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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES
SUPLEMENTO AO N.° 165
ANO DE 1969 22 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
Proposta de lei sobre o estabelecimento de normas tendentes a imprimir
maior celeridade à justiça penal
1. Tem sido preocupação do Governo imprimir celeridade à justiça penal, sem prejuízo das necessárias garantias de defesa das partes e da ponderação exigida ao órgão jurisdicional.
Entre as medidas mais recentes, dentro dessa orientação, podem citar-se: as que converteram vários crimes públicos em semipúblicos ou particulares: as que simplificaram o formalismo de alguns processos especiais - difamação, calúnia e injúria, processos contra magistrados e processos de ausentes; as que simplificaram os termos do despacho de pronúncia no processo correccional; as que determinaram que passem à fase acusatória os processos por crimes de ofensas corporais, cuja instrução tenha excedido o prazo legal em consequência de sucessivos exames directos; as que criaram o Laboratório de Polícia Científica; as que remodelaram os serviços médico-legais; as que cometeram ao tribunal colectivo o julgamento dos processos penais por acidente de viação, com pedido de indemnização superior ã alçada do tribunal de comarca; as que admitem a prioridade de processamento de certas causas penais e cíveis, atendendo à natureza ou volume dos interesses discutidos.
Todavia, o esforço assim desenvolvido pelo Governo não pode ter-se por concluído, antes a experiência demonstra que é necessário prosseguir. Por isso se considera oportuno encarar agora outros aspectos.
2. O processo correccional ó hoje demasiado fértil em recursos para os tribunais superiores -merco, sobretudo, do aumento do número de acidentes de viação-, que não só sobrecarregam os serviços judiciais, como dilatam a realização ria justiça. Impõe-se, por isso, limitar tais recursos. Ora, entre a solução de acabar pura e simplesmente com a forma de processo correccional, fundindo-a com a do processo de polícia correccional, e a de a equiparar a esta última para efeito de recurso, considera-se preferível a fórmula constante deste projecto. E assim, continua a admitir-se recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos mais graves, em homenagem não só à defesa dos réus, como também à necessidade de uniformização da jurisprudência.
Por outro lado, procura-se facilitar a acção do tribunal relativamente à organização dos quesitos, quando estão em causa uma multiplicidade de crimes e uma multiplicidade de réus.
Aproveita-se ainda o ensejo para afastar do processo penal certas consequências menos aceitáveis nos tempos de hoje em que muito se reage contra as penas curtas de prisão. Concretamente: pretende-se evitar que as pessoas detidas em flagrante delito por certos crimes involuntários, ou mesmo dolosos, mas de reduzida gravidade, permaneçam presas durante algumas horas ou até alguns dias, só porque, em virtude da hora ou do dia se torna difícil ou impossível recorrer aos serviços de justiça para regularizar a situação, através de caução, termo de identidade, ou julgamento sumário.
3. O mesmo propósito, que preside a este projecto, de subtrair ?i cognição dos tribunais superiores casos que pela sua reduzida gravidade o não justifiquem, imprimindo-se assim maior celeridade à justiça penal, aconselha a que se actualizem, ajustando-os :i gravidade das penas, os valores indicados nos artigos 421.°, 430.º e 472.° do Código Penal - alteração que necessariamente se reflectirá nos preceitos que remetam para os atrás indicados. Trata-se, aliás, de um critério paralelo ao que presidiu à actualização das alçadas no processo civil, através do Decreto-Lei n.º 47 691, de 11 de Maio de 1967.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 165 2904-(2)
4. Os artigos 4.° e 5.° contêm providências de carácter transitório destinadas a evitar perturbações na tramitação dos processos pendentes e dúvidas de interpretação. O disposto no artigo 4.° não prejudica, como é óbvio, a imediata aplicação das penas menos graves cominadas por este projecto.
Artigo l.º Os artigos 272.°, 50l.°, 557.° e 646.° do Código de Processo Penal passam a ter a seguinte redacção: Art. 272.° Ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado se oferecer caução idónea, quando a lei a admite, ou provar a sua identidade é assinar o respectivo termo, nos casos em que pode livrar-se solto sem caução.
§ 1.° Quando não seja possível prestar caução, em virtude de o tribunal não se encontrar aberto ou não poder desde logo tomar conhecimento do facto, e a infracção for meramente culposa, a autoridade ou o agente da autoridade libertará o detido, com observância do disposto na parte final do § 2.° do artigo 557.° e no § 2.º do presente artigo, desde que nau se trate de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente, de identidade desconhecida ou indocumentado para o exercício da actividade de que resultou o facto ilícito.
§ 2.º Antes da libertação do detido proceder-se-à à apreensão do instrumento que serviu a prática da infracção, a qual cessará com a prestação da caução, a não ser que por outro motivo deva ser mantida.
§ 3.º Se, pêlos motivos indicados no § 1.°, não puder ser assinado o termo de identidade, aplicar-se-á o disposto nesse parágrafo e no § 2.°, com as necessárias adaptações, quer a infracção seja culposa, quer dolosa.
Art. 501.º Se houver diferentes réus. para cada um se formularão, em separado, os respectivos quesitos. Havendo, porém, factos comuns a vários réus, poderá o tribunal formular sobre eles quesitos em conjunto.
Art. 557.° ....................
§ 2.° Se a captura se fizer a horas em que o tribunal esteja aberto e possa desde logo tomar conhecimento do facto, as testemunhas e o ofendido, quando a sua presença for necessária, serão notificados para comparecerem em acto seguido no tribunal, onde será imediatamente apresentado o infractor ao respectivo juiz.
Se o tribunal não se encontrar aberto ou não puder desde logo tomar conhecimento do facto, a autoridade ou D agente da autoridade, não se tratando de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente ou de identidade desconhecida, libertará o detido, advertindo-o de que deverá comparecer no primeiro dia útil imediato, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência. A participação será remetida ao tribunal no primeiro dia útil imediato, passando-se mandado de captura contra o réu que não compareça.
Art. 046.° Não haverá recurso:
6.° Dos acórdãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional, excepto quando condenem em pena de prisão superior a seis meses não convertida em multa, em processo de polícia correccional, de transgressões ou sumário; ressalva-se o disposto nos artigos 669.° e 670.° e os casos em que a multa aplicada exceda a quantia de 40 000$, qualquer que seja a forma do processo.
Havendo pedido cível deduzido, o recurso c admissível, restrito a esse pedido, desde que o respectivo montante exceda a alçada da relação.
Art. 2.º As decisões que tenham por objecto a sanção prevista no artigo 30.° do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, e na alínea e) do artigo 184.° do Código das Custas Judiciais, só admitem recurso até a relação.
Art. 3.° São elevados ao dobro os valores referidos nos artigos 421.º e 430.° e no § 1.º do artigo 472.° do Código Penal, e ao décuplo os valores referidos nos n.ºs 1.° a 4.º do artigo 472.° do mesmo Código.
Art. 4.° Os julgamentos já iniciados à data da entrada em vigor deste diploma continuam segundo o anterior formalismo, não obstante a alteração da forma do processo.
Art. 5.° As limitações aos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, resultantes do presente diploma, não se aplicam às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA
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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES
2.° SUPLEMENTO AO N.° 165
ANO DE 1969 22 DE JANEIRO
CÂMARA CORPORATIVA
IX LEGISLATURA
PARECER N.° 18/IX
Projecto de proposta de lei n.° 7/IX
Estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 7/IX, elaborado pelo Governo sobre o estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal, emite pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Álvaro Rodrigues da Silva Tavares n Joaquim Trigo de Negreiros, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
SUMÁRIO
I) Apreciação na generalidade:
§ 1.° Enunciarão das alterações propostas (n.º 1 e 2).
§ 2.° Sentido das alterações.
1) Processo penal:
a) A prisão preventiva (n.ºs 3 e 4):
b) À morosidade da justiça (n.ºs 5 e 6).
2) Direito penal (n.° 7).
II) Exame na especialidade:
§ 1.° Processo penal:
1) Alterações ao artigo 272.º (n.° 8).
2) Alterações ao artigo 501.° (n.º 9).
3) Alterações ao artigo 557.° (n.º 10).
4) Alterações ao artigo 646.º, n.º 6.º (n.°s 11 e 12).
5) Recurso de outras decisões (n.° 13).
§ 2.° Direito penal:
1) Crime de furto (n.º 14 e 15).
2) Crime de dano (n.° 16).
§ 3.° Disposições transitórias (n.° 17).
III) Conclusões.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 165 2994-(4)
I
Apreciação na generalidade
§ 1.° Enunciação das alterações propostas
1. Os três primeiros artigos do projecto de proposta de lei um apreciação introduzem alterações a algumas disposições do Código de Processe Penal e do Código Penal e os dois últimos contém providencias de carácter transitório.
Tais alterações constam do articulado seguinte: Artigo 1.° Os artigos 272.°, 501.° 557.º e 640.º do Código de Processo Penal passam a ter a seguinte redacção:
Art. 272.º Ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado se oferecer caução idónea, quando a lei a admite, em provar a sua identidade o assinar o respectivo termo, nos casos em que pode livrar-se solto sem caução.
§ 1.º Quando não seja possível prestar caução, em virtude de o tribunal não se encontrar aberto ou não poder desde logo tomar conhecimento do facto, e a infracção for meramente culposa, a autoridade ou o agente da autoridade libertará o detido, com observância do disposto na parte final do § 2.° do artigo 557.° e no § 2.° do presente artigo, desde que não se trate de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente, do identidade desconhecida ou indocumentado para o exercício da actividade de que resultou o facto ilícito.
§ 2.° Antes da libertação do detido proceder-se-à à apreensão do instrumento que serviu à prática da infracção, a qual cessará com a prestação da caução, a não ser que por outro motivo deva ser mantida.
§ 3. Se, pelos motivos indicado no § 1.°, não puder ser assinado o termo de identidade, aplicar-se-á o disposto nesse parágrafo e no § 2.°, com as necessárias adaptações, quer a infracção seja culposa, quer dolosa.
.....................................................
Art. 501.º Se houver diferentes réus, para cada um se formularão, em separado, os respectivos quesitos. Havendo, porém, factos comuns a vários réus, poderá o tribunal formular sobre eles quesitos em conjunto.
.....................................................
Art. 557.°
.....................................................
§ 2.° Se a captura se fazer a horas em que o tribunal esteja aberto e possa desde logo tomar conhecimento do facto, as testemunhas e o ofendido, quando a sua presença final necessária, serão notificados para comparecerem em neto seguido no tribunal, onde será imediatamente apresentado o infractor ao respectivo juiz.
Se o tribunal não se encontrar aberto ou não puder desde logo tomar conhecimento do facto, a autoridade ou o agente da autoridade, não se tratando de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente ou de identidade desconhecida, libertará o detido, advertindo-o de que deverá comparecer no primeiro dia útil imediato, à hora que lhe for designada, sob pena de faltando, incorrer no crime de desobediência. A participação será remetida ao tribunal no primeiro dia útil imediato, passando-se mandato de captura contra o réu que não compareça.
...................................................
Art. 646.º Não haverá, recurso:
...................................................
6.º Dos acórdãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional, excepto quando condenem em pena de prisão superior a seis meses não convertida em multa, em processo de polícia correccional, de transgressões ou sumário; ressalva-se o disposto nos artigos 669.° o 670.° e os casos em que a multa aplicada exceda a quantia de 40 000$, qualquer que seja a forma do processo.
Havendo pedido cível deduzido, o recurso é admissível, restrito a esse pedido, desde que o respectivo montante exceda a alçada, da relação.
Art. 2.º As decisões que tenham por objecto a sanção prevista do artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 35 007, de 18 do Outubro de 1945, e na alínea [...ilegível] do artigo 184.º do Código das Custas Judiciais, só admitem recurso até à relação.
Art. 3.° São elevados ao dobro os valores referidos nos artigos 121.° e 430.º e no § 1.° do artigo 472.° do Código Penal e ao décuplo os valores referidos nos n.ºs 1.° a 4.º do artigo 472.º do mesmo Código.
Art. 4.° Os julgamentos já iniciados à data da entrada em vigor deste diploma continuam segundo o anterior formalismo, não obstante a alteração da forma do processo.
Art. 5.º As limitações aos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça resultantes do presente diploma não se aplicam às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor.
2. Consoante resulta do articulado transcrito, é fácil concluir que não se tem em vista introduzir no nosso direito penal, adjectivo e substantivo, alterações de conjunto, mas somente retocar alguns preceitos legais por forma a atender a necessidades prementes da vida jurídica, tais como a da defesa da liberdade pessoal, a da celeridade da justiça e a da adequada punição de certas infracções.
Vejamos, seguidamente, o sentido das alterações constantes do projecto de proposta de lei.
§ 2.° Sentido das alterações
1) Processo penal
a) A prisão preventiva
3. Um dos princípios fundamentais da organização jurídica dos povos civilizados é o da liberdade pessoal.
A privação deste direito só se compreende em resultado de uma decisão judicial, em aplicação do direito de punir, integralmente jurisdicionalizado.
Isto mesmo acontece entre nós por determinação de claro preceito legal - artigo 8.º, n.° 8.°, da Constituição Política.
Sendo assim, a faculdade de privar os cidadãos da sua liberdade, independentemente de condenação penal transitada em julgado, não pode deixar de considerar-se um gravame ou ónus que só motivos ponderosos explicam1.
1 Cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira. Curso de Processo Penal, II, p. 383; Prof. Eduardo Correia. Processo Criminal, p. 138: Ernest Beling, Direito Processual Penal (tradução espanhola), pp. 378-379; Dr. Manso Preto. Regime Legal de Detenção, pp. 14 e sega.
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Estes motivos prendem-se precisamente com os fins processuais da segurança das provas (instrução do processo), por um lado, e da exequibilidade da sentença, por outro, já que a decisão condenatória só é exequível, em regra, na pessoa do próprio arguido, em virtude de n maioria das penas ser restritiva de liberdade.
Esta prisão, para fins processuais, denomina-se prisão preventiva, justamente porque anterior à condenação, também chamada detenção, por, em sua natureza, não ser uma pena nem ter significado ético2.
A prisão preventiva, conquanto se justifique, é um mal - tanto colhe os culpados como agrava 03 inocentes.
Por isso, a lei, embora a admitindo, rodeia-a das maiores cautelas.
Em regra, só é permitida a detenção com culpa formada, isto é, após ter sido proferido, no respectivo processo, o despacho de pronúncia e em consequência deste, justamente porque em tal caso foi já emitido pela autoridade judicial - o juiz -, com base nos elementos obtidos, um juízo de probabilidade quanto à existência da infracção e sua imputação ao arguido.
O não ser preso sem culpa formada constitui mesmo uma garantia constitucional (citado artigo 8.°, n.° 8.°, da Constituição Política).
Excepcionalmente, admite a lei a detenção cm flagrante delito e a detenção sem culpa formada fora de flagrante delito (§§ 3.° e 4.° do artigo 8.° da Constituição Política e artigos 250.° e 254.° do Código de Processo Penal).
4. Porque a prisão preventiva ou detenção representa um mal, determina o Código de Processo Penal: "Ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado se oferecer caução idónea, quando a lei a admite, ou provar a sua identidade e assinar o respectivo termo, nos casos em que pode livrar-se solto sem caução" (artigo 272.°).
Simplesmente, para prestar caução ou assinar o termo de identidade é indispensável recorrer aos serviços do tribunal, e este pode estar fechado, em razão da hora ou do dia, ou não ter possibilidade de logo tomar conhecimento do facto criminoso para efeitos de julgamento em processo sumário (artigo 557.° do citado Código).
Mas, se o recurso a tais serviços não for possível, pode suceder que o detido tenha de permanecer algumas horas, ou até dias (fim de semana, que pode ser antecipado ou seguido de feriado), sob prisão, consequência inadmissível, tanto mais quanto é certo que não é directamente imputável ao arguido.
Ora, é exactamente o que sucede em face do regime actual.
Para afastar tal resultado é que o projecto de proposta de lei altera o citado artigo 272.° do Código de Processo Penal, aditando-lhe três parágrafos. Pretende-se, no fundo, assegurar a imediata libertação do detido, com observância de certas formalidades, no caso de se tratar de infracções meramente culposas, ou dolosas de reduzida gravidade.
Esta orientação, como se intui de tudo que vem de ser exposto, não pode deixar de merecer a concordância da Câmara Corporativa.
b) A morosidade da Justiça
5. Tradicionalmente, fala-se muito na morosidade da justiça, e a verdade é que ela se verifica ainda hoje, em maior ou menor medida, não obstante as providências que o legislador tem vindo a tomar, e de que o relatório do presente projecto de diploma nos dá conta.
Urge, porém, fazer um esforço no sentido de. acelerar tanto quanto possível a justiça penal, sem prejuízo das necessárias garantias da defesa e da conveniente ponderação exigível ao órgão jurisdicional.
Com efeito, n rapidez da justiça é um pressuposto indispensável da sua perfeição, sobretudo numa época, como é aquela em quo vivemos, que se caracteriza por acentuado dinamismo, ao ponto de o minuto que hoje se perde não poder já ser recuperado amanhã.
A celeridade processual é imposta em nome do arguido, que não deve estar por longo tempo na incerteza de uma condenação; em nome do ofendido, que não pede esperar indefinidamente a reparação das ofensas; e em nome da sociedade, que não pode tolerar um clima de impunidade ou de crença nesta em consequência da inércia da máquina judiciária.
Quais os factores da morosidade da justiça?
Por um lado, sem dúvida, o excessivo serviço que pesa sobre muitos tribunais, e, por outro, a reprovável tenacidade das partes, em muitos casos, na defesa das suas posições.
O aumento de trabalho nos tribunais c a luta travada para lhe fazer face não é senão um dos aspectos do mesmo fenómeno que se verifica nos restantes domínios da Administração.
O aumento da população, o desenvolvimento das actividades, n criação de novas fontes de riqueza, a elevação do nível de vida, determinaram uma maior solicitação dos serviços públicos, cujo pessoal dificilmente pode suportar.
E as circunstâncias actuais não permitem, tanto quanto seria necessário, que as necessidades de ampliação dos quadros se satisfaçam, além de que, no caso especial dos serviços da justiça, os magistrados não se podem improvisar, pois que o licenciado em Direito só por um processo mais ou menos lento atinge a aptidão técnica e a formação profissional indispensáveis à função de julgar, sem as quais a administração da justiça deixaria de ser aquela actividade séria que a vida, a liberdade, a honra e os bens dos cidadãos têm o direito de reclamar.
Por outro lado, as partes frequentemente não colaboram com a justiça: pretendem atingir certa finalidade, alcançar determinado resultado, e não hesitam, para tal, em recorrer a todos os meios, requerendo, reclamando, recorrendo, recorrendo sempre até ao Supremo Tribunal de Justiça, e quando o fazem, logo com a mira de irem até ao próprio tribunal pleno! Se as partes são poderosas, ou uma delas, então é quase certo que assim acontece.
6. Conhecidas as causas da morosidade da justiça penal, a solução estará naturalmente em atenuá-las, já que é impossível removê-las inteiramente.
As medidas em ordem à ampliação dos serviços têm vindo a ser tomadas e não há senão que prosseguir na medida do possível.
As providências destinadas a impedir o protelamento das causas, com prejuízo dos que aspiram e têm direito a uma justiça rápida, hão-de relacionar-se com a simplificação do processo e a limitação dos recursos.
O primeiro aspecto - formalismo processual - parece que não tem oportunidade de ser considerado nesta altura.
2 Cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, ob. cif., p. 383.
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Com efeito, está-se na fase da reforma cio direito criminal substantivo, e só depois desta concluída haverá que cuidar du reforma processual. Mas não nos iludamos. Por mais cuidado que haja em simplificar os termos do processo e em fechar as portas às "habilidades" das partes, o processo penal não poderá ultrapassar certos limites neste aspecto, porque há e há-de haver sempre domínios, fases, que são estritamente indispensáveis à defesa dos direitos e ao apuramento da verdade, algumas até com assento constitucional: a instrução contraditória, por exemplo.
As nossas leis criminais, nomeadamente, adjectivas, estão impregnadas de espirito humanista e liberal e crê-se que ele continuará presente em quaisquer reformas legislativas, dada a formação cristã e a maneira de ser dos Portugueses.
Para já, estará indicado um esforço no sentido de limitar os recursos e certos casos, e nesta orientação se situa o projecto de proposta de lei em estudo, restrita aos recursos a interpor dos acórdãos das relações proferidos em processo correccional.
Adiante, no exame na especialidade, a atenção desta Câmara recairá sobre os termos concretos da limitação proposta.
Nas ideias acabadas de expor se filia igualmente a limitação do recurso a que alude o artigo 2.° do projecto.
2) Direito penal
7. No campo do direito penal substantivo, o projecto de proposta de lei versa sobre os crimes de furto e de dano voluntário, actualizando os valores referidos nos artigos 421.°, 430.º e 472.° do Código Penal, por forma a ajustá-los à gravidade das penas correspondentes.
É patente a inadequada estruturação do crime de furto previsto e punido no artigo 421.º, com vários escalões de penas consoante o valor da coisa furtada, ao arrepio do que se impõe, dando ao tribunal maiores possibilidades na fixação da pena, consoante sucede em códigos penais modernos, como o italiano (artigo 624.º), o grego (artigo 372.°), e no projecto da parte especial do futuro Código Penal Português (artigo 196.º).
Simplesmente, não é agora a altura de alterar a estrutura du crime de furto, mas apenas n de encarar a actualização dos valores referidos nos vários números do artigo 421.º, pois é manifesto que eles são hoje demasiado baixos, dada a elevação geral dos preços e a consequente diminuição do poder de compra da moeda. De modo que as penas cominadas sito hoje excessivamente severas, severidade que se avoluma nos crimes qualificados do furto.
A actualização desses valores projecta-se favoravelmente em vários domínios: baixam os limites das penas aplicáveis c dai resulta a correspondência do forma processual menos solene, o que permitirá a concessão de caução em casos em que esta não era possível, ou a dispensa da caução em casos em que era exigível; logo, menos incómodos e restrições impostas aos arguidos e menor número de casos de prisão preventiva, com todas as vantagens inerentes para a pessoa dos arguidos e a administração prisional; por outro lado, crimes que até agora são julgados por um tribunal colectivo passam a ser julgados pelo juiz singular, com evidente economia processual e redução das despesas com as deslocações dos juizes, corregedores e adjuntos às comarcas; por outro lado, ainda, maior celeridade processual.
E como há outros crimes contra o património puníveis com as penas do crime de furto, consoante o valor - por exemplo, burla (artigo 451.°), abuso de confiança (artigo 453.°) -, a actualização proposta tem ampla repercussão.
O que fica dito quanto ao crime do furto poderá dizer-se quanto ao crime de dano voluntário, sendo certo que os valores referidos no artigo 472.° se encontram ainda mais desactualizados.
Sendo assim, o propósito do projecto em apreciação parece justificado.
II
Exame na especialidade § 1.° Processo penal
1) Alterações ao artigo 272.°
8. Já ficou assinalado na apreciação na generalidade (n.° 4) o motivo determinante da alteração proposta ao artigo 272.º do Código du Processo Penal, com o aditamento de três parágrafos.
Devem ter impressionado, sobretudo, as hipóteses hoje muito frequentes de acidentes de viação - nos quais podem intervir, como arguidos, a generalidade das pessoas - e que, sem as providencias agora propostas, correm o risco de ficar presas algumas horas ou até alguns dias, consequência tanto mais inconveniente quanto é certo que em grande número de casos não se apurará a sua culpabilidade ou, apurando-se, a pena não será de prisão efectiva.
Mas não se tem em vista apenas os crimes involuntários, a que corresponda caução, mas também outros crimes de reduzida gravidade, culposos ou dolosos - justamente aqueles em relação aos quais é possível prestar termo de identidade (artigo 291.º do Código de Processo Penal).
A libertação cio detido, prevista no § 1.° proposto, será acompanhada da observância do disposto no § 2.° do artigo 557.º - advertência feita para que compareça no tribunal no primeiro dia útil imediato, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência.
Atém disso, antes da libertação do detido, proceder-se-á, segundo o projecto, à apreensão do instrumento que serviu à prática da infracção (veículo automóvel, por exemplo), a qual assim funcionará como garantia da prestação do caução.
Parece, todavia, que a apreensão deverá ser facultativa, deixando-se ao critério da autoridade ou agente de autoridade levá-la ou não a efeito, consoante as concretas necessidades de assegurar a presença do arguido.
O benefício da libertação do detido não funciona compreensivelmente em relação aos delinquentes de difícil correcção, vadios ou equiparados, libertados condicionalmente, de identidade desconhecida ou indocumentados para o exercício da actividade de que resultou o facto ilícito.
De harmonia com o exposto, esta Câmara propõe que o § 2.º do artigo 272.° fique assim redigido:
§ 2.º Antes da libertação do detido, poderá proceder-se à apreensão do instrumento que serviu de prática da infracção, a qual cessará com a prestação da caução, a não ser que por outro motivo, deva ser mantida.
2) Alterações ao artigo 301.°
9. Este preceito encontra-se assim redigido:
Se houver diferentes réus, para cada um se formularão, em separado, os respectivos quesitos.
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Propõe-se no projecto o aditamento de um período, assim concebido:
Havendo, porém, factos comuns a vários réus, poderá o tribunal formular sobre eles quesitos cm conjunto.
Trata-se de uma providência inspirada em razões de economia processual, destinada a facilitar o trabalho do tribunal.
É que sucede, por vezes, até com certa frequência, sobretudo nas comarcas de maior movimento, que o tribunal tem de apreciar uma multiplicidade do crimes cometidos por numerosos réus.
Por força do preceito legal em vigor, haverá que formular quesitos, em separado, que são a repetição uns dos outros, sendo certo que os factos são comuns a todos ou a vários réus, o que representa um dispêndio de energia e de tempo tão preciosos para outras tarefas.
Pretende-se agora evitar este resultado, concedendo ao tribunal a facilidade de formular quesitos em conjunto.
Claro que terá de haver sempre quesitos individuais ou em separado, pelo menos quanto à personalidade de cada réu.
Parece, pelo que fica dito, nada haver a opor à redacção proposta.
3) Alterações ao artigo 557.°
10. A modificação a introduzir neste preceito consiste em aditar ao § 2.° uma segunda parte em que se dispõe que o tribunal libertará o detido preso em flagrante delito quando não seja possível proceder a julgamento em processo sumário 3 pelo facto de o tribunal se não encontrar aberto ou não poder desde logo tomar conhecimento do facto.
Com efeito, tratando-se de captura cm flagrante delito, a apresentação do detido ao Poder Judicial deve ser feita em acto seguido à detenção ou o mais rapidamente possível, sobretudo se a infracção é daquelas que deve ser julgada em processo sumário, a fim do possibilitar a realização imediata deste (artigo 253.° do Código de Processo Penal e artigo 48.° do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945).
A finalidade da alteração proposta é a mesma que foi assinalada a propósito da alteração do artigo 272.° (v. n.º 8), referida também na apreciação na generalidade (v. n.° 4): subtrair os arguidos à prisão preventiva quando o tribunal não possa tomar conhecimento sem demora da infracção em causa.
A libertação do detido será feita com a cominação de comparecer no primeiro dia útil imediato, à hora que lhe for designada, sob pena do, faltando, incorrer no crime de desobediência.
A participação será enviada ao tribunal pela autoridade ou agente de autoridade respectivo no primeiro dia útil imediato, passando-se mandado de captura contra o réu que não compareça
Afiguram-se aceitáveis os termos da alteração proposta.
4) Alterações ao artigo 616.°, n.° 6
11. Na apreciação na generalidade (v. n.° 5), esta Câmara teve ocasião de apreciar as razões que aconselham à limitação dos recursos em processo penal.
Pretende-se, porém, somente no presunto projecto de proposta de lei limitar o recurso no processo correccional, e exactamente neste sentido: abolir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional excepto quando condenam em pena de prisão superior a seis meses não convertida em multa.
a) Nestes termos, pretende-se acabar antes de mais com os recursos dos acórdãos das relações que versaram sobre recursos interpostos dos despachos de pronúncia ou de não pronúncia.
E, na verdade, não pareço que se justifiquem tais recursos. É que quase sempre neles se discute apenas matéria de facto - suficiência de indícios probatórios para a pronúncia -, da qual não pode conhecer o Supremo Tribunal de Justiça (n.º 4.º do artigo 646.° e 666.° in fine. do Código do Processo Penal). Tal sucede por forma impressionante no domínio dos acidentes de viação, hoje muito frequentes. De modo que subtrair os despachos de pronúncia à cognição do Supremo significa economia processual e celeridade na justiça, com proveito, sobretudo, para os ofendidos.
Esta limitação aceita-se até pelo confronto com o que se passa no domínio do processo de polícia correccional: neste não há, em princípio, recurso para a relação do despacho equivalente ao de pronúncia (artigo 397.º). Pois bem, no processo correccional, mais solene, continuará a haver, sem restrições, recurso para a relação dos despachos de pronúncia; somente se entendo que se deve ficar por aí, vedando recurso para o Supremo.
b) Também, pelo projecto, ficam abolidos os recursos dos acórdãos absolutórios das relações.
E, com efeito, esta orientação é aceitável, dado que não está em jogo a liberdade dos réus, justamente porque se trata de decisões absolutórias, e os outros interesses não merecerão tutela para além da relação.
c) Pretende-se ainda abolir os recursos para o Supremo dos acórdãos condenatórios das relações quando a pena não seja superior a seis meses de prisão convertida em multa.
Esta alteração parte certamente da ideia de que uma pena desta pravidade -gravidade, sem dúvida, reduzida - não tem dignidade bastante para chamar n atenção do Supremo Tribunal, sendo certo que em processo de polícia correccional, onde não há recurso para aquele Tribunal, pode ser aplicada uma pena de um ano de prisão4.
Claro que dentro desta orientação está-se a aproximar o processo correccional do processo de polícia correccional. Simplesmente, a evolução natural do processo parece sor a fusão do processo correccional com o processo de polícia correccional. Repare-se, com efeito, na simplifica-
3 São julgadas em processo sumário as infracções a que foram aplicáveis penas a que corresponda processo de polícia correccional ou de transgressões, sempre que o infractor for preso em flagrante delito e o julgamento possa realizar-se no prazo proscrito neste Código.
Exceptua-se o caso de à infracção ser aplicável pena de prisão, multa ou desterro por mais de seis meses (artigos 67.° e 556.° do Código do Processo Penal, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 40 033, de 13 de Janeiro de 1965).
São também julgados em processo sumário os crimes n que se refere o artigo 36.° e § único do Decreto-Lei n.° 37 047, de 7 de Setembro de 1948 (crimes previstos nos capítulos I, II e III do titulo III do livro II do Código Penal, quando não lhes corresponda pena mnis grave do que a de prisão correccional e os infractores sejam presos, em flagrante delito, bem como, do mesmo moda e sob as mesmas condições, os crimes previstos no capitulo V do título IV do livro II do mesmo Código, quando cometidos em lugar público, independentemente de participação ou queixa do ofendido).
4 No parecer da Procuradoria-Geral da República, de 15 de Julho de 1965, aceitou-se a orientação de excluir o recurso para o Supremo no processo correccional quando a pena não exceda um ano de prisão, chegando-se até a opinar no sentido de equiparação do processo correccional no processo de policia correccional para efeitos de recurso.
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cão do formalismo do despacho de pronúncia no processo correccional operada através do Decreto-Lei n.º 41 075, de 17 do Abril de 1957, praticamente o assimilando formalmente ao despacho equivalente ao de pronúncia no processo de polícia correccional, no qual o juiz normalmente se limita a designar dia para julgamento.
Tenha-se ainda presente o Decreto-Lei n.º 40 033, de 15 do Janeiro de 1955, que, alargando o âmbito do processo de polícia correccional, de seis medes para um ano de prisão, levou esta forma de processo a invadir o que até aí era terreno de processo correccional.
Com efeito este processo, desconhecido no domínio da Novíssima Reforma Judiciária, e criado polo Decreto n.º 2, de 29 de Março de 1890, com o fim de subtrair ao julgamento do júri certa categoria do crimes para os quais n mesmo se mostrava excessivamente benévolo, não tem as simpatias gerais, nem, em boa verdade, tem plena justificação, não existindo nas províncias ultramarinas.
Entende, contudo, esta Câmara que só numa futura reforma de conjunto do nosso direito penal deverá tomar-se posição definida quanto ã manutenção ou extinção5 da forma de processo correccional.
E entende ainda, por maioria, que esta limitação de recorrer constante do projecto em apreciação pode trazer para o réu sérios prejuízos, sobretudo quando o crime, pelo seu carácter infamante, possa afectar gravemente a, sua vida profissional. Nestes termos, é de parecer que se elimine esta restrição, redigindo-se o preceito do modo seguinte:
Art. 646.º Não haverá recurso:
..................................................
6.º Dos acordo das relações proferidas sobre recursos interpostos em processo correccional, excepto quando sejam condenatórios, em processo de polícia correccional, de transgressões ou sumário; ressalva-se o disposto nos artigos 669.º e 676.° e os casos em que a multa aplicada exceda a quantia de 40 000$, qualquer que seja a forma de processo.
Havendo pedido cível deduzido, o recurso é admissível, restrito a esse pedido desde que o respectivo montante exceda a alçada da relação.
12. O projecto de diploma em estudo adita ao n.º 6.° do artigo 646.º mais o seguinte:
Havendo pedido cível deduzido, o recurso é admissível, restrito a esse pedido, desde que o respectivo montante exceda a alçada da relação.
Este aditamento tem a virtude de afastar dúvidas sobre a admissibilidade de recurso para o Supremo respeitante a pedido de indemnização por perdas e danos formulado nos termos do artigo 29.° do Código do Processo Penal, já que, quanto às acções penais emergentes de acidente de viação em que a acção cível é exercida conjuntamente com a acção penal, o Decreto-Lei n.º 40 327, de 10 de Maio de 1965, expressamente afastou essas dúvidas.
3) Recurso de outras decisões
13. Embora sem grande projecção prática, o projecto de diploma contempla um caso do limitação do recurso das decisões da relação para o Supremo quando elas recaiam sobro a sanção prevista no artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 35 007, de 13 de Outubro de 1945, e na alínea c) do artigo 184.º do Código das Custas Judiciais.
Trata-se da sanção correspondente à denúncia particular feita de má fé ou com negligência grave.
Aquele decreto estabelecia uma indemnização entre 100$ a 2000$ a pagar ao Cofre Geral dos Tribunais; o Código das Custas estabeleceu a condenação em imposto de justiça entre 200$ a 3000$.
Dada a reduzida gravidade da sanção, não se justifica, nu verdade, recurso até o Supremo Tribunal de Justiça.
§ 2.° Direito penal
I) Crime de furto
14. O artigo 421.º do Código Penal, que prevê o pune o crime de furto, acha-se, redigido do modo seguinte:
Aquele que comutar o crime de furto, subtraindo fraudulentamente uma coisa que lhe não pertença será condenado:
1.º A prisão até seis meses e multa até um mês, se o valor da coisa furtada não exceder 1000$;
2.º A prisão até um ano e multa até dois meses, se exceder esta quantia e não for superior a 5000$;
3.° A prisão até dois anos e multa até seis meses, se exceder 3000$ u não for superior a 20000$;
4.º A prisão maior de dois a oito anos com multa até um ano. se exceder 20 000$ e não for superior a 500 000$:
5.° A prisão maior de oito a doze anos, só exceder 500 000$.
§ único. Considera-se como um só furto o total das diversas parcelas subtraídas pelo mesmo indivíduo à mesma pessoa, embora em épocas distintas.
Este artigo foi introduzido pela Novíssima Reforma Penal em substituição do artigo 421.º do Código Penal de 1852 redigido, aliás, por forma mais simples.
O preceito foi sujeito a algumas alterações ao longo dos tempos, designadamente quanto aos valores limites do objecto do furto, em cada um dos escalfas. Os valores actuais foram fixados pelo Decreto-Lei n.º 35 978, de 23 de Novembro de 1946, portanto, há vinte e dois anos6.
Não sofro dúvida que tais valores se encontram desactualizados, conduzindo a sanções desproporcionadas em relação ao valor das coisas furtadas.
O propósito de os actualizar justifica-se, assim.
Quanto ao critério do actualização, o projecto cm estudo decide-se pela duplicação, inspirando-se na orientação que presidiu à actualização das alçadas, em matéria cível, através do Decreto-Lei n.º 47 691, de 11 de Maio de 1967.
O critério não merece reparos, embora talvez fosse possível ir um pouco mais além.
Crê-se que esta alteração - que ?c repercute na punição de outros crimes cujos preceitos remetem para as penas do artigo 421.°- trará benefícios de vária ordem, consoante se assinalou já a propósito da apreciação na generalidade (v. n.° 7).
5 Cf. Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, II, p. 20, e Mourisca. Código de Processo Penal, I, p. 261.
6 Anteriormente já o Decreto n.º 26 140. de 1 do Agosto de 1931, alterara o artigo 421.°, actualizando os valores constantes dos seus vários números. Quinze anos depois, o citado Decreto-Lei n.º 35 978 operou nova actualização, em medida superior ao dobro, em alguns casos.
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15. Pelas mesmas considerações feitas quanto ao artigo 421.°, aceita-se a actualização proposta para o valor referido no artigo 430.º, que prevê e pune um crime de furto de reduzida gravidade7.
2) Crime de dano
16. O crime voluntário de dano está previsto no artigo 472.º do Código Penal pela forma seguinte:
Aquele que por qualquer meio derrubar ou destruir, voluntariamente, no todo ou em parte, edificação ou qualquer construção concluída ou somente começada, pertencente a ou trem ou ao Estado, será condenado:
1.º A prisão até dois anos c multa até seis meses, se o valor do prejuízo exceder 1000$;
2.º A prisão até um ano com multa até três meses, se uno exceder esta quantia, mas, se for superior a 400$;
3.º A prisão até seis meses e multa até um mês. se exceder 100$, não sendo superior a 400$;
4.º A prisão até três meses e multa até quinze, dias, se não exceder a 100$.
§ 1.º Se, nos casos previstos no corpo deste artigo, o valor do dano não exceder 100$, o procedimento criminal &ó terá lugar mediante acusação particular, e, nos mesmos casos, dependerá da participação d" ofendido, se ultrapassar tal valor.
§ 2.°........................................
§ 3.º........................................
§ 4.º........................................
§ 5.°........................................
Se repararmos atentamente nos valores indicados no artigo em confronto com as penas que lhes correspondem, salta de modo flagrante a sua desactualização. Esta desactualização é, com efeito, tão chocante que certa jurisprudência, que, de resto, não conseguiu fazer carreira, pretendeu considerar actualizados esses valores pelo já citado Decreto-Lei n.° 35 978, o qual, na realidade, somente se referiu ao furto, e não ao dano.
A única actualização foi levada a cabo pelo Decreto n.º 11 991, de 29 de Julho de 1920, portanto, há quarenta e dois anos!
A actualização que agora se pretende realizar, elevando ao décuplo os indicados valores, é feita exactamente na mesma medida da actualização feita por aquele decreto de 1926.
Com esta actualização, a punição do crime de dano voluntário aproxima-se da punição do crime de furto, nos moldes propostos pelo projecto de proposta de lei, e, por isso, não parece suscitar reparos de maior o critério utilizado.
Já quanto à actualização do valor referido no § 1.°, esta Câmara entende que não se justifica, dado que ele foi objecto de actualização relativamente recente (Decreto-Lei n.º 41 074. de 17 de Abril de 1957).
Assim, propõe-se que o artigo 3.º do projecto fique redigido como segue:
Art.º 3.º São elevados ao dobro os valores referidos nos artigos 421.º e 430.º do Código Penal e ao decuplo os valores referidos nos n.ºs 1.º a 4.º do artigo 472.º do mesmo Código.
§ 3.º Disposições transitórias
17. Os artigos 4.º e 5.° do projecto de proposta de lei têm em vista evitar dúvidas de interpretação quanto ao campo de incidência das alterações propostas.
O primeiro esclarece que os julgamentos já iniciados à data da entrada em vigor do diploma continuam segundo o mesmo formalismo. É evidente, porém, que tal não obsta à aplicação imediata das penas menos graves resultantes das alterações introduzidas (artigo 6.°, n.º 2.°, do Código Penal).
Deste modo, se o julgamento se iniciou, por exemplo, em processo de querela, com intervenção, pois, do tribunal colectivo, assim continuará, devendo, contudo, aplicar-se pena correccional, se o facto passou a ser punido com esta pena, e não com pena maior.
O artigo 5.º é claro, visando não prejudicar as legítimas expectativas das partes no tocante ao direito de recorrer.
III
Conclusões
A Câmara Corporativa reputa o presente projecto de proposta de lei oportuno, pelo que lhe dá a sua aprovação ia generalidade.
Quanto à especialidade, sugere que nele sejam introduzidas as alterações acima justificadas, pelo que, no parecer da Câmara, a futura proposta de lei deterá ter a seguinte redacção:
Artigo 1.º Os artigos 272.°, 501.°, 557.° e 646.° do Código de Processo Penal passam a ter a seguinte redacção:
Art. 272.º Ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado se oferecer caução idónea, quando a lei a admite, ou provar a sua identidade e assinar o respectivo termo, nos casos em que pode livrar-se solto sem caução.
§ 1.° Quando não seja possível prestar caução, em virtude de o tribunal não se encontrar aberto ou não poder desde logo tomar conhecimento do facto, e a infracção for meramente culposa, a autoridade ou o agente da autoridade libertará o detido, com observância do disposto na parte final do § 2.º do artigo 557.º e no § 2.º do presente artigo, desde que não se trate de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente, de identidade desconhecida ou indocumentado para o exercício da actividade de que resultou o facto ilícito.
§ 2.º Antes da libertação do detido poderá proceder-se à apreensão do instrumento que serviu à prática da infracção, a qual cessará com a prestação da caução, a não ser que por outro motivo deva ser mantida.
§ 3.° Se, pêlos motivos indicados no § 1.º, não puder ser assinado o termo de identidade, aplicar-se-á o disposto nesse parágrafo e no § 2.°, com as necessárias adaptações, quer a infracção seja culposa, quer dolosa.
...........................................
Art. 501.º Se houver diferentes réus, para onda um se formularão, em separado, os respectivos quesitos. Havendo, porém, factos comuns a vários réus, poderá- o tribunal formular sobre eles quesitos em conjunto.
............................................
7 Artigo -130.° "Em todos os casos declarados nesta secção, não excedendo o furto a quantia de 100$, nem sendo habitual, só terá lugar a pena, queixando-se o ofendido".
Anteriormente ao Decreto-Lei n.° 35 978 a quantia referida era de 25$.
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Art. 557.° ........................................
§ 2.º Se a captura se fizer a horas em que o tribunal esteja aberto e possa desde logo tomar conhecimento do facto, as testemunhas e o ofendido, quando a sua presença for necessária, serão notificados para comparecerem cm acto seguido no tribunal, onde será imediatamente apresentado o infractor ao respectivo juiz.
Se o tribunal não se encontrar aberto ou não puder desde logo tomar conhecimento do facto, a autoridade ou o agente da autoridade, não se tratando de delinquente de difícil correcção, vadio ou equiparado, libertado condicionalmente ou de identidade desconhecida. libertará o detido, advertindo-o de que deverá comparecer no primeiro dia útil imediato, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência. A participação será remetida ao tribunal no primeiro dia útil imediato, passando-se mandato de captura contra o réu que não compareça.
....................................
Art. 646.º Não haverá recurso:
6.º Dos acórdãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional, excepto quando sejam condenatórios, em processo de polícia correccional, de transgressões ou sumário: ressalva-se o disposto nos artigos 669.° e 670.º e os casos em que a multa aplicada exceda a quantia de 40 000$, qualquer que seja a forma do processo.
Havendo pedido cível deduzido, o recurso é admissível, restrito a esse pedido, desde que o respectivo montante exceda a alçada da relação.
Art. 2.º As decisões que tenham por objecto a sanção prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei n.° 35 007, de 13 de Outubro de 1045, e na alínea c) do artigo 184.° do Código das Custas Judiciais só admitem recurso até à relação.
Art. 3.° São elevados ao dobro os valores referidos nos artigos 421.º e 430.º e ao décuplo os valores referidos nos n.ºs 1.° a 4.º do artigo 472.° do mesmo Código.
Art. 4.º Os julgamentos; já iniciados à data da entrada em vigor deste diploma continuam segundo o anterior formalismo, não obstante a alteração da forma do processo.
Art. 5.° As limitações aos recursos paro- o Supremo Tribunal de Justiça resultantes do presente diploma não se aplicam às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor.
Palácio de S. Bento, 8 do Janeiro de 1969.
José Augusto Vás Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Alfredo Soares Manso Prelo, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA