 59 101 à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e 60 496 ao Banco de Fomento Nacional. Os restantes 1 388 750 contos da dívida pública de Angola cabem: a obrigações do Tesouro de Angola, 302 018 contos; ao Banco de Angola, 522 256; à Companhia de Diamantes de Angola, 245 323; à Companhia de Petróleos de Angola, 175 000; ao Caminho de Ferro de Benguela, 57 273; ao Banco Comercial de Angola, 80 000; à Companhia de Cervejas de Angola, 6000, e, finalmente, à Companhia das Águas de Luanda, 880.
Dívida excessiva para as possibilidades da província?
Penso que não, e não há dúvida que não, especialmente quando se observo o fenómeno relativamente à, metrópole. Com efeito, a dívida pública portuguesa metropolitana, havendo atingido em 31 de Dezembro de 1966 o vultoso montante de 33 064 200 contos, ou seja cerca de 34 por cento do produto nacional bruto, calculado este ao custo dos factores (preços de 1963) em 96 411 000 contos - e com um encargo de amortização e juros que se, elevaram a 2 038 U27 conto?, ou 12 por cento das receitas ordinárias -, não é considerada excessiva pelas autoridades na matéria. E não o é, de facto, quando se compare, por exemplo, com a dívida pública norte-americana, que foi, nesse ano, de 56 por cento do rendimento bruto. E muito menos quando se coteje com a dívida pública em Inglaterra, cifrada no ano em análise por 107 por cento do rendimento colectivo.
A dívida pública de Angola, que somara um 1965 4 199 283 contos e recebeu em 1966 um impulso de 622 172 contos, registando ao mesmo tempo 112 779 contos de amortizações, subiu, como vimos, em 31 de Dezembro de 1966, a 4 708 676 contos; mas os seus encargos de amortização e juros, no ano em referência, não foram além de 231 536 contos, ou seja pouco mais de 5 por cento das receitas ordinárias - muito menos, portanto, do que os 12 por cento das receitas ordinárias que a dívida pública da metrópole fez pesar sobre o Orçamento desta no mesmo ano.
E porque vem a talhe de foice, não deixarei, entretanto, de acrescentar, à luz dos esclarecimentos há dias prestados pelo ilustre Ministro das Finanças em notável entrevista ao Diário de Noticias. que no seu Ministério se faz, aliás, vigoroso esforço no sentido da redução da dívida pública metropolitana, cujo aumento anual, que havia sido de 3 383 000 contos em 1964. baixou para 2 390 000 em 1965, para 1 800 000 em 1966 e para 704 000 em 1967, assim se diminuindo as taxas de crescimento - da dívida - de 21,8 por cento em 1962 (convindo ter em conta a operação financeira que tornou possível a ponte sobre o Tejo) para 14.3 por cento em 1963. 13 por cento em 1964 e 8,1, 5,7 e 7,1 por cento nos anos de 1965, 1966 e 1967, respectivamente. Facto, na verdade, da maior relevância na gestão financeira metropolitana do último triénio, deve-se ele, como é óbvio, ao menor recurso ao crédito e à intensificação das amortizações, que tiveram, a partir de 1964, as seguintes expressões: 407 000 contos naquele ano, 1 340 000 em 1965 e 1 530 000 e 1 650 000 nos anos de 1966 e 1967.
Sr. Presidente: Manancial precioso de informações e ensinamentos do maior interesse para a vida da Nação, o parecer sobre as contas gerais do Estado de 1966, da metrópole e do ultramar, agora em termo de debate nesta alta Assembleia política da Representação Nacional, desenvolve largamente, e profundamente - com a minúcia e o saber que todos devemos ao Sr. Deputado Araújo Correia e aos seus colaboradores -, a evolução da economia, das várias parcelas do todo nacional.
Deter-me-ei, por momentos, no que se refere a Angola, a província que represento.
Disse já, no começo desta exposição, que o desenvolvimento da província de Angola, sob determinados aspectos, continua a processar-se em ritmo exacto. Saliento: sob determinados aspectos, pois não será totalmente assim quanto ao comércio especial - como adiante esclarecerei -, muito embora o seu comércio de importação tenha subido 346 429 contos de 1965 para 1966 e o de expor-
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tacão, no mesmo período, haja igualmente subido 611 988 contos, registando-se, no final, um saldo positivo de 411 784 contos. A importação, que fora de 5 601 177 contos no segundo; e a exportação, cifrada em 5 747402 contos em 1965, passou no ano seguinte a 6 359 390 contos. O comércio especial de Angola, que vem registando saltos de cerca de 1 milhão de contos em cada ano, cifrou-se em 12 366 996 contos no ano em consideração, mas as mercadorias exportadas registaram uma descida de 226 000 t, do mesmo passo que se observou uma subida de 84 450 t de mercadorias importadas. Valeu à província a baixa do preço unitário da importação (de 13 036$ a tonelada em 1965 para 11 568$ em 1966) e a subida do preço unitário da exportação (de 2 960$ para 3 706$ naqueles dois referidos anos).
De registar é ainda que só mantém a ascensão permanente dos valores globais da importação e da exportação de Angola: havendo sido, a primeira, de 232 000 contos em 1938, multiplicou-se 25 vezes até 1966, quando atingiu 5 947 600 contos, enquanto a exportação passava também, no mesmo período, de 5339 000 contos para 6 359 400 contos, sendo de referir que se manteve em primeiro lugar o café, com 3 058 386 contos em 1966, e a sua subida espectacular, no ano recém-findo, para 3 600 000 contos - a maior verba de toda a exportação nacional. Nos lugares imediatos, em 1966, ficaram os diamantes, com 1 122 179 contos, o peixe e derivados, com 332 731, e o sisal, com 301 011. No facto apontado - do café - reside, aliás e afinal, uma das grandes fragilidades da economia de Angola: em um único produto acumulam-se mais de 50 por cento do valor de toda a sua exportação e isso vem significar que, se por qualquer motivo tal produto caísse, seria a catástrofe.
Como se sabe, o melhor cliente do café de Angola são os Estados Unidos da América, que nos compra cerca de metade de toda a nossa exportação - milhão e meio de contos. Seguiram-se, em 1966, a Holanda, com 725.000 contos, a metrópole, com 200 000, a Alemanha Ocidental, com 139 000, e o Canadá, com 102000. Mas há que fazer grande esforço - em Angola e por parte do Governo Central - para a colocação de mais café ou outros produtos daquela nossa província na Alemanha Ocidental, por exemplo, a quem Angola comprou, no ano em apreço, 680 000 contos de mercadorias, impondo-lhe um deficit comercial de 341 000 contos; em Inglaterra, que soube vender a Angola 672 000 contos e só lhe comprou 50 000, sobrecarregando a província com um deficit de 622 000 contos; em França, que lhe vendeu 192 000 contos e só lhe comprou 44 000; na Bélgica, 183 000 contos de vendas e só 89 000 de compras, e na Suécia, que também impôs um deficit de 116 000 contos, pois que só comprou uns 2600 contos e vendeu a Angola mais de 118 000.
Mas a quem se pede a maior atenção é, afinal, à própria metrópole, que tem no ultramar um dos seus melhores mercados e pode tê-lo muito maior. Sabido quanto está generalizado, aqui na metrópole, o gosto pelo café, não se concebe, na verdade, que dispondo, na sua província de Angola, da terceira maior produção mundial de café, e do melhor - assim internacionalmente reconhecido -, do melhor café Robusta do Mundo, só dali receba uma ínfima quantidade, e essa mesma, salvo raras excepções, das qualidades inferiores - as 3.ªs DD -, consideradas impróprias para o consumo em muitos países. E mesmo esse café é, em muitos casos, aqui misturado e vendido na proporção de cerca de 20 por cento de café e 80 por cento de tremoços, grão-de-bico, feijão preto, cevada, chicória, etc., o que é, sem dúvida, de todo lamentável.
Sr. Presidente: Observa-se, pelo que atrás ficou exposto, que a balança comercial de Angola mantém, apesar de tudo, o seu equilíbrio já tradicional e que justamente assinalei nesta Câmara na minha intervenção de 16 de Março dei 1967. O seu saldo positivo em 1966 elevou-se a 411 784 contos, como disse antes. E mais expressivo ainda foi o saldo positivo das suas trocas com os países estrangeiros, saldo que, embora registasse uma baixa de cerca de 117 000 contos em relação a 1965, se cifrou no ano de 1966 em 918 900 contos - e aqui está a prova da afirmação que produzi na minha intervenção de 12 de Janeiro último nesta Câmara, segundo a qual a situação cambial de Angola não afecta de modo algum a balança de pagamentos nacional senão para a beneficiar. Aí estão, na verdade, a demonstrá-lo aqueles 918 900 contos de saldo sobre o estrangeiro.
O Sr. Manuel João Correia: - Muito bem!
O Orador: - Apesar disso, porém, a balança cambial entre Angola e a metrópole continuou, em 1966, a mostrar-se com o formidável desequilíbrio de 1 783 900 contos, o qual parece não se justificar. E justifica-se tanto menos quanto é certo que o desnível comercial a favor da metrópole foi apenas de 278 100 contos, como se observa por esta couta simples: compras de Angola à metrópole, 2493700 contos; compras da metrópole a Angola, 2 215 600; diferença, 278 100.
Dirão VV. Ex.ªs e direi eu próprio: Pois é assim, mas faltam os chamados «invisíveis». Certo, faltam os invisíveis, mas esses somam, no débito da balança de pagamentos referida, 1 809 500 contos: de turismo (347 600 contos), transportes (138 600), seguros e resseguros (22 700), rendimento de capitais (334 400), Estado (30 000), outros serviços e rendimentos (564 100), transferências privadas (299 800) e operações de capitais privados (62 200).
Mas os invisíveis também somam, no crédito da mesma balança de pagamentos, 1310 600 contos por aquelas mesmas rubricas, a saber: de turismo, 26 800 contos; transportes, 87900 seguros e resseguros, 4800; rendimento de capitais, 57 700; Estado (por financiamento do Ministério das Finanças), 652 700; outros serviços e rendimentos, 387 300; transferências privadas, 6400, e operações de capitais privados, 90 000.
Resumindo, e à luz dos números que, para consideração desta Assembleia, colhi do parecer das contas públicas de 1966, eis o que se apuraria quanto à balança de pagamentos de Angola, se as contas públicas fossem tão simples como as exponho aqui:
CRÉDITO
Contos
Saldo favorável da balança de pagamentos de Angola com os países estrangeiros .................................................... 918 900 Vendas de Angola à metrópole em ................................. 2 215 600
Crédito de invisíveis na balança de pagamentos de Angola com a metrópole ....................................................... 1 310 600
Soma ....... 4 445 100
DÉBITO
Contos
Compras de Angola à metrópole em 1966 ........................... 2 493 700 Débito de invisíveis na balança de pagamentos com a metrópole ... 1 809 500
Soma ....... 4 303 200
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RESUMO
Contos
Crédito ........................ 4 445 100
Débito ......................... 4 303 200
Saldo a favor de Angola na sua
balança de pagamentos .......... 141 900
A esta conclusão se chegaria após o exame objectivo das operações efectivamente realizadas, entre Angola e o mundo, e entre Angola e a metrópole: um saldo positivo de 411 784 contos na balança comercial e um saldo, igualmente favorável, de 141 900 contos na balança de pagamentos.
Assim, como explicar aquilo a que há pouco chamei o «formidável deficit» de 1 783 900 contos atribuído, em 1966, à balança de pagamentos entre Angola e a metrópole, apesar da preciosa ajuda de 622 600 contos do Ministério das Finanças?
É o que vou tentar fazer.
Em primeiro lugar, e embora se dê repetidamente nota da sua existência no parecer das contas públicas e no quadro da balança de pagamentos com o estrangeiro, o facto é que não se inclui, decerto por motivo de norma contabilística, na balança de pagamentos entre Angola e a metrópole, e o saldo favorável de Angola sobre o estrangeiro, o qual soma, como já vimos e se pode verificar a p. 69 do parecer, 918 900 contos.
Além disso, o valor das compras de Angola à metrópole, cifrado a pp. 66 e 69 do parecer por 2 493 700 contos, aparece no quadro da referida balança de pagamentos com o valor de 2 753 200 contos, ou seja, com mais 259 500 contos.
Além disso, ainda, o valor da exportação de Angola para a metrópole, mencionado a pp. 67, 68 e 69 do parecer com o montante de 2 215 608 contos, surge no quadro já referido apenas cifrado por 1 465 200 contos, isto é, por menos 750 400 contos.
Perguntar-se-á: Porquê? E é isso exactamente o que eu também pergunto, porque o não encontro explicado no parecer das contas públicas, o que sem dúvida será feito na sua próxima edição. Por agora, o próprio parecer, a p. 69, pergunta, por sua vez, como já o fizera no do ano anterior: «Porquê? Pagamentos atrasados?» E acrescenta adiante, ainda a p. 69, o que reproduzo textualmente: «Ë necessário olhar para o caso das mercadorias. Não se compreende o desfasamento considerável indicado pelas cifras das balanças de pagamentos e comercial.
Não me cumpre, e aliás não ousaria aduzir o que quer que seja a tão douto comentário, pois que me falta, para isso, a autoridade que sobra ao ilustre relator das contas públicas. Limitar-me-ei a reeditar o comentário de S. Ex.ª do ano anterior, comentário que então - em 16 de Março de 1967 - salientei nesta Câmara. Ei-lo:
Não se compreende bem o saldo negativo de 1 316 700 contos entre o débito e o crédito assinalado nos números do quadro. É esta diferença que afecta o saldo global.
E mais adiante:
Conviria olhar com atenção para a saída de divisas para pagamento de mercadorias. Há qualquer coisa de estranho nas cifras. O Ministério do Ultramar deve investigar este problema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo ter demonstrado os fundamentos contabilísticos do problema cambial de Angola, de tão perniciosas consequências económicas, sociais e políticas e com implicações muito sérias no problema do povoamento e no futuro próximo e remoto daquela nossa grande província, que o mesmo é dizer na vida da própria Nação. Daí a persistência com que o tenho trazido a esta Assembleia, onde tão grato me seria poder fazê-lo apenas para nos congratularmos todos e para louvar.
Presumo que os atrasos de pagamentos a que se refere o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia no parecer das cantas públicas seja o atraso - repetido todos os anos e sem que se estabeleça o roulemant - dos cambiais a que, por lei, são obrigados os importadores de mercadorias importadas de Angola. Mas se, de facto, se trata de atraso de entrega de cambiais, é evidentemente difícil de conceber que o Estado não tenha forma de exigir, de todos eles, o estrito cumprimento da lei.
Não deixarei de reafirmar por último, como já o fiz na minha intervenção da semana finda e como termo da minha exposição de hoje, que o problema cambial de Angola tem causa mais profunda. É, repetindo o que então disse, a falta de coordenação de uma política económica para o espaço nacional. A metrópole importou, no ano de 1966, 829 000 contos de trigo, 566 000 contos de milho, 148 000 contos de arroz, 800 000 contos de oleaginosas (principalmente da Gâmbia, da Nigéria, do Níger, do Senegal, imagine-se!), 576 000 contos de açúcar, 188 000 contos de tabaco e 1 491 000 contos de algodão - mais de 4,5 milhões de contos -, dos quais só uma pequena parte, e em certos casos só uma ínfima parte, de alguns desses produtos foram comprados ao ultramar.
Com efeito, será preciso demonstrar - tanto se mete pelos olhos dentro, passe a expressão - que a coordenação de uma política económica para o espaço nacional (com a indispensável e prometida regulamentação do crédito a médio e a longo prazos que a própria banca anseia) trataria de assegurar ao nosso ultramar, a tempo e horas, a colocação prioritária na metrópole, aos preços internacionais correntes, de uma grande parte daqueles produtos?
Será susceptível de dúvidas que isso intensificaria a sua cultura nos territórios portugueses mais apropriados e promoveria logicamente a expansão comercial entre eles, sem problemas cambiais, estancando ao mesmo tempo, em boa parte, a hemorragia de divisas para o estrangeiro, de cujo perigo é forçoso que nos apercebamos a tempo?
Julgo inteiramente supérfluas as respostas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: A aprovação por esta Assembleia do saldo, e com este vai o resto, das contas públicas relativas ao ano de 1966, com as garantias analíticas com que nos é proposta nos pareceres da Comissão, não deve sofrer, nem tem sofrido neste adiantado debate, a menor dúvida ou restrição.
E aqui cumpre mais uma vez tributar o devido louvor ao Governo. Não obstante as dificuldades da mobilização militar permanente para fazer face à guerra larvada no ultramar, que nos é imposta de fora, tem ele sabido manter-se dentro dos sãos princípios de gestão financeira proclamados em 1928.
Na dura, mas já habitual, adversidade que temos de suportar, tão prudente gestão continua a ser o mais seguro escudo militar, indispensável infra-estrutura para se ganhar a guerra.
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Subsequente, merecidíssimo louvor nosso tem de ser tributado ao ilustre Deputado Araújo Correia, que, com uma diuturna beneditina paciência e com perspectivas de largo horizonte económico e social, continua a relatar as contas públicas, para nossa ilustração e repousada confiança nossa, de que a tantos títulos é merecedor.
Partindo do elenco sectorial das conta» em aprovação, permitir-nos-emos, como de rotina, formular neste debate várias reflexões, mais para aquilo que se nos entolha útil lembrar, sem curar do que de inútil se fez ou de útil se não fez. Sugestões construtivas, que irão, humanamente, para o que mais regionalmente nos toca.
Aliás, esta orientação das breves considerações ulteriores - congéneres das que me têm ocorrido fazer nas sessões correspondentes dos anos anteriores -, é aquela que genericamente é seguida pelos ilustres membros desta Assembleia, voltados mais para o futuro do que para o passado, como é natural.
Isto nos conduz a como que um exame de consciência colectivo - o colegial está em voga - sobre a forma por que nesta Assembleia, num propósito de mais produtiva eficiência, os trabalhos tendem a processar-se.
Comecemos por atentar precisamente a este aspecto do exame do fecho das contas públicas.
Pela Constituição é atribuição máxima, da Assembleia a aprovação da Lei de Meios. Mas a intervenção da Assembleia nessa altura quanto ao discriminado das verbas previstas é-lho naturalmente vedada, pois de contrário seria mesmo altamente, inconveniente.
A lição do passado período constitucional, a este respeito, é de dura eloquência. Terá por isso tal intervenção de limitar-se à discussão e aprovação de bases genéricas.
Mas nem por isso o intervencionalismo útil desta Assembleia política na vida nacional poderá deixar de exercer-se, sob pena de asfixia, a começar naturalmente pela da própria Assembleia.
Através de intervenções antes da ordem do dia, de avisos prévios, é de tradição exercer-se essa iniciativa, focando aspectos variados, ou problemas importantes nacionais, regionais ou locais atinentes à administração pública. Ocasião óptima, porém, para serem formuladas proveitosamente, as mais construtivas sugestões, porque inseridas sectorialmente na sistemática das contas públicas, com vista às discriminadas verbas de futuros orçamentos, é decerto aquela em que se discutem passadas contas.
Precisamente é o que em sucessivos anos se vem verificando, cada vez mais acentuadamente, a ponto de poder começar a encarar-se como consolidando-se em praxe.
No fio desta meditação, não posso deixar de aludir à prática de uma actuação preparatória e integradora, utilíssima das novas comissões parlamentares, permanentes ou eventuais, no sentido de um mais digerido e filtrado aproveitamento nos debates no Plenário.
Por esta orientação, não posso deixar de felicitar o nosso leader, Sr. Dr. Soares da Fonseca, porque muito ela lhe deve. Parece-me bem digna de vir a consolidar-se também em praxe parlamentar.
Há ainda outro aspecto com novidade a realçar quanto aos trabalhos desta Casa.
A de uma colaboração mais directa com eles, efectivada pelos vários membros do Governo, que, a propósito de grandes medidas públicas a traduzir em leis ou de importantes problemas políticos, tem descido até às nossas comissões ou a reuniões conjuntas, reservadas para expor e discutir os respectivos temas. Por esta orientação, não podemos deixar de estar gratos aos Srs. Ministros, que com tanto proveito, supomos, de todos e benefício não só técnico, mas até político, têm tomado a iniciativa dessa prática.
Bom será, decerto, que se torne mais frequente esta prática, embora não aspiremos a que se convertesse - teria também inconvenientes - em praxe assente, pelo que esta implica de quase normativo.
Tal espírito de colaboração não poderia estender-se algo, até para com a Câmara Corporativa, através das correspondentes secções dela e comissões da nossa?
Isto contribuiria para ajudar a vencer atávicos complexos nacionais para a compartimentação estanque e para rivalidades colegiais; complexos agravados neste campo por um preconceito residual de bicamaralismo que de forma alguma corresponde à Constituição presente.
Assim, julgo que, embora não .expressamente prevista na letra desse diploma a colaboração que sugerimos, nada nela se opõe a que tal colaboração possa realizar-se. E, assim, quando útil, parece-nos será desejável verificar-se.
Há dias o ilustre Deputado Sr. Duarte Amaral, e muito bem, técnica e politicamente, sugeriu precisamente uma intensificação da actuação colaborativa do Governo para com a Assembleia. Para tal, socorreu-se, sobretudo, de preceitos da Constituição. Salvo o meu respeito para com a opinião de S. Exa., inclino-me antes para a melhor eficiência de praxes a consolidar-se pela prática repetida, sem necessidade de recurso ao espartilho das normas jurídicas. É compreensível que eu, como velho jurisprático, seja mais céptico, quanto ao eficiente das leis em comparação, da acção convergente das humanas boas vontades, quando viável, do que o ilustre Deputado, que, como engenheiro distinto que é, se incline a sentir-se mais seguro ao abrigo do rigor das estruturas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Fechadas esta? meditações de exame de consciência - estamos na Quaresma -, passamos a dizer algo subordinado a artigos de matérias que nos ocorrem, predominaritemente com vista para futuro à administração.
1.º Acompanhando o parecer das contas, queremos ainda uma vez podermo-nos sentir confiantes quanto ao futuro pela forma por que tem sido possível fazer face às progressivas despesas militares, tal como as contas de 1966 o revelam, em continuidade com as antes fechadas desde as de 1961. E ali ressalta como, para tanto, tem contribuído o aumento de receitas ordinárias.
Já se vê que, sem tal encargo, como se acentua no parecer, o que se podia ter realizado de investimentos promotores de incremento do produto bruto seria decerto considerável: mas que lhe havemos de fazer? Ainda bem que o possível recurso ao crédito que a sanidade das finanças autoriza permitirá, como ali se aconselha sabiamente, optar nesses investimentos pelos que «e adiantarem como mais rentáveis. Uma vez ainda, a este propósito, cumpre chamar a atenção do Governo - nunca é de mais fazê-lo -, para corrigir quanto esteja nas suas mãos, outra atávica e invencível tentação portuguesa, a do sumptuário.
Isto é necessário, não só pelo proveito de se dispensarem gastos supérfluos, como, sobretudo, pelo desgaste psicológico que acarreta. Não podemos esquecer, a propósito, o efeito que excessos dessa natureza podem tender a provocar nos nossos galhardos combatentes de África. Se falei há pouco do valor do escudo militar que as finanças sãs representam, devemos dar todo o realce a que as forças armadas representam o valor da correspon-
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dente lança que fere e decide. Assim, é preciso dar a quem a empunha, com todo o amparo material, indispensável exemplo e carinho moral.
Algo quereria dizer sobre a nossa agricultura, cuja anemia se vê traduzida na sua participação decadente no nosso produto bruto, como bem põe em relevo o douto relator do parecer. Reservo fazê-lo mais prolongadamente para outra oportunidade.
2.º Vias de comunicação:
Sobre a matéria têm-se pronunciado vários oradores que me precederam. Quanto às vias convergentes a Lisboa, o que por vezes tenho abordado, se pronunciou, tão eloquentemente e com tão ilustrativos elementos, o Sr. Deputado Elmano Alves, que pareceria da minha parte impertinência acrescentar-lhes fosse o que fosse. Limito-me a aplaudi-lo vivamente, em particular no que respeita ao aproveitamento ferroviário da Ponte Salazar.
Quanto às entradas do distrito do Porto, volto a lembrar - hoje mais instantemente, que a nova ponte de Amarante se abriu ao trânsito - a necessidade de- construir os dez quilómetros que faltam da estrada chamada dos Padrões da Teixeira. Constitui a respectiva portela o mais fácil acesso de e para Trás-os-Montes e Douro.
Isto se reclama em companhia do Sr. Deputado Cunha Araújo, eu de cá, ele de lá, em nome da economia regional, do turismo, e até por piedade para com quem tem de aproveitar a arqueológica entrada pombalina.
As ravinas que a marginam já no seu activo contam com algumas vítimas. E quem por lá passa, pelo menos, se leva não muita, mas legítima pressa automobilística, não escapa a sustos.
Outro ponto que relembro é a necessidade de a Câmara de Gaia ser ajudada a organizar convenientemente os acessos do nó sul da Ponte da Arrábida, estabelecendo ligações para o seu centro habitacional. Tal objectivo não pode deixar de interessar, para além de Gaia, também a Câmara do Porto, os portos - não são estes, conjuntamente, do Douro e Leixões? -, os caminhos de ferro, o alívio da Ponte de D. Luís e, genericamente, a zona regional de influência da cidade invicta.
Quanto a caminhos de ferro, particularmente da linha do Douro, a que no ano passado tão prolongadamente me dediquei nesta Assembleia, com gosto verificamos que estão em curso nela melhoramentos apreciáveis, quer pelo que se refere à via, quer à exploração.
As ligações internacionais, através de automotoras rápidas, acham-se já restabelecidas razoavelmente.
Ainda bem, por muitas razões e, sobretudo, pelo turismo, a canalizar também através de uma das regiões mais atraentes do País.
3.º E o turismo:
Verifica-se, através das contas, que do seu progressivo rendimento vamos auferindo já proveitosas receitas, que bem nos ajudam às despesas militares.
Para que o seu progresso se processe mais distributivamente cumpre-nos ainda uma vez chamar a atenção das estâncias competentes para aquilo que podemos chamar pólos possíveis de atracção.
No Norte, aquém do Porto, a ria de Aveiro; além do Porto, e sem deixar de nomear esta cidade, Viana - para quando o seu golf em Santa Luzia? -, Braga-Guimarães, o Geres e suas barragens. Em Douro - Trás-os-Montes, a paralela do vale do Douro cruzada pelo meridiano Vila Real - Lamego, com vértice na Régua; Chaves, as estâncias termais; Mirandela, Bragança, Moncorvo e seu alfoz ...
Para quando o planeamento sistemático de tudo isto?
4.º Instalação de escolas:
Sem desdenhar do muito que, através do Ministério da Educação, o meu distrito e o Norte devem ao Governo para melhorar a rede da sua instrução, ouso lembrar o seguinte:
A instalação de um liceu até termo do 2.º ciclo, num pólo a escolher no centro do distrito do Porto. Existiu em tempos, com. bons resultados, um liceu em Amarante, hoje existe ali uma escola técnica; houve bons colégios também em Penafiel. Porque não escolher esta cidade, por mais central, para uma unidade daquelas que sugerimos?
Outra necessidade instante, a tantas vezes reclamada criação de escolas agrícolas secundárias no Norte. Existindo quatro a sul do Mondego, a norte nenhuma!
Sem sugerir localização para a primeira, ela ficaria bem em ponto central do Entre Douro e Minho.
Seria ponto de convergência acessível para os filhos dos nossos lavradores, tão atrasados, se poderem converter nos técnicos agrícolas de que a reconversão reclamada do nosso agro tanto carece.
Acha, Sr. Deputado Nunes Barata, que eu peça de mais?
E, desta feita, Sr. Presidente, por aqui me fico. Que V. Ex.ª me perdoe de ,a propósito das contas públicas, tanto me ter atrevido a meditar alto sobre os assuntos da vida interna e de hipotéticas virtualidades desta Assembleia. Mas suponho, Sr. Presidente, não ter pisado o risco.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Assinadas pelo Sr. Deputado Nunes Barata, estão na Mesa duas propostas de resolução, que vou submeter à votação.
Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Propostas de resolução
A Assembleia Nacional, tendo examinado os pareceres sobre as contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1966, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, e concordando com as conclusões da Comissão das Contas Públicas, resolve dar a essas contas a sua aprovação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 8 de Março de 1968. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento do parecer da Comissão das Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 8 de Março de 1968. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
O Sr. Presidente: - Ponho em primeiro lugar à votação a proposta de resolução sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) respeitantes ao exercício de 1966.
Submetida à votação, foi aprovada.
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O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação a proposta de resolução sobre as contas da Junta do Crédito Público referentes ao aro de 1966.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Peço à Assembleia um voto de confiança à nossa Comissão de Legislação e Redacção para dar redacção definitiva aos diplomas votados nesta Assembleia e ainda não promulgados.
Submetida a questão à Assembleia, foi concedido o voto do confiança.
O Sr. Presidente: - Agora vou limitar-me a dizer a VV. Ex.ªs que agradeço muito as provas de deferência que me testemunharam, e peço muita desculpa de ter tomado - se alguma vez tomei - uma atitude mais viva durante algumas das intervenções. Disso peço desculpa a VV. Ex.ªs, ao mesmo tempo que lhes desejo, durante o interregno parlamentar, a melhor saúde e que tudo lhes corra em paz, que possam realizar todo o vosso pensamento e desenvolver o vosso trabalho, que eu sei ser trabalho fecundo para VV. Ex.ªs e para o País.
Mais nada, senão renovar as minhas desculpas se alguma vez, a propósito de qualquer debate, reconheceram que fui mais vivo do que devia.
Por fim, quero agradecer aos órgãos de informação, imprensa, rádio e televisão a colaboração que nos prestaram e que sempre se mostram dispostos a prestar-nos. Muito obrigado.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Magro Borges de Araújo.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA